Maringá - Paraná, 24 a 26 de Outubro de 2012
p. 001 - 0015
ISBN 978-85-87884-27-5
PANDEMÔNIO: O ARQUIVO NA SALA DE AULA
WAGNER HENRIQUE NERES FIUZA1
Fundação Araucária, Projeto Cotas Sociais
Universidade do Centro-Oeste – UNICENTRO
RESUMO - Há possibilidades de diálogo entre o trabalho arquivístico técnico e o ensino de História na
Educação Básica? Procurando possibilidades de resposta, buscou-se aproximar parte do trabalho
desenvolvido no CEDOC/G e a prática de docentes em sala de aula, por meio do uso de fontes primárias
nas aulas de História e técnicas específicas, como a Paleografia, tencionando acrescer e relativizar as
informações disponíveis aos alunos no livro didático – promovendo o diálogo e afirmação da função
social do Arquivo e da educação neste contraponto livro didático/fonte primária. A pesquisa é
exploratória, e possui como resultados primários discussões iniciadas no 5º Salão Extensionista da
UNICENTRO, com a participação de docentes do programa de formação continuada do Governo
Estadual (PDE).
Palavras Chave: CEDOC, Ensino, História.
1. Introdução
Na conceituação de Marilena Paes, “Arquivo é a acumulação ordenada de
documentos em sua maioria textuais, criados por uma instituição ou uma pessoa, no
curso da atividade, e preservados para a consecução de seus objetivos, visando á
utilidade que poderão oferecer no futuro” (PAES, 1991, p. 5). Dito isto, talvez em uma
afirmação como essa, embora explicativa e concêntrica, haja também implicações
sociais: Qual a função social do Arquivo? Aquela mesma na qual todo o esforço do
arquivista não se vê empilhado para poucas dúzias de curiosos ou para ostentar o rótulo
de investimento público. Aquela mesma que, em geral, qualquer rápida pesquisa
descobre: Pra que serve tudo isso?
Tal discussão poderia estender-se aqui por longos parágrafos, principalmente no
que diz respeito ao legado cultural que representa a conservação destes patrimônios, a
universalização do acesso e democratização do saber, entre outros. Mas, em que medida
estas discussões intelectuais chegam até as pessoas que, afinal, compõem elas mesmas
esta sociedade?
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Questões como estas são colocadas aqui não para serem respondidas, mas, antes,
para fazer-nos refletir a importância do Arquivo que floresce para a sociedade, e da
sociedade que aprende a notar a beleza desta flor. Para tal, é necessário intermediar o
trabalho interno de uma instituição arquivística, neste caso aqui apresentado o Centro de
Documentação e Memória de Guarapuava (CEDOC/G) e Arquivo Histórico Municipal,
com suas técnicas e possibilidades de levar à sala de a riqueza interna deste espaço.
Sobre isso Rodrigues, apud Isa Maria Freire diz que:
‘Há várias formas de articulação entre ensino e pesquisa nos cursos
de graduação’, sendo uma delas tomar a pesquisa como um ‘eixo’ do
ensino, traduzindo-se na possibilidade de disciplinas onde as
atividades sejam planejadas coletivamente ‘com o objetivo de
desenvolver habilidades e atitudes de investigação nos alunos’
(RODRIGUES apud FREIRE, 2009, p. 120)
Neste sentido, propomos aqui a utilização da paleografia2 – técnica específica
utilizada, no geral, apenas por arquivólogos/pesquisadores e com fins acadêmicos – para
levar ao aluno, através dos meios digitais disponíveis hoje nas escolas estaduais (como
o projetor de imagens), um contraponto ao livro didático, do qual analisamos uma
versão distribuída na rede pública de ensino entre os anos de 2006 e 2008, utilizando
para
tal
fontes
primárias
disponíveis
para
consulta
pública
no
Arquivo
Histórico/CEDOC/G nas aulas de História. Desta forma, procura-se expandir os
horizontes do professor e do aluno, dando acesso aos mesmos à construção da narrativa
histórica, para que se veja parte dela – construção esta que vemos, produzimos e
participamos ativamente, mesmo em nosso cotidiano.
2. Das características gerais dos Centros de Documentação e Memória (CEDOC)
Mas que instituição é essa que pretendemos aproximar dos alunos e professores?
