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EBook Linguistica-aplicada

B C B C Copyright © Pimenta Cultural, alguns direitos reservados. Copyright do texto © 2020 os autores e as autoras. Copyright da edição © 2020 Pimenta Cultural. CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO Adilson Cristiano Habowski, Universidade La Salle, Brasil. Alaim Souza Neto, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Alexandre Antonio Timbane, Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Brasil. Alexandre Silva Santos Filho, Universidade Federal do Pará, Brasil. Aline Corso, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil. Ana Rosa Gonçalves de Paula Guimarães, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil. André Gobbo, Universidade Federal de Santa Catarina / Faculdade Avantis, Brasil. Andressa Wiebusch, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil. Andreza Regina Lopes da Silva, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Angela Maria Farah, Centro Universitário de União da Vitória, Brasil. Anísio Batista Pereira, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil. Arthur Vianna Ferreira, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Bárbara Amaral da Silva, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Beatriz Braga Bezerra, Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil. Bernadétte Beber, Faculdade Avantis, Brasil. Bianca Gabriely Ferreira Silva, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil. Bruna Carolina de Lima Siqueira dos Santos, Universidade do Vale do Itajaí, Brasil. Bruno Rafael Silva Nogueira Barbosa, Universidade Federal da Paraíba, Brasil. Carolina Fontana da Silva, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. Cleonice de Fátima Martins, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil. Daniele Cristine Rodrigues, Universidade de São Paulo, Brasil. Dayse Sampaio Lopes Borges, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil. Delton Aparecido Felipe, Universidade Estadual do Paraná, Brasil. Dorama de Miranda Carvalho, Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil. Doris Roncareli, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Ederson Silveira, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Elena Maria Mallmann, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. Elaine Santana de Souza, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil. Elisiene Borges Leal, Universidade Federal do Piauí, Brasil. Elizabete de Paula Pacheco, Instituto Federal de Goiás, Brasil. Emanoel Cesar Pires Assis, Universidade Estadual do Maranhão, Brasil. Fabiano Antonio Melo, Universidade de Brasília, Brasil. Felipe Henrique Monteiro Oliveira, Universidade de São Paulo, Brasil. Francisca de Assiz Carvalho, Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil. Gabriella Eldereti Machado, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. Gracy Cristina Astolpho Duarte, Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil. Handherson Leyltton Costa Damasceno, Universidade Federal da Bahia, Brasil. Heliton Diego Lau, Universidade Federal do Paraná, Brasil. Heloisa Candello, IBM Research Brazil, IBM BRASIL, Brasil. Inara Antunes Vieira Willerding, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Jacqueline de Castro Rimá, Universidade Federal da Paraíba, Brasil. Jeane Carla Oliveira de Melo, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, Brasil. Jeronimo Becker Flores, Pontifício Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil. João Henriques de Sousa Junior, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Joelson Alves Onofre, Universidade Estadual de Feira de Santana, Brasil. Joselia Maria Neves, Portugal, Instituto Politécnico de Leiria, Portugal. Júlia Carolina da Costa Santos, Universidade Estadual do Maro Grosso do Sul, Brasil. Juliana da Silva Paiva, Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Paraíba, Brasil. Junior César Ferreira de Castro, Universidade de Brasília, Brasil. Kamil Giglio, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Katia Bruginski Mulik, Universidade de São Paulo / Secretaria de Estado da Educação-PR, Brasil. Laionel Vieira da Silva, Universidade Federal da Paraíba, Brasil. Lidia Oliveira, Universidade de Aveiro, Portugal. Litiéli Wollmann Schutz, Universidade Federal Santa Maria, Brasil. Luan Gomes dos Santos de Oliveira, Universidade Federal de Campina Grande, Brasil. Lucas Martinez, Universidade Federal Santa Maria, Brasil. Lucas Rodrigues Lopes, Faculdade de Tecnologia de Mogi Mirim, Brasil. Luciene Correia Santos de Oliveira Luz, Universidade Federal de Goiás / Instituto Federal de Goiás, Brasil. Lucimara Rett, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Marcia Raika Silva Lima, Universidade Federal do Piauí, Brasil. Marcio Bernardino Sirino, Universidade Castelo Branco, Brasil. Marcio Duarte, Faculdades FACCAT, Brasil. Marcos dos Reis Batista, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Brasil. Maria Edith Maroca de Avelar Rivelli de Oliveira, Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil. Maribel Santos Miranda-Pinto, Instituto de Educação da Universidade do Minho, Portugal. Marília Matos Gonçalves, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Marina A. E. Negri, Universidade de São Paulo, Brasil. Marta Cristina Goulart Braga, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Maurício Silva, Universidade Nove de Julho, Brasil. Michele Marcelo Silva Bortolai, Universidade de São Paulo, Brasil. Midierson Maia, Universidade de São Paulo, Brasil. Miriam Leite Farias, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil. Patricia Bieging, Universidade de São Paulo, Brasil. Patricia Flavia Mota, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Patricia Mara de Carvalho Costa Leite, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Patrícia Oliveira, Universidade de Aveiro, Portugal. Ramofly Bicalho dos Santos, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil. Rarielle Rodrigues Lima, Universidade Federal do Maranhão, Brasil. Raul Inácio Busarello, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Ricardo Luiz de Bittencourt, Universidade do Extremo Sul Catarinense, Brasil. Rita Oliveira, Universidade de Aveiro, Portugal. Robson Teles Gomes, Universidade Católica de Pernambuco, Brasil. Rosane de Fatima Antunes Obregon, Universidade Federal do Maranhão, Brasil. Samuel Pompeo, Universidade Estadual Paulista, Brasil. Tadeu João Ribeiro Baptista, Universidade Federal de Goiás, Brasil. Tarcísio Vanzin, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Tayson Ribeiro Teles, Instituto Federal do Acre, Brasil. Thais Karina Souza do Nascimento, Universidade Federal do Pará, Brasil. Thiago Barbosa Soares, Universidade Federal do Tocantins, Brasil. Thiago Soares de Oliveira, Instituto Federal Fluminense, Brasil. Valdemar Valente Júnior, Universidade Castelo Branco, Brasil. Valeska Maria Fortes de Oliveira, Universidade Federal Santa Maria, Brasil. Vanessa de Andrade Lira dos Santos, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil. Vania Ribas Ulbricht, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Wellton da Silva de Fátima, Universidade Federal Fluminense, Brasil. Wilder Kleber Fernandes de Santana, Universidade Federal da Paraíba, Brasil. PARECER E REVISÃO POR PARES Os textos que compõem esta obra foram submetidos para avaliação do Conselho Editorial da Pimenta Cultural, bem como revisados por pares, sendo indicados para a publicação. Direção editorial Diretor de sistemas Diretor de criação Editoração eletrônica Patricia Bieging Raul Inácio Busarello Marcelo Eyng Raul Inácio Busarello Ligia Andrade Machado Imagens da capa rawpixel.com/Freepik; Freepik Editora executiva Patricia Bieging Revisão Os autores e as autoras Organizadores Álisson Hudson Veras Lima Julianne Rodrigues Pita Maria Elias Soares Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) ___________________________________________________________________________ L755 Linguística aplicada: os conceitos que todos precisam conhecer - volume 1. Álisson Hudson Veras Lima, Julianne Rodrigues Pita, Maria Elias Soares - organizadores. São Paulo: Pimenta Cultural, 2020. 366p.. Inclui bibliografia. ISBN: 978-65-86371-30-7 (eBook) 978-65-86371-29-1 (brochura) 1. Linguística. 2. Linguagem. 3. Escola. 4. Teoria. 5. Indisciplinariedade. I. Lima, Álisson Hudson Veras. II. Pita, Julianne Rodrigues. III. Soares, Maria Elias. IV. Título. CDU: 81 CDD: 801 DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.307 ___________________________________________________________________________ PIMENTA CULTURAL São Paulo - SP Telefone: +55 (11) 96766 2200 [email protected] www.pimentacultural.com 2 0 2 0 AGRADECIMENTOS Agradecemos a todos os autores que colaboraram para que esta obra chegue a qualquer um a quem interessar. Agradecemos também a toda a equipe da Editora Pimenta Cultura pelo espaço cedido para a divulgação de nossos textos. SUMÁRIO Prefácio .......................................................................................... 10 Julianne Rodrigues Pita Capítulo 1 Estágio supervisionado e o ensino da língua portuguesa: vivências, reflexões e proposições .................................................. 12 Antonio Avelar Macedo Neri Capítulo 2 Ensino de língua portuguesa para aprendizagem do léxico: fundamentos e perspectivas interacionais ....................................... 43 Expedito Wellington Chaves Costa Maria João Marçalo Capítulo 3 O estudo dos gêneros textuais pela perspectiva sociorretórica e sua aplicação ao ensino............................................................. 73 Iray Almeida Bezerra Capítulo 4 Os gêneros discursivos no ensino de língua portuguesa ................................................... 98 Álisson Hudson Veras Lima Maria Elias Soares Capítulo 5 Reflexões do professor de português língua estrangeira sobre a sua formação e sobre os saberes mobilizados na sala de aula de gramática ................................................................... 123 Eulália Leurquin Ana Edilza Aquino de Sousa Capítulo 6 Pragmática ou pragmáticas? A pluralidade de um ramo singular............................................. 156 Bougleux Bonjardim da Silva Carmo Capítulo 7 Nova Pragmática: uma proposta crítica e emancipatória para a linguística aplicada ................................... 200 Claudiana Nogueira de Alencar Antonio Oziêlton de Brito Sousa Gílian Gardia Magalhães Brito Capítulo 8 Pressupostos teóricos da análise de discurso crítica ..................................................... 225 Jussivania de Carvalho Vieira Batista Pereira Raylton Carlos de Lima Tavares Capítulo 9 Perspectivas da análise de livros didáticos como objeto de pesquisa em linguística aplicada ................................................................ 256 Julianne Rodrigues Pita Ikaro César da Silva Maciel Capítulo 10 Norma culta, norma popular e ensino de língua portuguesa ................................................... 289 Aluiza Alves de Araújo Maria Lidiane de Sousa Pereira Rakel Beserra de Macêdo Viana Capítulo 11 Linguística sistêmico-funcional: aspectos teóricos e práticos.......................................................... 319 Vilmar Ferreira de Souza Francisco Bruno Rodrigues Silveira Sobre os(as) organizadores(as) ................................................. 352 Sobre os autores e as autoras .................................................... 354 Índice remissívo........................................................................... 362 PREFÁCIO Em um mundo atravessado pelo poder de forma multidirecionada e que apresenta desafios para uma série de significados sobre quem somos, que constituíram o cerne da modernidade, é crucial pensar formas de fazer pesquisa que sejam também modos de fazer política ao tematizar o que não é tematizado e ao dar a voz a quem não tem. (MOITA LOPES, p. 12, 2010) Os estudos linguísticos, como em qualquer ciência, sempre atravessaram e foram atravessados pelas tendências sociais que coadunam com os discursos adotados por época. Assim, a Linguística Aplicada surge em contexto estratégico atrelado à Segunda Guerra Mundial quando há um aumento pelo interesse, por parte do exército norteamericano, do ensino de línguas, tradução e interpretação. Em terras tupiniquins, os primeiros sussurros da LA acontecem em meados da década de 60 dos anos 1900 quando houve uma preocupação da constante aplicação das teorias linguísticas. Entretanto, já pelo final dos anos 1980, a LA já se vê preocupada com questões que problematizem o uso da língua nas práticas sociais, ampliando o seu escopo. Apesar das constantes discussões provocadas sobre as possíveis diferenças entre a Linguística e a Linguística Aplicada, sua autonomia como área de estudos acontece apenas ao fim e no início dos anos 2000. Este marco temporal, se torna também um marco conceitual da área, pois aqui, os estudos da Linguística Aplicada ultrapassarão os tijolos escolares e passarão a perceber os problemas do uso da língua em os outros espaços. S U M Á R I O Desta maneira, a LA passa a chamar para sua discussão teórica e metodológica de pesquisa outras áreas, em especial as DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.307.10-11 10 Ciências Humanas e Sociais, construindo uma área interdisciplinar e transdisciplinar que dá ouvidos, de maneira crítica, aos problemas linguísticos surgidos nos movimentos realizados pela sociedade. Em afinidade com este propósito e pensando numa Linguística Aplicada cada vez mais transgressiva ou indisciplinar, como defendem muitos teóricos da atualidade, é que apresentamos uma obra composta por produções acadêmicas realizadas por diversos estudiosos da área que se espalham Brasil afora. No primeiro volume de Linguística Aplicada: os conceitos que todos precisam conhecer passearemos por textos que elucidarão sobre aspectos teóricos inicialmente desenvolvidos dentro da Linguística agora a serviço de uma Linguística Aplicada que é nômade, em termos moitalopianos, e preocupada com os problemas atuais. Trataremos de temas que circundam o âmbito escolar, principal espaço de discussão e contribuição da LA desde o seu início, até os que cerceiam a academia e se (re)constroem na indisciplinariedade da área. Portanto, convidamos você, caro leitor e cara leitora, para adentrar no universo desta área desconstrutiva e engajada por meio das produções aqui expostas no intuito de fazer pensar e expandir as discussões cada vez mais em voga da jovem Linguística Aplicada. Julianne Rodrigues Pita S U M Á R I O 11 1 Capítulo 1 ESTÁGIO SUPERVISIONADO E O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA: VIVÊNCIAS, REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES Antonio Avelar Macedo Neri Antonio Avelar Macedo Neri ESTÁGIO SUPERVISIONADO E O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA: VIVÊNCIAS, REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.307.12-42 Resumo: O estágio curricular supervisionado é uma exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, além de ser uma excelente oportunidade para que os discentes compatibilizem as teorias estudadas na formação acadêmica com as exigências do exercício profissional em sua área de formação. Neste processo dialético entre teoria e prática, abordaremos neste capítulo alguns questionamentos que surgiram – e ainda surgem – durante as orientações da disciplina de Estágio Supervisionado do curso de Licenciatura em Letras do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE), campus de Crateús. A partir de um processo dinâmico entre o dever fazer e o fazer, instigamos o leitor a perceber algumas vivências, reflexões e proposições do estágio supervisionado no curso de Licenciatura em Letras. S U M Á R I O Palavras-chave: Estágio Supervisionado; Formação Docente; Professor(a). 13 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A educação é uma das principais influências para o desenvolvimento da cidadania e qualificação para o trabalho. Em consequência desse progresso, o investimento educacional em todos os níveis, etapas e modalidades é evidente e necessário, para que o artigo 205 da Constituição Federal (CF) de 1988 seja realmente evidenciado na integra: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, p. 123). Com vistas a garantir o cumprimento do que está previsto na CF, foi sancionada, em 20 de dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (doravante LDB), que regulamenta a educação através dos princípios constitucionais. Esta, por sua vez, tem sido adaptada, ressignificada e readequada para contemplar lacunas que não foram preenchidas ao longo do processo de sua construção. Sendo a educação um dos mecanismos responsáveis pela compreensão dos contextos históricos e das transformações sociais, é necessário que o futuro(a) professor(a), ao longo do processo de formação, reconheça e adquira a consciência de que está abraçando algo que vai exigir dele uma entrega de corpo e alma, um comprometimento coletivo. Segundo Imbernon (2001), o professor necessita ter sede de ensinar e esta realidade se efetivará se o aluno/ estagiário buscar um comprometimento com sua prática. S U M Á R I O Assim, ao longo da história vários pesquisadores desenvolveram teorias para a prática de ensino e aprendizagem. Demerval Saviani aponta como tarefa da educação escolar a conversão do saber objetivo em saber escolar, de modo a torná-lo assimilável pelos alunos 14 (SAVIANI, 1994). Esse processo de conversão do saber, apontado por Saviani, nos remete ao estudo da transposição didática, representada pela transformação dos conteúdos escolares (saber científico) em produto de ensino (saber escolarizado), que deve levar em conta a necessária articulação entre teoria e prática. Nessa perspectiva, apresentaremos as correntes de pensamentos e autores que embasaram algumas das constatações que serão expostas como base referencial para uma melhor compreensão dos contextos históricos educacionais e, respectivamente, um melhor entendimento do cenário educacional brasileiro. O Brasil, desde a colonização portuguesa, ao que concerne o sistema educacional, adotou algumas tendências pedagógicas que formaram a base teórica da prática pedagógica do país. Segundo Libâneo (1982), as principais tendências pedagógicas usadas na educação brasileira se dividem em duas grandes linhas de pensamento pedagógico. Elas são: Tendências Liberais e Tendências Progressistas. As tendências liberais, de acordo com Libâneo (1982, p.2): O termo liberal não tem o sentido de “avançado”, “democrático”, “aberto”, como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justificação do sistema capitalista que ao defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais na sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, também denominada sociedade de classes. A Pedagogia liberal, portanto, é uma manifestação própria desse tipo de sociedade. Já as tendências progressistas, segundo Libâneo (1982, p.4): S U M Á R I O Partem de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação. Evidentemente a Pedagogia progressista não tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais que vislumbram a emancipação coletiva. 15 A vivência da prática docente na educação básica como professor das disciplinas pedagógicas e de Estágio Supervisionado nas licenciaturas me permitiu constatar uma acepção de Demerval Saviani, de que não são os saberes que determinam a formação do educador, pois é a educação em seu processo concreto de efetivação que determina a formação do educador (SAVIANI, 1996, p. 1). A disciplina de estágio nos permite perceber também, em uma dimensão prática, quais tendências pedagógicas estudadas de forma teórica no curso de licenciatura são implementadas na prática cotidiana escolar. Saviani (1997) e Líbano (1990) esclarecem que essas tendências pedagógicas se dividem em dois grandes blocos: tendências liberais, que são tradicionais, renovadoras progressivas, renovadoras não-diretivas (Escola Nova) e tecnicistas; e tendências progressistas, que são libertadoras, libertárias e crítico-social dos conteúdos (histórico-crítica). Diante dos conceitos expostos das tendências pedagógicas, tanto liberal como a progressista, focaremos em apresentar alguns objetivos do estágio supervisionado no curso de Licenciatura em Letras e realizar algumas reflexões preliminares a respeito das práxis pedagógicas, tanto no curso, como nas propostas metodológicas dos professores de estágio; como também no objeto fim: a formação do futuro professor de língua portuguesa. De acordo com o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Letras do IFCE Campus Crateús – PCC (2017, p. 12-13), os objetivos do estágio supervisionado são: S U M Á R I O 1. Objetivo Geral: conhecer, compreender e observar a relação que existe entre os conhecimentos científicos e a prática no exercício do magistério. 2. Objetivos Específicos: • Observar a relação coordenação-professor-aluno; 16 • Analisar o comportamento profissional do professor na sala de aula; • Observar a distribuição do espaço físico e sua importância para a aprendizagem dos alunos; • Conhecer e analisar o PPP da escola; • Analisar o livro didático adotado na disciplina de ciências; • Aplicar uma intervenção pedagógica na escola; • Relacionar os conhecimentos pedagógicos na pratica à docência. Mesmo após inúmeras reformulações, formações inicial e continuada, capacitações e outras propostas metodológicas e teóricas, ou sem nenhum ou pouco estudo científico, percebo que no atual sistema educacional o que prevalece é o ensino tradicional. Por muitas vezes as tendências pedagógicas são apresentadas na academia como se a educação fosse algo homogêneo, ou seja, como se as escolas possuíssem a mesma identidade, o mesmo contexto social. Porém, na realidade presente das escolas há distanciamentos gritantes entre elas. Assim, o estágio se faz necessário para o conhecimento dessas realidades. S U M Á R I O A realização do estágio, por exemplo, quando concebida na concepção liberal, nada mais é que um reflexo das tendências tradicional e tecnicista. O que se faz no decorrer do estágio? Observar, analisar, preencher formulário, preencher fluxograma, entre outros. Ou seja, é uma ação muito mecânica e técnica. Com isso, a prática do estágio acaba se tornando reprodução de modelos pré-estabelecidos na educação básica pelo docente do curso de licenciatura. Para desestimular ainda mais, algumas personagens na educação, em especial em algumas escolas campo, com a “síndrome da descrença e da desmotivação”, aproximam-se dos futuros professores com alguns clichês: “tão novo... deveria procurar outra 17 coisa”, “tão entusiasmado ... isso é coisa de quem está começando (risos)”, “aqui é bem diferente...não tem teoria que dê jeito” (...). São tantos os estímulos negativos e tão poucos os positivos, que convido você que leu os exemplos anteriores a fazer uma garimpagem reescrevendo as frases que escutaram no decorrer do seu estágio. Sobre tal tecnicismo, Pimenta (2012, p. 37) alerta que nessa perspectiva, a atividade de estágio fica reduzida à hora da prática, ao “como fazer”, às técnicas a ser empregadas em sala de aula, ao desenvolvimento de habilidades específicas do manejo de classe, ao preenchimento de fichas de observação, diagramas, fluxogramas. Mas o estágio é apenas isso, ações técnicas? Não, vai muito além disso. O estágio é uma prática fundamental na formação do profissional que atuará no magistério. A principal função dessa prática é conhecer a realidade das escolas em que atuarão no futuro. Assim, o estágio vai muito além dos conhecimentos práticos. Está mais voltado para o conhecimento teórico. Dessa forma, o licenciando poderá refletir e vislumbrar futuras ações pedagógicas. Com isso, sua formação será mais significativa quando essas experiências forem socializadas em sua sala de aula com seus colegas, produzindo discussão, possibilitando uma reflexão crítica, construindo a sua identidade e lançando, dessa forma, um novo olhar sobre o ensino, a escola, os protagonistas da educação. S U M Á R I O É fundamental a compreensão das diretrizes do estágio curricular supervisionado, que é uma etapa obrigatória dos cursos de licenciatura e uma exigência daLDB, que objetiva a aprendizagem para o aluno em formação com a permanência em instituições de educação básica para aprendizagem da prática de ensino, tendo como pressupostos do estágio a observação da prática pedagógica do profissional que já atua em um ambiente escolar institucionalizado e, em um segundo momento, a atuação compartilhada do estagiário com esse profissional já formado. 18 O estágio supervisionado, assim como qualquer outra disciplina de qualquer que seja o curso, é essencial para o processo de formação de novo profissional que estará apto a entrar no mundo do trabalho, conforme sua escolha no mundo acadêmico. No curso de Letras do IFCE de Crateús, o estágio tem carga horária de 400 horas, atendendo às diretrizes da LDB e das Resoluções do Conselho Nacional de Educação, de números CNE/CP 01/99, CNE/ CP 01/02 e CNE/CP 02/02. O estágio curricular supervisionado é a oportunidade disponibilizada aos futuros professores de conheceram a educação institucional em todas as suas facetas, através da vivência pedagógica que se tem em sala de aula, do conhecimento dos processos de gestão escolar, dos instrumentos de avaliação e do papel desempenhado por todos os atores no processo de ensino-aprendizagem, dentro e fora da instituição escolar. Sobre esse processo, Freire (2005, p. 79) deixa claro que o educador já não é o que apenas educa, mas o que enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos de autoridade já não valem. Em que, para ser, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra ela. Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. A consciência do nosso trabalho no estágio é também orientada pela necessidade constante de diálogo com os alunos, considerandoos como sujeitos ativos no processo educativo, inspirados pela concepção libertadora de educação defendida por Paulo Freire, de modo a possibilitar a autonomia dos educandos e sua inserção crítica na sociedade. S U M Á R I O 19 Conforme as diretrizes dos cursos de licenciatura no Brasil, a disciplina de estágio é obrigatória para formação de professores e sua proposta inicial é colocar o futuro educador em contato com o contexto real da escola. Portanto, o estágio é a ponte de acesso entre a teoria adquirida no espaço da universidade e a prática pedagógica na escola que é a interação máxima entre autores, atores e cenário. Essa integração entre teoria e prática permite ao estagiário perceber as especificidades e as dimensões da realidade escolar, onde vários elementos interagem em um dinamismo único, onde cada ser é ímpar e cada sala é uma unidade do todo e nunca será homogênea. Isso possibilita compreender a sala de aula como espaço permanente de pesquisa, ação e inovação da prática pedagógica, onde vários personagens em suas especificidades buscam a excelência no processo. O estagiário tem o estágio como base para promover a interdisciplinaridade construída no decorrer das aulas do curso. Nesse momento, a práxis torna-se indispensável, uma vez que fará jus ao conteúdo estudado, colocando-o em exercício. De acordo com Selma Garrido Pimenta (2009, p. 34): (...) o estágio tem de ser teórico-prático, ou seja, que a teoria é indissociável da prática. Para desenvolver essa perspectiva, é necessário explicitar os conceitos de prática e de teoria e como compreendemos a superação da fragmentação entre elas a partir do conceito de práxis,o que aponto para o desenvolvimento do estágio como uma atitude investigativa, que envolve a reflexão e a intervenção na vida da escola, dos professores, dos alunos e da sociedade. S U M Á R I O Haja vista que o trabalho docente é parte integrante do processo educativo onde teoria e prática se confrontam, aproximam-se e interagem. Possibilitando reflexões e percepções das contribuições e alinhamento da disciplina de didática, quando nos possibilita conhecer as diferentes tendências pedagógicas e as contribuições das 20 demais disciplinas pedagógicas para formação profissional. Assim, “a formação profissional é um processo pedagógico, intencional e organizado, de preparação teórico-cientifica e técnica do professor para dirigir o processo de ensino” (LIBANEO, 1994, p. 27) O Estágio de Regência/docência possibilita aos futuros professores em processo formativo a compreensão das ações praticadas dentro da instituição de ensino, percebendo a realidade e mediando o conhecimento, como também questionar sobre o que queremos em nossa preparação profissional. Visto que formar docente indica caminhos interdisciplinares, o que não se esgota, nem isola a formação em si mesma. Portanto, o “estágio supervisionado contribui para uma experiência importante nas atividades que os alunos deverão usar durante o curso de formação junto ao futuro campo de trabalho” (PIMENTA, 2009, p. 21). O estágio é a prática fundamental nos cursos de licenciaturas, porque tal atividade promove oportunidades de vivenciar na prática todo conteúdo visto em sala de aula como, embasamentos teóricos, desafios e dificuldades da pratica docente. Segundo Pimenta e Lima (2004), “o estágio é o eixo central na formação de professores, pois é através dele que o profissional conhece os aspectos indispensáveis para a formação da construção da identidade e dos saberes do dia-a-dia”. É perceptível que o estágio supervisionado se constitui numa importante ferramenta de qualificação de qualquer curso de formação profissional, mas, especialmente nos cursos de licenciatura, o estágio se apresenta com maior destaque como eixo curricular obrigatório. Essa disciplina, aliada às de cunho específico de cada área, é responsável pela construção da identidade dos alunos futuros professores, dandolhes embasamento técnico-científico, bem como de posicionamento e conduta profissional. S U M Á R I O 21 O estágio deve ser encarado como espaço de enriquecimento intelecto-profissional. Nele deverão ser abordados aspectos da profissão e de como esta é absorvida pela sociedade, de qualificação, de carreira, de possibilidade de emprego, de ética, de competência e compromisso, além de espaço de instrumentalização nos campos do currículo, didática e prática de ensino. Embora a identidade do docente seja construída ao longo de sua trajetória profissional, é no processo de formação que se consolidam desejos, intenções, visões de mundo e percepção de ensino. Daí a necessidade de a universidade, professores formadores e alunos tomarem consciência do papel do estágio na formação docente, levando em consideração seu caráter técnico, social, histórico e econômico. Faz-se necessário que os programas das disciplinas de estágio supervisionado entrem em alinho com a escola e com a realidade do ensino brasileiro, lançando um olhar mais crítico e reflexivo sobre o magistério, diminuindo a distância entre as teorias desenvolvidas na academia e a prática da docência no dia a dia das escolas. Assim, a formação à docência afinar-se-ia às demandas e aos desafios da sociedade contemporânea. S U M Á R I O O educador precisa diminuir a distância entre a sua vivência pedagógica com o meio em que vive seus educandos. Tudo para que não haja um medo ou um processo em que o educando possa ser visto como um produto, pois o mais importante nisso é a troca de experiências vividas e sentidas. Quando conhecemos o outro lado do muro invisível que separa quem está escrevendo no quadro de quem está na carteira, compreendemos melhor como eles podem compreender mais. Por isso, Paulo Freire (2003, p. 61) alerta que “é fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática”. 22 Ousando seguir Freire, proponho a seguir algumas ações metodológicas que poderão contribuir ou influenciar o surgimento de outras, mas confesso que, se conseguir inquietálos, considero-me satisfeito. Tabela 1 – Proposições metodológicas para o estágio supervisionado de observação (ensino fundamental e médio) e de regência (ensino fundamental e médio) de 400 horas mínimas a partir do V semestre, entre a carga mínima e a máxima há preposições facultadas ao(a) professor(a). Ação Atividade técnica Observação Socialização da ementa da disciplina x x Proposições coletivas S U M Á R I O Indicações de leituras: Educação, LDB, Estágio, Diretrizes(BNCC), Matrizes. Ética/ Estágio Observação e regência/ profissionalização docente. Projeto/ componentes do plano de aula. Planejamento/ metodologias, pesquisa educacional, avaliação, indisciplina escolar (...) x x x x Regência x Carga horária média (60 minutos) Expectativas 4-6 Conhece a estrutura técnica da disciplina 4-8 Promover a construção coletiva de novas abordagens metodológicas 30-60 Compreender e embasar as discursões teóricas, bem como, subsidiar as práticas e consolidar o aporte teórico na realização do relatório final. 23 Leitura de artigos, capítulos, livros. (...) Análise do livro didático ensino fundamental e médio Análise da BNCC do ensino fundamental Análise da BNCC do ensino médio Leitura do PPP (Projeto Político Pedagógico da escola). S U M Á R I O Documentos normatizadores da rede estadual e municipal de ensino. x x x x x x 10-20 Ler, fichar, resumir, resenhar, construir aportes teóricos (...). 14-28 Compreender o programa PNLD, Analisar e compreender a estrutura didáticopedagógica; Criar novas possibilidades de intervenções. 6-12 Compreender as diretrizes específicas da língua portuguesa. 6-12 Compreender as diretrizes específicas da Língua Portuguesa. 6-12 Conhecer a identidade da escola, perspectivas futuras e análise da experiência democrática. 10-16 Conhecer as especificidades estruturantes das redes. 24 Apresentar os instrumentais dos estágios Observações: 1 - do espaço físico: do entorno, estruturantesadministrativos, esportivo, recreativo/lazer, banheiro, refeitório, salas de aula, biblioteca, multimeios, sala multifuncionais, (...). Observações: 2- da comunidade educativa: inserção da comunidade na escola e a função social da escola. (...). S U M Á R I O x x x x x x x 06-10 Apropriar-se dos instrumentais enquanto recurso guia prático. 08-16 Compreender a dinâmica e relações dos espaços físicos com o processo de ensino e aprendizagem (...). 08-16 Perceber como escola e comunidade interagem, bem como as relações sociais (...). Observações: 3- da gestão e órgãos colegiados: x x 10-20 Compreender que professor pode ocupar diferentes funções e cargos. Valorizando o princípio da gestão democrática. Observações: 4-da prática pedagógica (regência) na área de linguagens. x x 08-16 Perceber as relações interdisciplinares (...). 25 Observações: 5-da prática pedagógica (regência) em Língua Portuguesa Observações: 6de práticas extra sala de aula. (...) Vivência pedagógica x x x x x x x 14-28 Compreender a especificidade da língua portuguesa na prática do professor regente e diferentes relações no espaço multicultural (...). 08-16 Compreender que o processo de ensino e aprendizagem pode acontecer além das paredes da sala de aula e da constante interação entre os pares (...). 04-08 Desenvolver uma prática coletiva e mediadora, após o olhar das observações, podendo ser: temas transversais, autoestima, indisciplina (...) S U M Á R I O 26 Elabora-ção e Realiza-ção do Projeto de intervenção pedagógica. Elaboração dos planos de aula Regência na educação básica Relatório de Observação e Regência. x x x x x x x 15-30 Detectar “necessidades” educacionais e projetar ações interventivas em contra turno, como oficinas de redação, cursos voltados para as avaliações externas, gramática para concursos, sócio linguística (...). 40-80 Compreender os componentes do plano de aula, Dominar as técnicas de planejamento (...). 40-80 Desenvolver a prática de desempenho didático e experienciar a práxis pedagógica na Língua Portuguesa (...) 10-18 Consolidar as observações, vivências e experiências da prática (regência), fundamentado nos aportes teóricos (...). S U M Á R I O 27 Avaliação e considerações sobre o estágio supervisionado. Recebimento e arquivamento do relatório final. x x 04-08 Perceber a necessidade da avaliação contínua e processual, bem como, novas considerações. (...) 01-02 Subsidiará novos estagiários e será parte dos documentos avaliados pelo MEC (...) Fonte: o autor. Segundo Sacristán (1999, p. 12) citado por Pimenta (2012, p. 49), a teoria e prática são inseparáveis, elas embrincam na construção da subjetividade do professor, pois sempre vai haver um diálogo entre os conhecimentos pessoais e ação. A este respeito, também afirma Paulo Freire (1996.p. 47-48): como um professor num curso de formação docente não posso esgotar minha prática discursando sobre a Teoria da não extensão do conhecimento. Não posso apenas falar bonito sobre as razões ontológicas, epistemológicas e políticas da Teoria. O meu discurso sobre a Teoria deve ser exemplo concreto, prático, da teoria. É também no processo de estágio que começa a construção da identidade do professor. Claro que essa identidade vai muito além da prática. Ela é fruto dos conhecimentos obtidos na academia – como a influência das tendências pedagógicas –, sua posição social, seu entendimento de mundo, entre outros. No entanto, é no estágio que se começa a construção dessa identidade. S U M Á R I O 28 É nesse percurso de aprendizagem que o licenciando aprende as nuances do fazer educacional e vai, dessa maneira, identificando o melhor caminho para ser um profissional de sucesso. Nessa perspectiva, é importante saber que, segundo Paulo freire (1997, p.28), É preciso insistir: este saber necessário ao professor - que ensinar não é transferir conhecimento - não apenas precisa ser apreendido por ele e pelos educandos nas suas razoes de ser - ontológica, política, ética, epistemológica, pedagógica, mas também precisa ser constantemente testemunhado, vivido. Segundo Pimenta (2012) a construção da identidade do professor se dá na prática do magistério, porém é na sua formação que são consolidadas as opções e intenções profissionais. Além do fato que não importa a sua área de formação (Ciências Humanas, Naturais, Linguagens e Códigos ou Matemática), o conhecimento na área pedagógica é fundamental para o exercício da profissão. Pimenta (2012) ressalta que para ensinar, o professor necessita de conhecimentos e práticas que ultrapassem o campo de sua especialidade. Ou seja, a teoria não desconversa com a prática, pelo contrário, são fundamentais para existência das mesmas. Os conhecimentos e as atividades que constituem a base formativa dos futuros professores têm por finalidade permitir que estes se apropriem de instrumentais teóricos e metodológicos para a compreensão da escola, dos sistemas de ensino e das políticas educacionais. (PIMENTA, 2012, p. 102) A outra obra que se fez de grande relevância no estágio é Estágio e Docência de Selma Garrido Pimenta e Maria do Socorro Lucena Lima (2012). Suporte no qual se encontram os conceitos que considero de suma importância acerca do estágio e as bases principais que norteiam uma eficaz e proveitosa realização dos Estágios Supervisionados, elencando seus principais objetivos, incoerências e obstáculos. S U M Á R I O 29 É importante destacar que se faz necessário um constante diálogo entre as disciplinas, entre os docentes dos cursos de licenciatura, uma aproximação entre educação básica e ensino superior, uma relação dialética entre os protagonistas da educação, para que os estágios ocorram com excelência e os problemas possam ser superados a partir de avaliações e intervenções constantes. VIVÊNCIAS, REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES PONTUAIS RELAÇÃO GESTÃO ESCOLAR E ALUNOS A proposição do estágio com a gestão pressupõe a premissa de que o futuro professor poderá ocupar diferentes cargos na educação, ultrapassando os limites da sala de aula. Mesmo que “superficial”, compreender que a escola enquanto instituição educacional também é gerenciada por outros cargos técnicos e que se relacionam entre si. Além disso, perceber que o profissional do magistério poderá ocupar cargos e funções distintas de forma acumulativa ou correlatas. Diante disso, vamos percebendo aos poucos que a sala de aula e a escola não são ilhas, no mínimo se configuram como arquipélago. Outras observações também poderão ser realizadas: o tipo de gestão; as diferenças e semelhanças ao adotar um tipo de gestão; a relação entre o núcleo gestor, gestão e os professores; gestão e os estudantes; gestão e comunidade do entorno e, ainda, a função social da escola. S U M Á R I O 30 Para análise do modelo de gestão da escola, faz-se necessário entender a conceituação do Projeto Político Pedagógico (doravante PPP), concebido como um dos instrumentos de gestão escolar obrigatórios, previsto nos artigos 12, 13 e 14 da LDB, que espelha a proposta educacional da escola e que deve ser elaborado coletivamente com a participação de todos os profissionais da educação e da comunidade escolar, os quais também se envolvem com a execução dos objetivos propostos. Na LDB, Artigo 12, Incisos I a VII, estão as principais delegações que se referem à gestão escolar no que diz respeito às suas respectivas unidades de ensino, apontamos a incumbência I para explicitar os princípios que norteiam a gestão escolar: - elaborar e executar sua proposta pedagógica; [...]