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Recensões : Notícias Bibliográficas

1993

RECENSÕES I NOTÍCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREITAS, Vamberto A., Pátria ao Longe: Jornal da 11, Ponta Delgada: Marinho Matos, Eurosigno Publicações, Lda., 1992. Emigraçlio A série de artigos sobre vários aspectos da expenencia emigrante portuguesa nos Estados Unidos reunida neste volume representa uma participação jornalística de Vamberto Freitas nos dois lados do Atlântico no decorrer de oito anos. Alguns dos artigos foram publicados em The Portuguese Tribune (Califórnia), outros no Diário de Notícias (Lisboa). Este facto é significante dada a tem<ltica da 1.0 emigração (embora com ênfase no e) que é o elemento comum ao qual o volume deve a sua unidade. Residente do estado da Califórnia, Vamberto Freitas naturalmente tem maior conhecimento das comunidades portuguesas desta região e consequentemente se dedica mais a questões e experiências específicas desta comunidade do que às das comunidades do leste do país. No entanto, muitos dos artigos são igualmente aplicáveis às duas comunidades, que ele prefere conceber como uma só, embora composta de dois elementos ou duas faces. Por esta razão, é interessante notar o que ele tem a dizer destas duas faces da L(USA)lândia: 203 Mas ser pequenino em ponto grande é diferente de ser pequenino em ponto pequeno, se bem que a grande diferença só se manifeste abertamente quando consideramos que a L(USA)Iândia é simultâneamente uma comunidade de emigrantes e uma comunidade de imigrantes. Do ponto de vista emigrante, Vamberto Freitas tem plena razão. É do ponto de vista imigrante que a situação é muito mais complexa e até paradoxal. Para o imigrante, se estar dentro de um mundo "pequenino em ponto grande" por um lado facilita a possibilidade de evasão quotidiana de contacto (seja este em termos de conflito ou integração) com o mundo grande que o rodeia, por outro lado o tamanho desse mundo pequeno faz com que sua presença seja notada (positiva e negativamente) pelo mundo grande de uma forma que a presença do "mundo pequeno em ponto pequeno" jamais será notada. As consequências sociais e políticas destas diferenças merecem ser reconhecidas. O trecho, "Um senador americano, Claiborne Pell, amigo do nosso país", serve para testemunhar esse facto. A "amizade" de Claiborne Pell não se deve só ao acaso biográfico de ser filho de ex-embaixador americano em Lisboa; ele próprio declara no fim da entrevista, "A comunidade portuguesa em Rhode Island é numerosa, e espero poder contar com o seu apoio nas minhas campanhas eleitorais" (p. 2 13). Agora, do ponto de vista emigrante, essas consequências têm menor importância porque aqui a realidade sociopolítica actual é secundária; o que interessa é o espaço cultural imaginado e nesse aspecto as diferenças entre as duas costas são, de facto, mínimas. A maioria dos artigos deste volume navegam dentro deste espaço cultural com seus elementos muitas vezes contraditórios. Perante estes, Vamberto Freitas manifesta a ambivalência emocional e crítica de um indivíduo que é simultâneamente imigrante e emigrante, que se sente ao mesmo tempo atraído por aspectos de duas culturas e alienado de duas culturas. A secção sobre a educação trata um dos problemas mais sérios a enfrentar pela comunidade lusa tanto em termos de manter viva a cultura p01tuguesa como em termos de facilitar a sua adaptação ao novo meio. Nos ensaios referentes a questões de educação, Vamberto Freitas apresenta argumentos sólidos a favor da necessidade de manter o ensino bilingue e aponta alguns dos obstáculos e dificuldades que ainda terão que ser ultrapassados. Através do volume, em várias das secções, encontram-se referências a indivíduos que têm contribuído para o desenvolvimento da vida intelectual e cultural das comunidades e também para a divulgação da cultura portuguesa e L(USA)Iandesa dentro dos Estados Unidos. Entre estes, encontramos Jorge e Mécia de Sena, 204 205 A L(USA)Iândia, esta