Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
PROJETO DE MESTRADO
Candidata: Larissa Luísa da Silva
RA: 00231144
Expectativa de Orientação: Amailton Magno Azevedo
São Paulo
2021
Larissa Luísa da Silva
“Entre a demonização e o Dono do marafo curador de Santíssimo - Exu,
personificação errônea do demônio encarnado na terra para uns, enquanto para
outros, o conforto de suas mazelas da vida terrestre.”
Umbanda sem Exu não existe,
A Umbanda sem Exu não há!
Ascenda uma vela preta e peça aos
Exus que eles vão lhe ajudar.
Ponto cantado durante as giras e trabalhos espirituais no Centro de Umbanda,
Guerreiros da Jurema.
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Apresentação
Quem é o Diabo? “Cada um cria seu Diabo particular e dá a ele o nome que
bem entender, e o melhor nome que poderia dar para o ‘seu’ Diabo particular é
EGO.” Quem é Exu? “Exu não é Diabo, mas conhece muito bem o tal do Dito-Cujo,
Cramulhão, Capiroto, Aquele que Você sabe Quem, Ardiloso, Coisa-Ruim, Coxo,
Desviado, Cão, Caído, Renegado, Chifre Pequeno, Chifrudo, Pé Pequeno, Rabudo,
Pé de Bode, Sete Pele, Belzebu, Endemoniado, Lúcifer, Satanás, Pai da Mentira, O
Cara lá de baixo, O Invejoso, O Tentador etc. Afinal, cada um dá o nome que quiser
para seu Diabo particular.” (inspiração da leitura feita do livro: Exu Não é Diabo –
Alexandre Cumino).
Na Umbanda, o universo do sagrado se transforma. No candomblé existe
uma linha bem tênue entre o bem e o mal, essa diferenciação se dá apenas aos
ritos, porém, não se aplicando ao cosmo religioso. Já na Umbanda, com essas
transformações torna-se os Orixás guardiões das legiões e falanges espirituais
sendo os mensageiros espirituais da luz divina. Entretanto, um caboclo como – Sete
Encruzilhadas e Pena Verde de linha direta com Orixá Oxóssi não poderá e não fará
quais quer que seja um ato “maléfico”, não por falta de conhecimento ou indiferença
para tais atos, apenas por conta da diferenciação do padrão vibratório e posição
espiritual em que os mesmos se encontram. O universo umbandista se divide em
dois: a Umbanda, domínios do bem; a Quimbanda, núcleo erroneamente nomeado
como ‘mal’. Assim tornando-se a Umbanda em magia branca, feita somente por
brancos e mestiços no qual ascenderam um pouco na sociedade brasileira em
oposição à Quimbanda, magia negra feita por negros e pelo ‘baixo espiritismo’.
Podemos afirmar que os Orixás da Umbanda são entidades brancas,
enquanto Exu seria a única entidade negra conservada ainda no seu passado e
traços da tradição africana. A religião é um espelho da sociedade, a sociedade é
espelho dos traços das mudanças globais. Exu representa tudo aquilo que seria
atrasado para essa nova sociedade moderna brasileira: sistema escravocrata,
negro, vagabundagem, vadiagem, bebedeira, euforia..., mas, Exu também é
necessário dentro da Umbanda, afinal quem faria o “trabalho sujo”? Quem mais
entraria nas profundezas da Terra e saberia como é o tal Dito-Cujo? Umbanda sem
Exu não existe, Umbanda sem Exu não há. Contudo, diminuir e descartar ao ponto
de eliminar o mal e a figura do Exu reduziu-se, a desfazer-se dos antigos valores
afro-brasileiros, para melhor integrar na sociedade de classes. Exu não é do bem, ou
do mal, Exu trabalha sob as Leis Maiores do Universo; Exu trabalha nas Leis do
Retorno e do Karma; Exu não é Isso ou Aquilo; Exu apenas É.
Outra dimensão errônea que se dá a Exu é a associação da ideia de morte,
herança que alguns estudiosos umbandistas digiram que é de Legba. Nenhum fiel,
em sã consciência iria pedir para uma entidade de luz a morte de uma pessoa, tendo
em vista podendo ser até punido por um ato como este, logo, vai em busca de outra
entidade, vai em busca de Exu, por ele – supostamente fazer tudo e qualquer coisa
mediante certas oferendas e donativos para realizar o ato pedido. Essa vizinhança
com a morte que Exu traria não se reduz às práticas de demanda; Exu, além de
carregar a qualidade de matador, representa simbolicamente a divisão das trevas.
Ele foi o fundamento teórico e culpado perfeito dos crimes e mazelas que se
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realizam na face da terra. Basta-se recorrer os periódicos para perceber até que
ponto esse deus africano se associa à ideia de criminalidade.
É com base nessas matérias mal intencionadas e iniciação do Primeiro
Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda, em 1949, a Primeira Federação
Espírita de Umbanda do Brasil (FEUB), criada por determinação do Caboclo das
Sete Encruzilhadas, cavalo1 de Zélio Fernandino de Moraes, mais conhecido como
pai da Umbanda, em 1908 com 18 anos incorporado no seu caboclo em um centro
kardecista, já citado, anunciou a chegada de uma nova religião afro-brasileira. Hoje
denominada União Espirita de Umbanda do Brasil (UEUB) cria o Jornal de
Umbanda, de publicação mensal destinada a divulgação em massa da religião e sua
doutrina e junto dele a coluna ‘O Que Os Outros Dizem sobre Nós - Mais Critérios e
Menos Sensacionalismo escrito por Lourenço Velho para desmentir e desmistificar,
as publicações feitas em outros jornais e responder perguntas enviadas para o jornal
sobre a nova religião. Como o foco principal da minha pesquisa é a demonização do
Exu, ao ler e analisar em especial essa fonte, é perceptível a sútil, mas bem
presente, as tentativas de desmistificar a entidade Exu na Umbanda em outras
matérias para sanar a dúvida dos leitores/curiosos e praticantes da religião afrobrasileira. Toda via, o que chama mais atenção é Aluizio Fontenelle ser um escritor
bastante presente no periódico, quase sempre fazendo uma partição escrita nas
matérias sobre Umbanda – sua maior área, o Espiritismo e Candomblé, mas o que
muda, é a forma que ele se refere a Exu e a Quimbanda brasileira; uma dessas seria
a forma em que o autor intelectual umbandista colocou os Exus no patamar de
demônios. Enquanto temos finalmente um Orgão Doutrinário de Espiritismo de
Umbanda em forma de periódico, tentando colocar foco e quebrar alguns tabus que
envolvem o Exu, mesmo com todas as críticas do pensamento de: uma Umbanda
Pura e Branca, não trabalha com exu e quimbanda ligada ao PCBdoEdeU (Primeiro
Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda), teremos um autor – Fontenelle,
que dentro da própria religião pregará a demonização do Exu.
É preciso deixar bem claro que a demonização e o misticismo envolvente na
dualidade da entidade Exu vêm bem antes da criação propriamente dita da Religião
Umbanda e do periódico umbandista usado como fonte-objeto. Porém, irei focar a
partir do ano 1952 com o Jornal de Umbanda: Orgão Noticioso e Doutrinario da
União Espiritista de Umbanda (RJ), até a aparição televisiva do Seu Sete Lira em
1971. O periódico de Umbanda marca a Terceira Onda de Umbandista (1945 a
1979) onde Alexandre Cumino2 chamará de Expansão Vertiginosa e Global.
Essa terceira onda marca o que eu vou chamar de expansão
vertiginosa da Umbanda, que tem início em 1945, com o fim dos 15 anos de
Ditadura Vargas, termino da Segunda Guerra Mundial, retorno à política
eleitoral e a produção da Lei de Liberdade Religiosa. Esta foi a conquista
fundamental para as religiões afro-brasileiras em geral a Umbanda em
específico. É o período de maior expansão umbandista de todos os tempos,
1.