Como já dito, neste trabalho usar-se-á a experiência no CEDOC/G3, que será tratado
diversas vezes como Arquivo, não só devido ao acervo utilizado aqui ter sido doado ao
Arquivo Histórico pela Câmara Municipal antes da criação propriamente dita do
CEDOC/G, como porque também os dois são um em suas funções e hoje o Arquivo
Histórico está integrado ao CEDOC/G.
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Estes Centros de Documentação e Memória, como pontua Célia Reis Camargo,
são uma especificidade brasileira no trato do patrimônio histórico e cultural, no geral
textual, da sociedade. Surgiram como centros de consulta e acesso a catálogos e
informações dos Grandes Arquivos – que em geral situam-se nas capitais – e acervos
particulares. Porém, Camargo enfatiza que se o dinheiro público não chega diretamente
a instituições independentes com estruturas físicas apropriadas para a conservação de
um imenso acervo acumulado, por vezes com centenas de anos, necessita de um
intermediário: os CEDOC surgem para suprir esta demanda, se adaptando à
realidade/necessidade local:
Muitos desses centros transformaram-se em centro de pesquisa e
memória social importantes, destacando-se não apenas pelo papel
fundamental que passaram a desempenhar na criação de condições
para a prática e o exercício da pesquisa, como pela produção
intelectual que viabilizaram a partir da reunião de pesquisadores em
torno de suas temáticas de especialização. (CAMARGO, 1999, p. 57).
No sentido da preservação, então, as Universidades, situadas no olho do furacão
social, representam a estabilidade e calmaria – para continuar a metáfora – das
constantes revoluções tecnológicas e sociais que se agitam como ventos furiosos de uma
tempestade permanente. Os municípios, sem verba específica para custear a estruturação
física para a preservação, além da falta de profissionais qualificados e conhecimento
especializado no que fazer com as pilhas cada vez maiores de documentação, veem na
Universidade, junto aos pesquisadores, uma instituição intermediadora entre o poder
público direto e a documentação; um lugar que talvez não seja o ideal, mas que surge
como uma importante alternativa:
Uma função originalmente apenas de organização e de geração de
novas informações, mas que passou a ser também uma atividade de
preservação e de organização de fontes originais de pesquisa. Nossa
realidade é essa, não há como mudá-la a curto prazo, nem há razões
para acreditar que essa mudança deva ser feita (CAMARGO, 1999, p.
59).
Ainda neste mesmo artigo, a autora prospecta uma parceria de qualidade cuja
tendência seria só crescer e adaptar-se no Brasil, visto que os CEDOC passam, então, a
não ser mais apenas centros de consulta, mas eles próprios Arquivos Históricos,
recebendo documentos de instituições públicas e privadas, coleções pessoais, doações
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de toda espécie que se dispõem para consulta. Concentra-se ali o conhecimento para
tratar a documentação e universalizar o acesso da comunidade.
Este processo descrito como uma caminhada geral no Brasil retrata muito bem a
constituição do Centro de Documentação e Memória de Guarapuava. A parceria com
professores Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Guarapuava (FAFIG), que viria a se tornar a Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO), tornou-se a intersecção que uniu o interesse da pesquisa e disposição
de meios para preservar documentações, que datam ainda do século XIX na região, a
quem detinha estes documentos.
Com uma estrutura e equipe de trabalho já consolidadas, concentrando um
acervo predominantemente composto por suporte papel, mas também contendo
inúmeras fotografias, dispõem-se ali de meios para realizar pequenos restauros e
materiais para assegurar a correta higienização, digitalização e armazenamento sob
temperatura, umidade e incidência de luz adequadas de toda documentação recebida,
buscando estar de acordo com manuais e normas estaduais/nacionais no seu trato
documental. Cumprindo sua função técnica e institucional, voltamos à afirmativa de
Marilena Paes da função principal de um Arquivo, porém, nos questionando: poderá um
CEDOC/Arquivo Histórico ir além dos conhecimentos técnicos especializados
produzidos? Como chegar aos professores atuantes na rede pública?
Para refletir sobre isso, desconsiderando da possível premissa de ação/inação
e/ou conhecimento/desconhecimento dos professores da rede pública de ensino a priori
das instalações e acervos do Arquivo, bem como pondera-se que uma das funções
básicas da Universidade é fornecer acesso universal ao conhecimento humano – e que
um CEDOC é, antes de tudo, parte integrante da Universidade – propõem-se aqui
discutir algumas das iniciativas que estão sendo desenvolvidas no Arquivo
Histórico/CEDOC/G, em especial, a capacitação com técnicas arquivísticas de
professores de História, por meio do uso de fontes primárias em sala de aula para,
através de um contraponto com livros didáticos, expandir as possibilidades da
construção epistemológica em sala de aula no ensino básico.
