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Pedro Abelardo–Confessio fidei universis

2006, Veritas

Credens assero et asserens credo: A polêmica entre Bernardo de Claraval e Pedro Abelardo como itinerário para a confissão *

TRADUÇÃO PEDRO ABELARDO – CONFESSIO FIDEI UNIVERSIS* Cléber Eduardo dos Santos Dias Introdução Credens assero et asserens credo: A polêmica entre Bernardo de Claraval e Pedro Abelardo como itinerário para a confissão O objetivo deste texto é apresentar de forma sucinta a história da condenação de Pedro Abelardo e o envolvimento de Bernardo de Claraval nesse processo, de forma a situar o leitor no ambiente das duas cartas confessionais que Abelardo escreve após ou durante o Concílio de Sens. No período anterior à sua última condenação, no Concílio de Sens,1 até à definitiva e ratificadora condenação por parte do Papa Inocêncio II, Pedro Abelardo e Bernardo de Claraval, bem como os discípulos e amigos de ambos, viram-se envolvidos numa polêmica que gerou uma multiplicidade de textos, nos quais colhese hoje uma mescla entre verdades e interpretações. Se, de um lado, conforme afirma Abelardo, as perseguições contra ele se iniciam, a partir do momento em que granjeia inimigos, ao derrotar Guilherme de Champeaux, refutando-o, seja na sua teoria do universal como essência material, seja na teoria do universal como indiferença,2 a bem da verdade deve-se reconhecer que Abelardo já obtivera um grande inimigo ao se indispor com seu antigo mestre Roscelino de Compiègne. Da mesma forma, ao ousar apresentar um comentário a Ezequiel, indispos-se com o mestre Anselmo de Laon e seus discípulos Alberico de Reims e Lotulfo da Lombardia, que o perseguiram e municiaram o legado papal Conan de Penestre, no Concílio de Soissons (1121), no qual foi condenado a queimar o texto da Theologia Summi Boni e a permanecer recluso no mosteiro de São Medardo, em Soissons. * Confessio Fidei ‘Universis’, p. 132-38, in BURNET, C.S.F. ‘Peter Abelard, Confessio fidei "Universis": Abelard’s Reply to Criticisms of Heresy’, Mediaeval Studies, 48, 1986, p. 111-38. 1 Não há unanimidade histórica quanto à real data do Concílio de Sens, sendo que para o mesmo é referida tanto a data de 2-3/6/1140 quanto a de 25-26/5/1141. 2 “ Hinc calamitatum mearum, que nunc usque perseuerant ceperunt exordia [...]” in The Personal Letter of Consolation to a Friend (Historia Calamitatum), vide Bibliografia de apoio. VERITAS Porto Alegre v. 51 n. 3 Setembro 2006 p. 169-181 Como se vê, por sua própria história, Abelardo levou às últimas conseqüências o ardor da dialética, a disputa pelo prazer de vencer ou, como diz Vilela,3 a sua sede de disputar, “...não como aluno que quer aprender, mas como adversário que quer vencer”, obrigando-o a assumir um papel defensivo mas ao mesmo tempo agressivo. No entanto, Guilherme de São Teodorico (em 1139 ou 1140), após ter lido a Theologia Scholarium e um certo Liber Sententiarum,4 escreve a Godofredo de Chartres e a S. Bernardo, avisando-os contra as heresias de Abelardo ao mesmo tempo que envia-lhes treze capitula (proposições) nas quais encontra heresias, lhes envia também dois textos incriminatórios e redige-lhes a Disputatio adversus Petrum Abaelardum. Por sua vez, S. Bernardo responde às cartas de Guilherme de São Teodorico, propondo-lhe um encontro após a Páscoa e comissiona a um assistente5 para investigar os textos de Abelardo. Munindo-se dos Capitula haeresum XIV Abaelardi e do textos de Guilherme de São Teodorico (em especial a Disputatio adversus Petrum Abaelardum), Bernardo de Claraval escreve e envia em 1140 ao Papa Inocêncio II uma carta6 anexando os Capitula haeresum XIV Abaelardi. Envia também aos cardeais da Cúria romana carta solicitando-lhes que interviessem contra Abelardo (cujo texto básico está na Epistola CLXXXVIII). Ainda em 1140, segundo o testemunho do próprio S. Bernardo7 e de seu biógrafo,8 o abade de Claraval teria encontrado uma ou duas vezes a Abelardo e tê-lo-ia exortado, bem como aos seus discípulos a abandonarem as teses errôneas. Quanto a estas afirmações, não há nenhuma informação que as confirme ou as negue nos textos de Abelardo e seus discípulos. Neste mesmo ano, Abelardo ou Bernardo – não se tem certeza sobre quem o fez – pede ao Arcebispo de Sens para pôr em julgamento a Abelardo e suas proposições, no Concílio previsto para se realizar em Sens, na oitava de Pentecostes, na presença do Rei Luís VII e do Arcebispo de Reims. Abelardo escreve em 1140 ou 1141 para seus discípulos e seguidores a Epistola Petri Abaelardi contra Bernardum abbatem, pedindo-lhes que estivessem presentes no Concílio. Bernardo de Claraval fá-lo-á da mesma forma com os bispos para os quais escreve a Epistola CLXXXVII ad Episcopos Franciae. 