Termo usado pelos médiuns de Umbanda que trabalham e incorporam as entidades/guias na
religião. No espiritismo o termo é: aparelho.
2 . Cumino, Alexandre. História da Umbanda: Uma religião Brasileira. São Paulo: Madras Editora,
2009.
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conquistando expressão na mídia, representação política e reconhecimento
público. (Cumino, Alexandre. op. cit., p. 152)
O recorte temporal está atrelado ao interesse de compreender a
historicização da demonização e o pré-conceito envolvente na entidade Exu na
Umbanda. E como uma mulher médium umbandista desconhecida no Brasil,
passou-se a ser A Médium de Umbanda mais conhecida por estar incorporada em
rede nacional ao vivo nos anos de chumbo da nossa História, passando a
mensagem do Guardião mais conhecido do século XX; Exu Seu Sete
Encruzilhadas Rei da Lira.
No período inicial de formação social da identidade e legitimação da
Umbanda como Religião, Renato Ortiz identifica dois processos – no me ver, são
primordiais para o entendimento da linha de pesquisa desse projeto, são eles:
embranquecimento das tradições afro-brasileiras e o “empretecimento” de uma
parcela do kardecismo até então desconhecido. Pode-se entender esse tal
embranquecimento deu pela via das “macumbas cariocas”, não no termo pejorativo
da palavra usada neste projeto, mas sim aquelas que se tornaram “umbandas” com
sua anunciação feita dentro de um centro espírita Kardecista, ou aquela boa parcela
dos mesmos umbandistas reunidos em 1941 no PCBdoEdeU onde renegava a
influência afro na religião por meio dos pensamentos modernistas, cientificistas e
evolucionistas da época, buscando explicações da mediunidade e da palavra
‘umbanda’ em outros continentes como por exemplo – Lemúria; e pelo
“empretecimento” fica visível o grande número de dissidentes e praticantes
kardecistas somados a uma parcela intelectual dentro da umbanda.
Nossa sociedade passava a viver do capitalismo proletário e em uma
realidade industrial, surgimento de classes sociais, intermediárias, gente simples e
criadas no caldo cultural das três raças (indígenas, brancos europeus e negros
africanos). A dificuldade em lidar com religiões intelectualizadas, como as cristãs que
na época rezavam suas missas todas em Latim, com o padre de costas ao púbico e
de frente ao altar, e o próprio kardecismo (em sua origem também é europeu
elitista), impelia ainda mais a população buscar orientações espirituais nos terreiros.
A razão que se impera da grande simpatia do povo pelas entidades de Umbanda é
por elas falarem a linguagem do povo! Os espíritos que se apresentam como
simples ex-escravos ou índios, sempre se colocando e uma posição de humildade,
dando exemplos do dia a dia aos adeptos. Além disso, colocavam e ainda colocam
os consulentes em uma posição agradável para falar de suas mais complicadas
mazelas da vida, questões mais triviais das quais os simpatizantes não se sentiriam
a vontade de expor a um padre ou bispo durante a confissão, em razão de
acabarem se sentindo diminuídos ou acanhados com a formação e postura dos
mesmo para os fiéis.
As campanhas contra o culto afro-brasileiro e similares passaram a fazer uma
grossa distinção entre “alto” e “baixo” espiritismo em 1936. O “alto Espiritismo” Espiritismo Kardecista, branco, cristão, cultivado por pessoas de classes médias e
superiores já davam passos firmes e seguros no sentido de sua completa
legitimação, sob os rótulos de “falsos”, “supostos” ou “baixo” Espiritismo, onde se
agrupavam os cultos de raízes africanas – as macumbas, os canjerês e os
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candomblés cultivados por negros, mulatos e mesmo brancos das classes
subalternas, objeto de intensa repressão.3
Com o registro em cartório da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, de
Zélio de Moraes em 1940, abriu-se caminhos para a legalização das outras Tendas
de Umbanda Cariocas. Os então templos de Umbanda, colocavam-se sob a
“proteção” do adjetivo “Espírita”, pelo fato do Espiritismo estar em alta e ser mais
“aceito” pelos políticos e gozar de uma certa proteção governamental. Para ser mais
exata, o “Alto Espiritismo” não era alvo das Campanhas Policiais Institucionalizadas
Contra o Baixo Espiritismo. Isso acaba deixando marcas profundas nas raízes
umbandistas do Rio de Janeiro, há relatos que mostram as heranças, marcas e
patologias ferrenhas que a religião sofreu durante esse período. Então, para os
primeiros grupos de Umbanda entre os anos 1908 – 1945, seria naturalizado como
uma modalidade de Espiritismo já que muitos dirigentes espirituais eram do
Espiritismo Kardecista e agora estavam atuando no “Espiritismo Umbandista”.
Assim como no âmbito Nacional, a Umbanda também buscava seu lugar ao
sol – uma busca ferrenha por legitimidade e identidade umbandista. O conceito de
sujeito sociológico que Stuart Hall cita em sua obra identidade na pós-modernidade
coloca em xeque essas questões; sujeitos sociológicos (umbandistas), que estão
inseridos em uma sociedade moderna complexa de novas classes sociais
emergentes (Brasil) onde a consciência de que este núcleo interior do sujeito não
era autônomo e autossuficiente, mas era formado na relação com "outras pessoas
importantes para ele", que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos a cultura - dos mundos que ele/ela habitava. G.H. lVIead, C.H. Cooleye os
interacionistas simbólicos são as figuras-chave na sociologia que elaboraram esta
concepção usada como: "interativa" da identidade e do eu. De acordo com essa
visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da questão, a identidade é
formada na "interação" entre o eu e a sociedade em que está inserido(a). O sujeito
(umbandista) ainda tem um núcleo ou essência interior que é o "eu real", mas este é
formado e modificado num diálogo contínuo e diário com os mundos culturais
"exteriores" e as identidades que esses mundos oferecem.
A identidade umbandista e a brasilidade – Identidade Nacional, nessa
concepção sociológica, preenche o espaço entre o "'interior" e o "exterior" - entre o
mundo pessoal (o que é ser umbandista?) e o mundo público (o que é ser
brasileiro?). O fato é que projetamos esse “peso” a "nós próprios" nessas
identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e
valores, tornando-os "parte de nós", contribuindo para alinhar nossos sentimentos
subjetivos com os lugares também objetivos que ocupamos no mundo social e
cultural. A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, "sutura"
como cita Hall) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos
culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e
predizíveis.
3
. NEGRÃO, Lísias Nogueira. Entre a cruz e a encruzilhada. São Paulo: Edusp, 1996.
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Essa busca por legitimidade, nacionalidade e identidade levou o Estado olhar
a religião afro-brasileira com outros olhos. A segunda onda umbandista entre os
anos 1929 à 1944 foi de encontro com a Era Varguista – Estado Novo, curiosamente
com a legitimação da religião (de seita para uma religião) e a busca por uma
identidade nacional. Ser brasileiro era ser também Umbandista, o Estado deu esse
suposto “suporte” a religião. Sim, suposto, porquê com a Republica o país passou a
ser laico, no entanto, a intolerância foi institucionalizada, as leis favoreciam a
perseguição e a intolerância religiosa de forma oficial. Por muito tempo os cultos
afro-brasileiros haveriam que esconder-se muito bem, convivendo com prisões e
bruscas invasões ao seu espaço sagrado.
