TRADUÇÃO
Revolução e liberdade*
Hannah Arendt
(Edição e tradução de Adriano Correia)**
Receio que meu assunto hoje seja embaraçosamente atual. As revoluções se
tornaram ocorrências cotidianas desde que, com a falência do imperialismo, um
povo após outro se ergueu “para assumir, entre os poderes da Terra, a posição igual
e separada, à qual lhes dão direito as leis da natureza e as do Deus da natureza”1.
Assim como o resultado mais duradouro da expansão imperialista foi a exportação da
ideia do Estado-nação europeu aos quatro cantos da Terra, igualmente a falência do
imperialismo sob a pressão do nacionalismo levou à exportação, por assim dizer, da
ideia de revolução para todo o globo. Pois todas as revoluções, independentemente
de quão violentamente anti-Ocidente possa ser sua retórica, permanecem sob o
signo da tradição da revolução no Ocidente e se inserem nela. Esse estado de coisas
foi precedido pela série de revoluções após a Primeira Guerra Mundial no próprio
continente europeu. Desde então, e ainda mais marcadamente depois da Segunda
Guerra Mundial, parece que o mais certo é que uma mudança revolucionária da
forma de governo, distintamente de uma mera alteração da administração, acabará
em derrota na guerra entre as grandes potências – na iminência da aniquilação total,
é claro. Mas é um tanto importante notar que mesmo antes de os desenvolvimentos
tecnológicos tornarem a guerra entre as grandes potências literalmente uma luta de
vida ou morte – e, consequentemente, contraproducente, ao menos por enquanto –,
as guerras haviam se tornado politicamente uma questão de vida ou morte. Isto não
era de modo algum algo óbvio. Significa que os protagonistas das guerras nacionais
começaram a agir como se estivessem envolvidos em guerras civis. E as pequenas
guerras dos últimos vinte anos (Coréia, Argélia, Vietnã) foram claramente guerras
* O manuscrito original, datado entre 1966-1967, pode ser consultado em The Hannah Arendt Papers at
the Library of Congress: https://memory.loc.gov/cgi-bin/query/P?mharendt:1:./temp/~ammem_
eA23::. Nesta edição inserimos os acréscimos manuscritos de Arendt. Todas as múltiplas e relevantes
supressões e formulações prévias podem ser conferidas no manuscrito original. Optamos por apontar
apenas as modificações mais relevantes.
**Professor Associado na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Goiás e Pesquisador do
CNPq. Gostaria de agradecer a Neil Wall, Carla Milani Damião, Thiago Dias da Silva e Renata Romolo
Brito pelos inestimáveis auxílios na edição do texto.
1 Arendt cita a introdução da Declaração Americana de Independência. Cf. Thomas Jefferson, Political
writings, p.96-97.
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civis nas quais as grandes potências se envolveram ou porque a revolução ameaçou
seu domínio ou porque havia criado um perigoso vácuo de poder. Nesses casos, não
foi mais a guerra que desencadeou a revolução. A iniciativa mudou da guerra para a
revolução, a qual, já em alguns casos, mas de modo algum em todos, é sucedida por
intervenção militar – como se repentinamente retornássemos ao século XVIII, quando
a Revolução Americana foi sucedida por uma guerra contra a Inglaterra e a Revolução
Francesa por uma guerra contra as forças reais aliadas da Europa.
Apesar das circunstâncias tremendamente diferentes, tecnológicas e outras,
novamente as intervenções militares parecem relativamente estéreis em face desse
fenômeno. Houve numerosas revoluções durante os últimos duzentos anos que
fracassaram, mas não houve muitas cuja ruína fosse explicada por uma superioridade
nos meios e na aplicação dos meios de violência. Do mesmo modo, intervenções
militares, mesmo quando foram bem sucedidas, amiúde mostraram-se notavelmente
ineficientes na restauração da estabilidade e no preenchimento do vácuo de poder.
Mesmo a vitória parece incapaz de substituir o caos pela estabilidade, a corrupção
pela honestidade, a desintegração pela autoridade e pela confiança no governo. A
restauração, consequência de uma revolução interrompida, usualmente não fornece
muito mais que uma cobertura delgada e manifestamente provisória sob a qual o
velho processo de desintegração prossegue incontido. Por outro lado, há um grande
potencial de estabilidade futura inerente a novos corpos políticos conscientemente
formados, e a república americana é certamente seu melhor exemplo. O problema é
que revoluções bem sucedidas parecem ser realmente muito raras. Entretanto, nessa
configuração em que, para o bem ou para o mal, as revoluções se tornaram os eventos
mais significativos e mais frequentes, provavelmente ainda por décadas, seria não
apenas mais sábio, mas também mais relevante se, em vez de nos vangloriarmos de
sermos a maior potência da Terra, disséssemos que desfrutamos de uma estabilidade
extraordinária desde a fundação da república, e que esta estabilidade foi o
desdobramento direto da revolução. Com efeito, desde que as disputas entre as
grandes potências não podem mais ser decididas por guerras, elas podem muito bem
ser decididas a longo prazo pela questão sobre qual delas compreende melhor o que
está envolvido e o que está em jogo em uma revolução.
Penso não ser segredo para ninguém, ao menos não desde o episódio da
Baía dos Porcos, que a política externa dos Estados Unidos da América raramente
tem se mostrado particularmente perita e informada no julgamento de situações
revolucionárias e compreendido o ímpeto próprio dos movimentos revolucionários.
Esse episódio é frequentemente atribuído a informações imprecisas e a uma
incompetência dos serviços secretos. A incompetência é, na verdade, muito mais
profunda. Trata-se da incompetência na compreensão do que significa quando
pessoas afligidas pela pobreza, em um país atrasado onde a corrupção atingiu o nível
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da podridão, são de repente livradas não de sua pobreza, mas da obscuridade e da
mudez de sua miséria – e, portanto, da incompreensibilidade dela –, quando ouvem
pela primeira vez sua condição ser discutida às claras e são convidadas a participar
na discussão; do que significa quando são levados a sua capital, que eles nunca
haviam visto antes, e ouvem: essas ruas, esses edifícios e esses quarteirões, tudo
isso é vosso, vossa posse e por isso vosso orgulho. Isso ou algo desse tipo aconteceu
pela primeira vez durante a Revolução Francesa, e foi um homem idoso na Prússia
– que nunca havia deixado sua cidade natal, mas calhou de ser um filósofo e um
amante da liberdade –, Immanuel Kant, que não tem sido famoso por pensamentos
rebeldes, quem compreendeu imediatamente: “tal fenômeno na história humana
nunca será esquecido”2. De fato, foi tão pouco esquecido que tem feito a história do
mundo. E embora muitas revoluções tenham terminado em tirania, não foi esquecido
igualmente que, nas palavras de Condorcet, “a palavra revolucionário só pode ser
aplicada a revoluções cujo objetivo é a liberdade”3.
O termo “Revolução”, como qualquer outro termo do nosso vocabulário
político, pode ser usado em um sentido genérico, sem se levar em consideração a
origem da palavra ou o momento temporal quando o termo foi aplicado pela primeira
vez a um fenômeno político definido. Tal uso pressupõe que, não importa quando
e por que o próprio termo apareceu pela primeira vez, o fenômeno mesmo foi,
por assim dizer, contemporâneo da história enquanto tal; e a tentação de usar a
palavra revolução nesse sentido terminológico geral é particularmente forte quando
falamos de “guerras e revoluções”, pois as guerras são realmente tão antigas quanto
a memória documentada da humanidade. Certamente se pode registrar uma história
da guerra – de como as guerras foram efetivamente conduzidas, por quais razões
e com que justificativas, meios e metas, em diferentes épocas e em diferentes
civilizações –, mas muito dificilmente se poderá determinar algo como a primeira
guerra na história. De acordo tanto com nossa tradição clássica quanto com nossa
tradição bíblica, um ato bélico encontra-se bem no início da história (Caim assassinou
Abel, Rômulo assassinou Remo), ou uma guerra de fato, ainda que lendária (a guerra
contra Tróia, a de Enéias contra a Itália4).
Essa noção lendária mais antiga de que um início tem de estar intimamente
conectado com a violência – de que a violência, por assim dizer, dá à luz a história; de
que toda fraternidade de que os seres humanos sejam capazes brotou do fratricídio;
2 I. Kant, Der Streit der Fakultäten, in Kants Werke, vol. VII, Berlim: G. Reimer, 1917, p.88: “ein
solches Phänomen in der Menschengeschichte vergisst sich nicht mehr”. Cf. H. Arendt, Lectures on
Kant’s Political Philosophy, por exemplo (trad. bras., p.59-60).
