MATUTANDO ARQUITETURA E URBANISMO:
uma primeira conversa
Ministério da Educação
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Dorcas Florentino de Araújo Silva
Tula Kirst Romani
Flávia Maria De Moura Santos
(organizadores)
MATUTANDO ARQUITETURA E URBANISMO:
uma primeira conversa
1ª Edição
Cuiabá, MT
2022
Copyright © Dorcas Florentino de Araújo Silva, Tula Kirst Romani e Flávia Maria de Moura Santos, 2022.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
M445
Matutando arquitetura e urbanismo [recurso eletrônico] : uma primeira
conversa / Dorcas Florentino de Araújo Silva, Tula Kirst Romani,
Flávia Maria de Moura Santos (Organizadoras). – 1. ed. Cuiabá :
EdUFMT, 2022.
183 p.: il. ; color.
Formato da obra: E-book.
Modo de acesso: Word Wide Web
ISBN 9786555881226
1. Arquitetura e Urbanismo − estudo e ensino. 2. Universidade
Federal de Mato Grosso − Ensino − Arquitetura e Urbanismo. 3.
Arquitetura e Urbanismo – Cuiabá (MT). I. Silva, Dorcas Florentino de
Araújo, org. II. Romani, Tula Kirst, org. III. Santos, Flávia Maria de Moura,
org. IV. Título.
CDU: 71+72: 371.3
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UFMT.
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APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
Uma primeira conversa ocorreu na década de 1990, quando ainda,
dispersos em vários departamentos de cursos da UFMT, arquitetos professores
se uniram, empenhados em criar o Departamento de Arquitetura e Urbanismo.
E deu certo! O curso foi criado posteriormente e recebeu os seus primeiros
alunos no ano de 1995, sendo a primeira turma a se formar no estado de Mato
Grosso nessa área.
Desde os primeiros anos, buscou-se acertar. Mesmo que, às vezes, o
resultado não fosse o pretendido, o caminho foi traçado de forma a não ter volta.
E o curso segue a exemplo de seus mestres precursores, buscando desenvolver
um bom trabalho. Um reflexo disso é a obtenção de nota máxima no Enade
(Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) em suas três últimas edições.
Esse resultado não significa que está tudo bem, mas, sim, que existe dedicação.
Há uma busca constante para o desenvolvimento do ensino integrando a
pesquisa e a extensão, porém percebe-se uma dificuldade em tornar acessível
o que é desenvolvido no contexto científico acadêmico do curso em diálogo
com outras áreas do conhecimento.
Esta coletânea vem com o objetivo de ampliar a divulgação de experiências
didáticas, resultados de pesquisas e extensões realizadas na graduação em
Arquitetura e Urbanismo da UFMT. Entende-se que, além de disponibilizar
materiais relevantes ao público externo, é possível também abrir para um maior
diálogo com a comunidade acadêmica e científica de outras instituições.
Sendo assim, os autores desta primeira obra buscaram trazer temáticas
de diferentes áreas de Arquitetura e Urbanismo que são referências na formação
de profissionais socialmente responsáveis, conhecedores da técnica e da arte,
ambientalmente conscientes e atentos às diferenças culturais no desempenho
de suas funções.
Os autores
Sumário
APRESENTAÇÃO
9
CAPÍTULO 1
12
O ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO:
REFLEXÕES E PERSPECTIVAS EM BUSCA DE UMA PRÁTICA
PROJETUAL MAIS INTEGRADA E SUSTENTÁVEL
Simone Berigo Büttner
Flávia Maria de Moura Santos
Luciane Cleonice Durante
Karyna de Andrade Carvalho Rosseti
Ivan Julio Apolônio Callejas
CAPÍTULO 2
34
CALIBRANDO O GOSTO: AS VIAGENS DIDÁTICAS NA
FORMAÇÃO DO REPERTÓRIO DE PROJETO
Tula Kirst Romani
CAPÍTULO 3
57
ATIVIDADES PEDAGÓGICAS DE OCUPAÇÃO DE
ESPAÇOS: DO FÍSICO AO VIRTUAL
Gabriel Francisco de Mattos
CAPÍTULO 4
O PALÁCIO ARQUIEPISCOPAL: MONUMENTO-SÍNTESE
DA ARQUITETURA NEOCOLONIAL EM CUIABÁ (MT)
João Francisco Ciochi Souza
Paulo Victor Vieira Rodrigues
Victória Martins Magri
Ricardo Silveira Castor
75
CAPÍTULO 5
107
TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS EM PAISAGENS FLUVIAIS
URBANAS: UM ESTUDO SOBRE O PORTO DE CUIABÁ
Yara da Silva Nogueira Galdino
CAPÍTULO 6
127
ARQUITETURA E ESTRUTURA: DIÁLOGOS
Dorcas Florentino de Araújo Silva
Yara da Silva Nogueira Galdino
José Afonso Botura Portocarrero
Maria Fátima Roberto Machado
CAPÍTULO 7
142
IMPACTO DA ILHA DE CALOR NO PLANEJAMENTO
URBANO DA CIDADE DE CUIABÁ (MT)
Diana Carolina Jesus de Paula
Flávia Maria de Moura Santos
Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira
CAPÍTULO 8
163
ANÁLISE TERMO-HIGROMÉTRICA DE TEMPERATURA
SUPERFICIAL E DE CONFORTO TÉRMICO DOS USUÁRIOSDE
PARQUES URBANOS DA CIDADE DE CUIABÁ (MT)
Ana Clara Alves Justi
Maria Victoria Mendes de Castro
Camila Borges Siqueira
Marcela de David Cristovão
Flávia Maria de Moura Santos
Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira
OS AUTORES
176
APRESENTAÇÃO
Esta obra apresenta a pluralidade de assuntos que caracteriza a formação
em Arquitetura e Urbanismo, trazendo uma pequena amostra das ações
realizadas no âmbito do curso na Universidade Federal de Mato Grosso. Buscar
o diálogo entre as ações do ensino, da pesquisa e da extensão universitária tem
sido uma meta constante. O principal motivador dessa busca é a formação
atenta às questões sociais, culturais, estéticas, técnicas e ambientais, integrando
e produzindo conhecimentos na academia.
Cada capítulo resulta de reflexões realizadas a partir de pesquisas
científicas, extensões universitárias e experiências didáticas nas áreas de Teoria da
Arquitetura e Urbanismo, Tecnologia e Conforto das Edificações e Urbanismo
e Projeto de Arquitetura, realizadas em épocas diferentes. Além disso, traz a
participação de autores externos, que, conjuntamente, contribuíram em ações
resultantes de projetos que se abrem para interagir com outros departamentos
e pesquisadores externos à instituição.
O capítulo 1 abre a coletânea refletindo sobre a necessidade de se pensar
em uma formação que se atente para a integração de conhecimentos com base
na sustentabilidade em Arquitetura e Urbanismo, sendo escrito por docentes
da área de Tecnologia e Conforto das Edificações que compõem o Laboratório
de Tecnologia e Conforto Ambiental (Lateca).
No capítulo 2, a professora Tula Kirst Romani fala da experiência
didática a partir da realização de viagens com alunos do quinto e quinto e
sexto semestres do curso de Arquitetura e Urbanismo a diferentes estados
brasileiros, buscando aumentar o conhecimento e a experiência dos alunos em
obras arquitetônicas e proporcionar o contato com outras realidades, refletindo
em suas práticas projetuais.
9
O professor Gabriel de Mattos traz, no capítulo 3, uma parte de
sua experiência didática em disciplinas da área de Teoria de Arquitetura e
Urbanismo, Plástica e de Desenho Livre, nos primeiros dez anos de implantação
do curso de Arquitetura e Urbanismo, com práticas realizadas dentro do
campus da universidade. Faz ainda um paralelo com a atual realidade de aulas
em sistema virtual, devido à necessidade de afastamento social para conter
o avanço da pandemia de covid-19 e às interferências ocorridas nas relações
acadêmico-didáticas.
O capítulo 4 refere-se ao desenvolvimento de atividade didática na
disciplina de Arquitetura Brasileira, ministrada pelo professor Dr. Ricardo
Silveira Castor, que não se contentou em apenas apresentar teoricamente o
conteúdo, mas organizou os alunos em grupos para que pudessem fazer análises
de obras na cidade a partir dos conteúdos de Teoria e História da Arquitetura e
Urbanismo. No final, os alunos apresentaram um texto em formato de artigo
sobre a análise das edificações.
No capítulo 5, a professora Dra. Yara Galdino traz uma abordagem
sobre paisagens fluviais, com foco na cidade de Cuiabá, especificamente sobre
o Porto, sendo uma contribuição na área de análise da paisagem ligado ao
contexto histórico de sua produção.
O capítulo 6 traz uma discussão sobre a importância de se integrar o
ensino, a pesquisa e extensão. No texto, são apresentadas inicialmente ações
desenvolvidas pelo Núcleo Tecnoíndia - Estudos e Pesquisas Tecnologias, no
sentido de buscar caminhos didáticos que permitam maior efetividade de
aplicação de conhecimentos de estruturas no processo de projeto em arquitetura.
Traz uma abordagem multi e interdisciplinar com participação de pesquisadores
externos à instituição.
O capítulo 7 apresenta uma amostra da necessidade de integração
nas diferentes áreas do conhecimento, quando busca fazer estudos na área de
climatologia urbana, cujas estratégias podem respaldar o planejamento urbano
na realização de políticas públicas que se atentem às especificidades locais e
sejam mais sustentáveis.
10
Fechando esta coletânea, o capítulo 8 traz contribuições importantes
relativas ao conforto térmico de usuários de parques urbanos. Uma temática
de relevância científica, tendo em vista se tratar de estudos que contribuem
para o planejamento estratégico de parques urbanos, de forma a potencializar
o conforto dos usuários.
Esses oito capítulos se referem a apenas uma pequena mostra da
multiplicidade temática, que são objetos de estratégias didáticas no ensino e abrem
caminhos para ações de pesquisa e extensão na área de Arquitetura e Urbanismo.
Vamos à leitura?
Dorcas Florentino de Araújo Silva
Ex-aluna da primeira turma de 1995
Chefe de Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Em 2 de setembro de 2021
11
CAPÍTULO 1
O ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO:
reflexões e perspectivas em busca de uma prática
projetual mais integrada e sustentável
Simone Berigo Büttner
Flávia Maria de Moura Santos
Luciane Cleonice Durante
Karyna de Andrade Carvalho Rosseti
Ivan Julio Apolônio Callejas
O arquiteto e urbanista tem formação multidisciplinar, sendo de suma
importância a visão integrada entre as diferentes áreas de conhecimento para
a sua atuação profissional. Assim sendo, a interdisciplinaridade se torna um
elemento fundamental nesse contexto, pois se caracteriza pela intensidade
das trocas entre os especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas
no interior de um mesmo projeto de pesquisa. Apesar disso, é notório, na
maioria dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, que o ensino se dá ainda de
maneira não integrada.
Arsenic, Longo e Borges (2011), ao identificarem o estado da arte do
ensino e aprendizagem de Projeto de Arquitetura nos cursos de Arquitetura e
Urbanismo do Brasil, apontaram que as escolas de Engenharia e Arquitetura, em
sua maioria, formam os profissionais com base em currículos cuja organização
dificulta a integração entre as diversas disciplinas.
O caráter disciplinar do ensino formal limita a aprendizagem do aluno,
uma vez que não estimula o desenvolvimento das diferentes inteligências, muito
menos promove situações para a resolução de problemas e o estabelecimento
12
de conexões entre fatos e conceitos, isto é, o pensar sobre o que está sendo
estudado. Morin (2007) defende a necessidade de despertar a curiosidade no
aprendiz e sustenta que o ser humano pode compreender e ser compreendido
no entrelaçamento de diversos âmbitos, tais como o biológico, o psíquico, o
social, o afetivo e o cognitivo.
De um ponto de vista abrangente, a história, a economia, a sociologia e
a religião são responsáveis por expressar as sociedades, porém há uma tendência
geral de renunciar aos problemas globais nas ciências disciplinares: “Desta
forma, a compartimentalização das disciplinas e da inteligência acarretam
desvantagem na busca por soluções de problemas, uma vez que tenta separar
o que está unido de forma entrosada” (GABRIEL, 2020, p. 97).
Ademais, o problema da não integração entre as disciplinas do curso tem
como consequência uma prática profissional fragmentada, em que profissionais
dos diversos subsetores envolvidos na construção civil — que vai desde o
planejamento até a manutenção dos edifícios — não se comunicam de maneira
eficiente, resultando na incompatibilização dos projetos complementares com
o conceito arquitetônico e em diversos prejuízos à obra.
Segundo Romano, Back e Oliveira (2001), quanto mais complexo é um
projeto, maior é a necessidade de integração entre os profissionais envolvidos,
cujo grau de interação vai refletir diretamente no sucesso da obra, trazendo
benefícios tanto no aspecto técnico quanto no organizacional. Dentre os
benefícios, destacam-se, por exemplo, o cumprimento do prazo e do orçamento;
o alcance dos níveis de sustentabilidade e de qualidade técnica e ambiental
bem como a fluidez da obra sem imprevistos, como alterações em seu escopo,
interrupções, retorno do projeto para revisão ou outros prejuízos e impactos
nas atividades normais da organização, considerando a sua cultura e o seu
princípio de funcionamento.
Além dos aspectos de custos de operação e manutenção, a crescente
necessidade de preservação dos recursos naturais do planeta orienta uma nova
arquitetura, a partir do estudo e da proposição de espaços integrados à natureza,
com o fator de custo-benefício energético positivo.
13
A busca por edifícios com maior desempenho energético não é recente,
uma vez que se constata um aumento de edifícios com certificações e exemplos
de aplicações práticas para garantir mais eficiência energética, menor impacto
ambiental e melhor qualidade ambiental no Brasil, porém ainda há um atraso
significativo em relação aos países desenvolvidos (NETO; GONÇALVES;
BUORO, 2020). De acordo com os autores, o Brasil está em sexto lugar no
ranking de número de processos de certificação, após os EUA, Canada, Índia,
Emirados Árabes e China.
Assim, observa-se a necessidade da atualização do ensino em
Arquitetura e Urbanismo, migrando de um modelo, cujas decisões projetuais
são individualizadas, para um método de trabalho de equipe multidisciplinar,
que busca a aproximação real de cada membro da equipe com a visão integral do
projeto e da construção propriamente dita, gerando importantes contribuições,
que auxiliarão nas tomadas de decisão executivas e corretivas, reduzindo custos
e riscos, além de melhorar a fluidez e a qualidade do processo, desde o projeto
até a entrega da obra.
Portanto, o objetivo do trabalho é identificar e caracterizar o modelo
educacional dominante, a partir de informações obtidas em publicações diversas
e da identificação dos principais problemas e desafios da área, que possibilitam
vislumbrar mudanças necessárias no ensino e, por conseguinte, auxiliar na
formação de profissionais capacitados para atender às demandas atuais dos mais
diversos aspectos urbanos: social, ambiental e econômico, atingindo, assim,
o desempenho de um produto de qualidade, que é o projeto arquitetônico
integrado com todos os saberes que a sua complexidade exige.
O conteúdo abordado neste capítulo teve como ponto de partida uma
comparação, em todas as etapas do processo, entre o modo de “fazer arquitetura”
adotado no Brasil e em um país desenvolvido, cujos resultados e índices de
eficiência energética alcançados são prioridades, tendo, inclusive, metas legais
estabelecidas pelo governo.
A comparação foi oportunizada a partir de um intercâmbio cultural
e acadêmico ocorrido em 2019, entre a Universidade Federal de Mato Grosso
14
(UFMT), em especial, por iniciativa do Laboratório de Conforto Ambiental
e Eficiência Energética (Lateca), e o Instituto de Tecnologia de Dublin, na
Irlanda, representado pelo professor e pesquisador Patrick Gerard Daily. A troca
de informações e os conhecimentos adquiridos impulsionaram os professores
envolvidos a refletir sobre o nosso modelo educacional para promover as
mudanças necessárias e identificadas como essenciais no mundo atual.
A partir da constatação de uma diferença brusca observada entre o
Brasil e os países desenvolvidos (não apenas a Irlanda) na maneira de se pensar
a arquitetura, de desenvolver os projetos e de executar a obra, considerando
ainda o resultado obtido, principalmente quanto ao desempenho energético
e à inovação tecnológica utilizados, direcionou-se o olhar para a metodologia
de ensino empregada na formação desses profissionais, compreendendo que
são interdependentes e que as mudanças almejadas devem começar nas escolas
de Arquitetura, onde os docentes precisam se conscientizar sobre as novas
demandas e quais habilidades os arquitetos e engenheiros precisam desenvolver
para atendê-las.
Dessa forma, com este estudo, busca-se contribuir para o ensino de
Arquitetura e Urbanismo e, consequentemente, para um avanço tecnológico e
metodológico do processo construtivo praticado no Brasil, visando a edifícios
e cidades mais sustentáveis, com base no caso apresentado da Irlanda, que
passou por um processo de inovação tecnológica, o qual impulsionou as
instituições de ensino de Arquitetura e Engenharia a implementar novas
metodologias e ferramentas voltadas à capacitação dos alunos para atender às
novas demandas legais, obrigando-os a desenvolver habilidades que antes não
eram possibilitadas nos cursos.
1 O modelo de ensino de arquitetura no Brasil e o reflexo na prática
profissional do mercado
A maioria dos cursos de Arquitetura e Urbanismo no Brasil adota uma
estrutura curricular fragmentada, na qual os diversos saberes são apresentados
15
aos alunos de maneira independente, por docentes que dominam uma área
específica, mas que não se comunicam entre si.
Considerando que a prática de projeto é a principal metodologia de
ensino, em que tradicionalmente, nos chamados “ateliês”, os conhecimentos
teóricos são trazidos à experimentação prática, o que se observa é que eles
são solucionados em etapas diferentes, e não integrados no pensamento de
concepção inicial, cujos aspectos formais, funcionais, estruturais, de conforto,
entre muitos outros, são resolvidos sob a orientação de cada professor especialista,
em momentos diferentes, com a realimentação de dados, conforme se avança o
projeto, havendo, sim, a multidisciplinaridade, porém não a interdisciplinaridade.
As dinâmicas profissionais estão mudando em resposta aos avanços
tecnológicos, científicos, econômicos e sociais que ocorrem no mundo
com uma velocidade cada vez maior. Em relação a um centro urbano,
a dinâmica é intrínseca à sua complexidade, em que nada é estático ou
permanente. Assim, o trabalho do arquiteto requer a compreensão de todos
esses fenômenos envolvidos, sendo essa uma habilidade fundamental que
precisa ser desenvolvida no aluno de Arquitetura e Urbanismo.
Como conhecimento e ofício, a Arquitetura, além de congregar
os mais diversos saberes sobre as questões de seu interesse, permite que
realmente se faça a transposição dos resultados dessa congregação de saberes
de uma maneira potencialmente sempre nova, criativa e contributiva para
a revelação de novas realidades (ARSENIC; LONGO; BORGES, 2011).
Apesar da abrangência no campo de atuação dessa profissão, a sua
formação é voltada para as práticas de projeto, ou seja, é uma exigência
básica que o futuro arquiteto esteja capacitado para desenvolver projetos,
considerando todas as fases do processo e todos os fatores envolvidos, que
se relacionam de maneira interdependente. Essas relações interdisciplinares
da Arquitetura e Urbanismo existem como princípio, pois essas áreas do
conhecimento partem das relações entre o ambiente (natural ou construído),
o habitante e seu comportamento.
16
Diante disso, o ensino do projeto de Arquitetura e Urbanismo
exige um grande preparo e capacitação dos professores, porém, apesar de
há muitos anos diagnosticados, os problemas relacionados ao ensino da
disciplina de Projeto Arquitetônico continuam basicamente os mesmos,
permanecendo o modelo tradicional. Outro ponto importante é que, além
das antigas questões, encontram-se ainda os novos desafios relacionados às
conquistas tecnológicas e às rápidas transformações da sociedade, exigindo
do profissional arquiteto um perfil cada vez mais flexível.
A reflexão crítica sobre o ensino-aprendizado da disciplina Projeto
Arquitetônico, enquanto processo relacionado ao saber “fazer arquitetura”,
vem ganhando espaço entre as discussões acadêmicas, no entanto, apesar de
muitas tentativas, ainda encontra pouco espaço no meio científico, mesmo
havendo muito o que se discutir e progredir nessa área de ensino.
Observando as dificuldades encontradas no dia a dia da prática
pedagógica, pode-se afirmar que o enfoque interdisciplinar certamente é
um grande desafio, pois implica romper hábitos e padrões estabelecidos e
automatizados em busca de algo novo. Portanto, a interdisciplinaridade é
entendida pelos autores como uma condição fundamental do ensino e da
pesquisa na sociedade contemporânea.
Fica evidente que o trabalho integrado das equipes multidisciplinares
deveria ser simulado e fomentado, de modo explícito, nos exercícios de prática
profissional e, principalmente, no desenvolvimento de projetos nas escolas
de Arquitetura e Urbanismo, como mecanismo contemporâneo relevante no
desencadeamento do processo de ensino-aprendizagem no âmbito do curso.
Assim, sendo uma prática não habitual dos docentes, exige um
grande esforço por parte destes, sem falar da dificuldade em planejar a
disciplina junto com os docentes de outras disciplinas, o que torna o
processo mais trabalhoso.
Nesse sentido, em concordância com Martins e Terçariol (2016), a
interdisciplinaridade implica simultaneamente uma transformação profunda
da pedagogia, um novo dimensionamento da formação de professores e um
17
novo jeito de ensinar, não apenas no campo da Arquitetura e Urbanismo,
mas em todas as áreas de conhecimento. Passa-se de uma relação pedagógica
baseada na transmissão do saber de uma disciplina ou matéria, que se
estabelece segundo um modelo hierárquico linear, para uma relação
pedagógica dialógica, na qual a posição de um é a posição de todos.
Atualmente, muitas das disciplinas ministradas nos cursos de
Arquitetura e Urbanismo são divididas em uma parte teórica e outra
prática, sendo esta última realizada geralmente em ateliês ou laboratórios,
semelhantemente ao que se adotava na Bauhaus, escola alemã de ensino das
artes, design e arquitetura, fundada em 1919, que influenciou as escolas de
design no mundo todo (LOURENÇO e RIBEIRO, 2007).
A base pedagógica da Bauhaus era contrária ao modelo tradicional de
transmissão de informações, que foi substituído pela autoformação do aluno,
com a integração do ensino teórico e prático nas oficinas, nos laboratórios e
nos ateliês, priorizando a reflexão prática, acompanhada e direcionada por
docentes, sendo este o modelo vigente até hoje nas escolas de graduação de
Arquitetura e Urbanismo (FONTOURA, 2009).
Em paralelo às questões pedagógicas acima mencionadas, não se pode
desconsiderar as novas necessidades da vida urbana moderna, que exige um
maior nível de qualidade técnica e de desempenho energético dos projetos
arquitetônicos, obrigando profissionais a exercer uma gestão mais responsável
do ponto de vista socioeconômico e mais racional quanto aos custos da obra, o
que somente é possível a partir da cooperação multidisciplinar e da integração
dos variados conhecimentos profissionais envolvidos na formalização do
conceito arquitetônico (partido), ou seja, para obter bons resultados, é
necessário um esforço de cooperação entre arquitetos, engenheiros de projeto,
construtores e todos os demais envolvidos.
A consequência, quando se adota um adequado processo de
envolvimento de cada um dos profissionais de uma equipe multidisciplinar,
é que sempre há uma evolução técnica a cada novo processo projetual, uma
vez que os novos desafios exigem novas abordagens técnicas para a solução
18
de problemas diferenciados e particulares a cada empreendimento, assim
como a qualidade dos resultados alcançados depende diretamente do nível
de integração e interação dessa equipe, que deve cooperar do início ao fim
do processo, desde as definições preliminares da fase de planejamento até
a execução final da obra.
Diante disso, o arquiteto é o profissional qualificado para gerenciar a
integração dos saberes técnicos da equipe na produção projetual, sendo esse
papel de fundamental importância para a fluidez dos processos do projeto,
dada a abrangência técnica inerente à sua formação e ao exercício profissional.
Segundo Oliveira (2015), essa nova visão, que visa ao fomento da
criação das equipes multidisciplinares ou multiprofissionais, vem contra a
usual metodologia de segmentação e sequenciamento das etapas do projeto
presentes na construção civil convencional, originada da falta de interação
e comunicação entre os diversos profissionais envolvidos.
Entende-se, portanto, que a transformação no processo depende
de uma mudança no pensar técnico, tendo em vista que a maioria dos
problemas relacionados à falta de qualidade das produções arquitetônicas
tem sua origem na falta de qualidade no processo do projeto, conduzido
sem um adequado planejamento e desprovido de uma visão global de todas
as etapas e de todos os sistemas envolvidos.
Assim, essa capacidade de gerenciar todo o processo de planejamento
interdisciplinar precisa ser desenvolvida durante a formação desse profissional,
sendo essa nova postura a principal ferramenta a ser incluída nas escolas
de Arquitetura. A figura 1 apresenta a posição central do gestor ou diretor
e a sua relação em camadas (níveis) com as demais áreas de conhecimento
e os profissionais envolvidos, compondo o processo de planejamento
interdisciplinar.
19
Figura 1 – Esquema da gestão de equipe multidisciplinar
Fonte: adaptação dos autores com base em Oliveira (2015, p. 3 e 9).
Não seria coerente desassociar o ensino dessas problemáticas atuais,
afinal, é papel das universidades aproximar os assuntos acadêmicos e científicos
das práticas e realidades sociais, econômicas, culturais e políticas.
2 Um exemplo internacional de referência
O olhar atento e crítico do educador às transformações da sociedade é
fundamental para que se compreenda as demandas sociais e traga inovações na
maneira de ensinar que sejam coerentes com o contexto local e atual, por isso
a importância das trocas de experiências entre as instituições e da atualização
quanto às inovações metodológicas e tecnológicas em busca de novas soluções.
Em 2019, ocorreu o intercâmbio internacional entre o professor Patrick
Gerard Daily1 e o Laboratório de Tecnologia e Conforto Ambiental da UFMT
1 Mestre, consultor, pesquisador e professor da Dublin School of Architecture, Dublin Institute
of Technology, Ireland.
[email protected].
20
(Lateca), no qual foi realizada a oficina Projetos de Edifícios Sustentáveis, que
oportunizou muitos aprendizados e trocas entre professores/pesquisadores (de
várias instituições), profissionais e alguns alunos, sendo abordados os contextos
climáticos, os projetos e as estratégias bioclimáticas, os impactos ambientais,
os materiais e os sistemas sustentáveis de água e de energia, em que Daily
compartilhou não só o seu conhecimento como a sua metodologia de ensino
praticada no Instituto Tecnológico da Irlanda.
Foi uma experiência enriquecedora quanto à expansão de conhecimento
e, principalmente, para os docentes da área de conforto ambiental, em relação a
um novo olhar sobre o “fazer arquitetura” e “ensinar arquitetura”. Ficou evidente
a diferença do nível de desenvolvimento econômico, cultural e tecnológico
entre os países e como isso reflete diretamente no processo construtivo e, por
conseguinte, na formação dos profissionais envolvidos.
Experiências como essa trazem motivação para buscar novas soluções
e acreditar que é possível alcançar resultados mais satisfatórios de conforto
ambiental e sustentabilidade nas edificações nacionais. Além disso, constatouse que, em nosso país, enquanto a legislação que regulamenta o desempenho
termoenergético dos edifícios não for um requisito obrigatório para a sua
aprovação, não haverá a transformação almejada em relação ao processo
de ensino e à consequente prática profissional dos arquitetos, engenheiros e
construtores em geral.
No Brasil, apesar de haver a norma ABNT NBR 15575, que estabelece
requisitos mínimos de desempenho, ela não se aplica a todos os tipos de
edificações, assim, enquanto a legislação permanecer em caráter normativo,
haverá resistência do mercado de trabalho e, até mesmo, do modo de ensinar
e pensar a arquitetura, de maneira integrada e sustentável, em que projeto e
construção caminham de mãos dadas.
Na Europa, a legislação, em particular, a Diretiva de Desempenho
Energético de Edifícios da União Europeia, define padrões avançados de
eficiência energética para todos os novos edifícios na União Europeia, exigindo
a qualificação e o treinamento de profissionais de projeto para capacitá-los a
21
aplicar as estratégias e as ferramentas de projeto necessárias para atender a essas
metas de energia avançadas. Isso impulsionou uma nova maneira de ensinar a
prática projetual de arquitetura, com vistas a alcançar essas metas, pensando
no edifício adequado ao clima desde as primeiras análises e tomadas de decisão.
O uso da tecnologia é outro atributo favorável ao ensino e à aplicação
desse processo projetual construtivo, cujas etapas devem caminhar de maneira
integrada, sendo isso fundamental para alcançar resultados satisfatórios. A
tecnologia aqui mencionada abrange não apenas as ferramentas tecnológicas
adotadas nas instituições de ensino, muito importantes nessa área de simulação
energética, mas todo o contexto tecnológico das técnicas construtivas, da
capacitação da mão de obra para aplicação de sistemas alternativos e inovadores
e da habilidade dos profissionais projetistas com as ferramentas de simulação
dinâmica e térmica dos fluidos, que permite uma avaliação quantitativa durante
o planejamento do edifício, fundamental para a previsão dos resultados e a
garantia de um bom desempenho.
Atendendo ao objetivo deste capítulo de provocar reflexões e impulsionar
uma evolução conjunta do processo de ensino-aprendizagem na arquitetura e do
próprio “fazer arquitetura”, considerando que não há como pensar na arquitetura
atual e do futuro sem atender aos requisitos de desempenho energético, nota-se,
nesse exemplo da Irlanda, o quanto a legislação é responsável por impulsionar
o progresso desejado.
Segundo Daily (2020), somente a partir da imposição dos requisitos
legais irlandeses, para atingir “edifícios zero energia”, foi que o progresso da
construção civil se desenvolveu de fato, assim como todos os setores que o
envolvem: tecnológico-industriário, obrigando-o a oferecer alternativas para
sistemas e materiais construtivos mais sustentáveis e fontes de energia renováveis;
de mão de obra, estimulando a qualificação de profissionais, e educacional,
pelo qual todo o processo deve se iniciar, preparando os projetistas para uma
nova maneira de pensar e executar a arquitetura.
A exemplo da Dublin School of Architecture, vários cursos de pósgraduação surgiram no intento de atender a essa nova demanda, resultante da
22
necessidade significativa de qualificação e reciclagem de profissionais para se
engajarem nesse novo paradigma de design. De acordo com a descrição dos
conteúdos ensinados nesses cursos, percebeu-se que a pós-graduação tem, em
Dublin, um papel fundamental na complementação da formação acadêmica,
necessária tanto para aprofundar na compreensão dos fenômenos físicos quanto
para exercitar a modelagem e a simulação térmica, luminosa e energética.
Há um grande foco na prática de resolução de problemas e nos estudos
de caso, principalmente quanto às questões mais críticas do clima local, em que
os alunos têm uma experiência de aprendizagem significativa da inter-relação
entre luz do dia e energia térmica, compreendendo quais são os usos que mais
impactam no consumo de energia, sua relação com o projeto de construção
e que esses aspectos são enormemente influenciados pela arquitetura, e não
apenas pelos sistemas.
Esse tipo de conscientização deve ser discutido em sala de aula e
implementado nas práticas projetuais, de maneira adaptada aos diferentes
contextos locais: ambientais, culturais, econômicos e sociais.
3 Competências necessárias para uma prática projetual integrada
Diante de todo o exposto até aqui, fica evidente que o grande desafio
para os docentes do ensino superior é pensar em metodologias que instiguem
o aluno a participar de forma mais ativa na construção do conhecimento e na
busca por soluções para os problemas atuais, a partir da síntese e interface dos
diversos campos disciplinares e complementares da Arquitetura e do Urbanismo,
que constituem a essência do ato de projetar de maneira integrada.
Muitas perguntas ainda rodeiam as universidades, visando aprimorar
o aprendizado e buscar soluções no intento de capacitar o aluno para as novas
demandas socioeconômicas e ambientais, tais como: quais competências precisam
ser desenvolvidas no estudante de Arquitetura para que esteja apto a atender
às novas demandas do mercado? Quais são as demandas sociais, econômicas,
políticas e ambientais da atualidade e do futuro? Que tipo de produção técnica é
23
esperada do arquiteto? Como implementar as mudanças necessárias na estrutura
das grades curriculares dos cursos e nas metodologias adotadas?
