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A crític A de Frege Ao ideAlismo em Der GeDanke

2009

According to Frege, the basic mistake of psychologism is its conception of the subject, which is centered in the principle that only immanent contents of consciousness can be my objects. Now, this thesis is not only false, but also refutable. The refutation itself appears later in Der Gedanke. This is the last sense of the critique of idealism brought about

8 A críticA de Frege Ao ideAlismo em Der GeDanke mario Ariel gonzáles Porta* RESUmo – Para Frege, o erro de base do psicologismo é a sua concepção de sujeito, que se concentra no princípio de que meus únicos objetos são conteúdos imanentes da consciência. Entretanto, essa tese não é meramente falsa, mas também refutável. A refutação da mesma aparece, não obstante, tardiamente em Der Gedanke. É esse o sentido último da crítica do idealismo oferecida neste texto. Ela é um passo necessário e imprescindível para assegurar a possibilidade de que captemos pensamentos, possibilidade com a qual se ocupa boa parte do artigo de 1918. PAlAVRAS-ChAVE – Frege. Psicologismo. Crítica do idealismo. AbSTRACT – According to Frege, the basic mistake of psychologism is its conception of the subject, which is centered in the principle that only immanent contents of consciousness can be my objects. Now, this thesis is not only false, but also refutable. The refutation itself appears later in Der Gedanke. This is the last sense of the critique of idealism brought about in that text. It is a necessary and unavoidable step to assure the possibility that we grasp thoughts, possibility that Frege deals with in great part of his 1918 article. KEywoRdS – Frege. Psychologism. Critique of idealism. 1. Introdução Ainda que a crítica ao psicologismo seja constante no pensamento fregeano, ela não constitui uma unidade sistemática, senão um conjunto de momentos distinguíveis e relativamente independentes uns dos outros. Contudo, a partir de 1893, com o prefácio às Grundgeseteze der Arithmetik, um desses momentos adquire papel predominante: a crítica ao idealismo. Com ela, Frege intenta fixar o suposto básico sobre o qual o psicologismo repousa e identifica esse em uma concepção errônea de subjetividade, segundo a qual, o sujeito só tem acesso direto e imediato a suas próprias representações. Em 1893, a crítica desta tese se efetua explicitando as consequências da mesma e considerando-as absurdas sobre a base do pressuposto de que ciência e comunicação são possíveis. * Professor de Filosofia na PUC-SP. VERITAS Porto Alegre v. 54 n. 2 maio/ago. 2009 p. 130-154 No entanto, neste texto, Frege não apresenta nenhum argumento dirigido diretamente contra a tese de que meus únicos objetos são minhas representações. Nesse ponto, opera-se uma mudança decisiva em 1918, ano de publicação do ensaio Der Gedanke, pois agora Frege se propõe apresentar um argumento que demonstre que a tese idealista é, em si, falsa. Com base no fato de que, segundo Frege, não podemos fundamentar a lógica, questiona-se se, para ele, o psicologismo é propriamente refutável. Certamente, muitas das críticas de Frege ao psicologismo pressupõem a existência de uma verdade absoluta e a nossa capacidade de captála. Contudo, caso se entenda a refutação do idealismo em Der Gedanke como o que realmente é, com efeito, Frege considera que o psicologismo é refutável, pois se baseia em uma teoria falsa da subjetividade, o que pode ser demonstrado por um argumento.1 Tende-se a ver em Der Gedanke uma obra, em certo sentido, atípica, considerando-se que ela contém uma certa virada ou um giro particular, operando uma incursão na epistemologia. Entretanto, a novidade que oferece Der Gedanke não consiste em que Frege estenda a sua reflexão a uma nova esfera de problemas. A doutrina exposta nesse ensaio se encontra em estrita continuidade com o desenvolvimento anterior. Não estamos frente a um elemento absolutamente novo, senão frente ao prolongamento e à complementação da luta antipsicologista. As considerações “epistemológicas” de Der Gedanke têm como objetivo primário provar, contra o psicologismo, que é possível que captemos pensamentos. Em Der Gedanke, pode-se diferenciar duas linhas principais de desenvolvimento, as quais por momentos se entrecruzam no percurso do texto. Por um lado, trata-se de estabelecer que há pensamentos e o que eles são e, por outro, trata-se de provar a possibilidade de princípio de nossa captação dos mesmos. A estratégia geral adotada para esse último propósito será a de eliminar dois obstáculos nesse sentido: um de matriz idealista e o outro de matriz realista-empirista. Nas linhas que se seguem, nos concentramos no argumento antiidealista, efetuando uma análise do mesmo que, se por um lado intenta reconstruí-lo em suas linhas fundamentais, por outro dá especial ênfase ao contexto do mesmo, isto é, tem por objetivo compreendê-lo como momento de um percurso que o transcende. Para efeito de completude da exposição, não obstante, não deixaremos de considerar brevemente o outro obstáculo, de matriz realista-empirista, já mencionado. Nossa exposição representa basicamente um comentário ao texto 1 outra via de refutação do psicologismo é oferecida em l (1897), 45. 131 fregeano que segue a ordem do mesmo e pretende acompanhá-lo passo a passo. 2. Contexto do problema Der Gedanke começa com um percurso que já está presente em várias obras anteriores e que podemos sintetizar em três momentos: 1. o ponto de partida é a tese de que a lógica se ocupa com as leis do ser verdadeiro (G, 30-31 (58-59)). 2. A questão passa então a concentrar-se no conceito de verdade. do que aqui se trata é de estabelecer o que é originariamente verdadeiro ou falso. diferentes candidatos são considerados (imagens, representações, enunciados) e rechaçados por motivos diversos. Finalmente, chega-se a pensamentos como os depositários originários de verdade. Considera-se, então, em que consiste a verdade como uma propriedade de pensamentos, sendo que, em tal contexto, pensamentos são pela primeira vez, considerados não-sensíveis (G, 31-34 (59-62)). 3. o terceiro passo será precisar o conceito de pensamento, estabelecendo a sua relação com a linguagem (G, 34-36 (62-63)). A análise se detém no estabelecimento do vínculo entre o pensamento e o enunciado asseverativo, e isso mostrando que não há coincidência plena entre ambos, tanto porque a linguagem contém “mais” quanto porque a linguagem contém “menos” que o pensamento (G, 36-40 (63-66)). Entre os casos do segundo tipo, consideram-se os indexicalia: o tempo presente e as expressões “aqui” e “eu”. É a partir da análise dos diferentes problemas que apresenta esse último termo que se introduz uma variação no tema que leva a incluir na análise os nomes próprios (G, 39 (65-66)). Enunciados que contêm o pronome pessoal “eu” e enunciados que contêm nomes próprios podem ter diferentes sentidos para diferentes indivíduos. No caso de um enunciado que contêm o pronome “eu”, enquanto cada um é dado a si mesmo de uma forma originária, eles expressam um pensamento que só pode ser captado por seu titular. Agora, imaginemos a situação na qual alguém quer comunicar algo sobre si mesmo. Nesse caso, o termo “eu” tem de ter um sentido que seja captável por outros (G, 39-40 (66-67)). 