3 “Sur le sens du mot révolutionnaire” (Publicado originalmente em 01/06/1793, Journal d’Instruction
sociale), in Oeuvres, vol. XVII (1847), p.615: “le mot révolutionnaire ne s’applique qu’aux révolutions
qui ont la liberte pour objet”. Citado em On revolution, p.29 (Trad. bras., p.56).
4 Cf. On revolution, p.209 (trad. bras., p.268).
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de que toda organização política que os homens possam ter alcançado tem sua
origem no crime – viajou através dos séculos como um dos quase não examinados e
autoevidentes pressupostos do pensamento político. Influenciou o pensamento e as
ideologias tanto dos movimentos revolucionários quanto dos contrarrevolucionários,
na medida em que ambos concordavam acerca de que apenas a violência e o crime
poderiam gerar um novo início, de modo que os revolucionários depositaram sua
confiança na violência – seja Jefferson a considerar que “a árvore da liberdade tem
de ser revigorada de tempos em tempos com o sangue de patriotas e tiranos. Ele é
seu adubo natural”5; seja Marx a conceber a violência como a suprema força motriz
da história6 –, enquanto os contrarrevolucionários denunciaram toda revolução como
um crime, uma vez que ela significava um novo começo.
Contudo, embora pareça realmente difícil utilizar o termo guerra em qualquer
outro sentido que não o genérico, porque seu primeiro aparecimento não pode ser
datado no tempo ou localizado no espaço, não há tal desculpa para o uso indiscriminado
que sempre existiu do termo revolução. Antes das duas grandes revoluções do fim do
século XVIII, a própria palavra estava ausente do vocabulário do pensamento político
e da prática política, ao menos no sentido em que foi empregada desde então. Para
o século XVII, no qual o termo apareceu primeiramente em seu uso político, ele ainda
se mantinha rigorosamente ligado a seu sentido astronômico original, significando o
movimento eterno, irresistível e sempre recorrente dos corpos celestes. Foi então
empregado metaforicamente para descrever um movimento giratório de retorno a
algum ponto preestabelecido – e, portanto, politicamente, para indicar um movimento
pendular de retorno a alguma ordem preestabelecida. Assim, a palavra foi usada
primeiramente não quando o que chamamos de revolução irrompeu na Inglaterra e
Cromwell ascendeu a uma espécie de ditadura revolucionária, mas, pelo contrário,
em 1660, após a derrubada do Parlamento Expurgado [Rump Parliament] e pela
ocasião do restabelecimento da monarquia. E mesmo a Revolução Gloriosa – o evento
mediante o qual, ainda que paradoxalmente, o termo encontrou seu lugar definido
na política e na linguagem histórica –, não foi de modo algum compreendida como
uma revolução, mas como a restauração do poder monárquico a sua integridade
e a sua glória anteriores. Mas o que revolução efetivamente significava antes das
revoluções do século XVIII talvez esteja indicado mais claramente na inscrição do
5 Arendt indica em On revolution, p.322, n. 28 (trad. bras., p.384), que “as citadíssimas palavras
aparecem em uma carta de Paris ao Coronel William Stephens Smith, de 13 de novembro de 1787”.
William Stephen Smith era genro de John Adams. Jefferson está se referindo à Rebelião de Shay,
contra o governo de Massachusetts, entre 1786 e 1787.
6 “‘A violência é a parteira de toda velha sociedade prenhe de uma nova’ [K. Marx, Capital, Nova
York: Modern Library, 1906, p.824], em consequência: a violência é a parteira da história”, H.
Arendt, “Tradition and the modern age”, in Between past and future, p.21 (trad. bras., p.48).
Arendt substitui “força”, como aparece na edição em inglês mencionada, por “violência” – Gewalt,
em alemão (K. Marx, Das Kapital, p.680). Cf. H. Arendt, “Karl Marx and the Tradition of Western
Political Thought”, p.287-290.
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grande selo de 1651, que dizia que a primeira transformação da monarquia em uma
república significava que “a liberdade, pela graça de Deus, [foi] restaurada”7.
O fato de que a palavra “revolução” significava originalmente restauração
é mais que uma mera estranheza semântica. Mesmo as revoluções do século XVIII
não podem ser compreendidas a menos que se perceba que as primeiras revoluções
irromperam quando era visada a restauração e que o conteúdo da “restauração” era
a liberdade. Nas palavras de John Adams, os homens da revolução foram “chamados
sem expectativa e compelidos sem inclinação prévia”8, e o mesmo vale para a
França, onde, nas palavras de Tocqueville, “podia-se crer que o objetivo da revolução
iminente era não a derrubada do Antigo Regime, e sim sua restauração”9.
Quando, no curso de ambas as revoluções, os atores aperceberam-se do
fato de que haviam embarcado em um empreendimento inteiramente novo – e que
dificilmente girariam de volta a qualquer evento que as precederam, e quando a
palavra adquiriu, consequentemente, seu novo sentido “revolucionário” –, dentre
todos foi Tomas Paine, ainda fiel ao espírito de uma era passada, quem pôde propor
com toda seriedade chamar as Revoluções Americana e Francesa pelo nome de
“contrarrevoluções”, para resguardar os eventos novos e extraordinários da suspeita
de que havia sido feito um começo inteiramente novo, e resguardá-los do ódio da
violência que inevitavelmente estava conectada com tal empreendimento. Estamos
sujeitos a negligenciar em parte esse horror quase instintivo ante o inteiramente
novo, que é bastante manifesto na mentalidade desses primeiros revolucionários,
porque estamos muito bem familiarizados com a avidez da Era Moderna – desde seu
início, na ciência e na filosofia – por “coisas nunca antes vistas e pensamentos nunca
antes pensados”10; e em parte isto é facilmente negligenciado porque realmente nada
no curso dessas revoluções é mais conspícuo e mais impressionante que a insistência
enfática na novidade, repetida muitas e muitas vezes de modo semelhante por atores
e espectadores – sua insistência em que nada comparável em significado e grandeza
jamais havia acontecido antes, em que uma era inteiramente nova estava prestes
a se desvelar. Não obstante, sua estória inteiramente nova foi iniciada por homens
7 Arendt se refere ao “Grande Selo da Inglaterra, de 1648”, cuja inscrição completa era: “No primeiro
ano da Liberdade, restaurada pela graça de Deus, 1648”. On revolution, p.43 (trad. bras., p.74).
8 “A defense of the constitutions of government of the United States of America”, in The works of
John Adams, vol. 4, p.293.
9 “On eût pu croire que le but de la révolution qui se préparait était, non la destruction du régime
ancient, mais sa restauration”. L’Ancien Régime et la Révolution – fragments et notes inédites sur
la révolution, p.72. Cf. On revolution, p.45 (trad. bras., p.75).
10 Cf. On revolution, p.46-47 and 172 (trad. bras., p.75-76 e 224). “Galileu Galilei, Martinho Lutero e
os grandes navegadores, exploradores e aventureiros do tempo das descobertas pertencem ainda
a um mundo pré-moderno. Além disso, não se encontra em nenhum deles, nem mesmo em Galileu,
o estranho pathos da novidade, a quase violenta insistência com que quase todos os grandes
autores, cientistas e filósofos, desde o século XVII, declaravam ver coisas jamais antes vistas e ter
pensamentos jamais antes pensados”. The human condition, p.248-249 (trad. bras., p.307-308).
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que estavam firmemente convencidos de que estavam prestes a realizar apenas a
restauração de um ordenamento antigo e “natural” das coisas, o qual havia sido
perturbado e violado pelos poderes existentes. Nada teria sido mais estranho a suas
mentes, antes das reais experiências da revolução, que a avidez por coisas novas,
uma avidez que era até então bastante corrente no fazer e no pensar não políticos
– embora nossas atuais convicções de que a novidade possa ser desejável enquanto
tal fossem ainda muito eventuais. O imenso pathos de uma nova era, do novus ordo
saeclorum, que ainda está inscrito em nossas notas de dólar, veio à tona apenas
após os atores, muito contra sua vontade, chegaram a um ponto em que não havia
retorno.
