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O uso da força por organizações regionais

2018

O Capitulo VIII da Carta das Nacoes Unidas preve a possibilidade da atuacao de organizacoes de carater regional no sistema internacional de seguranca coletiva, admitindo que o Conselho de Seguranca utilize tais organizacoes para o emprego de medidas coercitivas ou as autorize a faze-lo. O crescimento da atuacao do Conselho de Seguranca desde o inicio dos anos 1990 foi acompanhado pelo aumento de episodios em que organizacoes regionais empregaram a forca armada com bases juridicas diversas, muitas vezes sem a devida autorizacao exigida pela Carta da ONU. Tal autorizacao poderia ser escusada se fossem reconhecidas novas excecoes a proibicao da ameaca ou uso da forca pelos Estados em suas relacoes internacionais, o que pode ser evidenciado pela pratica dos Estados e dos orgaos das Nacoes Unidas. Entre as possiveis novas excecoes que poderiam ter sido criadas pela atuacao das organizacoes regionais estao a utilizacao da forca com propositos humanitarios e a utilizacao da forca por meio ...

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Faculdade de Direito Bernardo Mageste Castelar Campos O USO DA FORÇA POR ORGANIZAÇÕES REGIONAIS BELO HORIZONTE 2018 BERNARDO MAGESTE CASTELAR CAMPOS O USO DA FORÇA POR ORGANIZAÇÕES REGIONAIS Trabalho de dissertação de mestrado apresentado por BERNARDO MAGESTE CASTELAR CAMPOS ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, no âmbito da Área de Concentração ―Direito e Justiça‖, Linha de Pesquisa ―Poder, Cidadania e Desenvolvimento no Estado Democrático de Direito‖, Área de Estudo ―Direito Internacional Contemporâneo‖, sob orientação do Professor Dr. Aziz Tuffi Saliba. BELO HORIZONTE 2018 C198u Campos, Bernardo Mageste Castelar O uso da força por organizações regionais / Bernardo Mageste Castelar Campos. – 2018. Orientador: Aziz Tuffi Saliba. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito. 1. Direito internacional público – Teses 2. Nações Unidas. Conselho de Segurança – Teses 3. Segurança internacional – Teses 4. Organizações internacionais – Teses I.Título CDU 341.123 Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Meire Luciane Lorena Queiroz CRB 6/2233. BERNARDO MAGESTE CASTELAR CAMPOS O USO DA FORÇA POR ORGANIZAÇÕES REGIONAIS Dissertação apresentada e aprovada junto ao Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais visando a obtenção do título de Mestre em Direito Internacional Contemporâneo. Belo Horizonte, 06 de novembro de 2018 Componentes da banca examinadora: Professor Doutor Aziz Tuffi Saliba (Orientador) Universidade Federal de Minas Gerais Professor Doutor Marcelo Andrade Féres Universidade Federal de Minas Gerais Professor Doutor Lucas Carlos Lima Universidade Federal de Minas Gerais AGRADECIMENTOS Dentre as diversas dificuldades enfrentadas na elaboração deste trabalho a formulação dos agradecimentos parece ser a mais injusta, pela certeza de que nomes estarão faltando mesmo após cuidadosa revisão. São incontáveis as pessoas que me auxiliaram de diferentes maneiras em meu percurso até aqui, e peço perdão antecipadamente se cometo alguma omissão. Agradeço primeiramente ao prezado professor Aziz Tuffi Saliba pela orientação que não se limitou à esfera acadêmica e transcendeu diversos aspectos da minha formação. Sou imensamente grato pela oportunidade de poder contar nestes seis anos com este exemplo de profissional competente, dedicado e ético com quem compartilho a paixão pelo direito internacional. Agradeço ao estimado professor Lucas Carlos Lima pelo exemplo de jovem profissional dedicado e inspirado. Obrigado por seus valiosos conselhos e pelo inestimável auxílio em minha formação. Agradeço também ao professor Marcelo Féres e a tantos outros professores marcantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, que por sua dedicação com o ensino do direito fazem dela um centro de excelência. Agradeço ao professor Leonardo Nemer Caldeira Brant pelo exemplo e pelos conselhos de vida. Não posso deixar de agradecer os queridos colegas que trilham ao meu lado, tanto na graduação quanto na pós-graduação, os primeiros passos nesta trajetória acadêmica, como Alice, Amael, Ana Carolina, Ana Clara, Ana Fernandes, Antônio, Bárbara, Bruna, Bruno, Giuliana, Joana, Mariana Ferolla, Pedro Pirani e Sofia Neto. Agradeço aos amigos pelo companheirismo tanto nos momentos de felicidade quanto nos de angústia, reconhecendo em especial a relevância dos amigos vetustianos Amanda Reis, Anelise, Bárbara Almeida, Guilherme, Igor Moraes, Isadora Eller, Jéssica Barbosa e Lucas Reis, aos amigos do CEDIN e à amizade decenária de Isabela Botelho, Luiz Gabriel e da minha querida Helena. Agradeço aos meus pais Ana Christina e Jorge e à minha irmã Stephania pelo apoio e amor incondicionais e pela instigação intelectual. Agradeço ainda a toda a minha família, sem a qual nenhuma conquista existiria ou teria sentido. RESUMO O Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas prevê a possibilidade da atuação de organizações de caráter regional no sistema internacional de segurança coletiva, admitindo que o Conselho de Segurança utilize tais organizações para o emprego de medidas coercitivas ou as autorize a fazê-lo. O crescimento da atuação do Conselho de Segurança desde o início dos anos 1990 foi acompanhado pelo aumento de episódios em que organizações regionais empregaram a força armada com bases jurídicas diversas, muitas vezes sem a devida autorização exigida pela Carta da ONU. Tal autorização poderia ser escusada se fossem reconhecidas novas exceções à proibição da ameaça ou uso da força pelos Estados em suas relações internacionais, o que pode ser evidenciado pela prática dos Estados e dos órgãos das Nações Unidas. Entre as possíveis novas exceções que poderiam ter sido criadas pela atuação das organizações regionais estão a utilização da força com propósitos humanitários e a utilização da força por meio de cláusulas de tratados. A prática das organizações regionais evidenciada em episódios de utilização da força nas últimas duas décadas demonstra que tanto a utilização da força com fins humanitários quanto a utilização da força por meio de cláusulas convencionais não foram reconhecidas pelos órgãos das Nações Unidas como novas exceções autônomas à proibição do uso da força, sendo a autorização do Conselho de Segurança percebida como um requisito necessário para o emprego da força armada por entidades regionais. Palavras-chave: Conselho de Segurança. Organizações Regionais. Proibição do Uso da Força. Segurança Coletiva. ABSTRACT Chapter VIII of the Charter of the United Nations provides for the possibility of regional organizations acting in the international system of collective security by allowing the Security Council to use such organizations for the use of coercive measures or to authorize them to do so. The growth in the work of the Security Council since the early 1990s has been accompanied by an increase in cases in which regional organizations have employed armed forces with diverse legal bases, often without the proper authorization required by the UN Charter. Such authorization could be excused if new exceptions to the prohibition of the threat or use of force by States in their international relations were recognized, what can be evidenced by the practice of States and UN bodies. Among the possible new exceptions that could have been created by the practice of regional organizations are the use of force for humanitarian purposes and the use of force by means of treaty clauses. The practice of regional organizations evidenced in episodes of use of force in the last two decades shows that both the use of force for humanitarian purposes and the use of force by means of conventional clauses were not recognized by the United Nations organs as new exceptions autonomous to the prohibition of the use of force, while the Security Council authorization is perceived as a necessary requirement for the use of armed force by regional entities. Keywords: Security Council. Regional Organizations. Prohibition of Use of Force. Collective Security. ABREVIAÇÕES AFISMA – Missão Internacional Africana de Apoio ao Mali AGNU – Assembleia Geral das Nações Unidas AGOEA – Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos AJIL – American Journal of International Law BYIL – British Yearbook of International Law CDHNU – Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas CDI – Comissão de Direito Internacional CEDEAO – Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental CIJ – Corte Internacional de Justiça CIJ Rep. – International Court of Justice Report CNT – Conselho Nacional de Transição da Líbia CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas CVDT – Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados ECOMIB – Missão da CEDEAO para a Guiné-Bissau ECOMIG – Missão da CEDEAO para a Gâmbia ECOWAS – Economic Community of West African States EJIL – European Journal of International Law ELK – Exército de Liberação do Kosovo FAM – Força Águia de Malaita Ibid. – Ibidem ICISS – International Commission on Intervention and State Sovereignty IICK – Independent International Commission on Kosovo KFOR – Kosovo Force KVM – Kosovo Verification Mission MISCA – Mission internationale de soutien à la Centrafrique sous conduite africaine MLI – Movimento de Libertação Isatabu ONU – Organização das Nações Unidas OSCE – Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa Op. cit. – opus citatum OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte OTSC – Organização do Tratado de Segurança Coletiva PCIJ – Permanent Court of International Justice PITSE – Pacific Islands Treaty Series R2P – Responsibility to Protect RAMSI – Regional Assistance Mission to Solomon Islands RCA – República Centro-Africana RCADI – Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de La Haye RDC – República Democrática do Congo RFI – República Federal da Iugoslávia SFIP – Secretariado do Fórum de Ilhas do Pacífico SGNU – Secretário-Geral das Nações Unidas TIAR – Tratado Interamericano de Assistência Recíproca UA – União Africana UE – União Europeia UN Doc. – United Nations Document UNCIO – United Nations Conference on International Organization UNOWAS – United Nations Office for West Africa and the Sahel UNTS – United Nations Treaty Series SUMÁRIO CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO ................................................................................... 19 1.1 A Possibilidade do Uso da Força por Organizações Regionais ....................... 21 1.1.1 O uso da força de acordo com o Capítulo VIII da Carta da ONU ................. 22 1.1.2 A Legítima Defesa Coletiva exercida por Organizações Regionais .............. 26 1.2 A possibilidade de alteração da norma convencional pela prática posterior ........ 31 CAPÍTULO 2 – O USO DA FORÇA POR RAZÕES HUMANITÁRIAS ................... 35 2.1. A Intervenção Humanitária e a Responsabilidade de Proteger ............................ 35 2.2. Estudos de Caso ................................................................................................... 41 2.2.1 Operação Allied Force (Kosovo, 1999) ......................................................... 41 2.2.2 Operação Unified Protector (Líbia, 2011) ..................................................... 53 2.3. Conclusão............................................................................................................. 61 CAPÍTULO 3 – INTERVENÇÃO POR MEIO DE CLÁUSULAS GARANTIDORAS64 3.1. As Cláusulas Garantidoras ................................................................................... 64 3.1.1. O Consentimento como Excludente de Ilicitude ........................................... 66 3.1.2. A Forma de Expressão do Consentimento .................................................... 69 3.1.3. Autorização e Notificação do Conselho de Segurança ................................. 72 3.2 Estudos de Caso .................................................................................................... 74 3.2.1. Missão de Assistência Regional para as Ilhas Salomão (Ilhas Salomão, 2003)74 3.2.2. Operação Restore Democracy (Gâmbia, 2017)............................................. 81 3.3. Conclusão............................................................................................................. 95 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 98 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 102 19 CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO O sistema de segurança coletiva estabelecido pela Carta das Nações Unidas institucionalizou o uso legal da força na comunidade internacional baseando-se na premissa de que os Estados estariam dispostos a ir à guerra por um princípio abstrato, a ideia de uma comunidade internacional1. Os valores que compõem esta ideia, entretanto, se transformaram ao longo das sete décadas de existência das Nações Unidas. Princípios como o da soberania, antes entendidos como quase absolutos, agora tendem a ser cada vez mais relativizados em prol de valores como a proteção dos direitos humanos. Assim, o mecanismo criado para a regulação do uso da força deve se amoldar às mudanças e ajustar seus antigos métodos aos novos fins2. Dessa forma, pode-se considerar que: Não há uma segurança coletiva: existem fatores e meios que se enquadram nesse conceito, que devem ser examinados, analisados e implementados de maneira que, como em outras áreas do direito internacional e talvez até mais, estejam sujeitos ao 3 imperativo do relativismo jurídico . Porém adequar o sistema de segurança coletiva aos novos valores significa adaptar seu conjunto de ferramentas, não abandoná-lo. Esta adequação deu ensejo à criação de operações de manutenção de paz para lidar com conflitos internos nos Estados e das sanções inteligentes para evitar danos colaterais na população civil por medidas coercitivas que não envolvem o uso da força, medidas formuladas de forma criativa e dentro dos limites legais da Carta para lidar com problemas surgidos ao longo dos anos. Uma das ferramentas para a manutenção da paz e segurança internacionais previstas pelos redatores da Carta da ONU é a participação de organizações regionais no sistema de segurança coletiva. Seu emprego tanto de forma colaborativa na solução pacífica de controvérsias quanto na aplicação de medidas coercitivas pelo Conselho de Segurança 1 HERNDL, Kurt. Reflections on the system of collective security. RCADI, Leiden, v. 206, pp. 289-395, 1987, p. 304. 2 CANNIZZARO, Enzo. Common Interests of Humankind and the International Regulation of the Use of Force. In: BENVENISTI, E; NOLTE, Georg (Ed.). Community Interests Across International Law. Oxford: Oxford University Press, 2018, p. 417. [CANNIZZARO]. 3 ―Il n‘y a pas une sécurité collective: il y a des facteurs et des moyens qui relèvent de cette notion, et qui doivent tre examines, analys s et mis en oeuvre selon des m thodes qui, comme dans les autres domaines du droit international et plus encore peut- tre, sont assujetties l‘imp ratif du relativisme juridique‖. CHAUMONT, Charles. Cours g n ral de droit international public. RCADI, Leiden, v. 129, pp. 333-527, 1970, p. 523. Ênfase do original. 20 proporciona uma amálgama de possibilidades que não foram aproveitadas na Guerra Fria e que recentemente tem se mostrado muito útil na solução de problemas regionais. Mesmo se adaptando ao longo dos anos, o sistema de segurança coletiva instaurado pela Carta da ONU foi incapaz de lidar com situações que ameaçavam a paz internacional e não evitou a utilização unilateral da força pelos Estados em certas ocasiões, como no caso da invasão do Iraque em 20034. Dessa forma, parte da doutrina entende que novas exceções à proibição do uso da força prevista no artigo 2º, parágrafo 4º da Carta da ONU teriam surgido nas últimas décadas, o que poderia ser comprovado pela prática internacional. São exceções, por exemplo, que permitiriam combater o terrorismo, como a legítima defesa contra o ataque armado de atores não estatais, ou proteger os interesses de nacionais em território estrangeiro, como a possibilidade de intervenção armada para a defesa de cidadãos no exterior5. O presente trabalho se propõe a analisar algumas dessas exceções que teriam surgido da prática de organizações regionais. Nas duas próximas seções deste capítulo serão introduzidos os dois pressupostos nos quais todo o trabalho se baseia: a possibilidade de uso da força pelas organizações regionais e a possibilidade de alteração da Carta das Nações Unidas sem a utilização de emendas ou protocolos adicionais. Os Capítulos 2 e 3 analisam as duas hipóteses de alteração da proibição do uso da força levantadas: a possibilidade de intervenção armada pelas organizações regionais com fins humanitários e a intervenção armada baseada em tratados ou documentos regionais, respectivamente. Ambos os capítulos realizam dois estudos de caso cada, escolhidos com base na relevância e na aplicação das hipóteses como fundamento jurídico da intervenção. Os quatro casos analisados pelos Capítulos 2 e 3 se referem a eventos ocorridos entre 1998 e 2018 onde se empregou a força militar sob o comando ou em nome de uma organização regional6. A princípio, as condutas analisadas configuram pelo menos uma das formas de uso da força listadas como ―atos de agressão‖ pelo conceito adotado pela 4 GRAY, Christine. International Law and the Use of Force. 3ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2008, pp. 2-3. [GRAY]. 5 FRANCK, Thomas M. Recourse to Force: State Action Against Threats and Armed Attacks. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, pp. 53 e 76. [FRANCK 2002]. 6 As condutas analisados neste trabalho podem ser atribuídas às organizações regionais por terem sido cometidas por seus próprios órgãos, por órgãos colocados à sua disposição ou adotados pelas organizações como se por elas realizadas, de acordo com as regras de atribuição presentes nos artigos 6, 7 e 9 do Projeto de Artigos da CDI sobre a Responsabilidade das Organizações Internacionais. CDI. Draft articles on the responsibility of international organizations, UN Doc. A/66/10, para. 87, 2011, artigos 6, 7 e 9. 21 Assembleia Geral das Nações Unidas em 19747. Entre o início dos dois eventos analisados em cada capítulo há um intervalo de pelo menos dez anos, possibilitando a comparação entre as bases jurídicas alegadas e a reação dos órgãos das Nações Unidas em um período razoável de tempo para a formulação de uma nova interpretação sobre a norma internacional que proíbe o uso da força. Do ponto de vista metodológico, o trabalho adota como regra geral as determinações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), mas realiza algumas alterações que fogem das regras gerais da ABNT em prol da maior clareza do texto. No lugar do sistema ―autor-data‖ optou-se por adotar o sistema de notas de rodapé tanto para referências quanto para notas explicativas, o que em tese é incompatível8. Como o trabalho realiza predominantemente a citação direta de textos em língua estrangeira e buscando evitar a utilização abusiva das notas de rodapé, optou-se pela manutenção do texto original apenas das frases com mais de três linhas ou contento expressões importantes. Ainda buscando evitar notas de rodapé muito grandes, estas utilizam as abreviações contidas na Lista de Abreviações e o sistema de colchetes para aludir a referências já realizadas. A grafia de algumas palavras e outras normas de padronização seguem as normas sugeridas pelos Manuais de Redação da Presidência da República (2002) e de Redação Oficial e Diplomática do Itamaraty (2016)9. 1.1 A Possibilidade do Uso da Força por Organizações Regionais Apesar de ter atribuído ao Conselho de Segurança a ―principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais‖10, o sistema de segurança coletiva estabelecido pela Carta das Nações Unidas permite a atuação de organizações internacionais de caráter regional, chamadas de ―acordos ou entidades regionais‖, conforme dispõe o Capítulo VIII da Carta da ONU (1.1.1). Além disso, as organizações regionais podem servir de instrumentos para o exercício do direito à legítima defesa coletiva, conforme estabelece o artigo 51 da Carta da ONU (1.1.2). 7 AGNU. Definition of Aggression, UN Doc. A/RES/3314 (XXIX), 14 December 1974. GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, p. 167. 9 Também foi utilizado de forma suplementar o Manual de Redação da Folha de São Paulo. 10 Carta das Nações Unidas, 26 de junho de 1945, artigo 24. 8 22 1.1.1 O uso da força de acordo com o Capítulo VIII da Carta da ONU A proposta da Carta da ONU aprovada em Dumbarton Oaks em 1944 estabelecia uma relação institucional hierárquica entre a organização que estava sendo planejada e as organizações regionais11, atribuindo competência exclusiva ao Conselho de Segurança na manutenção da paz e segurança internacionais12. A proposta buscava suprir a falha do Pacto da Liga das Nações13, que meramente admitia a existência de tal tipo de organização e teria favorecido a proliferação de ententes independentes e incompatíveis com os propósitos da Liga14. Alterações substanciais da proposta de Dumbarton Oaks e a introdução de um capítulo próprio para lidar com a relação da ONU com as organizações regionais só foram feitas na Conferência de São Francisco por iniciativa dos países latino-americanos e árabes, interessados na institucionalização de sistemas regionais de segurança coletiva15. A criação do Capítulo VIII de certa maneira representou a expressão de uma abordagem regionalista do sistema internacional de segurança coletiva, ampliando o protagonismo das organizações regionais em oposição aos interesses das grandes potências, que advogavam pela completa supremacia do Conselho de Segurança16. A redação do Capítulo VIII é imprecisa e seu relacionamento institucional com as outras provisões da Carta não é claro17. O primeiro dos três artigos que compõem o Capítulo VIII já faz transparecer certa imprecisão: O termo ―organização regional‖ utilizado neste trabalho para se referir a organizações internacionais de caráter intergovernamental que tem critérios regionais como a principal base para sua composição, ao contrário das organizações ―à vocation universelle‖, como as Nações Unidas e a Organização Mundial do Com rcio. Algumas organizações consideradas regionais podem admitir membros de diferentes regiões geográficas, como é o caso da Organização do Tratado do Atlântico Norte e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. 12 ONU. Documents de la Conférence des Nations Unies sur l’Organisation Internationale, San Francisco, 1945. Tome XII (Commission III, Conseil de Sécurité). UNCIO vol. XII, 1945, p. 786. 13 Pacto da Sociedade das Nações, 28 junho de 1919, artigo 21. 14 Vide, por exemplo, a criação do Pacto Renânio (estabelecido pelos Tratados de Locarno de 1925 entre Alemanha, Bélgica, França, Grã-Bretanha, Itália, Polônia e Tchecoslováquia), do Pacto Balcânico (firmado pelo Tratado de Atenas de 1934 entre Iugoslávia, Grécia, Romênia e Turquia), da Entente Báltica (criada pelo Tratado de Genebra de 1934 entre Lituânia, Letônia e Estônia) e do Pacto do Oriente (criado pelo Tratado de Saadabad de 1937 entre Turquia, Irã, Iraque e Afeganistão). YEPES, J. M. Les accords régionaux et le droit international. RCADI, v. 71, pp. 227-344, 1947, pp. 257-258. 15 DE CHAZOURNES, Laurence Boisson. Les relations entre organisations régionales et organisations universelles. RCADI, Leiden, v. 347, pp. 100-406, 2011, p. 243. [DE CHAZOURNES]. 16 KODJO, Edem. Article 52. In: COT Jean-Pierre; PELLET Alain. La Charte des Nations Unies. 3ª ed. Paris: Economica, 2005, p. 1370. 17 HUMMER; SCHWEITZER. Article 52. In: SIMMA, Bruno; KHAN, Daniel-Erasmus; NOLTE, Georg; PAULUS, Andreas. The Charter of the United Nations: a commentary. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 815. 11 23 Artigo 52 1. Nada na presente Carta impede a existência de acordos ou de entidades regionais, destinadas a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que forem suscetíveis de uma ação regional, desde que tais acordos ou entidades regionais e suas atividades sejam compatíveis com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas. 2. Os Membros das Nações Unidas, que forem parte em tais acordos ou que constituírem tais entidades, empregarão todo os esforços para chegar a uma solução pacífica das controvérsias locais por meio desses acordos e entidades regionais, antes de as submeter ao Conselho de Segurança. 3. O Conselho de Segurança estimulará o desenvolvimento da solução pacífica de controvérsias locais mediante os referidos acordos ou entidades regionais, por iniciativa dos Estados interessados ou a instância do próprio conselho de Segurança. 18 4. Este Artigo não prejudica, de modo algum, a aplicação dos Artigos 34 e 35 . O próprio conceito de ―acordos ou entidades regionais‖19 previsto no artigo 52 é problemático, já que o termo não é definido pela Carta e gera dúvidas quanto à necessidade de institucionalização de tais entidades para o exercício das funções previstas no Capítulo VIII. A única característica marcante exigida pela Carta, entretanto, é a necessidade de que estas entidades sejam compatíveis com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas, conforme estabelece o parágrafo 1º do artigo 52. A qualificação de uma entidade para fins do Capítulo VIII é flexível, sendo adotados conceitos diversos pelos diferentes órgãos das Nações Unidas20. Tendo em vista os propósitos do Capítulo VIII, o conceito funcional adotado pelo Conselho de Segurança, segundo o qual o principal elemento definidor de um acordo ou entidade regional é sua capacidade de lidar com a manutenção da paz e da segurança internacionais, parece ser a abordagem mais adequada para interpretar o termo21. O Capítulo VIII atribui duas funções diferentes às organizações regionais: uma ligada à solução pacífica de controvérsias no âmbito regional, prevista no artigo 52, e outra ligada à ação coercitiva, prevista no artigo 53: Artigo 53 1. O conselho de Segurança utilizará, quando for o caso, tais acordos e entidades regionais para uma ação coercitiva sob a sua própria autoridade. Nenhuma ação 18 Carta das Nações Unidas, 26 de junho de 1945, artigo 52. A tradução oficial do termo não auxilia em seu entendimento. O termo ―acordos ou de entidades regionais‖ ―regional arrangements or agencies‖ em ingl s, ―accords ou organismes régionaux‖ em franc s e ―acuerdos u organismos regionales‖ em espanhol. 20 DE CHAZOURNES, op. cit., pp. 255-257. 21 Ibid., pp. 256-257. 19 24 coercitiva será, no entanto, levada a efeito de conformidade com acordos ou entidades regionais sem autorização do Conselho de Segurança, com exceção das medidas contra um Estado inimigo como está definido no parágrafo 2 deste Artigo, que forem determinadas em consequência do Artigo 107 ou em acordos regionais destinados a impedir a renovação de uma política agressiva por parte de qualquer desses Estados, até o momento em que a Organização possa, a pedido dos Governos interessados, ser incumbida de impedir toda nova agressão por parte de tal Estado. 2. O termo Estado inimigo, usado no parágrafo 1 deste Artigo, aplica-se a qualquer Estado que, durante a Segunda Guerra Mundial, foi inimigo de qualquer signatário 22 da presente Carta . O papel das organizações regionais como promotoras da solução pacífica de controvérsias previsto nos três últimos parágrafos do artigo 52 não será analisado neste trabalho, que é voltado ao uso da força. Entretanto, cumpre ressaltar que a inclusão de tal função na Carta da ONU buscou aumentar o protagonismo das organizações regionais ao garantir a prioridade destas em lidar com a solução pacífica de controvérsias regionais, apesar de não atribuir sua exclusividade na função23. A atribuição de um papel mais importante para as organizações regionais na solução pacífica de controvérsias foi uma contrapartida exigida pelos adeptos de uma abordagem mais regionalista na Conferência de São Francisco para a adoção do artigo 53, que prevê um claro papel de subordinação das organizações regionais ao Conselho de Segurança. Na realidade, a prioridade dos sistemas regionais de solução de controvérsias previsto no artigo 52 depende de sua interpretação conjunta com outras provisões da Carta24, e tanto a prática dos órgãos das Nações Unidas25 quanto a prática dos sistemas regionais de solução pacífica de controvérsias26 adotam posições distintas. Atualmente o artigo 53 prevê duas formas específicas de atuação das organizações regionais em relação à ação coercitiva27. Tais entidades podem ser utilizadas pelo CSNU ―sob 22 Carta das Nações Unidas, 26 de junho de 1945, artigo 53. ASBJØRN, Eide. Peace-Keeping and Enforcement by Regional Organizations: Its Place in the United Nations System. Journal of Peace Research, Oslo, v. 3, n. 2, pp. 125-145, 1966, p. 133. 24 Pela interpretação conjunta dos artigos 52 e 33 depreende-se que os Estados membros de uma organização regional possuem o dever de procurar chegar a uma solução pacífica por meios negociais ou judiciais antes de recorrer ao Conselho de Segurança, atribuindo a este órgão papel subsidiário. Já se os artigos 24 e 103 forem considerados, entende-se que os Estados são livres para recorrer tanto ao sistema regional quanto ao Conselho de Segurança, havendo aí uma jurisdição concorrente. HUMMER; SCHWEITZER. Article 52. In: SIMMA, Bruno; KHAN, Daniel-Erasmus; NOLTE, Georg; PAULUS, Andreas. The Charter of the United Nations: a commentary. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2002, pp. 838-841. 25 Ibid., pp. 842-843. 26 DE CHAZOURNES, op. cit., pp. 260-264. 27 O parágrafo 1º do artigo 53 prevê ainda que a autorização do Conselho de Segurança é dispensada quando as organizações regionais tomarem ―medidas contra um Estado inimigo (...) destinados a impedir a renovação de uma política agressiva por parte de qualquer desses Estados‖. Tal hipótese histórica foi adicionada para manter em vigor os pactos de assistência mútua estabelecidos entre os Aliados durante a Segunda Guerra Mundial, e não será objeto de análise deste trabalho por sua falta de pertinência. 