3 4 5 6 7 8 VILELA, Orlando. O Drama…, p. 54. Uma hipótese a ser investigada é a de se o Liber Sententiarum, que Abelardo assevera nunca ter escrito (cf. Confessio Fidei Universis, Epilogus, 1.), e que se supõe tenha sido escrito por anotações de alunos, a partir do ensinamento oral de Abelardo, pode ser, quem sabe, o Epitome Theologiae Christianae, também chamado de Sententie Abaelardi e Sententie Hermanni. Em todo caso, é conveniente ter presente o estudo que Rheinwald apresenta no Praefatio de sua edição da Epitome Theologiae Christianae. Para consulta da edição crítica, remetemos à edição de S. Buzzeti, Sententie Magistri Petri Abelardi (Sententie Hermanni). Este assistente, que não é nomeado por S. Bernardo, muitas vezes foi visto como sendo Thomas de Morigny, quem, segundo alguma tradição e transmissão dos textos, refere ser o autor dos Capitula haeresum XIV Abaelardi e da Disputatio patrum catholicorum adversus dogmata Petri Abaelardi. Epistola CXC. Tais informações podem ser colhidas na leitura da já mencionada Epistola CCCXXXVII. Trata de Godofredo de Auxerre que, na Vita Bernardi prima, III, 5 (PL 185) descreve o episódio em questão. 170 Durante ou logo após o Concílio de Sens, Abelardo escreve em resposta aos Capitula Haeresum a Confessio Fidei ad Heloissam, a Confessio Fidei Universis e a Apologia contra Bernardum abbatem. Em resposta a esses textos, Thomas de Morigny escreve a Disputatio patrum catholicorum adversus dogmata Petri Abaelardi. Na véspera do Concílio (2/7/1140 ou 25/5/1141), Bernardo de Claraval convence os bispos a condenarem indiscriminadamente as teses que atribuíam a Abelardo. No desenrolar do Concílio, Abelardo afirma que irá apelar a ser julgado pelo Papa. Não obstante essa afirmação, o Concílio condena as teses de Abelardo, abstendo-se, porém, de condená-lo. Os bispos da província eclesiástica de Sens e Reims enviam ao Papa a redação oficial das teses condenadas,9 ao mesmo tempo que Bernardo de Claraval envia carta a diversos bispos advertindo-os da condenação de Abelardo e pedindo que se abstenham de sua presença.10 Abelardo empreende sua viagem a Roma para apelar ao Papa. Debilitado física e moralmente, chega a Cluny onde é amigavelmente acolhido sob a protecção de Pedro o Venerável, abade de Cluny. Em uma carta, Pedro o Venerável assegura que por sua mediação e do abade de Citeaux, Rainardo de Citeaux, intermediouse o encontro no qual Abelardo e S. Bernardo se reconciliam.11 Na mesma carta, Pedro o Venerável afirma ter intercedido junto do Papa pelo perdão a Abelardo. Nesse mesmo período ensinava na montanha de Santa Genoveva Arnaldo de Bréscia, discípulo e amigo de Abelardo, o qual foi diversas vezes expulso de França por causa das informações a respeito de suas idéias políticas e teológicas, idéias divulgadas deturpadamente entre os bispos por Bernardo de Claraval. Em 16/7/1140 ou 1141 (XVII Kalendas de Agosto), o Papa Inocêncio II, com a Bula Testante Apostolo, condena Pedro Abelardo como herege e lhe impõe silêncio perpétuo ao mesmo tempo que estende a excomunhão a todos os discípulos e admiradores que tiverem contato com Abelardo. Excomungado, herege vitandus, Abelardo é obrigado a queimar as suas obras e ser detido em separado de Arnaldo de Bréscia. Berengário de Poitiers, discípulo de Abelardo, compõe (em 1140 ou 1141) a Apologia contra sanctum Bernardum et alios qui condemnaverunt Petrum Abaelardum. Pedro o Venerável consegue do Papa que Abelardo fique sob seus cuidados no Priorado de São Marcelo (dependente da Abadia de Cluny). Doente, cansado e debilitado por uma série de doenças12 e perseguições, Abelardo compõe para o filho um texto (em 1141 ou 1142) em forma de poema, o Car9 10 11 12 Epistola CCCXXXVII. Epistola CLXXXIX. Epistola XCVIII. A temática da doença ou doenças que Abelardo sofreu encontrou muitos estudos entre os quais