Em vista disso, o que realmente aconteceu no fim do século XVIII foi que uma
tentativa de restauração e de recuperação de antigos direitos e privilégios resultou
no exato oposto, a saber: na abertura de um futuro e de um desenvolvimento
progressivo que impugnou toda tentativa ulterior de agir ou pensar em termos de
movimentos circulares, giratórios. E enquanto o termo “revolução” foi radicalmente
transformado no processo revolucionário, algo similar, mas infinitamente mais
complicado, aconteceu com a palavra “liberdade”. Na medida em que o propósito
era apenas o de que a liberdade, pela graça de Deus, fosse restaurada, estavam em
questão esses direitos e liberdades que hoje associamos com o governo constitucional
e que são chamados propriamente de direitos civis. O que não estava incluído neles
era o direito político de participar nos assuntos públicos. Mas nenhum desses direitos,
nem mesmo o direito de ser representado para fins de tributação, eram, na teoria e
na prática, resultado da revolução. Era revolucionária não a reivindicação “da vida,
da liberdade e da propriedade”, mas a de que elas eram direitos inalienáveis de
todas as criaturas humanas, não importando onde elas viviam e que tipo de governo
possuíam. E mesmo nessa nova extensão revolucionária a todo gênero humano, a
liberdade [liberty] não significava mais que a liberação [freedom] de limitações
injustificadas, ou seja, algo essencialmente negativo.
As liberdades [liberties], no sentido dos direitos civis, resultam da libertação
[liberation], mas de modo algum são o verdadeiro conteúdo da liberdade [freedom],
cuja essência é a participação nos assuntos públicos e a admissão no domínio público.
Se as revoluções almejassem apenas a garantia dos direitos civis, teria sido suficiente
a libertação de certos regimes que haviam extrapolado seus poderes e infringido
direitos antigos e bem estabelecidos. É verdade que as revoluções começaram com
reivindicações de tais antigos direitos, da “liberdade restaurada”, mas quase desde
o início do processo revolucionário elas extrapolaram os limites denotados por tais
reivindicações. A dificuldade aqui consiste em que a revolução sempre disse respeito
tanto à libertação quanto à liberdade, e uma vez que a libertação é realmente uma
condição para a liberdade, embora de modo algum a liberdade seja o resultado
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necessário da libertação, é muito difícil dizer onde termina o mero desejo de
libertação, de estar livre da opressão, e onde começa o desejo da liberdade como
modo político de vida.
O cerne da questão é que o primeiro, o desejo de estar livre da opressão,
podia muito bem ter sido satisfeito sob governo monárquico, embora não sob governo
tirânico, enquanto que o último exigiu a formação de uma forma de governo nova,
ou antes redescoberta: exigiu a constituição de uma república. Pois é certo que
nada é corroborado mais claramente pelos fatos que a afirmação de Jefferson de
“que as disputas daquela época foram disputas de princípio entre os defensores do
governo republicano e os defensores do governo monárquico”11. Essa equação de
governo republicano com liberdade, a convicção de que a monarquia é um crime ou
um governo adequado para escravos, ainda que tenha se tornado lugar comum quase
tão logo as revoluções começaram, havia estado também muito ausente das mentes
dos homens das revoluções. Esta era a nova liberdade que eles estavam aspirando
agora, embora dificilmente se possa sustentar que eles possuíam alguma noção dela
antes das revoluções. Pelo contrário, foi uma paixão por esta nova liberdade política,
mesmo que ainda não assimilada à forma republicana de governo, que inspirou e
preparou aqueles que ainda não sabiam o que era uma revolução para o papel que
estavam prestes a desempenhar nelas. É elementar para toda compreensão do
fenômeno da revolução perceber que12, independentemente de quão amplamente
tenha aberto os portões para as massas dos pobres e oprimidos – les malheureux, les
misérables, les damnés de la terre13, como os conhecemos da grande retórica que se
originou da Revolução Francesa –, nenhuma revolução jamais foi iniciada por eles,
assim como nenhuma revolução jamais resultou de conspiração, sociedades secretas
ou partidos abertamente revolucionários.
Falando de uma maneira geral, podemos dizer que nenhuma revolução sequer
é possível onde a autoridade do corpo político se encontre de fato intacta, o que
significa, em condições modernas, o seguinte: onde se pode acreditar que as forças
armadas obedecerão às autoridades civis. As revoluções são a resposta – não a
necessária, mas a resposta possível – à desintegração; elas são as consequências, mas
nunca as causas da ruína da autoridade política. Onde quer que se tenha permitido
que esses processos de desintegração se desdobrassem sem controle, usualmente por
11 The Anas (4 February 1818), in The complete Jefferson, p.1206ss. Cf. On revolution, p.33 e 310,
n. 64 (trad. bras. p.61 e 374).
12 Suprimido: “Provavelmente há tantas respostas à questão ‘O que é liberdade’ quantos séculos
há na história do pensamento humano, e se quisermos encontrar a interconexão entre liberdade
e revolução, temos de levantar a questão: que tipo de liberdade está em jogo aqui? Em uma
tentativa de responder, primeiramente voltamos nossa atenção para a noção de liberdade política
que precedeu as revoluções e que inspirou e preparou quem não sabia ainda o que era uma
revolução para o papel que estavam para desempenhar nelas”.
13 Cf. On revolution, p.112-114 (trad. bras., p.154-157).
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um tempo bastante longo, as revoluções podem ocorrer, sob a condição de que haja
um número suficiente de homens preparados para seu colapso e dispostos a assumir
o poder. As revoluções sempre parecem ocorrer com surpreendente facilidade em
seu estágio inicial, e a razão disso é que os homens que supostamente a “fazem” não
“tomam o poder”, mas apanham o poder que está na rua.
Se os homens das revoluções Americana e Francesa tinham algo em comum
antes dos eventos que determinariam suas vidas, moldando suas convicções e
finalmente destacando-os, era um interesse apaixonado pela liberdade pública,
pela participação nos assuntos públicos, e uma aversão não menos apaixonada pela
hipocrisia e pela tolice da “boa sociedade”, à qual foram adicionados menosprezo
e descontentamento mais ou menos declarados pela mesquinhez dos assuntos
meramente privados. Nesse sentido da formação de uma mentalidade muito
especial, John Adams estava inteiramente correto quando disse que “a revolução foi
realizada antes que a guerra começasse”14, mas não por causa de qualquer espírito
especificamente revolucionário ou rebelde, mas porque os habitantes das colônias
estavam “organizados por lei em corporações ou corpos políticos” com “direito a
se reunir em assembleia... em suas câmaras municipais, para lá deliberar sobre
assuntos públicos”; pois foi realmente “nessas assembleias municipais ou distritais
que os sentimentos do povo foram formados em primeiro lugar”15. Nada comparável
às instituições políticas nas colônias existia na França, é claro, mas o espírito ainda
era o mesmo; o que era uma “paixão” e um “gosto” na França, nas palavras de
Tocqueville16, era certamente uma experiência na América, que desde os tempos
mais remotos da colonização – na verdade desde o Pacto do Mayflower – havia sido
uma verdadeira escola do espírito público e da liberdade pública.
Antes das revoluções, esses homens de ambos os lados do Atlântico eram
chamados de hommes de lettres e é realmente muito característico deles que
dedicassem seu tempo a “vasculhar os arquivos da Antiguidade”17, isto é, a se voltarem
à história romana, mas não porque estivessem romanticamente enamorados pelo
passado enquanto tal, mas com o propósito específico de recuperar certas lições
políticas, tanto espirituais quanto institucionais, que obviamente estiveram perdidas
ou semiesquecidas durante os séculos de uma tradição estritamente cristã. Essa
paixão pela liberdade, ensinada na escola da Antiguidade, quando as mais elevadas
ambições humanas encontraram sua realização no domínio público, foi nutrida, por
assim dizer, por um extraordinário anelo por distinção e importância, por grandeza
14 Carta a Niles, de 14 de janeiro de 1818, in The works of John Adams, vol. 10, p.282 (citado em On
revolution, p.118 [trad. bras., p.162]).
15 Carta ao abade Mably (excertos), de 1782, in The works of John Adams, vol. 5, p.495 (citado em
On revolution, p.118 [trad. bras., p.162]).
16 Cf. On revolution, p.118-119, 222, 245 (trad. bras., p.162, 282-283, 309).
17 Cf. On revolution, p.219 (trad. bras., p.279).
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e mesmo glória, e foi acompanhada por uma emulação consciente da virtude antiga.
“O mundo está vazio desde os romanos e está preenchido apenas com a memória
deles, que é agora nossa única profecia de liberdade”18, exclamou Saint-Just, assim
como Thomas Paine antes dele havia predito: “o que Atenas foi em miniatura, a
América será em magnitude”19.