23 25 sua própria autoridade‖ (parágrafo 1º, primeira parte) ou podem agir mediante ―autorização do Conselho de Segurança‖ (parágrafo 1º, segunda parte). Na primeira função a organização regional age tal como um órgão subsidiário do Conselho de Segurança28, sendo este que decide sobre a utilização da força e delega parte de suas funções às organizações regionais 29. Na segunda função a organização regional recebe a autorização do Conselho de Segurança e pode agir de forma discricionária dentro dos termos da autorização, que deve ser prévia e especificar os objetivos da ação30. Na prática, entretanto, as duas funções não se diferenciam, já que nos dois casos o Conselho de Segurança efetivamente delega seus poderes de ação31. O termo ―ação coercitiva‖32 empregado no artigo 53 deve ser entendido como uma medida necessária para a solução de uma questão relativa à manutenção da paz e da segurança internacionais33. Portanto, tais medidas compreendem as ações coercitivas que empregam ou não forças armadas previstas nos artigos 41 e 42 do Capítulo VII da Carta da ONU, incluindo as operações de paz34. Do ponto de vista do Capítulo VIII, medidas como o rompimento de relações diplomáticas e a aplicação de sanções econômicas, como as praticadas pela Organização dos Estados Americanos contra a República Dominicana em 1960 sem autorização do Conselho de Segurança35, são consideradas ações coercitivas. Nota-se que enquanto a utilização de tais medidas pode ser delegada pelo Conselho de Segurança, a determinação da existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão continua sendo de sua competência exclusiva36. Assim, ―o modelo de autorização/delegação empregado no artigo 53 confirma claramente a primazia do Conselho, os organismos 28 KELSEN, Hans. The Law of the United Nations. Londres: Stevens & Sons, 1951, p. 326. [KELSEN]. DE CHAZOURNES, op. cit., p. 271. 30 SICILIANOS, Linos-Alexandre. Entre multilatéralisme et unilatéralisme : l'autorisation par le Conseil de sécurité de recourir à la force. RCADI, Leiden, v. 339, pp. 9-436, 2009, pp. 29-30. [SICILIANOS]. 31 DE CHAZOURNES, op. cit., p. 272. 32 Na versão em língua inglesa da Carta, o termo ―enforcement action‖ utilizado no artigo 53 para se referir s ações das organizações regionais que devem ser autorizadas pelo CSNU e nos artigos 2(5 e 7), 5 e 50 para se referir aos poderes do Conselho em relação ao Capítulo VII da Carta. Em sua versão em português, os termos variam entre ―ação coercitiva‖, ―modo coercitivo‖ e ―medidas coercitivas‖. 33 VILLANI, Ugo. Les rapports entre l'ONU et les organisations régionales dans le domaine du maintien de la paix. RCADI, Leiden, v. 290, pp. 225-436, 2001, p. 331. [VILLANI]. 34 CIJ. Certain Expenses of the United Nations (Article 17, paragraph 2, of the Charter), Advisory Opinion of 20 July 1962, ICJ Rep. 1962, p. 165. 35 As ações foram realizadas como sanções ao governo de Rafael Trujillo, que teria planejado a tentativa de assassinato do presidente venezuelano Rómulo Betancourt. FRANCK 2002, op. cit., pp. 56-57. 36 Carta das Nações Unidas, 26 de junho de 1945, artigo 39. 29 26 regionais não possuem o direito de iniciativa em matéria de recurso às medidas coercitivas armadas‖37. O último dos três artigos do Capítulo VIII prevê um mecanismo de controle das ações das organizações regionais envolvendo medidas coercitivas, prevendo que: Artigo 54 O Conselho de Segurança será sempre informado de toda ação empreendida ou projetada de conformidade com os acordos ou entidades regionais para manutenção da paz e da segurança internacionais38. Ao especificar a obrigação das organizações regionais de notificarem tanto as medidas que vierem a serem tomadas antes da ação quanto as já realizadas, o artigo 54 busca possibilitar o controle total do Conselho de Segurança sobre a ação destas entidades. A ausência de menção à forma como esta notificação deve ser feita ou a mecanismos que garantam seu cumprimento contribuem para que esta obrigação seja observada na prática apenas por poucas organizações regionais39. 1.1.2 A Legítima Defesa Coletiva exercida por Organizações Regionais Além do Capítulo VIII, a Carta da ONU possibilita que a atuação das organizações regionais na manutenção da paz e segurança internacionais ocorra também por meio do exercício da legítima defesa coletiva. Prevista pelo artigo 51 da Carta como um ―direito inerente‖, a legítima defesa coletiva uma exceção proibição do uso da força, ao lado da possibilidade de sua autorização pelo Conselho de Segurança. A legítima defesa individual é considerada uma norma de direito natural por autores clássicos do direito internacional40 e ganhou importância ao ser admita como a única exceção à proibição do uso da força ―(...) le modèle de l‘autorisation/d l gation employ dans l‘article 53 confirme clairement la primaut du Conseil, les organismes r gionaux n‘ayant pas de droit d’initiative en matière de recours à des mesures coercitives arm es‖. DE CHAZOURNES, op. cit., pp. 274-275. Ênfase original. 38 Carta das Nações Unidas, 26 de junho de 1945, artigo 54. 39 A Organização dos Estados Americanos é a organização que mais notificou suas ações de acordo com o artigo 54, seguida da Organização da União Africana e da Liga Árabe. HUMMER; SCHWEITZER. Article 54. In: SIMMA, Bruno; KHAN, Daniel-Erasmus; NOLTE, Georg; PAULUS, Andreas. The Charter of the United Nations: a commentary. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 895. 40 Como Victoria, Grotius, Gentili, Wolff e Vattel. Vide BOWETT, D. W. Self-Defence in International Law. Manchester: Manchester University Press, 1958, p. 4-8. [BOWETT]. 37 27 estabelecida pelo Pacto Kellogg-Briand41. Apesar de dificilmente poder ser considerada um direito natural42, a legítima defesa em sua modalidade coletiva foi reconhecida como um direito costumeiro pela Corte Internacional de Justiça, para quem ―a própria Carta [da ONU] atesta a existência do direito à legítima defesa coletiva no direito consuetudinário internacional‖43. Tal como o Capítulo VIII, a inclusão da possibilidade de exercício da legítima defesa coletiva na Carta da ONU foi proposta na Conferência de São Francisco pelos países latinoamericanos. Semanas antes da Conferência, os países da União Pan-Americana haviam lançado as bases de um sistema regional de defesa coletiva com a Ata de Chapultepec 44, que de certa maneira buscava institucionalizar a Doutrina Monroe45. Apesar de seu exercício não exigir a existência de uma estrutura institucional, o direito à legítima defesa coletiva previsto na Carta da ONU está intimamente ligado aos artigos subsequentes que tratam da possibilidade de formação de acordos regionais. Tanto o exercício do direito à legítima defesa coletiva quanto as ações realizadas de acordo com o Artigo 53 da Carta representam duas formas de atuação descentralizada das organizações regionais contra ameaças à paz e a segurança internacionais 46. No caso do exercício da legítima defesa coletivo, entretanto, a organização exerce o uso da força em nome próprio, enquanto no caso de aplicação do artigo 53 ela estará exercendo funções delegadas pelo Conselho de Segurança47. Dessa forma, o papel das organizações regionais em relação ao direito de legítima defesa coletiva não deve ser visto como instrumento do sistema de segurança coletiva, tal como o Capítulo VIII da Carta48. 41 Ibid., pp. 132-133. KELSEN, op. cit., p. 797. CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, Dissenting opinion of Judge Oda, ICJ Rep. 1986, pp. 256-257. 43 ―(…) the Charter itself testifies to the existence of the right of collective self-defence in customary international law‖. CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, ICJ Rep. 1986, pp. 102-103. 44 A Ata de Chapultepec foi adotada por meio da Resolução nº VIII (―Assist ncia Recíproca e Solidariedade Americana‖), aprovada na Confer ncia Interamericana sobre Problemas da Guerra e Paz e realizada na Cidade do México. A resolução foi aprovada em 06 de março de 1945, pouco mais de um mês antes do início da Conferência de São Francisco (iniciada em 25 de abril de 1945). CANYES, Manuel S. The Inter-American System and the Conference of Chapultepec. AJIL, Washington D.C., v. 39, n. 3, pp. 504-517, jul. 1945. 45 BOWETT, op. cit., p. 211. 46 SICILIANOS, op. cit., p. 40. 47 SCHREUER, Christoph. Regionalism v. Universalism. EJIL, Florença, v. 39, n. 3, pp. 504-517, 1945, p. 490. 48 De acordo com Kissinger, alianças militares em sua essência são diametricamente opostas ao conceito de segurança coletiva, por sempre presumirem um adversário específico, enquanto o sistema global de segurança coletivo busca combater todo tipo de ameaça contra a paz. KISSINGER, Henry. Diplomacy. Nova York: Simon & Schuster, 1994, p. 247. 42 28 A institucionalização do exercício da legítima defesa coletiva pode se dar por dos tratados de assistência mútua e das alianças militares. Os tratados de assistência mútua estabelecem que o ataque armado contra um dos membros será considerado um ataque armado contra todos os demais, estabelecendo assim o dever de amparo49. O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) de 1947 prevê tal dever em seu artigo 3º, mencionando de forma expressa o artigo 51 da Carta da ONU50. O funcionamento do TIAR está relacionado com a estrutura da Organização dos Estados Americanos (OEA) 51, que se reconhece como um ―organismo regional‖ nos termos da Carta da ONU52. Outros exemplos de tratados de assistência mútua são a União da Europa Ocidental53 e o Pacto de Bagdá de 195554. As alianças militares possuem um grau superior de institucionalização, prevendo a integração de seu alto comando militar, a criação de órgãos, o intercâmbio de informações e até mesmo o estabelecimento de bases militares conjuntas55. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de 1949 prevê em seu tratado constitutivo uma cláusula de assistência mútua similar a presente no TIAR56. Ao contrário da OEA, no entanto, a OTAN não admite ser considerada um ―acordo regional‖ para fins do Capítulo VIII da Carta da ONU, mas ao longo do tempo se tornou uma organização de estrutura ampla e sofisticada57. O 49 DINSTEIN, Yoram. Guerra, Agressão e Legítima Defesa. 3ª Ed. Barueri: Manole, 2001, pp. 349-353. [DINSTEIN 2001]. 50 ―As Altas Partes Contratantes concordam em que um ataque armado, por parte de qualquer Estado, contra um Estado Americano, será considerado como um ataque contra todos os Estados Americanos, e, em conseqüência, cada uma das ditas Partes Contratantes, se compromete a ajudar a fazer frente ao ataque, no exercício do direito imanente de legítima defesa individual ou coletiva que é reconhecido pelo Artigo 51 da Carta das Nações Unidas‖. O TIAR possui atualmente 18 Estados partes. Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, 02 de setembro de 1947, 21 UNTS 77, artigo 3º, parágrafo 1º. 51 HUMMER; SCHWEITZER. Article 52. In: SIMMA, Bruno; KHAN, Daniel-Erasmus; NOLTE, Georg; PAULUS, Andreas. The Charter of the United Nations: a commentary. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 829. 52 ―Dentro das Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos constitui um organismo regional‖. Carta da Organização dos Estados Americanos (Emendada pelo Protocolo de Buenos Aires de 27 de fevereiro de 1967), 30 de abril de 1948, 721 UNTS 324, artigo 1º. 53 A União da Europa Ocidental (Western European Union) foi criada pelo Tratado de Bruxelas de 17 de março de 1948 e estabelecia o dever de assistência recíproca de seus membros (artigo V). O tratado foi emendado em 1954 para ―confiar nas autoridades militares apropriadas da OTAN para informação e aconselhamento sobre assuntos militares‖ (artigo IV emendado). A União chegou a reunir B lgica, França, Alemanha, Gr cia, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Espanha e Reino Unido antes de ser extinta em junho de 2011. 54 O Pacto de Bagdá foi assinado em 1955 entre Reino Unido, Iraque, Turquia, Paquistão e Irã inspirado na OTAN e foi extinto em 1979. Pact of Mutual Cooperation Between the Kingdom of Iraq, the Republic of Turkey, the United Kingdom, the Dominion of Pakistan, and the Kingdom of Iran (Baghdad Pact), February 24, 1955, artigo 1º. 55 DINSTEIN 2001, op. cit., p. 354. 56 Tratado do Atlântico Norte, 04 de abril de 1949, 34 UNTS 243, artigo 5º. 57 DINSTEIN 2001, op. cit., p. 355. 29 Pacto de Varsóvia58 e a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC)59 são exemplos de alianças militares. O exercício do direito à legítima defesa em geral deve obedecer aos requisitos da proporcionalidade e necessidade, reconhecidos como normas de caráter costumeiro60. Além disso, a legítima defesa deve ser exercida em resposta a atos que constituam um ataque armado e sua utilização deve ser imediatamente reportada ao Conselho de Segurança, conforme estabelece os termos do artigo 51 da Carta61, obrigação esta semelhante ao dever de notificação previsto no artigo 54. O exercício da legítima defesa coletiva requer ainda a existência de uma solicitação de ajuda por parte do Estado que está sofrendo a agressão. Neste sentido, apenas um ataque armado percebido como tal pelo Estado agredido62 e mediante sua solicitação de auxílio possibilitaria o exercício da legítima defesa coletiva por outro Estado ou grupo de Estados. No caso Nicarágua, a CIJ entendeu que: Não existe uma regra no direito costumeiro internacional permitindo que outro Estado exerça o direito da legítima defesa coletiva com base na sua própria avaliação da situação. Quando a legítima defesa é invocada, espera-se que o Estado em benefício do qual este direito é exercido tenha se declarado vítima de um ataque armado. (...) [No] direito costumeiro internacional (...) não há regra que permita o exercício da legítima defesa coletiva na ausência do pedido por um Estado que se vê como a vítima de um ataque armado. A Corte conclui que o requisito de solicitação pelo Estado que é vítima de um suposto ataque é adicional ao requisito que tal Estado tenha declarado ter sido atacado63. Formalmente ―Tratado de Amizade, Cooperação e Assist ncia Mútua‖, o Pacto de Varsóvia foi firmado em 1955 entre Albânia, Bulgária, Tchecoslováquia, República Democrática Alemã, Hungria, Polônia, Romênia e União Soviética. Foi declarado extinto em fevereiro de 1991. 59 Surgida da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) foi estabelecida formalmente como aliança militar em 2002, com a assinatura de sua Carta. O Tratado prevê o estabelecimento de uma infraestrutura militar comum e contempla ainda um Protocolo e um Acordo sobre Forças Coletivas de Resposta Rápida, de 2010. 60 CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, ICJ Rep. 1986, p. 94. 61 Dinstein alega ainda a exist ncia do requisito do ―imediatismo‖. DINSTEIN 2001, op. cit., p. 282. 62 CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, ICJ Rep. 1986, p. 110. 63 ―There is no rule in customary international law permitting another State to exercise the right of collective self-defence on the basis of its own assessment of the situation. Where collective self-defence is invoked, it is to be expected that the State for whose benefit this right is used will have declared itself to be the victim of an armed attack. (…) in customary international law (…) there is no rule permitting the exercise of collective selfdefence in the absence of a request by the State which regards itself as the victim of an armed attack. The Court concludes that the requirement of a request by the State which is the victim of the alleged attack is additional to the requirement that such a State should have declared itself to have been attacked‖. Ibid., pp. 104-105. 58 30 A CIJ baseou sua análise no artigo 3º, parágrafo 2º do TIAR, que estabelece que as medidas a serem tomadas em caso de agressão a uma das Partes poderão ser determinadas ―por solicitação do Estado ou dos Estados diretamente atacados‖64. Apesar de os Estados Unidos não terem alegado a utilização do TIAR, a Corte entendeu ser ―significativo que esse requisito de um pedido da parte de um Estado atacado apareça em um tratado particularmente dedicado a estas questões de assist ncia mútua‖65. O entendimento da Corte segundo o qual a solicitação expressa do Estado agredido é um requisito para o exercício da legítima defesa coletiva foi classificado como ―irrealista‖ pelo Juiz Sir Robert Jennings, que considera não ser prático exigir adicionalmente este requerimento formalista66. Entretanto, tal exigência decorre da lógica da legítima defesa como autoajuda de um Estado para a proteção de seus interesses67, decisão que melhor cabe a ele. Uma questão que surge do julgamento da Corte no Nicarágua, no entanto, é a de saber se este requerimento pode ser dispensado no caso de previsão convencional específica sobre o tema, ou seja, se a autorização do Estado pode ser dada previamente. A necessidade de pedido de auxílio por parte do Estado agredido é previsto como um requisito para o exercício da legítima defesa coletiva no âmbito da OTSC68 e da Liga Árabe69, mas não da OTAN70 e da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO)71. A questão da autorização prévia se assemelha àquela da possibilidade de intervenção da organização regional no território de seus Estados membros, que será analisada no Capítulo 3. 64 Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, 02 de setembro de 1947, 21 UNTS 77, artigo 3º, parágrafo 2º. 65 ―It is significant that this requirement of a request on the part of the attacked State appears in the treaty particularly devoted to these matters of mutual assistance‖. CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, ICJ Rep. 1986, p. 105. 66 CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, Dissenting opinion of Judge Sir Robert Jennings, ICJ Rep. 1986, pp. 544545. 67 BOWETT, op. cit., p. 3. 68 Agreement on collective forces of rapid response of the Collective Security Treaty Organization, 26 de junho de 2009, 2898 UNTS, artigo 4º. 69 Pacto da Liga dos Estados Árabes, 22 de março de 1945, 70 UNTS 237, artigo VI. 70 Tratado do Atlântico Norte, 04 de abril de 1949, 34 UNTS 243, artigo 5º. 71 CEDEAO. Protocol Relating to Mutual Assistance on Defence, A/SP.3/5/81, 29 de maio de 1981, Artigos 2 e 3. 31 1.2 A possibilidade de alteração da norma convencional pela prática posterior O presente trabalho se baseia na possibilidade de que a norma internacional que proíbe o uso da força pelos Estados em suas relações internacionais, expressa no artigo 2º, parágrafo 4º da Carta da ONU, possa ter sido alterada pela prática dos órgãos das Nações Unidas, em especial o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral. Assim, busca-se analisar o modo como estes órgãos reagem à prática das organizações regionais envolvendo o uso da força, estabelecendo-se então conclusões sobre possíveis novas exceções à proibição do uso da força prevista na Carta da ONU. A possibilidade de alteração de uma norma convencional por meio da prática subsequente é admitida pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que prevê como meio autônomo de interpretação, al m do contexto, ―qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação‖72. A prática subsequente, neste sentido, ―constitui prova objetiva do entendimento das Partes em relação ao sentido do tratado‖73, sendo portanto meio autêntico de interpretação dos tratados74. Admite-se que a prática subsequente das partes de um tratado possa ―surgir ou ser expressa na prática de uma organização internacional na aplicação de seu instrumento constituinte‖75. Diversas vezes a CIJ se valeu da prática de órgãos internos da ONU para a interpretação de sua Carta. Em sua opinião consultiva sobre a Namíbia, por exemplo, a Corte considerou que a prática do Conselho de Segurança, decisões presidenciais daquele órgão e as posições de seus Membros evidenciariam de forma consistente e uniforme que a prática da abstenção voluntária de um membro permanente não impediria a adoção de uma resolução pelo Conselho76, contrariando expressamente o sentido comum do parágrafo 3º do artigo 27 da Carta da ONU77. Da mesma forma, em sua opinião consultiva de 2004 sobre o Muro no 72 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, 23 de maio de 1969, 1155 UNTS 331, artigo 31, parágrafo 3º, alínea ―b‖. 73 ―[it] constitutes objective evidence of the understanding of the parties as to the meaning of the treaty‖. CDI. Yearbook of the International Law Commission, 1966, Vol. II, p. 221. 74 CDI. Draft conclusions on subsequent agreements and subsequent practice in relation to the interpretation of treaties, UN Doc. A/73/10, para. 51, 2018, conclusão 3. 75 Ibid., conclusão 12, ponto 2. 76 CIJ. Legal Consequences for States of the Continued Presence of South Africa in Namibia (South West Africa) notwithstanding Security Council Resolution 276 (1970), Advisory Opinion of 21 June 1971, ICJ Rep. 1971, p. 22, para. 22. 77 A análise do artigo 27 da Carta da ONU foi feita como reação ao argumento levantado pela África do Sul de que a Corte não teria competência para emitir sua opinião consultiva já que dois Membros Permanentes do 32 Território Ocupado da Palestina a Corte afirmou que ―a interpretação do artigo 12 [da Carta da ONU] evoluiu subsequentemente (...) pela prática aceita pela Assembleia Geral‖, utilizando registros de reuniões e resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança desde 1946 para confirmar seu entendimento78. A CIJ também se valeu da prática de órgãos das Nações Unidas como elemento de interpretação nas opiniões consultivas sobre a Competência para a Admissão de um Estado nas Nações Unidas79 e sobre a Convenção sobre os Privilégios e Imunidades das Nações Unidas80. No caso da Pesca de Baleias na Antártida, a Corte afirmou ainda que as recomendações não vinculantes de um órgão, quando ―adotadas por consenso ou voto unânime, podem ser relevantes para a interpretação‖ de um tratado81. A princípio, a interpretação de um tratado constitutivo cabe aos órgãos da organização internacional por este criada82. Assim, o modo como os órgãos das Nações Unidas interpretam as provisões da Carta referentes à regulação do uso da força possui um valor autoritativo 83, e tal modo de interpretação pode ser verificado a partir de sua prática subsequente. Como a Carta atribuiu ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e segurança internacionais, suas decisões, em especial, terão um grande impacto na forma com que o artigo 2º, parágrafo 4º é interpretado84. Apesar de o Conselho de Segurança se tratar de um órgão político, suas decisões geralmente buscam se basear em requisitos jurídicos previstos na Carta da ONU 85. Assim, a Conselho de Segurança se abstiveram na votação da Resolução 284 (1970), que solicitou a opinião. Segundo o parágrafo 3º do artigo 27 da Carta da ONU, ―as decisões do Conselho de Segurança, em todos os outros assuntos, serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes, ficando estabelecido que, nas decisões previstas no Capítulo VI e no parágrafo 3 do Artigo 52, aquele que for parte em uma controv rsia se absterá de votar‖. 78 CIJ. Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory, Advisory Opinion of 9 July 2004, ICJ Rep. 2004, pp. 149-150, paras. 27-28. 79 CIJ. Competence of the General Assembly for the Admission of a State to the United Nations, Advisory Opinion of 3 March 1950, ICJ Rep. 1950, p. 9. 80 CIJ. Applicability of Article VI, Section 22, of the Convention on the Privileges and Immunities of the United Nations, Advisory Opinion of 15 December 1989, ICJ Rep. 1989, p. 194, para. 48. 81 CIJ. Whaling in the Antarctic, (Australia v. Japan: New Zealand intervening), Merits, Judgment of 31 March 2014, ICJ Rep. 2014, para. 83. Sobre o uso de experts no caso, vide LIMA, Lucas Carlos. The Evidential Weight of Experts before the ICJ: Reflections on the Whaling in the Antarctic Case. Journal of International Dispute Settlement, Oxford, v. 6, pp. 621-635, 2015. 82 KLABBERS, Jan. An Introduction to International Institutional Law. 2ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, p. 91. [KLABBERS]. 83 HIGGINS, Rosalyn. The Development of International Law by the Political Organs of the United Nations. Proceedings of the American Society of International Law at Its Annual Meeting (1921-1969), Washington, v. 59, pp. 116-124, 1965, p. 119. [HIGGINS]. 84 KLABBERS, op. cit., pp 90-91. 85 HIGGINS, op. cit., p. 122. 33 interpretação dos termos da Carta da ONU pelo Conselho de Segurança deve ser a princípio considerada coerente com o direito internacional geral. Evidentemente deve-se ter cuidado com a assunção automática da legalidade de suas decisões, já que uma ―conclusão inevitável que o CSNU está sujeito a limitações legais derivadas não somente da Carta em si, mas também por normas de jus cogens e outros tratados pertinentes‖86, podendo a prática do órgão violar o direito internacional. Em comparação com decisões de outros órgãos das Nações Unidas, a análise das resoluções do Conselho de Segurança requer uma atenção especial em razão da composição de caráter restrito do órgão e de seu sistema de votação assimétrico87. De acordo com a CIJ, para se interpretar as resoluções do Conselho de Segurança deve-se: Analisar as declarações de representantes dos membros do Conselho de Segurança feitas no momento de sua adoção, outras resoluções do Conselho de Segurança sobre o mesmo assunto, bem como a prática subsequente dos órgãos relevantes das 88 Nações Unidas e dos Estados afetados por essas resoluções . Além das resoluções do CSNU, o registro de suas reuniões, quando públicas, é um importante indicativo da prática deste órgão, bem como as declarações e pronunciamentos de seu presidente. Resoluções da Assembleia Geral, declarações do secretário-geral, relatórios apresentados por órgãos subsidiários e a correspondência trocada entre diferentes órgãos e entre estes e organizações regionais ou Estados também podem expor a prática das Nações Unidas em relação aos temas tratados por este trabalho. Deve-se notar que a interpretação de um tratado pela prática subsequente das partes não significa a alteração da norma pelo surgimento de outra norma, de caráter costumeiro, mas apenas a alteração de sua interpretação. Dessa forma, o presente trabalho não se propõe a analisar a alteração da norma costumeira que proíbe o uso da força ou o surgimento de uma ―Inevitable conclusion that the UNSC is subject to legal limitations derived not only from the Charter itself but also from jus cogens and other pertinent treaties‖. SALIBA, Aziz Tuffi. Is the Security Council Legibus Solutus?: an Analysis of the Legal Restraints of the UNSC. Michigan State International Law Review, East Lansing, v. 20, n. 2, pp. 401-419, 2012, pp. 403-419. 87 ARANGIO-RUIZ, Gaetano. The ―Federal Analogy‖ and UN Charter Interpretation: a crucial issue. EJIL, Florença, v. 8, n. 1, pp. 1-28, 1997, p. 21. 88 ―(…) analyse statements by representatives of members of the Security Council made at the time of their adoption, other resolutions of the Security Council on the same issue, as well as the subsequent practice of relevant United Nations organs and of States affected by those given resolutions‖. CIJ. Accordance with international law of the unilateral declaration of independence in respect of Kosovo (Request for Advisory Opinion), Advisory Opinion of 22 July 2010, ICJ Rep. 2010, p. 442, para. 94; 86 34 nova norma costumeira admitindo exceções ao artigo 2º, parágrafo 4º da Carta da ONU89. A intenção do presente estudo é mais modesta, buscando demonstrar possíveis alterações na forma como os órgãos das Nações Unidas interpretam a proibição do uso da força previsto na Carta e aventando duas possíveis novas formas de interpretação, apresentadas nos capítulos seguintes. 89 Apesar dessa opção não ser impossível se comprovada a prática dos Estados baseado em uma opinio juris consistente. GRAY, op. cit., p. 8. 35 CAPÍTULO 2 – O USO DA FORÇA POR RAZÕES HUMANITÁRIAS A primeira hipótese aventada de alteração da norma que proíbe o uso da força pelos Estados em suas relações internacionais é a possibilidade de uso da força por razões humanitárias. Incluem-se neste conceito o chamado ―direito intervenção humanitária‖ e a doutrina da responsabilidade de proteger. Conforme será analisado, ambas as hipóteses possuem o mesmo fundamento, motivo pelo qual foram englobadas em um mesmo capítulo. O capítulo analisa brevemente os conceitos de intervenção humanitária e da responsabilidade de proteger (2.1), realiza a análise de dois estudos de caso em que foram aplicadas tais hipóteses (2.2) e por fim produz conclusões sobre a alteração das normas (2.3). 2.1. A Intervenção Humanitária e a Responsabilidade de Proteger A chamada ―intervenção humanitária‖ pode ser definida como ―a ameaça ou uso da força por um Estado, grupo de Estados ou organização internacional com o objetivo precípuo de proteger os nacionais do Estado-alvo de privações generalizadas de direitos humanos internacionalmente reconhecidos‖90, sendo considerada um ―direito‖ no sentido de ser uma autorização legal para agir dos Estados interventores91. O termo ―humanitário‖ se refere à finalidade da intervenção armada de fazer cessar o sofrimento humano, mas seu emprego para definir uma justificativa para o uso da força é criticado e visto como contraditório92. O direito intervenção humanitária tem origens no conceito medieval de ―guerra justa‖ e legitimou diversas ações multilaterais com vieses religiosos, como a Guerra dos Trinta Anos e as intervenções ocidentais no Império Otomano durante o século XIX 93. Sua ―Humanitarian intervention is the threat or use of force by a state, group of states, or international organization primarily for the purpose of protecting the nationals of the target state from widespread deprivations of internationally recognized human rights‖. MURPHY, Sean. Humanitarian Intervention: The United Nations in an Evolving World Order. Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 1996, pp. 11-12. [MURPHY]. 91 OPPENHEIM, Lassa; ROXBURGH, Ronald. International Law: a Treatise. Vol. 1 - Peace. 3ª ed. Londres: Longman, 1920, p. 221. 92 Para o Comit Internacional da Cruz Vermelha há uma contradição na utilização dos termos ―intervenção‖ e ―humanitária‖ em conjunto, já que a intervenção uma ação armada pertencente ao campo do jus ad bellum, e o auxílio humanitário visa, entre outros objetivos, aliviar o sofrimento de vítimas de conflitos. RYNIKER, Anne. The ICRC‘s position on ―humanitarian intervention‖. International review of the Red Cross, Genebra, v. 83, pp. 521-532, 2001. 93 As intervenções militares europeias na Grécia na década de 1820 e na Síria em 1860 teriam tido clara motivação de auxiliar as minorias de cristãos ortodoxos e maronitas. VON UNGERN-STERNBERG, Antje. Religion and Religious Intervention. In: FASSBENDER, Bardo; PETERS, Anne (Org.). The Oxford Handbook of the History of International Law. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 310. 90 36 aceitação como exceção legítima ao uso da força declinou a partir do início do século XX94, sendo condenada desde então por parte da doutrina95 e estando ausente do Pacto da Liga das Nações, do Tratado Kellogg-Briand ou da Carta das Nações Unidas. O episódio da invasão do Paquistão Oriental por tropas indianas em 197196 marcou a retomada da utilização de imperativos de proteção dos direitos humanos como justificativa para a intervenção unilateral e sem autorização do Conselho de Segurança. Grande parte das intervenções humanitárias nos anos 1970 e 1980 teria sido aceita ou pelo menos tolerada pela comunidade internacional97, o que levou diversos autores a sustentar que a prática estatal moderna daria suporte à sua legalidade. Autores como Christopher Greenwood98, Fernando R. Tesón, George Wright, Michael Reisman, Richard B. Lillich 99 e Thomas Franck100 admitem a legalidade da intervenção humanitária, enquanto autores como Ian Brownlie, Natalino Ronzitti, Oscar Schachter101 e Louis Henkin102 são contrários a ela. Observa-se que a proteção dos direitos humanos como justificativa para a intervenção armada de um Estado por si só não é incompatível com o direito internacional, sendo admitida quando devidamente considerada uma ameaça à paz e segurança internacionais e mediante autorização do Conselho de Segurança. Tal autorização é considerada uma exceção não só a proibição do uso da força, mas também ao princípio da não intervenção. O reconhecimento do direito à intervenção humanitária é rejeitado principalmente por violar os princípios da proibição do uso da força e da não intervenção. O princípio da não 94 MURPHY, op. cit., p. 63. A intervenção humanitária era apoiada por autores anglo-saxões como Henry Wheaton e T. J. Lawrence, enquanto autores da Europa continental como Franz von Liszt e Paul Pradier-Fodéré. KOLB, Robert. The Protection of the Individual in Times of War and Peace. In: FASSBENDER, Bardo; PETERS, Anne (Org.). The Oxford Handbook of the History of International Law. Oxford: Oxford University Press, 2012, pp. 332-333. 