TRADUÇÃO
PEDRO ABELARDO –
CONFESSIO FIDEI UNIVERSIS*
Cléber Eduardo dos Santos Dias
Introdução
Credens assero et asserens credo: A polêmica entre Bernardo de Claraval e
Pedro Abelardo como itinerário para a confissão
O objetivo deste texto é apresentar de forma sucinta a história da condenação
de Pedro Abelardo e o envolvimento de Bernardo de Claraval nesse processo, de
forma a situar o leitor no ambiente das duas cartas confessionais que Abelardo
escreve após ou durante o Concílio de Sens.
No período anterior à sua última condenação, no Concílio de Sens,1 até à definitiva e ratificadora condenação por parte do Papa Inocêncio II, Pedro Abelardo e
Bernardo de Claraval, bem como os discípulos e amigos de ambos, viram-se envolvidos numa polêmica que gerou uma multiplicidade de textos, nos quais colhese hoje uma mescla entre verdades e interpretações.
Se, de um lado, conforme afirma Abelardo, as perseguições contra ele se iniciam, a partir do momento em que granjeia inimigos, ao derrotar Guilherme de
Champeaux, refutando-o, seja na sua teoria do universal como essência material,
seja na teoria do universal como indiferença,2 a bem da verdade deve-se reconhecer que Abelardo já obtivera um grande inimigo ao se indispor com seu antigo
mestre Roscelino de Compiègne. Da mesma forma, ao ousar apresentar um comentário a Ezequiel, indispos-se com o mestre Anselmo de Laon e seus discípulos
Alberico de Reims e Lotulfo da Lombardia, que o perseguiram e municiaram o
legado papal Conan de Penestre, no Concílio de Soissons (1121), no qual foi condenado a queimar o texto da Theologia Summi Boni e a permanecer recluso no
mosteiro de São Medardo, em Soissons.
*
Confessio Fidei ‘Universis’, p. 132-38, in BURNET, C.S.F. ‘Peter Abelard, Confessio fidei "Universis":
Abelard’s Reply to Criticisms of Heresy’, Mediaeval Studies, 48, 1986, p. 111-38.
1
Não há unanimidade histórica quanto à real data do Concílio de Sens, sendo que para o mesmo é
referida tanto a data de 2-3/6/1140 quanto a de 25-26/5/1141.
2
“ Hinc calamitatum mearum, que nunc usque perseuerant ceperunt exordia [...]” in The Personal
Letter of Consolation to a Friend (Historia Calamitatum), vide Bibliografia de apoio.
VERITAS
Porto Alegre
v. 51
n. 3
Setembro 2006
p. 169-181
Como se vê, por sua própria história, Abelardo levou às últimas conseqüências
o ardor da dialética, a disputa pelo prazer de vencer ou, como diz Vilela,3 a sua sede
de disputar, “...não como aluno que quer aprender, mas como adversário que quer
vencer”, obrigando-o a assumir um papel defensivo mas ao mesmo tempo agressivo.
No entanto, Guilherme de São Teodorico (em 1139 ou 1140), após ter lido a
Theologia Scholarium e um certo Liber Sententiarum,4 escreve a Godofredo de
Chartres e a S. Bernardo, avisando-os contra as heresias de Abelardo ao mesmo
tempo que envia-lhes treze capitula (proposições) nas quais encontra heresias,
lhes envia também dois textos incriminatórios e redige-lhes a Disputatio adversus
Petrum Abaelardum.
Por sua vez, S. Bernardo responde às cartas de Guilherme de São Teodorico,
propondo-lhe um encontro após a Páscoa e comissiona a um assistente5 para investigar os textos de Abelardo.
Munindo-se dos Capitula haeresum XIV Abaelardi e do textos de Guilherme
de São Teodorico (em especial a Disputatio adversus Petrum Abaelardum), Bernardo de Claraval escreve e envia em 1140 ao Papa Inocêncio II uma carta6 anexando
os Capitula haeresum XIV Abaelardi. Envia também aos cardeais da Cúria romana
carta solicitando-lhes que interviessem contra Abelardo (cujo texto básico está na
Epistola CLXXXVIII).
Ainda em 1140, segundo o testemunho do próprio S. Bernardo7 e de seu biógrafo,8
o abade de Claraval teria encontrado uma ou duas vezes a Abelardo e tê-lo-ia exortado, bem como aos seus discípulos a abandonarem as teses errôneas. Quanto a estas
afirmações, não há nenhuma informação que as confirme ou as negue nos textos de
Abelardo e seus discípulos. Neste mesmo ano, Abelardo ou Bernardo – não se tem
certeza sobre quem o fez – pede ao Arcebispo de Sens para pôr em julgamento a
Abelardo e suas proposições, no Concílio previsto para se realizar em Sens, na oitava
de Pentecostes, na presença do Rei Luís VII e do Arcebispo de Reims.
Abelardo escreve em 1140 ou 1141 para seus discípulos e seguidores a Epistola Petri Abaelardi contra Bernardum abbatem, pedindo-lhes que estivessem presentes no Concílio. Bernardo de Claraval fá-lo-á da mesma forma com os bispos
para os quais escreve a Epistola CLXXXVII ad Episcopos Franciae.
3
4
5
6
7
8
VILELA, Orlando. O Drama…, p. 54.
Uma hipótese a ser investigada é a de se o Liber Sententiarum, que Abelardo assevera nunca ter
escrito (cf. Confessio Fidei Universis, Epilogus, 1.), e que se supõe tenha sido escrito por anotações
de alunos, a partir do ensinamento oral de Abelardo, pode ser, quem sabe, o Epitome Theologiae
Christianae, também chamado de Sententie Abaelardi e Sententie Hermanni. Em todo caso, é conveniente ter presente o estudo que Rheinwald apresenta no Praefatio de sua edição da Epitome
Theologiae Christianae. Para consulta da edição crítica, remetemos à edição de S. Buzzeti, Sententie Magistri Petri Abelardi (Sententie Hermanni).
Este assistente, que não é nomeado por S. Bernardo, muitas vezes foi visto como sendo Thomas de
Morigny, quem, segundo alguma tradição e transmissão dos textos, refere ser o autor dos Capitula
haeresum XIV Abaelardi e da Disputatio patrum catholicorum adversus dogmata Petri Abaelardi.
Epistola CXC.