3. Iniciativas de aproximação desenvolvidas no CEDOC/G
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Poderíamos elencar diferentes trabalhos desenvolvidos no CEDOC/G, como o
estágio voluntário aberto à comunidade; as oficinas ministradas nos campi avançados da
UNICENTRO nos municípios da região ou as visitações às instalações físicas (com
média anual de 480 pessoas); todavia, afunilamos aqui na participação em eventos de
integração extensionista com trabalhos e oficinas práticas apresentadas, especificamente
com o trabalho realizado no 5º Salão de Extensão Universitária da UNICENTRO, no
qual desenvolveu-se uma oficina de noções de paleografia e catalogação para iniciar
este debate sobre o uso de fontes primárias em sala de aula com professores do
programa de formação continuada de professores da rede pública do Estado (Programa
de Desenvolvimento da Educação, vulgo PDE).
Os documentos utilizados para a execução da paleografia e posterior contraponto
com o livro didático compõem o acervo de Correspondências da Prefeitura Municipal
de Guarapuava, e possui documentos que datam do período de 1853 a 1970, e estão em
processo de catalogação seguindo as Normas Brasileiras de Descrição Arquivística
(NOBRADE). O caráter exploratório desta pesquisa pretende ainda ouvir professores da
rede pública geral e particular do município, e não apenas os professores do programa
de formação continuada, mas, por ora, apresentamos os caminhos apontados, em
conjunto, para dialogar o ensino e a prática técnica interna ao Arquivo
Histórico/CEDOC/G.
A principal discussão suscitada neste encontro foi: De que forma utilizar
técnicas específicas do trabalho interno do Arquivo e transportá-lo para a realidade dos
alunos? Como transpor o livro didático, mostrando que ele não possui “A” verdade, mas
é apenas uma narrativa histórica como qualquer outra, que traz um discurso sobre o
passado (inclusive como os documentos de um Arquivo), bem como deixar claro que
toda pesquisa é antecedida por uma seleção/classificação própria do autor, e que jamais
um livro/autor conterá em seus escritos toda a verdade ou o que realmente aconteceu,
mas visões de, testemunhos de. (CAIMI, 2002, p. 44)
A partir de tal disposição, debateu-se que além de questionamentos específicos
da seara do Historiador com relação aos seus métodos e concepções (como os
formulados por BLOCH, 2001), técnicas arquivísticas, como a Paleografia., e fontes
primárias em sala de aula possibilitam sim uma aula dinâmica, em uma aproximação do
aluno não apenas com o documento em si, mas com a forma pela qual se produzem
discursos sobre ele. Neste ponto, a preocupação do Arquivo Histórico/CEDOC/G não
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está apenas em conservar os documentos para a posteridade, mas instigar meios de
aproximá-los da escola, do aluno – uma função social incisiva e perturbadoramente
próxima, mesmo que ainda tão distante da realidade, de auto-reflexão e criticidade, pois
a sabedoria árabe já anunciou: “os homens se parecem mais com sua época do que com
seus pais” (BLOCH, 2001, p. 60).
Seguem trechos destacados de digitalizações do acervo citado utilizados para
compor as possibilidades de discussões com os professores, bem como comentários a
respeito e um possível contraponto com um livro didático utilizado na rede pública de
ensino em Guarapuava no ano de 2009, escolhido por seleção randomizada, a título de
reflexão das possibilidades que se apresentam do contato entre estas diferentes
profissões e um tema gerador possível de abordar a partir da documentação do
CEDOC/G.
3.1 Transcrição
O primeiro contato com a Paleografia efetuou-se por meio da leitura e
transcrição, não apenas porque facilita a compreensão dos documentos como também
revela traços interessantíssimos para uma abordagem em sala de aula. Mesmo com o
objetivo geral pedagógico das atividades, elementos técnicos como a fidelidade na
reprodução da quebra de linhas ou à cada caractere foram reforçados.