. ANÁLISE DO PPP É necessário perceber a importância da proposta pedagógica enquanto bússola da escola, e esta por sua vez deve ser estruturada a partir do processo de construção coletiva dos órgãos colegiados, onde o diálogo faz parte da construção social. A elaboração de um PPP sem dúvida é um passo fundamental e importante para nortear os objetivos de uma unidade de ensino. Nessa perspectiva, se faz importante a participação de toda comunidade escolar na construção desse documento que pode proporcionar ao educando uma formação sócio-político e cultural fundamentada numa aprendizagem significativa possibilitando sua ascensão social. S U M Á R I O Podemos considerar e talvez até afirmar que seja consenso que “o trabalho docente é uma atividade consciente e sistemática, em cujo centro está a aprendizagem ou o estudo dos alunos sob a direção do professor” (LIBÂNEO, 1994, p. 222). Sendo assim, o planejamento se 31 faz essencial e indispensável nesse processo, sendo o PPP o ponto norteador em todas as ações do professor. Todavia, podemos entender por comunidade escolar todas as pessoas que participam direta ou indiretamente do processo educacional de qualquer unidade de ensino. Assim, esses participantes vão desde os gestores, funcionários e alunos até a comunidade em geral. Por isso, o PPP é considerado um instrumento democrático na sua elaboração, pois nele estão contidas todas as necessidades, particularidades e subjetividades inerentes ao processo de ensino daquela instituição que o produz. Diante do exposto, podemos caracterizar, de forma geral, o PPP de acordo com a definição proposta pelo Projeto Vivencial (2018, p.1) que diz: O Projeto Político-Pedagógico (PPP) deve se constituir na referência norteadora de todos os âmbitos da ação educativa da escola. Por isso, sua elaboração requer, para ser expressão viva de um projeto coletivo, a participação de todos aqueles que compõem a comunidade escolar. Todavia, articular e construir espaços participativos, produzir no coletivo um projeto que diga não apenas o que a escola é hoje, mas também aponte para o que pretende ser, exige método, organização e sistematização. Esse projeto, por ser construído coletivamente, possui uma dimensão política, já que as intenções pedagógicas da escola e os passos que serão dados para sua consecução são frutos de uma ação construída em conjunto pela escola e por toda a comunidade escolar, como ensina Demerval Saviani: “A dimensão política se cumpre na medida em que ela se realiza enquanto prática especificamente pedagógica” (SAVIANI, 1983, p. 93). Já Veiga (2001, p. 13) explica que o PPP tem a dimensão pedagógica porque prevê as ações educacionais e procedimentos S U M Á R I O 32 didáticos que serão efetivados por todos que participam da ação educativa na escola e na comunidade. Na dimensão pedagógica reside a possibilidade da efetivação da intencionalidade da escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo. Esta dimensão é pedagógica, no sentido de definir as ações educativas e as características necessárias às escolas de cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade. Em diversos momentos durante os estágios de observação (na educação básica: fundamental e médio), é possível perceber as diferentes construções de PPP, ora construído democraticamente, ora construído por técnicos das instituições que representam o poder executivo, ora acompanhado e avaliado constantemente, ora arquivado e visitado quando solicitado por um estagiário ou por técnicos. Diante das observações, algumas inquietações surgem, segundo o grupo gestor, o PPP está em fase de atualização, mas que eles ainda o usam desatualizado como base. Porém surgem os questionamentos: As necessidades da escola em 2014, por exemplo, são as mesmas de 2018?; O PPP foi construído a partir da participação da comunidade, mas como se dá o acompanhamento da comunidade se ela só participa esporadicamente das reuniões de pais? Citamos alguns aspectos ilustrativos das observações realizadas por estagiários expostos nas rodas de conversas e registrados nos relatórios como parte das experiências observadas, que a partir do olhar do observador, novos questionamentos vão surgindo, enquanto outros vão sendo respondidos. S U M Á R I O É importante salientar que o PPP de uma escola deve sempre estar atualizado com as concepções de ensino, objetivos e estratégias que estão vigorando no atual momento da instituição, pois assim pode ser executado como maior êxito o plano de desenvolvimento educacional das unidades de ensino. 33 Segundo Libâneo (1994, p. 230), o PPP pode ser sintetizado como: plano pedagógico e administrativo da unidade escolar, onde se explicita a concepção pedagógica do corpo docente, as bases teórico-metodológicas da organização didática, a contextualização social, econômica, política e cultural da escola, a caracterização da clientela escolar, os objetivos educacionais gerais, a estrutura curricular, diretrizes metodológicas gerais, o sistema de avaliação do plano, a estrutura organizacional e administrativa. Guardadas as proporções, em geral, esses pontos elencados por Libâneo podem ser encontrados no PPP da escola. Segue um ponto a considerar na análise no PPP da escola: a finalidade. Esta proposta pedagógica tem como finalidade reavaliar e reconstruir a prática pedagógica oportunizando o acesso ao conhecimento; formando alunos autônomos, críticos, responsáveis, ciente dos valores a serem vividos, tornando-se cidadãos atuantes em sua comunidade? Assim de posse do conhecimento da concepção teórica, fundamentaremos este projeto que desenvolverá a partir de momentos que se registrou a conclusão de cada um deles. O ESTÁGIO COMO INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA S U M Á R I O A ideia de vivência pedagógica nasce como proposta de fortalecer o estagiário que não teve nenhum contato com sala de aula e apresenta dificuldades para experienciar a prática de ensino escolar. Com isso, após observar a escola e a sala de aula, retornam para a roda de conversa e expõe suas percepções, posteriormente subdivididos em grupos elaboram um projeto de intervenção com carga horária máxima de 30 horas e, em especial, quando realizada em um único dia, tornando a vivência imediata e com avaliação interventiva que poderá dar origem ao projeto de intervenção que por sua vez passará 34 a ter uma carga horária mínima de 10 horas e poderá ser desenvolvido em diferentes formatos metodológicos: oficina, minicurso, aulas de campo, entre outras ações pedagógicas diferentes da rotina escolar. Em ambas as atividades, estabelecemos um diálogo e questionamentos em torno dos temas transversais e das avaliações externas e, como a disciplina de estágio supervisionado acontece no contexto do curso de Letras, podem dialogar na elaboração de projetos micros de “vivência pedagógica” ou projetos mais elaborados e duradouros “projeto de intervenção”? A resposta para as indagações nasce na construção dos projetos coletivos, no desenvolvimento das atividades planejadas e posteriormente nos resultados do processo avaliativo. Assim, reafirmamos, segundo Pimenta (2004, p. 37) que “a prática pela prática e o emprego de técnicas sem a devida reflexão podem reforçar a ilusão de que há uma prática sem teoria ou de uma teoria desvinculada da prática”. Daí a necessidade das construções coletivas e refletidas constantemente. Sendo o estágio uma das atividades de transformação da realidade Pimenta (2004, p. 45) afirma que nesse sentido, o estágio curricular é uma atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo, e intervenção na realidade, esta, sim, objeto da práxis. Ou seja, é no contexto da sala de aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade que a práxis se dá. É notório que a partir das ações desenvolvidas nas vivências, os estagiários apresentam e se encontram mais fortalecidos para as próximas etapas, em especial a regência. Outro aspecto positivo é a utilização das metodologias ativas na construção dos projetos e na efetivação do tripé acadêmico – ensino, pesquisa e extensão - que sutilmente são consolidados nas vivências. S U M Á R I O 35 ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO Sabemos a grande importância do livro didático como recurso pedagógico para auxiliar o professor no processo de ensino e aprendizagem. Diante disso, a disciplina de Estágio de Observação do Ensino Fundamental e Médio possibilita um exercício prático de análise desse material pelos futuros docentes, para traçarmos nossas impressões e avaliações sobre esse material de ensino. Os Parâmetros Nacionais Curriculares (PCN’s) já apontam para a importância do livro didático na formação dos alunos e auxílio aos professores. Dessa forma, o documento ressalta que para cumprimento de tal tarefa é importante sabermos que: O livro didático é um material de forte influência na prática de ensino brasileira. É preciso que os professores estejam atentos à qualidade, à coerência e a eventuais restrições que apresentem em relação aos objetivos educacionais propostos. Além disso, é importante considerar que o livro didático não deve ser o único material a ser utilizado, pois a variedade de fontes de informação é que contribuirá para o aluno ter uma visão ampla do conhecimento. (BRASIL, 1998, p. 67) Somos sabedores de que o livro didático não pode ser o único recurso didático, embora muitas vezes seja utilizado como exclusividade, daí tamanha importância na atividade de análise, tendo como base instrumental as indicações sugeridas no Portal do MEC, as entrevistas com os professores e ou técnicos das secretarias de educação, para compreender como acontece o processo de aquisição. Além das preocupações anteriores, devemos instigar no estagiário e futuro docente, para a ênfase didático-pedagógica inserida no livro didático, a análise organizacional da gramática normativa, da estrutura linguística, as relações interdisciplinares, as concepções ideológicas, S U M Á R I O 36 o combate a qualquer forma de discriminaçãoe, principalmente, a compreensão de currículo multicultural e integrado a vida. OBSERVAÇÃO DO ENCONTRO PEDAGÓGICO O encontro pedagógico é o espaço de aproximação e participação do grupo profissional da escola e tem como objetivo principal tratar de assuntos relevantes para o desenvolvimento do trabalho docente na sala de aula e na instituição educacional, através de projetos diversos e interdisciplinares. Esse trabalho vai desde a postura do professor até seu modo de planejar e agir diante das adversidades encontradas no ambiente escolar. Os encontros se pautam em diferentes contextos, dependendo do período, núcleo gestor e escola. Atividades diversas são desenvolvidas, desde o estudo de vídeos motivadores, materiais que visavam a tentar passar para o docente o desafio e o prazer do processo de ensino. É importante destacar a participação do estagiário enquanto observador, onde ele passa a compreender que o núcleo gestor é par profissional do docente, que a sala de aula do coordenador pedagógico é constituída pelos pares, que mais uma vez a sala de aula se apresenta como heterogênea e que um dos grandes desafios do docente é mediar e intervir em proposições que contribuam com a formação contínua dos profissionais docentes. S U M Á R I O Como ponto de convergência entre os professores e profissionais dessa instituição, percebemos que, segundo o disposto por “eles/ estagiários”, era momento de uma mudança de postura, avaliar os pontos positivos e negativos do ano anterior para com isso traçar novas estratégias e metodologias de ensino que conseguissem despertar o interesse dos alunos, pois, segundo o discutido, há certa 37 desmotivação por parte dos alunos nas aulas, assim, é necessário tentar uma nova abordagem nas relações de ensino e aprendizagem. É importante salientarmos que esses momentos classificados aqui como observatório no estágio são extremamente importantes para o estagiário, porque é através desses que se consegue entender as atividades de uma instituição de ensino em seus diversos âmbitos de atuação que não se resume a sala de aula, mas todos os ambientes internos e externos, inclusive a comunidade do entorno que, de forma subjetiva, está representada nos depoimentos dos profissionais da instituição escolar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebe-se que o distanciamento da teoria e prática são gritantes no sistema educacional atual, sendo que isso não deveria acontecer, pois, como cita Pimenta (2012), as duas devem andar lado a lado. E ainda, parafraseando Guimarães Rosa que afirma não saber de muita coisa, mas desconfia de quase tudo, é oportuno afirmar que este artigo buscou inquietá–los através de relatos de experiências vivenciadas e refletidas ao longo dos anos como professor de estágio supervisionado. Além disso, buscou genuinamente apresentar algumas proposições metodológicas que poderão ser aplicadas e ou adaptadas posteriormente. A experiência com o estágio possibilitou o desenvolvimento de uma compreensão crítica sobre o processo de ensino, sendo muito mais do que uma etapa obrigatória da formação de professores de educação básica, passando a integrar o corpo de conhecimento do curso, superando a perspectiva de ser apenas um apêndice do curso S U M Á R I O 38 de Letras, aproximando a teoria da realidade prática, permeando todas as disciplinas do curso de formação de professores. O estágio supervisionado representou para minha formação continuada muito mais do que o simples cumprimento de exigências profissionais, já que trouxe também grandes possibilidades de crescimento pessoal e profissional e criou inúmeras situações que promoveram a integração entre a escola de ensino superior e a educação básica, a escola-campo e a comunidade escolar. As atividades do estágio criaram inúmeras possibilidades de identificar novas e variadas estratégias pedagógicas para superação de problemas, muitos deles imprevistos, favorecendo-me o desenvolvimento das potencialidades de sociabilidade, de criatividade, de espírito crítico, de raciocínio lógico e de inteligência emocional para lidar com situações educativas inusitadas. Como a teoria, dissociada da prática, não tem significação para o trabalho do futuro professor, o estágio supervisionado possibilita a compatibilização da teoria com a prática, uma ressignificando a outra, contribuindo para que eu possa ser um profissional reflexivo e contínuo pesquisador. É uma experiência singular na vida do futuro docente e na construção da identidade do regente da disciplina de estágio supervisionado. Por meio deste, podemos perceber as particularidades do processo de ensino e aprendizado, pois somos responsáveis por ser dentro da sala de aula um agente facilitador do processo de ensino e aprendizagem. Podemos constatar também as nuances e percepções de todos os envolvidos no processo de ensino. S U M Á R I O É nesse momento que temos a chance de verificar como se constrói um espaço de produção de conhecimento sob a prática pedagógica desenvolvida no cotidiano escolar e nos aproximar da realidade da escola, percorrer caminhos de via dupla entre a instituição de ensino superior e a educação básica, possibilitando compreender melhor e superar os desafios e dilemas que devemos enfrentar enquanto profissionais da educação. 39 É também uma oportunidade de conhecer as condições de trabalho enfrentadas pelos profissionais da educação básica, os recursos didáticos existentes e seu uso para melhorar a prática pedagógica, sendo muito mais do que uma etapa obrigatória da formação de professores de educação básica, passando a integrar o corpo de conhecimento do curso. Além disso, superar a perspectiva de ser apenas um apêndice do curso de Letras, aproximando a teoria da realidade prática, permeando todas as disciplinas do curso de formação de professores. Numa incansável busca pela superação das dificuldades de aprendizagem dos alunos, e assim enfrentar de forma crítica e consciente os desafios que a futura profissão nos oferece. Não há como construirmos uma identidade e uma postura profissional no magistério sem que se proporcione aos licenciandos essa aproximação com a prática docente encontrada no estágio. Ou seja, não haveria como os estagiários testarem seus conhecimentos teóricos transpondo-os à ação de ensinar; enfrentando todos os obstáculos e desafios cotidianos aos quais essa ação se submete no contexto escolar básico brasileiro. Proposições aqui apresentadas têm o objetivo de desenvolver atividades que possibilitem o conhecimento, a análise, a reflexão do trabalho docente, das ações docentes, nas instituições, a fim de compreendê-las em sua historicidade, identificar seus resultados, os impasses que apresenta as dificuldades. Dessa análise crítica, à luz dos saberes disciplinares, é possível apontar as transformações necessárias no trabalho docente, nas instituições e, consequentemente, na sociedade. S U M Á R I O Por fim, fica a reiteração da importância do estágio para o desenvolvimento de capacidades que vão além do que vemos teoricamente, fomentando, assim, o profissional que queremos ser e as possibilidades de construções coletivas que são basilares, alicerçantes, sólidas, para que obtenhamos êxito nos desafios futuros: 40 a efetivação da educação cidadã, sociedade menos competitiva e estratificada, e, principalmente, mais democrática e empática. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. _______. Ministério de Educação e Cultura. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996. _______. MEC. CNE. 1998a. Parecer CEB 04/98. 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Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 47-48. ________. Escola e democracia. 31 ed. Campinas: Autores Associados, 1997. ________. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. ________. A pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2003. S U M Á R I O ________. Pedagogia do Oprimido. 40ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. p. 79. 41 IMBERNON, Francisco. Formação docente e profissional - formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2001. INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ - IFCE CAMPUS DE CRATEÚS. Projeto Pedagógico Curso de Licenciatura em Letras. 2017. Disponível em:<http://ifce.edu.br/crateus/menu/cursos/ superiores/licenciatura/letras/pdf/projeto_pedagogico_de_letras____2015_ pdf.pdf/view> Acesso em: 06 jun. 2019. LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública - a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: edições Loyola, 1990. _________.Didática. São Paulo: Cortez, 1994. PIMENTA, Selma Garrido. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2004. _________. Estágio e docência / Selma Garrido Pimenta, Maria Socorro Lucena Lima; revisão técnica José CerchiFusari, - 7. ed – São Paulo: Cortez, 2012. PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e Docência. (Coleção docência em formação. Séries saberes pedagógicos). São Paulo: Cortez, 2009. PROJETO VIVENCIAL. Projeto Político-Pedagógico: dimensões conceituais. 2018.Disponível em http://escoladegestores.mec.gov.br/site/2-sala_projeto_ vivencial/pdf/dimensoesconceituais.pdf. Acessado em 22 jun. 2019. SACRISTÁN, José Gimeno. Poderes instáveis em Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. ___________. O que é uma escola para a democracia?. In: Pátio. Revista Pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, ano 3, nº 10, ago./out. 1999, 1999. p. 12. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 4ª. ed. 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O objetivo deste artigo é apresentar propostas metodológicas para o ensino de língua portuguesa, especialmente do léxico com o devido tratamento funcional, para aprendizagem crítica e reflexiva. Para isso, apresentaremos dois aspectos do léxico: as suas características formais e a capacidade que ele detém de representar significados culturais em diferentes contextos. Esperamos que a leitura deste texto colabore com a prática docente, para o ensino da língua como instrumento de crítica e emancipação dos alunos, como posto nos documentos oficiais da educação brasileira. S U M Á R I O Palavras-chave: Metodologias de ensino; Funcionalismo; Léxico; Língua portuguesa. 44 INTRODUÇÃO Para o sucesso da tarefa de ensinar, a prática docente deve fundamentar-se em um posicionamento teórico do professor que seja capaz de revelar os pressupostos teóricos assumidos por ele e as concepções de linguagem adotadas para o tratamento conferido ao conteúdo de ensino nas aulas de língua portuguesa. O que se tem verificado, contudo, em muitos livros didáticos e gramáticas da língua portuguesa é uma proposta prescritivista que não prioriza no ensino a produção de sentidos. Isso demonstra que as concepções teóricas sustentadas por tais práticas contrariam as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998), que propõem a superação das metodologias artificiais pautadas em classificações e categorizações da língua. As práticas anteriores a esses documentos de referência dão a “impressão de que ainda se passa conhecimento pronto quando o assunto é educação léxico-gramatical” (ROMERO, 2010, p. 340), pois se fundamentam numa concepção de unidade linguística portadora de um significado absoluto. Nesse sentido, defende-se aqui que as atitudes do professor na vivência com a língua e as suas práticas de ensino precisam ser constantemente atualizadas para o aperfeiçoamento da relação que ele mantém com a prática profissional e a fundamentação teórica que a orienta. Tudo isso se justifica pelo fato de que o homem se constitui como tal pelos processos de elaboração e reelaboração da linguagem; por sua vez, a língua não tem materialidade fora da atividade humana. S U M Á R I O Por essas razões, é fundamental trazer para o centro das discussões pedagógicas de ensino de língua materna uma abordagem que leve em consideração um trabalho de contínua reflexão acerca do funcionamento da língua, para superar a crença de que unidades 45 linguísticas são dotadas de conteúdos próprios, autônomos e fechados, independente dos contextos de ocorrência da interação verbal. Se se admite que o sentido de uma palavra é determinado pelo uso que se faz dela e que só se sustenta por meio de uma atividade real de interlocução e não por palavras descontextualizadas em estado de dicionário, não se pode validar, na prática docente, modelos de categorização de linguagem submetidos a regras de memorização de conceitos, como se os sujeitos fossem incapazes de ressignificar as realidades em que estão inseridos, através da criatividade na linguagem. Com base nessa exposição inicial, este texto pretende apresentar estratégias para o ensino do léxico da língua portuguesa, recorrendo a pressupostos do Funcionalismo, que concebem a língua como uma prática social em que se verbalizam desejos, sentimentos, crenças, culturas e identidades de diferentes grupos nos mais variados contextos de interação. SOBRE O CONCEITO DE LÍNGUA Na atualidade, é fácil apresentar situações em que se depende da língua nas interações sociais do cotidiano. Todavia, pelo hábito de convivência com as características e o funcionamento dela, talvez nem sempre sejam percebidas todas as suas possibilidades de uso. S U M Á R I O A língua é uma criação social dinâmica, portanto, em torno dela, está a comunicação entre as pessoas em uma sociedade, para expressar sentimentos, informar fatos, convencer outra pessoa de algo, registrar um momento, uma descoberta, uma pesquisa ou uma conquista, descrever uma cultura, entre outros. A língua existe para a comunicação, e todo enunciado estabelece contato do emissor com 46 seu interlocutor. E é justamente essa a dimensão da importância social da língua. Logo, o homem reage linguisticamente aos acontecimentos. É pela interação entre os indivíduos que se estabelece a cultura de uma sociedade, em sentido amplo, ou de um específico grupo social, em sentido restrito. Este é o princípio da relação entre a língua e a cultura. A propósito desse tema, Pamies Bertrán (2012, p. 346) expressa que: A relação entre língua e cultura não é uma ideia nova: Humboldt (1820) falava da língua como espelho do Espírito da nação, para dizer, mais ou menos, que cada nação tem uma “mentalidade” que estaria refletida na língua. Mais tarde, o relativismo linguístico de Sapir (1921) reforçou essa relação só que ao avesso do que era para os nacionalistas românticos: a “mentalidade nacional” virou o fruto, ou a consequência da língua, em vez de ser sua causa. A identidade de uma região ou de um grupo social é marcada, em especial, pelas tradições culturais, e, nesse sentido, a relação entre língua e cultura se estende do conceito de língua como lugar onde se registram as manifestações culturais do homem até a concepção de que a palavra é portadora de visões de mundo, logo um meio de acesso à cultura. Para ratificar a intensidade da relação entre cultura e língua, Sapir (1980, p. 165) afirma que “a língua não existe isolada de uma cultura, isto é, de um conjunto socialmente herdado de práticas e crenças que determinam a trama das nossas vidas”. Das práticas a que se refere Sapir, destaca-se a interação linguística entre os homens, fundamentada no léxico que lhes é comum em um determinado espaço. Esse nível da língua [o léxico] armazena e representa as experiências culturais de cada grupo social. S U M Á R I O É nesse sentido que se faz necessário compreender a língua, a cultura e a identidade, observando as realizações lexicais apresentadas 47 em contexto histórico e regional. Com isso, o estudo do léxico de uma língua conduz ao conhecimento da história, e os diversos aspectos da cultura de um povo podem ser discutidos a partir de um estudo lexical. De acordo com esse pensamento, as realizações lexicais, sobretudo aquelas relativas a atividades sociais, contribuem significativamente para a compreensão da cultura de um povo como forma de construção de uma identidade específica ou regional. Já a cultura pode ser expressa pelo léxico, possibilitando a criação de uma identidade. A Linguística do século XX é fortemente marcada pela concepção estruturalista da linguagem. Foi a partir dos estudos de Saussure (Curso de Linguística Geral, de 1916) que surgiram noções fundamentais para a linguística daquele século, referentes a sistema, estrutura e função. Nesse pressuposto, a análise linguística estava, então, restrita à rede de dependências internas em que se estruturam os elementos da língua. A primeira expressão de trabalhos relevantes a respeito dessa tendência dos estudos linguísticos foi o Círculo Linguístico de Praga, a partir de 1928. No entanto, o que predominou entre os linguistas de Praga foi o pensamento de que a língua deve ser entendida como um sistema funcional, no sentido de que é utilizada para um determinado fim1. Logo, o Círculo se dividiu em dois polos, conforme a ênfase dada à análise linguística, a saber: S U M Á R I O 1. Polo formalista – a análise dá ênfase à forma linguística, e a função fica em plano secundário. 2. Polo funcionalista – neste, a função que a forma linguística desempenha no ato comunicativo tem papel predominante. 1 Para aprofundamento dessa questão, indica-se Marçalo (2002), Capítulo 1 – Princípios teóricos do funcionalismo (Filiações e divergências). 48 A este texto interessa particularmente o polo funcionalista, por razões a serem apresentadas a seguir. O chamado polo funcionalista caracteriza-se pela concepção da língua como um instrumento de comunicação, que, como tal, não pode ser analisada como um objeto autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a pressões oriundas das diferentes situações comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gramatical. A tendência, com o tempo, é a diminuição da polaridade conceitual entre estruturalismo e funcionalismo linguísticos, pois, como afirma Marçalo (1992, p. 105), “A própria estrutura de uma língua não é senão um aspecto do seu funcionamento; uma mudança na estrutura evidencia a realidade da evolução”. Conforme esse pensamento, o que hoje se conhece como desvios à gramática normativa não são casos fortuitos: na diversidade de usos da língua, eles constituem tendências consequentes da necessidade de comunicação e, portanto, uma rica fonte de estudos linguísticos. Entre esses recursos da língua, estão, por exemplo, os culturemas (ou palavras culturais), que não figuram na gramática normativa, contudo são produzidos e circulam em diferentes espaços sociais e constituem estruturas linguísticas dotadas de motivação cultural que permitem aos indivíduos de um determinado grupo ou região reconhecerem-se como portadores de uma cultura específica. Como marcas de cultura, os culturemas se materializam no campo lexical da língua e são importantes como objetos de pesquisa, pois “todo sistema linguístico manifesta, tanto no seu léxico como na sua gramática, uma classificação e uma ordenação dos dados da realidade que são típicas da língua e da cultura que com ela se conjuga” (BIDERMAN, 1978, p. 80). S U M Á R I O Como colaboração aos estudos linguísticos contemporâneos e à compreensão que se deve ter da língua em funcionamento e como 49 uma construção social, o linguista romeno Eugênio Coseriu reformulou a dicotomia saussuriana língua e fala. Nas palavras de Biderman (1978, p. 17), “Para ele a oposição dicotômica não revela claramente o que, de fato, se passa na linguagem. Melhor seria propor uma oposição tríplice entre o sistema linguístico, a norma e a fala”. Fonte: Coseriu (1962; 1979) Segundo Coseriu (1962; 1979), em síntese a fala é o conjunto dos atos linguísticos realizados pelos falantes de um idioma; a norma, por sua vez, é costume, tradição continuada e reiterada no falar e no escrever de uma determinada comunidade linguística; e o sistema, por fim, é a estrutura da língua que contém apenas os elementos indispensáveis ao seu funcionamento na comunicação. Decorrente dos objetivos deste artigo, é indispensável atentar para o seguinte destaque: S U M Á R I O O que, na realidade, se impõe ao indivíduo, limitando sua liberdade expressiva e comprimindo as possibilidades oferecidas pelo sistema, dentro do marco fixado pelas realizações tradicionais, é a norma. A norma é, com efeito, um sistema de realizações obrigatórias, de imposições sociais e culturais, e varia segundo a comunidade (BIDERMAN, 1978, p. 18). 50 Com base nessas afirmações, constata-se que os culturemas, como expressões culturais motivadas, estão inseridos no campo linguístico que Coseriu denomina de norma, pois, dada a sua natureza, os culturemas são “impostos” aos indivíduos de um determinado grupo social. A aquisição (ou aprendizagem) de valores, crenças e costumes culturais ocorre através da interação social com outros indivíduos, ou com o produto de outras mentes, representantes da mesma comunidade linguística. Considerando-se o léxico da língua, percebe-se, portanto, que a aprendizagem dele é contínua, dada a sua permanente expansão. Logo, qualquer indivíduo, mesmo na idade adulta, estará sempre assimilando novos elementos léxicos, como os culturemas típicos do seu grupo social. LÍNGUA E CULTURA – A EVIDÊNCIA DO LÉXICO A linguagem é uma atividade humana universal realizada por cada falante, sempre situada na história e marcada pela cultura, por isso se afirma que ela é uma instituição (ou um fato) social. A concepção mais comum decorrente dessa definição é a de que a linguagem está determinada pela necessidade de comunicação, e que a língua, em sentido particular, impõe-se aos indivíduos, os quais isoladamente não podem criá-la nem a modificar. Coseriu (1990) afirma que essas proposições não podem ser aceitas sem reparos, visto que: S U M Á R I O Com efeito, a linguagem, mais do que ser um fato social entre outros, é o fundamento de todo o social e a manifestação primária da ‘socialidade’ humana, do ‘ser-com-outros’, que é uma dimensão essencial do ser do homem. E caráter ‘institucional’, de objetivação histórica da socialidade do homem, tem não a linguagem como tal, mas sim a língua (COSERIU, 1990, p. 38). 51 Também sobre a língua, ele faz uma advertência: Esta não se impõe ao falante, e sim, o falante a assume como própria, assumindo ao mesmo tempo a sua própria historicidade, o seu ser histórico; não é ‘obrigatória’ como imposição externa, e sim, como ‘compromisso’, como obrigação livremente assumida e consentida. Por outro lado, o falante a cria continuamente como tradição pelo fato mesmo de que a adota e a contínua (que é como se criam os fatos sociais) e sempre a modifica em alguma medida pelo fato mesmo de que a realiza no falar em circunstâncias particulares (COSERIU, 1990, p. 38). As restrições conceituais apresentadas por Coseriu a respeito das funções sociais da linguagem e da língua são bastante caras a este trabalho sobre metodologias para o ensino do léxico, pois ele e seus desdobramentos (expressões idiomáticas e enunciados fraseológicos) são herdados de geração a geração e, muitas vezes, criados ou reinventados e continuados do ponto de vista estrutural e sintático, sem prejuízo à representação simbólica e cultural que fazem de um determinado grupo de pessoas. Na relação dos sujeitos com as comunidades, encontra-se outra característica fundamental da linguagem: a dimensão intersubjetiva. Esta é dada pela alteridade do sujeito, pois ele, enquanto falante e criador de linguagem, pressupõe sempre outros sujeitos como usuários. Por outro lado, a alteridade pode ser positiva ou negativa. No primeiro caso, ela representa coesão e solidariedade entre os sujeitos, que se reconhecem como membros da mesma comunidade; no segundo, implica separação de outros, que se reconhecem como membros de diferentes grupos sociais (COSERIU, 1990). Esse autor apresenta, em síntese, a relação entre linguagem e cultura, fundamentando-a em três sentidos diferentes: S U M Á R I O (i) a própria linguagem é uma forma primária de cultura, da objetivação da criatividade humana; (ii) a linguagem reflete a cultura não linguística (...) e manifesta os saberes, as ideias 52 e crenças acerca da realidade conhecida, também acerca das realidades sociais e da própria linguagem enquanto parte da realidade; (iii) fala-se também com a competência extralinguística, com o conhecimento do mundo (...) e este influi sobre a expressão linguística e a determina em alguma medida (1990, p. 40). Cuche (1999) é outro teórico que se reporta ao vínculo estreito entre língua e cultura, para afirmar inicialmente que elas se estabelecem numa relação de interdependência: “a língua tem a função, entre outras, de transmitir a cultura, mas é, ela mesma, marcada pela cultura” (p. 94). Em seguida, ele cita Lévi-Strauss, que traz as seguintes concepções sobre esse tema: linguagem como produto da cultura (uma língua em uso em uma sociedade reflete a cultura geral da população); linguagem como parte da cultura (a língua constitui um dos elementos da cultura); linguagem como condição da cultura (é sobretudo por meio da linguagem que o indivíduo adquire a cultura de seu grupo) (CUCHE, 1999, p. 94). Para este trabalho, importa dar relevo também ao pensamento de Sapir sobre o tema: “A língua não existe isolada de uma cultura, isto é, de um conjunto socialmente herdado de práticas e crenças que determinam a trama das nossas vidas (SAPIR, 1980, p. 165). Sobre a correlação do léxico com a sociedade, Biderman afirma que: Se considerarmos a dimensão social da língua, podemos ver no léxico o patrimônio social da comunidade por excelência, juntamente com outros símbolos da herança cultural. (...) esse tesouro lexical é transmitido de geração a geração como signos operacionais, por meio dos quais os indivíduos de cada geração podem pensar e exprimir seus sentimentos e ideias (BIDERMAN, 1981, p. 132). S U M Á R I O Ao tomar essas ideias por referência, percebe-se que a palavra tem existência também psicológica e destacado valor coletivo, pois 53 é por ela que o homem exerce a sua capacidade de abstrair e de generalizar conhecimentos de caráter subjetivo. É, portanto, a palavra que tem a função de consolidar os conceitos resultantes de operações mentais, possibilitando a sua transmissão às gerações futuras. Segundo a teoria do relativismo linguístico (denominada de hipótese Sapir-Whorf), “o léxico pode ser considerado como uma categorização2 simbólica organizada, que classifica de maneira única as experiências humanas de uma cultura” (BIDERMAN, 1981, p. 133). Logo, nesse sentido, o vocabulário de uma língua é, por excelência, o domínio no qual estão codificados os símbolos da cultura. Além disso, o léxico nomeia objetos do mundo material como resultado de um longo processo de categorização, através do processo de reconhecimento das semelhanças e das diferenças entre o meio cultural e os elementos da experiência física humana, permeados sempre pela interação entre os indivíduos. Portanto, a cultura e o mundo físico dos falantes de uma comunidade serão percebidos de uma determinada maneira, conforme o seu acervo lexical, que se renova com maior ou menor frequência, de acordo com a dinâmica evolutiva do grupo social. Como argumenta Marcuschi (2004, p. 269), “o léxico não pode ser pensado à margem da cognição social”. O postulado fundamental para a compreensão das relações entre a língua e a cultura é dado por Biderman (1978, p. 80): “Todo sistema linguístico manifesta, tanto no léxico como na sua gramática, uma classificação e uma ordenação de dados da realidade que são típicas dessa língua e da cultura com que ela se conjuga”. Logo, entende-se que a compreensão do indivíduo sobre a própria realidade é, de certa maneira, influenciada pelo sistema linguístico em que ele S U M Á R I O 2 Em virtude das tantas e variadas formas como o mundo real se apresenta, Biderman (2001, p. 156) argumenta que “O processo de categorização permite-nos simplificar a infinitude da realidade tal como ela se apresenta a nossos sentidos e nos possibilita a conceptualização dessa realidade. A rigor, a categorização é um mecanismo de organização mental da informação (...)”. 54 está inserido, pois as categorias da sua língua o predispõem a fazer determinadas escolhas de interpretação do que lhe é real. Como se vê, o léxico é a estrutura linguística que, por excelência, estabelece a relação entre língua e cultura. O léxico se constitui a partir de ações sucessivas de compreensão da realidade e de categorização das experiências humanas e se materializa em signos linguísticos. Quando o homem agrupa objetos e os identifica por semelhanças e, por outro lado, discrimina-os por diferenças, ele organiza o mundo em que está imerso. Por essa estratégia de nomeação, que permite ao homem apropriar-se do real, é gerado o léxico de uma língua (BIDERMAN, 2001). Dentre as ciências que estudam o léxico, destacam-se a Lexicologia, a Lexicografia e a Terminologia. As reflexões em andamento aqui se interessam especialmente pelas duas primeiras, pois não discutem o termo técnico-científico, objeto de estudo da Terminologia. Para Abade (2006, p. 219), “A Lexicologia é a ciência que estuda o léxico em todas as suas relações linguísticas, pragmáticas, discursivas, históricas e culturais”. Conforme essa autora, a Lexicografia e a Terminologia, entre outras, são ciências afins à Lexicologia. Pontes (2009, p. 18) disserta que “A lexicologia é a disciplina responsável pelo estudo das palavras de uma língua, em discursos individuais e coletivos”. De acordo com Biderman (2001, p. 16), essa ciência “tem como objetivos básicos de estudo e análise a palavra, a categorização lexical e a estruturação do léxico”. A referida autora pondera, ainda, que a Lexicologia possui fronteiras com a semântica, a morfologia lexical, a Dialetologia e a Etnolinguística. A fim de ratificar que a Lexicologia é a ciência geral do léxico, Krieger (2010) argumenta que: S U M Á R I O os estudos de Lexicologia, ao se ocuparem de vocabulários específicos, topônimos e neologismos, contribuem, de modo 55 particular, para o conhecimento da variação linguística do português do Brasil. À variação associam-se importantes aspectos da cultura nacional, bem como das regionais, da história da língua e, consequentemente, de visões de mundo e de valores da nossa sociedade (KRIEGER, 2010, p. 169). Por sua vez, a Lexicografia se dedica ao estudo de um aspecto particular do léxico e é, segundo Hernández (1989, p. 08), “uma disciplina do ramo da Linguística Aplicada que se ocupa das questões teóricas e práticas concernentes à elaboração de dicionários”. Por isso, ela se divide em parte teórica e parte prática. A primeira, denominada de metalexicografia, abrange questões relativas ao estudo de problemas ligados à elaboração de dicionários, à crítica de dicionários, à pesquisa da história da Lexicografia, à pesquisa de uso de dicionários e ainda à tipologia (WELKER, 2004). A segunda diz respeito à elaboração de dicionários. Para Borba (2003, p. 15), a Lexicografia tem duas funções: (i) como técnica de montagem de dicionários, ocupa-se de critérios para seleção de nomenclaturas ou conjunto de entradas, de sistemas definitórios, de estruturas de verbetes, de critérios para remissões, para registro de variantes etc.; (ii) como teoria, procura estabelecer um conjunto de princípios que permitam descrever o léxico (total ou parcial) de uma língua, desenvolvendo uma metalinguagem para manipular e apresentar as informações pertinentes. A depender da natureza de uma pesquisa em sua área, a Lexicografia apresenta quatro segmentos, a saber: i) Lexicografia Pedagógica, para a prática ou estudo de dicionários voltados ao ensino de língua materna ou estrangeira; ii) Lexicografia Computacional, para a elaboração de dicionários eletrônicos; iii) Lexicografia Aplicada, para o estudo de dificuldades e estratégias sobre o uso do dicionário (PONTES, 2009); e iv) Lexicografia Regional3, para o estudo dos S U M Á R I O 3 A Lexicografia Regional estuda os regionalismos em duas vertentes, de acordo com Ahumada Lara (2007, p. 101): i) “os regionalismos e sua presença nos dicionários gerais; e ii) os regionalismos como objeto exclusivo de estudo, isto é, os vocabulários dialetais ou dicionários de regionalismos”. 