96 A intervenção foi realizada em dezembro de 1971 diante da repressão do governo de Islamabad contra o movimento separatista do Paquistão Oriental, iniciado em março. O conflito gerou um fluxo de refugiados para a Índia estimado em 10 milhões de pessoas. No Conselho de Segurança a atuação indiana foi bastante criticada, tendo o país alegado legítima defesa como justificativa para sua ação. FRANCK 2002, op. cit., pp. 139-143. 97 Algumas invasões justificadas por razões humanitárias, como a invasão da Índia no Paquistão Oriental (1971) e do Vietnã no Camboja (1978) foram condenadas por resoluções da Assembleia-Geral, enquanto ações como a invasão de Uganda pela Tanzânia (1978) e do ―Imp rio Centro-Africano‖ pela França (1979) não foram debatidas. Ibid., pp. 139-152. 98 GREENWOOD, Christopher. Humanitarian intervention: the case of Kosovo. Finnish Yearbook of International Law, Helsinki, n. 10, pp. 141-175, 2002. 99 Citados por BENJAMIN, Bary. Unilateral Humanitarian Intervention: Legalizing the Use of Force to Prevent Human Rights. Fordham International Law Journal, Nova York, v. 16, pp. 120-158, 1992-1993, nota 12, p. 122. [BENJAMIN]. 100 FRANCK 2002, op. cit., p. 135. 101 Citados por BENJAMIN, op. cit., nota 7, p. 121. 102 HENKIN, Louis. Kosovo and the Law of ―Humanitarian Intervention‖. AJIL, Washington, v. 93, n. 4, pp. 824-828, 1999, p. 824. [HENKIN]. 95 37 intervenção dos Estados em assuntos pertencentes à jurisdição doméstica dos Estados tem suas origens no direito natural e se baseia na proteção da soberania dos países103, sendo expresso no artigo 2º, parágrafo 7º da Carta das Nações Unidas104. A possibilidade de exist ncia de um ―direito intervenção‖ não previsto pela Carta das Nações Unidas foi rejeitado pela Corte Internacional de Justiça no caso do Canal de Corfu. No caso, a Corte considerou que a alegação britânica de que a presença da Marinha Real em águas territoriais albanesas se justificava pela necessidade de proteção de provas judiciais no território da Albânia era uma ―manifestação de uma política de força‖ como as que ―no passado, deu origem aos mais graves abusos‖105. O princípio foi novamente analisado pela CIJ no caso Nicarágua, onde considerou que a não intervenção possuía um caráter costumeiro106 e entendeu que: (...) em vista das formulações comumente aceitas, o princípio proíbe todos os Estados ou grupos de Estados em intervir direta ou indiretamente nos assuntos internos ou externos de outros Estados. Uma intervenção proibida é aquela relativa a matérias às quais cada Estado, pelo princípio da soberania estatal, pode escolher livremente. Uma delas é a escolha de um sistema político, econômico, social e cultural, e a formulação da política externa. A intervenção é ilegal quando usa métodos de coerção em relação a tais escolhas, que devem permanecer livres 107. Assim, a caracterização de uma intervenção como ilegal é realizada por meio da verificação da exist ncia do elemento de coerção, e tal elemento ―particularmente evidente‖ no caso de uma intervenção armada. Uma intervenção armada, portanto, é entendida não só como uma violação da norma que proíbe o uso da força pelos Estados em suas relações internacionais, mas também como uma violação do princípio da não intervenção. 103 15. VINCENT, R. J. Nonintervention and International Order. Princeton: Princeton University Press, 1974, p. ―Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII‖. Carta das Nações Unidas, 26 de junho de 1945, artigo 2º, parágrafo 7º. 105 CIJ. Corfu Channel, (United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland v. Albania), Merits, Judgment of 9 April 1949, ICJ Rep. 1949, pp. 34-35. 106 CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, ICJ Rep. 1986, p. 106, para. 202. 107 ―(…) in view of the generally accepted formulations, the principle forbids all States or groups of States to intervene directly or indirectly in internal or external affairs of other States. A prohibited intervention must accordingly be one bearing on matters in which each State is permitted, by the principle of State sovereignty. to decide freely. One of these is the choice of a political, economic, social and cultural system, and the formulation of foreign policy. Intervention is wrongful when it uses methods of coercion in regard to such choices, which must remain free ones‖. Ibid., p. 108, para. 205. 104 38 A polêmica em torno da intervenção da OTAN no Kosovo em 1999, analisada na próxima seção, foi o ponto culminante no debate sobre a existência do direito à intervenção humanitária no direito internacional moderno. O reconhecimento de sua existência após o episódio, feito inclusive pelo Secretário Geral das Nações Unidas Kofi Annan108, incentivou a criação da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (ICISS) pelo governo canadense, encarregada de levantar as principais questões envolvendo o debate sobre a legalidade da intervenção humanitária109. O relatório final da ICISS foi apresentado em dezembro de 2001 e desenvolve o conceito de Responsabilidade de Proteger (Responsibility to Protect, ou R2P), proposta como uma nova abordagem à intervenção humanitária. De acordo com o ICISS, a responsabilidade de proteger representa: A ideia de que os Estados soberanos têm a responsabilidade de proteger seus próprios cidadãos de catástrofes evitáveis – de assassinatos em massa e estupro a morte por inanição – mas que quando eles não estão dispostos ou em condições de fazê-lo aquela responsabilidade deve ser mantida pela comunidade mais ampla de Estados110. A doutrina proposta pelo ICISS se baseia na ideia de que a soberania implica responsabilidade, e a responsabilidade primária pela proteção de uma população recai sobre o Estado111. O conceito formulado pela ICISS engloba três tipos de responsabilidade: a responsabilidade de prevenir, a responsabilidade de reagir e a responsabilidade de reconstruir, baseados na opinião da Comissão de que uma doutrina formulada a partir da intervenção humanitária deveria estabelecer regras claras, mecanismos e procedimentos para garantir a legitimidade e a efetividade das operações militares, bem como eliminar as causas dos conflitos que as justificam112. Uma das bases jurídicas da doutrina da responsabilidade de proteger, segundo a ICISS, seria a responsabilidade do Conselho de Segurança na manutenção da paz e segurança internacionais. Ao reconhecer que as Nações Unidas são ―inquestionavelmente‖ a principal instituição de utilização da autoridade da comunidade internacional, a Comissão estabelece 108 BÖHLKE, Marcelo. A proibição do uso da força no direito internacional contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2011., pp. 312-314. [BÖHLKE]. 109 ICISS. The Responsibility to Protect: Report. Ottawa: International Development Research Centre, 2001, p. VII. [ICISS 2001a]. 110 ―Idea that sovereign states have a responsibility to protect their own citizens from avoidable catastrophe – from mass murder and rape, from starvation – but that when they are unwilling or unable to do so, that responsibility must be borne by the broader community of states‖. ICISS 2001a, op. cit., p. VIII. 111 ICISS 2001a, op. cit., p. 17. 112 ICISS 2001a, op. cit., pp. XI e 11. 39 que ―absolutamente não há dúvida de que não há órgão melhor ou mais apropriado que o Conselho de Segurança‖ para lidar com a intervenção humanitária113. A Comissão não é clara se admite a atuação autônoma dos Estados ou das organizações regionais em caso de inação do Conselho de Segurança em autorizar ou não o uso da força. Para ela, uma possível solução neste caso seria a atuação da Assembleia Geral convocada em uma Sessão Especial de Emergência114. O Relatório Final da Cúpula Mundial de 2005, apesar de dedicar somente três parágrafos à responsabilidade de proteger, é apontado como um dos indícios do reconhecimento da doutrina pela comunidade internacional pelo fato de ter sido adotado por mais de 150 líderes mundiais115. O Relatório é mais incisivo que a ICISS sobre o papel do Conselho de Segurança na aplicação da responsabilidade de proteger: A comunidade internacional, através das Nações Unidas, também tem a responsabilidade de usar os meios diplomáticos, humanitários e outros meios pacíficos apropriados, de acordo com os Capítulos VI e VIII da Carta, para ajudar a proteger populações do genocídio, de crimes de guerra, da limpeza étnica e de crimes contra a humanidade. Nesse contexto, estamos preparados para empreender ações coletivas, de maneira oportuna e decisiva, por meio do Conselho de Segurança, em conformidade com a Carta, inclusive com o Capítulo VII, em cada caso concreto e em cooperação com organizações regionais relevantes quando necessário, se os meios pacíficos forem considerados inadequados e se for evidente que as autoridades nacionais não protegem sua população do genocídio, dos crimes de guerra, da limpeza étnica e dos crimes contra a humanidade116. O papel das organizações regionais na responsabilidade de proteger foi ressaltado pela ICISS, que entendeu que estas geralmente estão em melhor posição para agir que as Nações Unidas por serem mais sensíveis aos problemas e ao contexto dos conflitos e conhecerem melhor os atores neles envolvidos117. Para o secretário-geral das Nações Unidas Ban Kimoon, tais organizações ―estavam na vanguarda dos esforços internacionais para desenvolver 113 Ibid., pp. XI e 48-49. Ibid., p. 53. 115 HEHIR, Aidan; MURRAY, Robert. Libya: The Responsibility to Protect and the Future of Humanitarian Intervention. Hampshire: Palgrave Macmillan, 2013, p. 6. [HEHIR & MURRAY]. 116 ―The international community, through the United Nations, also has the responsibility to use appropriate diplomatic, humanitarian and other peaceful means, in accordance with Chapters VI and VIII of the Charter, to help to protect populations from genocide, war crimes, ethnic cleansing and crimes against humanity. In this context, we are prepared to take collective action, in a timely and decisive manner, through the Security Council, in accordance with the Charter, including Chapter VII, on a case-by-case basis and in cooperation with relevant regional organizations as appropriate, should peaceful means be inadequate and national authorities are manifestly failing to protect their populations from genocide, war crimes, ethnic cleansing and crimes against humanity‖. AGNU. 2005 World Summit Outcome, UN Doc. A/RES/60/1, 24 October 2005, p. 30, para. 139. Ênfase nossa. 117 ICISS 2001a, op. cit., pp. 53-54. 114 40 tanto os princípios da proteção quanto os instrumentos práticos para sua implementação‖, tendo ―as Nações Unidas seguido seu exemplo‖118. A autoridade das organizações regionais também é avaliada pela ICISS, que admite a exigência de autorização prévia do Conselho de Segurança, mas nota que a prática da autorização ex post facto pode fornecer ―alguma margem de manobra para uma ação futura neste sentido‖119. A conclusão feita pela Comissão é que o Conselho de Segurança, e em especial seus membros permanentes, devem alterar seu modo de atuação e se abster do poder de veto quando o órgão tratar de graves violações de direitos humanos 120. O Relatório Final da Cúpula Mundial de 2005 não faz referência à autorização posterior do CSNU. Em grande medida, a doutrina da responsabilidade de proteger é herdeira direta da intervenção humanitária. Para Ian Brownlie, a responsabilidade de proteger ―menos uma doutrina por si só que uma reorientação da intervenção humanitária‖121. A própria ICISS admite que a antiga intervenção humanitária, apesar de não poder ser considerada uma regra emergente do direito costumeiro internacional, configura um princípio orientador que ―poderia ser devidamente denominado como ‗a Responsabilidade de Proteger‘‖122. Seja qual for a natureza jurídica da responsabilidade de proteger, esta foi invocada diversas vezes pelas Nações Unidas desde a adoção do relatório final da ICISS pela Cúpula Mundial de 2005123. A partir de 2008 a responsabilidade de proteger é objeto de relatórios anuais do Secretário Geral e em diversas ocasiões o Conselho de Segurança ressaltou a responsabilidade dos países em proteger seus cidadãos124. ―Regional and subregional bodies (…) were in the vanguard of international efforts to develop both the principles of protection and the practical tools for implementing them. The United Nations has followed their lead‖. ONU. Report of the Secretary-General on the role of regional and subregional arrangements in implementing the responsibility to protect, UN Doc. A/65/877 – S/2011/393, 28 de junho de 2011, para. 4. 119 ICISS 2001a, op. cit., p. 54. 120 Ibid., p. 55. 121 ―Less a doctrine of its own than a refocusing of humanitarian intervention‖. CRAWFORD, James. Brownlie’s Principles of Public International Law. 8ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 755. [CRAWFORD]. 122 ICISS 2001a, op. cit., p. 15. 123 BÖHLKE, op. cit., p. 316. 124 Como, por exemplo, nos casos da República Democrática do Congo, República Centro Africana, Síria, República do Sudão do Sul, Somália, Mali, Libéria, Líbia e Iêmen. ONU. Report of the Secretary-General on Implementing the responsibility to protect: accountability for prevention, UN Doc. A/71/1016 – S/2017/556, 10 de agosto de 2017, para. 2. 118 41 2.2. Estudos de Caso Os casos escolhidos para análise são emblemáticos em relação à tentativa de legitimação da intervenção humanitária como exceção à proibição do uso da força pelos Estados. O primeiro caso é a intervenção da OTAN no conflito do Kosovo, em 1999, denominada pela Organização como Operação Allied Force, que se tornou um evento marcante na discussão sobre a legalidade da intervenção humanitária e incentivou a criação da doutrina da responsabilidade de proteger (2.2.1). O segundo caso analisado é a intervenção da mesma organização na Líbia em 2011, em que pela primeira vez a doutrina da Responsabilidade de Proteger foi utilizada como justificativa para a ação coercitiva coletiva contra um Estado (2.2.2). 2.2.1 Operação Allied Force (Kosovo, 1999) De maioria albanesa, o Kosovo possuía o status de província autônoma da República Socialista Federativa da Iugoslávia e permaneceu como parte integrante do território da República Federal da Iugoslávia (RFI) a partir de sua fundação, em 1992. O movimento separatista kosovar se iniciou ainda no final dos anos 1980, mas foi eclipsado pelas guerras de independência da Croácia e da Bósnia125. A guerra civil albanesa em 1997 impulsionou a atuação do Exército de Liberação do Kosovo (ELK), grupo separatista de inspiração leninista-marxista fundado em 1993126, e ocasionou forte repressão por parte de Belgrado. Tanto o uso excessivo da força pela polícia sérvia contra civis quanto certos atos de terrorismo do ELK foram condenados pelo Conselho de Segurança, que determinou um embargo na exportação de armas para toda a Iugoslávia em março de 1998127. Com a deterioração da situação e intensa pressão norte-americana, em junho de 1998 o governo de Slobodan Milošević concordou com a redução das forças s rvias na região, o que seria verificado por uma missão diplomática de observação. Em setembro do mesmo ano o Conselho de Segurança aprovou a Resolução 1199, em que manifestou sua preocupação com 125 JUDAH, Tim. Kosovo: What Everyone Needs to Know. Oxford: Oxford University Press, 2008, pp. 68-69. [JUDAH]. 126 Ibid., p. 77. 127 CSNU. Resolution 1160, UN Doc. S/RES/1160 (1998), 31 March 1998, para. 8. 42 a ―rápida deterioração na situação humanitária em todo o Kosovo‖ e sua apreensão com ―a catástrofe humanitária iminente‖. Enfatizando a ―necessidade de prevenir‖ a ocorr ncia de tal catástrofe e reconhecendo a situação no Kosovo como uma ameaça à paz e a segurança na região, o CSNU determinou a cessação imediata das hostilidades pelas partes do conflito e instou as partes a utilizarem meios pacíficos para a solução das controvérsias128. Relatos de um massacre cometido por forças sérvias contra civis de um vilarejo kosovar apenas três dias depois da aprovação da Resolução 1199 pelo Conselho de Segurança impulsionaram a OTAN a realizar ameaças de uso da força contra a RFI129. Em quinze de outubro de 1998 foi firmado um tratado entre a RFI e a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) para o estabelecimento da Missão de Verificação no Kosovo (KVM), que foi apoiada por uma missão de verificação aérea sobre o Kosovo pela OTAN. No dia 24 foi aprovada pelo Conselho de Segurança a Resolução 1203, com a abstenção da China e da Rússia. A Resolução reconhece os acordos firmados entre a RFI e a OSCE e a OTAN, reafirma a responsabilidade da RFI em garantir a segurança dos membros da KVM e afirma que ―no caso de uma emergência, pode ser necessária uma ação para assegurar sua segurança e liberdade de movimento tal como previsto pelos tratados‖ firmados130. O estabelecimento da missão não impediu a continuação das hostilidades na região, e em fevereiro de 1999 uma proposta de resolução diplomática do conflito foi rejeitada pelos sérvios e pelos russos131. Entre fevereiro e março de 1999 foram relatados diversos conflitos em vilarejos do Kosovo, e em 19 de março o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados divulgou relatório estimando que cerca de 240 mil pessoas emigraram do território por causa do conflito132. No dia 24 de março de 1999 a OTAN iniciou a Operação Allied Force, uma campanha de 78 dias de bombardeios aéreos contra alvos militares estratégicos na Sérvia, Kosovo e Montenegro. Os ataques resultaram em grandes danos estruturais na RFI, inclusive atingindo 128 CSNU. Resolution 1199, UN Doc. S/RES/1199 (1998), 23 September 1998, alíneas 10, 11 e 15, e paras. 1-3. BÖHLKE, op. cit., pp. 276-277. Sobre a ilegalidade destas ameaças, vide STÜRCHLER, Nikolas. The Threat of Force in International Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, pp. 150-157. Para a visão contrária, vide SIMMA, Bruno. NATO, the UN and the Use of Force: Legal Aspects. EJIL, Florença, v. 10, n. 1, pp. 1-22, 1999, p. 22. 130 ―(…) in the event of an emergency, action may be needed to ensure their safety and freedom of movement as envisaged in the agreements referred to in paragraph 1 above‖. CSNU. Resolution 1203, UN Doc. S/RES/1203 (1998), 24 October 1998, para. 8. 131 Os chamados ―Acordos de Rambouillet‖, patrocinados pela OTAN. JUDAH, op. cit., p. 85. 132 IICK. The Kosovo Report: Conflict, International Response, Lessons Learned. Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 74. [IICK]. 129 43 prédios civis da capital, Belgrado133. Uma reunião de emergência do Conselho de Segurança foi requisitada pela Rússia ainda no dia 24 de março, e diversas justificativas para o bombardeio foram apresentadas. O representante dos Estados Unidos entendeu que: Tal ação é necessária para responder à perseguição brutal de Belgrado aos kosovares albaneses, às violações do direito internacional, ao uso excessivo e indiscriminado da força, à recusa em negociar a resolução do problema pacificamente e ao aumento recente da presença militar no Kosovo – tudo prenunciando uma catástrofe humanitária de imensas proporções134. Para o representante do Canadá, a opressão contra o povo kosovar e a falha do governo Milošević em cumprir com os acordos de outubro de 1998 teriam contribuído com o ―aumento da tensão‖ e ―criado um grande desastre humanitário‖ que ―não deixou escolha à OTAN que não a ação‖ cujo objetivo seria ―evitar uma crise humanitária cada vez maior‖135. A exist ncia de uma ―catástrofe humanitária iminente‖ foi ressaltada tamb m pelos representantes dos Países Baixos, da França e do Reino Unido, tendo este ressaltado que ―a OTAN foi forçada a tomar a ação militar porque todos os outros meios de prevenir uma catástrofe humanitária foram frustrados pelo comportamento s rvio‖136. Uma proposta de resolução do CSNU declarando as ações da OTAN como uma ―flagrante violação da Carta da ONU‖ foi apresentada em 26 de março por Belarus, China, Índia e Rússia, mas foi derrotada por três votos a doze137. Negociações estimuladas por Rússia e Finlândia em maio de 1999 levaram à assinatura de um Acordo Técnico Militar entre a RFI e a OTAN em nove de junho 138. O acordo previa a cessação das hostilidades, a retirada de todas as forças sérvias e a instalação de uma Força Internacional de Segurança no Kosovo, a KFOR. No dia seguinte, em dez de junho, o Conselho de Segurança aprovou a Resolução 1244, autorizando o estabelecimento de 133 Estima-se que 70% das pontes e toda a capacidade de refine de petróleo da RFI foram destruídas, com um custo de reconstrução variando entre 30 e 100 bilhões de euros. Em Belgrado, os Ministérios da Defesa e do Interior foram atingidos, assim como a Embaixada da China. ICISS. The Responsibility to Protect: Research, Bibliography, Background. Ottawa: International Development Research Centre, 2001, p. 113. 134 ―But we believe that such action is necessary to respond to Belgrade‘s brutal persecution of Kosovar Albanians, violations of international law, excessive and indiscriminate use of force, refusal to negotiate to resolve the issue peacefully and recent military build-up in Kosovo — all of which foreshadow a humanitarian catastrophe of immense proportions‖. CSNU. 3988th Meeting, UN Doc. S/PV.3988, 24 March 1999, p. 4. 135 Ibid., pp. 5-6. 136 ―NATO has been forced to take military action because all other means of preventing a humanitarian catastrophe have been frustrated by Serb behaviour‖. Ibid., pp. 8 e 12. 137 FRANCK 2002, op. cit., p. 169. 138 CASSESE, Antonio. A follow-up: forcible humanitarian countermeasures and opinio necessitatis. EJIL, Florença, v. 10, n. 4, pp. 791-799, 1999, p. 792. [CASSESE 1999b]. 44 uma presença internacional de segurança e civil no Kosovo139 mas não se manifestando sobre a legalidade das ações da OTAN140. Existem diversas dúvidas sobre a efetividade da atuação da OTAN em 1999 para conter uma catástrofe humanitária, inclusive alegando-se que a missão pode ter agravado a situação humanitária da região. De acordo com o Relator Especial da Comissão de Direitos Humanos da ONU sobre a situação dos direitos humanos na República Federal da Iugoslávia (Sérvia e Montenegro), República da Croácia e Bósnia e Herzegovina: [O]s bombardeios da OTAN não apenas falharam em prevenir uma catástrofe humanitária, como evidenciado pelas centenas de milhares de pessoas que fugiram da província, como também não impediram a República Federal da Iugoslávia e as forças sérvias de conduzir uma campanha sistemática de terror que quantitativamente diferiu da atividade armada nos meses imediatamente anteriores à guerra e que começou com plena ferocidade com o início da campanha da OTAN 141. Em agosto de 1999 por iniciativa do governo sueco foi estabelecida a Comissão Internacional Independente para o Kosovo (IICK) com o objetivo de examinar os eventos ocorridos antes, durante e depois do conflito e fornecer uma ―análise objetiva das opções que estavam disponíveis para a comunidade internacional para lidar com a crise‖142. O relatório final da IICK entendeu que a intervenção da OTAN foi ―legítima, mas não lícita‖ e criticou o modo como a operação foi realizada, ressaltando que a OTAN não previu as violações cometidas pelas forças sérvias contra os kosovares e falhou em proteger as minorias contra a limpeza étnica143 e deslocamentos forçados ocorridos no decurso do conflito144. 139 CSNU. Resolution 1244, UN Doc. S/RES/1244 (1999), 10 June 1999, para. 5. ABASS, Ademola. Regional Organisations and the Development of Collective Security: Beyond Chapter VII of the UN Charter. Portland: Hart Publishing, 2004, p. 86. [ABASS 2004a]. 141 ONU. Note by the Secretary General on the Situation of Human Rights in Bosnia and Herzegovina, the Republic of Croatia and the Federal Republic of Yugoslavia (Serbia and Montenegro), UN Doc. A/54/396 S/1999/1000, 24 de setembro de 1999. 142 IICK, op. cit., p. 331. 143 Relata-se que forças militares e paramilitares sérvias teriam realizado uma limpeza étnica contra a população kosovar de origem albanesa durante a operação da OTAN. Apenas nos 78 dias de bombardeios cerca de 863.000 civis teriam sido forçados a sair do Kosovo e outros 590.000 a se deslocar internamente, representando a expulsão de cerca de 90% da população de suas residências. IICK, op. cit., p. 89. 144 Ibid., p. 331. 140 45 2.2.1.1. Reação das Nações Unidas e Base Jurídica As bases legais apresentadas para a intervenção no Kosovo pela OTAN em geral variam entre razões humanitárias e as Resoluções 1160, 1199 e 1203 do Conselho de Segurança, todas aprovadas em 1998. Em 30 de janeiro de 1999 a OTAN declarou ―estar pronta para tomar quaisquer medidas que sejam necessárias à luz do cumprimento de ambas as partes de seus compromissos e exig ncias internacionais, (...) para prevenir uma catástrofe humanitária‖, alegando estar ―pronta para agir (...) para assegurar o total respeito por ambas as partes no Kosovo pelas exigências da comunidade internacional e a observância de todas as Resoluções do Conselho de Segurança relevantes, em particular as provisões das Resoluções 1160, 1199 e 1203‖145. Na véspera do início da Operação Allied Force a Organização apenas declarou que seus ―objetivos políticos gerais continuam a ser o auxílio ao alcance de uma solução pacífica para a crise‖, e que a ação militar visava apoiar estes objetivos146. Entre os países membros da OTAN à época presentes na reunião de emergência do Conselho de Segurança de 24 de março de 1999, o Canadá, os Estados Unidos, a França e o Reino Unido citaram expressamente as Resoluções 1199 e 1203147. O representante dos Países Baixos reconheceu a inexistência de autorização do CSNU, declarando que: Não é preciso dizer que um país – ou uma aliança – que é compelido a pegar em armas para evitar tal catástrofe humanitária sempre preferiria ser capaz de basear sua ação em uma resolução específica do Conselho de Segurança. (...) Entretanto, se tal resolução não for possível em razão da interpretação rígida de um ou dois membros permanentes do conceito de jurisdição interna, não podemos nos acomodar e simplesmente deixar que ocorra a catástrofe humanitária. Em tal situação atuaremos de acordo com a base jurídica que nos está disponível, e a que temos neste caso é mais que adequada148. ―NATO is ready to take whatever measures are necessary in the light of both parties' compliance with international commitments and requirements, (…) to avert a humanitarian catastrophe‖. ―It stands ready to act and rules out no option to ensure full respect by both sides in Kosovo for the requirements of the international community, and observance of all relevant Security Council Resolutions, in particular the provisions of Resolutions 1160, 1199 and 1203‖. OTAN. Statement by the North Atlantic Council on Kosovo. Press Release (1999) 012 012. 30 de janeiro de 1999. 146 ―NATO's overall political objectives remain to help achieve a peaceful solution to the crisis‖. OTAN. Political and Military Objectives of NATO Action with regard to the crisis in Kosovo. Press Relase (1999) 043 043. 23 de março de 1999. 147 CSNU. 3988th Meeting, UN Doc. S/PV.3988, 24 March 1999, pp. 4, 5, 8, 11. 148 ―It goes without saying that a country — or an alliance — which is compelled to take up arms to avert such a humanitarian catastrophe would always prefer to be able to base its action on a specific Security Council resolution. (…) If, however, due to one or two permanent members‘ rigid interpretation of the concept of domestic jurisdiction, such a resolution is not attainable, we cannot sit back and simply let the humanitarian 145 46 O representante da Alemanha declarou que falava em nome da Presidência da União Europeia e lembrou que o Conselho Europeu havia se manifestado sobre o assunto naquele dia149. A nota do órgão foi lida na reunião, onde ressaltava que ―no limiar do s culo XXI, a Europa não pode tolerar uma catástrofe humanitária em seu meio‖ e que ―nós, os países da União Europeia, temos a obrigação moral de assegurar que este comportamento indiscriminado e violência (...) não se repitam‖150. O representante britânico alegou que a ação havia sido tomada como ultima ratio, sendo o único a defender assertivamente a legalidade da ação ao afirmar que: A ação tomada é legal. Ela se justifica como uma medida excepcional para prevenir uma catástrofe humanitária esmagadora. Pelas circunstâncias atuais do Kosovo, há evidências convincentes de que tal catástrofe é iminente. (...) Todos os meios que não utilizam a força foram empregados para prevenir esta situação. Nestas circunstâncias, e como uma medida excepcional baseada na necessidade humanitária premente, a intervenção militar é justificada juridicamente. A força agora proposta é direcionada exclusivamente à prevenção de uma catástrofe humanitária e é o mínimo considerado necessário para este propósito 151. Nenhum dos países presentes baseou a legalidade da ação na Carta da ONU152. Além da Alemanha, Canadá, França, Países Baixos, Reino Unido e Estados Unidos, no dia 24 de março a ação foi aceita pelos representantes da Albânia, da Bósnia e Herzegovina e da Eslovênia, tendo este afirmado que o precedente da invasão do Paquistão Oriental pela Índia em 1971 foi feito sem autorização do Conselho de Segurança, mas foi ―amplamente catastrophe occur. In such a situation we will act on the legal basis we have available, and what we have available in this case is more than adequate‖. Ibid., p. 8. 149 Ibid., pp. 16-17. A Alemanha não era membro do Conselho de Segurança à época, tendo solicitado sua participação na reunião. 150 ―On the threshold of the 21st century, Europe cannot tolerate a humanitarian catastrophe in its midst. (…) We, the countries of the European Union, are under a moral obligation to ensure that indiscriminate behaviour and violence (…) are not repeated. (…)today by the European Council at its meeting in Berlin‖. CONSELHO EUROPEU. Berlin European Council, Presidency Conclusions, DOC/99/1, 26 March 1999. 