Tais informações podem ser colhidas na leitura da já mencionada Epistola CCCXXXVII.
Trata de Godofredo de Auxerre que, na Vita Bernardi prima, III, 5 (PL 185) descreve o episódio em
questão.
170
Durante ou logo após o Concílio de Sens, Abelardo escreve em resposta aos
Capitula Haeresum a Confessio Fidei ad Heloissam, a Confessio Fidei Universis e a
Apologia contra Bernardum abbatem. Em resposta a esses textos, Thomas de Morigny escreve a Disputatio patrum catholicorum adversus dogmata Petri Abaelardi.
Na véspera do Concílio (2/7/1140 ou 25/5/1141), Bernardo de Claraval convence os bispos a condenarem indiscriminadamente as teses que atribuíam a Abelardo. No desenrolar do Concílio, Abelardo afirma que irá apelar a ser julgado pelo
Papa. Não obstante essa afirmação, o Concílio condena as teses de Abelardo,
abstendo-se, porém, de condená-lo.
Os bispos da província eclesiástica de Sens e Reims enviam ao Papa a redação oficial das teses condenadas,9 ao mesmo tempo que Bernardo de Claraval
envia carta a diversos bispos advertindo-os da condenação de Abelardo e pedindo
que se abstenham de sua presença.10
Abelardo empreende sua viagem a Roma para apelar ao Papa. Debilitado física e moralmente, chega a Cluny onde é amigavelmente acolhido sob a protecção
de Pedro o Venerável, abade de Cluny. Em uma carta, Pedro o Venerável assegura
que por sua mediação e do abade de Citeaux, Rainardo de Citeaux, intermediouse o encontro no qual Abelardo e S. Bernardo se reconciliam.11 Na mesma carta,
Pedro o Venerável afirma ter intercedido junto do Papa pelo perdão a Abelardo.
Nesse mesmo período ensinava na montanha de Santa Genoveva Arnaldo de
Bréscia, discípulo e amigo de Abelardo, o qual foi diversas vezes expulso de França por causa das informações a respeito de suas idéias políticas e teológicas,
idéias divulgadas deturpadamente entre os bispos por Bernardo de Claraval.
Em 16/7/1140 ou 1141 (XVII Kalendas de Agosto), o Papa Inocêncio II, com a Bula
Testante Apostolo, condena Pedro Abelardo como herege e lhe impõe silêncio perpétuo ao mesmo tempo que estende a excomunhão a todos os discípulos e admiradores
que tiverem contato com Abelardo. Excomungado, herege vitandus, Abelardo é obrigado a queimar as suas obras e ser detido em separado de Arnaldo de Bréscia.
Berengário de Poitiers, discípulo de Abelardo, compõe (em 1140 ou 1141) a
Apologia contra sanctum Bernardum et alios qui condemnaverunt Petrum Abaelardum. Pedro o Venerável consegue do Papa que Abelardo fique sob seus cuidados no Priorado de São Marcelo (dependente da Abadia de Cluny).
Doente, cansado e debilitado por uma série de doenças12 e perseguições, Abelardo compõe para o filho um texto (em 1141 ou 1142) em forma de poema, o Car9
10
11
12
Epistola CCCXXXVII.
Epistola CLXXXIX.
Epistola XCVIII.
A temática da doença ou doenças que Abelardo sofreu encontrou muitos estudos entre os quais destaco
o de Jeannin (Jeannin, J., La dernière maladie d'Abelard, Melanges Saint Bernard, Dijon, 1953.) e o de Robl
(Robl, W. Die letzte Krankheit des Peter Abaelard. Neustadt, 2001 in: www.abaelard.de). Jeannin afirma
que Abelardo sofria da doença de Hodghins, doença essa caracterizada pela leucemia com pruridos cutâneos e a possível deformação; daí talvez se explique o fato de não o reconhecerem no Concílio de Sens.
Do mesmo modo Robl afirma ainda a presença de outras doenças, como a diabetes, “tuberculose orgânica” e descarta a possibilidade de Abelardo sofrer da doença de Hodghins embora chame a atenção para o
fato de que se deva ter presente o desgaste mental que obrigou Abelardo a se retirar para sua terra natal
171
men ad Astralabium, no qual se colmatam os seus últimos conselhos e instruções
destinados ao cultivo da sua formação e conduta.
Em 21/4/1142, Abelardo morre. Provavelmente em 1143, o mais tardar, Pedro
o Venerável avisa Heloísa da morte de Abelardo13. Ato seguido, Heloísa requer o
corpo de seu ex-esposo e mestre.
Pedro o Venerável manda transportar ocultamente o corpo de Abelardo para o
Paráclito (em 16/11/1143 ou 1144?), enviando a Heloísa também, conforme seu
pedido, um documento selado com a absolvição de Abelardo.
Na intenção de que esse breve texto possa ajudar o leitor a aprofundar sua
leitura nas duas cartas confessionais que se seguem, recomendamos vivamente
ainda que se leiam os estudos de Charles Burnett, citados na bibliografia de apoio
e dos quais foram extraídos os textos críticos utilizados para estas traduções.
Agradeço ao Prof. Dr. J. M. Costa Macedo a valiosa ajuda na revisão e interpretação das traduções. De igual forma, estas traduções contaram com o apoio do
Programa Alban, Programa de bolsas de alto nível da União Européia para a América Latina. Bolsa nº E04D036791BR.
Bibliografia de apoio
Pedro Abelardo
Apologia contra Bernardum, ed. E.M. Buytaert, in: Petri Abaelardi Opera Theologica I, Turnholti, 1969
(CCCM II), pp. 357-68.
Carmen ad Astralabium, ed. J.M.A. Rubingh-Boscher, Groningen, 1987.
Epistola Petri Abaelardi contra Bernardum abbatem, ed. R. Klibansky, Peter Abelard and Bernard of
Clairvaux. A Letter by Abailard, in Medieval and Renaissance Studies, V (1961), p. 6-7.
Epitome Theologiae Christianae, ed. F.H. Rheinwald, in: Anedocta ad Historiam Ecclesiasticam pertinentia, Particula II, Berolini: F. A. Herbig, MDCCCXXXV.
Sententie Magistri Petri Abelardi (Sententie Hermanni). Firenze, La Nuova Italia 1983, Ediz.critica e nota
al testo a cura di S.Buzzetti, p. XII-174. (Pubbl. dell'Ist. di Storia della Filosofia dell'Univ. di Milano.)
