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Matutando arquiteura

2022, Matutando Arquitetura e Urbanismo: uma primeira conversa

Uma primeira conversa ocorreu na década de 1990, quando ainda, dispersos em vários departamentos de cursos da UFMT, arquitetos professores se uniram, empenhados em criar o Departamento de Arquitetura e Urbanismo. E deu certo! O curso foi criado posteriormente e recebeu os seus primeiros alunos no ano de 1995, sendo a primeira turma a se formar no estado de Mato Grosso nessa área. Desde os primeiros anos, buscou-se acertar. Mesmo que, às vezes, o resultado não fosse o pretendido, o caminho foi traçado de forma a não ter volta. E o curso segue a exemplo de seus mestres precursores, buscando desenvolver um bom trabalho. Um reflexo disso é a obtenção de nota máxima no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) em suas três últimas edições. Esse resultado não significa que está tudo bem, mas, sim, que existe dedicação. Há uma busca constante para o desenvolvimento do ensino integrando a pesquisa e a extensão, porém percebe-se uma dificuldade em tornar acessível o que é desenvolvido no contexto científico acadêmico do curso em diálogo com outras áreas do conhecimento. Esta coletânea vem com o objetivo de ampliar a divulgação de experiências didáticas, resultados de pesquisas e extensões realizadas na graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMT. Entende-se que, além de disponibilizar materiais relevantes ao público externo, é possível também abrir para um maior diálogo com a comunidade acadêmica e científica de outras instituições. Sendo assim, os autores desta primeira obra buscaram trazer temáticas de diferentes áreas de Arquitetura e Urbanismo que são referências na formação de profissionais socialmente responsáveis, conhecedores da técnica e da arte, ambientalmente conscientes e atentos às diferenças culturais no desempenho de suas funções

MATUTANDO ARQUITETURA E URBANISMO: uma primeira conversa Ministério da Educação Universidade Federal de Mato Grosso Reitor Evandro Aparecido Soares da Silva Vice-Reitora Rosaline Rocha Lunardi Coordenadora Pro Tempore da Editora Universitária Ana Claudia Pereira Rubio Supervisão Técnica Marcos Rodrigues de Amorim Junior Conselho Editorial Membros Ana Claudia Pereira Rubio (Presidente - EdUFMT) Ana Claudia Dantas da Costa (FAGEO) Carla Rafaela Teixeira Cunha (FAEN) Cassia Regina Primila Cardoso (ICS - Sinop) Charlote Wink (ICAA - Sinop) Evaldo Martins Pires (ICNHS - Sinop) Frederico Jorge Saad Guirra (ICBS - Araguaia) Graziele Borges de Oliveira Pena (ICET - Araguaia) Gustavo Sanches Cardinal (DCE - Araguaia) Hélia Vannucchi de Almeida Santos (FCA) Irapuan Noce Brazil (IC) Jorge Luis Rodriguez Perez (FANUT) Léia de Souza Oliveira (SINTUF) Leonardo Pinto de Almeida (IL) Luis Henrique da Costa Leão (ISC) Luiza Rios Ricci Volpato (IHGMT) Mamadu Lamarana Bari (FE) Manoel Santinho Rodrigues Júnior (FAET) Marcos de Almeida Souza (FAVET) Maria Corette Pasa (IB) Maria Fernanda Soarez Queiroz Cerom (FAZZ) Moisés Alessandro de Souza Lopes (ICHS) Monica Campos da Silva (FACC) Neudson Johnson Martinho (FM) Nilce Vieira Campos Ferreira (IE) Osvaldo Rodrigues Júnior (IGHD) Perla Haydee da Silva (FAENG - Várzea Grande) Rodolfo Sebastião Estupinãn Allan (ICET) Sandra Negri (ICHS - Araguaia) Saul Duarte Tibaldi (FD) Schelyne Ribas da Silva (FEF) Sérgio Roberto de Paulo (IF) Wesley Snipes Correa da Mata (DCE) Zenésio Finger (FENF) Dorcas Florentino de Araújo Silva Tula Kirst Romani Flávia Maria De Moura Santos (organizadores) MATUTANDO ARQUITETURA E URBANISMO: uma primeira conversa 1ª Edição Cuiabá, MT 2022 Copyright © Dorcas Florentino de Araújo Silva, Tula Kirst Romani e Flávia Maria de Moura Santos, 2022. A reprodução não autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98. A EdUFMT segue o acordo ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil, desde 2009. A aceitação das alterações textuais e de normalização bibliográfica sugeridas pelo revisor é uma decisão do autor/organizador. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M445 Matutando arquitetura e urbanismo [recurso eletrônico] : uma primeira conversa / Dorcas Florentino de Araújo Silva, Tula Kirst Romani, Flávia Maria de Moura Santos (Organizadoras). – 1. ed. Cuiabá : EdUFMT, 2022. 183 p.: il. ; color. Formato da obra: E-book. Modo de acesso: Word Wide Web ISBN 9786555881226 1. Arquitetura e Urbanismo − estudo e ensino. 2. Universidade Federal de Mato Grosso − Ensino − Arquitetura e Urbanismo. 3. Arquitetura e Urbanismo – Cuiabá (MT). I. Silva, Dorcas Florentino de Araújo, org. II. Romani, Tula Kirst, org. III. Santos, Flávia Maria de Moura, org. IV. Título. CDU: 71+72: 371.3 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UFMT. Bibliotecária: Suelen Neves – CRB1: 2562. Coordenação Pro tempore da EdUFMT: Ana Claudia Pereira Rubio Supervisão Técnica: Marcos Rodrigues de Amorim Junior Revisão Textual e Normalização: Laide Daiane Costa Campos e Maria Christina Monteiro Vieira – D&C Revisão de Textos Imagem da Capa: Gabriel da Silva Matricardi Diagramação & Projeto Gráfico: Kenny Kendy Kawaguchi Editora da Universidade Federal de Mato Grosso Av. Fernando Corrêa da Costa, 2.367 Boa Esperança. CEP: 78.060 - 900 - Cuiabá, MT. Contato: www.edufmt.com.br Fone: (65) 3313-7155 APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO Uma primeira conversa ocorreu na década de 1990, quando ainda, dispersos em vários departamentos de cursos da UFMT, arquitetos professores se uniram, empenhados em criar o Departamento de Arquitetura e Urbanismo. E deu certo! O curso foi criado posteriormente e recebeu os seus primeiros alunos no ano de 1995, sendo a primeira turma a se formar no estado de Mato Grosso nessa área. Desde os primeiros anos, buscou-se acertar. Mesmo que, às vezes, o resultado não fosse o pretendido, o caminho foi traçado de forma a não ter volta. E o curso segue a exemplo de seus mestres precursores, buscando desenvolver um bom trabalho. Um reflexo disso é a obtenção de nota máxima no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) em suas três últimas edições. Esse resultado não significa que está tudo bem, mas, sim, que existe dedicação. Há uma busca constante para o desenvolvimento do ensino integrando a pesquisa e a extensão, porém percebe-se uma dificuldade em tornar acessível o que é desenvolvido no contexto científico acadêmico do curso em diálogo com outras áreas do conhecimento. Esta coletânea vem com o objetivo de ampliar a divulgação de experiências didáticas, resultados de pesquisas e extensões realizadas na graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMT. Entende-se que, além de disponibilizar materiais relevantes ao público externo, é possível também abrir para um maior diálogo com a comunidade acadêmica e científica de outras instituições. Sendo assim, os autores desta primeira obra buscaram trazer temáticas de diferentes áreas de Arquitetura e Urbanismo que são referências na formação de profissionais socialmente responsáveis, conhecedores da técnica e da arte, ambientalmente conscientes e atentos às diferenças culturais no desempenho de suas funções. Os autores Sumário APRESENTAÇÃO 9 CAPÍTULO 1 12 O ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO: REFLEXÕES E PERSPECTIVAS EM BUSCA DE UMA PRÁTICA PROJETUAL MAIS INTEGRADA E SUSTENTÁVEL Simone Berigo Büttner Flávia Maria de Moura Santos Luciane Cleonice Durante Karyna de Andrade Carvalho Rosseti Ivan Julio Apolônio Callejas CAPÍTULO 2 34 CALIBRANDO O GOSTO: AS VIAGENS DIDÁTICAS NA FORMAÇÃO DO REPERTÓRIO DE PROJETO Tula Kirst Romani CAPÍTULO 3 57 ATIVIDADES PEDAGÓGICAS DE OCUPAÇÃO DE ESPAÇOS: DO FÍSICO AO VIRTUAL Gabriel Francisco de Mattos CAPÍTULO 4 O PALÁCIO ARQUIEPISCOPAL: MONUMENTO-SÍNTESE DA ARQUITETURA NEOCOLONIAL EM CUIABÁ (MT) João Francisco Ciochi Souza Paulo Victor Vieira Rodrigues Victória Martins Magri Ricardo Silveira Castor 75 CAPÍTULO 5 107 TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS EM PAISAGENS FLUVIAIS URBANAS: UM ESTUDO SOBRE O PORTO DE CUIABÁ Yara da Silva Nogueira Galdino CAPÍTULO 6 127 ARQUITETURA E ESTRUTURA: DIÁLOGOS Dorcas Florentino de Araújo Silva Yara da Silva Nogueira Galdino José Afonso Botura Portocarrero Maria Fátima Roberto Machado CAPÍTULO 7 142 IMPACTO DA ILHA DE CALOR NO PLANEJAMENTO URBANO DA CIDADE DE CUIABÁ (MT) Diana Carolina Jesus de Paula Flávia Maria de Moura Santos Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira CAPÍTULO 8 163 ANÁLISE TERMO-HIGROMÉTRICA DE TEMPERATURA SUPERFICIAL E DE CONFORTO TÉRMICO DOS USUÁRIOSDE PARQUES URBANOS DA CIDADE DE CUIABÁ (MT) Ana Clara Alves Justi Maria Victoria Mendes de Castro Camila Borges Siqueira Marcela de David Cristovão Flávia Maria de Moura Santos Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira OS AUTORES 176 APRESENTAÇÃO Esta obra apresenta a pluralidade de assuntos que caracteriza a formação em Arquitetura e Urbanismo, trazendo uma pequena amostra das ações realizadas no âmbito do curso na Universidade Federal de Mato Grosso. Buscar o diálogo entre as ações do ensino, da pesquisa e da extensão universitária tem sido uma meta constante. O principal motivador dessa busca é a formação atenta às questões sociais, culturais, estéticas, técnicas e ambientais, integrando e produzindo conhecimentos na academia. Cada capítulo resulta de reflexões realizadas a partir de pesquisas científicas, extensões universitárias e experiências didáticas nas áreas de Teoria da Arquitetura e Urbanismo, Tecnologia e Conforto das Edificações e Urbanismo e Projeto de Arquitetura, realizadas em épocas diferentes. Além disso, traz a participação de autores externos, que, conjuntamente, contribuíram em ações resultantes de projetos que se abrem para interagir com outros departamentos e pesquisadores externos à instituição. O capítulo 1 abre a coletânea refletindo sobre a necessidade de se pensar em uma formação que se atente para a integração de conhecimentos com base na sustentabilidade em Arquitetura e Urbanismo, sendo escrito por docentes da área de Tecnologia e Conforto das Edificações que compõem o Laboratório de Tecnologia e Conforto Ambiental (Lateca). No capítulo 2, a professora Tula Kirst Romani fala da experiência didática a partir da realização de viagens com alunos do quinto e quinto e sexto semestres do curso de Arquitetura e Urbanismo a diferentes estados brasileiros, buscando aumentar o conhecimento e a experiência dos alunos em obras arquitetônicas e proporcionar o contato com outras realidades, refletindo em suas práticas projetuais. 9 O professor Gabriel de Mattos traz, no capítulo 3, uma parte de sua experiência didática em disciplinas da área de Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Plástica e de Desenho Livre, nos primeiros dez anos de implantação do curso de Arquitetura e Urbanismo, com práticas realizadas dentro do campus da universidade. Faz ainda um paralelo com a atual realidade de aulas em sistema virtual, devido à necessidade de afastamento social para conter o avanço da pandemia de covid-19 e às interferências ocorridas nas relações acadêmico-didáticas. O capítulo 4 refere-se ao desenvolvimento de atividade didática na disciplina de Arquitetura Brasileira, ministrada pelo professor Dr. Ricardo Silveira Castor, que não se contentou em apenas apresentar teoricamente o conteúdo, mas organizou os alunos em grupos para que pudessem fazer análises de obras na cidade a partir dos conteúdos de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo. No final, os alunos apresentaram um texto em formato de artigo sobre a análise das edificações. No capítulo 5, a professora Dra. Yara Galdino traz uma abordagem sobre paisagens fluviais, com foco na cidade de Cuiabá, especificamente sobre o Porto, sendo uma contribuição na área de análise da paisagem ligado ao contexto histórico de sua produção. O capítulo 6 traz uma discussão sobre a importância de se integrar o ensino, a pesquisa e extensão. No texto, são apresentadas inicialmente ações desenvolvidas pelo Núcleo Tecnoíndia - Estudos e Pesquisas Tecnologias, no sentido de buscar caminhos didáticos que permitam maior efetividade de aplicação de conhecimentos de estruturas no processo de projeto em arquitetura. Traz uma abordagem multi e interdisciplinar com participação de pesquisadores externos à instituição. O capítulo 7 apresenta uma amostra da necessidade de integração nas diferentes áreas do conhecimento, quando busca fazer estudos na área de climatologia urbana, cujas estratégias podem respaldar o planejamento urbano na realização de políticas públicas que se atentem às especificidades locais e sejam mais sustentáveis. 10 Fechando esta coletânea, o capítulo 8 traz contribuições importantes relativas ao conforto térmico de usuários de parques urbanos. Uma temática de relevância científica, tendo em vista se tratar de estudos que contribuem para o planejamento estratégico de parques urbanos, de forma a potencializar o conforto dos usuários. Esses oito capítulos se referem a apenas uma pequena mostra da multiplicidade temática, que são objetos de estratégias didáticas no ensino e abrem caminhos para ações de pesquisa e extensão na área de Arquitetura e Urbanismo. Vamos à leitura? Dorcas Florentino de Araújo Silva Ex-aluna da primeira turma de 1995 Chefe de Departamento de Arquitetura e Urbanismo Em 2 de setembro de 2021 11 CAPÍTULO 1 O ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO: reflexões e perspectivas em busca de uma prática projetual mais integrada e sustentável Simone Berigo Büttner Flávia Maria de Moura Santos Luciane Cleonice Durante Karyna de Andrade Carvalho Rosseti Ivan Julio Apolônio Callejas O arquiteto e urbanista tem formação multidisciplinar, sendo de suma importância a visão integrada entre as diferentes áreas de conhecimento para a sua atuação profissional. Assim sendo, a interdisciplinaridade se torna um elemento fundamental nesse contexto, pois se caracteriza pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa. Apesar disso, é notório, na maioria dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, que o ensino se dá ainda de maneira não integrada. Arsenic, Longo e Borges (2011), ao identificarem o estado da arte do ensino e aprendizagem de Projeto de Arquitetura nos cursos de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, apontaram que as escolas de Engenharia e Arquitetura, em sua maioria, formam os profissionais com base em currículos cuja organização dificulta a integração entre as diversas disciplinas. O caráter disciplinar do ensino formal limita a aprendizagem do aluno, uma vez que não estimula o desenvolvimento das diferentes inteligências, muito menos promove situações para a resolução de problemas e o estabelecimento 12 de conexões entre fatos e conceitos, isto é, o pensar sobre o que está sendo estudado. Morin (2007) defende a necessidade de despertar a curiosidade no aprendiz e sustenta que o ser humano pode compreender e ser compreendido no entrelaçamento de diversos âmbitos, tais como o biológico, o psíquico, o social, o afetivo e o cognitivo. De um ponto de vista abrangente, a história, a economia, a sociologia e a religião são responsáveis por expressar as sociedades, porém há uma tendência geral de renunciar aos problemas globais nas ciências disciplinares: “Desta forma, a compartimentalização das disciplinas e da inteligência acarretam desvantagem na busca por soluções de problemas, uma vez que tenta separar o que está unido de forma entrosada” (GABRIEL, 2020, p. 97). Ademais, o problema da não integração entre as disciplinas do curso tem como consequência uma prática profissional fragmentada, em que profissionais dos diversos subsetores envolvidos na construção civil — que vai desde o planejamento até a manutenção dos edifícios — não se comunicam de maneira eficiente, resultando na incompatibilização dos projetos complementares com o conceito arquitetônico e em diversos prejuízos à obra. Segundo Romano, Back e Oliveira (2001), quanto mais complexo é um projeto, maior é a necessidade de integração entre os profissionais envolvidos, cujo grau de interação vai refletir diretamente no sucesso da obra, trazendo benefícios tanto no aspecto técnico quanto no organizacional. Dentre os benefícios, destacam-se, por exemplo, o cumprimento do prazo e do orçamento; o alcance dos níveis de sustentabilidade e de qualidade técnica e ambiental bem como a fluidez da obra sem imprevistos, como alterações em seu escopo, interrupções, retorno do projeto para revisão ou outros prejuízos e impactos nas atividades normais da organização, considerando a sua cultura e o seu princípio de funcionamento. Além dos aspectos de custos de operação e manutenção, a crescente necessidade de preservação dos recursos naturais do planeta orienta uma nova arquitetura, a partir do estudo e da proposição de espaços integrados à natureza, com o fator de custo-benefício energético positivo. 13 A busca por edifícios com maior desempenho energético não é recente, uma vez que se constata um aumento de edifícios com certificações e exemplos de aplicações práticas para garantir mais eficiência energética, menor impacto ambiental e melhor qualidade ambiental no Brasil, porém ainda há um atraso significativo em relação aos países desenvolvidos (NETO; GONÇALVES; BUORO, 2020). De acordo com os autores, o Brasil está em sexto lugar no ranking de número de processos de certificação, após os EUA, Canada, Índia, Emirados Árabes e China. Assim, observa-se a necessidade da atualização do ensino em Arquitetura e Urbanismo, migrando de um modelo, cujas decisões projetuais são individualizadas, para um método de trabalho de equipe multidisciplinar, que busca a aproximação real de cada membro da equipe com a visão integral do projeto e da construção propriamente dita, gerando importantes contribuições, que auxiliarão nas tomadas de decisão executivas e corretivas, reduzindo custos e riscos, além de melhorar a fluidez e a qualidade do processo, desde o projeto até a entrega da obra. Portanto, o objetivo do trabalho é identificar e caracterizar o modelo educacional dominante, a partir de informações obtidas em publicações diversas e da identificação dos principais problemas e desafios da área, que possibilitam vislumbrar mudanças necessárias no ensino e, por conseguinte, auxiliar na formação de profissionais capacitados para atender às demandas atuais dos mais diversos aspectos urbanos: social, ambiental e econômico, atingindo, assim, o desempenho de um produto de qualidade, que é o projeto arquitetônico integrado com todos os saberes que a sua complexidade exige. O conteúdo abordado neste capítulo teve como ponto de partida uma comparação, em todas as etapas do processo, entre o modo de “fazer arquitetura” adotado no Brasil e em um país desenvolvido, cujos resultados e índices de eficiência energética alcançados são prioridades, tendo, inclusive, metas legais estabelecidas pelo governo. A comparação foi oportunizada a partir de um intercâmbio cultural e acadêmico ocorrido em 2019, entre a Universidade Federal de Mato Grosso 14 (UFMT), em especial, por iniciativa do Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética (Lateca), e o Instituto de Tecnologia de Dublin, na Irlanda, representado pelo professor e pesquisador Patrick Gerard Daily. A troca de informações e os conhecimentos adquiridos impulsionaram os professores envolvidos a refletir sobre o nosso modelo educacional para promover as mudanças necessárias e identificadas como essenciais no mundo atual. A partir da constatação de uma diferença brusca observada entre o Brasil e os países desenvolvidos (não apenas a Irlanda) na maneira de se pensar a arquitetura, de desenvolver os projetos e de executar a obra, considerando ainda o resultado obtido, principalmente quanto ao desempenho energético e à inovação tecnológica utilizados, direcionou-se o olhar para a metodologia de ensino empregada na formação desses profissionais, compreendendo que são interdependentes e que as mudanças almejadas devem começar nas escolas de Arquitetura, onde os docentes precisam se conscientizar sobre as novas demandas e quais habilidades os arquitetos e engenheiros precisam desenvolver para atendê-las. Dessa forma, com este estudo, busca-se contribuir para o ensino de Arquitetura e Urbanismo e, consequentemente, para um avanço tecnológico e metodológico do processo construtivo praticado no Brasil, visando a edifícios e cidades mais sustentáveis, com base no caso apresentado da Irlanda, que passou por um processo de inovação tecnológica, o qual impulsionou as instituições de ensino de Arquitetura e Engenharia a implementar novas metodologias e ferramentas voltadas à capacitação dos alunos para atender às novas demandas legais, obrigando-os a desenvolver habilidades que antes não eram possibilitadas nos cursos. 1 O modelo de ensino de arquitetura no Brasil e o reflexo na prática profissional do mercado A maioria dos cursos de Arquitetura e Urbanismo no Brasil adota uma estrutura curricular fragmentada, na qual os diversos saberes são apresentados 15 aos alunos de maneira independente, por docentes que dominam uma área específica, mas que não se comunicam entre si. Considerando que a prática de projeto é a principal metodologia de ensino, em que tradicionalmente, nos chamados “ateliês”, os conhecimentos teóricos são trazidos à experimentação prática, o que se observa é que eles são solucionados em etapas diferentes, e não integrados no pensamento de concepção inicial, cujos aspectos formais, funcionais, estruturais, de conforto, entre muitos outros, são resolvidos sob a orientação de cada professor especialista, em momentos diferentes, com a realimentação de dados, conforme se avança o projeto, havendo, sim, a multidisciplinaridade, porém não a interdisciplinaridade. As dinâmicas profissionais estão mudando em resposta aos avanços tecnológicos, científicos, econômicos e sociais que ocorrem no mundo com uma velocidade cada vez maior. Em relação a um centro urbano, a dinâmica é intrínseca à sua complexidade, em que nada é estático ou permanente. Assim, o trabalho do arquiteto requer a compreensão de todos esses fenômenos envolvidos, sendo essa uma habilidade fundamental que precisa ser desenvolvida no aluno de Arquitetura e Urbanismo. Como conhecimento e ofício, a Arquitetura, além de congregar os mais diversos saberes sobre as questões de seu interesse, permite que realmente se faça a transposição dos resultados dessa congregação de saberes de uma maneira potencialmente sempre nova, criativa e contributiva para a revelação de novas realidades (ARSENIC; LONGO; BORGES, 2011). Apesar da abrangência no campo de atuação dessa profissão, a sua formação é voltada para as práticas de projeto, ou seja, é uma exigência básica que o futuro arquiteto esteja capacitado para desenvolver projetos, considerando todas as fases do processo e todos os fatores envolvidos, que se relacionam de maneira interdependente. Essas relações interdisciplinares da Arquitetura e Urbanismo existem como princípio, pois essas áreas do conhecimento partem das relações entre o ambiente (natural ou construído), o habitante e seu comportamento. 16 Diante disso, o ensino do projeto de Arquitetura e Urbanismo exige um grande preparo e capacitação dos professores, porém, apesar de há muitos anos diagnosticados, os problemas relacionados ao ensino da disciplina de Projeto Arquitetônico continuam basicamente os mesmos, permanecendo o modelo tradicional. Outro ponto importante é que, além das antigas questões, encontram-se ainda os novos desafios relacionados às conquistas tecnológicas e às rápidas transformações da sociedade, exigindo do profissional arquiteto um perfil cada vez mais flexível. A reflexão crítica sobre o ensino-aprendizado da disciplina Projeto Arquitetônico, enquanto processo relacionado ao saber “fazer arquitetura”, vem ganhando espaço entre as discussões acadêmicas, no entanto, apesar de muitas tentativas, ainda encontra pouco espaço no meio científico, mesmo havendo muito o que se discutir e progredir nessa área de ensino. Observando as dificuldades encontradas no dia a dia da prática pedagógica, pode-se afirmar que o enfoque interdisciplinar certamente é um grande desafio, pois implica romper hábitos e padrões estabelecidos e automatizados em busca de algo novo. Portanto, a interdisciplinaridade é entendida pelos autores como uma condição fundamental do ensino e da pesquisa na sociedade contemporânea. Fica evidente que o trabalho integrado das equipes multidisciplinares deveria ser simulado e fomentado, de modo explícito, nos exercícios de prática profissional e, principalmente, no desenvolvimento de projetos nas escolas de Arquitetura e Urbanismo, como mecanismo contemporâneo relevante no desencadeamento do processo de ensino-aprendizagem no âmbito do curso. Assim, sendo uma prática não habitual dos docentes, exige um grande esforço por parte destes, sem falar da dificuldade em planejar a disciplina junto com os docentes de outras disciplinas, o que torna o processo mais trabalhoso. Nesse sentido, em concordância com Martins e Terçariol (2016), a interdisciplinaridade implica simultaneamente uma transformação profunda da pedagogia, um novo dimensionamento da formação de professores e um 17 novo jeito de ensinar, não apenas no campo da Arquitetura e Urbanismo, mas em todas as áreas de conhecimento. Passa-se de uma relação pedagógica baseada na transmissão do saber de uma disciplina ou matéria, que se estabelece segundo um modelo hierárquico linear, para uma relação pedagógica dialógica, na qual a posição de um é a posição de todos. Atualmente, muitas das disciplinas ministradas nos cursos de Arquitetura e Urbanismo são divididas em uma parte teórica e outra prática, sendo esta última realizada geralmente em ateliês ou laboratórios, semelhantemente ao que se adotava na Bauhaus, escola alemã de ensino das artes, design e arquitetura, fundada em 1919, que influenciou as escolas de design no mundo todo (LOURENÇO e RIBEIRO, 2007). A base pedagógica da Bauhaus era contrária ao modelo tradicional de transmissão de informações, que foi substituído pela autoformação do aluno, com a integração do ensino teórico e prático nas oficinas, nos laboratórios e nos ateliês, priorizando a reflexão prática, acompanhada e direcionada por docentes, sendo este o modelo vigente até hoje nas escolas de graduação de Arquitetura e Urbanismo (FONTOURA, 2009). Em paralelo às questões pedagógicas acima mencionadas, não se pode desconsiderar as novas necessidades da vida urbana moderna, que exige um maior nível de qualidade técnica e de desempenho energético dos projetos arquitetônicos, obrigando profissionais a exercer uma gestão mais responsável do ponto de vista socioeconômico e mais racional quanto aos custos da obra, o que somente é possível a partir da cooperação multidisciplinar e da integração dos variados conhecimentos profissionais envolvidos na formalização do conceito arquitetônico (partido), ou seja, para obter bons resultados, é necessário um esforço de cooperação entre arquitetos, engenheiros de projeto, construtores e todos os demais envolvidos. A consequência, quando se adota um adequado processo de envolvimento de cada um dos profissionais de uma equipe multidisciplinar, é que sempre há uma evolução técnica a cada novo processo projetual, uma vez que os novos desafios exigem novas abordagens técnicas para a solução 18 de problemas diferenciados e particulares a cada empreendimento, assim como a qualidade dos resultados alcançados depende diretamente do nível de integração e interação dessa equipe, que deve cooperar do início ao fim do processo, desde as definições preliminares da fase de planejamento até a execução final da obra. Diante disso, o arquiteto é o profissional qualificado para gerenciar a integração dos saberes técnicos da equipe na produção projetual, sendo esse papel de fundamental importância para a fluidez dos processos do projeto, dada a abrangência técnica inerente à sua formação e ao exercício profissional. Segundo Oliveira (2015), essa nova visão, que visa ao fomento da criação das equipes multidisciplinares ou multiprofissionais, vem contra a usual metodologia de segmentação e sequenciamento das etapas do projeto presentes na construção civil convencional, originada da falta de interação e comunicação entre os diversos profissionais envolvidos. Entende-se, portanto, que a transformação no processo depende de uma mudança no pensar técnico, tendo em vista que a maioria dos problemas relacionados à falta de qualidade das produções arquitetônicas tem sua origem na falta de qualidade no processo do projeto, conduzido sem um adequado planejamento e desprovido de uma visão global de todas as etapas e de todos os sistemas envolvidos. Assim, essa capacidade de gerenciar todo o processo de planejamento interdisciplinar precisa ser desenvolvida durante a formação desse profissional, sendo essa nova postura a principal ferramenta a ser incluída nas escolas de Arquitetura. A figura 1 apresenta a posição central do gestor ou diretor e a sua relação em camadas (níveis) com as demais áreas de conhecimento e os profissionais envolvidos, compondo o processo de planejamento interdisciplinar. 19 Figura 1 – Esquema da gestão de equipe multidisciplinar Fonte: adaptação dos autores com base em Oliveira (2015, p. 3 e 9). Não seria coerente desassociar o ensino dessas problemáticas atuais, afinal, é papel das universidades aproximar os assuntos acadêmicos e científicos das práticas e realidades sociais, econômicas, culturais e políticas. 2 Um exemplo internacional de referência O olhar atento e crítico do educador às transformações da sociedade é fundamental para que se compreenda as demandas sociais e traga inovações na maneira de ensinar que sejam coerentes com o contexto local e atual, por isso a importância das trocas de experiências entre as instituições e da atualização quanto às inovações metodológicas e tecnológicas em busca de novas soluções. Em 2019, ocorreu o intercâmbio internacional entre o professor Patrick Gerard Daily1 e o Laboratório de Tecnologia e Conforto Ambiental da UFMT 1 Mestre, consultor, pesquisador e professor da Dublin School of Architecture, Dublin Institute of Technology, Ireland. [email protected]. 