3. Colocação do problema É no contexto das preocupações indicadas que, de uma forma em princípio abrupta, Frege interrompe o desenvolvimento descrito e introduz 132 uma nova questão. Contudo, assim Frege nos diz, surge uma dificuldade: é o mesmo pensamento o que é primeiramente enunciado por aquele indivíduo e posteriormente por este? dito de outra forma: podem dois indivíduos captar o mesmo pensamento (G, 40 (66))? Qual é a relação desta pergunta com o que antecede? Através do percurso anterior, e no marco da distinção entre captar pensamentos idênticos ou diferentes, fez-se uso em várias ocasiões da idéia de que dois indivíduos captem o mesmo pensamento. Contudo, tal idéia foi simplesmente pressuposta e não reflexivamente elaborada. É esse pressuposto o que tem de ser tematizado agora. A necessidade de problematização se evidencia pelo próprio desenvolvimento do parágrafo anterior, onde, se por um lado simplesmente se supunha que dois indivíduos podiam captar o mesmo pensamento, por outro, analisavam-se situações que poderiam tornar isso duvidoso, tais como o fato de enunciados que recebessem diferentes sentidos para diferentes indivíduos e, sobretudo, o fato de enunciados que expressavam pensamentos que só podiam ser captados por seu titular (G, 39 (66)). Nesse contexto, não é tão óbvio que dois indivíduos sejam capazes de captar o mesmo pensamento. observemos já aqui que o problema do acesso a pensamentos, e pelas razões de contexto que indicamos, dá-se, em princípio, do ponto de vista intersubjetivo, como possibilidade de acesso de vários indivíduos ao mesmo pensamento. Frege poderia ter subdividido o problema em dois e, de fato, em sua resposta observar-se-á uma diferenciação de dois momentos. Teríamos então duas perguntas: 1. É possível, a princípio, captar pensamentos, ou seja, pode um indivíduo captar pensamentos? 2. Podem dois indivíduos captar o mesmo pensamento? A primeira pergunta é mais geral e a sua resposta positiva é condição de possibilidade de uma resposta positiva à segunda. Para que dois indivíduos captem o mesmo pensamento, é necessário que cada um deles seja capaz de captar pensamentos. mas, voltemos à nossa pergunta: é possível que dois indivíduos captem o mesmo pensamento? Esta pergunta só será respondida no final do ensaio e, portanto, é fundamental que a conservemos em mente. É ela que está guiando todo o desenvolvimento. 4. Reformulação do problema Uma vez dada a primeira formulação do problema, efetua-se em seguida uma reformulação do mesmo. o problema se coloca, provisoriamente, a partir do ponto de vista do senso comum que aceita sem questionar a ideia de que somos capazes 133 de captar um mesmo objeto sensível. Se somos capazes de captar um mesmo objeto sensível, então, em princípio, somos capazes de ter objetos comuns. mas, se, em princípio, somos capazes de ter objetos comuns, então, nada obsta ao fato de que sejamos capazes de captar o mesmo pensamento (G, 40 (66)). Entretanto, apresenta-se um inconveniente. Se dois indivíduos são capazes de captar o mesmo objeto sensível, isso não garante em nada que dois indivíduos possam captar o mesmo pensamento, e isso pela simples razão de que pensamentos não são objetos sensíveis; pode muito bem existir um impedimento específico no caso de pensamentos que torne impossível a sua captação (G, 40 (66)). Sobre a base da observação anterior, a pergunta então se transforma: podemos captar o mesmo pensamento assim como podemos captar o mesmo objeto sensível, ainda que pensamentos não sejam objetos sensíveis? É importante não perder de vista esta dificuldade, pois, depois de um longo percurso, voltaremos a ela. 5. O que são “representações” (Vorstellungen)? Se o senso comum aceita objetos sensíveis, também aceita um mundo interno (G, 40 (66)). Já que pensamentos não são objetos sensíveis, coloca-se então a questão de se eles pertencem ao mundo interno, se são representações. A pergunta sobre se podemos captar pensamentos se entrecruza, a partir de agora, com a pergunta pelo que eles propriamente são. Para respondê-la, temos de dar um passo atrás e determinar o que são representações. Para cumprir essa tarefa, por sua vez, servimo-nos de uma contraposição entre representação e objeto externo. Nela, fixa-se o conceito de representação e são dadas quatro características definitórias das mesmas (G, 40-42 (67-68)): 1. As coisas do mundo externo são percebidas, representações não; elas não podem ser vistas, apalpadas, degustadas, cheiradas. 2. Representações são tidas. o “ter” implica que o tido é parte real da consciência, está na consciência, é imanente a ela. Representações são “conteúdos de consciência” (Bewusstseinsinhalte). 3. Por serem essencialmente conteúdos de consciência, representações precisam de um “portador” (Träger); já as coisas externas, não. 4. Toda representação tem um único portador, ou seja, dois indivíduos não podem ter a mesma representação. 6. É o pensamento uma representação? Uma vez fixado o conceito de representação, estamos em condições de retomar a pergunta que deixamos pendente: é o pensamento uma 134 representação (G, 42 (68))? A resposta é obviamante negativa, e o que importa é o argumento. Este consiste em derivar as consequências que se seguiriam se pensamentos fossem representações e pôr em evidência que as mesmas são absurdas. o ponto de partida implícito é aquilo que de essencial sabemos até agora com respeito aos pensamentos, a saber, que eles são os depositários originários da verdade. A pergunta sobre se pensamentos são representações remete à pergunta sobre o que aconteceria se verdade e falsidade fossem propriedades de representações. Frege responde a esta pergunta considerando-a no limiar de uma alternativa (G, 42-43 (68-69)): a) Se um pensamento pode ser reconhecido como verdadeiro, tanto por mim mesmo quanto por outros, então ele não é uma representação, ou seja, ele não é o conteúdo de minha consciência, nem eu sou seu portador. Eu e outro captamos o mesmo pensamento e a esse mesmo pensamento atribuímos verdade. b) Ao contrário, se pensamentos fossem representações, dados dois sujeitos, cada um terá seu pensamento. Se for esse o caso, então poderia resultar, supondo que a verdade é propriedade do pensamento, que o pensamento de um tivesse uma propriedade distinta do pensamento de outro, ou seja, que o pensamento de um fosse verdadeiro e o do outro, falso. mais ainda: aquilo que é verdadeiro ou falso não pode ser um conteúdo de minha consciência, pois, se assim o fosse, verdadeiro e falso seriam propriedades privadas; ou seja, se o pensamento fosse uma representação, seria privado, teria propriedades privadas, e a verdade seria uma dessas propriedades. Em tal sentido, o predicado “verdadeiro” se comportaria como o predicado “vermelho”, quando este é usado, não para designar uma propriedade dos objetos externos, mas uma de minhas impressões sensíveis, ou seja, ele só seria aplicável na esfera da minha consciência e seria duvidoso se na consciência de outro haveria algo similar. Em tal situação, uma discussão sobre a verdade resultaria absurda, tão absurda como seria que dois indivíduos discutissem sobre a autenticidade de uma nota de cem marcos enquanto cada um se refere à nota de cem marcos que tem em seu bolso e utiliza a palavra autêntico em um sentido particular. “Autêntico” se comportaria, neste caso, como “verdadeiro”. Como cada um tem suas representações e como cada um atribui a essas uma propriedade privada, não só não há um objeto comum como nem sequer há um predicado “verdadeiro” comum. logo, não pode haver contradição e, consequentemente, tampouco argumentação e comunicação. Em tal caso, uma ciência que fosse comum a vários se tornaria impossível. Cada um teria sua ciência, a qual se ocuparia com 135 seus próprios conteúdos de consciência. Em resumo: a tese de que pensamentos sejam representações acaba sendo descartada por uma análise de suas consequências, que implicam impossibilidade de ciência e de comunicação em geral (cf. GGA, XIX). 