Cadernos Temáticos da Conseg
Ano 01
2009
N. 5
Uso progressivo da força:
dilemas e desafios
Ministério da Justiça - 2009
Cadernos Temáticos da Conseg
ISSN 2175-5949
N.5, Ano 01, 2009
64 pp
Brasília, DF
Uso progressivo da força:
dilemas e desafios
Ministério da Justiça - 2009
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Justiça
Tarso Genro
Secretário Nacional de Segurança Pública
Ricardo Brisolla Balestreri
Expediente
Coordenadora Geral da 1a Conferência Nacional de Segurança Pública
Regina Miki
Editor
Luciane Patrício Braga de Moraes
Conselho Editorial
Fernanda Alves dos Anjos (MJ)
Haydée Caruso (SENASP - MJ)
Jacqueline de Oliveira Muniz (PMD - UCAM)
José Luis Ratton (UFPE)
Luciane Patrício Braga de Moraes (MJ)
Luis Flávio Sapori (PUC - MG)
Marcelo Ottoni Durante (SENASP MJ)
Paula Miraglia (ILANUD)
Regina Miki (MJ)
Renato Sérgio de Lima (FBSP)
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (PUC - RS)
Thadeu de Jesus e Silva Filho (SENASP - MJ)
Capa e Diagramação
Tati Rivoire
Tiragem: 5.000 exemplares
ISSN 2175-5949
Cadernos Temáticos da CONSEG
Coordenação Geral da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública
Ministério da Justiça – Ano I, 2009, n. 05. Brasília, DF.
Todos os direitos reservados ao
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (MJ)
Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Edifício Sede
Brasília, DF – Brasil – CEP 70064-900
Telefone: (61) 2025-9570
Impresso no Brasil
SUMÁRIO
Carta do Secretário
7
Apresentação
9
Uso Progressivo da Força Letal: Dilemas e Desafios
Elizabete Albernaz
12
Variables y justificaciones asociadas al uso
de la fuerza por la policía: una visión comparada
Luis Gerardo Gabaldón
16
A importância da formação na
mudança de paradigmas no uso da força letal
Fábio Manhães Xavier
26
Elementos para a criação de uma
matriz curricular sobre o uso da força
Suzana Varjão
41
Uso comedido da força letal:
construindo um protocolo de engajamento
Paulo Storani
47
Uso Progressivo da Força:
Dilemas e Desafios: Resumo de propostas
59
Carta da Secretária
A 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública tem como um
dos seus objetivos consolidar a segurança pública como um direito
fundamental do cidadão e, para tanto, construir uma política nacional
de segurança pública com a participação da sociedade civil, dos trabalhadores em segurança pública e representantes do poder público.
Nesse contexto, os Seminários Temáticos tiveram como objetivo principal a ampliação da participação de segmentos específicos no
processo da 1ª CONSEG, bem como a qualificação e o aprofundamento
da discussão de determinados temas relevantes presentes nos sete eixos temáticos que compõem o Texto-base da Conferência.
Para debater e definir princípios e diretrizes para o Eixo Temático
4, que trata da repressão qualificada da criminalidade e problematizar
os parâmetros utilizados para fundamentar o uso da força por parte
das organizações policiais foi realizado o Seminário Temático “Uso progressivo da Força: dilemas e desafios”.
Na ocasião, foram discutidas possibilidades de diminuição da
letalidade policial, por meio da adoção de treinamentos mais qualificados, protocolos de ação e ainda uso de tecnologias menos letais.
Tais discussões são pertinentes no momento em que nos confrontamos com a necessidade de racionalizar o uso das armas letais,
dentro do conceito do escalonamento da força e da diminuição da espiral da violência.
Desenvolver práticas que contemplem o uso progressivo da
força e privilegiar ações policiais de caráter preventivo é fundamental
para aprimorar a relação entre a polícia e a comunidade.
O Seminário Temático suscita a reflexão sobre a necessidade de
compatibilização entre os princípios do uso da força letal pelas organizações policiais e os princípios de direitos humanos consagrados nos
tratados internacionais, em sintonia com a temática da segurança com
cidadania da 1ª CONSEG.
O presente Caderno temático constitui um documento que
sintetiza o debate realizado entre atores diretamente envolvidos com
este campo de conhecimento, seja do ponto de vista acadêmico seja
do ponto de vista de exercício da atividade profissional, e deve orientar
as discussões que serão realizadas na etapa nacional da 1ª CONSEG.
Regina Miki
Coordenadora Geral da 1ª Conferência
Nacional de Segurança Pública
7
Apresentação
A promulgação da Constituição Federal de 1988 – também
conhecida como a “Constituição Cidadã” – viabilizou novos compromissos políticos e sociais no sentido da legitimação da democracia, do federalismo e da participação como grandes pilares
estratégicos da organização do Estado. Embora estabelecido em
nível político-institucional, o movimento de democratização brasileiro enfrenta ainda o desafio de alcançar as práticas cotidianas
dos cidadãos, permeando as relações da população com as diversas agências (e agentes) do poder público, com os espaços e
com os indivíduos que o povoam. A experiência democrática dos
últimos 20 anos tem reiterado esta constatação, demonstrando
que o leque de garantias constitucionais não se projeta de modo
uniforme na realidade social brasileira. Recortes sócio-econômicos, de gênero, étnico-raciais, articulam-se de forma complexa
em nossa história social, ditando o ritmo de expansão destas
garantias entre as diversas “classes de cidadãos”. Para segmentos bastante expressivos da sociedade brasileira, o exercício de
certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, não
gerou automaticamente o gozo de outros, como a segurança e
o emprego, colocando para os governos democráticos o desafio
da afirmação ativa da cidadania plena no Brasil (Carvalho, 2002)1.
Esta tarefa, na atualidade, tem se caracterizado pelos esforços
governamentais em qualificar os canais institucionais de participação e controle social, atendendo a antigas reivindicações dos
movimentos sociais.
As Conferências, neste sentido, tem sido muito utilizadas
enquanto ferramenta de consulta aos diversos atores envolvidos
na implementação de políticas públicas setoriais, mobilizados
em nível federal, estadual, municipal e comunitário. Por meio
das Conferências, a sociedade brasileira se reconhece como uma
verdadeira comunidade política, capaz de deliberar sobre questões que afetam a vida diária de todos e todas, indistintamente.
Obviamente, isso faz das Conferências processos tão ricos quanto desafiadores. Com frequência, elas trazem para a ordem do
dia problemas estruturais da nossa sociedade, os quais até então não tem encontrado canais adequados de resolução, quer
no sistema político, quer no sistema jurídico. Nessas ocasiões, as
potencialidades do modelo são postas diretamente à prova: as
Apresentação
1 CARVALHO,
José Murilo
(2002). Cidadania
no Brasil: O
longo caminho.
Rio de Janeiro:
Civilização
Brasileira.
9
Conferências podem encarar o desafio histórico que lhes é colocado ou podem simplesmente desviar-se dele; podem romper com
consensos previamente estabelecidos ou podem apenas reafirmálos. Tudo depende de como o processo decisório está organizado
e de como, dentro desse processo, os participantes exercitam a
sua responsabilidade política e a sua ousadia democrática.
Frente a este desafio, a convocação da 1a Conferência Nacional de Segurança Pública representa um momento histórico
para o processo de consolidação democrática brasileira. Ao partilhar o poder de gestão com a sociedade, a Conferência estabelece um marco de transformação das práticas tradicionalmente adotadas na construção de políticas públicas de segurança
em nível nacional, estadual, municipal e comunitário. Espera-se
que a ampla mobilização social catalisada pelas etapas eletivas
e preparatórias da 1a CONSEG sedimente as bases principiológicas, institucionais e práticas do paradigma de segurança com
cidadania, centrado na tríade participação, prevenção social e repressão qualificada. Com diferentes aproximações em relação ao
tema, trabalhadores da área de segurança pública, poder público
e organizações da sociedade civil encontram-se hoje envolvidos
em um amplo processo de pactuação coletiva sobre os rumos
desta mudança.
Enquanto etapas preparatórias da 1a Conferência Nacional
de Segurança Pública, os Seminários Temáticos são ferramentas
indutoras de participação e de contribuições críticas, assumindo
a responsabilidade de ampliar o leque de capacidades técnicas
e políticas dos atores mobilizados, para que ocupem de modo
qualificado os espaços de co-gestão estabelecidos. Propostos
por instituições reconhecidamente competentes no trato dos fenômenos abordados, a realização dos Seminários Temáticos viabilizo um maior aprofundamento acerca de tópicos específicos
da organização e funcionamento do sistema de segurança pública e justiça criminal, contemplados nos sete eixos da 1a CONSEG.
Neste sentido, o presente Caderno Temático reúne as principais contribuições do Seminário Temático Uso Progressivo
da Força: dilemas e desafios, realizado no dia 03 de julho de
2009, na sede do Viva Rio – ONG responsável pela organização
do evento no Rio de Janeiro. O Caderno está dividido em três
partes: a primeira traça um breve panorama do campo temático
e do contexto de realização do evento; na segunda, encontramse publicados papers de painelistas do Seminário – Luis Gerardo
Gabaldón, Fábio Manhães Xavier, Bernadete M. P. Cordeiro e Pau-
10
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
lo Storani – que, lidos em seu conjunto, oferecem ao leitor importantes aprofundamentos e reflexões sobre o valor estratégico do
debate sobre a contrução de protocolos de uso da força para as
instituições de segurança pública. Por fim, encerrando o Caderno,
foi sistematizada, a partir das contribuições das oficinas – realizadas com a participação de acadêmicos, policiais e representantes de movimentos sociais – uma proposta de agenda para este
campo temático, que será incluída no Caderno de Propostas da
1a Conferência Nacional de Segurança Pública.
Apresentação
11
Uso Progressivo da Força:
Dilemas e Desafios*
Elizabete Albernaz**
* Colaboraram
na elaboração
deste artigo
Ludmila Ribeiro
e Daniel Luz.
** Elizabete
Albernaz é
antropóloga
pelo Museu
Naiconal (UFRJ)
e pesquisadora
na área da
segurança
pública. Atuou
como consultora
do Ministério
da Justiça/
PENUD para
a elaboração
dos Cadernos
Temáticos da
Conseg.
1 BITTNER, Egon,
2003c. “Florence
Nightingale
Procurando
Willie Sutton:
Uma Teoria
da Polícia”. In:
BITTNER, Egon,
2003. Aspectos
do Trabalho
Policial. São
Paulo, Editora da
Universidade de
São Paulo; pp.
219-250.
12
Atualmente, o debate acerca dos limites do uso da força pelas organizações policiais tem se tornado cada dia mais acalorado,
envolto em polêmicas sobre a eficiência das “soluções policiais”
concretas ofertadas a uma população que clama por mais segurança. O aumento da presença policial costuma ser a tônica da solução, acompanhada de reivindicações por mais armamentos (e
cada vez mais letais), mais viaturas e, de forma muitas vezes velada,
do aumento da “intensidade” das respostas policiais à criminalidade. Aprisionadas por essa lógica perversa, muitas organizações
relegam a supremacia tática e técnica de seus efetivos a segundo
plano, centrando-se no provimento (muitas vezes inadequado)
dos aspectos materiais do exercício da função policial (armas, viaturas, efetivo etc.).
Para o profissional de segurança pública, que precisa fazer
escolhas de caráter irrevogável em tempo real, deter somente os
recursos materiais para a ação não resolve as demandas complexas envolvidas no processo de tomada de decisão policial, em cujo
centro encontra-se o debate sobre o mandato de uso da força. Enquanto possibilidade ou realidade concreta, a força define o próprio
lugar de polícia, o que ela é e o que ela faz – ou o que ela pode e
está autorizada a fazer para validar as regras que regem o pacto social. É porque se trata de uma organização autorizada a empregar a
força, real ou potencial, que chamamos a polícia para mediar conflitos, buscar soluções pacíficas, legítimas ou para resolver tudo aquilo
que “não deveria acontecer e sobre o que seria bom alguém fazer
alguma coisa imediatamente” (Bittner, 2003:234)1.
Diversos elementos estão implicados na discussão sobre o
mandato de uso da força da polícia: discricionariedade, treinamento adequado, uso ou não de certos equipamentos e tipos de armamentos, valorização profissional, tipo de interação com a cidadania,
cadeia de responsabilidades, criação de procedimentos e protocolos de atuação, etc. Quando estes aspectos não são contemplados
na construção de parâmetros políticos e gerenciais para a atuação
das organizações de força comedida (polícias), relega-se a atividade
policial ao amadorismo, pressionada por falsas dicotomias do senUso progressivo da força: dilemas e desafios
so comum que tendem a confundir emprego de violência e o uso
legal e legítimo da força. Esta confusão, entretanto, não parece se
restringir à população em geral, mas acomete mesmo os próprios
profissionais de segurança pública, que acabam subestimando a
centralidade de mandato de uso da força e os benefícios de seu
adequado emprego:
“O ônus desta indistinção é imenso, sobretudo para as organizações policiais, que se vêem na situação impossível de ter que tomar
decisões em ambientes de incerteza e risco sem qualquer critério que
as oriente quanto à propriedade das alternativas adotadas. Indo mais
longe, este equívoco tem se materializado em falsas questões, onde
se enxergam antinomias que a realidade evidencia como unidades.
Assim, erigem-se falsas contradições, como as que polarizam ‘polícia
força versus polícia serviço’, ou, de forma ainda mais grave, ‘operacionalidade versus direitos humanos’, perdendo-se de vista a especificidade originária das polícias como organizações de força comedida,
inteiramente voltadas para a ‘proteção social’. Vê-se como muito deste debate tem servido para mascarar a centralidade do respaldo pela
força na realidade do trabalho de polícia e do provimento de ordem
pública.” (Diniz, Muniz & Proença Jr., 1999:22)2.
Os efeitos concretos desta indistinção, para o conjunto da
sociedade, são ainda mais devastadores. Quando as próprias organizações policiais negligenciam as exigências táticas e técnicas que
diferenciam a violência e o uso da força, deixando nebulosa a fronteira que define o seu mandato, os incidentes negativos com a população civil tornam-se mais freqüentes. A banalização da utilização
do nível letal de força pela polícia acaba sendo a conseqüência mais
drástica da falta de clareza quanto aos procedimentos e recursos
adotados no curso da ação policial. Sem esta clareza, em ambientes
de elevado risco e imprevisibilidade, pressionados por resultados e
pela demanda pública por segurança, muitos policiais optam por
cursos decisórios em que a letalidade de suas ações eleva-se exponencialmente. Muitas vezes endossada por um tipo de legitimidade
perversa ou tolerada pela simples inação de uma sociedade que erigiu a segurança em um fim em si mesmo, independente dos meios
e métodos empregados, a letalidade da ação policial é um problema grave, amplamente denunciado por organizações de direitos
humanos, nacionais e internacionais:
Centro de Justiça Global, Violência
Policial 2000, Rio de Janeiro, 2001
“No estado de São Paulo, o número de civis mortos pela polícia aumentou de 525, em 1998, para 664, em 1999, o maior índice desde
1992, ano em que a polícia matou 111 presidiários em um massacre
Uso Progressivo da Força: Dilemas e Desafios
2 MUNIZ, J.
PROENÇA JR. D.
& DINIZ, E (1999).
Uso da Força e
Ostensividade
na Ação Policial.
Conjuntura
Política. Boletim
de análise nº 6.
Departamento
de Ciência
Política – UFMG;
pp. 22-26.
13
na Casa de Detenção do Carandiru. Essa tendência se intensificou ao
longo dos seis primeiros meses do ano 2000, quando a polícia de São
Paulo matou 489 civis, o que significa um aumento de 77.2 por cento
com relação à cifra de 1999”.
Human Rights Watch, Overview of Human
Rights Issues in Brazil, Nova York, 2004
“Mais de 800 civis foram mortos em tiroteios com a polícia no Rio de
Janeiro durante os primeiros oito meses de 2003”.