Para compreender esse papel da Antiguidade na história da revolução20, temos
de recordar com que entusiasmo pela “antiga prudência” a ditadura de Cromwell
havia sido saudada já por Harrington e Milton, e como esse entusiasmo havia sido
revivido no século XVIII nas Considerations on the grandeur and the decadence of
the Romans, de Montesquieu21. Sem o exemplo clássico do que a política podia ser
e do que a participação nos assuntos públicos podia significar para a felicidade do
homem, nenhum dos homens das revoluções teria possuído a coragem para o que
acabou então por se revelar uma ação sem precedentes. Historicamente falando,
era como se ao reflorescimento da Antiguidade pelo Renascimento fosse subitamente
assegurado novo sopro vital, como se o fervor republicano das fugazes cidadesEstado italianas, condenadas à ruína pelo advento do Estado-nação, estivesse apenas
adormecido para dar às nações da Europa o tempo para crescer, por assim dizer, sob
a tutela de príncipes absolutos e déspotas esclarecidos.
Os primeiros elementos de uma filosofia política que corresponderia a essa
noção de liberdade pública estão explicitados nos escritos de John Adams. Seu ponto
de partida foi a observação de que “onde quer que se encontrem homens, mulheres
e crianças, sejam eles velhos ou jovens, ricos ou pobres, em posição mais ou menos
elevada..., ignorantes ou letrados, vê-se todo indivíduo fortemente motivado por um
desejo de ser visto, ouvido, mencionado, aprovado e respeitado pelas pessoas à sua
volta e de seu conhecimento”. A virtude desse “desejo” ele a viu no “desejo de se
destacar ante outrem”, e nomeou seu vício a “ambição” que “busca o poder como
um meio de distinção”22. De fato, ambas se encontram entre os principais vícios e
18 “Le monde est vide depuis les Romains; et leur mémoire le remplit, et prophétise encore la
liberté”. “Rapport sur la conjuration ourdie pour obtenir un changement de dynastie; et contre
Fabre D’Eglantine, Danton, Philippeaux, Lacroix et Camille Desmoulins”, in Oeuvres complètes
de Saint-Just, T. II, p.331 (citado em On revolution, p.196, sem indicação da fonte [trad. bras.,
p.253]).
19 “The rights of man”, in The complete writings, Vol. I, Nova York: The Citadel Press, 1945, p.371372 (citado em On revolution, p.196, sem indicação da fonte [ p.253 da trad. bras.]).
20 A partir desse ponto até o fim do parágrafo, Arendt retoma, com sutis modificações, On revolution,
p.196-197 (trad. bras., p.253-254).
21 Considérations sur les causes de la grandeur des Romains et de leur décadence, p.275 (cf. p.239)
[trad. bras, p.151 (cf. p.118)]: “Les Romains parvinrent à commander à tous les peuples, nonseulement par l’art de la guerre, mais aussi par leur prudence, leur sagesse, leur constance, leur
amour pour la gloire et pour la patrie”.
22“Discourses on Davila”, The works of John Adams, vol. 6, p.232-233. Desse ponto até o fim do
parágrafo, Arendt utiliza extratos de sua obra On revolution, p.119-120 (trad. bras., p.163-164),
com algumas sutis alterações.
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virtudes do homem político, pois a vontade de poder enquanto tal – independente
de toda paixão por distinção, em que o poder não é um meio, mas um fim – é
característica do tirano e inclusive não é sequer um vício político, mas antes aquela
qualidade que tende a destruir toda a vida política, tanto seus vícios quanto suas
virtudes. É precisamente porque o tirano não tem o desejo de se destacar e carece
de toda paixão por distinção que ele considera tão prazeroso dominar e desse modo
se exclui da companhia dos outros; inversamente, é o desejo de se destacar que faz
os homens amarem a companhia dos seus pares e se dirigirem aos negócios públicos.
Essa liberdade pública não é um domínio interior onde minha vontade ou
meu pensamento podem permanecer livres independentemente de circunstâncias
exteriores; é antes uma realidade mundana tangível, criada pelos homens para
ser desfrutada por eles conjuntamente em público – para serem vistos, ouvidos,
conhecidos e lembrados pelos outros. Esse tipo de liberdade requer igualdade e
é possível apenas entre os próprios pares; isto é, é possível apenas, falando
institucionalmente, em uma república que não conhece súditos nem, em sentido
estrito, governantes. Essa é a razão pela qual a discussão sobre a forma de governo
desempenhou um papel tão enorme nos escritos e nos pensamentos desses primeiros
revolucionários, em contraste com as ideologias revolucionárias posteriores. O que
os fez republicanos não foi a aversão por reis e tiranos maus – que afinal haviam sido
frequentemente substituídos por outros melhores sem qualquer alteração na forma
de governo (e, por conseguinte, sem qualquer revolução); foi antes a convicção de
que o “próprio reinado” é um crime, como disse a Revolução Francesa, ou que as
monarquias eram uma forma de governo apropriada para escravos, como ouvimos da
Revolução Americana.
Sem dúvida, é óbvio e tem grandes implicações o fato de que essa paixão pela
liberdade por ela mesma despertou em homens com tempo livre e foi alimentada
por eles, pelos hommes de lettres que não tinham senhor e não estavam ocupados
com ganhar a vida. Em outras palavras, eles desfrutavam dos privilégios dos antigos
cidadãos sem ter qualquer participação nos assuntos do Estado, o que mantinha os
antigos homens livres tão imensamente ocupados. É supérfluo acrescentar que onde
os homens encontram-se em condições verdadeiramente miseráveis essa paixão pela
liberdade é inteiramente desconhecida. Se precisássemos de comprovação adicional
da ausência de tais condições nas colônias – da “adorável igualdade” no país onde
“o indivíduo visivelmente mais desgraçado”23 (Jefferson) estava sempre muito
melhor que dezenove dos vinte milhões de habitantes da França; isto é, “tinha voto
nos assuntos públicos, vivia em uma casa aquecida e arrumada, tinha abundância
23 Carta de Paris à Sra. Trist, de 18 de Agosto de 1785, in The writings of Thomas Jefferson, vol. I,
p.394-395. Cf. On revolution, p.67 (trad. bras., p.102).
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Revolução e liberdade
de boa comida e combustível”24 (Franklin) –, temos apenas de lembrar que John
Adams atribuía esse amor à liberdade a “pobres e ricos, em posição mais ou menos
elevada, ignorantes e letrados”. Essa é a principal e talvez a única razão pela qual
os princípios que inspiraram os homens das primeiras revoluções tornaram-se tão
triunfantemente vitoriosos na América e fracassaram tão tragicamente na França.
Visto com olhos americanos, um governo republicano na França era “tão inatural,
irracional e impraticável quanto seria tal governo sobre elefantes, leões, tigres,
panteras, lobos e ursos no zoológico real em Versalhes”25 (John Adams). A razão pela
qual ele foi tentado, no entanto, é que aqueles que o fizeram, os hommes de lettres,
não eram muito diferentes de seus colegas americanos e que eles aprenderam apenas
ao longo da Revolução Francesa que estavam agindo sob circunstâncias radicalmente
diferentes.
As circunstâncias diferiam tanto política quanto socialmente. O governo do rei
e do Parlamento na Inglaterra era realmente um “governo moderado”26, comparado
ao absolutismo francês. O país tinha desenvolvido sob seus auspícios um regime
de autogoverno intrincado e com bom funcionamento que em muitos aspectos
necessitava apenas da fundação explícita da República para solidificar-se e ter sua
existência confirmada. O país estava não apenas economicamente em uma situação
muito melhor, as pessoas haviam sido educadas na participação nos assuntos públicos
como nenhuma outra nação no mundo.
No entanto, penso que essas diferenças políticas, embora bastante importantes,
eram negligenciáveis se comparadas ao formidável obstáculo à constituição da
liberdade inerente às condições sociais da Europa. Os homens das primeiras revoluções,
embora soubessem muito bem que a libertação tem de preceder a liberdade, ainda
desconheciam o fato de que tal libertação significa mais que a libertação do poder
absoluto e despótico e que estar livre para a liberdade significa antes de tudo
estar livre não apenas do medo, mas também da necessidade. Essa condição de
desesperada pobreza das massas do povo, que pela primeira vez eclodiu em público
quando elas afluíram nas ruas de Paris, não podia ser suplantada com meios políticos,
e o poder opressivo dessa coação sob a qual eles trabalhavam não se esfacelou
antes do ataque feito pela revolução ao poder real do rei. A Revolução Americana
foi realmente afortunada por não ter de enfrentar esse obstáculo à liberdade e deve
uma boa medida do seu sucesso à mera ausência de desesperada pobreza entre os
24 Em uma carta ao Dr. Joshua Babcock, de 13 de janeiro de 1772, in The writings of Benjamin
Franklin, Vol. V (1767-1772), p.362.