No campo religioso de todo Brasil, os cultos afro-brasileiros tiveram a primazia
talvez, a exclusividade, também da ira do Estado Novo, ainda em nome do combate
ao arcaísmo e a ignorância. Em 1931 no Rio de Janeiro, a notícia publicada no jornal
O Estado de São Paulo, informara a reforma na polícia com a criação da Inspetoria
de Entorpecentes e Mistificações, a qual se dedicara à “repressão do uso de
tóxicos e da prática de magias e sortilégios”. Por disposição da recém-criada
inspetoria estatal, ficavam proibidas em todo o Distrito Federal as práticas de:
[...]
macumbas,
candomblés,
feitiçaria,
cartomancia,
necromancia, quiromancia e congêneres, excetuando-se as
experiencias de telepatia, sugestão, ilusionismo e equivalentes,
realizados em espetáculos públicos vigiados pela polícia.
Verifica-se que o Espiritismo, criminalizado no Primeiro Código
Peal Republicano, não mais está incluído no prol das proibições
que, contudo, se referem especificamente à Macumba Carioca e
o Candomblé.
Essa incansável busca por uma legitimação “Espírita Umbandista” encontrou
no Primeira Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda, uma força intelectual
que conquistou entre trancos e barrancos uma legitimação; o que foi fundamental
para a religião. Independentemente do quão se possa pensar nos dias de hoje sobre
essa identidade criada no início da década de 1940, tenhamos a compreensão de
entender que essas foram as necessidades exigidas pelo contexto social,
econômico, político e cultural qual a mesma estava nascendo. Para muitos
pesquisadores das ciências humanas, a Umbanda nasce nesse período; na visão de
deles ela passa de seita, coisa restrita a um pequeno grupo insatisfeito com o
Kardecismo e o Catolicismo, a então uma religião aberta para todos que queiram
ingressar em sua filosofia e doutrina, agora, já bem construída e apresentada ao
público em geral com o I Congresso, além das práticas mais restritas ao ambiente de
terreiro só para os iniciados.
A própria demonização do Exu dentro da Umbanda começa nesta época, com
Aluizio Fontenelle, autor umbandista que produziu materiais e comparações onde
Exu seria a personificação do “Diabo” Cristão, um “demônio” e outras forças e
conceitos totalmente negativos. O mesmo umbandista da década de 1950, tem uma
parcela de responsabilidade pelo que podemos chamar de; demonização de Exu
realizada dentro da Umbanda, além do fator cultural. Não tem uma concretude entre
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os próprios umbandistas sobre a data exata dos seus livros, porém outro autor
umbandista das ciências humanas ajuda nessas questões.
Não sabemos a data exata de publicações de seus títulos. Na capa dos três
livro que tive acesso há uma foto do autor autografada com data de 1951, e
aparece também sua data de morte, em 1952. Faço crer que as primeiras
edições desses títulos ocorreram no final da década de 1940 ou mais tardar
em 1950, pois caso contrário não daria tempo de fazer comentário de um
título já publicado em outro ainda por editar, o que verificamos no título Exu,
ao qual temos acesso à sua segunda edição, com data de 1954. (Cumino,
Alexandre. Exu Não é Diabo, p.107).
Aluizio Fontenelle, ainda muito influenciado pelo Primeiro Congresso
Umbandista, sobre uma umbanda pura de nascença, branca e com mínimos de
influências africanas na Umbanda tem uma postura bem crítica e dura na sua forma
de expressar a religião (filho do seu tempo). Ele apresenta influências diversas com
ênfase para Hinduísmo, Teosofia, Cabala, Goécia e Alta Magia da Europeia. Sua
busca por uma “Umbanda Esotérica e Iniciada” o levou, assim como outros autores
que foram na mesma linha de raciocínio e pesquisa, a buscar o “suprassumo” da
Umbanda em outras religiões já conhecidas pelo mundo dos homens. Se por um
lado suas intenções eram boas, ao tentar elevar o padrão intelectual da religião, por
outro, o tiro acabou saindo pela culatra. Por esse viés se deu o início a uma
demonização desenfreada do Exu dentro e fora dos terreiros, seja ele Guardião
como é conhecido na Umbanda, ou até mesmo como Orixá Exu no Candomblé e
Umbanda Mista/Trançada/Omolocô. Não irei pesquisar em outras religiões afrobrasileiras (Candomblé) o Orixá Exu, são dois assuntos totalmente distintos, não
cabe a mim ou a este trabalho aprofundar as questões do Orixá e sim, a dualidade e
o misticismo em torno da entidade masculina umbandista Exu, sempre historicizando
e dando luz aos principais agentes históricos pesquisados.
Como se não bastasse a demonização dentro da própria religião, o autor
atribuiu aos tão conhecidos nomes de Exus, em suas populares falanges, nomes tão
ou mais conhecidos na goécia (“a magia negra” europeia), sendo o primeiro autor
umbandista relacionar nomes de Exus na Umbanda com nomes de “magia
negativa”. Serviu de inspiração e copiado por parte de outros autores que adotaram
esse sincretismo religioso entre Umbanda, Quimbanda (a parte da esquerda que os
exus trabalham na umbanda) e Goética. Não podemos negar o fato, há também
contribuições positivas e negativas por parte de qualquer autor quando se escreve
sobre algo, no entanto, a partir do momento em que ‘colocamos mais lenha na
fogueira’ e alimentamos essa demonização por parte dos Exus Guardiões como
“demônios” ou “pretensos demônios da Goécia”, no seu sentido popular de ser, nós
mesmo estamos dando lenha de graça para aquecer ainda mais a fogueira da
discriminação e do preconceito. Os espíritos guardiões - Exus, ainda são como os
outros mentores que se manifestam nas religiões brasileiras, são seres mal
compreendidos e até reinventados segundo a compreensão, o alcance, a fé e a
convivência da maior parte daqueles que se ligam a essa forma de se comunicar
com um mundo tão próximo ao nosso, tão necessário e, ao mesmo tempo, tão
distante dos vários modos comportamentais de nós, seres humanos.
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Além das mazelas, conselhos e coisas triviais conversadas durante uma
consulta/gira de umbanda, muito se pedia por saúde e curas onde a medicina já não
alcançava. A saúde pública no Estado Brasileiro e mais precisamente, no Rio de
Janeiro nos anos em que se passa a pesquisa – 1952 a 1971 não era para todas as
classes sociais, tempos complicados e dolorosos para quem buscava na medicina
uma cura, ou repostas para suas doenças físicas (até mentais).
Nos primeiros anos da década de 1950, a Tenda dos Filhos da Cabocla
Jurema em Cavalcanti não parava de crescer, o Exu Curador tinha seu nome
correndo de terreiro em terreiro. A Festa de Santo Antônio realizada pelo o terreiro
de Cacilda movimentara o meio umbandista do Rio de Janeiro e fora do Estado, a
mesma já era realizada desde a primeira Tenda, lá em Cascadura. Numa das
ocasiões, a busca por um local maior para os festejos o espaço escolhido foi um
sítio não muito distante da cidade de Guanabara, pertencente à família de um
consulente do Centro, Sr. Pedro. O local era bem cru, não havia luz elétrica, só
contava com poço artesiano como fonte de água e o local oferecido residia em uma
região que mais tarde se chamaria de Santíssimo. Todos se movimentaram para os
festejos no dia, contudo, ao decorrer da madrugada o dono do sítio ficou preocupado
com a demora do encerramento, poucos sabiam, mas ele queria vender o local por
estar dando mais gasto do que lucro. O Exu Seu Sete Encruzilhadas, sabendo de tal
fato disse-lhe que iria comprar esse sítio. Semanas depois da festa, o filho de
sangue (Evair) da Mãe Cacilda ganhou um pequeno papel com números da pombagira de sua mãe que o aconselhou a jogar na loteria, sem dar muita importância
guardou no bolso e no dia seguinte jogou despretensiosamente, alguns dias depois
todos os números foram sorteados e deu uma grande parte a sua mãe, o suficiente
que ela adquirisse o tão desejado sítio do Seu Sete. O sítio adquirido precisava
urgentemente de reformas para que se iniciasse os trabalhos em Santíssimo, depois
de muita reforma e ajuda dos filhos, amigos e simpatizantes da Tenda a nova
estrutura estava pronta, foi dentro dessa nova estrutura que pediram para o Exu
riscar um ponto, e Seu Sete Encruzilhadas desenhou uma Lira colocando dentro
dela um número “7”. Alguém que estava presente, teve a grande e feliz ideia de um
novo apelido para a entidade. Esse apelido era justamente “Seu Sete da Lira”, o Exu
que muito gostava de música e fazia suas curas ao som delas agradou-se e passou
a adotá-lo com muito gosto. Seu nome, Sete Encruzilhadas, por vontade própria caiu
em desuso, afirmou-se assim um novo nome: Sete da Lira. O trabalho do Seu Sete
da Lira poderia ser consolidado, inclusive suas marcas: “Lira” e “Mesa de Cura do
Seu Sete da Lira”; foi dentro dela que o Exu se consagrou como o Grande Curador
de massas, e muitas pessoas, do anonimato a celebridades, ali passaram a se
currar.