20 (Lateca), no qual foi realizada a oficina Projetos de Edifícios Sustentáveis, que oportunizou muitos aprendizados e trocas entre professores/pesquisadores (de várias instituições), profissionais e alguns alunos, sendo abordados os contextos climáticos, os projetos e as estratégias bioclimáticas, os impactos ambientais, os materiais e os sistemas sustentáveis de água e de energia, em que Daily compartilhou não só o seu conhecimento como a sua metodologia de ensino praticada no Instituto Tecnológico da Irlanda. Foi uma experiência enriquecedora quanto à expansão de conhecimento e, principalmente, para os docentes da área de conforto ambiental, em relação a um novo olhar sobre o “fazer arquitetura” e “ensinar arquitetura”. Ficou evidente a diferença do nível de desenvolvimento econômico, cultural e tecnológico entre os países e como isso reflete diretamente no processo construtivo e, por conseguinte, na formação dos profissionais envolvidos. Experiências como essa trazem motivação para buscar novas soluções e acreditar que é possível alcançar resultados mais satisfatórios de conforto ambiental e sustentabilidade nas edificações nacionais. Além disso, constatouse que, em nosso país, enquanto a legislação que regulamenta o desempenho termoenergético dos edifícios não for um requisito obrigatório para a sua aprovação, não haverá a transformação almejada em relação ao processo de ensino e à consequente prática profissional dos arquitetos, engenheiros e construtores em geral. No Brasil, apesar de haver a norma ABNT NBR 15575, que estabelece requisitos mínimos de desempenho, ela não se aplica a todos os tipos de edificações, assim, enquanto a legislação permanecer em caráter normativo, haverá resistência do mercado de trabalho e, até mesmo, do modo de ensinar e pensar a arquitetura, de maneira integrada e sustentável, em que projeto e construção caminham de mãos dadas. Na Europa, a legislação, em particular, a Diretiva de Desempenho Energético de Edifícios da União Europeia, define padrões avançados de eficiência energética para todos os novos edifícios na União Europeia, exigindo a qualificação e o treinamento de profissionais de projeto para capacitá-los a 21 aplicar as estratégias e as ferramentas de projeto necessárias para atender a essas metas de energia avançadas. Isso impulsionou uma nova maneira de ensinar a prática projetual de arquitetura, com vistas a alcançar essas metas, pensando no edifício adequado ao clima desde as primeiras análises e tomadas de decisão. O uso da tecnologia é outro atributo favorável ao ensino e à aplicação desse processo projetual construtivo, cujas etapas devem caminhar de maneira integrada, sendo isso fundamental para alcançar resultados satisfatórios. A tecnologia aqui mencionada abrange não apenas as ferramentas tecnológicas adotadas nas instituições de ensino, muito importantes nessa área de simulação energética, mas todo o contexto tecnológico das técnicas construtivas, da capacitação da mão de obra para aplicação de sistemas alternativos e inovadores e da habilidade dos profissionais projetistas com as ferramentas de simulação dinâmica e térmica dos fluidos, que permite uma avaliação quantitativa durante o planejamento do edifício, fundamental para a previsão dos resultados e a garantia de um bom desempenho. Atendendo ao objetivo deste capítulo de provocar reflexões e impulsionar uma evolução conjunta do processo de ensino-aprendizagem na arquitetura e do próprio “fazer arquitetura”, considerando que não há como pensar na arquitetura atual e do futuro sem atender aos requisitos de desempenho energético, nota-se, nesse exemplo da Irlanda, o quanto a legislação é responsável por impulsionar o progresso desejado. Segundo Daily (2020), somente a partir da imposição dos requisitos legais irlandeses, para atingir “edifícios zero energia”, foi que o progresso da construção civil se desenvolveu de fato, assim como todos os setores que o envolvem: tecnológico-industriário, obrigando-o a oferecer alternativas para sistemas e materiais construtivos mais sustentáveis e fontes de energia renováveis; de mão de obra, estimulando a qualificação de profissionais, e educacional, pelo qual todo o processo deve se iniciar, preparando os projetistas para uma nova maneira de pensar e executar a arquitetura. A exemplo da Dublin School of Architecture, vários cursos de pósgraduação surgiram no intento de atender a essa nova demanda, resultante da 22 necessidade significativa de qualificação e reciclagem de profissionais para se engajarem nesse novo paradigma de design. De acordo com a descrição dos conteúdos ensinados nesses cursos, percebeu-se que a pós-graduação tem, em Dublin, um papel fundamental na complementação da formação acadêmica, necessária tanto para aprofundar na compreensão dos fenômenos físicos quanto para exercitar a modelagem e a simulação térmica, luminosa e energética. Há um grande foco na prática de resolução de problemas e nos estudos de caso, principalmente quanto às questões mais críticas do clima local, em que os alunos têm uma experiência de aprendizagem significativa da inter-relação entre luz do dia e energia térmica, compreendendo quais são os usos que mais impactam no consumo de energia, sua relação com o projeto de construção e que esses aspectos são enormemente influenciados pela arquitetura, e não apenas pelos sistemas. Esse tipo de conscientização deve ser discutido em sala de aula e implementado nas práticas projetuais, de maneira adaptada aos diferentes contextos locais: ambientais, culturais, econômicos e sociais. 3 Competências necessárias para uma prática projetual integrada Diante de todo o exposto até aqui, fica evidente que o grande desafio para os docentes do ensino superior é pensar em metodologias que instiguem o aluno a participar de forma mais ativa na construção do conhecimento e na busca por soluções para os problemas atuais, a partir da síntese e interface dos diversos campos disciplinares e complementares da Arquitetura e do Urbanismo, que constituem a essência do ato de projetar de maneira integrada. Muitas perguntas ainda rodeiam as universidades, visando aprimorar o aprendizado e buscar soluções no intento de capacitar o aluno para as novas demandas socioeconômicas e ambientais, tais como: quais competências precisam ser desenvolvidas no estudante de Arquitetura para que esteja apto a atender às novas demandas do mercado? Quais são as demandas sociais, econômicas, políticas e ambientais da atualidade e do futuro? Que tipo de produção técnica é 23 esperada do arquiteto? Como implementar as mudanças necessárias na estrutura das grades curriculares dos cursos e nas metodologias adotadas? Para responder a essas perguntas, serão elencadas algumas competências/ características e ações consideradas essenciais pelos autores para serem implementadas no ensino de Arquitetura e Urbanismo, sintetizadas a partir de toda a problemática apresentada, correlacionando a habilidade almejada com uma ação proposta que visa exercitar, estimular e desenvolver o aluno. a) Multidisciplinaridade e interdisciplinaridade A multidisciplinaridade e interdisciplinaridade são a base para todas as demais habilidades exigidas, por isso se reforça a necessidade de implementar métodos de ensino os quais estimulem e exercitem a visão global do ecossistema projetual, que envolve recursos naturais, sociais, econômicos e técnicos. Uma maneira de aplicá-las no ensino é mediante o planejamento, por parte dos docentes responsáveis pelas diversas disciplinas de uma mesma série, em que são lançadas atividades por meio das quais os alunos podem discutir e solucionar os problemas dos mais diversos campos específicos em um projeto único e integrado. Cada aspecto deve ser pensado em todas as etapas ou planejado desde o início para que determinada solução possa acontecer no momento adequado do processo, sem prejuízo às outras áreas. O que se propõe é uma profunda revisão de pensamento, que deve caminhar no sentido da intensificação do diálogo, das trocas e da integração conceitual e metodológica nos diferentes campos do saber. b) Gerenciamento de projetos Trata-se da capacitação dos alunos de Arquitetura para a gestão de equipes profissionais multidisciplinares, sendo uma maneira de suprir a ausência de domínio geral por parte de um profissional, individualmente, sobre todos os aspectos da produção técnica. É uma necessidade que visa atender à demanda 24 atual de edificações, com maior eficiência energética e integrada à localização, o que não é possível sem equipes multidisciplinares, haja vista que, para que se obtenha um equilíbrio da edificação com o entorno e que simultaneamente seja viável no âmbito econômico, por conta da sustentabilidade de sua demanda de consumo de energia, exige-se uma completa interação e integração de tecnologias, que, para coexistir de forma eficiente, dependem de estudos e da validação de uma equipe multidisciplinar completa. Como capacitar é o desafio, não existe apenas uma maneira de se exercitar a gestão, sem contar que não é uma tarefa fácil, pois se trata de um processo que precisa ter uma familiaridade com os diversos saberes, o que se consegue trazendo uma visão mais global nas discussões e reflexões dentro da academia. É importante diversificar as maneiras de se trabalhar em equipe e, para isso, o professor orientador precisa também se preparar e ter não só experiência em gestão de projetos como uma visão global do contexto em que a Arquitetura e a Engenharia se inserem atualmente. Sobre a síntese de conhecimentos em diferentes áreas de especialidades, a integração e a compatibilização, pensadas de maneira quase simultânea, minimizam conflitos, simplificam a execução e aperfeiçoam o tempo da construção. Já se constatou que o uso dessa ferramenta pode reduzir entre 5% e 8% no custo total da obra. A etapa de somar diversos projetos se aproxima da definição de projeto simultâneo, também denominada engenharia simultânea, que significa desenvolver o produto pensando no processo e interligando todos os demais envolvidos, por meio da cooperação entre os diversos agentes, com foco na exequibilidade (GERHARDT, 2014, p. 2-3). c) Autonomia e autoformação De acordo com Freire (2009), a autoformação do aluno, que ele denomina autonomia, deve ocorrer sempre, sendo a teoria aplicada na prática com exemplos reais. Assim, deve-se discutir com os alunos a realidade concreta, 25 que precisa estar associada à disciplina cujo conteúdo se ensina. “Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (MARTINS; TERÇARIOL, 2016). Ao analisar as experiências e os relatos compilados, considerando a visão pedagógica contemporânea, de acordo com Martins e Terçariol (2016), um processo educativo desenvolvido na perspectiva interdisciplinar possibilita o aprofundamento da compreensão da relação entre teoria e prática, que contribui para uma formação mais crítica, criativa e responsável, colocando, ainda, os educadores diante de novos desafios. Nesse complexo trabalho, o enfoque interdisciplinar aproxima o sujeito de sua realidade mais ampla, auxilia os aprendizes na compreensão das complexas redes conceituais e possibilita maior significado e sentido ao conteúdo aprendido, permitindo uma formação mais consistente e responsável. Nesse cenário, o professor passa a ser um mediador do processo de ensino-aprendizagem junto aos seus alunos, e não apenas um transmissor de informações. Além disso, segundo Freire (2009), o professor é consequentemente um pesquisador, que também possibilita aos alunos a prática da pesquisa. A problematização, como metodologia para a reconstrução de construtos, dá condições ao aluno de se mover no âmbito das teorias e das diferentes áreas do saber, construindo uma teia de relações, que vai torná-lo autônomo diante da autoridade do saber. O professor pesquisador constitui-se, portanto, em um agente necessário de uma formação calçada na interdisciplinaridade. d) Inovação tecnológica Diante do cenário complexo em que a multidisciplinaridade se apresenta e da velocidade com que as inovações tecnológicas ocorrem, é fundamental que o profissional domine ferramentas tecnológicas, como sistemas e softwares capazes de auxiliar o controle e o gerenciamento dos diversos saberes. Não há 26 como falar em inovação tecnológica e multidisciplinaridade na arquitetura sem mencionar a tecnologia de Building Information Modeling (BIM)2 . Trata-se de uma importante ferramenta tecnológica que tem ganhado espaço nos escritórios de arquitetura e construtoras e que vem ao encontro das propostas aqui apresentadas de interdisciplinaridade. O BIM é uma filosofia de trabalho que integra arquitetos, engenheiros e construtores (AEC) na elaboração de um modelo virtual preciso, o qual gera uma base de dados que contém tanto informações topológicas como os subsídios necessários para orçamento, cálculo energético e previsão das fases da construção, entre outras atividades (MENEZES, 2011). Esse recurso surgiu com o objetivo de “aparar as arestas” que dificultavam a incompatibilidade técnica de trabalho entre os entes profissionais, permitindo aos indivíduos trabalharem simultaneamente em um mesmo arquivo central, gerado a partir das informações do projeto, desde o seu nascimento, e alimentado com as atualizações dos dados fornecidos pelos técnicos em tempo real. Assim, ele permite gerar uma modelagem virtual de todos os sistemas da edificação e um diagnóstico das incompatibilidades que podem ocorrer antes mesmo de iniciados os trabalhos de execução da obra, contribuindo para a adequação da edificação ou do sistema e para a troca de conhecimentos entre os profissionais no processo de solução de cada problema. Segundo Justi (2010 apud MENEZES 2011), as principais vantagens são: economia de tempo devido à maior velocidade na entrega; minoração de erros nos desenhos por conta de uma melhor coordenação; diminuição de custos; maior produtividade, usando um único modelo digital; trabalho com maior qualidade; novas oportunidades de receitas e negócios; mais foco no design e redução do retrabalho. Contudo, essa plataforma de trabalho coletiva e virtual não significa necessariamente a anulação das interações sociais entre os membros da equipe e não substitui as decisões projetuais, o pensamento integral do conceito e a 2 Tradução para o português: Modelagem de Informação da Construção. 27 visão global do projeto, facilitando apenas a gestão de documentos e o acesso às informações para uma maior integração dos agentes envolvidos. Figura 2 – Esquema de integração multidisciplinar gerada a partir de tecnologias BIM Fonte: adaptação dos autores com base em Oliveira (2015, p. 7 e 9). É importante ressaltar que, nesse tipo de tecnologia, o fator de maior importância não são os desenhos em si, pois não se trata de um simples modelador 3D, mas as informações que permitem, além de apresentações gráficas, uma melhor compreensão do projeto e um gerenciamento de todos os agentes e etapas mais assertivo, permitindo não só os desenhos técnicos como a geração de quantitativos, orçamentos, estimativas de custos e análise de riscos. A discussão sobre inserir ou não essa inovadora ferramenta de integração é inevitável quando se trata de novas metodologias e ferramentas de ensino. A partir da literatura encontrada sobre o estado da arte, quanto ao uso dessa plataforma nos escritórios, nas construtoras e nas universidades tanto do Brasil quanto do exterior, conclui-se que a implantação da modelagem de informação da construção não é fácil, uma vez que as empresas necessitam de que a equipe 28 não somente aprenda a manusear o software como mude sua cultura e formação, o que é bem mais complexo. O principal desafio apontado para a implementação do sistema é a incompatibilidade sistêmica entre fabricantes distintos, pois, quando se trata da exportação de arquivos entre programas de diferentes marcas, ainda hoje ocorrem alguns problemas na transferência de propriedades dos arquivos. Outra dificuldade, de acordo com a experiência ocorrida nos Estados Unidos e na Europa, está na filosofia de trabalho e na conscientização dos profissionais sobre a importância de se fazer um cronograma e do estabelecimento de relações entre os diferentes profissionais de projeto, tanto arquitetos e engenheiros quanto incorporadores e construtores, dentre outros, para tirar proveito da tecnologia (TAMAKI, 2011b apud MENEZES, 2011). No entanto, apesar dessas dificuldades, muitas empresas de arquitetura, engenharia e construtoras brasileiras já estão fazendo uso sofisticado dos processos e da tecnologia de modelagem de informação da construção. Quanto à implantação da plataforma BIM na comunidade acadêmica, uma vez que as universidades têm um papel fundamental na formação de novos profissionais, muitas delas já implementaram, principalmente no exterior. No Brasil, Pedro Maló3 sugere que as academias devem começar a formar pessoas para trabalhar colaborativamente, por exemplo, “reunir os estudantes e atribuir a cada um deles um papel na cadeia, tentando fazer com que a pessoa compreenda qual é a dificuldade desse ator naquele processo” (FARIA, 2007 apud MENEZES, 2011, p. 161). Nesse sentido, a experiência com o uso da modelagem de informação da construção pode ser uma possibilidade a ser discutida no intento de atingir essa finalidade. É importante também considerar o processo de ensino e as etapas evolutivas de complexidade dos projetos que são desenvolvidos na academia e quando seria a melhor maneira de se introduzir uma ferramenta dessa 3 Pesquisador do Instituto de Desenvolvimento de Novas Tecnologias (Uninova), de Portugal, que faz parte da Aliança Internacional para a Interoperabilidade (IAI), um consórcio internacional que desenvolve uma plataforma comum com o objetivo de permitir a integração dos softwares de todos os fornecedores. 29 complexidade, sem interferir negativamente na aprendizagem do processo criativo e dos princípios básicos da arquitetura. Portanto, para a inserção do conhecimento sobre a plataforma BIM no meio acadêmico brasileiro, será muito mais necessária uma mudança cultural do que propriamente a aquisição de softwares. Essa mudança, segundo Gabriela Celani4 , já começou a ser implementada em alguns cursos de Arquitetura, como o da Unicamp. Isso exige uma mudança radical no ensino do desenho e do projeto, com a inclusão de linguagens de programação de alto nível (scripts) ou, até mesmo, de software de modelagem paramétrica, de sistemas de colaboração remota e de equipamentos de fabricação digital, na busca de uma compreensão mais profunda dos conceitos que estão por trás da Modelagem de Informação da Construção (BIM) (GEROLLA, 2011 apud MENEZES, 2011). É possível concluir que o arquiteto precisa estar capacitado para gerenciar o processo construtivo, que vai das primeiras etapas do projeto até a entrega da obra, e, para isso, precisa desenvolver uma visão global multidisciplinar. Essa nova visão vem contra a usual metodologia de segmentação e de sequenciamento das etapas do projeto, presente na construção civil convencional e oriunda da falta de interação e comunicação entre os diversos profissionais envolvidos, que é reflexo do ensino em que os diversos saberes também são desassociados. Diante do exposto, fica evidente que as instituições acadêmicas devem adotar uma postura que enfoque a importância do pensamento multidisciplinar como ferramenta de qualificação dos projetos e, consequentemente, das obras concluídas. Assim, acredita-se que é possível formar profissionais com uma ampla visão da importância do trabalho em grupo e do cooperativismo que deve haver entre os diferentes profissionais da construção civil, considerando que uma edificação bem-sucedida significa uma obra sem intercorrências, desperdícios, atrasos, incompatibilidades e acidentes. 4 Professora livre-docente e coordenadora do Laboratório de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. 30 Ademais, trata-se de uma edificação que não apresenta patologias ou inconvenientes durante a sua fase de utilização, como rachaduras, vazamentos e insegurança estrutural, sendo tudo isso com o menor consumo energético para o conforto térmico e impacto energético em todo o processo de ciclo de vida da edificação. Cabe ressaltar que, para atingir esse nível de desempenho, não é possível apenas com o trabalho de um profissional e, sim, a partir da interação, da união e do esforço conjunto de uma equipe. Por fim, as competências a serem desenvolvidas no aluno, para que o futuro profissional atenda às demandas atuais, são multidisciplinaridade, capacidade de gerenciamento de projetos, autonomia (autoformação) e inovação tecnológica. Em relação a esta última, foi dado um enfoque na plataforma digital BIM como uma possibilidade de transformação do sistema tradicional individualizado para um sistema integrado e eficiente. Contudo, há que se discutir a respeito de sua utilização, enquanto ferramenta de ensino nas escolas de Arquitetura, sobre os possíveis impactos no processo de formação, como e quando seria o melhor momento para introduzir essa experiência na grade curricular. Referências ARSENIC, N.; LONGO, O. C.; BORGES, M. M. 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São Carlos, SP: EESC–USP, 2001. 33 CAPÍTULO 2 CALIBRANDO O GOSTO: As viagens didáticas na formação do repertório de projeto Tula Kirst Romani Este capítulo tem por objetivo relatar uma experiência realizada na tentativa de solucionar, mesmo que parcialmente, um problema existente no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e que é comum dentro das escolas de Arquitetura em todo o mundo: a construção incompleta do repertório de projeto, considerado uma das ferramentas mais importantes para a formação de arquitetos, que não é fruto da inexistência de imagens e das informações das obras, mas da falta de oportunidade de vivência nos espaços estudados. Experimentar o espaço projetado de referência é fundamental para a compreensão integral dos motivos que colocam esses projetos nesse lugar. Ao fazer isso com frequência, é possível montar um repertório, mesmo que talvez não tão amplo, mas mais completo, que permite “calibrar o gosto”. A expressão “calibrar o gosto” é utilizada para passar a ideia de que não é interessante para ninguém se acostumar com as coisas ao redor a ponto de achar que elas estão sempre dentro de um padrão aceitável. Isso não quer dizer, sob hipótese alguma, que não se deve apreciar o que se tem, o que é bom, o que faz feliz e satisfaz. Significa apenas que talvez não se saiba o que existe além disso e o que pode ser melhor ou pior do que aquilo que faz parte do cotidiano. Trata-se de um convite para um primeiro movimento, aquele que permite olhar além e conhecer um pouco mais sobre as coisas, trazendo a consciência de que existem diferentes possibilidades relacionadas aos aspectos a que se é exposto. 34 Essa tomada de consciência refere-se à descoberta das diferenças ou às variações que uma coisa ou situação pode apresentar em um determinado contexto e que pode causar mudanças significativas na forma como se vê o que está em volta e no modo de pensar e agir. Para melhor ilustrar, segue um exemplo bem simples: o bolo de chocolate que eu faço é muito gostoso, melhor até que o da minha mãe, mas desde que experimentei o da minha sogra, percebi que, embora gostoso, ainda faltam atributos para que o meu tenha a preferência entre os membros da família (a minha inclusive). Eu calibrei o meu gosto. Essa historieta fictícia mostra claramente o que a expressão tenta demonstrar. A categoria de bolos de chocolate de que o narrador tinha conhecimento não era tão ampla nem tão elevada em termos de sabor, e o seu doce, apesar de muito bom, ainda poderia ser aprimorado, dando-lhe a oportunidade de oferecer algo melhor do que aquilo que estava habituado a fazer. Com essa compreensão, é possível buscar uma fonte de informações sobre como fazer melhor e trabalhar no sentido de mudar, exatamente como o narrador fez com relação à sua receita. Calibrar o gosto é fundamental para despertar a consciência acerca da condição que se está e, a partir disso, incentivar a realização de um movimento de melhoria, independentemente do âmbito a que se refere o aprimoramento cobiçado. No processo de formação do arquiteto e durante todos os anos de vida profissional, um bom repertório de projeto é a ferramenta que ajuda a calibrar o gosto. O vislumbre e a análise de projetos já realizados é o “bolo da sogra”, fazendo-se perceber que não existe situação que ainda não tenha sido enfrentada e resolvida de alguma maneira. Ademais, essas situações já resolvidas também podem servir de caminho para se pensar em projetos, no intuito de realizar novos arranjos para atender às mais distintas demandas. É a liberdade do primeiro traço, com base em uma proposta que já foi lida de forma assertiva e com o desafio que o trabalho a ser desenvolvido apresenta. Logo, quanto maior e mais amplo for esse repertório, maiores serão as chances de sucesso na proposta de um projeto. 35 1 Limitações na construção do repertório Frente à impossibilidade de acessar todas as obras estudadas durante os anos de curso de Arquitetura e Urbanismo, o uso de informação das imagens que são trazidas em livros, publicações digitais, sites e revistas sobre arquitetura constitui a principal ferramenta dentro das escolas de arquitetura para criar ou ampliar o repertório de projeto dos alunos, que servirá de ponto de partida para o desenvolvimento de seus próprios trabalhos. O grande problema aqui é que essa ferramenta é falha. Existem três aspectos de grande valor na construção do repertório de projeto dos arquitetos e estudantes de arquitetura que não são contemplados com esse método e que reforçam a importância da visita às obras estudadas. O primeiro aspecto é que, apesar da facilidade e da quantidade significativa de informações sobre projetos do mundo todo sempre ao nosso dispor, existe uma característica que a representação por fotos e/ou outros recursos gráficos não consegue resolver inteiramente: a percepção sensorial do espaço. [...] é evidente que nem uma nem cem fotografias poderão esgotar a representação de um edifício, e isso pelas mesmas razões pelas quais nem uma nem cem perspectivas desenhadas poderiam fazê-lo. Cada fotografia engloba o edifício de um único ponto de vista, estaticamente, de uma maneira que exclui esse processo que poderíamos chamar musical, de contínuas sucessões de pontos de vista que o observador vive no seu movimento dentro e ao redor do edifício. Cada fotografia é uma frase separada de um poema sinfônico ou de um discurso poético, cujo valor essencial é o valor sintético do conjunto. (ZEVI, 2009, p. 50). Pallasmaa (2011) corrobora essa declaração ao afirmar que “uma obra de arquitetura não é experimentada por uma série de imagens isoladas na retina, e, sim, em sua essência material, corpórea e espiritual totalmente integrada”. Nenhuma imagem ou representação é capaz de substituir a experiência de percorrer o espaço, seja ele projetado ou não, cuja consciência é algo que só se pode adquirir com a experimentação dele. 36 Tentar compreender o espaço, mediante o olhar de uma imagem, estimula apenas um dos nossos sentidos e, nos casos de imagens publicadas, ainda é preciso lidar com os aspectos próprios do veículo utilizado para a representação e do que se espera dessa mídia em particular. No caso da fotografia, o próprio registro é um recorte do elemento e se serve de tantos filtros que, segundo Mascaro (1994), imaginar que ela possa traduzir tudo o que significa uma obra é um erro. O cliente desse registro de imagens, seja uma revista, seja um site de arquitetura, que tenha sido feito como arte, obra ou produto, imprime seu desejo nesse trabalho sob tantos aspectos que não é possível se isentar deles ao observar a fotografia. Mesmo o artista da foto ou o arquiteto/fotógrafo, que não está a serviço de ninguém além de si mesmo, expressa o seu olhar nesse registro, direcionando a visão do observador às perspectivas que são de seu interesse, fazendo com que, ao observador da imagem, não reste escolha: ele não pode olhar para o lado ou para cima, nem usar a sua visão periférica, nem avançar ou recuar no espaço. Além disso, quando uma série de registros é realizada, existe uma redução do entendimento do espaço à interpretação gestáltica de planos selecionados, impedindo a impressão perceptual pessoal do espaço. O segundo aspecto, como Bruno Zevi (2009) já apontou, que é possível verificar nos bancos de imagem de espaços arquitetônicos, sejam eles impressos, sejam digitais, no simples folhear de veículos impressos de imagens ou em buscas realizadas em sites especializados em espaços arquitetônicos, é que as obras são geralmente representadas sem conexão com o principal elemento de criação da arquitetura: o ser humano. Sua remoção do cenário passa uma sensação de limpeza do produto no sentido de mitigação da influência de qualquer elemento que possa interferir na leitura da beleza específica da obra, sendo o objetivo de muitos fotógrafos de arquitetura que têm interesse apenas no produto físico: a obra. Isso é legítimo até certo ponto, mas também remove dela a essência da função de sua existência, uma vez que não há arquitetura sem o homem. Para Augusto (2016) e Figueiredo (2012), a inserção da figura humana nas 37 imagens de arquitetura informa muito mais do que somente as dimensões daquilo que se observa no contexto social em que está inserido. A ausência do elemento humano não só dificulta o entendimento do tamanho dos espaços como passa a impressão de que são desabitados e que funcionam desconectados da vida na cidade. O terceiro aspecto está relacionado à asserção de que, para perceber significativamente o espaço, vivenciá-lo é fundamental, pois muitas sensações não são traduzíveis por palavras. Os filtros individuais e o vocabulário próprio de cada indivíduo ou da área de expertise em que o material gráfico de arquitetura se apresenta podem gerar uma ampliação ou redução das expectativas ao descrever a sensação interpretada em um determinado lugar, alterando a percepção daqueles que só têm acesso às imagens, e não ao espaço propriamente dito. As percepções estão ligadas às experiências pessoais de cada indivíduo e, embora a tradução de terceiros seja melhor do que não ter nenhuma informação a respeito de algo, a melhor narrativa não é capaz de informar como a outra pessoa perceberá o espaço. Em seu livro A relevância da arquitetura, Paul Goldberger (2011, p. 135) tenta traduzir as sensações que nortearam os arquitetos na produção dos espaços, mas já adianta que “Não há duas pessoas que reajam ao contexto arquitetônico exatamente da mesma maneira”, enfatizando a necessidade de que cada indivíduo tenha sua própria experiência nos lugares para a construção de sua percepção. Logo, um dos principais objetivos de um bom repertório de projeto é encontrar a solução mais assertiva, contudo, mesmo assim, os filtros individuais continuarão agindo. Vivenciar os espaços é, indiscutivelmente, a melhor maneira de entender o contexto e, nesse sentido, as viagens didáticas oportunizaram tal experiência. Expondo-se aos ambientes, entendemos, sem necessidade de explicações, que, na paisagem, há muito mais do que é possível ser traduzido por imagens. As informações obtidas mediante os cheiros, os sons, a temperatura, o movimento, a relação entre os usuários, o espaço e a vida nele contida nos permitem uma percepção mais aproximada da realidade do lugar. Com isso, o entendimento do 38 contexto de sua criação e de sua permanência bem como a análise das soluções apresentadas na criação desses espaços são mais profundos. 2 O turismo pedagógico por meio de viagens Salgueiro (2002) apontou o surgimento de um tipo de viagem, que pouco se assemelhava aos deslocamentos convencionais anteriores às transformações culturais e econômicas que se manifestaram com a Revolução Industrial, no século 18, e que se tornara uma espécie de tradição entre os aristocratas da época. Conhecida como o Grand Tour, essa viagem tinha um único objetivo: ampliar o conhecimento sobre a história e a arte dos antigos. Uma de suas principais características era o espírito daqueles que se dispunham a fazer a tal viagem, pois eram ávidos por conhecimento, muito mais do que pelo simples prazer de ver os sítios e suas atrações. Essa viagem também conferia um novo olhar sobre tudo que cercava o indivíduo, fornecendo informações e experiências que alteravam sua maneira de ver o mundo e ampliava a capacidade desses indivíduos de perceber o lugar a que pertencem. A grande quantidade de ruínas dos tempos áureos do Império Romano satisfazia diferentes demandas de gosto dos viajantes influenciados pela renovada percepção da história como um processo de evolução lógica, e não meramente como uma simples sucessão cronológica de acontecimentos, acarretando essa postura profundas mudanças de atitude e de compreensão humana diante da vida. (SALGUEIRO, 2002, p. 303). Outro tipo de turismo pedagógico destacado por Sodré (2010) são os “prêmios de viagens”. Tratava-se de um prêmio concedido anualmente aos alunos da Academia Imperial de Belas Artes a partir de 1845. Era realizado um concurso, cujo aluno vencedor ganhava uma temporada de estudos dentro de sua área na Europa. Como contrapartida pelo prêmio recebido, esses alunos enviavam trabalhos para as suas instituições, demonstrando seus avanços, 39 as novas técnicas e os novos movimentos na arte no Velho Mundo, o que influenciava, em uma certa medida, a produção em seus locais de origem. Embora todo turismo gere algum tipo de conhecimento, pode-se dizer que o Grand Tour se aproxima muito do que é hoje definido pela Organização Mundial do Turismo (OMT) como turismo pedagógico. Esse é o turismo “voltado para locais históricos, culturais ou científicos importantes, muitas vezes coordenados por um professor especializado” (OMT, 2003, p. 90-91). A essa definição, Milan (2007) acrescenta a promoção do conhecimento prático à teoria apresentada em sala de aula, por meio de visitas técnicas e viagens de estudo que ocorrem durante o período letivo. Esse recurso pedagógico utilizado nos “prêmios” acabou sendo replicado por um dos alunos vencedores. Segundo Sodré (2010), o engenheiro-arquiteto Alexandre Albuquerque, agraciado com o prêmio em 1906, começou a acompanhar seus alunos em visitas a cidades mineiras conhecidas pela arquitetura colonial na década de 20 e insistia na necessidade de conhecimento do estilo para estimulálo. Isso inspirou outros professores arquitetos a empreenderem movimentos no mesmo sentido, que incentivaram os alunos a conhecerem e a utilizarem suas percepções a respeito desse estilo para redefinirem a arquitetura no Brasil. Em um estudo sobre os processos de ensino de três arquitetos, Pereira (2009) salienta a forma como as visitas às obras eram realizadas pelo professor Acácio Gil Borsoi, entre os anos de 1951 e 1970, período em que atuou na Escola de Belas Artes de Pernambuco, que contribuíram de forma marcante na formação de diversos arquitetos, tornando-se o seu legado dentro daquela instituição. Para aquele professor, o aspecto importante das visitas realizadas nessas viagens era o conhecimento sobre a execução dos projetos, dos materiais e das técnicas construtivas. As viagens didáticas são um campo de estímulos de múltiplas referências para os alunos, em que os mais diversos assuntos relativos à construção do espaço, apresentados mediante os sistemas convencionais de informação e a discussão em sala de aula, passam por um processo de consolidação do conhecimento. Isso ocorre por meio da experimentação e do acionamento de todos os sentidos para a formação da consciência a respeito 40 dos limites impostos pelo saber adquirido exclusivamente pelas imagens e pela experiência dos espaços ao vivenciá-los. Ao oportunizar a vivência dos espaços arquitetônicos estudados na academia, são permitidos aos alunos: a construção dos próprios conceitos acerca desses lugares; a tradução em sensações; os sentimentos descritos com palavras nas páginas dos livros; a estruturação, a partir dessa experiência, de um repertório sólido em projeto; uma consciência dos impactos das obras visitadas em seu sistema sensorial e uma ampliação da sua capacidade de análise dos espaços construídos, de seu entorno e do impacto na vida da cidade e no cenário da arquitetura local e no mundo. É o calibrar o gosto em um patamar muito mais elevado, somente possível por meio do acesso aos espaços estudados. 