nossa nação imaginada nos E UA, pouco se diferencia de uma região para outra, não esquecendo mesmo que começa numa costa, é interrompida por um continente de três mil milhas, e acaba noutra costa. Podem verificar-se ligeiras diferenças tanto na aparência física ou geográfica como até no seu modo de ser (ce1tamente que entre os L(USA)landeses de Fali River e de Tulare, há qualquer coisa que os poderá distinguir). Mas o essencial permanece. A malta, quer queira quer não, rabo-torto, corisco, ou alfacinha, é feita da mesma massa, tem as mesmas manias, e segundo me consta todos gostam de linguiça, do Benfica ou do Spo1ting. Assim seja. Nesta L(USA)Iândia, ficam-nos as coisas facii itadas, podemos falar da Califórnia e de Rhode Island, na mesma língua, que todos entenderão. (p. 37) No entanto, ele reconhece diferenças, mesmo que sejam só de grau e não de substância, entre as duas. Apontando algumas destas, ele diz: "New Bedford e Fali River são a L(USA)Iândia por excelência, levadas às suas mais exageradas consequências, mil e uma organizações, muitos jornais, programas de rádio em todos os quadrantes, cafés a deitar cá fora aquele cheiro maravilhoso que dá saudades da terra, inúmeros heróis lá dentro a dar se(n)tenças e a conspirar, bacalhau, jornal e Eça no mesmo balcão ... Mas se ninguém toma nota da pequena área lusa do sul da Califórnia, suspeito que a grande área lusa do lado atlântico seja ponto de discussão e decisão no mundo que a rodeia. No fundo, somos pequeninos em ponto pequeno, e pequeninos em ponto grande." (pp. 37 8) - Eduardo Mayone Dias, Onésimo Almeida, Urbino de San-Payo, José Brites, e também George Monteiro, Nancy Baden, Jerry Williams, e Frederick G. Williams. Estes últimos embora não pertençam ao grupo que se possa designar de L(USA)landês, têm manifestado o seu apoio e interesse no mundo L(USA)landês através das suas intervenções pessoais e profissionais. Além de conter reportagens e comentários informativos sobre a realidade (externa e interna) da(s) comunidade(s) portuguesas nos Estados Unidos, o volume serve de espelho para residentes dos dois lados (e do meio) do Atlântico chegarem a uma melhor compreensão não só da actual situação do L(USA)landês mas também do seu próprio papel no desenvolvimento da mentalidade L(USA)landesa. DIAS, Eduardo Mayone, Crónicas da Diáspora, Lisboa, Edições Salamandra, 1992. Maria Angelina Duarte Universidade de Iowa É-nos impossível falar da diáspora portuguesa sem falarmos de Eduardo Mayone Dias. Para quem estiver consciente da importância dessa nossa realidade saberá que este é um estatuto intelectual invejável. Cronista insigne e continuador da mais profunda tradição literária lusa, que é a de dar conta dos nossos espalhados por toda a parte, ele passou também a ser uma figura tutelar e mentora para a minha geração imigrante, e não só na América do Norte. Exemplo da capacidade profissional que deve rodear o acto da escrita deste género específico (saber escutar, olhar e dialogar), a • dimensão ética e do sentido agudo das suas palavras foram sempre características dessa sua escola jornalística na jornada peregrina: sê fiel a ti próprio e reconhece o poder engrandecedor ou esmagador da palavra impressa. Trata-se certamente de uma escrita modelar. Para além de tudo isso, Mayone Dias demonstrou-nos desde o início da sua carreira na diáspora que era possível ser-se professor numa das mais prestigiadas universidades do mundo, a Universidade da Califórnia, em Los Angeles, sem nunca esquecermos as origens e muito menos aqueles que connosco partilham o espaço sem fronteiras que são as nossas comunidades modernas nos mais dísparos recantos do mundo; e que esse reconhecimento implicava desde logo uma obrigação: 206 combinar o profissionalismo 207 académico com o levantamento e publicação - através de géneros vários - das questões quotidianas imigrantes, dando assim a todos a possibilidade de se tornarem um pouco mais conscientes da nossa história social no decurso desse debate