Influenciados pela Terceira Onda Umbandista (1945-1979), em 1961 com o
Segundo Congresso Brasileiro de Umbanda, se concluiu que a Umbanda é uma
religião brasileira e que a palavra umbanda veio da língua quimbundo, assim como
as palavras zambi e cambone. Vale ressaltar já a diferença do Primeiro Congresso
para o Segundo só pelo nome; enquanto no primeiro congresso queriam e negaram
a todo custo a influência da África na religião e a adoção do nome espírita, isso não
ocorreu no segundo congresso. O II Congresso ressalvara a grande influência do
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Continente Africano e dos negros na Umbanda, separaram Umbanda e Espiritismo
de vez, assim como o nome e enraizaram ainda mais a doutrina umbandista. Sendo
ainda filhos do seu tempo, esses umbandistas deram um grande passo ao dizer ‘não
existe uma só umbanda, e sim várias umbandas, o que existe de único é a nossa
doutrina que se baseia em amor, caridade e fé!’, esses homens e agora mulheres
estudiosas(os) da religião deram um foco maior nas características regionais
decorrentes da presença de cultos e culturas locais que absorveram ou foram
absorvidos pela Umbanda. Assim que a mesma passou a legitimar-se, entre as
décadas de 1940 e 1960, época em que aparece no censo, muitos outros
seguimentos passaram-se a identificar com a Religião.
No final dos anos 1960 e início dos anos 1970, estava muito claro à Mãe
Cacilda e os amigos do terreiro do Sítio de Santíssimo no Estado do Rio de Janeiro
que estavam fazendo história. Nunca na história da Umbanda, havia se ganhado
tanta dimensão e visibilidade pública. Logo, naquele passo, houve também como
consequência a procura maior pela casa de fé e nesse ritmo só aumentaria
inevitavelmente. Havendo maior fluxo de pessoas, havia também a necessidade de
melhoramentos básicos na estruturação do bairro de Santíssimo como: sinalização,
asfaltamento, calçamento, escoamento e esgoto pluvial para melhorar os aspectos
em torno do terreiro de Santíssimo e facilitar o acesso tal qual era o fluxo de
pessoas que visitavam o terreio em busca das curas. Jornais locais começaram a
questionar e fazer matérias cobrando o Estado para melhorias na estrada que
devido às fortes chuvas que castigavam a região, tinha a somatória do fluxo
constante de pessoas em busca da Lira Sagrada, somado ao clima sempre úmido
da região, só piorava a passos largos. Pós constantes cobranças houve os
melhoramentos nas estradas que ligavam o Bairro de Santíssimo ao terreiro de
umbanda da Mãe Cacilda de Assis; não só isso, houve também o desenvolvimento
de comércios locais e o desenvolvimento do bairro em si.
Jornalistas compareciam constantemente ao sítio de Santíssimo para
responder as questões: ‘como ele faz essas curas?’, ‘como essa mulher bebe tanto
álcool e não sente absolutamente nada?’, ‘ele canta, bebe, fuma e faz cura
mesmo?’, entre outras. Pessoas nacionais e internacionais chegaram a ir e
frequentar a Mesa de Cura e esses mesmos jornalistas tentavam entender o poder
desse fenômeno. Muitos saiam de lá encantados com a cura, o clima harmônico
entre as pessoas e com matérias incríveis e devotas onde ressaltavam puramente a
fé das pessoas que ali iam. Em contra mão tinha outros que nem tanto, muitos
também saiam de lá com matérias ofensivas, arrogantes, mentirosas e pretenciosas
como mostra as fontes jornalísticas levantadas por Cristian Siqueira em sua obra ‘O
Fenômeno Seu Sete da Lira – Cacilda de Assis, a médium que parou o Brasil’. Já no
rádio, sendo a grande mídia da época em termos de alcance público, Seu Sete tinha
seu lugar reservado com músicas gravadas em sua homenagem e no programa
diário por onde Cacilda de Assis passava sua mensagem de amor e fé aos fiéis. No
âmbito televisivo tinha a figura querida do povo que estava em ascensão, o
apresentador Silvio Santos (a promessa da televisão brasileira), em seu programa –
Show do Silvio, exibido semanalmente na TV Globo em São Paulo; Silvio Santos
ouvia com frequência o nome do Exu de Santíssimo por meio de artistas e ver
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menções ao seu nome em jornais e revistas famosas. Tal assédio não era bem-visto
pela Mãe Cacilda, a possibilidade de uma presença do Seu Sete nos estúdios do
programa, era totalmente descartada, a mesma proibiu quaisquer filhos de sangue
ou de santo que fosse ir ao programa representá-la ou o Exu. Seguindo a
programação normal do programa Silvio Santos convidou pessoas no meio religioso
e não dele também ao seu programa para falarem do seu Sete da Lira, o programa
repercutiu de maneira muito negativa no meio umbandista carioca em 1971. No
mesmo dia, algumas pessoas ligadas a Umbanda do Rio de Janeiro se dirigiram a
sede do Centro em Santíssimo para esclarecer o mal-estar que se instalou na
comunidade umbandistas e o próprio apresentador entrou em contado com a
direção do terreiro, educadamente pediu desculpas sobre o ocorrido.
Se seguindo o calendário do Centro quarta-feira haveria trabalhos com a
Cabocla Jurema e do Seu Sete da Lira seria apenas no sábado, porém houve uma
agitação na área externa que chamou atenção dos filhos da Tenda; era jornalistas
que queriam falar com “O Homem”, de início pensaram que eram jornalistas
enviados pelo Silvio Santos, no entanto, eram jornalistas e o próprio Flávio
Cavalcanti. Com autorização da Cabocla Jurema Seu Sete baixou na médium para
conversar pessoalmente com Flávio, e ali foi decidido, ele iria ao programa no
próximo domingo – 29 de agosto de 1971 para passar sua mensagem de amor e fé
sem intermediários. A presença combinada houve uma grande divulgação pelos
meios de comunicação local e até mesmo fora do Estado, essa mesma divulgação
chegou aos ouvidos Abelardo Barbosa; ninguém menos que o próprio Chacrinha.
Chacrinha o maior apresentador dos anos 70 no Brasil tinha como
concorrente direto, Flávio Cavalcanti (TV-TUPI RJ), Abelardo Barbosa era um
frequentador da Lira por conta de seu filho que andara muito doente na época,
mesmo sendo católico abertamente nunca duvidara das curas feitas no local. Ele
ligou para o centro e falou com a filha de sangue da Mãe Cacilda – Luiza, o mesmo
pediu também a presença do Exu em seu programa, sem muitas delongas a filha da
Mãe Cacilda aceitou o convite e ao contrário doque estava sendo feito no programa
de Flávio Cavalcanti, a ida do Seu Sete do programa do Chacrinha (A Hora da
Buzina na TV-GLOBO RJ) não foi divulgado.