25 John Adams, em uma carta a Jefferson de 13 de julho de 1813, in The Adams-Jefferson letters,
p.355. Cf. On revolution, p.67-68 (trad. bras., p.102).
26 J. Hector St. John de Crèvecoeur, Letters from an American Farmer, Letter III (What is an American,
1781), p.49. Cf. On revolution, p.147, principalmente, mas também p.24 e 217. (trad. bras.,
p.195, 51 e 277).
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Hannah Arendt
homens livres e à completa invisibilidade dos escravos nas colônias do Novo Mundo.
Certamente havia pobreza e miséria na América inteiramente comparável às
condições dos “pobres trabalhadores” na Europa; se, nas palavras de William Penn,
a América era “um bom país para o homem pobre”27 e constituía o sonho de uma
terra prometida para os pobres da Europa, também é verdade que essa bondade
dependia de um grau considerável de miséria negra. Em meados do século XVIII,
viviam na América em torno de 400 mil negros, com aproximadamente 1 milhão e 850
mil homens brancos, e apesar da ausência de dados estatísticos confiáveis, não há
dúvida, todavia, de que a porcentagem de destituição completa era na época muito
mais elevada nos países do Velho Mundo, embora tenha se tornado consideravelmente
mais elevada durante o século XIX. A diferença, então, residia em que a Revolução
Americana, por causa da peculiar instituição da escravidão, e porque os escravos
pertenciam a uma raça diferente, pôde negligenciar a existência de miseráveis
e com ela também a formidável tarefa de libertar aqueles que não estavam tão
constrangidos pela opressão política quanto pelas meras necessidades da vida.
Os malheureux, os desgraçados, que desempenharam um papel tão enorme
no curso e na retórica da Revolução Francesa, que os identificou com “le peuple”,
ou não existiam ou permaneceram em completa obscuridade durante a Revolução
Americana, ao passo que uma das principais consequências da revolução na França foi
trazê-los para a rua, para torná-los visíveis pela primeira vez na história (pela mesma
razão, no entanto, a Revolução Americana tem permanecido sem muita importância
para a história da revolução, enquanto que a Revolução Francesa, que terminou em
retumbante fracasso, tem determinado e ainda está determinando o que até agora
chamamos de tradição revolucionária. O que aconteceu então em Paris em 1789?)28.
A Revolução Francesa abriu as portas para aqueles que antes nunca haviam sido
admitidos no domínio público, a quem a Antiguidade havia mantido na escravidão, a
quem encontramos em um estado de servidão durante toda a Idade Média e a quem
os primeiros séculos da era moderna não haviam assegurado mais que um status
muito precário de “pobre trabalhador”. Quando isto aconteceu, ficou explícito que
não apenas a liberdade, mas a liberdade para ser livre, havia sido sempre o privilégio
dos poucos – e isto não apenas no sentido positivo de que apenas os poucos eram
admitidos ao domínio público e que sob o domínio do príncipe absoluto “o mundo dos
assuntos públicos fosse para [as classes com tempo livre] não só pouco conhecido,
mas também invisível”29 – mas igualmente no sentido negativo. Apenas muito poucos
27 John Oldmixon, The British empire in America, vol. I, p.408. Cf. On revolution, p.71 (trad. bras.,
p.106).
28 O excerto entre parênteses foi escrito no verso da página. Foi introduzido nesse ponto sem indicação
precisa por parte de Arendt acerca do lugar exato onde ele deveria ser inserido.
29 Arendt menciona esse excerto em uma nota em On revolution, p.294, n. 11 (trad. bras., p.362):
“Tocqueville, op. cit. [L’Ancien Régime et la Révolution], p.195, falando sobre la condition des
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Revolução e liberdade
eram livres para ser livres.
A liberdade em relação ao medo é um privilégio que mesmo os poucos
desfrutaram em períodos relativamente curtos da história, mas a liberdade com
relação à necessidade tem sido realmente o grande privilégio mediante o qual uma
porcentagem muito pequena de homens tem se distinguido através dos séculos. O
que chamamos de história documentada da humanidade é efetivamente a história
desses poucos privilegiados. Apenas aqueles que conhecem a liberdade em relação
à necessidade estão em condição de apreciar inteiramente o que significa estar
também livre do medo, e apenas aqueles que estão livres de ambos, necessidade e
medo, estão em condição de conceber aquela paixão pela liberdade pública ou de
desenvolver neles mesmos aquele “goût”, o gosto pela liberdade e o peculiar amor
pela igualdade que a liberdade carrega consigo.
Falando esquematicamente, pode-se dizer que cada revolução percorre
primeiro o estágio da libertação antes que possa alcançar a liberdade, isto é, o
segundo e decisivo estágio da fundação de uma nova forma de governo, um novo
corpo político. No curso da Revolução Americana, o estágio da libertação significou
libertação da limitação política – da tirania, da monarquia, ou seja qual for a
palavra. O primeiro estágio foi caracterizado pela violência, mas o segundo foi uma
questão de deliberação, discussão e persuasão, de aplicar sua “ciência política”,
como os pais fundadores a compreendiam. Na França, não obstante, aconteceu algo
completamente diferente. O primeiro estágio foi caracterizado muito mais pela
desintegração que pela libertação ou pela violência. Quando foi atingido o segundo
estágio da revolução e a Convenção Nacional declarou a França uma república, o
poder já havia se deslocado para as ruas e os homens que haviam originalmente se
reunido em assembleia em Paris para representar a “nação” ao invés do povo, e cuja
principal preocupação havia sido o governo, a reforma da monarquia ou mais tarde
a fundação de uma república – fosse Mirabeau ou Robespierre, Danton ou Saint-Just
–, viram-se subitamente confrontados com outra tarefa de libertação, a de libertar o
povo como um todo da desgraça de modo a torná-los livres para serem livres.
Isto não era o que tanto Marx quanto Tocqueville perceberam como a
característica inteiramente nova da revolução de 1848: a substituição da alteração
da forma de governo pela tentativa de modificar a ordem da sociedade por meio
da luta de classes; e Marx notou que apenas então, após fevereiro de 1848, depois
écrivains [a condição dos escritores] e seu éloignement presque infini… de la pratique [afastamento
quase infinito… da prática], insiste: ‘L’absence complète de toute liberté politique faisait que le
monde des affaires ne leur était pas seulement mal connu, mais invisible’ [A ausência completa
de qualquer liberdade política fazia com que o mundo dos assuntos públicos lhes fosse não só mal
conhecido mas também invisível]. E após descrever como essa falta de experiência tornou suas
teorias mais radicais, ele enfatiza explicitamente: ‘La même ignorance leur livrait l’oreille et le
creur de la foule’ [A mesma ignorância lhes ganhava os ouvidos e o coração da multidão]”. Cf. On
revolution, p.124 (trad. bras., p.169).
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Hannah Arendt
da “primeira grande batalha… entre as duas classes que dividem a sociedade”, a
revolução significou a “derrubada da sociedade burguesa, enquanto que antes havia
significado a derrubada da forma do Estado”30. Mas isso foi um prelúdio, e embora
tenha acabado em funesto fracasso, permaneceu decisivo para todas as revoluções
subsequentes; mostrou o que significa na prática a nova fórmula, a de que todos
os homens são criados31 iguais. Era essa igualdade que Robespierre tinha em mente
quando disse que a revolução havia colocado em oposição “a grandeza do homem
contra a mesquinhez dos grandes”32, assim como Hamilton, quando falou que a
revolução havia reivindicado “a honra da raça humana”33, ou Kant, ensinado por
Rousseau e pela Revolução Francesa, ao considerá-la como a nova dignidade do
homem. Independentemente do que a Revolução Francesa tenha alcançado ou não, e
embora não tenha tornado as pessoas iguais, ela libertou os pobres34 da obscuridade,
da invisibilidade. O que parece irrevogável desde então é que aqueles que estavam
devotados à liberdade jamais poderiam continuar reconciliados com um estado de
coisas no qual a liberdade em relação à necessidade, a liberdade para ser livre, fosse
um privilégio dos poucos.