151 ―The action being taken is legal. It is justified as an exceptional measure to prevent an overwhelming humanitarian catastrophe. Under present circumstances in Kosovo, there is convincing evidence that such a catastrophe is imminent. (…) Every means short of force has been tried to avert this situation. In these circumstances, and as an exceptional measure on grounds of overwhelming humanitarian necessity, military intervention is legally justifiable. The force now proposed is directed exclusively to averting a humanitarian catastrophe, and is the minimum judged necessary for that purpose‖. CSNU. 3988th Meeting, UN Doc. S/PV.3988, 24 March 1999, p. 12. 152 CASSESE, Antonio. Ex iniuria ius oritur: are we moving towards international legitimation of forcible humanitarian countermeasures in the world community? EJIL, Florença, v. 10, n. 1, pp. 23-30, 1999, p. 24. [CASSESE 1999a]. 47 compreendido‖ pela comunidade internacional153. Os representantes da Argentina, Bahrein e Brasil não adotaram um posicionamento claro154. A legalidade da ação foi contestada pelos representantes do Gabão, Gâmbia, Malásia e Namíbia e de forma particularmente veemente por Belarus, China, Rússia, Índia e Iugoslávia155. Em 29 de abril de 1999, ainda durante a Operação Allied Force, a RFI instituiu procedimentos na Corte Internacional de Justiça contra dez dos treze membros da OTAN envolvidos na operação, alegando a violação da proibição do uso da força156. Todas as ações baseavam sua jurisdição no Artigo IX da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime do Genocídio de 1948, sendo que seis delas também se baseavam na declaração de jurisdição compulsória do artigo 36, parágrafo 2º do Estatuto da CIJ 157 e outras quatro se baseavam no artigo 38, parágrafo 5º das Regras da Corte158. Em todas as ações a Iugoslávia requisitava que a Corte concedesse medidas provisórias para que os países se abstivessem do uso da força contra seu território, e foram realizadas audiências no início de maio sobre a concessão de tais medidas. As justificativas jurídicas apresentadas pelos países demandados para os bombardeios variavam, e não houve consonância entre eles sobre a existência ou a aplicação de um direito à intervenção humanitária. Canadá, França, Itália e Portugal não apresentam justificativas legais para a ação159, enquanto Alemanha, Espanha, Países Baixos, Reino Unido e Estados Unidos apenas alegaram a existência de uma catástrofe humanitária160. Tal como os Estados Unidos161, a Bélgica argumento que a ação era legal em razão das Resoluções 1160, 1199 e 1203 do Conselho de Segurança, mas também alegou que a intervenção visava proteger regras 153 CSNU. 3988th Meeting, UN Doc. S/PV.3988, 24 March 1999, pp. 18-20. A Albânia e a Bósnia e Herzegovina não eram membros do Conselho de Segurança à época, tendo ambas solicitado sua participação na reunião. 154 Ibid., pp. 7-8 e 10-11. 155 Ibid., pp. 2-3, 7 e 10. Belarus, Índia e Iugoslávia não eram membros do Conselho de Segurança à época, tendo solicitado sua participação na reunião. 156 As ações foram instituídas contra Alemanha, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Países Baixos, Portugal e Reino Unido. Apenas Dinamarca, Noruega e Turquia, 157 Caso das ações contra Bélgica, Canadá, Espanha, Países Baixos, Portugal e Reino Unido. 158 Caso das ações contra a Alemanha, Estados Unidos, França e Itália, que à época não reconheciam a jurisdição da Corte como compulsória. 159 REINO UNIDO DA GRÃ-BRETANHA. Parliament. Select Committee on Foreign Affairs Minutes of Evidence, Appendix 2: Memorandum submitted by Professor Ian Brownlie CBE, QC, 7 June 2000, para. 22. [Brownlie Memorandum]. 160 Ibid., para. 23. 161 Ibid., paras. 21 e 24. 48 de jus cogens, como a integridade física da pessoa humana e a proibição da tortura162. Nesse sentido, segundo o argumento belga, por não ter sido dirigida contra a integridade territorial da Iugoslávia, mas sim para salvar a população kosovar, a Operação Allied Force teria sido uma ―intervenção humanitária armada que é compatível com o artigo 2º, parágrafo 4º da Carta [da ONU], que se refere apenas a intervenções contra a integridade territorial e a independ ncia política do Estado‖163. Apesar do argumento apresentado pela Bélgica, a integridade territorial e política iugoslava foi efetivamente violada, e ações consideradas como atos de agressão foram cometidos em diversas partes do território daquele país, independentemente da intenção humanitária dos agressores. Além disso, a proibição do uso da força também é considerada uma norma com caráter jus cogens164, não sendo clara a prevalência da defesa dos direitos humanos alegados sobre a proibição do uso da força. Em dois de junho de 1999 a CIJ rejeitou os pedidos de medidas provisórias em todos os casos e decidiu que não possuía jurisdição nas ações contra a Espanha e os Estados Unidos. Em seu julgamento de quinze de dezembro de 2004 sobre a admissibilidade do caso, a Corte entendeu que a Sérvia e Montenegro165 não era um membro das Nações Unidas ou parte de seu Estatuto no momento da instituição dos procedimentos, motivo pelo qual o tribunal não teria jurisdição sobre o caso. Ao final do julgamento, a CIJ fez a ressalva que independentemente de possuir jurisdição para analisar a disputa, a responsabilidade dos Estados por violações do direito de outros Estados continuaria existindo, e que a Corte ―não pode fazer constatação nem qualquer observação sobre a questão se alguma violação foi cometida ou qualquer responsabilidade internacional incorrida‖166. 162 CIJ. Legality of Use of Force, (Serbia and Montenegro v. Belgium), Verbatim record 1999/15, Public sitting held on Monday 10 May 1999, CR 99/15, pp. 15-16. 163 ―C'est la raison pour laquelle le Royaume de Belgique estime que c'est une intervention humanitaire armée qui est compatible avec l'article 2, paragraphe 4 de la Charte qui ne vise que les interventions dirigées contre l'int grit territoriale et l'ind pendance politique de l'Etat en cause‖. CIJ. Legality of Use of Force, (Serbia and Montenegro v. Belgium), Verbatim record 1999/15, Public sitting held on Monday 10 May 1999, CR 99/15, p. 16. 164 CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, ICJ Rep. 1986, pp. 100-101, para. 190. 165 A República Federal da Iugoslávia alterou seu nome oficialmente para Sérvia e Montenegro em 04 de fevereiro de 2003. 166 ―[I]t can make no finding, nor any observation whatever, on the question whether any such violation has been committed or any international responsibility incurred‖. CIJ. Legality of Use of Force, (Serbia and Montenegro v. Belgium), Preliminary Objections, Judgment of 15 December 2004, ICJ Rep. 2004, p. 328, para. 114. 49 2.2.1.2. Análise Os defensores da Operação Allied Force a justificaram com base na existência de um direito à intervenção humanitária. Em seu parecer sobre a legalidade da operação para o Comitê de Relações Exteriores do Parlamento Britânico, Sir Christopher Greenwood admite que a ação não se conformou com as regras contidas na Carta da ONU, mas alega que desde o início dos anos 1990167 o direito costumeiro não exclui a possibilidade de intervenção por razões humanitárias por Estados ou organizações internacionais, contanto que haja um perigo iminente de uma emergência humanitária envolvendo a perda massiva de vidas e a necessidade de tal intervenção168. Greenwood conclui sua argumentação apontando que acredita que ―o recurso força neste caso foi um exercício legítimo do direito intervenção humanitária reconhecido pelo direito internacional‖169. O mesmo parecer foi requisitado a Sir Ian Brownlie que, analisando os trabalhos preparatórios da Carta das Nações Unidas, as obras de mais de vinte autores de direito internacional e eventos apontados como precedentes, expressa opinião contrária à de Greenwood, e afirma que: Não há evidências suficientes sobre a existência de um direito legal dos Estados, seja agindo individualmente ou em conjunto, ao uso da força com propósitos humanitários. Este suposto direito não é compatível com a Carta das Nações Unidas. Assim, não é surpreendente que as fontes do direito internacional que cobrem um período de 40 anos não forneçam qualquer tipo de apoio substancial para a legalidade da intervenção humanitária170. Antonio Cassese sugere que certas intervenções ocorridas nos anos 1990 poderiam indicar a cristalização de uma regra geral do direito internacional admitindo o direito à 167 Greenwood alega que as intervenções internacionais na Libéria e no Iraque no início dos anos 1990 teriam alterado a opinião dos países sobre a legalidade da intervenção humanitária, mesmo que em 1984 o Foreign Office britânico tenha reconhecido no Foreign Policy Document 148 que a ―esmagadora maioria da opinião jurídica contemporânea contra a exist ncia de um direito intervenção humanitária‖. Para Greenwood, este documento foi escrito durante a Guerra Fria e antes dos eventos do início dos anos 1990 e é uma discussão, e não a prática do Reino Unido sobre a matéria. 168 REINO UNIDO DA GRÃ-BRETANHA. Parliament. Select Committee on Foreign Affairs Minutes of Evidence, Memorandum submitted by Christopher Greenwood QC, 22 November 1999, para. 20. [Greenwood Memorandum]. 169 ―I believe that the resort to force in this case was a legitimate exercise of the right of humanitarian intervention recognised by international law‖. Ibid., para. 32. 170 ―There is no sufficient evidence of the existence of a legal right of States, whether acting individually or jointly, to use force for humanitarian purposes. The alleged right is not compatible with the United Nations Charter. Thus it is not surprising that the sources of international law covering a period of 40 years fail to provide any substantial support for the legality of humanitarian intervention‖. Brownlie Memorandum, op. cit., para. 47. 50 intervenção humanitária, constituindo uma exceção ao sistema de segurança coletiva estabelecido pela Carta da ONU, tal como o exercício da legítima defesa171. Para ele, ambas as exceções teriam diversas características em comum, como a utilização em circunstâncias excepcionais, a obediências aos princípios da necessidade e proporcionalidade e a necessidade de notificação ao Conselho de Segurança o quanto antes172. Apesar de alegar que a opinio iuris de tal norma seria ―forte e difundida‖, Cassese admite a inexist ncia dos elementos da generalidade e da não oposição necessários para sua cristalização como norma costumeira do direito internacional173. A falta de evidências suficientes de prática estatal para afirmar a existência de tal direito é justamente, para Brownlie, a principal lacuna no argumento dos autores que defendem a intervenção humanitária174. Em 2001 a Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (ICISS) reconheceu ―não haver ainda uma base suficientemente forte para se reivindicar a emerg ncia de um novo princípio do direito consuetudinário internacional‖ relativo intervenção humanitária, apesar de que eventos como o do Kosovo em 1999 ―sugerem a emerg ncia de um princípio orientador‖, que neste caso tratado como sendo a própria responsabilidade de proteger175. O fato de que a operação foi ―multilateral‖ e não ―unilateral‖ a tornaria lícita, já que representaria o desejo da comunidade internacional, segundo Louis Henkin. O autor, que admite a ilegalidade da intervenção humanitária unilateral, acredita que sua utilização por uma organização regional seria legítima: A intervenção da OTAN não foi ―unilateral‖, ela foi ―coletiva‖, de acordo com uma decisão de um órgão responsável, incluindo três dos cinco membros permanentes encarregados pela Carta da ONU da responsabilidade especial em lidar com ameaças à paz e segurança internacionais. A OTAN não tinha interesses paroquiais limitados, seja da Organização ou de qualquer um de seus membros; ela visava propósitos humanitários reconhecidos e claramente convincentes. A intervenção da OTAN no Kosovo foi uma intervenção humanitária ―coletiva‖ e ―no interesse comum‖, assumindo a responsabilidade da comunidade global em lidar com ameaças à paz e segurança internacionais resultantes do genocídio ou de crimes contra a humanidade. O caráter coletivo da Organização fornece garantias contra o abuso por parte de Estados poderosos que buscam interesses nacionais egoísticos 176. 171 CASSESE 1999a, op. cit., p. 9. Ibid., p. 9. 173 CASSESE 1999b, op. cit., p. 798. 174 Brownlie Memorandum, op. cit., paras. 78-79. 175 ―there is not yet a sufficiently strong basis to claim the emergence of a new principle of customary international law‖. ICISS 2001a, op. cit., p. 15. 176 ―NATO intervention was not "unilateral"; it was "collective," pursuant to a decision by a responsible body, including three of the five permanent members entrusted by the UN Charter with special responsibility to respond to threats to international peace and security. NATO did not pursue narrow parochial interests, either of 172 51 Boa parte da doutrina, entretanto, entendeu que a atuação da OTAN foi ilegal do ponto de vista da Carta da ONU, mas poderia ser moralmente justificada. Essa foi a posição adotada pela Comissão Internacional Independente para o Kosovo, que entendeu que a atuação da OTAN foi ―legitimada, mas não legal, dado o direito internacional existente‖. Para a Comissão: [A ação] foi legítima porque foi inevitável: opções diplomáticas haviam sido exauridas, e os dois lados estavam empenhados em um conflito que ameaçava causar uma catástrofe humanitária e gerar instabilidade por toda a península Balcânica. A intervenção precisa ser enxergada dentro de uma clara compreensão do que provavelmente teria acontecido se ela não tivesse ocorrido: o Kosovo agora ainda estaria sob domínio sérvio e no meio de uma sangrenta guerra civil. Várias pessoas ainda estariam morrendo e fluxos de refugiados desestabilizariam os países vizinhos177. A Comissão aponta que a intervenção demonstrou o ―estado inadequado do direito internacional‖ e a exist ncia de um impasse gerado pela incompatibilidade dos princípios da proibição do uso da força e da integridade territorial dos Estados por um lado, e a proteção dos direitos humanos do outro178. A Comissão sugeriu a criação de um ―código de cidadania para as nações‖ que protegesse ao mesmo tempo o princípio da não intervenção dos Estados e garantisse a seus cidadãos um remédio efetivo em caso de violações sistemáticas de seus direitos179. A verificação da emergência de um direito à intervenção humanitária, para a Comissão, consistiria em uma ―interpretação situada em uma zona cinzenta de ambiguidade entre a extensão do direito internacional e uma proposta para um consenso moral‖, zona esta the organization or of any of its members; it pursued recognized, clearly compelling humanitarian purposes. Intervention by NATO at Kosovo was a "collective" humanitarian intervention "in the common interest,"5 carrying out the responsibility of the world community to address threats to international peace and security resulting from genocide and other crimes against humanity. The collective character of the organization provided safeguards against abuse by single powerful states pursuing egoistic national interests‖. HENKIN, op. cit., p. 826. 177 ―It was legitimate because it was unavoidable: diplomatic options had been exhausted, and two sides were bent on a conflict which threatened to wreak humanitarian catastrophe and generate instability through the Balkan peninsula. The intervention needs to be seen within a clear understanding of what is likely to have happened had intervention not taken place: Kosovo would now still be under Serbian rule, and in the middle of a bloody civil war. Many people would still be dying and flows of refugees would be destabilizing neighboring countries‖. IICK, op. cit., p. 289. 178 Ibid., p. 290. 179 Ibid., p. 291. 52 que ―vai al m das ideias estritas de legalidade para incorporar visões mais flexíveis de legitimidade‖180. Ao contrapor os conceitos de legalidade e legitimidade, a Comissão acredita haver uma divisão entre um positivismo jurídico estrito e um senso comum de justiça internacional181. Cassese evidencia esse conflito ao analisar a Operação Allied Force, afirmando que ―de um ponto de vista tico o recurso força armada se justificou‖, mas que ―como acad mico do direito‖ não poderia deixar de observar que ―essa ação moral contrária ao direito internacional‖182. A dicotomia também é observada por Bruno Simma em sua análise sobre a ameaça de uso da força por parte da OTAN contra a RFI em 1998: A lição que pode ser tirada disso é que, infelizmente, existem ―casos difíceis‖ nos quais terríveis dilemas devem ser enfrentados e considerações de imperativos políticos e morais podem não deixar escolha senão agir fora da lei. Quanto mais isoladas estas instâncias permanecerem, menor será seu potencial de erodir os preceitos do direito internacional, no nosso caso, da Carta da ONU. (...) Recorrer à ilegalidade como ultima ratio explícita por razões tão convincentes quanto as apresentadas no caso do Kosovo é uma coisa. Transformar tal exceção em uma política geral é outra, completamente diferente 183. De certa maneira as preocupações de Simma se mostraram acertadas, visto que o precedente supostamente estabelecido no Kosovo em 1999 foi utilizado como uma das justificativas para a invasão do Iraque em 2003184. ―This interpretation is situated in a gray zone of ambiguity between an extension of international law and a proposal for an international moral consensus. In essence, this gray zone goes beyond strict ideas of legality to incorporate more flexible views of legitimacy‖. Ibid., p. 164, ênfase do original. 181 FRANCK 2002, op. cit., p. 182. 182 CASSESE 1999a, op. cit., p. 25. 183 ―The lesson which can be drawn from this is that unfortunately there do occur ―hard cases‖ in which terrible dilemmas must be faced and imperative political and moral considerations may appear to leave no choice but to act outside the law. The more isolated these instances remain, the smaller will be their potential to erode the precepts of international law, in our case the UN Charter. (…)To resort to illegality as an explicit ultima ratio for reasons as convincing as those put forward in the Kosovo case is one thing. To turn such an exception into a general policy is quite another‖. SIMMA, Bruno. NATO, the UN and the Use of Force: Legal Aspects. EJIL, Florença, v. 10, n. 1, pp. 1-22, 1999, p. 22. 184 TUCKER, Robert; HENDRICKSON, David. The Sources of American Legitimacy. Foreign Affairs, Tampa, v. 83, n. 6, pp. 18-32, nov./dez. 2004, p. 31. 180 53 2.2.2 Operação Unified Protector (Líbia, 2011) A conflagração da Guerra Civil da Líbia foi impulsionada pelo começo da Primavera Árabe em dezembro de 2010, mas suas origens podem ser encontradas na incapacidade do governo de Muammar Gaddafi em formar um senso de cidadania entre a população e seu crescente isolamento internacional. A partir de fevereiro de 2011 manifestações contra o governo se iniciaram na cidade de Benghazi e se espalharam para todas as regiões do país, exigindo alterações radicais na estrutura do Estado Líbio185. No final de fevereiro de 2011 a repressão aos protestos pelas forças de seguranças líbias foi criticada pela Organização para a Cooperação Islâmica e o país foi suspenso da Liga Árabe186. A ocorr ncia de ―flagrantes violações de direitos humanos e do direito humanitário‖ que poderiam constituir crimes contra a humanidade foram repudiados pelos Assessores Especiais do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre a Prevenção do Genocídio e a Responsabilidade de Proteger187. Em 25 de fevereiro o Conselho de Direitos Humanos da ONU suspendeu a participação da Líbia no órgão e decidiu enviar uma comissão internacional de inquérito para o país para investigar as alegações de graves violações de direitos humanos188. Em 25 de fevereiro de 2011 o secretário-geral Ban Ki-moon afirmou que o Conselho de Segurança deveria considerar várias medidas contra a Líbia para deter a violência no país, sendo ―a hora do Conselho de Segurança considerar ações concretas‖189. No dia seguinte o órgão aprovou por unanimidade a Resolução 1970, que ―recorda as autoridades líbias da responsabilidade de proteger sua população‖ e exige o fim da viol ncia e a tomada de medidas para o ―cumprimento legítimo das demandas da população‖190. Agindo de acordo com o artigo 41 da Carta, o Conselho também determinou um embargo de armas ao país, a proibição de viagens e o congelamento de ativos de autoridades governamentais e familiares 185 HEHIR & MURRAY, op. cit., pp. 3-4. Ibid., p. 4. 187 ―protect populations by preventing genocide, war crimes, ethnic cleansing, and crimes against humanity, as well as their incitement‖. ONU. Press Release of the UN Secretary-General Special Adviser on the Prevention of Genocide, Francis Deng, and Special Adviser on the Responsibility to Protect, Edward Luck, on the Situation in Libya, 22 de fevereiro de 2011. 188 HEHIR & MURRAY, op. cit., p. 4. 189 CSNU. 6490th Meeting Coverage, Fundamental Issues of Peace, Security at Stake, Secretary-General Warns as He Briefs Security Council on Situation in Libya, UN Doc. SC/10185, 25 de fevereiro de 2011. 190 CSNU. Resolution 1970, UN Doc. S/RES/1970 (2011), 26 February 2011, paras. 1 e 2. 186 54 de Qaddafi, além de denunciar a situação do país ao Procurador do Tribunal Penal Internacional191. No início de março navios de guerra norte-americanos e canadenses foram enviados à região192, e iniciaram-se articulações entre os governos dos Estados Unidos, França, Canadá e Reino Unido para a criação de uma zona de exclusão aérea (no-fly zone) no país193. O secretário-geral da OTAN afirmou em fevereiro que a Organização estava monitorando a situação da Líbia e se preparava para eventualidades194, e no início de março declarou que ―a OTAN não tem intenção de intervir na Líbia‖, mas que o conflito ― uma crise humanitária nossa porta que preocupa todos nós‖ e que ―sendo uma Aliança de defesa e uma organização de segurança, é nosso dever conduzir planejamentos prudentes para qualquer eventualidade‖195. Em 17 de março o Conselho de Segurança aprovou a Resolução 1973, proposta pelos representantes dos Estados Unidos, França, Líbano e Reino Unido. A Resolução ―reitera a responsabilidade das autoridades líbias na proteção da população líbia‖ e ―expressa sua determinação em assegurar a proteção de civis‖, reconhecendo a situação como uma ameaça à paz e segurança internacionais196. Em sua parte operativa, e agindo expressamente com base no Capítulo VII da Carta da ONU, o Conselho de Segurança autorizou: [O]s Estados membros que tiverem notificado o Secretário-Geral, agindo nacionalmente ou através de acordos ou organizações regionais, e agindo em cooperação com o Secretário-Geral, a tomarem todas as medidas necessárias (...) para proteger civis e as zonas povoadas por civis que estejam sob ameaça de ataque na Jamahiriya Árabe Líbia, incluindo Benghazi, embora excluindo o uso de uma força de ocupação estrangeira de qualquer forma em qualquer parte do território líbio, e solicita aos Estados membros interessados que informem ao Secretário-Geral de imediato as medidas que adotem em virtude da autorização outorgada neste parágrafo, que serão transmitidas imediatamente ao Conselho de Segurança197. 191 Ibid., paras. 9-12 e 4-8. BREWSTER, Murray. Canada sending warship to Libya. Canada.com. Toronto, 1º de março de 2011. 193 ERLANGER, Steven. France and Britain Lead Military Push on Libya. The New York Times. Nova York, 18 de março de 2011. 194 OTAN. Statement by the NATO Secretary General on the situation in Libya. Press Release (2011) 023. 25 de fevereiro de 2011. 195 OTAN. NATO Defence Ministers will discuss situation in Libya and longer term prospects in Middle East. 07 de março de 2011. 196 CSNU. Resolution 1973, UN Doc. S/RES/1973 (2011), 17 March 2011, linhas 4, 9 e 21. 197 ―Authorizes Member States that have notified the Secretary-General, acting nationally or through regional organizations or arrangements, and acting in cooperation with the Secretary-General, to take all necessary measures (…) to protect civilians and civilian populated areas under threat of attack in the Libyan Arab Jamahiriya, including Benghazi, while excluding a foreign occupation force of any form on any part of Libyan territory, and requests the Member States concerned to inform the Secretary-General immediately of the 192 55 A Resolução 1973 estabelece uma zona de exclusão no espaço a reo líbio ―visando ajudar a proteger civis‖ e autoriza seus Estados membros, agindo individualmente ou atrav s de uma organização regional, a ―tomarem todas as medidas necessárias para fazer cumprir a proibição de voos‖, que não deveria se estender aos voos que visassem garantir o estabelecimento da zona ou com propósitos humanitários198. Também se estabeleceu a proibição de voos envolvendo aeronaves líbias e a ampliação do congelamento de ativos pertencentes a autoridades do país199. A zona de exclusão aérea200, segundo a Resolução 1973, constituía um ―elemento importante para a proteção de civis bem como a segurança da entrega de assistência humanitária e um passo decisivo para a cessação das hostilidades na Líbia‖ 201. Caracterizada por seus baixos custos militares, a criação de uma zona de exclusão aérea já havia sido empregada pela coalização liderada pelos Estados Unidos na Primeira Guerra do Golfo (19901991), sem autorização do Conselho de Segurança e com efeitos adversos consideráveis, e na Guerra da Bósnia (1993-1995) pela OTAN, com autorização do Conselho de Segurança, para a proteção das forças terrestres internacionais202. A zona de exclusão área na Líbia teve início em 19 de março por iniciativa de Estados Unidos, França e Reino Unido. A OTAN assumiu a missão cinco dias depois sob o nome de Operação Unified Protector, sendo auxiliada por Estados não membros como Suécia, Jordânia, Marrocos e Emirados Árabes Unidos203. Após conflitos nas principais cidades do país entre as forças governistas e rebeldes, o Conselho de Segurança aprovou em 16 de setembro a Resolução 2009, reconhecendo o Conselho Nacional de Transição (CNT)204 como o governo legítimo da Líbia e estabelecendo measures they take pursuant to the authorization conferred by this paragraph which shall be immediately reported to the Security Council‖. Ibid., para. 4. 198 Ibid., paras. 6-8. 199 Ibid., paras. 17-19. 200 Uma zona de exclusão aérea é a parte do espaço aéreo de um Estado onde voos são proibidos, visando restringir as operações militares de um Estado. SCHMITT, Michael N. Wings over Libya: The No-Fly Zone in Legal Perspective. The Yale Journal of International Law Online, New Heaven, v. 36, pp. 45-58, 2011, p. 46. 201 ―Constitutes an important element for the protection of civilians as well as the safety of the delivery of humanitarian assistance and a decisive step for the cessation of hostilities in Libya‖. CSNU. Resolution 1973, UN Doc. S/RES/1973 (2011), 17 March 2011, linha 17. 202 BENARD, Alexander. Lessons from Iraq and Bosnia on the Theory and Practice of No-fly Zones. Journal of Strategic Studies, Londres, v. 27, n. 3, pp. 454-478, set. 2004, pp. 463-474. 203 HEHIR & MURRAY, op. cit., p. 5. 204 O Conselho Nacional de Transição foi estabelecido em Benghazi em fevereiro de 2011 e foi reconhecido como governo legítimo pela França ainda 10 de março de 2011. 56 a Missão de Apoio das Nações Unidas na Líbia (UNSMIL) com o objetivo de restaurar a ordem pública, promover a reconciliação nacional, ampliar a autoridade estatal e reestabelecer serviços públicos, entre outras funções205. A Resolução ainda determinou o relaxamento do embargo de armas e das sanções econômicas impostas ao país206. Em vinte de outubro de 2011 Muammar Gaddafi foi capturado e executado por forças do CNT, que tr s dias depois emitiram uma ―Declaração de Liberação‖ do país 207. Em 27 de outubro o Conselho de Segurança determinou o fim da zona de exclusão aérea em quatro dias por meio da Resolução 2016208, e no dia 31 do mesmo mês a Operação Unified Protector foi encerrada. O resultado da intervenção na Líbia em 2011 em geral é considerado negativo. Como efeito direto, os sete meses de campanha da OTAN provocaram a morte de pelo menos 72 civis209, apesar de o relatório final da Comissão Internacional de Inquérito sobre a Líbia concluir que a Organização não atacou deliberadamente civis e tomou precauções para não atingir a população em ataques contra centros urbanos210. Ao permitir o desmantelamento do governo líbio, a intervenção pulverizou o poder em diversos grupos e milícias que não reconheceram o CNT como o governo legítimo211. A violência e as violações de direitos humanos aumentaram no país, que não conseguiu estabelecer uma autoridade política nos anos seguintes à intervenção212. O relatório do Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Comuns do Reino Unido sobre a Operação aponta que o país não efetuou uma análise adequada da situação na Líbia, sendo sua estrat gia ―baseada em suposições errôneas e em um entendimento incompleto das evid ncias‖213. 205 CSNU. Resolution 2009, UN Doc. S/RES/2009 (2011), 11 September 2011, para. 12. Ibid., paras. 13 e 14. 207 BREAU, Susan. The Responsibility to Protect in International Law: An Emerging Paradigm Shift. Londres: Routledge, 2016, p. 231. [BREAU]. 208 CSNU. Resolution 2016, UN Doc. S/RES/2016 (2011), 27 October 2011, para. 5. 209 HUMAN RIGHTS WATCH. Unacknowledged Deaths: Civilian Casualties in NATO‘s Air Campaign in Libya. 13 de maio de 2012. 210 CDHNU. Report of the International Commission of Inquiry on Libya. UN Doc. A/HRC/19/68, 08 de março de 2012, para. 89. 211 INTERNATIONAL CRISIS GROUP. Holding Libya Together: Security Challenges after Qadhafi, Report 115. 14 de dezembro de 2011. 212 HUMAN RIGHTS WATCH. Libya: Government Institutions at Risk of Collapse. 07 de março de 2014. 213 REINO UNIDO DA GRÃ-BRETANHA. House of Commons, Foreign Affairs Committee. Libya: Examination of intervention and collapse and the UK‘s future policy options, HC 119, 6 September 2016, p. 15, para. 38. 206 57 2.2.2.1 Reação das Nações Unidas e Base Jurídica A Resolução 1973 foi aprovada por dez votos favoráveis 214, nenhum contra e as abstenções de Alemanha, Brasil, China, Índia e Rússia. A responsabilidade das autoridades líbias em proteger a população civil do país foi citada como argumento apenas pelos representantes da Colômbia e da França215. Quase todos os países a favor da Resolução utilizaram o não cumprimento da Resolução 1970 pelas autoridades líbias como justificativa para a aprovação de medidas mais severas contra o país216. O representante do Reino Unido afirmou que a zona de exclusão aérea visava prevenir a utilização de poder aéreo pelo governo Gaddafi contra a população líbia, declarando que ―o propósito central da resolução evidente: terminar com a violência, proteger civis e permitir que o povo da Líbia determine seu próprio futuro, livre da tirania do regime de Gaddafi‖217. A Alemanha não apoiou a operação militar e se absteve na votação, apesar de ser membra da OTAN. De forma pragmática, o representante do país alegou que ―se os passos propostos se mostrarem ineficazes, vemos o perigo de sermos arrastados para um conflito militar prolongado que afetaria toda a região. Não devemos entrar em um confronto militar na suposição otimista que resultados rápidos com poucas vítimas será alcançado‖ 218. Dúvidas quanto a necessidade da ação para os fins almejados foram levantadas pelos representantes de Brasil, China, Índia e Rússia. Para a representante brasileira, Maria Luiza Ribeiro Viotti, a Resolução 1973 ―contempla medidas que vão muito al m do necessário‖ e que ―talvez tenham o efeito indesejado de exacerbar as tensões no solo e causar mais danos que benefícios aos mesmos civis aos quais nos comprometemos a proteger‖219. O apoio de organizações regionais à operação foi ressaltado por seus defensores como uma forma de abordagem coordenada entre diferentes atores internacionais, de forma a 214 Votaram a favor da Resolução os representantes da África do Sul, Bósnia e Herzegovina, Colômbia, Estados Unidos, França, Gabão, Líbano, Nigéria, Portugal e Reino Unido. 