Para responder a essas perguntas, serão elencadas algumas competências/
características e ações consideradas essenciais pelos autores para serem
implementadas no ensino de Arquitetura e Urbanismo, sintetizadas a partir
de toda a problemática apresentada, correlacionando a habilidade almejada
com uma ação proposta que visa exercitar, estimular e desenvolver o aluno.
a) Multidisciplinaridade e interdisciplinaridade
A multidisciplinaridade e interdisciplinaridade são a base para todas as
demais habilidades exigidas, por isso se reforça a necessidade de implementar
métodos de ensino os quais estimulem e exercitem a visão global do ecossistema
projetual, que envolve recursos naturais, sociais, econômicos e técnicos.
Uma maneira de aplicá-las no ensino é mediante o planejamento, por
parte dos docentes responsáveis pelas diversas disciplinas de uma mesma
série, em que são lançadas atividades por meio das quais os alunos podem
discutir e solucionar os problemas dos mais diversos campos específicos
em um projeto único e integrado. Cada aspecto deve ser pensado em todas
as etapas ou planejado desde o início para que determinada solução possa
acontecer no momento adequado do processo, sem prejuízo às outras áreas.
O que se propõe é uma profunda revisão de pensamento, que deve
caminhar no sentido da intensificação do diálogo, das trocas e da integração
conceitual e metodológica nos diferentes campos do saber.
b) Gerenciamento de projetos
Trata-se da capacitação dos alunos de Arquitetura para a gestão de
equipes profissionais multidisciplinares, sendo uma maneira de suprir a ausência
de domínio geral por parte de um profissional, individualmente, sobre todos os
aspectos da produção técnica. É uma necessidade que visa atender à demanda
24
atual de edificações, com maior eficiência energética e integrada à localização,
o que não é possível sem equipes multidisciplinares, haja vista que, para que
se obtenha um equilíbrio da edificação com o entorno e que simultaneamente
seja viável no âmbito econômico, por conta da sustentabilidade de sua demanda
de consumo de energia, exige-se uma completa interação e integração de
tecnologias, que, para coexistir de forma eficiente, dependem de estudos e
da validação de uma equipe multidisciplinar completa.
Como capacitar é o desafio, não existe apenas uma maneira de se
exercitar a gestão, sem contar que não é uma tarefa fácil, pois se trata de
um processo que precisa ter uma familiaridade com os diversos saberes, o
que se consegue trazendo uma visão mais global nas discussões e reflexões
dentro da academia.
É importante diversificar as maneiras de se trabalhar em equipe e,
para isso, o professor orientador precisa também se preparar e ter não só
experiência em gestão de projetos como uma visão global do contexto em
que a Arquitetura e a Engenharia se inserem atualmente. Sobre a síntese
de conhecimentos em diferentes áreas de especialidades, a integração e a
compatibilização, pensadas de maneira quase simultânea, minimizam conflitos,
simplificam a execução e aperfeiçoam o tempo da construção.
Já se constatou que o uso dessa ferramenta pode reduzir entre 5% e
8% no custo total da obra. A etapa de somar diversos projetos se aproxima da
definição de projeto simultâneo, também denominada engenharia simultânea,
que significa desenvolver o produto pensando no processo e interligando todos
os demais envolvidos, por meio da cooperação entre os diversos agentes, com
foco na exequibilidade (GERHARDT, 2014, p. 2-3).
c) Autonomia e autoformação
De acordo com Freire (2009), a autoformação do aluno, que ele
denomina autonomia, deve ocorrer sempre, sendo a teoria aplicada na prática
com exemplos reais. Assim, deve-se discutir com os alunos a realidade concreta,
25
que precisa estar associada à disciplina cujo conteúdo se ensina. “Saber ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção” (MARTINS; TERÇARIOL, 2016).
Ao analisar as experiências e os relatos compilados, considerando a
visão pedagógica contemporânea, de acordo com Martins e Terçariol (2016),
um processo educativo desenvolvido na perspectiva interdisciplinar possibilita
o aprofundamento da compreensão da relação entre teoria e prática, que
contribui para uma formação mais crítica, criativa e responsável, colocando,
ainda, os educadores diante de novos desafios.
Nesse complexo trabalho, o enfoque interdisciplinar aproxima o
sujeito de sua realidade mais ampla, auxilia os aprendizes na compreensão
das complexas redes conceituais e possibilita maior significado e sentido
ao conteúdo aprendido, permitindo uma formação mais consistente e
responsável. Nesse cenário, o professor passa a ser um mediador do processo
de ensino-aprendizagem junto aos seus alunos, e não apenas um transmissor
de informações.
Além disso, segundo Freire (2009), o professor é consequentemente
um pesquisador, que também possibilita aos alunos a prática da pesquisa. A
problematização, como metodologia para a reconstrução de construtos, dá
condições ao aluno de se mover no âmbito das teorias e das diferentes áreas
do saber, construindo uma teia de relações, que vai torná-lo autônomo diante
da autoridade do saber. O professor pesquisador constitui-se, portanto, em
um agente necessário de uma formação calçada na interdisciplinaridade.
d) Inovação tecnológica
Diante do cenário complexo em que a multidisciplinaridade se apresenta
e da velocidade com que as inovações tecnológicas ocorrem, é fundamental
que o profissional domine ferramentas tecnológicas, como sistemas e softwares
capazes de auxiliar o controle e o gerenciamento dos diversos saberes. Não há
26
como falar em inovação tecnológica e multidisciplinaridade na arquitetura
sem mencionar a tecnologia de Building Information Modeling (BIM)2 .
Trata-se de uma importante ferramenta tecnológica que tem ganhado
espaço nos escritórios de arquitetura e construtoras e que vem ao encontro
das propostas aqui apresentadas de interdisciplinaridade. O BIM é uma
filosofia de trabalho que integra arquitetos, engenheiros e construtores (AEC)
na elaboração de um modelo virtual preciso, o qual gera uma base de dados
que contém tanto informações topológicas como os subsídios necessários
para orçamento, cálculo energético e previsão das fases da construção, entre
outras atividades (MENEZES, 2011).
Esse recurso surgiu com o objetivo de “aparar as arestas” que
dificultavam a incompatibilidade técnica de trabalho entre os entes profissionais,
permitindo aos indivíduos trabalharem simultaneamente em um mesmo
arquivo central, gerado a partir das informações do projeto, desde o seu
nascimento, e alimentado com as atualizações dos dados fornecidos pelos
técnicos em tempo real.
Assim, ele permite gerar uma modelagem virtual de todos os sistemas
da edificação e um diagnóstico das incompatibilidades que podem ocorrer
antes mesmo de iniciados os trabalhos de execução da obra, contribuindo
para a adequação da edificação ou do sistema e para a troca de conhecimentos
entre os profissionais no processo de solução de cada problema.
Segundo Justi (2010 apud MENEZES 2011), as principais vantagens
são: economia de tempo devido à maior velocidade na entrega; minoração
de erros nos desenhos por conta de uma melhor coordenação; diminuição
de custos; maior produtividade, usando um único modelo digital; trabalho
com maior qualidade; novas oportunidades de receitas e negócios; mais foco
no design e redução do retrabalho.
Contudo, essa plataforma de trabalho coletiva e virtual não significa
necessariamente a anulação das interações sociais entre os membros da equipe
e não substitui as decisões projetuais, o pensamento integral do conceito e a
2 Tradução para o português: Modelagem de Informação da Construção.
27
visão global do projeto, facilitando apenas a gestão de documentos e o acesso
às informações para uma maior integração dos agentes envolvidos.
Figura 2 – Esquema de integração multidisciplinar gerada a partir de
tecnologias BIM
Fonte: adaptação dos autores com base em Oliveira (2015, p. 7 e 9).
É importante ressaltar que, nesse tipo de tecnologia, o fator de maior
importância não são os desenhos em si, pois não se trata de um simples modelador
3D, mas as informações que permitem, além de apresentações gráficas, uma
melhor compreensão do projeto e um gerenciamento de todos os agentes e
etapas mais assertivo, permitindo não só os desenhos técnicos como a geração
de quantitativos, orçamentos, estimativas de custos e análise de riscos.
A discussão sobre inserir ou não essa inovadora ferramenta de integração
é inevitável quando se trata de novas metodologias e ferramentas de ensino.
A partir da literatura encontrada sobre o estado da arte, quanto ao uso dessa
plataforma nos escritórios, nas construtoras e nas universidades tanto do Brasil
quanto do exterior, conclui-se que a implantação da modelagem de informação
da construção não é fácil, uma vez que as empresas necessitam de que a equipe
28
não somente aprenda a manusear o software como mude sua cultura e formação,
o que é bem mais complexo.
O principal desafio apontado para a implementação do sistema é a
incompatibilidade sistêmica entre fabricantes distintos, pois, quando se trata
da exportação de arquivos entre programas de diferentes marcas, ainda hoje
ocorrem alguns problemas na transferência de propriedades dos arquivos.
Outra dificuldade, de acordo com a experiência ocorrida nos Estados
Unidos e na Europa, está na filosofia de trabalho e na conscientização dos
profissionais sobre a importância de se fazer um cronograma e do estabelecimento
de relações entre os diferentes profissionais de projeto, tanto arquitetos e
engenheiros quanto incorporadores e construtores, dentre outros, para tirar
proveito da tecnologia (TAMAKI, 2011b apud MENEZES, 2011).
No entanto, apesar dessas dificuldades, muitas empresas de arquitetura,
engenharia e construtoras brasileiras já estão fazendo uso sofisticado dos processos
e da tecnologia de modelagem de informação da construção.
Quanto à implantação da plataforma BIM na comunidade acadêmica,
uma vez que as universidades têm um papel fundamental na formação de novos
profissionais, muitas delas já implementaram, principalmente no exterior.
No Brasil, Pedro Maló3 sugere que as academias devem começar a formar
pessoas para trabalhar colaborativamente, por exemplo, “reunir os estudantes e
atribuir a cada um deles um papel na cadeia, tentando fazer com que a pessoa
compreenda qual é a dificuldade desse ator naquele processo” (FARIA, 2007
apud MENEZES, 2011, p. 161). Nesse sentido, a experiência com o uso da
modelagem de informação da construção pode ser uma possibilidade a ser
discutida no intento de atingir essa finalidade.
É importante também considerar o processo de ensino e as etapas
evolutivas de complexidade dos projetos que são desenvolvidos na academia
e quando seria a melhor maneira de se introduzir uma ferramenta dessa
3 Pesquisador do Instituto de Desenvolvimento de Novas Tecnologias (Uninova), de Portugal,
que faz parte da Aliança Internacional para a Interoperabilidade (IAI), um consórcio internacional que desenvolve uma plataforma comum com o objetivo de permitir a integração
dos softwares de todos os fornecedores.
29
complexidade, sem interferir negativamente na aprendizagem do processo
criativo e dos princípios básicos da arquitetura.
Portanto, para a inserção do conhecimento sobre a plataforma BIM no meio
acadêmico brasileiro, será muito mais necessária uma mudança cultural do que
propriamente a aquisição de softwares. Essa mudança, segundo Gabriela Celani4
, já começou a ser implementada em alguns cursos de Arquitetura, como o da
Unicamp. Isso exige uma mudança radical no ensino do desenho e do projeto,
com a inclusão de linguagens de programação de alto nível (scripts) ou, até
mesmo, de software de modelagem paramétrica, de sistemas de colaboração
remota e de equipamentos de fabricação digital, na busca de uma compreensão
mais profunda dos conceitos que estão por trás da Modelagem de Informação
da Construção (BIM) (GEROLLA, 2011 apud MENEZES, 2011).
É possível concluir que o arquiteto precisa estar capacitado para gerenciar
o processo construtivo, que vai das primeiras etapas do projeto até a entrega da
obra, e, para isso, precisa desenvolver uma visão global multidisciplinar. Essa
nova visão vem contra a usual metodologia de segmentação e de sequenciamento
das etapas do projeto, presente na construção civil convencional e oriunda da
falta de interação e comunicação entre os diversos profissionais envolvidos,
que é reflexo do ensino em que os diversos saberes também são desassociados.
Diante do exposto, fica evidente que as instituições acadêmicas devem
adotar uma postura que enfoque a importância do pensamento multidisciplinar
como ferramenta de qualificação dos projetos e, consequentemente, das obras
concluídas. Assim, acredita-se que é possível formar profissionais com uma
ampla visão da importância do trabalho em grupo e do cooperativismo que
deve haver entre os diferentes profissionais da construção civil, considerando
que uma edificação bem-sucedida significa uma obra sem intercorrências,
desperdícios, atrasos, incompatibilidades e acidentes.
4 Professora livre-docente e coordenadora do Laboratório de Automação e Prototipagem
para Arquitetura e Construção da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo
da Unicamp.
30
Ademais, trata-se de uma edificação que não apresenta patologias ou
inconvenientes durante a sua fase de utilização, como rachaduras, vazamentos
e insegurança estrutural, sendo tudo isso com o menor consumo energético
para o conforto térmico e impacto energético em todo o processo de ciclo de
vida da edificação. Cabe ressaltar que, para atingir esse nível de desempenho,
não é possível apenas com o trabalho de um profissional e, sim, a partir da
interação, da união e do esforço conjunto de uma equipe.
Por fim, as competências a serem desenvolvidas no aluno, para que
o futuro profissional atenda às demandas atuais, são multidisciplinaridade,
capacidade de gerenciamento de projetos, autonomia (autoformação) e inovação
tecnológica. Em relação a esta última, foi dado um enfoque na plataforma
digital BIM como uma possibilidade de transformação do sistema tradicional
individualizado para um sistema integrado e eficiente. Contudo, há que
se discutir a respeito de sua utilização, enquanto ferramenta de ensino nas
escolas de Arquitetura, sobre os possíveis impactos no processo de formação,
como e quando seria o melhor momento para introduzir essa experiência na
grade curricular.
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33
CAPÍTULO 2
CALIBRANDO O GOSTO:
As viagens didáticas na formação do repertório de projeto
Tula Kirst Romani
Este capítulo tem por objetivo relatar uma experiência realizada na
tentativa de solucionar, mesmo que parcialmente, um problema existente
no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT) e que é comum dentro das escolas de Arquitetura em todo
o mundo: a construção incompleta do repertório de projeto, considerado uma
das ferramentas mais importantes para a formação de arquitetos, que não é
fruto da inexistência de imagens e das informações das obras, mas da falta de
oportunidade de vivência nos espaços estudados.
Experimentar o espaço projetado de referência é fundamental para a
compreensão integral dos motivos que colocam esses projetos nesse lugar. Ao
fazer isso com frequência, é possível montar um repertório, mesmo que talvez
não tão amplo, mas mais completo, que permite “calibrar o gosto”.
A expressão “calibrar o gosto” é utilizada para passar a ideia de que
não é interessante para ninguém se acostumar com as coisas ao redor a ponto
de achar que elas estão sempre dentro de um padrão aceitável. Isso não quer
dizer, sob hipótese alguma, que não se deve apreciar o que se tem, o que é
bom, o que faz feliz e satisfaz. Significa apenas que talvez não se saiba o que
existe além disso e o que pode ser melhor ou pior do que aquilo que faz parte
do cotidiano. Trata-se de um convite para um primeiro movimento, aquele
que permite olhar além e conhecer um pouco mais sobre as coisas, trazendo a
consciência de que existem diferentes possibilidades relacionadas aos aspectos
a que se é exposto.
34
Essa tomada de consciência refere-se à descoberta das diferenças ou
às variações que uma coisa ou situação pode apresentar em um determinado
contexto e que pode causar mudanças significativas na forma como se vê o que
está em volta e no modo de pensar e agir.
Para melhor ilustrar, segue um exemplo bem simples: o bolo de chocolate
que eu faço é muito gostoso, melhor até que o da minha mãe, mas desde que
experimentei o da minha sogra, percebi que, embora gostoso, ainda faltam atributos
para que o meu tenha a preferência entre os membros da família (a minha
inclusive). Eu calibrei o meu gosto. Essa historieta fictícia mostra claramente o
que a expressão tenta demonstrar. A categoria de bolos de chocolate de que o
narrador tinha conhecimento não era tão ampla nem tão elevada em termos
de sabor, e o seu doce, apesar de muito bom, ainda poderia ser aprimorado,
dando-lhe a oportunidade de oferecer algo melhor do que aquilo que estava
habituado a fazer.
Com essa compreensão, é possível buscar uma fonte de informações
sobre como fazer melhor e trabalhar no sentido de mudar, exatamente como
o narrador fez com relação à sua receita. Calibrar o gosto é fundamental para
despertar a consciência acerca da condição que se está e, a partir disso, incentivar
a realização de um movimento de melhoria, independentemente do âmbito a
que se refere o aprimoramento cobiçado.
No processo de formação do arquiteto e durante todos os anos de vida
profissional, um bom repertório de projeto é a ferramenta que ajuda a calibrar
o gosto. O vislumbre e a análise de projetos já realizados é o “bolo da sogra”,
fazendo-se perceber que não existe situação que ainda não tenha sido enfrentada
e resolvida de alguma maneira.
Ademais, essas situações já resolvidas também podem servir de caminho
para se pensar em projetos, no intuito de realizar novos arranjos para atender às
mais distintas demandas. É a liberdade do primeiro traço, com base em uma
proposta que já foi lida de forma assertiva e com o desafio que o trabalho a ser
desenvolvido apresenta. Logo, quanto maior e mais amplo for esse repertório,
maiores serão as chances de sucesso na proposta de um projeto.
35
1 Limitações na construção do repertório
Frente à impossibilidade de acessar todas as obras estudadas durante os
anos de curso de Arquitetura e Urbanismo, o uso de informação das imagens
que são trazidas em livros, publicações digitais, sites e revistas sobre arquitetura
constitui a principal ferramenta dentro das escolas de arquitetura para criar
ou ampliar o repertório de projeto dos alunos, que servirá de ponto de partida
para o desenvolvimento de seus próprios trabalhos. O grande problema aqui
é que essa ferramenta é falha.
Existem três aspectos de grande valor na construção do repertório de
projeto dos arquitetos e estudantes de arquitetura que não são contemplados
com esse método e que reforçam a importância da visita às obras estudadas.
O primeiro aspecto é que, apesar da facilidade e da quantidade
significativa de informações sobre projetos do mundo todo sempre ao nosso
dispor, existe uma característica que a representação por fotos e/ou outros recursos
gráficos não consegue resolver inteiramente: a percepção sensorial do espaço.
[...] é evidente que nem uma nem cem fotografias poderão
esgotar a representação de um edifício, e isso pelas mesmas
razões pelas quais nem uma nem cem perspectivas
desenhadas poderiam fazê-lo. Cada fotografia engloba o
edifício de um único ponto de vista, estaticamente, de uma
maneira que exclui esse processo que poderíamos chamar
musical, de contínuas sucessões de pontos de vista que o
observador vive no seu movimento dentro e ao redor do
edifício. Cada fotografia é uma frase separada de um poema
sinfônico ou de um discurso poético, cujo valor essencial é
o valor sintético do conjunto. (ZEVI, 2009, p. 50).
Pallasmaa (2011) corrobora essa declaração ao afirmar que “uma obra
de arquitetura não é experimentada por uma série de imagens isoladas na retina,
e, sim, em sua essência material, corpórea e espiritual totalmente integrada”.
Nenhuma imagem ou representação é capaz de substituir a experiência de
percorrer o espaço, seja ele projetado ou não, cuja consciência é algo que só se
pode adquirir com a experimentação dele.
36
Tentar compreender o espaço, mediante o olhar de uma imagem,
estimula apenas um dos nossos sentidos e, nos casos de imagens publicadas,
ainda é preciso lidar com os aspectos próprios do veículo utilizado para a
representação e do que se espera dessa mídia em particular. No caso da fotografia,
o próprio registro é um recorte do elemento e se serve de tantos filtros que,
segundo Mascaro (1994), imaginar que ela possa traduzir tudo o que significa
uma obra é um erro.
O cliente desse registro de imagens, seja uma revista, seja um site de
arquitetura, que tenha sido feito como arte, obra ou produto, imprime seu
desejo nesse trabalho sob tantos aspectos que não é possível se isentar deles ao
observar a fotografia. Mesmo o artista da foto ou o arquiteto/fotógrafo, que não
está a serviço de ninguém além de si mesmo, expressa o seu olhar nesse registro,
direcionando a visão do observador às perspectivas que são de seu interesse,
fazendo com que, ao observador da imagem, não reste escolha: ele não pode
olhar para o lado ou para cima, nem usar a sua visão periférica, nem avançar
ou recuar no espaço. Além disso, quando uma série de registros é realizada,
existe uma redução do entendimento do espaço à interpretação gestáltica de
planos selecionados, impedindo a impressão perceptual pessoal do espaço.
O segundo aspecto, como Bruno Zevi (2009) já apontou, que é possível
verificar nos bancos de imagem de espaços arquitetônicos, sejam eles impressos,
sejam digitais, no simples folhear de veículos impressos de imagens ou em
buscas realizadas em sites especializados em espaços arquitetônicos, é que as
obras são geralmente representadas sem conexão com o principal elemento de
criação da arquitetura: o ser humano.
Sua remoção do cenário passa uma sensação de limpeza do produto no
sentido de mitigação da influência de qualquer elemento que possa interferir
na leitura da beleza específica da obra, sendo o objetivo de muitos fotógrafos
de arquitetura que têm interesse apenas no produto físico: a obra.
Isso é legítimo até certo ponto, mas também remove dela a essência
da função de sua existência, uma vez que não há arquitetura sem o homem.
Para Augusto (2016) e Figueiredo (2012), a inserção da figura humana nas
37
imagens de arquitetura informa muito mais do que somente as dimensões
daquilo que se observa no contexto social em que está inserido. A ausência do
elemento humano não só dificulta o entendimento do tamanho dos espaços
como passa a impressão de que são desabitados e que funcionam desconectados
da vida na cidade.
O terceiro aspecto está relacionado à asserção de que, para perceber
significativamente o espaço, vivenciá-lo é fundamental, pois muitas sensações
não são traduzíveis por palavras. Os filtros individuais e o vocabulário próprio de
cada indivíduo ou da área de expertise em que o material gráfico de arquitetura se
apresenta podem gerar uma ampliação ou redução das expectativas ao descrever
a sensação interpretada em um determinado lugar, alterando a percepção
daqueles que só têm acesso às imagens, e não ao espaço propriamente dito.
As percepções estão ligadas às experiências pessoais de cada indivíduo e,
embora a tradução de terceiros seja melhor do que não ter nenhuma informação a
respeito de algo, a melhor narrativa não é capaz de informar como a outra pessoa
perceberá o espaço. Em seu livro A relevância da arquitetura, Paul Goldberger
(2011, p. 135) tenta traduzir as sensações que nortearam os arquitetos na produção
dos espaços, mas já adianta que “Não há duas pessoas que reajam ao contexto
arquitetônico exatamente da mesma maneira”, enfatizando a necessidade de
que cada indivíduo tenha sua própria experiência nos lugares para a construção
de sua percepção. Logo, um dos principais objetivos de um bom repertório de
projeto é encontrar a solução mais assertiva, contudo, mesmo assim, os filtros
individuais continuarão agindo.
Vivenciar os espaços é, indiscutivelmente, a melhor maneira de entender
o contexto e, nesse sentido, as viagens didáticas oportunizaram tal experiência.
Expondo-se aos ambientes, entendemos, sem necessidade de explicações, que,
na paisagem, há muito mais do que é possível ser traduzido por imagens. As
informações obtidas mediante os cheiros, os sons, a temperatura, o movimento,
a relação entre os usuários, o espaço e a vida nele contida nos permitem uma
percepção mais aproximada da realidade do lugar. Com isso, o entendimento do
38
contexto de sua criação e de sua permanência bem como a análise das soluções
apresentadas na criação desses espaços são mais profundos.
2 O turismo pedagógico por meio de viagens
Salgueiro (2002) apontou o surgimento de um tipo de viagem, que pouco
se assemelhava aos deslocamentos convencionais anteriores às transformações
culturais e econômicas que se manifestaram com a Revolução Industrial, no
século 18, e que se tornara uma espécie de tradição entre os aristocratas da
época. Conhecida como o Grand Tour, essa viagem tinha um único objetivo:
ampliar o conhecimento sobre a história e a arte dos antigos.
Uma de suas principais características era o espírito daqueles que se
dispunham a fazer a tal viagem, pois eram ávidos por conhecimento, muito
mais do que pelo simples prazer de ver os sítios e suas atrações. Essa viagem
também conferia um novo olhar sobre tudo que cercava o indivíduo, fornecendo
informações e experiências que alteravam sua maneira de ver o mundo e
ampliava a capacidade desses indivíduos de perceber o lugar a que pertencem.
A grande quantidade de ruínas dos tempos áureos do
Império Romano satisfazia diferentes demandas de gosto
dos viajantes influenciados pela renovada percepção da
história como um processo de evolução lógica, e não
meramente como uma simples sucessão cronológica de
acontecimentos, acarretando essa postura profundas
mudanças de atitude e de compreensão humana diante
da vida. (SALGUEIRO, 2002, p. 303).
Outro tipo de turismo pedagógico destacado por Sodré (2010) são
os “prêmios de viagens”. Tratava-se de um prêmio concedido anualmente aos
alunos da Academia Imperial de Belas Artes a partir de 1845. Era realizado
um concurso, cujo aluno vencedor ganhava uma temporada de estudos dentro
de sua área na Europa. Como contrapartida pelo prêmio recebido, esses alunos
enviavam trabalhos para as suas instituições, demonstrando seus avanços,
39
as novas técnicas e os novos movimentos na arte no Velho Mundo, o que
influenciava, em uma certa medida, a produção em seus locais de origem.
Embora todo turismo gere algum tipo de conhecimento, pode-se dizer
que o Grand Tour se aproxima muito do que é hoje definido pela Organização
Mundial do Turismo (OMT) como turismo pedagógico. Esse é o turismo
“voltado para locais históricos, culturais ou científicos importantes, muitas
vezes coordenados por um professor especializado” (OMT, 2003, p. 90-91). A
essa definição, Milan (2007) acrescenta a promoção do conhecimento prático
à teoria apresentada em sala de aula, por meio de visitas técnicas e viagens de
estudo que ocorrem durante o período letivo.
Esse recurso pedagógico utilizado nos “prêmios” acabou sendo replicado
por um dos alunos vencedores. Segundo Sodré (2010), o engenheiro-arquiteto
Alexandre Albuquerque, agraciado com o prêmio em 1906, começou a acompanhar
seus alunos em visitas a cidades mineiras conhecidas pela arquitetura colonial na
década de 20 e insistia na necessidade de conhecimento do estilo para estimulálo. Isso inspirou outros professores arquitetos a empreenderem movimentos
no mesmo sentido, que incentivaram os alunos a conhecerem e a utilizarem
suas percepções a respeito desse estilo para redefinirem a arquitetura no Brasil.
Em um estudo sobre os processos de ensino de três arquitetos, Pereira
(2009) salienta a forma como as visitas às obras eram realizadas pelo professor
Acácio Gil Borsoi, entre os anos de 1951 e 1970, período em que atuou na Escola
de Belas Artes de Pernambuco, que contribuíram de forma marcante na formação
de diversos arquitetos, tornando-se o seu legado dentro daquela instituição.
Para aquele professor, o aspecto importante das visitas realizadas nessas
viagens era o conhecimento sobre a execução dos projetos, dos materiais e das
técnicas construtivas. As viagens didáticas são um campo de estímulos de
múltiplas referências para os alunos, em que os mais diversos assuntos relativos
à construção do espaço, apresentados mediante os sistemas convencionais
de informação e a discussão em sala de aula, passam por um processo de
consolidação do conhecimento. Isso ocorre por meio da experimentação e do
acionamento de todos os sentidos para a formação da consciência a respeito
40
dos limites impostos pelo saber adquirido exclusivamente pelas imagens e pela
experiência dos espaços ao vivenciá-los.
Ao oportunizar a vivência dos espaços arquitetônicos estudados na
academia, são permitidos aos alunos: a construção dos próprios conceitos
acerca desses lugares; a tradução em sensações; os sentimentos descritos com
palavras nas páginas dos livros; a estruturação, a partir dessa experiência, de
um repertório sólido em projeto; uma consciência dos impactos das obras
visitadas em seu sistema sensorial e uma ampliação da sua capacidade de análise
dos espaços construídos, de seu entorno e do impacto na vida da cidade e no
cenário da arquitetura local e no mundo. É o calibrar o gosto em um patamar
muito mais elevado, somente possível por meio do acesso aos espaços estudados.
3 As viagens didáticas do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFMT
As viagens didáticas oferecidas pelo curso de Arquitetura e Urbanismo
tiveram início no período letivo de 2013/2 e contaram com o apoio institucional
da UFMT, por intermédio da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e
Tecnologia (FAET), com o fornecimento de diárias para os alunos, técnicos
e professores envolvidos, além do ônibus que realizou o transporte do grupo
para cada uma delas.
Essas viagens tiveram três objetivos. O primeiro foi incrementar a
formação dos alunos, oferecendo-lhes a oportunidade de conhecer in loco uma
série de obras de grande relevância dentro do cenário nacional e internacional,
de ampliar seu repertório de projeto, levantando informações sobre essas obras
e sua importância para a produção arquitetônica mundial, e de vivenciar esses
espaços para a consolidação da percepção espacial associada a esses projetos.
O segundo objetivo foi proporcionar o contato desses alunos com os
elementos de arte e cultura, dentro de um circuito mais ampliado, para que
pudéssemos ter proximidade com projetos em arte de relevância mundial
e em diversos suportes e veículos. Isso não só para permitir a fruição das
benesses do contato com a arte — o que, por si só, já seria motivo suficiente
41
para a realização dessas viagens — mas também para sentir como o espaço
pode potencializar o efeito que a arte produz no observador.
O terceiro objetivo foi oferecer a oportunidade de todos os alunos
do departamento conhecerem novos lugares, partindo do princípio de que
eles já possuíam conhecimento suficiente dos assuntos abordados no curso
para entender criticamente os espaços visitados, tirando, desse modo, melhor
proveito da ocasião, em especial, para aqueles que não teriam condições de
realizar tal atividade se não houvesse o apoio institucional.
O então professor da disciplina de Projeto de Arquitetura IV,
Leonardo Prazeres Veloso de Souza, importou a ideia das viagens didáticas
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), instituição em
que ele havia concluído sua graduação, em 2010, e pela qual realizou uma
série de viagens, acompanhado por professores e monitores das disciplinas
de Projeto, para locais como Curitiba, São Paulo, Santiago do Chile, Buenos
Aires e Montevidéu. Nesses programas, as atividades realizadas por ele
serviram de base para o desenho dos roteiros das visitas nas viagens feitas
pelo Departamento de Arquitetura da UFMT.
A primeira viagem organizada pelos professores da disciplina de
Projeto IV aconteceu no período letivo de 2013/2 e teve São Paulo como
destino. Nessa oportunidade, apenas 17 alunos participaram do projeto,
cujo roteiro das visitas foi definido pelo professor Leonardo e pela Luciana
Mascaro, professora da disciplina de Técnicas Retrospectivas, que, junto
com a disciplina de Projeto de Arquitetura IV, trabalhavam a requalificação
(atribuição de novos usos a espaços degradados e/ou abandonados) e o restauro.
Para ampliar o alcance da oportunidade concedida, foram incluídas, no
roteiro de visitas, obras de importância para as disciplinas de Arquitetura
Brasileira, Urbanismo e Paisagismo.
Como era de se esperar, essa primeira viagem didática teve algumas
intercorrências, que foram próprias da falta de conhecimento profundo
relativo às demandas organizacionais de uma atividade desse formato. Alguns
agendamentos não foram confirmados a tempo, pois houve excessiva confiança
42
em informações fornecidas por sites de divulgação, que não eram atualizados
com regularidade, e o tempo de alguns deslocamentos dentro da cidade não
foram calculados corretamente.
Ainda assim, nenhum desses contratempos impediu o grupo de
aproveitar ao máximo o fato de estar no palco de uma grande produção
arquitetônica de relevância nacional e internacional. Quando o acesso a um
determinado lugar era impedido, o grupo, pequeno até então, deslocava-se
para outro ponto de interesse nas proximidades. Além disso, nos momentos
em que não havia a visita guiada, os professores passavam a guiar o grupo.