7. Conclusão provisória: deve-se aceitar um “terceiro reino” (drittes Reich) A conclusão a que se chega é que pensamentos não são nem coisas do mundo externo nem representações. Por conseguinte, deve-se aceitar um “terceiro reino”, que coincidirá com as representações por não ser sensível e com os objetos físicos por não precisar de um portador (G, 43 (69)). 8. A refutação do idealismo Entretanto, a pergunta de base segue em pé (Podem dois indivíduos captar o mesmo pensamento?) assim como o suposto (dois indivíduos podem captar o mesmo objeto sensível). o próximo passo será agora questionar esse suposto. Parece que se ouve uma estranha objeção, diznos Frege. havíamos suposto que o mesmo objeto que eu vejo pode ser visto por outros. mas, o que aconteceria se tudo fosse meramente um sonho (G, 44 (69))? Qual é concretamente a dificuldade em que Frege está pensando? À primeira vista, trata-se de uma dúvida cética sobre a existência do mundo externo e sua eventual cognoscibilidade. Assim é indicado pela conclusão provisória a que chega Frege, a saber, que seria duvidoso se existem objetos externos (G, 44 (69)). Entretanto, a dúvida cética sobre a existência e a cognoscibilidade do mundo exterior não é o problema de base que está sendo levantado aqui por Frege senão unicamente uma de suas derivações e consequências. lembremos: Frege está abrindo o caminho para afirmar a possibilidade de que dois indivíduos sejam capazes de captar o mesmo pensamento. Esse é o objetivo último de todo o percurso que estamos fazendo. É com relação ao mesmo que temos agora que entender o momento particular em que nos encontramos. Nele apresenta-se, em última instância, uma objeção de princípio à possibilidade de que dois indivíduos captem o mesmo pensamento. A objeção que Frege se faz admite diferentes formulações e, de fato, Frege emprega diferentes formulações para expressar a mesma. mas, dado que nessas formulações umas são mais precisas e pregnantes que outras, concentremo-nos nessas. A objeção diz: só o que é minha representação pode ser objeto direto e imediato de meu conhecimento. 136 do que aqui se trata é de combater essa tese, ou seja, de mostrar que “é falsa a proposição de que só pode ser objeto de minha consideração, de meu pensamento, o que pertence ao conteúdo de minha consciência” (G, 48 (72)). Se essa tese fosse verdadeira, se só as minhas representações pudessem ser objeto de consideração, então todo o meu saber e conhecer se limitaria à esfera de minhas representações, isto é, ao cenário de minha consciência (G, 45 (70)). Uma vez estabelecida, ainda que provisoriamente, a tese a ser considerada (e que Frege se propõe combater), é necessário uma observação sem a qual o próprio título de nossa exposição permaneceria injustificado. Em 1918, a tese que estamos considerando não recebe uma denominação específica: em 1893, não obstante, a mesma é rotulada como “idealismo”. Que entende Frege por idealismo? Entre os críticos e, em particular, entre aqueles de língua inglesa, tornou-se usual pretender especificar de algum modo o idealismo que Frege combate qualificando o mesmo, por vezes, como idealismo cético e, em muitos casos, como idealismo subjetivo. É duvidoso se essas qualificações são esclarecedoras e cumprem efetivamente com o que se propõem. Sobre a primeira nós nos referiremos mais adiante. Agora, sobre a segunda, seja dito que é certo que o idealismo que Frege combate não é nem o idealismo de hegel nem, com ressalvas, o de Kant. mas, não por isso, por operar essa delimitação, a expressão idealismo subjetivo evita todo equívoco, pois existem modos e formas variadas do mesmo. A tese berkeleyana esse est percipi pode, sem dúvida, ser entendida como idealismo subjetivo; não obstante, certamente a tese “tudo é representação” não lhe é equivalente. de fato, Frege nunca usa a expressão “idealismo subjetivo” para referir-se à tese que combate. Quando, em outros textos, deseja usar expressões mais precisas, denomina-a “idealismo epistemológico” (l (1897), 41). Creio que a expressão “epistemológico” deve ser entendida aqui como delimitando esse idealismo de toda variedade “ontológica” do mesmo. dito de outra forma, o idealismo epistemológico nada diz sobre a constituição última da realidade, senão que, sendo neutro nesse ponto, limita-se a indicar algo a respeito de nosso conhecimento, a saber, que o mesmo se limita a nossas representações. Essa interpretação é plenamente coerente com o dado fundamental que possuímos para precisar a noção fregeana de idealismo, a saber, o fato de que ele introduz a mesma em sua polêmica com Erdmann e para qualificar a posição deste. A tese de que nossos únicos objetos são nossas representações é explícita em Erdmann, assim como é igualmente explícito que a mesma se dirige a salvaguardar a lógica de toda intromissão metafísica e, mais concretamente, a delimitá-la frente à dialética hegeliana e toda filosofia especulativa. Coerente com tal objetivo, a tese de Erdmann 137 não se propõe dizer nada sobre a natureza do ser em-si, senão sobre nosso conhecimento, sendo concebida como, de princípio, conciliável com as mais diversas ontologias, por exemplo, com a negação ou afirmação de um ser em-si, com o estabelecimento de uma relação entre o mesmo e as nossas representações ou, inclusive, com um realismo representacionalista que admite uma correspondência entre nossas representações e uma realidade que as transcende. Explicitamente, Erdmann deixa em aberto essas questões, que, por serem metafísicas, são irresolúveis. A sua intenção é permanecer no campo do imanente (Erdmann: Logik §3, §14 (84), §16). É pelos motivos anteriores que, se o idealismo que Frege critica admite alguma qualificação, é no sentido de entendê-lo como princípio de imanência, ou seja, como um princípio absolutamente universal, que diz algo a respeito da subjetividade e de sua capacidade de conhecer, a saber, que meus únicos objetos possíveis, acessíveis de modo direto e imediato, são minhas representações, ou seja, conteúdos imanentes de minha consciência. Entendido nesse sentido universal, é claro que uma consequência primeira do princípio de imanência é a impossibilidade absoluta de objetos comuns em geral. observe-se que é isso o que explicitamente está em primeiro plano no texto de Frege. Este escreve: que se seguiria dessa afirmação, se ela fosse verdadeira? E responde: com ela se eliminaria toda base para a assunção de que algo pode ser objeto para outro assim como para mim (G, 44 (70)). Que esse obstáculo à existência de objetos comuns e à consequente necessidade de remover o mesmo tem em vista pensamentos, no contexto que nos ocupa, isso já foi dito. Se o princípio de imanência fosse verdadeiro, seria impossível que dois indivíduos captassem o mesmo pensamento. digamos agora que, como é óbvio, o princípio de imanência, por ameaçar a nossa possibilidade de acesso a objetos comuns, ameaça também a possibilidade de acesso de diferentes indivíduos a um objeto externo. Insistamos nesse ponto, pois tende-se a entender Frege, nessas passagens, a partir de descartes. As comparações com descartes não contribuem para entender melhor Frege, nem concretamente no que diz respeito ao seu problema, nem no que diz respeito à sua solução. o problema do mundo externo entra como um aspecto parcial, derivado e subordinado, de uma problemática que o engloba. Se o princípio de imanência fosse verdadeiro, se só tivéssemos acesso às nossas representações, então tampouco teríamos acesso aos objetos do mundo externo. Isto não implica