215 CSNU. 6498th Meeting, UN Doc. S/PV.6498, 17 March 2011, pp. 2 e 7. 216 Ibid., pp. 2, 4, 7, 8, 9, 10. Apenas a Bósnia e Herzegovina não invocou a Resolução 1970. 217 ―The central purpose of the resolution is clear: to end the violence, to protect civilians and to allow the people of Libya to determine their own future, free from the tyranny of the Al-Qadhafi regime. The Libyan population wants the same rights and freedoms‖. Ibid., p. 4. 218 ―If the steps proposed turn out to be ineffective, we see the danger of being drawn into a protracted military conflict that would affect the wider region. We should not enter into a militarily confrontation on the optimistic assumption that quick results with few casualties will be achieved‖. Ibid., p. 5. 219 ―We are also concerned that such measures may have the unintended effect of exacerbating tensions on the ground and causing more harm than good to the very same civilians we are committed to protecting‖. Ibid., p. 4. O Brasil posteriormente formularia a doutrina da ―Responsabilidade ao Proteger‖ (Responsibility while Protecting, RwP), de alcance limitado. 58 legitimar a ação. Mas o apoio destas organizações foi posto em dúvida já em maio de 2011, quando a União Africana exigiu a cessação dos bombardeios por entender que ―a continuação da operação militar da OTAN prejudica o propósito pelo qual foi originalmente autorizada, que é a proteção da população civil, e complica ainda mais qualquer transição para um sistema democrático na Líbia‖220. 2.2.2.2. Análise Do ponto de vista formal, a Operação Allied Force foi devidamente aprovada pelo Conselho de Segurança e foi realizada dentro dos estritos limites legais previstos pela Resolução 1973. Entretanto, a abstenção de cinco importantes atores globais à Resolução 1973, inclusive um importante membro da OTAN, evidencia que as medidas ali previstas não gozavam de grande apoio na comunidade internacional. Alguns autores questionam se a Resolução 1973 realmente pode ser vista como a utilização prática da responsabilidade de proteger, argumentando que ela poderia ser o resultado de um simples compromisso político entre os membros permanentes do Conselho de Segurança221. Entretanto, mesmo com falhas, geralmente admite-se que a atuação foi baseada na responsabilidade de proteger222: As resoluções [1970 e 1973], embora não a sua implementação, sugeriram um grau de aderência próximo aos princípios do R2P articulados no relatório original do ICISS, com o Conselho de Segurança desempenhando o papel da autoridade adequada. (...) A implementação efetiva das operações militares tão logo a resolução foi adotada, entretanto, levanta dúvidas a respeito de ser o último recurso, da proporcionalidade e do grau em que as operações militares estavam focadas somente ou mesmo primordialmente na proteção de populações civis em risco. Portanto, enquanto as resoluções sugerem a aderência aos princípios da R2P, a operação militar que se seguiu falhou em fazê-lo223. ―Poursuite de l‘op ration militaire de l‘OTAN sape l‘objectif m me pour lequel celle‐ci a été originellement autorisée, à savoir la protection de la population civile, et complique davantage toute transition vers un système d mocratique en Libye‖. UNIÃO AFRICANA. Session extraordinaire de la conference de l‘Union sur l‘ tat de la paix et de la securité em Afrique, Decision sur le réglement pacifique de la crise libyenne, EXT/ASSEMBLY/AU/DEC.(01.2011), 25 de maio de 2011, para. 5. 221 KEATING, Tom. The UN Security Council on Libya: Legitimation or Dissimulation? In: HEHIR, Aidan; MURRAY, Robert. Libya: The Responsibility to Protect and the Future of Humanitarian Intervention. Hampshire: Palgrave Macmillan, 2013, pp. 162-163. 222 BREAU, op. cit., p. 232; CRAWFORD, op. cit., p. 756; HEHIR & MURRAY, op. cit., p. 227; ONU. Report of the Secretary-General on the Responsibility to protect: timely and decisive response, UN Doc. A/66/874 – S/2012/578, 25 de julho de 2012, paras. 54-55. 223 ―The resolutions, though not their implementation, did suggest a close degree of adherence to the principles of R2P articulated in the original report of the ICISS, with the Security Council playing the role of the proper authority. (…) The actual implementation of military operations so quickly after the resolution‘s adoption, 220 59 A canhestra estreia da utilização da responsabilidade de proteger pelo Conselho de Segurança como justificativa para o uso da força por uma organização regional demonstra que sua aceitação para justificar intervenções sem a autorização do órgão da ONU parece pouco provável. Isso porque se a aplicação legítima da doutrina não obtém consenso dentro do órgão, sua aplicação como exceção autônoma da proibição do uso da força sem a devida autorização provavelmente receberia menos apoio. Tal conclusão é reforçada pela prática do Conselho de Segurança e de organizações regionais em eventos posteriores que também utilizaram a responsabilidade de proteger como base para intervenções. Após 2011, as duas únicas operações militares iniciadas224 e conduzidas por organizações regionais e que tiveram a responsabilidade de proteger como justificativa legal se realizaram na República Centro-Africana (RCA). As operações foram conduzidas pela União Africana e pela União Europeia. Em 19 de julho de 2013 o Conselho de Paz e Segurança da União Africana aprovou a Missão Internacional de Apoio à República Centro-Africana (MISCA), com o envio de mais de 3.500 militares para a RCA por um período inicial de seis meses para contribuir com ―a proteção de civis e a restauração da segurança e da ordem pública‖, a estabilização do país, a restauração da autoridade do governo central e a facilitação da chegada de auxílio humanitário para a população, e solicitou o apoio do CSNU e da União Europeia 225. Em dez de outubro o CSNU aprovou a Resolução 2121, que ―dá as boas vindas decisão do Conselho de Paz e Segurança da União Africana de 19 de julho de 2013 de autorizar o envio da Missão Internacional de Apoio à República Centro-Africana‖ e ressalta a responsabilidade primária however, raised questions about last resort, proportionality and the degree to which military operations were focused solely or even primarily on protecting civilian populations at risk. Thus while the resolutions suggest adherence to the principles of R2P, the ensuing military operation failed to do so‖. KEATING, Tom. The UN Security Council on Libya: Legitimation or Dissimulation? In: HEHIR, Aidan; MURRAY, Robert. Libya: The Responsibility to Protect and the Future of Humanitarian Intervention. Hampshire: Palgrave Macmillan, 2013, p. 175. 224 Outras missões tiveram seus mandatos estendidos com base na Responsabilidade de Proteger, como é o caso da Missão da União Africana na Somália, iniciada em 2007 e renovada pela Resolução 2372 do CSNU com referência à responsabilidade de proteger. 225 UNIÃO AFRICANA. Communiqué of the Peace and Security Council of the African Union (AU), at its 386th meeting on the situation in the Central African Republic (CAR), 16 de agosto de 2013, paras. 6 e 8 60 das autoridades centro-africanas na proteção da população226, mas não autorizou a Missão e não agiu com base no Capítulo VII da Carta da ONU. A União Africana não implementou a MISCA sem autorização do CSNU, e em 13 de novembro reiterou novamente o pedido, instando o CSNU a ―adotar rapidamente uma resolução que aprove e autorize a implementação‖ da Missão227. Em cinco de dezembro o Conselho de Segurança, com base no capítulo VII da Carta e após reconhecer que a situação na RCA constituía uma ameaça à paz e segurança internacionais, autorizou a implementação da MISCA por um período de doze meses228. De forma semelhante, em vinte de janeiro de 2014 o Conselho da União Europeia (UE) aprovou a criação de uma missão de manutenção da paz na RCA, e no dia seguinte a Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança da União Europeia enviou uma carta às Nações Unidas solicitando ao Conselho de Segurança a adoção de uma resolução estabelecendo um mandato apropriado para tal missão229. A autorização do Conselho de Segurança foi dada em 28 de janeiro230. As operações da Força da União Europeia na República Centro-Africana (EUFOR – RCA) se iniciaram em abril de 2014 e foram finalizadas em março de 2015. As duas operações realizadas na República Centro-Africana apontam que desde 2011 a responsabilidade de proteger tem sido utilizada para justificar intervenção apenas mediante a autorização do Conselho de Segurança, buscada pelas organizações regionais231. Dessa forma, pode-se considerar que a prática recente das organizações regionais e do CSNU indica que a autorização deste é considerada um requisito para a realização de intervenções baseadas na responsabilidade de proteger. ―Welcoming the decision of the African Union Peace and Security Council on 19 July 2013 to authorize the deployment of the ‗African-led International Support Mission in the CAR‘ (referred to hereafter as MISCA)‖. CSNU. Resolution 2121, UN Doc. S/RES/2121 (2013), 10 October 2013, para. 6. 227 UNIÃO AFRICANA. Communiqué of the Peace and Security Council of the African Union (AU), at its 406th meeting on the situation in the Central African Republic (CAR), 13 de novembro de 2013, para. 9. 228 CSNU. Resolution 2127, UN Doc. S/RES/2127 (2013), 5 December 2013, para. 28. 229 CSNU. Letter dated 25 February 2014 from the Secretary-General addressed to the President of the Security Council, UN Doc. S/2014/45, 26 de fevereiro de 2014. 230 CSNU. Resolution 2134, UN Doc. S/RES/2134 (2014), 28 January 2014, para. 43. 231 GRAY, op. cit., p. 427. 226 61 2.3. Conclusão O surgimento de uma exceção à regra do direito internacional que proíbe o uso da força admitindo a possibilidade de intervenção humanitária por organizações internacionais após a Operação Allied Force no Kosovo em 1999 é amplamente contestado. A Operação não pode ser considerada um precedente no reconhecimento do direito à intervenção humanitária, visto que a missão não o utilizou como justificativa jurídica primordial, como demonstra a posição interna dos países e as manifestações discordantes dos Estados participantes da reunião do Conselho de Segurança do dia 24 de março de 1999. Com exceção da Bélgica, nenhum dos países da OTAN buscou justificar suas ações no direito à intervenção humanitária, optando por utilizar predominantemente argumentos políticos e morais232. Além disso, a oposição de sete membros do Conselho de Segurança ao bombardeio, inclusive dois membros permanentes, e do Grupo dos 77233 demonstra que a medida não foi aceita por boa parte da comunidade internacional à época. Da mesma forma, a prática das Nações Unidas posterior à Operação não admite tal exceção. A Resolução 1244 do Conselho de Segurança de 17 de março de 1999 não se manifesta sobre a legalidade da atuação da OTAN ou a chancela, possivelmente de maneira proposital234. A única resolução aprovada pela Assembleia Geral sobre o país nos três anos seguintes ao bombardeio também não se manifesta sobre a legalidade da intervenção, fazendo referência ao relatório do Relator Especial para a região que entendeu ter sido a atuação da OTAN danosa235. Tal relatório foi adotado pela AGNU por 123 votos a favor contra dois votos contrários236. A opinião do então secretário-geral Kofi Annan, entretanto, parece ser favorável à ideia da intervenção humanitária. Em artigo publicado na edição de 18 de setembro de 1999 da revista The Economist, Annan admite que a intervenção no Kosovo foi feita sem autorização do Conselho de Segurança, mas entende existir ―uma norma internacional em 232 BÖHLKE, op. cit., p. 327. Em sua Declaração Ministerial de 24 de setembro de 1999, o Grupo dos 77, formado por 134 Estados membros, rejeitou ―a denominada intervenção humanitária, que não tem base na Carta da ONU ou no direito internacional‖. GRUPO DOS 77. Ministerial Declaration, Twenty-third Annual Meeting of the Ministers for Foreign Affairs of the Group of 77, 24 de setembro de 1999. 234 ABASS 2004a, op. cit., p. 86. 235 AGNU. Situation of human rights in Kosovo, UN Doc. A/RES/54/183 (LIV), 29 February 2000. 236 ONU. Note by the Secretary General on the Situation of Human Rights in Bosnia and Herzegovina, the Republic of Croatia and the Federal Republic of Yugoslavia (Serbia and Montenegro), UN Doc. A/54/396 S/1999/1000, 24 de setembro de 1999. 233 62 desenvolvimento a favor da intervenção para proteger civis de carnificinas indiscriminadas‖ que se basearia no dilema entre o uso da força sem autorização da ONU e a inação da comunidade internacional em relação a graves violações de direitos humanos237. Em 2000 Annan questionou aos críticos da intervenção humanitária de que maneira situações como Ruanda ou Srebrenica deveriam ser lidadas, afirmando que a ―o recurso intervenção armada deve sempre continuar a ser o último recurso, mas em face do assassinato em massa é uma opção que não pode ser abandonada‖238. Tanto a prática dos Estados membros das Nações Unidas quanto a de seus órgãos demonstra que a intervenção humanitária não foi admitida como exceção à regra do artigo 2º, parágrafo 4º da Carta das Nações Unidas. O próprio fato de que a criação da doutrina da Responsabilidade de Proteger fora formulada pela ICISS para suprir as críticas em relação à intervenção humanitária demonstra que esta não teve sua legalidade reconhecida internacionalmente. Ao contrário da ação no Kosovo em 1999, a intervenção da OTAN na Líbia em 2011 foi previamente autorizada pelo Conselho de Segurança e expressamente adotou como base jurídica a responsabilidade de proteger. Apesar de não ter havido unanimidade na aceitação da doutrina como base jurídica para a intervenção, o fato de que a responsabilidade de proteger continuou a ser utilizada pelo Conselho de Segurança reforça que sua aplicação ainda é admitida. Sua aplicação pelos Estados, no entanto, parece ser condicionada à autorização do Conselho, conforme entendido pelo Relatório Final da Cúpula Mundial de 2005. Conclui-se que a intervenção humanitária não é aceita como uma exceção à proibição do uso da força criada pela prática subsequente dos órgãos das Nações Unidas. Da mesma forma, a responsabilidade de proteger não pode ser enxergada como uma exceção do mesmo tipo, já que na prática sua utilização requer a autorização do Conselho de Segurança. Neste sentido, a responsabilidade de proteger não seria uma norma jurídica autônoma excepcionando a proibição do uso da força, mas uma doutrina jurídica aplicada dentro do marco legal do sistema de segurança coletivo da Carta da ONU e da responsabilidade internacional. O termo utilizado por Annan ―developing international norm in favour of intervention to protect civilians from wholesale slaughter‖. ANNAN, Kofi. Two concepts of sovereignty. The Economist, Nova York, pp. 49-50, 16 de setembro de 1999, p. 50. 238 ―Armed intervention must always remain the option of last resort, but in the face of mass murder it is an option that cannot be relinquished‖. ANNAN, Kofi. “We the peoples”: the role of the United Nations in the 21st century. Nova York: United Nations, 2000, p. 48. 237 63 64 CAPÍTULO 3 – INTERVENÇÃO POR MEIO DE CLÁUSULAS GARANTIDORAS A segunda hipótese de alteração da norma do artigo 2º, parágrafo 4º da Carta das Nações Unidas a possibilidade de intervenção atrav s de ―cláusulas garantidoras‖. O presente capítulo analisa o conceito e as características das cláusulas garantidoras e as questões controversas envolvendo sua aplicação (3.1), examina dois casos em que organizações regionais utilizaram a força com base em tais cláusulas (3.2) e ao final faz uma conclusão sobre o tema (3.3). 3.1. As Cláusulas Garantidoras As ―cláusulas garantidoras‖ são disposições convencionais que admitem o uso da força militar por uma organização regional no território de um de seus Estados membros239. Tais cláusulas destinam-se a ―garantir‖ a manutenção da ordem interna ou do sistema democrático de um Estado, oferecendo uma base legal para que terceiros intervenham no território ou na independência política deste240. Até meados do século XX a estipulação convencional do direito de intervenção era amplamente admitida como uma exceção ao princípio da não intervenção241 e foi prática internacional comum, tendo como exemplos notáveis o Tratado de Havana de 1903 entre Cuba e Estados Unidos, em que este poderia intervir na ilha caribenha para assegurar sua independência ou a manutenção de seu governo, e o Tratado de Londres de 1864, que garantia a independência e a monarquia constitucional da Grécia242. Diversas intervenções tendo como base estipulações convencionais foram efetuadas após a Segunda Guerra Mundial com a justificativa de garantir a independência política dos Neste trabalho foi escolhido o termo ―cláusula garantidora‖ (―Guarantee Clause”), usado por Peter Harrel, para se referir a um fenômeno tamb m denominado de ―intervenções baseadas em tratados‖ (―treaty-based interventions‖). Não há um termo consensual entre a doutrina. As cláusulas garantidoras aqui tratadas se relacionam mas não se confundem com os ―Tratados de Garantia‖, em que uma pot ncia militar garante a independência política, a integridade territorial ou a neutralidade de um Estado ou grupo de Estados. DINSTEIN, Yoram. War, Aggression and Self-Defence. 5ª ed. Cambrige: Cambridge University Press, 2011, p. 290. [DINSTEIN 2011]. 240 HARREL, Peter. Modern-Day ―Guarantee Clauses‖ and the Legal Authority of Multinational Organizations To Authorize the Use of Military Force. Yale Journal of International Law. New Haven, n. 33, pp. 417-446, 2008, p. 418. [HARREL]. 241 HERSHEY, Amos Shartle. The Essentials of International Public Law. Nova York: Macmillan Company, 1912, p. 150; OPPENHEIM, Lassa; ROXBURGH, Ronald. International Law: a Treatise. Vol. 1 - Peace. 3ª ed. Londres: Longman, 1920, pp. 224-225. 242 Ibid., pp. 224-225. 239 65 Estados, como as operações realizadas pela França em antigas colônias africanas com as quais havia firmado tratados de garantia243, a quarentena imposta a Cuba em 1962 pela Organização dos Estados Americanos com base no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca244 e a intervenção em Granada autorizada pela Organização dos Estados do Caribe Ocidental em 1983245. Nas últimas décadas não só a soberania e a independência política dos Estados, mas também certas características intrínsecas aos regimes democráticos passaram a ser valorizadas por parte da comunidade internacional. Episódios de uso unilateral da força contra regimes ditatoriais nos anos 1970 e 1980 foram justificados com base na existência de um direito à ―intervenção pró-democrática‖ (pro-democratic intervention), noção relacionada ao conceito de intervenção humanitária246 e defendida por autores como Michael Reisman247. A partir dos anos 1990 começaram a surgir no âmbito de organizações regionais resoluções e tratados voltados à proteção dos valores democráticos nos países da região, como a Carta Democrática da OEA de 2001248 e a Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governança da União Africana de 2007249. Em certas organizações foram formulados tratados ou declarações que estabeleceram a possibilidade de intervenção armada em Estados membros no caso de rupturas democráticas, como é o caso do Protocolo Suplementar da Comunidade dos Estados da África Ocidental sobre Democracia e Boa Governança de 2001250, o Documento do Encontro de Moscou da Conferência sobre a Dimensão Humana da Organização para a Segurança e Cooperação na 243 Georg Nolte cita diversos episódios de intervenções francesas, como em Comores (1989), Costa do Marfim (1990), Chade (1968-1971, 1978, 1983, 1986, 1990), Djibuti (1991), Gabão (1964, 1990), República CentroAfricana (1979), Ruanda (1990-1993), Togo (1986, 1991) e Zaire (1977, 1978). NOLTE, Georg. Intervention by Invitation. Max Planck Encyclopedia of Public International Law, 2011, p. 7. [NOLTE]. 244 Nota-se que o bloqueio de portos é considerado um ato de agressão pela Resolução 3314 (1974) do CSNU. WRIGHT, Quincy. The Cuban Quarantine. AJIL, Washington, v. 57, n. 3, pp. 546-565, 1963. 245 HARREL, op. cit., pp. 436-438. 246 Como a intervenção da Tanzânia na Uganda em 1979 para derrubar o governo de Idi Amin, a invasão do Camboja pelo Vietnã em 1979 para derrubar o Khmer Vermelho e as intervenções feitas pelos Estados Unidos na Nicarágua entre 1982 e 1984 para combater o regime revolucionário sandinista. CHARLESWORTH, Hilary. Democracy and International Law. RCADI, Leiden, v. 371, pp. 43-152, 2014, p. 89. 247 REISMAN, Michael W. Humanitarian Intervention and Fledgling Democracies. Fordham International Law Journal, Nova York, v. 18, n. 3, pp. 794-805, 1995. 248 A Carta prevê mecanismos para a preservação da democracia representativa em seus países membros que incluem o emprego de esforços diplomáticos ou mesmo a suspensão do Estado em que ocorreu uma alteração inconstitucional do regime democrático. AGOEA. Carta Democrática Interamericana, 11 de setembro de 2001, artigos 20-21. 249 A Carta prevê a possibilidade de aplicação de sanções econômicas contra regimes ditatoriais e sua suspensão da organização. UNIÃO AFRICANA. Carta Africana sobre Democracia, Eleições e a Governação, 30 de janeiro de 2007, artigo 25. 250 O Protocolo será analisado na seção 3.2.2. 66 Europa de 1991251 e a Declaração de Biketawa do Fórum das Ilhas do Pacífico, de 2003252, provisões que funcionam como cláusulas garantidoras modernas. As cláusulas garantidoras, por terem sido fruto do consentimento dos Estados em se obrigar pelo tratado que as prev , operam dentro da lógica da ―intervenção por convite‖ (intervention by invitation), prática recorrente desde o início do século XX, mas que após a formulação do sistema de segurança coletiva da Carta da ONU se tornou fonte de controvérsias doutrinárias253. Isso ocorre porque o texto do artigo 2º, parágrafo 4º da Carta da ONU proíbe a ameaça ou o uso da força ―contra a integridade territorial ou a independ ncia política de qualquer Estado‖254, e a Carta não admite expressamente nem a previsão convencional nem o consentimento como exceções à tal proibição. Considerando-se, entretanto, que a requisição para a intervenção por um governo legítimo não ofende a integridade territorial ou a independência política do Estado por ter sido uma limitação voluntária a suas funções soberanas, a intervenção por convite, em tese, seria lícita de acordo com o direito internacional. Assim, a proibição do uso da força expressa no artigo 2º, parágrafo 4º da Carta da ONU ―não retira o direito soberano dos Estados de permitir a outros Estados usar a força em seu território‖, já que eles ―têm o poder de consentir com limitações em sua independ ncia e podem renunciar completamente sua independ ncia‖255. 3.1.1. O Consentimento como Excludente de Ilicitude O Direito da Responsabilidade Internacional admite o consentimento válido como uma excludente de ilicitude, tendo a Comissão de Direito Internacional (CDI) concluído que ―um consentimento válido de um Estado à comissão de um determinado ato por outro Estado exclui a ilicitude daquele ato em relação ao primeiro na medida em que o ato permanece dentro dos limites do mencionado consentimento‖256, sendo o mesmo aplicado às Em seu parágrafo 17º o documento estabelece que seus Estados membros ―apoiam vigorosamente, de acordo com a Carta das Nações Unidas, os órgãos legítimos daquele Estado‖, dando margem possibilidade de solicitação para intervenção. WIPPMAN, David. Treaty-Based Intervention: Who Can Say No? University of Chicago Law Review, Chicago, n. 62, pp. 607-687, 1995, p. 669. [WIPPMAN]. 252 A Declaração será analisada na seção 3.2.1.1. 253 CRAWFORD, op. cit., p. 769. 254 Carta das Nações Unidas, 26 de junho de 1945, artigo 2º, para. 4. 255 ABASS, Ademola. Consent Precluding State Responsibility: A Critical Analysis. International & Comparative Law Quarterly, Londres, v. 53, n. 1, pp. 211-225, 2004, p. 224. [ABASS 2004b]. 256 ―Valid consent by a State or an international organization to the commission of a given act by another international organization precludes the wrongfulness of that act in relation to that State or the former organization to the extent that the act remains within the limits of that consent‖. CDI. Draft Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts, UN Doc. A/RES/56/83, 2001, artigo 20. 251 67 organizações internacionais257. Assim, o consentimento afasta a ilicitude de uma conduta que de outra forma seria considerada ilícita258, tal como a ameaça ou uso da força. Na prática é comum que um Estado dê seu consentimento para que outro exerça atos como o trânsito através de seu espaço aéreo ou de suas águas internas, exemplos de conduta que, segundo a CDI, poderiam ser consideradas ilícitas se não houvesse a autorização de seu cometimento pelo Estado259 e que poderiam inclusive ser consideradas atos de força armada260. De acordo com o relatório de Roberto Ago: É evidente pela prática internacional e pelas decisões de órgãos judiciais internacionais que a entrada de tropas estrangeiras no território de um Estado é considerada uma grave violação da soberania do Estado e muitas vezes, na verdade, um ato de agressão, mas também é evidente que tal ação deixa de ser tão caracterizada e se torna inteiramente legal se ocorreu a pedido ou com o acordo com Estado261. A caracterização da norma internacional que proíbe o uso da força como norma de jus cogens262 também levanta questionamentos a respeito da validade jurídica do consentimento do Estado que sofre a intervenção. De acordo com o Projeto da CDI sobre Responsabilidade Internacional dos Estados o consentimento não exclui a ilicitude de um ato contrário a uma obrigação oriunda de uma norma imperativa de direito internacional geral263. Seguindo esta lógica, a cláusula de um tratado que expressa o consentimento de um Estado para o uso da força contra ele constituiria uma derrogação à proibição do uso da força 264, e 257 CDI. Draft articles on the responsibility of international organizations, UN Doc. A/66/10, para. 87, 2011, artigo 20. 258 CDI. Draft Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts with Commentaries, UN Doc. A/56/10, 2001, p. 73, comentário 3 do artigo 20. 259 Ibid., p. 72, comentário 2 do artigo 20. 260 RANDELZHOFER. Article 2(4). In: SIMMA, Bruno; KHAN, Daniel-Erasmus; NOLTE, Georg; PAULUS, Andreas. The Charter of the United Nations: a commentary. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2002, pp. 117-119. 261 ―It is clear from international practice and the rulings of international judicial bodies that the entry of foreign troops into the territory of a State is considered a serious violation of State sovereignty and often, indeed, an act of aggression, but it is also clear that such action ceases to be so characterized and becomes entirely lawful if it occurred at the request or with the agreement of the State‖. CDI. Yearbook of the International Law Commission 1979, Volume II (Part I), UN Doc. A/CN.4/SER.A/1979/Add.l (Part 1), 1979, p. 31, para. 58. 262 CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, ICJ Rep. 1986, pp. 100-101, para. 190. 263 CDI. Draft Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts, UN Doc. A/RES/56/83, 2001, artigo 26. 264 ORAKHELASHVILI, Alexander. Changing Jus Cogens Through State Practice? The Case of the Prohibition of the Use of Force and its Exceptions. In: WELLER, Marc (Ed.). The Oxford Handbook of the Use of Force in International Law. Oxford: Oxford University Press, 2015, p. 6. 68 consequentemente esta provisão seria nula265. De acordo com este raciocínio, as cláusulas garantidoras seriam necessariamente contrárias ao direito internacional. Entre as possíveis soluções para a aparente incompatibilidade entre o consentimento do Estado e a proibição internacional do uso da força está a consideração de que a legalidade do uso da força baseado no consentimento é inerente à norma primária, que a proibição do uso da força não é uma norma de jus cogens, ou ainda que apenas a proibição dos atos de agressão pode ser considerada norma de jus cogens266. De acordo com esta última solução, nem todas as formas de uso da força compreendidas na proibição do artigo 2º, parágrafo 4º da Carta da ONU teriam caráter peremptório, mas apenas aquelas que constituíssem atos de agressão267. Tal diferenciação seria semelhante quela feita pela CIJ entre atos que constituiriam um ―ataque armado‖ para fins do exercício da legítima defesa e ―formas menos graves de uso da força‖268 e, da mesma forma, a caracterização do uso da força como um ato de agressão constituiria condição para a invocação de uma excludente de ilicitude269. Apesar de lógica, esta solução parece ser pouco prática, já que tanto o conceito geral de ―ato de agressão‖ quanto a proibição ao uso da força expressa no artigo 2º, parágrafo 4º da Carta da ONU se referem a uma ofensa contra a integridade territorial e a independência política de um Estado, sendo sua distinção de difícil verificação. Apesar desta controvérsia acadêmica, existem vários indícios de que a intervenção por convite é admitida pelo direito internacional apesar de não autorizada explicitamente pela Carta das Nações Unidas como uma exceção à proibição do uso da força. No caso Nicarágua, a CIJ entendeu que: [O] princípio da não intervenção é derivado do direito costumeiro internacional. Ele certamente perderia sua efetividade como princípio do direito se a intervenção se justificasse por um simples pedido de assistência apresentado por um grupo oposicionista de outro Estado (...). De fato, é difícil enxergar o que restaria do princípio da não intervenção no direito internacional se a intervenção, que já é 265 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, 23 de maio de 1969, 1155 UNTS 331, artigo 53. HELMERSEN, Sondre Torp. The Prohibition of the Use of Force as Jus Cogens: Explaining Apparent Derogations. Netherlands International Law Review, Haia, v. 61, n. 2, pp. 167-193, 2014, pp. 178-191. Por outro lado, a Legítima Defesa é prevista também como uma excludente de ilicitude pelo ARSIWA (artigo 21). A proibição da agressão como jus cogens, e não de qualquer uso da força, é ressaltada pela CDI, mas em sua jurisprudência a CIJ fala da proibição do uso da força em geral como tendo este caráter. 