3 As viagens didáticas do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFMT As viagens didáticas oferecidas pelo curso de Arquitetura e Urbanismo tiveram início no período letivo de 2013/2 e contaram com o apoio institucional da UFMT, por intermédio da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia (FAET), com o fornecimento de diárias para os alunos, técnicos e professores envolvidos, além do ônibus que realizou o transporte do grupo para cada uma delas. Essas viagens tiveram três objetivos. O primeiro foi incrementar a formação dos alunos, oferecendo-lhes a oportunidade de conhecer in loco uma série de obras de grande relevância dentro do cenário nacional e internacional, de ampliar seu repertório de projeto, levantando informações sobre essas obras e sua importância para a produção arquitetônica mundial, e de vivenciar esses espaços para a consolidação da percepção espacial associada a esses projetos. O segundo objetivo foi proporcionar o contato desses alunos com os elementos de arte e cultura, dentro de um circuito mais ampliado, para que pudéssemos ter proximidade com projetos em arte de relevância mundial e em diversos suportes e veículos. Isso não só para permitir a fruição das benesses do contato com a arte — o que, por si só, já seria motivo suficiente 41 para a realização dessas viagens — mas também para sentir como o espaço pode potencializar o efeito que a arte produz no observador. O terceiro objetivo foi oferecer a oportunidade de todos os alunos do departamento conhecerem novos lugares, partindo do princípio de que eles já possuíam conhecimento suficiente dos assuntos abordados no curso para entender criticamente os espaços visitados, tirando, desse modo, melhor proveito da ocasião, em especial, para aqueles que não teriam condições de realizar tal atividade se não houvesse o apoio institucional. O então professor da disciplina de Projeto de Arquitetura IV, Leonardo Prazeres Veloso de Souza, importou a ideia das viagens didáticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), instituição em que ele havia concluído sua graduação, em 2010, e pela qual realizou uma série de viagens, acompanhado por professores e monitores das disciplinas de Projeto, para locais como Curitiba, São Paulo, Santiago do Chile, Buenos Aires e Montevidéu. Nesses programas, as atividades realizadas por ele serviram de base para o desenho dos roteiros das visitas nas viagens feitas pelo Departamento de Arquitetura da UFMT. A primeira viagem organizada pelos professores da disciplina de Projeto IV aconteceu no período letivo de 2013/2 e teve São Paulo como destino. Nessa oportunidade, apenas 17 alunos participaram do projeto, cujo roteiro das visitas foi definido pelo professor Leonardo e pela Luciana Mascaro, professora da disciplina de Técnicas Retrospectivas, que, junto com a disciplina de Projeto de Arquitetura IV, trabalhavam a requalificação (atribuição de novos usos a espaços degradados e/ou abandonados) e o restauro. Para ampliar o alcance da oportunidade concedida, foram incluídas, no roteiro de visitas, obras de importância para as disciplinas de Arquitetura Brasileira, Urbanismo e Paisagismo. Como era de se esperar, essa primeira viagem didática teve algumas intercorrências, que foram próprias da falta de conhecimento profundo relativo às demandas organizacionais de uma atividade desse formato. Alguns agendamentos não foram confirmados a tempo, pois houve excessiva confiança 42 em informações fornecidas por sites de divulgação, que não eram atualizados com regularidade, e o tempo de alguns deslocamentos dentro da cidade não foram calculados corretamente. Ainda assim, nenhum desses contratempos impediu o grupo de aproveitar ao máximo o fato de estar no palco de uma grande produção arquitetônica de relevância nacional e internacional. Quando o acesso a um determinado lugar era impedido, o grupo, pequeno até então, deslocava-se para outro ponto de interesse nas proximidades. Além disso, nos momentos em que não havia a visita guiada, os professores passavam a guiar o grupo. O roteiro dessa viagem incluiu lugares como: • o Masp, obra da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (figura 1); • o Instituto Paula Souza, projeto do escritório Spadoni AA e Pedro Taddei Arquitetos Associados; • a Pinacoteca do Estado de São Paulo, prédio que havia recentemente passado por uma obra de requalificação, projetada por Paulo Mendes da Rocha, arquiteto que projetou também outros três pontos de visita do nosso grupo: a requalificação da Estação da Luz, com a implementação do Museu da Língua Portuguesa; o Museu Brasileiro de Escultura e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP; • o Mercado Municipal de São Paulo; • o Teatro Municipal e o Palácio dos Correios, projetos do início do século XX, realizados pelo escritório de Ramos de Azevedo; • o próprio Vale do Anhangabaú, com seu conjunto arquitetônico que contempla diversos momentos da arquitetura brasileira; • a Praça das Artes, projeto de inserção de um complexo cultural na malha de prédios dentro do Vale do Anhangabaú, realizado por Marcos Cartum, Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci; 43 • o Edifício Altino Arantes (obra que sustentou o título de prédio mais alto do Brasil por mais de uma década); • o atual Mirante Santander, que sofreu uma reforma de requalificação de seus pavimentos para abrigar as salas de exposição, um museu, um mirante e uma pista de skate; • as obras de Oscar Niemeyer, inseridas no Parque Ibirapuera, como o Pavilhão da Bienal, a Oca, o Museu Afro Brasil, o Museu de Arte Moderna e de Arte Contemporânea e a Marquise do Parque, além do Memorial da América Latina; • o Museu da Imagem e do Som, onde, na oportunidade, estava acontecendo a exposição de David Bowie, organizada pelo Victoria and Albert Museum de Londres, um grande exemplo de arquitetura expositiva, especialmente devido à grande diversidade de itens expostos; • a Biblioteca Brasiliana, projeto dos escritórios Eduardo de Almeida, Mindlin Loeb e Dotto Arquitetos; • o Museu do Futebol, projeto de requalificação que já ganhou prêmios por sua acessibilidade, realizado por Mauro Munhoz, utilizando áreas sob as arquibancadas do Estádio do Pacaembu, projeto da década de 30, realizado pelo escritório de Ramos de Azevedo; • a Praça Victor Civita, projeto de requalificação realizado pelo escritório Levisky Arquitetos Associados e da arquiteta Anna Dietzsch, que transformou uma área contaminada e de acesso proibido em uma praça e um museu aberto. 44 Figura 1 – Alunos, técnicos e professores reunidos para registro sob o vão do Masp Nota: acervo da autora (2013). O sucesso dessa primeira viagem estimulou alunos e professores a darem continuidade ao programa, assim, logo no período letivo seguinte, foram ampliados os locais de visitação e as vagas para a participação dos alunos. O roteiro para as próximas viagens a São Paulo foi expandido e um dos destaques foi a inserção de visitas aos escritórios de arquitetura de grande vulto no cenário nacional, como o FGMF Arquitetos, onde o grupo foi recebido com muita atenção e cuidado em sua sede e convidado a fazer um tour em uma de suas obras; o escritório franco-brasileiro Triptyque, responsável pela requalificação do Red Bull Station, e o escritório de Isay Weinfeld. Na avenida Paulista, entraram, no roteiro, a Japan House, projeto de Kengo Kuma, junto com o escritório FGMF Arquitetos; a Casa das Rosas, um dos últimos casarões do período de ouro do café ainda em pé, projeto de Felisberto Ranzini para o escritório de Ramos de Azevedo, que passou por uma requalificação, visando abrigar um espaço para exposições temporárias e uma biblioteca; a Casa de Vidro, residência da arquiteta Lina Bo Bardi e um dos exemplos da arquitetura modernista no Brasil; o Sesc 24 de maio e o Sesc Pompeia, ambos projetos de requalificação de áreas pouco ou não utilizadas 45 dentro da malha urbana da cidade e que, sob a batuta de Paulo Mendes da Rocha e de Lina Bo Bardi, respectivamente, transformaram-se em sedes do Serviço Social do Comércio em suas regiões, e o Edifício Copan, obra icônica de São Paulo, projeto de Oscar Niemeyer. A viagem do período letivo de 2014/1 foi para Minas Gerais. Nessa oportunidade, já com um grupo composto pelo dobro de alunos que realizaram a primeira viagem didática, fez parte do roteiro uma visita à cidade de Belo Horizonte, uma das primeiras cidades planejadas do Brasil. Nela os prédios requalificados do Circuito Liberdade — um conjunto de prédios originalmente construídos para a acomodação da sede administrativa da capital do estado de Minas Gerais após sua transferência de Ouro Preto — formavam o conjunto perfeito para os estudos das disciplinas de Arquitetura Brasileira, Técnicas Retrospectivas e Projeto IV, que tratavam da reutilização de espaços arquitetônicos para fins distintos daqueles para os quais haviam sido originalmente projetados. Fizeram parte desse circuito: o Memorial Minas Vale; o Museu das Minas e do Metal; o Centro Cultural Banco do Brasil e o Edifício Niemeyer, sendo este último uma obra de Oscar Niemeyer, não um projeto de requalificação. Ainda de Niemeyer, visitou-se o Circuito da Pampulha, a Igreja de São Francisco de Assis, o Museu de Arte da Pampulha, a Casa do Baile e o Iate Tênis Clube. A viagem contemplou ainda uma visita guiada ao escritório do arquiteto Gustavo Penna, em que uma equipe especializada em atendimento a grupos de escolas de arquitetura realizou uma palestra, com a apresentação de alguns projetos em desenvolvimento; ao Plug Minas, projeto de requalificação que transformou uma antiga sede da Febem em um Centro de Formação e Experimentação Digital para jovens, e o Memorial da Imigração Japonesa no Brasil, projeto do escritório Gustavo Penna Arquiteto e Associados. Ainda nessa oportunidade, o grupo visitou as cidades históricas de Ouro Preto e Mariana. Lá os alunos conferiram o conjunto de casarios coloniais, as igrejas no estilo barroco e rococó, os museus e as obras de Aleijadinho e Mestre Ataíde, todos muito bem preservados, além de vivenciar o espaço da própria 46 cidade, seu traçado peculiar, com suas ruas íngremes e estreitas, próprios de lugares com essa topografia e desse tempo. Para fechar, o grupo visitou um dos maiores museus de arte contemporânea e Jardim Botânico: o Inhotim (figura 2), local com mais de 700 obras de arte expostas a céu aberto ou em galerias construídas especialmente para abrigar as obras em meio a um conjunto de mais de 4.000 espécies de plantas vindas de todos os continentes — um exemplo formidável da integração da arquitetura, arte e paisagismo. Figura 2 – Alunos em frente à obra Beam Drop, de Chris Burden, em Inhotim (MG) Nota: acervo da autora (2014). A primeira viagem didática para o Rio de Janeiro aconteceu no período letivo de 2014/2. Dessa vez, houve a oportunidade de fazer uma visita guiada às obras de construção do Parque Olímpico, sede de uma série de modalidades esportivas da Olimpíada do Rio de Janeiro de 2016. Nas três viagens ao Rio de Janeiro, foram visitados ainda: • o Real Gabinete de Leitura, projeto no estilo neomanuelino do final do século XIX, do arquiteto português Rafael da Silva Castro; 47 • o Convento de Santo Antônio e a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, importante conjunto colonial no Brasil; • a Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro, projeto de Edgar de Oliveira da Fonseca, os Arcos da Lapa e a escadaria Selaron; • o Paço Imperial e a Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, conhecida atualmente como Igreja Nossa Senhora do Monte do Carmo; • o Centro Cultural Banco do Brasil, antiga sede da Associação Comercial do Rio de Janeiro, que acomodou o primeiro museu da rede CCBB; • a Praça Mauá e o Museu de Arte do Rio; • o Museu do Amanhã (este estava ainda em construção). Foi realizada também uma visita guiada ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde o grupo percorreu, além de todas as suas alas, incluindo aquelas a que o público não tem acesso no tour convencional, todo o backstage5 e as áreas de apoio ao funcionamento do estabelecimento nos momentos de espetáculo; o Museu Nacional de Belas Artes e o prédio do Ministério de Educação e Saúde (atual edifício Gustavo Capanema), projeto de uma equipe que contou com Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e a consultoria do arquiteto Le Corbusier. O grupo também visitou o Maracanã e seu projeto de reforma para a Copa do Mundo de Futebol em 2014, o Museu Imperial da Quinta da Boa Vista, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Além disso, foi feita uma visita guiada ao Instituto Moreira Sales, à Cidade das Artes, ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e ao Parque do Flamengo. Em Niterói, o grupo percorreu o caminho Niemeyer e visitou o Museu de Arte Contemporânea (figura 3), o Museu Janete Costa e o Museu de Arte popular, 5 Em português: bastidores. 48 estes dois últimos são projetos de requalificação de antigos casarões da cidade, cujos prédios passaram por reformas respeitosas e cuidadosas, preservando partes importantes de suas características e permitindo a acomodação de novos usos. Figura 3 – Alunos reunidos em frente ao Museu de Arte Contemporânea de Niterói (RJ) Nota: acervo da autora (2014). Brasília foi o último destino a ser inserido no roteiro das viagens didáticas do departamento. Essa viagem aconteceu apenas uma vez, em junho de 2019, e foi também a última das viagens didáticas realizadas até o momento. Um dos destaques da visita à capital do Brasil foi a realização de um percurso a pé por uma superquadra do projeto original da cidade (superquadra 308). O grupo também visitou o Parque da Cidade; o prédio do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte), projeto de Rodrigo Brotero Lefèvre; o CCBB, prédio de interesse para a disciplina de Projeto V; o Conjunto Arquitetônico do Exército, com o Oratório do Soldado, projeto de Milton Ramos; o Teatro Pedro Calmón; o Palanque Monumental (concha acústica e obelisco) e a Praça dos Cristais, projeto de Burle Marx. Houve ainda uma visita com os alunos à Fundação Habitacional do Exército, acompanhados por Fabiano Sobreira, um dos arquitetos do projeto; uma visita técnica guiada pelo Hospital Sarah Kubistchek e um passeio pelo entorno dos edifícios Morro Vermelho e Camargo Corrêa. O grupo também 49 visitou a Mansão dos Arcos, acompanhado pelo atual proprietário do imóvel, Sr. Nivaldo Borges, que comentou sobre os croquis e os detalhes construtivos do local, assinados por João da Gama Filgueiras Lima (Lelé) (figura 4). Figura 4 – Alunos observando os desenhos originais do projeto, dentro da Mansão dos Arcos, guiados pelo proprietário, Sr. Nivaldo Borges. Nota: acervo da autora (2014). Dentro do campus da Universidade de Brasília (UnB), foram visitados: • a Colina, conjunto de blocos residenciais projetados por Lelé e Paulo Marcos Paiva de Oliveira; • o prédio da faculdade de Direito, projeto de Matheus Gorovitz, com a colaboração de Maurício Azevedo; • o prédio da Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia, acompanhados por Márcio Albuquerque Buson, um dos arquitetos que, juntamente com Adalberto Vilela, Andrey Rosenthal Schlee, Cláudia da Conceição Garcia e Fabiano Gonçalves de Castro, projetaram o espaço; 50 • o prédio da Biblioteca Central da UnB e o Restaurante Universitário, projetados por José Galbinski; • o prédio da Reitoria, projetado por Paulo Melo Zimbres, e o Memorial Darcy Ribeiro (mais conhecido como Beijódromo), projeto de Lelé; • o Instituto de Química, projeto de Aleixo Anderson Furtado, com a colaboração de Fabiana Couto Garcia e Kristian Schiel; • o Centro de Planejamento Oscar Niemeyer (Ceplan), conjunto de edifícios que abrigou as primeiras atividades da Universidade de Brasília, projeto de Oscar Niemeyer e Lelé, com paisagismo de Alda Rabelo; • o conjunto arquitetônico da Faculdade de Educação, que integra as primeiras edificações do campus, projetadas, na década de 60, por Alcides da Rocha Miranda, José Manuel Kluft Lopes da Silva e Luís Humberto Martins Pereira, com a colaboração de Alex Peirano Chacon; • o Centro de Excelência em Turismo (CET), projeto de José Zanine Caldas, e o edifício-sede da Gerência Regional de Brasília (Gereb), da Fundação Oswaldo Cruz, projetado por Alberto Alves de Faria, Beatriz Naomi Onishi, Fabiana Couto Garcia, Fátima Lauria Pires e Márcio Magalhães das Neves; • a Faculdade de Saúde, projeto de Érico Paulo Siegmar Weidle e Adilson Costa Macedo. Nessa oportunidade, foi realizada ainda uma visita guiada ao prédio da Sede Nacional do Sebrae, projeto vencedor do concurso na área de Arquitetura, e à Embaixada da Itália, projeto de Pier Luigi Nervi. É importante destacar que a decisão de inserir novos destinos às viagens, devido ao sucesso da primeira experiência e à medida que as viagens ocorriam, pode ser compreendida pelas seguintes razões: a intenção de oferecer 51 aos alunos uma gama tão grande quanto fosse possível de lugares de interesse em arquitetura, para que eles pudessem conhecer e vivenciar os espaços, e uma vez que, não raro, havia alunos que já tinham participado de duas ou três viagens. Assim, com a diversificação e alternância dos destinos, o risco de algum deles repetir o roteiro e gastar tempo, energia e dinheiro, visitando locais que já conheciam, ficava bastante reduzido. Já sobre a possibilidade de um aluno participar de mais de uma viagem, isso se deu porque, embora fosse uma atividade originalmente destinada aos estudante de Projeto do 5º período do curso e que teve continuidade a partir do período letivo de 2016/2, dentro da disciplina de Projeto do 6º período, muitos alunos daquele semestre não puderam viajar, pois se tratava de um longo tempo distante de Cuiabá e alguns deles trabalhavam, tinham alguém como seu dependente ou, mesmo com o auxílio financeiro oferecido pela universidade, não possuíam recursos suficientes para participar com segurança das viagens e, com isso, raramente as vagas oferecidas eram preenchidas em sua totalidade. As vagas ofertadas eram vinculadas à quantidade de assentos disponíveis no ônibus oferecido pela UFMT para o transporte dos alunos até o destino e àqueles para os quais as viagens haviam sido originalmente desenhadas. Assim, após a confirmação sobre os que efetivamente iriam participar, visando evitar assentos vazios e o desperdício de parte dos recursos mobilizados para a realização das viagens, abriam-se vagas remanescentes para alunos que tinham interesse nas viagens e que não estavam vinculados à disciplina em questão. Contudo, a partir de um determinado momento, houve um grande aumento na quantidade de alunos interessados e surgiu a necessidade de desenvolver critérios para a distribuição dessas vagas: teriam preferência os alunos que estivessem mais próximos da conclusão do curso, matriculados em uma ou mais disciplinas diretamente contempladas com visitas programadas e/ou que não conseguiram participar das outras viagens do programa. 52 4 Resultados e discussão Para a verificação da relevância dessas viagens didáticas, foi enviado um formulário a um pouco mais de 200 alunos que participaram dessas viagens desde sua primeira ocorrência até a ida à Brasília em 2019. Nesse documento, foi solicitado que eles respondessem a algumas questões acerca de sua experiência, tanto das viagens quanto do resultado delas na sala de aula. Todos os relatos dos alunos apontam explicitamente os benefícios trazidos pela participação nessas incursões em sua maneira de pensar o espaço sob seus diversos aspectos e, para muitos, além desses proveitos direcionados ao entendimento do espaço, houve também a vantagem da experiência de viajar em grupo, de conhecer lugares novos, de compartilhar a experiência em tempo real e de discutir o projeto dentro dele. Além disso, foi possível verificar alguns números interessantes: 51% dos alunos realizaram apenas uma das viagens didáticas; 38% deles participaram de 2 incursões; 6% fizeram 3 passeios e 4% deles tiveram a oportunidade de viajar 4 vezes com o grupo para diferentes destinos. Outro dado importante é que mais de 50% dos alunos que participaram das viagens didáticas nunca tinham tido a oportunidade de visitar as cidades escolhidas e mais de 60% deles, que já tiveram a oportunidade de ir a essas cidades, não conheciam os lugares inseridos nos roteiros de visita. Nas perguntas abertas, especialmente naquelas que permitiam aos alunos falarem livremente a respeito da experiência das viagens didáticas, todos, ou seja, 100% deles entenderam que essas incursões tiveram um papel importante em sua formação, principalmente no que tange à ampliação de seu repertório de projeto, na consolidação de conhecimentos teóricos sobre os projetos e na forma como percebem os espaços hoje, em especial, pelo fato de terem podido vivenciá-los. Muitos dos que já tiveram a oportunidade de conhecer alguns dos lugares que visitamos indicaram o ganho na qualidade da visita quando esta foi feita sob a orientação de um professor ou quando existiu um acompanhamento 53 especializado. Boa parte dos alunos também apontou essa experiência como uma das mais importantes de seu percurso universitário. Em reuniões de planejamento com os professores do departamento, não raro se ouvia relatos de professores que perceberam uma ampliação no interesse dos alunos pelas disciplinas de um modo geral. Segundo os docentes, elas deixaram de ser apenas burocracias para se conseguir o diploma e passaram a ser vistas como um caminho para se perceber as questões referentes à criação do espaço, tornando-se elementos de apoio à realização dos projetos, que, no caso de serem dominadas, propiciariam aos alunos a oportunidade de um dia produzirem obras como as que viram. Houve uma ampliação no número e na qualidade das referências que os alunos buscavam para dar suporte aos primeiros traços de seus projetos. Além disso, passaram a entender como e a razão de se fazer a análise dos projetos, o que elevou o nível das discussões em sala de aula e a qualidade das propostas projetuais apresentadas. Pelos corredores do departamento, as conversas sobre projeto mudaram e as atitudes dos alunos acerca dos caminhos que os arquitetos podem trilhar também. Estava se estabelecendo um entendimento a respeito do seu papel de profissionais em formação e a percepção de que a arquitetura era muito mais do que aquilo com o que estavam acostumados, que ela dura muito e é capaz de produzir não só bem-estar como mal-estar, por isso necessita de cuidado e atenção em sua realização. Também foi apontada, nas questões abertas do questionário, a ampliação do potencial individual frente ao entendimento de que o fato de não estarmos próximos aos grandes centros ou de não termos acesso às tecnologias de ponta não pode ser desculpa para produzirmos arquitetura menos do que excelente, pois seu gosto havia sido calibrado para cima. As viagens didáticas, assim, atingiram os seus objetivos. Infelizmente, o projeto dessas viagens do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFMT foi interrompido de súbito com o corte orçamentário das universidades públicas federais ocorrido em 2019. Desde março daquele 54 ano, não foi mais possível contar com os recursos da instituição para as diárias dos alunos, que cobriam as despesas de hospedagem e/ou alimentação, o fornecimento do veículo de transporte e o combustível para levar os alunos e os professores de Cuiabá até as cidades de destino, o que impossibilitou a realização desse tipo de investida didática tão importante. Não há dúvidas de que a iniciativa relatada neste texto é o resultado de um esforço conjunto dentro do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia da Universidade Federal de Mato Grosso. Foi necessária a mobilização de recursos financeiros e de pessoal dentro de todas essas esferas para tornar possível cada uma dessas viagens didáticas da arquitetura, além de uma incrível boa vontade de uma série de profissionais que recebeu o grupo de alunos e professores em vários dos sítios visitados. Durante o tempo em que foi possível contar com esse recurso tão rico, ele foi muito bem aproveitado e marcou a vida de todos os envolvidos, não só no quesito de formação profissional, que era o objetivo inicial das viagens, mas também sob o aspecto do desenvolvimento da pessoa, já que muitos deles não tinham o recurso financeiro ou o suporte para tal investidura se não fosse o apoio da instituição e a justificativa de estar inserido dentro do programa do curso. Referências AUGUSTO, S. Perspectivas sobre a representação fotográfica da arquitetura e dos lugares. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Artes da Imagem, Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, Politécnico do Porto, Portugal, 2016. Disponível em: http://conic-semesp.org.br/anais/files/2017/1000025590. pdf. Acesso em: 15 abr. 2021. FIGUEIREDO, R. M. G. Espaço invisível: fotografia da (não) arquitetura. Dissertação – Depto. de Comunicação e Arte – Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal. 2012. Disponível em: https://ria.ua.pt/bitstream/10773/10661/1/7479. pdf. Acesso em: 20 mar. 2021. 55 GOLDBERG, P. A relevância da arquitetura. Tradução: Roberto Grey. São Paulo: BEI Comunicação, 2011. MASCARO, C. A fotografia e a arquitetura. 1994. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. MILAN, P. L. “Viajar para aprender”: Turismo pedagógico na Região dos Campos Gerais – PR. Dissertação (Mestrado). Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação Balneário Camboriú, Programa de Pós-graduação em Turismo e Hotelaria, Camboriu, SC, 2007. Disponível em: http://siaibib01.univali.br/pdf/ Priscila%20Loro% 20Milan1.pdf. Acesso em: 30 jan. 2021. OMT. Organização Mundial do Turismo. Turismo Internacional: uma perspectiva global. Porto Alegre: Bookman, 2003. PALLASMAA, J. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Tradução: Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Bookman, 2011. PEREIRA, F. 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São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. 56 CAPÍTULO 3 ATIVIDADES PEDAGÓGICAS DE OCUPAÇÃO DE ESPAÇOS: do físico ao virtual Gabriel Francisco de Mattos O curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) iniciou suas atividades acadêmicas no ano de 1995, por meio do sistema seriado anual, com uma turma de 30 alunos. Foi implantado, dentro da Faculdade de Engenharia e Tecnologia, com um corpo de docentes formados em Arquitetura ou Engenharias dessa faculdade, contando também, em um primeiro momento, com a participação de docentes dos cursos de Educação Artística e Geografia. Desde a sua implantação, foram desenvolvidas atividades de ensino e aprendizagem, nos anos (e depois nos semestres) iniciais da formação, envolvendo a intervenção nos ambientes físicos do bloco ocupado pelo curso. Em um segundo momento, os acadêmicos foram provocados a ocupar os espaços nos meios de comunicação de mídia regionais e, logo depois, a pesquisar no ambiente virtual. Essas estratégias visavam desenvolver no discente o conhecimento e o domínio desses dois espaços, o real e o virtual, buscando despertar nele um sentido de confiança e pertencimento ao mundo contemporâneo. Este capítulo objetivou apresentar um levantamento de parte dessas atividades em algumas disciplinas da primeira metade do curso. É importante destacar que a formação de nível superior, desde o final do século XX e de acordo com o tripé institucional da universidade (ensino, pesquisa e extensão), visou incentivar a participação do discente no ambiente da pesquisa e na produção de papers acadêmicos, no entanto, essas atividades se concentravam 57 nos semestres finais do curso, geralmente voltadas à preparação para uma eventual pós-graduação. Algumas dessas atividades, em virtude da dinâmica das estratégias pedagógicas em resposta ao desenvolvimento tecnológico, foram abandonadas pelos docentes. Nesse sentido, é importante registrá-las, pois fazem parte da história de uma instituição de ensino superior que completou o seu primeiro século de existência. Além disso, destaca-se que algumas delas já foram inseridas na cronologia da UFMT (SIQUEIRA et al., 2006). Registraram-se aqui também algumas estratégias desenvolvidas nos semestres iniciais do curso, momento em que o discente precisa se integrar ao seu primeiro espaço: o físico, onde se desenvolve o curso, começando então a ocupar horizontes mais amplos, como, principalmente, o interinstitucional. Assim, foram descritas as principais atividades desenvolvidas, desde 1995, nas disciplinas anuais de Plástica e Desenho Livre; História da Arquitetura e do Urbanismo e Arquitetura Brasileira, que, depois da implantação do sistema semestral, em 2008, passaram a ser desenvolvidas nas disciplinas de Desenho Livre; Plástica; História da Arquitetura e do Urbanismo I e II; Arquitetura Brasileira I e Semiótica. 1 As ornamentações histórico-arquitetônicas Logo no início do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMT, juntamente com a turma pioneira, iniciou-se o trabalho de ornamentação histórico-arquitetônica. A prática da ornamentação foi, até o início do século XX, sinônimo de arquitetura, sendo seu estudo a principal meta de um curso superior, até então sob a tutela das Academias de Belas Artes (MEYER, 1997), quando conhecer os estilos históricos era a base do curso. Um exemplo interessante dessa premissa está no livro de Yves Bruand sobre a modernidade arquitetônica brasileira. Citando a pesquisa da revista 58 Architectura no Brasil, de 1921, acerca dos trabalhos do escritório do arquiteto carioca Heitor de Mello: Os projetos dividiam-se em: dois em estilo Tudor, três em Francisco I, um em Renascença, três em Luís XIV, dez em Luís XV, catorze em Luís XVI, três em Adams, oito neogregos, sete coloniais, três suíços, um suíço-alemão, um alemão, quatro ingleses, um anglo-normando, cinco em Sezession, sete modernos, quatro sem estilo e seis indefinidos. (BRUAND, 1997, p. 35). A implantação da arquitetura moderna no Brasil, a partir da década de 1930, praticamente eliminou a ornamentação da atividade arquitetônica, que, no entanto, voltou a ser questionada e aplicada no período do Pós-Modernismo (STROTTER, 1996). É justamente essa reflexão sobre o abandono de uma prática e sua reutilização que gerou a proposta do trabalho na UFMT, em meados de 1990. A atividade acadêmica desenvolvida com base nessa reflexão foi nomeada, desde o primeiro momento, de “ornamentação histórico-arquitetônica”. Os trabalhos eram realizados na disciplina de História da Arquitetura e do Urbanismo, desde 1995, durante o primeiro semestre letivo, quando o curso era seriado anual. Depois, a partir de 2008, no sistema seriado semestral, passaram a ser elaborados na disciplina de História da Arquitetura e do Urbanismo I. Como base dos trabalhos, desde 1995, utilizaram-se principalmente os livros de Alexander Speltz (Estilos de Ornamentos, 1923) (figura 1) e o Atlas de Estilos Arquitetônicos Brockhaus (parte da portentosa Enciclopédia Iconográfica de Ciência, Literatura e Arte, do alemão Johann Georg Heck, publicada entre 1849 e 1851), ambos em edições antigas da editora Tecnoprint, além do clássico de Sir Banister Fletcher, A History of Architecture on The Comparative Method (1896). 59 Figura 1 – Capa da edição brasileira e frontispício da edição estadunidense do livro de Alexander Speltz Nota: imagem à esquerda reproduzida a partir de acervo do autor (2021). Fonte: imagem à direita, Speltz (1923).6 Inicialmente, em 1996, os trabalhos foram desenvolvidos utilizando giz de quadro-negro, mas os melhores trabalhos já foram finalizados com giz de cera ou tinta a óleo. Com o passar do tempo, o processo foi se aprimorando até chegar à utilização de tinta própria para cobertura de paredes (figura 2). Esse trabalho foi desenvolvido durante mais de 20 anos, mas o sistema se manteve em suas bases de pesquisa, projeto e implantação. Uma primeira fase pode ser definida pela utilização de material provisório, evoluindo para pintura permanente com tinta de construção civil. 