O roteiro dessa viagem incluiu lugares como:
•
o Masp, obra da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (figura 1);
•
o Instituto Paula Souza, projeto do escritório Spadoni AA e Pedro
Taddei Arquitetos Associados;
•
a Pinacoteca do Estado de São Paulo, prédio que havia recentemente
passado por uma obra de requalificação, projetada por Paulo Mendes
da Rocha, arquiteto que projetou também outros três pontos de
visita do nosso grupo: a requalificação da Estação da Luz, com a
implementação do Museu da Língua Portuguesa; o Museu Brasileiro
de Escultura e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP;
•
o Mercado Municipal de São Paulo;
•
o Teatro Municipal e o Palácio dos Correios, projetos do início do
século XX, realizados pelo escritório de Ramos de Azevedo;
•
o próprio Vale do Anhangabaú, com seu conjunto arquitetônico
que contempla diversos momentos da arquitetura brasileira;
•
a Praça das Artes, projeto de inserção de um complexo cultural na
malha de prédios dentro do Vale do Anhangabaú, realizado por
Marcos Cartum, Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci;
43
•
o Edifício Altino Arantes (obra que sustentou o título de prédio
mais alto do Brasil por mais de uma década);
•
o atual Mirante Santander, que sofreu uma reforma de requalificação
de seus pavimentos para abrigar as salas de exposição, um museu,
um mirante e uma pista de skate;
•
as obras de Oscar Niemeyer, inseridas no Parque Ibirapuera, como
o Pavilhão da Bienal, a Oca, o Museu Afro Brasil, o Museu de Arte
Moderna e de Arte Contemporânea e a Marquise do Parque, além
do Memorial da América Latina;
•
o Museu da Imagem e do Som, onde, na oportunidade, estava
acontecendo a exposição de David Bowie, organizada pelo
Victoria and Albert Museum de Londres, um grande exemplo de
arquitetura expositiva, especialmente devido à grande diversidade
de itens expostos;
•
a Biblioteca Brasiliana, projeto dos escritórios Eduardo de Almeida,
Mindlin Loeb e Dotto Arquitetos;
•
o Museu do Futebol, projeto de requalificação que já ganhou prêmios
por sua acessibilidade, realizado por Mauro Munhoz, utilizando
áreas sob as arquibancadas do Estádio do Pacaembu, projeto da
década de 30, realizado pelo escritório de Ramos de Azevedo;
•
a Praça Victor Civita, projeto de requalificação realizado pelo
escritório Levisky Arquitetos Associados e da arquiteta Anna
Dietzsch, que transformou uma área contaminada e de acesso
proibido em uma praça e um museu aberto.
44
Figura 1 – Alunos, técnicos e professores reunidos para registro sob o vão do Masp
Nota: acervo da autora (2013).
O sucesso dessa primeira viagem estimulou alunos e professores a
darem continuidade ao programa, assim, logo no período letivo seguinte, foram
ampliados os locais de visitação e as vagas para a participação dos alunos.
O roteiro para as próximas viagens a São Paulo foi expandido e um dos
destaques foi a inserção de visitas aos escritórios de arquitetura de grande vulto
no cenário nacional, como o FGMF Arquitetos, onde o grupo foi recebido
com muita atenção e cuidado em sua sede e convidado a fazer um tour em
uma de suas obras; o escritório franco-brasileiro Triptyque, responsável pela
requalificação do Red Bull Station, e o escritório de Isay Weinfeld.
Na avenida Paulista, entraram, no roteiro, a Japan House, projeto de
Kengo Kuma, junto com o escritório FGMF Arquitetos; a Casa das Rosas,
um dos últimos casarões do período de ouro do café ainda em pé, projeto de
Felisberto Ranzini para o escritório de Ramos de Azevedo, que passou por
uma requalificação, visando abrigar um espaço para exposições temporárias e
uma biblioteca; a Casa de Vidro, residência da arquiteta Lina Bo Bardi e um
dos exemplos da arquitetura modernista no Brasil; o Sesc 24 de maio e o Sesc
Pompeia, ambos projetos de requalificação de áreas pouco ou não utilizadas
45
dentro da malha urbana da cidade e que, sob a batuta de Paulo Mendes da
Rocha e de Lina Bo Bardi, respectivamente, transformaram-se em sedes do
Serviço Social do Comércio em suas regiões, e o Edifício Copan, obra icônica
de São Paulo, projeto de Oscar Niemeyer.
A viagem do período letivo de 2014/1 foi para Minas Gerais. Nessa
oportunidade, já com um grupo composto pelo dobro de alunos que realizaram
a primeira viagem didática, fez parte do roteiro uma visita à cidade de Belo
Horizonte, uma das primeiras cidades planejadas do Brasil. Nela os prédios
requalificados do Circuito Liberdade — um conjunto de prédios originalmente
construídos para a acomodação da sede administrativa da capital do estado de
Minas Gerais após sua transferência de Ouro Preto — formavam o conjunto
perfeito para os estudos das disciplinas de Arquitetura Brasileira, Técnicas
Retrospectivas e Projeto IV, que tratavam da reutilização de espaços arquitetônicos
para fins distintos daqueles para os quais haviam sido originalmente projetados.
Fizeram parte desse circuito: o Memorial Minas Vale; o Museu das Minas
e do Metal; o Centro Cultural Banco do Brasil e o Edifício Niemeyer, sendo
este último uma obra de Oscar Niemeyer, não um projeto de requalificação.
Ainda de Niemeyer, visitou-se o Circuito da Pampulha, a Igreja de São Francisco
de Assis, o Museu de Arte da Pampulha, a Casa do Baile e o Iate Tênis Clube.
A viagem contemplou ainda uma visita guiada ao escritório do arquiteto
Gustavo Penna, em que uma equipe especializada em atendimento a grupos
de escolas de arquitetura realizou uma palestra, com a apresentação de alguns
projetos em desenvolvimento; ao Plug Minas, projeto de requalificação que
transformou uma antiga sede da Febem em um Centro de Formação e
Experimentação Digital para jovens, e o Memorial da Imigração Japonesa no
Brasil, projeto do escritório Gustavo Penna Arquiteto e Associados.
Ainda nessa oportunidade, o grupo visitou as cidades históricas de Ouro
Preto e Mariana. Lá os alunos conferiram o conjunto de casarios coloniais, as
igrejas no estilo barroco e rococó, os museus e as obras de Aleijadinho e Mestre
Ataíde, todos muito bem preservados, além de vivenciar o espaço da própria
46
cidade, seu traçado peculiar, com suas ruas íngremes e estreitas, próprios de
lugares com essa topografia e desse tempo.
Para fechar, o grupo visitou um dos maiores museus de arte contemporânea
e Jardim Botânico: o Inhotim (figura 2), local com mais de 700 obras de arte
expostas a céu aberto ou em galerias construídas especialmente para abrigar as
obras em meio a um conjunto de mais de 4.000 espécies de plantas vindas de
todos os continentes — um exemplo formidável da integração da arquitetura,
arte e paisagismo.
Figura 2 – Alunos em frente à obra Beam Drop, de Chris Burden,
em Inhotim (MG)
Nota: acervo da autora (2014).
A primeira viagem didática para o Rio de Janeiro aconteceu no período
letivo de 2014/2. Dessa vez, houve a oportunidade de fazer uma visita guiada
às obras de construção do Parque Olímpico, sede de uma série de modalidades
esportivas da Olimpíada do Rio de Janeiro de 2016. Nas três viagens ao Rio
de Janeiro, foram visitados ainda:
• o Real Gabinete de Leitura, projeto no estilo neomanuelino do
final do século XIX, do arquiteto português Rafael da Silva Castro;
47
•
o Convento de Santo Antônio e a Igreja da Ordem Terceira de São
Francisco da Penitência, importante conjunto colonial no Brasil;
•
a Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro, projeto de Edgar
de Oliveira da Fonseca, os Arcos da Lapa e a escadaria Selaron;
•
o Paço Imperial e a Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga
Sé, conhecida atualmente como Igreja Nossa Senhora do
Monte do Carmo;
•
o Centro Cultural Banco do Brasil, antiga sede da Associação
Comercial do Rio de Janeiro, que acomodou o primeiro
museu da rede CCBB;
•
a Praça Mauá e o Museu de Arte do Rio;
•
o Museu do Amanhã (este estava ainda em construção).
Foi realizada também uma visita guiada ao Teatro Municipal do Rio
de Janeiro, onde o grupo percorreu, além de todas as suas alas, incluindo
aquelas a que o público não tem acesso no tour convencional, todo o backstage5
e as áreas de apoio ao funcionamento do estabelecimento nos momentos
de espetáculo; o Museu Nacional de Belas Artes e o prédio do Ministério
de Educação e Saúde (atual edifício Gustavo Capanema), projeto de uma
equipe que contou com Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e a consultoria do
arquiteto Le Corbusier.
O grupo também visitou o Maracanã e seu projeto de reforma para
a Copa do Mundo de Futebol em 2014, o Museu Imperial da Quinta da
Boa Vista, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e o Jardim Botânico do
Rio de Janeiro. Além disso, foi feita uma visita guiada ao Instituto Moreira
Sales, à Cidade das Artes, ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e ao
Parque do Flamengo.
Em Niterói, o grupo percorreu o caminho Niemeyer e visitou o Museu de
Arte Contemporânea (figura 3), o Museu Janete Costa e o Museu de Arte popular,
5 Em português: bastidores.
48
estes dois últimos são projetos de requalificação de antigos casarões da cidade,
cujos prédios passaram por reformas respeitosas e cuidadosas, preservando partes
importantes de suas características e permitindo a acomodação de novos usos.
Figura 3 – Alunos reunidos em frente ao Museu de Arte Contemporânea
de Niterói (RJ)
Nota: acervo da autora (2014).
Brasília foi o último destino a ser inserido no roteiro das viagens didáticas
do departamento. Essa viagem aconteceu apenas uma vez, em junho de 2019, e
foi também a última das viagens didáticas realizadas até o momento. Um dos
destaques da visita à capital do Brasil foi a realização de um percurso a pé por
uma superquadra do projeto original da cidade (superquadra 308).
O grupo também visitou o Parque da Cidade; o prédio do DNIT
(Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte), projeto de Rodrigo
Brotero Lefèvre; o CCBB, prédio de interesse para a disciplina de Projeto V;
o Conjunto Arquitetônico do Exército, com o Oratório do Soldado, projeto
de Milton Ramos; o Teatro Pedro Calmón; o Palanque Monumental (concha
acústica e obelisco) e a Praça dos Cristais, projeto de Burle Marx.
Houve ainda uma visita com os alunos à Fundação Habitacional do
Exército, acompanhados por Fabiano Sobreira, um dos arquitetos do projeto;
uma visita técnica guiada pelo Hospital Sarah Kubistchek e um passeio pelo
entorno dos edifícios Morro Vermelho e Camargo Corrêa. O grupo também
49
visitou a Mansão dos Arcos, acompanhado pelo atual proprietário do imóvel,
Sr. Nivaldo Borges, que comentou sobre os croquis e os detalhes construtivos
do local, assinados por João da Gama Filgueiras Lima (Lelé) (figura 4).
Figura 4 – Alunos observando os desenhos originais do projeto, dentro da Mansão
dos Arcos, guiados pelo proprietário, Sr. Nivaldo Borges.
Nota: acervo da autora (2014).
Dentro do campus da Universidade de Brasília (UnB), foram visitados:
•
a Colina, conjunto de blocos residenciais projetados por Lelé e
Paulo Marcos Paiva de Oliveira;
•
o prédio da faculdade de Direito, projeto de Matheus Gorovitz,
com a colaboração de Maurício Azevedo;
•
o prédio da Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia,
acompanhados por Márcio Albuquerque Buson, um dos arquitetos
que, juntamente com Adalberto Vilela, Andrey Rosenthal Schlee,
Cláudia da Conceição Garcia e Fabiano Gonçalves de Castro,
projetaram o espaço;
50
•
o prédio da Biblioteca Central da UnB e o Restaurante Universitário,
projetados por José Galbinski;
•
o prédio da Reitoria, projetado por Paulo Melo Zimbres, e o
Memorial Darcy Ribeiro (mais conhecido como Beijódromo),
projeto de Lelé;
•
o Instituto de Química, projeto de Aleixo Anderson Furtado, com
a colaboração de Fabiana Couto Garcia e Kristian Schiel;
•
o Centro de Planejamento Oscar Niemeyer (Ceplan), conjunto
de edifícios que abrigou as primeiras atividades da Universidade
de Brasília, projeto de Oscar Niemeyer e Lelé, com paisagismo
de Alda Rabelo;
•
o conjunto arquitetônico da Faculdade de Educação, que integra
as primeiras edificações do campus, projetadas, na década de 60,
por Alcides da Rocha Miranda, José Manuel Kluft Lopes da Silva
e Luís Humberto Martins Pereira, com a colaboração de Alex
Peirano Chacon;
•
o Centro de Excelência em Turismo (CET), projeto de José Zanine
Caldas, e o edifício-sede da Gerência Regional de Brasília (Gereb),
da Fundação Oswaldo Cruz, projetado por Alberto Alves de Faria,
Beatriz Naomi Onishi, Fabiana Couto Garcia, Fátima Lauria Pires
e Márcio Magalhães das Neves;
•
a Faculdade de Saúde, projeto de Érico Paulo Siegmar Weidle e
Adilson Costa Macedo.
Nessa oportunidade, foi realizada ainda uma visita guiada ao prédio da
Sede Nacional do Sebrae, projeto vencedor do concurso na área de Arquitetura,
e à Embaixada da Itália, projeto de Pier Luigi Nervi.
É importante destacar que a decisão de inserir novos destinos às
viagens, devido ao sucesso da primeira experiência e à medida que as viagens
ocorriam, pode ser compreendida pelas seguintes razões: a intenção de oferecer
51
aos alunos uma gama tão grande quanto fosse possível de lugares de interesse
em arquitetura, para que eles pudessem conhecer e vivenciar os espaços, e
uma vez que, não raro, havia alunos que já tinham participado de duas ou
três viagens. Assim, com a diversificação e alternância dos destinos, o risco
de algum deles repetir o roteiro e gastar tempo, energia e dinheiro, visitando
locais que já conheciam, ficava bastante reduzido.
Já sobre a possibilidade de um aluno participar de mais de uma viagem,
isso se deu porque, embora fosse uma atividade originalmente destinada aos
estudante de Projeto do 5º período do curso e que teve continuidade a partir
do período letivo de 2016/2, dentro da disciplina de Projeto do 6º período,
muitos alunos daquele semestre não puderam viajar, pois se tratava de um
longo tempo distante de Cuiabá e alguns deles trabalhavam, tinham alguém
como seu dependente ou, mesmo com o auxílio financeiro oferecido pela
universidade, não possuíam recursos suficientes para participar com segurança
das viagens e, com isso, raramente as vagas oferecidas eram preenchidas em
sua totalidade.
As vagas ofertadas eram vinculadas à quantidade de assentos disponíveis
no ônibus oferecido pela UFMT para o transporte dos alunos até o destino
e àqueles para os quais as viagens haviam sido originalmente desenhadas.
Assim, após a confirmação sobre os que efetivamente iriam participar, visando
evitar assentos vazios e o desperdício de parte dos recursos mobilizados para a
realização das viagens, abriam-se vagas remanescentes para alunos que tinham
interesse nas viagens e que não estavam vinculados à disciplina em questão.
Contudo, a partir de um determinado momento, houve um grande
aumento na quantidade de alunos interessados e surgiu a necessidade de
desenvolver critérios para a distribuição dessas vagas: teriam preferência os
alunos que estivessem mais próximos da conclusão do curso, matriculados em
uma ou mais disciplinas diretamente contempladas com visitas programadas
e/ou que não conseguiram participar das outras viagens do programa.
52
4 Resultados e discussão
Para a verificação da relevância dessas viagens didáticas, foi enviado um
formulário a um pouco mais de 200 alunos que participaram dessas viagens
desde sua primeira ocorrência até a ida à Brasília em 2019. Nesse documento, foi
solicitado que eles respondessem a algumas questões acerca de sua experiência,
tanto das viagens quanto do resultado delas na sala de aula.
Todos os relatos dos alunos apontam explicitamente os benefícios
trazidos pela participação nessas incursões em sua maneira de pensar o espaço
sob seus diversos aspectos e, para muitos, além desses proveitos direcionados ao
entendimento do espaço, houve também a vantagem da experiência de viajar
em grupo, de conhecer lugares novos, de compartilhar a experiência em tempo
real e de discutir o projeto dentro dele.
Além disso, foi possível verificar alguns números interessantes: 51% dos
alunos realizaram apenas uma das viagens didáticas; 38% deles participaram
de 2 incursões; 6% fizeram 3 passeios e 4% deles tiveram a oportunidade de
viajar 4 vezes com o grupo para diferentes destinos. Outro dado importante
é que mais de 50% dos alunos que participaram das viagens didáticas nunca
tinham tido a oportunidade de visitar as cidades escolhidas e mais de 60%
deles, que já tiveram a oportunidade de ir a essas cidades, não conheciam os
lugares inseridos nos roteiros de visita.
Nas perguntas abertas, especialmente naquelas que permitiam aos
alunos falarem livremente a respeito da experiência das viagens didáticas,
todos, ou seja, 100% deles entenderam que essas incursões tiveram um papel
importante em sua formação, principalmente no que tange à ampliação de
seu repertório de projeto, na consolidação de conhecimentos teóricos sobre os
projetos e na forma como percebem os espaços hoje, em especial, pelo fato de
terem podido vivenciá-los.
Muitos dos que já tiveram a oportunidade de conhecer alguns dos
lugares que visitamos indicaram o ganho na qualidade da visita quando esta foi
feita sob a orientação de um professor ou quando existiu um acompanhamento
53
especializado. Boa parte dos alunos também apontou essa experiência como
uma das mais importantes de seu percurso universitário.
Em reuniões de planejamento com os professores do departamento,
não raro se ouvia relatos de professores que perceberam uma ampliação no
interesse dos alunos pelas disciplinas de um modo geral. Segundo os docentes,
elas deixaram de ser apenas burocracias para se conseguir o diploma e passaram
a ser vistas como um caminho para se perceber as questões referentes à criação
do espaço, tornando-se elementos de apoio à realização dos projetos, que, no
caso de serem dominadas, propiciariam aos alunos a oportunidade de um dia
produzirem obras como as que viram.
Houve uma ampliação no número e na qualidade das referências que os
alunos buscavam para dar suporte aos primeiros traços de seus projetos. Além
disso, passaram a entender como e a razão de se fazer a análise dos projetos, o
que elevou o nível das discussões em sala de aula e a qualidade das propostas
projetuais apresentadas.
Pelos corredores do departamento, as conversas sobre projeto mudaram
e as atitudes dos alunos acerca dos caminhos que os arquitetos podem trilhar
também. Estava se estabelecendo um entendimento a respeito do seu papel de
profissionais em formação e a percepção de que a arquitetura era muito mais
do que aquilo com o que estavam acostumados, que ela dura muito e é capaz
de produzir não só bem-estar como mal-estar, por isso necessita de cuidado e
atenção em sua realização.
Também foi apontada, nas questões abertas do questionário, a ampliação
do potencial individual frente ao entendimento de que o fato de não estarmos
próximos aos grandes centros ou de não termos acesso às tecnologias de ponta
não pode ser desculpa para produzirmos arquitetura menos do que excelente,
pois seu gosto havia sido calibrado para cima. As viagens didáticas, assim,
atingiram os seus objetivos.
Infelizmente, o projeto dessas viagens do Departamento de Arquitetura
e Urbanismo da UFMT foi interrompido de súbito com o corte orçamentário
das universidades públicas federais ocorrido em 2019. Desde março daquele
54
ano, não foi mais possível contar com os recursos da instituição para as diárias
dos alunos, que cobriam as despesas de hospedagem e/ou alimentação, o
fornecimento do veículo de transporte e o combustível para levar os alunos
e os professores de Cuiabá até as cidades de destino, o que impossibilitou a
realização desse tipo de investida didática tão importante.
Não há dúvidas de que a iniciativa relatada neste texto é o resultado de
um esforço conjunto dentro do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, da
Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia da Universidade Federal
de Mato Grosso. Foi necessária a mobilização de recursos financeiros e de
pessoal dentro de todas essas esferas para tornar possível cada uma dessas
viagens didáticas da arquitetura, além de uma incrível boa vontade de uma
série de profissionais que recebeu o grupo de alunos e professores em vários
dos sítios visitados.
Durante o tempo em que foi possível contar com esse recurso tão rico,
ele foi muito bem aproveitado e marcou a vida de todos os envolvidos, não só
no quesito de formação profissional, que era o objetivo inicial das viagens, mas
também sob o aspecto do desenvolvimento da pessoa, já que muitos deles não
tinham o recurso financeiro ou o suporte para tal investidura se não fosse o apoio
da instituição e a justificativa de estar inserido dentro do programa do curso.
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55
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Acesso em: 30 jan. 2021.
ZEVI, B. Saber ver a arquitetura. Tradução: Maria Isabel Gaspar e Gaëtan
Martins de Oliveira. 6. ed. Coleção mundo da arte. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2009.
56
CAPÍTULO 3
ATIVIDADES PEDAGÓGICAS DE
OCUPAÇÃO DE ESPAÇOS:
do físico ao virtual
Gabriel Francisco de Mattos
O curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT) iniciou suas atividades acadêmicas no ano de 1995, por meio
do sistema seriado anual, com uma turma de 30 alunos. Foi implantado, dentro
da Faculdade de Engenharia e Tecnologia, com um corpo de docentes formados
em Arquitetura ou Engenharias dessa faculdade, contando também, em um
primeiro momento, com a participação de docentes dos cursos de Educação
Artística e Geografia. Desde a sua implantação, foram desenvolvidas atividades
de ensino e aprendizagem, nos anos (e depois nos semestres) iniciais da formação,
envolvendo a intervenção nos ambientes físicos do bloco ocupado pelo curso.
Em um segundo momento, os acadêmicos foram provocados a ocupar
os espaços nos meios de comunicação de mídia regionais e, logo depois, a
pesquisar no ambiente virtual. Essas estratégias visavam desenvolver no discente
o conhecimento e o domínio desses dois espaços, o real e o virtual, buscando
despertar nele um sentido de confiança e pertencimento ao mundo contemporâneo.
Este capítulo objetivou apresentar um levantamento de parte dessas
atividades em algumas disciplinas da primeira metade do curso. É importante
destacar que a formação de nível superior, desde o final do século XX e de
acordo com o tripé institucional da universidade (ensino, pesquisa e extensão),
visou incentivar a participação do discente no ambiente da pesquisa e na
produção de papers acadêmicos, no entanto, essas atividades se concentravam
57
nos semestres finais do curso, geralmente voltadas à preparação para uma
eventual pós-graduação.
Algumas dessas atividades, em virtude da dinâmica das estratégias
pedagógicas em resposta ao desenvolvimento tecnológico, foram abandonadas
pelos docentes. Nesse sentido, é importante registrá-las, pois fazem parte da
história de uma instituição de ensino superior que completou o seu primeiro
século de existência. Além disso, destaca-se que algumas delas já foram inseridas
na cronologia da UFMT (SIQUEIRA et al., 2006).
Registraram-se aqui também algumas estratégias desenvolvidas nos
semestres iniciais do curso, momento em que o discente precisa se integrar ao
seu primeiro espaço: o físico, onde se desenvolve o curso, começando então
a ocupar horizontes mais amplos, como, principalmente, o interinstitucional.
Assim, foram descritas as principais atividades desenvolvidas, desde 1995,
nas disciplinas anuais de Plástica e Desenho Livre; História da Arquitetura e
do Urbanismo e Arquitetura Brasileira, que, depois da implantação do sistema
semestral, em 2008, passaram a ser desenvolvidas nas disciplinas de Desenho
Livre; Plástica; História da Arquitetura e do Urbanismo I e II; Arquitetura
Brasileira I e Semiótica.
1 As ornamentações histórico-arquitetônicas
Logo no início do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMT,
juntamente com a turma pioneira, iniciou-se o trabalho de ornamentação
histórico-arquitetônica.
A prática da ornamentação foi, até o início do século XX, sinônimo de
arquitetura, sendo seu estudo a principal meta de um curso superior, até então
sob a tutela das Academias de Belas Artes (MEYER, 1997), quando conhecer
os estilos históricos era a base do curso.
Um exemplo interessante dessa premissa está no livro de Yves Bruand
sobre a modernidade arquitetônica brasileira. Citando a pesquisa da revista
58
Architectura no Brasil, de 1921, acerca dos trabalhos do escritório do arquiteto
carioca Heitor de Mello:
Os projetos dividiam-se em: dois em estilo Tudor, três em
Francisco I, um em Renascença, três em Luís XIV, dez
em Luís XV, catorze em Luís XVI, três em Adams, oito
neogregos, sete coloniais, três suíços, um suíço-alemão, um
alemão, quatro ingleses, um anglo-normando, cinco em
Sezession, sete modernos, quatro sem estilo e seis indefinidos.
(BRUAND, 1997, p. 35).
A implantação da arquitetura moderna no Brasil, a partir da década de
1930, praticamente eliminou a ornamentação da atividade arquitetônica, que,
no entanto, voltou a ser questionada e aplicada no período do Pós-Modernismo
(STROTTER, 1996). É justamente essa reflexão sobre o abandono de uma
prática e sua reutilização que gerou a proposta do trabalho na UFMT, em
meados de 1990.
A atividade acadêmica desenvolvida com base nessa reflexão foi nomeada,
desde o primeiro momento, de “ornamentação histórico-arquitetônica”. Os
trabalhos eram realizados na disciplina de História da Arquitetura e do
Urbanismo, desde 1995, durante o primeiro semestre letivo, quando o curso era
seriado anual. Depois, a partir de 2008, no sistema seriado semestral, passaram
a ser elaborados na disciplina de História da Arquitetura e do Urbanismo I.
Como base dos trabalhos, desde 1995, utilizaram-se principalmente os
livros de Alexander Speltz (Estilos de Ornamentos, 1923) (figura 1) e o Atlas de
Estilos Arquitetônicos Brockhaus (parte da portentosa Enciclopédia Iconográfica de
Ciência, Literatura e Arte, do alemão Johann Georg Heck, publicada entre 1849
e 1851), ambos em edições antigas da editora Tecnoprint, além do clássico de Sir
Banister Fletcher, A History of Architecture on The Comparative Method (1896).
59
Figura 1 – Capa da edição brasileira e frontispício da edição estadunidense do livro
de Alexander Speltz
Nota: imagem à esquerda reproduzida a partir de acervo do autor (2021).
Fonte: imagem à direita, Speltz (1923).6
Inicialmente, em 1996, os trabalhos foram desenvolvidos utilizando
giz de quadro-negro, mas os melhores trabalhos já foram finalizados com giz
de cera ou tinta a óleo. Com o passar do tempo, o processo foi se aprimorando
até chegar à utilização de tinta própria para cobertura de paredes (figura 2).
Esse trabalho foi desenvolvido durante mais de 20 anos, mas o sistema
se manteve em suas bases de pesquisa, projeto e implantação. Uma primeira
fase pode ser definida pela utilização de material provisório, evoluindo para
pintura permanente com tinta de construção civil.
6 Cópia do arquivo disponível em: https://pt.scribd.com/document/413515804/Alexander-Speltz-The-Styles-of-Ornament. Acesso em: 30 ago. 2021.
60
Figura 2 – trabalhos da primeira fase (c. 1997–1998)
Nota: acervo do autor (1997, 1998).
O esquema de produção consistia em desenvolver um projeto baseado
nas referências dos manuais e no levantamento da área a ser trabalhada,
apresentado em uma folha de desenho técnico. Os trabalhos eram reunidos e
encaminhados em conjunto como um projeto para a Pró-Reitoria de Extensão,
indicando o departamento onde o projeto seria aplicado, denominado como
“dono da parede”.
Essa fase propiciava aos discentes compreender as situações reais dessa
etapa, principalmente porque mostrava a eles que o projeto seria avaliado pelos
ocupantes das proximidades de onde o trabalho finalizado ficaria exposto.
Depois era desenvolvido uma máscara ou um desenho em tamanho real, em
papel manteiga ou Kraft, para a aplicação com papel carbono na área escolhida
(figura 3). O momento final de pintura nas paredes ou nos tetos era programado
61
para acontecer no dia em que, inclusive, pudesse ser convocada a assessoria de
imprensa da faculdade para o registro oficial do projeto.
Figura 3 – alunos desenvolvendo o molde em papel Kraft (abril/2013)
Nota: acervo do autor (2013).
As apresentações desses trabalhos eram realizadas em congressos
e encontros de educação, como o painel Uma Vivência: Os trabalhos de
Ornamentação Arquitetônica, exibido, em 2000, no IV Encontro de Educação
– Educação à Distância e Telemática, e o minicurso Prática de Ornamentação
História Arquitetônica, ofertado na II Semana de Arquitetura Rural e Urbana,
em 2004, pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat).
Além disso, em 2017, foi desenvolvido o projeto 20 Anos da Atividade
Prática de Ornamentação Histórica Arquitetônica: Entendendo um Momento da
Profissão, concluído dois anos depois, em que foi feito um levantamento dos
projetos ainda preservados no campus.
Todos esses trabalhos deixaram marcas na UFMT em Cuiabá, conforme
se observa na imagem a seguir, referente a uma matéria sem ligação direta
com o curso de Arquitetura e Urbanismo (figura 4). Isso deixa claro que esse
trabalho já foi incorporado à identidade do prédio da UFMT.
62
Figura 4 – Matéria sobre a UFMT, utilizando foto ilustrativa de uma parte
ornamentada do bloco da Faet
Fonte: primeira página do Jornal Diário de Cuiabá, 2/10/2012.
Devido ao bom desempenho dos trabalhos de ornamentação realizados
na universidade, faz-se importante registrar que os discentes foram convidados
para desenvolver esse trabalho em dois edifícios escolares de Cuiabá: a Escola
Estadual Presidente Médici (figura 5) e o Centro Escolar Nilo Póvoas (atualmente
denominado Centro de Referência em Educação Inclusiva Professor Nilo Póvoas),
dois marcos da arquitetura local. Nas imagens a seguir, é possível verificar que
os trabalhos desenvolvidos tiveram por base a ornamentação oriental.
63
Figura 5 – Alunos desenvolvendo os trabalhos de ornamentação na Escola Estadual
Presidente Médici, em Cuiabá (outubro de 1999)
Nota: acervo do autor (1999).
Mais de 20 anos passados desde a primeira atividade, ressalta-se o
interesse dos acadêmicos que entram no curso de Arquitetura e Urbanismo da
UFMT de realizá-la, tendo em vista que também querem deixar uma marca
de sua passagem pelos corredores da instituição.
64
2 O presépio universitário
Esse projeto, desenvolvido nos primeiros anos do curso, foi interessante
por proporcionar ao aluno uma resposta sobre um trabalho implantado.
Afastando-se do formato tradicional acadêmico das peças de presépio, o trabalho
abstrato causava estranheza e provocava diversas opiniões contrárias de muitos
alunos por considerarem um “desrespeito” à tradição.
Na seção Holofote, o jornal Diário de Cuiabá, de 13 de dezembro de
2007, informava sobre o “Presépio Abstrato”:
A UFMT apresentou à comunidade o seu presépio natalino.
Há alguns anos a montagem tem sido feita pelos estudantes
do curso de Arquitetura e Urbanismo, que o inauguraram
no início desta semana, 10 de dezembro, data em que a
UFMT completou 37 anos de fundação. Como atividade
acadêmica, o trabalho exigiu pesquisa, exercícios de desenho
e plástica e mão-de-obra na produção e montagem. A
inspiração veio de Vassíli Vasilievitch Kandinski [18661944], artista russo naturalizado alemão, conhecido pelo
estilo abstrato. (DIÁRIO DE CUIABÁ, 2007).
Desenvolvido na disciplina de Plástica e Desenho Livre (posteriormente
nominada Plástica), o presépio foi produzido a partir de formas geométricas
simples e cores primárias, sob a influência de outro artista abstrato: Piet
Mondrian (1872–1944).
Para a execução desse trabalho, a turma foi dividida em grupos, em
que cada um se responsabilizou pelo projeto de uma das peças. Com o apoio
do setor de Carpintaria da UFMT (atual Laboratório de Maquete do curso
de Arquitetura e Urbanismo) e após discussão com os segmentos envolvidos,
as peças foram recortadas, pintadas e montadas em um espaço aprovado pela
Pró-Reitoria de Vivências.
A princípio, a proposta era que as peças fossem produzidas com
compensado naval, para resistir ao tempo, mas, por questões de orçamento e
de aproveitamento do material em estoque ou, até mesmo, descartado, utilizouse compensado normal ou madeirite (figuras 6 e 7).
65
Figura 6 – presépio de 2002: manjedoura “livro aberto”
Nota: acervo do autor (2002).
Figura 7 – presépio de 2004: manjedoura “pirâmide”
Nota: acervo do autor (2004).
