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Recensão crítica: "Lusitanidade e Negritude"

2020

Recensão crítica do discruso de Léopold Sedar Senghor entitutaldo "Lusitanidade e Negritude". Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Lusofonia e CPLP no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

Recensão crítica: “Lusitanidade e Negritude” De Léopold Sédar Senghor Edição: Academia de Ciências de Lisboa – Instituto de Altos Estudos – Nova Série; Fascículo 1 Lisboa, 1975 Maria Luísa Amorim da C. Carvalho 230656 Lusofonia e CPLP Prof. Pedro Borges Graça 1 1. Introdução O presente trabalho consiste na elaboração de uma recensão crítica que versa sobre a temática da aproximação das culturas portuguesa e africana seguindo a comunicação de Léopold Senghor intitulada "Lusitanidade e Negritude". Tal desafio é realizado no âmbito da disciplina de Lusofonia e CPLP lecionada pelo Prof. Pedro Borges Graça. Posto isto, a intenção do respetivo trabalho passa por analisar o discurso acima mencionado e refletir criticamente sobre a temática nele apresentada. Segue-se assim uma pequena introdução ao tema e à obra, alvo desta recensão. Léopold Sédar Senghor foi um singular académico, chefe de estado, poeta e escritor Senegalense agraciado com o Grande-Colar pela Ordem Militar de Sant'Iago da Espada em Portugal, que viveu entre 1906 e 2001. É autor do discurso intitulado: "Lusitanidade e Negritude", proferido a 27 de janeiro de 1975 na Academia das Ciências de Lisboa. O documento insere-se num contexto posterior ao golpe de 25 de Abril, permitindo a liberdade de expressão fundamental para qualquer declaração como a que se segue, conforme reitera o autor na página 28: "Naturalmente, eu não vos faria esta conferência durante o regime de Salazar [...] o Portugal novo não sofre de complexos [...]". Primeiro presidente da República do Senegal e um dos precursores do conceito de "Negritude", Léopold Senghor pretende com a sua exposição aproximar culturas distintas com o mesmo ideal de dignificação humana, unindo-as no que lhes é comum, promovendo uma convivência fraterna entre as “Raças” num período póscolonial. 2 2. Desenvolvimento A análise do texto através de uma perspectiva puramente formal, inicia-se com uma introdução em que o autor passa a cumprimentar e agradecer aos presentes, faz uma breve referência à história da Academia em que se encontra e, finalmente, passa a apresentar o objetivo principal do discurso. Expõe suas ideias e factos sobre a civilização portuguesa, passando pela composição da sua etnia até o que denomina por ser a natureza gentil do homem português. E, de seguida, após uma sumária exposição da cultura africana, celebra as parecenças entre ambas a fim de chegar ao encontro de um fundamento para a tal "Comunidade luso-afrobrasileira". Começa por caracterizar o povo português como um povo rude e trabalhador, guerreiro e resistente ao invasor, dando exemplos como o de Viriato em 181 a.C. e de seu papel na resistência contra a expansão romana na Hispânia nas guerras lusitana, bem como o fez Fernando Pessoa em sua obra "A Mensagem" relativamente à mesma personagem histórica: "Vivemos, raça, porque houvesse/Memória em nós do instinto teu". Ao fazê-lo mostra-se empático com os portugueses, reconhecendo que a sua história colonizadora - e aqui utilizo a expressão sem qualquer conotação negativa - é produto da sua própria natureza: "Povo trabalhador pois, este que desbravou as selvas [...] do Novo Mundo [...]" (pág. 32). O facto de o próprio Léopold Senghor ter sido também um poeta, e ainda professor de literatura, atribui-lhe uma certa autoridade quando cita outros poetas portugueses como Camões e Pessoa, que exaltam o povo português em suas respetivas obras máximas: cantam, segundo o autor, a força, o ardor e a grandeza de alma, mais do que só nos “Descobrimentos” como também no comércio mercantilista e nas inovações técnicas da altura, não esquecendo o enorme contributo português para o alargamento do conhecimento do mundo no séc. XV. Mostrando-se claramente ávido a rica cultura portuguesa através de elogios que faz 3 tanto à nível da coragem e da força quando à nível cultural, contribui de forma positiva - na perspectiva de um português - para a construção de sua tese. O autor não hesita em salientar a gentileza e a doçura do povo português, seja através dos comportamentos - e aqui dá o exemplo do icónico abraço entre portugueses e africanos que seguia à assinatura dos tratados das negociações de libertação em África -, ou até através das expressões linguísticas correntes como o "[...] por favor, obrigado, com licença, etc." (pág. 