que a tese que Frege combata seja especificamente a dúvida cética com respeito à existência e à 138 cognoscibilidade do mundo externo, nem, portanto, que a tese que Frege queira provar seja a existência e a cognoscibilidade do mundo externo. devemos diferenciar o princípio de imanência de suas consequências. A negação da existência de objetos externos ou da possibilidade de conhecê-los é uma consequência do princípio de imanência, mas não é o princípio de imanência.2 A precisão anterior nos conduz a outra. havíamos formulado a tese a ser refutada como princípio de imanência e, seguindo a Frege, introduzido a mesma como uma objeção à possibilidade de objetos comuns (G, 44 (69)). Todavia, em sentido estrito, há aqui uma imprecisão. o princípio de imanência torna impossível, primeiramente e de modo essencial, o acesso a qualquer objeto transcendente e, por isso, derivadamente e, em segundo lugar, a objetos comuns em particular. devemos prestar atenção a esse ponto, caso pretendamos acompanhar o texto fregeano fielmente. dissemos que a pergunta que orienta a exposição fregeana é se dois indivíduos podem captar o mesmo pensamento. observamos que essa pergunta representa já uma concretização de uma questão que a engloba e que nela está pressuposta, a saber, a questão de se é possível captar pensamentos. diferenciamos então explicitamente duas perguntas: 1. É, em princípio, possível captar pensamentos? Pode um indivíduo considerado isoladamente captar pensamentos? 2. Podem dois indivíduos captar o mesmo pensamento? A tese da imanência torna impossível uma resposta positiva a ambas as perguntas, mas não de igual modo. Recordemos, a tese de imanência diz: só posso ter como objetos os meus próprios conteúdos de consciência. Assim entendida, ela nega toda possibilidade de acesso individual a um objeto transcendente. Assim, se ela valesse, todo acesso de um indivíduo a algo transcendente à sua consciência seria impossível e disso se seguiria que também é impossível que dois indivíduos captem o mesmo objeto. A impossibilidade de captar objetos comuns é, por tanto, 2 Talvez um último esforço de precisão não seja excessivo. Se recordamos o percurso que viemos desenvolvendo desde o começo, recordaremos que o tema dos objetos externos ingressou em nossa reflexão como exemplo de objeto comum, não em seu caráter de objeto externo. Se prestamos atenção agora às passagens nas quais se introduz a existência do objeto externo como problema, veremos que a situação não mudou: o que foi o que realmente foi aceito sem discussão e agora, com a objeção, é questionado? Frege assumiu em várias ocasiões que a mesma coisa que eu vejo pode ser considerada por outros. mas, que aconteceria se tudo não fosse mais que um sonho? o que foi suposto não foi a existência do objeto externo, o que foi suposto é que ele poderia ser objeto comum. os objetos externos foram introduzidos no transcurso da reflexão não em seu caráter de externos ou sensíveis, mas o essencial era seu caráter de objetos comuns. 139 uma derivação do princípio de imanência; mas, nem ela é o princípio de imanência nem a sua negação é, sem mais, uma negação do princípio de imanência. Atentar para o que foi dito é fundamental para perceber uma certa assimetria que vai conduzir, no desenvolvimento do texto, a uma bifurcação do argumento. Em sua primeira formulação, a objeção que se colocava era referente à possibilidade de acesso a objetos comuns. Não obstante, a tese a ser provada não é simplesmente a afirmação de que haja objetos comuns, senão uma tese mais restrita, a saber, que temos acesso a objetos que não são representações. Vejamos a situação de outro modo. Existem cinco teses que devem ser diferenciadas: – Tese 1 (suposto): há objetos comuns (dois indivíduos captam o mesmo objeto externo e está em questão se também são capazes de captar o mesmo pensamento). – Tese 2 (objeção): não há objetos comuns (dois indivíduos não captam o mesmo objeto externo nem captam o mesmo pensamento). – Tese 3 (tese a ser refutada e que funda a anterior): segundo o princípio de imanência, só temos acesso a representações ou não temos acesso a objetos transcendentes. – Tese 4 (tese a ser provada): temos acesso a algo que não é representação. – Tese 1’ (tese a ser provada): temos acesso a objetos comuns. No percurso que fizemos, a tese que será demonstrada como falsa é a tese 3 e, para a sua refutação, oferecer-se-á um argumento. A partir da refutação da tese 3, seguir-se-á a verdade da tese 4. o que se trata de refutar é a tese que diz que só tenho acesso, como objetos, aos meus próprios “conteúdos de consciência” (Bewusstseinsinhalte), o que se trata de provar é que é possível acessar objetos que não são meus conteúdos de consciência. Em princípio, tanto à tese 3 quanto à tese 4 não se segue a prova da tese 1’. Em realidade, a tese 1’ não será propriamente provada com a refutação do idealismo, senão estabelecida a partir de um movimento complementar.3 Atentar ao conteúdo estrito do princípio de imanência e fixar precisamente a sua relação com a questão referente à possibilidade de objetos comuns é essencial para ter claro o que é que vamos refutar, isto é, o princípio de imanência, com o qual vamos provar a possibilidade de captar (individualmente) objetos que não são conteúdos de consciência e, finalmente, o que é que não se provará (ao menos diretamente pela 3 A negação do princípio de imanência prova que é possível captar objetos transcendentes, mas não prova, por si, a possibilidade de captar objetos comuns. 140 mera refutação do princípio de imanência), a saber, a possibilidade de objetos comuns. Essas precisões são também essenciais para fixar adequadamente qual é o argumento com o qual se refuta o princípio de imanência e do qual se segue a verdade de sua negação, assim como do fato de que esse argumento não prova a possibilidade de objetos comuns, mas de que para a prova da mesma necessitamos de outro argumento que, como veremos, não conterá a mesma pretensão lógica que o anterior. 9. Parágrafo intermédio: demonstração da premissa auxiliar Em vez de passar diretamente à exposição do argumento contra o princípio de imanência, como era de se esperar, Frege introduz um parágrafo intermediário, no qual à primeira vista interrompe o percurso principal (G, 45ss. (70ss.)). É “curioso” (wundersam), assim Frege nos diz, como em considerações tais como as que estamos realizando os opostos se derivam uns dos outros, mais concretamente, como a partir da tese “tudo é objeto (externo)” se passa para a tese “tudo é representação” e, inversamente, como a partir da tese de que tudo é representação se passa para a tese “tudo é objeto (externo)”. Frege analisa essas duas situações. A primeira situação se apresenta no caso da psicologia fisiológica, a qual poderia ser descrita como um estranho casamento de naturalismo e idealismo. Partindo-se da tese da existência de um mundo, do qual minhas representações são resultado causal, passa-se, por meio da dependência que há entre a representação e a sua causa, a uma independência da representação em relação a seu objeto, com o que, finalmente, abre-se o caminho para considerar o próprio objeto como uma representação. Em outro caso, que poderia ser assimilado a uma posição como a de mach, parte-se de uma redução de tudo a representações, redução que termina incluindo o próprio eu, o qual é dissolvido no fluxo das representações. o eu não é distinto de suas representações; antes, não é outra coisa que o conjunto das mesmas. Com essa redução, novamente, encontramos no ponto de chegada o inverso do ponto de partida, pois se, segundo a tese inicial, tudo era representação, as representações independentes de um eu que seja seu portador não são outra coisa que objetos. observemos a “inversão ao oposto” que foi anunciada no começo (G, 47 (72)). Partimos de uma posição naturalista. logo, reduzimos tudo à representação. logo, uma vez reduzido tudo, absolutamente tudo, à representação, inclusive o meu próprio eu, já não há mais representações, senão que voltamos a ter objetos autossuficientes. Temos, pois, três passos: tudo é objeto autossuficiente, tudo é representação e, novamente, tudo é objeto autossuficiente. 