Quanto à constelação original dos homens da revolução e à massa dos pobres
que ela acabou por trazer a público, permitam-me citar a descrição interpretativa
de Lord Acton para a famosa marcha das mulheres para Versalhes, um dos momentos
decisivos da Revolução Francesa. As mulheres em marcha, afirma, “desempenharam
o papel genuíno de mães cujos filhos estavam famintos em lares esquálidos, e assim
proporcionaram a motivações que elas nem compartilhavam nem compreendiam
[isto é, a preocupação com o governo] o auxílio de uma ponta de diamante a que
nada podia resistir”35. O que o peuple, como os franceses o concebiam, trouxe para
a revolução e que estava inteiramente ausente no curso dos eventos americanos foi
a irresistibilidade de um movimento que o poder humano não podia mais controlar.
Essa experiência elementar da irresistibilidade da revolução – tão irresistível quanto
o movimento circular dos astros – engendrou um conjunto de imagens inteiramente
30 Karl Marx, Die Klassenkämpfe in Frankreich 1848 bis 1850, p.31 e 35 (trad. bras., p.62 e 67): “Es
blieb den Arbeitern keine Wahl, sie mußten verhungern oder losschlagen. Sie antworteten am 22.
Juni mit der ungeheuren Insurrektion, worin die erste große Schlacht geliefert wurde zwischen den
beiden Klassen, welche die modern Gesellschaft spalten. Es war ein Kampf um die Erhaltung oder
Vernichtung der bürgerlichen Ordnung. Der Schleier, der die Republik verhüllte, zerriß. […] Der 25.
Februar 1848 hatte Frankreich die Republik oktroyiert, der 25. Juni drang ihm die Revolution auf.
Und Revolution bedeutete nach dem Juni: Umwälzung der bürgerlichen Gesellschaft, während es
vor dem Februar bedeutet hatte: Umwälzung der Staatsform“.
31 Arendt substitui “nascidos” por “criados”.
32 “Séance du 5 février 1794”, in Oeuvres, vol. III, p. 542 (em vez de p. 543, como indicado em
On revolution, p.288, n. 34 [trad. bras., p.357]): “Nous voulons substituer dans notre pays… la
grandeur de l’homme à la petitesse des grands”.
33 The Federalist, nº 11, p.72.
34 Arendt substitui “povo” por “pobres”.
35 Lord Acton, Lectures on the French Revolution, p.129 (interpolação de Arendt).
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Revolução e liberdade
novas às quais ainda hoje nos vem à mente quase automaticamente quando refletimos
sobre os eventos revolucionários.
Quando Saint-Just exclamou, sob o impacto do que tinha ante seus olhos,
que “Les malheureux sont la puissance de la terre” [Os desgraçados são a potência
da Terra]36, ele se referia à grande “torrente revolucionária” em cujas ondas os
atores foram levados e arrebatados até que sua ressaca os tragou da superfície e eles
pereceram junto com seus adversários, os agentes da contrarrevolução (Desmoulins37);
ou à tempestade e à poderosa corrente em Robespierre, a qual, nutrida pelos
crimes da tirania, por um lado, e, por outro, pelos progressos da liberdade, cresceu
constantemente em rapidez e violência38; ou ao que os espectadores reportaram:
uma “majestosa corrente de lava que nada poupava e ninguém podia deter”39, um
espetáculo que havia caído sob o signo de Saturno, com “a revolução a devorar seus
próprios filhos”40.
As palavras que cito aqui foram todas pronunciadas por homens profundamente
envolvidos na Revolução Francesa e dão testemunho de coisas presenciadas por eles,
não de coisas que eles haviam feito ou começaram a fazer de propósito. Isso é o que
aconteceu e ensinou aos homens uma lição que, na esperança ou no medo, nunca foi
esquecida desde então. A lição era tão simples quanto nova e inesperada, e declarava
o seguinte, nas palavras de Saint-Just: “Se se deseja fundar uma república, tem-se
de primeiro arrancar o povo de uma condição de miséria que o corrompe. Não há
virtude política sem orgulho, e ninguém pode ter orgulho se está em desgraça”41.
Essa nova noção da liberdade [freedom] apoiada na libertação da pobreza
36 “Rapport sur les personnes incarcérées”, in Oeuvres complètes de Saint-Just, T. II, p.238.
37 Camille Desmoulins, “Le vieux Cordelier”, I, V, VI, in Oeuvres, T. I, p.6, 127 e 141. Cf. On revolution,
p.48-49 e 209 (trad. bras., p.80 e 267) e p.113-114 (trad. bras., p.155-157), sobre a torrente dos
pobres colocados em marcha e sua fúria, “uma torrente se precipitando com força elementar e
engolfando o mundo inteiro”.
38 “Séance du 17 novembre 1793”, in Oeuvres, vol. III, p.446: “Les crimes de la tyrannie accélérèrent
les progrès de la liberté, et les progrès de la liberté multiplièrent les crimes de la tyrannie et
redoublant ses alarmes et ses fureurs, il y a eu entre le peuple et ses ennemis une reaction
continuelle dont la violence progressive”.
39 Palavras de Georg Forster citadas em Karl Griewank, Der neuzeitliche Revolutionsbegriff, p.243.
Cf. On revolution, p.49 (trad. bras., p.80).
40 Em On revolution, p.49 (trad. bras., p.80), Arendt cita essa sentença de Pierre Vergniaud, “o
grande orador da Gironda”. A fonte é o discurso de Vergniaud de 13 de março de 1793: “Alors,
s’écriait-il douloureusement, il a été permis de craindre que la Révolution, comme Saturne, ne
dévorât successivement tous ses enfants” (Luis Blanc, Histoire de la Révolution Fraçaise, p.152).
Essa imagem aparece no mesmo ano em M. Mallet du Pan, Considérations sur la nature de la
révolution de France, p.80: “A l’exemple de Saturne, la révolution dévore ses enfans. Cet ensemble
formidable qui en lioit toutes les parties, et en dirigeoit les mouvemens, est maintenant dissous: la
Convention et ses clubs travaillent à le concentrer dans leur sein; mais avant d’y parvenir, il faut
réduire les départemens et les villes soulevées, il faut réduìre les royalistes vainqueurs à l’ouest,
il faut prévenir des coalitions systématiques , il faut étouffer l’exemple dangereux de résistances
efficacies”.
41 “Discurs sur les subsistances”, in Oeuvres complètes de Saint-Just, T. I, p.374-375.
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Hannah Arendt
mudou o curso e a meta da revolução. A liberdade [liberty]42 tinha agora de significar
antes de tudo “roupa, comida e a reprodução da espécie”43, como os sans-culottes
distinguiam muito conscientemente seus próprios direitos da linguagem elevada, e
para eles sem sentido, da proclamação dos “direitos do homem e do cidadão”. A
libertação significava agora a provisão das necessidades da vida, a abolição do que
então era chamado de “infelicidade”, a criação de bonheur, felicidade – e essa
palavra, como foi devidamente notado, era nova na Europa. Significava a solução
da questão social. Comparada à urgência dessas demandas, todas as deliberações
acerca da melhor forma de governo subitamente pareceram irrelevantes e fúteis.
“La République? La Monarchie? Je ne connais que la question sociale”44, disse
Robespierre. E Saint-Just, que havia começado com o maior entusiasmo possível
pelas “instituições republicanas”45, acrescentou: “a liberdade do povo está em sua
vida privada […]. Deixemos o governo ser apenas a força a proteger esse estado
de simplicidade contra a própria força”46. Ele pode não ter sabido, mas esse era
precisamente o credo do despotismo esclarecido, que sustentou, com Charles I, em
seu discurso no patíbulo, que a “liberação e a liberdade [liberty and freedom] do
povo consistia em ter o governo das leis mediante as quais suas vidas e seus bens
pudessem ser seus: e isto não para tomar parte no governo, que não pertence a
ele”47. Se fosse verdade – como subitamente concordaram todos os participantes,
movidos pela miséria do povo – que a meta da revolução era a felicidade do povo
(Le but de la Révolution est le Bonheur du Peuple48), então um governo despótico
42 “Liberdade [liberty]” substitui “libertação [liberation]”.