[citamos esta edição por ser a edição crítica desse texto atribuído a Abelardo].
[Historia Calamitatum] ed. J.T. Muckle, The Personal Letter of Consolation to a Friend (Historia Calamitatum), in Medieval Studies, XII (1950), p. 163-213.
Theologia ‘Scholarium’, ed. E.M. Buytaert – C.J. Mews, Petri Abaelardi, Opera Theologica III Theologia
‘Summi Boni’. Theologia ‘Scholarium’, Turnholti, 1987 (CCCM 13), p. 309-549.
Theologia ‘Summi Boni’, ed. E.M. Buytaert – C.J. Mews, Petri Abaelardi, Opera Theologica III Theologia ‘Summi Boni’. Theologia ‘Scholarium’, Turnholti, 1987 (CCCM 13), p. 83-201.
Epistolário de Abelardo e Heloísa
Abelardo-Heloísa. Cartas. As cinco primeiras cartas traduzidas do original e comentadas por Zeferino
Rocha. Edição bilíngüe. Pernambuco: Universitária da UFPE, 1997.
Epistolario di Abelardo ed Eloisa. A cura di Ileana Pagani con considerazioni sulla trasmissione del
testo di Giovanni Orlandi. Torino: U.T.E.T, 2004. 821p. (Classici Latini Utet). [Trata-se da mais recente
tradução italiana com os textos críticos face a face, apresenta ainda valiosos estudos sobre o assunto].
13
já em sua juventude, a questão da castração e a sua conseqüente depressão que o acompanhou e ainda
para o fato de Abelardo ter partido vértebras, ao cair do cavalo, e a dor que acompanhava um indivíduo
que sofrera tal fractura, dado o tratamento da época.
Epistola CXV.
172
Berengário de Poitiers
Apologia contra sanctum Bernardum et alios qui condemnaverunt Petrum Abaelardum, PL 178, col.
1857-70.
Bernardo de Claraval
Epistola CCCXXXVII ‘Ad Innocentium Pontificem, in persona Franciae Episcoporum’, in PL 182, col.
540-42.
S. Bernardi Opera Vol. VIII. Epistolae: I. Corpus epistolarum 181-310: II. Epistolae extra corpus 311-547.
Ad fidem codicum recensuerunt J. Leclercq, H. M. Rochais. Romae: Editiones Cistercienses, 1977.
Guilherme de São Teodorico
Epistula CCCXXVI ad Gaufredum Carnotensem et Bernardum Claraevallensem, in Disputatio adversus
Petrum Abaelardum in J. Leclercq, Les lettres de Guillaume de Saint-Thierry à Saint Bernard, dans
Revue Bénédictine, 79 (1969), p. 377-78.
Inocêncio II
Testante Apostolo, p. 46-8, in S. Bernardi Opera Vol VIII. Epistolae: I. Corpus epistolarum 181-310: II.
Epistolae extra corpus 311-547. Ad fidem codicum recensuerunt J. Leclercq, H. M. Rochais. Romae:
Editiones Cistercienses, 1977.
Pedro o Venerável
Epistola XCVIII in Constable, G. (ed.). The Letters of Peter the Venerable, 2 vol, Cambridge, Mass.,
1967.
Thomas de Moringy
Anonymi. Capitula haeresum Petri Abaelardi, ed. E.M. Buytaert, Petri Abaelardi Opera Theologica, II,
Turnholti, 1969 (CCCM 12), p. 473-80.
Disputatio catholicorum patrum contra dogmata Petri Abailardi, ed. Nikolaus M. Häring, – Spoleto:
Centro Italiano di Studi Sull'Alto Medioevo, 1983 (Coleção Estratti dagli “Studi Medievali” 22 (1981).).
Alguns estudos sobre a temática da disputa Bernardo – Abelardo
BOSS, G. “Le combat d’Abélard”, Cahiers de Civilisation Médiévale 31 (1988), p. 7-27.
BORST, A. “Abaelard und Bernhard”, Historische Zeitschrift 186, (1958), 497-526.
. Die historische Zeit bei Abaelard, Barbaren, Ketzer und Artisten: Welten des Mittelalters, 2.
Aufl. Piper: München, 1988, p. 155-73.
BURNETT, C.S.F. ‘Peter Abelard, Confessio fidei “Universis”: Abelard’s Reply to Criticisms of Heresy’,
Mediaeval Studies, 48, 1986, p. 111-38.
. ‘Confessio fidei ad Heloisam: Abelard’s Last Letter to Heloise? A Discussion and Critical
Edition of the Latin and Medieval French Versions’, Mittellateinisches Jahrbuch, 21, 1986, p. 147–55.
DIMIER, A. Outrances et roueries de saint Bernard, Pierre Abélard et Pierre le Vénérable [Abbaye de
Cluny, 2 au 9 juillet 1972], Actes et mémoires des colloques internationaux du Centre National de la
Recherche Scientifique 546: Paris, 1975. p. 655-67.
D'OLWER, L.N. Sur quelques lettres de St. Bernard, avant ou après le concile de Sens, Mélanges St.
Bernard, 100-08, Dijon, 1954.
GÖSSMANN, E. Zur Auseinandersetzung zwischen Abaelard und Bernhard von Clairvaux um die
Gotteserkenntnis im Glauben, in Petrus Abaelardus. Person, Werk und Wirkung. Paulinus:Trier, 1980, p.
233-42.
. “Dialektische und rhetorische Implikationen der Auseinandersetzung zwischen Abaelard und
Bernhard von Clairvaux um die Gotteserkenntnis, Sprache und Erkenntnis im Mittelalter”, Miscellanea
Mediaevalia, Bd. 13/2, Berlin, 1981, p. 890-902.
GRAUWEN, W.M. “Nogmaals over Abelard, Bernard en Norbert“, Analecta Praemonstratensia 65, 1989,
p.162-5.
173
JEANNIN, J. La dernière maladie d'Abélard: une alliée imprévue de saint Bernard, Sammelwerk Mélanges Saint Bernard. Lyon, 1953. p. 109-14.
KLIBANSKY, R. “Peter Abailard and Bernhard of Clairvaux. A letter by Abailard”, Medieval and Renaissance Studies, 5, 1961. p. 1-27.