141 Qual é o ganho dessa passagem na estrutura do texto? o ganho está contido no segundo movimento do parágrafo, desempenhando o primeiro unicamente uma função introdutória, complementar para a explicitação do princípio geral. Nele, prova-se uma das premissas sobre a base das quais se efetua a refutação do idealismo subsequente. o que interessa a Frege é provar que o conceito de representação necessariamente remete à idéia de um eu que não é representação, que é portador das representações. Assim, a prova de tal tese se dá antecipando-se a uma possível objeção. Alguém poderia contra-argumentar dizendo que da tese “tudo é representação” não se segue necessariamente a existência de um eu, que não é representação e é portador das mesmas, pois bem poderia acontecer que esse eu não fosse outra coisa que o conjunto de representações e, portanto, se dissolvesse nas mesmas. A essa possível objeção, Frege responde que representações têm uma relação necessária com um eu como portador e que, se eliminamos a mesma, transformamos as representações em objetos (G, 47 (72)). 10. O argumento Com o exposto, nada resta senão estabelecer o argumento fregeano. Para isso, procederemos em cinco passos: a. mostraremos o que o argumento não é; b. proporemos uma leitura do argumento; c. explicitaremos a sua estrutura formal; d. consideraremos alguns aspectos particulares do mesmo; e. e, finalmente, apontaremos para objeções possíveis. a. Se a comparação com descartes pode confundir com respeito ao problema, ela pode confundir também com respeito à solução. o argumento de Frege não consiste em derivar uma existência de outra existência. Ele não diz: existem ao menos minhas ideias; assim, se existem minhas ideias, então existe algo que não é uma ideia, a saber, o meu eu. Não se trata de provar que existe algo diferente de minhas ideias, mas que tenho objetos que não são minhas ideias, ou que ideias não são meus únicos objetos. Se o argumento não deriva uma existência de outra existência, ele tampouco se funda em uma evidência primitiva (tenho representações) sobre a qual repousam outras certezas (há um eu diferente de minhas representações). b. o argumento de Frege diz (G, 47-48 (77)): 1. se meus únicos objetos são minhas representações, 2. então existe algo que não é minha representação, meu próprio eu, 142 3. pois, se meu próprio eu não existisse, tampouco poderia haver representações, já que se careceria de um portador das mesmas (representações se tornariam objetos); 4. entretanto, meu eu pode ser meu objeto (ou é essencial ao eu o poder dar-se a si mesmo como objeto), 5. portanto, é falso que meus únicos objetos sejam minhas representações. c. Exposto o argumento em seus elementos, vejamos a sua estrutura formal. c.1. o argumento fregeano se constrói sobre duas premissas: c.1.1. o ponto de partida é o princípio de imanência segundo o qual todos os meus objetos são representações ou conteúdos de minha consciência. c.1.2. A esse ponto de partida agrega-se uma premissa suplementar que, como já vimos, se demonstra separadamente: representações precisam de um eu como portador. c.2. Segundo a interpretação que considero correta, o argumento de Frege consiste basicamente em uma redução ao absurdo e procede por um único e decisivo passo: ele consiste em mostrar que, caso se aceite a tese do oponente como premissa, dela se deriva uma consequência que a contradiz, portanto ela é falsa. o argumento de Frege consiste em que, pressuposto que os meus únicos objetos sejam representações, como representações só podem ser representações de um eu, segue-se que há um objeto, o meu eu, que então não é representação, sendo portanto falso o ponto de partida, ou seja, que meus únicos objetos são representações. c.3. Uma outra interpretação que considero errônea seria a seguinte: poder-se-ia pensar que o núcleo do argumento estaria em oferecer um contraexemplo. A tese “tudo é representação” se refuta provando que há ao menos um objeto que não é representação. Se Frege pretendesse proceder mediante um contraexemplo, então está exposto a objeções. c.3.1. Imaginemos que Frege diga que há ao menos um objeto que não é representação, o meu próprio eu. o idealista poderia responder simplesmente: sim, todos os meus objetos são minhas representações, com exceção do eu, que é o único caso de algo que é meu objeto e, não obstante, não é minha representação. Com isso, o idealista seguiria mantendo fechado o caminho para admitir que eu sou capaz de acessar pensamentos e eventualmente qualquer outro tipo de objeto. 143 o idealista só precisaria reformular a sua tese de uma forma “mais precisa”. Isso inauguraria o trabalhoso caminho de ter de ir introduzindo posteriormente um a um outros objetos que não fossem representações ou um eu. c.3.2. Com esta introdução pontual de novos objetos, o verdadeiro problema de um decisivo passo à transcendência é simplesmente postergado. depois de tudo, ainda quando se pode dizer que o meu eu me proporciona um objeto que não é minha representação, ele não deixa de ter um status particular tal que seja compreendido como pertencente à esfera de uma certa imanência. Assim, o passo decisivo da prova se traslada da existência do meu eu como objeto à demonstração da existência de um objeto diferente do meu eu. o contra-argumento de que meu eu é meu único objeto que não é minha representação é sempre, em princípio, plausível.4 mas, se como afirmamos, o argumento procede por redução ao absurdo, não se exige nenhum recurso auxiliar para permitir a passagem de meu eu como objeto a um objeto que não seja o meu eu. de fato, observese, Frege efetua essa passagem sem maiores considerações. c.3.3. Ademais, se o argumento procedesse por contraexemplos, ele demonstraria que o princípio de imanência é falso mediante a indicação de um fato que o refuta, e a afirmação desse fato deveria conter em si uma evidência. Ao princípio de imanência contrapor-se-ia a evidência de que posso tomar o eu como objeto. o ponto essencial seria o fato de que há um eu que é objeto e não é representação. Se tal fosse o caso, a tese de que representações requerem um portador, não desempenharia papel algum. ora, que faço afirmações sobre o meu eu, não é introduzido como a mera constatação de um fato, mas como uma consequência derivada de que as representações precisam de um eu como portador. d. Para que a exposição do argumento seja completa, devemos considerar separadamente alguns elementos complementares do mesmo. d.1. Além da objeção já mencionada que dissolve o eu em representações, Frege considera outra que está com ela vinculada e que é, em realidade, complementar. A afirmação da tese “tudo é representação”, pode ser acompanhada por uma negação do eu de duas maneiras. ou porque o eu se reduz às suas representações, caso já considerado, ou porque o eu é 4 Por outra parte, dado que justamente o eu é um objeto ao qual o seu titular tem um acesso sui generis, o fantasma do solipsismo não desaparece totalmente. 