O que essas notícias encobrem, contudo, é o fato de que
por traz da morte de um civil em confronto com a polícia – além
da falência do próprio Estado em garantir-lhe o direito mais fundamental: a vida – existem diversas fragilidades institucionais de
formação, treinamento, controle, supervisão, procedimentalização,
mas também de conscientização do policial sobre as implicações e
constrangimentos vinculados ao uso da força, bem como a ausência de tradição no emprego de tecnologias menos letais por parte
das organizações policiais brasileiras.
Infelizmente, esta situação é agravada pela escassez de acervo reflexivo cientificamente embasado sobre o tema do uso da força,
que, além de promover estudos comparados entre diversos contextos sócio-históricos e culturias de atuação policial, estimule o diálogo entre as diversas (e muitas vezes divergentes) expectativas em
torno da questão: no meio acadêmico, na atuação dos movimentos
sociais, dos gestores públicos, dos próprios agentes, etc. Frente à
impossibilidade inerente de se prever todas as ocasiões e domesticar todas as variáveis implicadas na atividade policial, esta lacuna
reflexiva tem seus efeitos negativos exponenciados pela freqüente
ausência de manuais de procedimentos, treinamento adequado e
de suporte bio-psico-social ao policial no exercício cotidiano de sua
discricionariedade. Para poder decidir sobre os melhores cursos de
ação, muitas vezes em fração de segundos, é crucial prover ao agente policial todos os recursos que lhe permita fazer escolhas seguras
para si e para o público atendido.
Neste sentido, a promoção de uma discussão qualificada sobre os dilemas e desafios do mandato de uso da força no âmbito
das organizações policiais mostra-se de extrema importância. Pensando nisto, acompanhando a mobilização nacional catalizada pela
1a CONSEG, o Viva Rio decidiu colocar o tema em pauta e organizar
o Seminário Temático Uso Progressivo da Força: dilemas e desafios. A motivação para a realização de um evento desta natureza, tal
como destacado nos parágrafos anteriores, decorre da necessidade
de se fomentar o debate sobre essa seara, posto que o tema ainda
14
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
permanece mais temido do que conhecido, tanto pelo meio acadêmico como pelas organizações policiais como um todo.
A promoção de um debate qualificado através da mobilização
de atores diretamente envolvidos com este campo de conhecimento, seja do ponto de vista acadêmico, seja do ponto de vista de exercício da atividade profissional, viabilizou um importante espaço de
reflexão acerca das diversas experiências internacionais e nacionais
nos distintos aspectos relacionados ao uso progressivo da força.
Os resultados do seminário encontram-se sumarizados nos
artigos que seguem, os quais foram especialmente preparados por
cada palestrante para o evento. Com a reunião de todos neste caderno temático espera-se contribuir para a disseminação do conhecimento produzido por policiais e acadêmicos neste campo e, com
isso, dar ensejo a mudanças mais concretas no que diz respeito ao
uso da força pelas organizações policiais brasileiras.
Uso Progressivo da Força: Dilemas e Desafios
15
Variables y justificaciones
asociadas al uso de la fuerza por
la policía: una visión comparada
Luis Gerardo Gabaldón*
1. La cuestión del uso de la
fuerza por parte de la policía
* Universidad
de Los Andes
/ Universidad
Andrés Bello
Venezuela.
1 Bittner, Egon
(1991) “The
Functions of
Police in Modern
Society”, en
Carl B. Klockars
y Stephen D.
Mastrofsky
(editores)
Thinking
about Police,
Contemporary
Readings. New
York, Mac Graw
Hill, pp. 35-51.
2 Idem.
16
En un ensayo clásico, Bittner propuso definir a la policía
en términos de las vías a través de las cuales podría alcanzar sus
propósitos, sugiriendo que ella deberìa entenderse como un
mecanismo para la distribución de la fuerza situacionalmente
justificada en la sociedad. Este concepto resultaría consistente
con las expectativas sociales, con las demandas y con los recursos disponibles por parte de la policía, confiriendo unidad a la
multiplicidad de cometidos que le son asignados por la sociedad
(Bittner, 1991: 44)1. Es un concepto que destaca como atributo
fundamental y función de la policía el uso de la fuerza física en
cualquier situación, y en este sentido nos podría parecer autoritario, sesgado y hasta ilegítimo. Sin embargo, en la medida en
que reconoce esta propiedad fundamental de la policía nos ayuda a entender su funcionamiento y a moderar las consecuencias
negativas del uso excesivo de la fuerza.
La cuestión del uso de la fuerza física por parte de la policía
se ha convertido, en las últimas décadas, en tema de continua reflexión, análisis, explicación, regulación y políticas públicas, dado
que lo que subyace a cualquier intervención policial, independientemente de su contenido, es la capacidad que tiene la policía
para contrarrestar la resistencia, proyectando el mensaje de que la
fuerza puede ser o no utilizada para alcanzar el objetivo previsto
(Bittner, 1991: 45)2. Si tal uso es una propiedad intrínseca de la policía, se hace necesario abordarlo para comprender el desempeño
policial y su vinculación con las expectativas sociales.
La distinción entre uso y abuso de la fuerza puede llegar
a ser problemática. Por una parte hay que distinguir entre abuso extensivo (cuando la fuerza se aplica a situaciones que se
encuentran fuera de los supuestos autorizados por la norma) y
abuso intensivo (cuando dándose el supuesto de hecho autoUso progressivo da força: dilemas e desafios
rizado se viola la regla de proporcionalidad o progresión en su
utilización). También en la evaluación de la fuerza pueden influir
elementos como de la visibilidad en su empleo y su documentación, la audiencia que presencia su despliegue, el poder de
reclamo de las personas afectadas y la tolerancia social hacia
determinadas formas de coacción empleadas por la policía. Por
ejemplo, los estándares para usar gases lacrimógenos pueden
diferir entre países y culturas según cómo se defina qué es una
manifestación pública controlada o incontrolada. Y la aplicación
de castigos físicos directos por parte de la policía puede estar
modulada por las percepciones que se tengan sobre la eficacia
del sistema de justicia penal.
Todas estas consideraciones hacen que la discusión sobre
el uso de la fuerza física policial sea siempre actual y con múltiples implicaciones, así como es difícil llevarla a cabo con una
visión reduccionista y exclusivamente moral.
2. Factores vinculados al uso
excesivo de la fuerza policial en la
literatura de países industrializados
y latinoamericanos
En Estados Unidos existe investigación abundante sobre los
factores organizacionales, personales y situacionales que se encuentran asociados al uso de la fuerza física por parte de la policía.
En un amplio ensayo, Geller y Scott (1991: 453)3 destacaron las condiciones que favorecen la acción de disparar contra los ciudadanos:
funcionarios blancos, en actos de servicio, contra personas negras
en áreas de alta tasa delictiva, con ocasión de llamadas por robos u
otras situaciones que envuelven delincuentes armados. La raza de
las víctimas, que sugiere un desbalance en las fatalidades resultantes, parece estar vinculada con otras condiciones como sospechosos armados o la amenaza percibida por parte de los funcionarios
policiales, si bien disparos contra personas desarmadas no son del
todo excepcionales (Geller y Scott, 1991: 455, 457)4. Por otra parte,
las denominadas llamadas por situaciones perturbadoras (como
casos de personas agitadas sin clara connotación criminal) y el desempeño de los funcionarios en operaciones encubiertas o en unidades tácticas especiales parecen incrementar la probabilidad de los
disparos por parte de la policía (Ibidem: 461, 469). Comentando los
resultados de varios estudios, Worden sintetiza como los más exacVariables y justificaciones asociadas al uso de la fuerza por la policía: una visión comparada
3 Geller, William
A. y Michael S.
Scott (1991)
“Deadly Force:
What We
Know”, en Carl
B. Klockars y
Stephen D.
Mastrofsky
(editores)
Thinking
about Police,
Contemporary
Readings. New
York, Mac Graw
Hill, pp. 446-476.
4 Idem.
17
5 Worden, Robert
E. (1996) “The
Causes of Police
Brutality: Theory
and Evidence
on Police Use of
Force”, en William
A. Geller y Hans
Toch (editores)
Police Violence.
New Haven, Yale
University Press, pp.
23-51.
6 Gabaldón, Luis
Gerardo y Mario
Murùa (1983)
“Interacción policíapúblico: activaciòn,
respuesta
y variables
interpersonales
y situacionales”,
Revista Cenipec, 8:
33-72.
7 Gabaldón,
Luis Gerardo
y Christopher
Birkbeck (1998)
“Criterios
situacionales
de funcionarios
policiales sobre el
uso de la fuerza
física”, Capítulo
Criminológico, 26, 2,
pp. 99-132.
8 Gabaldón,
Luis Gerardo
y Christopher
Birkbeck (1996)
“Estatus social,
comportamiento
ciudadano y
violencia policial:
una evaluación
actitudinal
en policías
venezolanos”,
Capítulo
Criminológico, 24, 2,
pp. 31-59.
9 Fridell, Lorie
A. y Anthony M.
Pate (1997) “Death
on Patrol: Killings
of American Law
Enforcement
Officers”,en Roger G.
Dunham y Geoffrey
P. Alpert (editores)
Critical Issues in
Policing. Prospect
Heights, Waveland
Press, pp. 580-608.
18
tos predictores del uso de la fuerza el antagonismo del sospechoso,
su agitación o intoxicación, su pertenencia a las clases pobres, así
como algunas variables situacionales como presencia de otros ciudadanos y/o funcionarios y gravedad del delito. Las características
personales de los funcionarios, con excepción de la juventud y la
corta experiencia, al parecer no guardan relación con la propensión
hacia el uso de la fuerza física (Worden, 1996: 34-35)5.
La investigación latinoamericana en esta materia no está
apoyada en bases de datos confiables o en registros llevados por la
policía, que en caso de existir, no son accesibles al público. A nivel
situacional, algún estudio latinoamericano de observación directa
sobre la policía confirma ciertos hallazgos estadounidenses, como
la asociación entre fuerza física y apariencia de pertenencia a clases
pobres, antagonismo ciudadano y número de funcionarios presentes (Gabaldón y Murúa, 1983)6. Otras investigaciones sugieren que
las variables asociadas con el uso de la fuerza van más allá de los
prejuicios de clase, la resistencia o la coalición funcional. En un estudio llevado a cabo a través de 50 entrevistas con oficiales policiales
supervisores en una ciudad del sudoeste de Venezuela, determinamos que la percibida habilidad en el ciudadano para introducir un
reclamo exitoso es un predictor significativo de la decisión de utilizar menos fuerza por parte de la policía (Gabaldón y Birkbeck, 1998:
122-125)7. En una evaluación ulterior sobre disposiciones hacia el uso
de la fuerza física, utilizando situaciones hipotéticas representativas
de agresión, resistencia e insultos, pudimos constatar que, si bien el
comportamiento agresivo de parte del ciudadano es el que mejor
predice tal disposición, las percepciones de baja respetabilidad y
baja influencia se encuentran también asociadas a ella, en el continuo entre conversación, restricción física, uso de puños, del bastón
de mando y del arma de fuego (Gabaldón y Birkbeck, 1996)8.
Las situaciones de riesgo e incertidumbre parecen importantes para la explicación del uso de la fuerza por parte de la policía. En
una amplia evaluación de los casos atinentes a 713 policías muertos
entre 1983 y 1992 en Estados Unidos, Fridell y Pate (1997: 586, 588)9
encontraron que un 40% implicó un contacto primario con el atacante y 56% de las muertes policiales ocurrieron a corta distancia del
agresor, lo cual sugiere que el riesgo implícito en cada situación pudo
haber sido subestimado por los policías. La percepción y presencia
misma de la situación de riesgo puede también variar entre culturas y
países. La proporción entre muertes civiles y policiales ha sido estimada, para Estados Unidos, en alrededor de 7 a 1 (Chevigny, 1991: 192)10.
Chevigny (1991: 206, 209)11 ha estimado dicha proporción en cerca
de 12 a 1 para Buenos Aires, entre 1983 y 1985, y en cerca de 10 a 1
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
para el estado de Sao Paulo, Brasil, entre 1982 y 1987. Una estimación
reciente para Venezuela indica una relación entre civiles muertos por
cada policía de 11 a 1 para 2005 (Antillano, 2007: 108)12.
La investigación cualitativa en América latina muestra que
el riesgo, el extrañamiento y la oposición entre los ciudadanos y la
policía es una percepción bastante extendida. Luego de entrevistar a 25 policías en Guadalajara, México, entre 1999 y 2000, Suárez
de Garay (2006: 201, 220, 290)13 encontró extenso desánimo por no
encontrarse preparados para enfrentar confrontaciones armadas,
miedo asociado a las tareas sin suficiente información contextual y
excesivo uso de la coacción como consecuencia de stress y del riesgo representado por los ciudadanos resistiendo el arresto policial.
Paes Machado y Vilar Noronha (2002)14 hablan de “la gente contra la
policía” cuando analizan las entrevistas con los residentes pobres de
un barrio en la ciudad de Salvador, Brasil, y describen las expectativas ciudadanas hacia el uso de la fuerza policial contra “marginales”,
a la vez que la desconfianza hacia el desempeño policial hacia los
“buenos ciudadanos”. Por su parte Santos (1992: 138, 144)15, refiriéndose al caso venezolano, concluye que amplios sectores de la población apoyan las redadas policiales que coliden con los derechos
humanos, si bien se encuentran en una relación de hostilidad con la
policía, donde la desconfianza y la sospecha son comunes.
La incertidumbre es una variable que debe ser considerada
seriamente para la explicación y el control del uso de la fuerza
por parte de la policía, al menos esa fuerza que no se aplica como
consecuencia de premeditación y planificación. Así, la predominancia de los disparos a corta distancia y las amenazas percibidas
por los funcionarios (Blumberg, 198916, Alpert, 199717), sugieren
aproximaciones descuidadas por parte de la policía de consecuencias inesperadas. Los robos y las llamadas por situaciones de
perturbación, así como la prevalencia de funcionarios de civil o en
tareas encubiertas en los disparos policiales (Geller y Scott, 1991:
459, 451)18 pueden indicar situaciones en las cuales las reacciones de las personas envueltas no fueron fácilmente anticipadas
o en las cuales la identidad disimulada del funcionario impidió
la rápida sumisión del sospechoso. La predominancia del uso de
la fuerza entre los departamentos policiales mejor organizados
(Worden, 1996: 4519; Birkbeck, Gabaldón y Norris, 200320) podría
indicar protocolos más rígidos para la aproximación de situaciones frente a las cuales se busca una solución más rápida y menos
negociada, en casos de resistencia u oposición.
Entre los autores latinoamericanos las consideraciones de
la incertidumbre y el riesgo no han pasado desapercibidas, si bien
Variables y justificaciones asociadas al uso de la fuerza por la policía: una visión comparada
10 Chevigny,
Paul (1991)
“Police deadly
force as social
control: Jamaica,
Brazil and
Argentina”
en Martha
K. Huggins
(editora)
Vigilantism
and the State in
Modern Latin
America. New
York, Praeger, pp.
189-217.
11 Idem.
12 Antillano,
Andrés (2007)
“Características
de la policía en
Venezuela”,en
Luis Gerardo
Gabaldón y
Andrés Antillano
(editores),
La Policía
venezolana:
desarrollo
institucional y
perspectivas de
reforma al inicio
del tercer milenio
( vol I.) Caracas,
Comisión
Nacional para la
Reforma policial,
pp. 65-158.
13 Suárez de
Garay, María
Eugenia (2006)
Los policías: una
averiguación
antropológica.
Guadalajara.
Universidad de
Guadalajara.