alargado e descomplexado. As suas crónicas aparecem em jornais e revistas que vão desde o Pacífico Americano a Lisboa e a outros centros emigratórios europeus. "Inspirados por largos anos de contacto - escreve ele na abertura de Crónicas da Diáspora, o seu mais recente livro publicado no nosso país - com as comunidades portuguesas na América do Norte ou por mais ocasionais convívios com grupos radicados em outras latitudes, estas crónicas apareceram em jornais de emigração ou no já centenário Diário de Notícias, de Lisboa. Mais do que outra coisa são o resultado da funda impressão que em mim sempre têm deixado o afinco do nosso emigrante na preservação da sua portugalidade cultural e a dimensão de fraternidade que quase infalivelmente tenho encontrado entre os portugueses da diáspora." A escrita de Mayone Dias - a desta etapa sua, que já vem sendo publicada há anos, desde Crónicas das Américas e Novas Crónicas das Américas, a partir do início da década de 80 caracteriza-se pela figura e elegância da linguagem, pela sua habilidade quase fotográfica de ver coisas e gente, e sobretudo pela sua recusa em condescender ante qualquer aspecto das realidades em foco. As suas páginas cobrem um espaço tão vasto como a geografia da própria diáspora mas estão todas unificadas por um determinado ponto de vista e pela tentativa, sempre, de reforçar os traços comuns entre todos. O autor relata-nos ora os grandes acontecimentos diaspóricos ora as pequenas coisas que nos definem perante nós próprios e perante os outros no estrangeiro. É a crónica no seu mais puro e aguenido estado - tudo e todos têm um lugar, sem discriminações nem moralismos impingidos ou sequer sugeridos. De parágrafo a parágrafo são as pequenas surpresas e o espanto alegre de quem descobre e se descobre num mar de humanidade despretensiosa. "Em Providence, no bairro mais típico, os po1tugueses escreve Mayone Dias, entre muitas outras coisas, do que viu da nossa gente na costa leste americana - pintaram as fachadas de cores alegres, mesmo perante os horrorizados protestos das boas damas da Sociedade Histórica. Outros toques denunciadores da origem dos 208 residentes são sempre as intimidades da roupa interior pendendo de uma corda no pátio, as favas, as couves e os inhames crescendo no quintal. Estes quintais mereceram já um estudo de dois professores da Southeastern Massachussetts University, ele botânico, ela antropóloga. O que ele pesquisou foi a adaptação de espécies e métodos portugueses a outra ecologia. Quanto a ela, preocupou-se com a função da horticultura atávica como antídoto para a monotonia da nova vida, do mecânico trabalho da fábrica em contraste com a liberdade dos afazeres ao ar livre. E isto ilustrou-o bem um emigrante que num documentário feito com o tema das formas de superação da saudade declarava o júbilo de ver o vinho que ele fazia jorrando na celha depois de oito intermináveis horas na oficina de confecções, durante as quais tinha cortado 4.000 mangas de casaco." Alguém definiu um dia Mayone Dias como um gentleman autêntico, quer como pessoa quer como escritor. Sem dúvida. Em toda a sua obra- muito mais vasta do que os livros de crónicas já aqui referidos- sobressaem esses incomparáveis retratos- fatias­ -de-vida recheados de pormenores antes ignorados ou simplesmente tidos como inconsequentes. Mas ele não dá um passo sem ver a "festa móvel" que é a vida em toda a parte, refundindo todas as suas visões colectivas numa escrita marcada por um humor cortante mas nunca, nunca, ofensivo. Eduardo Mayone Dias é um lisboeta de gema, mas radicou-se na Califórnia nos festivos e psicadélicos anos 60. Desde então passou a conviver intimamente com a nossa gente de lá, havendo, de parte a parte, um profundo respeito e reconhecimento mútuo. Açorianizou­ -se a tal ponto de, hoje, fazer da LUSAlândia e do nosso arquipélago território íntimo, mantendo nesses nossos mundos inabaláveis amizades pessoais e contactos profissionais. Creio que é assim, também, que um escritor se