56 regionalismos4 léxicos. É nesta última perspectiva em que se concentra o trabalho em curso, ao abordar em um quadro exemplificativo alguns culturemas da gastronomia cearense, pois eles revelam expressões locais registradas em dicionários de regionalismos. Os estudos sobre o léxico encontram-se bastante diversificados na atualidade e podem ser desenvolvidos em conformidade com qualquer uma das três principais correntes da linguística, segundo Abade (2006), quais sejam: S U M Á R I O i) Estruturalismo: nessa teoria, a língua é analisada em seus aspectos formal e social, e o léxico forma estruturas e subestruturas ligadas entre si por diversas características. Para esta concepção de língua, “a palavra é produtiva, ou seja, é capaz de servir como modelo analógico para formar outras, na medida em que é passível de ser decomposta” (Maroneze, 2008, p. 03). Portanto, a ênfase é na forma/estrutura do léxico. ii) Gerativismo: aqui, a língua é considerada um sistema articulado de características fonéticas, sintáticas e semânticas, e se busca conhecer a organização e o funcionamento do léxico no sistema cognitivo dos usuários da língua. Essa teoria “...encara o léxico como o acervo dos itens que o falante recolhe para a geração das unidades sintáticas” (RODRIGUES, 2015, p. 42). iii) Funcionalismo: nessa corrente teórica, a língua é investigada em seu uso social, e quanto ao léxico se deseja saber como os indivíduos empregam as estruturas em interações cognitivas e comunicativas (orais e escritas). Portanto, “Quanto à análise da palavra, os funcionalistas apelam para o contexto de emprego, 4 Na língua portuguesa do Brasil, Isquerdo (2006) chama atenção para a existência de dois tipos de regionalismos: o amplo e o restrito. O primeiro diz respeito à língua portuguesa variante brasileira ter caráter de regionalismo – mais conhecido como brasileirismo – se comparada à variante portuguesa. O segundo configura-se na variedade empregada em uma dada região. 57 para a combinação de signos linguísticos e não-linguísticos (como gesto, força elocucionária, etc.)” (LIMA-HERNANDES, 2009, p. 99-100). Em sentido mais específico, o léxico pode ser estudado, segundo essas teorias, a partir de enfoques, como: formação de palavras (com fundamentos do estruturalismo ou do gerativismo); vocabulário de especialidade (com fundamentação no estruturalismo ou no funcionalismo); e ensino de vocabulário (com base no estruturalismo e no funcionalismo) (ABADE, 2006). Vilela (1997) apresenta o léxico em duas perspectivas: a cognitivo-representativa e a comunicativa. Na primeira, o léxico é “a codificação da realidade extralinguística interiorizada no saber de uma dada comunidade linguística”. Na segunda, “é o conjunto das palavras por meio das quais os membros de uma comunidade linguística comunicam entre si” (VILELA, 1997, p. 31). Em ambos os casos, para esse autor trata-se sempre da codificação de um saber partilhado socialmente. De acordo com o exposto até aqui, vê-se que o léxico é um sistema dinâmico e instável que manifesta a história e as mudanças sociais e culturais de um povo. Essas mudanças deixam transparecer na língua os valores, as crenças, os costumes e os hábitos de uma sociedade, como os gastronômicos, cuja parte dos culturemas forma o quadro exemplificativo deste artigo. Sobre a dinamicidade do léxico, Biderman (2001, p. 15) também se posiciona: S U M Á R I O Eis por que o léxico das línguas vivas usadas pelas sociedades civilizadas vive hoje um processo de expansão permanente. No mundo contemporâneo, sobretudo, está ocorrendo um crescimento geométrico do léxico português e das línguas modernas de modo geral, em virtude do gigantesco progresso técnico e científico, da rapidez das mudanças sociais provocadas pela frequência e intensidade das comunicações e da progressiva integração 58 das culturas e dos povos, bem como da atuação dos meios de comunicação de massa e das telecomunicações. Para Isquerdo e Krieger (2004, p.11), “o léxico como repertório de palavras das línguas naturais traduz o pensamento das diferentes sociedades no decurso da história, razão por que estudar o léxico implica também em resgatar a cultura”. Portanto, a língua, a história e a cultura são indissociáveis. ESTRATÉGIAS (NECESSÁRIAS) PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Quando se pensa no ensino de língua portuguesa, é preciso conciliar proporcionalmente a abordagem gramatical e a lexical, a fim de garantir a aprendizagem significativa pelos alunos e o consequente aprimoramento da competência linguística destes. Logo, é necessário que o professor tenha a maior clareza possível do que se encontra nos documentos oficiais, nos livros didáticos e nas gramáticas da língua acerca do assunto. S U M Á R I O Nos objetivos gerais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) encontra-se referência à “ampliação do léxico e de suas respectivas redes semânticas (...)” (BRASIL, 1998, p. 32-33). Nos livros didáticos, a tradição é, ainda, apresentar o léxico associado a afixos (prefixos e sufixos) no processo morfológico da derivação (livro ˃ livrão; pé ˃ pezinho) na perspectiva da categorização, que coloca os alunos na condição de sujeitos que apenas se apropriam de um sistema dado como se fossem incapazes de formular sentidos e tecer significados mundo afora. Quanto aos significados que os afixos podem expressar, ainda é reduzido o número de manuais didáticos que exploram a capacidade que eles têm de, associados a uma palavra lexical, veicular 59 concepções para muito além da ideia de tamanho. A propósito, veja-se, por exemplo, que ‘portão’ não tem como referente uma porta grande e que ‘cartão’ não expressa a concepção de carta grande. Entre as gramáticas normativas, parece ainda predominar a estratégia de expor listas com afixos, especialmente os de origem grega e latina, com a respectiva classificação estrutural para formas analíticas e sintéticas, como ‘muito difícil’ e ‘dificílimo’, respectivamente. Uma das exceções a essa proposta de trabalho é Rocha Lima (2000), pois apresenta léxicos que, auxiliados por afixos, assumem sentido metafórico, como ‘lanterninha’ e flanelinha’. Para que o ensino de língua portuguesa de fato seja impactado produtivamente pelas concepções de funcionalismo linguístico, é fundamental que nas práticas cotidianas de ensino os professores usem textos que possibilitem aos alunos a percepção do potencial semântico do léxico e dos elementos que os acompanham, para a configuração dos aspectos metalinguísticos, enquanto estruturas da língua; para a compreensão das cadeias semânticas, enquanto unidades portadoras de significados em diferentes contextos; e para as relações da língua com a cultura, enquanto indicadoras de práticas sociais relacionadas a crenças, costumes e tradições das diversas comunidades humanas. Defende-se aqui que, no ensino de língua portuguesa em perspectiva funcional, são necessárias as atividades de análise linguística, pois, quando se trata do estudo do léxico de uma língua natural, esse tipo de trabalho aborda as palavras lexicais e as palavras gramaticais. Contudo, todos os exercícios devem partir do texto para a ele chegar e promover diferentes reflexões sobre os usos da linguagem em contextos formais e informais de interação sócio-comunicativa. S U M Á R I O Uma estratégia didática que possibilita a realização desses propósitos é o ensino do léxico em perspectiva funcional como se tem 60 destacado, e o ponto de partida para isso é a disponibilização pelos professores de exercícios que conduzam os alunos à compreensão crítica e reflexiva a respeito dos fenômenos da língua. A seguir, e a título de ilustração do que já foi proposto neste trabalho, serão apresentados alguns exercícios acerca do ensino funcional do léxico. Eles podem ser objeto de reflexão e desenvolvimento pelos professores de língua portuguesa, no sentido de que o ensino do léxico seja permanentemente vinculado às práticas de leitura e produção textual dos mais diferentes gêneros discursivos. Proposta 1 Piada Não faltam piadas sobre hipotéticos extraterrenos e suas reações às esquisitices humanas. Tipo “o que não diria um marciano se chegasse aqui e...” Como já se sabe que Marte é um imenso terreno baldio onde não cresce nada, o proverbial homenzinho verde teria que vir de mais longe, mas sua estranheza com a Terra não seria menor. Imagine, por exemplo, um visitante do espaço olhando um mapa do Brasil e depois sendo informado de que um dos principais problemas do país é a falta de terras. Nosso homenzinho teria toda razão para rolar pelo chão gargalhando por todas as bocas. Fonte: VERÍSSIMO, Luís Fernando. Novas comédias da vida pública: a versão dos afogados. Porto Alegre: L&PM, 1997, p. 115 (fragmento). S U M Á R I O Nas práticas de leitura e escrita, o significado das palavras estabelece diferentes relações entre elas, e a aproximação semântica proporcionada pelo conhecimento do léxico empregado no texto revela os fenômenos de sinonímia, antonímia, paronímia, homonímia, hiperonímia e hiponímia. 61 O texto acima tem expressões sublinhadas para assinalar a presença de campo semântico (sequência de termos que expressam o mesmo conceito). Em situação de leitura e análise desse texto em sala de aula, é fundamental que o professor debata com os alunos as características do fenômeno linguístico representado pelo campo semântico, demonstrando a importância dele para a estruturação do texto, uma vez que usa o léxico como instrumento para a coesão e a coerência. Nessa prática, comprova-se que uma das características do léxico, quando estudado sob os pressupostos do funcionalismo, é estabelecer relações semânticas entre expressões contidas no texto em análise. Proposta 2 Esta receita vai pegar você Vaca atolada • • • • • • • • • • 1,5 kg de costela bovina ¼ de xícara (chá) de farinha de trigo 2 cebolas picadas bem finas 2 dentes de alho descascados e assados 2 tomates descascados e sem sementes, picados 1 colher (sopa) de vinagre 1 litro de água 2 colheres (sopa) de óleo 3 mandiocas descascadas e cortadas em rodelas de cerca de 2 cm folhas de salsinha fresca Modo de preparo S U M Á R I O 1. Numa tigela, tempere as costelas com sal e pimentado-reino. Salpique a farinha de trigo e misture. 2. Leve uma panela de pressão com o óleo ao fogo médio. Quando aquecer, frite as costelas, em etapas, até dourarem por todos os lados. Não amontoe as costelas no fundo da panela, para que não criem água (o que vai impedilas de adquirir o dourado). Retire da panela e transfira para um prato. 3. Refogue a cebola na mesma panela. Regue com ¼ de xícara (chá) de água e raspe bem o fundo da panela (esse fundinho é que dá 62 o sabor à receita). Junte os tomates, o vinagre e cozinhe por 5 minutos. Retorne as costelas à panela e regue com o litro de água. Tampe a panela e, após começar a apitar, conte 35 minutos. 4. Desligue o fogo e, quando toda a pressão sair, abra a panela. Se quiser acelerar, coloque a panela sob água corrente fria (ou levante a válvula com um garfo, mas saiba que isso costuma encurtar a vida útil da panela de pressão). 5. Adicione a mandioca e complete com 1 xícara (chá) de água. Deixe cozinhar por 20 minutos, mexendo de vez em quando para o fundo não queimar. Salpique folhas de salsinha fresca, pegue uma travessa grande e sirva à vontade.5 Para explorar aspectos lexicais presentes nesse gênero, o professor pode, por exemplo, iniciar o trabalho com a análise do item lexical “pegar”, contido no título Esta receita vai pegar você, e compará-lo com pegue uma travessa. Acerca do aspecto semântico, ele deve chamar a atenção dos alunos para o fato de que, na primeira ocorrência, o verbo pegar expressa uma noção abstrata (pegar pelo estômago), enquanto na segunda o sentido é concreto (segurar). A propósito dessa análise semântica, o momento é oportuno para o professor explorar com os alunos outros sentidos do verbo pegar, como nas frases abaixo: S U M Á R I O i. Eliseu pegou no sono hoje, por volta das 21h. ii. Embora alguns chamem Antônio de orelha de abano, o apelido não pegou. iii. No Ceará, os pescadores pegam no trabalho ainda de madrugada. iv. Fez tanto frio nesta noite, que às 7h da manhã o meu carro não pegou. v. Enquanto conversavam no jardim, Pedro disse à Neide: Já pensou se seu pai pega a gente! 5 Disponível em https://www.panelinha.com.br/receita/Vaca-atolada. Acesso em 25/07/2019. 63 Vale a pena também debater com os alunos o sentido das palavras salsinha e fundinho, marcadas pela presença de afixos. Outra possibilidade que atende aos princípios do ensino em perspectiva funcional é a exploração das razões pelas quais a receita recebeu o nome de Vaca atolada e as (possíveis) relações entre a receita e a palavra atoleiro. Proposta 3 Também é válido, com auxílio do dicionário e de ocorrências em diferentes gêneros textuais, investigar com os alunos a diversidade de sentidos de algumas palavras, como “cabeça”, em frases como estas, de Ilari (2002, p. 174): Este reitor foi uma das melhores cabeças que esta Universidade já viu! Beto não tinha nada na cachola. Aí, deu na telha de largar tudo e fugir. Também ele não esquenta a moringa por pouca coisa. Eu faço exatamente o que me dá na bola. Ele fez implante capilar para esconder a careca. Se ele não fosse tão cabeça-oca, não teria largado aquela chance. Proposta 4 S U M Á R I O Mais uma forma de se ensinar o léxico da língua portuguesa num viés funcional, reflexivo e crítico é explorar a relação dele com a cultura para a produção de expressões idiomáticas e de enunciados 64 fraseológicos, com base no conhecimento dos alunos acerca da cultura linguística em sua modalidade informal e metafórica. Nesse sentido, a gastronomia típica é um campo fértil para a percepção de quanto o léxico contribui para o desenvolvimento da língua em suas diversas instâncias de uso. A seguir, apresenta-se um quadro parcial6 das expressões lexicais da gastronomia popular e o desdobramento delas em expressões idiomáticas e enunciados fraseológicos (COSTA, 2019) que podem ser usados pelos professores, no enquadramento teórico que se tem defendido neste texto para o ensino do léxico da língua portuguesa. S U M Á R I O Lexias Expressões idiomáticas Enunciados fraseológicos Abacaxi Descascar abacaxi Desde a partida de João, a mãe dos meninos é quem descasca os abacaxis deles. Alfenim Cabelo de alfenim O filho de Maria tem cabelo de alfenim. Alho Passado na casca do alho Alhos com bugalhos Nesta altura, Paulo já está passado na casca do alho. Nas aulas, a professora Amélia sempre pediu aos alunos que não misturassem alhos com bugalhos. Aluá Ficar/Estar aluado Durante a comemoração de aniversário do chefe, João parecia aluado. Angu Angu de caroço Debaixo do angu tem carne Ser papa-angu A oferta de emprego pareceu a Pedro um angu de caroço. Não seja um papa-angu, Miguel! Disse Madalena. Aruá Besta como aruá Embora besta como aruá, Betina tinha admiração de muitos. 6 O quadro completo das lexias (culturemas) da gastronomia cearense encontra-se em Costa (2019). 65 Bagre Bagulho Cabeça de bagre Pelos vizinhos, Bento era considerado um verdadeiro cabeça de bagre. Engana estômago Vender/Comprar bagulho Amigos aconselhavam Pedro a não mais comer bagulho. Após a prisão de Caetano, a família descobriu que ele vendia bagulho nas ruas. Fazer baião Baião (de dois) Programa “Baião de Dois” Banana Ser banana Dar banana Pé de bater banha Banha Comer banha Quando o advogado soube do caso, fez um enorme baião. O “Baião de Dois” foi um projeto local. Ari sempre foi tratado como um banana. Naquela noite, o político deu banana aos eleitores. Dagoberto andava com pé de bater banha. Entre os amigos, Luís sempre comia banha. Batata Batata quente Plantar batatas Soltar batatas Batata da perna Na batata Esse carro é uma batata quente! Disse Luzia. Denise mandou a amiga plantar batatas. No discurso, o eleito soltou batatas. Beiju Beiju de caco Com a batida, o carro ficou em beiju de caco. Biquara Boca de biquara Para a festa, a mocinha parecia boca de biquara. Bode Como bode na chuva Amarrar o bode Boca de bode Estar/Ficar de bode Barba de bode A debutante amarrou o bode toda a noite. O acordo é como boca de bode. Como Lia estava de bode, ninguém falava com ela. S U M Á R I O 66 De maus bofes Bofe Bofes pela boca Ser bofe Cara de bolacha Bolacha Não dizer nem bolacha Telma tinha cara de bolacha. Chamado para depor, o acusado não dizia nem bolacha. Bolo Bolo fofo Dar/Levar bolo Bolo confeitado Bolo fim de festa Bolo de milho Tarcísio era mesmo um bolo fofo desde a infância. Todos os dias, Mário levava bolo da namorada. No baile, Tânia parecia um bolo confeitado. Broa Ser broa No futebol, Juca era broa. Bruaca Bruaca velha A bruaca velha não admitia que a neta namorasse o Júlio. Vamos, buchada! Buchada Ser buchada S U M Á R I O Anita era mesmo de maus bofes. Ao chegar, Antônio botava os bofes pela boca. Você é um bofe! Dizia Couto ao amigo. Ao fim das festas, Tiago dizia: Vamos, buchada! A competição foi uma buchada! Cachaça Ter uma cachaça Bruno era um sujeito honesto, mas tinha uma cachaça insuportável. Caldo Caldo de mocotó Caldo de bila Caldo da caridade Tomar caldo (Não) dá um caldo Engrossar o caldo Dizem os antigos que caldo de mocotó cura fortes ressacas. Nos primeiros contatos com o surf, o garoto tomava caldo sem parar. Afirmavam no ginásio, que o pugilista cearense não dava um caldo. Cana Quebrar a cana Ser pé-de-cana Amigo da cana Ao cair da bicicleta, Mário quebrou a cana. Amadeu sempre foi um péde-cana, diziam os pais. Canja Dar canja No bar, entregaram o violão ao músico e lhe pediram uma canja. 67 Canjica Fogo na canjica Na obra, o mestre ordenou que logo cedo tocassem fogo na canjica. Capitão Fazer capitão A criança comia somente quando a mãe lhe fazia capitão. Capote Dar/Levar/Tirar o capote Diferente do dia anterior, naquela manhã o Mário não levou qualquer capote. Carne Carne seca Carne de moita Carne do Ceará Em carne viva Unha e carne No mercado de Piracuba, facilmente se comprava carne de moita. Ao dono do açougue todos os fregueses pediam carne do Ceará. Carneiro Ser carneiro Com as decepções profissionais, Miguel tornou-se um carneiro. Carregado Comida carregada Ao sair para o trabalho, a mãe sempre recomendava aos filhos que evitassem comida carregada. Casquinha Tirar casquinha Sem noção do perigo, Amauri tirava casquinha da estagiária. Quebrar castanha Foi necessário que, no palanque, o candidato que discursava quebrasse a castanha de um eleitor. Castanha S U M Á R I O Por limitação de espaço neste capítulo, aqui se encontram apenas alguns entre os diversos itens lexicais referentes à gastronomia, contudo muitos outros segmentos, como a religião, o futebol, a política, a música popular, a fauna, a flora, etc. são profícuos em ocorrências que confirmam as relações entre a língua e a cultura. A partir deles, os professores podem discutir com os alunos e propor a eles atividades de pesquisa e produção de expressões idiomáticas e de enunciados fraseológicos, a partir dos conhecimentos que os estudantes já têm das 68 formas de expressão das comunidades em que vivem. Na sequência, devem debater os valores culturais que essas estruturas linguísticas expressam nos diferentes grupos sociais. Com esse tipo de exercício, percebe-se o quanto o léxico cultural contribui para o desenvolvimento da língua portuguesa e para o aperfeiçoamento da competência linguística dos alunos, pois se valoriza o conhecimento prévio deles e se permite o resgate da cultura linguística das comunidades. Por fim, essa metodologia de ensino contribui para a percepção de que o léxico é um sistema aberto e dinâmico que muito contribui para a aprendizagem dos alunos, enquanto usuários da língua portuguesa, para satisfazer grande parte das suas necessidades comunicativas diárias. CONSIDERAÇÕES FINAIS A discussão realizada aqui ressalta a urgência de mudança nas metodologias de ensino de língua portuguesa e destaca como exemplo o léxico e o tratamento que ele deve receber nas aulas de língua materna, em perspectiva funcional, pois esta possibilita um tratamento às unidades da língua de forma a responderem às diversas necessidades dos processos interacionais. S U M Á R I O Outra observação necessária é a de que, para que haja mudanças metodológicas e efetividade delas no ensino de língua portuguesa, os professores precisam pensar frequentemente sobre os seus percursos de formação profissional, visto que as dinâmicas da língua exigem formação profissional permanente, inclusive acompanhamento dos pressupostos legais que norteiam o ensino no país e a produção de materiais didáticos conforme as necessidades 69 específicas dos diferentes contextos sociais em que os alunos estão inseridos. É fundamental entender que o livro didático não é suficiente para o sucesso do ensino no viés funcionalista. Decorre também dessas considerações o interesse que os professores devem ter pelas tecnologias da informação e da comunicação, pois elas contribuem muito para o acesso a diferentes fontes de informação, nas quais a língua se apresenta em diversas modalidades de gêneros discursivos. Nesse sentido, interessa aos alunos que os professores lhes oportunizem conhecer objetos/ espaços pedagógicos para além do livro didático, o que confirma a vitalidade, a produtividade, a frequência de aparecimento e a complexidade estrutural e simbólica do léxico da língua. Tudo isso existe em função da aprendizagem qualitativa, reflexiva e crítica que se deve ter da língua em uso. REFERÊNCIAS ABADE, Celina Márcia de Souza. O estudo do léxico. In: TEIXEIRA, Maria C. Reis; QUEIROZ, Rita de Cássia Ribeiro de; SANTOS, Rosa Borges (Orgs.). Diferentes perspectivas dos estudos filológicos. 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Brasília: Thesaurus, 2004. S U M Á R I O 72 Capítulo 3 3 O ESTUDO DOS GÊNEROS TEXTUAIS PELA PERSPECTIVA SOCIORRETÓRICA E SUA APLICAÇÃO AO ENSINO Iray Almeida Bezerra Iray Almeida Bezerra O ESTUDO DOS GÊNEROS TEXTUAIS PELA PERSPECTIVA SOCIORRETÓRICA E SUA APLICAÇÃO AO ENSINO DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.307.73-97 Resumo: O estudo dos gêneros textuais vem despertando interesse de pesquisadoresprofessores desde a introdução dos Parâmentros Curriculares Nacionais (PCN) na prática de ensino. Em meados da década de 1990, muitos trabalhos surgiram ao mesclar o estudo de gêneros textuais aplicados ao ensino, como uma forma de reconhecer e produzir textos das mais diversas esferas. Atualmente, o documento que norteia o ensino de Língua Portuguesa, assim como as outras áreas, é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esse documento, no que se refere aos gêneros, nos indica uma amplificação desse estudo no Ensino Médio e, por conta desse documento recente, priorizamos uma breve pesquisa no presente artigo sobre essas possibilidades de ampliação no estudo dos gêneros textuais. Mostraremos aqui os pressupostos teóricos que abarcam a sociorretórica (SWALES, 1990) para exemplificar um modelo de aplicação de gênero exemplificado por meio do gênero ensaio, uma vez que o BNCC nos indica uma ampliação e qualificação dos estudantes no que diz respeito à pesquisa. S U M Á R I O Palavras-chave: Gênero Textuais; Sociorretórica; Ensino; Base Nacional Comum Curricular. 74 INTRODUÇÃO Seria de bom tom para estudantes do Ensino Médio adentrarem nos gêneros praticados na esfera acadêmica? Poderíamos dizer que essa prática de textos acadêmicos pode auxiliá-los em reflexões críticas e profundas? Tais questionamentos nos vêm à mente diante de uma situação presenciada por mim logo ao iniciar minha vida na pósgraduação: o professor pediu que produzíssemos um ensaio. Acostumados que estávamos a produzir artigos, seguimos numa linha de raciocínio parecida: vamos estruturar esse texto mais ou menos como um artigo. Ledo engano. O gênero pedido pelo professor abarcava algumas peculiaridades que não tínhamos conhecimento: que tipo de texto era esse, qual o seu propósito, sua estrutura, número de páginas, se haveria resumo, referências, citações diretas ou indiretas. Soubemos depois que o ensaio seria uma reflexão mais aprofundada de algum tema. Mas estávamos preparados ou teríamos vivência suficiente para nos aprofundar em algum tema da Linguística? Esses pensamentos vieram à tona quando refleti sobre que temática poderia explorar no Doutorado e essas inquietações tornaramse uma pesquisa. Porém, ao estudar esse gênero, percebi que, além de não ser praticado na pós-graduação, também não era comum entre graduandos. Por mais que algum professor pedisse a produção desse gênero, era com muita dificuldade que os alunos o faziam. S U M Á R I O Então, por qual motivo este artigo abarca um gênero não conhecido no meio escolar, comumente associado a grandes nomes e de circulação no ambiente acadêmico, e o atual documento norteador da área de Língua Portuguesa, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)? A resposta está no propósito do gênero ensaio, que vai ao encontro do que propõe a BNCC: a reflexão, a crítica, a argumentação desenvolvida no texto, a atuação dos alunos na sociedade. 75 Assim, temos como propósito fundamental deste trabalho uma implicação pedagógica voltada para o Ensino Médio, com o gênero ensaio. Para tanto, faremos breves considerações sobre este gênero e tomaremos como aporte teórico a abordagem sociorretórica de Swales (1990) – alguns conceitos subjacentes à teoria. Em seguida, daremos ênfase à proposta da BNCC para área de Língua Portuguesa. Por fim, esperamos traçar um modelo de aplicação pedagógica que seja viável para o professor e o estudante do Ensino Médio. Passemos, então, a algumas considerações sobre o gênero ensaio. O GÊNERO ENSAIO Quando pensamos no gênero ensaio, duas ideias podem vir a nossa cabeça: não conheço esse gênero ou, se conheço, não sei produzi-lo. O fato de esse tipo de texto nos parecer distante do que costumamos ver em sala de aula (ensino básico, ensino superior) pode ter vindo de uma “aura inalcançável”, pois vem de Michel de Montaigne o grande precursor do gênero, por meio de sua obra Ensaios, em que os três livros foram publicados entre 1571 e 1588. Ele é considerado o pai do gênero ensaio e um homme de lettres. Como o próprio Montaigne adverte ao leitor na abertura de seus Ensaios, esses textos ele escreveu para si. Sobre isso, Auerbach (2010) nos diz que em Montaigne não há nada de profissional em seus textos, falta um método, falta um público: S U M Á R I O Toda a sua atividade prática não tem nenhuma relação profissional com sua produção intelectual. Muitas vezes aquela fornece o material para seus pensamentos. Mas tais pensamentos não são de grande importância para nenhuma disciplina específica; não tem caráter jurídico, nem militar, nem diplomático, nem filológico, embora retirem de todos esses 76 campos e outros mais sua encantadora concretude. E também não são propriamente filosóficos: falta-lhes todo o sistema ou método. [...] O público dos Ensaios de Montaigne não existia, e ele não podia supor que existisse. Não escrevia para a corte nem para o povo, nem para os católicos nem para os protestantes, nem para os humanistas nem para alguma outra coletividade já existente. (AUERBACH, 2010, p.12-13). Assim, uma vez que não há método, poderia o ensaio ser considerado um tipo de obra de arte? Para George Lukács, no seu ensaio “Sobre a essência e a forma do ensaio: uma carta a Leo Popper”, define o ensaio como uma forma de arte. E se questiona: por que lemos ensaios? E a resposta vem em seguida: “muitos deles por causa dos ensinamentos, mas há também outros que oferecem atrativos bem diversos” (1971, s/p). Segundo Lukács, o ensaísta fala não apenas de imagens, livros, quadros ou poemas, mas fala da vida, algo diretamente relacionado a Montaigne. É também um texto com traços de ironia, e o autor vai além na definição: Quando escrevi a Kassner, eu já o mencionei a ele: o ensaio fala sempre de algo já formado, ou ao menos de algo que já existiu; é, portanto, próprio de sua essência não retirar coisas novas de um nada vazio, e sim apenas reordenar aquelas que já foram vivas alguma vez. E porque ele apenas as reordena, em vez de formar algo novo do informe, ele está também comprometido com elas, tem sempre de dizer a “verdade” sobre elas, encontrar expressões sobre sua essência. (1971, s/p). Essas definições sobre o ensaio parecem torná-lo mais distante do leitor, pois os ensaístas seriam os representantes da ciência da arte. Seria, então, um gênero artístico, de vida própria. Porém, essas definições de Lukács são diferentes do que pensa Adorno (2003). S U M Á R I O O filósofo Adorno, em seu texto “O ensaio como forma”, apresenta o ensaio como uma forma diferente da arte, “tanto por seu 77 meio específico, os conceitos, quanto por sua pretensão à verdade desprovida de aparência estética” (2003, p.18). Ele nos oferece várias características pontuais sobre o ensaio ao longo de seu texto (2003). Vejamos algumas a seguir: S U M Á R I O • “O ensaio reflete o que é amado e odiado” (p.16); • “O ensaio não segue as regras do jogo da ciência e da teoria organizada” (p.25); • “O ensaio suspende ao mesmo tempo o conceito tradicional de método. O pensamento é profundo por se aprofundar em seu objeto, e não pela profundidade com que é capaz de reduzi-lo a uma outra coisa” (p.27); • “Assim como o ensaio renega os dados primordiais, também se recusa a definir os seus conceitos” (p.28); • “O ensaio obriga a pensar a coisa, desde o primeiro passo, com a complexidade que lhe é própria “ (p.33); • “A descontinuidade é essencial ao ensaio; seu assunto é sempre um conflito em suspenso” (p.35); • “O que determina o ensaio é a unidade de seu objeto, junto com a unidade de teoria e experiência que o objeto acolhe” (p.36); • “O ensaio é mais dinâmico do que o pensamento tradicional, por causa da tensão entre a exposição e o exposto” (p.44); • “É mais estático, por ser uma construção baseada na justaposição de elementos” (p.44). Ao longo das trinta páginas de seu texto, Adorno apresenta ainda muitas características do gênero e, apesar de ser um filósofo (e poderíamos esperar uma leitura mais difícil de digerir), seu texto parece 78 nos dar uma luz no fim do túnel. Ainda que essas definições pareçam nebulosas para alguns, ao menos nos dá uma noção do que é o ensaio em todas as suas formas. Talvez esses conceitos auxiliaram pesquisas sobre o tema. Percorrendo outro caminho, no que tange à pesquisa sobre esse gênero, temos as contribuições de Ferragini (2011, 2015)7. A autora nos guia, inicialmente, até a origem da palavra “ensaio” que, de acordo com suas pesquisas, o termo significa “tentar”, “experimentar”. Ferragini (2011) observa que esse gênero foi amplamente difundido na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, porém sua presença no Brasil foi marcada pelo uso do gênero durante o descobrimento do Brasil e que, a partir daí, houve pouca produção, voltando apenas a ser visto entre pré-modernistas e modernistas. Em seguida, dando continuidade à sua pesquisa, Ferragini (2011) elenca as características do gênero ensaio, dentre os quais estão: S U M Á R I O • A liberdade de expressão; • Tem o objeto de estudo como foco; • Apresenta nuances de subjetividade; • Apresenta uma linguagem mais formal, por pertencer à esfera acadêmica; • Tem um círculo restrito de leitores; • Modifica-se de acordo com o contexto de produção; 7 Os trabalhos de Ferragini são a dissertação “Ensaio acadêmico: da teoria à prática em sala de aula” (2011) e a tese “Gênero ensaio: um estudo teórico e metodológico na formação docente inicial” (2015). 79 • É geralmente curto, pois apresenta um recorte de um tema e o aprofunda; • Situa-se entre a exposição e a argumentação; • Nem sempre apresenta impessoalidade; • Pode ser escrito em primeira ou terceira pessoa. As observações de Ferragini (2011), diferentes daquelas de Lukács e Adorno, parecem ainda mais pontuais e servem de “guia” para alguém que não conhece o texto. Das conclusões que podemos tirar sobre o que é esse texto, podemos apontar que o ensaio é um gênero que perpassa várias disciplinas, nas quais podemos encontrar trabalhos em História, Sociologia, Literatura. É, de fato, um gênero que apresenta certa liberdade de expressão sobre assuntos já examinados à exaustão, em que há criticidade no que está escrito. É, também, um gênero com inúmeras nuances. Concluindo nossas observações sobre o ensaio, terminamos com as palavras de Max Bense, citado por Adorno: Escreve ensaisticamente quem compõe experimentando; quem vira e revira o seu objeto, quem o questiona e o apalpa, quem o prova e o submete à reflexão; quem o ataca de diversos lados e reúne no olhar de seu espírito aquilo que vê, pondo em palavras o que o objeto permite vislumbrar sob as condições geradas pelo ato de escrever. (ADORNO, 2003, p.35-36). A seguir, apresentaremos nosso aporte teórico, a análise de gêneros sob a perspectiva de Swales (1990), que nos auxiliará posteriormente em uma implicação pedagógica voltada para o Ensino Médio. S U M Á R I O 80 A ABORDAGEM SOCIORRETÓRICA DE SWALES Inicialmente, devemos esclarecer que a perspectiva de Swales faz parte do que se chama sociorretórica, de caráter etnográfico, que, de acordo com Marcuschi (2008, p. 153): [...] analisam e identificam estágios [movimentos e passos] na estrutura do gênero. Persiste um caráter prescritivo nessa posição teórica. Há também preocupação com o aspecto socioinstitucional dos gêneros. Vinculação particular com os gêneros do domínio acadêmico e forte vinculação institucional. Maior preocupação com a escrita do que com a oralidade. Há uma visão nitidamente marcada pela perspectiva etnográfica com os conceitos de comunidade, propósito de atores sociais. Diante dessa perspectiva, Swales trabalha a análise de gêneros inicialmente para o ensino de inglês para fins específicos e, posteriormente, para a análise voltada aos gêneros acadêmicos e profissionais. Para este autor, a ideia de gênero é proposta da seguinte maneira: Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos exemplares compartilham os mesmos propósitos comunicativos. Esses propósitos são reconhecidos pelos membros mais experientes da comunidade discursiva original e, portanto, constituem a razão do gênero. A razão subjacente dá o contorno da estrutura esquemática do discurso e influencia e restringe as escolhas de conteúdo e estilo. O propósito comunicativo é o critério privilegiado que faz com que o escopo do gênero se mantenha relacionado estreitamente com uma determinada ação retórica compatível com o gênero. Além do propósito, os exemplares do gênero demonstram padrões semelhantes, mas com variações em termos de estrutura, estilo, conteúdo e público-alvo. Se forem realizadas todas as expectativas em relação àquilo que é altamente provável para o gênero, o exemplar será visto pela comunidade discursiva S U M Á R I O 81 original como um protótipo. (BIASI-RODRIGUES, HEMAIS E ARAÚJO, 2009, p.22-23).8 Para Biasi-Rodrigues, Hemais e Araújo (2009), a teoria de Swales auxiliaria os estudantes no reconhecimento dos gêneros textuais e na identificação de suas características, o que os levaria a fazer exemplares desses gêneros de maneira eficaz, incluindo, então, suas escolhas linguísticas. Conforme os autores, para a perspectiva swalesiana o contexto é fundamental para a compreensão do gênero, para que haja entendimento no ato comunicativo. Assim, Swales (1990) parte de vários campos de estudo para desenvolver sua concepção de gênero. Segundo Hemais e BiasiRodrigues (2005), Swales formalizou seus estudos por meio de quatro áreas, o folclore, os estudos literários, a linguística e a retórica, por meio dos quais ele elenca cinco características para definir gênero. Para defini-lo, Swales se baseia em cinco características: classe, propósito comunicativo, prototipicidade, lógica ou razão subjacente e a terminologia que a própria comunidade discursiva usa. Assim, na primeira característica, a classe, estão relacionados textos similares que pertencem ao mesmo gênero. Já o propósito comunicativo, um dos pontos centrais da pesquisa, para Hemais, Biasi-Rofrigues e Araújo (2009, p.21), “entende que os eventos que compõem o gênero têm em comum um propósito comunicativo”. Em relação à prototipicidade, estão relacionados aqueles textos nos quais S U M Á R I O 8 A genre comprises a class of communicative events, the members of which share some set of communicative purposes. These purposes are recognized by the expert members of the parent discourse community, and thereby constitute the rationale for the genre. This rationale shapes the schematic structure of the discourse and influences and constrains choice of content and style. Communicative purpose is both a privileged criterion and one that operates to keep the scope of a genre as here conceived narrowly focused on comparable rhetorical action. In addition to purpose, exemplars of a genre exhibit various patterns of similarity in terms of structure, style, content and intended audience. If all high probability expectations are realized, the exemplar will be viewed as prototypical by the parent discourse community. (SWALES, 1990, p.58) 82 as características do gênero mais se evidenciam e, assim, esses textos são considerados os modelos daquele gênero, os prototípicos. Em relação à lógica ou razão subjacente, essa está relacionada ao propósito comunicativo, ou, em outras palavras, se cumprem as formalidades exigidas pelo gênero mediante o propósito subjacente. Por último, temos a terminologia empregada pela comunidade discursiva, ou como ela usa essas terminologias e como percebem a organização retórica do gênero. A seguir, passemos ao conceito de comunidade discursiva. O CONCEITO DE COMUNIDADE DISCURSIVA O conceito de comunidade discursiva foi proposto por Swales em 1990 e é um dos pontos principais de seu estudo, junto ao conceito de propósito comunicativo. Sobre isso, Swales (1992) cita a concepção de comunidade discursiva: 1) Possui um conjunto de objetivos públicos comuns amplamente aceitos; 2) Possui mecanismos de intercomunicação entre seus membros; 3) Usa mecanismos de participação principalmente para prover informação e feedback; 4) Utiliza e portanto possui um ou mais gêneros para a realização comunicativa de seus objetivos; 5) Tem desenvolvido um léxico específico; 6) Admite membros com um grau adequado de conhecimento relevante e perícia discursiva. (SWALES, 1992, p.9) S U M Á R I O 83 Segundo esse modelo, Swales concebe os objetivos em comum de um grupo como definidor de uma comunidade discursiva, porém tal modelo foi alvo de críticas, uma vez que considerava situações ideais. Nota-se, também, que os membros de uma comunidade discursiva podem não pertencer apenas a uma, mas a várias, o que levaria a uma variedade de práticas sociais (HEMAIS, BIASI-RODRIGUES, ARAÚJO, 2009). Diante das críticas, Swales (1992) reformulou seu conceito sobre o tema, como se observa a seguir: 1) Uma comunidade discursiva possui um conjunto perceptível de objetivos. Esses objetivos podem ser formulados pública ou explicitamente e também ser no todo ou em partes estabelecidos pelos membros; podem ser consensuais; ou podem ser distintos mas relacionados. 