14 Paes
Machado,
Eduardo, Ceci
Vilar Noronha
e Sergio Abreu
(2006) “Relatorio
Preliminar do
Projeto sobre
o uso da forca
policial, Brasil”,
pp. 111 (mimeo)
19
no se articulan siempre con propuestas explícitas. Suárez de Garay
(2006: 219)21 sostiene que la impredecibilidad y el miedo contribuyen a la motivación policial hacia la destrucción y la agresividad.
Por su parte, Paes Machado y Vilar Noronha (2002: 68, 71)22 encontraron amplio acuerdo entre funcionarios y ciudadanos sobre la
respuesta violenta policial hacia la violencia criminal, considerando en un caso que, sintiéndose los propios policías amenazados
por informantes u otras personas de condición marginal, aquéllos
podrían aplicar la supresión física como forma de “eliminación rápida” de archivos comprometedores.
15 Santos,
Tamara (1992)
Violencia
criminal y
violencia policial
en Venezuela.
Maracaibo.
Instituto de
Criminología.
Universidad
del Zulia.
16 Blumberg,
Mark (1997)
“Controlling
the police
use of deadly
force: Assessing
two decades
of progress”,
en Roger G.
Dunham y
Geoffrey P. Alpert
(editores) Critical
Issues in Policing.
Prospect
Heights,
Waveland Press,
pp. 580-608.
17 Alpert,
Gordon P. (1997)
“Police use of
deadly force:
The Miami
experience”,
en Roger G.
Dunham y
Geoffrey P.
Alpert (editores)
Critical Issues
in Policing.
Prospect
Heights,
Waveland Press,
pp. 580-608
20
3. Las justificaciones frente
al uso de la fuerza según los
policías en diversos países
No es frecuente la investigación que se dirige a los propios
policías para indagar sus apreciaciones y percepciones sobre el uso
de la fuerza física. A partir de 200123 convocamos a un proyecto internacional comparado para explorar los marcos normativos y las
justificaciones empleadas por los funcionarios policiales para el uso
de la fuerza física (Véase, Gabaldón y Birkbeck, 2001 , cap. 1 y Stenning et. al., 2009)24. Los datos fueron recogidos por investigadores
independientes a través de grupos focales adelantados entre 2003
y 2005 con policías en Alemania, Australia, Brasil, Holanda, Inglaterra
y Venezuela. Se utilizó un escenario hipotético común que describe
un encuentro entre dos policías y dos sospechosos, en una situación
de un automóvil aparentemente robado y consumo de marihuana,
que progresa hacia una situación de insultos a la policía, escape,
persecución y enfrentamiento armado.
Una revisión de las razones esgrimidas para el uso de la fuerza
por los policías de los diversos países en las diversas fases del escenario permite clasificarlas en instrumentales y simbólicas, según el
significado que asume el uso de la fuerza. Por otro lado, a acuerdo
al argumento presentado para expresarlas, las justificacións pueden
distinguirse entre aquellas de carácter técnico y con fundamentación
interna (esto es, ancladas en manuales y procedimientos) y aquellas
de sentido común y con fundamentación externa (esto es, ancladas
en percepciones sobre lo que piensa el común de la gente).
Las razones instrumentales tienen que ver con los dos objetivos legales y estatutarios admitidos para el uso de la fuerza física
por parte de la policía: defensa y neutralización de una persona que
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
representa alguna amenaza. Las razones simbólicas, por otro lado,
tienen que ver con la afirmación de la propia identidad, su rol en la
comunidad y el efecto de demostración que genera la policía cuando actúa. Por otro lado, las justificaciones técnicas e internas guardan relación con parámetros de desempeño profesionales y eficientistas, mientras las justificaciones de sentido común y externas se
encuentran vinculadas a las expectativas percibidas por la policía
entre la población sobre su desempeño.
Una comparación entre los diversos países ayuda a entender
la variedad de factores que intervienen en el uso de la fuerza, las
constantes y también las diferencias que, de acuerdo al entorno cultural e institucional, presentan los diversos cuerpos de policía (Véase, Gabaldón, 2006)25.
En este sentido, las razones empleadas por los policías alemanes para usar la fuerza guardan relación predominante con la afirmación de su autoridad (25,5%) y con el efecto de demostración de
su presencia ante la comunidad (10,9%), lo cual implica una dimensión predominantemente simbólica, mientras que la defensa propia
(10,9%) y la neutralización del sospechoso (5,5%) fueron relativamente menos frecuentes. Entre las razones aducidas para no usar
la fuerza pareciera haber un equilibrio entre lo interno/profesional,
representado por el propósito de evitar la escalada de un conflicto y
lo inconcluyente de un procedimiento (21,8%), y lo externo/de sentido común, representado por el evitar daños a terceros inocentes y
evitar reclamos (25,4%). Estas tendencias sugieren un modelo policial sensible al apoyo externo ciudadano, antes que autorregulado
por criterios estrictamente profesionales y autónomos.
Los policías australianos se inclinan en el uso de la fuerza claramente por las razones instrumentales, representadas por el propósito de neutralización del sospechoso (32,7%) seguido de la defensa
propia (11,5%). Las razones de orden simbólico son claramente minoritarias: afirmar la autoridad en un 5,8% y efecto de demostración
ante la comunidad, 1,9%. Entre las razones esgrimidas para no utilizar la fuerza, predomina la dimensión interna/profesional (evitar la
escalada del conflicto, 26,9% y procedimiento inconcluyente, 3,8%)
sobre la dimensión externa/de sentido común (evitar daños a terceros inocentes, 17,3%), sin que se manifieste alguna preocupación
por evitar los reclamos ciudadanos.
Entre los policías holandeses también existe una clara orientación hacia el uso instrumental de la fuerza (neutralización del
sospechoso, 25,8% y defensa propia, 12,1%) antes hacia su uso simbólico (afirmación de autoridad, 15,3%, sin menciones al efecto deVariables y justificaciones asociadas al uso de la fuerza por la policía: una visión comparada
18 Ibidem.
19 Ibidem.
20 Birkbeck,
Christopher,
Luis Gerardo
Gabaldón y
Michael Norris
(2003) “La
disposición
de usar la
fuerza contra
el ciudadano:
un estudio de
la policía en
cuatro ciudades
de las Américas”,
Capítulo
Criminológico,
31, 2, pp. 33-77.
21 Ibidem.
22 Paes
Machado,
Eduardo y Ceci
Vilar Noronha
(2002) “Policing
the Brazilian
Poor: Resistance
to and
Acceptance of
Police Brutality
in Urban
Popular Classes
(Salvador, Brazil)”,
International
Criminal Justice
Review, 12, pp.
53-76.
23 Gabaldón,
Luis Gerardo
y Christopher
Birkbeck (2001)
(editores) Policía
y fuerza física
en perspectiva
intercultural.
Caracas. Nueva
Sociedad.
21
24 Stenning,
Philip,
Christopher
Birkbeck,
Otto Andang,
David Baker,
Thomas Feltes,
Luis Gerardo
Gabaldón, Maki
Haberfeld,
Eduardo Paes
Machado, y P.A.J.
Waddington
(2009)
“Researching the
use of force: the
background of
the international
Project”, Crime,
Law and Social
Change (DOI:
10.1007/s/1061008-9177-6).
25 Gabaldón,
Luis Gerardo
(2006)
“Justificaciones
policiales para
el uso de la
fuerza física”, en
Soraya El Achkar
y Luis Gerardo
Gabaldón
(editores)
Reforma
Policial: una
mirada desde
afuera y desde
adentro. Caracas,
Comisión
Nacional para la
Reforma Policial,
pp. 160-164.
26 Ibidem.
27 Ibidem.
22
mostración hacia la comunidad. Por su parte, en la no utilización de
la fuerza prevalecen claramente las razones de índole interna/profesional (evitar la escalada, 16,9% y procedimiento inconcluyente,
12,1%) frente a las razones de índole externa/sentido común (evitar
daños a terceros inocentes, 15,1% y reclamos, 5,6%). Este modelo,
que se asemeja al australiano, sugiere orientación predominantemente técnica y autonomía frente a la presión externa.
Los policías ingleses muestran una preferencia por las razones
simbólicas para el uso de la fuerza, en particular la afirmación de la
autoridad (29,6%), mientras entre las razones para no usarla predominan claramente las razones técnicas internas (evitar la escalada del
conflicto, 22,2% y procedimiento inconcluyente, 22,2%) sobre las de
sentido común externo, como evitar daños a terceros (11,1%). Ello sugiere, también, un modelo más autónomo de policía.
En cuanto a los policías venezolanos, el patrón observado es
una fuerte inclinación hacia las razones instrumentales para el uso
de la fuerza (neutralización, 29,7% y defensa propia, 27%) frente a las
razones simbólicas (afirmación de autoridad, 6,3% y demostración
hacia la comunidad, 4,5%). Las razones para no utilizar la fuerza se
inclinan hacia la dimensión externa/sentido común (evitar daños a
terceros, 14,4% y evitar reclamos, 9,%), antes que hacia la dimensión
interna/profesional (evitar escalada, 6,3% y procedimiento inconcluyente, 1,8%). Esto sugiere que aunque el propósito en el uso de la
fuerza se defiende como fundamentalmente instrumental, existe una
gran dependencia de las audiencias externas para el soporte policial.
4. La fuerza física y sus
problemas específicos entre
los policías brasileños
El estudio internacional sobre el uso de la fuerza física policial
contó, para el caso de Brasil, con siete grupos focales efectuados con
policías militares (5) y policías civiles (2) entre 2002 y 2005, comprendiendo oficiales superiores y subalternos, con un promedio de duración de dos horas cada uno, y que ha arrojado una extensa relatoría
(Véase, Paes Machado, Vilar Noroña y Abreu, 2006)26. Los policías brasileños, si bien comparten muchas apreciaciones con sus colegas de
otros países, tienden a enfatizar las situaciones de incertidumbre,
amenaza, riesgo y oposición de los ciudadanos en sus narrativas sobre encuentros con sospechosos. Los policías de Bahia anticiparon
muchas veces el uso de la fuerza en condiciones de abierto riesgo
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
para ciudadanos inocentes, con el fin de evitar que una situación, de
aparente escasa gravedad, pudiese escalar y salir de sus manos. En
este sentido, varios policías indicaron que dispararían a los cauchos
del vehículo en fuga para evitar que los jóvenes huyesen, tomando en consideración incluso, antes que el eventual riesgo de herir o
maltratar a personas inocentes, la necesidad de ahorrar municiones,
lo cual sugiere un ambiente de trabajo precario en cuanto a los suministros del equipamiento policial y el control o supervisión por
parte de los superiores (Paes Machado et. al., 2006: 35, 39)27. Cuando,
dentro del escenario, se produce la confrontación abierta con los
sospechosos, estos policías indican, en caso de disparar, cuidar de
no herir a inocentes (Ibidem: 42-43). Ello sugiere que la justificación
legal para la utilización del arma de fuego aparece como necesaria
en el supuesto de una muerte intencional del sospechoso, a quien
hay que diferenciar claramente del no sospechoso, antes que como
requerida para el uso extremo del arma de fuego, cualquiera sea el
posible resultado del disparo.
En los comentarios de los policías bahianos se encuentran
frecuentemente las ideas de la amenaza y del imprevisto, que pueden determinar que una situación más bien rutinaria y banal, como
la que representan dos jóvenes consumiendo marihuana, sea percibida como una situación de riesgo extremo para la vida del policía:
...a gente não pode ir na hipótese de que apenas são dois elementos
que estão fumando maconha a gente tem que ir na hipótese do pior
(falas emboladas) os marginais que tem que tão armados , já que a
gente vai abordar , a segurança diz o seguinte vai abordar dois elementos, no mínimo a gente tem que tá um número maior que são
tem dois elementos no carro e tem dois policiais, a segurança o correto é não abordar chamar um reforço , é se preparando da maneira
maior do que aquele, do que aquele veiculo fazer abordagem. (Paes
Machado, et al, 2006, Oficial, Letra E)
...surpresa, e também outra questão é a situação de um veiculo parado como estar esse ai na, na historia e até de se bater com um em
movimento que não ta esperando ainda tem esse detalhe também
que isso acontece é comumente do policial ser surpreendido com
marginal inclusive é ser atingido, alvejado... (...) do veículo...( Paes Machado et al, 2006, Oficial, Letra H).
La incertidumbre se extiende a las personas circundantes, de quienes se desconfía abiertamente, como lo recoge el siguiente comentario:
H tocou que é a população ta vendo até pra que não se cause até
uma antipatia, um constrangimento tem que ser feito com essa rapidez, mas claro preservando a segurança. (Paes Machado et al., 2006,
Oficial, Letra C).
Variables y justificaciones asociadas al uso de la fuerza por la policía: una visión comparada
23
O como lo expresa también un policía de Rio Grande do Sul:
...técnica pra mim ela nunca vai funcionar, nunca vai funcionar de
maneira eficaz, eficiente por que a técnica é feita de maneira teórica
geralmente por pessoas que muitas vezes não vão na área pra ver
a verdadeira situação. Então a técnica é usada pra uma abordagem
com o pessoal de classe alta de um determinado bairro, não é a
mesma a ser usada pra um pessoal de classe baixa numa determinada situação e outra coisa também que me faz solucionar bem
que a técnica nessa cidade algumas coisas, algumas coisas, algumas
exceções foi que ela se realiza, pra que ela seja feita, que alcança (...)
um final. (Paes Machado et al., 2006, Oficial, Letra D).
Aí ele utilizou a técnica, utilizou a técnica que é: motorista coloque
a chave em cima do capu (...); motorista saia pela porta do carona, e
foi fazendo isso fazendo aquilo tal. O padrão como ensina na Academia, o soldado chegou do meu lado e fez: na segunda abordagem
que ele tiver dessa forma, de noite, ele vai tomar três tiros na cara,
fale com ele pra não fazer mais assim porque se aqui na Academia
ensina assim. (Paes Machado et al.,2006, Oficial, Letra D).
Eu fiz um curso que, eu fiz um curso de sete meses e nesse curso de
sete meses de defesa pessoal, só eram 2:00 hs por semana. Dá pra
aprender o quê? Nada. O treinamento de tiro, não tinha treinamento de atirar com pistola. Não tive, quando chegou a pistola nova
da Polícia Militar eles colocaram a pistola sem dar treinamento a
ninguém. Tinha gente que colocava a munição da pistola ao contrário, o carregador da munição do fundo da cápsula, colocava ao
contrário e depois queria colocar a pistola ao contrário. Como é que
pode dar uma arma sem preparo ao policial? Vai devagar, eu treinei,
pratiquei três anos de capoeira e dois anos de lutas marciais,... (Paes
Machado et al. 2006, Praça, Letra L).
La situación de amenaza extrema, quizás sobre estimada, así
como la crítica del entrenamiento recibido para el uso de la fuerza,
resultaron también manifiestas entre los policías de Rio Grande do
Sul, como se desprende de los siguientes comentarios:
(...) provavelmente, vai reagir contra ele, porque mais que tu... a gente
não teria outra reação. Tu já tá com a descarga de adrenalina muito
alta. Já te compõe e no momento que tu fechou e ele fechou a visão
tua. Existe aquela questão do... como é que é, tu tá sendo acuado. Ele
vai te acuar, é a vida dele contra ti. Se ele, mesmo que o próximo passo dele seja largar a arma, mas ele pediu pra morrer. Ele já deveria ter
largado, dando as costas assim, tchau. Mas ele virou pra mim... (Paes
Machado et al. 2006, Oficial, letra B]
na época que eu entrei, em torno de dez anos, eles não explicavam a forma de que eu deveria, a real forma de que eu deveria fazer o
meu trabalho numa situação dessas. Porque sempre que perguntado,
havia algumas respostas evasivas, não, o uso da força, ah, vai lá e tira
o cara no braço (Paes Machado et al., 2006, Policial, letra C).