No sábado 28 de agosto de 1971, um dia antes da apresentação houve
trabalhos de cura normalmente em Santíssimo, já no dia seguinte estava uma
grande agitação no sítio de Santíssimo para saída do Seu Sete até os estúdios da
TV Tupi. Ao chegar nos estúdios com seu marafo 4 e charuto, Cavalcanti atrasou sua
entrada por puro ibope, porém, o Exu cansado de esperar entrou com sua comitiva
de filhos de santos mais fieis, a plateia foi ao delírio. O estúdio estava lotado, depois
de passar sua mensagem de fé e esperança ele se retirou e foi ao encontro de
Chacrinha em seu programa, passando pelo Jardim Botânico onde se localizava os
estúdios da emissora concorrente. Mais uma vez uma outra plateia foi ao delírio
quando viu Seu Sete Encruzilhadas Rei da Lira no palco, Chacrinha, chocado tanto
com a presença repentina do Exu, quanto os efeitos que ele causava ao chegar.
4.
Bebida tomada pelos Exus, podendo ser pingas, aguardentes e até água. Isso varia muito de cada
guardião que está em terra trabalhando com seu cavalo.
11
Chacrinha assumiu sua postura de respeito, tirou sua cartola e cumprimentou Seu
Sete da Lira. Atabaques eram tocados enquanto os Filhos de Santo da Lira
cantavam os pontos do Seu Sete, da mesma forma que ocorreu no outro programa
horas atrás, algumas pessoas falavam no microfone dando testemunho das graças
alcançadas pela mesa de cura. Depois de muito cantar e vibrar Seu Sete pediu
silêncio para rezarem em oração ao filho de Chacrinha, José Renato Barbosa de
Medeiros – conhecido como Nonato Barbosa que estava no hospitalizado devido um
acidente grave. Assim que acabou a reza, Chacrinha ainda muito fragilizado depois
de chorar copiosamente agradece a presença da família espiritual, deixava ao vivo
um testemunho de fé e confiança que foi registrado pelas câmeras do programa.
Mãe Cacilda de Assis foi inquestionavelmente uma das maiores médiuns de
Umbanda em todos os tempos, conhecida até mundialmente, pelas inquestionáveis
giras com o Exu Sete da Lira e sua mesa de cura, que marcou época e mostrou o
poder das religiões afro-brasileiras. Pela sua popularidade e das curas, bastou
apenas duas aparições em programas televisivos da entidade de luz tão polêmica
como um Exu para movimentar todo o país. A fama do Seu Sete Rei da Lira que
baixava em seu cavalo, Mãe Cacilda começou a crescer rapidamente devido às
características inusitadas de suas giras em Santíssimo. Em suas giras de trabalho
de cura, tocavam todos os tipos de músicas a serem cantadas por todos ali, além da
impressionante ingestão de litros e mais litros de marafo e da roupa ritualística
bordada em veludo preto, combinada com botas, capas e cartola. Incorporada pelo
Exu Seu Sete da Lira, Cacilda transformou os programas de Flávio Cavalcanti e do
Chacrinha em um ritual de Quimbanda Brasileira.
Afinal, é através da religião que podemos entender os outros aspectos de
formação cultural, como cada grupo social enxerga o mundo. As problemáticas
centrais que norteiam essa pesquisa giram em torno de inquietações pessoais
relacionadas a demonização da entidade de Umbanda, Exu, e a entidade Seu Sete
Rei da Lira, sendo um contraponto a demonização feita encima das entidades
masculinas de quimbanda; com o interesse de promover uma discussão em cerca
do preconceito criado historicamente, traçando de onde vem esse pensamento e
contextualizar o recorte histórico em que se passa a pesquisa, pensando no
contexto do qual a Umbanda está inserida no presente momento do recorte (19521971). Analisar as constantes disputas de fieis entre as religiões e pensar também
nesse preconceito europeu branco que ainda está infelizmente enraizado em nossa
sociedade brasileira.
Toda religião é um produto histórico, culturalmente condicionado pelo
contexto e, por sua vez, capaz de condicionar o próprio contexto em que se
opera. (MASSENZIO, Marcello. A História das Religiões na Cultura Moderna).
Este trabalho de pesquisa não tem o intuito de questionar a veracidade ou
não dos acontecimentos que ocorreram naquele dia quando Cacilda de Assis
incorporada com o Exu foi aos programas, mas o que não se é questionável é um
exu como Seu Sete Encruzilhada Rei da Lira foi contra tudo e contra todos que
diziam “exu só faz o mal”, “exu é demônio” e contramão há tudo aquilo que Aluizio
Fontenelle deixou em sua obra - Exu. Seu Sete chegou até participar de desfiles de
carnaval e tendo um bloco de rua chamado ‘amigos da Lira’ antes da aparição
12
televisiva. Sua história com a Lira de cura acontecia aos sábados juntando milhares
de pessoas em busca de um prol maior ‘milagres de curas que a medicina já se
dava por vencida’, chegando até varar a noite nos trabalhos de caridade sem cobrar
nenhum tostão pelas curas alcançadas dos presentes e em alguns casos de não
presentes.
Justificativa
O Brasil atualmente é um país laico, o catolicismo deixa de ser a religião
oficial na virada do século XIX para o século XX, já no governo republicano. A
liberdade religiosa começa a ganhar forma aí, porém, por mais que o cristianismo
não fosse mais a religião oficial grande parte dos brasileiros ainda são (até hoje)
católicos. Isso reflete e mostra bastante a força que o catolicismo tem dentro de uma
sociedade como o Brasil.
Por conta dessa formação heterogênica outras religiões foram surgindo como
por exemplo: religiões de matrizes africanas que foram originalmente organizadas
por povos africanos escravizados. O candomblé e a umbanda foram organizados de
forma sincrética, já que ainda a religião Oficial do Estado era o Catolicismo Romano
antes da laicidade. Essas religiões estão interligadas diretamente com o processo de
formação da cultura brasileira, vale ressaltar também que dentro da própria
sociedade é possível visualizar diversas diferenças no componente cultural,
juntamente com as religiões de matriz africana.
Sabe-se que o Brasil nem sempre foi um país laico, essa laicidade deu por
conta de algumas batalhas onde nem sempre foram amistosas e pacificas. Qualquer
religião que não fosse o Catolicismo Romano no fim do século XIX e início do XX era
cruelmente perseguido pelo Estado. Mesmo depois da laicidade estatal as religiões
afro-brasileiras são alvos de ataques de cunho preconceituosos – no caso específico
da Umbanda com sua formação já no início do século XX com a laicidade do Estado
era a polícia que os perseguiam. Grande parte da sociedade brasileira e o próprio
Estado tem uma gama de preconceito relacionados aos cultos e ritos que acontecem
dentro e fora das religiões afro-brasileira, são interpretações equivocadas que dão
as religiões de matriz afro-brasileira como; citar em cultos evangélicos e até mesmo
católicos (missa) que isso faz parte de rituais satânicos e de magia negra da pior
espécie. São vários os agentes sociais que contribuem para a discriminação e
demonização das religiões citadas, isso leva a desvalorização dessas práticas
religiosas riquíssimas de conhecimento e que estão vinculadas de forma intrínseca
com a nossa base de formação cultural. Por ser assumidamente de peito aberto uma
praticante de uma religião afro-brasileira, nós ainda sofremos muito com a
intolerância religiosa, muito já foi conquistado – isso eu mesma não posso negar –
ao decorrer dos anos de formação, como o direto à liberdade religiosa que garante
(nem sempre, infelizmente) o maior diálogo entre as outras religiões e sua
diversidade. Ainda se tem muito a percorrer dentro do quesito de legitimação por
mais que já se tenha “em mãos” essa conquista constitucionalmente adquirida
dentro da nossa comunidade.