KNOCH, W. “Der Streit zwischen Bernhard von Clairvaux und Petrus Abaelard - ein exemplarisches
Ringen um verantworteten Glauben”, Freiburger Zeitschrift für Philosophie und Theologie, 38, 1991, p.
299-315.
KOLMER, L. “Abaelard und Bernhard von Clairvaux in Sens”, Zeitschrift der Savigny-Stiftung für
Rechtsgeschichte. Kanonistische Abteilung, 67, 1981, p. 122-45.
LASSERRE, P. Un conflit religieux au XIIe siècle: Abélard contre Saint Bernard. 5. ed. L’Artisan du
Livre: Paris, 1930.
LECLERCQ, J. Le thème de la jonglerie dans les relations entre saint Bernard, Abélard et Pierre le
Vénérable, Pierre Abélard et Pierre le Vénérable, [Abbaye de Cluny, 2 au 9 juillet 1972], Actes et mémoires des colloques internationaux du Centre National de la Recherche Scientifique 546: Paris, 1975, p.
671-84.
. “Les lettres de Guillaume de Saint-Thierry à S. Bernard”, Revue bénédictine, 79, 1969, p. 37591.
. “Les formes successives de la lettre-traite de saint Bernard contre Abélard”, Revue bénédictine, 78, 1968, p. 87-105.
LITTLE, G. C. Heloise and Abelard a verse play: ecstasies and adversities, Rowman & Littlefield: New
York, 1989.
LITTLE, E. Relations between St. Bernard and Abelard before 1139, p. 155-68, Saint Bernard of Clairvaux, Kalamazoo, 1977.
. “Bernard and Abelard at the Council of Sens 1140, Bernard of Clairvaux: Studies presented to
Dom Jean Leclerc” – Cistercian Studies Series, 23, 1973, p. 55-71.
. “The source of the capitula of Sens of 1140”, Studies in Medieval Cistercian History II – Cistercian Studies Series, 24, 1976, p. 87-91.
LLOYD, R. B. Peter Abelard: an Orthodox Rebel. London Latimer House: London, 1947.
. The stricken lute; an account of the life of Peter Abelard, 1932
MARABELLI, C. Confronto san Bernardo-Abelardo sul fondamento dell'etica, La scuola cattolica Rivista
teologica del seminario arcivescovile di Milano, 120, 94-112, 1992.
MARTIN, R.M. Pro Petro Abaelardo. Un plaidoyer de Robert de Melun contre saint Bernard, Revue des
sciences philosophiques et théologiques, 12, 308-33, 1923.
MEADOWS, D. A Saint and a Half: A new Interpretation of Abelard and Bernard, New York, 1965.
MORISON, J.C. The Life and Times of Saint Bernard. London: 1863.
MURRAY, A. V. Abelard and St. Bernard, New York, 1967.
RENNA, T.J. Abelard versus Bernard: An Event in Monastic History, Citeaux, XXVII, 1976.
. St. Bernard and Abelard as Hagiographers, Citeaux commentarii cistercienses, 29, 41-59.
SOMMERFELDT, J.R. Abelard and Bernard of Clairvaux, Papers of the Michigan Academy of Sciences,
Arts and Letters, 46, 493-501, 1961.
VACANDART, E. Abélard, sa lutte contre Saint Bernard, sa doctrine, sa méthode. Paris: 1881.
VERGER, J. Un essai de biographies croisées (Bernard/Abelard), Problèmes et méthodes de la biographie, Actes du colloque Sorbonne 3-4 mai 1985, Paris, 1985.
. Saint Bernard vu par Abélard et quelques autres maîtres des écoles urbaines, Histoire de
Clairvaux. Actes du Colloque de Bar sur Aube/Clairvaux, 161-75, Bar-sur-Aube, 1991.
. Un essai de biographies croisées (saint Bernard/Abélard) et ses enseignements, Problèmes et
méthodes de la biographie. Actes du Colloque de la Sorbonne, 79-85, Paris, 1985.
. VERGER, J.; JOLIVET, J. Bernard – Abélard ou le cloître et l'école, Douze Hommes dans
l'histoire de l'Église, Fayard-Mame (Belgium), 1982.
174
VILELA, Orlando. O Drama Heloísa-Abelardo. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1986.
ZERBI, P. San Bernardo di Chiaravalle e il concilio di Sens, Studi su S. Bernardo di Chiaravalle nell'otto
centenario della canonizzazione, 49-73, Roma, 1975, Bibliotheca Cisterciensis.
. Bernardo di Chiaravalle e le controversie dottrinali, Bernardo di Chiaravalle cisterciense,
Accademia Tudertina - Centro di studi sulla spiritualita medioevale: Atti del XXVI Convegno storico
internazionale, Todi, S-11 ottobre 1989, 131-63, Spoleto, 1990.
. Di alcuni questioni chronologiche riguardanti il concilio di Sens, Cultura e Società nell Italia
Medievale. Studi per Paolo Brezzi, Studi Storici dell Instituto Italiano per il Medio Evo, 847-59, Roma,
1988.
. Guillaume de Saint-Thierry et son différend avec Abélard, Saint-Thierry: une abbaye du VI au
XX siecle. Actes du colloque international d’histoire monastique, Reims, Saint-Thierry, 11 au 14 ottobre
1976, 395-12, Saint-Thierry, 1979.
. Il cluniaco vestra sibi perpetuam mansionem elegit (Petri Venerabilis Epistola 98): Un momento decisivo nella vita di Abelardo dopo il concilio di Sens, Storiografia e storia. Studi in onore di E.
Duprè Theseider, 627-44, Roma, 1974.
. Les différends doctrinaux, Saint Bernard de Clairvaux. Histoire. Mentalités, Spiritualité,
Sources chrétiennes 380, 429-58, Paris, 1992.
WEINGARTNER, J. Abälard und Bernhard, Innsbruck, 1937.
CONFESSIO FIDEI UNIVERSIS*
*
UNIVERSIS ECCLESIAE
SANCTAE FILIIS
PETRUS EX EIS UNUS SED IN EIS
MINIMUS
A TODOS OS FILHOS
DA SANTA IGREJA
PEDRO, UM DELES, MAS ENTRE
ELES O MENOR
Praefatio 1. Notum prouerbium est, nichil tam bene dictum quin possit deprauari, et, ut beatus meminit Ieronimus, ‘qui
multos scribit libros, multos sumit iudices’.