24
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
Los resultados de los grupos focales con los policías brasileños sugieren que las condiciones de incertidumbre y riesgo que, de alguna manera, existen en el trabajo policial, se ven
potenciadas o magnificadas por fallas de entrenamiento y por
oposición o falta de colaboración de los ciudadanos. Los datos
para Venezuela, obtenidos con los grupos focales, no son muy
distintos a este respecto. Como los cuerpos policiales en estos
países parecen ser fuertemente dependientes de las audiencias
externas, tanto políticas como sociales, para medir su desempeño, y dado que la participación ciudadana en el control de la policía parece ser cada día una exigencia importante, se requiere
un enfoque complejo hacia el uso de la fuerza física por parte
de la policía. Este enfoque deberá tomar en cuenta niveles de
incertidumbre y riesgo en el desempeño policial, así como entrenamiento, control y supervisión de desempeño adecuados, que
permitan disminuir la violencia e incrementar la satisfacción de
los ciudadanos.
Conclusiones y recomendaciones
Los hallazgos de las investigaciones sobre la policía en América latina indican que se requiere mucho trabajo para legitimar a
la policía, colocándola en posición de mayor aceptabilidad y menor resistencia por parte de la población. Esto comprende, aunque
no se agote en ello, el entrenarla adecuadamente y disminuir los
niveles de incertidumbre y riesgo que se encuentran asociados a
la utilización no premeditada y usual de la fuerza física por parte
de la policía. La educación y formación son importantes, aunque
no es suficiente la instrucción formal y académica sino el entrenamiento dinámico con base a manuales sobre uso progresivo y diferenciado de la fuerza que enfaticen los componentes dinámicos,
móviles y flexibles de las situaciones que favorecen la utilización
de la fuerza. Se requiere, además, que los protocolos y manuales
sobre esta utilización sean alimentados, difundidos y apropiados
por las comunidades para ejercer un control compartido. Más allá
del entrenamiento se debe trabajar por una ampliación del espacio social de la policía, para que sea una instancia mayormente
reconocida, que genere menos resistencia y oposición en su funcionamiento cotidiano y que pueda operar con buenas prácticas y
menores niveles de violencia, a fin de incrementar su legitimidad
como instancia de control social formal.
Variables y justificaciones asociadas al uso de la fuerza por la policía: una visión comparada
25
A importância da formação
na mudança de paradigmas
no uso da força
Fábio Manhães Xavier*
1. Introdução
* Coronel da
Polícia Militar do
Estado de Minas
Gerais.
26
O processo de construção doutrinária do tema “Uso da Força pelos encarregados da aplicação da Lei” passa pelo correto entendimento
sobre sua necessária incorporação à legislação nacional e integração
nos procedimentos operacionais das organizações do sistema de segurança pública, contemplando um imprescindível entendimento das
normas internacionais sobre o Uso da Força e sua aplicação.
A legislação nacional necessita estabelecer os limites de atuação dos agentes, condições para o uso da força e de armas de fogo,
definindo, pois, as atribuições do cargo desempenhado e delineando
o perfil do profissional no cumprimento de suas funções. A atuação
dos Encarregados de Aplicação da Lei é matéria discutida de forma
ampla, porém, ainda carente de legislação vinculante que proporcione sua correta inserção nos conteúdos normativos e jurídicos. Atualmente, no Brasil, as normas relacionadas ao Uso da Força pelos encarregados da aplicação da lei, estabelecidas de acordo com as doutrinas
internacionais de Direitos Humanos, possuem caráter informativo e
consultivo para a elaboração do conteúdo afeto ao assunto em nosso
país, por meio de manuais de procedimento das polícias, não sendo
contempladas na legislação nacional, que trata de tais instituições
policiais (organização, poderes, faculdades e limites).
Dentre as principais normas internacionais atinentes ao Uso
da Força, o Código de Conduta dos Encarregados de Aplicação da
Lei (CCEAL), adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em
sua Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979, demonstra, sob
o enfoque da ética profissional, que a natureza das funções dos encarregados da aplicação da lei na defesa da ordem pública e a maneira pela qual essas funções são exercidas, provocam um impacto
direto na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade, constituindo, pois, variável relevante no âmbito da segurança pública.
No Seminário Temático “Uso Progressivo da Força: Dilemas e
Desafios”, que se constitui em uma das estratégias de mobilização
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
e etapa preparatória para a 1ª Conferência Nacional de Segurança
Pública, propõe-se desenvolver o tema de forma a permitir a mudança de comportamentos e a quebra de paradigmas, tendo como
veículo desta transformação a educação policial, compreendendo a
FORMAÇÃO E TREINAMENTO.
Porém, antes de educar e sedimentar o produto do conhecimento em normas jurídicas é necessário construir a doutrina, corrigindo aspectos que atualmente conduzem a distorções no entendimento do correto uso da força, estabelecendo definições pautadas
nos Princípios Básicos sobre Uso da Força e Arma de Fogo, no Código de Conduta dos Encarregados de Aplicação da Lei e nas normas
internacionais que versam sobre os Direitos Humanos.
2. “Uso progressivo
da força”: definição
“Uso Progressivo da Força” é a terminologia mais adequada
para conceituar a forma de atuação dos Encarregados de Aplicação
da Lei (EAL)? Para responder tal questão é necessário, primeiramente, uma breve contextualização quanto à origem desta expressão,
o significado da palavra “progressivo” quando associada ao “uso da
força”, bem como a análise da terminologia utilizada nos Princípios
Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo.
2.1. Origem e conceito da palavra
“progressão” associada ao uso da força
Visando uma contextualização sobre o tema, entende-se
pertinente apresentar os modelos doutrinários que tratam sobre
o uso da força:
a) Modelo “FLETC” (1994/2001): aplicado pelo “Centro de Treinamento da Polícia Federal de Glynco”, Geórgia, EUA;
b) ”GILLESPPIE” (1998): apresentado pelo livro “Police – Use of force – A Line Officer’s Guide”;
c) “REMSBERG” (1999): apresentado no livro: “The Tactical Edge
– Surviing High – Risk Patrol”;
d) “NASHVILLE” (1996): utilizado pela Polícia Metropolitana de
Nashville, EUA;
e) Modelo “PHOENIX” (1996): utilizado pelo Departamento de
Policia de Phoenix, EUA;
f) “CANADENSE” (Década de 90): utilizado pela Policia Canadense.
A importância da formação na mudança de paradigmas no uso da força
27
1 SWILLIANS,
Dave. Force
Continuum – The
Concept of And
Application
During Self
Defense.
Disponível em
<http://myweb.
wco.com/
~wlmssite/force.
html> Acesso em
13 nov 2001.
28
Nos antecedentes da criação doutrinária acerca do Uso da
Força, tudo aquilo que foi investido no desenvolvimento de seus
conceitos necessita uma minuciosa análise. Para bem capitularmos o tema, observada a amplitude e importância do assunto, em
termos de macro-políticas doutrinárias policiais, destacam-se as
Escolas Americana, Européia e a Israelense, com conteúdos diferenciados de acordo com as questões históricas, sociais e culturais
de cada construção.
A doutrina do uso da força aplicada à formação profissional dos encarregados de aplicação da lei no Brasil, ao trazer do
conceito Canadense o termo “progressivo”, em uma tradução
equivocada do original Force Continuum (série de força contínua), considerou ao tema a idéia de uso da força crescente, conforme vemos nos conceitos:
- Progressivo, como expresso no Dicionário Eletrônico Houaiss, significa “aquilo que progride”; “que atravessa sucessivamente cada etapa de um processo em que há aumento, crescimento, agravamento”;
“que procede passo a passo, rumo a um desenvolvimento”;
- Para Williams (2001)1, o uso progressivo da força é definido como
uma ferramenta para ajudar na determinação das técnicas ou níveis de força apropriadas para as várias situações que possam surgir.
É uma lista de técnicas que possuem uma graduação, que vai das
mais “fracas” ou menos violentas, até as mais “fortes” ou mais extremadas, como a força letal.
O uso da força no controle de suspeitos ou na solução de
conflitos por meio da intervenção policial ocorre de forma gradativa, devendo obedecer aos preceitos da legalidade, proporcionalidade, necessidade e conveniência. Contudo, não quer dizer
que seja a progressão o único caminho a ser percorrido; caso, por
exemplo, converta-se o suspeito ao estado de cooperação requerida pelo policial, o uso da força não irá aumentar, podendo ser
mantido o mesmo nível de força usada ou até mesmo retroceder.
Neste contexto, a palavra “progressivo”, associada ao uso
da força, induz a uma interpretação equivocada da expressão,
apontando para um processo de aumento necessário do uso da
força, até que seja alcançado o nível extremo; tendo o suspeito
atingido o último nível de agressão, capaz de alcançar a letalidade, o nível de força a ser empregado como resposta pelo policial
seria obrigatoriamente o que conduza a um resultado também
letal. Como responsáveis pelas mudanças nos paradigmas sobre
o uso da força, é necessário que pensemos sobre as seguintes
questões: seria o comportamento do cidadão infrator estático?
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
Este comportamento não poderia variar do nível agressivo para
o nível cooperativo? Não teria ele a oportunidade de rever seus
atos, mudando seu comportamento diante da intervenção policial ou por motivos supervenientes?
2.2. Aplicação de terminologia aliada à tradução
da versão original dos Princípios Básicos
sobre Uso da Força e Armas de Fogo (PBUFAF)
Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo
(P.B.U.F.A.F.) foram adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Infratores, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 07 de setembro de 1990.
Este instrumento tem como objetivo proporcionar normas orientadoras aos Estados-membros na tarefa de assegurar e promover o
papel adequado dos encarregados da aplicação da lei.
Em seu preâmbulo, o documento originado no mencionado
Congresso recomenda que se adotem medidas no plano nacional,
regional e internacional a respeito dos Princípios Básicos e sua aplicação, levando em conta as circunstâncias políticas, econômicas,
sociais e culturais e as tradições de cada país. Os princípios estabelecidos devem ser levados em consideração e respeitados pelos
governos no contexto da legislação e da prática nacional, e levados
ao conhecimento dos encarregados da aplicação da lei assim como
de magistrados, promotores, advogados, membros do executivo e
legislativo e do público em geral.
O Princípio Básico 02, tanto na versão original, em inglês, quanto nas versões em espanhol e português, aborda o tema do uso da
força utilizando a expressão “Uso Diferenciado da Força”, apontando
para a necessidade de estarem os aplicadores da lei aptos a usar de
forma diferenciada a força e os recursos:
“2. Governments and law enforcement agencies should develop a range of
means as broad as possible and equip law enforcement officials with various types of weapons and ammunition that would allow for a differentiated use of force and firearms. These should include the development of
non-lethal incapacitating weapons for use in appropriate situations, with a
view to increasingly restraining the application of means capable of causing
death or injury to persons. For the same purpose, it should also be possible
for law enforcement officials to be equipped with self-defensive equipment
such as shields, helmets, bullet-proof vests and bullet-proof means of transportation, in order to decrease the need to use weapons of any kind.”
“2. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem desenvolver um leque de meios tão amplo quanto possível e habilitar os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei com diversos tipos de
armas e de munições, que permitam uma utilização diferenciada da
A importância da formação na mudança de paradigmas no uso da força
29
força e das armas de fogo. Para o efeito, deveriam ser desenvolvidas
armas neutralizadoras não letais, para uso nas situações apropriadas,
tendo em vista limitar de modo crescente o recurso a meios que possam causar a morte ou lesões corporais. Para o mesmo efeito, deveria
também ser possível dotar os funcionários responsáveis pela aplicação da lei de equipamentos defensivos, tais como escudos, viseiras,
coletes antibalas e veículos blindados, a fim de se reduzir a necessidade de utilização de qualquer tipo de armas.”
Diante de uma detida leitura dos Princípios Básicos sobre o
Uso da Força e dos artigos do Código de Conduta dos Encarregados
da Aplicação da Lei, percebese que em nenhum momento o legislador citou o termo “progressão” associado ao uso da força; cita, sim,
o termo “diferenciado” como qualificador do uso da força, restando
transparente a idéia de uso adequado, proporcional e coerente e
não necessariamente progressivo, crescente, ascensional.
Deve-se considerar também que, precedendo os Princípios
Básicos de Uso da Força, estabelecidos em 1990, aos modelos doutrinários sobre o uso da força, citados anteriormente, devem estes
estar norteados pelos princípios, sustentando sob seus pilares toda
a sua argumentação teórica.
O termo “progressivo” não deve fundamentar
a metodologia do uso da força
3. Interpretação das terminologias:
“usar” e “disparar” face aos PBUFAF
É latente a importância e a complexidade do trabalho dos encarregados de aplicação da lei, que tem o papel de proteger a vida, a
liberdade e prover a segurança das pessoas. Portanto, é de suma importância à capacitação, qualificação e o treinamento desses agentes, visando garantir a efetiviade de sua ação quando em contato
direto com a sociedade em suas intervenções operacionais.
A discussão a seguir trata de um estudo pormenorizado sobre o Princípio Básico nº 09, que descreve as situações em que o
Engarregado de Aplicação da Lei (EAL) deverá usar armas de fogo.
A pesquisa realizada objetiva esclarecer o termo “USAR”, citado no
referido Princípio Básico, dentro do contexto operacional dos Encarregados da Aplicação da Lei.
“9. Os responsáveis pela aplicação da lei não USARÃO armas de fogo
contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de
30
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
outrem contra ameaça iminente de morte ou ferimento grave; para
impedir a perpetração de crime particularmente grave que envolva
séria ameaça à vida; para efetuar a prisão de alguém que represente
tal risco e resista à autoridade; ou para impedir a fuga de tal indivíduo,
e isso apenas nos casos em que outros meios menos extremados revelem-se insuficientes para atingir tais objetivos. Em qualquer caso,
o uso letal intencional de armas de fogo só poderá ser feito quando
estritamente inevitável à proteção da vida.”
(Princípio Básico do Uso da Força e Armas de Fogo nº 09)
Inicialmente surge, na perspectiva do profissional de segurança pública, que o termo “usar” significa “disparar” a arma. Considerando que a atuação policial se desenvolve em um universo complexo, envolvendo situações com diferentes graus de risco, seria
aceitável admitir que o termo “usar” se restringiria apenas à ação
policial de disparar uma arma de fogo? O que significa, portanto, o
termo “usar” descrito no princípio básico nº 09 dentro do contexto
operacional dos encarregados de aplicação da lei?
O Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e o Dicionário Eletrônico Michaelis definem a palavra “usar”
como fazer uso de, empregar e utilizar, dentre outras definições que
não se adequam a realidade operacional. A tradução do verbo “usar”
para inglês é “to use” e para o espanhol é “emplear”. Ao ampliar os
significados do verbo “usar” para o contexto policial, verifica-se que,
quando o EAL saca ou até mesmo aponta sua arma para um indivíduo
está efetivamente “usando” sua arma de fogo sem, contudo, efetuar
disparos. Estas ações são de caráter dissuasivo, bastante comuns no
cotidiano policial e até recomendáveis em muitos casos. Desta forma
pode-se afirmar que o EAL usou (mas nao disparou) a arma de fogo
para dissuadir o autor.
Numa outra situação, onde há ameaça iminente de morte ou ferimento grave, a ação“usar”tem um caráter efetivo/repressivo do uso
da arma de fogo, ou seja, usar, neste caso, se refere a disparar a arma.
Sacar e apontar
(Caráter DISSUASIVO)
Usar
Disparar
(Caráter EFETIVO)
Fonte: Dicionário Eletrônico Michaelis Aurélio
Conclui-se que o verbo “usar” (armas de fogo) compreende
outras interpretações que não somente a ação “disparar”. Analisando o Princípio Básico nº 09, verifica-se três situações onde os EAL
poderão usar armas de fogo:
A importância da formação na mudança de paradigmas no uso da força
31
“Os encarregados de aplicação da lei não USARÃO armas de fogo,
exceto:
a) Em casos de legítima defesa ou defesa de outrem contra ameaça
iminente de morte ou ferimento grave; (caráter efetivo/repressivo);
b) Para impedir a perpetração de crime particularmente grave
que envolva séria ameaça à vida; (caráter efetivo/repressivo e
dissuasivo);
c) Efetuar a prisão de alguém que represente tal risco e resista à autoridade, ou para impedir a fuga de alguém que represente tal risco”.