38). Toda esta "ternura portuguesa" expressa-se ainda, segundo o autor, na Xenofilia própria do português: a sua simpatia - e até empatia - pela cultura estrangeira, algo que se confirma quando se vê a quantidade de portugueses que vivem completamente adaptados no estrangeiro. Léopold Senghor acredita ainda que esta gentileza e ternura que encontra no povo lusitano também é comum aos “Negros”: ressalta a honestidade e a cortesia com que os próprios recebiam os colonizadores - mesmo que numa posição de inferioridade -, e até nas expressões linguísticas. Dá o típico exemplo da "saudade", palavra portuguesa para o qual até encontra correspondente nas línguas negro-africanas, presumindo que esta afinidade linguística luso-negra expressa uma relação de parentesco bastante profundo. Numa segunda parte, dedica-se a defender o seu "sangue negro" naquilo que para si mostra-se indispensável na união das duas culturas: a força e o trabalho. Ambas são características exaltadas por Léopold Senghor tanto na etnia portuguesa: "Povo trabalhador pois, este que desbravou as selvas [...]" (pág. 32), como na raça africana: "[...] os Negros [...], construíram, à força de trabalho e de audácia, o Novo Mundo." (pág. 36). Refere-se ainda ao valor dos guerreiros negros nas literaturas grega e romana e salienta o seu vigor e capacidade de trabalho, fazendo um interessante paralelo entre as raças com base nessa mesma característica, dando um exemplo comum à história de ambas as culturas: o "Novo Mundo". Ao apresentar um elemento histórico-cultural comum aos portugueses e africanos, constrói um laço que vai para além de um elenco de características étnicas similares. Demonstra que ambas partilham uma história comum, o que, mais do que uma língua, mostra ser a grande componente de união entre os dois povos: 4 a história constrói tradição e cultura. O conceito de Kulturgeschichte (História Cultural) define exatamente isto: a antropologia combinada com a história. de certa forma define a cultura de determinado povo, que é levada como parte daquilo que representa o seu passado e simboliza as suas raízes. Dito isto, a breve menção que faz ao "Novo Mundo", que para muitos até pode passar despercebida, ou até atrevo-me a dizer - escusada, no presente trabalho apresenta-se como principal objeto de análise para a fundamentação da tese defendida pelo autor. Duas culturas que partilham o mesmo elemento histórico, mesmo que de diferentes perspectivas, inevitavelmente hão de partilhar também alguns fundamentos culturais. E, se assim o é, mais motivo há para a sua união do que para o contrário. 3. Conclusão Tendo em conta tudo o que foi acima mencionado, o que parece ser o verdadeiro elo de convergência da Lusitanidade e Negritude é, para além das características étnicas ao longo do discurso mencionada e as parentes expressões linguísticas, o passado e legado comum entre elas: o Descobrimento do Novo Mundo para o português e a colonização para o africano, que com denominações e alcances diferentes referem-se ao mesmo fenómeno. A troca de experiência e cultura que se deu em tal momento histórico contribuiu de forma positiva, para ambos os lados, para a construção de cada uma das identidades culturais, corroborando para que desenvolvessem tal sinergia. O estudo do discurso de Léopold Senghor expõe a paridade entre as culturas de forma cativante e gentil, sendo sempre muito cordial com o público e na forma como aborda o assunto da colonização que, em 1975, era ainda e de certa forma, bastante sensível aos portugueses. A tendência na época era justamente o contrário, o que mostrou-se bastante intrigante. Para além da subtileza com que versa sobre este assunto, admira-se ainda o facto de ser africano e "colonizado" e, ainda assim, posicionar-se em prol de uma união de culturas e de povos e de tudo aquilo que lhes é comum, desmerecendo o que lhes afasta. Concluo não deixando de ressaltar a importância da paz e da comunhão em solidariedade entre povos unidos por um passado, nunca pondo em causa as suas 5 próprias identidades culturais, que podem ser diferentes, mas sempre complementares. 4. Bibliografia • Apontamentos de aula • Burke, P. (2008). O que é História Cultural? Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora. cap. III • Henriques, I. C. (2019) A Presença Africana em Portugal, uma história secular: preconceito, integração, reconhecimento (séculos XV-XX). Lisboa, Ligrate - Atelier Gráfico, Lda., 1ª ed. • Pessoa, F. (1972) Mensagem. Lisboa, Ática, 10ª ed. • Sénghor, L. S. (1975). Lusitanidade e Negritude. Lisboa, Academia de Ciências de Lisboa - Nova Série - Fascículo 1 6