6 Cópia do arquivo disponível em: https://pt.scribd.com/document/413515804/Alexander-Speltz-The-Styles-of-Ornament. Acesso em: 30 ago. 2021. 60 Figura 2 – trabalhos da primeira fase (c. 1997–1998) Nota: acervo do autor (1997, 1998). O esquema de produção consistia em desenvolver um projeto baseado nas referências dos manuais e no levantamento da área a ser trabalhada, apresentado em uma folha de desenho técnico. Os trabalhos eram reunidos e encaminhados em conjunto como um projeto para a Pró-Reitoria de Extensão, indicando o departamento onde o projeto seria aplicado, denominado como “dono da parede”. Essa fase propiciava aos discentes compreender as situações reais dessa etapa, principalmente porque mostrava a eles que o projeto seria avaliado pelos ocupantes das proximidades de onde o trabalho finalizado ficaria exposto. Depois era desenvolvido uma máscara ou um desenho em tamanho real, em papel manteiga ou Kraft, para a aplicação com papel carbono na área escolhida (figura 3). O momento final de pintura nas paredes ou nos tetos era programado 61 para acontecer no dia em que, inclusive, pudesse ser convocada a assessoria de imprensa da faculdade para o registro oficial do projeto. Figura 3 – alunos desenvolvendo o molde em papel Kraft (abril/2013) Nota: acervo do autor (2013). As apresentações desses trabalhos eram realizadas em congressos e encontros de educação, como o painel Uma Vivência: Os trabalhos de Ornamentação Arquitetônica, exibido, em 2000, no IV Encontro de Educação – Educação à Distância e Telemática, e o minicurso Prática de Ornamentação História Arquitetônica, ofertado na II Semana de Arquitetura Rural e Urbana, em 2004, pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). Além disso, em 2017, foi desenvolvido o projeto 20 Anos da Atividade Prática de Ornamentação Histórica Arquitetônica: Entendendo um Momento da Profissão, concluído dois anos depois, em que foi feito um levantamento dos projetos ainda preservados no campus. Todos esses trabalhos deixaram marcas na UFMT em Cuiabá, conforme se observa na imagem a seguir, referente a uma matéria sem ligação direta com o curso de Arquitetura e Urbanismo (figura 4). Isso deixa claro que esse trabalho já foi incorporado à identidade do prédio da UFMT. 62 Figura 4 – Matéria sobre a UFMT, utilizando foto ilustrativa de uma parte ornamentada do bloco da Faet Fonte: primeira página do Jornal Diário de Cuiabá, 2/10/2012. Devido ao bom desempenho dos trabalhos de ornamentação realizados na universidade, faz-se importante registrar que os discentes foram convidados para desenvolver esse trabalho em dois edifícios escolares de Cuiabá: a Escola Estadual Presidente Médici (figura 5) e o Centro Escolar Nilo Póvoas (atualmente denominado Centro de Referência em Educação Inclusiva Professor Nilo Póvoas), dois marcos da arquitetura local. Nas imagens a seguir, é possível verificar que os trabalhos desenvolvidos tiveram por base a ornamentação oriental. 63 Figura 5 – Alunos desenvolvendo os trabalhos de ornamentação na Escola Estadual Presidente Médici, em Cuiabá (outubro de 1999) Nota: acervo do autor (1999). Mais de 20 anos passados desde a primeira atividade, ressalta-se o interesse dos acadêmicos que entram no curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMT de realizá-la, tendo em vista que também querem deixar uma marca de sua passagem pelos corredores da instituição. 64 2 O presépio universitário Esse projeto, desenvolvido nos primeiros anos do curso, foi interessante por proporcionar ao aluno uma resposta sobre um trabalho implantado. Afastando-se do formato tradicional acadêmico das peças de presépio, o trabalho abstrato causava estranheza e provocava diversas opiniões contrárias de muitos alunos por considerarem um “desrespeito” à tradição. Na seção Holofote, o jornal Diário de Cuiabá, de 13 de dezembro de 2007, informava sobre o “Presépio Abstrato”: A UFMT apresentou à comunidade o seu presépio natalino. Há alguns anos a montagem tem sido feita pelos estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo, que o inauguraram no início desta semana, 10 de dezembro, data em que a UFMT completou 37 anos de fundação. Como atividade acadêmica, o trabalho exigiu pesquisa, exercícios de desenho e plástica e mão-de-obra na produção e montagem. A inspiração veio de Vassíli Vasilievitch Kandinski [18661944], artista russo naturalizado alemão, conhecido pelo estilo abstrato. (DIÁRIO DE CUIABÁ, 2007). Desenvolvido na disciplina de Plástica e Desenho Livre (posteriormente nominada Plástica), o presépio foi produzido a partir de formas geométricas simples e cores primárias, sob a influência de outro artista abstrato: Piet Mondrian (1872–1944). Para a execução desse trabalho, a turma foi dividida em grupos, em que cada um se responsabilizou pelo projeto de uma das peças. Com o apoio do setor de Carpintaria da UFMT (atual Laboratório de Maquete do curso de Arquitetura e Urbanismo) e após discussão com os segmentos envolvidos, as peças foram recortadas, pintadas e montadas em um espaço aprovado pela Pró-Reitoria de Vivências. A princípio, a proposta era que as peças fossem produzidas com compensado naval, para resistir ao tempo, mas, por questões de orçamento e de aproveitamento do material em estoque ou, até mesmo, descartado, utilizouse compensado normal ou madeirite (figuras 6 e 7). 65 Figura 6 – presépio de 2002: manjedoura “livro aberto” Nota: acervo do autor (2002). Figura 7 – presépio de 2004: manjedoura “pirâmide” Nota: acervo do autor (2004). 66 Nas discussões pós-implantação, resgataram-se as adaptações às tradições locais, como as peças nordestinas padrão Mestre Vitalino, e as de produção local, desenvolvidas na região de São Gonçalo Beira Rio, ambas em barro cozido. Nesse trabalho, também foi discutida a estética das vanguardas formais da primeira metade do século XX. O debate principal aqui desenvolvido foi o diálogo entre o tradicional, o regional e o modernismo vanguarda. Sendo uma prática bastante antiga e europeia, transposta para o Brasil e apropriada pelos mestres artesãos, foi válida a proposição de incorporar as vanguardas plásticas dentro dessa tradição, afinal, o estado de Mato Grosso, desde a implantação do Museu de Arte e de Cultura Popular da UFMT, em 1974, vem ocupando um espaço importante dentro do cenário das artes plásticas no país (FIGUEIREDO, 1979; FIGUEIREDO; ESPÍNDOLA, 2010). 3 Pesquisas sobre arquitetura e urbanismo regionais Após a implantação do curso de Arquitetura e Urbanismo na UFMT, várias universidades também passaram a ofertá-lo, como a Universidade de Cuiabá (Unic), em 1997, o Centro Universitário de Várzea Grande (Univag), em 2012, e a Unemat (Barra do Bugres) em 2001. Em grande parte, essa expansão ocorreu devido à realidade estadual no final do século XX, com o crescimento das cidades a partir do projeto de ocupação da Amazônia Legal, demonstrando a preocupação e a importância, dada a necessidade de acompanhar esse processo de maneira crítica e organizada. Nesse sentido, na UFMT, a partir da disciplina de Arquitetura Brasileira, destaca-se o desenvolvimento de dois tipos de trabalho. O primeiro se refere a um levantamento das obras dos arquitetos pioneiros do estado, como Moacyr Freitas, João Timótheo da Costa, Mário Gomes Monteiro e Antônio Carlos Candia, contudo, apesar das muitas informações relevantes coletadas, esse projeto não teve continuidade em virtude da ampliação do campo da arquitetura e do número limitado das personagens a serem entrevistadas. 67 O segundo trabalho teve o objetivo de levantar a memória histórica e a situação das novas cidades mato-grossenses, principalmente as do norte, que integram o Nortão de Mato Grosso, criadas por meio de projetos privados de colonização da Amazônia, desenvolvidos a partir dos anos 1970. É importante destacar que alguns alunos do curso eram descendentes dos pioneiros desses projetos de colonização, o que facilitou na execução da atividade proposta e no levantamento de dados importantes, desde os anos 1970 até o final do século. As principais cidades estudadas dessa região foram: Porto dos Gaúchos, Primavera do Leste, Terra Nova do Norte e Sorriso. Em relação a esta última, por exemplo, coletou-se informações acerca da implantação do primeiro semáforo da cidade. Além disso, foram coletadas informações sobre relatos e registros dos processos de captação de colonos do sul do país para Mato Grosso, como a divulgação realizada por meio de panfletos, estrategicamente divulgados após a ocorrência de geadas que afetavam as plantações no Paraná e Rio Grande do Sul, destacando que esse fenômeno “não existia no estado de Mato Grosso” (MATTOS, 2009). Destaca-se ainda que grande parte desse material serviu de subsídio para outras pesquisas e discussões em trabalhos de pós-graduação, a exemplo da dissertação de Mattos (2009), que abordou sobre educação, história e regionalidade da arquitetura. Essa nova etapa abriu espaço para a inserção dos trabalhos e das pesquisas em outros meios que não apenas o espaço físico. Uma das responsabilidades de uma instituição de ensino superior, principalmente se esta for uma instituição pioneira, é levantar as informações e produzir discussão. Como foi ressaltado ainda no século XX: Fundada em 1970, no momento histórico da interiorização do Brasil, e sediada em Cuiabá, na rota principal desse fluxo migratório, a Universidade Federal de Mato Grosso, imbuirse-ia da consciência geopolítica da região, onde a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado e as fronteiras latinas perfazem o espaço referencial. (FIGUEIREDO, 1990, p. 16-17). 68 Com esse espírito, essas pesquisas foram feitas, no sentido de registrar um momento importante enquanto os atores daquela história estavam vivos e disponíveis para o diálogo, cujos estudos serviram posteriormente de base para muitas outras produções acadêmicas. Como exemplo final deste capítulo, foram listados alguns dos trabalhos desenvolvidos e utilizados na dissertação de MATTOS (2009). 4 Do espaço físico ao virtual: artigos para jornais, sites e revistas Entre os anos de 2010 e 2012, dentro da disciplina de História da Arquitetura e do Urbanismo II, os discentes foram incentivados a escrever artigos para divulgação/discussão sobre os assuntos ligados às questões urbanas ou arquitetônicas e a submetê-los às seções de “Opinião” dos jornais locais. Essa atividade foi desenvolvida pouco antes da explosão dos autoproclamados influencers das redes sociais. Na época, apenas alguns “acadêmicos do curso de Direito” se aventuravam a mandar opiniões em espaços além da Carta do Leitor, sendo esta uma fase de transição entre a ocupação de espaços da imprensa “em papel” e o início dos sites de informação especializada. Alguns desses trabalhos foram publicados em jornais e outros em sites jornalísticos e especializados, conforme lista ao final do capítulo. Na disciplina de Semiótica, desenvolvida nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, visando principalmente aumentar o arsenal de conhecimentos teóricos para atividades de análise, crítica e descrição do objeto arquitetônico e/ou urbanístico, para não estacionar em mais uma discussão sobre teorias, os acadêmicos foram incentivados, no semestre letivo de 2019/1, a buscar uma produção teórica atualmente desenvolvida no Brasil. Como ainda estava sendo discutida a criação de uma revista científica no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFMT, tal pesquisa foi realizada em outras instituições. Depois de buscar em sites das universidades brasileiras, a revista digital escolhida foi a arq.urb (figura 8), do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas, da capital paulista. 69 Trata-se de uma revista relativamente nova, com o primeiro número publicado em 2008, classificada, à época, no estrato B2 (Qualis/Capes). Figura 8 – Logomarca da revista digital arq.urb da Faculdade São Judas Tadeu (SP) Fonte: site da revista arq.urb https://revistaarqurb.com.br, acesso em 2/2/2022. A partir dessa escolha, cada discente optou por um artigo, que foi apresentado em sala de aula e discutido com a turma. Os textos tinham que ter ligação com a teoria semiótica ou, no mínimo, trabalhar teorias arquitetônicas ligadas ao estruturalismo. A atividade foi desenvolvida por apenas um semestre, cujo ponto positivo foi encontrar, depois de mais de 25 anos de curso, um grupo de discentes que já navegava pelo espaço virtual com bastante familiaridade. A situação decorrente da pandemia da covid-19, que alterou a forma de atuação dentro do contexto educacional brasileiro, desde março de 2020, levando à adoção da modalidade de ensino à distância em substituição à presencial, para garantir o isolamento físico necessário, potencializou a ocupação do espaço virtual para pesquisar locais, recursos e outros materiais, mediante os quais poderiam se desenvolver discussões na disciplina Arquitetura Brasileira I. A referida disciplina tem como objetivo tratar das práticas arquitetônicas no país desde as manifestações indígenas até o início do século XX. Assim, foi procurada uma instituição que possibilitasse um contato amplo e aberto e que também tivesse participação na formação de um acervo brasileiro de boas publicações sobre as questões da disciplina. Nesse sentido, nada melhor que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional para tal atividade. Dentre o imenso acervo do instituto, optou-se por trabalhar na aba Publicações para download, local em que, além de disponibilizar vários livros fundamentais sobre o período, entre eles, os de Robert Smith (2012) e o de John Bury (2002), e as referências sobre arquitetura religiosa do período colonial, também estavam acessíveis as Revistas do Patrimônio 70 Histórico e Artístico Nacional, que definiu o alto padrão da pesquisa sobre patrimônio no Brasil. Foi um semestre muito produtivo, pois houve uma discussão importante sobre a história das raízes mestiças do Brasil, além do fato de que a própria busca pelo site da instituição já foi uma experiência gratificante. A possibilidade de examinar as primeiras revistas do então jovem instituto tinha como premissas a busca e a afirmação de uma visão eminentemente técnica, afastada da prática mais poética e ufanista do final do século XIX. O acervo encontrado na plataforma do instituto se mostrou tão extenso e produtivo que o trabalho continuou no semestre seguinte. Sobre esses trabalhos, é importante registrar que, em relação ao espaço físico, quem desenvolveu as atividades pedagógicas na última década do século XX teve algumas facilidades para trabalhar com os acadêmicos fora do espaço da sala de aula, desde a intervenção da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologias da UFMT, com instalações e painéis da disciplina de Plástica, até as interessantes manhãs em que foi possível desenhar no Centro Histórico de Cuiabá, que já vivenciava as agitações de metrópole em desenvolvimento. Tais atividades hoje estão bastante dificultadas, principalmente pelas normas de segurança para atividades fora do campus, que incluem desde transporte oficial até seguro obrigatório em relação a possíveis acidentes. Já em relação ao espaço virtual, além de se mostrar possível fazer uma pós-graduação utilizando a maior parte da bibliografia acessada por meio digital, principalmente em sites de pesquisa, tal recurso também se mostra interessante para ser inserido, desde cedo, num curso superior como meio de auxiliar no processo formativo dos graduandos. Esse fato tem sido experienciado, nos últimos 30 anos, com a chegada e o domínio das tecnologias digitais nos campi universitários. Um momento interessante dessa história foi quando se incluiu pioneiramente, no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFMT, o ensino do sistema CAD/AutoCAD na grade curricular. Naquele momento, esperava-se que os outros cursos da 71 área de tecnologia pressionassem para a inclusão dessa disciplina em suas grades curriculares, o que de fato demorou um pouco para acontecer. Não só na área de História e Teoria, mas também em áreas como Desenho e Representação Gráfica, é bom para um curso com alcance vasto, como o da Arquitetura e Urbanismo, que atividades peculiares sejam registradas e divulgadas, sendo elas práticas físicas, presenciais ou decorrentes das pesquisas virtuais. Como a pesquisa, por si só, apesar de gratificante, não pode parar no acervo pessoal, é interessante deixar essas experiências registradas para posterior utilização em outras instituições de ensino. Referências BOCKHAUS. Atlas de Estilos Arquitetônicos. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d. BENEVOLO, L. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva., 2012. BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1997. BURY, J. Arquitetura e arte no Brasil colonial. Brasília: Monumenta/IPHAN, 2002. DIÁRIO DE CUIABÁ. UFMT está com o Presépio Montado. 13/12/2007. Disponível em: http://diariodecuiaba.com.br/ilustrado/ufmt-esta-com-presepiomontado/305260 . Acesso em: 30 ago. 2021. 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Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso em agosto de 2019. Disponível em: https://ri.ufmt.br/bitstream/1/1959/1/ TESE_2019_Gabriel%20Francisco%20 de%20Mattos.pdf. Acesso em: 1°/2/2021. MEYER, F. S. Manual de Ornamentación. Barcelona, Espanha: GG, 1997. REVISTA arq.urb. Revista do do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas, São Paulo, SP. Disponível em: https://revistaarqurb.com.br. Acesso em: 2/2/2022. SIQUEIRA, E. et al. Cronologia Histórica: comemorando os 35 anos da UFMT. (CD-ROM). Cuiabá: EdUFMT, 2006. SMITH, R. C. Robert Smith e o Brasil: arquitetura e urbanismo. Organização, Nestor Goulart Reis Filho. Brasília: Iphan, 2012. SPELTZ, A. Estilos de Ornamentação. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d. SPELTZ, A. The Stiles of Ornament. Disponível em: pt.scribd.com/ document/413515804/ Alexander-Speltz-The-Styles-of-Ornament. 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Lista de artigos dos acadêmicos que foram publicados na imprensa local ALFARO, M. L. Cuiabá 2014, reformar ou construir uma cidade nova? Site 24 Horas News, 7/12/2010. CHRISTÓFFOLI, T. F. Música petrificada. Site Circuito MT, 6/12/2010. MAZZANTE, A. S. O mercado virtual. Site Circuito MT, 9/12/2010. OZAKI, H. K. Conforto Técnico em Creches. Jornal A Gazeta, Cuiabá, 17/6/2011, p. 3, Primeiro Caderno. REIS, M. C P. L. dos. Teatro Municipal de Cuiabá. Folha do Estado, 21/12/2010. 74 CAPÍTULO 4 O PALÁCIO ARQUIEPISCOPAL: monumento-síntese da arquitetura neocolonial em Cuiabá (MT) João Francisco Ciochi Souza Paulo Victor Vieira Rodrigues Victória Martins Magri Ricardo Silveira Castor O presente capítulo se dedica a uma análise arquitetônica do edifício-sede da Cúria Arquidiocesana de Cuiabá, conhecido como Palácio Arquiepiscopal, projetado em estilo neocolonial, nos anos iniciais de 1940, pelo arquiteto paulista Luiz Inácio de Anhaia Mello. A pesquisa se justifica pela relevância da obra como patrimônio cultural de Mato Grosso, que é referência para a história da arquitetura de Mato Grosso e para a coletividade atendida pelos diferentes serviços prestados em seus quase 70 anos de existência, atestados pelas diversas ações sociais promovidas pela Cúria nas dependências da sua sede, sendo elas de teor religioso, ensino profissionalizante ou prestação de serviços assistenciais. No que se refere à memória cultural, o edifício afirma-se como valoroso testemunho da arquitetura da Era Vargas, que se disseminou pelo interior do país durante a chamada “Marcha para o Oeste”, programa de desbravamento e integração nacional lançado durante o regime do Estado Novo (1937–1945). Trata-se, portanto, de um patrimônio de reconhecido valor histórico, embora seja uma construção relativamente recente e esteja localizado fora da área abarcada pelo tombamento em nível federal, que, a partir do início da década de 1990, contribuiu para a manutenção dos atributos originais de outras obras 75 arquitetônicas da mesma época e estilo, como a Residência dos Governadores e o Grande Hotel. O palácio está situado na região centro-sul da cidade, em uma das elevações naturais que acompanham a margem esquerda do histórico córrego da Prainha, cujas águas levaram os bandeirantes paulistas às jazidas de ouro, que motivaram a fundação do Arraial do Senhor Bom Jesus de Cuiabá no início do século XVIII. O terreno, de conformação trapezoidal, ocupa uma posição intermediária entre o referido tecido histórico setecentista e o tradicional bairro do Porto, onde o córrego da Prainha desemboca no rio que empresta seu nome à cidade. O rio Cuiabá representava, até meados do século XX, a principal via de ligação da cidade com o restante do país, com os países vizinhos ao sul do continente e com a Europa, o que está longe de ser um dado irrelevante para a compreensão do significado arquitetônico da obra em questão. Se é notória a importância histórica e social do edifício, suas qualidades arquitetônicas ainda carecem de reconhecimento, seja por parte dos círculos acadêmicos, seja entre a população da cidade em geral. É o que se depreende da escassez quase completa de artigos acerca de suas especificidades construtivas e artísticas, tanto em publicações especializadas quanto nos veículos de imprensa. Os escassos estudos dedicados ao Palácio Arquiepiscopal ou Palácio Episcopal — como é normalmente designado nesses trabalhos — dedicam pouca atenção à sua arquitetura, concentrando-se antes nas circunstâncias históricas que levaram à sua construção. Dentre os títulos que abordam os aspectos propriamente arquitetônicos, são demasiadamente sucintos ao tratar do edifício, como na tese Arquitetura Moderna em Mato Grosso (CASTOR, 2013), ou simplesmente descritivos, não se propondo uma análise crítica do projeto, segundo o livro Memórias de um Cuiabano Honorário (SÁ, c. 1980), ou ambas as coisas, conforme se observa em Patrimônio Cultural de Cuiabá (LACERDA, 2004). Deve-se destacar, no entanto, a considerável contribuição dessas obras para a sustentação da presente pesquisa. De fato, os dados utilizados para a 76 elaboração deste capítulo foram extraídos tanto da referida bibliografia quanto de entrevistas, levantamentos fotográficos e visitação in loco, entre outras fontes gentilmente disponibilizadas pelo Pe. Felisberto Samoel da Cruz. 1 Sobre o neocolonial Em fins do século XIX, o estilo arquitetônico predominante na Europa era o eclético, que se caracterizava por uma profusão de linguagens artísticas do passado, como o neoclássico renascentista, combinada com as novas tecnologias advindas da Revolução Industrial, a exemplo do uso ostensivo do ferro e vidros nas construções. O estilo neoclássico foi trazido ao Brasil por intermédio da corte portuguesa, que se mudou para a colônia devido ao bloqueio continental imposto por Napoleão Bonaparte. Embora originário da França, tal estilo caracterizava-se por suas pretensões universalistas, confirmadas por sua ampla difusão internacional, e foi adotado nas colônias como símbolo da sofisticação europeia, contudo não estava vinculado a países específicos do Velho Continente, variando apenas em detalhes de região para região. Nesse contexto, os estilos de retomada das raízes culturais apresentavamse como um importante marco na busca por uma identidade nacional, por meio da difusão de tendências locais, que adentrariam o século XX na contramão da arquitetura modernista dos anos 1920, conhecida justamente por sua aderência a um “estilo internacional”. Tomando a onda nacionalista como ponto de partida, vários países da América Latina se voltaram para sua cultura e buscaram formas e motivos decorativos, que inspirariam as novas realizações arquitetônicas para que suas formas fossem modernas e inconfundíveis. Um movimento em busca da tradicional casa de origem lusitana tentava responder aos anseios de uma época de discussões nacionalistas, tanto no Brasil, que ainda se via preso às raízes europeias, embora acabasse de se tornar uma república, quanto em Portugal, onde o regime monárquico sofreu com as acusações de incapacidade 77 em defender os interesses da nação — após retirar suas forças militares dos territórios compreendidos hoje por Zimbabwe e Zâmbia, no período do Ultimato Inglês, em 1890. Pinheiro (2003, p. 166 apud MASCARO, 2008) cita a busca da “brasilidade” como um movimento que amadureceu, desde o século XVIII, com a Inconfidência Mineira de 1789, seguida pela Independência de 1822 e a Proclamação da República em 1889. Isso explica, em parte, o anseio por um traço puramente brasileiro nas obras locais e a acolhida favorável que as tendências neocoloniais receberam em território nacional. Os primeiros debates sobre o movimento neocolonial no país se iniciaram por volta de 1914, com uma conferência intitulada A arte tradicional no Brasil, proferida pelo engenheiro português Ricardo Severo, principal ideólogo e defensor desse estilo (MASCARO, 2008). O movimento de afirmação nacionalista brasileiro se estendeu a vários campos da arte, como literatura, pintura etc., tendo sua máxima expressão na Semana de Arte Moderna de 1922, em que artistas da elite paulista exploraram tendências vanguardistas já em vigor na Europa, visando à sua adaptação à realidade brasileira. Ricardo Severo, que passou parte de sua vida em terras brasileiras, foi enfático em suas críticas aos estilos eclético e neoclássico, proferidas no início da sua célebre conferência: Não procurem ver, meus senhores, nesta veneração tradicionalista, diluída em nostálgica poesia do passado, uma manifestação de saudosismo romântico e retrógrado. Com efeito, para criar uma arte que seja nossa e de nosso tempo cumprirá, qualquer que seja a orientação, que não se pesquisem motivos, origens, fontes de inspiração para muito longe de nós próprios, do meio em que decorreu o nosso passado e no qual terá que prosseguir o nosso futuro. (Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira, 2021). O movimento também foi incentivado por escritores de renome, como Monteiro Lobato: “Nossas casas não denunciam o país [...] Dentro de um salão Luís XV somos uma mentira com o rabo de fora.” (HOMEM, 1996), e ganhou 78 força nos anos 20, por se opor ao movimento modernista de mestres europeus como Le Corbusier. Nesse sentido, o próprio arquiteto Lúcio Costa chegou a projetar algumas construções em estilo neocolonial, antes de se converter aos projetos “ultramodernos”, para ficar na expressão cunhada por José Marianno Filho, seu antigo mentor na Escola Nacional de Belas Artes da UFRJ. É importante ressaltar que Marianno Filho teve um papel importante no movimento neocolonial, pois foi quem lhe deu esse nome, financiou viagens de arquitetos adeptos do estilo, fomentando a possibilidade de ampliar as pesquisas sobre ele para regiões como Ouro Preto, em Minas Gerais, e promoveu concursos entre estudantes e arquitetos, como “Casa Brasileira” e “Solar Brasileiro”. Neste último, realizado em 1923, Lúcio Costa, ainda estudante, obteve o segundo lugar. Na ocasião, Costa foi convidado pelo promotor do curso à sua residência e elogiado pelos trabalhos até então realizados. A parceria entre Costa e Marianno terminou, porém, quando o primeiro foi convidado a ser diretor da Escola Nacional de Belas Artes, em 1930. Nesse período, já com ideais modernistas, Lúcio Costa se virou contra o tradicionalismo, que já o reconhecia como um estilo limitado, e implantou as novas correntes arquitetônicas na academia. Com essa ação, o estilo neocolonial foi decaindo, a partir da década de 1930, em São Paulo e no Rio de Janeiro. O embate entre Costa e Marianno foi muito bem aproveitado pela imprensa, conforme se depreende do trecho acalorado do debate entre eles que circulou por algumas semanas, com especial destaque para a fala de Marianno: Quanto o ilustre sr. dr. Francisco Campos entregou inesperadamente a direção da Escola de Belas Artes ao jovem arquiteto Lucio Costa, considerado até então o mais valoroso cadete da esquadra tradicionalista, eu exultei sinceramente com a escolha, considerando-a legítima vitória da causa que defendo… O cadete Lucio Costa, que até a véspera de sua nomeação, fazia praça de seu credo nacionalista, ingressava a capacho nas hostes da corrente ultramoderna… o paladino da arquitetura de fundo nacional… se fizera do dia para a noite agente secreto do nacionalismo judaico… E abriu sem 79 demora as portas aos artistas que iriam dentro da própria Escola trabalhar contra o sentimento nacional. (KESSEL, 2008, p. 181 apud MASCARO, 2008). Fora dos grandes centros, contudo, o estilo neocolonial encontraria terreno fértil, não apenas para expansão de seu alcance geográfico, extrapolando o eixo Rio–São Paulo, que o viu germinar, mas para um processo de diversificação de repertório estilístico, ditado muitas vezes por restrições técnicas e orçamentárias derivadas justamente do isolamento das cidades interioranas. Nesse sentido, o território de Mato Grosso tem algo a ensinar sobre a história de simplificações, mas também de combinações e inovações, que, com o tempo, acabaria por converter o neocolonial brasileiro em uma das mais interessantes vertentes do estilo que outrora combateu: o onipresente e multifacetado ecletismo. 2 Cuiabá na primeira metade do século XX O início do século XX, em Cuiabá, testemunhou a modernização da sua infraestrutura urbana e a expansão da sua população, incrementada por novas levas de migrantes. A inauguração da ferrovia entre a cidade de Bauru (SP) e o distrito corumbaense de Porto Esperança (MS), em 1914, teve profundo impacto sobre a economia da região sul do estado, impulsionando o crescimento das cidades que nasceram ou se desenvolveram sob a zona de influência dos trilhos (CASTOR, 2013). Num período em que Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ainda formavam um mesmo estado, a cidade portuária de Corumbá, ao sul daquele extenso e indiviso território estadual, destacava-se como o principal polo da economia mato-grossense, para onde migraram muitos profissionais qualificados, sobretudo entre as décadas de 1920 e 1930. Durante o regime conhecido como Estado Novo, a localização da cidade de Cuiabá (MT) foi considerada estratégica para os programas de interiorização da econômica nacional lançados pelo então presidente Getúlio Vargas, que 80 decidiu incrementar a infraestrutura da cidade e controlar seu capital político (CASTOR, 2013). A cidade recebeu, com efeito, uma injeção de investimentos públicos que lhe deram novos ares, com a construção de prédios públicos e a instauração de novos eixos de crescimento urbano, a exemplo das atuais avenidas Getúlio Vargas e Mato Grosso. Embora a maior parte dessas obras tenha sido tocada pelo governo estadual, sendo, inclusive, conhecidas como “obras oficiais do governo Júlio Muller”7, estão claramente vinculadas ao plano de ações do governo Vargas e, em particular, ao programa conhecido como Marcha para o Oeste, que visava promover a colonização dos “vazios demográficos” dos sertões brasileiros. Nesse contexto, Cuiabá passou a figurar como “Portal da Amazônia”, já que a ocupação da região Centro-Oeste do país foi então considerada uma primeira etapa no processo de ocupação da Amazônia (FREITAS, 2011). Segundo o engenheiro responsável pela execução das obras oficiais do governo Júlio Muller, Cássio Veiga de Sá, os materiais de construção eram encontrados com certa dificuldade na região de Cuiabá, sendo areia, tijolos (feitos à mão), cal e pedra os mais acessíveis. (SÁ apud CASTOR, 2013). Já as madeiras eram trazidas de São Paulo, uma vez que as serrarias cuiabanas não conseguiam atender à demanda. As construções seguiam um cronograma restrito e eram administradas pelo engenheiro cuiabano João Ponce de Arruda, Secretário Geral do Estado. Diferentemente do que se viu na região sul do antigo território de Mato Grosso, as influências sofridas pela arquitetura cuiabana, no início do século XX, ocorreram mais por vias fluviais do que por estradas ou linhas férreas. A conexão com as principais cidades do país, incluindo a capital, ocorria por intermédio da Bacia Platina, estuário do Prata e oceano Atlântico. Compreende-se que o Rio de Janeiro e os países do chamado Cone Sul, banhados pela Bacia Platina, tenham sido as fontes das tendências e dos 7 Júlio Muller governou o estado de Mato Grosso de 4 de outubro a 24 de novembro de 1937, quando passou ao posto de interventor federal, assim permanecendo até 8 de novembro de 1945. 