43 Arendt menciona em On revolution, p.289, n. 2 (trad. bras., p.358), que “uma ‘Declaração dos
direitos dos Sans-culottes’ foi proposta por Boisset [François Boissel, 1728-1807], um amigo de
Robespierre” (J. M. Thompson, Robespierre, p.365). “Robespierre vous a lu hier la déclaration des
droits de l’homme, et moi je vais lire la déclaration des droits des sans-culottes. ‘Les sans-culottes
de la République française reconnaissent que tous leurs droits dérivent de la nature, et que toutes
les lois qui la contrarient ne sont point obligatoires; les droits naturels des sans-culottes consistent
dans la faculté de se reproduire...’ (Bruit et éclats de rire). L’orateur continue. ‘De s’habiller et
de se nourrir. 1° Leurs droits naturels consistent dans la jouissance et l’usufruit des biens de la
terre, notre mère commune; 2° dans la résistance à l’oppression; 3° dans la résolution immuable
de ne reconnaître de dépendance que celle de la nature ou de l’Être-Supréme’…” (P.-J.-B Buchez
and P.-C. Roux [eds.], Histoire parlamentaire de la Révolution Française, v. 26, p.107).
44 “República? Monarquia? Conheço apenas a questão social”. Arendt cita provavelmente de Albert
Ollivier, Saint-Just et la force des choses, p.165, em que não há indicação da fonte da afirmação.
Nas obras completas de Robespierre, a sentença mais afim aparece como se segue: “Est ce dans
le mots de république ou de monarchie que reside la solution du grand problem social?”. “Le
défenseur de la constitution” (17 mai 1792), in Oeuvres, vol. I, p.319).
45 Suprimido: “na mais pura tradição do absolutismo”.
46 “Fragments sur les institutions republicaines”, in Oeuvres complètes de Saint-Just, T. II, p.507.
47 “King Charles’ speech made upon the scaffold at Whitehall-gate”, in Jim Daems and Holly F. Nelson
(eds.), Eikon basilike – the portrait of his sacred majesty in his solitudes and sufferings, p.322.
Citado parcialmente em H. Arendt, “What is freedom?”, Between past and future, Nova York:
Penguin books, 1993, p.150 (trad. bras., p.197).
48 Em On revolution, p.289, n. 3 (trad. bras., p.358): “Le but de la Révolution est le bonheur du
people [o fim da revolução é a felicidade do povo], como proclamou o manifesto do sans-culottismo
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Revolução e liberdade
suficientemente esclarecido podia proporcioná-la muito mais que uma república com
liberdade para todos.
A Revolução Francesa terminou em desastre e fez a história mundial e a
Revolução Americana foi um sucesso triunfante e permaneceu um assunto local. Isto
se deu em parte porque claramente as condições sociais em todo o mundo eram
muito mais semelhantes às condições em torno da revolução na França, e em parte
porque a muito louvada tradição pragmática anglo-saxã impediu as gerações pósrevolucionárias nos Estados Unidos da América de pensar sobre a revolução e de
conceituar adequadamente suas experiências. Não é surpreendente, portanto, que
o despotismo, efetivamente o retorno da era do absolutismo esclarecido, que se
anunciou tão claramente no curso da Revolução Francesa, tenha se tornado a regra
para quase todas as revoluções subsequentes que não terminaram em restauração, e
tenha se tornado igualmente predominante na tradição revolucionária.
Não preciso seguir esse desenvolvimento em detalhes, pois ele é suficientemente
bem conhecido, especialmente pela história do partido bolchevique e da Revolução
Russa. Mais ainda, podia ser previsto: foi no final do verão de 1918, isto é, após a
promulgação da Constituição Soviética, mas antes da primeira onda de terror que
foi desencadeada pela tentativa de assassinar Lênin, que Rosa Luxemburgo, em uma
carta privada que mais tarde foi publicada e tornou-se famosa, escreveu o seguinte:
com a repressão da vida política em todo o país (...), a vida fenece em toda instituição
pública, tornando-se um mero simulacro de vida na qual apenas a burocracia
permaneceu como elemento ativo. A vida pública gradualmente adormeceu. Umas
poucas dúzias de líderes partidários de inesgotável energia e ilimitada experiência
dirigem e governam. Dentre eles apenas uma dúzia de lideranças proeminentes e
uma elite da classe operária é convidada de tempos em tempos a encontros nos quais
eles estão presentes para aplaudir as falas dos líderes e aprovar unanimemente as
resoluções propostas (...). Uma ditadura, é claro; não a ditadura do proletariado, no
entanto, mas a de um punhado de políticos49.
Bem, que assim acabou por ser, ninguém pode negar – exceto, é claro, o governo
totalitário de Stalin, para o qual, em todo caso, seria difícil considerar Lênin ou
a tradição revolucionária responsáveis. Mas o que talvez seja menos óbvio é que
teríamos de mudar apenas umas poucas palavras para obtermos uma descrição
perfeita dos males do absolutismo antes das revoluções50.
em novembro de 1793. Cf. nº 52 in Die Sanskulotten von Paris. Dokumente zur Geschichte der
Volksbewegung 1793-1794. No primeiro parágrafo desse documento (De l’esprit révolutionnaire)
encontramos também a seguinte sentença: “La revolution est faite pour le people; c’est le
bonheur du peuple qui est le but; c’est l’amour du peuple qui est la pierre de touché de l’esprit
révolutionaire”, Archives historiques, statistiques et littéraires du department du Rhône, vol. 13,
p.174.
49 The Russian revolution and Leninism or Marxism, p.78-79 (trad. bras., p.94).
50 Suprimido: “Detive-me por algum tempo sobre a Revolução Francesa porque os mesmos fatos e
experiências apareceram em quase toda revolução desde então. Foi a Revolução Francesa que
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Hannah Arendt
Uma comparação entre as duas primeiras revoluções, cujos inícios são tão
similares e cujos desfechos tão desastrosamente diferentes, demonstra claramente,
penso eu, que a vitória sobre a pobreza é um pré-requisito para a fundação da
liberdade e que não se pode lidar com a libertação da pobreza e com a libertação da
opressão política do mesmo modo. Com efeito, se violência contra violência conduz
à guerra, externa ou civil, violência contra condições sociais sempre tem conduzido
ao terror. Mais que a mera violência, é o terror liberado após a vitória sobre o antigo
regime e o estabelecimento do novo regime que encaminha as revoluções para sua
ruína ou as deforma tão decisivamente que elas retrocedem à tirania e ao despotismo.
Disse antes que a meta original da revolução era a liberdade, no sentido da
abolição do governo pessoal e da admissão de todas as pessoas no domínio público,
de sua participação na administração dos assuntos públicos. Mas o próprio governo
teve sua fonte mais legítima não em alguma avidez por poder, mas no desejo do
homem de emancipar-se da necessidade da vida, e isto foi alcançado por meio
da violência, forçando os muitos a arcar com o fardo dos poucos, de modo que
ao menos uns poucos pudessem ser livres. Isto, e não a acumulação de riqueza,
estava no âmago da escravidão, ao menos na Antiguidade; e foi apenas o advento da
tecnologia moderna – e não o surgimento de quaisquer noções políticas modernas,
inclusive as ideias revolucionárias – que modificou essa condição humana, ao menos
em algumas partes do mundo. O que a América alcançou com grande sorte, muitos,
embora provavelmente não todos, podem conquistar hoje em virtude do esforço e
do desenvolvimento organizados e calculados. Penso que esse fato é a medida de
nossa esperança. Ele nos permite levar em consideração as lições das revoluções
deformadas e ainda conservar não apenas a incontestável grandeza de tais eventos,
mas também sua mais recôndita promessa.
Para concluir, permitam-me apenas indicar mais um aspecto da liberdade que
veio à tona durante as revoluções e para o qual os homens das revoluções estavam
menos preparados: o de que a ideia de liberdade e a efetiva experiência de fazer
um novo começo no continuum histórico deveriam coincidir. Deixem-me recordálos uma vez mais do novus ordo saeclorum. A surpreendente sentença é retirada de
Virgílio, que, em sua quarta Écloga, fala de uma magnus ordo saeclorum, “o grande
ciclo de períodos [que] nasce novamente”51 no reino de Augusto (Magnus ab integro
saeclorum nascitur ordo). Mas ele fala de uma “grande” e não de uma “nova” ordem,
e é essa mudança na frase, muito citada ao longo dos séculos, que é característica
das reais experiências da era moderna.
Para Virgílio – falando na linguagem do século XVII – era uma questão de
incendiou o mundo e foi de seu curso, e não do curso dos eventos neste país, que nosso atual
emprego da palavra ‘revolução’ recebeu por toda parte suas conotações e nuances, incluindo este
país”.