(caráter dissuasivo).
Quando da análise das alíneas do Principio Básico nº 09, podese realizar os seguintes apontamentos:
I. Na alínea “a”, o uso da arma de fogo tem um caráter efetivo, ou
seja, a situação de ameaça iminente de morte ou ferimento grave
exige uma resposta extrema do EAL.
II. Na alínea “b”, tem-se tanto o caráter efetivo quanto o dissuasivo
da ação de usar a arma de fogo. Exemplo da aplicação do caráter
efetivo se dá quando o comando de uma operação, chegando à
conclusão que o agente de seqüestro (tendo refém sob séria ameaça) não se renderá, determina a ação do atirador de elite.
Um possível exemplo de caráter dissuasivo aplicável neste
caso: a tomada de um refém de uma forma ocasional, na tentativa
de fugir de um crime frustrado, o agente pode desistir do ato de
manter o refém sob sua mira com a chegada dos policiais que estarão “usando” as suas armas, apontando-as para o infrator, havendo
nesta situação o caráter dissuasivo do emprego da arma.
III. Na alínea “c”, percebe-se a intenção do caráter dissuasivo do
uso da arma, isto é, a ação de sacar e apontar a arma exerce um
efeito psicológico sobre a ação do indivíduo de empreender fuga.
Contudo, considerando que o texto é linear, ou seja, remete à letra “a”, a compreensão é que só posso empregar arma em caso de
fuga, quando há perigo com risco iminente de morte ou lesões
graves, tornando-o, nessa circunstância, de caráter efetivo. Entende-se que este item resta desnecessário considerando reportarse aos itens anteriores.
Ao final do Princípio Básico 09, após a análise das três situações nele previstas, verifica-se, ainda, que o uso intencional letal
de armas de fogo só poderá ser feito quando estritamente inevitável à proteção da vida.
Para compreendermos melhor a interpretação do legislador,
necessário reportar ao verbo utilizado no documento original em
inglês, ou seja, “to use”. No texto original, em inglês, não há nos PBU-
32
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
FAF nenhum verbo empregado que signifique exclusivamente disparo, embora existam vários verbos que correspondem a tal ação
disponíveis no idioma inglês.
A esse respeito, verifica-se que apenas na letra “c” dos
comentários ao art. 3º do Código de Conduta encontramos o
verbo “discharge” com o contexto de sua tradução literal (disparar),
quando então traz a citação do legislador, que , cada vez que uma
arma de fogo for disparada, as autoridades competentes deverão
ser prontamente informadas.
Primeiramente, para entender o raciocínio e a intenção do legislador, analisaremos quais verbos em inglês poderiam ser relacionados com o verbo disparar. Os verbos encontrados no inglês que
se referem ao verbo disparar são:
To discharge
1. descarregar; descarga, tiro de
espingarda ou de canhão;
2. tiros disparados
simultaneamente, explosão.
1. arrancar;
2. impulsionar; impeto;
To start
Disparar
3. fazer um movimento brusco,
estancar;
4. vir, sair, brotar repentinamente.
1. exercício de tiro, ato de atirar;
To shoot
2. atirar, matar, feri com tiro
atingir com tiro;
3. dar tiro, disparar arma de fogo.
To fire
1. fuzilar, descarregar arma de
fogo, tiroteio.
Fonte: Dicionário Eletrônico Michaelis Aurélio
Vejamos agora como está no original em inglês:
“Law enforcement officials shall not USE firearms against persons except
in self-defence or defence of others against the imminent threat of death or serious injury, to prevent the perpetration of a particularly serious
crime involving grave threat to life, to arrest a person presenting such a
danger and resisting their authority, or to prevent his or her escape, and
only when less extreme means are insufficient to achieve these objectives. In any event, intentional lethal use of firearms may only be made
when strictly unavoidable in order to protect life.”
Com a leitura de ambas versões, original e traduzida, do Princípio Básico 09 é possível compreender que não houve a intenção,
quando de sua elaboração, em atribuir ao verbo “usar” o caráter úniA importância da formação na mudança de paradigmas no uso da força
33
co de disparo (efetivo), mas sim possibilitar outras referências sobre
sua amplitude. Em nenhum momento são citados os verbos “to discharge”, “to start”, “to shoot” ou “to fire”, de forma a restringir o significado do termo “usar”.
4. Uso da força letal
O Código de Conduta dos Encarregados de Aplicação da Lei
trata diretamente do uso da força pela polícia, em seu art 3º, quando
estipula que os encarregados de aplicação da lei só podem empregar a força se for estritamente necessário, na medida exigida para o
cumprimento do seu dever. O uso da força pelos encarregados da
aplicação da lei deve ser entendido, portanto, como medida excepcional e, ao tratar da força letal, sua excepcionalidade se torna ainda
maior, haja vista que o resultado pode atentar contra o “bem maior”
do ser humano: a vida. Este entendimento encontra fundamento no
Princípio Básico 09, que preceitua que os funcionários responsáveis
pela aplicação da lei não devem fazer uso de armas de fogo contra
pessoas, salvo nas circunstâncias estipuladas no aludido princípio.
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), em
seu Artigo 6º, menciona o dever de proteção da vida:“O direito a vida
é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela
lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”. Para o
uso de força letal, o policial deve ter a certeza de que este recurso é o
último meio defensivo, adequado e proporcional de que dispõe para
conter a agressão sofrida e atingir um objetivo legítimo.
Corroborando a idéia que a força letal é recurso extremo, uma
opção a ser considerada como última instância na elevação dos riscos de uma situação a ser resolvida pelo encarregado da aplicação
da lei, constituindo verdadeiro ponto de exceção, os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo fazem menção ao termo “letal” uma única vez, no final do PB 09: “In any event, intentional
lethal use of firearms may only be made when strictly unavoidable in
order to protect life”.
Verifica-se que a tradução da versão dos PBUFAF do inglês
para o português (brasileiro) vincula o qualificador “letal” à ação, e
não ao instrumento: “Em qualquer caso, só devem recorrer intencionalmente à utilização letal de armas de fogo quando isso seja estritamente indispensável para proteger vidas humanas”.
Entretanto, conforme a versão em espanhol, o qualificador
letal está vinculada ao instrumento: “En cualquier caso, sólo se podrá
34
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
haver uso intencional de armas letales cuando sea estrictamente inevitable para proteger una vida”.
Tal análise torna-se pertinente, pois, considerando a versão
em espanhol, nota-se que não existe alusão ao uso intencional da
força letal, mas, sim, do meio “arma letal”, tendo como possível conseqüência dos ferimentos causados, a letalidade. Assim, é necessário
explorarmos este tipo de interpretação da norma, que sugere uma
conceituação divergente, cabendo a seguinte indagação: “LETAL”
vincula-se ao instrumento (arma), ou à ação (intenção)?
Para construir esta resposta devemos trabalhar com dois
pressupostos:
Pressuposto 01: A intenção do policial era matar.
Pressuposto 02: A morte é a conseqüência possível do meio
utilizado (arma de fogo).
Se a intenção do policial for a letalidade, pressuposto 01, podemos concluir que um tiro dado por um policial que atinge uma
área vital do corpo do agente, mas que, por motivos supervenientes
à vontade do policial, tais como: a forte compleição física do agente
ou baixa capacidade de energia do projétil utilizado, que não alcançou o resultado pretendido (letalidade), restando a pessoa ferida; o
policial deveria complementar a ação e efetuar disparos até concluir
o objetivo inicial. Seria, o policial, uma espécie de executor, buscando o resultado “morte”? Outros fatores ainda devem ser observados
para considerar o objetivo do disparo, tais como: características da
arma utilizada (o tipo de munição), a região do corpo impactada e a
capacidade de resistência física da pessoa afetada.
Este pressuposto poderia levar à criação de novas metodologias de treinamento para uso de força letal, em que o policial seria
deliberadamente treinado para matar, ainda que em circunstâncias
específicas. Ao aprofundarmos sobre o tema, aparece o seguinte
questionamento: deve o “ser humano” policial, profissionalmente
dizendo, receber está incumbência? Tal entendimento enquadra-se
nos princípios dos direitos humanos e nas primícias de um Estado
Democrático de Direito?
Podemos então verificar que a letalidade não seria necessariamente o resultado de uma intenção deliberada do policial que dispara sua arma de fogo. Não haveria nenhuma circunstância profissionalmente aceita no trabalho de polícia em que o disparo de arma de
fogo estivesse vinculado à intenção de matar a pessoa contra quem
se atira. O resultado morte estaria então como conseqüência o possível (potencialmente previsível) em decorrência do meio utilizado
(arma potencialmente letal) e não atrelada à intenção do policial.
A importância da formação na mudança de paradigmas no uso da força
35
Verificando o pressuposto 02 (a morte é a conseqüência possível do meio utilizado), a intenção do policial não é matar o cidadão
infrator, mas, sim, fazer cessar a sua ação delituosa. Caberá ao policial, diante de uma situação extrema, onde haja o risco iminente à
vida – como exemplo, vítima de seqüestro sob ameaça de disparo
de arma de fogo – utilizar meio potencialmente letal para obstaculizar aquele risco iminente de morte, evitando, de forma cabal, a
consumação da ameaça de morte contra a vítima. Utilizado o meio
potencialmente letal, apenas ferido o cidadão infrator, deverá ser
dada inequívoca e imediata assistência e o socorro médico de urgência, buscando com o mesmo afinco garantir o direito à vida ao
agente contra o qual se disparou. Vê-se, pois, que a letalidade não é
pretendida em nenhuma circunstância pelo policial.
Aplicados ao contexto do uso da força, encontra-se no ordenamento jurídico brasileiro as seguintes excludentes de ilicitude:
estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito, e
legítima defesa. Em nenhum momento há a expressa legitimação
do uso intencional da força letal, considerando-se este resultado
como o fim a que se destina a ação. No caso hipotético anterior, se
for estabelecida como premissa principal a intenção de “matar” o infrator, qual seria o desfecho da ação do atirador de elite se, atingido
o agressor, fique ele incapacitado mas não haja o resultado morte?
É importante refletirmos que, independente das circunstâncias da ocorrência com resultado letal (homicídio praticado pelo
policial), o desaguadouro legal é a justiça, que, como vimos, não ampara a intenção de matar; pelo contrário, tipifica e qualifica criminalmente tal atitude. Em decorrência dessas circunstâncias, haveria o
caráter (doloso ou culposo) dessa ação com o resultado homicídio.
5. Uso da força letal
e a defesa do patrimônio
Um aspecto relevante da doutrina do uso da força que deve
ser considerado pelos encarregados da aplicação da lei trata sobre a
utilizaçao (disparos) de armas de fogo para a defesa do patrimônio.
O Princípio Básico 09, em sua última parte, seria o único ponto que referencia ao uso da força letal, restringindo-o à proteção da
vida e, em momento algum, faz alusão à defesa do patrimônio. É notório que a intenção do legislador não amparava algo além do bem
maior: a vida, o ser humano. Não há atuação previamente descrita
que faculte o uso da força letal, caberia apenas as hipóteses de ex-
36
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
cludente de ilicitude, conforme disposto no Art. 23, incisos II e III, do
Código Penal. Contudo, não poderia o policial fazer uso (disparar)
de arma de fogo escudando-se nas excludentes, já que a vida é um
bem maior. Não existiria, portanto, amparo legal para o uso da força
letal pelos EAL para proteger o patrimônio.
Conclusão
O esforço para a construção doutrinária sobre os paramentros de uso de força, consistente na adequação às realidades sociais economicas e culturais nacionais, sem, contudo, fugir das
linhas definidas pelo documento da ONU e seu caráter manifestadamente protetivo a vida, passa, invariavelmente, pela agenda
política de valorização dos órgãos encarregados pela segurança
pública em suas mais variadas acepções.
Nesse sentido, um aspecto de fundamental importância
diz respeito ao incentivo formal para que documentos internacionais alusivos ao uso da força pelos encarregados da aplicação
da lei sejam incorporados diretamente à legislação pátria ou sofram adaptações legislativas (com a devida assessoria técnica),
de forma a fornecer sustentação legal às formulações doutrinárias para as polícias.
No contexto das normas analisadas, ao aprofundarmos nos
aspectos referentes ao uso da força pelos encarregados da aplicação da lei, há que se considerar outros tópicos que merecem
ampla discussão e zelo para a construção doutrinária a respeito,
uma vez que não possuem definição expressa sobre a forma de
atuação em determinadas circunstâncias.
Destacamos, nesse mister, que o Uso da Força, na documentação básica que versa sobre o tema, refere-se sempre ao
confronto entre os encarregados da aplicação da lei e os infratores que sofrem sua ação, sem mencionar outras possibilidades
que, concretamente, sabemos existir, tais como: o emprego de
arma de fogo na vigilância de pessoas presas (pessoas sob custódia do Estado); disparos táticos, como, por exemplo, os efetuados com a finalidade de cobertura de companheiros, diminuir a
luminosidade e/ou abrir fechadura, para distração, inquietação;
disparos contra veículos em movimento; disparos de advertência – intimidativo; disparos contra animais.
Algumas circunstâncias especiais merecem igualmente
uma profunda análise e definição doutrinária da atuação operaA importância da formação na mudança de paradigmas no uso da força
37
cional, que são os casos de emprego maciço da força, representado pelo uso coletivo da força (tipo operações de choque), que
ocorrem em resposta aos distúrbios civis, onde a grande concentração de pessoas conduz os encarregados de aplicação da lei a
atuação específica envolvendo o uso de armas de fogo.
Assim, conclui-se que as gestões participativas, como a iniciativa da Conferência Nacional, tendem a alcançar uma maior
efetividade e sustentação da doutrina, com ênfase na necessidade de corretamente difundi-la, por meio da educação policial,
envolvendo a formação e o treinamento, ampliando seu conhecimento para além dos encarregados da aplicação da lei. Sobretudo, propiciando um ambiente seguro (para o policial), sob o
ponto de vista normativo (regras claras), para que este profissional possa operar, de forma legitimada, usando suas armas e
demais equipamentos disponíveis com efetividade em proteção
da sociedade.
38
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
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manual para instrutores. Tradução de Sílvia Backes e Ernani S. Pilla.
Genebra: Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 1998. 488 p.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
40
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
Elementos para a criação de uma
matriz curricular sobre o uso da força
Bernadete M. P. Cordeiro*
1. Apresentação
A proposta deste seminário não é discutir os aspectos contextuais, teóricos e práticos presentes no tema “uso progressivo
da força”, mas criar condições para a reflexão sobre os elementos
que deverão nortear o processo de ensino-aprendizagem do tema,
abrangendo a matriz curricular e uma prática pedagógica que favoreça a aprendizagem autônoma.
2. O ponto de partida:
mapeamento e competência
Aprender a empregar adequadamente a força, utilizando-a
de forma progressiva, é hoje uma das competências do trabalho
policial que necessita ser desenvolvida. Por ser uma competência,
este processo exigirá a mobilização de saberes (conhecimentos,
habilidades e atitudes) para que o policial possa saber agir frente a
diferentes situações (Perrenoud, 2000)1.
“Podemos aprender conhecimentos sistematizados (fatos, conceitos, princípios, métodos de conhecimento etc.); habilidades e
hábitos intelectuais e sensor-motores (observar um fato e extrair
conclusões; destacar propriedades e relações das coisas; dominar
procedimentos para resolver exercícios; escrever e ler; usar adequadamente os sentidos, manipular objetos e instrumentos etc.);
atitudes e valores (por exemplo, perseverança e responsabilidade
no estudo, modo científico de resolver problemas humanos, senso crítico frente aos objetos de estudos e à realidade, espírito de
camaradagem e solidariedade, convicções, valores humanos e sociais, interesse pelo conhecimento, modos de convivência social
etc.)” (Libâneo, 2004, p. 83)2.