66
Nas discussões pós-implantação, resgataram-se as adaptações às tradições
locais, como as peças nordestinas padrão Mestre Vitalino, e as de produção
local, desenvolvidas na região de São Gonçalo Beira Rio, ambas em barro
cozido. Nesse trabalho, também foi discutida a estética das vanguardas formais
da primeira metade do século XX.
O debate principal aqui desenvolvido foi o diálogo entre o tradicional,
o regional e o modernismo vanguarda. Sendo uma prática bastante antiga e
europeia, transposta para o Brasil e apropriada pelos mestres artesãos, foi válida
a proposição de incorporar as vanguardas plásticas dentro dessa tradição, afinal,
o estado de Mato Grosso, desde a implantação do Museu de Arte e de Cultura
Popular da UFMT, em 1974, vem ocupando um espaço importante dentro
do cenário das artes plásticas no país (FIGUEIREDO, 1979; FIGUEIREDO;
ESPÍNDOLA, 2010).
3 Pesquisas sobre arquitetura e urbanismo regionais
Após a implantação do curso de Arquitetura e Urbanismo na UFMT,
várias universidades também passaram a ofertá-lo, como a Universidade de
Cuiabá (Unic), em 1997, o Centro Universitário de Várzea Grande (Univag), em
2012, e a Unemat (Barra do Bugres) em 2001. Em grande parte, essa expansão
ocorreu devido à realidade estadual no final do século XX, com o crescimento
das cidades a partir do projeto de ocupação da Amazônia Legal, demonstrando
a preocupação e a importância, dada a necessidade de acompanhar esse processo
de maneira crítica e organizada.
Nesse sentido, na UFMT, a partir da disciplina de Arquitetura Brasileira,
destaca-se o desenvolvimento de dois tipos de trabalho. O primeiro se refere a
um levantamento das obras dos arquitetos pioneiros do estado, como Moacyr
Freitas, João Timótheo da Costa, Mário Gomes Monteiro e Antônio Carlos
Candia, contudo, apesar das muitas informações relevantes coletadas, esse projeto
não teve continuidade em virtude da ampliação do campo da arquitetura e do
número limitado das personagens a serem entrevistadas.
67
O segundo trabalho teve o objetivo de levantar a memória histórica e
a situação das novas cidades mato-grossenses, principalmente as do norte, que
integram o Nortão de Mato Grosso, criadas por meio de projetos privados de
colonização da Amazônia, desenvolvidos a partir dos anos 1970. É importante
destacar que alguns alunos do curso eram descendentes dos pioneiros desses
projetos de colonização, o que facilitou na execução da atividade proposta e no
levantamento de dados importantes, desde os anos 1970 até o final do século.
As principais cidades estudadas dessa região foram: Porto dos Gaúchos,
Primavera do Leste, Terra Nova do Norte e Sorriso. Em relação a esta última, por
exemplo, coletou-se informações acerca da implantação do primeiro semáforo
da cidade. Além disso, foram coletadas informações sobre relatos e registros
dos processos de captação de colonos do sul do país para Mato Grosso, como a
divulgação realizada por meio de panfletos, estrategicamente divulgados após
a ocorrência de geadas que afetavam as plantações no Paraná e Rio Grande
do Sul, destacando que esse fenômeno “não existia no estado de Mato Grosso”
(MATTOS, 2009).
Destaca-se ainda que grande parte desse material serviu de subsídio
para outras pesquisas e discussões em trabalhos de pós-graduação, a exemplo
da dissertação de Mattos (2009), que abordou sobre educação, história e
regionalidade da arquitetura. Essa nova etapa abriu espaço para a inserção
dos trabalhos e das pesquisas em outros meios que não apenas o espaço físico.
Uma das responsabilidades de uma instituição de ensino superior,
principalmente se esta for uma instituição pioneira, é levantar as informações
e produzir discussão. Como foi ressaltado ainda no século XX:
Fundada em 1970, no momento histórico da interiorização
do Brasil, e sediada em Cuiabá, na rota principal desse fluxo
migratório, a Universidade Federal de Mato Grosso, imbuirse-ia da consciência geopolítica da região, onde a Amazônia,
o Pantanal, o Cerrado e as fronteiras latinas perfazem o
espaço referencial. (FIGUEIREDO, 1990, p. 16-17).
68
Com esse espírito, essas pesquisas foram feitas, no sentido de registrar
um momento importante enquanto os atores daquela história estavam vivos
e disponíveis para o diálogo, cujos estudos serviram posteriormente de base
para muitas outras produções acadêmicas. Como exemplo final deste capítulo,
foram listados alguns dos trabalhos desenvolvidos e utilizados na dissertação
de MATTOS (2009).
4 Do espaço físico ao virtual: artigos para jornais, sites e revistas
Entre os anos de 2010 e 2012, dentro da disciplina de História da
Arquitetura e do Urbanismo II, os discentes foram incentivados a escrever
artigos para divulgação/discussão sobre os assuntos ligados às questões urbanas
ou arquitetônicas e a submetê-los às seções de “Opinião” dos jornais locais.
Essa atividade foi desenvolvida pouco antes da explosão dos
autoproclamados influencers das redes sociais. Na época, apenas alguns
“acadêmicos do curso de Direito” se aventuravam a mandar opiniões em
espaços além da Carta do Leitor, sendo esta uma fase de transição entre a
ocupação de espaços da imprensa “em papel” e o início dos sites de informação
especializada. Alguns desses trabalhos foram publicados em jornais e outros
em sites jornalísticos e especializados, conforme lista ao final do capítulo.
Na disciplina de Semiótica, desenvolvida nos cursos de Arquitetura
e Urbanismo, visando principalmente aumentar o arsenal de conhecimentos
teóricos para atividades de análise, crítica e descrição do objeto arquitetônico
e/ou urbanístico, para não estacionar em mais uma discussão sobre teorias, os
acadêmicos foram incentivados, no semestre letivo de 2019/1, a buscar uma
produção teórica atualmente desenvolvida no Brasil. Como ainda estava sendo
discutida a criação de uma revista científica no Departamento de Arquitetura
e Urbanismo da UFMT, tal pesquisa foi realizada em outras instituições.
Depois de buscar em sites das universidades brasileiras, a revista digital
escolhida foi a arq.urb (figura 8), do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas, da capital paulista.
69
Trata-se de uma revista relativamente nova, com o primeiro número publicado
em 2008, classificada, à época, no estrato B2 (Qualis/Capes).
Figura 8 – Logomarca da revista digital arq.urb da Faculdade São Judas Tadeu (SP)
Fonte: site da revista arq.urb https://revistaarqurb.com.br, acesso em 2/2/2022.
A partir dessa escolha, cada discente optou por um artigo, que foi
apresentado em sala de aula e discutido com a turma. Os textos tinham que ter
ligação com a teoria semiótica ou, no mínimo, trabalhar teorias arquitetônicas
ligadas ao estruturalismo. A atividade foi desenvolvida por apenas um semestre,
cujo ponto positivo foi encontrar, depois de mais de 25 anos de curso, um grupo
de discentes que já navegava pelo espaço virtual com bastante familiaridade.
A situação decorrente da pandemia da covid-19, que alterou a forma de
atuação dentro do contexto educacional brasileiro, desde março de 2020, levando
à adoção da modalidade de ensino à distância em substituição à presencial, para
garantir o isolamento físico necessário, potencializou a ocupação do espaço
virtual para pesquisar locais, recursos e outros materiais, mediante os quais
poderiam se desenvolver discussões na disciplina Arquitetura Brasileira I.
A referida disciplina tem como objetivo tratar das práticas arquitetônicas
no país desde as manifestações indígenas até o início do século XX. Assim,
foi procurada uma instituição que possibilitasse um contato amplo e aberto e
que também tivesse participação na formação de um acervo brasileiro de boas
publicações sobre as questões da disciplina.
Nesse sentido, nada melhor que o Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional para tal atividade. Dentre o imenso acervo do instituto,
optou-se por trabalhar na aba Publicações para download, local em que, além
de disponibilizar vários livros fundamentais sobre o período, entre eles, os de
Robert Smith (2012) e o de John Bury (2002), e as referências sobre arquitetura
religiosa do período colonial, também estavam acessíveis as Revistas do Patrimônio
70
Histórico e Artístico Nacional, que definiu o alto padrão da pesquisa sobre
patrimônio no Brasil.
Foi um semestre muito produtivo, pois houve uma discussão importante
sobre a história das raízes mestiças do Brasil, além do fato de que a própria busca
pelo site da instituição já foi uma experiência gratificante. A possibilidade de
examinar as primeiras revistas do então jovem instituto tinha como premissas
a busca e a afirmação de uma visão eminentemente técnica, afastada da
prática mais poética e ufanista do final do século XIX. O acervo encontrado
na plataforma do instituto se mostrou tão extenso e produtivo que o trabalho
continuou no semestre seguinte.
Sobre esses trabalhos, é importante registrar que, em relação ao espaço
físico, quem desenvolveu as atividades pedagógicas na última década do século
XX teve algumas facilidades para trabalhar com os acadêmicos fora do espaço
da sala de aula, desde a intervenção da Faculdade de Arquitetura, Engenharia
e Tecnologias da UFMT, com instalações e painéis da disciplina de Plástica,
até as interessantes manhãs em que foi possível desenhar no Centro Histórico
de Cuiabá, que já vivenciava as agitações de metrópole em desenvolvimento.
Tais atividades hoje estão bastante dificultadas, principalmente pelas normas
de segurança para atividades fora do campus, que incluem desde transporte
oficial até seguro obrigatório em relação a possíveis acidentes.
Já em relação ao espaço virtual, além de se mostrar possível fazer uma
pós-graduação utilizando a maior parte da bibliografia acessada por meio digital,
principalmente em sites de pesquisa, tal recurso também se mostra interessante
para ser inserido, desde cedo, num curso superior como meio de auxiliar no
processo formativo dos graduandos.
Esse fato tem sido experienciado, nos últimos 30 anos, com a chegada
e o domínio das tecnologias digitais nos campi universitários. Um momento
interessante dessa história foi quando se incluiu pioneiramente, no Departamento
de Arquitetura e Urbanismo da UFMT, o ensino do sistema CAD/AutoCAD
na grade curricular. Naquele momento, esperava-se que os outros cursos da
71
área de tecnologia pressionassem para a inclusão dessa disciplina em suas grades
curriculares, o que de fato demorou um pouco para acontecer.
Não só na área de História e Teoria, mas também em áreas como
Desenho e Representação Gráfica, é bom para um curso com alcance vasto,
como o da Arquitetura e Urbanismo, que atividades peculiares sejam registradas
e divulgadas, sendo elas práticas físicas, presenciais ou decorrentes das pesquisas
virtuais. Como a pesquisa, por si só, apesar de gratificante, não pode parar no
acervo pessoal, é interessante deixar essas experiências registradas para posterior
utilização em outras instituições de ensino.
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CHRISTÓFFOLI, T. F. Música petrificada. Site Circuito MT, 6/12/2010.
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REIS, M. C P. L. dos. Teatro Municipal de Cuiabá. Folha do Estado, 21/12/2010.
74
CAPÍTULO 4
O PALÁCIO ARQUIEPISCOPAL:
monumento-síntese da arquitetura
neocolonial em Cuiabá (MT)
João Francisco Ciochi Souza
Paulo Victor Vieira Rodrigues
Victória Martins Magri
Ricardo Silveira Castor
O presente capítulo se dedica a uma análise arquitetônica do edifício-sede
da Cúria Arquidiocesana de Cuiabá, conhecido como Palácio Arquiepiscopal,
projetado em estilo neocolonial, nos anos iniciais de 1940, pelo arquiteto
paulista Luiz Inácio de Anhaia Mello.
A pesquisa se justifica pela relevância da obra como patrimônio cultural
de Mato Grosso, que é referência para a história da arquitetura de Mato Grosso
e para a coletividade atendida pelos diferentes serviços prestados em seus
quase 70 anos de existência, atestados pelas diversas ações sociais promovidas
pela Cúria nas dependências da sua sede, sendo elas de teor religioso, ensino
profissionalizante ou prestação de serviços assistenciais.
No que se refere à memória cultural, o edifício afirma-se como valoroso
testemunho da arquitetura da Era Vargas, que se disseminou pelo interior do
país durante a chamada “Marcha para o Oeste”, programa de desbravamento
e integração nacional lançado durante o regime do Estado Novo (1937–1945).
Trata-se, portanto, de um patrimônio de reconhecido valor histórico, embora
seja uma construção relativamente recente e esteja localizado fora da área
abarcada pelo tombamento em nível federal, que, a partir do início da década
de 1990, contribuiu para a manutenção dos atributos originais de outras obras
75
arquitetônicas da mesma época e estilo, como a Residência dos Governadores
e o Grande Hotel.
O palácio está situado na região centro-sul da cidade, em uma das
elevações naturais que acompanham a margem esquerda do histórico córrego
da Prainha, cujas águas levaram os bandeirantes paulistas às jazidas de ouro,
que motivaram a fundação do Arraial do Senhor Bom Jesus de Cuiabá no
início do século XVIII. O terreno, de conformação trapezoidal, ocupa uma
posição intermediária entre o referido tecido histórico setecentista e o tradicional
bairro do Porto, onde o córrego da Prainha desemboca no rio que empresta
seu nome à cidade.
O rio Cuiabá representava, até meados do século XX, a principal via
de ligação da cidade com o restante do país, com os países vizinhos ao sul do
continente e com a Europa, o que está longe de ser um dado irrelevante para
a compreensão do significado arquitetônico da obra em questão.
Se é notória a importância histórica e social do edifício, suas qualidades
arquitetônicas ainda carecem de reconhecimento, seja por parte dos círculos
acadêmicos, seja entre a população da cidade em geral. É o que se depreende da
escassez quase completa de artigos acerca de suas especificidades construtivas e
artísticas, tanto em publicações especializadas quanto nos veículos de imprensa.
Os escassos estudos dedicados ao Palácio Arquiepiscopal ou Palácio
Episcopal — como é normalmente designado nesses trabalhos — dedicam
pouca atenção à sua arquitetura, concentrando-se antes nas circunstâncias
históricas que levaram à sua construção. Dentre os títulos que abordam os
aspectos propriamente arquitetônicos, são demasiadamente sucintos ao tratar
do edifício, como na tese Arquitetura Moderna em Mato Grosso (CASTOR,
2013), ou simplesmente descritivos, não se propondo uma análise crítica do
projeto, segundo o livro Memórias de um Cuiabano Honorário (SÁ, c. 1980),
ou ambas as coisas, conforme se observa em Patrimônio Cultural de Cuiabá
(LACERDA, 2004).
Deve-se destacar, no entanto, a considerável contribuição dessas obras
para a sustentação da presente pesquisa. De fato, os dados utilizados para a
76
elaboração deste capítulo foram extraídos tanto da referida bibliografia quanto
de entrevistas, levantamentos fotográficos e visitação in loco, entre outras fontes
gentilmente disponibilizadas pelo Pe. Felisberto Samoel da Cruz.
1 Sobre o neocolonial
Em fins do século XIX, o estilo arquitetônico predominante na Europa
era o eclético, que se caracterizava por uma profusão de linguagens artísticas do
passado, como o neoclássico renascentista, combinada com as novas tecnologias
advindas da Revolução Industrial, a exemplo do uso ostensivo do ferro e vidros
nas construções. O estilo neoclássico foi trazido ao Brasil por intermédio da
corte portuguesa, que se mudou para a colônia devido ao bloqueio continental
imposto por Napoleão Bonaparte.
Embora originário da França, tal estilo caracterizava-se por suas
pretensões universalistas, confirmadas por sua ampla difusão internacional, e
foi adotado nas colônias como símbolo da sofisticação europeia, contudo não
estava vinculado a países específicos do Velho Continente, variando apenas
em detalhes de região para região.
Nesse contexto, os estilos de retomada das raízes culturais apresentavamse como um importante marco na busca por uma identidade nacional, por meio
da difusão de tendências locais, que adentrariam o século XX na contramão da
arquitetura modernista dos anos 1920, conhecida justamente por sua aderência
a um “estilo internacional”.
Tomando a onda nacionalista como ponto de partida, vários países
da América Latina se voltaram para sua cultura e buscaram formas e motivos
decorativos, que inspirariam as novas realizações arquitetônicas para que
suas formas fossem modernas e inconfundíveis. Um movimento em busca
da tradicional casa de origem lusitana tentava responder aos anseios de uma
época de discussões nacionalistas, tanto no Brasil, que ainda se via preso às
raízes europeias, embora acabasse de se tornar uma república, quanto em
Portugal, onde o regime monárquico sofreu com as acusações de incapacidade
77
em defender os interesses da nação — após retirar suas forças militares dos
territórios compreendidos hoje por Zimbabwe e Zâmbia, no período do
Ultimato Inglês, em 1890.
Pinheiro (2003, p. 166 apud MASCARO, 2008) cita a busca da
“brasilidade” como um movimento que amadureceu, desde o século XVIII,
com a Inconfidência Mineira de 1789, seguida pela Independência de 1822
e a Proclamação da República em 1889. Isso explica, em parte, o anseio por
um traço puramente brasileiro nas obras locais e a acolhida favorável que as
tendências neocoloniais receberam em território nacional.
Os primeiros debates sobre o movimento neocolonial no país se iniciaram
por volta de 1914, com uma conferência intitulada A arte tradicional no
Brasil, proferida pelo engenheiro português Ricardo Severo, principal ideólogo
e defensor desse estilo (MASCARO, 2008). O movimento de afirmação
nacionalista brasileiro se estendeu a vários campos da arte, como literatura,
pintura etc., tendo sua máxima expressão na Semana de Arte Moderna de
1922, em que artistas da elite paulista exploraram tendências vanguardistas já
em vigor na Europa, visando à sua adaptação à realidade brasileira.
Ricardo Severo, que passou parte de sua vida em terras brasileiras, foi
enfático em suas críticas aos estilos eclético e neoclássico, proferidas no início
da sua célebre conferência:
Não procurem ver, meus senhores, nesta veneração tradicionalista,
diluída em nostálgica poesia do passado, uma manifestação
de saudosismo romântico e retrógrado. Com efeito, para criar
uma arte que seja nossa e de nosso tempo cumprirá, qualquer
que seja a orientação, que não se pesquisem motivos, origens,
fontes de inspiração para muito longe de nós próprios, do meio
em que decorreu o nosso passado e no qual terá que prosseguir o
nosso futuro. (Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura
Brasileira, 2021).
O movimento também foi incentivado por escritores de renome, como
Monteiro Lobato: “Nossas casas não denunciam o país [...] Dentro de um salão
Luís XV somos uma mentira com o rabo de fora.” (HOMEM, 1996), e ganhou
78
força nos anos 20, por se opor ao movimento modernista de mestres europeus
como Le Corbusier. Nesse sentido, o próprio arquiteto Lúcio Costa chegou a
projetar algumas construções em estilo neocolonial, antes de se converter aos
projetos “ultramodernos”, para ficar na expressão cunhada por José Marianno
Filho, seu antigo mentor na Escola Nacional de Belas Artes da UFRJ.
É importante ressaltar que Marianno Filho teve um papel importante
no movimento neocolonial, pois foi quem lhe deu esse nome, financiou
viagens de arquitetos adeptos do estilo, fomentando a possibilidade de ampliar
as pesquisas sobre ele para regiões como Ouro Preto, em Minas Gerais, e
promoveu concursos entre estudantes e arquitetos, como “Casa Brasileira” e
“Solar Brasileiro”. Neste último, realizado em 1923, Lúcio Costa, ainda estudante,
obteve o segundo lugar.
Na ocasião, Costa foi convidado pelo promotor do curso à sua residência e
elogiado pelos trabalhos até então realizados. A parceria entre Costa e Marianno
terminou, porém, quando o primeiro foi convidado a ser diretor da Escola
Nacional de Belas Artes, em 1930. Nesse período, já com ideais modernistas,
Lúcio Costa se virou contra o tradicionalismo, que já o reconhecia como um
estilo limitado, e implantou as novas correntes arquitetônicas na academia.
Com essa ação, o estilo neocolonial foi decaindo, a partir da década de 1930,
em São Paulo e no Rio de Janeiro.
O embate entre Costa e Marianno foi muito bem aproveitado pela
imprensa, conforme se depreende do trecho acalorado do debate entre eles que
circulou por algumas semanas, com especial destaque para a fala de Marianno:
Quanto o ilustre sr. dr. Francisco Campos entregou
inesperadamente a direção da Escola de Belas Artes ao jovem
arquiteto Lucio Costa, considerado até então o mais valoroso
cadete da esquadra tradicionalista, eu exultei sinceramente
com a escolha, considerando-a legítima vitória da causa que
defendo… O cadete Lucio Costa, que até a véspera de sua
nomeação, fazia praça de seu credo nacionalista, ingressava
a capacho nas hostes da corrente ultramoderna… o paladino
da arquitetura de fundo nacional… se fizera do dia para a
noite agente secreto do nacionalismo judaico… E abriu sem
79
demora as portas aos artistas que iriam dentro da própria
Escola trabalhar contra o sentimento nacional. (KESSEL,
2008, p. 181 apud MASCARO, 2008).
Fora dos grandes centros, contudo, o estilo neocolonial encontraria terreno
fértil, não apenas para expansão de seu alcance geográfico, extrapolando o eixo
Rio–São Paulo, que o viu germinar, mas para um processo de diversificação de
repertório estilístico, ditado muitas vezes por restrições técnicas e orçamentárias
derivadas justamente do isolamento das cidades interioranas.
Nesse sentido, o território de Mato Grosso tem algo a ensinar sobre
a história de simplificações, mas também de combinações e inovações, que,
com o tempo, acabaria por converter o neocolonial brasileiro em uma das
mais interessantes vertentes do estilo que outrora combateu: o onipresente e
multifacetado ecletismo.
2 Cuiabá na primeira metade do século XX
O início do século XX, em Cuiabá, testemunhou a modernização da
sua infraestrutura urbana e a expansão da sua população, incrementada por
novas levas de migrantes. A inauguração da ferrovia entre a cidade de Bauru
(SP) e o distrito corumbaense de Porto Esperança (MS), em 1914, teve profundo
impacto sobre a economia da região sul do estado, impulsionando o crescimento
das cidades que nasceram ou se desenvolveram sob a zona de influência dos
trilhos (CASTOR, 2013).
Num período em que Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ainda
formavam um mesmo estado, a cidade portuária de Corumbá, ao sul daquele
extenso e indiviso território estadual, destacava-se como o principal polo da
economia mato-grossense, para onde migraram muitos profissionais qualificados,
sobretudo entre as décadas de 1920 e 1930.
Durante o regime conhecido como Estado Novo, a localização da cidade
de Cuiabá (MT) foi considerada estratégica para os programas de interiorização
da econômica nacional lançados pelo então presidente Getúlio Vargas, que
80
decidiu incrementar a infraestrutura da cidade e controlar seu capital político
(CASTOR, 2013).
A cidade recebeu, com efeito, uma injeção de investimentos públicos
que lhe deram novos ares, com a construção de prédios públicos e a instauração
de novos eixos de crescimento urbano, a exemplo das atuais avenidas Getúlio
Vargas e Mato Grosso. Embora a maior parte dessas obras tenha sido tocada
pelo governo estadual, sendo, inclusive, conhecidas como “obras oficiais do
governo Júlio Muller”7, estão claramente vinculadas ao plano de ações do
governo Vargas e, em particular, ao programa conhecido como Marcha para o
Oeste, que visava promover a colonização dos “vazios demográficos” dos sertões
brasileiros. Nesse contexto, Cuiabá passou a figurar como “Portal da Amazônia”,
já que a ocupação da região Centro-Oeste do país foi então considerada uma
primeira etapa no processo de ocupação da Amazônia (FREITAS, 2011).
Segundo o engenheiro responsável pela execução das obras oficiais do
governo Júlio Muller, Cássio Veiga de Sá, os materiais de construção eram
encontrados com certa dificuldade na região de Cuiabá, sendo areia, tijolos
(feitos à mão), cal e pedra os mais acessíveis. (SÁ apud CASTOR, 2013). Já
as madeiras eram trazidas de São Paulo, uma vez que as serrarias cuiabanas
não conseguiam atender à demanda. As construções seguiam um cronograma
restrito e eram administradas pelo engenheiro cuiabano João Ponce de Arruda,
Secretário Geral do Estado.
Diferentemente do que se viu na região sul do antigo território de Mato
Grosso, as influências sofridas pela arquitetura cuiabana, no início do século
XX, ocorreram mais por vias fluviais do que por estradas ou linhas férreas. A
conexão com as principais cidades do país, incluindo a capital, ocorria por
intermédio da Bacia Platina, estuário do Prata e oceano Atlântico.
Compreende-se que o Rio de Janeiro e os países do chamado Cone
Sul, banhados pela Bacia Platina, tenham sido as fontes das tendências e dos
7 Júlio Muller governou o estado de Mato Grosso de 4 de outubro a 24 de novembro de 1937,
quando passou ao posto de interventor federal, assim permanecendo até 8 de novembro
de 1945.
81
profissionais que exerceram maior influência sobre a arquitetura cuiabana.
Explica-se, da mesma forma, o aparecimento tardio do estilo neocolonial
na cidade, datado das décadas de 1930 e 1940. Assim, ainda que a ligação
ferroviária com São Paulo, a partir da segunda década daquele século, tenha
estimulado a arquitetura no sul do antigo estado e indiretamente na cidade de
Cuiabá, os avanços foram percebidos lentamente, com alguns anos de atraso.
No início do século, observou-se em Cuiabá a construção de edificações
em estilo neoclássico, como o Palácio da Instrução, e eclético, a exemplo do
antigo Trem de Guerra, atual sede do Sesc Arsenal. Também foram “importados”
alguns projetos estrangeiros, sendo o mais importante o da Igreja do Bom
Despacho, cuja construção se iniciou em 1918 (Prefeitura Municipal de Cuiabá,
2017), supostamente inspirada no estilo da Catedral Notre Dame de Paris.
Durante a Era Vargas, os projetos seguiram, em geral, as tendências
próprias dos estilos neocolonial e Art Déco8, até então em voga. As linhas
deste último estilo expressavam a modernidade e, no caso de obras públicas,
as pretensões progressistas dos governantes de plantão. As mencionadas obras
oficiais do governo Júlio Muller são exemplares nesse sentido, a começar pela
primeira construção neocolonial do estado: a Casa dos Governadores, seguida
pelo Grande Hotel e pelo Palácio Episcopal. Dentre as obras de gosto Art
Déco, destacam-se o Cine Teatro e a Secretaria Geral, atual sede do Arquivo
Público de Mato Grosso.
Vale salientar a importância do eixo viário, que deu visibilidade às
principais realizações arquitetônicas do governo Júlio Muller. A avenida
Getúlio Vargas foi o grande palco da modernização da cidade, como se
observa pela variedade de estilos arquitetônicos que a emolduram, transitando
8 A arquitetura Art Déco é parte de um movimento dos anos 1920, que influenciou também
o cinema, a moda, o design e as artes plásticas em geral. O estilo caracteriza-se pelo emprego
de materiais construtivos modernos, como o concreto armado em composições referenciadas
no movimento Arts and Crafts, no cubismo e no classicismo das tradicionais Escolas de Belas
Artes. Sobressaem o dinamismo das linhas retas, as formas geométricas bem definidas, as
fachadas tripartites clássicas (base, corpo e coroamento) e a ausência de motivos ornamentais
do passado (GHISLENI, 2021).
82
originalmente do neocolonial ao Art Déco. A partir dos anos 1960, contudo,
casas modernistas também se sucederam na avenida, mostrando a ideia de
modernização, impulsionada por um novo ciclo de expansão econômica e
integração territorial, nessa ocasião, vinculada à construção de Brasília e à
política desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek. Assim, uma
arquitetura singular se desenvolveu entre esses dois momentos cruciais da
história de Cuiabá e do país.
Falar das obras cuiabanas ligadas a Getúlio Vargas é abordar sobre a
avenida de mesmo nome que as concentra e sintetiza, seguindo sua marcha (de
asfalto) para o oeste, a partir do centro histórico da cidade. É falar também das
casas modernistas, que foram a grande vitrine entre as décadas de 1960 e 1970.
Analisar a convivência harmoniosa entre obras de estilos diversos, antigos
e modernos, em um mesmo espaço urbano, é reportar-se aos fundamentos
do ecletismo. Retornar ao tema do ecletismo é voltar-se para aquilo que os
mencionados estilos da Era Vargas possuem em comum com as tendências
modernas, que nos acompanham desde a construção de Brasília: a aversão à
mistura e à convivência de temas artísticos do passado.
Portanto, entre as arquiteturas do Estado Novo e as da “Capital Nova”,
afirma-se, aos poucos e silenciosamente, uma arquitetura neocolonial, que
também é barroca e não deixa de ser moderna, perfeitamente exemplificada,
a nosso ver, pela obra analisada a seguir. Eis a hipótese da presente pesquisa.
3 O Palácio Arquiepiscopal
3.1 Breve história
As fontes consultadas apresentam divergências quanto ao período de
construção do edifício-sede da residência oficial do arcebispo de Cuiabá, contudo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informam que
a pedra fundamental do assim chamado Palácio Arquiepiscopal foi lançada em
7 de agosto de 1941, numa solenidade em homenagem a Getúlio Vargas. Sua
83
construção também recebeu a colaboração de Eurico Gaspar Dutra (presidente
do Brasil entre 1946 e 1951), por intermédio do então arcebispo da Mitra
Arquidiocesana, Dom Francisco Aquino de Corrêa. A inauguração ocorreu
no ano de 1952, ainda sob a administração de Dom Aquino (CRUZ, 2012).
Em entrevista, o Pe. Felisberto Samoel da Cruz (2018), residente na
casa, afirmou que o imóvel nunca foi tombado, o que, inclusive, veio a facilitar
as intervenções ali realizadas. De acordo com o documento elaborado em 2010,
pelo Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU), que integra
a Prefeitura Municipal de Cuiabá, o palácio consta como tombado na esfera
estadual, mediante portaria publicada em 8 de junho de 1998.
3.2 Sobre a utilização do espaço
A intenção inicial de Dom Aquino era a de que o palácio fosse a
residência dos arcebispos, de outros sacerdotes que passassem pela cidade e de
padres vindos de regiões mais interioranas da Arquidiocese do estado, função
antes abrigada pelo Seminário da Conceição. Contudo, com sua morte, em
1956, o bispo auxiliar Dom Antônio Campelo de Aragão transformou-o na
sede do Departamento de Ação Social Arquidiocesano (Dasa), onde eram
oferecidos cursos de corte e costura, bordado e crochê, além de serviços clínicos,
odontológicos, ginecológicos e outros (CRUZ, 2012).
Também ocorriam ritos religiosos, como a catequese e a celebração da
Santa Missa, realizada na capela do palácio, que, à época, ocupava uma área
maior que a atual, cujas atividades eram realizadas no pavimento térreo da
edificação. Logo em seguida, em 1957, sob a administração do novo arcebispo
Dom Orlando Chaves, o palácio voltou a ter a finalidade para o qual foi
projetado: de residência arquiepiscopal.
Desde então, passou a ser morada do arcebispo e de alguns de seus
vigários gerais, ocupando o primeiro pavimento do prédio. Um dado curioso é
que, segundo o Pe. Felisberto, a porta principal localizada na torre circular não
84
era a entrada utilizada nesse período. O acesso ocorria por uma porta lateral
ao final da ala esquerda (figura 1).
Figura 1 – Fachada do Palácio Arquiepiscopal, 1960
Fonte: IBGE (2016).
Não foram encontrados registros da data em que o edifício deixou de
sediar o Dasa. Sabe-se, entretanto, que, no ano de 1974, a administração de Dom
Bonifácio Piccinini acrescentou à casa um escritório da Mitra Arquidiocesana.
Desde então, o pavimento térreo configurou-se enquanto Sede Administrativa
da Mitra, estando assim até o presente momento.
3.3 A arquitetura do Palácio Arquiepiscopal
Projetado por Luiz Inácio de Anhaia Mello, o edifício pode ser classificado
de neocolonial, revivalismo de teor nacionalista, que abarca referências coloniais
e barrocas. Trata-se de um volume composto por uma torre central, a partir
85
da qual se estendem lateralmente duas alas simétricas. É implantado em um
lote de esquina, no cruzamento das avenidas General Mello, General Valle e
Dom Aquino, de forma a acompanhar as irregularidades nos limites do terreno
(figuras 2 e 3), abrindo mão da ortogonalidade em favor de uma configuração
mais harmônica com o entorno (CASTOR, 2013), remetendo, inclusive, às
práticas do urbanismo colonial, ainda que apresente certo recuo no lote e um
limite entre público e privado estabelecido por um muro, e não por paredes.