51 Works – The Aeneid, Eclogues, Georgics, p.274.
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Revolução e liberdade
fundar “Roma novamente”, mas não de fundar uma “nova Roma”, de modo que
ele podia escapar de um modo tipicamente romano dos riscos assustadores da
violência, inerentes ao estabelecimento efetivo de um novo começo. Assim, podemos
certamente sustentar que o novo começo que as primeiras revoluções pensavam estar
testemunhando era apenas o renascimento de algo muito antigo – o renascimento de
um domínio político secular que enfim surgiu novamente – externo ao cristianismo,
ao feudalismo e ao absolutismo. Mas não importa se é uma questão de nascimento
ou de renascimento, o decisivo é que a linha que citei foi extraída de um hino
ao nascimento, certamente não profetizando o nascimento de uma criança divina,
como a Idade Média acreditava, mas louvando o nascer enquanto tal, a chegada
de uma nova geração como o grande evento salvador, o “milagre” que redimiria a
humanidade sempre de novo. Em outras palavras, é a afirmação da divindade do
nascimento e a crença em que a salvação potencial do mundo repousa no próprio
fato de que a espécie humana se regenera sempre e constantemente.
Gostaria de sugerir que o que fez os homens da revolução retornarem a
esse específico poema da Antiguidade, além de sua erudição, foi que não apenas
a ideia pré-revolucionária de liberdade, mas também a experiência de ser livre
coincidiam ou, mais precisamente, estavam intimamente entrelaçadas com o início
de algo novo, com o nascimento de uma nova era, falando metaforicamente. Ser
livre e começar algo novo eram percebidos como idênticos, e obviamente esse dom
misterioso do homem, o de que ele possa começar algo novo, tem algo a ver com
o fato de que cada um de nós veio ao mundo como um recém-chegado por meio do
nascimento. Em outras palavras, podemos começar algo porque somos inícios e, por
conseguinte, iniciadores. Na medida em que a capacidade de agir e de falar faz do
homem um ser político (e falar é apenas outro modo de agir), e uma vez que agir
sempre tem significado desencadear algo que antes não existia, o nascimento, a
natalidade humana, que corresponde à mortalidade humana, é a condição ontológica
sine qua non de toda política. Isso era conhecido tanto na Antiguidade grega quanto
na romana, embora de modo não explícito. Veio à tona na experiência da revolução e
tem influenciado, ainda que também de modo não explícito, o que se poderia chamar
de espírito revolucionário.
De todo modo, a cadeia de revoluções que, para o bem ou para o mal, tornouse a insígnia do mundo em que vivemos, desvela para nós reiteradamente a erupção
de novos inícios no continuum histórico e temporal. Para nós, que devemos isto a
uma revolução e à resultante fundação de um corpo político inteiramente novo, no
qual podemos caminhar com dignidade e agir em liberdade, seria mais sábio recordar
o que uma revolução significa na vida das nações. Quer termine em sucesso, com a
constituição de um espaço público de liberdade, ou em desastre, ela significa, para
aqueles que se arriscaram nela ou nela se envolveram contra sua inclinação e sua
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expectativa, a atualização de uma das maiores e mais elementares potencialidades
humanas; significa uma experiência inigualável de ser livre, de fazer um novo começo
do qual resulta o orgulho de ter aberto o mundo a uma novus ordo saeclorum.
Deixem-me resumir: Maquiavel, que desejou muito apaixonadamente uma
nova ordem das coisas para a Itália e a quem bem se poderia chamar de “pai da
revolução”52, ainda não podia falar com muita experiência sobre esses assuntos. Assim,
ele ainda acreditava que os “inovadores”, isto é, os revolucionários, encontrariam
suas maiores dificuldades no início, quando conquistam o poder, e considerava fácil
conservá-lo. Sabemos a partir de praticamente todas as revoluções que a verdade
é o oposto – é relativamente fácil conquistar o poder e infinitamente mais difícil
conservá-lo –, como certa vez observou explicitamente Lênin53, que não é uma má
testemunha nesses assuntos. Não obstante, Maquiavel sabia o suficiente para afirmar
o seguinte: “Não há algo mais difícil de executar, nem de êxito mais duvidoso, nem
mais perigoso de manejar que iniciar uma nova ordem das coisas”54. Suponho que
ninguém que compreenda alguma coisa do relato de nosso próprio século discordaria
desta sentença. E o perigo que ele esperava que surgisse provou-se bastante real até
nossos próprios dias, embora ele ainda desconhecesse o maior perigo nas revoluções
modernas: o perigo decorrente da pobreza. Ele menciona o que desde a Revolução
Francesa tem sido chamado de forças contrarrevolucionárias, representadas por
aqueles “que se beneficiam com a antiga ordem”, e a “tibieza” daqueles que podiam
se beneficiar com a nova ordem, por causa da “incredulidade da humanidade, que
não acredita verdadeiramente em algo novo até que tenha tido uma real experiência
dele”55.
Todavia, o cerne da questão é que Maquiavel viu o perigo apenas na derrota
da tentativa de estabelecer uma nova ordem das coisas, que reside no mero
enfraquecimento do país em que a tentativa foi feita. Isto também tem se mostrado
muito verdadeiro, pois a fraqueza pode então atrair conquistadores – trata-se do
vácuo de poder de que falei antes. Não que esse vácuo de poder não existisse antes,
mas ele pode permanecer oculto até que algum evento decisivo aconteça, quando a
autoridade se esfacela e uma revolução o exibe dramaticamente em público, para
ser visto e conhecido por todos. Em acréscimo a esses perigos, temos testemunhado
o perigo supremo, a saber, o de que da tentativa abortada de fundar as instituições
da liberdade possa despontar a mais consumada abolição da liberdade [freedom]
e de todas as liberdades [liberties]. Precisamente porque as revoluções colocam a
52 Maquiavel “certamente não foi o pai da ciência política ou da teoria política, mas é difícil negar
que pode bem ser visto como o pai espiritual da revolução”. On revolution, p.37 (trad. bras.,
p.66).
53 Lênin, Collected Works, v. 26 (September 1917-Februrary 1918), p.90ss.
54 N. Machiavelli, The prince, Ch. 6, p.21 (trad. bras., p.27).
55 Idem, ibidem (trad. bras., p.27).
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questão da liberdade política em sua forma mais radical e verdadeira – a liberdade
para participar nos assuntos públicos, a liberdade de ação –, todas as outras liberdades
[freedoms], tanto a política quanto as liberdades civis [civil liberties], estão em
perigo quando elas fracassam.
Revoluções deformadas, tais como a Revolução de Outubro na Rússia sob Lênin,
ou revoluções abortadas, como as várias sublevações entre os Poderes Centrais da
Europa após a Primeira Guerra Mundial, podem ter consequências que em puro horror
são praticamente sem precedentes, como agora sabemos. O cerne da questão é que
as revoluções raramente são reversíveis, que uma vez que tenham acontecido elas
não serão esquecidas – como Kant observou sobre a Revolução Francesa na época em
que o terror predominava na França. Isso não implica que por essa razão seja melhor
evitar revoluções, pois se as revoluções são consequência de regimes em completa
desintegração e não o produto de revolucionários – estejam eles organizados em
facções conspiratórias ou em partidos –, evitar uma revolução significa mudar a forma
de governo, isto é, realizar uma revolução, com todos os perigos e riscos envolvidos.
O colapso da autoridade e do poder – o qual, em regra, surge de modo abruto e
surpreendente não apenas para os leitores de jornal, mas para todos os especialistas
e serviços secretos a observar tais coisas – torna-se uma revolução no pleno sentido
da palavra apenas quando há pessoas ao redor dispostas e capazes de apanhar o
poder, de se mover, por assim dizer, no vácuo de poder. O que acontece em seguida
depende de muitas circunstâncias e igualmente do grau de discernimento de tais
processos e de sua irreversibilidade por parte dos poderes externos. Mas o sucesso e
o fracasso dependem acima de tudo das próprias qualidades subjetivas e da estatura
político-moral daqueles que estão dispostos a assumir a responsabilidade. Temos
pouca razão para ter esperança de que em alguma época em um futuro não muito
distante tais homens venham a igualar em sabedoria teórica e prática os homens da
Revolução Americana que se tornaram os Pais Fundadores deste país. Não obstante,
receio que esta pouca esperança que possuímos é apenas aquela esperança de que
a liberdade em um sentido político não será novamente varrida da face da Terra por
sabe Deus quantos séculos.
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