267 ABASS 2004a, op. cit., pp. 197-198. 268 CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, ICJ Rep. 1986, para. 191. 269 A legítima defesa é considerada uma excludente de ilicitude pelo artigo 21 do Projeto de Artigos da CDI sobre a Responsabilidade dos Estados. 266 69 permitida a pedido do governo de um Estado, também fosse admitida a pedido da oposição270. A definição de agressão aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 1974 também parece admitir implicitamente a legalidade de cláusulas garantidoras ao determinar como uma das formas de agressão a ―utilização de forças armadas de um Estado que se encontrem no território de outro Estado com a concordância do Estado receptor, em violação das condições previstas no acordo ou da extensão da sua presença nesse território para além do termo do contrato‖271. Partindo-se do pressuposto de que a princípio as cláusulas garantidoras são legais do ponto de vista do direito internacional272, questiona-se se o consentimento expresso pelo Estado no momento de se obrigar pelo tratado é suficiente para afastar a ilicitude da intervenção, e se tal intervenção deve ser autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. 3.1.2. A Forma de Expressão do Consentimento Como não há previsão legal específica no direito internacional sobre as cláusulas garantidoras, discute-se se a simples autorização de um Estado por meio de um tratado pode ser considerada uma excludente da ilicitude do uso da força ou se o consentimento do Estado deve ser ―renovado‖ no momento da utilização da força em razão de tal cláusula. Neste caso, a intervenção baseada unicamente em uma cláusula garantidora, sem autorização ad hoc do Estado, não seria suficiente para afastar a ilicitude da intervenção e esta seria considerada ilícita. ―(…) the principle of non-intervention derives from customary international law. It would certainly lose its effectiveness as a principle of law if intervention were to be justified by a mere request for assistance made by an opposition group in another State (…). Indeed, it is difficult to see what would remain of the principle of nonintervention in international law if intervention, which is already allowable at the request of the government of a State, were also to be allowed at the request of the opposition‖. CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, ICJ Rep. 1986, p. 126, para. 246. Ênfase nossa. 271 ―The use of armed forces of one State which are within the territory of another State with the agreement of the receiving State, in contravention of the conditions provided for in the agreement or any extension of their presence in such territory beyond the termination of the agreement‖. AGNU. Definition of Aggression, UN Doc. A/RES/3314 (XXIX), 14 December 1974, artigo 3º, alínea ―e‖. Ênfase nossa. 272 HARREL, op. cit.. Para uma opinião contrária, vide ROTH, Brad. The illegality of ―pro-democratic‖ invasion pacts. In: FOX, Gregory; ROTH, Brad (Ed.). Democratic Governance and International Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, pp. 328-342. 270 70 A CDI entende que o ―consentimento para o cometimento de uma conduta que de outra forma seria considerada ilícita pode ser dado por um Estado antecipadamente ou até mesmo no momento de sua ocorr ncia‖273. Tal consentimento deve ser válido, tendo sido dado por autoridade competente e sem vícios. A questão da autoridade de quem fornece o consentimento depende do contexto, que de toda forma deve ser ―dado livremente‖ e ―estabelecido com clareza‖274. A CDI, entretanto, não se manifesta especificamente sobre as cláusulas garantidoras. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) também não contém provisões prevendo este tipo de situação. A Convenção apenas determina que um tratado deve ser cumprido de boa fé pelas partes e que a validade do consentimento de um Estado só pode ser contestada com base nas regras da própria CVDT275. Em caso de dúvida, o tratado poderá ser interpretado de forma sistemática levando em conta quaisquer regras pertinentes de direito internacional aplicáveis às relações entre as partes276, tal como as normas relativas ao uso da força ou à responsabilidade internacional. A princípio, a existência de um conflito interno não obstaria a aplicação de uma cláusula de garantia, já que o tratado intencionalmente prevê ou tem como objeto ou propósito lidar com tais situações277. Como ressaltado, a CVDT estabelece que o tratado será nulo se conflitar com uma norma imperativa de direito internacional geral278. Mesmo considerando que o consentimento pode excluir a ilicitude do uso da força apesar do caráter peremptório de sua proibição, as cláusulas garantidoras podem ser consideradas nulas se estipularem violações de outras normas de jus cogens. Por exemplo, uma cláusula de garantia que prevê o auxílio a um governo colonial na repressão da população revoltosa de um Estado não independente será nula na medida em que conflitar com o princípio da autodeterminação dos povos279. A necessidade de expressão do consentimento em cada caso específico pelo Estado é aceito por Michael Reisman280 e Christian Walter281. Essa também é a opinião do Institut de ―Consent to the commission of otherwise wrongful conduct may be given by a State in advance or even at the time of its occurring‖. CDI. Draft Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts with Commentaries, UN Doc. A/56/10, 2001, p. 73, comentário 3 do artigo 20. 274 Ibid., p. 73, comentários 4 e 6 do artigo 20. 275 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, 23 de maio de 1969, 1155 UNTS 331, artigos 26 e 42(1). 276 Ibid., artigo 31, 3, c. 277 CDI. Draft articles on the effects of armed conflicts on treaties, UN Doc. A/66/10, para. 100, 2011, artigo 6. 278 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, 23 de maio de 1969, 1155 UNTS 331, artigo 53. 279 HARREL, op. cit., p. 431. 280 REISMAN, Michael. Termination of the USSR‘s Treaty Right of Intervention in Iran. AJIL, Washington, v. 74, pp. 144-154, 1980, p. 153. [REISMAN 1980]. 273 71 droit internacional, que entende que uma solicitação ad hoc seria necessária para cada caso específico e poderia ser retirada a qualquer momento282. Para David Wippman, o consentimento ad hoc do governo só não seria necessário em casos de conflitos internos graves e mediante o consentimento das partes beligerantes283. Ian Brownlie e Yoram Distein, por outro lado, acreditam que o consentimento de um Estado para a assistência militar pode ser dado pela simples ratificação do tratado que prevê esta possibilidade, ambos citando o exemplo da Missão nas Ilhas Salomão para embasar esta posição284. Considerar que a mera previsão convencional de intervenção militar importa a concordância de seus Estados membros em renunciar à sua liberdade e integridade pode gerar situações absurdas, como a utilização de tratados obsoletos que preveem cláusulas de garantia para legitimar a intervenção estrangeira285 ou o uso abusivo destas cláusulas para encobrir interesses políticos escusos. No caso da invasão do Chipre após o golpe militar de 1974, por exemplo, a Turquia justificou sua atuação no mero consentimento dado pela ilha mediterrânea no Tratado de Garantia de 1960, que garantia a manutenção do regime democrático no país286. À época a intervenção não foi autorizada pelo governo deposto ou pela junta militar que assumiu o controle do país, sendo condenada pelo Conselho de Segurança287. Apesar de não ter sido chamada a se manifestar sobre a legalidade de cláusulas garantidoras, a Corte Internacional de Justiça analisou o efeito do consentimento para o uso da força por meio de um tratado no caso das Atividades Armadas no Território do Congo, de 2005. Na ocasião, a Corte entendeu que a simples menção à possibilidade de cooperação entre as forças armadas da República Democrática do Congo (RDC) e as de Uganda estabelecida 281 WALTER, Christian. Security Council Control over Regional Action. Max Planck Yearbook of United Nations Law, Heidelberg, v. 1, pp. 129-193, 1997, p. 150. 282 O Institut, entretanto, só admite a intervenção em casos de distúrbios internos e tensões que não configurem conflitos armados não-internacionais. HAFNER, Gerhard. Problèmes actuel du recours la force en droit international (Sous-groupe C – L'intervention sur invitation) (Session de Rhodes). Annuaire de l'Institut de droit international, Gante, v. 74, 2011, Artigo 4 e 5. 283 WIPPMAN, op. cit., p. 612. 284 DINSTEIN 2011, op. cit., p. 199. CRAWFORD, op. cit., p. 769. 285 Como o Tratado de Havana de 1903, ainda em vigor entre Estados Unidos e Cuba, ou o Tratado de Amizade entre a Pérsia e a URSS, conforme apontado por Michael Reisman. REISMAN 1980, op. cit., p. 153. 286 O Tratado de Nicósia assinado em 16 de agosto de 1960 entre Grécia, Turquia, Reino Unido e a República do Chipre garantia a independência política, a proibição da união da República com outros Estados, a integridade territorial e o sistema democrático de representação igualitária das populações grega e turca do país. O tratado estipulava que no caso da violação de qualquer uma dessas cláusulas os três países deveriam fazer consultas entre si e, caso a situação não fosse solucionada, poderiam intervir na ilha. 287 A Turquia invadiu a ilha em 20 de julho de 1974, cinco dias depois do Presidente, o Arcebispo Markarios III, ser deposto por golpe militar provavelmente patrocinado pela ditadura da Grécia. A Turquia também baseou sua intervenção com base na alegação de que a Grécia havia violado o dever de não-intervenção na ilha. DOSWALD-BECK, Louise. The Legal Validity of Military Intervention by Invitation of the Government. BYIL, Londres, v. 56, n. 1, pp. 189-252, 1986, pp. 246-250. [DOSWALD-BECK]. 72 por um protocolo de segurança fronteiriça assinado em 1998 entre os dois países não poderia ser considerada a base jurídica para a autorização ou para a expressão do consentimento na presença de forças ugandenses em território congolês288. Da mesma forma, o acordo de cessar-fogo assinado pelas partes em 1999 não importaria o consentimento da RDC sobre a presença das tropas ugandenses em seu território, mas apenas estipularia um modus operandi para sua retirada289. Em relação à competência para expressar o consentimento do Estado, admite-se que governos eleitos e reconhecidos internacionalmente gozam da presunção de autoridade legal para solicitar a intervenção armada290, e em regra o consentimento expresso por um governo que não exerce controle efetivo sobre o território do Estado não é considerado competente para representar sua vontade291. Dessa forma, o auxílio externo a grupos de oposição do Estado é vedado292, e em geral ―nem Estados nem organizações internacionais podem intervir legalmente contra a vontade de um governo titular efetivo, mesmo que o objetivo da intervenção seja substituir uma ditadura por uma democracia‖293. 3.1.3. Autorização e Notificação do Conselho de Segurança A autorização prévia do Conselho de Segurança para a utilização da força por organizações regionais através de cláusulas garantidoras seria decorrência da obrigação estabelecida no artigo 53 da Carta da ONU que dispõe que ―nenhuma ação coercitiva será (...) levada a efeito de conformidade com acordos ou entidades regionais sem autorização do Conselho de Segurança‖294. O termo ―ação coercitiva‖ deve ser entendido aqui de forma 288 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Armed Activities on the Territory of the Congo, (Democratic Republic of the Congo v. Uganda), Counter-claims, Judgment of 19 December 2005, ICJ Rec. 2005, p. 197, para. 47. 289 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Armed Activities on the Territory of the Congo, (Democratic Republic of the Congo v. Uganda), Counter-claims, Judgment of 19 December 2005, ICJ Rec. 2005, p. 211, para. 99. 290 NOLTE, op. cit., p. 17. 291 DOSWALD-BECK, op. cit., p. 194. 292 CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, ICJ Rep. 1986, p. 126, para. 246. 293 ―As a general matter, therefore, neither States nor international organizations may lawfully intervene against the will of an effective, incumbent government, even if the goal of the intervention is to replace a dictatorship with a democracy‖. WIPPMAN, David. Pro-democratic intervention by invitation. In: FOX, Gregory; ROTH, Brad (Ed.). Democratic Governance and International Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 298. 294 Carta das Nações Unidas, 26 de junho de 1945, artigo 53, para. 1. 73 ampla, compreendendo medidas coercitivas que envolvam ou não a força armada, inclusive o rompimento de relações diplomáticas e a aplicação de sanções econômicas295. Se uma intervenção armada de uma organização regional for considerada uma ação coercitiva, logo será necessária a autorização do Conselho de Segurança. Mas a questão é saber se uma intervenção derivada de uma cláusula garantidora poderá ser considerada uma ação coercitiva, já que a expressão do consentimento do Estado em se obrigar pelo tratado poderia descaracterizar a intervenção como uma ação imposta ao país 296. Nesse sentido, por causa do consentimento, a organização regional não estaria agindo como um ―mini Conselho de Segurança‖ e atropelando a soberania estatal, mas apenas agindo mediante a autorização de seu Estado membro297. Todavia, é arriscado estabelecer uma regra geral e definitiva que dispense a autorização do Conselho de Segurança em caso de intervenções armadas de organizações regionais contra o território de seus Estados membros, mesmo com o consentimento ad hoc de seus governos. Isso porque o consentimento pode nem sempre ser claro ou válido e a autorização do Conselho de Segurança permite o controle externo desse requisito. Além disso, o órgão possui o monopólio do uso da força de acordo com o sistema de segurança coletivo estabelecido pela Carta. Assim, ―o artigo 53 deve ser interpretado como parte do sistema da Carta que concentra o uso da força militar no Conselho de Segurança. O requisito da autorização deve ser visto como um instrumento para assegurar ao Conselho de Segurança o controle sobre o uso da força militar‖298. A prática das Nações Unidas relativa a operações de manutenção de paz confirma essa posição. Todas as missões de manutenção da paz realizadas no âmbito das Nações Unidas que utilizam a força armada requerem o consentimento obrigatório dos Estados afetados e devem ser autorizadas pelo Conselho de Segurança, o que também é exigido analogamente pelas Nações Unidas para as missões comandadas por organizações regionais299. 295 VILLANI, op. cit., p. 357. ABASS 2004b, op. cit., p. 224. 297 FARER, Tom. A Paradigm of Legitimate Intervention. In: DAMROSCH, L. F. (Ed.). Enforcing Restraint: Collective Intervention in Internal Conflicts. Nova York: Council on Foreign Relations, 1993, p. 332. 298 ―Article 53 has to be interpreted as part of this system of the Charter which concentrates the use of military force within the Security Council. The requirement of authorization must be seen as an instrument to ensure Security Council control over use of military force‖. WALTER, Christian. Security Council Control over Regional Action. Max Planck Yearbook of United Nations Law, Heidelberg, v. 1, pp. 129-193, 1997, p. 142. 299 VILLANI, op. cit., p. 409. 296 74 3.2 Estudos de Caso Os casos escolhidos para análise são emblemáticos em relação à tentativa de legitimação da intervenção por meio de cláusulas garantidoras como exceção à proibição do uso da força pelos Estados. O primeiro caso analisado é a intervenção do Fórum das Ilhas do Pacífico nas Ilhas Salomão em 2003, que foi possibilitada por meio de uma declaração firmada no âmbito da organização e do consentimento do Primeiro Ministro do país (3.2.1). O caso é apontado por Ian Brownlie e Yoram Dinstein como um exemplo recente da possibilidade de intervenção baseada no consentimento por meio de um tratado300. O segundo caso analisado é a intervenção da Comunidade Econômica dos Países da África Ocidental na Gâmbia em 2017, após o Presidente se recusar a deixar o cargo depois de ser derrotado em eleições ocorridas no país (3.2.2). O caso da Gâmbia é visto como um exemplo que pode contribuir para a criação de um princípio ou norma internacional relativo à ―intervenção pró-democrática‖ baseada em um tratado301. A análise da legalidade das cláusulas garantidoras pode ser feito com base em quatro critérios apontados pela doutrina: a existência de autorização ad hoc dos Estados para a realização da intervenção, de forma a evidenciar o consentimento para a intervenção; a autorização do Conselho de Segurança antes da realização das operações, demonstrando sua legalidade em relação ao artigo 53 da Carta da ONU; a notificação ao Conselho de Segurança das medidas adotadas nas operações, conforme exige o artigo 54 da Carta; e a existência de previsão legal para a intervenção no âmbito da organização regional, que verifica a existência prévia da cláusula garantidora que teria possibilitado a intervenção. 3.2.1. Missão de Assistência Regional para as Ilhas Salomão (Ilhas Salomão, 2003) As Ilhas Salomão é um Estado soberano localizado no Pacífico Sul e composto por mais de 900 ilhas. O país obteve independência do Reino Unido em 1978, ano em que foi aceito como Estado membro das Nações Unidas. Em 1998 eclodiram confrontos civis 300 CRAWFORD, op. cit., p. 769. KREß, Claus; NUßBERGER, Benjamin. Pro-democratic intervention in current international law: the case of The Gambia in January 2017. Journal on the Use of Force and International Law, Londres, vol. 4, pp. 239-252, 2017, p. 251-252; [KREß & NUßBERGER]. HELAL, Mohamed. The ECOWAS Intervention in The Gambia – 2016. In: RUYS, Tom; CORTEN, Olivier; HOFER, Alexandra (Ed.). The Use of Force in International Law: A Case-based Approach. Oxford: Oxford University Press, 2018, pp. 930-931. [HELAL]. 301 75 originados por diferenças étnicas entre os povos das ilhas de Malaita e Guadalcanal 302, evento conhecido como ―as tensões‖ (the tensions)303. Os confrontos se iniciaram em Guadalcanal opondo o Movimento de Libertação Isatabu (MLI) 304 e a Força Águia de Malaita (FAM). Após iniciativas internas infrutíferas, o governo do primeiro-ministro Bartholomew Ulufa'alu solicitou o auxílio do secretário-geral do Commonwealth para a pacificação do país. Em 28 de junho de 1999 foi assinado o Acordo de Paz de Honiara entre Ulufa'alu, um representante do Commonwealth e os premiês das províncias de Guadalcanal e Malaita. O acordo de paz não impediu que membros da MLI expulsassem malaitanos residentes em Guadalcanal de suas casas. Em junho de 2000, como retaliação, o FAM realizou a invasão da capital Honiara e tomou Ulufa'alu como refém, forçando sua renúncia305. Um governo de transição foi eleito e em outubro de 2000 a Austrália intermediou a assinatura do Tratado de Paz de Townsville, que previa a cessação das hostilidades e a entrega das armas para um grupo internacional neozelandeses 306 de monitoramento composto de monitores australianos e . Em novembro o Conselho de Segurança das Nações Unidas manifestou seu apoio ao tratado após ser informado dele pela Missão Permanente das Ilhas Salomão junto às Nações Unidas307. Após um relativo período de paz, o conflito se reiniciou com a incapacidade das autoridades em reestabelecer a ordem no país, resultando em mortes, torturas e deslocamentos internos308. Tanto Ulufa'alu quanto os dois governos que se seguiram solicitaram o auxílio militar da Austrália, que se mostrou relutante em enviar militares para as ilhas309. Na iminência do país se tornar um Estado falido310, em 22 de abril de 2003 o primeiro ministro 302 A ilha de Malaita tem aproximadamente 4.300 km2 e abriga cerca de 140 mil habitantes, que alegadamente pertencem a um grupo étnico específico. A ilha de Gualdalcanal tem 5.300 km2 e é a principal ilha do país, possuindo cerca de 110 mil habitantes e abrigando a capital, Honiara. As tensões teriam se originado pela migração de malaitanos para Gualdalcanal e ocasionado o retorno forçado de 20 mil indivíduos. 303 CDHNU. Report of the Special Rapporteur on violence against women, its causes and consequences, Rashida Manjoo, Mission to Solomon Islands, UN Doc. A/HRC/23/49/Add.1, 22 de fevereiro de 2013, paras. 11 e 12. 304 ―Isatabu‖ o nome indígena da ilha de Guadalcanal. 305 BBC. Commonwealth threatens Solomons, 6 June 2000. 306 FRAENKEL, Jon. The Manipulation of Custom: From Uprising to Intervention in the Solomon Islands. Wellington: Victoria University Press, 2004, p. 102. 307 CSNU. Statement by the President of the Security Council, UN Doc. S/PRST/2000/33, 16 de novembro de 2000. 308 CDHNU. Report of the Special Rapporteur on violence against women, its causes and consequences, Rashida Manjoo, Mission to Solomon Islands, UN Doc. A/HRC/23/49/Add.1, 22 de fevereiro de 2013, paras. 11 e 12. 309 O‘MALLEY, Nick. As RAMSI ends, Solomon Islanders look to the future. The Sidney Morning Herald, Sidney, 24 de junho de 2017. 310 WAINWRIGHT, Elsina. Responding to state failure—the case of Australia and Solomon Islands. Australian Journal of International Affairs, Camberra, v. 57, n. 3, pp. 485-498, 2003, pp. 487-488. [WAINWRIGHT]. 76 Sir Allan Kemakeza solicitou novamente auxílio militar ao primeiro ministro australiano John Howard311. Os dois mandatários se reuniram no início de junho de 2005 para organizar os detalhes de uma missão militar, e em 30 de julho os Ministros das Relações Exteriores do Fórum das Ilhas do Pacífico312 aprovaram a operação313. Em 17 de julho de 2003 o Parlamento Nacional das Ilhas Salomão aprovou o Facilitation of International Assistance Act estabelecendo ―disposições para o pedido de assist ncia internacional para a restauração da lei e da ordem nas Ilhas Salomão‖, como a possibilidade de exercício dos poderes de polícia pelas forças interventoras, o confisco e a destruição de armas, a utilização de prédios públicos e a imunidade jurisdicional dos militares314. Em 24 de julho foi firmado em Townsville (Austrália) um tratado entre as Ilhas Salomão, Austrália, Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné, Tonga e Samoa relativo à operação, especificando o mandato da missão e as funções dos interventores. O tratado estabeleceu que o objetivo da operação seria: (...) ajudar na provisão de segurança e proteção de pessoas e propriedades; manter suprimentos e serviços essenciais para a vida da comunidade das Ilhas Salomão; prevenir e reprimir a violência, a intimidação e o crime; apoiar e desenvolver as instituições das Ilhas Salomão; e de forma geral ajudar na manutenção da paz e da ordem nas Ilhas Salomão 315. MOORE, Clive. Australia‘s Motivation and Timing for the 2003 Intervention in the Solomon Islands Crisis. Royal Historical Society of Queensland Journal, Queensland, v. 19, n. 4, pp. 732-748, 2004, p. 738. [MOORE 2004]. 312 O Fórum das Ilhas do Pacífico (FIP) foi criada em 1971 como ―Fórum do Pacífico Sul‖, confer ncia anual dos Chefes de Governo de Austrália, Fiji, Ilhas Cook, Nauru, Nova Zelândia, Samoa Ocidental e Tonga visando discutir questões econômicas e comerciais locais. Em 1972 o Fórum aprovou a criação do Bureau para Cooperação Econômica no Pacífico Sul, que em 1988 se tornou o Secretariado do Fórum do Pacífico Sul. Ao longo dos anos Papua-Nova Guiné (1974), Nieu (1975), Kiribati (1977), Ilhas Salomão, Tuvalu (1978), Vanuatu (1980), Estados Federados da Micronésia, Ilhas Marshall (1987), Palau (1995), Polinésia Francesa e Nova Caledônia (2006) foram admitidos como Estados membros. Em 1999 a entidade recebeu o nome atual e em 2000 foi assinado o Tratado Estabelecendo o Secretariado do Fórum das Ilhas do Pacífico. 313 MCDOUGALL, Derek. Historical Dictionary of International Organizations in Asia and the Pacific. Lanham: Rowman & Littlefield, 2014, p. 178. [MCDOUGALL]. 314 ILHAS SALOMÃO. The Facilitation of International Assistance Act, No. 1 of 2003, 17 July 2003, artigos 7, 10, 12 e 17. 315 ―The Assisting Countries may deploy a Visiting Contingent of police forces, armed forces and other personnel to Solomon Islands to assist in the provision of security and safety to persons and property; maintain supplies and services essential to the life of the Solomon Islands community; prevent and suppress violence, intimidation and crime; support and develop Solomon Islands institutions; and generally to assist in the maintenance of law and order in Solomon Islands‖. Agreement between Solomon Islands, Australia, New Zealand, Fiji, Papua New Guinea, Samoa And Tonga Concerning the Operations and Status of the Police and Armed Forces and Other Personnel Deployed to Solomon Islands to Assist in the Restoration of Law and Order and Security, 24 de julho de 2003, [2003] PITSE 12, artigo 2. [RAMSI Treaty]. 311 77 No mesmo dia o Fórum das Ilhas do Pacífico iniciou a Operação Helpem Fren316, instalando a Missão Regional de Assistência para as Ilhas Salomão (Regional Assistance Mission to Solomon Islands, RAMSI). Oficialmente comandada pela Austrália317, a RAMSI contou com a participação de efetivos da Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné, Tonga e Fiji, totalizando 2.225 policiais, agentes civis e militares, sendo 1.500 deles australianos318. O objetivo primário da RAMSI foi restaurar a lei e a ordem, realizando o confisco de armas e o combate a grupos criminosos e milícias, operações que foram conduzidas por 325 policiais australianos. Os militares envolvidos na missão forneceram suporte logístico e proteção à polícia, não atuando diretamente nas ruas319. A RAMSI encontrou pouca oposição armada, e seu momento de maior tensão foi durante os distúrbios causados após as eleições parlamentares de 2006. Em julho de 2013 o componente militar da missão foi suprimido e apenas as funções de policiamento e capacitação das forças locais de segurança foram mantidas320. Em junho de 2017 a RAMSI foi finalizada após 14 anos de atividade321. Acredita-se que a decisão australiana de auxiliar as Ilhas Salomão, apoiada pela Nova Zelândia, se relacionava com o temor da atividade terrorista no Pacífico Sul após os atentados terroristas de Bali em outubro de 2002322. 3.2.1.1. Reação das Nações Unidas e Base Jurídica Um mês após o início da RAMSI, em 26 de agosto de 2003 o presidente do Conselho de Segurança à época emitiu a seguinte Declaração à Imprensa: Os membros do Conselho de Segurança saúdam calorosamente a ação coletiva dos países do Fórum das Ilhas do Pacífico para auxiliar o povo das Ilhas Salomão em sua busca pela restauração da lei, da ordem e da estabilidade. Os membros do Conselho de Segurança saúdam a liderança exercida pela Austrália e pela Nova Zelândia, em estreita parceria com outros países da região nesse sentido. Eles esperam que esta importante iniciativa regional leve rapidamente à restauração da normalidade e da harmonia nacional nas Ilhas Salomão e que facilite o processo de construção da paz e a recuperação econômica. Encorajam todas as partes a ―Ajudando um amigo‖, no idioma pijin. SFIP. 2002-2003 Annual Report, 2003, p. 2; RAMSI Treaty, op. cit., artigo 4. 318 WAINWRIGHT, op. cit., p. 492. 319 Ibid., p. 492. 320 MCDOUGALL, op. cit., p. 179. 321 Em agosto de 2017 a Austrália firmou um acordo de segurança com as Ilhas Salomão, prevendo o auxílio australiano ao país em caso de futuras crises. MOORE, Clive. The End of Regional Assistance Mission to Solomon Islands (2003-17). Journal of Pacific History, Londres, v. 53, n. 2, pp. 164-179, 2018, p. 174. 322 MOORE 2004, op. cit., p. 738. 316 317 78 cooperar na promoção desses objetivos e a renunciar ao uso de força armada e violência para resolver suas diferenças323. Por meio de uma nota à imprensa de cinco de agosto de 2003, o secretário-geral das Nações Unidas elogiou a atuação coletiva dos países do Fórum das Ilhas do Pacífico, reconhecendo ―a especial importância do apoio unânime a esta iniciativa regional concertada realizada no âmbito da Declaração de Biketawa do Fórum‖324. Entre 2003 e 2015 poucas menções à RAMSI foram feitas no CSNU. Em debate sobre o papel das organizações regionais na manutenção da paz e segurança internacionais realizado no órgão em 2007, o representante das Ilhas Salomão declarou que ―a ocasião uma oportunidade para colocar a Missão Regional de Assistência para as Ilhas Salomão na tela do radar do Conselho, com seus sucessos e desafios‖325, dando a entender que seria a primeira menção da RAMSI nas discussões do órgão. A operação também foi mencionada em discussões do CSNU por alguns membros do Fórum em 2010326 e em 2013327. A base jurídica da operação foi a Declaração de Biketawa, aprovada pelos Líderes do Fórum em 28 de outubro de 2000. A Declaração, ―reconhecendo a vulnerabilidade dos países membros às ameaças à sua segurança, amplamente definidas, e a importância da cooperação entre os membros para lidar com tais ameaças quando elas surgem‖, expressa que: Os Líderes do Fórum reconheceram a necessidade, em tempo de crise ou em resposta ao pedido de assistência dos membros, que medidas sejam tomadas com base no pertencimento de todos os membros do Fórum à grande família das Ilhas do Pacífico. O Fórum deve abordar de forma construtiva questões difíceis e sensíveis, incluindo causas subjacentes de tensões e conflitos (tensões étnicas, disparidades ―The members of the Security Council welcome warmly the collective action of the countries of the Pacific Islands Forum to support the people of the Solomon Islands in their quest for the restoration of law and order and stability. The members of the Security Council welcome the leadership exerted by Australia and New Zealand, in close partnership with other countries in the region in this regard. They hope that this important regional initiative will quickly lead to the restoration of normalcy and national harmony in the Solomon Islands and that it will facilitate a peace-building process and economic recovery. They encourage all parties to cooperate in promoting these objectives and to renounce the use of armed force and violence to settle their differences‖. CSNU. Press Statement on Solomon Islands by Security Council President, UN Doc. SC/7853, 26 August 2003. 324 ONU. Press Release: Secretary-General Commends Regional Response to Solomon Islands Crisis, UN Doc. SG/SM/8811, 5 August 2003. 325 ―This occasion presents an opportunity to put the Regional Assistance Mission to the Solomon Islands on the Council‘s radar screen with its successes and challenges‖. CSNU. 5776th Meeting, UN Doc. S/PV.5776 (Resumption 1), 6 November 2007, p. 14. 326 CSNU. 6257th Meeting, UN Doc. S/PV.6257, 13 January 2010, pp. 19-20 (Austrália falando em nome do Fórum das Ilhas do Pacífico). 327 CSNU. 7015th Meeting, UN Doc. S/PV.7015, 6 August 2013, pp. 22 e 48 (Nova Zelândia e Ilhas Salomão, respectivamente). 