2) Uma comunidade discursiva possui mecanismos de intercomunicação entre seus membros. 3) Uma comunidade discursiva usa mecanismos de participação para uma série de propósitos: para prover o incremento da informação e do feedback; para canalizar a inovação; para manter os sistemas de crenças e de valores da comunidade; e para aumentar seu espaço profissional. 4) Uma comunidade discursiva utiliza uma seleção crescente de gêneros no alcance de seu conjunto de objetivos e na prática de seus mecanismos participativos. Eles frequentemente formam conjuntos ou séries. 5) Uma comunidade discursiva já adquiriu e ainda continua buscando uma terminologia específica. 6) Uma comunidade discursiva possui uma estrutura hierárquica explícita ou implícita que orienta os processos de admissão e de progresso dentro dela. (SWALES, 1992, p.11) S U M Á R I O Em outras palavras, o novo foi acrescentado ao conceito de comunidade discursiva: há a possibilidade de interagir com novas práticas sociais, novas comunidades, novos gêneros textuais. 84 Abrem-se novas possibilidades de se identificar os caminhos para a descoberta do que é a comunidade discursiva, dependendo dos vários tipos de comunidade. A seguir, continuamos com o conceito de propósito comunicativo. O CONCEITO DE PROPÓSITO COMUNICATIVO Um dos pontos importantes da teoria de Swales diz respeito ao propósito comunicativo, um dos elementos para a caracterização de um gênero textual. Porém, em 1990, Swales já declarava que o propósito comunicativo de alguns gêneros seria difícil de definir, exatamente de acordo com o que dizia sobre o propósito não estar livres de dificuldades. Assim, Swales (2001) aponta que o propósito comunicativo não deve ser pensado como fator imediato de identificação de um gênero, o que remete a uma mudança, uma redefinição na análise dos gêneros, chamado de repropósito do gênero, de acordo com o quadro a seguir: Figura 1 – Análise de gêneros com base no texto S U M Á R I O Fonte: Askehave; Swales (2001, p.11-12) 85 Nessa primeira figura, o textual, no passo 1, estrutura, estilo, conteúdo e propósito são investigados em um primeiro momento. Logo depois, o propósito é revisto para confirmar ou definir o gênero. Na figura 2, o contexto, as etapas para identificar o gênero são maiores, e incluem a identificação da comunidade discursiva, levando em conta os valores e intenções dessa comunidade para, assim, redefinir o proposto comunicativo. Figura 2 – Análise de gênero com base no contexto Fonte: Askehave; Swales (2001, p.12) Para finalizar, Swales (2004) acredita que seria mais prudente utilizar o termo repropósito, uma vez que tanto as comunidades discursivas como os gêneros mudam, evoluem. A seguir, considerações sobre o modelo CARS. S U M Á R I O 86 O MODELO CARS (CREATE A RESEARCH SPACE) Com o intuito de verificar como os autores distribuem as informações no texto, Swales elabora sua pesquisa com base em estudos sobre introduções de artigo de pesquisa, chamado modelo CARS (Create a research space), que resultaram em quatro movimentos para a composição dessas introduções. Como esclarece Bezerra (2001, p.25), o primeiro modelo é “constituído de moves (unidades maiores) e steps (subunidades dos moves)”. Tais movimentos são apresentados a seguir: Figura 3 – Modelo CARS 1 Fonte: Swales (1984, p.80 apud BEZERRA, 2001, p.26) S U M Á R I O 87 Neste primeiro modelo, Swales apresenta quatro movimentos: o primeiro movimento (estabelecendo o campo de pesquisa) apresenta o campo de pesquisa; a segunda (sumariando pesquisas prévias) apresenta pesquisas já desenvolvidas sobre o tema; o terceiro (preparando a presente pesquisa) indica lacunas nessas pesquisas já desenvolvidas ou levanta questões sobre pesquisas prévias; e o quarto e último (introduzindo a presente pesquisa) apresenta aspectos relevantes da pesquisa. Porém, ao ser aplicado em outros gêneros, houve certa dificuldade, pois havia confusão ao separar alguns movimentos. Swales (1990), então, apresenta outro modelo, dessa vez com três movimentos e onze passos, em que há a indicação de setas, para indicar o movimento decrescente. Tal modelo é apresentado a seguir: Figura 4 – Modelo CARS 2 S U M Á R I O Movimento 1: estabelecer o território Passo 1 - Estabelecer a importância da pesquisa Passo 2 - Fazer generalização/ ões quanto ao tópico Passo 3 - Revisar a literatura (pesquisas prévias) e/ou e/ou Movimento 2: estabelecer o nicho Passo 1A - Contra-argumentar Passo 1B - Indicar lacuna/s no conhecimento Passo 1C - Provocar questionamento Passo 1D - Continuar a tradição ou ou ou Movimento 3: ocupar o nicho Passo 1A - Delinear os objetivos Passo 1B - Apresentar a pesquisa Passo 1C - Apresentar os principais resultados Passo 1D - Indicar a estrutura do artigo ou Diminuindo o esforço teórico Enfraquecendo os possíveis questionamentos Explicitando o trabalho Fonte: Hemais e Biasi-Rodrigues (2005) 88 Como podemos notar, a perspectiva de Swales pode não parecer se adequar a um modelo de gênero voltado para o Ensino Básico, uma vez que sua pesquisa abrange gêneros acadêmicos. Porém, acreditamos que, ao utilizarmos o modelo CARS como guia, podemos apresentar um modelo mais didático, já que a própria teoria nos permite modificações nos chamados movimentos. Assim, ao nos apoiarmos na flexibilidade dos movimentos, buscaremos adequar o gênero ensaio dentro do contexto de uma sala de aula do Ensino Médio. Assim, com os breves esclarecimentos sobre a teoria norteadora, passamos ao documento que guia o ensino de Língua Portuguesa, a Base Nacional Comum Curricular. O QUE DIZ A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR O documento que guia atualmente escola e professores é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ele oferece diretrizes para que os estudantes tenham acesso a aprendizagens essenciais a fim de assegurar a todos um patamar comum de aprendizagens. Para tanto, os estudantes devem desenvolver dez competências gerais9. Por competência, a BNCC define como a “mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BNCC, p.8). Assim, alguns pilares sustentam esse documento, como o foco no desenvolvimento de competências e o compromisso com a S U M Á R I O 9 As competências estão disponíveis em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/ BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf>. Acesso em: 05/jul/ 2019. 89 educação integral a fim de promover a igualdade, a diversidade e a equidade a todos os estudantes. Quanto à estrutura, no Ensino Médio, a BNCC está organizada em quatro áreas do conhecimento: • Linguagens e suas tecnologias; • Matemática e suas tecnologias; • Ciências da natureza e suas tecnologias; • Ciências humanas e sociais aplicadas. Cada área do conhecimento apresenta competências específicas de cada área e estão relacionadas às competências específicas do Ensino Fundamental, porém com a ampliação necessária para os estudantes do Ensino Médio. Em seguida, para garantir que essas competências sejam atingidas, estão ligadas a cada área um conjunto de habilidades. Assim, fecha-se o ciclo das aprendizagens essenciais. Na figura a seguir, podemos notar como se dá essa relação: Figura 5 – Competências gerais da Educação Básica S U M Á R I O Fonte: BNCC (2018, p.33) 90 No que tange à etapa do Ensino Médio, é importante destacar as finalidades do Ensino Médio na contemporaneidade, pois “a escola que acolhe as juventudes têm de estar comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção de seu projeto de vida” (BNCC, 2018, p.464). Assim, para cada finalidade estabelecida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Art.35º), há vários deveres atribuídos à escola, e acreditamos serem pontuais para este artigo os seguintes: S U M Á R I O • garantir o protagonismo dos estudantes em sua aprendizagem e o desenvolvimento de suas capacidades de abstração, reflexão, interpretação, proposição e ação, essenciais à sua autonomia pessoal, profissional, intelectual e política (2018, p.465); • assegurar tempos e espaços para que os estudantes reflitam sobre suas experiências e aprendizagens individuais e interpessoais, de modo a valorizarem o conhecimento, confiarem em sua capacidade de aprender, e identificarem e utilizarem estratégias mais eficientes a seu aprendizado (2018, p.465); • promover a aprendizagem colaborativa, desenvolvendo nos estudantes a capacidade de trabalharem em equipe e aprenderem com seus pares (2018, p.465); • compreender e utilizar os conceitos e teorias que compõem a base do conhecimento científico-tecnológico, bem como os procedimentos metodológicos e suas lógicas (2018, p.467); e • apropriar-se das linguagens científicas e utilizá-las na comunicação e na disseminação desses conhecimentos (2018, p.467). Obviamente, todos os deveres aqui expostos (e também os que não foram citados) não apresentam uma relação hierárquica, mas harmônica. Contudo, esses deveres apresentados anteriormente nos chamaram a atenção devido aos termos utilizados: protagonismo, 91 abstração, reflexão, aprendizagem colaborativa, conhecimento científico-metodológico, linguagem científica e disseminação de conhecimento. Acreditamos que essas palavras-chave podem servir de estímulo para a utilização do gênero ensaio no espaço escolar. Especificamente sobre a área de Linguagens e suas tecnologias, vemos cinco campos de atuação social. São eles: • Campo da vida social; • Campo das práticas de estudo e pesquisa; • Campo jornalístico-midiático; • Campo de atuação na vida pública; e • Campo artístico. Para nosso trabalho, focamos no campo das práticas de estudo e pesquisa, que: abrange a pesquisa, recepção, apreciação, análise, aplicação e produção de discursos/textos expositivos, analíticos e argumentativos, que circulam tanto na esfera escolar como na acadêmica e de pesquisa, assim como no jornalismo de divulgação científica. O domínio desse campo é fundamental para ampliar a reflexão sobre as linguagens, contribuir para a construção do conhecimento científico e para aprender a aprender. (BNCC, 2018, p.488-489). S U M Á R I O Estreitando ainda mais e focando na Língua Portuguesa, é visível que o documento dá destaque à ampliação e consolidação dos gêneros textuais que foram discutidos no Ensino Fundamental, visando “a ampliação do repertório de gêneros, sobretudo dos que supõem um grau maior de análise, síntese e reflexão” (2018, p.499). Porém, isso se concretiza quando verificamos o campo das práticas de estudo e pesquisa: habilidades relacionadas à reflexão, crítica e síntese; domínio de novos gêneros textuais e novos tipos de pesquisa. 92 Sobre os gêneros, no documento observamos uma lista de gêneros textuais que devem ser aprofundados: palestra, debate, artigo científico, artigo de opinião e o ensaio. A produção desses textos, principalmente os da esfera acadêmica, destinam-se à divulgação do conhecimento “considerando o contexto de produção e utilizando os conhecimentos sobre os gêneros de divulgação científica, de forma a engajar-se em processos significativos de socialização e divulgação do conhecimento10” (2018, p.518). Dessa forma, ao ser citado o gênero ensaio, acreditamos ser possível apresentar um modelo de implicação pedagógica para o Ensino Médio. Passemos ao modelo. MODELO DE APLICAÇÃO (IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS) Seguindo o modelo apresentado por Swales (1990) sobre a introdução de artigos, pretendemos utilizar os movimentos desenvolvidos pelo teórico, porém com as devidas modificações. Pensamos em utilizar duas aulas de cinquenta minutos para a apresentação do tema e a produção do texto a fim de que não seja exaustivo para professor e aluno. S U M Á R I O 10 PRÁTICAS – Leitura, escuta, produção de textos (orais, escritos, multissemióticos) e análise linguística/semiótica. Habilidades. (EM13LP34) “Produzir textos para a divulgação do conhecimento e de resultados de levantamentos e pesquisas – texto monográfico, ensaio, artigo de divulgação científica, verbete de enciclopédia (colaborativa ou não), infográfico (estático ou animado), relato de experimento, relatório, relatório multimidiático de campo, reportagem científica, podcast ou vlog científico, apresentações orais, seminários, comunicações em mesas redondas, mapas dinâmicos etc. –, considerando o contexto de produção e utilizando os conhecimentos sobre os gêneros de divulgação científica, de forma a engajar-se em processos significativos de socialização e divulgação do conhecimento” (BNCC, 2018, p.518). 93 ROTEIRO DE ATIVIDADE • Destinado a primeira ou segunda série do Ensino Médio. • Duas aulas: na primeira, apresentação do tema e, na segunda, desenvolvimento do texto. • Primeira aula: apresentar o texto “Da idade” (2016)11, de Montaigne. Traçar um levantamento sobre as primeiras impressões que os alunos tiveram sobre o texto, porém sem identificar a que gênero textual ele pertence. Traçar um levantamento das dificuldades iniciais – linguagem acessível ou não, entendimento global do texto ou não, se é um texto atual ou não, se reconhecem a que público esse texto é voltado, se reconhecem o propósito do texto. • Primeira aula: depois, apresentar o gênero, destacando os principais nomes do gênero ensaio. Destacar que esse gênero está citado como um dos exemplos de gêneros acadêmicos a serem aprofundados na BNCC. • Primeira aula: apresentar os movimentos para a produção do texto, com base no ensaio de Montaigne. Quadro 1 – Movimentos “Da idade” Movimento 1 “Não posso aprovar a maneira por que entendemos a duração da vida” Afirmação contundente Uso de exemplos Movimento 2 “Os que falam de uma certa duração normal da vida, estabelecem-na pouco além” Contra-argumentação Uso de exemplos S U M Á R I O 11 “Da idade”, ensaio pertencente ao livro I, de Ensaios. Texto breve, com apenas 3 páginas. 94 Movimento 3 “É um erro da lei imaginar...” Argumentos Opiniões Movimento 4 “não se deveria dar tanta importância ao ano de nosso nascimento” Retomada dos argumentos Nova afirmação contundente Opiniões • Nos movimentos apresentados no quadro, vemos 4 movimentos. Deve-se mostrar aos alunos que o ensaio vem de uma afirmação que visa à reflexão. Para isso, seria interessante buscar argumentos e contra-argumentos, porém não de forma desgastante. Entram nesses argumentos exemplos e opiniões. No movimento final, pode-se apresentar uma nova afirmação que vai ao encontro da apresentada no início do texto. • Segunda aula: pedir aos alunos que escolham um dos seguintes temas: Do medo, Da amizade, Da solidão, Do sono, Da diversão. Esses temas estão presentes também na obra de Montaigne. Acreditamos que a escolha desses temas mais abrangentes pode tornar mais simples a produção do gênero ensaio. CONCLUSÃO Este capítulo teve como foco apresentar um modelo de implicação pedagógica voltada para o Ensino Médio, com foco no gênero ensaio. Utilizamos como fundamento teórico a análise de gêneros, apresentando o modelo de movimentos proposto por Swales (1990). Explicamos algumas considerações a respeito do ensaio, como seus principais nomes e algumas perspectivas de definição. S U M Á R I O 95 Ainda, buscamos, na Base Nacional Comum Curricular, motivações para o estudo de um gênero da esfera acadêmica e não muito produzido dentro da própria academia para que os estudantes possam explorar sua reflexão, criticidade e argumentação. Por fim, como objetivo primordial desse trabalho, apresentamos um modelo de aplicação do gênero ensaio, voltado para a primeira e segunda séries do Ensino Médio, a fim de aprofundar o estudo dos gêneros no Ensino Fundamental. Acreditamos, porém, que a apresentação e produção desse gênero (e seus movimentos) não deva ser encarado como algo hermético. O modelo apresentado serve apenas como incentivo para que outros ensaios possam ser produzidos. Cada ensaio tem suas particularidades, apesar de suas características mais gerais. REFERÊNCIAS ADORNO, T.W. O ensaio como forma. In: Notas de Literatura I. Tradução de Jorge de Almeida, Editora 34, Coleção Espírito Crítico, 2003, p.15-45. ASKEHAVE, I.; SWALES, J.M. 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S U M Á R I O 97 4 Capítulo 4 OS GÊNEROS DISCURSIVOS NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Álisson Hudson Veras Lima Maria Elias Soares Álisson Hudson Veras Lima Maria Elias Soares OS GÊNEROS DISCURSIVOS NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.307.98-122 Resumo: O ensino de língua portuguesa no Brasil é norteado pelos documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001), atualizados nas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013) e reafirmado/reatualizado na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), de onde se mostra que o ensino deve ser feito a partir do texto e dos diversos gêneros textuais, contendo menção sobre o que fazer, mas não como fazer, o que levou ao amplo uso da teoria das sequências didáticas (DOLZ e SCHNEWLY, 2004). Contudo, tanto os documentos quanto o que é proposto nessa teoria, o ensino é focado em gêneros textuais, mesmo que os documentos apontem também para o ensino por meio dos gêneros discursivos (BAKHTIN, 2011). Este problema de nomenclatura (BRAIT, 2005; FIORIN, 2017) leva a equívocos teóricometodológicos que deixa os professores em um impasse que colabora com os baixos índices de aprendizagem no ensino brasileiro (SASSAKI et al. 2019). S U M Á R I O Palavras-chave: Ensino de língua portuguesa; Nomenclatura; Gêneros textuais; Gêneros discursivos; Sequências didáticas. 99 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O ensino de língua materna no Brasil vive em um grande paradoxo: formar alunos que produzem ou alunos que leem eficazmente os mais variados gêneros textuais? Essa questão existe como reflexo de décadas de ensino pautado no reconhecimento e classificação de estruturas internas da frase (KOCH, 2015), contrapondo-se à atual concepção de que no ensino deve-se formar um sujeito crítico capaz de se expressar bem tanto pela forma oral quanto pela escrita. Por questões deste tipo, muitos professores, durante seu exercício profissional, veem-se ou sentem-se sem saber exatamente como trabalhar as noções gramaticais necessárias e exigidas para a formação de um aluno produtor de textos e conhecedor da norma culta e como trabalhar os mais variados tipos e gêneros textuais em sala concomitantemente (PASSARELLI, 2012). Muito provavelmente, esta sensação partilhada por muitos docentes, em especial por aqueles que trabalham diretamente com o Ensino Fundamental e com o Ensino Médio, ocorre por conta de um embate ainda mais enraizado em discussões feitas dentro da Linguística: falar é diferente de escrever (LOPES, 1999). Além disso, com as novas perspectivas de ensino de língua portuguesa no Brasil, é necessário aceitar que o aluno, ao fazer parte do ambiente escolar, traz consigo marcas de vida que refletem o seu contexto sócio-histórico que tem papel fundamental sobre o caminhar deste aluno ao longo de sua vida estudantil. S U M Á R I O Portanto, pensar em ensino de língua portuguesa no Brasil é pensar um sujeito que usa esta língua para se comunicar, faz desta 100 língua o seu ponto de partida e de chegada para as mais diversas tarefas comunicativas e compreende o fato de que todo enunciado proferido é discurso e, portanto, constrói o seu texto na forma de algum gênero discursivo. A fim de melhor compreender a questão do como ensinar língua portuguesa de acordo com o que está previsto na Base Comum Curricular Nacional (BRASIL, 2017), dando prosseguimento ao que já fora dito nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001), apresentaremos, ao longo deste texto, questões que tratam sobre gênero textual e gêneros discursivos para, por fim, tratar sobre as sequências didáticas e, assim, levar o nosso leitor a ter uma visão mais ampla acerca do ensino de língua materna através dos textos. O CONCEITO DE TEXTO A concepção de texto como todo e qualquer enunciado que estabeleça comunicação entre emissor e receptor é algo relativamente novo (KOCH, 2015), uma vez que a conceitualização acerca deste termo está cada vez mais ligada ao ensino de língua materna. Da década de 1960 a meados dos anos 1970, o texto era entendido como um emaranhado de palavras interligadas entre si a ponto de dar um significado concreto para o leitor ou para o ouvinte (KOCH, 2015), deixando clara a noção de que era preciso conhecer como as palavras funcionam dentre de um sistema todo interligado (SAUSSURE, 2008). S U M Á R I O Dentro deste contexto, o papel do professor era fazer com que seu aluno fosse capaz de reconhecer as classes gramaticais (nomes, adjetivos, pronomes, verbos, advérbios, conjunções, preposições, etc) 101 e nomeá-los. Logo, se o aluno soubesse nomear corretamente cada palavra, ele era considerado um bom conhecedor da língua. De acordo com Koch (2015), a partir dos estudos de Van Dijk na década de 1970, começou-se a perceber que não bastava que o aluno conhecesse somente as classes gramaticais e suas funções dentro de frases, pois os sentidos das palavras podem ser modificados a partir do uso e, assim, o texto passa a ser considerado um meio de informações sintático-semânticas. A partir de então, diversos estudos no âmbito da Linguística Textual fizeram com que fosse percebida a influência que o contexto tem sobre o uso e, consequentemente, no entendimento do que é texto e como isto chegaria até o aluno, uma vez que o texto passa a ser visto como o espaço que contém informações sintático-semânticopragmáticas (KOCH, 2015). Não tardou para que os estudos em diversas áreas, em especial na área das ciências cognitivas, agregassem ao texto a noção de que, durante o ato de produção e leitura, o aluno traz consigo informações armazenadas em blocos mentais como a memória (memória de curto, de médio, de longo prazo) e conhecimentos específicos (conhecimentos linguísticos, conhecimentos de mundo, etc.) para que se possa fazer inferências, deduções e outros esquemas mentais para norteá-lo no estudo do texto. É o movimento denominado por Koch (2015) como virada cognitivista dentro da Linguística Textual. Daí em diante, foi facilmente concluível que o texto, na verdade, é o local que envolve um contexto de uso (social), que faz o leitor acessar os blocos mentais (cognição) necessários para se lhe atribuir sentido e que, mais importante ainda, serve para gerar interação entre sujeitos de uma comunidade. S U M Á R I O 102 Assim, a partir da década de 1990, além da ênfase dada aos processos de organização global dos textos, assumem importância particular as questões de ordem sociocognitiva, que englobam temas como referenciação, inferenciação, acessamento ao conhecimento prévio etc.; e, a par destas, o tratamento da oralidade e da relação oralidade/escrita, bem como o estudo dos gêneros textuais, este agora conduzido sob outras luzes – isto é, a partir da perspectiva bakhtiniana, voltando, assim, a questão dos gêneros a ocupar lugar de destaque nas pesquisas sobre o texto e revelando-se um terreno extremamente promissor (KOCH, 2015, p.14-15). É frente a todas estas concepções que cremos o texto, conforme proposto por Koch (2015), ao entendê-lo como um espaço sociocognitivista-interacionista. Portanto, na concepção interacional (dialogal) da língua, na qual os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e por ele são construídos. A produção da linguagem constitui atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer não apenas a mobilização de um vasto conjunto de saberes (enciclopédia), mas a sua reconstrução – e dos próprios sujeitos – no momento da interação verbal (KOCH, 2015, p.44, grifos da autora). Logo, levamos em consideração que todo texto é formado, em sua essência, por enunciados que são proferidos por sujeitos que constituem um meio social e, assim, trazem marcas de suas vivências em seus discursos que, por sua vez, acabam se estabilizando por meio de algum gênero textual/discursivo, o que discutiremos na seção que segue. S U M Á R I O 103 OS GÊNEROS DISCURSIVOS Para Bakhtin (2011), um gênero do discurso é estabilizado durante um ato sócio-discursivo no qual há sujeitos em diálogo, concretizando o dialogismo e, é este movimento dialogal um reflexo de um plano que o sujeito enunciador tem em mente ao se perceber em uma situação na qual ele fará uso do discurso. Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetuase em formas de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2011, p. 261-262). Levando em consideração a afirmação acima, para que seja entendido o que é um gênero do discurso nos moldes bakhtinianos, é preciso compreender os conceitos de enunciado, sujeito, dialogismo e quais são os elementos constitutivos do discurso nos mais variados gêneros. S U M Á R I O Entendemos, aqui, conforme proposto por Bakhtin (2011), que sujeito é o enunciador de um discurso que traz consigo marcas sócio- 104 históricas. Já o discurso é o uso efetivo da língua (efetivo no sentido de real, envolvendo sujeitos em uma situação de uso oral e/ou escrito da língua), no qual é notado que um sujeito, ao enunciar algo, prevê que existe um interlocutor para o seu discurso e que este discurso pode, e deve, gerar um resposta-ativa por parte do interlocutor para o locutor e vice-versa. É, de acordo com Bakhtin (2011), este jogo de enunciado proferido/resposta ativa que gera um diálogo entre vozes durante uma situação real de uso da língua e é a isto que se denomina de dialogismo. Em termos das unidades linguísticas, Bakhtin (2011) afirma que elas só se tornam discurso e, efetivamente signos, quando postas em enunciados já que uma palavra como manga em estado de dicionário nada quer dizer, o que não ocorre quando um enunciador profere algo como A manga é uma ótima fruta ou A manga da camisa está rasgada, fazendo uso real e semiótico de um termo da língua (BRAIT, 2005). A partir da noção de que há um sujeito enunciador de um discurso visando um possível interlocutor em uma determinada situação social, Bakhtin (2011) afirma que, sempre que posto em um contexto social e em situação de uso da língua, o enunciador traça esquemas para saber de que maneira se comportar e agir linguisticamente no contexto no qual ele se encontra inserido. S U M Á R I O Assim, uma dada situação de uso da língua exige determinado comportamento linguístico e faz com quem o sujeito trace um plano para quais termos da língua poderão ser usados ou não em dado contexto, obrigando o enunciador a começar a estabilização de uma forma da língua dentro do discurso. Isto mostra que, quando um sujeito se encontra em uma sala de aula, por exemplo, ele já sabe, por questões de cunho social e histórico, quais os tipos de palavras que podem ser usadas ali ou não. 105 Portanto, o gênero do discurso é uma forma relativamente estável da língua. Relativamente estável porque não é difícil notar que, se o gênero do discurso é a forma que o enunciador dá ao seu discurso e se este acontece em uma determinada época e contém resquícios sóciohistóricos de seu enunciador, estará em constante mudança tanto em questões de forma quanto de conteúdo. Além disso, é necessário não deixar de lado a noção de que, dentro de um gênero discursivo, não há somente uma voz que fala, pois não é somente o enunciador que tem sua voz marcada, já que, tanto em situações orais quanto escritas da língua, o sujeito traz consigo respostas-ativas em seu discurso que é por si só heterogêneo. De fato, para Bakhtin (2011), é parte constitutiva, intrínseca do discurso, esta capacidade de diálogo, gerando a heterogeneidade discursiva, fazendo com que, no discurso sempre haja um interdiscurso ora explícito ora implícito. O PROBLEMA DE NOMENCLATURAS ENTRE GÊNERO TEXTUAL E GÊNERO DISCURSIVO Ao se tratar acerca dos gêneros discursivos há, não muito dificilmente, pouca associação entre os conceitos propostos por Bakhtin, atrelando-se à ideia de gênero somente questões de forma, ficando quase totalmente restrito a este ponto o estudo dos gêneros. S U M Á R I O Segundo estudiosos do assunto (MARCUSCHI, 2002; BRAIT, 2005; ROJO, 2005; RODRIGUES, 2010; PEREIRA e RODRIGUES, 2010; FIORIN, 2017), este problema na difusão dos conceitos de Bakhtin se deu por questões de nomenclatura, afinal, na escola, quem nunca foi induzido a entender gênero do discurso como gênero/tipo de texto? 106 De acordo com Fiorin (2017), este problema de nomenclatura começou quando Kristeva, em 1967, trouxe para o ocidente, mais especificamente para a França, a teoria bakhtiniana e, cunhou o termo intertextualidade, a partir do conceito de dialogismo. A palavra intertextualidade foi uma das primeiras, consideradas bakhtinianas, a ganhar prestígio no Ocidente. Isso se deu graças à obra de Júlia Kristeva. Obteve cidadania acadêmica, antes mesmo dos termos como dialogismo alcançarem notoriedade na pesquisa linguística e literária (FIORIN, 2017, p 161, grifo do autor). A partir de então, é comum haver a associação de termos como texto corresponde a discurso e intertextualidade como correlato de interdiscursividade, sendo imprescindível comentar que, grosso modo, ambos são termos usados para designar material linguístico de valor próximo, mas os primeiros termos estão mais ligados à Linguística Textual, assim como os segundos, à Análise do Discurso. A ideia amplamente difundida no meio acadêmico durante anos de que discurso e texto eram sinônimos quando encontrados em situação de uso levou à busca de características de intertextualidade em ambos os fenômenos. Assim, por anos, perdurou a ideia de que gênero discursivo e gênero textual eram, senão sinônimos de um evento linguístico, muito próximos com relação às características de cada um. Dentre as diversas perspectivas acerca de discurso de texto, Bronckart (1999, p.72) afirma que “os textos são produtos da atividade humana e, como tais, estão articulados às necessidades, aos interesses e às condições de funcionamento das formações sociais no seio das quais são produzidos”. Esta concepção de texto favorece o surgimento de diversos tipos de textos por considerar as mais variadas situações em que podem ocorrer, dando margem para o aparecimento de diversos gêneros. S U M Á R I O 107 Adam, um dos estudiosos de Bakhtin, em 1992, deixa para trás a noção de gênero em prol da dimensão textual, uma vez que, para ele, interessava analisar os componentes que estavam mais estabilizados, ou seja, as sequências que poderiam ser delimitadas em uma tipologia. Para Adam, importava, portanto a unidade mais elementar do texto a que ele chama de proposição-enunciado, ou seja, o ato de enunciação em si, ato este de valor pragmático. E, a partir da proposição-enunciado, ele analisou como ocorre a relação entre elas em uma unidade estrutural complexa, denominada de sequência textual, que contém a sua própria organização interna. Às sequências textuais “correspondem cinco tipos de relações macrossemânticas memorizadas por impregnação cultural (pela leitura, escuta e produção de textos) e transformadas em esquema de reconhecimento e estruturação da informação textual” (ADAM, 2008, p.204). As sequências textuais são: (i) narrativa, (ii) descritiva, (iii) dissertativa/ argumentativa, (iv) injuntiva e (v) dialogal tendo, cada uma destas, formas específicas e inúmeros usos, ou seja, diversos gêneros. Deste ponto em diante, Adam (2008) passa a denominar de sequências textuais as cinco grandes vertentes discursivas de uma língua e denomina, corroborando Bakhtin (2011), que gêneros discursivos são as inúmeras formas que o discurso pode assumir em uma sequência textual. Vimos até aqui que a distinção entre gênero textual e gênero discursivo não é de todo clara ou simples, pois ambos estão, quase que completamente, interligados se levarmos em consideração que o discurso é texto, sem haver um limite onde um acabe e o outro comece. S U M Á R I O Na verdade, podemos afirmar enfaticamente que há diversas maneiras de analisar um texto ou um gênero, sendo necessário ter a metodologia adaptada pelo viés da Linguística Textual e, assim, dar ênfase ao gênero textual ou pelo viés da Análise do Discurso e, assim, 108 focar no gênero discursivo, pois a partir da perspectiva de análise, elementos distintos são levados em consideração. A CONSTITUIÇÃO DOS GÊNEROS E o que diferencia, então, uma novela de cavalaria de uma contação de história? Inicialmente, pode-se afirmar que os dois gêneros acima são distintos entre si pela forma, depois, por conta do conteúdo temático, desembocando no estilo usado pelo sujeito enunciador em um gênero que não é usado no outro pois, para Bakhtin (2011), cada gênero do discurso é constituído destes três elementos básicos: forma composicional, conteúdo temático e estilo. Segundo Bakhtin (2011), é necessário entender que os gêneros do discurso são usados em esferas sociais, sendo estas esferas de atividade e de comunicação, os critérios básicos para a classificação dos gêneros. São elas, a (i) esfera cotidiana, a (ii) esfera literária ou artístico-literária, a (iii) esfera jornalística, a (iv) esfera escolar ou de divulgação científica e a (v) esfera da vida pública. De acordo com Bakhtin (2011), quando um sujeito se predispõe a participar de uma comunicação de maneira ativa, ele já reconhece em qual esfera se encontra e já traz consigo, naturalmente, certos conhecimentos acerca de um gênero do discurso. Quando este sujeito entra em contato com um novo gênero, ele começa a observar, inicialmente, a sua forma composicional. A forma composicional é justamente a configuração básica que distingue um gênero do outro, ou seja, é esta forma que leva o sujeito S U M Á R I O 109 a reconhecer e diferenciar um poema (esfera artístico-literária) de um bilhete (esfera cotidiana), por exemplo. O segundo elemento constitutivo dos gêneros do discurso, de acordo com Bakhtin (2011), é o conteúdo temático, pois, para ele, todo sujeito tem a consciência de que um tema pode ser mais facilmente difundido em determinado gênero do que em outro. Isto significa dizer que, durante o processo de estabilização/ escolha do gênero do discurso a ser utilizado, o sujeito usa de forma arquitetônica para construir o seu discurso por saber que, uma história de amor pode ser contada em um romance ou em uma carta, mas não é esperada em uma notícia de jornal ou em um debate regrado, por exemplo. É por isso que, para que o discurso seja estabilizado como um gênero, forma composicional e conteúdo temático estão diretamente ligados entre si. Já o terceiro elemento constitutivo, segundo Bakhtin (2011), é o estilo. Para o autor, o estilo é a característica do discurso que faz surgir as formas linguísticas escolhidas pelo sujeito enunciador. Para Bakhtin (2011), observar o estilo do discurso em um gênero textual é observar as escolhas sintático-semânticas do sujeito enunciador e sua postura ao incorporar a voz do outro, ou o discurso alheio (FIORIN, 2017), durante o uso real, consciente e social da língua. S U M Á R I O Foi a partir das noções legadas por Bakhtin e seu círculo que surgiram vertentes que estudam o discurso por meio da Sintaxe Discursiva ou da Semântica Discursiva sendo, estas, camadas mais profundas do que as propostas na teoria bakhtiniana e, de certa forma, distanciando-se destas, já que muitos estudiosos da Análise do Discurso (FOUCAULT, 1971; PÊCHEUX, 1990; MAINGUENEAU, 2015; entre outros) não partem do gênero do discurso para sua 110 análise fazendo, assim, um percurso diferente de análise do discurso com relação à análise bakhtiniana que começa e termina no gênero (FIORIN, 2017). Fiorin (2017), em seu livro intitulado Introdução ao pensamento de Bakhtin, retoma os conceitos bakhtinianos e propõe que a análise dos mais variados gêneros do discurso deve ser feita através dos três elementos dele constituinte (forma composicional, conteúdo temático e estilo), conforme proposto por Bakhtin (2011). Além destes elementos, Fiorin (2017) propõe incorporar à análise dos gêneros a observação de como ocorre a presença da voz de outrem por conta do dialogismo que é uma característica básica do discurso e, por isso, busca direcionar à análise por meio da forma composicional, do conteúdo temático, do estilo e do discurso dialogal. Segundo Fiorin (2017), analisar o discurso dialogal é observar os elementos linguísticos que surgem por meio do (i) discurso alheio demarcado e do (ii) discurso alheio não demarcado. Para o autor, (i) representa o uso da voz de outrem tanto para apoiar quanto para negar o discurso feito por um sujeito enunciador e pode ser localizado por meio de recursos linguísticos como o discurso direto, o discurso indireto ou as aspas. Já (ii) ocorre como resultado de um diálogo entre o sujeito enunciador e outras vozes de maneira menos explícita, emergindo no discurso por meio de recursos linguísticos como o discurso indireto livre ou por meio de polêmica (clara ou velada) a fim de que se mostre uma opinião a favor ou contra do que tenha sido anteriormente surgido na cadeia sucessiva de discursos que se complementam. S U M Á R I O Fiorin (2017) ainda chama a atenção para mais duas maneiras de fazer uso da voz de outrem em um gênero discursivo, podendo ocorrer por meio da paródia ou da estilização. 