Um dos instrumentos que auxiliará no processo de identificação dos saberes é o mapa de competências. Para elaborá-lo, a primeira ação é fazer uma lista dos conhecimentos, habilidades e atitudes que deverão ser trabalhados, considerando a competência a ser
Elementos para a criação de uma matriz curricular sobre o uso da força
* Professora da
Universidade
Católica
de Brasília,
Consultora
Pedagógica
da SENASP e
colaboradora
do Comitê
Internacional da
Cruz Vermelha.
Mestre em
Educação pela
Universidade
de Brasília em
Política, Gestão
e Planejamento
Educacional.
Especialista
em Linguagem
e Educação.
Pedagoga com
habilitação
em Tecnologia
Educacional e
Administração
Escolar..
1 PERRENOUD,
Philippe et
al. Formando
professores
profissionais.
Porto Alegre:
ARTMED, 2000.
2 LIBÂNEO,
José Carlos.
Didática. São
Paulo: Cortez,
1994. (Coleção
Magistério)
41
desenvolvida. De acordo com Cordeiro (2008)3, chega-se a esta lista
por meio das respostas que completam as seguintes sentenças:
O desenvolvimento desta competência irá:
Ampliar conhecimentos para...
Desenvolver habilidades para...
Fortalecer atitudes para...
As respostas que completam essas sentenças deverão ser escritas no mapa. Veja na figura 1 o exemplo de um mapa preenchido4.
Figura 1 – Exemplo de Mapa de Competências
3 CORDEIRO,
Bernadete M.
P. Modelos de
treinamento:
identificação
das concepções
pedagógicas e
dos modelos
internacionais
voltados ao
treinamento e
preparação de
profissionais
de segurança
pública para
atuarem
principalmente
contra o tráfico
ilícito de armas,
munição,
explosivos e
outros temas
correlatos.
Brasília: PNUD,
2008. (Projeto
04/29: relatório
técnico)
4 Os conhecimentos, as
habilidades e as
atitudes descritas
acima foram
utilizados a título
de exemplo, não
tendo sido exploradas todas as
possibilidades.
5 CORDEIRO,
Bernadete M.
P.; GONÇALVES,
André Gustavo
B. Manual de
elaboração de
materiais de
estudo autônomo.
Brasília: Academia
Nacional de Polícia DPF, 2003.
42
Uso progressivo da força
Conhecimentos
Habilidades
• Definir o uso da força.
• Identificar a legislação
pertinente ao uso da força
e da arma de fogo.
• Descrever os modelos
existentes que explicam a
gradação do uso da força.
• Desenvolver
habilidades requeridas
no escalonamento do
uso da força.
• Manejar equipamentos
e instrumentos
utilizados no emprego
da força.
Atitudes
• Guiar-se pela escala
de segurança (público,
policial e infrator).
• Respeitar os aspectos
legais.
• Defender o uso dos
equipamentos de
proteção individual.
Fonte: Baseado em Cordeiro & Gonçalves (2003)5.
É importante observar se o mapa elaborado possibilita a visualização das dimensões legais, éticas e técnicas que fundamentam
a formação do policial e que orientarão a prática pedagógica. Assim,
faz-se necessário, a partir do mapa, abordar mais dois elementos: a
seleção do conteúdo e a prática pedagógica.
3. O mapa traduzido em conteúdos
Considerando os conteúdos e as possibilidades de abordagem
sobre eles, uma boa orientação para a seleção daqueles que devam
compor a malha curricular de cursos e de ações pedagógicas é selecioná-los a partir do mapa de competências, categorizando-os como
conteúdos conceituais, procedimentais e ou atitudinais. Sendo:
• Conteúdos Conceituais – aqueles relacionados aos conceitos, leis,
teorias, princípios e doutrinas que o profissional da área de segurança pública deve saber em relação ao campo disciplinar.
• Conteúdos Procedimentais – aqueles que indicam os conteúdos relacionados aos métodos, técnicas e procedimentos que o
profissional de segurança pública precisa demonstrar em relação ao campo disciplinar.
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
• Conteúdos Atitudinais – aqueles que expressam conteúdos
relacionados a valores, crenças e atitudes e que deverão ser fortalecidos pelas situações vivenciadas dentro de um determinado
campo disciplinar.
A figura 2 mostra a seleção do mapa de conteúdos a partir do
mapa de competências.
Figura 2 – Exemplo da Seleção de Conteúdos a partir do Mapa de Competências6
Uso progressivo da força
Conteúdos Conceituais Conteúdos Procedimentais Conteúdos Atitudinais
• O que é uso da força?
• Princípios do uso da força
• Código de utilização do
uso da força e da arma de
fogo para os encarregados
de cumprirem a lei.
• Modelos de uso da força.
• Habilidades de
comunicação:
identificação,
entonação de voz etc.
• Escala de segurança
(público, policial e
infrator).
• Relação do uso da
força com a promoção
dos direitos humanos.
• Atitudes assertivas em
relação ao uso da força,
respeitando a escala de
segurança.
Fonte: Baseado em Cordeiro & Gonçalves (2003).
Uma vez listados os conteúdos, é possível agrupá-los por
afinidade em campos de conhecimentos, módulos, unidades,
dentre outros.
4. A prática pedagógica:
o mapa em ação
Nos dois pontos anteriores pôde-se observar o percurso metodológico para o mapeamento dos saberes a serem mobilizados
para o desenvolvimento da competência “aprender a empregar
adequadamente a força utilizando-a de forma progressiva”. O mapa
garante o conhecimento, até mesmo prévio, dos saberes que serão
mobilizados, mas para que a mobilização aconteça é necessário
o uso de práticas pedagógicas diferenciadas e significativas, que
criem condições para a transferência de conhecimentos, ou seja,
que o policial seja capaz de aplicar esses saberes em novos contextos (Perrenoud, 2000)7.
As práticas pedagógicas mais coerentes com o desenvolvimento de competências apontam para as técnicas de ensino problematizadoras, que simulam o real, possibilitando o exercício de
destrezas operacionais alinhadas aos direitos humanos e ao compromisso social.
Elementos para a criação de uma matriz curricular sobre o uso da força
6 Os conhecimentos, as
habilidades
e as atitudes
descritas acima
foram utilizados
a título de exemplo, não tendo
sido exploradas
todas as possibilidades.
7 Ibidem.
43
“Os programas de educação profissional, com currículos dirigidos
para competências requeridas pelo contexto de uma área profissional, caracterizam-se por um conjunto significativo de problemas e
projetos, reais ou simulados, propostos aos participantes e que desencadeiam ações resolutivas, incluídas as de pesquisa e estudo de
conteúdo”. (MEC, 2000, p. 31)8
8 BRASIL.
Ministério
da Educação.
Educação
profissional.
Brasília, 2000.
9 CORDEIRO,
Bernadete
M. P. Projeto
Pedagógico do
Centro Regional
de Segurança
Pública
(Treinasp).
Brasília: PNUD,
2009. (Projeto
04/29: relatório
técnico)
10 “Autonomia
intelectual”
é traduzida
por Altet
(1992) como
a capacidade
de ‘agir em
situações
diferentes, de
gerir incertezas e
poder enfrentar
as mudanças
no exercício de
sua profissão.
(Perrenoud,
2002; Altet,1992
e Shön, 2002).
11 Ibidem.
44
Segundo Cordeiro (2009)9, as situações problematizadoras mobilizam os saberes e geram esquemas de ação, filtros pessoais que tornam as situações compreensíveis e que envolvem
esquemas de percepção, decisão e avaliação. Os profissionais
da área de segurança pública ao analisar, refletir e justificar a
situação adquirirão metacompetências imprescindíveis para a
construção da autonomia intelectual10 e, principalmente, para a
atuação profissional.
Ainda de acordo com Cordeiro (2009)11, a utilização das situações problematizadoras como recursos de aprendizagem deverão
considerar as seguintes orientações metodológicas:
• Saber quais competências serão desenvolvidas.
• Aproveitar os conhecimentos prévios que os participantes possuem.
• Ater-se à necessidade do enfoque contextual, interdisciplinar e
transversal, favorecendo a busca, a seleção e a utilização dos conteúdos relacionados aos processos e fenômenos, tais como eles se
apresentam na realidade da prática profissional.
• Estimular a colaboração e a cooperação entre os participantes.
• Considerar os conteúdos como ferramentas, meios articuladores
dos quais os participantes devem lançar mão para compreender a
realidade e auxiliar na resolução de problemas.
• Criar condições para que os participantes utilizem as habilidades
mentais, levantando hipóteses e estimulando o processo de reflexão, que deverá ocorrer antes, durante e após a ação.
• Atuar como mediador do processo de aprendizagem, ou seja,
como responsável pela seleção e pelo planejamento das técnicas
que conduzirão as situações-problema e, principalmente, pelas
intervenções, questionamentos e feedback durante o desenvolvimento da atividade.
A prática pedagógica a ser exercida deverá utilizar técnicas
de ensino que favoreçam a reflexão antes, durante e após a ação.
As técnicas de ensino devem estar relacionadas diretamente com
as competências a serem desenvolvidas pelos participantes, com o
conteúdo a ser trabalhado e com o nível de interação a ser proporcionado na aprendizagem (Cordeiro, 2008)12.
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
Conclusão
Pensar os elementos que deverão compor a Matriz do uso
progressivo da força é uma tarefa que exigirá não apenas a reflexão
sobre o tema, os saberes a serem mobilizados e as competências
a serem desenvolvidas, mas também, e principalmente, a reflexão
sobre a prática pedagógica que possibilitará ao policial desenvolver
sua autonomia intelectual.
Elementos para a criação de uma matriz curricular sobre o uso da força
45
Referências bibliográficas
ALTET, Marguerite. As competências do professor profissional: entre
conhecimentos, esquemas de ação e adaptação, saber analisar. In:
PERRENOUD, Philippe et al. Formando professores profissionais. Porto Alegre: ARTMED, 2001.
BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento de Pessoas.
Matriz curricular nacional para formação dos profissionais de segurança pública, 2008. (Versão revisada e ampliada)
MEC/UNESCO. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez;
Brasília-DF: MEC/UNESCO, 2001. (Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI)
SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos. Porto Alegre: ARTMED, 2001.
46
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
Uso comedido da força letal:
construindo um protocolo de
engajamento
Paulo Storani*
“Norma de procedimentos sem
treinamento tem o mesmo lugar
que lei sem fiscalização”.
1. Introdução
O confronto com armas de fogo no ambiente urbano, entre
os encarregados pela aplicação da lei1 e os seus transgressores, é
o nível máximo do uso da força legal para a preservação da Ordem Pública, onde o risco de morte é um fator real, inexorável e de
conseqüência natural. Este momento é resultante de um processo
desencadeado pelo desrespeito aos direitos das pessoas e atesta o
fracasso das medidas preventivas, que poderiam conter a dinâmica
do conflito de interesses, impedindo que este evolua para uma situação de alto risco de letalidade.
Ao considerarmos as condições que envolvem os confrontos
armados, na perspectiva daqueles que foram institucionalmente
encarregados de solucionar estes conflitos extremos, identificamos
a volatilidade de cenário, a restrição de tempo para tomada de decisão e a pressão pela sobrevivência. Estes fatores contêm um potencial de interferência objetiva sobre a performance deste ator, cuja
ação e decisão materializa a interferência do Estado na preservação
de direitos e garantias individuais.
Contudo, além das condicionantes legais que regulam a conduta dos encarregados de aplicar a lei, não se pode desconsiderar as
reações psicológicas e fisiológicas que esta situação extrema exerce
sobre eles. Qualquer situação de extremo risco ou estresse emocional a que uma pessoa é submetida desencadeia um conjunto de
reações fisiológicas que se denomina Reação de Alarme do Sistema
Nervoso Simpático2. Esta reação é a resposta natural do organismo,
que prepara o indivíduo para sobreviver à situação de perigo, preparando-o para lutar ou fugir; razão pela qual também recebe a denominação de Reação de Fuga ou Reação de Luta.
Uso comedido da força letal: construindo um protocolo de engajamento
* Pesquisador
do Instituto
Universitário de
Políticas Públicas
e Ciências Policiais da Universidade Candido
Mendes– IUPOL,
Mestre em Antropologia Social,
Especialista
em Operações
Especiais, Mestre
de Tiro Policial e
Oficial da Reserva
da PMERJ.
1 Termo utilizado
pelo Código de
Conduta para
Profissionais
Encarregados de
Fazer Cumprir a Lei, das
Nações Unidas,
promulgada pela
Resolução 34/169
da Assembléia
Geral das Nações
Unidas, em 17
de Dezembro de
1979.
2 STORANI, Paulo.
O treinamento
perceptivo-motor na melhoria
da performance
do tiro policial,
em confrontos
armados nas
áreas de alto
risco. Monografia
apresentada à
Universidade
Gama Filho como
requisito parcial
à obtenção do
Certificado de
Pós-Graduação
“Lato Sensu” em
Treinamento
Físico. Rio de Janeiro, 2000, p. 8.
47
Estas alterações de adaptação do corpo humano são caracterizadas, essencialmente, pelo aumento da pressão arterial, da
freqüência cardíaca e da freqüência respiratória, e causam tremor
e entorpecimento nas extremidades do corpo, analgesia corporal,
limitação da audição e ângulo de visão, perda da motricidade fina e
perda da noção de espaço e de tempo. Todos estes efeitos têm capacidade de influir, diretamente, na performance motora e mental do
indivíduo durante o estado de tensão, comprometendo a atenção,
a captação de estímulos, a capacidade de decisão e a consequente
resposta muscular, que exija a coordenação de vários membros e
precisão de movimentos.
Se considerarmos que a sociedade, mesmo diante das variáveis expostas, espera que estes encontros eventuais resultem no
mínimo de letalidade, devemos questionar se os operadores de segurança pública estariam preparados tecnicamente, fisicamente e
emocionalmente para suportar as pressões que atuam sobre eles
nestes momentos e solucionar os conflitos. Assim, devemos sopesar
se as condições de trabalho e de treinamento permitem ou proporcionam condições para que eles estejam na plenitude de suas capacidades, para atuarem no extremo de sua função social.
2. A tomada de decisão
No confronto armado, a decisão de onde, quando e como agir
é o resultado de um processo desencadeado pela percepção de
uma situação de conflito, em que o operador de segurança pública
avalia que sua intervenção é imperativa. A qualidade da resposta
resultante deste “Processo de Tomada de Decisão” estará condicionada ao nível de conhecimento técnico e tático do tomador de decisão, bem como à sua experiência profissional. Estar em condições
de perceber alterações no cenário que atua e responder, dentro de
limites legais e técnicos, é requisito para agir.
Perceber algo é captar, por meio dos nossos sentidos, os diversos estímulos do meio ambiente e interpretá-los. Cada um de
nós pode dar um significado diferente para uma mesma situação,
pois dependemos de nossa capacidade para selecionar e perceber
detalhes e situações do ambiente em que atuamos, e confrontá-los
com nosso conhecimento desenvolvido pelo treinamento e vivências pessoais. A percepção depende ainda de nossa condição física e
emocional, pois quanto mais cansados, estressados e mais desestabilizados emocionalmente, menor será a nossa capacidade para per-
48
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
ceber ou interpretar, adequadamente, determinados estímulos. Esta
situação poderá nos induzir a pré-conceber, equivocadamente, situações que nos deparamos e nos levar a tomar decisões equivocadas.