144 d.2. d.3. d.4. concebido como um conjunto de representações, ou seja, uma parte das representações capta outra parte das representações. A essa objeção, Frege responde que, em tal caso, cairíamos em um regresso ao infinito e, em consequência, existiriam infinitos “eus” (G, 47 (72)). o eu é objeto. É claro em que sentido Frege pensa que o seja, e que o seja necessariamente: o eu é objeto de afirmações (G, 47 (72)). Isso significa concretamente que posso fazer afirmações sobre ele, como, por exemplo, “eu tenho dores”. o objeto dessa afirmação é o eu, não uma representação. do que foi exposto até agora fica claro que podemos ter algo como objeto que não é nossa representação. mas, podemos perguntar como temos esse algo como objeto, em que consiste ter esse algo como objeto. Já vimos o que isso significa positivamente: ter algo como objeto é julgar, emitir um juízo sobre esse algo; negativamente, veremos que ter algo como objeto não é formar uma representação desse algo. devemos observar que desde um primeiro momento a noção de “ter algo como” objeto esteve vinculada à noção de “pensar” (Denken) (G, 48 (72)), ainda quando essa noção será explicitamente introduzida logo depois como captação de pensamentos (G, 49-50 (74)). mas, que o ter algo como objeto implica pensar deve ser óbvio a partir da relação entre pensar e julgar e o fato de que ter algo como objeto é julgar. No transcurso do argumento, Frege considera uma possível objeção com particular interesse. Essa é simplesmente uma variante do princípio de imanência que se resiste a ser abandonado (G, 47-48 (72)). Em um certo sentido, pode-se dizer que sempre que afirmo algo sobre algo me faço uma representação desse algo. Isso não significa, sem dúvida, que então meu objeto seja a representação desse algo. A questão só pode ser adequadamente respondida se nos aprofundamos no papel que tem a representação na referência a algo. E aqui devemos diferenciar duas coisas: a) que na referência a algo uma representação desempenhe algum tipo de papel, b) que na referência a algo a representação seja o objeto primário dessa referência, por assim dizer, a “cópia” (Abbild) à qual nos dirigimos imediatamente e por meio da qual nos referimos à coisa. Assim, quando me refiro ao eu, também está ou pode estar presente uma certa representação. Isso não significa, no entanto, que ela é o objeto imediato por meio 145 do qual mediatamente me refiro ao eu. Que é esse o caminho que devemos percorrer na busca de uma solução fica claro no parágrafo subsequente que trata da relação do médico com seu paciente (G, 48 (73)). Ali, é claramente diferenciado o objeto da reflexão e o “meio auxiliar” do qual a mesma se vale ou pode valer-se. mas, poderia perguntar-se, de onde se extrai a necessidade de que representações sejam os meios auxiliares da referência ao objeto? Na base dessa idéia, está uma convicção, profundamente arraigada em Frege, de que ainda quando nosso pensamento pode dirigir-se ao não-sensível ele precisa sempre de um suporte no sensível. Essa convicção está presente no texto na tese de que algo na consciência deve apontar para aquilo que não está na consciência (G, 50 (75)). mas, existe outro ponto interessante. o caso mais maduro de como a representação pode ser necessária para a referência, mas que não por isso constitui a referência direta, está dado pelo papel das “impressões sensíveis” (Sinneseindrücke) na percepção. Para que haja percepção, precisamos de impressões sensíveis. Impressões sensíveis, não obstante, não são o objeto da percepção nem constituem por si mesmas a nossa referência ao objeto percebido. Sobre esse ponto, haveremos de voltar. e. Se é clara a estrutura geral do argumento, não é tão clara assim sua articulação em detalhe. e.1. No argumento fregeano, o princípio de que representações precisam de um portador desempenha um papel fundamental. Contudo, na exposição que Frege realiza, ele considera demonstrado não meramente que toda representação supõe um portador, mas que esse portador é um eu. Podemos, entretanto, diferenciar aqui dois problemas diversos que se sobrepõem pelo contexto polêmico específico no qual a questão se apresenta, a saber, a redução do eu a um conjunto de representações. Em princípio, pode-se conceder que toda representação supõe um portador e que isso se segue analiticamente do próprio conceito de representação. Todavia, esse portador de representações não tem por que ser necessariamente um eu, pois bem se pode pensar em algum tipo de psiquismo primitivo. dores supõem um sentir dores. Entretanto, um sentir dores não supõe um eu. o que sente dores pode ser incapaz de tomar-se a si mesmo como objeto e dizer “eu tenho dores”. Para essa objeção, Frege não tem resposta, posto que simplesmente não a previu. 146 e.2. Não se pode descartar que quiçá haja uma forma muito simples de responder a essa objeção. Frege toma como ponto de partida aquilo que está afirmado por seu oponente. É seu oponente quem afirma que meus únicos objetos são “minhas” representações e, em tal sentido, em “minhas” já está introduzido um eu. Portanto, como o ponto de partida de todo o argumento é o princípio de imanência, não é necessário contemplar possibilidades que estão concedidas por esse próprio princípio. mas, essa saída é pouco convincente pelo seguinte motivo: se isso fosse assim, não teria sentido que Frege contemplasse a dupla possibilidade de que não haja eu, seja porque o eu se dissolve em suas representações, seja porque o eu seja um parte das representações. Resumindo retrospectivamente. A tese que foi refutada afirma que meus únicos objetos são minhas representações. A refutação propriamente dita da mesma se efetua em um único passo, com a constatação que dela se deriva uma consequência contraditória. Isso constitui uma unidade auto-suficiente. Se nossa interpretação é correta, com o exposto o argumento anti-idealista está concluído. o percurso subsequente não o complementa, mas apenas o pressupõe. A partir da refutação do princípio de imanência, o texto começa um movimento regressivo que vai retomando a questões que haviam permanecido pendentes: 1. Podemos ter um objeto comum? 1’. Podemos ter como objeto comum o objeto externo? 2. Podem dois indivíduos ter acesso ao mesmo pensamento? 3. Podemos ter acesso a um objeto comum que não é sensível, como o pensamento? 11. Retomando a pergunta se dois indivíduos podem ter o mesmo objeto Já indicamos que, com a tese de que o eu é objeto que não é representação, o idealismo está refutado. o passo subsequente está no caminho de um argumento a outra questão, aquela da possibilidade de que dois eu se comuniquem ou possam referir-se ao mesmo objeto. Aceitado que é falso que só posso ter como objeto minhas próprias representações, prossegue-se a mostrar que dois sujeitos podem ter o mesmo objeto. Justamente a conclusão explícita desse novo momento é que objetos comuns são possíveis (G, 49 (73)). Vejamos agora esse percurso com mais detalhe (G, 48 (73)). Frege volta à sua pergunta sobre se dois indivíduos podem ter o mesmo objeto. 147 Para isso, Frege introduz um segundo, um terceiro e um quarto sujeito. A situação considerada é a de que dois sujeitos que tomam como objeto as representações de um terceiro, mais concretamente, dois médicos que conversam sobre as dores de um paciente. 1. observe-se que a introdução de novos sujeitos não tem por fim provar a existência dessas entidades, ou seja, a existência de outros “eus”. Simplesmente não é esse o problema central agora, muito embora, como veremos, seja também um problema (G, 48 (73)). 