111 Segundo o autor, tanto o mecanismo linguístico da paródia quanto o da estilização são formas de se fazer perceber o discurso alheio não demarcado, sendo o primeiro “uma imitação de um texto ou de um estilo, que procura desqualificar o que está sendo imitado, ridicularizá-lo, negá-lo” (FIORIN, 2017, p.46). O segundo mecanismo, por sua vez, é a imitação de um texto ou estilo, sem a intenção de negar o que está sendo imitado, de ridicularizá-lo, de desqualificálo. Diferentemente da paródia, na estilização as vozes são convergentes na direção do sentido, as duas apresentam a mesma posição significante. Também para perceber a estilização é necessário recorrer ao nosso conhecimento textual (FIORIN, 2017, p. 48). Há ainda mais um traço constitutivo dos gêneros discursivos: a intertextualidade. E, neste ponto, o autor sugere que a intertextualidade seja um fator de interdiscursividade, apontando que há aqui um mecanismo que faz com que um discurso seja incorporado a outro, trazendo seja a forma, o conteúdo ou o estilo de outrem sem apropriar-se do discurso primeiro como cópia. “Assim, deve-se chamar intertextualidade apenas as relações dialógicas materializadas em textos. Isso pressupõe que toda intertextualidade implica a existência de uma interdiscursividade (relações entre enunciados), mas nem toda interdiscursividade implica uma intertextualidade” (FIORIN, 2017, p.58). Desta forma, é notório o fato de que os gêneros discursivos possuem características muito próprias que devem ser analisadas quando feita a estabilização do discurso em forma de um gênero, sendo a forma composicional, o conteúdo e o estilo, de acordo com Bakhtin (2011), fazem com que se reconheçam os gêneros, podendo ainda incorporar o dialogismo e a intertextualidade como fatores de análise de gêneros, conforme proposto por Fiorin (2017). S U M Á R I O 112 O fato é que, em uma sociedade cada vez mais dinâmica e computadorizada, novos gêneros surgem a cada dia, fazendo com quem se encontre, no espaço de ensino, sobretudo no espaço escolar, desafios cada vez maiores acerca de como ensinar os gêneros discursivos. COMO TRABALHAR OS GÊNEROS DISCURSIVOS NA ESCOLA? Quando os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 2001) surgiram no cenário da educação no Brasil, houve a sinalização de que o ensino de língua portuguesa deveria ser pautado pelo uso dos mais variados tipos de textos em sala de aula a fim de fazer o aluno ser capaz de ler, de interpretar e de produzi-los. Porém, apesar de os PCN apontarem para o uso dos textos em sala, não havia referência sobre como os professores deveriam agir para que os alunos fossem beneficiados com tais usos, sendo mais um documento que mostrava mais o que fazer do que como fazer. Em busca de nortear o ensino dos mais variados textos em sala de aula, como bem sinalizado nos PCN (BRASIL, 2001), Dolz e Schnewly (2004, p.82) discutem maneiras de como o professor deve trabalhar os mais diversos textos/gêneros através de um método por eles denominado de sequências didáticas, sendo estas “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”. S U M Á R I O A aplicação de uma sequência didática, conforme proposto por Dolz e Schnewly (2004), envolve etapas sendo a primeira etapa, o momento em que o aluno é exposto a um novo gênero, a segunda etapa é o momento em que o professor busca ativar os conhecimentos 113 que o aluno já tem acerca do gênero, a terceira etapa pode ocorrer em mais de um momento, pois deve ser a aplicação de oficinas de compreensão e de produção do gênero estudado e, a quarta etapa deve ser a finalização por meio de uma atividade analítica para concluir o que foi de fato aprendido pelo aluno no estudo deste novo gênero. Figura 01 – Esquema de uma sequência didática Apresentação da situação Produção inicial Módulo Módulo Módulo 1 2 n Produção final Fonte: Dolz e Schnewly (2004, p.83) Para os referidos autores, a aplicação de sequências didáticas dá ao professor o meio de colocar os alunos não somente em contato passivo com diversos gêneros, mas também de fazê-los compreender e produzir os gêneros propostos, podendo serem aplicadas diversas sequências com grande número de gêneros distintos ao longo de um ano letivo. Segundo Dolz e Schnewly (2004), o professor deve fazer uso de uma sequência didática para colocar o aluno em contato inicial com um gênero qualquer, fazendo uma atividade investigativa com vistas a observar o conhecimento que este aluno já tem acerca do gênero com o qual está em contato para, a partir de então, trabalhar o que deve ser melhorado pelo aluno através de oficinas, fazendo um percurso de estudo por meio destas oficinas até o momento em que uma atividade seja feita para que se averigue como o aluno evoluiu tanto em questão de compreensão do gênero quanto de produção do gênero estudado. É preciso, entretanto, reiterar que, quando propostas a teoria das sequências didáticas, Dolz e Schnewly tratam sobre o ensino dos gêneros textuais, tendo o professor de levar em consideração, então, três critérios para a adaptação dos gêneros discursivos por ele escolhidos. S U M Á R I O 114 Estes critérios são: (i) o domínio social de comunicação, (ii) os aspectos tipológicos e (iii) as capacidades de linguagem e, assim, recaindo nos 05 (cinco) gêneros textuais sendo, (1) narração, (2) relato, (3) argumentação, (4) exposição e (5) prescrição. Dentro de cada um desses gêneros textuais, cabe ao professor encontrar, os inúmeros gêneros discursivos que cada gênero textual contém, aqueles que, a partir da forma e conteúdo, podem ser melhor adaptados para a realidade de seus alunos. Levando em consideração a maneira como o estudo dos gêneros textuais deve ser conduzido se utilizado o método das sequências didáticas, é notório que o professor é entendido como um mediador de informações, já que seu papel não é de ensinar o aluno o que fazer, mas como fazer dentro de uma situação que ele já conhece (ANTUNES, 2007). Os documentos norteadores do ensino no Brasil que surgiram após a homologação dos PCN reafirmam a ideia de trabalhar os gêneros textuais/discursivos a partir das sequências didáticas, como ocorre na Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), publicadas no final dos anos 1990 e atualizadas em 2004. Em 2017, foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com foco nos direitos de aprendizagem, afirmando que tais direitos só se efetivam se as crianças e os adolescentes de fato conseguirem aprender um determinado corpo de conhecimentos, o que será possível no momento em que esses conhecimentos forem explicitados e aferidos por meio de instrumentos de avaliação. Com relação ao ensino de língua portuguesa, o texto da BNCC reafirma o ensino por meio dos gêneros textuais, mas é também possível perceber que o termo é usado como correlato a gêneros discursivos. S U M Á R I O 115 Por tratar do Ensino Fundamental dividido em Anos Iniciais – do 1° ao 5° ano – e em Anos Finais – do 6° ao 9° ano – podemos verificar a continuidade do ensino dos gêneros, de acordo com o documento. No Ensino Fundamental – Anos Iniciais, no eixo Oralidade, aprofundam-se o conhecimento e o uso da língua oral, as características de interações discursivas e as estratégias de fala e escuta em intercâmbios orais; no eixo Análise Linguística/ Semiótica, sistematiza-se a alfabetização, particularmente nos dois primeiros anos, e desenvolvem-se, ao longo dos três anos seguintes, a observação das regularidades e a análise do funcionamento da língua e de outras linguagens e seus efeitos nos discursos; no eixo Leitura/Escuta, amplia-se o letramento, por meio da progressiva incorporação de estratégias de leitura em textos de nível de complexidade crescente, assim como no eixo Produção de Textos, pela progressiva incorporação de estratégias de produção de texto de diferentes gêneros textuais (BRASIL, 2017, p.87, grifos do autor). Vemos que, ao ser afirmado no documento da BNCC que é necessário que haja interações discursivas na troca de informações no eixo Oralidade e os efeitos do funcionamento da língua nos discursos, percebe-se a adesão ao conceito de gênero e o dialogismo inerente ao discurso em situações reais de uso, mas finda-se na produção dos mais diversos gêneros textuais, sem adesão ao termo como gêneros discursivos, o que pode apontar para um problema de nomenclatura, conforme discutido acima, ou ao fato de que, mesmo atendendo à demanda do ensino por meio de textos, aceita-se, neste documento, o conceito discurso como correferente a enunciado. Esta interpretação ainda é confirmada quando se diz que: S U M Á R I O As diversas práticas letradas em que o aluno já se inseriu na sua vida social mais ampla, assim como na Educação Infantil, tais como cantar cantigas e recitar parlendas e quadrinhas, ouvir e recontar contos, seguir regras de jogos e receitas, jogar games, relatar experiências e experimentos, serão progressivamente intensificadas e complexificadas, na direção de gêneros secundários mais complexos (BRASIL, 2017, p.87, grifo do autor). 116 Vê-se, no trecho acima, que alguns gêneros discursivos são citados e, ao final, fala-se ainda em gêneros secundários, o que faz crer um apontar para o reconhecimento dos gêneros do discurso, conforme propostos por Bakhtin (2010), uma vez que as sequências textuais, como idealizadas por Adam (2008) remetem apenas às arquisequência tipológicas de textos, aceitando os gêneros secundários como gêneros do discurso. Esta indução ao ensino de gêneros discursivos é ainda mais forte quando se observa o que é proposto para o ensino de língua portuguesa nos Anos Finais já que “amplia-se o contato dos estudantes com gêneros textuais de vários campos de atuação e a várias disciplinas, partindo-se de práticas de linguagem já vivenciadas pelos jovens para a ampliação dessas práticas, em direção a novas experiências (BRASIL, 2017, p.134). Percebe-se, então, que as práticas sociais de uso real da linguagem dita o estudo da língua portuguesa, além da interdisciplinaridade, que pode ajudar a serem encontrados textos repletos de intertextualidade, além de resguardar o que os alunos já trazem de seio meio social para vivência escolar, respeitando-se, inclusive, a interdiscursividade que os acompanha em seus discursos marcados pelo discurso dos outros. Ademais, o documento da BNCC ainda afirma que como consequência do trabalho realizado em etapas anteriores de escolarização, os adolescentes e jovens já conhecem e fazem uso de gêneros que circulam nos campos das práticas artístico-literárias, de estudo e pesquisa, jornalístico/midiático, de atuação na vida pública e campo da vida pessoal, cidadãs, investigativas (BRASIL, 2017, p.134). S U M Á R I O Conclui-se, a partir do trecho acima que, indubitavelmente, apesar de não ser citado o termo gêneros do discurso ao longo do documento da BNCC, há referência ao ensino de gêneros a partir das 117 esferas sociais nas quais eles circulam, para que os alunos consigam tanto compreendê-los quanto produzi-los. Bem como nos documentos anteriores – PCN e DNC – não há menção sobre como ensinar estes gêneros, mas somente de que se deve ensinar tendo-os como ponto de partida e de chegada, o que nos leva a crer que, novamente, a teoria das sequências didáticas (DOLZ e SCHNEWLY, 2004) é a melhor maneira para atingir o objetivo esperado. O fato é que, levando em consideração todo o percurso dos documentos nacionais que norteiam o ensino de língua portuguesa e a maneira como os termos gênero textual e gênero discursivo surgem ao longo destes documentos de maneira explícita ou implícita, há ainda certo equívoco em seus usos, o que pode atrapalhar, de certa forma os professores que não saberão qual tipo de análise fazer com seus alunos, pois pode-se guiar uma análise pelo âmbito da Linguística Textual, tomando como base as sequências textuais (ADAM, 2008), ou pelo âmbito da Análise do Discurso, tomando como base os gêneros do discurso (BAKHTIN, 2011). Este impasse teórico-metodológico pode ainda empacar no ensino das características dos gêneros tanto textuais quanto discursivos, pois acaba-se levando o aluno a ter contato com inúmeros tipos e gêneros, os quais importa muito mais o uso do que a compreensão de todas as características a eles inerentes e, assim, acaba-se em um problema: O que mais importa? Ensinar a compreender ou a produzir? Esta questão é facilmente respondida com uma outra: E por que não ensinar a compreender e a produzir, sem excluir a produção ou o produto linguístico? S U M Á R I O O ponto chave é pensar que, de acordo com a proposta da BNCC, os alunos devem ser levados a ter contato com o maior número de gêneros possível ao longo do ano e, sabe-se, também que, de 118 acordo com as sequências didáticas, pode-se passar mais tempo em oficinas de um gênero do que em outro e, assim, seria uma cilada afirmar que, se o aluno tiver contato com 20 (vinte) gêneros distintos ao longo do ano, ele será capaz de compreender e produzir perfeitamente todos os 20. O que leva a um impasse metodológico que merece ainda mais destaque, sobretudo no ensino brasileiro que, de acordo com os dados (SASSAKI et al., 2018), continua sendo um ensino de baixo nível. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo desse capítulo, foi visto que o ensino, no Brasil, tem dado ao texto, enquanto espaço de construção de informações de cunho sociointeracionista, o papel de base para o ensino de língua portuguesa, sendo este espaço o ponto de partida e de chegada para as tarefas ligados à compreensão e produção de textos. Por muitos anos, termos ligados ao ensino de língua portuguesa como enunciado versus discurso e intertextualidade versus interdiscursividade têm levado professores e pesquisadores a, em muitos casos, utilizá-los como sinônimos (FIORIN, 2017), sem atentarem para o fato de que, a depender do conceito usado, uma análise teórico-metodológica distinta poderá ser feita. Enquanto os termos enunciado e gênero ou sequência textual (ADAM, 2008) estão mais voltados para análises à luz da Linguística Textual, discurso e gêneros do discurso (BAKHTIN, 2011), por sua vez, estão mais ligados a análises à luz da Análise do Discurso. S U M Á R I O Cada uma destas análises leva o aluno a perceber nuances diferentes que podem ser encontrados, grosso modo, nos textos que circulam em toda e qualquer esfera social. 119 Tomando como base conceitos mais ligados à Linguística Textual, documentos que norteiam o ensino de língua portuguesa, no Brasil, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC, 1997), as Diretrizes Nacionais Curriculares (BRASIL, 2013) e a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) tratam do ensino a partir do texto e dos gêneros textuais. Entretanto, bem como diversos problemas de nomenclatura surgiram desde que os termos gêneros textuais e gêneros do discurso foram cunhados (FIORIN, 2017), há diversas passagens em que o uso de texto remete a discurso e em que gênero textual, na verdade, parece estar mais atrelado ao sentido de gênero do discurso do que a gênero textual propriamente dito. Além dos problemas que envolvem as concepções teóricometodológicas acima explanadas, os documentos nacionais apontar para o que fazer, mas não como fazer e, assim, os professores podem, em geral, não saber como aplicar este conhecimento para que seus alunos atinjam os objetivos propostos e, assim, Dolz e Schnewly (2004) propõem o uso da teoria das sequências didáticas. As sequências didáticas são oficinas nas quais o professor promove o contato de seus alunos com diversos gêneros textuais e, por meio de contato/compreensão/produção/correção, leva-os a serem capazes de produzirem grande diversidade de gêneros ao longo dos anos escolares. Mais uma vez, é notório que a teoria das sequências didáticas foi pensada para os gêneros textuais, mas não exclui sua aplicação para os subgêneros que, por sua vez, são aplicados e advindos das mais diversas esferas sociais, adentrando já no sentido de gênero do discurso. S U M Á R I O 120 Percebe-se, portanto, que as questões de nomenclatura podem atrapalhar os docentes que desconhecem as linhas teóricas às quais estão vinculados, mas que é crucial não somente o conhecimento dos termos e suas características, mas a prática na vivência escolar para que, a partir disso, os alunos sejam efetivamente interpretantes e produtores dos mais diversos gêneros sejam eles textuais ou discursivos. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação/Secretaria da Educação Fundamental (SEB). Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. 3. ed. Brasília: MEC/ SEB, 2001. _______. Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica/Diretoria de Currículos e Educação Integral. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC/SEB/DCEI, 2013. _______. Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica (SEB). Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEB, 2017. ADAM, Jean-Michel. 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Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, v. 207, 2005. SASSAKI, Alex Hayato et al. Por que o Brasil vai mal no PISA. Uma Análise dos Determinantes do Desempenho no Exame, 2018. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Editora Cultrix, 2008. S U M Á R I O 122 5 Capítulo 5 REFLEXÕES DO PROFESSOR DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA SOBRE A SUA FORMAÇÃO E SOBRE OS SABERES MOBILIZADOS NA SALA DE AULA DE GRAMÁTICA Eulália Leurquin Ana Edilza Aquino de Sousa Eulália Leurquin REFLEXÕES DO PROFESSOR DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA SOBRE A SUA FORMAÇÃO E SOBRE OS SABERES MOBILIZADOS NA SALA DE AULA DE GRAMÁTICA Ana Edilza Aquino de Sousa DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.307.123-155 Resumo: O professor de português língua estrangeira na sala de aula de gramática mobiliza um repertório didático (CICUREL, 2011) constituído de saberes para ensinar (HOFSTETTER e SCHNEUWLY, 2011), de saberes informacionais e de saberes institucionais (VANHULLE, 2010). Nosso objetivo na pesquisa realizada era discutir a formação de professor na perspectiva discursiva, ressaltando o papel do repertório didático a partir das modalizações utilizadas. Para ter acesso a esse repertório, ainda pouco investigado, foi aplicado um questionário aos estudantes-professores investigados e realizada uma entrevista. Os resultados mostraram as representações dos professores sobre o saber agir professoral e também mostram três tipos de modalizadores deste agir (saber fazer, poder fazer e dever fazer), conforme Leurquin (2014). S U M Á R I O Palavras-chave: Professor de PLE; Saberes; Agir professoral. 124 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A formação do professor de português língua estrangeira ainda é um tema pouco discutido, quando se trata de uma formação para o ensino da gramática em contexto multilíngue e também em contexto em que o estudante estrangeiro se encontra em situação endolangue12. Neste artigo, nosso objetivo geral é proporcionar um espaço de reflexão para tratar da formação de professores numa perspectiva discursiva. Isto significa dizer que refletimos sobre a formação do professor a partir dos textos produzidos na / para a / e sobre a interação didática. Entendemos que, na sala de aula, o professor mobiliza um repertório didático (CICUREL, 2011) que é constituído de saberes diversos a depender da atividade a realizar (LEURQUIN, 2014), como por exemplo os saberes a ensinar, saberes para ensinar, saberes institucionais (HOFSTETTER e SCHNEUWLY, 2011) e os saberes informais (VANHULLE, 2010). É, portanto com base nessa compreensão e no objetivo geral já anunciado que definimos dois objetivos específicos: a) identificar quais os saberes mobilizados pelo professor no contexto de ensino da gramática em sala de aula de Português língua estrangeira e b) reconhecer e interpretar as modalizações que marcam discursivamente as avaliações do professor sobre os saberes mobilizados no ensino de gramática em sala de aula de Português língua estrangeira. A aula de gramática, em situação de ensino e aprendizagem de português língua estrangeira, sempre se localiza no seio da discussão sobre a abordagem tradicional e a abordagem comunicativa do ensino de línguas. Esse impasse é muito bem pontuado na fala do S U M Á R I O 12 Dabène (1990) considera como lugar endolangue uma sala de aula de língua em que aprendemos a língua falada também fora da sala de aula. Adaptamos esse conceito para a sala de aula de formação de professor para atuar em sala de aula de língua estrangeira quando em situação de imersão. 125 professor e bem marcado na aprendizagem do estudante. Há duas motivações para a escrita deste texto: enquanto professoras de PLE, vivenciamos em um curso de extensão de uma universidade pública a necessidade de ter o curso para atender às próprias necessidades dos estudantes estrangeiros e a falta de professores formados para atuar neste contexto; os estudantes estrangeiros que pedem aulas de gramática tradicional e o professor que é orientado para o ensino da gramática contextualizada no texto autêntico, no gênero textual. Tais descompassos apresentam situações conflituosas geradas por um jogo de impedimentos e intenções (LEURQUIN, 2015). Discussões sobre essas questões são realizadas no seio do Grupo de Pesquisa em Linguística Aplicada (GEPLA) e traduzidas em resultados de pesquisas em forma de teses, dissertações e relatórios de Pibic e também em forma de apresentações em eventos, artigos e capítulos de livros (SOUSA, 2013, GONDIM, 2017, SILVA, 2017, MENDES, 2013, LEURQUIN, 2013, 2015, 2017, LEURQUIN et ali, 2018). No plano deste texto, inicialmente, trataremos dos espaços de geração de dados; em seguida, apresentamos uma reflexão sobre o repertório didático e seus saberes constitutivos; depois analisamos os dados e, por fim, apresentamos as conclusões a que chegamos. O ESPAÇO DA GERAÇÃO DE DADOS S U M Á R I O A geração dos dados analisados aconteceu em três espaços, a saber, a Oficina de produção de material didático de português língua estrangeira, o Curso Português Língua Estrangeira: língua e cultura brasileiras e a Entrevista realizada com os estudantes-professores. Os dois primeiros espaços são projetos de extensão do Departamento de Letras Vernáculas, da Universidade Federal do Ceará (UFC): 126 A Oficina de produção de material didático de português língua estrangeira A Oficina, para nós, é também um espaço de formação inicial e continuada de professores. Atuam nela, a coordenadora do projeto, estudantes de graduação e de pós-graduação com pesquisa em desenvolvimento na área. Ela se realiza em encontros de estudos de textos teóricos, análise e produção de material didático. A construção do material didático está pautada na discussão teórica sobre a prática de ensino e aprendizagem portuguesa língua estrangeira, considerando o contexto de aprendizagem dos estudantes, numa perspectiva comunicativa, a partir de tarefas. O texto é a centralidade de ensino e aprendizagem e a seleção dos gêneros textuais depende das práticas sociais mais relevantes para o estudante estrangeiro. Também é levado em conta o nível de cada aluno. Na dinâmica de produção do material didático, analisamos manuais didáticos, produzimos o nosso material e o testamos na sala de aula do Curso já citado. Quando é necessário, fazemos modificações do nosso material, de acordo com as considerações feitas pelo professor que o utilizou. Para isso, há uma coordenadora que orienta todo o processo. O enquadramento teórico e metodologico de suporte para análise e produção do material didático é o Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999, 2008, DOLZ, NOVERAS E SCHNEUWLY, 2004) para questões relacionadas à preparação das atividades de leitura, produção e análise linguística. Também ancoramo-nos nos estudos de Bulea-Bronckart (2018, 2015), para questões relacionadas à gramática e à Didática do ensino da gramática. Quanto à Didática do ensino da leitura, baseamo-nos na proposta de Cicurel (1992) e na de Leurquin (2015). S U M Á R I O 127 O Curso de português língua estrangeira: língua e cultura brasileiras O curso oferece três turmas semestrais para estudantes estrangeiros dos diversos curso ofertados pela UFC. Envolve estudantes que assumem o papel de professor (estudantes-professores) e estudantes que assumem o papel de observador (estudantes – observadores) do agir professoral. As orientações teóricas são as mesmas dadas na oficina. Temos o nível I, o nível II e nível II. Este focaliza a escrita de textos acadêmicos e é ofertado para alunos da pós-graduação. A entrevista dos estudantes-professores A entrevista aconteceu logo após as aulas. O objetivo era ter acesso a informações não visíveis. A entrevista teve como suporte cenas de sala de aula e as perguntas feitas pela pesquisadora. Nosso objetivo era conhecer as representações que os estudantesprofessores fazem de seu trabalho, da sua aula. Além disso, queríamos ter acesso a informações não visíveis sobre determinadas situações de sala de aula. Por essa razão, a estudante-professora, diante de determinadas cenas, explicava situações que não entendíamos sem a sua explicação. S U M Á R I O Para este artigo, selecionamos os dados de cinco aulas de nível intermediário do curso em situação de aulas de gramática para analisar a interação didática e sobre ela. A interação didática (CICUREL, 2011) da sala de aula é constituída de três etapas: a introdução da aula, o desenvolvimento e a conclusão. Focalizaremos no desenvolvimento da aula para analisar o conteúdo temático (BRONCKART, 1999) e, em particular, os saberes constitutivos do 128 repertório didático (CICUREL, 2011) mobilizado. Com relação à entrevista, analisaremos as representações da estudante- professora sobre a aula e sobre os saberes mobilizados na sala de aula. Depois, fazemos uma análise comparativa, envolvendo o planejamento das aulas, a concretização dele e as representações que a estudanteprofessor tem das aulas ministradas. OS SABERES CONSTITUINTES DO REPERTÓRIO DIDÁTICO MOBILIZADO NA SALA DE AULA DE PLE Todo professor, na interação didática sala de aula de línguas, mobiliza um repertório didático que é constituído de saberes (saber a ensinar, saber para ensinar, saber institucional e saber informal). Esses saberes, de modo geral, são necessários para que o professor possa agir no mundo e especificamente no âmbito profissional. Sobre esse tema, alguns estudiosos vem se debruçando. Dentre eles, destacamos Tardif (2002) Vanhulle (2009), Hofstetter e Schneuwly (2009) e Foucault (2013). Faremos um breve panorama teórico de conceitos construídos por tais autores. S U M Á R I O Tardif, em sua obra “Saberes Docentes e Formação Profissional” (2002), apresenta cinco tipos de saberes. De acordo com ele, os saberes de formação profissional são transmitidos pelas instituições de formação de professores, concretizados tanto na formação inicial quanto na continuada. O autor define os saberes disciplinares como os que se integram à prática docente, através da formação dos professores nas várias disciplinas oferecidas pela universidade. Estes saberes emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes. Tardif define os saberes curriculares como aqueles que dizem respeito aos objetivos, conteúdos e métodos por 129 meio dos quais a instituição escolar categoriza os saberes sociais por ela selecionados como modelos e como formação para a cultura erudita. Por fim, o autor nos apresenta os saberes experienciais que são aqueles que emergem da experiência e são por ela validades. Incorporam-se a eles, experiências individuais e coletivas sob a forma de saber-fazer e de saber-ser. Vanhulle (2009), tratando dos saberes mobilizados pelo professor em sala de aula, numa perspectiva sociodiscursiva, também trata dos saberes mobilizados no ensino e propõe uma análise dos saberes numa perspectiva discursiva. Ela retoma os dois tipos de saberes (saberes a ensinar e saberes para ensinar) e acrescenta os saberes profissionais. Porém, em relação a estes, apresenta-os numa perspectiva diferente dos demais autores, quando ressalta a importância dos saberes informais e afirma que os saberes não são transmissíveis, mas construídos no processo. A autora analisa os saberes a partir dos mecanismos enunciativos marcados no discurso do professor, considerando os mundos representados. A estudiosa ainda aponta que os saberes profissionais formalizados se constroem na reelaboração subjetiva de conhecimentos através de experiências, saberes científicos, prescrições institucionais e contatos com práticas sociais in loco. Na perspectiva de Hofstetter e Schneuwly (2009), para indicar a ação de pessoas com o intuito de formar outras pessoas, há um termo em sentido genérico, que inclui tanto formadores como professores, designando-os como formadores-professores, unidos pela mesma finalidade: o de formar outros. Neste sentido, para os autores, o ato de formar consiste em uma contrapartida, relacionada à situação de aprendizagem de forma intencional. S U M Á R I O O foco na aprendizagem como uma atividade específica, que encontra seu fim em si mesma, põe em evidência a instituição escolar em sua concepção tradicional. De fato, a escola visa, primeiramente, 130 a formação geral, a transmissão de uma cultura geral. Os conteúdos ensinados são o resultado de processos complexos de construção e de transformação de saberes, que descrevem, sob pontos de vista diferentes, as teorias da transposição didática (Chevallard, 1985) ou de cultura escolar (Goodson, 1993), conforme explicitado por Hofstetter e Schneuwly (2009). Na escola, o que deve ser ensinado é objeto de um processo de modelização. Desta forma, os conteúdos progressivamente são constituídos em matérias ou disciplinas escolares, que constituem uma organização particular de saberes em função das finalidades do sistema escolar. Esta organização incorpora a ideia de uma formação cuja lógica é diferente da aprendizagem quotidiana: trata-se de disciplinar, dando acesso a novos modos de pensar, de falar e de agir, que constituem aquisições culturais da sociedade. Para Hofstetter e Schneuwly (2009), alguns autores, como Vygotsky (1985) e Bernstein (1996), Brossard (2004) e Kress (2005), defendem a ideia de que a formação se distingue do quotidiano da vida e do trabalho, pois a ação de formar implica em mediações semióticas. Ao se posicionar de maneira mais direta sobre essa questão, Hofstetter e Schneuwly (2009, p. 158) afirmam que “a ação de formar é sempre duplamente mediata e mediatizada por sistemas semióticos, que imprimem o significado da palavra “ensinar”: fazer conhecer, tornar acessível pelos signos”. Os autores diferenciam os saberes envolvidos em sala de aula em dois grandes tipos: os saberes para ensinar e os saberes a ensinar (savoirs pour enseigner et savoirs à enseigner). Sobre esta distinção, afirmam: S U M Á R I O (...) parece-nos possível definir dois tipos constitutivos de saberes aos quais se referem a esses profissionais: saberes a ensinar, isto é, os saberes que são os objetos de seu trabalho; e os saberes para ensinar, dito de outra maneira, os saberes 131 que são as ferramentas de seu trabalho (HOFSTETTER & SCHNEUWLY, 2009, p.17, tradução nossa)13. Para esses autores, há três tipos de saberes envolvidos nos saberes necessários ao professor para ensinar: saberes sobre “o objeto” do trabalho de ensino e de formação (saberes para ensinar e saberes sobre alunos, seus conhecimentos e desenvolvimentos, maneira de aprender, etc), saberes sobre as práticas do ensino (métodos, dispositivos, delimitações de saberes para ensinar, modalidade de organização e de gestão, encaminhamentos); e saberes sobre a instituição que define seu campo da atividade profissional (plano de estudos, instruções, etc). Compreendemos que os saberes para ensinar se referem aos conhecimentos de como realizar um ensino produtivo da língua, por exemplo, através de gêneros, tendo em vista a língua em uso, considerando seu contexto de produção bem como a seleção linguística de itens lexicais, estrutura sintática e construção semântica, como ferramenta de seu trabalho. Ensinar e formar sempre tem necessariamente por objeto os saberes em sentido amplo. Assim sendo, a escolha de saberes e sua transposição em saberes a ensinar é o resultado de um processo complexo que transforma fundamentalmente os saberes a fim de lhes tornar ensináveis. Hofstetter e Schneuwly (2009), com base em Wittorski (2007) afirmam que para identificar e definir as propriedades dos saberes, quando se tornarem objetos de conhecimento, é preciso que eles se constituem em conjuntos de enunciados coerentes e reconhecidamente válidos por uma comunidade científica, profissional ou de especialistas. Assim, a atividade do professor-formador consiste em utilizar o conhecimento em saberes didatizados. S U M Á R I O 13 “(...) il nous semble possible de definir deux types constitutifs de savoirs auxquels se réfèrent ces professions: les savoirs à enseigner, c’est-à-dire les savoirs qui sont les objets de leur travail; et les savoirs pour enseigner, autrement dit les savoirs qui sont les outils de leur travail” (HOFSTETTER & SCHNEUWLY, 2009, p.17). 132 Na escola, o que deve ser ensinado é o objeto de um processo de modelização. Desta forma, os conteúdos progressivamente são constituídos em disciplinas escolares ou componentes curriculares, que constituem uma organização particular de saberes em função das finalidades do sistema escolar. Essa organização incorpora a ideia de uma formação cuja lógica é diferente da aprendizagem quotidiana. Trata-se de uma organização que dá acesso a novos modos de pensar, de falar e de agir, modos que constituem aquisições culturais da sociedade. A Foucault (2013) interessa saber como se dá a transformação de um saber prático em um saber teórico. Antes de tudo, ele compreende que há dois tipos de saberes e que um se transforma no outro. Depois, ele pontua o seu interesse pelo processo de transformação. Trata-se de saber, por exemplo, como um conceito – carregado ainda de metáforas ou de conteúdos imaginários – se purificou e pôde assumir status e função de conceito científico; de saber como uma região de experiência, já demarcada, já parcialmente articulada, mas ainda atravessada por utilizações práticas imediatas ou valorizações efetivas, pôde constituir-se em um domínio científico; de saber, de modo mais geral, como uma ciência se estabeleceu acima e contra um nível pré-científico que, ao mesmo tempo, a preparava e resistia a seu avanço, e como pôde transpor os obstáculos e as limitações que ainda se lhe opunham. (FOUCAULT, 2013, p. 229). Neste sentido, os saberes que são da ordem do senso-comum, àqueles veiculados e adquiridos em ambientes não institucionais, podem assumir a função de conceito científico, a partir do momento em que são vistos sob determinado ponto de vista científico. A ciência formaliza os saberes a partir da formação discursiva a qual se insere. Sendo assim, os saberes mobilizados pelo professor provêm de conceitos, sejam eles de ordem empírica ou científica, que emergem de práticas discursivas. S U M Á R I O 133 Leurquin, Gondim & Silva (2018) acrescentam conceitos à discussão trazida por Hofstetter e Schneuwly (2009), ao apresentar os elementos constituintes dos saberes a ensinar e dos saberes para ensinar, em contexto de ensino da língua portuguesa, a partir de um quadro maior que acolhe esses saberes, denominado de repertório didático (CIRCUREL, 2011). De acordo com as autoras, todo repertório didático é constituído de saberes e, para cada tipo de saber, há elementos que os constitui. Os elementos constituintes dos saberes a ensinar a língua se referem aos conhecimentos mobilizados sobre a própria língua portuguesa, sobre a cultura do falante e sobre o texto e o gênero textual. Os elementos constituintes dos saberes para ensinar se referem aos conhecimentos mobilizados sobre Didática do ensino da leitura, Didática do ensino da produção textual e a Didática do ensino de análise linguística. (LEURQUIN, GONDIM e SILVA, 2018). Conforme já dissemos, ao refletir sobre a aula de gramática ministrada, estudante-professora verbaliza suas representações sobre o seu agir professoral. Nesse momento, ele modaliza seu discurso. É sobre essa questão que passamos a tratar. AS MODALIZAÇÕES REPRESENTATIVAS DA REFLEXÃO DA ESTUDANTE – PROFESSORA DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA SOBRE OS SABERES MOBILIZADOS NO E PARA O ENSINO DA GRAMÁTICA S U M Á R I O Os mecanismos de posição enunciativa são pouco dependentes da linearidade do texto, pois sendo considerado como de nível “superficial” estão relacionados aos tipos de interação que se estabelece entre o agende-produtor e seus destinatários. A interação 134 didática é particularmente complexa porque seu objetivo maior é ensinar e aprender. Também por essa razão, há um jogo de poder que se realiza. Quando se trata de um contexto em que a própria construção do perfil do professor é particular (estudante-professor – ou aluno no final do curso de Letras, em estágio de regência), emergem os posicionamentos ricos de modalizações, conforme veremos no decorrer deste item. Os mecanismos enunciativos contribuem para o esclarecimento dos posicionamentos enunciativos e traduzem as diversas avaliações sobre aspectos do conteúdo temático e, por isso, eles surgem independentemente da progressão do conteúdo temático. O termo modalização, conforme Bronckart (1999, p.131), constitui “as avaliações formuladas sobre alguns elementos do conteúdo temático”. É possível identificar as várias funções de modalização no plano dos significados e no plano dos significantes, a partir de estruturas linguísticas que podem expressar essas diversas funções. O Interacionismo Sociodiscursivo apresenta quatro funções de modalização que, tendo como inspiração a teoria dos mundos representados de Habermas (1987), são redefinidas. São elas: S U M Á R I O As modalizações lógicas consistem em uma avaliação de alguns elementos do conteúdo temático, apoiada em conhecimentos elaborados e organizados no quadro das coordenadas formais que definem o mundo objetivo, e apresentam os elementos de seu conteúdo do ponto de vista de suas condições de verdade, como fatos atestados (ou certos), possíveis, prováveis, eventuais, necessários, etc. As modalizações deônticas consistem em uma avaliação de alguns elementos do conteúdo temático, apoiada nos valores, nas opiniões e nas regras constitutivas do mundo social, apresentando os elementos de conteúdo como sendo do domínio do direito, da obrigação social e/ou da conformidade com as normas em uso. As modalizações apreciativas consistem em uma avaliação de alguns aspectos do conteúdo temático, procede do mundo subjetivo da voz que é a fonte desse julgamento, apresentandoos como benéfico, infelizes, estranhos, etc., do ponto de vista da 135 entidade avaliadora. As modalizações pragmáticas contribuem para a explicação de alguns aspectos da responsabilidade de uma entidade constitutiva do conteúdo temático (personagem, grupo, instituição, etc.) em relação às ações de que é o agente, e atribuem a esse agente intenções, razões (causas, restrições, etc.), ou ainda, capacidades de ação. (BRONCKART, 1999, p. 332, grifo do autor). Dos aspectos que figuram o modelo de produção e organização dos textos, os mecanismos de posicionamento enunciativo se apresentam, na configuração da arquitetura textual, como o nível mais superficial. Ele é marcado por unidades que indicam marcas de pessoa, dos dêiticos de lugar e espaço, as marcas de inserção de vozes, de modalizadores do enunciado, de modalizadores subjetivos e de adjetivos. Desta forma, os modalizadores marcados pelo que é enunciado pelo professor, ao avaliar os saberes a ensinar e os saberes para ensinar a gramática na aula de PLE, possibilitam-nos interpretar aspectos subjetivos relacionados à sua prática de ensino. Ter acesso a esses saberes foi possível através das representações dos estudantes-professores em uma entrevista de explicitação realizada. Trata-se de uma técnica de entrevista e explicitação da ação. Ela é entendida como “um conjunto de práticas de escuta baseadas em quadros de referências e práticas de relance (questões, reformulações, silêncios)”. Em relação a outras técnicas de entrevista, “a especificidade da entrevista de explicitação é visar a verbalização da ação” (VERMERSH, 2003, p.17). S U M Á R I O Para a geração dos dados, elaboramos perguntas que resgatavam o que foi vivido pelo estudante-professor em sala de aula ao ensinar elementos gramaticais. Fizemos questionamentos sobre as cenas de sala de aula vivenciadas a fim de obtermos uma descrição do aspecto procedural da ação, ou seja, que o estudante-professor colaborador (o entrevistado) estivesse no domínio da verbalização 136 da ação, da narração da experiência da ação. Ele descreveu os procedimentos de sua ação passada, especificamente sobre os conteúdos gramaticais ministrados em sala de aula de PLE. Considerando essa sistematização, passamos para análise das cenas de sala de aula. Fizemos um recorte para este texto e selecionamos, primeiramente, os excertos que representam os saberes a ensinar mobilizados durante as aulas. Em seguida, identificamos os elementos constitutivos desses saberes a ensinar e refletimos sobre as implicações que eles têm para o processo de ensino do português língua estrangeira. Logo após, analisamos as avaliações que o professor faz sobre a sua prática de ensino de gramática, a partir das verbalizações veiculadas durante a entrevista de explicitação. À luz dos mecanismos enunciativos (BRONCKART, 1999), em particular das modalizações, realizamos a interpretação e a análise destas avaliações. ANÁLISE DOS SABERES MOBILIZADOS EM CONTEXTO DE ENSINO DE GRAMÁTICA NA AULA DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA14 De acordo com o nosso posicionamento, neste texto muito bem marcado, para o ofício docente é preciso ter saberes que são mobilizados diariamente pelo estudante-professor (ou pelo professor) para concretizar o seu trabalho em sala de aula. Esses saberes entram em cena, por exemplo, quando o estudante-professor (ou professor) realiza uma pesquisa e pensa o tema da aula, planeja o conteúdo a ser ensinado, elabora o material didático e no momento da aula propriamente dita. S U M Á R I O 14 A fonte dos quadros 1 e 2 é de Sousa (2019). 137 Aqui, analisamos cinco cenas de sala de aula. Selecionamos, primeiramente, os excertos que representam os saberes a ensinar mobilizados durante as aulas. Em seguida, identificamos os elementos constitutivos desses saberes a ensinar e refletimos sobre as implicações que eles têm para o processo de ensino do português língua estrangeira. Para tanto, vejamos o quadro abaixo: Quadro 1 – Cenas da sala de aula: os saberes a ensinar PC1/ Aula ELEMENTO SABERES A ENSINAR 01 Gramática Eu trouxe hoje as classes gramaticais. 01 Gramática Nós utilizamos em qualquer estrutura, mínima que seja, ou um substantivo ou um adjetivo ou um verbo. 01 Gramática+ Texto É importante o estudo do pronome para entender que ele pode funcionar como um elemento que retoma aquilo que já foi dito no texto. Cultura Vamos escutar uma música chamada “Aquarela”. Eu quero falar um pouco da cultura de vocês, pois não conheço tanto. Posso falar um pouco daqui. A nossa cultura é diversificada demais, os nossos ritmos musicais são vastos 03 Gênero Situando a música: em que contexto essa música pode ter sido produzida? Em que contexto social? O que é uma aquarela? Qual o propósito comunicativo do autor da música? 