Ego quoque, cum scripserim pauca, uel,
ad comparationem aliorum, nulla, reprehensionis notam effugere non potui; cum
tamen in his de quibus grauiter accusor,
nullam, sciat deus, meam recognoscam
culpam, nec si qua fuerit, procaciter defendam. 2. Scripsi fortassis aliqua per
errorem que non oportuit, sed deum testem et iudicem in animam meam inuoco
quia in his de quibus accusor, nichil per
superbiam aut per malitiam presumpsi.
Multa in scolis multis locutus sum, nec
umquam aquas furtiuas uel panem absconditum habuit mea doctrina. Palam
locutus sum ad edificationem fidei siue
morum, quod michi salubre uisum fuit, et
Prefácio. 1. Conhecido é o provérbio:
“Nada é tão bem expresso que não possa
ser distorcido” e, como lembra o bemaventurado Jerônimo, “quem escreve muitos livros expôe-se a muitos juízes”. Assim
também eu, que escrevi pouca coisa ou em
comparação a outros, nada, não pude escapar de ser repreendido; entretanto, não
reconhecerei minha culpa, Deus o sabe, em
nenhuma dessas graves acusações, nem me
defenderei impertinentemente se [culpa]
existir. 2. Talvez eu tenha escrito por erro
alguma coisa que não foi conveniente, mas
ante a minha alma invoco por testemunha e
juiz a Deus, que naquelas coisas das quais
sou acusado em nenhuma delas avancei por
malícia ou soberba. Falei de muitas coisas
em muitas escolas, [mas] nunca houve em
minha doutrina água furtiva ou pão escondido. Falei às claras para a edificação da fé
Confessio Fidei ‘Universis’, p. 132-38, in BURNET, C.S.F. ‘Peter Abelard, Confessio fidei “Universis”:
Abelard’s Reply to Criticisms of Heresy’, Mediaeval Studies, 48, 1986, p. 111–38.
175
quecumque scripsi libenter omnibus exposui, ut eos iudices non discipulos haberem. Quod si uspiam per multiloquium
excessi – ut scriptum est: in multiloquio
non effugies peccatum – numquam importuna defensio me effecit hereticum, paratum semper ad satisfactionem de maledictis meis corrigendis siue delendis. In quo
certe proposito usque in finem perseuerabo. 3. Sed, sicut meum est maledicta mea
si qua sunt uelle corrigere, sic crimina non
recte michi obiecta propulsare me conuenit. Cum enim beatus dicat Augustinus
‘crudelis est qui famam suam negliget’, ac,
iuxta Tulium, ‘taciturnitas imitatur confessionem’, conscriptis contra me capitulis
equum duxi respondere, ea uidelicet ratione seruata qua contra derogantium linguas
beatus Gregorius fideles his instruit uerbis:
‘Sciendum est quia linguas detrahentium
sicut nostro studio non debemus excitare,
ne ipsi pereant, ita per suam malitiam
excitatas debemus equanimiter tolerare, ut
nobis meritum crescat; aliquando autem
etiam compescere, ne, dum de nobis mala
disseminant, eorum qui audire nos ad
bona poterant, corda innocentium corrumpant’. 4. Agnoscat igitur fraterna caritas
me, qualemcumque filium ecclesie, cum
ipsa integre cuncta recipere que recipit,
cuncta respuere que respuit, nec me umquam unitatem fidei scidisse, quamuis
impar ceteris sim morum qualitate.
I. Quod igitur michi uel per malitiam
uel per errorrem impositum est, quod de
deo scripserim quia pater est plena
potentia, filius quedam potentia, spiritus
sanctus nulla potentia, hec ego uerba non
14
15
16
17
ou dos costumes, daquilo que me pareceu
saudável, e tudo aquilo que escrevi expus a
todos com gosto, de forma a não tê-los
como discípulos, mas juízes. Porque, se em
qualquer parte me excedi por multiloqüência – como está escrito: no muito falar não
se escapa do pecado14 – nunca uma inoportuna defesa me fez herege, [pois eu estava]
sempre preparado para dar satisfação, no
tocante à correção ou apagamento dos
meus ditos mal-expressos. E neste honesto
propósito perseverarei até ao fim. 3. Mas,
assim como quero corrigir meus ditos malexpressos, se é que alguns existem, da
mesma forma convém-me repelir os crimes
que indevidamente me imputam. Visto que,
com efeito, diz o bem-aventurado Agostinho: é cruel aquele que descura de sua
fama,15 e conforme Túlio: o silêncio imita a
confissão,16 achei justo responder aos capítulos que foram escritos contra mim, uma
vez observada a razão pela qual o Bemaventurado Gregório alerta os fiéis contra as
línguas dos delatores por estas palavras:
Deve saber-se que não devemos excitar as
línguas dos detractores pela nossa própria
vontade, para que os mesmos não pereçam,
assim, da mesma forma, devemos tolerar
[aquelas coisas] que por sua malícia foram
excitadas, para que o mérito cresça em nós;
às vezes, porém, devemos freá-las, para
que, enquanto [elas] difundem coisas más
sobre nós, não sejam corrompidos os corações dos inocentes que poderiam ouvir
coisas boas sobre nós.17 4. Reconheça,
portanto, a caridade fraterna que eu, como
qualquer filho da Igreja, aceito com a mesma todas as coisas que ela integralmente
aceita, rejeito todas as coisas que ela rejeita, e que eu nunca rompi com a unidade da
fé, ainda que pela qualidade dos meus
costumes seja desigual aos demais.
I. Portanto, quanto àquilo que por malícia ou erro foi imputado a mim, de que
sobre Deus teria escrito que o Pai é plena
potência, o Filho alguma potência e o
Espírito Santo nenhuma potência, estas
Provérbios 10, 19.
Agostinho. Sermo 355, 1.
Cícero. De Inventione Rhetorica I, 54.
Gregório Magno. Homiliae XL in Ezechielem. Homilia IX, in: PL 76, col. 877 B-C.
176
tam humana quam diabolica, sicut
iustissimum est, abhorreo, detestor, et ea
cum auctore suo pariter dampno. Que si
quis in meis repperiat scriptis, non solum
me hereticum, uerum etiam heresiarchem
profiteor.