2. A única coisa que se “prova”, pressupondo o ponto já alcançado, é que, também com respeito a outros sujeitos, temos de diferenciar entre o seu eu e as suas representações, de tal modo que eles, assim como nós, possam ter como objeto algo que não é a sua representação. dito de outra forma, Frege efetua uma inferência por analogia (G, 49 (73)). 3. mas, se dois indivíduos podem ter como objeto algo que não é a sua representação, então eles podem ter um objeto comum. Para sustentar esse novo passo, não é suficiente apelar à refutação do princípio de imanência, pois, como vimos, a negação deste não implica necessariamente a existência de objetos comuns. Aqui, é necessário um argumento complementar. Este, caso fosse explicitamente articulado, seria assim: se dois indivíduos podem ter como objeto algo diferente de suas próprias representações, então nada obsta a que tenham por objeto o mesmo objeto (G, 48 (73)). Na refutação do princípio de imanência, podemos dizer que estamos propriamente frente a uma prova no sentido lógico mais estrito. o novo momento do percurso fregeano que nos ocupa introduz outro plano de consideração. Tentamos formulá-lo de modo tal que adquira a sua maior força argumentativa. Ainda assim, vemos que há uma diferença notória com a refutação do princípio de imanência. o princípio de imanência é propriamente refutado; a existência de objetos comuns é tornada plausível. o que mais podemos dizer desde um ponto de vista lógico é que se deriva uma possibilidade de outra possibilidade ou que de algo que não é impossível se conclui que outro algo tampouco é impossível. A atenção à literalidade do texto sustenta tal interpretação. Com efeito, isso se expressa em termos tais como “Agora está livre o caminho...”. 12. O problema do mundo exterior Ao retomar ao problema da existência de um objeto comum, pusemos o acento em que, em princípio, nada obsta a que outros “eus” possam tomar como objeto algo distinto de suas representações, tal como nós mesmos. Com esse movimento, contudo, deu-se outro passo decisivo: a introdução de um novo eu traz consigo o problema da existência do mundo externo (G, 48 (73)). 148 dissemos mais acima que o objetivo de Frege não era construir um argumento para provar tal existência nem, muito menos, a cognoscibilidade do mesmo. o que Frege nos diz explicitamente, agora, não vem senão confirmar tal idéia: se Frege se tivesse proposto refutar uma dúvida cética com respeito a nosso conhecimento do mundo externo, muito pobre seria o resultado. o que se tem para opor à dúvida cética não é nenhuma certeza. Frege explicitamente renuncia a toda possibilidade de certeza absoluta nesta esfera. Existe aqui uma diferença de princípio, nos diz o autor, entre o mundo exterior e o interior: não posso duvidar de que tenho a impressão sensível do verde, mas não é tão seguro que eu veja efetivamente uma folha de tília (G, 49 (73)). A introdução do mundo exterior traz consigo, pois, a possibilidade do erro. Provado que somos capazes de acessar objetos transcendentes, nada obsta ao reconhecimento da existência do mundo exterior. Para Frege, isso é uma questão resolvida e não há mais nada a dizer a respeito. Esse ponto de vista é conciliável, mais ainda, implica-se necessariamente, com o reconhecimento da falseabilidade essencial de todo o meu conhecimento do mundo exterior. A falseabilidade, de princípio, de todo o nosso conhecimento do mundo exterior não é para Frege uma objeção à existência deste mundo, mas, pelo contrário, um argumento ou a confirmação dessa transcendência (cf. GGA, XXI). A possibilidade do erro é, para Frege, um ingrediente essencial na própria idéia de um conhecimento do mundo exterior. Uma análise completa da concepção fregeana sobre o conhecimento do mundo externo só poderia ser oferecida depois do tratamento dos pensamentos. 13. A introdução de pensamentos observamos, no final da subdivisão 11, que quatro perguntas restavam ainda para serem respondidas. As duas primeiras encontraram as suas respostas nos itens anteriores: somos capazes de ter um objeto comum e, em princípio, ter acesso ao objeto exterior. Como o evidencia a introdução do problema do mundo exterior, em primeiro plano esteve até agora o objeto sensível. Por essa razão, ainda resta um último e decisivo passo, um passo que nos remete ao começo deste longo percurso, a saber, à introdução de pensamentos e à dupla correlativa afirmação de que podemos captá-los assim como outras pessoas. Frege será extremamente parco nesse novo e decisivo movimento, muito provavelmente porque ele não faz mais que explicitar o que, por si mesmo, deve estar já claro. Não existem argumentos positivos que demonstrem a possibilidade de captar pensamentos; o que existe é uma estratégia na qual se prova a falsidade de uma tese que, caso fosse verdadeira, tornaria impossível, de 149 princípio, a nossa captação individual de pensamentos. o que Frege nos diz explicitamente é o seguinte: nem tudo é representação. desse modo, posso reconhecer pensamentos como independentes de mim, os quais eu e outros homens somos capazes de captar (G, 49 (74)). Prestemos atenção, em primeiro lugar, ao “posso”. Com ele, indica-se uma possibilidade. Isso quer dizer: Frege não pretende ter provado que efetivamente captamos pensamentos ou que efetivamente dois indivíduos captam o mesmo pensamento, senão, unicamente, que é possível que assim seja5. Essa possibilidade é afirmada em direta correlação com a negação do princípio de imanência. Como “nem tudo é representação”, ou seja, como o princípio de imanência é falso, “assim”, desse modo, então posso... A inversa seria: se o princípio de imanência fosse verdadeiro, seria impossível captar pensamentos e “assim” ruiria toda a “ponte ao objetivo” (l (1897), 62). o núcleo do argumento é, pois, a negação do princípio de imanência e o fato de que essa deixa em aberto uma possibilidade.6 14. Uma nova e objeção final à possibilidade de captar pensamentos Com o que foi dito até agora, é tornada plausível a possibilidade de captar pensamentos. A essa tese, entretanto, pode ser feita uma objeção, uma objeção que já foi anunciada no começo do texto. Pensamentos não são parte do mundo interior; agora, o que não é parte do mundo interior só pode ser captado através de impressões sensíveis. Pensamentos, não obstante, não são objetos sensíveis e não podem ser percebidos (G, 50-51 (75)); cf. GGA, XVIII). o argumento de Frege se constrói sobre a base de aceitar o ponto de partida de seu oponente. Admitamos que temos percepção de objetos externos. Sobre isso não cabe dúvida, a dúvida é se temos percepção de objetos não-sensíveis. o argumento consiste em inverter a relação, mostrando que a captação de pensamentos é uma condição necessária da captação do objeto exterior através da percepção. Para isso, esboçase rapidamente uma teoria da percepção. Para que haja percepção, são necessárias impressões sensíveis. As impressões sensíveis, não obstante, por si só, são tão-somente conteúdos de consciência, pertencem ao mundo interno e não me abrem um mundo exterior. Para que haja 5 6 Talvez seja mais preciso dizer: se Frege considera que captamos efetivamente pensamentos, então o faz, não com base no percurso que percorremos, mas com base no fato de que existe ciência e comunicação e que elas pressupõem a captação de pensamentos. ou seja, não há argumentos específicos que provem a possibilidade de que dois indivíduos captem o mesmo pensamento a não ser os argumentos que já vimos com respeito à possibilidade de captação de um objeto comum em geral. 