destaco o de Jeannin (Jeannin, J., La dernière maladie d'Abelard, Melanges Saint Bernard, Dijon, 1953.) e o de Robl (Robl, W. Die letzte Krankheit des Peter Abaelard. Neustadt, 2001 in: www.abaelard.de). Jeannin afirma que Abelardo sofria da doença de Hodghins, doença essa caracterizada pela leucemia com pruridos cutâneos e a possível deformação; daí talvez se explique o fato de não o reconhecerem no Concílio de Sens. Do mesmo modo Robl afirma ainda a presença de outras doenças, como a diabetes, “tuberculose orgânica” e descarta a possibilidade de Abelardo sofrer da doença de Hodghins embora chame a atenção para o fato de que se deva ter presente o desgaste mental que obrigou Abelardo a se retirar para sua terra natal 171 men ad Astralabium, no qual se colmatam os seus últimos conselhos e instruções destinados ao cultivo da sua formação e conduta. Em 21/4/1142, Abelardo morre. Provavelmente em 1143, o mais tardar, Pedro o Venerável avisa Heloísa da morte de Abelardo13. Ato seguido, Heloísa requer o corpo de seu ex-esposo e mestre. Pedro o Venerável manda transportar ocultamente o corpo de Abelardo para o Paráclito (em 16/11/1143 ou 1144?), enviando a Heloísa também, conforme seu pedido, um documento selado com a absolvição de Abelardo. Na intenção de que esse breve texto possa ajudar o leitor a aprofundar sua leitura nas duas cartas confessionais que se seguem, recomendamos vivamente ainda que se leiam os estudos de Charles Burnett, citados na bibliografia de apoio e dos quais foram extraídos os textos críticos utilizados para estas traduções. Agradeço ao Prof. Dr. J. M. Costa Macedo a valiosa ajuda na revisão e interpretação das traduções. De igual forma, estas traduções contaram com o apoio do Programa Alban, Programa de bolsas de alto nível da União Européia para a América Latina. Bolsa nº E04D036791BR. Bibliografia de apoio Pedro Abelardo Apologia contra Bernardum, ed. E.M. Buytaert, in: Petri Abaelardi Opera Theologica I, Turnholti, 1969 (CCCM II), pp. 357-68. Carmen ad Astralabium, ed. 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Theologia ‘Scholarium’, Turnholti, 1987 (CCCM 13), p. 309-549. Theologia ‘Summi Boni’, ed. E.M. Buytaert – C.J. Mews, Petri Abaelardi, Opera Theologica III Theologia ‘Summi Boni’. Theologia ‘Scholarium’, Turnholti, 1987 (CCCM 13), p. 83-201. Epistolário de Abelardo e Heloísa Abelardo-Heloísa. Cartas. As cinco primeiras cartas traduzidas do original e comentadas por Zeferino Rocha. Edição bilíngüe. Pernambuco: Universitária da UFPE, 1997. Epistolario di Abelardo ed Eloisa. A cura di Ileana Pagani con considerazioni sulla trasmissione del testo di Giovanni Orlandi. Torino: U.T.E.T, 2004. 821p. (Classici Latini Utet). [Trata-se da mais recente tradução italiana com os textos críticos face a face, apresenta ainda valiosos estudos sobre o assunto]. 13 já em sua juventude, a questão da castração e a sua conseqüente depressão que o acompanhou e ainda para o fato de Abelardo ter partido vértebras, ao cair do cavalo, e a dor que acompanhava um indivíduo que sofrera tal fractura, dado o tratamento da época. Epistola CXV. 172 Berengário de Poitiers Apologia contra sanctum Bernardum et alios qui condemnaverunt Petrum Abaelardum, PL 178, col. 1857-70. Bernardo de Claraval Epistola CCCXXXVII ‘Ad Innocentium Pontificem, in persona Franciae Episcoporum’, in PL 182, col. 540-42. S. Bernardi Opera Vol. VIII. Epistolae: I. Corpus epistolarum 181-310: II. Epistolae extra corpus 311-547. Ad fidem codicum recensuerunt J. Leclercq, H. M. Rochais. Romae: Editiones Cistercienses, 1977. 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Multa in scolis multis locutus sum, nec umquam aquas furtiuas uel panem absconditum habuit mea doctrina. Palam locutus sum ad edificationem fidei siue morum, quod michi salubre uisum fuit, et Prefácio. 1. Conhecido é o provérbio: “Nada é tão bem expresso que não possa ser distorcido” e, como lembra o bemaventurado Jerônimo, “quem escreve muitos livros expôe-se a muitos juízes”. Assim também eu, que escrevi pouca coisa ou em comparação a outros, nada, não pude escapar de ser repreendido; entretanto, não reconhecerei minha culpa, Deus o sabe, em nenhuma dessas graves acusações, nem me defenderei impertinentemente se [culpa] existir. 