Figura 2 – Implantação e acessos do palácio
Nota: editado pelos autores a partir de Google Earth (2021).
Figura 3 – Perspectiva do palácio e entorno
Nota: editado pelos autores a partir de Google Earth (2021).
86
Os adornos curvos característicos do barroco se fazem presentes em
toda a fachada, inclusive no muro, composto de curvas em pares, que se
assemelham a volutas9. As aberturas apresentam fechamento em arcos, que se
diferem dos arcos plenos da antiguidade clássica. A porta principal se destaca
por sua centralidade no plano frontal da torre circular, pela sua altura e pela
arcada em relevo que a emoldura, conforme figura 4 a seguir.
Figura 4 – Acesso principal do palácio
Fonte: foto de Ricardo Castor (2015).
9 Voluta é um adorno desenvolvido em forma de espiral, presente principalmente nos capitéis
das colunas clássicas das ordens jônica, coríntia e compósita (CHING, 2010).
87
A balaustrada10 e as vergas 11, que se sobressaem ao plano da fachada,
dão um destaque suave aos vazios e acrescentam volume e um jogo de sombras
típico do barroco. Já os beirais 12 aparentes e o próprio ritmo presente nas
aberturas remetem às características do estilo colonial. A torre se encerra em
um mirante, que, aliado à topografia do local, confere tanto a visibilidade ao
edifício (CASTOR, 2013), caracterizando-o como um marco no espaço, quanto
a possibilidade de contemplação de uma ampla porção da paisagem urbana
de Cuiabá, onde, inclusive, destaca-se a presença da arquitetura sacra, que, no
Centro Antigo, ocupa locais privilegiados, conforme a lógica da época em que
foram erguidas (figura 5).
Figura 5 – Trio de fotografias tiradas a partir do coreto e da sacada do palácio
Nota: acervo dos autores (2021).
10 Balaústres são cada um dos suportes ornamentais que protegem lateralmente um guarda-corpo de balcões ou escadas. Em seu conjunto, compõem uma balaustrada (CHING, 2010).
11 Verga ou dintel é uma viga disposta sobre o vão de portas e janelas, com a finalidade suportar
o peso da alvenaria acima delas (CHING, 2010).
12 Beirais são as bordas inferiores de um telhado, que sobressaem da parede e servem para
desviar a água da chuva (CHING, 2010).
88
Quanto à sua configuração interna, ao passar pela entrada principal,
encontra-se uma recepção de planta circular, com colunas clássicas simetricamente
distribuídas também em círculo (figura 6), que dá acesso a duas salas nas laterais
— atualmente abriga uma sala de reuniões e um escritório — e a um corredor
ao fundo, onde se encontram as demais salas destinadas à administração, os
banheiros de uso coletivo e a capela, como mostra a figura 7, referente à planta
do pavimento térreo. Também foi construído um subsolo, onde são realizados os
trabalhos relacionados à limpeza e à manutenção do edifício e que abriga ainda
um espaço destinado às refeições dos funcionários que ali trabalham (figura 8).
Figura 6 – Colunas clássicas na recepção do palácio
Fonte: acervo dos autores (2018).
89
Figura 7 – Planta baixa do subsolo
Fonte: atualizada por Zanatta, Vido e Gatto, a
partir de levantamentos feitos em 2021.
Figura 8 – Planta baixa do pavimento térreo
Fonte: atualizada por Zanatta, Vido e Gatto, a
partir de levantamentos feitos em 2021.
90
Por meio de uma bela escadaria sinuosa (figura 10), chega-se ao pavimento
superior, onde ficam os dormitórios dos que ali residem, a biblioteca (diretamente
acima da recepção), a cozinha com sala de jantar, os banheiros de uso coletivo
e a escadaria que desemboca no mirante (figura 9).
Figura 9 – Planta baixa do primeiro pavimento
Fonte: atualizada por Zanatta, Vido e Gatto, a
partir de levantamentos feitos em 2021.
91
Figura 10 – Escadaria de acesso ao primeiro pavimento
Fonte: acervo dos autores (2018).
Figura 11 – Planta baixa do segundo pavimento
Fonte: atualizada por Zanatta, Vido e Gatto, a
partir de levantamentos feitos em 2021.
92
Figura 12 – Planta baixa do terraço
Fonte: atualizada por Zanatta, Vido e Gatto, a
partir de levantamentos feitos em 2021.
O piso, em sua maior parte, é revestido em azulejo hidráulico, o que
contribui para o conforto térmico e forma um rico mosaico, tornando ainda
mais prazerosa a sensação de estar na edificação (figura 13).
Figura 13 – Azulejos hidráulicos
Fonte: acervo dos autores (2021).
93
Um fator que chama a atenção na edificação é o cuidado e a beleza
presentes nas aberturas, desde as menores e menos adornadas até as que contam
com vitrais coloridos (figura 14). Elas conferem uma luminosidade aconchegante
ao espaço, perceptível especialmente na biblioteca. O corredor já não desfruta
de tanta iluminação natural (figura 15, à direita), talvez devido às divisões
internas realizadas posteriormente ao período de construção, no intuito de
adequar o espaço às necessidades que foram se impondo ao longo do tempo.
Figura 14 – Díptico de fotografias das aberturas localizadas na escadaria e na
torre circular
Fonte: acervo dos autores (2021).
94
Figura 15 – Díptico de fotografias de uma das laterais do edifício e do corredor
Fonte: Acervo dos autores, 2021.
Nos fundos do terreno, encontra-se um amplo espaço livre, limitado
pelo Palácio Episcopal, pelo Centro Educacional Maria Auxiliadora e pelo muro
que divide o complexo em questão e o Seminário da Conceição. Nessa área,
foram construídos um pequeno jardim e uma fonte, a partir de 2004, quando
outras adaptações também foram feitas no intuito de dinamizar e modernizar
o palácio, com Dom Milton Antônio Santos à frente da Mitra Arquidiocesana.
95
3.4 Adaptações sofridas ao longo dos anos
Com o passar do tempo, devido à diversidade de usos já mencionada
no presente capítulo, o edifício foi sofrendo alterações, com o objetivo de
adaptá-lo a essa demanda, sendo que algumas foram mais simples e reversíveis
e outras levantaram questionamento a respeito da necessidade e da forma
como se realizaram.
Dentre as alterações mais básicas, tem-se a divisão interna dos ambientes,
no pavimento térreo, feita com painéis de gesso. Foram também construídos
banheiros de uso privativo nos dormitórios, visto que, em sua configuração
original, a casa só contava com banheiros coletivos.
Das medidas tomadas por motivos de segurança, foram adicionados
gradis no muro e no entorno da própria edificação, além da instalação de um
sistema de segurança monitorada devido à frequente ocorrência de furtos. Foi
também implantado um elevador, no interior da edificação, para facilitar a
circulação vertical de pessoas idosas ou com dificuldade de locomoção. Bastante
discreto, o elevador não chega a comprometer a integridade arquitetônica do
ambiente em que foi instalado.
O jardim e a fonte, posicionados no fundo do lote, são estranhos ao
projeto original do edifício, contudo, pela forma como foram dispostos e pela
distância que guardam do corpo edificado, não acarretam grande prejuízo
à leitura e à historicidade desse último. O mesmo não pode ser dito do par
de anexos construído para abrigar uma nova cozinha e uma sala de refeições
(figura 16, à direita, e figura 17), no primeiro pavimento do edifício, ligando-se
diretamente ao corredor da ala sul da edificação mais antiga.
Os projetistas desse bloco anexo tiveram o bom senso de lhe emprestar
uma aparência contemporânea, evitando-se, assim, que as partes novas e antigas
do edifício se confundissem, em prejuízo de ambas. No entanto, a intervenção
compromete a leitura da tipologia originária, obscurecendo a simetria e a clareza
de seu desenho em planta.
96
Figura 16 – Díptico de fotografias da biblioteca e da atual cozinha da residência
Fonte: acervo dos autores (2021).
Figura 17– Díptico de fotografias que mostram o contraste entre o
“antigo” e o “novo”
Fonte: acervo dos autores (2021).
97
O volume de aço, concreto e vidro, ainda que respeite o gabarito do
prédio e não use cores tão distinguíveis das preexistentes, acaba formando uma
barreira, a qual oculta parte da edificação e confere a ela uma leitura fragmentada.
4 Outros marcos do estilo neocolonial em Cuiabá (MT)
Pouco antes do início da construção e da inauguração do Palácio
Episcopal, outras edificações, nos moldes neocoloniais, foram erguidas na capital
mato-grossense, entre elas a Residência dos Governadores e o Grande Hotel.
Durante o período do Estado Novo, governo totalitário de Getúlio Vargas, foi
implementado o sistema de interventorias, em que o presidente concedia a uma
pessoa de confiança a responsabilidade de estar à frente dos governos estaduais.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (OLIVEIRA, 2020), esse
sistema foi motivado pelo caráter intervencionista e centralizador de Vargas,
que desejava reduzir o poder das oligarquias regionais. Quanto ao âmbito
econômico, o presidente lançou a “Marcha para o Oeste”, que surgiu com o
objetivo de explorar novos territórios no interior do país, desprendendo-se do
eixo urbano e econômico principal Sul–Sudeste. Nessa nova política, as Regiões
Centro-Oeste e Norte eram as de maior interesse do governo, onde poderiam
ser potencializadas a produção agrícola e a infraestrutura urbana.
Nesse contexto, Mato Grosso foi de grande importância, sendo a porta
de entrada para as ambições nacionalistas de Vargas. A ânsia pelo progresso,
pautado nesse forte nacionalismo, também foi incorporada ao campo da
arquitetura Brasil afora. Assim, em Mato Grosso, mais precisamente em Cuiabá,
encontravam-se as chamadas obras oficiais do governo Júlio Muller, político
cuiabano, nomeado interventor do estado por Vargas.
98
4.1 A residência dos governadores
A construção do que seria a residência oficial dos governadores do
estado iniciou-se em 1939, tendo sido idealizada pelo arquiteto Humberto
Kaulino. A edificação cumpriu sua função original durante 45 anos, período
em que cerca de 14 governadores ali residiram, a começar por Júlio Muller,
que a inaugurou em 1940. Diversos personagens da política local e nacional
visitaram a residência (figura 18), incluindo o presidente Getúlio Vargas, que
lá se hospedou em 1941.
Figura 18 – Júlio Muller e outros nomes da política local, diante da Residência dos
Governadores, na década de 1940
Fonte: Editoria A/C (2021).
O terreno destinado à antiga Residência dos Governadores é bastante
amplo e seu acesso principal está voltado para a rua Barão de Melgaço, no
centro histórico de Cuiabá. Antes de analisar mais profundamente suas
características arquitetônicas, é interessante perceber o imenso recuo da casa
em relação aos caminhos externos, quebrando a regularidade quase que sagrada
da cidade colonial.
99
Frente às residências consideradas luxuosas atualmente por parte da
população, a casa dos governadores não denotaria o mesmo poder, isso porque
as referências daquele período eram outras. O grande jardim, a piscina, as
varandas, o amplo espaço interno e a decoração pomposa eram alguns dos
diversos motivos pelos quais essa residência marcava seu poder (figuras 19 e 20).
Figura 19 – Residência dos Governadores, Cuiabá (MT)
Nota: foto de Ricardo Castor (2010).
Figura 20 – Alunos do curso de Arquitetura da UFMT em visita à Residência.
Vista do Vestíbulo
Nota: foto de Ricardo Castor (2019).
100
Sobre sua configuração arquitetônica propriamente dita, a volumetria da
residência é bem diversificada em comparação às casas coloniais, justamente por sua
função e posterioridade. A fachada é marcada por vários arcos plenos, caracterizando
um espaço de transição entre o espaço livre e a varanda, aspectos presentes no estilo
neocolonial ou mission, expressão do estilo revivalista das colônias espanholas,
por vezes reproduzido nos Estados Unidos. O telhado cerâmico também faz
referência ao tipo de cobertura colonial, distanciando-se das platibandas13
, muito difundidas pelo estilo neoclássico e reincorporadas em outros momentos.
4.2 O Grande Hotel
O projeto do Grande Hotel foi desenvolvido pelo arquiteto Carlos Porto,
com sua construção iniciada em 1940, devido ao programa de modernização da
cidade implementado durante o Estado Novo. Nesse aspecto, faz-se necessário
pontuar que a abertura da avenida Getúlio Vargas é contemporânea à construção
do Grande Hotel (figuras 21 e 22).
O Cine Teatro, edificação construída também nesse período, porém
com características Art Déco, surgiu da necessidade de oferecer à população
cuiabana um espaço adequado à realização de eventos culturais, como as peças
de teatro, até então expostas na edificação carinhosamente batizada de Amor
à Arte, que ocupava justamente o terreno do Grande Hotel.
Externamente, o hotel preserva praticamente intactos os mais
característicos traços de seu estilo neocolonial: a extensa arcada da fachada, as
telhas aparentes de barro e os terraços frontais e laterais. Internamente, contudo,
pouco resta do original. Os dois pátios, que proporcionavam iluminação e
ventilação aos corredores longitudinais do hotel, foram sacrificados, nos dois
primeiros pavimentos, pelos diferentes usos administrativos que o edifício
abrigou com o passar dos anos. Entre outras funções, o histórico edifício foi
sede do extinto Banco do Estado de Mato Grosso (Bemat) e da Secretaria
Estadual de Cultura, até cair no atual estado de desuso e abandono.
13 Elementos de alvenaria, nas fachadas das edificações, que protegem e escondem os telhados.
101
Figura 21 – O Grande Hotel na segunda metade do século XX
Fonte: Arquivo Público do Estado de Mato Grosso.
Figura 22 – A avenida Getúlio Vargas e o Grande Hotel à esquerda, na
década de 1940
Fonte: Acervo digital do IBGE.
102
5 Considerações finais
As análises empreendidas permitem concluir que a arquitetura do Palácio
Arquiepiscopal de Cuiabá, tema central da pesquisa, representa um capítulo
importante da história cultural da cidade e do país como um todo, bem como
um testemunho exemplar de uma fase única do estilo neocolonial brasileiro.
Diferentemente de outros projetos locais remanescentes da Era Vargas,
como a mencionada Residência dos Governadores, a residência episcopal,
projetada por Anhaia Mello, distingue-se pela coexistência de motivos
neocoloniais, barrocos e até neoclássicos. Sabe-se, há muito tempo, que as
referências barrocas não são, de forma alguma, estranhas ao estilo neocolonial,
podendo, inclusive, ser consideradas parte de seu repertório artístico de origem.
Afinal, os expoentes dessa arquitetura nacionalista encontraram inspiração
no patrimônio colonial luso-brasileiro dos séculos XVII e XVIII, marcado
ora pela simplicidade maneirista ou jesuítica, ora pelo dinamismo das formas
barrocas ou rococó.
Ocorre que o palácio projetado por Anhaia Mello, em Cuiabá, foge,
em muitos aspectos, de ambas as tendências da arte colonial brasileira. Viu-se
que sua planta baixa, embora não absolutamente simétrica, caracteriza-se por
um traçado rigidamente ordenado por um eixo central de acesso, em torno do
qual todos os elementos arquitetônicos tendem a se espelhar.
Os elementos que estruturam a torre central e o mirante, que lhes
servem de coroamento, são pontuados de motivos clássicos. Já a solenidade do
salão de acesso, com suas colunas desprovidas de capitel, não deixa dúvidas
a respeito da presença de motivos estranhos ao repertório neocolonial, por
mais que dialoguem entre si e componham, com este último, um conjunto
arquitetônico unitário. É o que nos permite concluir que o projeto flerta
abertamente com o estilo conhecido como ecletismo, naquilo que este possui
de múltiplo e inclusivo em termos culturais.
Semelhante hibridismo parece estar associado às fases históricas marcadas,
de um lado, por avanços técnicos, sobretudo na área dos transportes, e de outro,
103
pela presença de encontros e choques de diferentes culturas. Em Mato Grosso,
esses acontecimentos coincidem justamente com os movimentos migratórios, que
diversificaram sua população e, consequentemente, seu sentido de identidade.
Dentre as obras da arquitetura cuiabana, o referido palácio destaca-se por
ser aquele que poderia representar, de maneira tão fiel, o momento de transição
que a economia de Mato Grosso enfrentava nos anos 1940 e 1950, período
em que a obra foi projetada e construída, época em que o transporte fluvial
começava a desaparecer e o sistema rodoviário pavimentava seu caminho. As
novas trilhas e estradas abertas pelos programas de interiorização e integração
nacional, então implantados pelo governo Vargas, teriam contribuído para
diversificar sua população, da mesma forma que o ecletismo praticado pluralizou
sua arquitetura neocolonial, Art Déco e neoclássica, eclética em suma.
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104
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106
CAPÍTULO 5
TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS
EM PAISAGENS FLUVIAIS URBANAS:
um estudo sobre o Porto de Cuiabá
Yara da Silva Nogueira Galdino
No Brasil, na segunda metade do século XX, quando as cidades brasileiras
vivenciaram um relevante crescimento e modernização, as paisagens fluviais
urbanas, sobretudo as paisagens portuárias, tiveram de lidar com uma mudança
considerável de sua função e, consequentemente, de sua significação.
Paisagens materiais e simbolicamente centrais sofreram um esvaziamento
e, com isso, um novo uso e significado foram lentamente reocupando esses
espaços. Nesse processo de aparente perda de significado, surgem as proteções e
as renovações de superfície, buscando uma legitimação histórica dessas paisagens.
Aos significados culturais produzidos pelo uso cotidiano, somaram-se
aqueles produzidos pelo desenho urbano e pela cultura patrimonial, em uma
sobreposição de valores que se mostrou por vezes conflituosa ou, até mesmo,
danosa às práticas espaciais e culturais em curso, fazendo com que, em muitos
casos, as paisagens ou os bens culturais fossem poupados dos riscos do desuso
para serem expostos ao desgaste e às usurpações de novos usos (CHOAY, 2006).
A urbanização brasileira é um fenômeno recente. Muitas cidades novas e
outras mais antigas do território nacional, do início do processo de colonização,
sobretudo das Regiões Norte e Centro-Oeste, perderam uma considerável
parte dos testemunhos de seu passado. Segundo Abreu (1998), as cidades que
conseguiram manter um sítio histórico representativo, muitas vezes, devem
isso mais a um processo de estagnação ou decadência econômica do que a uma
intenção preservacionista.
107
Independentemente do estoque de materialidades históricas que
determinado núcleo urbano tenha conseguido salvar de sua própria evolução
urbana, as cidades vêm hoje se voltando para o que sobrou de seu passado,
indicando, assim, uma mudança na forma como a sociedade se relaciona com
sua memória urbana (ABREU, 1998).
O patrimônio é hoje reconhecido como ponto fundamental ou estratégico
das políticas culturais, mas esse processo ocorre frequentemente mediado por uma
visão de mundo que ilumina alguns elementos e deixa outros em esquecimento.
As políticas patrimoniais procuram preservar, valorizar e reanimar determinado
bem cultural, mas, muitas vezes, geram processos perturbadores que não só o
despersonalizam como o congelam, podendo, segundo Pereiro-Pérez (2003) e
Choay (2006), desencadear um processo de museificação e monumentalização14
dos objetos patrimonializados.
No Brasil, pode-se observar que, em muitos casos, na transformação de
um bem cultural em bem patrimonial, ocorre uma expressiva mudança em seu
uso e significado. O enobrecimento de paisagens históricas e a incorporação
de uma estética patrimonial formam espaços genéricos que pouco refletem os
movimentos e as práticas sociais que deram origem à paisagem e que legitimaram
a sua morfologia. Certas intervenções turístico-patrimoniais, mais do que
preservar, parecem ter como objetivo central criar adesão social por meio de
uma estética e de uma imagem que tenham eficácia simbólica para um público
genérico (PEREIRO-PÉREZ, 2003).
Vários estudos foram realizados demonstrando os efeitos de intervenções
urbanas em regiões históricas de cidades brasileiras. Tais estudos demonstraram
que muitas renovações urbanas praticadas no Brasil parecem constituir uma
mera aplicação de paradigmas vigentes, cujas extrapolações são extraídas de
outros projetos e de outras realidades territoriais e culturais (RUBINO, 2006),
14 Os termos museificação e monumentalização, propostos por Choay, entendem as palavras
museu e monumento não apenas como instituição ou artefato urbano, mas como uma
mentalidade típica de nossa época, de autocontemplação passiva e de culto a uma identidade
genérica (CHOAY, 2006).
108
levando pouco em consideração a história das localidades, seu traçado urbano,
sua realidade cultural, seus valores e seus conflitos já latentes.
Em consequência disso, para além dos efeitos de elitização e gentrificação15,
essas intervenções acabam gerando uma desestabilização dos usos e significados
estabelecidos no local, criando novas lógicas territoriais, econômicas e culturais.
Neste capítulo, investiga-se a paisagem fluvial urbana de Cuiabá (MT), a
partir das transformações e permanências observadas em sua morfologia urbana.
De acordo com Gimmler Netto et al. (2014), o processo de transformação de
paisagens urbanas apresenta um ordenamento na modificação de sua estrutura
formal, o qual se inicia com as alterações no uso, que, consequentemente, gerariam
alterações na forma e no tecido urbano. Nesse processo de transformação, os
elementos de maior estabilidade formal se apresentariam no plano urbano e no
sistema viário (ROSSI, 1995), constituindo-se, assim, permanências claramente
observáveis na paisagem.
Como a paisagem não é independente dos grupos sociais que a produzem,
a leitura morfológica da paisagem em estudo foi realizada buscando resgatar
a história de suas práticas e representações bem como sua materialização no
espaço construído. Abreu (1998) enfatiza que os vestígios do passado não são
neutros, assim, neste capítulo, procura-se contextualizar os fatos urbanos: saber
quando foram produzidos, quem os produziu, com que objetivo e em qual
contexto, buscando alcançar o entendimento do motivo de sua permanência.
Interessa também a este trabalho conhecer a influência tanto da forma, na
estruturação e na solidificação de significados, quanto dos significados na
permanência da forma.
Para alcançar esses objetivos, foram utilizados recursos capazes de reunir
várias formas de representação da paisagem, como a iconografia, a cartografia,
os projetos e os planos urbanos. Intenta-se realizar um levantamento de
representações históricas, de intervenções e de projetos urbanos executados na
15 Entende-se por gentrificação o efeito de progressiva exclusão das populações locais ou não
privilegiadas (e, com elas, suas atividades tradicionais e modestamente cotidianas) de locais
ou regiões onde massivos recursos públicos ou privados foram investidos (CHOAY, 2006).
109
paisagem portuária de Cuiabá para investigar o potencial que o planejamento
e o projeto urbano têm de se alinharem com a realidade formal, social e
cultural da paisagem.
1 Intervenções em paisagens fluviais urbanas
No Brasil, as paisagens fluviais urbanas sofreram significativas mudanças
no decorrer do século XX. Os rios, que constituíam, para as cidades não
localizadas na costa litorânea, o principal meio de comunicação com outros centros
urbanos em um curto intervalo de tempo, tornaram-se elementos esquecidos
da paisagem. Com a evolução do transporte rodoviário, o deslocamento de
mercadorias e pessoas, que era feito por via fluvial, foi sendo gradativamente
substituído pelo transporte terrestre e, com isso, as paisagens fluviais urbanas
perderam grande parte de seu significado social e econômico.
No século XX, a crescente valorização econômica dos espaços urbanos
contribuiu significativamente para a desvalorização dos setores históricos da
cidade. Paisagens fluviais, áreas portuárias e espaços públicos históricos, na
medida em que não possuíam um valor claramente mensurável no mercado
imobiliário, sofreram uma significativa desvalorização econômica e social,
quando novas formas de uso e reuso foram incorporadas a esses espaços.
Nesse contexto, surgem as políticas de renovação urbana, que, além
de proclamarem uma legitimação histórica e cultural, de alguma forma,
esperavam recuperar a valorização econômica e social dos espaços que passaram
por alterações funcionais, em virtude das mudanças ocorridas no modo
de vida urbano.
Assim, após um período de obsolescência, as paisagens fluviais urbanas
se tornaram uma mercadoria altamente valorizada, pois eram o “diferencial”
que as cidades tinham a oferecer no concorrido “mercado de cidades” (VAINER,
2000). Nesse processo, ocorreu uma elevada valorização da paisagem como
cenário, ou seja, como imagem produzida por aquilo que Choay (2006) chamou
de “indústria patrimonial”.
110
De acordo com Del Rio (2001), as alterações nas relações entre o
indivíduo e o seu tempo de lazer, o crescimento do turismo cultural e temático e
a tendência à construção de fragmentos qualificados de cidade teriam destacado
as áreas portuárias e os waterfronts,16 tanto por suas potencialidades paisagísticas,
lúdicas, logísticas e imobiliárias quanto por seu distintivo capital simbólico.
O autor segue discorrendo que o turismo recreativo, cultural, de compras
e de negócios teria se mostrado um importante dinamizador econômico e social
dos projetos de renovação de setores históricos, sobretudo daqueles ligados a
corpos d’água, em que a simbiose histórica entre cidade e água poderia ser
amplamente explorada.
Esse modelo de intervenção urbana foi adotado, nas décadas de 1960 e
1970, em cidades como Boston, Baltimore e São Francisco, nos Estados Unidos,
e, nas décadas de 1980 e 1990, em cidades da Europa e da América do Sul,
como Londres, Barcelona, Bilbao e Buenos Aires. O sucesso desses projetos de
renovação urbana fez com que esses modelos fossem considerados referências
para as intervenções urbanas realizadas no Brasil nas décadas seguintes.
2 O porto e a paisagem fluvial urbana de Cuiabá
No início do século XVIII, em um Brasil Colônia de ocupação
prioritariamente litorânea, povoar a área central da América do Sul não era um
dos principais objetivos da coroa nem dos bandeirantes paulistas que circulavam
pelo interior do Brasil à procura de ouro e de mão de obra indígena, contudo,
quando foi descoberto muito ouro no território onde hoje se localiza Cuiabá,
um pequeno povoado começou a ser formado.
O ouro mobilizou a coragem e a vontade de se habitar esse lugar, mas
foram seus rios que permitiram que essa ocupação acontecesse e que viabilizaram
a formação de um povoado, de uma vila e de uma cidade.
A Cuiabá do século XVIII era constituída de um pequeno núcleo urbano,
conectado a outro núcleo de menor tamanho, o Porto Geral, localizado às
16 Orlas fluviais e marítimas.
111
margens do rio Cuiabá. Durante os séculos XVIII e XIX, a paisagem urbana
foi lentamente se consolidando, a partir de uma ocupação territorial regida
por um crescimento linear, conduzido por caminhos fluviais e caminhos
terrestres, ligando esses dois polos de crescimento urbano: a Vila Real e o
Porto Geral (figura 1).
Figura 1 – Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuyabá, em 1786
Nota: Vila Real (à esquerda do mapa) e Porto Geral (à direita do mapa).
Fonte: Reis (2000). Original pertencente à Casa Ínsua, em Portugal.
Da Costa (2009), em seus estudos nas cidades portuárias europeias,
observou a existência de uma sequência de processos atuantes na conformação
do tecido urbano dessas cidades. As fases propostas por Da Costa (2009) foram
também observadas na paisagem portuária de Cuiabá, como se segue:
•
Fase 1 – formação edifício a edifício: etapa constituída de um
processo casuístico de ocupação da frente de água por edifícios
ou instalações de apoio à atividade portuária. Uma fase regida
por uma sucessão de decisões individuais, e não necessariamente
coordenadas entre si.
•
Fase 2 – estruturação de cais, ruas e armazéns: etapa constituída
por um processo de ocupação que define a criação de um espaço
de cais (ou zona de acesso ao rio), associado a um eixo urbano
de circulação longitudinal sobre o qual se instalaram os edifícios
comerciais e residenciais.
112
Analisando a morfologia urbana da paisagem portuária de Cuiabá,
pode-se acreditar que, em muitos aspectos, ocorreu um processo semelhante
ao observado por Da Costa (2009) em cidades portuárias europeias. Contudo,
diferentemente do que aconteceu nos casos observados pela autora, na paisagem
portuária de Cuiabá, não foi formado um eixo de circulação longitudinal paralelo
ao rio, uma vez que ele se estabeleceu de modo perpendicular, possivelmente
devido ao fato de o tecido urbano do Porto Geral ter se estruturado em função
do acesso à Vila Real (figura 2).
Figura 2 – Traçado urbano do Porto Geral, no século XVIII
Nota 1: 1) Rua Larga (atual Av. XV de Novembro); 2) Cais do Porto; 3) Córrego da
Prainha e 4) Igreja de São Gonçalo do Porto.
Nota 2: elaborado pelo autor. Infográfico produzido a partir de detalhe do mapa de
1786 (REIS, 2000).
113
A paisagem fluvial urbana do Porto Geral foi gradativamente se
consolidando, mantendo uma relação de acesso e contato visual com o rio
Cuiabá. O local, que, nos séculos XVIII e XIX, constituía-se como a porta de
entrada da cidade, foi lentamente ganhando uma estrutura que o qualificava
como espaço urbano. No século XIX, ao traçado original, foi somado mais um
caminho terrestre até a Vila Real, formado pelo percurso do bonde, em que
novos edifícios e espaços urbanos entre o rio e a cidade foram erigidos. Nesse
período, surgiram também as primeiras ruas paralelas ao rio, formando uma
pequena malha urbana (figura 3).
Figura 3 – Traçado urbano do Porto Geral, no século XIX
Nota 1: 1) Rua Larga; 2) Cais do Porto; 3) Córrego da Prainha; 4) Igreja de São Gonçalo
do Porto; 5) Jardim do Porto; 6) Mercado do 2º Distrito e 7) Percurso do Bonde.
Nota 2: construção do autor. Infográfico produzido a partir de detalhe do mapa do
século XIX (FREITAS, 2011).
114
Em 1899, foi construído, às margens do rio Cuiabá, o Mercado do
2º Distrito. Esse mercado tinha a função de receber, fiscalizar e comercializar
as mercadorias que chegavam através do rio Cuiabá (figura 4). Em função de
sua monumentalidade em relação às edificações do entorno, o Mercado do
2º Distrito se firmou ao longo da evolução urbana como uma permanência
da paisagem portuária de Cuiabá, tornando-se um importante elemento de
composição dessa paisagem.
Araújo (2013) acredita que os monumentos e edifícios singulares
permanecem presentes na organização da paisagem em função da carga de
valores e significados que agregam, emprestando ao espaço em que estão
localizados um valor estruturante.
No século XX, com o declínio da navegação, o Porto de Cuiabá se
consolidou como um local de pesca e comercialização de pescado, e o Mercado
do 2º Distrito se tornou o principal entreposto comercial dos peixes vendidos
na cidade, passando a ser conhecido como Mercado do Peixe.
Figura 4 – Vista do Porto de Cuiabá no início do século XX
Nota 1: 1) Mercado do Peixe; 2) Jardim do Porto e 3) Cais do Porto.
Nota 2: Infográfico adaptado da fotografia do Álbum Graphico do Estado de MattoGrosso, Corumbá, Hamburgo, janeiro de 1914. Pesquisa realizada no NDIHR–UFMT
(consulta realizada em 2021).
O século XX trouxe muitas mudanças para a paisagem fluvial de
Cuiabá e para as relações morfológicas entre a cidade e o rio. As mudanças
começaram na década de 1920 e 1930 com a política de integração da Amazônia
e de expansão das fronteiras agrícolas para o Centro-Oeste e Norte do Brasil.
115
Essas políticas se desenvolveram a partir da abertura de rodovias e de massivos
investimentos no transporte rodoviário.
Nesse contexto, Cuiabá se estabeleceu como um polo de comércio e
serviços dessa frente colonizadora da Região Norte do Brasil. Entre as décadas de
1960 e 1990, a população da cidade passou de 56.826 para 402.813 habitantes,
acolhendo, assim, em 30 anos, uma nova população seis vezes maior que a inicial.
A construção de Brasília também trouxe reflexos diretos a esse novo
momento em Cuiabá, pois aumentou o poder de atração aos centros urbanos
periféricos e difundiu um novo tipo de arquitetura e de cidade (SILVA, 2010).
Cuiabá viveu, então, um período de renovação e de construção de uma
nova identidade.
Após o acelerado processo de crescimento e modernização urbana
vivido no século XX, uma nova paisagem fluvial se apresentou em Cuiabá.