torna fundamental, imprescindível, na compreensão de um povo diversificado como o nosso. Crónicas da Diáspora (Edições Salamandra) é, para além de tudo que aqui fica dito, o aprofundamento dessas suas relações de vida- e a prova de como a palavra na mão de um mestre se transforma em navegação amena em busca de outros e escondidos mundos. Vamberto Freitas 209 MELO, Dias de, NaMemóriadas Gentes, Livro I (3 vols.), Angra do Heroísmo, DROP I SREC, 1985; Livro II (2 vols.) e Livro III, Angra do Heroísmo, DROP I SREC, 1991. Acerca do picaroto escreveu Nemésio que ele "corre da serra, aonde foi buscar lenha, ao alto mar, onde o espera o cardume de baleias; e larga a lançadeira do tear, a trança de palha do chapéu ou a agulha da rede pelo craque da lancha e o remo da canoa"1- e este bem poderia ser um texto a servir de epígrafe à obra de Dias de Melo, Na Memória das Gentes, cuja edição, da responsabilidade da Direcção Regional de Orientação Pedagógica, se concluiu em 19912• Efectivamente, aquilo que na sua linguagem expressiva e lapidar Nemésio refere é a peculiar situação de um homem a quem as condições adversas da ilha forçaram a desdobrar-se por actividades múltiplas e a lançar-se ainda ao mar, aí prolongando a sua luta pela sobrevivência (e, neste contexto, lançar-se traduz simultaneamente o sentido de aventura, risco, e o desespero de uma atitude terminal). E deste carácter m�fíbio do homem picoense nos dava conta Dias de Melo já no Livro I, ao escrever: "no Pico (... ) não há separação definida entre as gentes do mar e as gentes da terra: gentes do mar são também gentes da terra, gentes da terra são também gentes do mar"; daí, não ser de admirar que, como na altura referia ainda o autor, 1 Corsário das l/lws. 2.' ed., Amadora. Livraria Bertrand, 1985, p. 135. 2 Nu Menuíria das Gentes. Livro I (3 vols.), Angra do Heroísmo, DROP I SREC, 1985; Livro 11 (2 vols.) e Livro III, Angra do Heroísmo, DROP I SREC, 199 1. 211 "gentes do mar [lhe] tenham dito muito da terra e gentes da terra, mulheres até, muito [lhe] tenham dito do mar" (vol. I, p. 9). Para quem tem vindo a seguir a ficção de Dias de Melo fácil será verificar que ela se aproximara já de alguns acontecimentos e situações sociais referenciados em Na Memória das Gentes (basta pensar, por exemplo, no chamado desastre do canal), mas agora estamos num outro domínio: nada mais nada menos que a recolha e fixação de testemunhos da tradição oral picoenses que nos fazem recuar no tempo e que, através da voz de muitos dos seus agentes directos, a pouco e pouco vão compondo a saga heróica duma Ilha que também teve o seu Cabo das Tormentas, por vezes muito mais próximo do que seria de esperar. Por uma questão de organização e de a rrumaçâ.o, Dias de Melo optou por reunir no Livro I o resultado das suas entrevistas e diálogos com" gentes predominantemente do mar", tendo deixado para o Livro II o que lhe disseram as "gentes predominantemente de terra", incluíndo no Livro III as narrativas, os contos do imaginário popular que as suas deambulações pelo Pico lhe permitiram recolher em simultâneo com as histórias vividas (ou, pelo menos, a sua memória transmitida de geração em geração). E o que daí resulta é um retrato complexo e a dois tempos de final de um complexo tecido histórico e social: a penúria de meios materiais e as dificuldades em conseguir esses poucos de que se dispunha; a morosidade e o risco das deslocações terrestres, de tal modo que visitar um amigo a seis ou sete quilómetros de distância era já um acontecimento digno de registo; a ausência de cuidados médicos e o recurso a remédios vindos ... da América, alvo de tantas fugas e palco de não menos desenganos e dramas. E tudo isso nos chega através de uma linguagem em que o tumulto do vivido cedeu já o passo à serenidade do narrado (sem que a emotividade ou a crueza se anulem) e a tranquilidade é ainda assim o sinal afirmativo de quem soube sobrepor-se às contingências e aos obstáculos do tempo, das coisas e dos homens também, inventando