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TRANSCRIÇÃO
Havendo Sua Magestade O Imperador, em demonstração da
pro-funda magoa com que Recebo a infanta noticia do falecimento de
Sua Magestade Fidelissima a Rainha de Portugal, Sua
Augusta Irmã, tomado luto com sua Corte por seis meses, que
começarão
A 20 de Desembro ultimo, tres perado, e tres aliviado, como
me foi
Comunicado por Aviso do Ministerio do Imperio d’aquella
data
Assim o faço comtar a’essa Camara para devida inteligência
Deos Guarde á Vmces
Palacio do Governo do Paraná, 23 de janeiro de 1854
Zacarias de Goes e Vasconcelloz
(Documento do Acervo de Correspondências da Prefeitura
Municipal de Guarapuava, alocada no CEDOC/G e Arquivo
Histórico Municipal, que funciona na Universidade do Centro-
Senses. Presidente e Veredores da
Oeste – UNICENTRO)
Camara Municipal de Guarapuava
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3.2 abreviaturas
É recorrente encontrar na documentação deste acervo abreviaturas formais,
substituição de fonemas por letras e/ou sílabas isoladas, muitas vezes necessitando do
auxílio de dicionários de abreviaturas, pois compreendê-las no corpo do texto é
essencial (bem como diz muito sobre sua sociedade).
(Deos Guarde à Vossas Mercês)
Vossas Senhorias
3.3 Caracteres especiais
Outro importante ponto discutido a partir das
correspondências e abreviaturas são os caracteres que
eram unidos, transformados ou adaptados ao português
corrente, dos quais retiramos dois exemplos: a assinatura
Henrique (H e E formam um só caractere) e posse (que
representa uma vasta gama de palavras nas quais “SS”
Henrique
formam um só caractere). Sobre este último, é comum
encontrar em diversas transcrições do século XIX o termo
“pofse”, onde “FS” compõem a palavra no lugar de “SS”;
porém, no acervo analisado, em inúmeras vezes, em
diferentes autores do documento, há nitidamente um caractere
único para designar “SS”.
Posse
3.4 Português Arcaico
Características como estas citadas acima somam-se a outras nas quais podem-se
perceber mudanças ocorridas na ortografia, ou seja na forma de escrever das pessoas
através dos tempos:
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approvadas
que adita (no sentido de a referida, a citada, etc)
Além da grafia é também necessário separar e unir as palavras durante o texto,
para conseguir compreendê-lo; como nestes exemplos:
A longe tude (no sentido de eu estava longe)
Com metterem (no sentido de cometer)
3.5 Experiência empírica
Todas estas manifestações semânticas são interligadas e coexistem em um
mesmo texto – elas compõem o que podemos chamar de um português arcaico, sem
regras gramaticais ortodoxas na escrita. Na falta de normas, muitas vezes é necessário
identificar os “padrões de escrita” do autor, repetições de letras e caracteres. Porém,
assim como estes padrões ajudam também podem confundir a leitura: quando a tinta
estiver muito fraca ou borrada, o professor consegue ler a palavra por meio desta
técnica, ou, ao se ater demais aos padrões, dificultar sua leitura. Note-se este exemplo:
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(José Borges O Subdelegado Vinicimo Ignacio Marcondes Araujo. Joaquim Jose Borges Presidente e Juis Municipal pela lei
nesta Villa de Castro e seu Termo eductra Mando aqual quer official de Justiça da Subdelegacia de Guarapuava que vendo
este meu mandado indo por mim assignado noti fique oito testemunhas que te)
Em trechos como este apresentado acima, é possível notar que o escritor altera sua
forma de escrever a letra “d”, bem como sua letra “t”, o que dificulta e muito a
execução da leitura, mas que só percebe-se por meio da experiência e contato com os
documentos; Em pequenos trechos como este encontram-se diversos aspectos apontados
anteriormente (como “official”, “assignado” ou “aqual quer”), e permitem diversas
possibilidades de análise.
3.6 Com pouco se faz muito
Será possível apreender algo de um pequeno trecho de ata como este? Vejamos:
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(Ano de Nassimento de nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e cincoenta e cinco, Trigestimo
terceiro da Independencia do Império, aos vinte tres dias de mes de Setembro do dito anno em sua quarta
dominga nesta Freguesia),
Partindo da premissa de que os documentos não falam por si próprios, mas,
antes, são questionados e respondem às perguntas do Historiador, conclui-se que um
simples fragmento como este poderia dizer muito sobre sua sociedade. Além da grafia
característica do século XIX (decorrente de pessoas que escreviam fonemas e não
normas gramaticais), denuncia-se ali a relação próxima do Estado com a Igreja (indícios
de um regime que não a república laica e democrática); o uso de termos como Freguesia
(dificilmente utilizados atualmente para designar uma localidade) ou o próprio endereço
do documento: como uma ata de Palmas está, hoje, no CEDOC de Guarapuava?