O ritmo da cidade mudou, uma vez que o automóvel e todo seu aparato de
mobilidade urbana reconstruíram e dinamizaram essa paisagem. Contudo,
suas espacialidades dos séculos anteriores podem ainda ser percebidas a partir
de certos fatos urbanos que persistem, tais como: Mercado do 2º Distrito/
Mercado do Peixe (atual Museu do Rio) e o Jardim do Porto (atual Praça Luís
de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres), apesar das grandes transformações
vivenciadas no período.
3 Políticas urbanas e modelos de preservação
O esvaziamento e a degradação espacial de setores históricos foram
processos vivenciados em grande escala nas cidades brasileiras. No século XX,
esses espaços perderam paulatinamente suas funções originais, distanciando-se
das novas formas de habitar e de se relacionar com a cidade.
Esquecida e, ao mesmo tempo, subjugada pelo mercado imobiliário e
pelas frentes urbanizadoras, a região do Porto de Cuiabá atravessou precariamente
a onda de progresso e desenvolvimento urbano das décadas de 1960 e 1970.
Carente de recursos urbanos, políticas públicas, planejamento e instrumentos
116
de proteção, o Porto passou a constituir uma área subutilizada, marginalizada
e desvalorizada da cidade.
Contudo, apesar do esvaziamento de muito de seus imóveis e das
mudanças em seus usos e significados originais, a paisagem fluvial do Porto se
manteve ativa em suas práticas sociais, as quais sustentaram um modo de vida
muito peculiar, desenvolvida a partir da pesca e das trocas comerciais em uma
grande feira livre na área em torno do Mercado do Peixe (construído em 1899).
Essa feira tinha um caráter permanente e foi ganhando proporções cada vez
maiores, chegando ao ponto de suas edificações impedirem quase totalmente
a visualização do edifício do Mercado e do rio Cuiabá (figura 5).
Figura 5 – Mercado do Peixe e Feira do Porto, 1993
Fonte: Banco de Imagens da cidade de Cuiabá, Volume III, Arpi 201 a 301/ julho de
1997, Prefeitura Municipal de Cuiabá, IPDU (consulta realizada em 2021).
No final do século XX, o fortalecimento da noção de patrimônio
surgiu como mobilizador de intervenções urbanas em várias cidades do
Brasil. O retorno aos espaços históricos se consolidou como reação frente à
nova realidade socioespacial que as áreas históricas vinham apresentando.
117
Autores como Pallamin (2006) acreditam que, nesse momento,
desenvolveram-se iniciativas de intervenções urbanas ancoradas na ideia
de um urbanismo reparador, que resultaram em uma série de políticas
públicas e de programas de investimentos em centros históricos pautados
em procedimentos de recuperação físico-material da arquitetura e do espaço
urbano, com a substituição de suas atividades originais por outras mais
valorizadas, como aquelas ligadas às atividades turístico-patrimoniais.
A partir da década de 1980, a onda de intervenções urbanas, já em
curso no Brasil, chegou a Cuiabá. A paisagem fluvial do Porto, nas imediações
do Mercado do Peixe, passou a ser palco de projetos e intervenções. Pautada
em mudanças de significado e em novos modelos de preservação, a paisagem
fluvial do Porto passou a ser vista como um bem pouco desfrutado sob o
ponto de vista econômico e cultural. Assim, algumas ideias passaram a ser
pensadas no sentido de valorizar e preservar essa paisagem.
Em um contexto de mudanças nos valores e modelos de preservação
dos bens patrimoniais, iniciou-se um processo de sobreposição de normas
urbanísticas, planos e projetos, que vislumbravam preservar, revitalizar,
valorizar e requalificar a paisagem fluvial do Porto. Entretanto, nessa
sobreposição de camadas de significado, passaram a ocorrer rupturas com
as representações e práticas em curso na paisagem. Para implantação dos
anseios da prefeitura, que consistiam em conferir, além de preservação, mais
visibilidade, valorização e acesso à orla fluvial e ao edifício histórico, foi
necessário realocar edificações comerciais e habitacionais instaladas na região.
Na prática, o que se observou foi uma ação de ordenamento urbano,
em que os ocupantes da paisagem fluvial do Porto tiveram que ceder espaço
aos novos objetivos econômicos e sociais que essas áreas pretendiam incorporar,
principalmente voltados ao setor de turismo e cultura.
Vescina (2010) observa que a concepção limitada e museificante do
patrimônio tem produzido o congelamento das verdadeiras forças produtoras
da cultura local, gerando custos sociais, criando mais uma cena do que
reativando um patrimônio vivo. Além disso, essa autora afirma que a
118
incorporação de novas dinâmicas sociais e econômicas, sem deslocar os
residentes mais pobres, tem sido um dos mais difíceis desafios da reconstituição
urbana em centros históricos brasileiros.
Seguindo os modelos de preservação, que postulavam a valorização do
patrimônio e a reinvenção dele como produto cultural, o Mercado do Peixe —
um edifício que tinha uso e significado vivo e real — foi reinventado como
“lugar de memória” (NORA, 1993), por meio de um processo de curetagem17
(CHOAY, 2006), que o ressignificou como Museu do Rio.
A singularidade espacial e social do Mercado do Peixe e seu entorno
bem como a complexidade das relações estabelecidas no local foram então
reduzidas a um espaço museificado, em que apenas suas formas materiais
sobreviveram. Assim, a intenção estética dominou a ética espacial, e o
espaço vazio — limpo e requalificado para o turismo cultural e para o lazer
— ocupou o lugar do espaço de representação estabelecido pelas vivências
cotidianas no Porto.
Após uma intervenção realizada com parcos recursos financeiros, o
Museu do Rio foi apresentado como um elemento isolado da vida cotidiana
do Porto, criando uma cena que pouco reflete o sítio urbano e as práticas
sociais que lhe deram sentido (figura 6).
17 Choay (2006) usa o termo curetagem para nomear as intervenções em áreas urbanas e
edificações históricas onde o seu conteúdo social e simbólico é retirado, restando apenas
uma casca vazia, em que são inseridos novos usos e significados.
119
Figura 6 – Museu do Rio e Aquário Municipal, 2004
Fonte: Banco de Imagens da cidade de Cuiabá, Prefeitura
Municipal de Cuiabá, IPDU (consulta realizada em 2021).
Choay (2006) questiona qual seria o valor histórico de um edifício
ou de uma área urbana sem sua linearidade temporal, edificada pela história,
apreendida e conservada pela memória coletiva e pouco a pouco reduzida a
uma abstração pelas memórias artificiais. Sem o suporte das práticas espaciais
e sociais, o quadro de referência, que trouxe significado à paisagem fluvial
urbana do Porto, fica obscurecido, e a paisagem passou a representar um
cenário dela mesma.
Sob a égide dos megaeventos mundiais, preparando-se para ser uma
das cidades-sede dos jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014, Cuiabá
passou a receber uma série de investimentos públicos em infraestrutura e
serviços urbanos. Orientada pela lógica da dinamização econômica, a Prefeitura
Municipal de Cuiabá elaborou, em 2013, mais um projeto de intervenção
urbana para a área do Porto.
Esse projeto, intitulado Projeto Porto Cuiabá, pretendia revitalizar a
região em torno do Museu do Rio a partir da execução de uma praça e de uma
orla fluvial ao redor do edifício histórico. Na área entorno da praça, estariam
localizados, além do Museu do Rio, um polo gastronômico, constituído de
grandes restaurantes, e um casario histórico “revitalizado”, com ornamentos
120
e cores, remetendo a uma estética própria de áreas históricas restauradas
(figuras 7 e 8).
Figura 7 – Imagens de divulgação do Projeto Porto Cuiabá, 2013. Praça em frente
ao Museu do Rio
Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá (consulta realizada em 2021).
Figura 8 – Imagens de divulgação do Projeto Porto Cuiabá, 2013. Casario
Histórico em frente ao Museu do Rio
Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá (consulta realizada em 2021).
Com o intuito de atrair e fazer permanecer um tipo muito específico
de público, o projeto incorporou um arsenal de dispositivos consagrados pelas
121
intervenções turístico-patrimoniais, deixando a paisagem portuária de Cuiabá
irreconhecível, sob a ótica de sua identidade original, mas, ao mesmo tempo,
altamente reconhecível, a partir do ponto de vista dos padrões utilizados em
áreas revitalizadas.
Nesse ambiente considerado revitalizado, os usuários se sentiriam
confortáveis e familiarizados pelos “estereótipos do pitoresco urbano” (CHOAY,
2006). As alamedas de palmeiras, as praças, os bancos, as fontes, os postes de
iluminação com estética antiga e os coloridos conjuntos de edificações coloniais
seriam pretensamente integrados às edificações contemporâneas (figuras 9 e 10).
Figura 9 – Museu do Rio após intervenção do Projeto Porto Cuiabá,
janeiro de 2017
Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá (consulta realizada em 2021).
122
Figura 10 – Orla do Porto e casario cenográfico, após intervenção do Projeto Porto
Cuiabá, janeiro de 2017
Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá (consulta realizada em 2021).
Os cafés, os restaurantes, as lojas de artesanato e os espaços públicos
revitalizados compõem, nas intenções projetuais, uma paisagem onde as
reminiscências da memória espacial, como o edifício do Mercado do Peixe, o
traçado urbano e a relação com o rio Cuiabá, parecem ter pouca relevância. A
sensação de espaço seguro e aprazível é tão fortemente aspirada no projeto que
parece ser desnecessário indicar qualquer sinal de identidade ou de singularidade
a essa paisagem.
Choay (2006) acredita que a valorização das áreas históricas, ao
invés de contribuir para preservar as diferenças locais, como esperavam os
redatores da Recomendação de Nairóbi18, tende a se tornar um instrumento
de homogeneização da identidade dos lugares.
18 Documento formulado pela Organização das Nações Unidas (UNESCO, 1976), relativo
à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea. Segundo a Recomendação de Nairóbi, todo conjunto histórico ou tradicional e sua ambiência deveriam
ser entendidos como um todo coerente de elementos, que compreende edificações, estrutura
espacial, ambiência e atividades humanas, considerando que todas as atividades humanas,
desde as mais modestas, têm, em relação ao conjunto, uma significação que é preciso respeitar. O documento também alerta sobre os perigos da uniformização e despersonalização
de intervenções patrimoniais típicas de nossa época.
123
Este capítulo procurou apresentar e discutir as transformações e
permanências vivenciadas na paisagem portuária de Cuiabá. Uma paisagem
formada por uma sobreposição de camadas, usos e significados ao longo de
seus três séculos de existência.
A forma urbana, suas edificações e espacialidades são o substrato em
que se ancoram usos, práticas e representações das sociedades que as ocupam.
Sabe-se que as transformações espaciais, sociais e culturais de paisagens urbanas
ocorrem em todos os tecidos urbanos e podem ser lidos em suas permanências
da forma e em sua morfologia.
O estudo sobre a morfologia urbana da região portuária de Cuiabá e
as intervenções realizadas no local evidenciaram o quanto as ações de caráter
turístico-patrimoniais podem gerar perturbações na lógica espacial e social em
curso, ocasionando rupturas difíceis de serem absorvidas e incorporadas na
paisagem e nas práticas sociais.
Este capítulo não pretendeu questionar a relevância da preservação e
da conservação de edificações e espacialidades históricas, mas, sim, analisar
criticamente a forma como algumas intervenções são realizadas nesses espaços
já tão perturbados e sensíveis aos processos de evolução urbana.
Nas imagens do Projeto Porto Cuiabá (desenvolvido em 2013), não se
vê mais do que aquilo que Choya (2006) chama de um espelho do patrimônio,
um reflexo longínquo de uma paisagem e de um lugar. Suas diferenças, conflitos,
heterogeneidades, banalidades e meios de vida foram eliminados e substituídos
por uma paisagem cenarizada, em que a estética pitoresca e a identidade
genérica prevalecem.
Com riscos e prejuízos conhecidos e já vivenciados em tantos outros
lugares, fica o seguinte questionamento: por que seguir tão cegamente modelos
de preservação que negam a força e a identidade dos lugares e de seus habitantes?
A resposta a esse questionamento talvez esteja na constatação
compartilhada por vários autores de que o modelo de preservação praticado
atualmente — que promove o alisamento dos lugares e a cenarização da
paisagem — seja a resposta das sociedades a uma necessidade de construir uma
124
autoimagem forte e consistente para lidar com as profundas transformações
globais em curso. Transformações que essas sociedades não dominam nem
podem controlar e que parecem questionar sua própria identidade.
Referências
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p. 5-26, jan./jul. 1998.
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Relatórios e documentos oficiais
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de Planejamento e Desenvolvimento Urbano – Prefeitura Municipal de Cuiabá.
Recomendação de Nairóbi, Organização das Nações Unidas para a educação, a
ciência e cultura, UNESCO, 1976.
126
CAPÍTULO 6
ARQUITETURA E ESTRUTURA: diálogos
Dorcas Florentino de Araújo Silva
Yara da Silva Nogueira Galdino
José Afonso Botura Portocarrero
Maria Fátima Roberto Machado
Este capítulo apresenta a experiência vivenciada no projeto de pesquisa
A natureza da forma e as formas da natureza, desenvolvido por pesquisadores do
Núcleo de Estudos e Pesquisas Tecnologias Indígenas (Tecnoíndia), que, desde
2006, tem procurado abrir caminhos de investigação sobre a arquitetura indígena
e suas múltiplas interações espaciais.
As pesquisas do Núcleo Tecnoíndia iniciaram-se com o estudo de casas de
saúde indígena (Casai)19, enfocando a arquitetura indígena, sua forma, cosmologia
e tecnologia. Nesse percurso, várias novas abordagens foram sendo estudadas, como
a investigação sobre a inserção de infraestruturas sociais20 nas aldeias, entre outras.
19 O projeto das casas de saúde indígena foi desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa
Tecnologias de construção e adaptação de unidades de saúde para os povos indígenas – Tecnoíndia, contratado pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), por meio do edital nacional
que teve como vencedora a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ao final dos
trabalhos, a coordenadora do projeto, a antropóloga Maria Fátima Roberto Machado, e o
membro pesquisador, o arquiteto José Afonso Botura Portocarrero, resolveram fundar o
núcleo, com a intenção de manter o acervo da pesquisa e de ampliar os estudos iniciados,
vinculando o núcleo ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da universidade. Um
módulo/protótipo do projeto para Casa de Saúde Indígena (Casai) foi construído no campus
da UFMT, mediante um convênio da universidade, e se constitui hoje na sede do Tecnoíndia.
(MACHADO, M. F.R. & PORTOCARRERO, J.A.B. Tecnologias de construção e adaptação
de unidades de saúde para povos indígenas. Relatório Final. Convênio Funasa – Ministério
da Saúde/UFMT, 2006.)
20 Pesquisa de doutorado desenvolvida pela professora Dorcas Florentino de Araújo Silva
(ARAÚJO SILVA, 2015).
127
Ao longo do tempo, as investigações do Núcleo Tecnoíndia conduziram
para um caminho cada vez mais sustentado pela relação entre a arquitetura e a
estrutura. O livro Tecnologia indígena em Mato Grosso: Habitação, do professor José
Afonso Botura Portocarrero, publicado em 2010, fez uma síntese desse conhecimento,
apresentando a arquitetura de 11 etnias do estado de Mato Grosso e reconhecendo
o acervo de técnicas, formas e materiais — produto de longo processo de seleção
tecnológica — como uma tecnologia apropriada (PORTOCARRERO, 2012).
A riqueza da espacialidade e da tecnologia indígena buscou um diálogo
com outras áreas de conhecimento, levando a proposição de uma série de projetos
de extensão com o objetivo de aprofundar nas discussões em curso: Arquitetura
e Antropologia: Diálogos (2016); Diálogos II – Forma Complexa, Construção
Simples (2016) e Diálogos III – Arquitetura e Estrutura UFMT–ETHZ 21
(2017).
O seminário Diálogos III – Arquitetura e Estrutura UFMT–ETHZ destacase aos objetivos discutidos neste capítulo por seu caráter prático e pela participação
dos professores Mario Rinke e Mathias Beck (professores de sistemas estruturais
no curso de Arquitetura da universidade suíça ETH–Zurich). Nesse seminário,
também foi realizada uma oficina de maquetes indígenas com o arquiteto Jucimar
Ipaikire Rondon, pesquisador do Núcleo Tecnoíndia, e uma oficina de mobiliário
de papelão, conduzida pelos professores da ETHZ.
Foram experiências ímpares para o estudo e o entendimento estrutural
das formas arquitetônicas. Além da realização das oficinas e palestras, durante o
evento, ocorreu uma reunião de professores dos Departamentos de Arquitetura
e Urbanismo e de Engenharia Civil da UFMT, tendo em vista que o ensino de
estruturas é ministrado por professores do curso de Engenharia Civil. A reunião
teve como objetivo ampliar o repertório didático no ensino da disciplina.
Na ocasião, os professores Mario Rinke e Mathias Beck apresentaram
a experiência na ETHZ relacionada ao ensino de estruturas para estudantes de
arquitetura (figuras 1 e 2), destacando a importância de se buscar um aprendizado
ligado à prática.
21 ETHZ: Eidgenössische Technische Hochschule Zürich (Instituto Federal de Tecnologia
de Zurique).
128
Figura 1 – Oficina de mobiliário de papelão
Nota 1: Prof. Dr. Mario Rinke, acompanhando o processo projetual de uma aluna.
Fonte: acervo Núcleo Tecnoíndia (2017).
Figura 2 – Oficina de mobiliário de papelão
Nota: alunos apresentando e testando suas produções.
Fonte: acervo Núcleo Tecnoíndia (2017).
129
A partir das experiências compartilhadas no seminário Diálogos III
– Arquitetura e Estrutura UFMT–ETHZ, somadas às discussões realizadas
com outras instituições, como ocorreu no III Encontro Nacional de Ensino
de Estruturas em Escolas de Arquitetura (ENEEEA), em 2017, ficou cada vez
mais evidente que a relação entre arquitetura e estrutura era um campo de
investigação que poderia e deveria ser explorado de diferentes formas.
Assim, buscando melhorar o entendimento dos sistemas estruturais
pelos alunos de arquitetura e urbanismo da UFMT, de maneira a se pensar em
formas arquitetônicas que se estruturam, ao invés de lançamento de estruturas
após definições formais do projeto arquitetônico, foi desenvolvido o projeto de
pesquisa A natureza da forma e as formas da natureza.
A pesquisa se sustentou na hipótese inicial de que o estudo minucioso
das formas da natureza, utilizando o desenho de observação e posterior análise
formal, poderia contribuir para uma compreensão mais intuitiva dos princípios
estruturantes das formas. Diante disso, o projeto de pesquisa se propôs a estudar
as formas dos elementos da natureza, com o objetivo de enriquecer e ampliar
o entendimento formal de seus princípios estruturantes.
A natureza está imersa em nosso cotidiano e sujeita às mesmas forças que
atuam nas edificações, como os ventos, o peso próprio, as cargas concentradas
etc. As plantas, os animais, os minerais e os próprios seres humanos possuem,
assim como as edificações, sistemas estruturantes, que são intuitivamente
percebidos e compreendidos. Desse modo, a pesquisa foi iniciada, acreditando
que o entendimento e a análise de elementos da natureza poderiam facilitar a
compreensão da relação forma/estrutura.
Para o levantamento e análise de dados, foi utilizado o desenho de
observação à mão livre, que atuou como um instrumento de investigação,
auxiliando os alunos a construírem um entendimento formal do elemento da
natureza em estudo e, posteriormente, a desenvolverem uma compreensão mais
intuitiva das estruturas arquitetônicas.
Quanto à base teórica, foi necessário buscar referências em diferentes
áreas que interagiam com a pesquisa, como a Biologia, em que foram encontradas
informações sobre o comportamento e as estruturas biológicas inerentes aos
130
elementos levantados; a Antropologia e a Psicologia, que respaldaram o uso do
desenho de observação à mão livre como instrumento de estudo, e não somente de
representação de objetos visualizados ou imaginados, e, naturalmente, os Sistemas
Estruturais, para compreensão de princípios estruturantes em arquitetura.
Cada elemento da natureza foi estudado a partir de desenhos de
observação, englobando aqueles da constituição geral de sua morfologia,
acrescidos de representações próprias do desenho técnico, como seções
transversais, longitudinais e detalhamentos, que buscaram compreender
a constituição da forma estudada, procurando encontrar sua ordem, sua
organização e sua estrutura.
Considerando que a pesquisa envolveu elementos da natureza, os quais,
por sua vez, comportam-se de formas distintas, foi preciso direcionar o olhar
de modo a selecionar a melhor maneira de explicar graficamente os elementos
e as informações relevantes à pesquisa.
Nesse processo, foram estimulados questionamentos a respeito do
“porquê da forma”, utilizando um diálogo com a Biologia, para compreender
as funções dos elementos estudados e as demandas de seu habitat. Em cada
elemento da natureza estudado, foram feitas a observação e a análise por meio
do desenho, procurando responder aos questionamentos voltados às funções e
às soluções que foram desenvolvidas pela natureza para se adaptar às condições
do meio, sempre tendo como objetivo construir uma analogia entre as soluções
formais e estruturais utilizadas ou passíveis de utilização na arquitetura.
Compreendendo o desenho como articulador e aglutinador de ideias,
pode-se dizer que, para este estudo, interessava o ato de desenhar, e não apenas
seu desfecho, o desenho em si. Embora não haja a intenção de diminuir a
importância do desenho como instrumento de comunicação, nesse processo,
interessava essencialmente o percurso que cada aluno trilhou para perceber,
compreender e transmitir seus entendimentos formais.
A pesquisa foi organizada em três etapas, sendo elas a base para o
planejamento das ações. A primeira etapa foi a Revisão Bibliográfica, conduzida
a partir de leituras dirigidas e discussões em grupo sobre livros que tratavam
de sistemas estruturais para arquitetos. Nessa fase, além dos alunos e
131
pesquisadores arquitetos, houve a colaboração efetiva do professor Alberto
Dalmaso, membro da pesquisa e professor de estruturas do Departamento de
Engenharia Civil da UFMT.
Na segunda etapa, chamada de Observação e Análise, houve a coleta de
dados. Nessa fase, cada discente, membro da pesquisa, realizou levantamentos
individuais, que foram discutidos posteriormente pelo grupo. Após estudarem
os princípios estruturantes na etapa de Revisão Bibliográfica, os alunos tiveram
liberdade para procurar esses princípios em elementos da natureza que
despertassem seu interesse.
O levantamento e os estudos foram feitos por meio dos desenhos de
observação e croquis desses elementos, em que foram apresentados elementos
vegetais, minerais e animais. Os elementos que melhor contribuíram com o
entendimento dos princípios estruturantes foram os vegetais de grande porte,
pois, por estarem sujeitos às mesmas forças que atuam sobre as edificações,
apresentavam respostas estruturantes que possibilitaram um diálogo mais
claro com a arquitetura.
Procurando sistematizar o levantamento e a análise dos elementos,
foram realizadas as seguintes perguntas norteadoras: quais obstáculos a
natureza enfrenta para cumprir seus objetivos essenciais: crescer, reproduzir e
se manter estável no meio? Qual é a resposta formal da natureza para cumprir
esses objetivos?
A partir de croquis e desenhos de observação desenvolvidos pelos alunos,
realizaram-se as análises dos princípios estruturantes que esses elementos
apresentavam. Essas análises foram feitas em reuniões de grupo, com a presença
de todos os membros da pesquisa (figura 3).
132
Figura 3 – Reunião de grupo para análise dos princípios estruturantes encontrados
nos levantamentos
Fonte: acervo do Núcleo Tecnoíndia (2019).
Na terceira e última etapa, ocorreram os Estudos de referenciais arquitetônicos.
A busca por analogias arquitetônicas foi guiada pela intenção de tornar a leitura
dos sistemas estruturais em arquitetura mais clara e intuitiva. O levantamento foi
realizado em obras de arquitetura consagradas pela história, sendo utilizados, para
essa etapa de investigação, sites da internet e livros especializados em arquitetura. À
medida que alguns princípios eram identificados nas obras, eles eram confrontados
com os croquis de elementos da natureza em análises e discussões desenvolvidas
nas reuniões de grupo com os professores e alunos.
Todo o material produzido foi organizado em fichas, que reuniam as
informações de cada elemento da natureza estudado, tais como: dados biológicos,
desenhos de observação, detalhamentos, análise dos princípios estruturantes e
analogias arquitetônicas.
1 Compreensão da forma por meio do desenho à mão livre
Para a compreensão da relação entre aquele que desenha e o desenho, foi
essencial o pensamento do antropólogo inglês Tim Ingold (2011), o qual propõe
pensar a arquitetura como uma disciplina que partilha, com a arte e a antropologia,
o interesse em explorar os processos pelos quais se percebe e se relaciona com o
mundo e sua materialidade.
Para Ingold (2011), as propriedades dos materiais não podem ser identificadas
como atributos essenciais e fixos, sendo o contrário disso: propriedades processuais
e relacionais. Esses atributos não seriam objetivamente determinados nem
133
subjetivamente imaginados, e sim experienciados por meio do fazer e da interação
corporificada com os materiais.
O pensamento de Ingold se alinha com o pensamento do arquiteto finlandês
Juhani Pallasmaa (2017) quando este destaca o papel do corpo na apreensão em
arquitetura. Ambos acreditam que as mãos são agentes de percepção da essência dos
materiais e da matéria, que realizam uma ligação direta com a atividade cerebral,
constituindo-se um importante instrumento de interação com o mundo externo.
Nesse sentido, Pallasmaa (2017) traz o entendimento de que as mãos
possuem papel ativo na construção da representação do que está no plano do
imaginário. Nessa interação, o movimento das mãos é parte do raciocínio, e não
uma resposta a ele.
A realização de desenhos de elementos da natureza permitiu coadunar
com Ingold quando ele diz que descrever as propriedades dos materiais é contar as
histórias do que acontece com eles enquanto fluem, misturam-se e se modificam
(INGOLD, 2011). A pesquisa apresentada neste capítulo tornou possível observar
que o desenho é capaz de fazer uma síntese da relação entre o movimento das
mãos, a observação, a memória e a imaginação, pois os desenhos desenvolvidos
incluíram não apenas o que estava sendo visto, mas também o entendimento dos
alunos a respeito dos princípios estruturantes que estavam sendo percebidos por
meio do desenho.
A natureza é parte integrante da arquitetura, pois é ela quem rege as forças
aos quais os elementos arquitetônicos estão submetidos e devem resistir; forças essas
que, do mesmo modo, atuam sobre os demais corpos e elementos, incluindo os
que compõem a própria natureza. Salvadori (2006) defende que o entendimento
intuitivo do comportamento estrutural deriva tanto de nossa experiência física
pessoal como de nossa percepção das formas estruturantes da natureza.
Para construir um repertório de entendimento formal, realizaram-se
estudos em sistemas estruturais de edificações, utilizando autores como Yopanan
Rebello (2000), Salvadori (2006) e Engel (1981), que permitiram uma percepção
direcionada e qualificada dos elementos em análise. Os desenhos de observação
134
apresentados neste capítulo foram construídos buscando enfocar as características
estruturantes desses elementos.
Segundo Arnheim (2005), toda reprodução por meio do desenho é uma
interpretação visual. Desenhos com objetivos técnicos ou científicos preveem um
conhecimento prévio do desenhista, que procura evidenciar proporções e relação
entre as partes, as texturas e os ângulos, escolhendo características reveladoras e
fatos relevantes que interessam ser comunicados (ARNHEIM, 2005).
2 Desenhos de observação e reflexões
Como apresentado anteriormente, foram realizados estudos que buscaram
conhecer uma diversidade de formas, englobando elementos da natureza de
diferentes portes e morfologia. Neste capítulo, apresenta-se o estudo de alguns
desses elementos, procurando demonstrar a relação do desenho à mão livre com
a percepção e o entendimento formal.
Dentre as espécies estudadas, destaca-se inicialmente o mamoeiro (Carica
papaya L.), uma espécie popularmente conhecida, mas que, no levantamento,
apresentou informações que ainda não eram explícitas. A exemplo disso, tem-se
o ato de desenhar a nervura das folhas, que permitiu um melhor entendimento
das suas funções: proporcionar equilíbrio, aumento de área para absorção de luz
e escoamento de água, além de, principalmente, propiciar uma compreensão da
relação dessas funções com a sua morfologia.
Foi observado que a folha possui pequenas estruturas, que lhe conferem
uma forma constantemente aberta para aproveitar o máximo da luminosidade solar,
atendendo à necessidade biológica de fotossíntese. As reentrâncias formais da folha
do mamoeiro permitem o rápido escoamento de água, evitando o seu acúmulo e
o consequente excesso de carga em sua estrutura (figura 4).
A compreensão obtida a partir do desenho do mamoeiro trouxe informações
sobre os princípios estruturantes utilizados nas formas da arquitetura, como o
balanço, que, para possuir equilíbrio, requer uma seção mais espessa próxima ao
apoio e mais esbelta nas extremidades. Pode-se observar que a haste da folha do
135
mamoeiro possui maior seção na parte em que se apoia no tronco e vai se afinando
à medida que se distancia do apoio.
Na arquitetura, o balanço ocorre quando parte da forma fica afastada do
apoio, em que uma ou mais extremidades não o possuem, levando a uma percepção
de estarem suspensas no ar. Esse é um princípio estruturante típico das espécies
arbóreas, em que há um apoio principal (tronco) de onde partem diversos sistemas
em balanço (galhos). O espessamento da seção, próximo ao apoio, é uma solução
encontrada tanto na natureza quanto na arquitetura (figuras 4 e 5).
Figura 4 – Desenhos de estudo à mão livre – mamoeiro (Carica papaya L.)
Fonte: desenho de Lucas Luan dos Santos (set. 2018). Acervo da
pesquisa: A natureza da forma e as formas da natureza.
136
Figura 5 – Croqui do arquiteto Paulo Mendes Rocha, demonstrando seção de laje
em balanço – Estádio Serra Dourada – Goiânia (GO)
Fonte: Fracalossi (2012).
Ainda sobre os estudos com espécies vegetais, enquanto algumas delas se
mostraram significativas por seu comportamento estrutural, outras se destacaram
pela maneira como se adaptaram ao meio e como suas formas amenizaram
as adversidades, principalmente do clima, garantindo a sua sobrevivência, a
exemplo do mandacaru (figura 6).
O mandacaru, espécie nativa da caatinga brasileira, é uma cactácea
resistente ao clima semiárido do Nordeste do país, região com grande incidência
solar em todo o período do ano, além de temperaturas elevadas, combinadas
a longos períodos de secas. Seu desenvolvimento depende da otimização da
pouca água a que tem acesso, ou seja, precisa armazenar, consumir pouco,
evitar a perda de água e se proteger da intensa radiação solar, que o desidrata,
ao mesmo tempo que precisa se estabilizar no solo seco e crescer.
Figura 6 – Desenhos de estudo à mão livre – mandacaru (Cereus jamacaru)
Fonte: desenho de Lucas Luan dos Santos (set. 2018). Acervo da
pesquisa: A natureza da forma e as formas da natureza.
137
Todas essas condicionantes enfrentadas pela espécie geraram adaptações,
que podem ser observadas na sua composição formal, e instigaram a pesquisa
sobre a possibilidade de a cactácea ser uma referência formal para uma arquitetura
voltada à eficiência bioclimática, em um cenário cada vez mais preocupado
com a qualidade ambiental das edificações.
Dentre as estratégias observadas no mandacaru, pode-se citar o
sombreamento pela própria forma, em que a natureza resolve o problema do
aquecimento da superfície com reentrâncias que a protegem dos raios solares,
por meio da sombra gerada pelas nervuras. Os planos alternados de luz e sombra,
gerados pelas nervuras verticais, criam espaços nos quais ocorre fluxo de ar por
convecção, gerando o resfriamento da superfície da planta.
A estratégia formal do mandacaru remete ao sistema de brises, utilizados
em arquitetura com a função de sombrear, filtrar ou direcionar a entrada de luz,
formando bolsões de circulação de ar nesses vãos sombreados, que reduzem o
aquecimento dos ambientes.
Cada espécie estudada foi sistematizada em fichas, que reuniam
os desenhos realizados, as características formais da espécie, os princípios
estruturantes observados e as analogias arquitetônicas. A organização dos
elementos da natureza em fichas foi uma ferramenta simples e eficiente de
sistematização e análise das informações levantadas.
A partir das análises e discussões em grupo, foi possível observar que
algumas soluções e princípios estruturantes desenvolvidos pela natureza são
frequentes, ocorrendo de diferentes maneiras em diversas espécies.
Os princípios estruturantes observados com maior frequência foram:
equilíbrio geométrico (Ex.: superfícies em balanço); travamento pela forma
(inércia alcançada a partir da geometria do elemento); resistência do material;
equilíbrio entre rigidez e elasticidade; centralização de esforços e racionalidade
(esbelteza, economia de material, seção variável, conforme aumento de carga,
e seção circular vazada).