ferramentas e utensílios para dominar a terra e os mares e, no mesmo pé, desenvolvendo o seu próprio sistema de efabulações, de mundos simbólicos e fantásticos com que pôde enfrentar os demónios da sua solidão: os contos, os pequenos episódios reunidos no Livro III constituem precisamente a manifestação deste último universo, num discurso ora vigiado, ora libe1to em que, por vezes, o pudor de natureza religiosa é impotente para perturbar o desenvolvimento de tramas, de processos narrativos e de uma linguagem maliciosa e irreverente. uma particular história trágica que tem tanto de marítima como de terrestre. Por um lado, barcos, Sendo este um livro de depoimentos, não é, no entanto, uma viagens, tormentas, baleias, obra onde a participação de Dias de Melo se limite à organização dos naufrágios, mortes constituem a matéria com que baleeiros, textos. Tendo optado por uma arrumação dos textos por polos pescadores, marinheiros, construtores navais vão solevando do geográficos ou populacionais que, no fundo, acabam por ser aqueles fundo da memória para comporem, afinal uma saga de grande onde foram mais representativas as actividades referenciadas, Dias dramatismo pessoal e social em que o desbravamento dos "caminhos de Melo fez para cada um destes uma introdução genérica bastante do mar" acaba por ultrapassar o carácter de mero problema local, pois útil a história dos barcos do Pico e dos seus homens é ainda uma parte afectuosamente, traçou dos deponentes; uma chamada de atenção indeclinável da história dos Açores, por aquilo que representa na merecem também as anotações, em que foi articulando os diferentes construção de uma rede de intercâmbios, de solidariedade e depoimentos sobre o mesmo assunto, estabelecendo-lhes nexos, comunicação entre as ilhas. Por outro lado, as vozes de terra esclarecendo dúvidas, levantando interrogações sobre determinadas completam o quadro de um tempo de abandonos e solidão, de referências, corrigindo mesmo informações- tudo isso a evidenciar cumplicidades e perfídias também, e desdobram os fios com que se o conhecimento de questão e o empenhamento posto por Dias de entretecem as malhas de um painel colectivo e em que, na sua Melo numa causa que, de coração e de escrita, é a sua. E tudo isso é, individualidade, os relatos pontuais e os apontamentos e elucidativa, para lá do esboço biográfico que, tão afinal, trabalho seu, pelo menos tão importante como a riqueza e o autobiográficos, se entrecruzam e se interpenetram na composição acervo de matéria etnográfica, antropológica, literária e histórica que, 212 213 da tradição oral vindo, aqui fica condensada e registada, protegida, a partir de agora, contra a poeira do esquecimento. Urbano Bettencourt ALMEIDA, João Ferreira de; CAPUCHA, Luís; COSTA, Antó­ nio Firmino da; MACHADO, Fernando Luís; NICOLAU, Isabel e REIS, Elizabeth - Exclusão social: factores e tipos de pobreza em Portugal, Oeiras, Celta Editora, 1992. Trata-se da reformulação de um estudo sobre a pobreza em Portugal, encomendado pela Comissão das Comunidades Europeias, onde se faz a caracterização da situação nacional. O mais interessante deste trabalho é a definição do conjunto de categoriais sociais que, no nosso país, estão imersas na pobreza ou em risco de lá cair e isto para as diferentes regiões. Esta caracterização assenta, sobretudo, nas variáveis mais facil­ mente mensuráveis como o rendimento, a situação face ao trabalho, as qualificações ou a idade, ficando por analisar as representações que os indivíduos considerados em situação de pobreza têm sobre este mesmo assunto. É, no entanto, de salientar o esforço feito para descreveras modos de vida das categorias listadas, numa tentativa de saída deste espartilho. Em anexo encontram-se alguns dados estatísticos que caracteri­ zam globalmente a população portuguesa sobre algumas variáveis relacionadas com a pobreza, a contrastar com a sua sóbria utilização no texto, mas não os necessários para que um leitor mais ou menos atento proceda à reconstrução das categorias recenseadas. O que, aliás, é referido pelos próprios autores. 