A Umbanda é uma religião genuinamente brasileira (diferente do Candomblé),
ela é uma mistura do Catolicismo Romano (por conta das imagens de santos
13
católicos no altar de uma tenda ou casa de caboclo umbandista durante uma
gira/trabalho espiritual), o kardecismo (Espírita na linha do irmão de fé Allan Kardec),
algumas práticas religiosas indígenas e, por fim o Candomblé vindo de África dentro
dos navios negreiros. A Umbanda também já nasce no seio do processo de
branqueamento em relação das conhecidas características africanas. Atravessando
as barreiras do preconceito e da intolerância religiosa o grande destaque para a
umbanda e o candomblé que conseguiram quebrar as barreiras das fronteiras para
chegar até Cuba (como no caso do Candomblé) e no caso da Umbanda onde
chegou-se a ter relatos em outros países da América do Sul (como Argentina). No
mesmo seio do processo do branqueamento, sua essência de formação é
primordialmente uma religião afro-brasileira e africana, tem também o nascimento de
uma religião com a proposta de ser para todos sem discriminação de raça ou cor de
pele em pleno século XX, mesmo sendo uma religião nova e seus adeptos também
trazem consigo o projeto de ser uma religião universal sem o preconceito de classe
social. Por mais que seja uma religião brasileira ela não é adotada por ou pela
maioria da população brasileira, por talvez ser uma religião bastante jovem e ter
menos de um século de existência (talvez também por ser tão jovem perto das
outras religiões ditamente tradicionais ela acaba sendo a mais jovial). A criação e o
continuidade dessas religiões de matrizes africanas são também uma das diversas
formas de resistência!
Importante ressaltar a falta de conhecimento reais sobre essas religiões, isso
acaba arretando infelizmente no processo de preconceitos e injúrias que são
frequentemente disparadas, atacadas e feitas aos seus praticantes. Uma das Igrejas
que mais atacam as religiões de matrizes africanas atualmente é a Igreja Universal
do Reino de Deus – IURD, levando seus fiéis a terem um discurso de ódio, repúdio
que leva até atacar (as vezes no sentido literal da palavra) olhares tortos aqueles
que são adeptos as religiões afro-brasileira. Um dos casos mais conhecidos, se não
o mais conhecido até internacionalmente, é o caso da Iyalorixá Gildásia dos Santos
Santos (Mãe Gilda) da Bahia contra a IURD que usou suas fotos sem
consentimento, difamando sua imagem levando-a infelizmente ao seu falecimento e
tendo como maior conquista do caso ser a sanção da Lei N°11,635 de 27 de
dezembro de 2007. Por ainda haver tanta carga de injurias e preconceitos em cima
daqueles que sua religião seja de matriz africana, acabam se escondendo,
ocultando, mascarando dentro do catolicismo ou dentro do kardecismo, ainda o mais
“aceito” na sociedade – do que o Candomblé ou a própria Umbanda.
Depois da Lei nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007 sancionada pelo então
presidente da época Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi possível unir, transparecer e
sair do anonimato os crimes cometidos contra qualquer tipo de religião de matrizes
de africanas e também de outras religiões como por exemplo o xamanismo, e até
mesmo a bruxaria. Afinal, se a religião que você frequenta não faz parte das três
principais religiões monoteístas do mundo – Cristianismo, Judaísmo e Islamismo –
um dia você infelizmente irá sofrer algum tipo de intolerância religiosa, seja ela direta
ou indiretamente.
Objetivos Gerais
14
Abordar e analisar principalmente o Jornal de Umbanda: Orgão Noticioso e
Doutrinario da União Espiritista de Umbanda (RJ) de 1952-1960 a coluna “O que
Dizem Sobre Nós - Mais Critérios e Menos Sensacionalismo” no quesito quando
se cita o misticismo envolto a figura do Exu. Tendo como sequência a análises
breves de outros jornais de Imprensa e Revistas para
dialogarem
metodologicamente sobre o Exu curador de Santíssimo, mas contrapondo o olhar
daqueles que estão de “fora” da religião e não adeptos a ela.
Entender como a Umbanda está inserida nessa nova forma de organização
da sociedade Brasileira com o processo nacional de brasilidade. Por fim, uma
análise mais minuciosa da Entidade Seu Sete Encruzilhadas da Lira com a
bibliografia levantada de Fontenelle e Christian Siqueira.
Objetivos Específicos
1. Analisar a documentação levantada dos trabalhos apresentados no Primeiro
Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda da Federação Espirita de
Umbanda reunidos no Rio de Janeiro, de 19 a 26 de outubro de 1941.
2. Compreender de que maneira as edições do periódico mensal do Jornal de
Umbanda: Orgão Noticioso e Doutrinario da União Espiritista de Umbanda
(RJ) de 1952-1960 foi pensado, e divulgado entre e fora dos umbandistas.
3. Analisar como o Jornal de Umbanda: Orgão Noticioso e Doutrinario da União
Espiritista de Umbanda (RJ) de 1952-1960 e a coluna “O que Dizem Sobre
Nós - Mais Critérios e Menos Sensacionalismo” tratavam do “assunto” Exu
e porquê resolveram falar/escrever sobre.
4. Entender como uma religião (Umbanda) que é relativamente ‘nova’ já nasceu
no âmbito do embranquecimento da República com a junção das três bases
culturais brasileiras – o índio local, o branco europeu colonizador e o negro
escravizado trazido forçado de África pra cá, perante as outras religiões
centenárias e tradicionais do Brasil acaba se tornando “popular” ao contra
ponto de ter uma figura e entidade masculina (exu) demonizada injustamente.
5. Avaliar como surgiu o “fenômeno” do Exu Seu Sete Encruzilhadas da Lira
com a Médium Umbandista Cacilda de Assis.
Metodologia e fontes
O objetivo geral deste estudo é fazer uma análise sobre a demonização da
entidade Exu dentro da religião afro-brasileira Umbanda, visando o contraponto
dessa demonização o Exu Seu Sete Encruzilhadas Rei da Lira. A metodologia aqui
utilizada foi a de revisão dos levantamentos bibliográficos tendo como fios
condutores: a história vista de baixo (E.P. Thompson), história cultural (Peter Burke),
identidade cultural (S. Hall), a formação de novas classes sociais e lutas também
socias ao qual o Brasil se encontrava no presente momento do recorte temático
(Renato Ortiz) e por fim, a tentativa das análises fotográficas da Mãe de Santo
Cacilda de Assis incorporada com Seu Sete da Lira (Boris Kossy). Visto que se
buscou em outros livros, artigos de diversos autores e ciências sociais o diálogo
entre as fontes, para então responder o objetivo principal proposto neste estudo.
15
A prática historiográfica e metodológica alterou significativamente nas
décadas do século XX com a Nova História. Na França, a terceira geração dos
Annales – com ênfase a Jacques Le Goff, Pierre Nora e Michel de Certeau, realizouse deslocamentos que, sem negar a relevância das questões de ordem estrutural
perceptíveis na longa duração, nem a pertinência dos estudos de natureza
económica e demográfica levados a efeito a partir de fontes passíveis de tratamento
estatístico, propunha "novos objetos, problemas e abordagens". A face mais
evidente do processo de alargamento do campo de preocupações e pesquisas dos
historiadores foi a renovação temática, imediatamente perceptível pelo título das
pesquisas, incluíam o inconsciente, o mito, as mentalidades, as práticas culinárias, o
corpo, as festas, os filmes, os jovens e as crianças, as mulheres, aspectos do
cotidiano, religião e também religiosidades, contudo jamais esquecendo da utilização
de novos documentos de estudos analisados, enfim uma variedade de questões
antes ausentes do território da História.