04 Gramática + Texto Os pronomes demonstrativos são utilizados para explicitar a posição de uma certa palavra em relação às outras ou ao contexto. Veremos isso de acordo com as frases, com os textos. Gramática Posição no tempo. Agora eu vou na construção do tempo. Aí vão ser as mesmas coisas “este, estes, esta, estas, isto”, indicam o tempo presente ao ato da fala. Por exemplo: Nestes últimos meses, eu estudei muito. O contexto situacional é importante porque ele indica o que está perto de mim ou não. 02 04 S U M Á R I O 138 05 Texto Hoje nós vamos falar um pouquinho de coesão e coerência, pra vocês entenderem os mecanismos que a gente usa. Fonte: autoria própria A mobilização do saber a ensinar, na aula 1, é marcada pelo próprio objeto de ensino, que é a gramática, em sua acepção mais tradicional, a partir da apresentação do conceito de um elemento morfológico da língua: as classes gramaticais. Compreendemos que a mobilização desse saber na aula de gramática parece não concretizar um modelo de ensino direcionado, de fato, ao uso da língua. Durante as formações nas oficinas de produção de material didático, as docentes participam de discussões e reflexões sobre uma prática de ensino que articule a gramática e o texto, contudo, no trabalho real em sala de aula, esta articulação não acontece de fato, tal como pudemos constatar. A partir dos excertos da aula 2, em que a docente elege uma canção para trabalhar os aspectos culturais do Brasil. Nesta aula não fica evidente a mobilização de saberes a ensinar gramática, em virtude da ausência de ações que considerem a língua, em sua forma e uso juntamente às questões culturais, de forma integralizada. S U M Á R I O Nos excertos da aula 3, identificamos apenas uma única visão sobre a língua veiculada pela docente. Esta visão está relacionada a forma correta de estruturação da língua, apresentada sob o julgo da regra gramatical, independente da sua ocorrência de uso durante as interações verbais. Esta compreensão desconsidera a língua como uma atividade de linguagem e prioriza a sua dimensão microestrutural, trazendo a tradicional oposição do “certo” e “errado” na aula de gramática e desconsiderando o contexto de produção de um texto, em que envolvem as escolhas lexicais, a organização sintática, textual e discursiva das produções linguageiras. 139 Na aula 4, podemos observar a proposta do ensino da língua a partir do gênero textual. Isto significa levar em consideração o desenvolvimento de capacidades de linguagem, ou seja, a capacidade de ação, a capacidade discursiva e a capacidade linguístico-discursiva. A professora utiliza o gênero textual para ensinar sobre a cultura do Brasil de forma comunicativa, mesmo concentrando o ensino no reconhecimento de uma única capacidade, a de ação, na construção dos significados da canção. Acreditamos em uma aproximação, pelo fato de que ela utiliza o gênero de texto como ferramenta para estudar a cultura, através da interpretação textual, mas omite o ensino da própria língua nesta situação, no que diz respeito aos elementos gramaticais e linguísticos presentes na canção. Na aula 5, a professora elege textos para trabalhar os elementos de coesão e coerência. A estudante-professora propõe um espaço que abarca a língua em seu funcionamento a partir do texto, por meio do estudo das conjunções. As conjunções enquanto categoria gramatical garantem a articulação textual e, por isso, revestem-se de uma função textual ao possibilitar a progressão temática do texto. No quadro que segue, apresentamos os saberes para ensinar mobilizados pela estudante-professora, tomando em consideração as cenas das aulas anteriormente apresentas no quadro anterior a este. Quadro 2 – Quadro representativo dos saberes para o ensino PC1 S U M Á R I O AULAS SABERES PARA O ENSINO 1 2 3 Didática do ensino da análise linguística Didática do ensino da leitura Didática do ensino da análise linguística 4 Didática do ensino da leitura Didática do ensino da análise linguística 5 Didática do ensino da análise linguística Fonte: autoria própria 140 A partir deste quadro, é possível observar dois pontos relevantes para uma posterior discussão: das cinco aulas, apenas uma não tem foco no ensino da gramática; e uma das quatro aulas tem articulação com a atividade de leitura. Este dado nos permite perceber pistas para a funcionalidade da aula de gramática. Quanto à mobilização de saberes para ensinar, observamos que a estudante-professora, durante as aulas descreve o procedimento de sua tarefa de ensinar partindo do conhecimento de algumas categorias morfológicas necessárias para a compreensão de elementos textuais, tais como a coesão e a coerência. A sua abordagem de ensino é ascendente, na medida em que ela parte de elementos menores da língua (itens morfológicos) para o mais amplo, o texto (elementos textuais). Essa posição é completamente diferente das orientações recebidas na Oficina de produção de material didático, conforme já falamos. Isso mostra um fator bastante significativo quanto à pesquisa em sala de aula que nos permite reforçar a diferença entre o agir real, o agir prescrito e o agir representado, que foi, inclusive constatado nas conclusões feitas por Silva (2019) em sua tese sobre os saberes mobilizados pelo professor em sala de aula. S U M Á R I O Ao considerarmos as representações que a estudanteprofessora de sua aula de gramática, através da mobilização de saberes a ensinar, tais como o ensino da estrutura linguística desvinculada de seus usos nas interações e, em consequência, da necessidade da metalinguagem para explicar como essas estruturas se relacionam, constatamos a forma como os elementos do agir professoral estão estreitamente ligados à mobilização dos saberes para o ensino. Podemos compreender que a didática de ensino adotada nas cinco aulas ministradas pela estudante-professora é unidirecionada, reflexo da força de sua própria cultura escolar, em que impera um modelo de ensino cujo formato está voltado para uma descrição metalinguística, mas distante das orientações que ela recebeu. 141 Tal posicionamento pode estar relacionado ao que afirma Bulea (2017) ao dizer que os professores recorrem a práticas metodológicas diferentes daquelas estudadas durante a sua formação. Também tratando dessa questão, Dolz & Simard (2009) dizem que os professores sofrem para articular e para integrar as atividades gramaticais no conjunto das atividades de comunicação e sempre fazem atividades gramaticais desconexas e fora de contexto. A estudante-professora em questão constrói, em sua didática de ensino da análise linguística, o conhecimento numa abordagem de ensino dedutiva, ou seja, fornece os conceitos, classificações e aplicações antes mesmo que o aluno possa, através da observação e questionamento, deparar-se com este conhecimento. Segundo Chiss (2011), há uma necessidade de variar as abordagens e no equilíbrio necessário entre indução e dedução. Sendo assim, o professor pode, de acordo com os objetivos estabelecidos para a sua aula, equilibrar a abordagem do ensino dos conteúdos gramaticais (por meio da indução e dedução) a fim de possibilitar a aprendizagem dos alunos. De acordo com Bulea (2017), para que o professor possa ampliar a sua concepção da gramática e de atividade gramatical é importante um trabalho de formação: iniciar atividades de descoberta, de observação e de análise da língua que serão praticadas nas salas de aula com os alunos. Compreendemos, considerando o posicionamento desta autora que, para o professor mobilizar saberes para ensinar a gramática de forma articulada às práticas de leitura e produção textual, é necessário conhecer e dominar os conceitos gramaticais em seus diferentes níveis. S U M Á R I O Após termos identificado e interpretado as representações do professor ao mobilizar os saberes a ensinar e os saberes para ensinar, passamos a analisar como o professor modaliza discursivamente suas avaliações sobre esses saberes mobilizados na sua prática de ensino de gramática. Para isso, consideraremos a entrevista realizada. 142 A entrevista de explicitação foi direcionada por questionamentos feitos às estudantes-professoras colaboradoras acerca dos conteúdos ministrados e do planejamento das aulas para uma turma de nível intermediário. A entrevista foi composta por perguntas que resgatavam o que foi vivido pela estudante-professora no momento do planejamento da aula e no momento da aula de gramática. Durante a entrevista de explicitação, tivemos a necessidade de realizar reformulações de algumas perguntas apresentadas no roteiro, com vistas a alcançarmos, por meio da verbalização das estudantesprofessoras, os nossos objetivos. O nosso interesse era a dimensão linguística e enunciativa do texto verbalizada na entrevista de explicitação. Constatamos que a mobilização de saberes está direta ou indiretamente relacionada às representações da estudante-professora sobre o ensino de gramática e podem ser identificadas em textos a partir da análise dos mecanismos enunciativos, particularmente das modalizações. Sendo assim, com a finalidade de analisar as avaliações do professor sobre os saberes que envolvem o ensino de gramática em sala de aula de PLE, apoiamonos em algumas ocorrências de modalizações lógicas, deônticas, apreciativas e pragmáticas identificadas na fala das professoras durante a entrevista de explicitação. Na entrevista, acessamos a dimensão enunciativa. Ela está relacionada à atribuição de responsabilidade pela enunciação e ao modo como o(s) ator(es) se posicionam diante dos enunciados, por meio de julgamento, opiniões e sentimentos. Assim sendo, foram importantes para nós os comentários e as avaliações a respeito de fatos ou do conteúdo temático. Selecionamos, portanto, o conteúdo temático presente em cada questionamento feito na entrevista de explicitação, a fim de observarmos quais modalizações emergiram ao longo deste momento. S U M Á R I O Para melhor visualização dos procedimentos, apresentamos no quadro que segue a nossa exposição dos encaminhamentos. 143 Neste quadro, expomos as perguntas feitas; depois, o conteúdo temático presente em cada uma delas. Elegemos os excertos das respostas representativas do tema e as modalizações que marcam o posicionamento e as avaliações das estudantes-professoras sobre os saberes para ensinar e sobre os saberes a ensinar. As perguntas dizem respeito ao planejamento dos conteúdos (saberes para ensinar) e a concretização deles em sala de aula (saber a ensinar), conforme podemos constatar: Quadro 3 – Quadro ilustrativo da entrevista de explicitação realizada com a PC1 Perguntas 1-Quais foram os conteúdos ministrados no nível intermediário ao longo do semestre. 2-Você realizou uma progressão de conteúdos para essa turma? Com base em que você realizou essa progressão? Conteúdo temático Excertos Modalizações Conteúdos Na primeira aula eu tentei falar de ortografia. Eles, como a maioria é do mestrado e do doutorado, o que me exige mais, eu sinto isso, que eles querem coisas para aprender a língua de fato assim. Eles pediram para falar do emprego do “g” do “j”, quando usar o “s”, dois “s”, essas coisas. Apreciativa Progressão dos conteúdos a serem ensinados. Foi isso mesmo. Eu vi na primeira aula que eles queriam mais conteúdo gramatical. Eu não sei se eu faço certo ou não. Eu acho que certo eu não faço não, mas assim eu vejo que é muito voltado a gramática. Pragmática Apreciativa S U M Á R I O 144 3- Como você avalia os conteúdos a serem ensinados ao longo do semestre? 4- Você fez um plano de ensino para o seu nível ao longo do semestre? 5-Qual material didático você utilizou para construir essa aula com foco nas classes gramaticais? Avaliação dos conteúdos. Assim, as classes gramaticais eu achei muito relevante trabalhar, vendo nessa perspectiva deles, que eles vão ficar aqui, eles vão escrever, querem muito isso. Muitos, eu acho, poderiam estar até no nível III, mas eles não querem por causa disso, porque eles querem uma carga gramatical maior para desenvolver textos e tudo isso. Plano de ensino Não, não fiz por escrito, mas posso falar um pouco. Dentro dessa perspectiva, trabalhar as classes gramaticais variáveis e as invariáveis, porque eu acho que eles querem, o verbo também. Por mais que eu tenha muita dificuldade em verbos é importante para eles. Eu penso, não sei se é porque eu penso demais e não prático. Eu queria trabalhar, colocar algum gênero, sei lá. Mas, às vezes, eu não sei como fazer isso. Apreciativa Pragmática Eu fui olhando nas gramáticas. Se você for olhar os meus slides, eles são bem tradicionais, porque são exemplos de frases soltas. Apreciativa Material didático Apreciativa Apreciativa Apreciativa Pragmática S U M Á R I O 145 6- Qual a concepção de linguagem que orienta o planejamento das aulas e a elaboração do material didático? 7-Levando em consideração a concepção de linguagem que orienta a sua prática docente, como você avalia a sua metodologia de ensino? 8- Qual é a dificuldade que você tem em planejar e executar suas aulas? S U M Á R I O Concepção de linguagem Aqui a gente estuda o Interacionismo Sociodiscursivo. Então, como eu já acho a minha aula muito engessada, muito mecânica, então eu acho que aqui ficava realmente uma coisa mais interativa para aplicar na aula. Eu estou tentando aprimorar para uma aula que eles tenham um diálogo, tenham uma discussão. Mas, pelo menos eu tento, visando isso. Avaliação da metodologia de ensino. Eu acho que eu tive uma melhora em relação ao aprendizado dos alunos. Mas eu não sei se essa melhora é uma melhora. Enfim, a minha aula eu acho mecânica, mas eu estou tentando aprimorar, não sei se está de acordo com nossos estudos, se eu estou conseguindo. Pode ser até falta de leitura minha como professora, dos nossos estudos acadêmicos, para colocar em prática. Dificuldades no planejamento e execução da aula. Assim, quando é sexta e sábado, que eu tenho que planejar a segunda e a quarta, eu já fico um pouco tensa. “Será que isso vai dar certo? “Será que eu vou conseguir ensinar”? Porque, assim, eu também tenho minhas dúvidas e, às vezes, quando eu sou questionada por eles, eu sinto que eu fico também balançada. Apreciativa Pragmática Apreciativa Deôntica Apreciativa Deôntica Apreciativa Apreciativa Fonte: Autoria própria 146 Verbalizar sobre uma prática profissional contribui para explicitar ou reforçar representações que se tem do papel social desempenhado. Em nosso estudo, as estudantes-professores verbalizam, de forma orientada pelo pesquisador, os objetos de seu trabalho, ou seja, os objetos de ensino, e ferramentas de seu trabalho, ações desenvolvidas em sala de aula e escolhas que conduziram a estas ações. A primeira pergunta que fizemos estava relacionada aos conteúdos que foram ministrados ao longo do semestre no nível em que a estudante-professora atuava. Com esta questão pretendíamos ter acesso aos objetos de ensino da estudante-professora para ensinar o português como língua estrangeira. Em sua resposta, ela focaliza um conteúdo em específico: ortografia. Justifica a seleção deste conteúdo como uma solicitação dos alunos. Para a estudanteprofessora, o contexto em que se encontra situada, com um público de alunos de pós-graduação, confere-lhe o domínio de objetos de ensino que precisam fazer parte da seu agir professoral. Esta avaliação é representada por meio de um modalizador pragmático apreciativo evidente no enunciado “o que me exige mais, eu sinto isso”, ao falar sobre o saber a ser ensinado para este público, que está além da sua capacidade de ação. S U M Á R I O A segunda pergunta estava relacionada à progressão de conteúdos e à orientação seguida para planejar essa progressão. Esta questão está relacionada tanto aos saberes a ensinar quanto aos saberes para ensinar de forma articulada. No momento em que selecionamos os objetos de ensino relacionamos também à didática que orientará o agir professoral em torno dos saberes. Neste sentido, o agir professoral vai ao encontro de uma compreensão da língua como o lugar da interação e de que seu movimento acontece nos textos, tendo em vista as necessidades de comunicação, a característica do contexto e a organização da língua para a produção do sentido. A estudante-professora avalia o seu agir, especificamente quanto ao 147 ensino do conteúdo gramatical, como uma prática que lhe causa insegurança e incerteza, julgando o seu fazer por meio da modalização pragmática “eu não sei” questionando a sua capacidade de ação. Ao mesmo tempo, ela responde ao seu questionamento com uma assertiva, marcada com um adjetivo que qualifica o seu fazer como “certo” seguido de uma sanção “não faço”. A representação marcada quanto ao ensino de gramática presente na avaliação que a estudanteprofessora faz do seu agir é avaliado através de uma modalização apreciativa materializada no advérbio de intensidade “muito” para expressar o julgamento do saber a ensinar a gramática desarticulado de práticas de leitura e de produção de textos. S U M Á R I O A terceira questão está direcionada à avaliação que a estudanteprofessora faz dos saberes a ensinar que serão trabalhados no decorrer do semestre. Ela direciona sua resposta para um saber a ensinar em específico: a gramática. Atribui à categoria gramatical “classes de palavras” como um conteúdo necessário à produção de textos. Este posicionamento é evidenciado por meio de uma modalização apreciativa marcada pela expressão “muito relevante” ao se referir ao ensino das classes gramaticais. Podemos observar que a seleção desse saber parte da gramática da língua em si mesma, de um sistema pronto e autônomo, que poderá ser ativado pelo falante quando necessário. Quando vemos que a língua pode comportar também uma dimensão desse sistema em uso, passamos a ver a sua gramática como um fenômeno social, que está intrinsicamente relacionada a uma prática social de leitura e de escrita. Partindo dessa visão, a análise dos fatos da língua pode ser realizada dentro das situações de interação, dando luz aos vários sentidos construídos quando falamos, lemos ou escrevemos. A ação em optar pelo tratamento de questões gramaticais desarticuladas do texto é também marcada, na voz da PC1, pela modalização apreciativa “carga gramatical maior”, justificando que os alunos, para desenvolver suas capacidades de linguagem na produção dos textos, precisam dessa maior apreciação gramatical. 148 A quarta pergunta versa sobre a produção de um plano de ensino para nível intermediário ao longo do semestre. Neste excerto, a professora afirma ensinar a gramática em uma perspectiva tradicional, inclusive do ensino do verbo como uma classe gramatical. A estudante-professora avalia, por meio de um modalizador apreciativo, a mobilização do elemento gramatical como um saber a ensinar que lhe inspira “muita dificuldade”. Ao mesmo tempo julga subjetivamente essa “dificuldade” como “pensar demais e não praticar” o ensino da gramática, em que as categorias gramaticais emerjam da própria situação de comunicação, que evidencie a necessidade do domínio do conhecimento da regra e de seu uso. Contudo, o verbo no pretérito imperfeito “queria trabalhar” denota uma ação não totalmente realizada (mas que ainda poderá se realizar) em seu agir docente em relação a um ensino produtivo da língua, através de “algum gênero”, conforme a docente avalia através de uma modalização pragmática. Assim, ela exibe a intenção de querer trabalhar a gramática através do gênero textual, marcando, portanto, uma mobilização do saber para ensinar que considera o ensino da língua e de sua gramática voltada à uma prática social. Contudo, isto é apreciado negativamente quando afirma por meio do modalizador pragmático “não sei como fazer”. A quinta pergunta da entrevista versa sobre o material didático utilizado para o planejamento da aula sobre as classes gramaticais. A estudante-professora faz uma avaliação do saber para ensinar gramática por meio de uma modalização apreciativa marcada pelo adjetivo “bem tradicionais” ao se referir ao material que embasou o seu agir nesta aula, ao utilizar slides para apresentar a definição de todas as classes gramaticais. Ela explica por que compreende a sua didática como sendo tradicional também por meio de uma apreciação da forma como apresenta esta categoria gramatical, através de “frases soltas”. S U M Á R I O Na sexta pergunta, questionamentos a concepção de linguagem que norteia o planejamento das aulas e da produção do 149 material didático. A estudante -professora destaca que a teoria que orienta o agir dos professores que participam do Curso de PLE é o Interacionismo Sociodiscursivo. Mesmo compreendendo o que significa, uma abordagem de ensino de línguas que se baseia nessa teoria, ela apresenta um julgamento de seu agir em sala de aula por meio de um modalizador apreciativo marcado pela caracterização que ela própria dá de sua didática de ensino da língua como sendo “muito engessada, muito mecânica”. Ao passo em que compreende a concepção de língua e de ensino de línguas que orienta a corrente teórica do interacionismo sociodiscursivo, a estudante-professora também tem consciência de que a sua abordagem de ensino se distancia dessa visão interacionista e a explicita por meio de uma modalização deôntica através da afirmação “estou tentando aprimorar”, ou seja, como uma ação desejável, de ensino da língua e de uma gramática que se organiza com base nas necessidades de interação através da produção textos, sejam orais ou escritos. O adjetivo “interativa” presente no seguinte excerto “então eu acho que aqui ficava realmente uma coisa mais interativa para aplicar na aula”, marca a sua intenção de dispor de um saber para ensinar que leve em consideração os elementos gramaticais e seu uso, numa relação dialógica, de acordo com o que é estudado por todos o grupo de professores que fazem parte do Curso de PLE (marcado pelo dêitico “Aqui a gente estuda o Interacionismo Sociodiscursivo.”), durante as Oficinas de produção de material didático, que traz como orientação uma concepção de ensino de gramática que parta do gênero, considerando os níveis do modelo textual materializado pelo gênero textual. S U M Á R I O A sétima pergunta está relacionada à avaliação que a estudanteprofessora faz da sua didática para o ensino do português como língua estrangeira, tendo em vista a concepção de linguagem que está implicada em sua prática docente. Ela coloca a aprendizagem dos alunos como um fator de avaliação de sua prática de ensino. Então, avalia essa aprendizagem positivamente, contudo pondera sua 150 afirmação por meio de um julgamento subjetivo “não sei se essa melhora é uma melhora”, em virtude de ter exposto que a sua prática de ensino é “engessada e mecânica”. O modalizador deôntico presente em “eu estou tentando aprimorar”, aponta para uma tomada de consciência por parte dela e também mostra uma ação desejável de mobilizar um saber para ensinar que aborde a língua e a sua gramática como uma prática social interativa. Neste sentido, é importante reconhecer que uma didática de ensino da análise linguística se torna produtiva ao explicitarmos os aspectos morfológicos e sintáticos da língua, tomando como parâmetro de conhecimento os seus usos reais, por meio dos textos. Finalmente, a docente julga o seu agir através do modalizador apreciativo presente em “falta de leitura” como uma possibilidade da visão limitada quanto à uma abordagem de ensino de gramática articulada aos textos. S U M Á R I O A oitava questão direciona a estudante-professora a fazer uma avaliação das dificuldades enfrentadas no planejamento das aulas e no ensino dos conteúdos planejados. Sobre essa questão, ela fala sobre o momento de planejamento dos conteúdos a serem ensinados como um dever, por meio da modalização deôntica expressa no excerto “quando é sexta e sábado, que eu tenho que planejar a segunda e a quarta” como sendo um momento do trabalho de ensinar que lhe gera insegurança, evidenciada através de um modalizador apreciativo, conforme vemos na continuidade do trecho acima em “eu já fico um pouco tensa”. O valor semântico marcado na expressão “insegurança” é reforçado no momento do agir professoral em sala de aula quando é questionada sobre aspectos do conteúdo previamente planejado, exibindo uma apreciação subjetiva que faz desse momento “eu sinto que eu fico também balançada”. Assim, as dificuldades apresentadas pela docente corroboram com as constantes avaliações do agir professoral, expressas frequentemente e principalmente pelas modalizações apreciativas. 151 CONSIDERAÇÕES A importância de refletirmos, em situação de formação dos professores de PLE, sobre o agir professoral e sobre o repertório didático mobilizado no contexto de ensino da gramática de língua, é de suma relevância. Embora seja um tema constante em debates e formações, observamos que pensar a formação numa perspectiva discursiva e dando a voz ao professor para ele verbalizar seu trabalho e suas representações sobre ele, pouco ainda temos avançado. Aqui, apresentamos alguns pontos para refletirmos sobre nosso texto: S U M Á R I O • O texto proveniente das aulas analisadas e o da entrevista de explicitação apontam para um agir professoral tradicional e representações sobre as aulas cheias de modalizações, provenientes do que Leurquin (2015) vai denominar de modalizadores do agir professoral. Estes modalizadores fazem emergir um dever-fazer, um poder-fazer e um querer-fazer proveniente de um jogo conflituoso entre as intenções e os impedimentos por parte da estudante-professora; • As avaliações feitas da aula mostram representações negativas da estudante-professora. Constatamos que, mesmo tendo uma formação para o ensino da gramatica com base no texto na Oficina de produção de material didático, ela afirma se deparar com dificuldades para assumir a turma; • O ensino da gramática, de acordo com os dados analisados, está em fase de transição, há um querer-fazer e um dever-fazer que se depara com um não poder-fazer, quando a estudante – professora se vê diante de dificuldades no desempenho dos saberes para ensinar. Vimos isto presente na sala de aula, principalmente, nas explicações que justificam a importância do estudo dos conteúdos gramaticais, mas que não se apresenta 152 de forma efetiva no material didático produzido e no próprio agir do professor, quanto a sua abordagem do ensino de gramática; S U M Á R I O • O agir em torno da gramática continua perpetuando práticas tradicionais, mas, ao mesmo tempo, aponta incipientes tentativas de um novo fazer com o conteúdo gramatical; • Na entrevista de explicitação, a professora expõe, ao avaliar o seu plano de ensino, a intenção de ensinar a língua a partir do gênero, considerando isso uma ação possível, mas que não se concretiza em seu fazer docente; • As marcas de modalizações apreciativas são constantes nas avaliações que a docente faz do seu planejamento e dos conteúdos ministrados. As marcas apreciativas presentes nas respostas das oito perguntas que versavam sobre estes dois conteúdos temáticos (planejamento e conteúdos ministrados) procede da própria voz da estudante-professora, que assume o seu papel social e é a própria fonte do julgamento de seu agir professoral. A modalização pragmática surge também quando a docente avalia o planejamento da progressão dos conteúdos e expõe que há um querer-fazer, mesmo não tendo a certeza de que os caminhos escolhidos para ao ensino de gramática estão corretos ou não, isto é, de acordo com as orientações recebidas. A docente afirma que, mesmo enfrentando dificuldades em planejar os conteúdos e ensiná-los, é necessária a realização do planejamento da aula, considerando este procedimento como constitutivo do agir do professor. Consideramos que uma investigação que se propõe a analisar a mobilização de saberes em contexto de ensino de gramática, através do dizer do próprio professor PLE, como é o caso da nosso trabalho, é crucial para que se possa chegar ao entendimento das especificidades da área e, notadamente, sobre a realidade do 153 agir professoral dos profissionais nela envolvidos. Com base no conhecimento dessa realidade, é possível investir, de modo mais contundente, em ações efetivas no que diz respeito ao domínio de saberes para o ensino e à concretização destes em saberes a ensinar, que respaldem uma abordagem de ensino da gramática atrelada às práticas linguageiras, a qual tanto almejam as instâncias formativas bem como os próprios docentes. REFERÊNCIAS BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo, EDUC, 1999. BULEA, E. GAGNON, R (org) Former à l’enseignement de la grammaire. Presses Universitaires duSeptentrion, 2017. CHISS, J.L. 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S U M Á R I O 154 LEURQUIN, E. V. L. F. O espaço da leitura e da escrita em situação de ensino e de aprendizagem de português língua estrangeira. In: Eutomia Revista de Literatura e Linguística. Edições UFPE, Recife, 2015. LEURQUIN, E. V. L. F. Que dizem os professores sobre o seu agir professoral? In: GERHARDT, A. F. L. M. (Org.). Ensino aprendizagem na perspectiva da Linguística Aplicada.Campinas. São Paulo: Pontes, 2013. SOUSA, A. E. A. A mobilização de saberes no ensino da gramática em sala de aula de Português língua estrangeira. 2018. 222 f. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2018. SOUSA, A. E. A. O discurso do professor sobre o ensino da gramática em sala de aula de português língua estrangeira. 2013. 175 f. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2013. SOUZA, K. A.M, de. O trabalho do professor de português língua estrangeira: o agir no discurso. 2014. 159 f. Tese (Doutorado em Linguística). 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Concomitante, expõe-se acerca dos domínios teóricos centrais da Pragmática que dialogam ou subsidiam as diversas linhas de investigação da Linguística contemporânea. Reflete-se sobre seu potencial teórico-aplicado em razão de seu estatuto como campo epistemológico experiencial da dicotomia formauso, no qual confluem-se aspectos cognitivos, culturais, sociais e linguísticos profundamente imbricados. S U M Á R I O Palavras-chave: Epistemologia; Filosofia da linguagem; Linguística; Pragmática. 157 “Febre de em vão falar, com os dedos brutos Para falar, puxa e repuxa a língua, E não lhe vem à boca uma palavra!” Augusto dos Anjos “Todo o Pensamento produz um Lance de Dados” Stéphane Mallarmé CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS Ao que parece, é no martírio de buscar a palavra – talvez exata ou capaz de exprimir um estado de coisas interno à alma ou que seja somente uma designação sui generis de imagens - que o poeta estranha dentro de si a relação da palavra com sua exterioridade. Sendo assim, mesmo para os mais exímios artífices das palavras, como é o caso do grande escritor paraibano, a linguagem, por vezes, lhes escapa e lhes falta. Logo, a língua não seria capaz de a tudo ser uma fiel representação ou, então, a experiência humana possui instâncias inexprimíveis verbalmente. Se isso for verdade, subvertese o problema posto por Rudolf Carnap (1891-1970), para quem não seria possível uma formalização teórica de todas as experiências de uso da linguagem e, por isso, só se poderia formalizá-la autonomamente no campo de sua imanência estrutural sintáticosemântica (MARCONDES, 2010). No entanto, a língua paralítica de Augusto dos Anjos denuncia algo da ordem de uma linguagem designativa que desliza e foge mesmo à sua pretensa capacidade de ser instrumento de representação do pensamento. S U M Á R I O Em contrapartida, convém explorar, consoante o verso de Stéphane Mallarmé, a emergência dos efeitos do pensamento sobre 158 a linguagem - e vice-versa - como um lance de dados, porquanto, pela acepção de Ludwig Wittgenstein (1999), o interessante em compreender a linguagem está não em buscar uma possível essência, mas sua significação nos mais diferentes jogos de linguagem. Nessa perspectiva, todos estão imersos numa variedade de constrições socioculturais determinantes das “regras” de uso e que asseguram os lances possíveis em cada experiência comunicativa, como figurado no verso do poeta francês acima. Diante desse preâmbulo, a discussão sobre linguagem e, especificamente, sobre a Pragmática remete-se a dois paradigmas: o primeiro, que entende a língua como espelho, representação, designação e descrição do mundo (MARCONDES, 2010). Confere a uma longa tradição de investigação filosófica na busca de uma correlação exata entre as palavras e os objetos – com seu ápice em Frege (2011, p. 23) ao postular que “a conexão regular entre o símbolo, seu sentido e a sua referência é tal que ao símbolo corresponde um sentido determinado, que por sua vez corresponde a uma referência determinada, enquanto à referência (a um objeto) não é só um símbolo que lhe corresponde”. Remonta-se, assim, à discussão desde os embates entre naturalistas e convencionalistas gregos, na retórica aristotélica sobre o estatuto de verdade/falsidade das proposições linguísticas e no Crátilo platônico sobre a nominalização, bem como estende-se entre os séculos XIX e meados do XX, com a preocupação da filosofia analítica e da semântica formal em relação às determinações do significado como condição para a análise conceitual como um todo (MARCONDES, 2000). S U M Á R I O O segundo paradigma, rompe com a noção de que a linguagem se reduz à função representativa, instrumental e veritativa para concebê-la como uma prática social, isto é, uma forma de atuação e constituição da própria realidade, considerando os elementos culturais, histórico, políticos, ideológicos que ancoram a racionalidade 159 de cada comunidade para compreensão da língua como ato (SOUZA FILHO, 2006). Nessa tradição compreende-se que ao se proferir um enunciado não se está somente descrevendo ou representando, mas, necessariamente, fazendo algo (AUSTIN, 1990). Daí a noção de performativo indicando “que ao se emitir o proferimento está – se realizando uma ação, não sendo, consequentemente, considerado um mero equivalente a dizer algo” (AUSTIN, 1990, p. 25). Esse conceito e a ideia de jogos de linguagem do segundo Wittgenstein, nas Investigações Filosóficas, formam um divisor de águas na investigação sobre linguagem e, para a Linguística, referem-se ao marco que a tradição vigorou chamar de guinada pragmática, pela reorganização das fronteiras e dos seus objetos como disciplina e nível de análise linguístico (WEEDWOOD, 2002). Por tais considerações, neste texto, objetiva-se discutir a transformação da Pragmática no contexto dos estudos linguísticos consoante as contribuições da filosofia da linguagem. Como partida e para fins de organização retórica, traça-se um breve panorama de seus conceitos fundantes. Para tanto, vale-se da abordagem bibliográfica e crítica, que transita entre a historicização en passant e análise epistêmica (ARMENGAUD, 2006; MARCONDES, 2000; VIDAL, 2003; WEEDWOOD, 2002) expondo-se acerca dos seus domínios teóricos centrais que dialogam ou subsidiam as diversas linhas de investigação da Linguística contemporânea. S U M Á R I O Nesse recorte, explicitam-se alguns dos conceitos principais sem a pretensão de aprofundamento, mas que delineiam as possíveis fronteiras da disciplina em questão e a dotam de um caráter teóricometodológico plural (ARAÚJO, 2004; LEVINSON, 2007; PINTO, 2004, tais como a função comunicativa (WITTGENSTEIN, 1999); a noção griceana de cooperação (GRICE, 1982); os atos de fala (AUSTIN, 1990; SEARLE, 1981); o conceito de performatividade (HYMES, 2009; MARCONDES, 2010; OTTONI, 1998). Em decorrência, problematiza-se 160 a dificuldade de uma definição restrita e disciplinar do campo, mediante um balanço dos postulados de alguns de seus principais expoentes. Igualmente, destacam-se alguns objetos de investigação atualmente considerados sob os domínios da Pragmática (RAJAGOPALAN, 1996; 2002), nomeadamente, os atos da fala e questão enunciativo-contextual (AUSTIN, 1990; VIDAL, 2003); o princípio de cooperação (GRICE, 1982) e o princípio da relevância (SPERBER; WILSON, 2001); a estruturação da conversação (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003; WATSON; GASTALDO, 2015). Objetos abordados ordenadamente na terceira seção do texto. Sendo assim, o presente capítulo vigora em contribuir para uma cartografia de um ramo disciplinar sobremaneira diversificado, ao passo que constrói o fio do discurso, para tomar um termo de AuthierRevuz (1998), com base na assunção da Pragmática como um rizoma, consoante a metáfora de Deleuze e Guattari (1995), isto é, capaz de estabelecer variadas conexões e inter-relações entre diferentes áreas do conhecimento, níveis de análise e linhas epistemológicas, apontando para a complexidade de sua circunscrição a um único domínio investigativo. Com essa metáfora, é possível vislumbrar a condição não reducionista da Pragmática, sendo, ao contrário, sua maior riqueza pelas possibilidades de interface. Fator que, contemporaneamente, a dotam de uma posição mais privilegiada, bem diferente do estatuto subsidiário como “cesto de lixo” da Linguística a que ficou relegada por décadas - para relembrar a conhecida analogia de Bar-Hileel (1971). S U M Á R I O Por conseguinte, é no intuito de apontar para esse conjunto multifacetado de interconexões e, por consequência suas aplicações, que o presente texto, a rigor, vem a dar sua contribuição ao debate. Assim como Armengaud (2006), mesmo sem o intuito de apresentar alguma teoria original ou resultado de pesquisa empírica referente à temática, espera-se evidenciar a ideia ou o argumento de uma Pragmática como conceito ou campo linguístico dotado de uma dimensão heurístico- 161 rizomática que se desdobra nos níveis indexical, actancial e interacional pela racionalidade comunicativa, nos quais os limites entre o que é interno e externo à língua/linguagem são relativizados. O QUE VIROU COM A PRAGMÁTICA? UM BREVE PERCURSO EPISTEMOLÓGICO E GENEALÓGICO S U M Á R I O Para efeitos da explanação nesta seção, importa menos traçar um comparativo entre a condição da Linguística e da Filosofia da Linguagem - antes e depois da virada pragmática - e mais em explicitar o que uma substancial literatura tem dito sobre isso, além dos efeitos do avanço da disciplina em questão nos estudos da linguagem. Basta pensar na expectativa de Rajagopalan (2010) em vê-la como ponte produtiva para os diálogos com outras áreas. Trata-se de uma ideia que se aproxima do que pretendemos, sub-repticiamente, defender, qual seja, o seu estatuto epistemologicamente rizomático. Partindo de Deleuze e Guattari (1995), convém enxergar na discussão epistêmica dessa disciplina um conjunto heterogêneo de agenciamentos enunciativos e coletivos em múltiplas conexões e, nesse processo, exibe-se a multiplicidade de seus desdobramentos, grandezas, possibilidades de combinações e rupturas – tudo isso, como posto, é característico do rizoma – porquanto, “todo rizoma compreende linhas de segmentaridade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc.; mas compreende também linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 17 – grifos nossos). Dessa forma, intentamos encontrar no largo do desenvolvimento da Pragmática sua condição rizomática em seus distintos nódulos de territorialização e desterritorialização epistêmica. 162 De partida, importaria questionar as razões pelas quais a racionalidade comunicativa e a percepção do uso da linguagem, como dimensões determinantes no processo de significação, ficaram obnubilados por tanto tempo na tradição ocidental, já que coube ao “segundo” Wittgenstein (1999) inserir o princípio da comunicabilidade, precipuamente, pela incursão em suas Investigações Filosóficas nos anos 30 do século XX. Com efeito, Weedwood (2002) relembra que uma das preocupações na tradição filosófica clássica girava em torno da linguagem como espelhamento do mundo, sua capacidade representativa, isto é, a palavra significativa – lógos, expressa pela phoné - materialidade fonética ou enunciado, bem como a léxis, como forma da palavra. São, na verdade, extratos das especulações em torno das partes do discurso e dos constituintes semânticos do enunciado numa especulação filosófica direcionada às instâncias imanentes e formais da língua, da gramática e do significado. Não obstante, convém considerar que a Linguística Geral saussuriana e o formalismo da gramática gerativo-transformacional chomskyana, cada uma a seu modo, mantiveram suas preocupações no sistema linguístico como um fenômeno virtual ou na estrutura subjacente – na langue de Ferdinand de Saussure e na competência para Noam Chomsky (WEEDWOOD, 2002). Isso quer dizer que ambas perspectivas não puderam pelo recorte epistemológico adotado dar conta da variabilidade da parole ou da performance, já que, de acordo Weedwood (2002, p. 144) a “pragmática estuda os fatores que regem nossas escolhas linguísticas na interação social e os efeitos de nossas escolhas sobre as outras pessoas”. Mesmo Ludwig Wittgenstein sendo considerado um dos fundadores, ao estabelecer o paradigma da comunicabilidade como determinante para a significação (ARMENGAUD, 2006), não estabeleceu uma teoria sistemática e autônoma (SOUZA FILHO, 2006). S U M Á R I O 163 Em todo caso, urge assinalar a importância da filosofia da linguagem para a problematização das questões interpostas no momento histórico em que há uma busca acentuada na lógica, nas teorias formais, na quantificação e na matemática como pressupostos à construção de sistemas explicativos, constituintes do conhecimento e das intuições, seja numa abordagem analítica ou sintética (ARMENGAUD, 2006). Na verdade, esses foram alguns elementos formadores de um ambiente epistemológico herdeiro da tradição clássico-aristotélica e kantiana, fundantes de uma racionalidade que esbarrou na dificuldade de encontrar uma representação formal universal apoiada na linguagem, visto que “um problema filosófico para cuja solução buscamos uma análise do significado dos termos nele envolvido surge porque nos falta clareza sobre como descrever uma ou mais das diferentes características de um tipo específico de sentença” (MARCONDES, 2000, p. 55). Em suma, o princípio da comunicabilidade e dos jogos de linguagem do segundo Wittgenstein marcam uma mudança de eixo na filosofia ocidental para a superação do logicismo numa pós-metafísica antiessencialista (ARAÚJO, 2004). S U M Á R I O De todo modo, segundo Marcondes (2000, p. 55), por ser algo tipicamente humano, para compreender nossa natureza, é preciso chegar na linguagem “como constituidora e reguladora da atividade social, tendo em vista sua função comunicativa” e, apesar de Ferdinand de Saussure ser considerado o fundador da Linguística contemporânea determinando as condições para uma investigação científica dos fatos da linguagem e ter consciência da condição heteróclita, social e psíquica da língua, seu arcabouço conceitual e metodológico optou por negligenciar essas instâncias. Coube, pois, à filosofia da linguagem problematizar essas questões e propiciar modelos explicativos para a questão da significação que, direta ou indiretamente, deram condições ao formalismo linguístico abrir espaço para o redimensionamento da Pragmática. 