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Book Review The Existence of theWorld: An Introduction to Ontology, de Reinhardt Grossmann Célia Teixeira Universidade Nova de Lisboa Disputatio No. 7 November 1999 DOI: 10.2478/disp-1999-0011 ISSN: 0873-626X © 1999 Teixeira. Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 License Disputatio 7 (Novembro 1999) RECENSÕES The Existence of the World: An Introduction to Ontology, de Reinhardt Grossmann. Londres: Routledge, 1992. 139 pp. Se pretende iniciar-se no estudo da ontologia, não deve deixar de ler esta excelente introdução que Grossmann nos oferece. Mas se já é um iniciado ou mesmo um perito em ontologia não deve, mesmo assim, deixar de ler este excelente livro, pois Grossmann não só nos oferece uma introdução à ontologia como nos dá a sua contribuição na defesa da «existência do mundo». Assim, em qualquer dos casos, não deve deixar de ler esta obra. Este livro é constituído por cinco capítulos que podem ser divididos em três partes. A primeira parte inclui os dois primeiros capítulos e trata do debate entre ontólogos e naturalistas acerca da existência de objectos abstractos, ou seja, de objectos que não se encontram localizados no espaço e no tempo. Grossmann relaciona este debate entre ontólogos e naturalistas com o debate entre realistas e nominalistas, colocando-se do lado dos realistas. Na segunda parte, que corresponde ao terceiro capítulo, apresenta-se uma tipologia das categorias que constituem o mundo, a saber: indivíduos, propriedades, relações, estruturas, conjuntos e quantificadores. Por último, na terceira parte, que inclui o quarto e quinto capítulos, Grossmann estuda duas características do mundo, que não devem ser confundidas com as categorias que o constituem: a existência e a negação. Numa formulação bastante lata podemos dizer que a ontologia é aquele ramo da filosofia que estuda tudo aquilo que existe ou, para usar a formulação clássica de Aristóteles, estuda o ser enquanto ser. Contudo, esta definição de ontologia acarreta alguns problemas, pois a filosofia, de um modo geral, estuda tudo aquilo que existe: o que é uma obra de arte, o que é um raciocínio válido, etc. Mas estes problemas são o objecto de estudo da estética e da lógica, respectivamente. Deste modo, teremos de reformular a definição dada. Grossmann define a ontologia como aquele ramo da filosofia que tem como objectivo responder às seguintes questões: «Quais são as categorias do mundo? E quais são as leis que regulam essas categorias?» (p. 1) Mas, alerta-nos Grossmann, antes de podermos responder a estas questões teremos de começar por definir o que é uma categoria. É com este propósito em vista que se inicia a primeira parte de The Existence of the World. 54 RECENSÕES Quando um biólogo classifica as baleias como pertencentes ao grupo dos mamíferos porque dão à luz crias vivas, está a fazer uma classificação com base nas propriedades que distinguem certos indivíduos de outros. Mas este método de classificação, a que Grossmann chama princípio de classificação, que consiste em distinguir objectos com base nas propriedades que possuem, é em si mesmo uma classificação que consiste em dividir tudo aquilo que existe em indivíduos e propriedades de indivíduos. É esta classificação mais geral, a base de todas as outras classificações, que interessa à filosofia e que Grossmann designa por categorização. Com isto podemos já distinguir duas categorias (ou entidades ou existentes): indivíduos e propriedades de indivíduos. O problema que agora se nos depara é o de saber em que diferem os indivíduos das propriedades que eles possuem. Por exemplo, podemos distinguir uma bola de bilhar de um livro pelo facto de a bola possuir a propriedade de ser redonda e o livro não. Mas ao passo que podemos ver, tocar e mover a bola de bilhar, não podemos fazer o mesmo em relação à propriedade da redondeza. Também podemos dizer onde se encontra a bola num certo período de tempo, mas onde estará a propriedade da redondeza? Podemos tocar-lhe ou vê-la? Estas questões podem ser reduzidas a uma única e que Grossmann identifica como uma das mais importantes em ontologia: Será que existem objectos abstractos? Esta é a questão central que é estudada na primeira parte desta obra. Uma das características de The Existence of the World é que à medida que Grossmann vai introduzindo os problemas e teorias da ontologia somos guiados pela história da filosofia que se inicia com as teorias cosmológicas dos pré-socráticos, passando pela teoria das formas de Platão, pelo essencialismo de Aristóteles, por Descartes, Locke, Hobbes, etc. Esta é sem dúvida uma das riquezas deste livro, pois não só nos fornece informações eminentemente filosóficas, como também nos informa sobre as teorias mais importantes que ao longo da história da filosofia têm sido cruciais para uma melhor compreensão dos problemas aqui tratados. A grande questão ontológica tratada