II. Tam filium quam spiritum sanctum
sic ex patre profiteor esse ut eiusdem sint
cum patre substantiae, eiusdem penitus
uoluntatis atque potentie, quia quorum est
eadem omnino substantia uel essentia,
nulla potest esse uel uoluntatis diuersitas
uel potentie inequalitas. Quisquis autem
me scripsisse asserit quod de substantia
patris spiritus etiam sanctus non sit, malitie id uel ignorantie maxime fuit.
III. Solum filium dei incarnatum profiteor ut nos a seruitute peccati et a iugo
diaboli liberaret et superne aditum uite
morte sua nobis reseraret.
IV. Iesum Christum sicut uerum et unicum dei filium, ex substantia patris ante
secula genitum, ita tertiam in trinitate
personam, spiritum quoque sanctum tam
ab ipso filio quam a patre procedentem, et
credens assero et asserens credo.
V. Gratiam dei ita omnibus necessariam dico ut nec nature facultas nec arbitrii libertas sine illa sufficere possit ad
salutem. Ipsa quippe gratia nos preuenit ut
uelimus, ipsa subsequitur ut possimus,
ipsa nos conseruat ut perseueremus.
VI 1. Deum ea solummodo facere posse
credo que ipsum facere conuenit, et quod
multa facere posset que numquam facit. 2.
Multa quoque per ignorantiam facta culpe
sunt adscribenda, maxime cum per negligentiam nostram contingit nos ignorare
quod nobis necessarium erat prenosse.
Qualis ille fuit de quo psalmista dicit:
noluit intelligere ut bene ageret.
VII. Mala deum frequenter impedire fateor, quia non solum effectum malignantium preuenit ne quod uolunt possint, ue18
19
20
palavras, não tão humanas quanto diabolicas, como é justíssimo, abomino-as, condeno-as juntamente com o seu autor. Se
alguém encontrar estas coisas em meus
escritos, confesso que não sou só herético,
mas também heresiarca.
II. Confesso que tanto o Filho quanto o
Espírito Santo existem a partir do Pai de tal
maneira que são da mesma substância do
Pai, de sua mesma vontade e poder, porque
daqueles cuja substância e essência é a
mesma, não pode haver [neles] nem diversidade de vontade nem desigualdade de
potência. Porém, quem quer que afirme que
eu escrevi que o Espírito Santo não é da
substância do Pai, fá-lo por sua máxima
malícia ou ignorância.
III. Confesso que o único Filho de Deus
encarnou para livrar-nos da servidão do
pecado e do jugo do diabo e para abrir,
com sua morte, a porta da vida suprema.
IV. Que Jesus Cristo, como verdadeiro
e único Filho de Deus, [foi] gerado da
substância do Pai antes de todos os séculos, [e que] a terceira Pessoa na Trindade, o Espírito Santo, procede tanto do
próprio Filho como do Pai, crendo afirmo e
afirmando creio.
V. Digo que a graça de Deus é tão necessária a todos que nem a capacidade da
natureza nem a própria liberdade de arbítrio
são suficientes sem ela para a salvação. Pois
a mesma graça nos previne para querer, nos
acompanha para poder [fazer as obras] e nos
conserva para que perseveremos.
VI 1. Creio que somente Deus pode fazer aquelas coisas que lhe convém fazer e
que pode fazer muitas coisas que nunca
faz. 2. Devem-se considerar também culpáveis muitas coisas feitas por ignorância,
maximamente quando, por nossa negligência, acontece que ignoremos aquelas
coisas que devíamos conhecer previamente. E assim foi aquele do qual o salmista
diz: não quis conhecer para fazer o bem.18
VII. Creio que Deus, com freqüência,
impede o mal, porque não somente prevê
os efeitos dos malvados, para que não
Salmo 35,4.
Filipenses, 2,1.
Mateus 7, 1.
177
rum etiam uoluntates eorum immutat ut a
malo quod cogitauerant penitus desistant.
VIII. Ex Adam in quo omnes peccauimus tam culpam quam penam nos contraxisse assero, quia illius peccatum nostrorum quoque peccatorum omnium origo
exstitit atque causa.
IX. Crucifixores Christi in ipsa eius crucifixione grauissimum peccatum fateor
commisisse.
X. Multa de Christo dicuntur que non
tam secundum ipsum caput quam secundum corpus ipsius quod est ecclesia sunt
accipienda, ut ille spiritus timoris qui est
initium sapientie, quem uidelicet timorem
perfecta caritas foras mittit. Huius ergo
timoris spiritum in anima Christi que
perfectissimam habuit caritatem numquam
fuisse credendum est, qui tamen inferioribus eius membris non deest. Tante quippe
perfectionis et tante securitatis anima illa
exstitit per ipsam uerbi unionem ut sciret
omnino se posse committere unde penas
incurreret uel deum offenderet.
XI. Castum uero timorem in seculum
seculi permanentem qui proprie reuerentia
caritatis dicitur, tam ipsi anime Christi
quam electis angelis et hominibus semper
inesse recognosco. Unde et de ipsis supernis spiritibus scriptum est: ‘adorant
dominationes, tremunt potestates’.
XII. Potestatem ligandi et soluendi successoribus omnibus apostolorum eque ut
ipsis apostolis concessam esse profiteor, et
tam indignis quam dignis episcopis,
quamdiu eos ecclesia susceperit.
XIII. Omnes in dilectione dei et proximi
equales equaliter bonos esse confiteor et
meritis pares, nec quicquam meriti apud
deum deperire si bone uoluntatis affectus
in suo prependiatur effectu. Non enim
angelus cum a deo missus id quod facere
uult impleuerit, aut anima Christi sue
uoluntati effectum addiderit, melior inde
possam fazer o que fazem, mas também
que modifica a vontade deles, para que
desistam completamente do mal que
cogitavam no seu interior.
VIII. Afirmo que de Adão, no qual todos nós pecamos, contraímos tanto a
culpa quanto a pena, porque seu pecado
foi a origem e a causa de todos os nossos
pecados.
IX. Confesso que aqueles que crucificaram a Cristo cometeram um gravíssimo
pecado no próprio acto da crucificação.
X. Acerca de Cristo dizem-se muitas
coisas as quais devem ser acatadas, não
tanto segundo a própria cabeça, quanto
segundo o corpo do próprio que é a Igreja,
como aquele espírito de temor que é o
início da sabedoria, o qual temor, naturalmente, a caridade perfeita lança fora.