323 79 socioeconômicas, falta de boa governança, disputas de terra e erosão de valores culturais)328. A Declaração estabelece um procedimento em três passos pelo qual o secretário-geral, após consultar o Presidente do Fórum, deve avaliar a situação, consultar as autoridades nacionais do Estado interessado e consultar os Ministros das Relações Exteriores do Fórum, para então adotar medidas que incluem a criação de um Grupo de Ação Ministerial, o estabelecimento de uma missão de investigação e o ―apoio a instituições ou mecanismos apropriados que irão assistir na resolução‖ da crise329. Caso a crise persista, a Declaração prev ainda a convocação de uma reunião especial dos Líderes do Fórum para ―considerar outras opções incluindo, se necessário, medidas específicas‖330. Segundo o secretário-geral do Fórum, a ―implementação da Declaração de Biketawa‖ uma das estrat gias da organização para se alcançar a estabilidade e segurança que permitam o desenvolvimento sustentável331, sendo que o documento ―marca uma clara mudança na abordagem do Fórum resolução de conflitos na região‖332. 3.2.1.2. Análise Considerando o primeiro dos quatro critérios especificados no início da seção, a autorização das Ilhas Salomão para a intervenção em seu território mostrou-se adequada. Como chefe de governo do país, o primeiro-ministro Kemakeza possuía competência para solicitar a intervenção em seu país, e a aprovação de uma lei específica pelo Parlamento destinada a dar provimento ao tratado que estabeleceu a Missão confirmou a manifestação do consentimento do país. Não há indícios de que a aprovação da missão foi notificada ao Conselho de Segurança antes de 24 de julho de 2003. Alega-se que o Conselho autorizou a Missão ex post ―Forum Leaders recognised the need in time of crisis or in response to members‘ request for assistance, for action to be taken on the basis of all members of the Forum being part of the Pacific Islands extended family. The Forum must constructively address difficult and sensitive issues including underlying causes of tensions and conflict (ethnic tensions, socio-economic disparities, lack of good governance, land disputes and erosion of cultural values)‖. FÓRUM DE ILHAS DO PACÍFICO. “Biketawa” Declaration, 28 October 2000, para. 2, caput. Ênfase nossa. [Biketawa Declaration]. 329 Ibid., para. 2, alíneas I, II e III. 330 Ibid., para. 2, alínea IV. 331 SFIP. 2002-2003 Annual Report, 2003, p. 2. 332 SFIP. 2003-2004 Annual Report, 2004, p. 24. 328 80 facto através da declaração à imprensa de seu presidente, feita em 26 de agosto de 2003 333. As Normas de Procedimentos do CSNU reconhecem a possibilidade de representação do órgão por seu presidente334, mas a declaração não pode ser considerada uma decisão oficial do órgão por não ter sido aprovada por votação entre seus membros, conforme exigido pela Carta da ONU335. Da mesma forma, não se verifica no Repertório da Prática do CSNU a notificação exigida pelo artigo 54 da Carta da ONU, que impõe o dever de manter o Conselho informado de ―toda ação empreendida ou projetada de conformidade com os acordos ou entidades regionais para manutenção da paz e da segurança internacionais‖336. Em discussão em novembro de 2007 no Conselho de Segurança sobre o papel das organizações regionais na manutenção da paz e segurança internacionais, o representante das Ilhas Salomão manifestou de forma contraditória que ―uma das lacunas gritantes‖ identificada pelo país em relação atividade das organizações regionais é a falta de observância do artigo 54 da Carta337. Em 2013 o país novamente afirmou que ―sempre reconhecemos o papel das organizações regionais, cumprindo o artigo 54 da Carta das Nações Unidas, mantendo o Conselho a par das atividades empreendidas pelas organizações regionais para a manutenção da paz e segurança internacionais‖338. Em relação à previsão legal que possibilitaria a implementação da RAMSI, a Declaração de Biketawa parece fornecer uma base jurídica precária para a intervenção. A Declaração foi aprovada na forma de uma resolução pelo Fórum e aparenta ter sido concebida como um acordo não vinculante, não sendo listada como um tratado pela base de dados da organização339. A Declaração não prevê especificamente a possibilidade de criação de uma missão de intervenção, apesar de conter a previsão de uma série de consultas para a tentativa 333 WAINWRIGHT, op. cit., p. 495. ―The President shall preside over the meetings of the Security Council and, under the authority of the Security Council, shall represent it in its capacity as an organ of the United Nations‖. CSNU. Provisional Rules of Procedure of the Security Council, UN Doc. S/96/Rev. 7, 1983, artigo 19. 335 Carta das Nações Unidas, 26 de junho de 1945, artigo 27. Não existem referências à situação das Ilhas Salomão nos registros de debates do CSNU do dia 26 de agosto de 2003. 336 Ibid., artigo 54. 337 CSNU. 5776th Meeting, UN Doc. S/PV.5776 (Resumption 1), 6 November 2007, p. 14; CSNU. 6299th Meeting, UN Doc. S/PV.6299 (Resumption 1), 16 April 2010, pp. 11-12, 16-17, 20-22 (Nova Zelândia, Austrália e Ilhas Salomão, respectivamente). 338 ―We have always recognized the role of regional organizations, by way of complying with Article 54 of the Charter of the United Nations, in keeping the Council abreast of the activities undertaken by regional organizations for the maintenance of international peace and security‖. CSNU. 7015th Meeting, UN Doc. S/PV.7015, 6 August 2013, p. 48. 339 A lista de tratados assinados no âmbito do Fórum das Ilhas do Pacífico pode ser verificada no website da Pacific Islands Treaty Series (http://www.paclii.org/pits/en). 334 81 de solução dos conflitos e admitir a tomada de ―medidas específicas‖ caso iniciativas diplomáticas falhem340. Apesar disso, as deficiências da Declaração de Biketawa parecem ter sido supridas pelo acordo firmado entre as Ilhas Salomão e os membros do Fórum das Ilhas do Pacífico que realizaram a intervenção, acordo este que estabeleceu de forma detalhada o mandato da missão e especificou as funções das forças interventoras. Uma questão incidental se refere à caracterização do Fórum das Ilhas do Pacífico como um ―acordo ou entidade regional‖ nos termos do artigo 52 da Carta da ONU, o que permite admiti-la como uma organização regional competente para tratar de assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais. O Fórum só foi estritamente caracterizado como uma organização internacional em 2005, com a assinatura de seu tratado constitutivo341, e sua origem está associada primordialmente com a cooperação econômica na região342. Observa-se, no entanto, que a Carta da ONU não exige nenhum tipo de institucionalização específica e a utilização do termo ―acordos ou entidades regionais‖343 é um indício de que a intenção dos redatores da Carta foi a de estabelecer um alto grau de flexibilidade ao conceito344. A partir de um critério funcional que leva em conta a capacidade efetiva da entidade em lidar com conflitos regionais, em 2003 o Fórum das Ilhas do Pacífico poderia ser considerado um acordo ou entidade regional nos termos do artigo 52 da Carta da ONU. 3.2.2. Operação Restore Democracy (Gâmbia, 2017) A Gâmbia é um país litorâneo da África ocidental cercado pelo Senegal por todos os lados, constituindo um semi-enclave. O país conquistou a independência do Reino Unido em 1965 e se tornou uma república em 1970. Em 1994 seu primeiro e único presidente até então, Sir Dawda Jawara, foi deposto pelo Conselho de Governo Provisório das Forças Armadas e 340 Biketawa Declaration, op. cit., para. 2, alínea IV. Agreement Establishing the Pacific Islands Forum, 27 de outubro de 2005. Não consta que o tratado foi registrado nas Nações Unidas. 342 Segundo o Tratado de 2005, o objetivo da Organização ―to strengthen regional cooperation and integration, including through the pooling of regional resources of governance and the alignment of policies, in order to further Forum members' shared goals of economic growth, sustainable development, good governance, and security‖. Ibid., artigo II. 343 ―Regional arrangements or agencies‖. Carta das Nações Unidas, 26 de junho de 1945, artigo 52, parágrafo 1º. 344 DE CHAZOURNES, op. cit., p. 254. De forma contrária, vide HUMMER; SCHWEITZER. Article 52. In: SIMMA, Bruno; KHAN, Daniel-Erasmus; NOLTE, Georg; PAULUS, Andreas. The Charter of the United Nations: a commentary. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 828. 341 82 seu líder, o Tenente Yahya Jammeh, tornou-se provisoriamente chefe de estado345. Em 1996 Jammeh foi eleito presidente do país e reeleito nos anos de 2001, 2006 e 2011, em pleitos marcados por suspeitas de fraude. Em primeiro de dezembro de 2016 Jammeh concorreu pela quinta vez à presidência em eleições novamente marcadas por suspeitas de fraudes. O resultado final foi anunciado no dia seguinte e deu a vitória ao candidato opositor, o empresário do setor imobiliário Adama Barrow346. Inicialmente Jammeh aceitou o resultado inesperado das eleições, mas após a recontagem dos votos confirmando sua derrota o então presidente declarou em discurso televisionado em nove de dezembro que a vitória de Barrow havia sido fraudulenta, anulando o pleito347. Poucas horas depois as ruas de Banjul foram ocupadas por soldados com metralhadoras e trincheiras foram erigidas348. A reação internacional foi imediata. Em dez de dezembro o presidente do Conselho de Segurança da ONU emitiu uma nota à imprensa afirmando que os membros do órgão condenavam de forma veemente a declaração de Jammeh. A nota solicitava que Jammeh respeitasse a escolha do povo soberano da Gâmbia, mantendo sua decisão de aceitar o resultado das urnas e ―transferisse, incondicionalmente e sem demora, o poder ao presidente eleito Adama Barrow‖, respeitando ―o Protocolo sobre Democracia e Boa Governança da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governança‖. A nota ainda informou que os membros do Conselho solicitaram o apoio do Escritório das Nações Unidas para a África Ocidental e ―parceiros internacionais, especialmente a CEDEAO, para preservar a estabilidade na Gâmbia e trabalhar para a instalação de um governo democraticamente eleito no país‖349. No mesmo dia a CEDEAO e a União Africana emitiriam uma nota conjunta à imprensa solicitando ao governo gambiano o cumprimento de ―suas responsabilidades constitucionais e obrigações internacionais‖, o respeito ao resultado das eleições e a segurança de Adama Barrow e da população350. 345 HUGHES, Arnold; PERFECT; David. Historical Dictionary of The Gambia. 4ª ed. Lanham, Scarecrow Press, 2008, pp. L-Lix. 346 Barrow se tornou candidato após o presidente de seu partido ser preso. HELAL, op. cit., pp. 912-913. 347 BBC. Gambia leader Yahya Jammeh rejects election result, 10 December 2016. 348 MACLEAN, Ruth. The Gambia: life goes on in Banjul as Yahya Jammeh clings to power. The Guardian, Londres, 11 de dezembro de 2016. 349 CSNU. Security Council Press Statement on the Gambia Elections, UN Doc. SC/12616 – AFR/3501, 10 December 2016. 350 CEDEAO. ECOWAS, African Union and UN statement on the political developments in the Gambia, Press Statement, 10 December 2016. 83 Ainda no dia dez de dezembro o secretário-geral das Nações Unidas repudiou publicamente a posição de Jammeh e solicitou que as forças nacionais de segurança evitassem atos que pudessem levar à violência351. O presidente da Comissão da União Africana, Nkosazana Dlamini-Zuma, também se manifestou, considerando que a declaração de Jammeh era nula e sem efeito, solicitando que as forças de segurança do país permanecessem neutras e anunciando a convocação do Conselho de Paz e Segurança da União Africana para ―tomar as medidas apropriadas em relação situação na Gâmbia‖, fazendo refer ncia sobre Democracia, Eleições e Governança 352 Carta Africana . Em onze de dezembro a presidente da Autoridade de Chefes de Estado e Governo da CEDEAO, a liberiana Ellen Johnson Sirleaf, declarou que a posição de Jammeh era ―inaceitável e ameaça a paz não apenas na Gâmbia, mas em toda Sub-região da África Ocidental‖, ressaltando a força vinculante dos tratados assinados na região e a exist ncia de consequências para o seu descumprimento353. No dia seguinte a CEDEAO anunciou o envio de uma missão de mediação à Banjul composta pelos presidentes de Gana, Libéria, Nigéria e Serra Leoa, além do Representante Especial do Secretário Geral das Nações Unidas à frente do Escritório das Nações Unidas para a África Ocidental e Sahel (UNOWAS)354. O Conselho de Paz e Segurança da União Africana também anunciou o envio de uma delegação ao país, ressaltando ainda sua ―determinação em tomar todas as medidas cabíveis para assegurar o pleno respeito e o cumprimento‖ dos resultados da eleição355. Não obstante a pressão internacional, o presidente Jammeh manteve sua posição. Uma solicitação de anulação do pleito foi enviada à Suprema Corte do país, que no momento tinha apenas uma de suas sete cadeiras ocupadas, e a sede Comissão Eleitoral Independente foi invadida por soldados356. No dia 17 a Autoridade dos Chefes de Estado e Governo da CEDEAO, seu principal órgão, decidiu: a) Confirmar o resultado da eleição de 1º de dezembro de 2016 na República da Gâmbia; 351 SGNU. Statement attributable to the Spokesman for the Secretary-General on the Gambia, 10 December 2016. 352 UNIÃO AFRICANA. The AU calls for a speedy, orderly and peaceful transition and transfer of power to the new authorities in the Gambia, Press Statement, 10 December 2016. 353 CEDEAO. The Chairperson of ECOWAS Speaks on the Current Political Situation in The Gambia, 11 December 2016. 354 HELAL, op. cit., pp. 914-915. 355 UNIÃO AFRICANA. Communiqué of the Peace and Security Council on the post-election situation in the Islamic Republic of The Gambia, 13 December 2016. 356 HELAL, op. cit., p. 915. 84 b) Garantir a segurança e a proteção do Presidente eleito, o Sr. Adama Barrow; c) Os Chefes de Estado irão comparecer à posse do Presidente eleito Adama Barrow, que deve fazer seu juramento em 19 de janeiro de 2017, conforme estabelece a Constituição da Gâmbia; (...) g) Solicita o apoio da UA e da ONU em todas as decisões tomadas em relação à Gâmbia e também solicita seu apoio nos esforços de mediação da CEDEAO, incluindo a prestação de auxílio técnico quando requisitado; h) A Autoridade tomará as medidas necessárias para fazer cumprir rigorosamente os resultados das eleições de 1º de dezembro de 2016357. O presidente do CSNU, expressamente autorizado pelos membros do órgão, endossou em 21 de dezembro as manifestações da Autoridade dos Chefes de Estado e Governo da CEDEAO e do Conselho de Paz e Segurança da União Africana, elogiando os esforços destas entidades para a promoção da paz, da estabilidade e da boa governança na região 358. Em treze de janeiro de 2017 o Representante Especial da UNOWAS relatou ao Conselho de Segurança o envio de uma nova delegação a Banjul pela CEDEAO para tentar persuadir Jammeh a realizar a transição ao poder e ―não deixar dúvidas sobre a determinação da CEDEAO de usar todos os meios necessários, inclusive a força, para defender a vontade do povo gambiano‖, e que ―se julgar necessário, a CEDEAO pretende buscar o apoio do Conselho de Paz e Segurança da União Africana e a aprovação formal do Conselho de Segurança para enviar tropas para a Gâmbia‖359. No final de dezembro foram feitos planos para uma intervenção ao país por tropas senegalesas caso Jammeh não transmitisse o cargo em 19 de janeiro 360. Em 17 de janeiro o Conselho de Paz e Segurança da União Africana decidiu, com base na Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governança, declarar a ―natureza inviolável‖ do resultado das eleições de dezembro de 2016 e expressar sua ―política de tolerância zero em relação a golpes de estado e mudanças inconstitucionais de governo na África‖, declarando que ―a partir de 19 357 CEDEAO. Fiftieth Ordinary Session of The ECOWAS Authority of Heads of State and Government, Final Communiqué, 17 December 2016, para. 38. 358 CSNU. Statement by the President of the Security Council, UN Doc. S/PRST/2016/19, 21 December 2016. 359 ―The delegation plans to leave no doubt about the determination of ECOWAS to use all the necessary means, including force, to have the will of the Gambian people upheld‖, ―Should that be deemed necessary, ECOWAS intends to seek the endorsement of the African Union Peace and Security Council and the formal approval of the Security Council to deploy troops to the Gambia‖. CSNU. 7862nd Meeting, UN Doc. S/PV.7862, 13 January 2017, p. 2. 360 ASSOCIATED PRESS. Region to send in troops if Gambia president won't step down. Daily Mail, Londres, 23 December 2016. 85 de janeiro de 2017 o Presidente de saída Yahya Jammeh deixará de ser reconhecido pela UA como o legítimo Presidente da República da Gâmbia‖361. Em 19 de janeiro Adama Barrow fez seu juramento como presidente em uma cerimônia improvisada de posse realizada na embaixada da Gâmbia em Dakar, no Senegal, com a presença de autoridades senegalesas, membros do corpo diplomático e do Representante Especial da UNOWAS. No mesmo dia o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a Resolução 2337, elogiando os esforços da União Africana e da CEDEAO e endossando a decisão das duas organizações de reconhecer Barrow como Presidente da Gâmbia362. No final do dia cerca de sete mil soldados, em sua maioria do Senegal, cruzaram a fronteira entre os dois países com o apoio terrestre de Gana e de aviões e navios da Nigéria, em uma operação que depois seria denominada Restore Democracy363. O avanço das tropas até Banjul foi retardado nas horas seguintes para permitir um novo esforço de mediação conduzido pelos presidentes da Mauritânia e da Guiné. Em vinte de janeiro Jammeh fez um pronunciamento televisionado anunciando sua renúncia, embarcando no dia seguinte em um voo para a Guiné Equatorial364. Barrow regressou a Banjul em 26 de janeiro e em fevereiro foi novamente empossado na presença dos líderes de Senegal, Gana, Libéria e Costa do Marfim. Os soldados estrangeiros permaneceram no país e constituíram a Missão da CEDEAO na Gâmbia (ECOMIG), que em junho reduziu seu efetivo para 500 militares365. 3.2.2.1. Reação das Nações Unidas e Base Jurídica De forma distinta de outras crises constitucionais ocorridas na África Ocidental no passado recente366, a crise na Gâmbia foi acompanha com atenção pelo Conselho de Segurança, sendo objeto de deliberação do órgão pelo menos quatro vezes entre dez de dezembro de 2016 e o início da operação, em 19 de janeiro de 2017. Em todas elas a atuação conjunta da União Africana e da CEDEAO foi elogiada pelos membros do órgão. 361 UNIÃO AFRICANA. The 647th meeting of the AU Peace and Security Council on the post-election situation in The Islamic Republic of The Gambia, 17 January 2017, artigo 5º. 362 CSNU. Resolution 2337, 19 January 2017, UN Doc. S/RES/2337 (2017), paras. 2 e 6. 363 Gambia crisis: Senegal sends in troops to back elected leader. British Broadcast Corporation, 19 January 2017. 364 HELAL, op. cit., p. 919. 365 REUTERS. West African regional bloc extends military mission in Gambia, 5 June 2017. 366 Como, por exemplo, as crises na Libéria em 1990 e em Serra Leoa em 1997. FRANCK 2002, op. cit., pp. 155-162. 86 A Resolução 2337 de 19 de janeiro de 2017 do CSNU foi proposta pelo Senegal, que fazia parte do órgão, e foi adotada por unanimidade por seus membros. Em sua parte operativa, a Resolução: 1. Insta todas as partes e interessados da Gâmbia a respeitarem a vontade do povo e o resultado das eleições pelas quais se reconheceu o Sr. Adama Barrow como Presidente da Gâmbia e representante da voz livremente expressada do povo da Gâmbia (...); 2. Endossa as decisões da CEDEAO e da União Africana de reconhecer o Sr. Adama Barrow como Presidente da Gâmbia; (...) 6. Expressa seu pleno apoio à CEDEAO em seu compromisso de velar, em primeiro lugar por meios políticos, o respeito à vontade do povo da Gâmbia expresso nos resultados das eleições de 1º de dezembro 367. A menção que a Resolução 2337 faz à busca de uma solução para a crise por meios políticos antes do recurso a qualquer outro tipo de ação foi abordada pelo representante do Uruguai, que expressou a ausência de autorização específica para o uso da força armada contra o país: O Uruguai reitera sua posição, de acordo com o artigo 53 da Carta das Nações Unidas, de que nenhuma ação de execução será tomada por acordos regionais ou por agências regionais sem a autorização do Conselho de Segurança. Essa autorização deve ser expressa, afirmativa e prévia. O Uruguai ressalta que nada na resolução 2337 (2017) pode ser interpretado como uma autorização expressa do uso da força368. Da mesma forma, a opinião de que a Resolução 2337 não autorizava o uso da força também foi expressa pelos representantes da Bolívia e do Egito369. A utilização dos meios pacíficos para a resolução da crise foi ressaltada pelos representantes da China, Etiópia, Itália e Rússia370. O representante da Suécia ressaltou que a decisão era um esforço para a ―1. Urges all Gambian parties and stakeholders to respect the will of the people and the outcome of the election which recognized Adama Barrow as President-elect of The Gambia and representative of the freely expressed voice of the Gambian people as proclaimed by the Independent Electoral Commission; 2. Endorses the decisions of ECOWAS and the African Union to recognize Mr. Adama Barrow as President of the Gambia; 6. Expresses its full support to the ECOWAS in its commitment to ensure, by political means first, the respect of the will of the people of The Gambia as expressed in the results of 1st December elections‖. CSNU. Resolution 2337, 19 January 2017, UN Doc. S/RES/2337 (2017). Ênfase nossa. 368 ―Uruguay reiterates its position, pursuant to Article 53 of the Charter of the United Nations, that no enforcement action shall be taken under regional arrangements or by regional agencies without the authorization of the Security Council. Such authorization must be express, affirmative and prior. Uruguay underscores that nothing in resolution 2337 (2017) can be interpreted as express authorization of the use of force‖. CSNU. 7866th Meeting, UN Doc. S/PV.7866, 19 January 2017, p. 3. 369 Ibid., pp. 3 e 6. 370 Ibid., pp. 3-6. 367 87 prevenção de conflitos ―e um exemplo positivo de ação sob os Capítulos VI e VIII da Carta das Nações Unidas‖, enquanto os representantes do Cazaquistão e da França ressaltaram que a principal função da Resolução era funcionar como uma mensagem à Jammeh371. A ação tampouco foi chancelada posteriormente pelo Conselho de Segurança. No dia vinte de janeiro o presidente do Conselho de Segurança emitiu uma declaração com a temática ―Consolidação da Paz na África Ocidental‖, tratando sobre vários países da região. Em relação à Gâmbia, a declaração relembra as manifestações anteriores do órgão e apenas solicita ao Representante Especial da UNOWAS o oferecimento de seus bons ofícios para a transferência pacífica do poder, não se manifestando sobre a intervenção armada no país372. Em julho de 2017 o presidente do CSNU emitiu uma declaração ambígua a propósito da realização das eleições parlamentares na Gâmbia em abril. Após saudar a realização do pleito, a declaração diz que o órgão ―(...) elogia os esforços diplomáticos dos Chefes de Estado da CEDEAO, apoiados pelo Representante Especial do Secretário-Geral, com base na Resolução 2337 (2017) do Conselho de Segurança, resultando na transição pacífica de poder para o presidente democraticamente eleito Adama Barrow‖373. Apesar de parabenizar os esforços da CEDEAO na solução da crise gambiana, a declaração elogia especificamente os esforços diplomáticos, e não a conduta geral da Comunidade, de modo a evitar cautelosamente um apoio expresso à Operação. O secretário-geral das Nações Unidas pouco se pronunciou sobre a ECOMIG, tal como seu Representante Especial na UNOWAS. Sua manifestação mais relevante aconteceu em 21 de janeiro de 2017, dois dias depois do início das operações militares, quando divulgou uma declaração conjunta com a CEDEAO e a União Africana explicitando as bases do acordo firmado com Jammeh para sua renúncia. O acordo previa que os direitos e a segurança de Jammeh, de sua família e de seus oficiais seriam garantidos, e que países vizinhos deveriam oferecer a ―hospitalidade africana‖ a eles. Também estabeleceu que a CEDEAO deveria ―suspender quaisquer operações militares na Gâmbia‖ e continuar a ―buscar a solução pacífica e política da crise‖374. 371 Ibid., pp. 4, 5 e 7. CSNU. Statement by the President of the Security Council, UN Doc. S/PRST/2017/2, 20 January 2017, p. 2. 373 CSNU. Statement by the President of the Security Council, UN Doc. S/PRST/2017/10, 24 July 2017. 374 ―Pursuant to this declaration, ECOWAS will halt any military operations in The Gambia and will continue to pursue peaceful and political resolution of the crisis‖. SGNU. Note to Correspondents - Joint Declaration on the Political Situation in The Gambia, 21 January 2017, paras. 4-6, 11 e 14. 372 88 A Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governança foi citada em todas as manifestações da União Africana sobre a crise375, bem como pelo Conselho de Segurança em sua Resolução 2337 de 19 de janeiro de 2017376. O tratado foi adotado em janeiro de 2007 no âmbito da UA e entrou em vigor em 2012, não tendo sido ratificado pela Gâmbia. Seu artigo 23 abre o Capítulo VIII da Carta (―sanções em caso de mudança anticonstitucional de governo‖) e prev que: Os Estados partes acordam que a utilização, entre outros, dos seguintes meios ilegais para aceder ou manter-se no poder, constitui uma mudança anticonstitucional de governo susceptível de sanções apropriadas da parte da União: (...) 4. Toda recusa por parte de um governo estabelecido em transferir o poder ao partido ou ao candidato vencedor na sequência de eleições livres, justas e regulares377. A Carta Africana determina que o Conselho de Paz e Segurança da União Africana, ao reconhecer a ocorrência de uma mudança inconstitucional de governo, pode adotar medidas diplomáticas para a resolução da crise. Caso estas não sejam suficientes, o Conselho pode suspender o Estado da União ou impor sanções econômicas contra ele378. O artigo 7º, alínea ―m‖ do Protocolo sobre a Criação do Conselho de Paz e de Segurança da União Africana, em vigor desde dezembro de 2003, admite que o Conselho acompanhe ―o progresso em direção promoção de práticas democráticas, boa governança, Estado de direito, proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais‖ de seus Estados membros379. O Protocolo foi ratificado pela Gâmbia em 2003. Em sua Resolução 2337 o Conselho de Segurança mencionou ainda o Protocolo Suplementar da CEDEAO sobre Democracia e Boa Governança, firmado em dezembro de 2001. O Protocolo estabelece princípios democráticos, como a separação dos Poderes, a realização de eleições livres e transparentes, a participação popular na política, a neutralidade 375 Manifestação do Presidente de 10/12/16 e decisões do Conselho de Paz e Segurança de 13/12/16 e 17/01/17. CSNU. Resolution 2337, 19 January 2017, UN Doc. S/RES/2337 (2017), quarta linha. 377 UNIÃO AFRICANA. Carta Africana sobre Democracia, Eleições e a Governação, 30 de janeiro de 2007, artigo 24, parágrafo 4º. Alguns erros ortográficos foram suprimidos da grafia original da versão em português do tratado. A Carta não foi registrada junto às Nações Unidas. 378 Ibid., artigo 25. 379 UNIÃO AFRICANA. Protocolo sobre o Estabelecimento do Conselho de Paz e Segurança da União Africana, 09 de julho de 2002. O Protocolo não foi registrado junto às Nações Unidas. 376 89 das Forças Armadas e a ―tolerância zero para o poder obtido ou mantido por meios inconstitucionais‖, entre outros princípios380. O Protocolo prevê também que: Artigo 45 1. No caso da democracia ter um final abrupto por quaisquer meios ou onde haja uma enorme violação dos Direitos Humanos num Estado Membro, a CEDEAO poderá impor sanções no respectivo Estado. 2. As sanções que deverão ser decididas pela Autoridade e poderão tomar as seguintes formas, em ordem crescente de severidade:  Recusa a apoiar os candidatos apresentados pelo Estado Membro interessados em postos elegíveis em organizações internacionais;  Recusa em organizar reuniões da CEDEAO no respectivo Estado Membro;  Suspensão do respectivo Estado Membro de todos os organismos de tomada de decisões da CEDEAO. Durante o período de suspensão o respectivo Estado Membro será obrigado a pagar os próprios encargos pelo período. 3. Durante o período da suspensão, a CEDEAO continuará a monitorizar, encorajar e apoiar os esforços efectuados pelo Estado Membro suspenso para regressar à normalidade e ordem constitucional381; O Protocolo de 2001 faz referência ao Protocolo relativo ao Mecanismo para a Prevenção de Conflitos, Resolução de conflitos, Manutenção da Paz e Segurança (Protocolo de Lomé), assinado em 1999, que cria um mecanismo de prevenção de conflitos e manutenção da paz. Tal mecanismo pode ser aplicado nos casos de agressão externa, conflito entre membros e nos casos de violação grave do Estado de Direito e da ―derrubada ou tentativa de derrubada de um governo democraticamente eleito‖, podendo ser acionado por iniciativa de um de seus Estados membros e implementado pelo Conselho de Mediação e Segurança da CEDEAO 382. 3.2.2.2. Análise Em relação à legitimidade do consentimento da Gâmbia para a intervenção, na sessão do Conselho de Segurança de 19 de janeiro de 2017 o representante do Senegal se referiu ao ―apelo feito hoje pelo Presidente Adama Barrow comunidade internacional, e em particular à CEDEAO, à União Africana e às Nações Unidas, para ajudar a garantir o respeito pela 380 CEDEAO. Protocolo sobre a Democracia e Boa Governança Suplementar ao Protocolo relativo ao Mecanismo para a Prevenção de Conflitos, Gestão, Resolução, Manutenção da Paz e Segurança, A/SP1/12/01, 21 de dezembro de 2001, artigo 1º. 381 Ibid., artigo 45. A tradução apresentada é a oficial. 382 CEDEAO. Protocolo referente ao Mecanismo para a Prevenção de Conflitos, Resolução de conflitos, Manutenção da Paz e Segurança, A/P1/12/99, 10 de dezembro de 1999, artigos 25 e 26. 90 vontade soberana do povo da Gâmbia‖383. Barrow havia tomado posse como presidente da Gâmbia na embaixada do país em Dakar apenas algumas horas antes da fala do representante senegalês384. Considerando que Barrow claramente não exercia controle efetivo sobre nenhuma parte do território da Gâmbia no momento da solicitação da intervenção e que o controle de facto é considerado como o critério mais importante para determinar o regime que representa um Estado385, sua competência para solicitar a intervenção da CEDEAO é questionável. A situação de Barrow em parte se assemelha àquelas do presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide no início dos anos 1990 e do presidente costa-marfinense Alassane Ouattara em 2010. Aristide, primeiro presidente do Haiti eleito em uma votação livre, foi deposto por uma junta militar e exilado em setembro de 1991. No final de julho de 1994 e com o aval do presidente exilado, o CSNU autorizou a utilização da força contra o ―governo ilegal de facto‖386. Mas a situação dos dois países se diferenciava pelo fato de Aristide ter efetivamente sofrido um golpe de estado após oito meses de governo e pela grave situação humanitária criada pelo crescente fluxo de refugiados que deixava o país após o golpe, reconhecida expressamente como uma ameaça à paz e à segurança da região pelo CSNU387. No caso da Costa do Marfim, Alassane Ouattara havia vencido o então presidente do país Laurent Gbagbo no pleito presidencial de outubro de 2010, mas o resultado foi contestado por Gbagbo, que estava no poder desde 2000. A CEDEAO e a União Africana reconheceram Ouattara como presidente legítimo do país e fizeram ameaças de uso da força caso não houvesse a transmissão do cargo388. Simultaneamente o Conselho de Segurança estendeu o mandato da missão de operação de paz que as Nações Unidas conduziam no país mesmo contra a vontade expressa de Gbagbo389. No caso da Costa do Marfim, ao contrário do caso gambiano, o impasse constitucional acarretou no início de uma guerra civil em que os apoiadores de Ouattara logo conquistaram a capital e depuseram Gbagbo. Além disso, havia 383 CSNU. 7866th Meeting, UN Doc. S/PV.7866, 19 January 2017, p. 2 Barrow tomou posse às 16h em Dakar (GMT +0), 9h em Nova York (GMT -5). A reunião que aprovou a Resolução do Conselho de Segurança se iniciou às 13h10min e aprovou o texto aproximadamente às 14h, 19h em Dakar. Oficialmente, a operação militar se iniciou nas últimas horas do dia, pelo horário de Dakar. 