164 É evidente que esse processo é acompanhado pela institucionalização e agenciamentos discursivos - Rajagopalan (2010) expõe um levantamento aprofundado desse processo no Brasil15 – referente a um conjunto nada desprezível de publicações, pesquisas com diferentes materiais, eventos científicos e investimentos que foram aventados para dar condições a que as situações de exceção da pesquisa linguística formalista, como postula Pinto (2004), fossem sistematicamente investigados a partir dos postulados emergentes e com o objetivo de “explicar a linguagem em uso e não descartar nenhum elemento não-convencional: esses dois pontos comuns aos estudos pragmáticos formam uma linha derivada da história da preocupação com o uso linguístico” (PINTO, 2004, p. 49). Em todo caso, não se pode supor, como endossa Rajagopalan (2002), que essa produção seja passível de menos rigor teórico-metodológico, porquanto ainda persiste a ideia de que a Pragmática é uma “terra de ninguém”, onde todo experimentalismo superficial e menos exigente é possível, ou que seja um “campo de milagres” no qual os fatos rebeldes à formalização na sintaxe ou na semântica sejam na Pragmática resolvidos por alguma teoria “coringa” como recurso explanatório (RAJAGOPALAN, 2002). Ao que parece, a territorialização dessa disciplina também envolveu políticas de legitimação. No que se refere à “fundação” desses estudos, é complexo estabelecer marcos precisos e únicos, senão observar um conjunto de proposições, alterações na maneira de como as diferentes tradições filosóficas passaram a encarar ou renovar os modos de conceber as relações entre razão, pensamento e linguagem como um todo. Segatto (2009) defende que Wilhelm von Humbold, filósofo alemão, tenha sido um dos primeiros a romper com a ideia de língua S U M Á R I O 15 Um demonstrativo desse contexto na atualidade mostra-se na profusão de teses e dissertações defendidas que são acionadas pela palavra-chave pragmática linguística, por exemplo, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD, que exibe 388 resultados nos últimos cinco anos. Numa rápida busca no Portal de Periódicos da CAPES usando a mesma tag, encontram-se 840 itens como resultados no mesmo período. 165 como instrumento e pensá-la como um elemento constitutivo da intersubjetividade, do conhecimento e da objetivação a experiência (SEGATTO, 2009). Portanto, em suas preleções no escrito “Sobre Linguagem e Pensamento”, de 1895-1896, é que Humbold rascunha uma noção de língua como energeia ou ação e como instância sine qua non da comunicação (SEGATTO, 2009). Não obstante, a tradição pouco tem evidenciado a importância desse filósofo. Com efeito, tanto Araújo (2004) e Pinto (2004) quanto Armengaud (2006) posicionam a importância de Charles S. Peirce, a partir de sua teoria geral e triangular dos signos – a Semiótica. Na esteira desse filósofo – dele se aproximando ou se distanciando, diversos pensadores formaram a corrente filosófica do pragmatismo norteamericano, dentre eles William James, Willard V. Quine, James Dewey, Charles Morris e, mais atualmente, Richard Rorty. Com efeitos mais diretos nos estudos linguísticos, a semiótica peirceana importa pela veiculação, interdependência e não hierarquização entre signo, objeto e interpretante como fundamento de sua doutrina, pois “a linguagem ‘semiotiza’ a realidade, a linguagem é o lugar onde emergem as significações” (PINTO, 2004, p. 56). Nesse contexto, Peirce é o primeiro a adotar o termo pragmática em seu texto seminal, de 1978, How to make our ideas clear onde também expressa a máxima pragmatista, qual seja, de que “a nossa ideia de qualquer coisa é a nossa ideia dos seus efeitos sensíveis” (PEIRCE, 1978, p. 12), pressuposto do seguinte argumento: “considera quais os efeitos, que podem ter certos comportamentos práticos, que concebemos que o objecto da nossa concepção tem. A nossa concepção dos seus efeitos constitui o conjunto da nossa concepção do objeto” (PEIRCE, 1978, p. 12)16. A essa primeira corrente também se ligam, na esteira da semiótica peirceana, os estudos sobre os processos de indexicalidade S U M Á R I O 16 Tradução de António Fidalgo da Universidade da Beira Interior. Disponível em: <http://www. bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-peirce-how-to-make.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2019. 166 dos símbolos, voltados para o conhecimento das coordenadas contextuais determinantes para atribuição do significado e para o estatuto autônomo da disciplina. Armengaud (2006) a identifica como pragmática de primeiro grau, tendo Bertrand Russell, Har-Hillel e Paul Gochet como grandes representantes na investigação de como a indexicalidade atrela-se à questão contextual, ao momento da fala, à centralidade do tempo e dos embreadores – largamente tratados por Benveniste acerca do aparelho formal da enunciação (BENVENISTE, 1989). Esses elementos, a rigor, constituem a vertente contextualista, que “considera o contexto como noção central na análise pragmática, examinando as características das situações de uso que incidem diretamente na determinação do significado das expressões linguísticas” (SOUZA FILHO, 2006, p. 220), na qual os limites com a Semântica ainda estão indeterminados. S U M Á R I O Uma segunda corrente, conforme Pinto (2004), origina-se com o desenvolvimento da filosofia da linguagem ordinária que tem em Gilbert Ryle, Peter F. Strawson e John Langshaw Austin seus maiores expoentes. Esses filósofos instauram a ideia da linguagem ordinária como condição para compreender a mediação social da linguagem e romper com o atomismo e positivismo lógico da filosofia analítica (RAJAGOPALAN, 2010). No bojo dessa discussão, Austin (1990) propõe a linguagem como ação/ato e “de acordo com essa concepção, ‘dizer é fazer’; portanto, a determinação do significado só pode ser feita a partir da consideração do ato que está sendo realizado quando essas expressões são proferidas e das regras que tornam possível a realização desses atos” (SOUZA FILHO, 2006, p. 220). É Austin (1990) quem introduz as noções de ato de fala e performativo, bem como um conjunto de conceitos com o objetivo de pensar um modelo teórico e mais sistemático, com clara inspiração wittgensteiniana, que dariam à Pragmática um campo relativamente autônomo nos estudos da linguagem ao centrar as investigações 167 a partir de uma visão performativa da linguagem (AUSTIN, 1990; LEVISON, 2007; MARCONDES, 2010; OTTONI, 1998). Armengaud (2006), sintetizando a proposta de Bengt Hansson para um programa e ordenamento dos estudos nessa linha, explicita três graus, indicando “a ideia de uma passagem progressiva de um plano a outro” (ARMENGAUD, 2006, p. 64), a saber: a) pragmática de primeiro grau – atem-se ao nível do signo, seu estatuto indexical, referência contextual imediata em suas coordenadas de tempo e espaço no momento da fala – vertente contextualista (SOUZA FILHO, 2006); b) pragmática de segundo grau: preocupa-se com os sentidos literal e comunicado das proposições. Esse nível corresponde ao tratamento da pressuposição, das implicaturas convencionais e conversacionais, do sentido em contexto, dentre outros elementos. Nesse contexto, inserem-se os estudos sobre o sentido argumentativo, consoante a pragmática integrada da Semântica Argumentativa de Ducrot (1987) e a teoria das máximas conversacionais de Grice (1982) que forma uma terceira corrente de estudos que iluminam as pesquisas sobre comunicação (PINTO, 2004); c) a pragmática de terceiro grau, correspondente ao performativo austiniano, no qual “as afirmações agora não só dizem sobre o mundo como fazem algo no mundo. Não descrevem a ação, praticam-na” (OTTONI, 1998, p. 37). S U M Á R I O Como se vê, a Pragmática Linguística é herdeira de várias correntes e tradições diferentes, embora é da relação de ruptura com a filosofia analítica e com o positivismo lógico reinante na tradição austroanglo-americana que a retomada das investigações da linguagem em sua opacidade e historicidade - como mediadora das relações sociais e culturais, conforme defende Rajagopalan (2010) - deram condições de colocar a discussão da linguagem para além do formalismo que imperava nos estudos linguísticos do século XX. As fronteiras que separam a filosofia da linguagem e a Linguística, a partir de então, só existem em nível institucional (RAJAGOPALAN, 2010). 168 AINDA É POSSÍVEL DEFINIR PRAGMÁTICA (?) A ambiguidade do subtítulo acima é proposital, pois, entre afirmação e questionamento, sua definição é um trabalho hercúleo. Certamente trata-se de um desafio de difícil empreendimento, quando mesmo Levinson (2007) não deixa essa questão fechada e aponta as problemáticas e lacunas nas definições postas até então, sugerindo observar o que os pesquisadores têm feito ao usar ou advogar essa nomenclatura em seus trabalhos. Com efeito, a análise da práxis científica, as propostas de investigação e o percurso genealógico contribuem para encontrar os pontos de confluência, sem pretensão de consensualidade (RAJAGOPALAN, 1996). Em todo caso, segundo a visão de Rajagopalan (1996), ainda impera um certo anarquismo conceitual e, quiçá epistemológico, já que “tendência a ‘empurrar com a barriga’ a própria definição do que possa ser o domínio da pragmática sempre foi grande entre os teóricos que se debruçaram sobre a questão” (RAJAGOPALAN, 1996, p. 06). Destarte, vigora explorar essa pluralidade conceitual no intuito de encontrar pontos de singularidade e talvez seja na relação de diferença entre os diversos ambientes epistemológicos que se possa vislumbrar suas margens na linguística. No caso, o interesse aqui então direciona-se a fazer um breve balanço das definições, a fim de que o (a) leitor (a) possa transitar nesses ambientes, tendo em conta a dimensão da complexidade dos diferentes domínios envolvidos. S U M Á R I O De partida, convém destacar que o semioticista Charles W. Morris (1944), em seu Foundations os Theory of Signs, define a Pragmática como a Ciência que estuda a relação entre os signos e os usuários. Nessa acepção, teria dois qualificativos - puro e descritivo - no qual o primeiro diz respeito à dimensão pragmática da semiose e o segundo em seu aspecto aplicado (MORRIS, 1944). Com isso, diferencia o estudo sintático como a relação dos signos com outros 169 signos e o estudo semântico como relação dos signos com o que designam (ARMENGAUD, 2006). Morris (1944) ainda assinala que o interpretante do signo é a mente e, por isso, há uma intricada relação entre pensamento e linguagem para a compreensão da dimensão pragmática do signo. Dessa primeira definição até a atualidade, Haberland e Mey (2002) pontuam que o problema a ser circunscrito continua o mesmo, isto é, se a linguagem deve ser definida de dentro para fora, com o propósito de estabelecer uma descrição objetiva do objeto; ou o oposto, considerar olhá-la de fora para dentro na reflexão sobre a possibilidade de seu objeto. Em suma, uma conceituação que está entre o racionalismo essencialista frente a uma abordagem ontológica (HABERLAND; MEY, 2002). Embora os referidos autores, ao editarem o primeiro volume do Journal of Pragmatics, em 1977, já concordassem com a instância do uso como elemento que circunscreve o campo, afirmam que há outros ângulos a serem considerados ainda, desde que a perspectiva do usuário seja invocada (HABERLAND; MEY, 2002). S U M Á R I O Tal é a posição de Georges Yule (1996). O linguista britânico estabelece alguns posicionamentos conceituais e dos domínios para o campo em questão. Afirma, primeiramente, que se trata de um estudo do significado conforme comunicado por um falante/escritor e interpretado por um ouvinte/leitor – vem a ser, pois, o estudo do significado do falante. Em segundo, assevera que nessa acepção a questão da interpretação do que o sujeito significa é influenciado pelo contexto, ou seja, o estudo do significado contextualizado. Nesse âmbito, a questão das inferências e da interpretação das intenções comunicativas é fundamental. Logo, vem a ser o estudo mais do conteúdo comunicado do que propriamente do dito (YULE, 1996). Igualmente, ratifica sobre as vantagens de estudar a linguagem sob a perspectiva pragmática como forma de dar conta dos significados pretendidos, seus objetivos, intenções, premissas e quais ações performam quando falam (YULE, 1996). Essa acepção adota a questão 170 do uso e as constrições sociais, com clara influência de Austin (1990) e Wittgenstein (1999), como componentes distintivos. Preferindo uma caracterização intuitiva e informal, a linguista espanhola Escandell Vidal (2003) pontua que pragmática é o estudo dos princípios que regulam o uso da linguagem na comunicação. Sob essa ótica, concerne às condições que “determinam o emprego de um enunciado concreto por parte de um falante concreto em uma situação comunicativa concreta, como também sua interpretação por parte do destinatário” (VIDAL, 2003, p. 14, tradução nossa17). Além disso, a pesquisa nesse campo pode direcionar-se ao estudo das atitudes dos falantes na relação com as formas linguísticas, além da relação do significado gramatical do falante com os feitos e objetos do mundo (VIDAL, 2003). Essa estudiosa entende que há fenômenos que só podem ser explicados pela emergência dos elementos “extralinguísticos”, caso contrário, certas descrições serão insuficientes. É notório, em todo caso, as similitudes com os posicionamentos de Yule (1996) no que se refere à emergência do uso linguístico concreto e do fator comunicabilidade – junto de seus elementos constitutivos – como forma de circunscrever o domínio da disciplina. Outro ponto consoante parece ser o fato da pesquisa em Pragmática declinar frente às formalizações apriorísticas. Em outros termos, não se aceita uma descrição ou estruturação das línguas naturais sem que o papel do uso concreto balize tais considerações ou que se adote uma visão de linguagem instrumentalizada e afastada do social. Jef Verchueren, um dos expoentes pragmaticistas na atualidade, relembra que a língua é dinâmica e mutável, desenvolvendo-se com as constantes constrições de adaptação, circunstâncias e propósitos (VERCHUEREN, 2009). Para o linguista belga, vem a ser um campo multidisciplinar que lida com o uso e na inter-relação entre forma e uso, S U M Á R I O 17 No original: “las condiciones que determinan tanto ele empleo de un enunciado concreto por parte de um hablante concreto em una situación comunicativa concretas, como su interpretación por parte del destinatário” (VIDAL, 2003, p. 14). 171 sendo que nesse processo intervém questões de ordem cognitiva, cultural e social. Sendo assim, quando se reporta à noção de uso, não se pode esquecer da condição contínua das escolhas – considerando todos os níveis da estruturação linguística: fonológica, sintática, semântica, lexical etc. Escolhas que, conscientes ou não, envolvem todo tipo e de variação. Logo, a pragmática, como teoria do uso e da ação, poderia preocupar-se com os mecanismos dessa seleção e seus efeitos (VERCHUEREN, 2009). Em certa medida, as proposições de Levinson (2007) subsumem os principais aspectos apresentados até aqui. Em sua obra Pragmatic18, de 1983, o cientista social britânico expõe alguns marcos conceituais, ao passo que problematiza as implicações decorrentes de cada um, os quais assinalamos sucintamente a seguir: S U M Á R I O a) é o estudo das relações entre língua e contexto que são gramaticalizadas ou codificadas na estrutura da língua. (LEVINSON, 2007, p. 11); b) é o estudo de todos os aspectos do significado não capturados em uma teoria semântica. (LEVINSON, 2007, p. 14); c) é o estudo das relações entre a língua e o contexto que são básicas para uma descrição da compreensão da linguagem (LEVINSON, 2007, p. 25). Em suma, o estudo do papel que o contexto desempenha no significado do falante (ou da enunciação) [...] se concentra na natureza do contexto [...] um dos objetivos de uma teoria pragmática consiste em explicar essa natureza (LEVINSON, 2007, p. 29); d) é o estudo da capacidade dos usuários da língua de emparelhar sentenças com os contextos em que elas seriam adequadas [...] uma teoria pragmática, em princípio, deve prever, para 18 Utilizou-se a tradução publicada em 2007. 172 toda e qualquer sentença bem-formada de uma língua, numa interpretação semântica específica, o conjunto de contextos em que seria adequada. (LEVINSON, 2007, p. 29); e) S U M Á R I O é o estudo da dêixis (pelo menos em parte), da implicatura, da pressuposição, dos atos de fala e dos aspectos da estrutura discursiva. (LEVINSON, 2007, p. 32). Com efeito, a definição em (a) restringe o campo a uma descrição linguística da estrutura e a subordina à Semântica. Além disso, deixa na periferia da proposta o princípio da comunicabilidade, isto é, dos efeitos perlocucionários dos atos de fala sobre os interactantes (AUSTIN, 1990) e a dinâmica comunicativa e conversacional, bem como o estudo das implicaturas conversacionais (GRICE, 1982). O disposto em (b) torna o pragmático uma sobra do semântico, ao passo que os pragmaticistas deixam claro que há um substancial conjunto de casos em que a significação pragmática é anterior à semântica. Levinson (2007) prefere restringir a semântica ao estudo da vericondicionalidade. Os conceitos de verdade/falsidade, como visto, tomam outra acepção pela noção de performativo austiniano (AUSTIN, 1990; SEARLE, 1981). Se a proposição em (c) é bastante aceita pela categoria contexto, então a Pragmática deve propiciar modelos teóricos que deem conta dessa questão ampla e controversa: como delimitar os contextos possíveis e a partir de quais referências essa delimitação permite uma descrição razoável para a interpretação dos enunciados. O conceito em (d) aproxima-se da noção austiniana de felicidade e infelicidade do performativo, isto é, que existem condições e regras de adequação dos atos de fala. No entanto, a categoria adequação vem a exigir uma teoria que possa descrever esse processo seja em sua totalidade abstrata e isso pode redundar em generalizações e previsões que não invoquem o uso efetivo da língua (LEVINSON, 2007). Finalmente, a asserção (e) traduz um esforço em preferir uma definição circunscrita pelos objetos e conjunto de fenômenos considerados como itens 173 distintos do campo. Como se vê, a territorialização epistemológica da Pragmática esbarra na criação, digamos, de pacotes de exceções e vigora ser uma tarefa arriscada. Em contrapartida, Austin (1990) e Searle (1981) não utilizaram o termo, apesar de suas teorias formarem uma das bases centrais da pragmática de terceiro grau (ARMENGAUD, 2006). Searle (2007, p. 03) deixa bem claro a razão disso quando diz que prefere não se utilizar do termo “porque ele sugere uma distinção rigorosa entre Pragmática e Semântica, e eu não acredito que essa distinção possa ser feita”. Diferentemente de Searle (2007; 1981), Charles Morris (1944), George Yule (1996), Stephen Levinson (2007) e Jef Verchueren (2009), para citar alguns, traçam essa delimitação. Mesmo Austin (1990) indiretamente o faz no momento em que ao estabelecer o performativo como categoria que fundamenta os atos de fala, rompe com a tradição formalista e logicista que trata a significação pelas condições da referencialidade vericondicional sob o estatuto da representação como espelho da realidade e da possibilidade de uma linguagem transparente. Não obstante, esses pensadores concordam com o fato da significação envolver intencionalidade e o princípio da comunicabilidade. No caso, para Searle (1981, p. 60), “a unidade fundamental do significado é o que o falante quer dizer ao produzir um enunciado e que a unidade fundamental de enunciados significativos é o ato de fala”. S U M Á R I O Se a significação se atrela à questão da intencionalidade, pois “ao falar tentamos comunicar certas coisas ao nosso ouvinte, fazendo com que ele reconheça a nossa intenção ao comunicar precisamente aquelas coisas” (SEARLE, 1981, p. 60), então, nessa acepção, a pragmática precisa dar conta de como funciona o processo de reconhecimento das intenções comunicativas e explicitar como isso se dá na comunicação como um todo. Usar a linguagem pressupõe querer/intencionar que o outro entenda a significação pretendida e a reconheça a partir de determinados elementos ou de um estado de 174 coisas que se aplicam à emissão/ato realizado (SEARLE, 1981). Sendo assim, o agir pela fala envolve intencionalidade, significação e uma teoria nessa episteme precisa propor uma abordagem precisa para essas questões. Retomando a questão da definição, as considerações de Jacob L. Mey (2001) contribuem para estabelecer alguns pontos de vista para a territorialização conceitual do campo. O linguista e pragmaticista holandês destaca que o termo pode ser visto sobre três ângulos, a saber: como componente, como perspectiva e como função. No primeiro ângulo, a Pragmática pode ser entendida como parte das diferentes habilidades humanas que compõem a faculdade da linguagem – tomando a acepção chomskyana para o termo – assim como há o componente fonológico, sintático e semântico. Corresponde, então, à visão modular, interdependente e cooperativa das diversas unidades da cognição numa posição internalista em nível de análise. Tal acepção aproxima-se das definições (a) e (b) destacadas por Levinson (2007). Na segunda acepção, pragmática como perspectiva, entende-se que levar em conta os elementos sociais que tornam certos usos da linguagem mais ou menos aceitáveis em relação a outros, bem como a assunção das regras sociais, culturais e contextuais desses usos, ou seja, a língua/linguagem como prática social e, em todo caso, essa noção serve como “guarda-chuva” para abarcar outros componentes e subáreas da Linguística (MEY, 2001). Essa posição coaduna-se com as definições (c) e (d) consoante Levinson (2007) acima expostas. Por fim, enquanto função, assenta-se na ideia de expressão, manifestação e representação no processo comunicativo real. Aproximando-se das definições (d) e (e) em Levinson (2007) supramencionadas, a função pragmática estende-se às condições de significação na conversação e no processo de interação social como um todo (MEY, 2001). S U M Á R I O 175 NOTAS SOBRE OS OBJETOS EM PRAGMÁTICA Para efeitos da exposição desta seção, convém retomar a definição em Levinson (2007) - em (e) na seção anterior - qual seja de que “Pragmática é o estudo da dêixis (pelo menos em parte), da implicatura, da pressuposição, dos atos de fala e dos aspectos da estrutura discursiva” (LEVINSON, 2007, p. 32). Malgrado esse conceito não seja preciso, nem ofereça elementos suficientes para estabelecer as fronteiras da disciplina, aponta-se para um conjunto de objetos mormente tratados no campo. Antes de tudo, alguns conceitos básicos são fundamentais para a familiarização com esses objetos, conforme sintetizados por Vidal (2003), como componentes materiais e componentes relacionais. No quadro a seguir, expõe-se um panorama dos principais objetos e áreas de investigação, sem pretensão de esgotamento, com base no disposto em Levinson (2007), Vidal (2003), Perna, Goldnadel e Molsing (2016) e Yule (1996): S U M Á R I O 176 Tabela 01 – Panorama dos estudos pragmáticos PRAGMÁTICA Categorias operatórias Linhas de investigação, interface ou de explicação pragmática Áreas do Conhecimento Componentes Materiais (emissor, destinatário, enunciado e contexto) Componentes Relacionais (informação pragmática, intencionalidade e relação social); Dêixis Pressuposição Implicaturas conversacionais; Princípio de cooperação Ato de fala (locucionário, ilocucionário e perlocucionário) Performatividade Jogos de linguagem Sentido literal/contextual/ argumentativo Princípio da Relevância Comunicação inferencial Agir comunicativo Pragmática formal Pragmática indexical Pragmática universal Pragmática experimental Pragmática e Análise do Discurso Pragmática e Literatura Pragmática e Direito Pragmática e Didática das línguas Semântica Argumentativa Estudos da metáfora Estudos da tradução Estudos da polidez linguística Estudos da referenciação Estudos da estrutura discursiva Aquisição e processamento da Linguagem Filosofia da Linguagem e filosofias da ação Linguística (da Enunciação, Cognitiva, Funcionalista, Psicolinguística, Sistêmico-funcional, Aplicada, de Corpus, dentre outras) Antropologia Sociolinguística Interacional Sociologia – Etnometodologia e Análise da Conversa Ciências Cognitivas e Psicologia Neurociências Teorias da Comunicação Ciências da Informação Ciências da Computação Fonte: Elaborado pelo autor S U M Á R I O Com efeito, para cada um dos elementos apresentados na tabela acima, há uma vasta literatura abordando-os e investigando os diferentes pontos problemáticos de acordo com o enfoque epistêmico adotado. Nesse sentido, seria contraproducente tentar um mostruário definitivo, em razão do constante avanço da investigação científica, as diferentes áreas que passaram a dialogar ou fazer interface com a Pragmática, além da renovação ou ressignificação 177 de inúmeras categorias operatórias decorrente desses processos. Contudo, em razão dos limites do presente texto, discorre-se acerca de três quadros teórico-metodológicos mais abrangentes e que têm dialogado diferentes linhas epistemológicas e áreas do conhecimento. Diante disso, importa fazer uma breve incursão em um conjunto de referências exponenciais. DA NOÇÃO DE ENUNCIADO E ATO DE FALA Com efeito, para Vidal (2003), em Pragmática há componentes materiais e relacionais, como mencionado anteriormente. Sob esse prisma, os componentes materiais são externa e objetivamente localizáveis. Pode-se, não obstante, estendê-los a um conjunto de elementos factuais, virtuais ou presumidos que estão postos no jogo dialógico e intersubjetivo da linguagem em sociedade (JACQUES, 1985), uma vez que pelo princípio da comunicabilidade (WITTGENSTEIN, 1999) a posição de locutor/emissor é transferível em relação aos participantes, assim como a enunciação não se trata somente de uma posição subjetiva pelo acionamento no momento da fala, mas é uma atividade exercida por quem escuta, o destinatário/alocutário (JACQUES, 1985). Portanto, as condições materiais, conforme Vidal (2003), correspondem a esses elementos postos no mise en scène comunicativo: emissor, receptor, enunciado, o contexto comunicativo e demais constituintes que Bakhtin (2014), por sua vez, posiciona como fundamentais para a instauração e compreensão da interação verbal, histórica e ideologicamente marcada ou, como quer Jacques (1985), a enunciação como colocação em discurso desses elementos. S U M Á R I O Diante disso, a definição de enunciado é essencial. Para Vidal (2003) trata-se de uma sequência linguística concreta produzida numa dada situação comunicativa e, por conseguinte, é uma unidade do 178 discurso interpretada por suas condições semânticas e de emissão. Em Levinson (2007), o enunciado constitui-se do emparelhamento da sentença – entidade teórico-abstrata – com um contexto, sendo isso o princípio da enunciação. Posição próxima à de Ducrot (1987), para quem a frase é uma entidade teórica e o enunciado é o aparecimento histórico e contextualizado da frase, mas nem sempre há identificação restrita entre ambos. O enunciado, como unidade comunicativa para Bakhtin (2000; 2014), é sempre único, historicamente constituído e resultado da interação verbal por seu caráter responsivo. Além disso, um enunciado está atrelado às condições de produção, circulação e recepção no processo de estabilização das formas de comunicação em gêneros discursivos (BAKHTIN, 2000; 2014). Logo, a noção de enunciado também não corresponde a um objeto “fechado” e único nos estudos pragmáticos. Todavia, para destacar a posição de Austin (1990) quanto ao enunciado e, consequentemente, aos objetos mormente estudados na área, convém retomar a definição do campo como sintetizado por Lins (2008) para quem a “pragmática pode ser considerada o estudo da ação deliberada com a intenção de levar o interlocutor a reacessar o modelo de como as coisas são, incluindo o sistema de valores e o modelo das crenças, atitudes e intenções do falante” (LINS, 2008, p. 09, grifos da autora). Logo, a noção de enunciado em Austin (1990) tem a ver com os atos de fala. S U M Á R I O Grosso modo, em Austin (1990), o enunciado é um proferimento numa dada situação social, realizados por atos de fala. Indo mais fundo, os pressupostos austinianos nos levam ao debate sobre as questões éticas, sociais, ideológicas e culturais que determinam as condições de aparecimento e o circuito dos proferimentos. Inicialmente, o filósofo britânico traça a diferença entre o ato constatativo e performativo – o primeiro, a rigor, como proferimento de referência histórica sujeito às condições semânticas de verdade/ 179 falsidade, além de atuar como descrição, declaração factual etc.; o segundo, o proferimento performativo, trata-se daquela “expressão linguística que não consiste, ou não consiste, apenas, em dizer algo, mas em fazer algo, não sendo um relato, verdadeiro ou falso, sobre alguma coisa” (AUSTIN, 1990, p. 38). Nesse âmbito, Austin (1990) traça a diferença entre atos locucionários, ilocucionários e perlocucionários para compreensão da força e natureza dos performativos, a serem esclarecidos pela análise do exemplo a seguir: Exemplo 1: Ato (A) ou Locução Ele me disse “Atire nela!” querendo dizer com “atire” atirar e referindo-se a ela por “nela”. Ato (B) ou Ilocução Ele me instigou (ou aconselhou, ordenou, etc.) a atirar nela. Ato (C.a) ou Perlocução Ele me persuadiu a atirar nela. Ato (C.b) Ele me obrigou a (forçou-me a, etc.) atinar nela. (AUSTIN, 1990, p. 90 – grifo nosso). S U M Á R I O Então, dos exemplos acima, depreende-se que o ato locucionário equivale a “dizer algo”, um proferimento que se materializa pelo uso da língua e as locuções são unidades completas do discurso; ato ilocucionário confere pela realização de um ato/de algo – ação ao “dizer”; o ato perlocucionário quando da realização da ilocução com a intenção de se produzir efeitos no interlocutor. A força ilocucionária, seus efeitos e a significação das palavras utilizadas “têm de ser até certo ponto ‘explicadas’ pelo ‘contexto’ em que devem estar ou em 180 que foram realmente faladas numa troca linguística” (AUSTIN, 1990, p. 89). Trata-se de uma teoria pragmática que “leva em consideração como os falantes organizam o que querem dizer, de acordo com a pessoa com quem vão interagir, o lugar onde estarão, o momento histórico que estão vivendo e sob que circunstâncias estão atuando” (LINS, 2008, p. 04). Em todo caso, urge destacar que a literatura sobre as questões postas é vasta e o desafio presente consiste tanto na instauração de um possível modelo de classificação dos atos, ou mesmo de uma doutrina linguística que dê conta do alcance multidisciplinar do performativo e da noção de força ilocucionária austinianos, posto serem, no contexto atual, largamente utilizados nas Ciências Humanas em geral. Além disso, considera-se fundamental “um desenvolvimento pragmático da teoria, complementando essas análises tanto no aspecto formal quanto semântico, levando em conta, adicionalmente, os elementos que explicam os efeitos e consequências dos atos de fala, assim como os critérios de sucesso desses atos” (SOUZA FILHO, 2006, p. 227). Esse refinamento epistemológico invoca “a necessidade de formulação de um método de análise que possa tornar explícitos esses elementos implícitos da ação lingüística. Teríamos, com isso, a proposta de uma concepção pragmática de um método crítico ou reconstrutivo” (SOUZA FILHO, 2006, p. 228). Diante do exposto, o performativo austiniano evidencia que as identidades, formas de comunicação, condição histórica, social e ideológica dos sujeitos se inscrevem na linguagem como uma prática social, discursiva e forma de ação. S U M Á R I O 181 DAS MÁXIMAS E IMPLICATURAS CONVERSACIONAIS AO PRINCÍPIO DA RELEVÂNCIA Em uma de suas conferências seminais em 1967, Grice (1982) instaura o debate sobre as condições de interpretação dos enunciados, consoante a noção de comunicabilidade já assente pela filosofia wittgensteiniana, com a preocupação geral em “identificar e de caracterizar quais são os mecanismos que regulam o intercambio comunicativo e são responsáveis pelo significado adicionado” (VIDAL, 2003, p. 77, tradução nossa19). Trata-se de investigar as relações lógicas que atuam na conversação e que, por sua vez, estabelecem condições próprias para a significação e compreensão do enunciado na enunciação. Mais ainda, instaura-se o paradigma da comunicação inferencial, uma vez que somente numa língua ideal é possível a previsão da significação por símbolos formais ou mesmo o tratamento sistemático dos conceitos e das determinações científicas de uma análise. Não obstante, “restam os casos em que há muitas inferências e argumentos, expressos em língua naturais e não em termos destes símbolos, que são, contudo, reconhecidamente válidos” (GRICE, 1982, p. 83). Em outros termos, o que Grice (1982) propõe é sistematizar a lógica particular que rege a conversação, independentemente de seu conteúdo no intuito de “descrever uma certa subclasse de implicaturas não convencionais, que eu chamaria de implicaturas conversacionais, como essencialmente conectadas com certos traços do discurso” (GRICE, 1982, 86). A noção de implicatura tem proeminentes efeitos numa teoria pragmática, porquanto explicita S U M Á R I O 19 No original “identificar y de caracterizar cuáles son los mecanismos que regulan el intercambio comunicativo e son los responsables de ese ‘significado añadido’” (VIDAL, 2003, p. 77). 182 “como é possível querer dizer (num certo sentido geral) mais do que é efetivamente ‘dito’ (isto é, mais do que se expressa literalmente pelo sentido convencional das expressões linguísticas enunciadas)” (LEVINSON, 2007, p. 121). Trata-se do princípio de cooperação, assentado em quatro máximas ou categorias – quantidade, qualidade, relação e modo - nos seguintes termos: QUANTIDADE está relacionada com a quantidade de informação a ser fornecida e a ela correspondem as seguintes máximas: 1. Faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto requerido (para o propósito corrente da conversação); 2. Não faça sua contribuição mais informativa do que é requerido [...] Sob a categoria da QUALIDADE encontramos a supermáxima “trate de fazer uma contribuição que seja verdadeira e duas máximas mais específicas: 1. Não diga o que você acredita ser falso; 2. Não diga senão aquilo para que você possa fornecer evidência adequada [...] Sob a categoria da RELAÇÃO, coloco uma única máxima, a saber “Seja relevante”. Finalmente, sob a categoria do MODO [...] como o que é dito deve ser dito – incluo a supermáxima - “Seja claro” [...]: 1. Evite a obscuridade de expressão; 2. Evite a ambiguidade; 3. Seja breve (evite prolixidade desnecessária); 4. Seja ordenado. (GRICE, 1982, p. 86-88). S U M Á R I O É, portanto, no jogo de “obediência” e “quebra” ou violação dessas regras e máximas que as implicaturas surgem e surtem os efeitos de significação pretendidos pelos sujeitos no dinâmico processo interlocutivo. Da mesma forma, as intenções comunicativas se valem desses princípios para alcançar os efeitos perlocutivos, na acepção austiniana. Como informa Levinson (2007), na natureza das implicaturas conversacionais não está implicada, necessariamente, a forma linguística, ao passo que podem ser calculadas pelo contexto e por inferência. Nessa perspectiva, numa teoria que assume o princípio da comunicabilidade, pelo princípio da cooperação e da noção de linguagem como ato, é possível analisar o que os interlocutores buscam significar na enunciação, além da interpretação do comportamento linguístico e o que querem dizer, 183 bem como a influência do contexto naquilo que é dito (LINS, 2008). Dessa maneira, o paradigma comunicativo-inferencial griceano dá condições de análise dos proferimentos e do processo dialógico da interação verbal como um todo. Se por um lado, as máximas em questão inserem-se na ordem cultural das convenções linguísticas e comunicativas, diferentes frameworks teóricos realocam o modelo inferencial da comunicação humana nas especificidades da cognição humana. Sendo assim, chega-se a uma pragmática cognitiva que se interessa em “dar conta da construção do significado em situações de uso da linguagem através do arcabouço teórico-metodológico das Ciências Cognitivas” (FELTES; SILVEIRA, 2016, p. 66). Para tanto, urge destacar o seguinte conceito: É, resumidamente, uma teoria dos princípios e habilidades cognitivas para explicar a comunicação humana em que a cognição é orientada por uma tendência de otimizar o ato comunicativo. No centro de seus interesses, encontram-se os processos inferenciais implicados na comunicação. Os processos de produção e compreensão não se limitam a codificar e decodificar mensagens de conteúdos explícitos, pois envolvem, adicionalmente, a construção de inferências a partir do que é enunciado. (FELTES; SILVEIRA, 2016, p. 67). S U M Á R I O Logo, é no redimensionamento do princípio da cooperação de Grice (1982) que Sperber e Wilson (2001) postulam o princípio da relevância perspectivados numa visão de comunicação como um processo ostensivo e inferencial. Isto é, os interlocutores propiciam evidências para que possam inferir as intenções comunicativas uns dos outros e, nesse contexto, as diferentes linguagens podem ser acionadas sobre um conjunto de feitos, já que faz parte da condição natural da cognição otimizar o processamento da comunicação (SPERBER; WILSON, 2001), na medida em que “a pessoa que comunica produz um estímulo que torna mutuamente manifesto à pessoa que comunica 184 e aos receptores que a pessoa que comunica tenciona, por meio desse estímulo, tornar manifesto ou mais manifesto aos receptores um conjunto de suposições” (SPERBER; WILSON, 2001, p. 238). Em outros termos, a interpretação das elocuções numa comunicação verbal se dá pelo princípio da relevância, na qual o código é sempre uma pista para a interpretação das intenções comunicativas, porquanto “uma pessoa que comunica ostensivamente, comunica necessariamente que o estímulo que ela está a utilizar é relevante para os receptores. Por outras palavras, um acto de comunicação ostensiva comunica automaticamente uma presunção de relevância” (SPERBER & WILSON, 2001, p. 240). Nesse quadro teórico, o emissor busca comunicar suas intenções e conjunto de suposições, ao passo que o interlocutor, pelo princípio da relevância, reconstrói as hipóteses interpretativas deduzindo por meio das pistas oferecidas. Nesses termos, “um input é relevante para uma pessoa quando seu processamento no contexto de uma série de suposições anteriormente disponíveis produz um efeito cognitivo positivo” (SPERBER; WILSON, 2004, p. 240 – tradução nossa20). Numa abordagem como essa, é fundamental ter em conta “as inferências que os ouvintes fazem sobre o que é dito, com vistas a captarem as intenções do falante. Isso envolve, ainda, a análise do não-dito como parte daquilo que é comunicado, ou seja, é levada em consideração, também, a investigação do ‘significado invisível’” (LINS, 2008, p. 04). A perspectiva da relevância aproximase, em certa medida, da noção de competência comunicativa de Hymes (2009), no ponto relativo à capacidade linguística mobilizar as habilidades comunicativas independentes das condições socioculturais, pois está na ordem do cognitivo. Esse processo envolve, em síntese, o contexto cognitivo e imediato, as S U M Á R I O 20 No original: “Um input es relevante para uma persona cuando su procesamiento en el contexto de uma serie de supuestos anteriormente disponibles produce um efecto cognitivo positivo”. (SPERBER; WILSON, 2004, p. 240). 