81 profissionais que exerceram maior influência sobre a arquitetura cuiabana. Explica-se, da mesma forma, o aparecimento tardio do estilo neocolonial na cidade, datado das décadas de 1930 e 1940. Assim, ainda que a ligação ferroviária com São Paulo, a partir da segunda década daquele século, tenha estimulado a arquitetura no sul do antigo estado e indiretamente na cidade de Cuiabá, os avanços foram percebidos lentamente, com alguns anos de atraso. No início do século, observou-se em Cuiabá a construção de edificações em estilo neoclássico, como o Palácio da Instrução, e eclético, a exemplo do antigo Trem de Guerra, atual sede do Sesc Arsenal. Também foram “importados” alguns projetos estrangeiros, sendo o mais importante o da Igreja do Bom Despacho, cuja construção se iniciou em 1918 (Prefeitura Municipal de Cuiabá, 2017), supostamente inspirada no estilo da Catedral Notre Dame de Paris. Durante a Era Vargas, os projetos seguiram, em geral, as tendências próprias dos estilos neocolonial e Art Déco8, até então em voga. As linhas deste último estilo expressavam a modernidade e, no caso de obras públicas, as pretensões progressistas dos governantes de plantão. As mencionadas obras oficiais do governo Júlio Muller são exemplares nesse sentido, a começar pela primeira construção neocolonial do estado: a Casa dos Governadores, seguida pelo Grande Hotel e pelo Palácio Episcopal. Dentre as obras de gosto Art Déco, destacam-se o Cine Teatro e a Secretaria Geral, atual sede do Arquivo Público de Mato Grosso. Vale salientar a importância do eixo viário, que deu visibilidade às principais realizações arquitetônicas do governo Júlio Muller. A avenida Getúlio Vargas foi o grande palco da modernização da cidade, como se observa pela variedade de estilos arquitetônicos que a emolduram, transitando 8 A arquitetura Art Déco é parte de um movimento dos anos 1920, que influenciou também o cinema, a moda, o design e as artes plásticas em geral. O estilo caracteriza-se pelo emprego de materiais construtivos modernos, como o concreto armado em composições referenciadas no movimento Arts and Crafts, no cubismo e no classicismo das tradicionais Escolas de Belas Artes. Sobressaem o dinamismo das linhas retas, as formas geométricas bem definidas, as fachadas tripartites clássicas (base, corpo e coroamento) e a ausência de motivos ornamentais do passado (GHISLENI, 2021). 82 originalmente do neocolonial ao Art Déco. A partir dos anos 1960, contudo, casas modernistas também se sucederam na avenida, mostrando a ideia de modernização, impulsionada por um novo ciclo de expansão econômica e integração territorial, nessa ocasião, vinculada à construção de Brasília e à política desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek. Assim, uma arquitetura singular se desenvolveu entre esses dois momentos cruciais da história de Cuiabá e do país. Falar das obras cuiabanas ligadas a Getúlio Vargas é abordar sobre a avenida de mesmo nome que as concentra e sintetiza, seguindo sua marcha (de asfalto) para o oeste, a partir do centro histórico da cidade. É falar também das casas modernistas, que foram a grande vitrine entre as décadas de 1960 e 1970. Analisar a convivência harmoniosa entre obras de estilos diversos, antigos e modernos, em um mesmo espaço urbano, é reportar-se aos fundamentos do ecletismo. Retornar ao tema do ecletismo é voltar-se para aquilo que os mencionados estilos da Era Vargas possuem em comum com as tendências modernas, que nos acompanham desde a construção de Brasília: a aversão à mistura e à convivência de temas artísticos do passado. Portanto, entre as arquiteturas do Estado Novo e as da “Capital Nova”, afirma-se, aos poucos e silenciosamente, uma arquitetura neocolonial, que também é barroca e não deixa de ser moderna, perfeitamente exemplificada, a nosso ver, pela obra analisada a seguir. Eis a hipótese da presente pesquisa. 3 O Palácio Arquiepiscopal 3.1 Breve história As fontes consultadas apresentam divergências quanto ao período de construção do edifício-sede da residência oficial do arcebispo de Cuiabá, contudo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informam que a pedra fundamental do assim chamado Palácio Arquiepiscopal foi lançada em 7 de agosto de 1941, numa solenidade em homenagem a Getúlio Vargas. Sua 83 construção também recebeu a colaboração de Eurico Gaspar Dutra (presidente do Brasil entre 1946 e 1951), por intermédio do então arcebispo da Mitra Arquidiocesana, Dom Francisco Aquino de Corrêa. A inauguração ocorreu no ano de 1952, ainda sob a administração de Dom Aquino (CRUZ, 2012). Em entrevista, o Pe. Felisberto Samoel da Cruz (2018), residente na casa, afirmou que o imóvel nunca foi tombado, o que, inclusive, veio a facilitar as intervenções ali realizadas. De acordo com o documento elaborado em 2010, pelo Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU), que integra a Prefeitura Municipal de Cuiabá, o palácio consta como tombado na esfera estadual, mediante portaria publicada em 8 de junho de 1998. 3.2 Sobre a utilização do espaço A intenção inicial de Dom Aquino era a de que o palácio fosse a residência dos arcebispos, de outros sacerdotes que passassem pela cidade e de padres vindos de regiões mais interioranas da Arquidiocese do estado, função antes abrigada pelo Seminário da Conceição. Contudo, com sua morte, em 1956, o bispo auxiliar Dom Antônio Campelo de Aragão transformou-o na sede do Departamento de Ação Social Arquidiocesano (Dasa), onde eram oferecidos cursos de corte e costura, bordado e crochê, além de serviços clínicos, odontológicos, ginecológicos e outros (CRUZ, 2012). Também ocorriam ritos religiosos, como a catequese e a celebração da Santa Missa, realizada na capela do palácio, que, à época, ocupava uma área maior que a atual, cujas atividades eram realizadas no pavimento térreo da edificação. Logo em seguida, em 1957, sob a administração do novo arcebispo Dom Orlando Chaves, o palácio voltou a ter a finalidade para o qual foi projetado: de residência arquiepiscopal. Desde então, passou a ser morada do arcebispo e de alguns de seus vigários gerais, ocupando o primeiro pavimento do prédio. Um dado curioso é que, segundo o Pe. Felisberto, a porta principal localizada na torre circular não 84 era a entrada utilizada nesse período. O acesso ocorria por uma porta lateral ao final da ala esquerda (figura 1). Figura 1 – Fachada do Palácio Arquiepiscopal, 1960 Fonte: IBGE (2016). Não foram encontrados registros da data em que o edifício deixou de sediar o Dasa. Sabe-se, entretanto, que, no ano de 1974, a administração de Dom Bonifácio Piccinini acrescentou à casa um escritório da Mitra Arquidiocesana. Desde então, o pavimento térreo configurou-se enquanto Sede Administrativa da Mitra, estando assim até o presente momento. 3.3 A arquitetura do Palácio Arquiepiscopal Projetado por Luiz Inácio de Anhaia Mello, o edifício pode ser classificado de neocolonial, revivalismo de teor nacionalista, que abarca referências coloniais e barrocas. Trata-se de um volume composto por uma torre central, a partir 85 da qual se estendem lateralmente duas alas simétricas. É implantado em um lote de esquina, no cruzamento das avenidas General Mello, General Valle e Dom Aquino, de forma a acompanhar as irregularidades nos limites do terreno (figuras 2 e 3), abrindo mão da ortogonalidade em favor de uma configuração mais harmônica com o entorno (CASTOR, 2013), remetendo, inclusive, às práticas do urbanismo colonial, ainda que apresente certo recuo no lote e um limite entre público e privado estabelecido por um muro, e não por paredes. Figura 2 – Implantação e acessos do palácio Nota: editado pelos autores a partir de Google Earth (2021). Figura 3 – Perspectiva do palácio e entorno Nota: editado pelos autores a partir de Google Earth (2021). 86 Os adornos curvos característicos do barroco se fazem presentes em toda a fachada, inclusive no muro, composto de curvas em pares, que se assemelham a volutas9. As aberturas apresentam fechamento em arcos, que se diferem dos arcos plenos da antiguidade clássica. A porta principal se destaca por sua centralidade no plano frontal da torre circular, pela sua altura e pela arcada em relevo que a emoldura, conforme figura 4 a seguir. Figura 4 – Acesso principal do palácio Fonte: foto de Ricardo Castor (2015). 9 Voluta é um adorno desenvolvido em forma de espiral, presente principalmente nos capitéis das colunas clássicas das ordens jônica, coríntia e compósita (CHING, 2010). 87 A balaustrada10 e as vergas 11, que se sobressaem ao plano da fachada, dão um destaque suave aos vazios e acrescentam volume e um jogo de sombras típico do barroco. Já os beirais 12 aparentes e o próprio ritmo presente nas aberturas remetem às características do estilo colonial. A torre se encerra em um mirante, que, aliado à topografia do local, confere tanto a visibilidade ao edifício (CASTOR, 2013), caracterizando-o como um marco no espaço, quanto a possibilidade de contemplação de uma ampla porção da paisagem urbana de Cuiabá, onde, inclusive, destaca-se a presença da arquitetura sacra, que, no Centro Antigo, ocupa locais privilegiados, conforme a lógica da época em que foram erguidas (figura 5). Figura 5 – Trio de fotografias tiradas a partir do coreto e da sacada do palácio Nota: acervo dos autores (2021). 10 Balaústres são cada um dos suportes ornamentais que protegem lateralmente um guarda-corpo de balcões ou escadas. Em seu conjunto, compõem uma balaustrada (CHING, 2010). 11 Verga ou dintel é uma viga disposta sobre o vão de portas e janelas, com a finalidade suportar o peso da alvenaria acima delas (CHING, 2010). 12 Beirais são as bordas inferiores de um telhado, que sobressaem da parede e servem para desviar a água da chuva (CHING, 2010). 88 Quanto à sua configuração interna, ao passar pela entrada principal, encontra-se uma recepção de planta circular, com colunas clássicas simetricamente distribuídas também em círculo (figura 6), que dá acesso a duas salas nas laterais — atualmente abriga uma sala de reuniões e um escritório — e a um corredor ao fundo, onde se encontram as demais salas destinadas à administração, os banheiros de uso coletivo e a capela, como mostra a figura 7, referente à planta do pavimento térreo. Também foi construído um subsolo, onde são realizados os trabalhos relacionados à limpeza e à manutenção do edifício e que abriga ainda um espaço destinado às refeições dos funcionários que ali trabalham (figura 8). Figura 6 – Colunas clássicas na recepção do palácio Fonte: acervo dos autores (2018). 89 Figura 7 – Planta baixa do subsolo Fonte: atualizada por Zanatta, Vido e Gatto, a partir de levantamentos feitos em 2021. Figura 8 – Planta baixa do pavimento térreo Fonte: atualizada por Zanatta, Vido e Gatto, a partir de levantamentos feitos em 2021. 90 Por meio de uma bela escadaria sinuosa (figura 10), chega-se ao pavimento superior, onde ficam os dormitórios dos que ali residem, a biblioteca (diretamente acima da recepção), a cozinha com sala de jantar, os banheiros de uso coletivo e a escadaria que desemboca no mirante (figura 9). Figura 9 – Planta baixa do primeiro pavimento Fonte: atualizada por Zanatta, Vido e Gatto, a partir de levantamentos feitos em 2021. 91 Figura 10 – Escadaria de acesso ao primeiro pavimento Fonte: acervo dos autores (2018). Figura 11 – Planta baixa do segundo pavimento Fonte: atualizada por Zanatta, Vido e Gatto, a partir de levantamentos feitos em 2021. 92 Figura 12 – Planta baixa do terraço Fonte: atualizada por Zanatta, Vido e Gatto, a partir de levantamentos feitos em 2021. O piso, em sua maior parte, é revestido em azulejo hidráulico, o que contribui para o conforto térmico e forma um rico mosaico, tornando ainda mais prazerosa a sensação de estar na edificação (figura 13). Figura 13 – Azulejos hidráulicos Fonte: acervo dos autores (2021). 93 Um fator que chama a atenção na edificação é o cuidado e a beleza presentes nas aberturas, desde as menores e menos adornadas até as que contam com vitrais coloridos (figura 14). Elas conferem uma luminosidade aconchegante ao espaço, perceptível especialmente na biblioteca. O corredor já não desfruta de tanta iluminação natural (figura 15, à direita), talvez devido às divisões internas realizadas posteriormente ao período de construção, no intuito de adequar o espaço às necessidades que foram se impondo ao longo do tempo. Figura 14 – Díptico de fotografias das aberturas localizadas na escadaria e na torre circular Fonte: acervo dos autores (2021). 94 Figura 15 – Díptico de fotografias de uma das laterais do edifício e do corredor Fonte: Acervo dos autores, 2021. Nos fundos do terreno, encontra-se um amplo espaço livre, limitado pelo Palácio Episcopal, pelo Centro Educacional Maria Auxiliadora e pelo muro que divide o complexo em questão e o Seminário da Conceição. Nessa área, foram construídos um pequeno jardim e uma fonte, a partir de 2004, quando outras adaptações também foram feitas no intuito de dinamizar e modernizar o palácio, com Dom Milton Antônio Santos à frente da Mitra Arquidiocesana. 95 3.4 Adaptações sofridas ao longo dos anos Com o passar do tempo, devido à diversidade de usos já mencionada no presente capítulo, o edifício foi sofrendo alterações, com o objetivo de adaptá-lo a essa demanda, sendo que algumas foram mais simples e reversíveis e outras levantaram questionamento a respeito da necessidade e da forma como se realizaram. Dentre as alterações mais básicas, tem-se a divisão interna dos ambientes, no pavimento térreo, feita com painéis de gesso. Foram também construídos banheiros de uso privativo nos dormitórios, visto que, em sua configuração original, a casa só contava com banheiros coletivos. Das medidas tomadas por motivos de segurança, foram adicionados gradis no muro e no entorno da própria edificação, além da instalação de um sistema de segurança monitorada devido à frequente ocorrência de furtos. Foi também implantado um elevador, no interior da edificação, para facilitar a circulação vertical de pessoas idosas ou com dificuldade de locomoção. Bastante discreto, o elevador não chega a comprometer a integridade arquitetônica do ambiente em que foi instalado. O jardim e a fonte, posicionados no fundo do lote, são estranhos ao projeto original do edifício, contudo, pela forma como foram dispostos e pela distância que guardam do corpo edificado, não acarretam grande prejuízo à leitura e à historicidade desse último. O mesmo não pode ser dito do par de anexos construído para abrigar uma nova cozinha e uma sala de refeições (figura 16, à direita, e figura 17), no primeiro pavimento do edifício, ligando-se diretamente ao corredor da ala sul da edificação mais antiga. Os projetistas desse bloco anexo tiveram o bom senso de lhe emprestar uma aparência contemporânea, evitando-se, assim, que as partes novas e antigas do edifício se confundissem, em prejuízo de ambas. No entanto, a intervenção compromete a leitura da tipologia originária, obscurecendo a simetria e a clareza de seu desenho em planta. 96 Figura 16 – Díptico de fotografias da biblioteca e da atual cozinha da residência Fonte: acervo dos autores (2021). Figura 17– Díptico de fotografias que mostram o contraste entre o “antigo” e o “novo” Fonte: acervo dos autores (2021). 97 O volume de aço, concreto e vidro, ainda que respeite o gabarito do prédio e não use cores tão distinguíveis das preexistentes, acaba formando uma barreira, a qual oculta parte da edificação e confere a ela uma leitura fragmentada. 4 Outros marcos do estilo neocolonial em Cuiabá (MT) Pouco antes do início da construção e da inauguração do Palácio Episcopal, outras edificações, nos moldes neocoloniais, foram erguidas na capital mato-grossense, entre elas a Residência dos Governadores e o Grande Hotel. Durante o período do Estado Novo, governo totalitário de Getúlio Vargas, foi implementado o sistema de interventorias, em que o presidente concedia a uma pessoa de confiança a responsabilidade de estar à frente dos governos estaduais. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (OLIVEIRA, 2020), esse sistema foi motivado pelo caráter intervencionista e centralizador de Vargas, que desejava reduzir o poder das oligarquias regionais. Quanto ao âmbito econômico, o presidente lançou a “Marcha para o Oeste”, que surgiu com o objetivo de explorar novos territórios no interior do país, desprendendo-se do eixo urbano e econômico principal Sul–Sudeste. Nessa nova política, as Regiões Centro-Oeste e Norte eram as de maior interesse do governo, onde poderiam ser potencializadas a produção agrícola e a infraestrutura urbana. Nesse contexto, Mato Grosso foi de grande importância, sendo a porta de entrada para as ambições nacionalistas de Vargas. A ânsia pelo progresso, pautado nesse forte nacionalismo, também foi incorporada ao campo da arquitetura Brasil afora. Assim, em Mato Grosso, mais precisamente em Cuiabá, encontravam-se as chamadas obras oficiais do governo Júlio Muller, político cuiabano, nomeado interventor do estado por Vargas. 98 4.1 A residência dos governadores A construção do que seria a residência oficial dos governadores do estado iniciou-se em 1939, tendo sido idealizada pelo arquiteto Humberto Kaulino. A edificação cumpriu sua função original durante 45 anos, período em que cerca de 14 governadores ali residiram, a começar por Júlio Muller, que a inaugurou em 1940. Diversos personagens da política local e nacional visitaram a residência (figura 18), incluindo o presidente Getúlio Vargas, que lá se hospedou em 1941. Figura 18 – Júlio Muller e outros nomes da política local, diante da Residência dos Governadores, na década de 1940 Fonte: Editoria A/C (2021). O terreno destinado à antiga Residência dos Governadores é bastante amplo e seu acesso principal está voltado para a rua Barão de Melgaço, no centro histórico de Cuiabá. Antes de analisar mais profundamente suas características arquitetônicas, é interessante perceber o imenso recuo da casa em relação aos caminhos externos, quebrando a regularidade quase que sagrada da cidade colonial. 99 Frente às residências consideradas luxuosas atualmente por parte da população, a casa dos governadores não denotaria o mesmo poder, isso porque as referências daquele período eram outras. O grande jardim, a piscina, as varandas, o amplo espaço interno e a decoração pomposa eram alguns dos diversos motivos pelos quais essa residência marcava seu poder (figuras 19 e 20). Figura 19 – Residência dos Governadores, Cuiabá (MT) Nota: foto de Ricardo Castor (2010). Figura 20 – Alunos do curso de Arquitetura da UFMT em visita à Residência. Vista do Vestíbulo Nota: foto de Ricardo Castor (2019). 100 Sobre sua configuração arquitetônica propriamente dita, a volumetria da residência é bem diversificada em comparação às casas coloniais, justamente por sua função e posterioridade. A fachada é marcada por vários arcos plenos, caracterizando um espaço de transição entre o espaço livre e a varanda, aspectos presentes no estilo neocolonial ou mission, expressão do estilo revivalista das colônias espanholas, por vezes reproduzido nos Estados Unidos. O telhado cerâmico também faz referência ao tipo de cobertura colonial, distanciando-se das platibandas13 , muito difundidas pelo estilo neoclássico e reincorporadas em outros momentos. 4.2 O Grande Hotel O projeto do Grande Hotel foi desenvolvido pelo arquiteto Carlos Porto, com sua construção iniciada em 1940, devido ao programa de modernização da cidade implementado durante o Estado Novo. Nesse aspecto, faz-se necessário pontuar que a abertura da avenida Getúlio Vargas é contemporânea à construção do Grande Hotel (figuras 21 e 22). O Cine Teatro, edificação construída também nesse período, porém com características Art Déco, surgiu da necessidade de oferecer à população cuiabana um espaço adequado à realização de eventos culturais, como as peças de teatro, até então expostas na edificação carinhosamente batizada de Amor à Arte, que ocupava justamente o terreno do Grande Hotel. Externamente, o hotel preserva praticamente intactos os mais característicos traços de seu estilo neocolonial: a extensa arcada da fachada, as telhas aparentes de barro e os terraços frontais e laterais. Internamente, contudo, pouco resta do original. Os dois pátios, que proporcionavam iluminação e ventilação aos corredores longitudinais do hotel, foram sacrificados, nos dois primeiros pavimentos, pelos diferentes usos administrativos que o edifício abrigou com o passar dos anos. Entre outras funções, o histórico edifício foi sede do extinto Banco do Estado de Mato Grosso (Bemat) e da Secretaria Estadual de Cultura, até cair no atual estado de desuso e abandono. 13 Elementos de alvenaria, nas fachadas das edificações, que protegem e escondem os telhados. 101 Figura 21 – O Grande Hotel na segunda metade do século XX Fonte: Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. Figura 22 – A avenida Getúlio Vargas e o Grande Hotel à esquerda, na década de 1940 Fonte: Acervo digital do IBGE. 102 5 Considerações finais As análises empreendidas permitem concluir que a arquitetura do Palácio Arquiepiscopal de Cuiabá, tema central da pesquisa, representa um capítulo importante da história cultural da cidade e do país como um todo, bem como um testemunho exemplar de uma fase única do estilo neocolonial brasileiro. Diferentemente de outros projetos locais remanescentes da Era Vargas, como a mencionada Residência dos Governadores, a residência episcopal, projetada por Anhaia Mello, distingue-se pela coexistência de motivos neocoloniais, barrocos e até neoclássicos. Sabe-se, há muito tempo, que as referências barrocas não são, de forma alguma, estranhas ao estilo neocolonial, podendo, inclusive, ser consideradas parte de seu repertório artístico de origem. Afinal, os expoentes dessa arquitetura nacionalista encontraram inspiração no patrimônio colonial luso-brasileiro dos séculos XVII e XVIII, marcado ora pela simplicidade maneirista ou jesuítica, ora pelo dinamismo das formas barrocas ou rococó. Ocorre que o palácio projetado por Anhaia Mello, em Cuiabá, foge, em muitos aspectos, de ambas as tendências da arte colonial brasileira. Viu-se que sua planta baixa, embora não absolutamente simétrica, caracteriza-se por um traçado rigidamente ordenado por um eixo central de acesso, em torno do qual todos os elementos arquitetônicos tendem a se espelhar. Os elementos que estruturam a torre central e o mirante, que lhes servem de coroamento, são pontuados de motivos clássicos. Já a solenidade do salão de acesso, com suas colunas desprovidas de capitel, não deixa dúvidas a respeito da presença de motivos estranhos ao repertório neocolonial, por mais que dialoguem entre si e componham, com este último, um conjunto arquitetônico unitário. É o que nos permite concluir que o projeto flerta abertamente com o estilo conhecido como ecletismo, naquilo que este possui de múltiplo e inclusivo em termos culturais. Semelhante hibridismo parece estar associado às fases históricas marcadas, de um lado, por avanços técnicos, sobretudo na área dos transportes, e de outro, 103 pela presença de encontros e choques de diferentes culturas. Em Mato Grosso, esses acontecimentos coincidem justamente com os movimentos migratórios, que diversificaram sua população e, consequentemente, seu sentido de identidade. Dentre as obras da arquitetura cuiabana, o referido palácio destaca-se por ser aquele que poderia representar, de maneira tão fiel, o momento de transição que a economia de Mato Grosso enfrentava nos anos 1940 e 1950, período em que a obra foi projetada e construída, época em que o transporte fluvial começava a desaparecer e o sistema rodoviário pavimentava seu caminho. As novas trilhas e estradas abertas pelos programas de interiorização e integração nacional, então implantados pelo governo Vargas, teriam contribuído para diversificar sua população, da mesma forma que o ecletismo praticado pluralizou sua arquitetura neocolonial, Art Déco e neoclássica, eclética em suma. Referências ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Coleção de imagens sobre Mato Grosso... 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Nesse processo de aparente perda de significado, surgem as proteções e as renovações de superfície, buscando uma legitimação histórica dessas paisagens. Aos significados culturais produzidos pelo uso cotidiano, somaram-se aqueles produzidos pelo desenho urbano e pela cultura patrimonial, em uma sobreposição de valores que se mostrou por vezes conflituosa ou, até mesmo, danosa às práticas espaciais e culturais em curso, fazendo com que, em muitos casos, as paisagens ou os bens culturais fossem poupados dos riscos do desuso para serem expostos ao desgaste e às usurpações de novos usos (CHOAY, 2006). A urbanização brasileira é um fenômeno recente. Muitas cidades novas e outras mais antigas do território nacional, do início do processo de colonização, sobretudo das Regiões Norte e Centro-Oeste, perderam uma considerável parte dos testemunhos de seu passado. Segundo Abreu (1998), as cidades que conseguiram manter um sítio histórico representativo, muitas vezes, devem isso mais a um processo de estagnação ou decadência econômica do que a uma intenção preservacionista. 107 Independentemente do estoque de materialidades históricas que determinado núcleo urbano tenha conseguido salvar de sua própria evolução urbana, as cidades vêm hoje se voltando para o que sobrou de seu passado, indicando, assim, uma mudança na forma como a sociedade se relaciona com sua memória urbana (ABREU, 1998). O patrimônio é hoje reconhecido como ponto fundamental ou estratégico das políticas culturais, mas esse processo ocorre frequentemente mediado por uma visão de mundo que ilumina alguns elementos e deixa outros em esquecimento. As políticas patrimoniais procuram preservar, valorizar e reanimar determinado bem cultural, mas, muitas vezes, geram processos perturbadores que não só o despersonalizam como o congelam, podendo, segundo Pereiro-Pérez (2003) e Choay (2006), desencadear um processo de museificação e monumentalização14 dos objetos patrimonializados. No Brasil, pode-se observar que, em muitos casos, na transformação de um bem cultural em bem patrimonial, ocorre uma expressiva mudança em seu uso e significado. O enobrecimento de paisagens históricas e a incorporação de uma estética patrimonial formam espaços genéricos que pouco refletem os movimentos e as práticas sociais que deram origem à paisagem e que legitimaram a sua morfologia. Certas intervenções turístico-patrimoniais, mais do que preservar, parecem ter como objetivo central criar adesão social por meio de uma estética e de uma imagem que tenham eficácia simbólica para um público genérico (PEREIRO-PÉREZ, 2003). Vários estudos foram realizados demonstrando os efeitos de intervenções urbanas em regiões históricas de cidades brasileiras. Tais estudos demonstraram que muitas renovações urbanas praticadas no Brasil parecem constituir uma mera aplicação de paradigmas vigentes, cujas extrapolações são extraídas de outros projetos e de outras realidades territoriais e culturais (RUBINO, 2006), 14 Os termos museificação e monumentalização, propostos por Choay, entendem as palavras museu e monumento não apenas como instituição ou artefato urbano, mas como uma mentalidade típica de nossa época, de autocontemplação passiva e de culto a uma identidade genérica (CHOAY, 2006). 108 levando pouco em consideração a história das localidades, seu traçado urbano, sua realidade cultural, seus valores e seus conflitos já latentes. Em consequência disso, para além dos efeitos de elitização e gentrificação15, essas intervenções acabam gerando uma desestabilização dos usos e significados estabelecidos no local, criando novas lógicas territoriais, econômicas e culturais. Neste capítulo, investiga-se a paisagem fluvial urbana de Cuiabá (MT), a partir das transformações e permanências observadas em sua morfologia urbana. De acordo com Gimmler Netto et al. (2014), o processo de transformação de paisagens urbanas apresenta um ordenamento na modificação de sua estrutura formal, o qual se inicia com as alterações no uso, que, consequentemente, gerariam alterações na forma e no tecido urbano. Nesse processo de transformação, os elementos de maior estabilidade formal se apresentariam no plano urbano e no sistema viário (ROSSI, 1995), constituindo-se, assim, permanências claramente observáveis na paisagem. Como a paisagem não é independente dos grupos sociais que a produzem, a leitura morfológica da paisagem em estudo foi realizada buscando resgatar a história de suas práticas e representações bem como sua materialização no espaço construído. Abreu (1998) enfatiza que os vestígios do passado não são neutros, assim, neste capítulo, procura-se contextualizar os fatos urbanos: saber quando foram produzidos, quem os produziu, com que objetivo e em qual contexto, buscando alcançar o entendimento do motivo de sua permanência. Interessa também a este trabalho conhecer a influência tanto da forma, na estruturação e na solidificação de significados, quanto dos significados na permanência da forma. Para alcançar esses objetivos, foram utilizados recursos capazes de reunir várias formas de representação da paisagem, como a iconografia, a cartografia, os projetos e os planos urbanos. Intenta-se realizar um levantamento de representações históricas, de intervenções e de projetos urbanos executados na 15 Entende-se por gentrificação o efeito de progressiva exclusão das populações locais ou não privilegiadas (e, com elas, suas atividades tradicionais e modestamente cotidianas) de locais ou regiões onde massivos recursos públicos ou privados foram investidos (CHOAY, 2006). 109 paisagem portuária de Cuiabá para investigar o potencial que o planejamento e o projeto urbano têm de se alinharem com a realidade formal, social e cultural da paisagem. 1 Intervenções em paisagens fluviais urbanas No Brasil, as paisagens fluviais urbanas sofreram significativas mudanças no decorrer do século XX. Os rios, que constituíam, para as cidades não localizadas na costa litorânea, o principal meio de comunicação com outros centros urbanos em um curto intervalo de tempo, tornaram-se elementos esquecidos da paisagem. Com a evolução do transporte rodoviário, o deslocamento de mercadorias e pessoas, que era feito por via fluvial, foi sendo gradativamente substituído pelo transporte terrestre e, com isso, as paisagens fluviais urbanas perderam grande parte de seu significado social e econômico. No século XX, a crescente valorização econômica dos espaços urbanos contribuiu significativamente para a desvalorização dos setores históricos da cidade. Paisagens fluviais, áreas portuárias e espaços públicos históricos, na medida em que não possuíam um valor claramente mensurável no mercado imobiliário, sofreram uma significativa desvalorização econômica e social, quando novas formas de uso e reuso foram incorporadas a esses espaços. Nesse contexto, surgem as políticas de renovação urbana, que, além de proclamarem uma legitimação histórica e cultural, de alguma forma, esperavam recuperar a valorização econômica e social dos espaços que passaram por alterações funcionais, em virtude das mudanças ocorridas no modo de vida urbano. Assim, após um período de obsolescência, as paisagens fluviais urbanas se tornaram uma mercadoria altamente valorizada, pois eram o “diferencial” que as cidades tinham a oferecer no concorrido “mercado de cidades” (VAINER, 2000). Nesse processo, ocorreu uma elevada valorização da paisagem como cenário, ou seja, como imagem produzida por aquilo que Choay (2006) chamou de “indústria patrimonial”. 110 De acordo com Del Rio (2001), as alterações nas relações entre o indivíduo e o seu tempo de lazer, o crescimento do turismo cultural e temático e a tendência à construção de fragmentos qualificados de cidade teriam destacado as áreas portuárias e os waterfronts,16 tanto por suas potencialidades paisagísticas, lúdicas, logísticas e imobiliárias quanto por seu distintivo capital simbólico. O autor segue discorrendo que o turismo recreativo, cultural, de compras e de negócios teria se mostrado um importante dinamizador econômico e social dos projetos de renovação de setores históricos, sobretudo daqueles ligados a corpos d’água, em que a simbiose histórica entre cidade e água poderia ser amplamente explorada. Esse modelo de intervenção urbana foi adotado, nas décadas de 1960 e 1970, em cidades como Boston, Baltimore e São Francisco, nos Estados Unidos, e, nas décadas de 1980 e 1990, em cidades da Europa e da América do Sul, como Londres, Barcelona, Bilbao e Buenos Aires. O sucesso desses projetos de renovação urbana fez com que esses modelos fossem considerados referências para as intervenções urbanas realizadas no Brasil nas décadas seguintes. 