214 215 BRYMAN, Alan e CRAMER, Ducan- Análise de dados em ciências sociais: introdução às técnicas utilizando o SPSS, Oeiras, Celta, 1992. QUIVY, Raymond e CAMPENHOUDT, Luc Van - Manual de Investigação em Ciências Sociais, Lisboa, Gradiva, 1992. Trata-se de um manual, prático e acessível sem perder com isso qualidade académica. Destina-se a quem quer que pretenda iniciar­ -se, ou até aprofundar conhecimentos, sobre o desenho de uma investigação, desde as etapas iniciais até à conclusão. Se bem que para leitores mais qualificados possa parecer lacu­ nar, é um livro a ler para poder recomendá-lo e, porque não, para consultar num ou noutro pormenor, dada a forma sistemática como os seus conteúdos são apresentados, sem se perder de vista a inter­ acção entre as diferentes etapas da pesquisa científica. GffiGLIONE, Rodolphe e MATALON, Benjamin - O inquérito: teoria e prática, Oeiras, Celta, 1992. Já foi dit� que este livro é o melhor manual para quem pretende . . . miciar-se nos mquéritos de cariz mais ou menos sociológico. Não nos parece que o risco de exagero seja muito grande. Esta obra ajuda-nos, sobretudo, a definir a amostra, a perceber as técnicas de inquérito por questionário e por en�revista e a analisar os dados produzidos com um conjunto de técnicas apropriadas para o tratamento de perguntas abertas e fechadas. É importante o facto de ter uma parte exclusivamente dedicada aos problemas metodológicos dos inquéritos. Mas é pena que isso diga respeito sobretudo aos problemas de construção de uma amostra e nã? se fale mais um pouco das situações em que é contraproducente realizar um qualquer tipo de inquérito. 216 Para tirar o máximo partido desta obra é necessário ter um computador com um microprocessador Intel 286 ou, preferen­ cialmente, superior e um mínimo de experiência de trabalho com o sistema operativo MS-DOS (sem Windows). Finalmente, é também necessário possuir o software adequado, neste caso, o Package estatístico Statistical Packagefor the Social Sciences/PC + v.3 (parece­ -nos difícil que possua acesso a um muito mais raro computador Mainframe). Trata-se, pois, de uma obra relativamente técnica em que as restrições a um potencial leitor são, aparentemente, grandes. No entanto, apresenta duas importantes vantagens: a) o facto do SPSS ser muito popular nos meios de investigação científica em Portugal facilita uma ampla troca de conhecimentos b) e permitir, através da utilização deste programa, que a análise estatística se faça sem que seja necessário conhecimento aprofundado das formulas matemáti­ cas usadas (um conhecimento das limitações à utilização destas for­ mulas é sempre necessário sob pena de se produzir inutilidades estatísticas). A antiguidade do SPSS acaba por ser outra vantagem, para a sua utilização, dado que as fórmulas que utiliza não apresentam erros (ao contrário de outros packages estatísticos) porque já foram muito testadas. É uma obra virada para a prática, trazendo até uma disquete com exemplos de apoio. Fernando Diogo 217 MARUANI, Margaret e REYNAUD, Emmanuele, Sociologie de l'Emploi, Editions La Découverte, Collection "Reperes", Paris, 126 pág.s. 1993, Mais do que uma sociologia sectorial de alcance circunscrito ao estudo do Emprego nas sociedades pós-industriais, a análise efectua­ da propõe, e predispõe, a uma sociologia das formas de emprego. Esta abordagem salienta ainda o respectivo estatuto social do emprego e os factores contingentes na moderna estruturação social dado que, implícita ou explicitamente, nos sentimos condicionados por eles nesta nova ordem económica, onde impera a relação com o trabalho- ou a falta dele. Se é facto que a Sociologia do Emprego surge no desenvolvimento da Sociologia Industrial e do Trabalho e, por vezes, como uma certa especialização desta, adquire no entanto contornos próprios em virtude do lugar privilegiado de que o emprego usufrui na vida moderna. Emprego que não pode ser definido simplesmente pelo seu teor funcional preponderante numa relação de trabalho instituída e duradoura. No entanto, esta problemática em nada é alheia à situação que hoje se vive nos países ocidentais com a escalada do fenómeno do desemprego. 