2. Talvez eu tenha escrito por erro alguma coisa que não foi conveniente, mas ante a minha alma invoco por testemunha e juiz a Deus, que naquelas coisas das quais sou acusado em nenhuma delas avancei por malícia ou soberba. Falei de muitas coisas em muitas escolas, [mas] nunca houve em minha doutrina água furtiva ou pão escondido. Falei às claras para a edificação da fé Confessio Fidei ‘Universis’, p. 132-38, in BURNET, C.S.F. ‘Peter Abelard, Confessio fidei “Universis”: Abelard’s Reply to Criticisms of Heresy’, Mediaeval Studies, 48, 1986, p. 111–38. 175 quecumque scripsi libenter omnibus exposui, ut eos iudices non discipulos haberem. Quod si uspiam per multiloquium excessi – ut scriptum est: in multiloquio non effugies peccatum – numquam importuna defensio me effecit hereticum, paratum semper ad satisfactionem de maledictis meis corrigendis siue delendis. In quo certe proposito usque in finem perseuerabo. 3. Sed, sicut meum est maledicta mea si qua sunt uelle corrigere, sic crimina non recte michi obiecta propulsare me conuenit. Cum enim beatus dicat Augustinus ‘crudelis est qui famam suam negliget’, ac, iuxta Tulium, ‘taciturnitas imitatur confessionem’, conscriptis contra me capitulis equum duxi respondere, ea uidelicet ratione seruata qua contra derogantium linguas beatus Gregorius fideles his instruit uerbis: ‘Sciendum est quia linguas detrahentium sicut nostro studio non debemus excitare, ne ipsi pereant, ita per suam malitiam excitatas debemus equanimiter tolerare, ut nobis meritum crescat; aliquando autem etiam compescere, ne, dum de nobis mala disseminant, eorum qui audire nos ad bona poterant, corda innocentium corrumpant’. 4. Agnoscat igitur fraterna caritas me, qualemcumque filium ecclesie, cum ipsa integre cuncta recipere que recipit, cuncta respuere que respuit, nec me umquam unitatem fidei scidisse, quamuis impar ceteris sim morum qualitate. I. Quod igitur michi uel per malitiam uel per errorrem impositum est, quod de deo scripserim quia pater est plena potentia, filius quedam potentia, spiritus sanctus nulla potentia, hec ego uerba non 14 15 16 17 ou dos costumes, daquilo que me pareceu saudável, e tudo aquilo que escrevi expus a todos com gosto, de forma a não tê-los como discípulos, mas juízes. Porque, se em qualquer parte me excedi por multiloqüência – como está escrito: no muito falar não se escapa do pecado14 – nunca uma inoportuna defesa me fez herege, [pois eu estava] sempre preparado para dar satisfação, no tocante à correção ou apagamento dos meus ditos mal-expressos. E neste honesto propósito perseverarei até ao fim. 3. Mas, assim como quero corrigir meus ditos malexpressos, se é que alguns existem, da mesma forma convém-me repelir os crimes que indevidamente me imputam. Visto que, com efeito, diz o bem-aventurado Agostinho: é cruel aquele que descura de sua fama,15 e conforme Túlio: o silêncio imita a confissão,16 achei justo responder aos capítulos que foram escritos contra mim, uma vez observada a razão pela qual o Bemaventurado Gregório alerta os fiéis contra as línguas dos delatores por estas palavras: Deve saber-se que não devemos excitar as línguas dos detractores pela nossa própria vontade, para que os mesmos não pereçam, assim, da mesma forma, devemos tolerar [aquelas coisas] que por sua malícia foram excitadas, para que o mérito cresça em nós; às vezes, porém, devemos freá-las, para que, enquanto [elas] difundem coisas más sobre nós, não sejam corrompidos os corações dos inocentes que poderiam ouvir coisas boas sobre nós.17 4. Reconheça, portanto, a caridade fraterna que eu, como qualquer filho da Igreja, aceito com a mesma todas as coisas que ela integralmente aceita, rejeito todas as coisas que ela rejeita, e que eu nunca rompi com a unidade da fé, ainda que pela qualidade dos meus costumes seja desigual aos demais. I. Portanto, quanto àquilo que por malícia ou erro foi imputado a mim, de que sobre Deus teria escrito que o Pai é plena potência, o Filho alguma potência e o Espírito Santo nenhuma potência, estas Provérbios 10, 19. Agostinho. Sermo 355, 1. Cícero. De Inventione Rhetorica I, 54. Gregório Magno. Homiliae XL in Ezechielem. Homilia IX, in: PL 76, col. 877 B-C. 176 tam humana quam diabolica, sicut iustissimum est, abhorreo, detestor, et ea cum auctore suo pariter dampno. Que si quis in meis repperiat