2 O porto e a paisagem fluvial urbana de Cuiabá No início do século XVIII, em um Brasil Colônia de ocupação prioritariamente litorânea, povoar a área central da América do Sul não era um dos principais objetivos da coroa nem dos bandeirantes paulistas que circulavam pelo interior do Brasil à procura de ouro e de mão de obra indígena, contudo, quando foi descoberto muito ouro no território onde hoje se localiza Cuiabá, um pequeno povoado começou a ser formado. O ouro mobilizou a coragem e a vontade de se habitar esse lugar, mas foram seus rios que permitiram que essa ocupação acontecesse e que viabilizaram a formação de um povoado, de uma vila e de uma cidade. A Cuiabá do século XVIII era constituída de um pequeno núcleo urbano, conectado a outro núcleo de menor tamanho, o Porto Geral, localizado às 16 Orlas fluviais e marítimas. 111 margens do rio Cuiabá. Durante os séculos XVIII e XIX, a paisagem urbana foi lentamente se consolidando, a partir de uma ocupação territorial regida por um crescimento linear, conduzido por caminhos fluviais e caminhos terrestres, ligando esses dois polos de crescimento urbano: a Vila Real e o Porto Geral (figura 1). Figura 1 – Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuyabá, em 1786 Nota: Vila Real (à esquerda do mapa) e Porto Geral (à direita do mapa). Fonte: Reis (2000). Original pertencente à Casa Ínsua, em Portugal. Da Costa (2009), em seus estudos nas cidades portuárias europeias, observou a existência de uma sequência de processos atuantes na conformação do tecido urbano dessas cidades. As fases propostas por Da Costa (2009) foram também observadas na paisagem portuária de Cuiabá, como se segue: • Fase 1 – formação edifício a edifício: etapa constituída de um processo casuístico de ocupação da frente de água por edifícios ou instalações de apoio à atividade portuária. Uma fase regida por uma sucessão de decisões individuais, e não necessariamente coordenadas entre si. • Fase 2 – estruturação de cais, ruas e armazéns: etapa constituída por um processo de ocupação que define a criação de um espaço de cais (ou zona de acesso ao rio), associado a um eixo urbano de circulação longitudinal sobre o qual se instalaram os edifícios comerciais e residenciais. 112 Analisando a morfologia urbana da paisagem portuária de Cuiabá, pode-se acreditar que, em muitos aspectos, ocorreu um processo semelhante ao observado por Da Costa (2009) em cidades portuárias europeias. Contudo, diferentemente do que aconteceu nos casos observados pela autora, na paisagem portuária de Cuiabá, não foi formado um eixo de circulação longitudinal paralelo ao rio, uma vez que ele se estabeleceu de modo perpendicular, possivelmente devido ao fato de o tecido urbano do Porto Geral ter se estruturado em função do acesso à Vila Real (figura 2). Figura 2 – Traçado urbano do Porto Geral, no século XVIII Nota 1: 1) Rua Larga (atual Av. XV de Novembro); 2) Cais do Porto; 3) Córrego da Prainha e 4) Igreja de São Gonçalo do Porto. Nota 2: elaborado pelo autor. Infográfico produzido a partir de detalhe do mapa de 1786 (REIS, 2000). 113 A paisagem fluvial urbana do Porto Geral foi gradativamente se consolidando, mantendo uma relação de acesso e contato visual com o rio Cuiabá. O local, que, nos séculos XVIII e XIX, constituía-se como a porta de entrada da cidade, foi lentamente ganhando uma estrutura que o qualificava como espaço urbano. No século XIX, ao traçado original, foi somado mais um caminho terrestre até a Vila Real, formado pelo percurso do bonde, em que novos edifícios e espaços urbanos entre o rio e a cidade foram erigidos. Nesse período, surgiram também as primeiras ruas paralelas ao rio, formando uma pequena malha urbana (figura 3). Figura 3 – Traçado urbano do Porto Geral, no século XIX Nota 1: 1) Rua Larga; 2) Cais do Porto; 3) Córrego da Prainha; 4) Igreja de São Gonçalo do Porto; 5) Jardim do Porto; 6) Mercado do 2º Distrito e 7) Percurso do Bonde. Nota 2: construção do autor. Infográfico produzido a partir de detalhe do mapa do século XIX (FREITAS, 2011). 114 Em 1899, foi construído, às margens do rio Cuiabá, o Mercado do 2º Distrito. Esse mercado tinha a função de receber, fiscalizar e comercializar as mercadorias que chegavam através do rio Cuiabá (figura 4). Em função de sua monumentalidade em relação às edificações do entorno, o Mercado do 2º Distrito se firmou ao longo da evolução urbana como uma permanência da paisagem portuária de Cuiabá, tornando-se um importante elemento de composição dessa paisagem. Araújo (2013) acredita que os monumentos e edifícios singulares permanecem presentes na organização da paisagem em função da carga de valores e significados que agregam, emprestando ao espaço em que estão localizados um valor estruturante. No século XX, com o declínio da navegação, o Porto de Cuiabá se consolidou como um local de pesca e comercialização de pescado, e o Mercado do 2º Distrito se tornou o principal entreposto comercial dos peixes vendidos na cidade, passando a ser conhecido como Mercado do Peixe. Figura 4 – Vista do Porto de Cuiabá no início do século XX Nota 1: 1) Mercado do Peixe; 2) Jardim do Porto e 3) Cais do Porto. Nota 2: Infográfico adaptado da fotografia do Álbum Graphico do Estado de MattoGrosso, Corumbá, Hamburgo, janeiro de 1914. Pesquisa realizada no NDIHR–UFMT (consulta realizada em 2021). O século XX trouxe muitas mudanças para a paisagem fluvial de Cuiabá e para as relações morfológicas entre a cidade e o rio. As mudanças começaram na década de 1920 e 1930 com a política de integração da Amazônia e de expansão das fronteiras agrícolas para o Centro-Oeste e Norte do Brasil. 115 Essas políticas se desenvolveram a partir da abertura de rodovias e de massivos investimentos no transporte rodoviário. Nesse contexto, Cuiabá se estabeleceu como um polo de comércio e serviços dessa frente colonizadora da Região Norte do Brasil. Entre as décadas de 1960 e 1990, a população da cidade passou de 56.826 para 402.813 habitantes, acolhendo, assim, em 30 anos, uma nova população seis vezes maior que a inicial. A construção de Brasília também trouxe reflexos diretos a esse novo momento em Cuiabá, pois aumentou o poder de atração aos centros urbanos periféricos e difundiu um novo tipo de arquitetura e de cidade (SILVA, 2010). Cuiabá viveu, então, um período de renovação e de construção de uma nova identidade. Após o acelerado processo de crescimento e modernização urbana vivido no século XX, uma nova paisagem fluvial se apresentou em Cuiabá. O ritmo da cidade mudou, uma vez que o automóvel e todo seu aparato de mobilidade urbana reconstruíram e dinamizaram essa paisagem. Contudo, suas espacialidades dos séculos anteriores podem ainda ser percebidas a partir de certos fatos urbanos que persistem, tais como: Mercado do 2º Distrito/ Mercado do Peixe (atual Museu do Rio) e o Jardim do Porto (atual Praça Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres), apesar das grandes transformações vivenciadas no período. 3 Políticas urbanas e modelos de preservação O esvaziamento e a degradação espacial de setores históricos foram processos vivenciados em grande escala nas cidades brasileiras. No século XX, esses espaços perderam paulatinamente suas funções originais, distanciando-se das novas formas de habitar e de se relacionar com a cidade. Esquecida e, ao mesmo tempo, subjugada pelo mercado imobiliário e pelas frentes urbanizadoras, a região do Porto de Cuiabá atravessou precariamente a onda de progresso e desenvolvimento urbano das décadas de 1960 e 1970. Carente de recursos urbanos, políticas públicas, planejamento e instrumentos 116 de proteção, o Porto passou a constituir uma área subutilizada, marginalizada e desvalorizada da cidade. Contudo, apesar do esvaziamento de muito de seus imóveis e das mudanças em seus usos e significados originais, a paisagem fluvial do Porto se manteve ativa em suas práticas sociais, as quais sustentaram um modo de vida muito peculiar, desenvolvida a partir da pesca e das trocas comerciais em uma grande feira livre na área em torno do Mercado do Peixe (construído em 1899). Essa feira tinha um caráter permanente e foi ganhando proporções cada vez maiores, chegando ao ponto de suas edificações impedirem quase totalmente a visualização do edifício do Mercado e do rio Cuiabá (figura 5). Figura 5 – Mercado do Peixe e Feira do Porto, 1993 Fonte: Banco de Imagens da cidade de Cuiabá, Volume III, Arpi 201 a 301/ julho de 1997, Prefeitura Municipal de Cuiabá, IPDU (consulta realizada em 2021). No final do século XX, o fortalecimento da noção de patrimônio surgiu como mobilizador de intervenções urbanas em várias cidades do Brasil. O retorno aos espaços históricos se consolidou como reação frente à nova realidade socioespacial que as áreas históricas vinham apresentando. 117 Autores como Pallamin (2006) acreditam que, nesse momento, desenvolveram-se iniciativas de intervenções urbanas ancoradas na ideia de um urbanismo reparador, que resultaram em uma série de políticas públicas e de programas de investimentos em centros históricos pautados em procedimentos de recuperação físico-material da arquitetura e do espaço urbano, com a substituição de suas atividades originais por outras mais valorizadas, como aquelas ligadas às atividades turístico-patrimoniais. A partir da década de 1980, a onda de intervenções urbanas, já em curso no Brasil, chegou a Cuiabá. A paisagem fluvial do Porto, nas imediações do Mercado do Peixe, passou a ser palco de projetos e intervenções. Pautada em mudanças de significado e em novos modelos de preservação, a paisagem fluvial do Porto passou a ser vista como um bem pouco desfrutado sob o ponto de vista econômico e cultural. Assim, algumas ideias passaram a ser pensadas no sentido de valorizar e preservar essa paisagem. Em um contexto de mudanças nos valores e modelos de preservação dos bens patrimoniais, iniciou-se um processo de sobreposição de normas urbanísticas, planos e projetos, que vislumbravam preservar, revitalizar, valorizar e requalificar a paisagem fluvial do Porto. Entretanto, nessa sobreposição de camadas de significado, passaram a ocorrer rupturas com as representações e práticas em curso na paisagem. Para implantação dos anseios da prefeitura, que consistiam em conferir, além de preservação, mais visibilidade, valorização e acesso à orla fluvial e ao edifício histórico, foi necessário realocar edificações comerciais e habitacionais instaladas na região. Na prática, o que se observou foi uma ação de ordenamento urbano, em que os ocupantes da paisagem fluvial do Porto tiveram que ceder espaço aos novos objetivos econômicos e sociais que essas áreas pretendiam incorporar, principalmente voltados ao setor de turismo e cultura. Vescina (2010) observa que a concepção limitada e museificante do patrimônio tem produzido o congelamento das verdadeiras forças produtoras da cultura local, gerando custos sociais, criando mais uma cena do que reativando um patrimônio vivo. Além disso, essa autora afirma que a 118 incorporação de novas dinâmicas sociais e econômicas, sem deslocar os residentes mais pobres, tem sido um dos mais difíceis desafios da reconstituição urbana em centros históricos brasileiros. Seguindo os modelos de preservação, que postulavam a valorização do patrimônio e a reinvenção dele como produto cultural, o Mercado do Peixe — um edifício que tinha uso e significado vivo e real — foi reinventado como “lugar de memória” (NORA, 1993), por meio de um processo de curetagem17 (CHOAY, 2006), que o ressignificou como Museu do Rio. A singularidade espacial e social do Mercado do Peixe e seu entorno bem como a complexidade das relações estabelecidas no local foram então reduzidas a um espaço museificado, em que apenas suas formas materiais sobreviveram. Assim, a intenção estética dominou a ética espacial, e o espaço vazio — limpo e requalificado para o turismo cultural e para o lazer — ocupou o lugar do espaço de representação estabelecido pelas vivências cotidianas no Porto. Após uma intervenção realizada com parcos recursos financeiros, o Museu do Rio foi apresentado como um elemento isolado da vida cotidiana do Porto, criando uma cena que pouco reflete o sítio urbano e as práticas sociais que lhe deram sentido (figura 6). 17 Choay (2006) usa o termo curetagem para nomear as intervenções em áreas urbanas e edificações históricas onde o seu conteúdo social e simbólico é retirado, restando apenas uma casca vazia, em que são inseridos novos usos e significados. 119 Figura 6 – Museu do Rio e Aquário Municipal, 2004 Fonte: Banco de Imagens da cidade de Cuiabá, Prefeitura Municipal de Cuiabá, IPDU (consulta realizada em 2021). Choay (2006) questiona qual seria o valor histórico de um edifício ou de uma área urbana sem sua linearidade temporal, edificada pela história, apreendida e conservada pela memória coletiva e pouco a pouco reduzida a uma abstração pelas memórias artificiais. Sem o suporte das práticas espaciais e sociais, o quadro de referência, que trouxe significado à paisagem fluvial urbana do Porto, fica obscurecido, e a paisagem passou a representar um cenário dela mesma. Sob a égide dos megaeventos mundiais, preparando-se para ser uma das cidades-sede dos jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014, Cuiabá passou a receber uma série de investimentos públicos em infraestrutura e serviços urbanos. Orientada pela lógica da dinamização econômica, a Prefeitura Municipal de Cuiabá elaborou, em 2013, mais um projeto de intervenção urbana para a área do Porto. Esse projeto, intitulado Projeto Porto Cuiabá, pretendia revitalizar a região em torno do Museu do Rio a partir da execução de uma praça e de uma orla fluvial ao redor do edifício histórico. Na área entorno da praça, estariam localizados, além do Museu do Rio, um polo gastronômico, constituído de grandes restaurantes, e um casario histórico “revitalizado”, com ornamentos 120 e cores, remetendo a uma estética própria de áreas históricas restauradas (figuras 7 e 8). Figura 7 – Imagens de divulgação do Projeto Porto Cuiabá, 2013. Praça em frente ao Museu do Rio Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá (consulta realizada em 2021). Figura 8 – Imagens de divulgação do Projeto Porto Cuiabá, 2013. Casario Histórico em frente ao Museu do Rio Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá (consulta realizada em 2021). Com o intuito de atrair e fazer permanecer um tipo muito específico de público, o projeto incorporou um arsenal de dispositivos consagrados pelas 121 intervenções turístico-patrimoniais, deixando a paisagem portuária de Cuiabá irreconhecível, sob a ótica de sua identidade original, mas, ao mesmo tempo, altamente reconhecível, a partir do ponto de vista dos padrões utilizados em áreas revitalizadas. Nesse ambiente considerado revitalizado, os usuários se sentiriam confortáveis e familiarizados pelos “estereótipos do pitoresco urbano” (CHOAY, 2006). As alamedas de palmeiras, as praças, os bancos, as fontes, os postes de iluminação com estética antiga e os coloridos conjuntos de edificações coloniais seriam pretensamente integrados às edificações contemporâneas (figuras 9 e 10). Figura 9 – Museu do Rio após intervenção do Projeto Porto Cuiabá, janeiro de 2017 Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá (consulta realizada em 2021). 122 Figura 10 – Orla do Porto e casario cenográfico, após intervenção do Projeto Porto Cuiabá, janeiro de 2017 Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá (consulta realizada em 2021). Os cafés, os restaurantes, as lojas de artesanato e os espaços públicos revitalizados compõem, nas intenções projetuais, uma paisagem onde as reminiscências da memória espacial, como o edifício do Mercado do Peixe, o traçado urbano e a relação com o rio Cuiabá, parecem ter pouca relevância. A sensação de espaço seguro e aprazível é tão fortemente aspirada no projeto que parece ser desnecessário indicar qualquer sinal de identidade ou de singularidade a essa paisagem. Choay (2006) acredita que a valorização das áreas históricas, ao invés de contribuir para preservar as diferenças locais, como esperavam os redatores da Recomendação de Nairóbi18, tende a se tornar um instrumento de homogeneização da identidade dos lugares. 18 Documento formulado pela Organização das Nações Unidas (UNESCO, 1976), relativo à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea. Segundo a Recomendação de Nairóbi, todo conjunto histórico ou tradicional e sua ambiência deveriam ser entendidos como um todo coerente de elementos, que compreende edificações, estrutura espacial, ambiência e atividades humanas, considerando que todas as atividades humanas, desde as mais modestas, têm, em relação ao conjunto, uma significação que é preciso respeitar. O documento também alerta sobre os perigos da uniformização e despersonalização de intervenções patrimoniais típicas de nossa época. 123 Este capítulo procurou apresentar e discutir as transformações e permanências vivenciadas na paisagem portuária de Cuiabá. Uma paisagem formada por uma sobreposição de camadas, usos e significados ao longo de seus três séculos de existência. A forma urbana, suas edificações e espacialidades são o substrato em que se ancoram usos, práticas e representações das sociedades que as ocupam. Sabe-se que as transformações espaciais, sociais e culturais de paisagens urbanas ocorrem em todos os tecidos urbanos e podem ser lidos em suas permanências da forma e em sua morfologia. O estudo sobre a morfologia urbana da região portuária de Cuiabá e as intervenções realizadas no local evidenciaram o quanto as ações de caráter turístico-patrimoniais podem gerar perturbações na lógica espacial e social em curso, ocasionando rupturas difíceis de serem absorvidas e incorporadas na paisagem e nas práticas sociais. Este capítulo não pretendeu questionar a relevância da preservação e da conservação de edificações e espacialidades históricas, mas, sim, analisar criticamente a forma como algumas intervenções são realizadas nesses espaços já tão perturbados e sensíveis aos processos de evolução urbana. Nas imagens do Projeto Porto Cuiabá (desenvolvido em 2013), não se vê mais do que aquilo que Choya (2006) chama de um espelho do patrimônio, um reflexo longínquo de uma paisagem e de um lugar. Suas diferenças, conflitos, heterogeneidades, banalidades e meios de vida foram eliminados e substituídos por uma paisagem cenarizada, em que a estética pitoresca e a identidade genérica prevalecem. Com riscos e prejuízos conhecidos e já vivenciados em tantos outros lugares, fica o seguinte questionamento: por que seguir tão cegamente modelos de preservação que negam a força e a identidade dos lugares e de seus habitantes? A resposta a esse questionamento talvez esteja na constatação compartilhada por vários autores de que o modelo de preservação praticado atualmente — que promove o alisamento dos lugares e a cenarização da paisagem — seja a resposta das sociedades a uma necessidade de construir uma 124 autoimagem forte e consistente para lidar com as profundas transformações globais em curso. Transformações que essas sociedades não dominam nem podem controlar e que parecem questionar sua própria identidade. Referências ABREU, M. A. Sobre a Memória das Cidades. 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Recomendação de Nairóbi, Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e cultura, UNESCO, 1976. 126 CAPÍTULO 6 ARQUITETURA E ESTRUTURA: diálogos Dorcas Florentino de Araújo Silva Yara da Silva Nogueira Galdino José Afonso Botura Portocarrero Maria Fátima Roberto Machado Este capítulo apresenta a experiência vivenciada no projeto de pesquisa A natureza da forma e as formas da natureza, desenvolvido por pesquisadores do Núcleo de Estudos e Pesquisas Tecnologias Indígenas (Tecnoíndia), que, desde 2006, tem procurado abrir caminhos de investigação sobre a arquitetura indígena e suas múltiplas interações espaciais. As pesquisas do Núcleo Tecnoíndia iniciaram-se com o estudo de casas de saúde indígena (Casai)19, enfocando a arquitetura indígena, sua forma, cosmologia e tecnologia. Nesse percurso, várias novas abordagens foram sendo estudadas, como a investigação sobre a inserção de infraestruturas sociais20 nas aldeias, entre outras. 19 O projeto das casas de saúde indígena foi desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa Tecnologias de construção e adaptação de unidades de saúde para os povos indígenas – Tecnoíndia, contratado pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), por meio do edital nacional que teve como vencedora a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ao final dos trabalhos, a coordenadora do projeto, a antropóloga Maria Fátima Roberto Machado, e o membro pesquisador, o arquiteto José Afonso Botura Portocarrero, resolveram fundar o núcleo, com a intenção de manter o acervo da pesquisa e de ampliar os estudos iniciados, vinculando o núcleo ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da universidade. Um módulo/protótipo do projeto para Casa de Saúde Indígena (Casai) foi construído no campus da UFMT, mediante um convênio da universidade, e se constitui hoje na sede do Tecnoíndia. (MACHADO, M. F.R. & PORTOCARRERO, J.A.B. Tecnologias de construção e adaptação de unidades de saúde para povos indígenas. Relatório Final. Convênio Funasa – Ministério da Saúde/UFMT, 2006.) 20 Pesquisa de doutorado desenvolvida pela professora Dorcas Florentino de Araújo Silva (ARAÚJO SILVA, 2015). 127 Ao longo do tempo, as investigações do Núcleo Tecnoíndia conduziram para um caminho cada vez mais sustentado pela relação entre a arquitetura e a estrutura. O livro Tecnologia indígena em Mato Grosso: Habitação, do professor José Afonso Botura Portocarrero, publicado em 2010, fez uma síntese desse conhecimento, apresentando a arquitetura de 11 etnias do estado de Mato Grosso e reconhecendo o acervo de técnicas, formas e materiais — produto de longo processo de seleção tecnológica — como uma tecnologia apropriada (PORTOCARRERO, 2012). A riqueza da espacialidade e da tecnologia indígena buscou um diálogo com outras áreas de conhecimento, levando a proposição de uma série de projetos de extensão com o objetivo de aprofundar nas discussões em curso: Arquitetura e Antropologia: Diálogos (2016); Diálogos II – Forma Complexa, Construção Simples (2016) e Diálogos III – Arquitetura e Estrutura UFMT–ETHZ 21 (2017). O seminário Diálogos III – Arquitetura e Estrutura UFMT–ETHZ destacase aos objetivos discutidos neste capítulo por seu caráter prático e pela participação dos professores Mario Rinke e Mathias Beck (professores de sistemas estruturais no curso de Arquitetura da universidade suíça ETH–Zurich). Nesse seminário, também foi realizada uma oficina de maquetes indígenas com o arquiteto Jucimar Ipaikire Rondon, pesquisador do Núcleo Tecnoíndia, e uma oficina de mobiliário de papelão, conduzida pelos professores da ETHZ. Foram experiências ímpares para o estudo e o entendimento estrutural das formas arquitetônicas. Além da realização das oficinas e palestras, durante o evento, ocorreu uma reunião de professores dos Departamentos de Arquitetura e Urbanismo e de Engenharia Civil da UFMT, tendo em vista que o ensino de estruturas é ministrado por professores do curso de Engenharia Civil. A reunião teve como objetivo ampliar o repertório didático no ensino da disciplina. Na ocasião, os professores Mario Rinke e Mathias Beck apresentaram a experiência na ETHZ relacionada ao ensino de estruturas para estudantes de arquitetura (figuras 1 e 2), destacando a importância de se buscar um aprendizado ligado à prática. 21 ETHZ: Eidgenössische Technische Hochschule Zürich (Instituto Federal de Tecnologia de Zurique). 128 Figura 1 – Oficina de mobiliário de papelão Nota 1: Prof. Dr. Mario Rinke, acompanhando o processo projetual de uma aluna. Fonte: acervo Núcleo Tecnoíndia (2017). Figura 2 – Oficina de mobiliário de papelão Nota: alunos apresentando e testando suas produções. Fonte: acervo Núcleo Tecnoíndia (2017). 129 A partir das experiências compartilhadas no seminário Diálogos III – Arquitetura e Estrutura UFMT–ETHZ, somadas às discussões realizadas com outras instituições, como ocorreu no III Encontro Nacional de Ensino de Estruturas em Escolas de Arquitetura (ENEEEA), em 2017, ficou cada vez mais evidente que a relação entre arquitetura e estrutura era um campo de investigação que poderia e deveria ser explorado de diferentes formas. Assim, buscando melhorar o entendimento dos sistemas estruturais pelos alunos de arquitetura e urbanismo da UFMT, de maneira a se pensar em formas arquitetônicas que se estruturam, ao invés de lançamento de estruturas após definições formais do projeto arquitetônico, foi desenvolvido o projeto de pesquisa A natureza da forma e as formas da natureza. A pesquisa se sustentou na hipótese inicial de que o estudo minucioso das formas da natureza, utilizando o desenho de observação e posterior análise formal, poderia contribuir para uma compreensão mais intuitiva dos princípios estruturantes das formas. Diante disso, o projeto de pesquisa se propôs a estudar as formas dos elementos da natureza, com o objetivo de enriquecer e ampliar o entendimento formal de seus princípios estruturantes. A natureza está imersa em nosso cotidiano e sujeita às mesmas forças que atuam nas edificações, como os ventos, o peso próprio, as cargas concentradas etc. As plantas, os animais, os minerais e os próprios seres humanos possuem, assim como as edificações, sistemas estruturantes, que são intuitivamente percebidos e compreendidos. Desse modo, a pesquisa foi iniciada, acreditando que o entendimento e a análise de elementos da natureza poderiam facilitar a compreensão da relação forma/estrutura. Para o levantamento e análise de dados, foi utilizado o desenho de observação à mão livre, que atuou como um instrumento de investigação, auxiliando os alunos a construírem um entendimento formal do elemento da natureza em estudo e, posteriormente, a desenvolverem uma compreensão mais intuitiva das estruturas arquitetônicas. Quanto à base teórica, foi necessário buscar referências em diferentes áreas que interagiam com a pesquisa, como a Biologia, em que foram encontradas informações sobre o comportamento e as estruturas biológicas inerentes aos 130 elementos levantados; a Antropologia e a Psicologia, que respaldaram o uso do desenho de observação à mão livre como instrumento de estudo, e não somente de representação de objetos visualizados ou imaginados, e, naturalmente, os Sistemas Estruturais, para compreensão de princípios estruturantes em arquitetura. Cada elemento da natureza foi estudado a partir de desenhos de observação, englobando aqueles da constituição geral de sua morfologia, acrescidos de representações próprias do desenho técnico, como seções transversais, longitudinais e detalhamentos, que buscaram compreender a constituição da forma estudada, procurando encontrar sua ordem, sua organização e sua estrutura. Considerando que a pesquisa envolveu elementos da natureza, os quais, por sua vez, comportam-se de formas distintas, foi preciso direcionar o olhar de modo a selecionar a melhor maneira de explicar graficamente os elementos e as informações relevantes à pesquisa. Nesse processo, foram estimulados questionamentos a respeito do “porquê da forma”, utilizando um diálogo com a Biologia, para compreender as funções dos elementos estudados e as demandas de seu habitat. Em cada elemento da natureza estudado, foram feitas a observação e a análise por meio do desenho, procurando responder aos questionamentos voltados às funções e às soluções que foram desenvolvidas pela natureza para se adaptar às condições do meio, sempre tendo como objetivo construir uma analogia entre as soluções formais e estruturais utilizadas ou passíveis de utilização na arquitetura. Compreendendo o desenho como articulador e aglutinador de ideias, pode-se dizer que, para este estudo, interessava o ato de desenhar, e não apenas seu desfecho, o desenho em si. Embora não haja a intenção de diminuir a importância do desenho como instrumento de comunicação, nesse processo, interessava essencialmente o percurso que cada aluno trilhou para perceber, compreender e transmitir seus entendimentos formais. A pesquisa foi organizada em três etapas, sendo elas a base para o planejamento das ações. A primeira etapa foi a Revisão Bibliográfica, conduzida a partir de leituras dirigidas e discussões em grupo sobre livros que tratavam de sistemas estruturais para arquitetos. Nessa fase, além dos alunos e 131 pesquisadores arquitetos, houve a colaboração efetiva do professor Alberto Dalmaso, membro da pesquisa e professor de estruturas do Departamento de Engenharia Civil da UFMT. Na segunda etapa, chamada de Observação e Análise, houve a coleta de dados. Nessa fase, cada discente, membro da pesquisa, realizou levantamentos individuais, que foram discutidos posteriormente pelo grupo. Após estudarem os princípios estruturantes na etapa de Revisão Bibliográfica, os alunos tiveram liberdade para procurar esses princípios em elementos da natureza que despertassem seu interesse. O levantamento e os estudos foram feitos por meio dos desenhos de observação e croquis desses elementos, em que foram apresentados elementos vegetais, minerais e animais. Os elementos que melhor contribuíram com o entendimento dos princípios estruturantes foram os vegetais de grande porte, pois, por estarem sujeitos às mesmas forças que atuam sobre as edificações, apresentavam respostas estruturantes que possibilitaram um diálogo mais claro com a arquitetura. Procurando sistematizar o levantamento e a análise dos elementos, foram realizadas as seguintes perguntas norteadoras: quais obstáculos a natureza enfrenta para cumprir seus objetivos essenciais: crescer, reproduzir e se manter estável no meio? Qual é a resposta formal da natureza para cumprir esses objetivos? A partir de croquis e desenhos de observação desenvolvidos pelos alunos, realizaram-se as análises dos princípios estruturantes que esses elementos apresentavam. Essas análises foram feitas em reuniões de grupo, com a presença de todos os membros da pesquisa (figura 3). 132 Figura 3 – Reunião de grupo para análise dos princípios estruturantes encontrados nos levantamentos Fonte: acervo do Núcleo Tecnoíndia (2019). Na terceira e última etapa, ocorreram os Estudos de referenciais arquitetônicos. A busca por analogias arquitetônicas foi guiada pela intenção de tornar a leitura dos sistemas estruturais em arquitetura mais clara e intuitiva. O levantamento foi realizado em obras de arquitetura consagradas pela história, sendo utilizados, para essa etapa de investigação, sites da internet e livros especializados em arquitetura. À medida que alguns princípios eram identificados nas obras, eles eram confrontados com os croquis de elementos da natureza em análises e discussões desenvolvidas nas reuniões de grupo com os professores e alunos. Todo o material produzido foi organizado em fichas, que reuniam as informações de cada elemento da natureza estudado, tais como: dados biológicos, desenhos de observação, detalhamentos, análise dos princípios estruturantes e analogias arquitetônicas. 1 Compreensão da forma por meio do desenho à mão livre Para a compreensão da relação entre aquele que desenha e o desenho, foi essencial o pensamento do antropólogo inglês Tim Ingold (2011), o qual propõe pensar a arquitetura como uma disciplina que partilha, com a arte e a antropologia, o interesse em explorar os processos pelos quais se percebe e se relaciona com o mundo e sua materialidade. Para Ingold (2011), as propriedades dos materiais não podem ser identificadas como atributos essenciais e fixos, sendo o contrário disso: propriedades processuais e relacionais. Esses atributos não seriam objetivamente determinados nem 133 subjetivamente imaginados, e sim experienciados por meio do fazer e da interação corporificada com os materiais. O pensamento de Ingold se alinha com o pensamento do arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa (2017) quando este destaca o papel do corpo na apreensão em arquitetura. Ambos acreditam que as mãos são agentes de percepção da essência dos materiais e da matéria, que realizam uma ligação direta com a atividade cerebral, constituindo-se um importante instrumento de interação com o mundo externo. Nesse sentido, Pallasmaa (2017) traz o entendimento de que as mãos possuem papel ativo na construção da representação do que está no plano do imaginário. Nessa interação, o movimento das mãos é parte do raciocínio, e não uma resposta a ele. A realização de desenhos de elementos da natureza permitiu coadunar com Ingold quando ele diz que descrever as propriedades dos materiais é contar as histórias do que acontece com eles enquanto fluem, misturam-se e se modificam (INGOLD, 2011). A pesquisa apresentada neste capítulo tornou possível observar que o desenho é capaz de fazer uma síntese da relação entre o movimento das mãos, a observação, a memória e a imaginação, pois os desenhos desenvolvidos incluíram não apenas o que estava sendo visto, mas também o entendimento dos alunos a respeito dos princípios estruturantes que estavam sendo percebidos por meio do desenho. A natureza é parte integrante da arquitetura, pois é ela quem rege as forças aos quais os elementos arquitetônicos estão submetidos e devem resistir; forças essas que, do mesmo modo, atuam sobre os demais corpos e elementos, incluindo os que compõem a própria natureza. Salvadori (2006) defende que o entendimento intuitivo do comportamento estrutural deriva tanto de nossa experiência física pessoal como de nossa percepção das formas estruturantes da natureza. Para construir um repertório de entendimento formal, realizaram-se estudos em sistemas estruturais de edificações, utilizando autores como Yopanan Rebello (2000), Salvadori (2006) e Engel (1981), que permitiram uma percepção direcionada e qualificada dos elementos em análise. Os desenhos de observação 134 apresentados neste capítulo foram construídos buscando enfocar as características estruturantes desses elementos. Segundo Arnheim (2005), toda reprodução por meio do desenho é uma interpretação visual. Desenhos com objetivos técnicos ou científicos preveem um conhecimento prévio do desenhista, que procura evidenciar proporções e relação entre as partes, as texturas e os ângulos, escolhendo características reveladoras e fatos relevantes que interessam ser comunicados (ARNHEIM, 2005). 