No Brasil Nina Rodrigues médico por profissão, antropólogo e etnólogo por
especialização, legista epidemiologista, clínico professor e escritor; foi o primeiro
estudioso a aplicar o método científico em suas pesquisas sobre religião afrobrasileira e produziu um fardo material de pesquisa no início do século XX. Porém,
sua visão sobre o negro era preconceituosa positivista e evolucionista, acreditando
no “fetichismo” e “animismo”. Dando continuidade aos trabalhos de Nina Rodrigues,
Arthur Ramos e Edson Carneiro temos Roger Bastide sociólogo conhecido por se
dedicar as suas pesquisas de campos nas roças de Candomblé, é o primeiro a se
dedicar aos estudos das religiões africanas e Candomblé aqui no Brasil. Em seu
livro As Religiões Africanas no Brasil, 1960, no qual se encontra o capítulo VI,
“Nascimento de uma Religião”, o estudo é feito sobre a problemática da Umbanda.
O autor opta pela neutralidade pelo contexto em que o mesmo está inserido,
entretanto, já é um avanço nos estudos sobre a Umbanda do qual essa pesquisa se
norteia. Com orientação de Roger Bastide teremos o também sociólogo Renato
Ortiz, em 1972 iniciou suas pesquisas sobre a Umbanda e terminou sua tese de
doutorado em 1975; dessa mesma tese resultou no livro de referência bibliográfica
para esse projeto, A morte branca do feiticeiro negro. Ortiz dedicou esse trabalho
única e exclusivamente à Umbanda, em sua obra ele escolhe os estados do Rio de
Janeiro ‘por ser o berço da religião’ e São Paulo ‘por ser o Estado do qual a religião
mais de desenvolveu’, ele também não se prende ao sincretismo para autoafirmar
com uma simples síntese, em sua obra ele constrói de um método sério científico
para afirmar que a religião Umbanda é brasileira, mas com suas influências da
África, Europa e Indígenas.
Michel Maffesoli dividiu sua obra A parte do diabo: resumo da subversão pósmoderna em prólogo mais cinco capítulos. Filósofos e teólogos discutem o problema
do mal, que se resume a esta pergunta pertinente: se Deus é bom e onipotente,
então como pode permitir o mal? Ao contrário deles, os sociólogos buscam explicar
os processos pelos quais o mal se faz presente nas sociedades. Maffesoli (sociólogo
francês) se concentra em fenômenos contemporâneos que são cada vez mais fortes
e incontroláveis. Pegando como exemplo um dos capítulos de sua obra “Pequena
epistemologia do mal”, Maffesoli trata do espírito animal e da energia dos
sentimentos. Segundo ele, não há como negar que o mal nos persegue sob
16
diferentes formas: “agressividade, violência, sofrimento, disfunção e pecado” (p. 27).
No entanto, nossa cultura ocidental se recusa a aceitá-lo como parte da natureza
humana, como a sombra junguiana, e tenta eliminá-lo quase a todo custo, o que
serve apenas para fazê-lo retornar com maior ímpeto, com consequências cada vez
mais e talvez até mais danosas. A cultura pós-moderna, de acordo com Maffesoli,
nega a transcendência – a condição essencial ao Deus cristão – em favor da
imanência, considerando ambos o mal e o divino como parte da natureza humana.
No então quando se há o hiato da modernidade, nossa parte animal teria sido
reprimida, apenas para retornar agora com mais vigor, evidenciada pelo culto ao
corpo e à sua transformação (tatuagens, piercings e cultos a Grande Mãe). Em
oposição à energia visando a dominar, baseada no conhecimento, característica do
projeto iluminista e modernista, na pós-modernidade, teríamos uma libido visando a
sentir, animada pelos sentidos, pelo prazer relativo ao presente e ao local. Ou
melhor, no pós-modernismo a “transcendência se imanentiza” (p. 49). Ora, essa
característica, somada ao paradoxo, ao jogo dos contrários, aponta para o
ressurgimento do barroco como estilo de arte e de vida, no qual prevalece um
holismo fundamental, arcaico e tradicional. A separação entre luz e trevas,
proveniente de uma libido da cisão, e um ato fundador da cultura ocidental, é um
artifício intelectual, ao passo que a coincidência dos opostos é integradora, animada
pela libido do sentir. Porém, integrar não é fazer um clone de si: aceitar o estrangeiro
é “admitir que sua diferença tenha um efeito sobre a sociedade, que a alteridade
perdure” (p. 65).
Ao ler a obra de Maffessoli, a figura do Exu se encaixa nos estudos da pósmodernidade e inquietações do “novo mal moderno”. Exu é essa dualidade humana,
entre o bem e o mal, entre o mal e o bem que precisa um do outro para se fazer a
harmonia dos dois polos e o próprio ser humano. O arquétipo de Exu-demônio (exu
ser do demônio ou até mesmo o próprio demo) vem para ser esse bode expiatório
moderno. Nas leituras, e na junção de relatos e casos vividos vejo essa separação
perfeitamente entre céu e inferno, terra e céu, alto e baixo visando a entidade
umbandista, exu, na pesquisa. Tudo que vem do céu (parte de cima) é divindade,
santo, angelical, é sagrado, porém, temos o outro polo; tudo que vem da terra
(debaixo ou abaixo) não tem essa forte ligação com o polo celestial. Um exemplo
mais claro possível seria novamente o Exu, ele não vem do “céu” ele sim da terra,
das profundezas e assim erroneamente chamado de demônio. Quando
desprendemos (pelo menos um pouco) das amarras do iluminismo, modernidade e a
tradição judaico-cristão, vejamos um ser humano composto de luz e trevas dentro de
si. Composto dessa perfeita sincronia dos polos ‘bem e mal’ e Exu nos ensina a
lidar, conciliar e principalmente aceitar nosso próprio mal interior para então se ter
uma consciência de melhoramento. Muitos autores lidos aleatoriamente e
despretensiosamente por mim, acabam entrando num consenso sobre a figura do
exu; ele – Exu, é o dono do caos, da briga, da discussão e até do medo (não irei
nega-los), mas, agora partindo da minha visão ele também é capaz de ser o dono da
harmonia, paz, conciliação e ordem. É possível mudar o arquétipo do Exu-demônio,
minha pesquisa é uma dessas provas. Exu não é isso e nem aquilo, exu É. Exu é
aquele que está mais perto de nós da vida terrestre e sabe dos nossos anseios
particulares mais tenebrosos.
17
O nascimento do Brasil enquanto "signo do Demo e das projeções do
imaginário do homem ocidental" (p. 28), ora visto como paraíso terrestre ora como
purgatório do Velho Mundo, além do mundo mágico luso-brasileiro colonial,
compõem a temática central de O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e
religiosidade popular no Brasil Colonial, da historiadora Laura de Mello e Souza. No
qual a monstruosidade relaciona-se na primeira parte do livro e, assim, nesse
contexto, com o desconhecido geográfico, que posteriormente será demonizado com
a vinda dos portugueses e a justificação ideológica para o processo de colonização
e cristianização dos "novos povos bárbaros”, a colônia (Brasil) ser o purgatório dos
cristãos da metrópole (Portugal), a natureza ser o Éden que gradativamente se
tornara de paraíso para inferno juntamente com as pessoas que lá residem no Novo
Mundo. No que se diz respeito à religiosidade no qual essa pesquisa se debruça,
Souza adverte-nos que na Terra de Santa Cruz os "traços católicos, negros,
indígenas e judaicos misturaram-se na colônia, tecendo uma religião sincrética" (p.