scriptis, non solum me hereticum, uerum etiam heresiarchem profiteor. II. Tam filium quam spiritum sanctum sic ex patre profiteor esse ut eiusdem sint cum patre substantiae, eiusdem penitus uoluntatis atque potentie, quia quorum est eadem omnino substantia uel essentia, nulla potest esse uel uoluntatis diuersitas uel potentie inequalitas. Quisquis autem me scripsisse asserit quod de substantia patris spiritus etiam sanctus non sit, malitie id uel ignorantie maxime fuit. III. Solum filium dei incarnatum profiteor ut nos a seruitute peccati et a iugo diaboli liberaret et superne aditum uite morte sua nobis reseraret. IV. Iesum Christum sicut uerum et unicum dei filium, ex substantia patris ante secula genitum, ita tertiam in trinitate personam, spiritum quoque sanctum tam ab ipso filio quam a patre procedentem, et credens assero et asserens credo. V. Gratiam dei ita omnibus necessariam dico ut nec nature facultas nec arbitrii libertas sine illa sufficere possit ad salutem. Ipsa quippe gratia nos preuenit ut uelimus, ipsa subsequitur ut possimus, ipsa nos conseruat ut perseueremus. VI 1. Deum ea solummodo facere posse credo que ipsum facere conuenit, et quod multa facere posset que numquam facit. 2. Multa quoque per ignorantiam facta culpe sunt adscribenda, maxime cum per negligentiam nostram contingit nos ignorare quod nobis necessarium erat prenosse. Qualis ille fuit de quo psalmista dicit: noluit intelligere ut bene ageret. VII. Mala deum frequenter impedire fateor, quia non solum effectum malignantium preuenit ne quod uolunt possint, ue18 19 20 palavras, não tão humanas quanto diabolicas, como é justíssimo, abomino-as, condeno-as juntamente com o seu autor. Se alguém encontrar estas coisas em meus escritos, confesso que não sou só herético, mas também heresiarca. II. Confesso que tanto o Filho quanto o Espírito Santo existem a partir do Pai de tal maneira que são da mesma substância do Pai, de sua mesma vontade e poder, porque daqueles cuja substância e essência é a mesma, não pode haver [neles] nem diversidade de vontade nem desigualdade de potência. Porém, quem quer que afirme que eu escrevi que o Espírito Santo não é da substância do Pai, fá-lo por sua máxima malícia ou ignorância. III. Confesso que o único Filho de Deus encarnou para livrar-nos da servidão do pecado e do jugo do diabo e para abrir, com sua morte, a porta da vida suprema. IV. Que Jesus Cristo, como verdadeiro e único Filho de Deus, [foi] gerado da substância do Pai antes de todos os séculos, [e que] a terceira Pessoa na Trindade, o Espírito Santo, procede tanto do próprio Filho como do Pai, crendo afirmo e afirmando creio. V. Digo que a graça de Deus é tão necessária a todos que nem a capacidade da natureza nem a própria liberdade de arbítrio são suficientes sem ela para a salvação. Pois a mesma graça nos previne para querer, nos acompanha para poder [fazer as obras] e nos conserva para que perseveremos. VI 1. Creio que somente Deus pode fazer aquelas coisas que lhe convém fazer e que pode fazer muitas coisas que nunca faz. 2. Devem-se considerar também culpáveis muitas coisas feitas por ignorância, maximamente quando, por nossa negligência, acontece que ignoremos aquelas coisas que devíamos conhecer previamente. E assim foi aquele do qual o salmista diz: não quis conhecer para fazer o bem.18 VII. Creio que Deus, com freqüência, impede o mal, porque não somente prevê os efeitos dos malvados, para que não Salmo 35,4. Filipenses, 2,1. Mateus 7, 1. 177 rum etiam uoluntates eorum immutat ut a malo quod cogitauerant penitus desistant. VIII. Ex Adam in quo omnes peccauimus tam culpam quam penam nos contraxisse assero, quia illius peccatum nostrorum quoque peccatorum omnium origo exstitit atque causa. IX. Crucifixores Christi in ipsa eius crucifixione grauissimum peccatum fateor commisisse. X. Multa de Christo dicuntur que non tam secundum ipsum caput quam secundum corpus ipsius quod est ecclesia sunt accipienda, ut ille spiritus timoris qui est initium sapientie, quem uidelicet timorem perfecta caritas foras mittit. Huius ergo timoris spiritum in anima Christi que perfectissimam habuit caritatem numquam fuisse credendum est, qui tamen inferioribus eius membris non deest. Tante quippe perfectionis et tante securitatis anima illa exstitit per ipsam uerbi