na primeira secção acerca da existência de objectos abstractos gera a batalha entre Gigantes e Deuses de que Platão nos fala no Sofista e que Grossmann retoma e identifica com a discussão entre ontólogos e naturalistas. Os naturalistas são aqueles que defendem a não existência de objectos abstractos; para eles, tudo o que existe é o universo e os objectos concretos que o compõem. Por outro lado, os ontólogos defendem a existência de objectos abstractos, como propriedades de objectos individuais, universais, relações e outras. Em suma, os ontólogos defendem que além do universo, que é o objecto de estudo das ciências empíricas, existe o mundo que contém o universo como parte; o mundo é para eles o objecto de estudo dos filósofos. Assim, a batalha entre deuses e gigantes de que Platão nos fala acerca da existência de objectos abstractos é uma batalha acerca da existência do mundo. E é a Platão que se deve a descoberta (ou proposta) da existência do mundo. 55 RECENSÕES Reinhardt Grossmann identifica esta batalha entre ontólogos e naturalistas com a batalha entre realistas e nominalistas acerca dos universais, colocando-se ao lado dos realistas. Podemos achar que o naturalista, ou seja aquele que contesta a existência de objectos abstractos não pode senão ser nominalista. Pois se a propriedade da brancura, por exemplo, está localizada no espaço e no tempo, então duas bolas que possuam esta propriedade não podem possuir a mesma propriedade da brancura. Cada bola possui assim a sua própria brancura. Contudo, diz-nos Grossmann, um naturalista pode defender ao mesmo tempo uma posição realista. Assim, as duas bolas não teriam diferentes brancuras, mas partilhariam a mesma. E a propriedade da brancura estaria localizada no mesmo sítio em que ambas as bolas se encontrassem. O problema com este tipo de posição é que viola a principal motivação dos naturalistas. Pois mesmo que não ponha em causa a tese de que apenas existem objectos particulares concretos, é no entanto obrigada a admitir dois tipos de objectos particulares: os que têm existência múltipla (como os universais) e os que não têm existência múltipla. Ora, estes objectos que possuem existência múltipla estão muito longe de serem o tipo de objectos concretos da nossa experiência sensorial. Daí que a motivação da tese naturalista seja contrariada. Assim, diz-nos Grossmann, podemos distinguir dois tipos de posições naturalistas a que ele chama naturalismo impuro e naturalismo puro. O que as distingue é o facto de a primeira violar aquilo a que Grossmann chama o axioma da localização, ao contrário da segunda. O axioma da localização é definido deste modo: «Nenhuma entidade pode existir em diferentes sítios ao mesmo tempo ou em intervalos de tempo descontínuos.» (p. 13). Isto é, uma entidade não pode existir ao mesmo tempo na Rússia e em Portugal e também não pode existir num certo momento, deixar de existir e voltar a existir. Após distinguir ambos os campos de batalha quanto à existência do mundo, Grossmann apresenta alguns dos argumentos usados de ambos os lados. Apesar de ser explicitamente defendida uma posição realista, não são descuradas as fragilidades que tal posição tem de enfrentar. De qualquer modo, a postura que iremos assumir nesta batalha não deixa de pender a favor dos realistas, apesar de Grossmann não deixar de referir que tal batalha não tem fim à vista e que nenhum argumento é conclusivo. Quanto à segunda parte de The Existence of the World, a atenção volta-se não para a discussão acerca da existência do mundo, mas para a sua estrutura. Como dissemos, o universo faz parte do mundo. Logo, o mundo é constituído por objectos particulares. Mas, e quanto às outras categorias? Reinhardt Grossmann considera mais seis categorias para além da de indivíduos: propriedades, relações, estruturas, conjuntos, quantificadores e factos. Todas estas categorias serão cuidadosamente tratadas. Não se julgue no entanto que estas são todas as categorias que existem. Pois, segundo Grossmann, poderão existir muitas mais, ou até poderão existir menos, não existindo nenhum método que nos possa ajudar nesta tarefa. Tudo o que se pode fazer é proceder passo a passo, aplicando o princípio de 56 RECENSÕES classificação de Grossmann, e testar se estamos ou não perante uma nova categoria. Talvez seja importante dizer algo sobre a categoria quantificador. Grossmann ao estudar o estatuto ontológico dos números, percorrendo detalhadamente os argumentos existentes, conclui que os números não pertencem a nenhuma das categorias estudadas. Sendo assim estes constituem uma nova categoria a que ele chama quantificadores. Dentro desta categoria há uma distinção a fazer entre quantificadores definidos e indefinidos. Os quantificadores indefinidos são aqueles que referem uma quantidade indefinida de objectos: alguns, todos, a maioria, etc. Os quantificadores definidos, por seu lado, referem uma quantidade definida de