Podemos considerar que em um determinado ambiente,
onde temos o pleno domínio de captação de estímulos, somos mais
capazes de perceber qualquer anormalidade que possa exigir nossa
interferência. Seria mais fácil perceber alterações de cenário em uma
praça pública, com espaços amplos de fácil observação, ou em ruas
de pouco movimento, do que em cenários com maior variedade de
estímulos, como ruas com maior circulação de pessoas e veículos, ou
locais com arquitetura ou espaços urbanos desordenados. Nessas
condições nosso domínio estaria prejudicado, dificultando a correta
percepção de problemas que possam exigir nossa intervenção.
Baseado na percepção de situações que ocorrem no ambiente urbano, os operadores de segurança responderão de uma forma
determinada. Em um cenário de violação de direitos, que avaliam
exigir a intervenção do Estado, poderão reagir tomando uma decisão pela aplicação de uma alternativa escolhida para impedir ou
interromper a dinâmica observada, ou poderão decidir “não” reagir,
em razão das consequências da possível ação. Este processo de tomada de decisão será sempre solitário, intransferível e irreversível.
Além disso, os operadores de segurança pública serão sempre e diretamente responsabilizados pelas conseqüências de suas decisões,
agindo ou não. Dessa forma, a qualidade da resposta ou decisão estará condicionada ao nível técnico e tático e de controle emocional
de cada operador de segurança pública.
O nível técnico diz respeito ao conhecimento e habilidade de
manuseio que o operador possui das ferramentas que utiliza em
sua atividade. Podemos indicar as técnicas de defesa pessoal e de
imobilização, o emprego de armas menos letais e letais. Conhecer,
neste caso, significa deter as informações sobre as características da
ferramenta disponível, suas limitações e a forma correta de empregá-la. Ter habilidade é ter o pleno domínio de sua utilização prática.
Para isto, se requer treinamento apropriado e continuado, capaz de
desenvolver a chamada resposta motora ou “memória muscular”,
que levará o usuário a empregar suas ferramentas de trabalho com
a máxima eficiência e máxima segurança, mesmo que em situações
de intenso estresse físico e emocional.
O nível tático diz respeito à correta escolha da ferramenta que
tem à disposição e sua aplicação de acordo com a situação que o
operador de segurança pública se deparar. Significa empregar a técnica apropriada e nas condições possíveis. Este nível deve consideUso comedido da força letal: construindo um protocolo de engajamento
49
rar, ainda, a possibilidade de atuação coletiva, a ação de uma equipe
onde cada componente possui um conjunto de responsabilidades
complementares em relação aos demais membros do time para
atender uma demanda. Esta ação conjunta requer, além do completo domínio das técnicas e do conhecimento tático, um treinamento
capaz de sistematizar os procedimentos de cada componente, potencializando a atuação da equipe e minimizando os riscos.
O nível de controle emocional significa estar em condições
emocionais de decidir com qualidade. O controle emocional pode
ser adquirido com treinamento apropriado, quando o treinando é
submetido a situações planejadas de estresse físico e emocional.
Em contrapartida, a falta de treinamento condena o operador de
segurança pública à sua capacidade e talento individual, à maior
probabilidade de erro profissional e a consequente responsabilização. Assim, quanto mais apropriadamente treinados, mais seguros
os operadores de segurança pública se sentirão em escolher que
técnica empregar, em que condições táticas e na medida ideal de
força. Significa preparar os operadores para intervir com segurança
e dentro dos limites esperados.
O controle emocional esta condicionado, também, à experiência profissional. Quanto maior o número de vezes que o operador
for submetido a situações de forte estresse emocional e físico, maior
será a tendência de desenvolver sua tolerância a esta condição e, por
conseguinte, de tomar decisões neste estado. Contudo, mesmo tendo vivenciado situações de forte estresse e estando limitado a poucas
alternativas técnicas e táticas, pelo desconhecimento e falta de treinamento, ele tenderá a responder com formas definitivas de solução,
desconsiderando parâmetros de moderação e proporcionalidade do
uso da força. Este pode ser o motivo pelo qual se verifica a relação:
quanto menos treinamento, mais violenta a resposta. Esta condição é
motivada pela falta de conhecimento e habilidade no emprego das
ferramentas de trabalho, levando os operadores à escolha de respostas que possam produzir maior dano possível, como forma de compensar a insegurança causada pela deficiência técnica e tática.
Quanto melhor o preparo técnico, tático e o controle emocional,
melhor serão a qualidade e a capacidade de perceber, de decidir pela
melhor alternativa a ser empregada e de responder segundo as diretrizes legais que amparam a ação. Ao contrário, a falta de preparo técnico,
tático ou de controle emocional poderá levar o operador de segurança
pública a tomar decisões equivocadas, com respostas que poderão resultar em conseqüências desastrosas para as pessoas, para a sociedade,
para as instituições policiais e para os próprios operadores. A melhor
50
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
forma de desenvolver estas qualidades é pelo adequado e contínuo
treinamento, e pelo oferecimento de condições de trabalho que permitam aos operadores atuar na plenitude de sua capacidade.
Para considerarmos um modelo de atuação dos operadores
de segurança pública, devemos buscar conhecer as condições de
trabalho do “universo” dos policiais e descortinar uma realidade ignorada. Os aspectos organizacionais, o processo de seleção e formação das pessoas que escolhem esta atividade profissional, a carreira,
a interação entre os membros da corporação, a jornada de trabalho,
as condições materiais, técnicas e ambientais e a imagem construída
na interação com a sociedade, apresentam-se como elementos essenciais ao processo de construção deste conhecimento, que é ver
com o olhar da alteridade e estabelecer os critérios para criar condições para o desenvolvimento de suas capacidades individuais.
Ao conhecer a situação da saúde física e de risco dos “trabalhadores policiais”, como o verificado nas obras de Minayo, Souza
e Constantino3, poderemos avaliar as consequências das condições
de trabalho impostas a estes operadores de segurança em sua performance. Identificar os problemas de saúde, as lesões e incapacitações físicas, o estresse e o sofrimento mental em razão do trabalho,
referenciados com outras categorias de trabalhadores, permitirá
estabelecer a coerência entre o que é legitimamente exigido pela
sociedade e o que é aprovisionado pela administração pública para
segurança do cidadão.
3. O treinamento policial
na atualidade
Grosso modo, o currículo da matéria Armamento e Tiro dos
cursos de formação policial têm origem na instrução de tiro das Forças Armadas, sofrendo algumas adaptações para a realidade policial.
Estes programas estabelecem as sessões de instrução que envolvem
temas como a manutenção do armamento, legislação referente ao
uso da arma de fogo, fundamentos do Tiro Policial e a execução do
tiro na posição de pé, na posição ajoelhada, na posição barricada
e tiro na posição deitado. A instrução prática em estande de tiro
é sempre orientada por um Instrutor de Tiro; o atirador é sempre
colocado em frente a um mesmo tipo de alvo (silhueta humanóide),
portando uma arma de fogo carregada e para todas as séries de disparos o tiro é comandado pelo instrutor. Não há, na prática, a opção
Uso comedido da força letal: construindo um protocolo de engajamento
3 MINAYO, M. C.
S. & SOUZA, E. R.
Missão Investigar: entre o ideal
e a realidade
de ser policial.
Rio de Janeiro:
Garamond, 2003
e MINAYO, M. C.
S, SOUZA, E. R. &
CONSTANTINO, P.
(Coord.). Missão
prevenir e proteger: condições
de vida, trabalho
e saúde dos policiais militares do
Rio de Janeiro.
Rio de janeiro:
Editora Fiocruz,
2008.
51
4 Wittig, Arno F.
(1981). Psicologia
geral. São Paulo:
McGraw-Hill.
5 STORANI,
Paulo. O
Treinamento
perceptivo-motor
na melhoria da
performance do
tiro policial, em
confrontos nas
áreas der risco.
Monografia
apresentada à
Universidade
Gama Filho
como requisito
parcial à
obtenção do
Certificado de
Pós-Graduação
“Lato Sensu” em
Treinamento
Físico. Rio de
Janeiro, 2000.
6 Idem.
52
de decisão de não atirar ou em qual alvo atirar, a decisão é de “atirar
sempre no alvo que estiver à frente”.
Analisando a instrução de tiro identificada como um processo de aprendizagem verifica-se a ocorrência de um condicionamento, que leva ao desenvolvimento de uma resposta operante,
que, segundo Wittig4, “é uma resposta voluntária emitida por um
organismo [...] de modo que o resultado final é a consecução de
uma meta desejada“ (p. 124). Assim, durante uma situação de forte
estresse físico ou emocional – como nos confrontos armados, onde
uma agressão é esperada a qualquer momento –, frente à mínima
percepção de um “possível” risco à sobrevivência, a resposta natural
é de “atirar no alvo que se apresenta”. Esta condição é potencializada
pelos efeitos fisiológicos da Reação de Alarme, com o comprometimento da destreza necessária para uma decisão e ação adequada.
Diante da ausência de uma resposta motora ajustada face ao tipo
de treinamento desenvolvido, a probabilidade de erro se torna uma
constante considerável, potencializando o risco de decisões equivocadas e do risco de se atingir terceiros.
Conforme o verificado em Storani (2000)5, a origem da metodologia empregada na instrução de tiro, na atualidade, baseou-se
nos estudos efetuados pelo Exército dos Estados Unidos da América (EUA) sobre a conduta dos soldados em batalha, desde a Guerra de Secessão, passando pela II Grande Guerra e pela Guerra do
Vietnã. Pesquisas da época, efetuadas após as batalhas da Guerra
de Secessão nos EUA, verificaram que 90% dos mosquetes de carregamento pela boca do cano, estavam com pelo menos uma carga
de tiro intacta, e 40 % com múltiplas cargas, chegando até a vinte
e quatro cargas de tiro intactas. Concluíram que o atirador, após o
carregamento da arma, não efetuou o disparo e que, mesmo assim,
carregou-a novamente; a ação de carregamento levaria algo em torno de vinte segundos.
Durante a II Guerra, relatos do Historiador S.L.A. Marshall do
Exército dos Estados Unidos (Storani, p. 11)6, introdutor da “Entrevista Pós-Ação”, verificou que somente 15% a 20% dos soldados que
participavam dos combates usavam suas armas contra o inimigo.
Diante destes dados, as Forças Armadas dos EUA concluíram que o
motivo do não uso da arma seria a rejeição natural do homem de
tirar a vida de seu semelhante. A partir destes dados, começaram
as pesquisas no campo da psicologia comportamental, do behaviorismo, visando inibir nos soldados a suposta rejeição de matar por
meio do desenvolvimento do principio básico do condicionamento
operante, pelo processo: estímulo/resposta condicionada – reforço
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
positivo ou negativo (recompensa ou castigo). O objetivo era criar
os “matadores profissionais” que iriam sempre usar suas armas em
combate diante do estímulo “inimigo”, pois não estariam mais sob a
égide de seu superego.
O resultado veio a ser comprovado na Guerra do Vietnã, onde
o próprio S.L.A. Marshall verificou, por meio de suas entrevistas pósação, que o percentual de utilização da arma de fogo pelos soldados
aumentou para 90%. Em contrapartida, a estatística da Guerra mostrou que para cada inimigo morto, as forças americanas dispararam
50.000 (cinqüenta mil) tiros.
4. Legalidade e legitimidade de agir
O respeito pelos direitos e garantias fundamentais, inerentes à pessoa humana, além de tutelado pelo Estado e reconhecido
pelos tratados internacionais, é a condição de convivência pacífica
em sociedade. Neste ambiente, não só o povo está sujeito às regras de direito, mas também as autoridades detentoras do mandato do poder de fazer, delegado pelo próprio povo. Este Poder
esta condicionado às normas jurídicas e condições técnicas, que
determinam situações, impõe restrições e estabelecem limites. Em
nossa sociedade, para condicionar o uso e o gozo dos bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade e do
próprio Estado, os agentes encarregados de aplicar a lei podem recorrer ao atributo da coercibilidade, diante do seu entendimento
da conveniência e oportunidade de agir, independente de ordem
judicial. Trata-se do Poder de Polícia7.
Resolução 34/169 da Assembléia Geral das Nações Unidas promulgou o Código de Conduta para Profissionais Encarregados
de Fazer Cumprir a Lei, em 17 de Dezembro de 1979.
“Artigo 1º - Os funcionários encarregados na aplicação da lei irão levar a efeito, em todo o momento, os deveres que são impostos pela
lei, servindo a sua comunidade e protegendo a todas as pessoas contra atos ilegais, em consonância com o alto grau de responsabilidade
exigido de sua função.
Art. 2º – No desempenho de suas funções, os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei respeitarão e protegerão a dignidade
humana e manterão e defenderão os direitos humanos de todas
as pessoas.
Art. 3º – Os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei poderão
usar a força apenas quando seja estritamente necessário ou na medida em que o requeira o desempenho de suas tarefas”. [...]
Uso comedido da força letal: construindo um protocolo de engajamento
7 O Poder de
Polícia está
definido no
Artigo 78 do Código Tributário
Nacional (CTN):
“Considera-se
Poder de Polícia
a atividade da
administração
pública que,
limitando ou
disciplinando
direito, interesse
ou liberdade,
regula a prática
de ato ou abstenção de fato,
em razão do interesse público
concernente à
segurança, à higiene, à ordem,
aos costumes,
à disciplina,
à produção e
ao mercado,
ao exercício
de atividades
econômicas
dependentes de
concessão ou
autorização do
Poder Público,
à tranqüilidade
pública ou
ao respeito à
prioridade e
aos direitos
individuais ou
coletivos”.
53
O agente encarregado de aplicar a lei é um trabalhador da sociedade, devendo ter por princípio as regras que são estabelecidas
por ela. Assim, o uso da força coercitiva está diretamente subordinado às regras, servindo, com isso, aos propósitos legais e legítimos.
Isto significa que a força deve ser usada no limite da capacidade
necessária para garantir direitos, impedir ou interromper sua violação com o menor dano possível às pessoas, sejam elas as vítimas, os
agentes da lei e os próprios transgressores.
CÓDIGO PENAL COMUM
“Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular
de direito.
Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo,
responderá pelo excesso doloso ou culposo”.
A Força deve ser empregada de forma moderada, proporcional à gravidade da violação identificada e com intensidade estritamente necessária ao atendimento do objetivo que deve ser atingido.
Qualquer desvio ou abuso, reprovados pelo consentimento público
e pela não observância dos limites legais, será considerado uso excessivo da força, truculência e arbitrariedade, que levam à descrença
e ao medo relacionado às instituições que deveriam respeitar estes
limites e responsabilização pelo excesso.
CÓDIGO PENAL COMUM
“Art. 25 – entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual e iminente, a direito seu ou de outrem”.
5. Considerações sobre o
uso da força letal
O nível de uso da força letal compreende um estado profissional e emocional extraordinário. Esta condição pode ser resultante de
um processo que evoluiu gradativamente dos níveis mais brandos de
uso da força, em uma interação onde um direito foi ou estava por ser
violado, levando ao aumento da tensão e do estresse; ou quando o
operador de segurança se depara com uma situação em que percebe
a ação agressiva letal imediata por parte do violador da lei, como nos
confrontos desencadeados nas operações em áreas de risco.
54
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
Ambas as situações promovem condições de aumento do
estresse. Na interação onde pode ocorrer a elevação gradativa do
uso da força como resposta a uma resistência do violador da lei, o
operador pode ser levado a tomar decisões com maior componente pessoal, quando passa a entender a resistência do violador da
lei como uma “afronta” ou “desrespeito” a ele como pessoa. Nas interações onde o uso da força letal é iminente, o estresse dificulta
mais ainda o processo de tomada de decisão, a correta percepção
do ambiente e do comportamento dos atores observados, levando
a respostas equivocadas e desproporcionais. Ambas as situações
requerem preparo técnico e tático e controle emocional para a melhoria da qualidade da percepção e da resposta.