385 DOSWALD-BECK, op. cit., p. 194. 386 CSNU. Resolution 904, 31 July 1994, UN Doc. S/RES/904 (1994). 6º parágrafo preambular e 3º parágrafo operativo. 387 KREß & NUßBERGER, op. cit., p. 243. 388 BBC. Ecowas bloc threatens Ivory Coast's Gbagbo with force, 25 december 2010. 389 CSNU. Resolution 1975, 30 March 2011, UN Doc. S/RES/1975 (2011). 384 91 indícios do cometimento de crimes contra a humanidade no país e a situação foi considerada uma ameaça à paz e à segurança internacionais pelo CSNU390. No caso da Gâmbia, em 19 de janeiro de 2017 o Conselho de Segurança reconheceu Barrow como presidente e a validade da eleição que o elegeu, tal como feito pela UA e pela CEDEAO391. A manifestação unânime do CSNU a favor da legitimidade de Barrow indica sua aceitação como presidente legítimo também pela comunidade internacional, conferindo certo grau de efetividade externa ao seu governo392. Admitindo-se a existência de circunstâncias excepcionais, pode-se considerar que Barrow era competente para realizar a solicitação de ajuda naquela situação. Assim: (...) não é preciso ir tão longe a ponto de atribuir efeito constitutivo ao reconhecimento de um governo pelo Conselho de Segurança da ONU no caso de um litígio entre dois candidatos. É suficiente considerar a determinação do Conselho relativa à questão da legitimidade democrática na Gâmbia como um dos vários fatores que provariam os fatos e, no reconhecimento de Barrow como Presidente, um novo precedente para a disposição da comunidade internacional em privilegiar mais a legitimidade democrática do que o controle efetivo de um governo em um número de casos extremos. Em relação a esses casos, o incidente gambiano é tanto um desenvolvimento cauteloso quanto notável 393. O mesmo se aplica ao consentimento relativo à permanência da ECOMIG em território gambiano. Apesar desta não ter mandato inicial fixo, a permanência das tropas por mais três meses teria sido solicitada por Barrow em fevereiro 394, e em junho de 2017 a missão foi prolongada por mais um ano395. O ponto mais controverso da Operação Restore Democracy é a inexistência de autorização prévia do Conselho de Segurança para a atuação da CEDEAO. A Resolução 2337 do Conselho de Segurança não autorizou expressamente o uso da força na Gâmbia. Além disso, seu texto não faz menção ao Capítulo VII da Carta da ONU e a crise gambiana nunca 390 KREß & NUßBERGER, op. cit., p. 244. CSNU. Resolution 2337, 19 January 2017, UN Doc. S/RES/2337 (2017), linha 5 e para. 2. 392 KREß & NUßBERGER, op. cit., pp. 248-249. 393 ―(…) one does not have to go so far as to attribute constitutive international legal effect to the recognition of a government by the UN Security Council in the event of a dispute between candidates. It is sufficient to regard the determination of the Council with regard to the question of democratic legitimacy in The Gambia as one of various factors which would prove the facts and, in the recognition of Barrow as President, a further precedent for the willingness of the international community to give precedence to democratic legitimacy over the effective control of government in a small number of borderline cases. With regard to these borderline cases, the Gambian incident is both a cautious and notable development‖. KREß & NUßBERGER, op. cit., p. 249. Ênfase nossa. 394 REUTERS. Regional force's mission in Gambia extended by three months, 8 February 2017. 395 CEDEAO. Fifty First Ordinary Session of the ECOWAS Authority of Heads of State and Government, Final Communiqué, 4 June 2017, para. 32. 391 92 foi identificada pelo órgão como uma ameaça à paz e segurança internacionais. Nenhum de seus membros expressou o entendimento de que a Resolução autorizava o uso da força, tendo três deles ressaltado que a Resolução efetivamente não o fazia. Ao estabelecer que a CEDEAO deveria resolver a crise primeiro por meios políticos, o texto da Resolução 2337 parece admitir que a força possa ser utilizada caso estes meios se mostrem insuficientes396. Mesmo se considerarmos que o texto da Resolução admita o uso da força de forma condicional, o fato de que a intervenção armada se iniciou poucas horas depois da autorização do Conselho de Segurança demonstra que esta se deu de maneira irregular, sem o esgotamento dos meios diplomáticos. Além disso, a comprovação de que os esforços políticos não foram esgotados é o fato de que a operação foi paralisada antes da chegada das tropas da CEDEAO a Banjul para que um último esforço diplomático, que se mostrou bem sucedido, fosse alcançado. Outro aspecto controverso em relação à operação é a ameaça de intervenção realizada pela CEDEAO e pelo Senegal entre dez de dezembro de 2016 e 19 de janeiro de 2017. A ameaça ao uso da força também é proibida pelo artigo 2º, parágrafo 4º da Carta da ONU, apesar de seu conceito ser vago e impreciso397. A possibilidade de uso da força como método para coagir Jammeh a transmitir o cargo foi aventada publicamente pela missão de mediação da CEDEAO enviada ao país em doze de dezembro de 2016 398. Em 17 de dezembro a Autoridade dos Chefes de Estado da CEDEAO declarou que tomaria ―as medidas necessárias para fazer cumprir rigorosamente os resultados das eleições de 1º de dezembro de 2016‖ 399, e no dia 23 de dezembro o Presidente da Comissão da CEDEAO declarou à BBC que caso Jammeh não negociasse pacificamente a entrega do poder, ―os meios mais radicais serão usados‖400. Além disso, tropas do Senegal já estavam estacionadas na fronteira entre os dois países antes de 19 de janeiro de 2017401. 396 KREß & NUßBERGER, op. cit., p. 244. RANDELZHOFER. Article 2(4). In: SIMMA, Bruno; KHAN, Daniel-Erasmus; NOLTE, Georg; PAULUS, Andreas. The Charter of the United Nations: a commentary. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2002, pp. 124-125. 398 HELAL, op. cit., p. 927. 399 CEDEAO. Fiftieth Ordinary Session of The ECOWAS Authority of Heads of State and Government, Final Communiqué, 17 December 2016, para. 38. 400 ―the most radical means will be used." 401 BBC. Gambia crisis: Senegal sends in troops to back elected leader, 19 January 2017. 397 93 Apesar das manifestações da CEDEAO e do Senegal se assemelharem a um ultimatum402, não há indicação verbal explícita de que a força seria utilizada ou da forma como isso iria ocorrer, o que mina o caráter destas manifestações como ameaças concretas403. Em relação ao posicionamento de tropas senegalenses na fronteira, considera-se que uma forte demonstração de força configura a ameaça do uso da força404, mas nem todo tipo de exercício militar ou manobra é considerado como tal405. Alguns critérios estabelecidos por Nikolas Stürchler para determinar se uma demonstração de força militar pode ser considerada uma ameaça de uso da força são seu caráter não rotineiro, sua intensidade incomum e sua capacidade de transmitir uma mensagem de força relativa a uma disputa específica406. A falta de dados sobre a quantidade e o modo de posicionamento das tropas impede sua clara caracterização como uma ameaça do uso da força. Não há registro de notificações ao Conselho de Segurança das ações empreendidas pela ECOMIG na Gâmbia nos anos de 2017 e 2018, conforme estabelece a obrigação prevista no artigo 54 da Carta da ONU. A CEDEAO é claramente uma entidade ou acordo regional no sentido do artigo 52 da Carta da ONU, se vinculando à obrigação imposta pelo artigo 54. O Tratado Constitutivo da CEDEAO de 1975 estabelece como objetivos da Comunidade apenas a integração e o estabelecimento de uma união econômica na sub-região, mas a revisão do tratado realizada em 1993 prevê também a manutenção da paz e estabilidade regional, a solução pacífica de controvérsias e a proteção dos direitos humanos como alguns de seus princípios cardeais407. Em relação à existência de previsão legal no âmbito da CEDEAO para a realização da intervenção, pode-se afirmar que a Operação foi realizada de forma manifestamente ilícita. Tal afirmação pode ser feita com base na análise dos tratados e protocolos da CEDEAO. A revisão do Tratado Constitutivo da CEDEAO de 1993 estabelece o dever de seus membros de OPPENHEIM, Lassa; ROXBURGH, Ronald. International Law: a Treatise. Vol. 2 – War and Neutrality. 3ª ed. Londres: Longman, 1920, p. 140. 403 STÜRCHLER, Nikolas. The Threat of Force in International Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 260. [STÜRCHLER]. 404 Ibid., p. 260. 405 No caso Nicarágua, a CIJ entendeu que os exercícios militares conjuntos entre as Forças Armadas dos Estados Unidos e de Honduras na Operação Ahuas Taras II (agosto de 1983) realizados na fronteira entre Honduras e Nicarágua com cerca de 5.000 militares não configurava uma ameaça do uso da força. CIJ. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, (Nicaragua v. United States of America), Merits, Judgment of 27 June 1986, ICJ Rep. 1986, p. 118, para. 227. 406 STÜRCHLER, op. cit., p. 216. 407 Tratado Revisado da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, 24 de julho de 1993, 2373 UNTS 233, artigo 4, alíneas ―d‖ a ―g‖. 402 94 auxiliar ―mecanismos apropriados para a prevenção e a resolução de conflitos intra-Estados ou inter-Estados‖408. Tal mecanismo de prevenção de conflitos e manutenção da paz foi estabelecido pelo Protocolo de Lom de 1999, que reconhece que ―o desenvolvimento econômico e social e a segurança dos Estados estão inextricavelmente conectados‖. O mecanismo pode ser acionado no caso da ―derrubada ou tentativa de derrubada‖ de um governo democraticamente eleito ou em outra situação decidida pelo Conselho de Mediação e Segurança da CEDEAO, e sua aplicação pode ser solicitada por diversos órgãos da Comunidade, pelas Nações Unidas ou pela União Africana, ou ainda por requisição de um Estado membro409. Pode-se afirmar que o Protocolo de Lomé de 1999 claramente estabelece uma ―cláusula garantidora‖ por meio do mecanismo nele previsto, não prevendo a necessidade de autorização ou notificação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mesmo que a crise constitucional gambiana não seja considerada uma ―derrubada ou tentativa de derrubada‖ de um governo eleito ainda não empossado, pelo Protocolo de Lomé de 1999 a CEDEAO goza de uma ampla discricionariedade para decidir sobre as situações que admitem a intervenção armada da Comunidade, o que em tese poderia legitimar a Operação Restore Democracy. Entretanto, seu Protocolo Suplementar sobre Democracia e Boa Governança de 2001 prev que apenas sanções econômicas podem ser aplicadas ―no caso da democracia ter um final abrupto por quaisquer meios‖410, restringindo a atuação da Comunidade nos casos de crises democráticas à imposição de sanções econômicas. De qualquer forma, o Protocolo de 1999 não poderia ser aplicado à crise na Gâmbia. Ao contrário do Protocolo Suplementar sobre Democracia e Boa Governança de 2001 411, o Protocolo de Lomé de 1999 não havia entrado em vigor até novembro de 2015 e não havia sido ratificado pela Gâmbia até aquele momento, de acordo com o Relatório Anual da Comissão da CEDEAO de 2015412. Considerando ser improvável que o governo de Jammeh tenha ratificado o tratado de novembro de 2015 até a data de sua renúncia, pode-se considerar 408 Ibid. artigo 58, parágrafo 2º. CEDEAO. Protocolo referente ao Mecanismo para a Prevenção de Conflitos, Resolução de conflitos, Manutenção da Paz e Segurança, A/P1/12/99, 10 de dezembro de 1999, artigos 25 e 26. 410 CEDEAO. Protocolo sobre a Democracia e Boa Governança Suplementar ao Protocolo relativo ao Mecanismo para a Prevenção de Conflitos, Gestão, Resolução, Manutenção da Paz e Segurança, A/SP1/12/01, 21 de dezembro de 2001, artigo 1º. 411 O Protocolo de 2001 foi ratificado pela Gâmbia em 2008 e entrou em vigor no mesmo ano. 412 CEDEAO. ECOWAS Commission Annual Report 2015, Annex, November 2015, pp. 7 e 21. Ao contrário dos relatórios de 2010 a 2015, o Relatório de 2016 não especifica quais tratados e protocolos ainda não entrarem em vigor e quais países ainda não os ratificaram. O Relatório de 2017 não foi divulgado. Nenhum dos dois Protocolos foi registrado junto às Nações Unidas. 409 95 que a ―cláusula garantidora‖ não obrigava a Gâmbia no momento da Operação, e, portanto, esta não teve base jurídica estabelecida internamente pela CEDEAO. 3.3. Conclusão A prática dos órgãos das Nações Unidas à época do estabelecimento da Missão de Assistência Regional para as Ilhas Salomão não evidencia que a prévia autorização do Conselho de Segurança para a utilização da força por uma organização regional com base em uma cláusula garantidora era considerada necessária pela comunidade internacional. O fato de que a ação foi expressamente elogiada pelo presidente do Conselho de Segurança em agosto de 2003413 poderia inclusive ser interpretado como uma chancela ou autorização ex post facto da intervenção. O Conselho de Segurança reagiu de forma semelhante ao chancelar a intervenção da OTAN na Macedônia em 2001 por solicitação do presidente do país414, bem como na instalação de uma força internacional de observação na República Centro-Africana pelos países da Comunidade Econômica e Monetária da África Central em 2003415. Por outro lado, quatorze anos depois o Conselho de Segurança se manifestou sobre a crise constitucional da Gâmbia antes da intervenção da CEDEAO e não a autorizou. O fato de que a Resolução 2337 (2017) não autorizava previamente o uso da força pela CEDEAO foi ressaltado por três membros do Conselho, e outros cinco membros ressaltaram que a Resolução visava a resolução da crise constitucional gambiana por meios pacíficos 416. Assim, ao contrário das intervenções ocorridas nos anos 2000, o Conselho de Segurança não expressou apoio à ECOMIG, apesar de ter tido a oportunidade de fazê-lo. Mesmo que não tenha se manifestado contra a ação, o fato de ter permanecido silente pode ser considerado ao menos como um sinal de que não endossou a operação. Neste sentido: 413 CSNU. Press Statement on Solomon Islands by Security Council President, UN Doc. SC/7853, 26 August 2003. 414 A Operação Essential Harvest foi iniciada pela OTAN em 22 de agosto de 2001 por solicitação do Presidente da Macedônia de 20 de julho. A operação durou 30 dias e envolveu 3.500 militares da Organização, com o objetivo de combater e desarmar grupos terroristas albaneses e auxiliar a implementação de uma missão de observação da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e da União Europeia. Em sua Resolução 1371 de 26 de setembro de 2001 o Conselho ―acolheu os esforços‖ das tr s organizações. 415 A Force multinationale en Centrafrique (FOMUC) foi aprovada em 2 de outubro de 2003 para assegurar a segurança do Presidente da RCA, da segurança na fronteira do país com o Chade e no treinamento de suas forças de segurança. Contou com 350 militares de Camarões, Gabão, República do Congo, Guiné Equatorial e Mali. Em 18 de outubro de 2003 o Presidente do Conselho de Segurança emitiu uma declaração (S/PRST/2002/28) expressando o ―apoio total‖ do Conselho missão. 416 Vide ponto 3.2.2.1. 96 Qualquer posição que se adote em relação ao debate acadêmico sobre a questão da autorização implícita ou ex post facto do CSNU de intervenções armadas por Estados individualmente ou de organizações regionais, é improvável que a intervenção da CEDEAO na Gâmbia seja legalmente justificada em relação às posições adotadas pelo Conselho durante ou após a crise. De fato, o debate que precede a adoção da Resolução 2337 e as declarações dos Estados membros do CSNU posteriores à adoção da resolução indicam que o Conselho especificamente evitou autorizar o uso da força pela CEDEAO 417. O silêncio proposital do CSNU em relação a uma intervenção de uma organização regional não foi um episódio isolado na prática recente do órgão, mas há uma clara tendência das organizações regionais em solicitarem sua autorização em casos de intervenção por convite nos últimos dez anos. Nota-se, da mesma forma, que o consentimento ad hoc do país é componente importante para sua aceitação pelo CSNU. No caso da Missão da CEDEAO para a Guiné-Bissau (ECOMIB), estabelecida em maio de 2012 após a detenção do Presidente e do Vice-Presidente do país por militares, o Conselho de Segurança apenas consentiu com as sanções econômicas propostas pela Comunidade, não se manifestando sobre a implementação da operação418. Ao contrário da ECOMIG, no entanto, a ECOMIB teve seu status reconhecido pelo CSNU em maio de 2013 após a conclusão de um tratado específico entre a Comunidade e a Guiné-Bissau, tendo então o Conselho parabenizado a CEDEAO pelo apoio na restauração da ordem constitucional no país419. Evidencia-se, assim, a importância do claro consentimento do Estado para que a intervenção seja admitida pelo CSNU. O reconhecimento da necessidade de autorização prévia pelo CSNU tanto por este órgão quanto pelas organizações regionais é evidenciado pela Missão Internacional Africana de Apoio ao Mali (AFISMA), estabelecida em dezembro de 2012. A AFISMA foi conduzida pela CEDEAO com o auxílio da União Africana e solicitada pelo presidente maliano, sendo devidamente aprovada pelo CSNU por meio da Resolução 2085, de 2012. A Resolução ―Whatever position one takes regarding the scholarly debate on the question of implied or ex post facto UNSC authorization of armed intervention by individual states or regional organizations, it is unlikely the ECOWAS intervention in The Gambia is legally justifiable on the basis of the positions adopted by the Council during or after the crisis. In fact, if anything, the debate preceding the adoption of Resolution 2337 and the statements of the UNSC member states following the adoption of the resolution indicates that the Council specifically avoided authorizing the use of force by ECOWAS‖. HELAL, op. cit., p. 926. Ênfase original. 418 CSNU. Resolution 2048, 18 May 2012, UN Doc. S/RES/2048 (2012), para. 2. 419 CSNU. Resolution 2103, 22 May 2012, UN Doc. S/RES/2103 (2012). 417 97 reconheceu a situação no país como uma ameaça à paz e a segurança internacionais e agiu com base no Capítulo VII da Carta420. A análise das normas de direito internacional e da prática do CSNU demonstra que a intervenção realizada por meio de cláusulas garantidoras não é contrária ao direito internacional. Seu exercício, entretanto, requer a existência de um consentimento válido do Estado. Pode-se considerar que as cláusulas garantidoras estabelecem um modus operandi sobre a possibilidade intervenção a convite, constituindo normas procedimentais inseridas no quadro normativo de organizações regionais que estabelecem um mecanismo para o emprego da força em seus países signatários visando proteger interesses regionais comuns. Assim, as cláusulas garantidoras não são capazes individualmente de expressarem o consentimento do Estado por si só ou configurarem exceção à norma internacional que proíbe o uso da força. 420 CSNU. Resolution 2085, 20 December 2012, UN Doc. S/RES/2085 (2012), para. 9. 98 CONSIDERAÇÕES FINAIS O ―renascimento‖ do Conselho de Segurança após o fim da Guerra Fria alterou substancialmente seu funcionamento e possibilitou que o órgão se dedicasse de forma mais ativa ao seu papel de garante da paz e da segurança internacionais421. O fim do conflito ideológico também marcou o término do uso indiscriminado do veto pelos membros permanentes do Conselho e tornou o consenso entre eles mais comum, de forma a aumentar a capacidade do órgão em lidar com os conflitos e ameaças à paz internacional422. Tais mudanças geraram, por um lado, um grande otimismo em relação ao papel que as organizações regionais teriam nesse novo despertar do Conselho de Segurança. Essa confiança foi bem expressa em 1992 pelo secretário-geral das Nações Unidas, Boutros Boutros-Ghali em sua ―An Agenda for Peace‖: (...) os acordos ou entidades regionais em muitos casos possuem um potencial que deve ser utilizado no cumprimento das funções cobertas neste relatório: diplomacia preventiva, manutenção da paz, pacificação e construção da paz pós-conflito. Nos termos da Carta, o Conselho de Segurança tem e continuará a ter a responsabilidade primária na manutenção da paz e da segurança internacionais, mas a ação regional como uma questão de descentralização, delegação e cooperação com os esforços das Nações Unidas poderia não apenas aliviar o fardo do Conselho, mas também contribuir para um sentido mais profundo de participação, consenso e democratização nos assuntos internacionais 423. Ao ―aliviar o fardo‖ do Conselho de Segurança e ―dar peso s Nações Unidas‖424, as organizações regionais poderiam funcionar como ―órgãos das Nações Unidas‖425, otimizando sua atuação no sistema de segurança coletiva. De fato, a partir de 1990 o Conselho de Segurança tem se valido com grande frequência do artigo 53 da Carta e autorizado o uso da 421 SALIBA, Aziz Tuffi. Conselho de Segurança da ONU: Sanções e Limites Jurídicos. Curitiba: Juruá Editora, 2009, p. 28. 422 BLOKKER, Niels. Is the authorization authorized? Powers and practice of the UN Security Council to authorize the use of force by ―coalitions of the able and willing‖. EJIL, Florença, v. 11, n. 3, pp. 541-568, 2000, p. 542. 423 ―What is clear, however, is that regional arrangements or agencies in many cases possess a potential that should be utilized in serving the functions covered in this report: preventive diplomacy, peace-keeping, peacemaking and post-conflict peace-building. Under the Charter, the Security Council has and will continue to have primary responsibility for maintaining international peace and security, but regional action as a matter of decentralization, delegation and cooperation with United Nations efforts could not only lighten the burden of the Council but also contribute to a deeper sense of participation, consensus and democratization in international affairs‖. SGNU. An Agenda for Peace: Preventive diplomacy, peacemaking and peace-keeping, UN Doc. A/47/277, 17 June 1992, para. 64. 424 Ibid., para. 64. 425 KELSEN, op. cit., pp. 145-146. 99 força por organizações regionais para lidar com ameaças à paz e à segurança internacionais, empregando de forma conjunta os Capítulos VII e VIII da Carta426. Por outro lado, se durante a Guerra Fria o Conselho de Segurança não se manifestava sobre questões relativas à segurança coletiva, atualmente a atuação do órgão frequentemente parece se limitar a legitimar o uso da força, sem, no entanto, conseguir controlá-la427. Tal ―uso da força franqueado‖ pode ocasionar um aumento na legitimidade do Conselho em sua função de controlar do uso da força, mas ao custo de poder favorecer os interesses de atores estatais hegemônicos dentro das organizações regionais428. Dessa forma, a função tradicional do Conselho de Segurança na manutenção da paz e sua primazia sobre as organizações regionais continuam sendo questionadas mesmo após o fim do período de abuso do veto. Do ponto de vista do direito internacional, tais questionamentos adquirem a forma de teorias que propõe novas exceções à proibição do uso da força que, tal qual a legítima defesa, prescindiriam da autorização do Conselho de Segurança. A marcante conclusão da Comissão Internacional Independente para o Kosovo de que a intervenção não autorizada da OTAN no território da República Federal da Iugoslávia em 1999 foi ―ilegal, mas legítima‖ evidencia a busca pelo reconhecimento destas novas exceções que concomitantemente alterariam o papel do Conselho de Segurança. Ao contrário do que afirma a IICK, a pesquisa realizada por este trabalho aponta que o uso da força por organizações regionais sem a autorização das Nações Unidas, como no caso da OTAN em 1999, certamente é ilegal e ilegítima. A legitimidade é a crença de um ator de que determinada instituição deve ser obedecida e está associada à internalização de um padrão externo existente429, como as decisões do Conselho de Segurança ou normas do direito internacional. Justamente pela inexistência de fundamento jurídico claro e reconhecidamente estabelecido para o uso da força sem autorização do CSNU, estas ações não podem ser consideradas legitimadas430, a não ser em relação às expectativas e interesses daqueles que as empregam. A autorização do CSNU, por outro lado, inquestionavelmente legitima as ações 426 SICILIANOS, op. cit., p. 29. BLOKKER, Niels. Is the authorization authorized? Powers and practice of the UN Security Council to authorize the use of force by ―coalitions of the able and willing‖. EJIL, Florença, v. 11, n. 3, pp. 541-568, 2000, p. 543. 428 FRANCK, Thomas M. The United Nations as Guarantor of International Peace and Security: Past, Present and Future. In: TOMUSCHAT, Christian (Ed.). The United Nations at Age Fifty: A Legal Perspective. Haia: Kluwer Law International, 1995, pp. 31-33. 429 HURD, Ian. After Anarchy: Legitimacy & Power in the United Nations Security Council. Princeton: Princeton University Press, 2007, pp. 30-31. 430 No caso do Kosovo, a própria IICK afirma não haver uma norma jurídica consolidada que embasasse as operações da OTAN. Vide IICK, op. cit., pp. 167-168. 427 100 das organizações regionais, tendo em vista seu papel como órgão de uma organização internacional percebida como ―o mais próximo que somos capazes de chegar a uma voz autêntica da humanidade‖431. É inegável que o Conselho de Segurança sofre de uma crise de legitimidade ao não conseguir regular o comportamento de diversos atores internacionais432, o que em parte é evidenciada pela atuação sem autorização de algumas organizações regionais. Nesse sentido, a reforma da composição e dos procedimentos do Conselho é essencial por permitir a apropriada institucionalização da comunidade internacional ao estabelecer os instrumentos efetivos para a prevenção e a adoção de medidas apropriadas contra violações aos seus interesses comuns433. A necessidade de reforma do Conselho de Segurança, entretanto, não significa que o órgão já perdeu completamente sua legitimidade, já que a existência de propostas de reestruturação por si só já demonstra um reconhecimento tácito da autoridade política do Conselho434. Enquanto aguarda sua reforma tão necessária, o Conselho de Segurança tem alterado sua forma de atuação em busca de mais legitimidade. Assim, ―percebe-se que atualmente o Conselho de Segurança, enquanto seriamente exposto a tendências de marginalização, está ao mesmo tempo engajado em um esforço notável para reavivar a credibilidade de seu papel no campo da manutenção da paz‖435. Entre as medidas tomadas está justamente a formulação de parcerias com organizações regionais, explorando as possibilidades admitidas pelo Capítulo VIII da Carta da ONU436. Os defensores da existência de outras exceções à proibição do uso da força além da legítima defesa argumentam que a inação do Conselho de Segurança em relação a ameaças contra a paz possibilitaria que seu combate fosse realizado de forma coletiva por outro organismo, movido por questões de elevado cunho moral, como no caso de crises 431 THAKUR, Ramesh. Law, Legitimacy and the United Nations. In: FALK, Richard; JUERGENSMEYER, Mark; POPOVSKI, Vesselin. Legality and Legitimacy in Global Affairs. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 47. 432 Ibid., p. 58. 433 CANNIZZARO, op. cit., p. 429. 434 LOPES, Dawisson Belém; CASARÕES, Guilherme Stolle Paixão. ONU e Segurança Coletiva no Século XXI. Tensões entre Autoridade Política e Exercício Efetivo da Coerção. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, pp. 9-48, 2009, p. 32. 435 ―On a ainsi le sentiment que le Conseil de s curit , tout en tant l‘heure actuelle s rieusement expos des tendances poussant vers as marginalisation, se trouve en même temps engagé dans um effort remarquable pour relancer la cr dibilit de son rôle dans le domaine du maintien de la paix‖. ARCARI, M. De la marginalisation du Conseil de sécurité? Paix et Sécurité Européenne et Internationale, Nice, n. 2, 2015, p. 13. 436 GRAY, op. cit., pp. 426-428. 101 humanitárias e graves atrocidades contra civis, ou por contingências relativas à segurança de uma determinada região ou país, como instabilidades internas ou ameaças à democracia. No caso do uso da força por questões humanitárias, a prática das Nações Unidas não apresenta indícios da existência de uma nova exceção à proibição do uso da força. Desde a intervenção da OTAN no Kosovo em 1999 não há prática relevante indicando a aceitação de que a autorização do Conselho de Segurança é dispensável. A operação Unified Protector na Líbia em 2011 reforça essa conclusão ao apontar que a autorização do Conselho de Segurança foi almejada pela OTAN, que ao contrário de 1999, decidiu atuar de forma legal. A refutação da hipótese de legalidade do uso da força por organizações regionais com base em cláusulas garantidoras não é tão clara. Os estudos de caso realizados demonstram que as cláusulas garantidoras são admitidas pelo direito internacional, não como manifestações do consentimento para o uso da força, mas como regra procedimental que busca operacionalizar um mecanismo específico de intervenção após a manifestação do consentimento atual do Estado. A autorização do Conselho de Segurança para a atuação parece ser previamente buscada pelas organizações regionais e requisitada pelo órgão, comprovando que há uma crença de que a autorização prévia é uma obrigação legal. 102 REFERÊNCIAS ABASS, Ademola. Consent Precluding State Responsibility: A Critical Analysis. International & Comparative Law Quarterly, Londres, v. 53, n. 1, pp. 211-225, 2004. ABASS, Ademola. Regional Organisations and the Development of Collective Security: Beyond Chapter VII of the UN Charter. Portland: Hart Publishing, 2004. Agreement between Solomon Islands, Australia, New Zealand, Fiji, Papua New Guinea, Samoa And Tonga Concerning the Operations and Status of the Police and Armed Forces and Other Personnel Deployed to Solomon Islands to Assist in the Restoration of Law and Order and Security, 24 de julho de 2003, [2003] PITSE 12. Agreement Establishing the Pacific Islands Forum, 27 de outubro de 2005. 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