Um dos resultados mais relevantes obtidos na pesquisa foi observar
como, na natureza, os princípios estruturantes estão extremamente conectados
com a forma do elemento e com suas funções biológicas. Na natureza, forma,
138
função e estrutura estão sempre relacionadas de maneira indissociável, o que
se acredita ser uma qualidade virtuosa também nos projetos de arquitetura.
Quadro 1 – Analogias arquitetônicas
Racionalidade, equilíbrio geométrico e travamento pela forma
Racionalidade e
equilíbrio geométrico:
seção variável do
tronco ao longo da
altura
Confere maior rigidez
nas regiões de maior
esforço.
Croquis de Oscar Niemeyer para os pilares
do Palácio da Alvorada.
Racionalidade: forma
geométrica circular
vazada
Elevada inércia.
Elevado raio de giração
pelo fato de ser vazado.
Boa resistência aos
esforços de compressão
e flexão
Corte – Museu de Arte Contemporânea de
Niterói. Arquiteto: Oscar Niemeyer
Equilíbrio geométrico
e travamento pela
forma:
balanço com
seção variável,
aumentando próximo
ao apoio
Aumenta o momento de
inércia.
Praça do Patriarca, Croqui de Paulo
Melhora a rigidez do
balanço.
Mendes da Rocha.
Princípio de otimização
de material.
Fonte: desenhos de João Ciochi, Lucas Luan dos Santos,
Yasmin Farias e Mirely Oliveira (set. 2018). Acervo da
pesquisa: A natureza da forma e as formas da natureza.
139
3 O desenho e o repertório de formas
O ato de desenhar instigou perguntas que permitiram reobservar
elementos da natureza para, assim, compreender questões importantes, como
o equilíbrio formal e as proporções entre suas partes. Desse modo, detalhes que
passariam despercebidos em uma observação, mesmo que atenta, revelaram-se
por meio do desenho.
Pode-se dizer que o movimento das mãos sobre o papel expressa o
pensamento e o estimula, funcionando de forma cíclica. No desenho de
observação de caráter analítico, a representação se torna a expressão do que
está sendo visualizado e que irá, a cada novo olhar, desencadear camadas de
significados, que são alimentadas pelo processo de cognição.
A pesquisa apresentada neste capítulo permitiu observar que o desenho é
capaz de fazer uma síntese da relação entre o movimento das mãos, a observação,
a memória e a imaginação, pois os desenhos realizados neste trabalho incluíram
não apenas o que estava sendo visto, mas também o entendimento pessoal a
respeito dos princípios estruturantes que estavam sendo percebidos por meio deles.
A experiência desenvolvida nesta pesquisa permite concluir que o desenho
de observação pode contribuir com o ensino e com um entendimento mais
intuitivo dos sistemas estruturais nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, em
que, muitas vezes, o entendimento estrutural é transmitido sem uma relação
direta com a forma dos elementos arquitetônicos, separando forma e estrutura,
enquanto se sabe que estes são elementos indissociáveis de composição da
materialidade formal.
Referências
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dos espaços de vivência indígenas: atores, demandas e políticas públicas. Uma
referência ao povo indígena Kurâ-Bakairi de Paranatinga, MT. Rio de Janeiro,
2015. Tese. Programa de Pós-Graduação em Urbanismo – PROURB/UFRJ –
DINTER UFRJ/UFMT/UNEMAT, 2015.
ARNHEIM, R. Arte e percepção visual. Uma psicologia da visão criadora.
Nova versão. São Paulo: Pioneira Thonson Learning, 2005.
140
ENGEL, H. Sistemas de Estruturas. São Paulo: Hemus-Livraria Editora Ltda, 1981.
FRACALOSSI, I. Clássicos da Arquitetura: Paulo Mendes da Rocha e equipe.
17/04/2012. ArchDailyBrasil.www.archdaily.com.br/br/624060/classicos-daarquitetura-paulo-mendes-da-rocha-e-equipe. Acesso em: 07 abr. 2018.
INGOLD, T. Estar Vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição.
Coleção Antropologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
MACHADO, M. F. R. Museu Rondon: Antropologia e Indigenismo na
Universidade da Selva. 1. ed. Cuiabá: Entrelinhas, 2009.
MACHADO, M. F.R. & PORTOCARRERO, J.A.B. Tecnologias de construção
e adaptação de unidades de saúde para povos indígenas. Relatório Final.
Convênio Funasa – Ministério da Saúde/UFMT, 2006.
PALLASMA A, J. Habitar. Tradução: Alexandre Salvaterra. São Paulo:
Gustavo Gili, 2017.
PORTOCARRERO, J. A. B. Arquitetura e culturas indígenas no Brasil: tecnologias
apropriadas. Textos do Brasil, Brasília, Ministério das Relações Exteriores, n. 19,
p. 58-73, 2012.
REBELLO, Y. C. P. A concepção estrutural e a arquitetura. São Paulo:
Zigurate, 2000.
SALVADORI, M. Por que os edifícios param em pé. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
141
CAPÍTULO 7
IMPACTO DA ILHA DE CALOR NO PLANEJAMENTO
URBANO DA CIDADE DE CUIABÁ (MT)
Diana Carolina Jesus de Paula
Flávia Maria de Moura Santos
Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira
Entre os desafios enfrentados na vida das cidades no século 21, estão as
mudanças climáticas, descritas como o maior e mais complexo problema ambiental
da atualidade, devido à influência das atividades antropogênicas, que elevam
o aumento da temperatura média global, manifestando padrões de extremos
climáticos cada vez mais severos por conta do desequilíbrio ambiental.
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC,
2007), que é o órgão das Nações Unidas para avaliar a ciência relacionada
às mudanças climáticas, com a expansão das cidades, a paisagem natural é
substancialmente modificada pela grande concentração de casas, pelas instalações
industriais, pelo adensamento populacional e pela pavimentação asfáltica, que, por
sua vez, criam condições para alterar o comportamento em ecossistemas urbanos.
Estudos salientam que, nos países em desenvolvimento, dar-se-á o crescente
processo de urbanização, o que dependerá da política de planejamento urbano a
ser implementada, sendo benéfico a partir de modelos de urbanização sustentáveis
(ROSENZWEIG et al., 2015).
No caso do Brasil, o quadro social agrava os impactos socioambientais
das mudanças climáticas (RIBEIRO, 2008). O país, em 2015, já possuía 85,7%
da população vivendo em áreas urbanas, com a previsão de que esse percentual
pode atingir 91% em 2050, sendo que a maior parte das pessoas reside em cidades
médias com população entre 100 e 500 mil habitantes, como é o caso de Cuiabá
142
(MT), em que, no último censo, de 2010, a população era de 551.098, com uma
estimativa para 2021 de 623.614 habitantes (PBMC, 2016; IBGE, 2021).
As cidades brasileiras são vulneráveis às mudanças climáticas, e os possíveis
impactos dessas alterações deverão ocorrer em diferentes escalas, de acordo com a
vulnerabilidade e as características específicas de cada região do país, provocando
intensificações de eventos severos, tais como: tempestade; precipitação; inundações
costeiras e em regiões de baixa altitude, por exemplo, em vales; secas mais longas
e mais severas em algumas áreas; incêndios florestais e aumento de temperatura,
que ocasiona anomalias térmicas como a ilha de calor urbana (PBMC, 2016; 100
RESILIENT CITIES, 2014).
A formação da ilha de calor é descrita como o fenômeno em que as áreas
das cidades tendem a ser mais quentes que o entorno de áreas suburbanas e
rurais, devido à absorção de calor pelas superfícies impermeáveis que recobrem o
solo, em substituição da cobertura vegetal, que altera as propriedades físicas das
superfícies e diminui as taxas de evapotranspiração do campo térmico existente,
associadas à poluição do ar, da água e do solo, modificando as condições em escala
microclimática, hídrica etc., que contribuem para a manifestação de extremos
climáticos, como as ondas de calor (VOOGT; OKE, 2003; ROSENZWEIG et
al., 2011; OKE et al., 2017; FERREIRA, 2019).
Estudos na área de climatologia urbana destacam que a incorporação dos
conhecimentos do clima urbano no planejamento das cidades, de forma consistente,
é bastante recente, devido às dificuldades de comunicação entre a climatologia,
o planejamento urbano, a limitação computacional e a parametrização associada
à representação de áreas urbanas em modelos climáticos (EMMANUEL, 2016).
No caso de cidades de clima tropical, o conhecimento das ilhas de calor é
ainda menor, em razão de as estratégias estarem voltadas ora ao aquecimento, ora
ao resfriamento, não se traduzindo, de forma eficiente, apenas para resfriamento
(HUNG et al., 2006; ROTH, 2007).
Sendo assim, desenvolver pesquisas envolvendo o clima como instrumento
para o planejamento urbano, com foco na adaptação às mudanças climáticas
em cidades tropicais, é urgente, tendo o resfriamento como principal estratégia
143
(EMMANUEL, 2016). Portanto, muito ainda precisa ser feito para mitigar o efeito
da ilha de calor urbana nos trópicos como parte das estratégias de adaptação às
mudanças climáticas (EMMANUEL; LOCONSOLE, 2015).
A cidade de Cuiabá é conhecida pelo seu rigor climático, com elevadas
temperaturas durante todo o ano, frequentemente acima de 35 °C. A área do
município é de 3.538,17 km², sendo que 254,57 km² correspondem à área
urbanizada, além de fazer parte da Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá,
instituída em 2016, com população estimada de 1.041.307 habitantes (IBGE, 2020).
O município (figura 1) está localizado no encontro de três importantes
biomas brasileiros: o Pantanal, o Cerrado e a Floresta Amazônica, com 15° 35’
46” de latitude Sul e 56° 05’ 48” de longitude Oeste, com altitude média inferior
a 200 metros acima do nível do mar. O perfil climático é o tropical continental
semiúmido do tipo Aw, segundo a classificação de Köppen22, com duas estações
bem definidas, uma quente e seca (outono–inverno) e uma quente e úmida
(primavera–verão) (MAITELLI, 1994).
Figura 1 – Localização da cidade de Cuiabá no estado de Mato Grosso
Fonte: Souza (2016).
22 Sistema de classificação global dos tipos climáticos mais utilizada em geografia, climatologia e ecologia. São considerados a sazonalidade e os valores médios anuais e mensais da
temperatura do ar e da precipitação.
144
Diante dessa discussão, é importante entender o comportamento da ilha
de calor em cidades de porte médio, no presente estudo, em Cuiabá, nos anos
de 2011–2012 e 2016, nas quatro estações do ano, utilizando os parâmetros
urbanos e índices urbanísticos municipais, de forma a corroborar com os
estudos na área de climatologia urbana, além de servir de auxílio na tomada
de decisão para o planejamento urbano do município.
1 Coleta de dados
As coletas de dados foram realizadas utilizando a metodologia de
transecto móvel noturno, com veículo automotor, iniciando às 20h, com
velocidade do veículo variando entre 30 e 40 km/h, em dias com condições
climáticas estáveis, com ventos leves e céu claro (OKE, 2004; AMORIM,
2005; SANTOS, 2012).
Essa metodologia consiste em um percurso previamente determinado,
registrando as medições das variáveis climáticas em duas coletas de dados, nas
quatro estações do ano em 2011–2012 e 2016. Cabe ressaltar que, em 2011,
foram coletados os dados do outono, inverno e primavera e, em 2012, apenas
do verão, por isso os dois anos apresentam essa configuração, uma vez que se
trata de uma única coleta.
Devido à extensão da área de estudo, optou-se por fazer a coleta de
dados dividindo em dois transectos (figura 2), sendo Transecto 1: Leste/Oeste,
com 56 pontos, iniciando com P1 e finalizando com P56, compreendendo
19,76 km, e Transecto 2: Sul/Norte, com 35 pontos, iniciando com P57 e
finalizando com P91, compreendendo 11,6 km.
145
Figura 2 – Transectos 1 (preto) e 2 (vermelho)
Fonte: elaborada pelas autoras (2020).
Nas coletas, foram utilizados sensores de temperatura do ar e umidade
relativa do ar do tipo Datalogger, que é um registrador de dados pequeno,
o qual monitora e registra dados em tempo real, protegidos por um abrigo,
acoplado na lateral do veículo, com distância aproximada de 2 metros do solo.
As coordenadas geográficas foram obtidas com GPS, sendo este um aparelho
digital de localização que determina a posição exata no globo terrestre, ou seja,
a latitude e a longitude (coordenadas geográficas), obtendo as coordenadas
geográficas angulares e, posteriormente, convertendo em Universal Transversa
de Mercator (UTM).
Todos os sensores anteriores à coleta foram calibrados em relação a
sensores de referência presentes no núcleo de instrumentação do Programa de
Pós-Graduação em Física Ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso.
Para a validação dos dados, foram utilizados, como dados de referência, os
146
valores obtidos da Estação Automática do Instituto Nacional de Meteorologia
(INMET), localizada na 13ª Brigada de Infantaria Motorizada em Cuiabá.
2 Cálculo da ilha de calor urbana, parâmetros urbanos e índices urbanísticos
Para o cálculo da intensidade da ilha de calor, inicialmente foi obtida a
média da temperatura do ar em cada ponto nas quatro estações. De acordo com
Alves (2017), não existe um critério universal para o cálculo da intensidade da
ilha de calor urbana, entretanto, Fialho (2012) explica os vários tipos de ilhas
de calor: atmosférica, vertical e de superfície.
Diante do exposto, vale ressaltar que o objeto de estudo nesta pesquisa é
a ilha de calor atmosférica, que é definida a partir da diferença de temperatura
do ar observada dentro da área urbana. Nesse caso em especial, será adotado
o cálculo baseado em Andrade (2003) e Lopes et al. (2013), que considera as
alterações intraurbanas, isto é, a intensidade da ilha de calor intraurbana (ICU),
que é o resultado da diferença entre o ponto de maior temperatura do ar e o
ponto de menor temperatura do ar.
De acordo
com Brandão (2003), a magnitude da ilha de calor é
P1
classificada em função da intensidade, sendo agrupada em fraca (0 ºC a 2
ºC), moderada (2,1 ºC a 4 ºC), forte (4,1 ºC a 6 ºC) e muito forte (> 6,1 ºC).
Para a classificação do solo, utilizou-se a metodologia de Oke (2004),
que define a área de influência do instrumento a partir da relação de a cada 2
metros de distância que o instrumento está do solo, cujo raio de influência é de
200 metros. Com isso, foram gerados os mapas temáticos empregando o método
de classificação supervisionada, por meio da técnica Máxima Verossimilhança
(MAXVER), utilizando imagens do software Google Earth, relacionadas aos
anos de estudo em cada um dos 91 pontos.
Obtendo as porcentagens referentes a cada classe de interesse, conforme
Kastzschner (1997), isto é, a cobertura com vegetação rasteira, vegetação arbórea,
solo exposto, corpos d’água, área pavimentada e área edificada nos anos de
estudo, é possível, posteriormente, utilizar esses valores para obter os parâmetros
147
urbanos, conforme feito por Debiazi & Souza (2017): Coeficiente de Ocupação
(CO), Coeficiente de Vegetação Urbana (CVU) e Coeficiente de Cobertura do
Solo (CCS), que se divide em solo permeável (CCSP) e impermeável (CCSI).
Para o cálculo de CO, utiliza-se a área ocupada por edifícios, dividido
pela área total do raio de abrangência. Já para calcular a CVU, quantificou-se
o valor da área do solo coberta por vegetação arbórea e rasteira em relação à
área total do raio de abrangência.
No que se refere ao CCS, utilizaram-se os dados de área com característica
permeável (CCSP) e impermeável (CCSI) pela razão com a área total do raio
de abrangência.
No intuito de estabelecer um diálogo entre os profissionais liberais,
gestores e planejadores com o meio acadêmico, utilizou-se a Lei Complementar
de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo do município de Cuiabá (LC n.º
389/2015), a fim de apontar quais são as zonas, onde estão localizadas as ICUs
e a sua relação com os coeficientes e índices urbanos.
A macrozona urbana do município é dividida em três zonas de uso:
Zona de Uso Múltiplo (ZUM), Zona de Expansão Urbana (ZEX) e Zonas
Urbanas Especiais (ZUE). Neste estudo, serão utilizadas as ZUE, pois a lei
estabelece que prevalecerão os índices urbanísticos respectivos às subcategorias
onde os pontos estão locados.
As Zonas Urbanas Especiais são subdivididas em 13 subcategorias,
dentre elas: Zona de Interesse Ambiental (ZIA) e Parque Urbano; Zona de
Interesse Histórico (ZIH) e Zona de Corredores de Tráfego (ZCTR), sendo
que prevalecerão os índices urbanísticos das respectivas subcategorias em
relação às demais zonas.
Essas zonas estabelecem os índices urbanísticos do município, tais
como: o Coeficiente de Ocupação do Solo (COS), que institui a capacidade
máxima de projeção de área edificada em relação à área do lote, e o Coeficiente
de Permeabilidade (CP), que é composto pela Cobertura Vegetal Paisagística
(CVP) e pela Cobertura Vegetal Arbórea (CVA), cujos índices informam a
área que deverá ser mantida como vegetação rasteira e/ou árvores em relação
148
à área do lote. O Potencial Construtivo (PC), o Limite de Adensamento (LA)
e o Potencial Construtivo Excedente (PCE) norteiam o limite máximo de área
construída em relação à área do lote.
Para a análise estatística dos dados, foram elaboradas planilhas, separadas
por pontos, relacionando a ilha de calor e os coeficientes urbanos. Contudo, para
a comparação, fez-se o uso das médias dos registros de temperatura e umidade
relativa do ar entre os anos, no intento de obter a intensidade da ilha de calor
intraurbana noturna em ambos os transectos nas quatro estações.
A análise estatística adotada foi inicialmente a verificação da normalidade
dos dados, por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov23 (TORMAN et al.,
2012), que buscou avaliar se a distribuição dos dados adere a normal, sendo,
no entanto, rejeitada a aderência com significância 24 (sig.)<0,05.
Após a rejeição da hipótese da normalidade, adotou-se o teste não
paramétrico de Kruskal-Wallis25 (SHESKIN, 2011; SABINO et al., 2017), para
as comparações entre as medianas dos grupos, sendo detectadas as diferenças
significativas com sig.<0,05, ou seja, os grupos evidenciaram comportamentos
diferentes entre si.
Posteriormente, utilizou-se a correlação de Spearman, para a relação entre
a ICU (variável dependente) e os coeficientes urbanos (variáveis independentes),
visando verificar quais coeficientes têm maior relação. As correlações nesse teste
serão significativas no nível sig. 0,01.
3 Resultados obtidos
Após as coletas de dados das variáveis microclimáticas, obtiveram-se os
valores da ICU nas quatro estações do ano, a partir das médias de temperatura
do ar de cada ponto e os coeficientes urbanos entre os anos de estudo.
23 Trata-se de um teste estatístico que avalia se a distribuição dos dados adere a normal —
distribuição de dados simetricamente.
24 Determina um valor limite para comprovar se o resultado obtido pode ser considerado
estatisticamente significativo depois de se realizarem os testes estatísticos.
25 É usado para comparações entre as medianas dos grupos.
149
Comparando a amplitude da ICU entre os anos, demonstra-se que, em
2011–2012, foram registradas diferenças de até 2,75 ºC e, em 2016, passou
para 4,7 ºC, conforme tabela 1.
Tabela 1 – Relação da ICU entre 2011–2012 e 2016
Ilha de calor (ºC) em 2011–2012
Estações do ano
Outono
Inverno
Primavera
Verão
Ilha de calor (ºC) em 2016
Mínima
Máxima
Mínima
Máxima
0,0
0,0
0,0
0,0
2,59
2,75
2,29
2,30
0,0
0,0
0,0
0,0
4,69
4,00
2,92
2,64
Nota: elaborada pelas autoras (2020).
Para a elaboração dos mapas, é utilizado o programa Surfer®, que permite
uma rápida visualização do comportamento espacial da variável sob estudo e
possui função plena para a visualização de contornos em três dimensões, além
de um pacote para modelagem de superfície, sendo utilizado para modelagem
de terreno, visualização da paisagem, análise de superfícies, mapeamento de
contorno, geração de mapas de superfície, gridding, volumetria, entre outras
aplicações (VENTURI et al., 2014).
No outono de 2011, os dados variaram entre 2,02 ºC e 2,60 ºC em
11% dos pontos. Já, no inverno de 2011, as maiores intensidades ocorreram
em 30% dos pontos, variando de 2,01 ºC a 2,75 ºC; na primavera de 2011,
em 13% dos pontos, oscilando de 2,02 ºC a 2,29 ºC, e, no verão de 2012, em
16% dos pontos, variando de 2,03 ºC a 2,30 ºC (figura 3).
150
Figura 3 – Ilha de calor urbana, nas estações do ano, em 2011–2012
Nota: elaborada pelas autoras (2020).
Diante do exposto, evidencia-se que, durante 2011–2012, a estação com
maior porcentagem de pontos, atingindo intensidade moderada, foi o inverno,
com 30% dos pontos; seguido do verão, com 16%, e primavera e outono, com
13% e 11%, respectivamente. A média da ICU, em 2011–2012, no outono, foi
de 1,40 ºC; no inverno, 1,50 ºC; na primavera, 1,30 ºC, e, no verão, 1,50 ºC.
Em 2016, além da intensidade fraca e moderada, foi observada, em
alguns pontos, a ICU forte, conforme a estação do ano. Logo, aponta-se a
porcentagem de pontos relacionados à cada intensidade: com relação à ICU
moderada, em 47% dos pontos no outono, variando de 2,07 ºC a 3,95 ºC; no
inverno, em 77% dos pontos, oscilando entre 2,02 ºC e 4 ºC; na primavera,
em 35% dos pontos, variando entre 2,02 ºC e 2,92 ºC, e, no verão, em 34%
dos pontos, oscilando entre 2,03 ºC e 2,64 ºC.
151
A ICU forte foi identificada em dois pontos, no outono, sendo de 4,40
ºC e 4,69 ºC, conforme figura 4.
Figura 4 – Ilha de calor urbana, nas estações do ano, em 2016
Fonte: elaborada pelas autoras (2020).
Portanto, em 2016, o inverno permaneceu como a estação com a maior
porcentagem de pontos mais aquecidos, sendo 77%; seguido do outono, com
47%; primavera, com 35%, e verão com 34%. Observa-se que houve aumento
da quantidade de pontos com ICU moderada em todas as estações do ano,
contudo, no outono, foi possível identificar a ICU forte em dois pontos.
A média da ICU, em 2016, no outono, foi de 2 ºC; no inverno, 2,65
ºC; na primavera e no verão, 1,60 ºC, salientando a evolução da ilha de calor
entre os anos, principalmente entre as estações do ano.
152
Para verificação das diferenças apontadas na ICU entre os anos de estudo,
utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis, obtendo-se sig.<0,05, confirmando que
as mudanças devem ser consideradas.
Os dados de coeficiente urbano variam entre 0 e 1, destacando que,
quanto mais próximo de 1, maior é a ocupação, de acordo com o parâmetro
analisado. Assim sendo, em 2011–2012, os valores de Coeficiente de Ocupação
(CO) variaram entre 0 e aproximadamente 0,60; o Coeficiente de Vegetação
Urbana (CVU) oscilou entre 0,15 e 0,80; o Coeficiente de Cobertura do Solo
Permeável (CCSP) variou entre 0,20 e 0,96 e o Coeficiente de Cobertura do
Solo Impermeável (CCSI) obteve valores entre 0,10 e 0,80.
No entanto, em 2016, os valores de CO mantiveram a variação entre
0 e 0,60; já o CVU teve diminuição, na mínima, para 0,10 e aumento, na
máxima, para 0,85. Entretanto, os CCSP e CCSI obtiveram variação entre
0,10 e 0,90, apontando elevação de área com solo impermeável.
Na verificação das mudanças apontadas entre os anos de estudo, utilizouse o teste de Kruskal-Wallis, obtendo-se valor de significância<0,05, o qual
confirma que as diferenças devem ser consideradas entre os anos.
Na tabela 2, estão relacionados os dados de intensidade da ICU com
os coeficientes urbanos em 2011–2012 e 2016, lembrando que a magnitude
é classificada em função da intensidade e agrupada em fraca (0,01 ≤ 2 ºC),
moderada (2,01 ≤ 4 ºC), forte (4,01 ≤ 6 ºC) e muito forte (≥ 6,01 ºC).
Tabela 2 – Relação da ICU e os coeficiente urbanos em 2011–2012 e 2016
Ano
ICU (ºC)
CO
CVU
CCSP
CCSI
2011
0,01 ≤ 2
0,0 a 0,60
0,15 a 0,80
0,20 a 0,96
0,10 a 0,80
2,01 ≤ 4
0,20 a 0,60
0,20 a 0,40
0,20 a 0,50
0,50 a 0,80
4,01 ≤ 6
-
-
-
-
0,01 ≤ 2
0,0 a 0,60
0,10 a 0,85
0,10 a 0,90
0,10 a 0,90
2,01 ≤ 4
0,10 a 0,60
0,10 a 0,60
0,10 a 0,70
0,30 a 0,90
4,01 ≤ 6
0,50 a 0,55
0,20
0,20
0,80
2012
2016
Fonte: elaborada pelas autoras (2020).
153
Em 2011–2012, quando os valores mínimos de CO, CVU e CCSP
atingiram 0,20 e de CCSI atingiu 0,50, a ICU configurou intensidade moderada.
Observa-se uma queda significativa nos coeficientes relacionados à vegetação
urbana e ao solo permeável, passando de 0,80 para 0,40 e de 0,96 para 0,50,
respectivamente.
Contudo, em 2016, o valor mínimo de CO, CVU e CCSP era 0,10 e
de CCSI era 0,30, quando a intensidade da ICU passou a ser moderada, cujo
valor mínimo de CO era de 0,50. Destacando que os valores de CVU e CCSP
permaneceram em 0,20 e de CCSI, em 0,80, quando a intensidade da ICU
passou a ser forte.
Dessa maneira, vale ressaltar que a ICU se manteve fraca quando o CO
ficou entre 0 e 0,60; o CVU, entre 0,10 e 0,85, e o CCSP e o CCSI, entre 0,10
e 0,90. Já a ICU foi considerada moderada quando o CO e o CVU ficaram
entre 0,1 e 0,60 e o CCSP e o CCSI, entre 0,10 e 0,90. Por fim, considerou-se
ICU forte, quando se teve o CO entre 0,50 e 0,55; o CVU e o CCSP com
0,20 e o CCSI com 0,80 da área, durante o período de estudo.
Entende-se que existe uma maior relação do CVU e CCSI com a ilha
de calor, pois, quando houve mudança nos parâmetros dos coeficientes, isso
se manifestou nos dados da ICU, principalmente em 2016, quando pôde ser
observada a intensidade forte, evidenciando a influência da vegetação urbana e
dos materiais de cobertura do solo na manutenção e na evolução da ilha de calor.
Ribeiro (2016) analisa o comportamento termo-higrométrico entre os
ambientes sombreados com vegetação arbórea (mangueira e oiti), em relação
a locais não sombreados, observando que a vegetação arbórea amenizou a
temperatura do ar e elevou a umidade relativa do ar, além de melhorar o
desempenho dos materiais de cobertura do solo (solo, concreto e asfalto) sob
a copa das árvores.
Apesar dos valores dos coeficientes apresentarem correlação moderada na
maioria dos casos, o grau de significância das relações é relevante, sustentando
os apontamentos entre a influência dos coeficientes urbanos e o comportamento
da ilha de calor, nas estações do ano, durante o período de estudo.
154
No intuito de avaliar a relação entre os parâmetros urbanos propostos
por Debiazi & Souza (2017) e os índices urbanísticos determinados pela LC
n.º 389/2015, nos pontos e em sua relação com o comportamento da ICU em
cada ano de estudo, a avaliação será baseada nos coeficientes CO e CCSP, que
possuem relação conceitual com os índices urbanísticos municipais.
Os índices para Coeficiente de Permeabilidade (CP) nas zonas de uso
variam entre mínimo de 20% e máxima de 70%, e os valores de Coeficiente
de Ocupação do Solo (COS) variam entre mínimo de 15 e máxima de 80%,
cujo ponto será contabilizado quando, em ambos, os coeficientes urbanos
atenderem aos índices permitidos.
Com base nos dados apresentados, observou-se que, nos anos 2011–2012,
em 89% dos pontos, os valores estiveram dentro dos limites exigidos tanto para
o CP quanto para o COS. Todavia, em 31 pontos localizados na região central
da cidade, um dos parâmetros não foi atingido.
No ano de 2016, em 77% dos pontos, os valores de CP e COS estiveram
dentro dos parâmetros exigidos. Apesar de a maioria dos pontos estarem
dentro dos limites de referência da legislação municipal, observa-se que houve
um aumento de pontos fora dos limites exigidos, totalizando 49, abrangendo
outras regiões da cidade.
Vale salientar que, nos pontos em que um dos índices não foi respeitado,
nota-se uma diminuição de cobertura vegetal e, consequentemente, uma elevação
de cobertura impermeável com valores acentuados.
É importante inferir que a maioria dos pontos está localizada na Zona
de Corredor de Tráfego 1 (ZCTR1), que é compreendida por lotes, com frente
para as vias públicas urbanas, classificadas como vias estruturais, portanto,
com potencial construtivo de três vezes a área do terreno e, no mínimo, 25%
de cobertura permeável, com elevada capacidade de construção, podendo
formar canyons urbanos, promovendo mudança na geometria urbana, além
das trocas térmicas por convecção, devido à provável alteração na velocidade e
direção do vento, consequentemente com alteração no balanço de energia em
escala microclimática.
155
Na subcategoria de Zona de Interesse Histórico (ZIH1), que é constituída
pelo conjunto arquitetônico urbanístico e paisagístico bem como por sua área
de entorno, tombados pela União, em Cuiabá, localizados na categoria de
zona de área central, com potencial construtivo de três vezes a área do terreno
e, no mínimo, 20% de cobertura permeável, esses locais, em especial, estão
em áreas muito adensadas, possuindo elevada porcentagem de concreto e
pavimento asfáltico, trânsito intenso de veículos e pessoas durante o período
diurno e poucas áreas com cobertura vegetal arbórea, que são elementos os
quais colaboram na manutenção da temperatura do ar e umidade relativa do ar.
Rosa et al. (2017) realizaram um estudo sobre a permeabilidade do solo
em Cuiabá, o coeficiente de permeabilidade exigido pela legislação de uso e
a ocupação do solo vigente, cujos resultados obtidos apontam que o solo tem
baixíssima permeabilidade e baixa velocidade de percolação, evidenciando que
é necessário planejar o uso e a ocupação de acordo com o tipo de solo.
A Zona de Interesse Ambiental (ZIA) e os parques urbanos na área
de estudo são oásis dentro do perímetro urbano, em que são identificadas as
menores temperaturas do ar. Estudos anteriores demonstraram que, quanto
maior a área do parque, maior é a área de influência, principalmente por
possuir maior cobertura de árvores, que contribuem na redução de radiação
solar direta no solo e no aumento da umidade relativa do ar pelo processo de
evapotranspiração.
Este estudo vem corroborar com outros da área de climatologia e
planejamento urbano, evidenciando que as áreas nas proximidades dos parques
e de ZIA são pontos mais frescos, podendo ser denominados zonas de frescor.
É importante salientar a contribuição da arborização urbana na amenização
do rigor climático.
Miranda (2018), em seu estudo que analisou o potencial de sombreamento
arbóreo em um estacionamento na cidade de Cuiabá, destaca algumas estratégias,
dentre elas, a utilização de um maior percentual de plantio de árvores das
espécies perenes e semidecíduas, devido ao desempenho significativo em relação
à sazonalidade das espécies.
156
Este estudo teve como objetivo relacionar o comportamento da ilha de
calor na área urbana de Cuiabá (MT) com os parâmetros urbanos e com os
índices urbanísticos LC n.° 389/2015 nos 91 pontos dentro da área de estudo.
Na relação dos índices urbanísticos da LC n.º 389/2015 com os coeficientes
urbanos, aponta-se que, apesar de a maioria dos pontos estarem dentro dos
limites de referência da legislação municipal durante o período de estudo,
observa-se que houve aumento de pontos que estão fora dos limites exigidos.
Como pôde ser observado na relação do coeficiente de vegetação urbana,
do solo impermeável e da ilha de calor, quando houve mudança nos parâmetros
dos coeficientes, isso se manifestou nos dados da ICU, principalmente em
2016, quando se observou a intensidade forte, evidenciando a influência da
vegetação urbana e dos materiais de cobertura do solo na manutenção e na
evolução da ilha de calor.