150 percepção, é necessário algo mais do que impressões sensíveis, e esse algo mais é não-sensível. Esse algo não sensível, que deve estar presente, em princípio, para que haja percepção, é o pensamento. Pelo tanto, a captação de pensamentos é condição de possibilidade da percepção. o argumento básico é, se a captação de algo não-sensível é condição da percepção, por que não poderia acontecer uma captação do não-sensível não submetida a impressões sensiveis, que são os únicos elementos que diferenciam umas das outras, já que essas, como privadas, não nos abrem um mundo?7 Agora podemos abordar o problema do conhecimento do mundo exterior e dar-lhe uma forma definitiva. Esse problema só pode ser colocado depois de introduzida a noção de pensamento, pois são pensamentos que nos abrem o conhecimento do mundo exterior. o conhecimento do mundo exterior nos está dado pela percepção, e essa supõe nosso acesso a pensamentos. A objeção que acabamos de considerar não surge por um processo retilíneo, mas coloca-se do ponto de vista exterior ao percurso que temos desenvolvido. mas, existe uma razão sistemática poderosa de por que não podemos deixar de abordar a mesma. Até agora, o asseguramento da possibilidade de acesso a pensamentos efetuou-se em discussão com o idealista. mas, isso é só a metade do problema, pois o idealista é unicamente um dos inimigos possíveis. o outro inimigo é o realista-empirista e também contra esse tem de ser assegurada a possibilidade de captar pensamentos. observe-se que, nessa última objeção, o adversário de Frege muda e, consequentemente, muda a argumentação. Quando Frege considera a objeção de que pensamentos não são reais, não o faz em discussão com alguém que negue a existência do mundo exterior, mas o faz em discussão com alguém que aceita a existência de tal conhecimento, mas nega a possibilidade de acesso a pensamentos, ou seja, de acesso a algo não sensível ou não real. Por isso, o argumento consiste justamente em mostrar que, concedida a possibilidade de conhecimento do mundo exterior, o acesso a pensamentos é uma condição de possibilidade de tal conhecimento. Se olhamos retrospectivamente o presente percurso, temos de dizer aqui algo similar ao já dito na ocasião anterior. Frege fundamenta a possibilidade de captar pensamentos na refutação de uma tese que, caso fosse verdadeira, constituiria uma possível objeção a tal possibilidade. A literalidade do texto confirma essa interpretação: “... não é impossível...” (G, 51 (75)). 7 A análise do presente texto fregeano a considerou unicamente em relação ao percurso que estabelecemos e não pretende de modo algum resolver todas as dificuldades interpretativas que o mesmo texto apresenta. o elemento não-sensível ao qual Frege se refere não é meramente o pensamento, mas algo presente na própria captação do pensamento. 151 15. Pensamentos em visão retrospectiva Para finalizar, efetuamos uma visão retrospectiva do caminho recorrido. o ordenamento sistemático estrito que se obtém como resultado não corresponde ao ordenamento no qual a investigação se realiza. Na exposição argumentativa, avançamos da captação de um objeto que não é representação, o meu eu, para a captação de objetos que não são o meu eu ou a captação de objetos externos, que eram objetos comuns, até chegar, finalmente, à captação de pensamentos. Isso não quer dizer 1. que a captação do eu e do objeto exterior sejam condição de captação de pensamento; 2. nem tampouco que ela pode ser efetuada sem a captação de pensamentos. Precisamente esse último é o ponto decisivo. A ordem da prova não pode ser confundida com a ordem de pressuposição sistemática. Aquilo que primeiro captamos e que não é o nosso conteúdo de consciência são pensamentos, e só através deles captamos todo outro tipo de objeto. Isso quer dizer que só captamos o nosso próprio eu e objetos externos porque somos capazes de captar pensamentos. Que a captação de pensamentos seja condição de possibilidade da percepção de objetos internos, já nos foi dito expressamente. Que a captação de pensamento é também necessária para a captação do eu como objeto, também foi dito, mas de modo indireto, enquanto essa captação foi desde o começo determinada como “pensar” (Denken), coisa que já observamos e, “pensar” é definido como captação de “pensamentos” (Gedanken). (G, 49-50) (74)). Em suma, a captação do objeto eu, sob a forma de “eu tenho dores”, não é possível sem a captação de um pensamento.8 mais ainda: em princípio, tudo parece indicar que eu posso ter três tipos de objetos:9 – o objeto exterior; – o meu eu; – os pensamentos. 8 9 Em realidade, isso já foi dito desde o começo, com a idéia de pensamentos que são de acesso único, pelo fato de que neles o eu está dado de um modo singular, em que só ele pode dar-se a si mesmo. deixo sem analisar, ainda que chame a atenção sobre a sua importância, o problema da representação como objeto. Representações são tidas. Elas podem, não obstante, tornar-se objetos tanto para mim como para outros (recordemos a observação de Frege a esse respeito, no caso de dois médicos que tomam como objeto as dores do paciente). A pergunta é: como representações se tornam objetos? Supõem também elas uma apreensão através de pensamentos? Se esse é o caso, não é necessário precisar o sentido no qual temos acesso imediato e infalível às mesmas? 152 Agora, deixando momentaneamente de lado os pensamentos, pois pensamentos podem ser captados diretamente, para captar qualquer tipo de objetos supõem-se pensamentos. o princípio de que captar uma propriedade de um objeto é captar um pensamento verdadeiro é absolutamente universal: não podemos reconhecer uma propriedade em uma coisa sem ao mesmo tempo considerar verdadeiro o pensamento de que essa coisa tem tal propriedade (G, 34 (61)); cf. G, 50 (74)). Assim, vemos todo o alcance da negação do princípio de imanência. Este dizia que só tenho acesso às minhas representações. mas, por quê? Porque elas eram reais em mim, eram meu “conteúdo de consciência” (Bewusstseinhalt). Portanto, a conclusão é: eu tenho primeiramente acesso a algo que não é real em mim e que não se torna de modo algum real em mim pelo fato de ser apreendido, e é justamente através disso que posso ter acesso a outros objetos reais ou não. Em realidade, os únicos objetos a que tenho acesso imediato e que não são as minhas representações são os pensamentos. 16. Conclusão Em uma passagem repetidamente citada da Lógica, de 1897, Frege afirma que, em última instância, o “como” captamos pensamentos é um mistério. Ele afirma, no entanto, que de toda forma não devemos nos ocupar com tal questão na lógica, pois, para todos os efeitos, o que é relevante para a mesma é “que” captamos pensamentos. o “como” isso acontece, em todo caso, deve ser remetido à psicologia. A passagem citada é geralmente tomada como prova irrefutável não só do fato de que Frege não tinha resposta à pergunta “como apreendemos pensamentos?”, mas também que não tem interesse nessa questão nem, em geral, em problemas vinculados à idéia de subjetividade. Não obstante, se a interpretação que oferecemos da crítica ao idealismo em Der Gedanke é correta, a afirmação anterior deve ser matizada. Não cabe dúvida de que Frege dedica boa parte do ensaio de 1918 a provar que a apreensão de pensamentos é possível e que essa prova contém como momento essencial a refutação da concepção idealista de sujeito, identificada, desde 1893, como núcleo último nascente do psicologismo. Em suma, a crítica ao psicologismo não tem como contrapartida um desinteresse absoluto por questões referentes à subjetividade, mas está essencialmente vinculada a uma tomada de posição sobre as mesmas. Referências bAKER, G. P.; hACKER, P. m. S. 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