97) justificado pelo afastamento falando geograficamente da metrópole. Assim, o
universo religioso colonial era uma mescla da religiosidade trazida pela Igreja com a
religiosidade já existente na colônia portuguesa: logo recorria–se, por exemplo,
simultaneamente a santos católicos, a orixás e ao satanismo. O recorte de Souza,
bem marcado pelo embate entre dois mundos, Deus-Diabo; tradição-religiosidade
popular; razão-símbolo, além de construir o estereótipo da bruxaria nos tempos
coloniais, demonstraria que africanos, índios e mestiços seriam levados à feitiçaria e
às práticas mágicas como uma tentativa de escape ao sistema opressor colonial que
conhecemos, amenização de castigos, medo da condenação do fogo eterno e a fins
amorosos – como as orações fortes, os sortilégios, as cartas de tocar, as simpatias,
os pactos supostamente explícitos de acordo com os acusadores da mesa
inquisitorial. Ao encerrar o livro e o mesmo ser uma referência metodológica
bibliográfica para a minha pesquisa, a autora discute e, de certa forma, resgatando,
dando luz ao universo cultural, as projeções imaginárias e as vivências ‘reais’ da
colônia. Por meio de um olhar voltado para a história que até então não contada da
vida colonial privada-mística, a historiadora demonstra que as práticas mágicas
exercidas na colônia também tinham feição universal. Essa descrição minuciosa das
práticas religiosas da colônia evidencia que, sob o cenário paradisíaco da Terra de
Santa Cruz, desembarcaram não só os portugueses com seus pertences, medos e
ambições, mas também o diabo judaico-cristão da Inquisição. Não digo ser o diabo
do tão conhecido por nós, Mefistófeles, de Fausto, mas o diabo da intolerância, do
pânico do desconhecido, que transformou o paraíso em terras infernais para os
negros, purgatório dos brancos e o paraíso dos mulatos e mulatas (Antonil).
Nas décadas de 1970, ainda era relativamente pequeno o número de
trabalhos acadêmicos que se valia de jornais e revistas como fonte primária para o
conhecimento da história no Brasil. A introdução e difusão da imprensa no país e o
itinerário de jornais e jornalistas já contava com bibliografia significativa, além de
amiudarem-se as edições fac-símiles e os catálogos dando conta de diários e
revistas que haviam circulado em diferentes partes do território nacional.5 Portanto,
Tania Regina de Luca em ‘Fontes Impressas - História dos, nos e por meio dos periódicos’, cit.,
José Honório Rodrigues, Teoria da História do Brasil: introdução metodológica, 3. ed. rev., São Paulo,
5.
18
reconhece a importância de tais impressos e não era nova a preocupação de se
escrever a História da Imprensa, mas relutavam-se em mobilizá-los para a escrita da
História por meio da imprensa devido à falta de parâmetros e diretrizesmetodológicas concretas e a insegurança por ser uma fonte “imparcial e longe de
qualquer intencionalidade”.
De alguns anos para cá essa mentalidade de neutralidade e imparcialidade
das fontes foi perdendo um pouco mais de força e espaço, mais trabalhos com
fontes impressas, periódicos e revistas surgiram na bibliografia brasileira. Longe de
qualquer neutralidade do historiador e pesquisador e de qualquer neutralidade das
minhas fontes impressas pesquisadas, historicizo sua intencionalidade com o projeto
de identidade nacional e umbandista, a proliferação do discurso de Exu = Demônio
na Umbanda por meio dos periódicos sendo objeto-fonte do Jornal de Umbanda:
Orgão Noticioso e Doutrinario da União Espiritista de Umbanda (RJ) de 1952-1960
por meio da obra bibliográfica de Aluizio Fontenelle – Exu de 1952, e como esse
discurso deu gás a matérias e colunas em outros jornais fora da umbanda. Contra
esse discurso “demoníaco”, temos ‘O Exu’ mais conhecido da umbanda: Exu Seu
Sete Encruzilhadas, tema de matérias e teve lugar em jornais no mesmo momento
em que tentavam desassociar a figura de Exu com o Diabo logo após o Segundo
Congresso de Brasileiro de Umbanda, ocorrendo em 1961. Um desses jornais do
qual mais me chamaram atenção por exemplo é A Luta Democrática: Um jornal de
luta feito por homens que lutam pelos que não podem lutar (RJ) 1952-1971 por ser
um jornal de uma parcela da classe operária do Estado do Rio de Janeiro e a forma
com o qual os editores e colunistas se referem a figura do Seu Sete da Lira – por
incrível que parece, não de forma pejorativa demoníaca. Todavia, esse é só mais um
exemplo dos periódicos que usarei ao decorrer da pesquisa para dar luz aos
acontecimentos já citados.
Conclui-se que ao levantar o debate sobre a demonização do Exu na
Umbanda e a realização da pesquisa levantada até o presente momento da entrega
do projeto, é possível a quebra de certos tabus e arquétipos negativos impostos
culturalmente na figura do Exu. Dar luz novamente aquele – Seu 7 da Lira, que até
então foi “esquecido” ou simplesmente diminuído para um esquecimento
momentâneo. Sim, digo momentâneo, pois ele e sua médium ainda estão presentes
na memória de alguns umbandistas e simpatizantes de hoje em dia.
Fontes
Imprensa “leiga”/alternativa:
1. Jornal de Umbanda: Orgão Noticioso e Doutrinario da União Espiritista de
Umbanda (RJ) dos anos de 1952-1960.
2. A Luta Democrática (RJ) anos de 1960-1971.
3. O Cruzeiro: Revista (RJ) anos de 1960-1971.
Companhia Editora Nacional, 1968, pp. 198-200 (1. ed., 1949) e Nelson Werneck Sodré, O que se
deve ler para conhecer o Brasil, 5. ed. rev., Rio de Janeiro, Bertrand, 1976, pp. 321-3 (1. ed., 1945),
listam obras sobre as temáticas mencionadas.
19
4. Revista – Amiga: TV-TUDO ano de 1971.
5. Se possível a localização de vídeos da aparição televisiva do Exu Seu Sete
da Lira em Rede Nacional no dia 29 de agosto em 1971.
6. Fotos da Mãe Cacilda incorporada com o Exu Seu Sete da Lira.
Imprensa Oficial:
1. Tribuna da Imprensa (RJ) ano de 1971.
2. Correio da Manhã (RJ) ano de 1971.
Cronograma de trabalho
Levantamento Bibliográfico Preliminar
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das letras, 27ª
reimpressão, 2001.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da
historiografia. São Paulo: Editora Unesp, 2010.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade; tradução: Tomaz Tadeu da
Silva, Guaracia Lopes louro. Rio De Janeiro: DP&A, 11º edição. 2006.
BASTIDE, Roger. As religiões Africanas no Brasil. 2 v. São Paulo: Pioneira, 1971.
CUMINO, Alexandre. Exu não é Diabo. São Paulo: Madras, 3ª edição, 2019.
SIQUEIRA, Cristhian. O fenômeno Seu Sete da Lira – Cacilda de Assis a médium que
parou o Brasil. Porto Alegre: BesouroBox, 2020.
CUMINO, Alexandre. História da Umbanda: Uma religião brasileira. São Paulo: Madras,
4ª edição, 2019.
BIRMAN. Patrícia. O que é umbanda. São Paulo: Brasiliense, 1985.
ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. São Paulo: Brasiliense, 1ª
reimpressão, 1999.
SHARPE, Jim. A História Vista de Baixo. In: BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História:
novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992. pp. 39-62.
20
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mentalidades e História Cultural. pp. 189-241. _
_ In:
HERMANN, Jaqueline (Org.). História das Religiões e Religiosidades. pp. 474-507. Rio
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