Entretanto deve acreditar-se que na alma
de Cristo, que possuiu a mais perfeita
caridade, nunca existiu o espírito deste
temor, o qual porém não falta aos membros inferiores. Portanto, aquela alma foi
de tão grande perfeição e de tão grande
segurança, através da própria união do
Verbo, que sabia em absoluto que não
podia cometer algo pelo qual pudesse
incorrer nas penas ou ofender a Deus.
XI. Na verdade, reconheço que um casto temor de Deus que permanecerá no
século do século [e] que é chamado propriamente de reverência da caridade é
inerente tanto à alma de Cristo quanto aos
anjos eleitos e aos homens. Por isso, acerca dos próprios espíritos superiores foi
escrito: “as dominações adoram, as potestades tremem”.
XII. Confesso que foi concedido a todos
os sucessores dos apóstolos, do mesmo
modo que aos mesmos apóstolos, o poder
de atar e desatar, assim como aos bispos
tanto dignos quanto indignos, enquanto a
Igreja os receber.
XIII. Confesso que todos somos iguais
no amor de Deus e do próximo e do mesmo modo, igualmente bons e iguais em
méritos, e que não se perde algum mérito
diante de Deus, ainda que o desejo de
uma boa intenção seja impedido no seu
efeito. Com efeito, nem o anjo, quando
mandado por Deus, cumpriu aquilo que
178
reputari debuit, sed eque quilibet bonus
permanet, siue operandi tempus habeat
siue non, dummodo equalem bene operandi uoluntatem teneat, nec in eo quod
non operatur remaneat.
XIV. Deum patrem eque sapientem ut
filium, eque benignum ut spiritum sanctum profiteor, quia in nulla boni plenitudine, in nulla dignitatis gloria, diferre una
personarum potest ab alia.
XV. Aduentum filii in finem seculi posse atribui patri, numquam, sciat deus, in
mentem meam uenit, nec se uerbis meis
inseruit.
XVI. Sic et animam Christi non per se
ad inferos descendisse sed per potentiam,
omnino a uerbis meis et sensu remotum
est.
XVII. Nouissimum quoque capitulum,
quod scripsisse criminor quod neque opus
neque uoluntas neque concupiscentia
neque delectatio que mouet eam, peccatum sit, nec debemus eam uelle extingui,
non minus a meis tam dictis quam scriptis
alienum est.
Epilogus. 1. Quod autem capitula contra me scripta tali fine amicus noster concluserit ut diceret: hec autem capitula
partim in libro theologie magistri Petri,
partim in Libro Sententiarum eiusdem,
partim in libro cuius titulus est Scito te
ipsum reperta sunt, non sine admiratione
maxima suscepi, cum nusquam liber
aliquis qui sententiarum dicatur a me
scriptus repperiatur. Sed sicut cetera
contra me capitula, ita et hoc quoque uel
per malitiam uel per ignorantiam prolatum
est. 2. Si qua igitur consolatio in Christo
Iesu, si qua sunt uiscera pietatis, fraternam caritatem uestram exoro me innocentiam meam, quam culpa ueritas liberat,
infamie neuo respergendo delinquat. Caritatis quippe est obprobrium non accipere
aduersus proximum, et que dubia sunt in
meliorem partem interpretari, et illam
semper dominice pietatis sententiam
attendere: Nolite iudicare et non iudicabimini, nolite condempnare et non con-
quer fazer, nem a alma de Cristo por haver
realizado a sua vontade devem ter sido
considerados melhores por isso, mas
igualmente qualquer um permanece bom,
quer tenha ou não o tempo de atuar, contanto que tenha uma igual vontade de
bem atuar e não permaneça no não-atuar.
XIV. Confesso que Deus Pai é igualmente sábio como o Filho, e igualmente
benigno como o Espírito Santo, porque em
nenhuma plenitude do bem, em nenhuma
dignidade da glória, pode cada pessoa
diferir da outra.
XV. Nunca, Deus o sabe, veio em minha mente que o advento do Filho de
Deus, no fim dos séculos, pudesse ser
atribuído ao Pai, nem em minhas palavras
[isso] foi inserido.
XVI. Do mesmo modo, é totalmente
alheio às minhas palavras e ao significado
que a alma de Cristo não desceu aos
infernos por si mesma, mas sua potência.
XVII. Também [sou] acusado de um capítulo novíssimo: no qual escrevi que nem a
obra, nem a vontade, nem a concupiscência, nem a deleitação que move aquela é
pecado, nem devemos querer que ela se
extinga, [isso] é totalmente alheio às minhas palavras quanto [aos meus] escritos.
Epílogo. 1. Portanto, no que se refere aos
capítulos contra mim escritos [e que levam]
o nosso amigo a concluir, com tais fins,
como que para dizer: estes são [os capitulos] referidos, em parte, no Livro de Teologia
do mestre Pedro, em parte, no Livro das
Sentenças do mesmo e, em parte, no livro
que tem por título Conhece-te a ti mesmo,
[devo dizer] que os recebi não sem o máximo espanto, pois em parte nenhuma se
encontra um certo livro que seja chamado
das Sentenças por mim escrito. Mas, assim
como aqueles outros capítulos contra mim,
também este se mencionou ou por malícia
ou por ignorância. 2. Se existe alguma consolação em Cristo Jesus19, se existem algumas entranhas de piedade, peço à vossa
caridade fraterna que não ofenda a minha
inocência a qual a verdade liberta de culpa
libertando-me da mancha da infâmia. Na
verdade, [é] próprio da caridade não aceitar
injúria contra o próximo e interpretar no
melhor sentido aquelas que são duvidosas e
179
dempnabimini.
ainda atentar sempre àquela sentença da
piedade do Senhor: Não julgueis e não
sereis julgados, não condeneis e não sereis
condenados20.
CONFESSIO FIDEI AD HELOISSAM*
CONFISSÃO DE FÉ A HELOÍSA
Soror mea Heloissa, quondam mihi in
saeculo cara, nunc in Christo carissima,
odiosum me mundo reddidit logica.
Aiunt enim peruersi peruertentes, quorum sapientia est in perditione, me in
logica prestantissimum esse, sed in Paulo
non mediocriter claudicare, cumque ingenii praedicent aciem, Christianae fidei
subtrahunt puritatem, quia, ut mihi uidetur, opinione potius traducuntur ad iudicium quam experientiae magistratu.