objectos: três, quatro, etc. O argumento de Grossmann para colocar os números sob a categoria de quantificador, a par dos quantificadores indefinidos, é que tanto os quantificadores indefinidos como os definidos desempenham o papel de quantificarem um certo conjunto de objectos. Por exemplo, a frase «Alguns homens são carecas» têm a seguinte forma lógica: «algumas coisas são tais que: são homens e são carecas.» Quanto à frase «Quatro homens são carecas» a forma lógica é: «quatro coisas são tais que: são carecas.» O que Grossmann pretende mostrar é que tanto o quantificador indefinido alguns como o quantificador definido quatro têm a função de quantificarem as coisas de que falamos. Esta secção termina com a conclusão de que o próprio mundo é um facto e que a necessidade não constitui por si mesma uma categoria do mundo. Quanto à última parte de The Existence of the World a que correspondem os capítulos quarto e quinto, dá-se atenção ao estudo dos vários argumentos acerca da existência. São estudados argumentos como os de Russell, Heidegger, Frege, Kant, etc. Todos os argumentos serão rejeitados de forma precisa. Mas Grossmann não se fica pela rejeição dos argumentos acerca da existência, propondo ele mesmo um tratamento deste problema. Para ele, existir é ser um existente, isto é, dizer que algo existe é dizer que é idêntico a uma certa entidade. Contudo, esta proposta não parece resolver o problema. Curiosamente, Grossmann acaba por nos fornecer, implicitamente, um tratamento melhor do problema da existência: dizer que um objecto existe é atribuir-lhe certas propriedades. Este postulado encontra-se contudo explicitamente formulado como uma lei ontológica (cf. p. 112). Esta parte culmina com o tratamento da negação. Para Grossmann, a negação não é uma categoria, mas uma característica do mundo. Isto é, algo que transcende as categorias uma vez que não pertence a nenhuma delas e uma vez que também não constitui por si só uma categoria. A ideia de Grossmann é que tal como as relações ligam determinadas entidades, também a negação tem uma função idêntica ligando entidades diversas em factos. Por exemplo, o papel da negação relativamente ao facto de que dois mais dois não é igual a cinco é o de ligar o número dois, a relação de adição e o número cinco. 57 RECENSÕES Uma das características interessantes de The Existence of the World é o uso de diagramas para uma melhor visualização e compreensão dos assuntos discutidos, que se tornam deveras úteis. O livro está escrito de uma forma clara e apetecível que torna a leitura quase compulsiva, como acontece quando lemos um bom romance. Apesar de aqui não estarmos ansiosos por saber qual o desenrolar da história, não deixamos de ficar ansiosos por ir um pouco mais além na nossa descoberta da existência do mundo. Célia Teixeira Instituto de Filosofia da Linguagem Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa Av. de Berna, 26-C, 1050 Lisboa [email protected] A Brief History of Western Philosophy, de Anthony Kenny. Blackwell: 1 Oxford, 1998, 365 pp. A nova história da filosofia de Anthony Kenny é um feito excepcional. O livro é acessível mas sofisticado, conciso mas abrangente. As suas principais fraquezas são as decisões editoriais do autor, por vezes surpreendentes e dramáticas, e a sua intermitente aplicação idiossincrática da filosofia analítica do século XX. Além disso, Kenny não fornece referências das citações que usa. É uma infelicidade que o autor exemplifique um comportamento que todos os professores de filosofia procuram desencorajar. Estas imperfeições, a maior parte das quais o próprio autor reconhece no seu prefácio, em pouco enfraquecem o prodigioso sucesso da história de Kenny. O livro consiste em 22 capítulos que na edição portuguesa ocupam 436 páginas, seguidos de um posfácio, de sugestões de leitura complementar e de um abrangente índice analítico. Os capítulos, que se estendem desde «Na Infância da Filosofia» até «A Filosofia de Wittgenstein», incluem discussões pormenorizadas de quase todos os filósofos canónicos, discussões breves de alguns filósofos não canónicos (por exemplo, Hipácia, Boaventura, Marsílio de Pádua), e numerosas discussões extremamente úteis da interacção entre a filosofia ocidental e muitas figuras e instituições não filosóficas. Os estudantes de filosofia de todos os níveis de ensino irão beneficiar com esta obra, e os seus professores irão admirar e desfrutar de muitos dos seus aspectos. O tratamento que o autor oferece da filosofia pré-socrática é soberbamente conciso, lúcido e profundo. Kenny apresenta uma interpretação acessível e excelente de muitos fragmentos, e consegue integrar a sua interpretação num contexto cultural e histórico mais vasto. A discussão de ————— 1 Publicada entretanto em tradução portuguesa: História Concisa da Filosofia Ocidental (Temas & Debates: Lisboa, 1999, 461 pp.). As páginas indicadas referem-se à edição portuguesa. (N. do T.) 58