Perguntar isso a este documento implica necessariamente uma retomada da extensão
territorial e administrativa deste município no século XIX e da própria origem do termo
“Campos de Guarapuava” – longe de transparecer uma busca por origens, demonstra,
antes de tudo, que a história nunca é fixa, mas sempre contemporânea e em movimento
– como afirmou o Historiador Marc Bloch ao propor o método retrospectivo presentepassado e passado-presente nas análises documentais (BLOCH, 2000, p. 60).
4. Livro didático: apenas mais uma narrativa histórica
Para continuar a seguir os temas abordados com os professores do PDE no 5º
salão extensionista, não debateu-se ali apenas sobre os meios com os quais se pode
analisar um documento digitalizado/físico em sala de aula – encontrar diferentes fontes
e estabelecer a conexão entre elas é tão importante quanto saber utilizá-las após tê-las
em mãos (ABREU, 2011, p. 249). Consultados os professores sobre os principais meios
de informação utilizados em sala de aula, a resposta foi unânime: o livro didático foi
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apontado como a principal referência deles em sala de aula, complementado com
ferramentas audiovisuais e visitas à biblioteca. Propôs-se como forma de enriquecer as
aulas um contraponto entre o livro, neste caso o livro didático História e Cidadania de
Junior Alfredo Boulos, distribuído na rede pública de ensino em 2009, e algumas
correspondências, entre 1854 a 1871, disponíveis para consulta pública no Arquivo
Histórico/CEDOC/G. Atualmente, diversos autores pesquisam sobre didática e ensino
na História; dentre eles Monteira, que traça um importante panorama com relação à
concepção de programas nacionais de distribuição dos livros didáticos:
A existência de programas como o PNDL e o PNLEM torna os livros
recomendados representantes de uma política oficial, uma vez que a
avaliação representa um crivo de ‘qualidade’ (...). Mesmo que não se
imponha um manual ou um modelo único, que teoricamente os
professores tenham a liberdade de escolher entre as várias opções
apresentadas, os livros ‘recomendados’ são os oficialmente
‘autorizados’ (MONTEIRA, 2009, p. 192).
Cientes destas realidades econômicas e políticas externas ao livro e das avaliações
e processos para sua confecção e distribuição apontadas pela autora, seguiu-se a análise.
A princípio, identificou-se a falta de espaço do livro a certos aspectos da História, pois
já Walter Benjamin apontou a impossibilidade de uma história total, da qual apenas
temos acesso a ruínas construídas por lampejos do passado e partes de nossa memória
(BENJAMIN, 1996, p. 224), e que qualquer fonte utilizada para compô-lo já, per si, é
uma seleção de fontes que implica deixar outras de lado para construir a narrativa
histórica. Isso proporciona não uma possibilidade de criticar e desconstruir por
completo o conhecimento que o livro dispõe, mas sim uma possibilidade nova de
contato com outras fontes, de mostrar aos alunos que os horizontes do seu mundo não
tem limites para se expandir – isso, claro, dentro de uma proposta de educação
transformadora como a elaborada por Saviani, na qual o aluno se pensa enquanto sujeito
e autor de seu caminho, percebendo a construção histórica da sociedade e
desnaturalizando conceitos para não apenas reproduzir o mundo, mas fazer parte
efetivamente de seu meio social (SAVIANI. 2008, p. 39).
No livro em análise, o capítulo 12 “Povos Indígenas no Brasil” dedica-se aos
nuances e especificidades culturais, danças, costumes e territórios ocupados quando da
chegada dos portugueses nos séculos XV e XVI ao continente americano. Após o
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primeiro contato, a ideia que se transmite é que o indígena, integrado à população dita
brasileira, dá lugar progressivamente ao escravo como agente principal das
preocupações presentes no livro – e consequentemente este grupo social “some”. Outros
capítulos ainda fazem menção à presença do autóctone sul-americano na porção
territorial colonizada pelos espanhóis, mas externa à qualquer realidade brasileira.