unionem ut sciret omnino se posse committere unde penas incurreret uel deum offenderet. XI. Castum uero timorem in seculum seculi permanentem qui proprie reuerentia caritatis dicitur, tam ipsi anime Christi quam electis angelis et hominibus semper inesse recognosco. Unde et de ipsis supernis spiritibus scriptum est: ‘adorant dominationes, tremunt potestates’. XII. Potestatem ligandi et soluendi successoribus omnibus apostolorum eque ut ipsis apostolis concessam esse profiteor, et tam indignis quam dignis episcopis, quamdiu eos ecclesia susceperit. XIII. Omnes in dilectione dei et proximi equales equaliter bonos esse confiteor et meritis pares, nec quicquam meriti apud deum deperire si bone uoluntatis affectus in suo prependiatur effectu. Non enim angelus cum a deo missus id quod facere uult impleuerit, aut anima Christi sue uoluntati effectum addiderit, melior inde possam fazer o que fazem, mas também que modifica a vontade deles, para que desistam completamente do mal que cogitavam no seu interior. VIII. Afirmo que de Adão, no qual todos nós pecamos, contraímos tanto a culpa quanto a pena, porque seu pecado foi a origem e a causa de todos os nossos pecados. IX. Confesso que aqueles que crucificaram a Cristo cometeram um gravíssimo pecado no próprio acto da crucificação. X. Acerca de Cristo dizem-se muitas coisas as quais devem ser acatadas, não tanto segundo a própria cabeça, quanto segundo o corpo do próprio que é a Igreja, como aquele espírito de temor que é o início da sabedoria, o qual temor, naturalmente, a caridade perfeita lança fora. Entretanto deve acreditar-se que na alma de Cristo, que possuiu a mais perfeita caridade, nunca existiu o espírito deste temor, o qual porém não falta aos membros inferiores. Portanto, aquela alma foi de tão grande perfeição e de tão grande segurança, através da própria união do Verbo, que sabia em absoluto que não podia cometer algo pelo qual pudesse incorrer nas penas ou ofender a Deus. XI. Na verdade, reconheço que um casto temor de Deus que permanecerá no século do século [e] que é chamado propriamente de reverência da caridade é inerente tanto à alma de Cristo quanto aos anjos eleitos e aos homens. Por isso, acerca dos próprios espíritos superiores foi escrito: “as dominações adoram, as potestades tremem”. XII. Confesso que foi concedido a todos os sucessores dos apóstolos, do mesmo modo que aos mesmos apóstolos, o poder de atar e desatar, assim como aos bispos tanto dignos quanto indignos, enquanto a Igreja os receber. XIII. Confesso que todos somos iguais no amor de Deus e do próximo e do mesmo modo, igualmente bons e iguais em méritos, e que não se perde algum mérito diante de Deus, ainda que o desejo de uma boa intenção seja impedido no seu efeito. Com efeito, nem o anjo, quando mandado por Deus, cumpriu aquilo que 178 reputari debuit, sed eque quilibet bonus permanet, siue operandi tempus habeat siue non, dummodo equalem bene operandi uoluntatem teneat, nec in eo quod non operatur remaneat. XIV. Deum patrem eque sapientem ut filium, eque benignum ut spiritum sanctum profiteor, quia in nulla boni plenitudine, in nulla dignitatis gloria, diferre una personarum potest ab alia. XV. Aduentum filii in finem seculi posse atribui patri, numquam, sciat deus, in mentem meam uenit, nec se uerbis meis inseruit. XVI. Sic et animam Christi non per se ad inferos descendisse sed per potentiam, omnino a uerbis meis et sensu remotum est. XVII. Nouissimum quoque capitulum, quod scripsisse criminor quod neque opus neque uoluntas neque concupiscentia neque delectatio que mouet eam, peccatum sit, nec debemus eam uelle extingui, non minus a meis tam dictis quam scriptis alienum est. Epilogus. 