219 Foram, até então, os aspectos económicos e as perspectivas economi­ cistas que mais orientaram esta problemática acerca do discurso sobre o emprego, estando esta visão generalizada patente nas análises actuais de forma quase maniqueísta: emprego/desemprego e suas variantes (sub-emprego, pleno emprego, etc...). De forma inevitável, este empolamento está na origem de um reducionismo incontornável no discurso sobre o social ao qual nem o debate científico, nem as análises mais qualitativas escaparam. Apesar disso, muitas vezes se surpreendem esses mesmos analistas e reconhecem apressadamente que, afinal, os próprios conceitos - para não falar no processo de categorização dos grupos humanos - não expressam senão o resul­ tado da interacção de forças sociais a que o contexto histórico dá forma. Assim, desde a génese dos grupos sacio-profissionais à qualificação individual, deparamos com um processo yue envolve toda uma negociação complexa o qual se toma premente analisar e interpretar. A tentativa de desfocalização meramente económica surge com estes dois autores ligados a equipas de pesquisa no Centre National de Recherche Scientifique (CNRS- Paris) que estão na origem da produção de uma série de trabalhos recentes e especializados de que "Sociologie de I 'Emploi" é exemplo típico . Deste modo, o mérito desta obra, em nosso entender, reside principalmente no facto de terem deslocado os termos da problemática de um centro gravi­ tacional que tradicionalmente foi o ecohómico para as relações de trabalho wnsideradas à escala societal. Se é facto irrefutável que, " a repartição do emprego (hoje em dia) seja expressão de uma distribuição (desigual) de um bem raro entre as diversas categorias sociais ", não é menos verdade que essa divisão obedece a uma lógica de legitimação social, tanto por parte dos indivíduos detentores das quaJifjcações tidas como mais adequadas, ou simplesmente exigidas, como no acesso a esses mesmos pdstos de emprego. Devemos aii:}da, sublinhar que é também em torno de tal processo de legitimação· que se estrutura a vida activa e mesmo a inacüva, como por exemplo o desemprego e a aposentadoria perspectivados não na óptica técnico-funcional, mas em termos de 220 oportunidades ou da inexistência dessas no acesso ao emprego ou, ainda, através de mecanismos de exclusão existentes no mercado de trabalho. No caso presente, ainda que não esgotando os significados sociológi­ cos de tão exígua realidade, o trabalho apresentado ultrapassou este difícil patamar no qual os outros enfermam lançando as bases descri ti vas e conceptuais de u ma desconstrução, ou de uma análise da segmentação e de reagrupamento social, enquanto aspectos de rede­ finição obrigatória na compreensão dos processos sociais. O espaço concreto que moveu a presente investigação foi a situação francesa, realidade com inúmeras particularidades, mas cuja situação sacio­ -laboral é exemplificativa da modema organização do trabalho e. por isso mesmo, extravaza amplamente o espaço estudado. Neste sen­ tido, é notória uma certa preocupação comparativa entre os países membros da Europa Comunitária. Parece-nos importante considerar este tipo de questões em termos de interesse de investigação. Este, não pode deixar de ser inserido na conjuntura em que emerge e à luz da qual é passível de ser interpre­ tado, isto é, dentro do contexto político-laboral actual que faz do tema (ou dos temas implícitos) o centro nevrálgico das preocupações deste final de século. A instabilidade, ou a desestabilização, nas relações de emprego prender-se-á com a redefinição em curso a nível de papéis e atribuições dos agentes sociais dentro do Estado-Nação. A nova ordem emergente configura novas categorias sociais fazendo vacilar um