2 Desenhos de observação e reflexões Como apresentado anteriormente, foram realizados estudos que buscaram conhecer uma diversidade de formas, englobando elementos da natureza de diferentes portes e morfologia. Neste capítulo, apresenta-se o estudo de alguns desses elementos, procurando demonstrar a relação do desenho à mão livre com a percepção e o entendimento formal. Dentre as espécies estudadas, destaca-se inicialmente o mamoeiro (Carica papaya L.), uma espécie popularmente conhecida, mas que, no levantamento, apresentou informações que ainda não eram explícitas. A exemplo disso, tem-se o ato de desenhar a nervura das folhas, que permitiu um melhor entendimento das suas funções: proporcionar equilíbrio, aumento de área para absorção de luz e escoamento de água, além de, principalmente, propiciar uma compreensão da relação dessas funções com a sua morfologia. Foi observado que a folha possui pequenas estruturas, que lhe conferem uma forma constantemente aberta para aproveitar o máximo da luminosidade solar, atendendo à necessidade biológica de fotossíntese. As reentrâncias formais da folha do mamoeiro permitem o rápido escoamento de água, evitando o seu acúmulo e o consequente excesso de carga em sua estrutura (figura 4). A compreensão obtida a partir do desenho do mamoeiro trouxe informações sobre os princípios estruturantes utilizados nas formas da arquitetura, como o balanço, que, para possuir equilíbrio, requer uma seção mais espessa próxima ao apoio e mais esbelta nas extremidades. Pode-se observar que a haste da folha do 135 mamoeiro possui maior seção na parte em que se apoia no tronco e vai se afinando à medida que se distancia do apoio. Na arquitetura, o balanço ocorre quando parte da forma fica afastada do apoio, em que uma ou mais extremidades não o possuem, levando a uma percepção de estarem suspensas no ar. Esse é um princípio estruturante típico das espécies arbóreas, em que há um apoio principal (tronco) de onde partem diversos sistemas em balanço (galhos). O espessamento da seção, próximo ao apoio, é uma solução encontrada tanto na natureza quanto na arquitetura (figuras 4 e 5). Figura 4 – Desenhos de estudo à mão livre – mamoeiro (Carica papaya L.) Fonte: desenho de Lucas Luan dos Santos (set. 2018). Acervo da pesquisa: A natureza da forma e as formas da natureza. 136 Figura 5 – Croqui do arquiteto Paulo Mendes Rocha, demonstrando seção de laje em balanço – Estádio Serra Dourada – Goiânia (GO) Fonte: Fracalossi (2012). Ainda sobre os estudos com espécies vegetais, enquanto algumas delas se mostraram significativas por seu comportamento estrutural, outras se destacaram pela maneira como se adaptaram ao meio e como suas formas amenizaram as adversidades, principalmente do clima, garantindo a sua sobrevivência, a exemplo do mandacaru (figura 6). O mandacaru, espécie nativa da caatinga brasileira, é uma cactácea resistente ao clima semiárido do Nordeste do país, região com grande incidência solar em todo o período do ano, além de temperaturas elevadas, combinadas a longos períodos de secas. Seu desenvolvimento depende da otimização da pouca água a que tem acesso, ou seja, precisa armazenar, consumir pouco, evitar a perda de água e se proteger da intensa radiação solar, que o desidrata, ao mesmo tempo que precisa se estabilizar no solo seco e crescer. Figura 6 – Desenhos de estudo à mão livre – mandacaru (Cereus jamacaru) Fonte: desenho de Lucas Luan dos Santos (set. 2018). Acervo da pesquisa: A natureza da forma e as formas da natureza. 137 Todas essas condicionantes enfrentadas pela espécie geraram adaptações, que podem ser observadas na sua composição formal, e instigaram a pesquisa sobre a possibilidade de a cactácea ser uma referência formal para uma arquitetura voltada à eficiência bioclimática, em um cenário cada vez mais preocupado com a qualidade ambiental das edificações. Dentre as estratégias observadas no mandacaru, pode-se citar o sombreamento pela própria forma, em que a natureza resolve o problema do aquecimento da superfície com reentrâncias que a protegem dos raios solares, por meio da sombra gerada pelas nervuras. Os planos alternados de luz e sombra, gerados pelas nervuras verticais, criam espaços nos quais ocorre fluxo de ar por convecção, gerando o resfriamento da superfície da planta. A estratégia formal do mandacaru remete ao sistema de brises, utilizados em arquitetura com a função de sombrear, filtrar ou direcionar a entrada de luz, formando bolsões de circulação de ar nesses vãos sombreados, que reduzem o aquecimento dos ambientes. Cada espécie estudada foi sistematizada em fichas, que reuniam os desenhos realizados, as características formais da espécie, os princípios estruturantes observados e as analogias arquitetônicas. A organização dos elementos da natureza em fichas foi uma ferramenta simples e eficiente de sistematização e análise das informações levantadas. A partir das análises e discussões em grupo, foi possível observar que algumas soluções e princípios estruturantes desenvolvidos pela natureza são frequentes, ocorrendo de diferentes maneiras em diversas espécies. Os princípios estruturantes observados com maior frequência foram: equilíbrio geométrico (Ex.: superfícies em balanço); travamento pela forma (inércia alcançada a partir da geometria do elemento); resistência do material; equilíbrio entre rigidez e elasticidade; centralização de esforços e racionalidade (esbelteza, economia de material, seção variável, conforme aumento de carga, e seção circular vazada). Um dos resultados mais relevantes obtidos na pesquisa foi observar como, na natureza, os princípios estruturantes estão extremamente conectados com a forma do elemento e com suas funções biológicas. Na natureza, forma, 138 função e estrutura estão sempre relacionadas de maneira indissociável, o que se acredita ser uma qualidade virtuosa também nos projetos de arquitetura. Quadro 1 – Analogias arquitetônicas Racionalidade, equilíbrio geométrico e travamento pela forma Racionalidade e equilíbrio geométrico: seção variável do tronco ao longo da altura Confere maior rigidez nas regiões de maior esforço. Croquis de Oscar Niemeyer para os pilares do Palácio da Alvorada. Racionalidade: forma geométrica circular vazada Elevada inércia. Elevado raio de giração pelo fato de ser vazado. Boa resistência aos esforços de compressão e flexão Corte – Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Arquiteto: Oscar Niemeyer Equilíbrio geométrico e travamento pela forma: balanço com seção variável, aumentando próximo ao apoio Aumenta o momento de inércia. Praça do Patriarca, Croqui de Paulo Melhora a rigidez do balanço. Mendes da Rocha. Princípio de otimização de material. Fonte: desenhos de João Ciochi, Lucas Luan dos Santos, Yasmin Farias e Mirely Oliveira (set. 2018). Acervo da pesquisa: A natureza da forma e as formas da natureza. 139 3 O desenho e o repertório de formas O ato de desenhar instigou perguntas que permitiram reobservar elementos da natureza para, assim, compreender questões importantes, como o equilíbrio formal e as proporções entre suas partes. Desse modo, detalhes que passariam despercebidos em uma observação, mesmo que atenta, revelaram-se por meio do desenho. Pode-se dizer que o movimento das mãos sobre o papel expressa o pensamento e o estimula, funcionando de forma cíclica. No desenho de observação de caráter analítico, a representação se torna a expressão do que está sendo visualizado e que irá, a cada novo olhar, desencadear camadas de significados, que são alimentadas pelo processo de cognição. A pesquisa apresentada neste capítulo permitiu observar que o desenho é capaz de fazer uma síntese da relação entre o movimento das mãos, a observação, a memória e a imaginação, pois os desenhos realizados neste trabalho incluíram não apenas o que estava sendo visto, mas também o entendimento pessoal a respeito dos princípios estruturantes que estavam sendo percebidos por meio deles. A experiência desenvolvida nesta pesquisa permite concluir que o desenho de observação pode contribuir com o ensino e com um entendimento mais intuitivo dos sistemas estruturais nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, em que, muitas vezes, o entendimento estrutural é transmitido sem uma relação direta com a forma dos elementos arquitetônicos, separando forma e estrutura, enquanto se sabe que estes são elementos indissociáveis de composição da materialidade formal. Referências ARAÚJO-SILVA, D.F. 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Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2007), que é o órgão das Nações Unidas para avaliar a ciência relacionada às mudanças climáticas, com a expansão das cidades, a paisagem natural é substancialmente modificada pela grande concentração de casas, pelas instalações industriais, pelo adensamento populacional e pela pavimentação asfáltica, que, por sua vez, criam condições para alterar o comportamento em ecossistemas urbanos. Estudos salientam que, nos países em desenvolvimento, dar-se-á o crescente processo de urbanização, o que dependerá da política de planejamento urbano a ser implementada, sendo benéfico a partir de modelos de urbanização sustentáveis (ROSENZWEIG et al., 2015). No caso do Brasil, o quadro social agrava os impactos socioambientais das mudanças climáticas (RIBEIRO, 2008). O país, em 2015, já possuía 85,7% da população vivendo em áreas urbanas, com a previsão de que esse percentual pode atingir 91% em 2050, sendo que a maior parte das pessoas reside em cidades médias com população entre 100 e 500 mil habitantes, como é o caso de Cuiabá 142 (MT), em que, no último censo, de 2010, a população era de 551.098, com uma estimativa para 2021 de 623.614 habitantes (PBMC, 2016; IBGE, 2021). As cidades brasileiras são vulneráveis às mudanças climáticas, e os possíveis impactos dessas alterações deverão ocorrer em diferentes escalas, de acordo com a vulnerabilidade e as características específicas de cada região do país, provocando intensificações de eventos severos, tais como: tempestade; precipitação; inundações costeiras e em regiões de baixa altitude, por exemplo, em vales; secas mais longas e mais severas em algumas áreas; incêndios florestais e aumento de temperatura, que ocasiona anomalias térmicas como a ilha de calor urbana (PBMC, 2016; 100 RESILIENT CITIES, 2014). A formação da ilha de calor é descrita como o fenômeno em que as áreas das cidades tendem a ser mais quentes que o entorno de áreas suburbanas e rurais, devido à absorção de calor pelas superfícies impermeáveis que recobrem o solo, em substituição da cobertura vegetal, que altera as propriedades físicas das superfícies e diminui as taxas de evapotranspiração do campo térmico existente, associadas à poluição do ar, da água e do solo, modificando as condições em escala microclimática, hídrica etc., que contribuem para a manifestação de extremos climáticos, como as ondas de calor (VOOGT; OKE, 2003; ROSENZWEIG et al., 2011; OKE et al., 2017; FERREIRA, 2019). Estudos na área de climatologia urbana destacam que a incorporação dos conhecimentos do clima urbano no planejamento das cidades, de forma consistente, é bastante recente, devido às dificuldades de comunicação entre a climatologia, o planejamento urbano, a limitação computacional e a parametrização associada à representação de áreas urbanas em modelos climáticos (EMMANUEL, 2016). No caso de cidades de clima tropical, o conhecimento das ilhas de calor é ainda menor, em razão de as estratégias estarem voltadas ora ao aquecimento, ora ao resfriamento, não se traduzindo, de forma eficiente, apenas para resfriamento (HUNG et al., 2006; ROTH, 2007). Sendo assim, desenvolver pesquisas envolvendo o clima como instrumento para o planejamento urbano, com foco na adaptação às mudanças climáticas em cidades tropicais, é urgente, tendo o resfriamento como principal estratégia 143 (EMMANUEL, 2016). Portanto, muito ainda precisa ser feito para mitigar o efeito da ilha de calor urbana nos trópicos como parte das estratégias de adaptação às mudanças climáticas (EMMANUEL; LOCONSOLE, 2015). A cidade de Cuiabá é conhecida pelo seu rigor climático, com elevadas temperaturas durante todo o ano, frequentemente acima de 35 °C. A área do município é de 3.538,17 km², sendo que 254,57 km² correspondem à área urbanizada, além de fazer parte da Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá, instituída em 2016, com população estimada de 1.041.307 habitantes (IBGE, 2020). O município (figura 1) está localizado no encontro de três importantes biomas brasileiros: o Pantanal, o Cerrado e a Floresta Amazônica, com 15° 35’ 46” de latitude Sul e 56° 05’ 48” de longitude Oeste, com altitude média inferior a 200 metros acima do nível do mar. O perfil climático é o tropical continental semiúmido do tipo Aw, segundo a classificação de Köppen22, com duas estações bem definidas, uma quente e seca (outono–inverno) e uma quente e úmida (primavera–verão) (MAITELLI, 1994). Figura 1 – Localização da cidade de Cuiabá no estado de Mato Grosso Fonte: Souza (2016). 22 Sistema de classificação global dos tipos climáticos mais utilizada em geografia, climatologia e ecologia. São considerados a sazonalidade e os valores médios anuais e mensais da temperatura do ar e da precipitação. 144 Diante dessa discussão, é importante entender o comportamento da ilha de calor em cidades de porte médio, no presente estudo, em Cuiabá, nos anos de 2011–2012 e 2016, nas quatro estações do ano, utilizando os parâmetros urbanos e índices urbanísticos municipais, de forma a corroborar com os estudos na área de climatologia urbana, além de servir de auxílio na tomada de decisão para o planejamento urbano do município. 1 Coleta de dados As coletas de dados foram realizadas utilizando a metodologia de transecto móvel noturno, com veículo automotor, iniciando às 20h, com velocidade do veículo variando entre 30 e 40 km/h, em dias com condições climáticas estáveis, com ventos leves e céu claro (OKE, 2004; AMORIM, 2005; SANTOS, 2012). Essa metodologia consiste em um percurso previamente determinado, registrando as medições das variáveis climáticas em duas coletas de dados, nas quatro estações do ano em 2011–2012 e 2016. Cabe ressaltar que, em 2011, foram coletados os dados do outono, inverno e primavera e, em 2012, apenas do verão, por isso os dois anos apresentam essa configuração, uma vez que se trata de uma única coleta. Devido à extensão da área de estudo, optou-se por fazer a coleta de dados dividindo em dois transectos (figura 2), sendo Transecto 1: Leste/Oeste, com 56 pontos, iniciando com P1 e finalizando com P56, compreendendo 19,76 km, e Transecto 2: Sul/Norte, com 35 pontos, iniciando com P57 e finalizando com P91, compreendendo 11,6 km. 145 Figura 2 – Transectos 1 (preto) e 2 (vermelho) Fonte: elaborada pelas autoras (2020). Nas coletas, foram utilizados sensores de temperatura do ar e umidade relativa do ar do tipo Datalogger, que é um registrador de dados pequeno, o qual monitora e registra dados em tempo real, protegidos por um abrigo, acoplado na lateral do veículo, com distância aproximada de 2 metros do solo. As coordenadas geográficas foram obtidas com GPS, sendo este um aparelho digital de localização que determina a posição exata no globo terrestre, ou seja, a latitude e a longitude (coordenadas geográficas), obtendo as coordenadas geográficas angulares e, posteriormente, convertendo em Universal Transversa de Mercator (UTM). Todos os sensores anteriores à coleta foram calibrados em relação a sensores de referência presentes no núcleo de instrumentação do Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso. Para a validação dos dados, foram utilizados, como dados de referência, os 146 valores obtidos da Estação Automática do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), localizada na 13ª Brigada de Infantaria Motorizada em Cuiabá. 2 Cálculo da ilha de calor urbana, parâmetros urbanos e índices urbanísticos Para o cálculo da intensidade da ilha de calor, inicialmente foi obtida a média da temperatura do ar em cada ponto nas quatro estações. De acordo com Alves (2017), não existe um critério universal para o cálculo da intensidade da ilha de calor urbana, entretanto, Fialho (2012) explica os vários tipos de ilhas de calor: atmosférica, vertical e de superfície. Diante do exposto, vale ressaltar que o objeto de estudo nesta pesquisa é a ilha de calor atmosférica, que é definida a partir da diferença de temperatura do ar observada dentro da área urbana. Nesse caso em especial, será adotado o cálculo baseado em Andrade (2003) e Lopes et al. (2013), que considera as alterações intraurbanas, isto é, a intensidade da ilha de calor intraurbana (ICU), que é o resultado da diferença entre o ponto de maior temperatura do ar e o ponto de menor temperatura do ar. De acordo com Brandão (2003), a magnitude da ilha de calor é P1 classificada em função da intensidade, sendo agrupada em fraca (0 ºC a 2 ºC), moderada (2,1 ºC a 4 ºC), forte (4,1 ºC a 6 ºC) e muito forte (> 6,1 ºC). Para a classificação do solo, utilizou-se a metodologia de Oke (2004), que define a área de influência do instrumento a partir da relação de a cada 2 metros de distância que o instrumento está do solo, cujo raio de influência é de 200 metros. Com isso, foram gerados os mapas temáticos empregando o método de classificação supervisionada, por meio da técnica Máxima Verossimilhança (MAXVER), utilizando imagens do software Google Earth, relacionadas aos anos de estudo em cada um dos 91 pontos. Obtendo as porcentagens referentes a cada classe de interesse, conforme Kastzschner (1997), isto é, a cobertura com vegetação rasteira, vegetação arbórea, solo exposto, corpos d’água, área pavimentada e área edificada nos anos de estudo, é possível, posteriormente, utilizar esses valores para obter os parâmetros 147 urbanos, conforme feito por Debiazi & Souza (2017): Coeficiente de Ocupação (CO), Coeficiente de Vegetação Urbana (CVU) e Coeficiente de Cobertura do Solo (CCS), que se divide em solo permeável (CCSP) e impermeável (CCSI). Para o cálculo de CO, utiliza-se a área ocupada por edifícios, dividido pela área total do raio de abrangência. Já para calcular a CVU, quantificou-se o valor da área do solo coberta por vegetação arbórea e rasteira em relação à área total do raio de abrangência. No que se refere ao CCS, utilizaram-se os dados de área com característica permeável (CCSP) e impermeável (CCSI) pela razão com a área total do raio de abrangência. No intuito de estabelecer um diálogo entre os profissionais liberais, gestores e planejadores com o meio acadêmico, utilizou-se a Lei Complementar de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo do município de Cuiabá (LC n.º 389/2015), a fim de apontar quais são as zonas, onde estão localizadas as ICUs e a sua relação com os coeficientes e índices urbanos. A macrozona urbana do município é dividida em três zonas de uso: Zona de Uso Múltiplo (ZUM), Zona de Expansão Urbana (ZEX) e Zonas Urbanas Especiais (ZUE). Neste estudo, serão utilizadas as ZUE, pois a lei estabelece que prevalecerão os índices urbanísticos respectivos às subcategorias onde os pontos estão locados. As Zonas Urbanas Especiais são subdivididas em 13 subcategorias, dentre elas: Zona de Interesse Ambiental (ZIA) e Parque Urbano; Zona de Interesse Histórico (ZIH) e Zona de Corredores de Tráfego (ZCTR), sendo que prevalecerão os índices urbanísticos das respectivas subcategorias em relação às demais zonas. Essas zonas estabelecem os índices urbanísticos do município, tais como: o Coeficiente de Ocupação do Solo (COS), que institui a capacidade máxima de projeção de área edificada em relação à área do lote, e o Coeficiente de Permeabilidade (CP), que é composto pela Cobertura Vegetal Paisagística (CVP) e pela Cobertura Vegetal Arbórea (CVA), cujos índices informam a área que deverá ser mantida como vegetação rasteira e/ou árvores em relação 148 à área do lote. O Potencial Construtivo (PC), o Limite de Adensamento (LA) e o Potencial Construtivo Excedente (PCE) norteiam o limite máximo de área construída em relação à área do lote. Para a análise estatística dos dados, foram elaboradas planilhas, separadas por pontos, relacionando a ilha de calor e os coeficientes urbanos. Contudo, para a comparação, fez-se o uso das médias dos registros de temperatura e umidade relativa do ar entre os anos, no intento de obter a intensidade da ilha de calor intraurbana noturna em ambos os transectos nas quatro estações. A análise estatística adotada foi inicialmente a verificação da normalidade dos dados, por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov23 (TORMAN et al., 2012), que buscou avaliar se a distribuição dos dados adere a normal, sendo, no entanto, rejeitada a aderência com significância 24 (sig.)<0,05. Após a rejeição da hipótese da normalidade, adotou-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis25 (SHESKIN, 2011; SABINO et al., 2017), para as comparações entre as medianas dos grupos, sendo detectadas as diferenças significativas com sig.<0,05, ou seja, os grupos evidenciaram comportamentos diferentes entre si. Posteriormente, utilizou-se a correlação de Spearman, para a relação entre a ICU (variável dependente) e os coeficientes urbanos (variáveis independentes), visando verificar quais coeficientes têm maior relação. As correlações nesse teste serão significativas no nível sig. 0,01. 3 Resultados obtidos Após as coletas de dados das variáveis microclimáticas, obtiveram-se os valores da ICU nas quatro estações do ano, a partir das médias de temperatura do ar de cada ponto e os coeficientes urbanos entre os anos de estudo. 23 Trata-se de um teste estatístico que avalia se a distribuição dos dados adere a normal — distribuição de dados simetricamente. 24 Determina um valor limite para comprovar se o resultado obtido pode ser considerado estatisticamente significativo depois de se realizarem os testes estatísticos. 25 É usado para comparações entre as medianas dos grupos. 149 Comparando a amplitude da ICU entre os anos, demonstra-se que, em 2011–2012, foram registradas diferenças de até 2,75 ºC e, em 2016, passou para 4,7 ºC, conforme tabela 1. Tabela 1 – Relação da ICU entre 2011–2012 e 2016 Ilha de calor (ºC) em 2011–2012 Estações do ano Outono Inverno Primavera Verão Ilha de calor (ºC) em 2016 Mínima Máxima Mínima Máxima 0,0 0,0 0,0 0,0 2,59 2,75 2,29 2,30 0,0 0,0 0,0 0,0 4,69 4,00 2,92 2,64 Nota: elaborada pelas autoras (2020). Para a elaboração dos mapas, é utilizado o programa Surfer®, que permite uma rápida visualização do comportamento espacial da variável sob estudo e possui função plena para a visualização de contornos em três dimensões, além de um pacote para modelagem de superfície, sendo utilizado para modelagem de terreno, visualização da paisagem, análise de superfícies, mapeamento de contorno, geração de mapas de superfície, gridding, volumetria, entre outras aplicações (VENTURI et al., 2014). No outono de 2011, os dados variaram entre 2,02 ºC e 2,60 ºC em 11% dos pontos. Já, no inverno de 2011, as maiores intensidades ocorreram em 30% dos pontos, variando de 2,01 ºC a 2,75 ºC; na primavera de 2011, em 13% dos pontos, oscilando de 2,02 ºC a 2,29 ºC, e, no verão de 2012, em 16% dos pontos, variando de 2,03 ºC a 2,30 ºC (figura 3). 150 Figura 3 – Ilha de calor urbana, nas estações do ano, em 2011–2012 Nota: elaborada pelas autoras (2020). Diante do exposto, evidencia-se que, durante 2011–2012, a estação com maior porcentagem de pontos, atingindo intensidade moderada, foi o inverno, com 30% dos pontos; seguido do verão, com 16%, e primavera e outono, com 13% e 11%, respectivamente. A média da ICU, em 2011–2012, no outono, foi de 1,40 ºC; no inverno, 1,50 ºC; na primavera, 1,30 ºC, e, no verão, 1,50 ºC. Em 2016, além da intensidade fraca e moderada, foi observada, em alguns pontos, a ICU forte, conforme a estação do ano. Logo, aponta-se a porcentagem de pontos relacionados à cada intensidade: com relação à ICU moderada, em 47% dos pontos no outono, variando de 2,07 ºC a 3,95 ºC; no inverno, em 77% dos pontos, oscilando entre 2,02 ºC e 4 ºC; na primavera, em 35% dos pontos, variando entre 2,02 ºC e 2,92 ºC, e, no verão, em 34% dos pontos, oscilando entre 2,03 ºC e 2,64 ºC. 151 A ICU forte foi identificada em dois pontos, no outono, sendo de 4,40 ºC e 4,69 ºC, conforme figura 4. Figura 4 – Ilha de calor urbana, nas estações do ano, em 2016 Fonte: elaborada pelas autoras (2020). Portanto, em 2016, o inverno permaneceu como a estação com a maior porcentagem de pontos mais aquecidos, sendo 77%; seguido do outono, com 47%; primavera, com 35%, e verão com 34%. Observa-se que houve aumento da quantidade de pontos com ICU moderada em todas as estações do ano, contudo, no outono, foi possível identificar a ICU forte em dois pontos. A média da ICU, em 2016, no outono, foi de 2 ºC; no inverno, 2,65 ºC; na primavera e no verão, 1,60 ºC, salientando a evolução da ilha de calor entre os anos, principalmente entre as estações do ano. 152 Para verificação das diferenças apontadas na ICU entre os anos de estudo, utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis, obtendo-se sig.<0,05, confirmando que as mudanças devem ser consideradas. Os dados de coeficiente urbano variam entre 0 e 1, destacando que, quanto mais próximo de 1, maior é a ocupação, de acordo com o parâmetro analisado. Assim sendo, em 2011–2012, os valores de Coeficiente de Ocupação (CO) variaram entre 0 e aproximadamente 0,60; o Coeficiente de Vegetação Urbana (CVU) oscilou entre 0,15 e 0,80; o Coeficiente de Cobertura do Solo Permeável (CCSP) variou entre 0,20 e 0,96 e o Coeficiente de Cobertura do Solo Impermeável (CCSI) obteve valores entre 0,10 e 0,80. No entanto, em 2016, os valores de CO mantiveram a variação entre 0 e 0,60; já o CVU teve diminuição, na mínima, para 0,10 e aumento, na máxima, para 0,85. Entretanto, os CCSP e CCSI obtiveram variação entre 0,10 e 0,90, apontando elevação de área com solo impermeável. Na verificação das mudanças apontadas entre os anos de estudo, utilizouse o teste de Kruskal-Wallis, obtendo-se valor de significância<0,05, o qual confirma que as diferenças devem ser consideradas entre os anos. Na tabela 2, estão relacionados os dados de intensidade da ICU com os coeficientes urbanos em 2011–2012 e 2016, lembrando que a magnitude é classificada em função da intensidade e agrupada em fraca (0,01 ≤ 2 ºC), moderada (2,01 ≤ 4 ºC), forte (4,01 ≤ 6 ºC) e muito forte (≥ 6,01 ºC). Tabela 2 – Relação da ICU e os coeficiente urbanos em 2011–2012 e 2016 Ano ICU (ºC) CO CVU CCSP CCSI 2011 0,01 ≤ 2 0,0 a 0,60 0,15 a 0,80 0,20 a 0,96 0,10 a 0,80 2,01 ≤ 4 0,20 a 0,60 0,20 a 0,40 0,20 a 0,50 0,50 a 0,80 4,01 ≤ 6 - - - - 0,01 ≤ 2 0,0 a 0,60 0,10 a 0,85 0,10 a 0,90 0,10 a 0,90 2,01 ≤ 4 0,10 a 0,60 0,10 a 0,60 0,10 a 0,70 0,30 a 0,90 4,01 ≤ 6 0,50 a 0,55 0,20 0,20 0,80 2012 2016 Fonte: elaborada pelas autoras (2020). 153 Em 2011–2012, quando os valores mínimos de CO, CVU e CCSP atingiram 0,20 e de CCSI atingiu 0,50, a ICU configurou intensidade moderada. Observa-se uma queda significativa nos coeficientes relacionados à vegetação urbana e ao solo permeável, passando de 0,80 para 0,40 e de 0,96 para 0,50, respectivamente. Contudo, em 2016, o valor mínimo de CO, CVU e CCSP era 0,10 e de CCSI era 0,30, quando a intensidade da ICU passou a ser moderada, cujo valor mínimo de CO era de 0,50. Destacando que os valores de CVU e CCSP permaneceram em 0,20 e de CCSI, em 0,80, quando a intensidade da ICU passou a ser forte. Dessa maneira, vale ressaltar que a ICU se manteve fraca quando o CO ficou entre 0 e 0,60; o CVU, entre 0,10 e 0,85, e o CCSP e o CCSI, entre 0,10 e 0,90. Já a ICU foi considerada moderada quando o CO e o CVU ficaram entre 0,1 e 0,60 e o CCSP e o CCSI, entre 0,10 e 0,90. Por fim, considerou-se ICU forte, quando se teve o CO entre 0,50 e 0,55; o CVU e o CCSP com 0,20 e o CCSI com 0,80 da área, durante o período de estudo. Entende-se que existe uma maior relação do CVU e CCSI com a ilha de calor, pois, quando houve mudança nos parâmetros dos coeficientes, isso se manifestou nos dados da ICU, principalmente em 2016, quando pôde ser observada a intensidade forte, evidenciando a influência da vegetação urbana e dos materiais de cobertura do solo na manutenção e na evolução da ilha de calor. Ribeiro (2016) analisa o comportamento termo-higrométrico entre os ambientes sombreados com vegetação arbórea (mangueira e oiti), em relação a locais não sombreados, observando que a vegetação arbórea amenizou a temperatura do ar e elevou a umidade relativa do ar, além de melhorar o desempenho dos materiais de cobertura do solo (solo, concreto e asfalto) sob a copa das árvores. Apesar dos valores dos coeficientes apresentarem correlação moderada na maioria dos casos, o grau de significância das relações é relevante, sustentando os apontamentos entre a influência dos coeficientes urbanos e o comportamento da ilha de calor, nas estações do ano, durante o período de estudo. 154 No intuito de avaliar a relação entre os parâmetros urbanos propostos por Debiazi & Souza (2017) e os índices urbanísticos determinados pela LC n.º 389/2015, nos pontos e em sua relação com o comportamento da ICU em cada ano de estudo, a avaliação será baseada nos coeficientes CO e CCSP, que possuem relação conceitual com os índices urbanísticos municipais. Os índices para Coeficiente de Permeabilidade (CP) nas zonas de uso variam entre mínimo de 20% e máxima de 70%, e os valores de Coeficiente de Ocupação do Solo (COS) variam entre mínimo de 15 e máxima de 80%, cujo ponto será contabilizado quando, em ambos, os coeficientes urbanos atenderem aos índices permitidos. Com base nos dados apresentados, observou-se que, nos anos 2011–2012, em 89% dos pontos, os valores estiveram dentro dos limites exigidos tanto para o CP quanto para o COS. Todavia, em 31 pontos localizados na região central da cidade, um dos parâmetros não foi atingido. No ano de 2016, em 77% dos pontos, os valores de CP e COS estiveram dentro dos parâmetros exigidos. Apesar de a maioria dos pontos estarem dentro dos limites de referência da legislação municipal, observa-se que houve um aumento de pontos fora dos limites exigidos, totalizando 49, abrangendo outras regiões da cidade. Vale salientar que, nos pontos em que um dos índices não foi respeitado, nota-se uma diminuição de cobertura vegetal e, consequentemente, uma elevação de cobertura impermeável com valores acentuados. É importante inferir que a maioria dos pontos está localizada na Zona de Corredor de Tráfego 1 (ZCTR1), que é compreendida por lotes, com frente para as vias públicas urbanas, classificadas como vias estruturais, portanto, com potencial construtivo de três vezes a área do terreno e, no mínimo, 25% de cobertura permeável, com elevada capacidade de construção, podendo formar canyons urbanos, promovendo mudança na geometria urbana, além das trocas térmicas por convecção, devido à provável alteração na velocidade e direção do vento, consequentemente com alteração no balanço de energia em escala microclimática. 