1. Quod autem capitula contra me scripta tali fine amicus noster concluserit ut diceret: hec autem capitula partim in libro theologie magistri Petri, partim in Libro Sententiarum eiusdem, partim in libro cuius titulus est Scito te ipsum reperta sunt, non sine admiratione maxima suscepi, cum nusquam liber aliquis qui sententiarum dicatur a me scriptus repperiatur. Sed sicut cetera contra me capitula, ita et hoc quoque uel per malitiam uel per ignorantiam prolatum est. 2. Si qua igitur consolatio in Christo Iesu, si qua sunt uiscera pietatis, fraternam caritatem uestram exoro me innocentiam meam, quam culpa ueritas liberat, infamie neuo respergendo delinquat. Caritatis quippe est obprobrium non accipere aduersus proximum, et que dubia sunt in meliorem partem interpretari, et illam semper dominice pietatis sententiam attendere: Nolite iudicare et non iudicabimini, nolite condempnare et non con- quer fazer, nem a alma de Cristo por haver realizado a sua vontade devem ter sido considerados melhores por isso, mas igualmente qualquer um permanece bom, quer tenha ou não o tempo de atuar, contanto que tenha uma igual vontade de bem atuar e não permaneça no não-atuar. XIV. Confesso que Deus Pai é igualmente sábio como o Filho, e igualmente benigno como o Espírito Santo, porque em nenhuma plenitude do bem, em nenhuma dignidade da glória, pode cada pessoa diferir da outra. XV. Nunca, Deus o sabe, veio em minha mente que o advento do Filho de Deus, no fim dos séculos, pudesse ser atribuído ao Pai, nem em minhas palavras [isso] foi inserido. XVI. Do mesmo modo, é totalmente alheio às minhas palavras e ao significado que a alma de Cristo não desceu aos infernos por si mesma, mas sua potência. XVII. Também [sou] acusado de um capítulo novíssimo: no qual escrevi que nem a obra, nem a vontade, nem a concupiscência, nem a deleitação que move aquela é pecado, nem devemos querer que ela se extinga, [isso] é totalmente alheio às minhas palavras quanto [aos meus] escritos. Epílogo. 1. Portanto, no que se refere aos capítulos contra mim escritos [e que levam] o nosso amigo a concluir, com tais fins, como que para dizer: estes são [os capitulos] referidos, em parte, no Livro de Teologia do mestre Pedro, em parte, no Livro das Sentenças do mesmo e, em parte, no livro que tem por título Conhece-te a ti mesmo, [devo dizer] que os recebi não sem o máximo espanto, pois em parte nenhuma se encontra um certo livro que seja chamado das Sentenças por mim escrito. Mas, assim como aqueles outros capítulos contra mim, também este se mencionou ou por malícia ou por ignorância. 2. Se existe alguma consolação em Cristo Jesus19, se existem algumas entranhas de piedade, peço à vossa caridade fraterna que não ofenda a minha inocência a qual a verdade liberta de culpa libertando-me da mancha da infâmia. Na verdade, [é] próprio da caridade não aceitar injúria contra o próximo e interpretar no melhor sentido aquelas que são duvidosas e 179 dempnabimini. ainda atentar sempre àquela sentença da piedade do Senhor: Não julgueis e não sereis julgados, não condeneis e não sereis condenados20. CONFESSIO FIDEI AD HELOISSAM* CONFISSÃO DE FÉ A HELOÍSA Soror mea Heloissa, quondam mihi in saeculo cara, nunc in Christo carissima, odiosum me mundo reddidit logica. Aiunt enim peruersi peruertentes, quorum sapientia est in perditione, me in logica prestantissimum esse, sed in Paulo non mediocriter claudicare, cumque ingenii praedicent aciem, Christianae fidei subtrahunt puritatem, quia, ut mihi uidetur, opinione potius traducuntur ad iudicium quam experientiae magistratu. Nolo, nolo sic esse philosophus ut recalcitrem Paulo; nolo sic esse Aristoteles ut secludar a Christo. Non enim aliud nomen est sub caelo, in quo oporteat me saluum fieri. Adoro Christum in dextera Patris regnantem; amplector eum ulnis fidei in carne uirginali de Paracleto sumpta gloriosa diuinitus operantem. Et, ut trepida sollicitudo cunctaeque ambages a candore tui pectoris explodantur, hoc de me teneto, quod super illam petram fundaui conscientiam meam super quam Christus aedificauit aecclesiam suam. Cuius petrae titulum tibi breuiter assignabo: Credo in Patrem et Filium et Spiritum Sanctum, unum naturaliter et uerum Deum, qui sic in personis approbat Trinitatem ut semper in substantia custodiat unitatem. Credo in Filium per omnia Patri esse coaequalem, scilicet aeternitate, potestate, uoluntate et opere. * Heloísa, minha irmã, outrora muito cara no século, agora caríssima em Cristo, a lógica me tornou odioso para o mundo. Dizem, pois os pervertedores perversos, dos quais a sabedoria reside na perdição, que eu me distingo supremamente em lógica, mas que coxeio mediocremente em Paulo, e quando proclamam a perspicácia da minha inteligência, subtraem-me a pureza da fé Cristã, porque, como me parece, são levados ao juízo pela opinião mais do que pelo magistério da experiência. Não, não quero ser filósofo, de tal