conjunto de referentes adquiridos e solidamente instituídos e, no entanto, menos consistentemente compreendidos ou defendidos. Licínio Tomás 221 BOURDELAIS. Patrice, L'âRe de lu Vieillesse I Histoire du vieil/is­ sement de la population, Editinns Odile Jacob. Paris, Fev- 1993, 44 1 pág.s. O autor nesta obra analisa uma temática fulcral da actualidade: o envelhecimento das populações humanas, trabalho que surge na convergência de uma actividade científica notável no campo da Demografia Histórica e das repercussões económico-sociais resul­ tantes do declínio da natalidade observada nos países ocidentais. A obra questiona de forma ímpar a acuidade da categoria social que são os idosos, tanto em termos sacio-históricos. como na sua con­ ceptualização demográfica. Com efeito, são vários os factores que concorrem para a sua formação. A análise empreendida tem particu­ lar incidência no desenvolvimento da categoria estatística - os idosos - que é, aliás, indicador dessa mesma realidade social e reflecte a preocupação com os mais que sexagenários. Assim, quer lhe chamemos Terceira Idade/ Velhos/ ou simplesmente População Idosa, o feixe de problemas que se levanta é o mesmo: o peso e lugar desta categoria na vida económica e na organização social actual. 223 Sem dúvida que dizer que o nosso país ou a Europa envelhecem é, antes de mais, dar conta do peso crescente que esta camada adquire na estrutura populacional . No entanto, Bourdelais reabilita a investi­ gação em Demografia Histórica deixando suficientemente explícito que ela é uma vertente de suma importância para a compreensão do referido fenómeno. Assim sendo, é talvez nesse sentido que a história dos países industrializados ressalta como paradigmática. Por outro lado, subjaz, quase como advertência latente, que a noção-mestra de envelhecimento recobre (e encobre) significativas diferenças es­ paciais e temporais, como não podia deixar de ser, mas também sacio-culturais e até ideológicas. problemática em questão, mas também um balanço da investigação acerca do envelhecimento que recoloca a tónica na tradição do Ocidente e na herança fatídica de uma sociedade não gerontocrática na qual predominam os velhos (em proporção) que não forçosamente "os velhos do Restelo"! Licínio Tomás Deste modo, não obstante o seu pendor analítico-demográfico, existe uma preocupação latente em lançar mão da génese histórico-social dos conceitos-chave. (hoje muito apropriados pelo discurso político), retomando inclusive a própria invenção. pelos demógrafos, da noção operatória de envelhecimento e das suas consequências a nível económico. Em termos de análise demográfica. a exorcisação dos números tem sido o método unanimemente seguido quer na comparação evolutiva, quer como meio de diagnóstico situacional, e, ainda que não constitua a panaceia do conhecimento global. torna-se imprescindível neste campo. No entanto, o conhecimento acerca de realidade tão com­ plexa defronta ainda carências em termos de complementaridade disciplinar. Para além da demografia histórica e da análise demo­ gráfica, o estudo consubstancia-se num conjunto de pesquisas em­ preendidas também a nível de uma demografia social e de uma sociologia da velhice. Como refere o próprio autor, o impacto destes estudos contribui menos para mudar a nossa maneira _ç!e pensar a realidade do que a pressão social manifesta do fenómeno, a qual leva irremediavelmente a uma mudança de atitudes no quotidiano e, de forma bem mais premente, no nosso quadro de vida societal. _./ Esta obra constitui, não só um contributo para um debate já forte­ mente alicerçado na comunidade científica e politica acerca da 224 Nota I - A institucionalização destas preocupações é p;u1icularmente saliente na redelinição dos regimes de pensões c contribuições para a Segurança Social. De forma imperativa também o é o lugar das pessoas idosas nas sociedades industrializadas cuja expressão mais relevante originou em 1993 o Ano Europeu dos Idosos e da Solidariedade entre Gerações. 225