Desta forma, o uso de força letal deve ser resultante de um
processo de tomada de decisão, onde foram esgotadas todas as
demais alternativas técnicas e táticas do uso da força não letal.
Decidir pelo uso da força letal significa ter avaliado que a vida de
pessoas, ou do próprio operador, encontra-se em risco de morte.
Contudo, é fundamental que a escolha da alternativa de força letal tenha sido produto de ponderação estabelecida em processo,
onde foram projetadas as ações possíveis e suas consequências, e
tenha se decidido pela alternativa que produzisse o menor dano
para o bem pretendido com a ação, que é salvar vidas. Isto representaria agregar a excelência ao processo decisório e diminuir a
margem de erro da decisão.
Todo este processo pode ser apropriadamente treinado, de
forma que nas diversas situações, principalmente aquelas com reduzido tempo para avaliar e decidir, nossas escolhas sejam produtos de um mínimo de ponderação. Para que este treinamento
tenha sucesso é fundamental criarmos diretrizes que facilitem a
tomada de decisão do encarregado de aplicar a lei, como um “Protocolo de Engajamento”.
6. Protocolo de engajamento
Este “Protocolo de Engajamento” se ampara na complexidade
da natureza do trabalho policial e nas exigências operacionais de
intervir por meio do recurso legal e legítimo da força, em um conjunto de eventos urbanos imprevisíveis e voláteis, circunscritos por
cenários de incerteza e risco. Diante desta realidade, comprovada
por fatos recentes no cotidiano policial, não se pode negligenciar
os meios necessários para que os encarregados de aplicação da lei
Uso comedido da força letal: construindo um protocolo de engajamento
55
possam cumprir seu papel social de protetores das pessoas, possibilitando-os agir por meio de técnicas amparadas por regras claras de
procedimento, de modo a produzirem resultados legítimos.
Perceber e responder, na perspectiva dos modelos de uso da
força, significa estar preparado para compreender o que ocorre no
cenário em que se atua e intervir, produzindo uma solução legal e
legítima. Para o uso de força letal, as normas legais vigentes estabelecem, implicitamente, uma “regra de procedimento” para ações
de proteção das pessoas inocentes, dos encarregados de aplicação
da lei e dos próprios violadores. Estas regras são legitimadas pelos
pressupostos dos direitos humanos e do estado democrático e de
direito, e se constitui como um “Protocolo de Engajamento”.
O Protocolo deve ser, em sua essência, um processo explícito
de tomada de decisão, que obedece a uma sequência de procedimentos fundamentados nos princípios ditados pelas normas legais
vigentes, nas técnicas e nas táticas reconhecidas para uso da força.
Para isso, deve estabelecer diretivas para produzir soluções legítimas para os conflitos, no que propomos:
Diretiva 1 - Identificação Positiva de Agressor Letal: Trata-se da
identificação real de pessoa(s) portando arma de fogo, que está sendo
apontada ou disparada na direção de pessoas inocentes ou na direção
dos operadores de segurança.
Diretiva 2 – Condição Tática para o Tiro: Trata-se do “estudo do cenário”
para avaliar a condição tática para emprego da arma de fogo pelo operador de segurança pública, com máxima eficiência e máxima segurança;
considerando a distância do agressor letal, sua posição em relação aos
anteparos e, principalmente, a circulação de pessoas inocentes.
Diretiva 3 - Resposta Proporcional a Agressão Letal: Trata-se da resultante do processo de tomada de decisão do operador de segurança pública, quando escolhe a alternativa de impedir ou interromper a
agressão, engajando-se o violador da lei pelo uso da arma de fogo e
limitando o número de disparos ao estritamente necessário (praticado
em treinamento) para impedir ou neutralizar a agressão letal contra
inocentes ou contra encarregados de aplicação da lei. O processo finaliza com o impedimento ou interrupção da agressão, a prisão do violador e/ou o socorro médico de feridos.
Considerações finais
Os encarregados de aplicar a lei se deparam com uma imensa variedade de estímulos e cenários em sua atividade profissional.
Estas condições interferem e contribuem, muitas vezes, para interpretações equivocadas. As diretivas apresentadas são objetivadas
56
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
no estabelecimento de um processo de tomada de decisão capaz
de auxiliar os operadores de segurança pública a decidirem por alternativas viáveis, durante uma situação de extremo estresse. Contudo, somente por meio de treinamento apropriado e continuado
estes fundamentos serão internalizados. Treinamento apropriado
significa a utilização de uma metodologia que privilegie o desenvolvimento técnico e tático, e que desenvolva a capacidade de perceber e responder com qualidade, mesmo em situações de estresse. A continuidade se constitui na única forma de consolidação do
conhecimento e da habilidade necessárias ao desenvolvimento da
performance ótima, esperada pela sociedade.
Uso comedido da força letal: construindo um protocolo de engajamento
57
Referências bibliográficas
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SCHMIDT, Richard A. (1988). Motor control and learning . Ilinois: Human Knetics Publishers.
58
Uso progressivo da força: dilemas e desafios
Uso Progressivo da Força: dilemas
e desafios: resumo de propostas*
O objetivo do Seminário Temático “Uso progressivo da
força: dilemas e desafios” foi discutir os pilares que sustentam
este campo de fazeres e saberes nas organizações policiais brasileiras, tanto no plano individual como coletivo, promovendo
um debate qualificado sobre o tema através da mobilização dos
atores diretamente envolvidos, seja do ponto de vista acadêmico, seja do ponto de vista operacional, do exercício da atividade
profissional.
Para tanto, o seminário foi realizado contemplando cinco
momentos distintos, cada qual contando com uma metodologia
diferenciada com o propósito de reunir um feixe de propostas a
serem levadas para a Conferência Nacional de Segurança Pública
(CONSEG) no âmbito da temática de uso da força.
O seminário foi iniciado com uma apresentação geral do
tema e uma breve explicação de como este se insere nos projetos desenvolvidos pelo Viva Rio, especialmente aos relacionados
ao desarmamento e ao controle de armas. Ainda neste primeiro
momento, destacou-se ainda como este evento se insere dentro
da filosofia da CONSEG, na medida em que permite a reflexão de
um tema de extrema importância dentro da segurança pública
nacional. Por fim, neste momento foram apresentadas questões
que merecem uma reflexão mais aprofundada por parte da academia e dos profissionais de segurança pública.
Após esta mesa de abertura, foi composta a primeira mesa
do seminário, na qual os palestrantes nacionais e internacionais
fizeram suas apresentações sobre “O papel da formação na mudança de paradigma no uso da força letal”. Foram dois eixos básicos: a) apresentação do cenário atual de uso da força pelas organizações policiais brasileiras; b) apresentação de experiências
nacionais e internacionais de formação na temática de uso da
força.
Ao longo destas apresentações, os expositores destacaram
as seguintes necessidades de alteração na forma como o paradigma de formação na área de uso da força se encontra estruturado no Brasil:
Uso Progressivo da Força: dilemas e desafios: resumo de propostas
* Texto elaborado a partir
do relatório
do Seminário
Temático Uso
Progressivo da
Força: dilemas
e desafios, por
Ludmila Ribeiro,
Fabiano Monteiro, Roberta
Correa, Daniel
de Pádua e Bernardo Tonasse
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Estabelecimento de um novo paradigma de formação,
em que se ressalte o policiamento enquanto um serviço
público destinado à proteção da cidadania;
Compartilhamento da regulação policial com a comunidade e trabalho conjunto entre a comunidade e a polícia
pela consolidação do espaço social desta organização;
Tradução das normas das Nações Unidas no que se refere ao Uso da Força para o contexto socioeconômico de
cada região – o que existe atualmente é um parâmetro de
legislação nacional vinculante que não corresponde ao da
ONU;
Estruturação de um treinamento acerca do uso da força
baseado em casos reais, de maneira a ajudar os policiais
a fortalecer as ferramentas necessárias para a tomada de
decisões em consonância com as atividades desenvolvidas
pelo policial em seu cotidiano.
Conectando a fala de todos os palestrantes desta mesa, é
possível concluir que, para a polícia brasileira fazer um melhor
uso da força, é indispensável um melhor treinamento dos policiais, ajustes na legislação vigente e melhores condições de vida
e de trabalho para aqueles que tem o dever de prestar segurança
à sociedade.
A primeira atividade da parte da tarde foi a composição
da mesa “Alternativas menos letais para a ação policial: experiências nacionais e internacionais”, na qual foram apresentadas
as tecnologias menos letais já disponíveis para as organizações
policiais brasileiras, e ainda como essas “armas” vêm sendo utilizadas - tanto pelo exército brasileiro como pela própria Polícia
do Estado do Rio de Janeiro. Entre os desafios para a disseminação deste tipo de tecnologia, identificou-se a necessidade de um
treinamento mais especializado para este tipo de armamento, e
ainda uma diretriz mais clara de como e quando estas tecnologias podem ser utilizadas como substitutivas da arma de fogo.
Encerrados os trabalhos dessa mesa, ainda na parte da tarde, os participantes foram divididos em três oficinas temáticas:
a) elementos para a criação de uma matriz curricular sobre uso
da força; b) letalidade da ação policial no Brasil: o que fazer para
superar este cenário?; c) avaliação das justificativas para uso da
força policial. O critério para a distribuição dos participantes foi
o interesse pela temática e a especialidade de cada um.
As oficinas foram estruturadas obedecendo à seguinte metodologia: primeiro, dois especialistas apresentaram as pesquisas
por eles realizadas sobre o tema em pauta. Após esta apresenta-
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Uso progressivo da força: dilemas e desafios
Oficina
Pergunta
Oficina 01 - Elementos para a
criação de uma matriz curricular
sobre uso da força
Que propostas / ações concretas os
palestrantes e os presentes propõem para a
criação de uma matriz curricular sobre uso
da força?
Oficina 02 - Letalidade da ação
policial no Brasil: o que fazer para
superar este cenário?
Que propostas / ações concretas os
palestrantes e os presentes propõem para a
redução da letalidade da ação policial?
Oficina 03 - Avaliação das
justificativas para uso da força
policial
Que propostas / ações concretas os
palestrantes e os presentes propõem para
a concepção de um modelo que viabilize
a criação de uma série de instruções
normativas que justifiquem o uso da força?
A partir destas perguntas, os participantes de cada oficina
construíram as seguintes diretrizes para cada uma das temáticas
trabalhadas:
Oficina
Oficina 01
- Elementos
para a
criação de
uma matriz
curricular
sobre uso da
força
Propostas
• Reformulação dos cursos de formação de policiais, com o
objetivo de viabilizar a construção de métodos de treinamento
afeitos ao uso progressivo da força;
• Aperfeiçoamento dos critérios de seleção dos policiais que
atuam no patrulhamento ostensivo, dada a necessidade de
que o profissional policial tenha características pessoais que o
qualifiquem para o desempenho da função no que diz respeito
a autocontrole e limitação dos impulsos.
• Institucionalização de um programa de treinamento constante,
visando estabelecer claramente as situações nas quais a arma de
fogo pode ser utilizada;
• Introdução de um treinamento com foco nas armas “menos letais”;
• Mudança de doutrina na atuação policial;
Oficina 02
- Letalidade
da ação
policial no
Brasil: o que
fazer para
superar este
cenário?
• Instituição de um programa de premiações para policiais que não
fizeram uso de armas letais em suas ações;
• Estabelecimento de programas de apoio psicológico e de
assistência social a policiais que participaram de incursões com
níveis elevados de letalidade;
• Retirada da categoria de “Auto de Resistência” das estatísticas
criminais;
• Aperfeiçoamento do sistema de acompanhamento da letalidade
policial pelas Secretárias de Segurança Publica, com o objetivo
de verificar se existe uma possível e potencial relação entre subculturas de determinados batalhões e número de mortes de civis
pela polícia;
• Reforma das corregedorias de polícia, desvinculando-as dos
comandos policiais;
Uso Progressivo da Força: dilemas e desafios: resumo de propostas
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• Retirada do porte de armas dos Bombeiros, para evitar o uso
indevido da armas nos chamados “bicos” de segurança armada;
• Instituição de um programa de ajuda e amparo legal às famílias
vítimas de violência policial.
Oficina 03
Avaliação
das
justificativas
para uso da
força policial
• Estabelecimento do Padrão de Operação Policial (POP) e
estímulo ao seu uso, garantindo uma ampla discussão com a
sociedade;
• Criação de mecanismos de controle interno da atividade
policial – gestão (acesso aos dados, relatoria de operação policial,
justificativa para o uso da força).
• Criação de mecanismos de controle externo da atividade policial
através do acesso aos dados, transparência das praticas policiais
e fortalecimento das ouvidorias de polícia.
• Retirada da categoria de “Auto de Resistência” das estatísticas
criminais;
• Aperfeiçoamento do sistema de acompanhamento da letalidade
policial pelas Secretárias de Segurança Publica, com o objetivo
de verificar se existe uma possível e potencial relação entre subculturas de determinados batalhões e número de mortes de civis
pela polícia;
• Reforma das corregedorias de polícia, desvinculando-as dos
comandos policiais;
• Retirada do porte de armas dos Bombeiros, para evitar o uso
indevido da armas nos chamados “bicos” de segurança armada;
• Instituição de um programa de ajuda e amparo legal às famílias
vítimas de violência policial.
No quinto e último momento, os participantes do seminário
foram novamente reunidos em uma plenária para a discussão da
necessidade de criação de um protocolo de engajamento no qual
as responsabilidades do policial fossem objetivamente apresentadas, especialmente no que se refere ao uso da força letal.
O protocolo de engajamento sugerido no âmbito do seminário sobre uso progressivo da força seria uma espécie de regra de
bolso, que o policial deve ter em mente antes de atirar, para que
esteja garantida tanto a segurança do próprio policial (em termos
de avaliação do seu desempenho operacional e de responsabilização por sua ação) como a segurança do cidadão (que passaria
a saber claramente quais são as situações na qual o policial está
autorizado a atirar).
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Uso progressivo da força: dilemas e desafios
Ficha técnica
1a Conferência Nacional de Segurança Pública
Coordenação Executiva:
Coordenadora Geral: Regina Miki
Secretária Executiva: Fernanda dos Anjos
Secretária Executiva Adjunta: Mariana Carvalho
Coordenadora de Capacitação: Beatriz Cruz
Coordenador de Comunicação: Marcelo de Paiva
Coordenador de Infraestrutura: Antonio Gianichini
Coordenador de Metodologia: Fábio Deboni
Coordenador de Mobilização: Guilherme Leonardi
Coordenador de Projetos Especiais: Fernando Antunes
Assessora Especial da Coordenação Executiva: Luciane Patrício
Assessora de Assuntos do Sistema Penitenciário: Márcia de Alencar
Equipe:
Adriana Faria, Alberto Kopittke, Alessandro Mendes, Alex Dias, Amanda Ayres,
Ana Carla Maurício, André Arruda, Anelize Schuler, Ângela Simão, Atahualpa
Coelho, Cíntia Luz, Clarissa Jokowski, Cláudia Gouveia, Daisy Cordeiro, Daniel
Avelino, Daniella Cronemberger, Denis Torres, Élida Miranda, Fernanda Barreto,
Flávio Tomas, Gisele Barbieri, Gisele Peres, Heloísa Greco, Henrique Dantas,
Leandro Celes, Leidiane Lima, Maria Gabriela Peixoto, Maria Thereza Teixeira,
Mariana Levy, Mateus Utzig, Priscilla Oliveira, Rafael Santos, Regina Lopes,
Renata Florentino, Rodrigo Xavier, Rosier Custódio, Sady Fauth,Sheila Almeida,
Socorro Vasconcelos, Tatiana Rivoire, Thales de Moraes, Verônica dos Anjos,
Verônica Lins e Wagner Moura.
Consultora para a elaboração aos Cadernos Temáticos:
Elizabete Albenaz
Portal:
www.conseg.gov.br