Para
explorar
esta
lacuna,
selecionou-se
no
acervo
do
Arquivo
Histórico/CEDOC/G, cerca de 5 correspondências no período que vai de 1854 a 1871
nas quais se relatam diferentes ataques de diferentes populações indígenas às vilas da
região Oeste do Paraná, bem como fazem referência à posição social e jurídica deste
índio que vivia na “cidade”, deixando entrever classificações sociais que transcendem às
tribos: foram absorvidas e reinventadas na dinâmica social urbana. A partir das
conexões entre estes documentos, propôs-se que, no livro, o fato do indígena “sumir”
depois do século XVII, ou que no século XIX discorra-se sobre Dom Pedro II, o poder
moderador ou a Independência da República não está errado, é, antes, um nuance; uma
narrativa, a qual podemos complementar com fontes primárias para mostrar aos alunos
que o século XIX possui conflitos de toda ordem possível e não apenas na cidade
grande, pois a História nunca é fixa e o tempo é relativo. Estas considerações são, a
princípio, teoria da história pura, mas encontram no diálogo com o trabalho e espaço
arquivístico uma forma objetiva de contribuir para a formação de uma sociedade crítica
e consciente de si. Desta forma, reafirmam-se aqui as palavras de Caimi:
Não compactuo, assim, com aqueles que condenam o uso do livro
didático pregando a sua total rejeição: considero, porém, que, sendo
um recurso auxiliar, o livro deve ser utilizado com cautela pelo
professor. O autor de livros didáticos, assim como o Historiador, faz
opções entre diferentes temas, periodizações, fontes, métodos, erc., os
quais são condicionados pela época em que vivem, pelo seu lugar
social, pela sua visão de mundo. (CAIMI, 2002, p. 44)
Reafirma-se em que sentido? No da instrumentalização de meios para construir o
conhecimento em sala de aula a partir das mais variadas temáticas, tornando visível o
processo criativo da construção epistemológica na educação através desta crítica interna
e externa aos documentos que são levados até os alunos.
5. Conclusão
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Cabe mencionar aqui que se tem clara a diferença entre o trabalho desenvolvido
com técnicas e minúcias específicas ao trabalho do arquivista, do paleógrafo, do
restaurador. Bem como é nítida a separação entre o Historiador pesquisador que apenas
se utiliza dos documentos como fontes de pesquisa e o professor de História – talvez
aqui caberia uma discussão teórica sobre as origens e pertinência ou não desta divisão,
porém, foge aos objetivos deste ensaio. O que se propõem aqui não é fundir as
especialidades e destruir fronteiras, antes, propor a interdisciplinaridade das profissões
de forma que toda a produção acadêmica de um CEDOC não se resuma a folhetins,
boletins ou catálogos técnicos mensais, nem que o um professor se torne refém de um
livro didático, mas que tenha alternativas para dar forma à consciência histórica de si,
definida de acordo com diretrizes curriculares do Paraná, que é tornar o aluno que
possua consciência histórica:
Esses tipos de consciências e narrativas coexistem no mundo
contemporâneo nas historiografias de referência e, também, na vida
prática dos sujeitos, seja nas escolas, nos meios de comunicação, nos
manuais didáticos, nas famílias e nas demais instituições, e são,
portanto, intercambiantes (PARANÁ, 2008, p. 58)
Tudo o que foi explicitado aqui resultou de discussões entre membros da equipe
de trabalho arquivístico do CEDOC/G, acadêmicos do curso de História e professores
do PDE atuantes na rede Estadual de Ensino Público, demonstrando que não se tratam
de verdades, ou de papéis sociais exatos e imutáveis, mas contribuições à sociedade. O
diálogo é enriquecedor e deve partir das duas posições, tanto do trabalho interno do
Arquivo quanto do professor que atua na escola.
Acadêmico do 2º ano de História da Universidade do Centro-Oeste – UNICENTRO, bolsista do projeto
de Cotas Sociais pela Fundação Araucária 2011-2012.
2
O termo paleografia deriva do grego paleo = antigo e graphein = representação; é, pois, a representação
do antigo, ou o estudo que tem como objeto antigos escritos. Os profissionais que trabalham na área são
conhecidos como paleógrafos e sua função é identificar e traduzir esses escritos ou documentos para que
se possa ter uma melhor compreensão acerca do objeto e seu conteúdo.
3
O Arquivo Histórico Municipal de Guarapuava, regulamentado pela lei 67/89 de 1989, foi integrado ao
Centro de Documentação e Memória de Guarapuava (CEDOC/G), aprovado pela resolução 036/2007
COU/UNICENTRO, utilizando, ambos, o mesmo espaço físico, equipe técnica, acervos, etc.
1
6. Referências bibliográficas
W. H. N. Fiuza
Maringá - Paraná, 24 a 26 de Outubro de 2012
p. 0015 - 0015
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