155 Na subcategoria de Zona de Interesse Histórico (ZIH1), que é constituída pelo conjunto arquitetônico urbanístico e paisagístico bem como por sua área de entorno, tombados pela União, em Cuiabá, localizados na categoria de zona de área central, com potencial construtivo de três vezes a área do terreno e, no mínimo, 20% de cobertura permeável, esses locais, em especial, estão em áreas muito adensadas, possuindo elevada porcentagem de concreto e pavimento asfáltico, trânsito intenso de veículos e pessoas durante o período diurno e poucas áreas com cobertura vegetal arbórea, que são elementos os quais colaboram na manutenção da temperatura do ar e umidade relativa do ar. Rosa et al. (2017) realizaram um estudo sobre a permeabilidade do solo em Cuiabá, o coeficiente de permeabilidade exigido pela legislação de uso e a ocupação do solo vigente, cujos resultados obtidos apontam que o solo tem baixíssima permeabilidade e baixa velocidade de percolação, evidenciando que é necessário planejar o uso e a ocupação de acordo com o tipo de solo. A Zona de Interesse Ambiental (ZIA) e os parques urbanos na área de estudo são oásis dentro do perímetro urbano, em que são identificadas as menores temperaturas do ar. Estudos anteriores demonstraram que, quanto maior a área do parque, maior é a área de influência, principalmente por possuir maior cobertura de árvores, que contribuem na redução de radiação solar direta no solo e no aumento da umidade relativa do ar pelo processo de evapotranspiração. Este estudo vem corroborar com outros da área de climatologia e planejamento urbano, evidenciando que as áreas nas proximidades dos parques e de ZIA são pontos mais frescos, podendo ser denominados zonas de frescor. É importante salientar a contribuição da arborização urbana na amenização do rigor climático. Miranda (2018), em seu estudo que analisou o potencial de sombreamento arbóreo em um estacionamento na cidade de Cuiabá, destaca algumas estratégias, dentre elas, a utilização de um maior percentual de plantio de árvores das espécies perenes e semidecíduas, devido ao desempenho significativo em relação à sazonalidade das espécies. 156 Este estudo teve como objetivo relacionar o comportamento da ilha de calor na área urbana de Cuiabá (MT) com os parâmetros urbanos e com os índices urbanísticos LC n.° 389/2015 nos 91 pontos dentro da área de estudo. Na relação dos índices urbanísticos da LC n.º 389/2015 com os coeficientes urbanos, aponta-se que, apesar de a maioria dos pontos estarem dentro dos limites de referência da legislação municipal durante o período de estudo, observa-se que houve aumento de pontos que estão fora dos limites exigidos. Como pôde ser observado na relação do coeficiente de vegetação urbana, do solo impermeável e da ilha de calor, quando houve mudança nos parâmetros dos coeficientes, isso se manifestou nos dados da ICU, principalmente em 2016, quando se observou a intensidade forte, evidenciando a influência da vegetação urbana e dos materiais de cobertura do solo na manutenção e na evolução da ilha de calor. Demonstrando que os resultados foram satisfatórios, pois se observou que, em ambos os períodos, a estação com maior quantidade de pontos com ICU moderada foi o inverno. Ademais, nota-se a evolução da ilha de calor na estação. Portanto, esta pesquisa vem corroborar com os estudos de ilha de calor em cidade de porte médio, partindo do estudo da cidade de Cuiabá (MT), apontando a relação do comportamento térmico dos materiais que recobrem o solo na área urbana e da ocupação do solo e da ICU, haja vista que, em localizações nas quais ainda não se atingiram os limites máximos permitidos de ocupação, é possível observar a ICU acentuada e a diminuição de solo permeável, principalmente quando composto por cobertura arbórea. Referências 100 RESILIENT CITIES, 2014: Manual de estratégias. Desenvolvendo estratégias de resiliência de alto impacto. 100RC. Disponível em: http:// www.100resilientcities. org/page/-/100rc/pdfs/PEF-0019-16-210x280- LivroCompleto%20(1).pdf. Acesso em: 6 ago. 2020. 157 ALVES, E. Ilhas de calor urbana em cidade de pequeno porte e a influência de variáveis geourbanas. Revista Brasileira de Climatologia, v. 20, p. 97-116, 2017. AMORIM, M. C. C. T. 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A expansão demográfica, o desenvolvimento das cidades e as intensas intervenções antrópicas não só geram uma série de mudanças na malha urbana como também criam condições climáticas desfavoráveis ao conforto térmico26, que é definido como o estado de espírito que exprime a satisfação do homem com o ambiente térmico e a temperatura corporal que o circunda (ABNT, 2017). Além disso, o aumento das áreas construídas, a retirada de coberturas vegetativas, a canalização de rios e córregos, a impermeabilização do solo, além da constante emissão de gases poluentes na atmosfera, são fatores que interfe26 Condição de satisfação de cada indivíduo com o ambiente térmico que o circunda. 163 rem nas condições termo-higrométricas27, ou seja, de temperatura do ar e de umidade relativa do ar, responsáveis pelo surgimento de diversos fenômenos urbanos, dentre eles, a formação das ilhas de calor. Segundo Gartland (2010), a ilha de calor é um fenômeno urbano caracterizado por superfícies mais quentes do que as localizadas em áreas rurais circundantes. Ela ocorre em áreas urbanas em função da impermeabilidade de grande parte dos materiais de construção e pavimentos (que reduz a umidade disponível para dissipar o calor do sol) e da cor escura desses materiais, que absorve e armazena mais energia solar. Esse fenômeno não só interfere na saúde da população como também contribui para a sensação de desconforto térmico, fazendo com que as construções e seus usuários sejam cada vez mais dependentes de sistemas artificiais de refrigeração, ocasionando maior demanda energética. Em contrapartida, as áreas verdes no perímetro urbano, como parques, praças e canteiros com vegetação, atuam de maneira benéfica para a cidade e sua população, pois interferem no microclima, por meio da mitigação das altas temperaturas, da absorção de poluentes e do aumento da umidade relativa do ar, proporcionando melhores sensações térmicas à população. Ademais, esses espaços públicos são indispensáveis para proporcionar bem-estar à população, uma vez que favorecem o equilíbrio energético e microclimático da cidade e estão atrelados à saúde física e mental humana (FRANCO, 2013). De acordo com Leal (2012), a climatologia funciona como um instrumento de previsibilidade para avaliar o impacto da morfologia urbana relacionado ao comportamento térmico desses espaços e definir estratégias que promovam qualidade de vida, tornando-se, assim, um mecanismo fundamental de gestão e planejamento das zonas urbanas. Pensando nisso, pretendeu-se, com este estudo, apresentar dados científicos que relacionam a interferência da presença de vegetação e da impermeabilização do solo com as condições termo-higrométricas e a sensação de conforto térmico dos usuários de parques urbanos, na cidade de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso. 27 Refere-se à análise da temperatura (termo) e umidade relativa do ar (higrométrica). 164 1 Explorando Cuiabá e seus principais parques urbanos A cidade de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, possui uma área de 3.224,68 km² de extensão, sendo 251,94 km² de área urbana e 2.972,74 km² pertencente à área rural. No município, existem os distritos de Coxipó do Ouro, Coxipó da Ponte e Guia, formando também uma conurbação com a cidade de Várzea Grande, sendo separados pelo rio Cuiabá (figura 1). Figura 1 – Localização da cidade de Cuiabá (MT) Nota: elaborada pelas autoras (2020). De acordo com Köppen, Cuiabá tem um clima classificado em Aw, sendo tropical semiúmido, com duas estações bem definidas: a seca e a chuvosa. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a estação quente e seca equivale aos meses de abril a outubro e a quente e úmida, aos meses de novembro a março. Ademais, a capital possui baixa amplitude térmica, cuja temperatura média anual é de 26,8 ºC, com média das máximas podendo chegar aos 42 ºC e média das mínimas aos 15 ºC. Em relação à umidade relativa do ar anual, 165 tem um média de 78%, contudo é muito comum que, na estação quente e seca, fique abaixo de 60%. Além disso, está situada em uma altitude de 165 metros acima do nível do mar, em uma província geomorfológica denominada de Depressão Cuiabana (CUIABÁ, 2009). Os parques selecionados para a presente pesquisa foram o das Águas e o Tia Nair. A escolha se baseou na importância que desempenham nos setores de lazer, turismo e prática de atividades físicas. O Parque das Águas foi inaugurado em 2016, com 270 mil m² de extensão, dentro de uma área de proteção ambiental, abrangendo uma lagoa natural e uma grande massa arbórea de espécies nativas do Cerrado. Além da área verde, possui estacionamentos, espaço para bares e restaurantes, 1,5 mil metros de pista de caminhada e 1,6 mil metros de ciclovia. O Parque Tia Nair, por sua vez, é municipal, inaugurado em 2007, com uma remodelação entregue em 2015. Ele possui uma área de 200 mil m² e as mesmas características paisagísticas do Parque das Águas. A figura 2 ilustra o Parque das Águas e o Parque Tia Nair, com seus respectivos trajetos representados na cor vermelha e os pontos de monitoramento na cor preta. Figura 2 – Parque das Águas (à esquerda) e Parque Tia Nair (à direita) Nota: editado pelas autoras a partir de Google Earth (2020). Para ambos os parques, os pontos foram determinados estrategicamente, contemplando áreas: com sombreamento, expostas à incidência solar direta, 166 permeáveis ou impermeáveis e com diversos tipos de cobertura do solo (concreto, asfalto, grama, terra, pedra e folha seca), a fim de obter a maior variedade de situações e, consequentemente, um resultado mais coerente. As variáveis temperatura do ar, umidade relativa do ar e temperatura superficial foram coletadas por meio de transecto móvel realizado a pé, no período matutino, com início às 8h, e no período vespertino, com início às 14h, conforme a Organização Mundial de Meteorologia (OMM) regulamenta. É válido destacar que os dias de coleta possuíram condições atmosféricas ideais, ou seja, céu limpo e ventos claros (OKE, 1982) e, por essa razão, a amostragem aconteceu em três dias de cada mês (novembro de 2018 a abril de 2019). Utilizou-se, para a coleta de dados, um sensor termo-higrômetro HOBO, do tipo Datalogger, da Onset, que possui um abrigo de proteção confeccionado no laboratório de instrumentação do Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental. Esse abrigo é constituído por material PVC branco para refletir a radiação, cujo tubo foi todo perfurado no intento de permitir a passagem de ar e, em seu topo, colocou-se uma esfera de cor preta para proteger o sensor de temperatura de globo (figura 3). Figura 3 – Abrigo alternativo de PVC e o sensor termo-higrômetro Fonte: Justi et al. (2019). 167 Durante as medições, o equipamento foi manuseado a aproximadamente 1,50 metros do solo. Além do sensor, foi utilizado também um termômetro infravermelho para coletar as temperaturas superficiais (figura 4). Figura 4 – Termômetro infravermelho Nota: imagem adaptada pelas autoras (2020). Por fim, além da coleta de dados, efetuaram-se 50 entrevistas com os usuários dos parques a respeito das sensações de conforto térmico que eles apresentavam. Para tal, utilizou-se um questionário baseado no método de Fanger, conforme a norma da International Organization for Standardization (ISO) n.º 10551 (ISO, 1995), com questões adaptadas ao clima da região de Cuiabá. 2 Principais resultados e discussões Neste tópico, serão abordados todos os resultados obtidos com a realização da presente pesquisa, no que diz respeito às condições termo-higrométricas e de conforto térmico. O comportamento da temperatura do ar nos dois parques pode ser visualizado na figura 5. 168 Figura 5 – a) Temperatura do ar no Parque das Águas e b) Temperatura do ar no Parque Tia Nair Nota: elaborada pelas autoras (2020). Nota-se que a média da temperatura do ar na capital mato-grossense facilmente atingiu o valor de 30 ºC, observando que, mesmo no período da manhã, aproximou-se desse valor. Isso ocorre pelo fato de se tratar do período quente e úmido, em que se têm chuvas frequentes quase diariamente e umidade do ar próxima ao índice de 60%. Assim, tem-se um melhor controle climático, com temperaturas do ar variando pouco durante o dia e considerável aumento durante a tarde, dado a exposição solar. Além disso, os maiores valores registrados, no intervalo vespertino, podem ser associados ao balanço de energia do ambiente urbano e ao comportamento da Ta em relação à variação da radiação solar diária (JAMIL & BELLOS, 2019). Já a média da umidade relativa do ar (figura 6), no período da manhã, manteve-se próxima e, até mesmo, superior aos 60% em ambos os parques. Já no período da tarde, ocorreu uma variação negativa, principalmente nos meses de janeiro e fevereiro, no Parque das Águas, devido à pouca ocorrência de chuvas nesses meses. Esse acontecimento foi constatado por outros estudos realizados em Cuiabá, enfatizando que a pesquisa representou o clima característico da cidade (SOUZA, 2016; RIBEIRO, 2019). 169 Figura 6 – a) Umidade relativa do ar no Parque das Águas e b) Umidade relativa do ar no Parque Tia Nair Nota: elaborada pelas autoras (2020). Assim como a temperatura do ar, a umidade relativa do ar foi afetada pela proximidade do período quente e seco, pois, embora ainda houvesse alguns valores elevados devido às chuvas ocasionais, ocorreu um decréscimo durante os meses. A escolha de separar a análise da manhã e da tarde foi para evidenciar a correlação entre a temperatura do ar e a umidade relativa do ar, levando-se em conta que, durante a noite, tem-se um clima mais ameno, de modo a interferir nos valores de temperatura e umidade no período da manhã. Ao se comparar a análise climática dos dois parques, verificou-se que a situação do entorno impactou nas variáveis climáticas aferidas, pois, enquanto o Parque das Águas está em uma área menos ocupada, cercado de massas arbóreas de grande porte, o Parque Tia Nair tem pouca arborização, com predominância de cobertura gramínea e vias de grandes portes asfaltadas. Em relação às temperaturas superficiais, a figura 7 evidencia os resultados. 170 Figura 7 – a) Temperatura superficial do Parque das Águas e b) Temperatura superficial do Parque Tia Nair Nota: elaborada pelas autoras (2020). A partir da análise dos dados, notou-se que, em todos os meses do ano, em ambos os parques, a temperatura superficial foi mais elevada no período vespertino, já que, nesse turno, as superfícies estavam expostas aos raios solares desde o nascer do sol até o horário da medição (14h) para a coleta de dados, enquanto, no turno matutino, considerando o horário do nascer do sol e o 171 horário das medições (8h), essa incidência ocorreu apenas por um período aproximado de três horas. Observou-se ainda que as coberturas do solo revestidas por materiais impermeáveis, como asfalto e concreto, sofrem uma acentuada variação térmica quando se compara os valores dos dois períodos: matutino e vespertino. No mês de fevereiro, no Parque das Águas, por exemplo, o asfalto chegou a uma variação térmica de aproximadamente 9 ºC, enquanto a grama variou apenas 0,4 ºC nesse mesmo mês. Além de apresentarem pequenas variações em relação aos dois horários de coleta, os revestimentos naturais e permeáveis (grama e terra) apresentaram temperaturas sempre inferiores às dos revestimentos impermeáveis, especialmente o asfalto e o concreto. Considerando as características microclimáticas da cidade de Cuiabá, que apresenta temperaturas do ar elevadas na maior parte do ano, notou-se, nos questionários, que, em relação à percepção térmica dos usuários, a maior parte das respostas oscilou do estado neutro à sensação de calor no Parque das Águas, com maior evidência de sensação de calor no Parque Tia Nair, cujas condições climáticas são consideradas toleráveis em ambos os horários — manhã e tarde — no Parque das Águas e pouco tolerável, no período da tarde, no Parque Tia Nair. De modo geral, a demonstração de insatisfação no que diz respeito às condições climáticas ficou mais evidente no Parque Tia Nair, no período vespertino. Deve-se levar em conta o fato de que o entorno imediato desse parque é composto por uma extensa área construída e impermeabilizada, enquanto, no entorno do Parque dos Águas, tem-se uma densa vegetação nativa, fazendo com que as respostas desses usuários sejam mais positivas que o outro parque analisado. A nítida diferença entre as respostas obtidas no período da manhã e no período da tarde, no Parque Tia Nair, também pode ser atribuída à mesma razão que diferencia as temperaturas superficiais dos revestimentos nos 172 diferentes horários de medição: devido ao tempo em que o local está exposto à radiação solar. Dessa forma, é notória a ligação entre os dados relativos à temperatura do ar e à superficial nas respostas dos questionários. Em ambos os casos, o período da manhã, nos dois parques analisados, apresentou temperaturas e sensação térmica dos usuários mais favoráveis ao conforto, enquanto, no período da tarde, têm-se temperaturas elevadas e maior insatisfação por parte dos usuários do parque, especialmente no Parque Tia Nair. Tal relação denota a importância de se ter maiores áreas com revestimentos permeáveis e sombreamento por parte da cobertura arbórea, pois elas protegem a superfície das altas temperaturas, fazendo com que não haja uma variação térmica tão acentuada do período da manhã para o período da tarde. Analisando as diferentes temperaturas superficiais dos diversos tipos de revestimento do solo na área escolhida para estudo, pôde-se claramente perceber os benefícios oriundos da cobertura vegetal, tendo em vista que os pontos os quais possuíam a predominância de árvores e vegetação rasteira registraram variáveis climáticas mais favoráveis que os pontos revestidos por concreto e asfalto. Além disso, locais que possuíam grama ou terra, mas que estavam expostos à radiação solar, apresentaram temperaturas superficiais mais elevadas, demonstrando que a presença de árvores é fundamental para a sensação de conforto térmico dos seus usuários. Isso porque as árvores com suas copas funcionam como barreiras naturais, bloqueando parte da radiação solar e propiciando mais sombras. Esse fator também interferiu nas condições termohigrométricas, pois as temperaturas do ar apresentaram-se mais brandas nos pontos sombreados por cobertura arbórea e a influência de maciços arbóreos ocasionaram a formação de ilhas de umidade, ocorrendo a liberação da energia para o meio ambiente, o que acarretou uma queda da temperatura local e um aumento da umidade relativa do ar. Mediante a realização do estudo, verificou-se que, para propiciar uma estabilidade microclimática nas cidades, a escolha dos revestimentos e a presença 173 de vegetação sob as coberturas do solo são de fundamental importância, visto que estas são as maiores responsáveis pelo aumento das taxas de evapotranspiração (que corresponde ao quanto de água é liberado pela vegetação), pela redução das amplitudes térmicas, pelo aumento da umidade relativa do ar, dentre outros fatores que favorecem para a condição de conforto térmico da população. Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 16401-2: 3º Projeto revisão ABNT NBR 16401-2: Rio de Janeiro, p. 2, 2017. CUIABÁ. Prefeitura Municipal de Cuiabá. Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Urbano. Perfil socioeconômico de Cuiabá. Vol. II - Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano. Cuiabá, 2009. DURANTE, L. C. Sombreamento arbóreo e desempenho termoenergético de edificações. 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E-mail: [email protected] Flávia Maria de Moura Santos Arquiteta e Urbanista, graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso (2005), Mestre em Física e Meio Ambiente pelo Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental na Universidade Federal de Mato Grosso. Doutora em Física Ambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso. Atualmente é professora Associado I do quadro efetivo, lotada no Departamento de Arquitetura e Urbanismo, da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia, da Universidade Federal de Mato Grosso. Credenciada no Programa de PósGraduação em Física Ambiental em nível de mestrado e doutorado. Atua principalmente nos seguintes temas: sistemas urbanos, tecnologia construtiva, geografia urbana e conforto ambiental. Revisora ad-hoc de periódicos e congressos nacionais e internacionais e tem cooperação na California State University, San Marcos. 176 E-mail: [email protected] Tula Kirst Romani Arquiteta e urbanista, professora adjunta do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Mato Grosso, na área de Projeto de Arquitetura e Representação Gráfica. Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho e Iluminação e Design de Interiores e mestre em Engenharia de Edificações e Ambiental. Tem interesse no encadeamento entre a arquitetura, o homem, o corpo e a construção de subjetividade advinda da relação entre esses elementos. E-mail: [email protected] OS AUTORES Ana Clara Alves Justi Possui graduação em Saneamento Ambiental pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás. Especialista em Biocombustíveis pela Universidade Federal de São Carlos, mestre em Engenharia Química também pela Universidade Federal de São Carlos e doutora em Física Ambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso. Tem experiência na área de controle ambiental, com ênfase em: mudanças climáticas, poluição atmosférica; monitoramento da qualidade do ar de ambientes internos e externos; tratamento de efluentes gasosos e líquidos; microbiologia ambiental e conforto térmico. Camila Borges Siqueira Arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Mato Grosso, no campus de Cuiabá (MT). Iniciação científica em Arquitetura e Urbanismo na área de clima urbano. 177 Diana Carolina Jesus de Paula Arquiteta e urbanista, doutora em Física Ambiental, pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT/PPGFA), na área de Concentração Interação BiosferaAtmosfera/Mudanças Climáticas Globais, na linha de pesquisa Análise e Modelagem Microclimática de Sistemas Urbanos, participando da pesquisa Influência dos parâmetros urbanos na evolução de anomalias térmicas em Cuiabá/MT. Professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu em Desenvolvimento Urbano, no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT), campus Várzea Grande–MT e integrante de dois grupos de pesquisa no âmbito do IFMT, no campus Várzea Grande (Nedurb) e no campus Cuiabá (TenaCidades). Docente do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário de Várzea Grande (UNIVAG). Especialista Master em Arquitetura pelo Instituto de Pós-Graduação (IPOG) e atua com consultoria na área de conforto ambiental do espaço construído e urbano. Gabriel Francisco de Mattos É arquiteto formado pela UFRJ (1984), com mestrado em Educação (UNIC, 2000) e doutorado em Estudos de Cultura Contemporânea (UFMT, 2019). Trabalhou na extinta Fundação Nacional Pró-Memória e na Escola Técnica Federal de Mato Grosso (atual IFMT). Sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Professor efetivo do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMT desde 1997, do qual foi coordenador. Tem nove livros publicados, entre os quais sua dissertação de mestrado Um País em Construção: Histórias em Quadrinhos, Educação e Regionalidade) e o volume de contos A Geringonça, selecionado no Programa Nacional de Bibliotecas de Escola 2007. 178 Ivan Julio Apolônio Callejas Graduado pela Universidade Federal de Mato Grosso (1995). Mestre em Engenharia Civil, na área de concentração Estruturas, pela Universidade Estadual de Campinas (1998). Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental na área de conforto ambiental (2012). Atualmente é professor Associado I da Universidade Federal de Mato Grosso, atuando no Departamento de Arquitetura e Urbanismo, como docente do curso de pós-graduação em Engenharia de Edificações e Ambiental (PPGEEA). Integra como colaborador o curso de Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação (PROFNIT). É líder do Grupo de Pesquisa em Dinâmica Ambiental e Tecnologia (GPDAT). Atuou como bolsista do CNPq, na modalidade EXP (extensão no país), no Programa Agentes Locais de Inovação (ALI) do SEBRAE/MT, de 2014 a 2016. Tem experiência na área de Arquitetura/ Engenharia Civil e interesse na área de tecnologia do ambiente construído, com enfoque na sustentabilidade, voltado ao desempenho termoenergético das edificações e desenvolvimento de materiais, produtos e processos construtivos inovadores. José Afonso Botura Portocarrero Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Católica de Santos (1976), especialização em Planejamento Urbano pela Universidade de Dortmund, Alemanha (1985), mestrado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso (2001) e doutorado em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) em 2006. Professor Titular do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Mato Grosso. Membro fundador e pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Tecnologias Indígenas (Tecnoíndia) da UFMT. Experiência na área de arquitetura e urbanismo, com ênfase em tecnologia e habitação indígena. Autor do livro Tecnologia indígena em Mato Grosso: habitação, contemplado 179 no 25º Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira, São Paulo, SP (2011). Aposentado em 19 de abril de 2021. João Francisco Ciochi Souza Formando de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Mato Grosso. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Tecnologias Indígenas (Tecnoíndia), com pesquisa sobre aprendizado em arquitetura, desenho e historiografia de edificações. Karyna de Andrade Carvalho Rosseti Graduada em Arquitetura e Urbanismo (2008), com mestrado em Física Ambiental (2009) e doutorado em Física Ambiental, na linha de Análise Microclimática de Sistemas Urbanos (2013), todos pela Universidade Federal de Mato Grosso. Professora Associada da Universidade Federal de Mato Grosso, lotada no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura Engenharia e Tecnologia (FAET). Integrante do Laboratório de Tecnologia e Conforto Ambiental (Lateca) da UFMT, atuando no Grupo de Pesquisa em Tecnologia e Arquitetura Ambiental, com ênfase em Ciências Ambientais, nos seguintes temas: conforto ambiental, microclima urbano, modelagem computacional de sistemas urbanos, sustentabilidade e inovação de processos e produtos do ambiente construído, edificações e cidades. Luciane Cleonice Durante Possui graduação em Engenharia Civil (1993), especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho (1994), mestrado em Educação e Meio Ambiente (2000) e doutorado em Conforto Ambiental (2012), todos pela Universidade Federal de Mato Grosso. Atualmente é professora Associado IV do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia 180 da Universidade Federaç de Mato Grosso; docente e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação (PROFNIT); coordenadora do Laboratório de Tecnologia e Conforto Ambiental (Lateca); vice-coordenadora do Grupo de Pesquisa em Tecnologia e Arquitetura Ambiental (GPTAA) e membro do Grupo de Pesquisa em Dinâmica Ambiental e Tecnologia (GPDAT). Coordena a Rede de Parceiros Externos do Parque de Inovação e Sustentabilidade do Ambiente Construído (PISAC), da Universidade de Brasília, e integra a Rede Sustenta como representante da UFMT. Atuou como bolsista do CNPq, na modalidade EXP (extensão no país), no Programa Agentes Locais de Inovação (ALI) do SEBRAE/MT, de 2012 a 2014. Atualmente, é monitora no Programa de Qualificação para Exportação PEIEX – MATO GROSSO 2021–2022. Possui interesse pela área de inovação, sustentabilidade e resiliência do ambiente construído. Marcela de David Cristóvão Arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Mato Grosso, no campus de Cuiabá (MT). Iniciação científica em Arquitetura e Urbanismo na área de clima urbano. Maria Fátima Roberto Machado Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1977), com mestrado em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (1982), doutorado e pós-doutorado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993 e 1996). Aposentou-se, em 2011, como professora Associado II da Universidade Federal de Mato Grosso. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Relações Étnicas, atuando principalmente nos seguintes temas: índios Paresi, antropologia, povos indígenas, antropologia aplicada e Museu Rondon. Desde 2001, tem se dedicado à consolidação de um Núcleo de Pesquisas (Tecnoíndia) na área de Arquitetura, com interesse 181 em habitações e design culturais indígenas e, ultimamente, em arquitetura colonial portuguesa em Mato Grosso. Maria Victoria Mendes de Castro Arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Mato Grosso, no campus de Cuiabá (MT). Iniciação científica em Arquitetura e Urbanismo na área de clima urbano. Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira Graduada em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso, mestre em Arquitetura e Urbanismo na área de Tecnologia do Ambiente Construído pela Escola de Engenharia de São Carlos/USP e doutora em Engenharia Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos/USP. Atualmente, é professora titular do Departamento de Arquitetura e Urbanismo/FAET/ UFMT. Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Tecnologia e Arquitetura Ambiental. Credenciada ao Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental em nível de mestrado e doutorado/PPGFA/UFMT como professora/ orientadora. Atualmente desenvolve pesquisas em conforto ambiental, com enfoque em: conforto térmico e clima urbano, geometria urbana, ilha de calor, impacto da vegetação e do adensamento nos microclimas urbanos, bioclimatologia. Revisora ad-hoc de diversas revistas científicas nacionais e internacionais e tem cooperação na California State University, San Marcos. Paulo Victor Vieira Rodrigues Graduando em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Mato Grosso, integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Tecnologias Indígenas (Tecnoíndia). Interessado no processo de produção do espaço e na relação entre o homem e a paisagem. 182 Ricardo Silveira Castor Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Escola de Engenharia de São Carlos (1996), mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2004) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é professor associado da Universidade Federal de Mato Grosso. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Teoria da Arquitetura, atuando principalmente nos seguintes temas: arquitetura moderna, modernização conflitual, modernização em mato grosso, revitalização e restauração. Simone Berigo Büttner Arquiteta e Urbanista, graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso (2003), especializada em Conforto Ambiental e Eficiência Energética (2005), Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2008) e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental, na linha de Análise Microclimática de Sistemas Urbanos, da Universidade Federal de Mato Grosso. Atualmente é professora Adjunta II do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia – FAET/ UFMT e integrante do grupo de pesquisadores do Laboratório de Tecnologia e Conforto Ambiental (Lateca) do mesmo departamento, atuando em pesquisas nas áreas de inovação, sustentabilidade e resiliência do ambiente construído. Victória Martins Magri Graduanda em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Mato Grosso, integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Tecnologias Indígenas (Tecnoíndia). Possui interesse em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo, estudo da paisagem e políticas territoriais. 183 Yara da Silva Nogueira Galdino Arquiteta e Urbanista graduada pela UFMT (2002), mestre em Ecologia e Conservação da Biodiversidade (UFMT-2006), especialista em Reabilitação Ambiental Arquitetônica e Urbanística (UnB-2008) e doutora em Urbanismo pelo Prourb-UFRJ (2015). Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFMT e pesquisadora do Núcleo Tecnoíndia desde 2010. Autora de artigos sobre paisagens culturais, morfologia urbana, ecologia da paisagem, ensino de projeto de arquitetura e paisagens fluviais urbanas, sobretudo as paisagens históricas. Esta obra apresenta a pluralidade de assuntos que caracteriza a formação em Arquitetura e Urbanismo. Traz uma pequena amostra de ações realizadas no âmbito do curso na Universidade Federal de Mato Grosso, onde, buscar o diálogo entre as ações de ensino, da pesquisa e de extensão universitária tem sido uma meta constante. O principal motivador dessa busca é a formação atenta para as questões sociais, culturais, estéticas, técnicas e ambientais, integrando e produzindo conhecimentos na academia. Cada capítulo resulta de reflexões realizadas a partir de pesquisas científicas, extensões universitárias, e experiências didáticas nas áreas de Teoria da Arquitetura e Urbanismo, Tecnologia das edificações e Conforto Ambiental, Urbanismo e Projeto de Arquitetura, realizadas em épocas diferentes. Esta coletânea vem como objetivo de ampliar o acesso às ações desenvolvidas no curso de Arquitetura e Urbanismo/FAET/UFMT pelas comunidades externa e científica. 185