Nolo, nolo sic esse philosophus ut recalcitrem Paulo; nolo sic esse Aristoteles
ut secludar a Christo. Non enim aliud
nomen est sub caelo, in quo oporteat me
saluum fieri.
Adoro Christum in dextera Patris regnantem; amplector eum ulnis fidei in carne
uirginali de Paracleto sumpta gloriosa
diuinitus operantem.
Et, ut trepida sollicitudo cunctaeque
ambages a candore tui pectoris explodantur, hoc de me teneto, quod super illam
petram fundaui conscientiam meam super
quam Christus aedificauit aecclesiam
suam. Cuius petrae titulum tibi breuiter
assignabo:
Credo in Patrem et Filium et Spiritum
Sanctum, unum naturaliter et uerum
Deum, qui sic in personis approbat Trinitatem ut semper in substantia custodiat
unitatem.
Credo in Filium per omnia Patri esse
coaequalem, scilicet aeternitate, potestate,
uoluntate et opere.
*
Heloísa, minha irmã, outrora muito cara
no século, agora caríssima em Cristo, a
lógica me tornou odioso para o mundo.
Dizem, pois os pervertedores perversos,
dos quais a sabedoria reside na perdição,
que eu me distingo supremamente em
lógica, mas que coxeio mediocremente em
Paulo, e quando proclamam a perspicácia
da minha inteligência, subtraem-me a
pureza da fé Cristã, porque, como me
parece, são levados ao juízo pela opinião
mais do que pelo magistério da experiência.
Não, não quero ser filósofo, de tal maneira que me oponha a Paulo; não quero
ser Aristóteles de tal maneira que me
separe de Cristo. Pois, não há, debaixo do
céu outro nome, no qual é necessário que
eu seja salvo.
Adoro o Cristo que reina à direita do
Pai; abraço-o com os braços da fé a ele
que opera na carne virginal gloriosa assumida divinamente pelo Paráclito.
E, para que a inquieta solicitude e todas as ambigüidades sejam expulsas da
candura do teu peito, conserva isso de
mim, que eu edifiquei a minha consciência
sobre aquela pedra sobre a qual Cristo
edificou a sua Igreja. Assinalar-te-ei brevemente o que está escrito naquela pedra:
Creio no Pai, no Filho e no Espírito
Santo, um por natureza e verdadeiro Deus
o qual compreende a Trindade nas pessoas de tal maneira que mantenha sempre
a unidade na substância.
Creio que o Filho é igual ao Pai em tudo, a saber: na eternidade, em poder, em
vontade e na operação.
Confessio Fidei ad Heloissam, pp. 152-153 in BURNETT, C.F.S. ‘Confessio fidei ad Heloisam: Abelard’s Last Letter to Heloise? A Discussion and Critical Edition of the Latin and Medieval French
Versions’, Mittellateinisches Jahrbuch, 21, 1986, pp. 147–55.
180
Nec audio Arrium, qui peruerso ingenio
actus, immo demonico seductus spiritu,
gradus facit in Trinitate, Patrem maiorem,
Filium dogmatizans minorem, oblitus
legalis precepti: non ascendes, inquit lex,
per gradus ad altare meum. ad altare
quippe Dei per gradus ascendit, qui prius
et posterius in Trinitate ponit.
Spiritum etiam Sanctum Patri et Filio
consubstantialem et coaequalem per
omnia testor, utpote quem bonitatis nomine designari uolumina mea saepe declarant.
Damno Sabellium, qui eandem personam asserens Patris et Filii Patrem passum
autumauit; unde et Patripassiani dicti
sunt.
Credo etiam Filium Dei factum esse Filium hominis, unamque personam ex
duabus et in naturis duabus consistere;
qui post completam susceptae humanitatis
dispensationem, passus est et mortuus et
resurrexit et ascendit in caelum, uenturusque est iudicare uiuos et mortuos.
Assero etiam in baptismo uniuerse remitti delicta, gratiaque nos egere qua et
incipiamus bonum et perficiamus, lapsosque per paenitentiam reformari.
De carnis autem resurrectione quid
opus est dicere, cum frustra glorier me
Christianum si me non credidero resurrecturum?
Haec itaque est fides in qua sedeo, ex
qua spe contraho firmitatem.
In hac locatus salubriter latratus Scylla
non timeo, uertiginem Charybdis rideo,
mortiferos Sirenarum modulos non horresco.
Si irruat turbo, non quatior; si uenti
perflent, non moueor.
Fundatus enim sum supra firmam petram.
21
Não ouço a Ario, que, movido por um
engenho perverso, ou antes, seduzido por
um espírito demoníaco, introduz graus na
Trindade, dogmatizando [que] o Pai é
maior, [e] dogmatizando que o Filho é
menor, esquecido do preceito legal: Tu
não subirás – diz a Lei – através dos degraus do meu altar21. Sem dúvida, sobe ao
altar de Deus por degraus quem coloca um
antes e um depois na Trindade.
Também atesto que Espírito Santo é
consubstancial e igual ao Pai e ao Filho
através de todas as coisas, o qual as minhas obras muitas vezes afirmam ser
designado pelo nome de Bondade.
Condeno Sabélio, que, sustentando que
a pessoa do Pai é a mesma do Filho, afirma que o Pai sofreu a Paixão, donde
[aqueles que assim pensaram] foram chamados Patripassianos.
Creio também que o Filho de Deus se
tornou Filho do homem e que das duas
naturezas e nas duas naturezas subsiste
uma só pessoa, o qual, depois de uma
completa realização da humanidade assumida, sofreu, morreu e ressuscitou, e subiu
ao céu, e virá julgar os vivos e os mortos.
Afirmo também que todos os delitos
são remidos no baptismo; que temos
necessidade da graça pela qual iniciamos
e realizamos o bem e pela penitência os
lapsos são reformados.
Quanto à ressurreição da carne, que
devo dizer se, visto que em vão eu me
gloriaria como cristão se não acreditar que
hei-de ressuscitar?
Esta é, portanto, a fé na qual me apoio,
a partir da qual encontro firmeza com
esperança.
Sadiamente assentado nesta não temo
os latidos de Cila, rio-me das vertigens de
Caríbdis, não receio as melodias mortais
das sereias.
Se a tempestade se precipitar [sobre
mim], não me perturbo; se os ventos
soprarem, não me movo.
Estou, pois, assentado em pedra firme.
Êxodo 20, 26.
181