maneira que me oponha a Paulo; não quero ser Aristóteles de tal maneira que me separe de Cristo. Pois, não há, debaixo do céu outro nome, no qual é necessário que eu seja salvo. Adoro o Cristo que reina à direita do Pai; abraço-o com os braços da fé a ele que opera na carne virginal gloriosa assumida divinamente pelo Paráclito. E, para que a inquieta solicitude e todas as ambigüidades sejam expulsas da candura do teu peito, conserva isso de mim, que eu edifiquei a minha consciência sobre aquela pedra sobre a qual Cristo edificou a sua Igreja. Assinalar-te-ei brevemente o que está escrito naquela pedra: Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo, um por natureza e verdadeiro Deus o qual compreende a Trindade nas pessoas de tal maneira que mantenha sempre a unidade na substância. Creio que o Filho é igual ao Pai em tudo, a saber: na eternidade, em poder, em vontade e na operação. Confessio Fidei ad Heloissam, pp. 152-153 in BURNETT, C.F.S. ‘Confessio fidei ad Heloisam: Abelard’s Last Letter to Heloise? A Discussion and Critical Edition of the Latin and Medieval French Versions’, Mittellateinisches Jahrbuch, 21, 1986, pp. 147–55. 180 Nec audio Arrium, qui peruerso ingenio actus, immo demonico seductus spiritu, gradus facit in Trinitate, Patrem maiorem, Filium dogmatizans minorem, oblitus legalis precepti: non ascendes, inquit lex, per gradus ad altare meum. ad altare quippe Dei per gradus ascendit, qui prius et posterius in Trinitate ponit. Spiritum etiam Sanctum Patri et Filio consubstantialem et coaequalem per omnia testor, utpote quem bonitatis nomine designari uolumina mea saepe declarant. Damno Sabellium, qui eandem personam asserens Patris et Filii Patrem passum autumauit; unde et Patripassiani dicti sunt. Credo etiam Filium Dei factum esse Filium hominis, unamque personam ex duabus et in naturis duabus consistere; qui post completam susceptae humanitatis dispensationem, passus est et mortuus et resurrexit et ascendit in caelum, uenturusque est iudicare uiuos et mortuos. Assero etiam in baptismo uniuerse remitti delicta, gratiaque nos egere qua et incipiamus bonum et perficiamus, lapsosque per paenitentiam reformari. De carnis autem resurrectione quid opus est dicere, cum frustra glorier me Christianum si me non credidero resurrecturum? Haec itaque est fides in qua sedeo, ex qua spe contraho firmitatem. In hac locatus salubriter latratus Scylla non timeo, uertiginem Charybdis rideo, mortiferos Sirenarum modulos non horresco. Si irruat turbo, non quatior; si uenti perflent, non moueor. Fundatus enim sum supra firmam petram. 21 Não ouço a Ario, que, movido por um engenho perverso, ou antes, seduzido por um espírito demoníaco, introduz graus na Trindade, dogmatizando [que] o Pai é maior, [e] dogmatizando que o Filho é menor, esquecido do preceito legal: Tu não subirás – diz a Lei – através dos degraus do meu altar21. Sem dúvida, sobe ao altar de Deus por degraus quem coloca um antes e um depois na Trindade. Também atesto que Espírito Santo é consubstancial e igual ao Pai e ao Filho através de todas as coisas, o qual as minhas obras muitas vezes afirmam ser designado pelo nome de Bondade. Condeno Sabélio, que, sustentando que a pessoa do Pai é a mesma do Filho, afirma que o Pai sofreu a Paixão, donde [aqueles que assim pensaram] foram chamados Patripassianos. Creio também que o Filho de Deus se tornou Filho do homem e que das duas naturezas e nas duas naturezas subsiste uma só pessoa, o qual, depois de uma completa realização da humanidade assumida, sofreu, morreu e ressuscitou, e subiu ao céu, e virá julgar os vivos e os mortos. Afirmo também que todos os delitos são remidos no baptismo; que temos necessidade da graça pela qual iniciamos e realizamos o bem e pela penitência os lapsos são reformados. Quanto à ressurreição da carne, que devo dizer se, visto que em vão eu me gloriaria como cristão se não acreditar que hei-de ressuscitar? Esta é, portanto, a fé na qual me apoio, a partir da qual encontro firmeza com esperança. Sadiamente assentado nesta não temo os latidos de Cila, rio-me das vertigens de Caríbdis, não receio as melodias mortais das sereias. Se a tempestade se precipitar [sobre mim], não me perturbo; se os ventos soprarem, não me movo. Estou, pois, assentado em pedra firme. Êxodo 20, 26. 181