Demonstrando que os resultados foram satisfatórios, pois se observou
que, em ambos os períodos, a estação com maior quantidade de pontos com ICU
moderada foi o inverno. Ademais, nota-se a evolução da ilha de calor na estação.
Portanto, esta pesquisa vem corroborar com os estudos de ilha de calor
em cidade de porte médio, partindo do estudo da cidade de Cuiabá (MT),
apontando a relação do comportamento térmico dos materiais que recobrem
o solo na área urbana e da ocupação do solo e da ICU, haja vista que, em
localizações nas quais ainda não se atingiram os limites máximos permitidos
de ocupação, é possível observar a ICU acentuada e a diminuição de solo
permeável, principalmente quando composto por cobertura arbórea.
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162
CAPÍTULO 8
ANÁLISE TERMO-HIGROMÉTRICA, DE
TEMPERATURA SUPERFICIAL E DE CONFORTO
TÉRMICO DOS USUÁRIOS DE PARQUES
URBANOS DA CIDADE DE CUIABÁ (MT)
Ana Clara Alves Justi
Maria Victoria Mendes de Castro
Camila Borges Siqueira
Marcela de David Cristovão
Flávia Maria de Moura Santos
Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira
Durante o século XX, houve um grande fluxo migratório para as
cidades em busca de melhores condições de vida. No entanto, algumas dessas
localidades não possuíam uma infraestrutura suficientemente adequada e
preparada para receber essa grande massa populacional e, por conta disso, os
territórios foram se expandindo de maneira desordenada (DURANTE, 2011).
A expansão demográfica, o desenvolvimento das cidades e as intensas
intervenções antrópicas não só geram uma série de mudanças na malha urbana
como também criam condições climáticas desfavoráveis ao conforto térmico26,
que é definido como o estado de espírito que exprime a satisfação do homem
com o ambiente térmico e a temperatura corporal que o circunda (ABNT, 2017).
Além disso, o aumento das áreas construídas, a retirada de coberturas
vegetativas, a canalização de rios e córregos, a impermeabilização do solo, além
da constante emissão de gases poluentes na atmosfera, são fatores que interfe26 Condição de satisfação de cada indivíduo com o ambiente térmico que o circunda.
163
rem nas condições termo-higrométricas27, ou seja, de temperatura do ar e de
umidade relativa do ar, responsáveis pelo surgimento de diversos fenômenos
urbanos, dentre eles, a formação das ilhas de calor.
Segundo Gartland (2010), a ilha de calor é um fenômeno urbano
caracterizado por superfícies mais quentes do que as localizadas em áreas rurais
circundantes. Ela ocorre em áreas urbanas em função da impermeabilidade de
grande parte dos materiais de construção e pavimentos (que reduz a umidade
disponível para dissipar o calor do sol) e da cor escura desses materiais, que
absorve e armazena mais energia solar.
Esse fenômeno não só interfere na saúde da população como também
contribui para a sensação de desconforto térmico, fazendo com que as construções
e seus usuários sejam cada vez mais dependentes de sistemas artificiais de
refrigeração, ocasionando maior demanda energética.
Em contrapartida, as áreas verdes no perímetro urbano, como parques,
praças e canteiros com vegetação, atuam de maneira benéfica para a cidade e
sua população, pois interferem no microclima, por meio da mitigação das altas
temperaturas, da absorção de poluentes e do aumento da umidade relativa do
ar, proporcionando melhores sensações térmicas à população. Ademais, esses
espaços públicos são indispensáveis para proporcionar bem-estar à população,
uma vez que favorecem o equilíbrio energético e microclimático da cidade e
estão atrelados à saúde física e mental humana (FRANCO, 2013).
De acordo com Leal (2012), a climatologia funciona como um
instrumento de previsibilidade para avaliar o impacto da morfologia urbana
relacionado ao comportamento térmico desses espaços e definir estratégias que
promovam qualidade de vida, tornando-se, assim, um mecanismo fundamental
de gestão e planejamento das zonas urbanas.
Pensando nisso, pretendeu-se, com este estudo, apresentar dados
científicos que relacionam a interferência da presença de vegetação e da
impermeabilização do solo com as condições termo-higrométricas e a sensação
de conforto térmico dos usuários de parques urbanos, na cidade de Cuiabá,
capital do estado de Mato Grosso.
27 Refere-se à análise da temperatura (termo) e umidade relativa do ar (higrométrica).
164
1 Explorando Cuiabá e seus principais parques urbanos
A cidade de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, possui uma área
de 3.224,68 km² de extensão, sendo 251,94 km² de área urbana e 2.972,74
km² pertencente à área rural. No município, existem os distritos de Coxipó
do Ouro, Coxipó da Ponte e Guia, formando também uma conurbação com
a cidade de Várzea Grande, sendo separados pelo rio Cuiabá (figura 1).
Figura 1 – Localização da cidade de Cuiabá (MT)
Nota: elaborada pelas autoras (2020).
De acordo com Köppen, Cuiabá tem um clima classificado em Aw,
sendo tropical semiúmido, com duas estações bem definidas: a seca e a chuvosa.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a estação quente e
seca equivale aos meses de abril a outubro e a quente e úmida, aos meses de
novembro a março.
Ademais, a capital possui baixa amplitude térmica, cuja temperatura
média anual é de 26,8 ºC, com média das máximas podendo chegar aos 42
ºC e média das mínimas aos 15 ºC. Em relação à umidade relativa do ar anual,
165
tem um média de 78%, contudo é muito comum que, na estação quente e
seca, fique abaixo de 60%. Além disso, está situada em uma altitude de 165
metros acima do nível do mar, em uma província geomorfológica denominada
de Depressão Cuiabana (CUIABÁ, 2009).
Os parques selecionados para a presente pesquisa foram o das Águas e
o Tia Nair. A escolha se baseou na importância que desempenham nos setores
de lazer, turismo e prática de atividades físicas.
O Parque das Águas foi inaugurado em 2016, com 270 mil m² de
extensão, dentro de uma área de proteção ambiental, abrangendo uma lagoa
natural e uma grande massa arbórea de espécies nativas do Cerrado. Além da
área verde, possui estacionamentos, espaço para bares e restaurantes, 1,5 mil
metros de pista de caminhada e 1,6 mil metros de ciclovia.
O Parque Tia Nair, por sua vez, é municipal, inaugurado em 2007,
com uma remodelação entregue em 2015. Ele possui uma área de 200 mil
m² e as mesmas características paisagísticas do Parque das Águas. A figura 2
ilustra o Parque das Águas e o Parque Tia Nair, com seus respectivos trajetos
representados na cor vermelha e os pontos de monitoramento na cor preta.
Figura 2 – Parque das Águas (à esquerda) e Parque Tia Nair (à direita)
Nota: editado pelas autoras a partir de Google Earth (2020).
Para ambos os parques, os pontos foram determinados estrategicamente,
contemplando áreas: com sombreamento, expostas à incidência solar direta,
166
permeáveis ou impermeáveis e com diversos tipos de cobertura do solo (concreto,
asfalto, grama, terra, pedra e folha seca), a fim de obter a maior variedade de
situações e, consequentemente, um resultado mais coerente.
As variáveis temperatura do ar, umidade relativa do ar e temperatura
superficial foram coletadas por meio de transecto móvel realizado a pé, no período
matutino, com início às 8h, e no período vespertino, com início às 14h, conforme
a Organização Mundial de Meteorologia (OMM) regulamenta.
É válido destacar que os dias de coleta possuíram condições atmosféricas
ideais, ou seja, céu limpo e ventos claros (OKE, 1982) e, por essa razão, a
amostragem aconteceu em três dias de cada mês (novembro de 2018 a abril de 2019).
Utilizou-se, para a coleta de dados, um sensor termo-higrômetro HOBO,
do tipo Datalogger, da Onset, que possui um abrigo de proteção confeccionado
no laboratório de instrumentação do Programa de Pós-Graduação em Física
Ambiental. Esse abrigo é constituído por material PVC branco para refletir a
radiação, cujo tubo foi todo perfurado no intento de permitir a passagem de
ar e, em seu topo, colocou-se uma esfera de cor preta para proteger o sensor de
temperatura de globo (figura 3).
Figura 3 – Abrigo alternativo de PVC e o sensor termo-higrômetro
Fonte: Justi et al. (2019).
167
Durante as medições, o equipamento foi manuseado a aproximadamente
1,50 metros do solo. Além do sensor, foi utilizado também um termômetro
infravermelho para coletar as temperaturas superficiais (figura 4).
Figura 4 – Termômetro infravermelho
Nota: imagem adaptada pelas autoras (2020).
Por fim, além da coleta de dados, efetuaram-se 50 entrevistas com os
usuários dos parques a respeito das sensações de conforto térmico que eles
apresentavam. Para tal, utilizou-se um questionário baseado no método de Fanger,
conforme a norma da International Organization for Standardization (ISO)
n.º 10551 (ISO, 1995), com questões adaptadas ao clima da região de Cuiabá.
2 Principais resultados e discussões
Neste tópico, serão abordados todos os resultados obtidos com a realização
da presente pesquisa, no que diz respeito às condições termo-higrométricas e
de conforto térmico.
O comportamento da temperatura do ar nos dois parques pode ser
visualizado na figura 5.
168
Figura 5 – a) Temperatura do ar no Parque das Águas e b) Temperatura do ar no
Parque Tia Nair
Nota: elaborada pelas autoras (2020).
Nota-se que a média da temperatura do ar na capital mato-grossense
facilmente atingiu o valor de 30 ºC, observando que, mesmo no período da
manhã, aproximou-se desse valor. Isso ocorre pelo fato de se tratar do período
quente e úmido, em que se têm chuvas frequentes quase diariamente e umidade
do ar próxima ao índice de 60%. Assim, tem-se um melhor controle climático,
com temperaturas do ar variando pouco durante o dia e considerável aumento
durante a tarde, dado a exposição solar.
Além disso, os maiores valores registrados, no intervalo vespertino, podem
ser associados ao balanço de energia do ambiente urbano e ao comportamento
da Ta em relação à variação da radiação solar diária (JAMIL & BELLOS, 2019).
Já a média da umidade relativa do ar (figura 6), no período da manhã,
manteve-se próxima e, até mesmo, superior aos 60% em ambos os parques. Já
no período da tarde, ocorreu uma variação negativa, principalmente nos meses
de janeiro e fevereiro, no Parque das Águas, devido à pouca ocorrência de chuvas
nesses meses. Esse acontecimento foi constatado por outros estudos realizados
em Cuiabá, enfatizando que a pesquisa representou o clima característico da
cidade (SOUZA, 2016; RIBEIRO, 2019).
169
Figura 6 – a) Umidade relativa do ar no Parque das Águas e b) Umidade relativa
do ar no Parque Tia Nair
Nota: elaborada pelas autoras (2020).
Assim como a temperatura do ar, a umidade relativa do ar foi afetada
pela proximidade do período quente e seco, pois, embora ainda houvesse
alguns valores elevados devido às chuvas ocasionais, ocorreu um decréscimo
durante os meses.
A escolha de separar a análise da manhã e da tarde foi para evidenciar a
correlação entre a temperatura do ar e a umidade relativa do ar, levando-se em
conta que, durante a noite, tem-se um clima mais ameno, de modo a interferir
nos valores de temperatura e umidade no período da manhã.
Ao se comparar a análise climática dos dois parques, verificou-se que a
situação do entorno impactou nas variáveis climáticas aferidas, pois, enquanto o
Parque das Águas está em uma área menos ocupada, cercado de massas arbóreas
de grande porte, o Parque Tia Nair tem pouca arborização, com predominância
de cobertura gramínea e vias de grandes portes asfaltadas.
Em relação às temperaturas superficiais, a figura 7 evidencia os resultados.
170
Figura 7 – a) Temperatura superficial do Parque das Águas e b) Temperatura
superficial do Parque Tia Nair
Nota: elaborada pelas autoras (2020).
A partir da análise dos dados, notou-se que, em todos os meses do ano,
em ambos os parques, a temperatura superficial foi mais elevada no período
vespertino, já que, nesse turno, as superfícies estavam expostas aos raios solares
desde o nascer do sol até o horário da medição (14h) para a coleta de dados,
enquanto, no turno matutino, considerando o horário do nascer do sol e o
171
horário das medições (8h), essa incidência ocorreu apenas por um período
aproximado de três horas.
Observou-se ainda que as coberturas do solo revestidas por materiais
impermeáveis, como asfalto e concreto, sofrem uma acentuada variação térmica
quando se compara os valores dos dois períodos: matutino e vespertino. No
mês de fevereiro, no Parque das Águas, por exemplo, o asfalto chegou a uma
variação térmica de aproximadamente 9 ºC, enquanto a grama variou apenas
0,4 ºC nesse mesmo mês.
Além de apresentarem pequenas variações em relação aos dois horários
de coleta, os revestimentos naturais e permeáveis (grama e terra) apresentaram
temperaturas sempre inferiores às dos revestimentos impermeáveis, especialmente
o asfalto e o concreto.
Considerando as características microclimáticas da cidade de Cuiabá,
que apresenta temperaturas do ar elevadas na maior parte do ano, notou-se,
nos questionários, que, em relação à percepção térmica dos usuários, a maior
parte das respostas oscilou do estado neutro à sensação de calor no Parque
das Águas, com maior evidência de sensação de calor no Parque Tia Nair,
cujas condições climáticas são consideradas toleráveis em ambos os horários
— manhã e tarde — no Parque das Águas e pouco tolerável, no período da
tarde, no Parque Tia Nair.
De modo geral, a demonstração de insatisfação no que diz respeito
às condições climáticas ficou mais evidente no Parque Tia Nair, no período
vespertino. Deve-se levar em conta o fato de que o entorno imediato desse
parque é composto por uma extensa área construída e impermeabilizada,
enquanto, no entorno do Parque dos Águas, tem-se uma densa vegetação
nativa, fazendo com que as respostas desses usuários sejam mais positivas que
o outro parque analisado.
A nítida diferença entre as respostas obtidas no período da manhã
e no período da tarde, no Parque Tia Nair, também pode ser atribuída à
mesma razão que diferencia as temperaturas superficiais dos revestimentos nos
172
diferentes horários de medição: devido ao tempo em que o local está exposto
à radiação solar.
Dessa forma, é notória a ligação entre os dados relativos à temperatura do
ar e à superficial nas respostas dos questionários. Em ambos os casos, o período
da manhã, nos dois parques analisados, apresentou temperaturas e sensação
térmica dos usuários mais favoráveis ao conforto, enquanto, no período da tarde,
têm-se temperaturas elevadas e maior insatisfação por parte dos usuários do
parque, especialmente no Parque Tia Nair. Tal relação denota a importância de
se ter maiores áreas com revestimentos permeáveis e sombreamento por parte
da cobertura arbórea, pois elas protegem a superfície das altas temperaturas,
fazendo com que não haja uma variação térmica tão acentuada do período da
manhã para o período da tarde.
Analisando as diferentes temperaturas superficiais dos diversos tipos
de revestimento do solo na área escolhida para estudo, pôde-se claramente
perceber os benefícios oriundos da cobertura vegetal, tendo em vista que os
pontos os quais possuíam a predominância de árvores e vegetação rasteira
registraram variáveis climáticas mais favoráveis que os pontos revestidos por
concreto e asfalto.
Além disso, locais que possuíam grama ou terra, mas que estavam
expostos à radiação solar, apresentaram temperaturas superficiais mais elevadas,
demonstrando que a presença de árvores é fundamental para a sensação de
conforto térmico dos seus usuários. Isso porque as árvores com suas copas
funcionam como barreiras naturais, bloqueando parte da radiação solar e
propiciando mais sombras. Esse fator também interferiu nas condições termohigrométricas, pois as temperaturas do ar apresentaram-se mais brandas nos
pontos sombreados por cobertura arbórea e a influência de maciços arbóreos
ocasionaram a formação de ilhas de umidade, ocorrendo a liberação da energia
para o meio ambiente, o que acarretou uma queda da temperatura local e um
aumento da umidade relativa do ar.
Mediante a realização do estudo, verificou-se que, para propiciar uma
estabilidade microclimática nas cidades, a escolha dos revestimentos e a presença
173
de vegetação sob as coberturas do solo são de fundamental importância, visto que
estas são as maiores responsáveis pelo aumento das taxas de evapotranspiração
(que corresponde ao quanto de água é liberado pela vegetação), pela redução das
amplitudes térmicas, pelo aumento da umidade relativa do ar, dentre outros
fatores que favorecem para a condição de conforto térmico da população.
Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR
16401-2: 3º Projeto revisão ABNT NBR 16401-2: Rio de Janeiro, p. 2, 2017.
CUIABÁ. Prefeitura Municipal de Cuiabá. Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento
Urbano. Perfil socioeconômico de Cuiabá. Vol. II - Instituto de Planejamento
e Desenvolvimento Urbano. Cuiabá, 2009.
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de edificações. Tese de Doutorado em Física Ambiental, Instituto de Física,
Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá 2011.
FRANCO et al. Traçado Urbano E Sua Influência No Microclima: Um Estudo
De Caso Em Centro Histórico, v. 9, n. 9, p. 1916-1931, fevereiro 2013.
GARTLAND, L. Ilhas de calor: como mitigar zonas de calor em áreas urbanas.
Tradução: 1. ed. São Paulo: Oficina de textos, 2010.
ISSO. INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION –
ISO 10551: Ergonomics of the thermal environment — Assessment of the influence
of the thermal environment using subjective judgement scales. Genebra, 1995.
JAMIL, B.; BELLOS, E. Development of empirical models for estimation of
global solar radiation exergy in India. Journal of Cleaner Production, v. 207,
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JUSTI, A. C. A.; NOGUEIRA, M. C. J. A.; SANTOS, F. M. M.; MUSIS, C.
R.; NOGUEIRA, J. S. Impacto da morfologia de parque urbano no microclima
e no conforto térmico de Cuiabá - Brasil. Revista Brasileira de Climatologia,
v. 24, p. 20-38, 2019.
174
LEAL, L. A influência da vegetação no clima urbano da cidade de Curitiba –
PR. 172 f. Tese (Doutorado em Engenharia Florestal) - Universidade Federal do
Paraná, Curitiba, 2012.
MACIEL, C. R. Condições Microclimáticas de Espaços Abertos: Simulação
de Estratégias por meio do Software ENVI-Met. 2014. Tese (Doutorado em
Física Ambiental), Instituto de Física, Universidade Federal de Mato Grosso,
Cuiabá/ MT, 2014.
OKE, T. R. The energetic basis of the urban heat island. Quarterly Journal of
the Royal Meteorological Society, v. 108, n. 455, p. 1-24, jan. 1982.
RIBEIRO, K. F. A. Calibração do índice de conforto térmico PET (temperatura
fisiológica equivalente) em espaços abertos para a cidade de Cuiabá- MT. 2019.
104f. Tese (Doutorado em Física Ambiental) - Instituto de Física, Universidade
Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2019.
SOUZA, N. S. Análise da relação da radiação solar na formação de ilhas
de calor em diferentes configurações urbanas em Cuiabá - MT. 2016. 62f.
Dissertação (Mestrado em Física Ambiental) - Instituto de Física, Universidade
Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2016.
175
OS AUTORES
AS ORGANIZADORAS
Dorcas Florentino de Araújo Silva
Arquiteta e Urbanista, professora adjunta do curso de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal de Mato Grosso, na área de Projeto de Arquitetura
e Representação Gráfica. Mestre em Educação e doutora em Urbanismo pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Busca interlocução entre Arquitetura
e Urbanismo e Antropologia. Pesquisadora do Núcleo Tecnoíndia de Estudos
e Pesquisas Tecnologias Indígenas na Universidade Federal de Mato Grosso.
E-mail:
[email protected]
Flávia Maria de Moura Santos
Arquiteta e Urbanista, graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso
(2005), Mestre em Física e Meio Ambiente pelo Programa de Pós-Graduação
em Física Ambiental na Universidade Federal de Mato Grosso. Doutora em
Física Ambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso. Atualmente é
professora Associado I do quadro efetivo, lotada no Departamento de Arquitetura
e Urbanismo, da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia, da
Universidade Federal de Mato Grosso. Credenciada no Programa de PósGraduação em Física Ambiental em nível de mestrado e doutorado. Atua
principalmente nos seguintes temas: sistemas urbanos, tecnologia construtiva,
geografia urbana e conforto ambiental. Revisora ad-hoc de periódicos e
congressos nacionais e internacionais e tem cooperação na California State
University, San Marcos.
176
E-mail:
[email protected]
Tula Kirst Romani
Arquiteta e urbanista, professora adjunta do curso de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal de Mato Grosso, na área de Projeto de Arquitetura e
Representação Gráfica. Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho
e Iluminação e Design de Interiores e mestre em Engenharia de Edificações e
Ambiental. Tem interesse no encadeamento entre a arquitetura, o homem, o
corpo e a construção de subjetividade advinda da relação entre esses elementos.
E-mail:
[email protected]
OS AUTORES
Ana Clara Alves Justi
Possui graduação em Saneamento Ambiental pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Goiás. Especialista em Biocombustíveis pela Universidade
Federal de São Carlos, mestre em Engenharia Química também pela Universidade
Federal de São Carlos e doutora em Física Ambiental pela Universidade Federal
de Mato Grosso. Tem experiência na área de controle ambiental, com ênfase em:
mudanças climáticas, poluição atmosférica; monitoramento da qualidade do
ar de ambientes internos e externos; tratamento de efluentes gasosos e líquidos;
microbiologia ambiental e conforto térmico.
Camila Borges Siqueira
Arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Mato Grosso, no campus
de Cuiabá (MT). Iniciação científica em Arquitetura e Urbanismo na área
de clima urbano.
177
Diana Carolina Jesus de Paula
Arquiteta e urbanista, doutora em Física Ambiental, pela Universidade Federal
de Mato Grosso (UFMT/PPGFA), na área de Concentração Interação BiosferaAtmosfera/Mudanças Climáticas Globais, na linha de pesquisa Análise e
Modelagem Microclimática de Sistemas Urbanos, participando da pesquisa
Influência dos parâmetros urbanos na evolução de anomalias térmicas em Cuiabá/MT.
Professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu em Desenvolvimento
Urbano, no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Mato Grosso
(IFMT), campus Várzea Grande–MT e integrante de dois grupos de pesquisa
no âmbito do IFMT, no campus Várzea Grande (Nedurb) e no campus Cuiabá
(TenaCidades). Docente do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo
no Centro Universitário de Várzea Grande (UNIVAG). Especialista Master em
Arquitetura pelo Instituto de Pós-Graduação (IPOG) e atua com consultoria
na área de conforto ambiental do espaço construído e urbano.
Gabriel Francisco de Mattos
É arquiteto formado pela UFRJ (1984), com mestrado em Educação (UNIC,
2000) e doutorado em Estudos de Cultura Contemporânea (UFMT, 2019).
Trabalhou na extinta Fundação Nacional Pró-Memória e na Escola Técnica
Federal de Mato Grosso (atual IFMT). Sócio do Instituto Histórico e Geográfico
de Mato Grosso. Professor efetivo do curso de Arquitetura e Urbanismo da
UFMT desde 1997, do qual foi coordenador. Tem nove livros publicados,
entre os quais sua dissertação de mestrado Um País em Construção: Histórias
em Quadrinhos, Educação e Regionalidade) e o volume de contos A Geringonça,
selecionado no Programa Nacional de Bibliotecas de Escola 2007.
178
Ivan Julio Apolônio Callejas
Graduado pela Universidade Federal de Mato Grosso (1995). Mestre em
Engenharia Civil, na área de concentração Estruturas, pela Universidade
Estadual de Campinas (1998). Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em
Física Ambiental na área de conforto ambiental (2012). Atualmente é professor
Associado I da Universidade Federal de Mato Grosso, atuando no Departamento
de Arquitetura e Urbanismo, como docente do curso de pós-graduação em
Engenharia de Edificações e Ambiental (PPGEEA). Integra como colaborador
o curso de Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Transferência
de Tecnologia para Inovação (PROFNIT). É líder do Grupo de Pesquisa
em Dinâmica Ambiental e Tecnologia (GPDAT). Atuou como bolsista do
CNPq, na modalidade EXP (extensão no país), no Programa Agentes Locais
de Inovação (ALI) do SEBRAE/MT, de 2014 a 2016. Tem experiência na
área de Arquitetura/ Engenharia Civil e interesse na área de tecnologia do
ambiente construído, com enfoque na sustentabilidade, voltado ao desempenho
termoenergético das edificações e desenvolvimento de materiais, produtos e
processos construtivos inovadores.
José Afonso Botura Portocarrero
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Católica de Santos
(1976), especialização em Planejamento Urbano pela Universidade de Dortmund,
Alemanha (1985), mestrado em História pela Universidade Federal de Mato
Grosso (2001) e doutorado em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) em 2006. Professor
Titular do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
de Mato Grosso. Membro fundador e pesquisador do Núcleo de Estudos e
Pesquisas Tecnologias Indígenas (Tecnoíndia) da UFMT. Experiência na área
de arquitetura e urbanismo, com ênfase em tecnologia e habitação indígena.
Autor do livro Tecnologia indígena em Mato Grosso: habitação, contemplado
179
no 25º Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira, São Paulo, SP (2011).
Aposentado em 19 de abril de 2021.
João Francisco Ciochi Souza
Formando de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Mato
Grosso. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Tecnologias Indígenas
(Tecnoíndia), com pesquisa sobre aprendizado em arquitetura, desenho e
historiografia de edificações.
Karyna de Andrade Carvalho Rosseti
Graduada em Arquitetura e Urbanismo (2008), com mestrado em Física
Ambiental (2009) e doutorado em Física Ambiental, na linha de Análise
Microclimática de Sistemas Urbanos (2013), todos pela Universidade Federal
de Mato Grosso. Professora Associada da Universidade Federal de Mato
Grosso, lotada no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade
de Arquitetura Engenharia e Tecnologia (FAET). Integrante do Laboratório
de Tecnologia e Conforto Ambiental (Lateca) da UFMT, atuando no Grupo
de Pesquisa em Tecnologia e Arquitetura Ambiental, com ênfase em Ciências
Ambientais, nos seguintes temas: conforto ambiental, microclima urbano,
modelagem computacional de sistemas urbanos, sustentabilidade e inovação
de processos e produtos do ambiente construído, edificações e cidades.
Luciane Cleonice Durante
Possui graduação em Engenharia Civil (1993), especialização em Engenharia de
Segurança do Trabalho (1994), mestrado em Educação e Meio Ambiente (2000)
e doutorado em Conforto Ambiental (2012), todos pela Universidade Federal
de Mato Grosso. Atualmente é professora Associado IV do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia
180
da Universidade Federaç de Mato Grosso; docente e coordenadora do Programa
de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para
Inovação (PROFNIT); coordenadora do Laboratório de Tecnologia e Conforto
Ambiental (Lateca); vice-coordenadora do Grupo de Pesquisa em Tecnologia e
Arquitetura Ambiental (GPTAA) e membro do Grupo de Pesquisa em Dinâmica
Ambiental e Tecnologia (GPDAT). Coordena a Rede de Parceiros Externos
do Parque de Inovação e Sustentabilidade do Ambiente Construído (PISAC),
da Universidade de Brasília, e integra a Rede Sustenta como representante da
UFMT. Atuou como bolsista do CNPq, na modalidade EXP (extensão no país),
no Programa Agentes Locais de Inovação (ALI) do SEBRAE/MT, de 2012 a
2014. Atualmente, é monitora no Programa de Qualificação para Exportação
PEIEX – MATO GROSSO 2021–2022. Possui interesse pela área de inovação,
sustentabilidade e resiliência do ambiente construído.
Marcela de David Cristóvão
Arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Mato Grosso, no campus
de Cuiabá (MT). Iniciação científica em Arquitetura e Urbanismo na área
de clima urbano.
Maria Fátima Roberto Machado
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1977),
com mestrado em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas
(1982), doutorado e pós-doutorado em Antropologia Social pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (1993 e 1996). Aposentou-se, em 2011, como professora
Associado II da Universidade Federal de Mato Grosso. Tem experiência na área
de Antropologia, com ênfase em Relações Étnicas, atuando principalmente
nos seguintes temas: índios Paresi, antropologia, povos indígenas, antropologia
aplicada e Museu Rondon. Desde 2001, tem se dedicado à consolidação de
um Núcleo de Pesquisas (Tecnoíndia) na área de Arquitetura, com interesse
181
em habitações e design culturais indígenas e, ultimamente, em arquitetura
colonial portuguesa em Mato Grosso.
Maria Victoria Mendes de Castro
Arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Mato Grosso, no campus
de Cuiabá (MT). Iniciação científica em Arquitetura e Urbanismo na área
de clima urbano.
Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira
Graduada em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso,
mestre em Arquitetura e Urbanismo na área de Tecnologia do Ambiente
Construído pela Escola de Engenharia de São Carlos/USP e doutora em
Engenharia Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos/USP. Atualmente,
é professora titular do Departamento de Arquitetura e Urbanismo/FAET/
UFMT. Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Tecnologia e Arquitetura
Ambiental. Credenciada ao Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental
em nível de mestrado e doutorado/PPGFA/UFMT como professora/ orientadora.
Atualmente desenvolve pesquisas em conforto ambiental, com enfoque em:
conforto térmico e clima urbano, geometria urbana, ilha de calor, impacto
da vegetação e do adensamento nos microclimas urbanos, bioclimatologia.
Revisora ad-hoc de diversas revistas científicas nacionais e internacionais e tem
cooperação na California State University, San Marcos.
Paulo Victor Vieira Rodrigues
Graduando em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Mato
Grosso, integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Tecnologias Indígenas
(Tecnoíndia). Interessado no processo de produção do espaço e na relação entre
o homem e a paisagem.
182
Ricardo Silveira Castor
Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Escola de Engenharia de
São Carlos (1996), mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
de Brasília (2004) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
de São Paulo (2013). Atualmente é professor associado da Universidade Federal
de Mato Grosso. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com
ênfase em Teoria da Arquitetura, atuando principalmente nos seguintes temas:
arquitetura moderna, modernização conflitual, modernização em mato grosso,
revitalização e restauração.
Simone Berigo Büttner
Arquiteta e Urbanista, graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso
(2003), especializada em Conforto Ambiental e Eficiência Energética (2005),
Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2008) e
doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental, na linha de
Análise Microclimática de Sistemas Urbanos, da Universidade Federal de Mato
Grosso. Atualmente é professora Adjunta II do Departamento de Arquitetura
e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia – FAET/
UFMT e integrante do grupo de pesquisadores do Laboratório de Tecnologia e
Conforto Ambiental (Lateca) do mesmo departamento, atuando em pesquisas
nas áreas de inovação, sustentabilidade e resiliência do ambiente construído.
Victória Martins Magri
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Mato
Grosso, integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Tecnologias Indígenas
(Tecnoíndia). Possui interesse em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo,
estudo da paisagem e políticas territoriais.
183
Yara da Silva Nogueira Galdino
Arquiteta e Urbanista graduada pela UFMT (2002), mestre em Ecologia e
Conservação da Biodiversidade (UFMT-2006), especialista em Reabilitação
Ambiental Arquitetônica e Urbanística (UnB-2008) e doutora em Urbanismo
pelo Prourb-UFRJ (2015). Professora do Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da UFMT e pesquisadora do Núcleo Tecnoíndia desde 2010. Autora
de artigos sobre paisagens culturais, morfologia urbana, ecologia da paisagem,
ensino de projeto de arquitetura e paisagens fluviais urbanas, sobretudo as
paisagens históricas.
Esta obra apresenta a pluralidade de assuntos que caracteriza a formação
em Arquitetura e Urbanismo. Traz uma pequena amostra de ações realizadas
no âmbito do curso na Universidade Federal de Mato Grosso, onde, buscar o
diálogo entre as ações de ensino, da pesquisa e de extensão universitária tem sido
uma meta constante. O principal motivador dessa busca é a formação atenta
para as questões sociais, culturais, estéticas, técnicas e ambientais, integrando
e produzindo conhecimentos na academia.
Cada capítulo resulta de reflexões realizadas a partir de pesquisas
científicas, extensões universitárias, e experiências didáticas nas áreas de Teoria
da Arquitetura e Urbanismo, Tecnologia das edificações e Conforto Ambiental,
Urbanismo e Projeto de Arquitetura, realizadas em épocas diferentes. Esta
coletânea vem como objetivo de ampliar o acesso às ações desenvolvidas no
curso de Arquitetura e Urbanismo/FAET/UFMT pelas comunidades externa
e científica.
185