185 representações mentais dos sujeitos, conhecimentos partilhados e as implicaturas conversacionais como um todo. DA ESTRUTURAÇÃO CONVERSACIONAL Se as teorias pragmáticas como um todo assumem a relação língua e sociedade como pressuposto, então não é à toa que Yule (1996) e Levinson (2007) colocam a Análise da Conversa como um campo vigoroso de investigação. Trata-se de uma subárea da etnometodologia, uma linha científica da Sociologia – a microssociologia de Erving Goffman, sociólogo canadense - que busca a compreensão da ordem e da ação social consoante uma abordagem naturalista e “seu principal objeto de interesse são os métodos usados pelas pessoas comuns da sociedade para dar sentido às coisas do mundo” (WATSON; GASTALDO, 2015). Além disso, trata da competência cultural das pessoas, como organizam a vida consoante regras e normas criativamente ativadas, dos saberes práticos compartilhados e da importância do conhecimento do senso comum e da cultura como know-how ou método para organização da vida cotidiana (WATSON; GASTALDO, 2015). Nas palavras de seu criador: “uso o termo ‘etnometodologia’ para me referir à investigação das propriedades racionais de expressões indexicais e outras ações práticas como realizações contínuas e contingentes de práticas engenhosas da vida cotidiana” (GARFINKEL, 2009, p. 09). S U M Á R I O Ao tratar da indexicalidade, Garfinkel (2009) coloca no cerne da investigação a linguagem e a fala como condições sine qua non para compreensão da racionalidade e organização prática da vida social. As práticas sociais sofrem tipificações consoante os processos comunicativos, o que confere à Análise da Conversa e à Etnometodologia uma abordagem radicalmente encarnada, empírica 186 e sobre os usos reais da linguagem em seus contextos cotidianos tipificados (WATSON; GASTALDO, 2015). Evidentemente que uma das condições para o raciocínio sociológico prático ou a ordem social se efetiva pela organização da conversa. Daí, portanto, a Análise da Conversa (doravante AC) criada por Harvey Sacks em 1970 na Universidade da Califórnia (Berkeley) (WATSON; GASTALDO, 2015), como um tipo de sociologia etnometodologicamente constituída e que se efetiva sobre a observação, análise, descrição e investigação minuciosa da estruturação da conversação, já que essa é uma das formas mais comuns de interação humana e organização social (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003). Na verdade, é preciso distinguir a perspectiva da Análise da Conversa Etnometodológica, pensada pela sociologia americana como o exposto acima, da Análise da Conversação Textual e Discursiva rearticulada multidisciplinarmente por Luís A. Marcuschi (1986). Essa vertente brasileira da análise da conversa apropria-se de grande parte da base epistemológica da versão americana para instaurar uma investigação da oralidade centrada nos processos textuais e discursivos que deram origem, por exemplo, às pesquisas do Projeto Norma Urbana Culta – NURC e os diferentes níveis de descrição publicados na Gramática do Português Falado, a partir da década de 70, em geral, “deslocando o foco de interesse dos pesquisadores para o estudo dos mecanismos linguísticos e paralinguísticos envolvidos na produção do texto falado” (FRAZÃO; LIMA, 2017, p. 627), porém abarcando ainda as relações comparativas com os textos escritos, bem como os fenômenos que perpassam ou fazem interface nas diferentes modalidades: S U M Á R I O A partir de pesquisas teóricas heterogêneas e multidisciplinares, desenvolvem estudos não apenas do texto falado, mas do processo global da oralidade, a exemplo de trabalhos relacionados ao uso da gíria, neologismos e preservação de face no texto conversacional, estratégias discursivas de 187 compreensão (estudos sobre digressões e anáforas), processos interacionais em diferentes textos (orais ou escritos), bem como diálogos em diferentes tipos de discursos (midiáticos, pedagógicos, científicos, televisivos, artístico-literários), para citar alguns. (FRAZÃO; LIMA, 2017, p. 627-628). Se a Análise da Conversa Etnometodológica se preocupa com os usos da linguagem como forma de encontrar as estruturas da organização social, a análise da conversação, como pensada por Marcuschi (1986) e por absorver elementos da Semiótica e da Linguística de Texto (FRAZÃO; LIMA, 2017) deve, por sua vez: Preocupar-se sobretudo com a especificação dos conhecimentos linguísticos, paralinguísticos e socioculturais que devem ser partilhados para que a interação seja bemsucedida. Esta perspectiva ultrapassa a análise de estruturas e atinge os processos cooperativos presentes na atividade conversacional: o problema passa da organização para a interpretação. (MARCUSCHI, 1986, p. 06). Na verdade, apesar das sutis diferenças epistemológicas, formas próprias de transcrição e diferentes direcionamentos para os objetos de investigação, ambas as formas de abordagem da conversa têm influenciado diversos campos das Ciências Sociais e Humanas edificando seus postulados com base nos pressupostos da comunicabilidade e de uma perspectiva pragmática teórica e metodologicamente assentada. No caso da Análise da Conversa Etnometodológica, algumas formas críticas de análise do discurso (FAIRCLOUGH, 2016), assim como a Sociolinguística Interacional e a própria Linguística têm absorvido os pressupostos da perspectiva da fala-em-interação (WATSON; GASTALDO, 2015). S U M Á R I O Segundo os referidos autores, a AC americana surge como uma reação ao formalismo gerativista, além do estruturalismo saussuriano, bem como as teorizações apriorísticas a partir de dados abstratos. Assim, para garantir o estatuto naturalista e empirista, as análises 188 se efetivam sobre gravações de áudio e vídeo, além do conjunto de dados de observação e modelo de transcrição que dão conta de fornecer os elementos e dados necessários da fala-em-interação nas mais diferentes situações sociais, mas que envolvem alguns aspectos básicos nos quais a estruturação da conversação se efetiva (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003; WATSON; GASTALDO, 2015). A seguir, são expostos alguns princípios gerais dessa estruturação com breves comentários a fim de relacionar as possibilidades teóricas da AC com outras discussões no âmbito da Pragmática como um todo. Nesse âmbito, segundo Sacks, Schegloff e Jefferson (2003, p. 14), “um modelo deveria ser capaz de acomodar ([...] ser compatível com, ou permitir a derivação de) os seguintes fatos gerais aparentes. Em qualquer conversa, observamos o seguinte” como sistemática elementar: S U M Á R I O • “A troca de falante se repete, ou pelo menos ocorre” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 14). A interlocução enunciativa pressupõe a troca de participantes, coadunandose com a visão de Jacques (1985) como atividade conjunta de “colocação de discurso”; • (2) “Na grande maioria dos casos, fala um de cada vez” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 14). Esse processo não se dá aleatoriamente, mas é previsto na organização como um todo. A linguagem ordinária, enquanto ato, se efetiva nos encontros sociais e na interação comunicativa passível de sistematização; • (3) “Ocorrências de mais de um falante por vez são comuns, mas breves” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 14). Um ponto interessante a considerar é que a sobreposição marca a responsividade no discurso, no sentido bakhtiniano, bem como uma diversidade considerável de atitudes sociais localmente interpretadas, pois a interação é polifônica e intertextual (BAKHTIN, 2000; 2014); 189 S U M Á R I O • (4) “Transições (de um turno para o próximo) sem intervalos e sem sobreposições são comuns. Junto com as transições caracterizadas por breves intervalos ou ligeiras sobreposições, elas perfazem a grande maioria das transições” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 14). Os interactantes sabem reconhecer e projetar os momentos adequados nos pares adjacentes – tem relação com o gerenciamento da conversa pelos interactantes; • (5) “A ordem dos turnos não é fixa, mas variável” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 14). Um ponto a ser considerado e não tratado pelos autores é a questão das identidades sociais e o tipo de atividade social que podem determinar, em certa medida e até que ponto, a variabilidade da ordem; • (6) “O tamanho dos turnos não é fixo, mas variável” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 14). Além de ter relação com a projetabilidade da construção sentencial, conforme explicitam os autores, vale considerar as constrições institucionais, por exemplo, para o emprego de expressões formulaicas, sentenças fixas e outros elementos mais marcados que são esperados em certas situações e, portanto, pouco mudam o tamanho desses turnos específicos; • (7) “A extensão da conversa não é previamente especificada” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 14). Apesar dessa asserção, inúmeras situações institucionais, isto é, da fala-eminteração institucional, os processos de abertura, distribuição e encerramento se efetiva de forma bastante especificada, como mostram os postulados de Del Corona (2009); • (8) “O que cada um diz não é previamente especificado” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 14). Não obstante, há 190 situações sociais em que a organização dos pares adjacentes são mais ou menos especificados; S U M Á R I O • (9) “A distribuição relativa dos turnos não é previamente especificada” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 14). Em contextos institucionais, por exemplo, numa escola, júri, debate televisivo etc., os turnos podem receber certa especificação, uma vez que as identidades e as atribuições sociais institucionalizadas autorizam que determinados sujeitos procedam com relativa autonomia a distribuição de turnos conforme os fins institucionais ou o mandato institucional (DEL CORONA, 2009); • (10) “O número de participantes pode variar” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 14). Ainda que numa interlocução possa haver mais de dois, o processo de organização da fala se efetiva do “último para o próximo”. Em todo caso, se pensarmos pela perspectiva dialógica de Bakhtin (2014), a vivacidade da interação verbal pressupõe a intertextualidade discursiva, isto é, cada falante produz sua intervenção como resposta a um outro discurso; • (11) “A fala pode ser contínua ou descontínua” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 15). Trata-se de um ponto interessante que caracteriza a interlocução da fala em relação à escrita. As descontinuidades da fala, as pausas, interrupções, retomadas etc., formam um conjunto de idiossincrasias do texto falado, mas que não pressupõe ser assistemático; • (12) “Técnicas de alocação de turno são obviamente usadas. Um falante corrente pode selecionar um falante seguinte (como quando ele dirige uma pergunta à outra parte) ou as partes podem se autosselecionar para começarem a falar” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 15). Quando da 191 alocação dos pares adjacentes, algumas tipificações podem ocorrer, por exemplo, um pedido ser seguido da aceitação/ rejeição. Aproxima-se da ideia de Austin (1990) acerca da força ilocucionária, ou seja, um ato ilocucionário se efetua sob a pretensão de seus efeitos perlocucionários possíveis; S U M Á R I O • (13) “Várias ‘unidades de construção de turnos’ são empregadas; por exemplo, os turnos podem ser projetadamente a ‘extensão de uma palavra’ ou podem ter a extensão de uma sentença” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 15). Vale relembrar a distinção entre frase e enunciado. A primeira como entidade abstrata não se identifica sempre com sua materialização enunciativa e histórica (DUCROT, 1987). Sendo assim, em uma enunciação, na projeção do turno em que ela se insere, um locutor pode produzi-la com uma única palavra se, no contexto, ela fizer sentido e for relevante como pista para dedução de suas intenções comunicativas (SPERBER; WILSON, 2001); • (14) “Mecanismos de reparo existem para lidar com erros e violações da tomada de turnos; por exemplo, se duas partes encontram-se falando ao mesmo tempo, uma delas irá parar prematuramente, reparando, assim, o problema” (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 2003, p. 15). Convém acrescentar que os reparos também marcam atitudes e identidades sociais dos interlocutores no contexto interlocutivo, já que em contextos institucionais, por exemplo, existem assimetrias determinadas em termos de poder dizer e como dizer e, portanto, as relações sociais e profissionais são determinantes para lidar com diferentes restrições (DEL CORONA, 2009). Como se vê, tanto a Etnometodologia quanto a Análise da Conversa podem ser tomadas como campos investigativos próprios e, por isso “os fios teórico-metodológicos que tecem esse campo de estudos provêm de teorias ou disciplinas distintas, como: 192 Sociologia, Etnologia, Etnografia, Antropologia, Psicologia, Linguística e Sociolinguística. Isso traz certo grau de dificuldade quando se tenta mapear a sua origem” (FRAZÃO; LIMA, 2017, p. 623). Na prática, as vertentes de análise da conversa se configuram como campos multidisciplinares por natureza (FRAZÃO; LIMA, 2017). Não obstante, na posição de métodos, tais vertentes dão condições de pensar a linguagem entre fronteiras epistemológicas. Se para Austin (1990) o performativo é a realização de atos via linguagem, a Análise da Conversa Etnometodológica é, ainda que muitos de seus praticantes não a rotulem assim, uma perspectiva pragmática, já que a estrutura conversacional mostra tipificações destas ações na fala-em-interação como um todo (WATSON; GASTALDO, 2015). CONSIDERAÇÕES FINAIS A singularidade da Pragmática está na sua condição fundamentalmente plural. Na verdade, em função da diversidade de definições e campos que a tomam como pressuposto, objeto ou base epistemológica, é preciso - na prática investigativa, a despeito da clivagem conceitual e epistêmica que dificulta fechá-la numa única raiz - entendê-la rizomaticamente, numa pragmática que não é apenas do “eu” ou das questões da significação, mas da alteridade, do conhecimento e da condição humana no mundo, apesar da Linguística, por vezes, tentar apegar-se à certos purismos reticentes e a filosofia descambar para a transcendentalidade. Se se pode falar de consensos, a ideia dessa pluralidade constitutiva e a assunção da categoria uso em contexto, indicam a necessidade de se olhar para o mundo vivo das interações, daqueles objetos outrora excluídos da tradição filosófica e linguística ou olhar o existente por outros ângulos. S U M Á R I O 193 Nesse âmbito, apresentar sua démarche fundacional e alguns dos importantes marcos conceituais propicia refletir em seu potencial teórico-aplicado em razão de seu estatuto como campo experiencial da dicotomia forma-uso. Em outras palavras, trabalhar com/pela/na Pragmática envolve perspectivar, consoante o ambiente epistemológico de partida, o delineamento do objeto e qual dimensão é considerada. Nesse aspecto, a distinção entre descrição, função e perspectiva fornece pistas para territorialização no trato com as interfaces possíveis. Sob essa ótica, é como voltar a asserção saussuriana de que o ponto de vista precede o objeto e, dessa forma, toda circunscrição conceitual se fundamenta numa determinada racionalidade que ancora o ponto de vista a ser tomado e, por conseguinte, a natureza dos objetos a serem pesquisados. Se algo pôde creditar-se à Pragmática e, especialmente aos postulados austinianos, como posto pelo pensamento rajagopalaniano, é justamente sua capacidade de colocar a linguagem, mais uma vez, como um dos centros das discussões no bojo das Ciências Humanas numa amplitude semelhante ao que foi proporcionado pelo corte saussuriano. Mais ainda, como buscou-se defender na presente abordagem, ela tem o crédito de servir como um ponto de integração e intersecção entre tantas formas de compreender e agir sobre o mundo. Se na filosofia aristotélica a Ciência deveria ser a explicação das causas, então a Pragmática, como parte das Ciências da Linguagem, deve ter clareza das suas próprias, malgrado, como disse Stephen Levinson, o sonho austiniano de “uma verdadeira e abrangente ciência da Linguagem” (LEVINSON, 2007, p. 486) esteja longe de se efetivar. S U M Á R I O Não obstante, contemporaneamente, ela vem iluminando diversos pontos sobre nossas formas de pensar, interagir, comunicar, produzir subjetividade e modos de estar no mundo. Em suma, tem realizado seus lances de dados mallarmeanos na especulação e experimentação científico-filosófica ou ao menos já não é tão paralítica 194 quanto à língua dos versos de Augusto dos Anjos. Diante dessas considerações, fica evidente que uma visão performativa e pragmática da língua dá condições de se observar as implicações imanentes e extralinguísticas no entrelaçamento da vivacidade e complexidade da linguagem humana. No campo científico, o diálogo com outras tantas Ciências tem corroborado para uma certa indisciplinaridade e, para tomar um pensamento rajagopalaniano, propiciando uma Pragmática que poderia ser o sonho de J. L. Austin. Sendo assim, vale considerar que linearidade em Pragmática só tem efeitos didáticos e explanatórios, uma vez que, tomando-a no nível descritivo, como função ou na condição de perspectiva, nela confluem-se aspectos cognitivos, culturais, sociais, ideológicos e linguísticos profundamente imbricados e, sendo assim, uma pesquisa nessa área deve transitar por várias dessas dimensões. Entretanto, isso não quer dizer que continua a ser uma região obscura e instável onde seriam depositados os fenômenos da linguagem não apreendidos por outros níveis de descrição. Na verdade, ao que parece, ela não pode ser contida pelas barreiras positivistas que ainda ancoram, em grande medida, muitas áreas das Ciências, inclusive, muitas subáreas da Linguística. Se isso for verdade, tal é, portanto, sua condição de desterritorialização epistêmica. Ter-se-ia, então, uma Pragmática que não cabe mais em si. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Inês Lacerda. Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. ARMENGAUD, Françoise. A pragmática. Parábola, São Paulo 2006. AUSTIN, John L. Quando dizer é fazer. Tradução de Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas, 1990. S U M Á R I O 195 AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Palavras incertas: as não-coincidências do dizer. Tradução Claudia R. Castellanos Pfeiffer et al.; revisão técnica da tradução: Eni P. Orlandi. Campinas, SP: Editora da UNICAMI’, 1998. BAKHTIN, Mikhail M. (V. N. Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16 ed. São Paulo: Hucitec, 2014. BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. Tradução Maria Ermantina G. G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BAR-HILEEL, Jehoshuah. 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Analisaremos o potencial crítico dessa vertente a partir da discussão sobre os conceitos de prática comunicativa e práxis social, apresentando aproximações e distanciamentos entre tais conceitos no que diz respeito à interação entre a situação dos usuários na sociedade e os recursos linguísticos que lhes são disponíveis. Além de discutir questões históricas, conceituais e metodológicas da Nova Pragmática, por meio da apresentação de seus principais autores e de exemplos de pesquisas desenvolvidas em Programas de Pós-Graduação no Brasil. S U M Á R I O Palavras-chave: Pragmática; Visão crítica; Recursos linguísticos; Nova Pragmática. 201 INTRODUÇÃO Cada vez mais os estudos em Linguística Aplicada dão ênfase às reflexões sobre o papel da linguagem na busca de resolutividade para os problemas sociais na contemporaneidade. Os trabalhos de Rajagopalan (2003; 2010), Fabrício (2006) e Moita Lopes (2006) defendem que a pesquisa em Linguística Aplicada precisa urgentemente constituir uma postura reflexiva e indagadora frente aos fenômenos do cotidiano do mundo moderno e aos problemas gerados pela globalização. Nessa direção, os estudos da chamada “Nova Pragmática” reafirmam uma postura epistemológica condizente com uma virada crítica nos estudos da linguagem. Poderia parecer estranho que estudos em Pragmática, tida tradicionalmente como “um nível a mais” de análise linguística (na trilogia sintaxe/semântica e pragmática proposta por Morris) ou como “um componente nos estudos linguísticos” (DASCAL, 1982, p.8) sejam considerados como estudos críticos da linguagem ou condizentes como uma Linguística Aplicada Crítica. Ainda mais que a Pragmática já foi colocada como o “verdadeiro adversário” da Análise do Discurso (POSSENTI, 2004, p. 363), “o verdadeiro Outro da AD”. A colocação diz respeito à afirmação de que a Pragmática seria vista pela Análise do Discurso como uma forma de psicologismo, uma vez que os “interlocutores são considerados, pela Pragmática, a título individual”, sendo o sujeito “consciente e dotado de saber”, de modo que “a Pragmática seria uma forma de solucionar a questão do sentido invocando a intenção do falante” (POSSENTI, 2004, p. 363). S U M Á R I O No entanto, é justamente contra essa visão de um sujeito de linguagem autônomo, individualmente psicologizado, e contra a ideia de uma pragmática como uma camada, um nível de análise “de todos os aspectos do significado não capturados pela semântica (LEVINSON, 202 1983, 14) que os estudos da Nova Pragmática vêm se posicionar. Para tais estudos, a Pragmática deve ser vista como uma perspectiva, como propôs Verschueren (1999), uma perspectiva que é sempre social. Na obra “Nova Pragmática: fases e feições de um fazer”, Rajagopalan (2010) traz a perspectiva de uma pragmática societal, mostrando que não há como estudar a língua e seus usos sem considerar os aspectos sociais constitutivos da linguagem e da vida. Temos assim uma nova visão de Pragmática que “radicaliza a noção de uso e de contexto linguísticos, demonstrando que não se podem separar os aspectos ideológicos, sociais e culturais do uso linguístico” (ALENCAR; FERREIRA, 2012, p.62). Podemos então dizer que a expressão “Nova Pragmática”, proposta por Kanavillil Rajagopalan (2010), configura práticas mais ousadas e inovadoras para estudar a linguagem. Coloca no âmbito dos estudos dos usos linguísticos elementos que dão à Pragmática um caráter nitidamente anticartesiano e antiplatônico, possibilitando que a linguagem em uso possa ser encarada com todas as complexidades que apresenta (RAJAGOPALAN, 2014). Capaz de empreender novas possibilidades para produzir ciência, que seja humana, inclusiva, ética, a Nova Pragmática, vinculada aos estudos dos problemas sociais, mostra que os estudos da linguagem podem se desenvolver em práticas híbridas e interventivas, tornando-se capazes de contribuir para a construção de processos emancipatórios. S U M Á R I O Com a Nova Pragmática, elementos como sujeito, contexto, cultura, identidade, gênero, ideologia, corpo etc passam a integrar os estudos da produção de sentidos enquanto uso, de maneira que a dicotomia linguístico e extralinguístico é superada e todos esses elementos passam a ser compreendidos como constitutivos da linguagem, delineando, a partir da abordagem em Pragmática, a 203 produção de uma linguística integracionista21 em que linguagem e vida não podem ser abordadas separadamente (ALENCAR, 2009). Neste capítulo, apresentamos as principais formulações teóricas e metodológicas da vertente dos estudos da linguagem que se tem chamado de Nova Pragmática, perspectiva de estudos linguísticos que lança mão de uma crítica à visão modular de pragmática como o estudo da intenção do falante e ao apagamento da natureza social da significação. Analisamos potencial crítico dessa perspectiva a partir da discussão sobre os conceitos de prática comunicativa e práxis social. Além de discutir questões conceituais e metodológicas da Nova Pragmática, por meio da apresentação de seus principais autores e de exemplos de pesquisas desenvolvidas em Programas de PósGraduação no Brasil, discute-se o seu viés interdisciplinar e o seu lugar na Linguística Aplicada contemporânea, cada vez mais preocupada com os aspectos linguísticos dos problemas sociais do nosso tempo. Por fim, apresentamos o desdobramento da Nova Pragmática, focando na vertente denominada de Pragmática Cultural. O QUE HÁ DE NOVO NA “NOVA PRAGMÁTICA” A pesquisadora Joana Plaza Pinto (2011) inicia sua resenha sobre a obra “Nova Pragmática: fases e feições de um fazer”, de Rajagopalan (2010), lançando mão da nossa pergunta título; o que é novo na “nova pragmática”? Como resposta a autora afirma S U M Á R I O 21 Para Alencar (2009), o integracionismo linguístico vê a dicotomia entre o sistema e as ocasiões em que, supostamente os usuários usam este sistema como um equívoco, uma vez que uma perspectiva integracionista considera o ser humano não como um usuário da linguagem, mas como produtor desta. Assim, uma abordagem integracionista supera a dicotomia linguístico e extralinguístico, compreendendo que tudo é constitutivo da linguagem, permitindo valorizar as ações integralizadoras na situação comunicacional, na qual estão envolvidos aspectos contextuais, linguísticos e os tidos historicamente como não-linguísticos. 204 que o adjetivo “nova” “mostra-se extraordinariamente adequado e produtivo”, uma vez que diria respeito simultaneamente “à forma de se contar a história dos estudos pragmáticos, à interpretação de um autor em particular, John L. Austin, e à apropriação e circulação de suas ideias no mundo e no Brasil”. Sobre essa obra Nova Pragmática ( RAJAGOPALAN, 2010) que, juntamente com “Nova Pragmática: modos de fazer” (SILVA, FERREIRA, ALENCAR, 2014). constituem uma novo olhar para a Pragmática Linguística, Rajagopalan afirma: Decidi dar o título de Nova Pragmática a este livro para designar a leitura não searleana, por entender que as diferenças são irreconciliáveis e análogas às que levaram Richard Rorty a nomear com prefixo “neo” seu modo de encarar o pragmatismo, em oposição à tradição inaugurada por Peirce (RAJAGOPALAN, 2010, p.18-19). No entanto, antes de questionar uma leitura hegemônica sobre a teoria do Atos de Fala, Rajagopalan, já questionava a própria distinção entre a Semântica e a Pragmática e o modo como a Pragmática tem sido considerada como um mero apêndice, entendida como uma extensão da semântica, incluindo os estudos sobres dêixes e referência (BAR-HILLEL, 1971). Os problemas linguísticos da ordem do uso da língua, sempre foram tidos como de menor monta, retomados quando a Sintaxe ou a Semântica acionadas em primeira instância, não fossem suficientes para dar explicações às questões linguísticas. Essa concepção hierarquizante, modular e fragmentada dos estudos da linguagem sempre foi criticada por Rajagopalan. O autor (2010) reflete criticamente sobre o apagamento dos aspectos pragmáticos nas análises de estudiosos brasileiros. Como diz o autor: S U M Á R I O O que se verifica nas universidades brasileiras acerca da indefinição do conteúdo da pragmática enquanto disciplina autônoma é simplesmente reflexo de uma tendência há muito tempo em evidência na Europa e nos Estados Unidos: relegar 205 a pragmática a um segundo plano, ou considerá-la como um apêndice da semântica (RAJAGOPALAN, 2010, p. 259-260). No entanto, a Nova Pragmática não significa a simples valorização da prática linguística ou dos aspectos contextuais referentes ao uso da linguagem. Não significa valorizar a prática pela prática, mas compreender que toda prática é constitutiva de aspectos teóricos, assim como se constitui pautada em uma ou mais teoria. Segundo Marcondes (2000, p. 38), o sentido da palavra “pragma”, do grego “coisa”, “objeto” está relacionado a “algo feito ou produzido, sendo que o verbo pracein, significa precisamente “agir, fazer”. Para a Nova Pragmática esse agir, esse fazer deve ser sempre reflexivo e dialético, de modo que se leve em conta, para além da simples prática de linguagem, a própria práxis, cuja materialidade é natureza linguística. Os usos podem ser pontos de partida e de chegada em perspectivas que olham os usos linguísticos como práxis, construindo a dialética ação-reflexão-ação na relação prática-teoria-prática. Desse modo, podemos dizer que a Nova Pragmática é uma pragmática que investe no potencial crítico que a noção de práxis social oferece para a compreensão da língua. Assim, os estudos em Nova Pragmática criticam abordagens sobre os usos que segregam os elementos em linguísticos e extralinguísticos, chegando ao estudo dos usos que os falantes fazem da língua numa perspectiva integracionista ( ALENCAR, 2009), superando a dicotomia linguístico e extralinguístico. S U M Á R I O E é esse olhar que não separa as teorias dos modos de vida com seus aspectos econômicos, políticos e culturais, a partir dos quais os modos explicativos são construídos, que a Nova Pragmática examina as teorias, teóricos, metodologias e categorias de análise da Pragmática. Para a Nova Pragmática a academia não se separa da vida, de modo que os estudos pragmáticos devem buscar “a libertação 206 das relações sociais injustas por meios das práticas linguísticas do cotidiano, revelando-se, portanto, uma Pragmática emancipatória” (MARTINS FERREIRA & NOGUEIRA DE ALENCAR, 2013). Essa visão da Nova Pragmática como emancipatória é condizente com a posição de Jacob Mey para quem “ a pragmática, em sendo de partida crítica, encararia qualquer tipo de hegemonia como sendo, por princípio, contrário aos seus propósitos” (SILVA, 2014, p, 168). Segundo o pragmaticista a “pragmática está sempre lá para criticar a hegemonia. Ao fazer isso, ela descontrói as estruturas hegemônicas, ao invés de reafirmá-las” (IDEM). E com essa perspectiva que Rajagopalan tem contestado a constituição da Pragmática em moldes formalistas, construindo sua crítica na tentativa de libertar os estudos pragmáticos de leituras tidas como oficiais e canônicas, leituras que chegam a ser quase sacralizadas, como a interpretação do sestudos de filósofo da John Austin (1962) a respeito dos atos de fala, pelo filósofo John Searle (1969). NOVA PRAGMÁTICA: LEITURAS DISSONANTES S U M Á R I O O principal legado de Austin, a concepção de linguagem como ação, mudou o nosso modo de ver a linguagem. Deixamos de considerar “a linguagem” para nos voltar para as práticas de linguagens, uma vez que “todo dizer é um fazer” (AUSTIN, 1990). Graças a Austin, chegamos ao entendimento de que ao dizer algo, estamos sempre performatizando, fazendo alguma coisa, situada em algum lugar. Seu entendimento de que todo dizer é um fazer questiona a visão descritiva e essencialista da linguagem, possibilitando que a construção dos sentidos deixasse de ser pensada na relação sentido e referência, para ser pensada a partir do ato de fala total, performativo. 207 O próprio percurso que Austin faz em sua teoria pode ser entendido como uma performance que mostra o processo criativo de como o teórico configurou as novas possibilidades para compreendermos a linguagem. Como sua obra possui mais de uma releitura, por configurar-se como uma publicação póstuma, é preciso detalhar o percurso teórico que o autor fez, a fim de delinear como se torna possível a constituição de diversas abordagens no âmbito da Pragmática, daí propormos o uso plural Pragmáticas. A principal obra de Austin, How to Do Things with Words22, ficou ainda mais conhecida no Brasil a partir da tradução de Danilo Marcondes, publicada em 1990, intitulada Quando dizer é fazer. A obra refere-se a uma construção de um objeto que é construído conforme é divulgado. É nessa obra que Austin elabora o conceito de “ato de fala”. Sua crítica se posiciona sobre tipos investigativos que fazem pensar a linguagem como ideal ou formal, como o faziam os logicistas (OTTONI, 2002). Austin inicia sua obra distinguindo dois tipos de enunciados: os constativos e os performativos. Destaca que na linguagem, há circunstâncias em que não apenas descrevemos, relatamos ou constatamos, mas atuamos. Assim, ele considera os verbos constativos como aqueles que constatam, descrevem ou relatam estados de coisa, submetendo-se ao critério de verificabilidade (verdadeiros ou falsos). São os enunciados comumente denominados de afirmações, descrições ou relatos (Ex: Eu jogo futebol; A Terra gira em torno do sol; A mosca caiu na sopa, etc). Já os verbos performativos trazem em evidência ações (Ex: Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; Eu te S U M Á R I O 22 Essa obra apresenta as bases para a Teoria dos Atos de Fala e se constitui por doze conferências proferidas por Austin na Universidade de Harvard, EUA, em 1955, e publicadas postumamente, em 1962.No Brasil, possui tradução de 1990, realizada por Danilo Marcondes. 208 condeno a dez meses de trabalho comunitário; Declaro aberta a sessão; Ordeno que você saia; Eu te perdôo). Na perspectiva dos performativos, dizer algo é fazer algo (batizar, condenar, perdoar, abrir uma sessão). Desses verbos, falar está relacionado a praticar uma ação e está essa ação submetida a critérios de sucesso (condições de felicidade ou infelicidade). Austin (1990) observa que a partir dos verbos performativos, conjugados em primeira pessoa do singular, do presente do indicativo, na forma afirmativa e voz ativa, que o falante deve ter autoridade para executar o ato (uma autoridade religiosa para batizar, juiz para condenar…) e as circunstâncias em que as palavras são proferidas devem ser apropriadas (uma autoridade religiosa não batiza em um tribunal, muito menos um juiz em uma igreja...). A empreitada austiniana de criar uma taxonomia para a gramática de uso da linguagem acaba resultando na percepção de que a lógica não se emprega de modo assim tão universal. Vejam-se alguns problemas apresentados por Austin (1990) sobre os verbos: 1. nem todo enunciado performativo tem verbo na primeira pessoa do singular do presente do indicativo na forma afirmativa e na voz ativa. Eis alguns exemplos: Proibido fumar; Vocês estão autorizados a sair; Todos os funcionários estão convidados para a reunião de hoje. Nesses exemplos, os atos de proibição, autorização e convite se realizam sem o emprego de proíbo, autorizo e convido; 2. nem todo enunciado na primeira pessoa do singular do presente do indicativo na forma afirmativa e na voz ativa é performativo. Eis alguns exemplos: Eu jogo futebol; Eu corro; Eu estudo inglês. Nesses exemplos, os atos de jogar futebol, correr e estudar inglês não se realizam ao se enunciar tais sentenças. S U M Á R I O 209 Essas questões, refletidas por Austin, levam-o a perceber a diferença entre os performativos explícitos (Ex: Eu ordeno que você saia), em oposição a performativo implícito, ou primário (Ex: Saia,que nem considera o verbo na primeira pessoa e outros critérios estabelecidos anteriormente). Austin constrói o entendimento de que a denominação performativo primário também implica a um enunciado constativo, e propõe que a distinção constativo-performativo não se aplica, uma vez que na linguagem tudo é performance. No momento em que qualquer enunciado se realiza, pratica-se algum tipo de ação, por isso todos os enunciados são performativos. Assim, Austin realiza um refinamento em relação ao significado ser o uso e identifica três vertentes que se realizam em cada enunciado ou a composição do ato de fala total23: ato locucionário, ato ilocucionário e ato perlocucionário: Austin cria o ato de fala e o desdobra em três partes, em três atos simultâneos: um ato locucionário, que produz tanto os sons pertencentes a um vocabulário quanto a articulação entre a sintaxe e a semântica, lugar em que se dá a significação no sentido tradicional; um ato ilocucionário, que é o ato de realização de uma ação através de um enunciado [...] Por último, um ato perlocucionário, que é o ato que produz efeito sobre o interlocutor (OTTONI, 1998, p. 35-36). O pensamento de Austin influenciou modos de fazer uma linguística mais pragmática, como uma postura de atuar e conceber linguagem como performativa, rompendo com posturas descritivas ou ainda normativas. O próprio Austin constata que a denominação performativo primário se aplica aos enunciados constativos, e produz S U M Á R I O 23 Austin (1990) propõe estudar o ato de fala total, na situação total de fala. Considerando a linguagem como social, o que só torna possível que ela seja significada em seu contexto de uso. Nesse sentido, o ato de fala total se constitui em três dimensões: Ato locutório - é o proferimento, trata-se de pronunciar um enunciado que possa ser compreendido pelo interlocutor; Ato ilocutório - é o que eu quero que o interlocutor faça. Assim, é realizado pelo locutor quando pronuncia um enunciado em determinadas condições comunicativas e com intenções específicas; Ato perlocutório - são as consequências ou os efeitos que os atos ilocucionários causam no sujeito. Materializa-se a partir do que o interlocutor faz. 210 o entendimento de que a distinção constativo-performativo se desfaz. Dessa maneira, construiu todo um percurso para mostrar que tudo na linguagem é performance e que os atos de falas se configuram como formas de agir socialmente. Ocorre que parte das leituras possíveis de Austin foram enviezadas pela interpretação de um outro filósofo que tem se apresentado com seu herdeiro oficial: John Searle. Rajagopalan (2010, p. 244) empreende um esforço de nos apresentar como esse Austin “interpretado” ganhou força nos estudos da linguagem como uma continuidade da teoria dos atos de fala: “A ‘leitura oficial’ de Austin promovida e divulgada por Searle dentro e fora da filosofia tem como primeiro pressuposto a ideia de que a obra de Austin é uma obra inacabada”(RAJAGOPALAN, 2010, p. 245). Esse teria sido o primeiro argumento usado por John Searle, que obteve sucesso após a morte prematura de Austin. Restou a Searle “concluir” o trabalho de Austin: “aos olhos do mundo acadêmico, Austin se realizou por obra e graça da dedicação e da determinação do seu discípulo preferido, John Searle” (RAJAGOPALAN, 2010, p. 245). S U M Á R I O Infelizmente, John Searle (1969) construiu uma interpretação que domesticou o trabalho de Austin. Searle não olhou para a pujança da performatividade em atos de fala, a partir da qual Austin nos conduziu para uma visão construtivista da linguagem e da realidade. Para Ottoni (2002, p. 118), Searle buscou estabelecer “modelos lógicos, modelos ideais que deem conta de questões filosóficas” por meio de uma redução do pensamento de Austin que seria de fato uma contradição, diante da concepção pragmática de Austin. Claudiana Nogueira de Alencar (2005) busca explicar a interpretação formalizante elaborada por J. Searle para a teoria dos atos de fala como a configuração de em uma ordem do discurso tradicional, denominada pela autora como o “medo da morte nos estudos da linguagem”. Essa ordem do discurso remontaria em sua origem ao chamado mito da linguagem 211 (HARRIS, 1981). Por esse mito a linguagem seria considerada como “um domínio em que símbolos se casam com conceitos para transmitilos”. Para Alencar, Searle, em conformidade com esse mito, expurga do trabalho de Austin “todas as nuances e performances, as saídas do script” (NOGUEIRA DE ALENCAR, 2005, p 63) das racionalizações e dos conceitos formais. Para efeito de comparação, e baseados na argumentação de Rajagopalan (2010) sobre a “leitura oficial” de Austin e uma leitura mais heterodoxa, vamos ao quadro a seguir: Quadro 01 - Leituras sobre Austin Possibilidades de leitura “Leitura oficial” de Austin Leitura heterodoxa de Austin Estilo e retórica Diminuição dos efeitos do estilo Estilo jocoso e irreverente, modo narrativo dialogado Organização das ideias Domesticação das ideias, enquadramento lógico a partir da taxonomia proposta por Searle variedade na organização das ideias, discurso dialogicizado Relação com a gramática, sintaxe, lógica Harmoniosa entre os atos de fala e a gramática, a partir da proposição de “um ‘prefácio performativo’ (eu+um verbo de dizer em primeira pessoa, voz ativa, presente do indicativo+que) antes mesmo da primeira bifurcação do nódulo “S” em sintagma nominal e sintagma verbal (RAJAGOPALAN, 2010, p. 247) Variedade e inexistência de proposições lógicas S U M Á R I O 212 Sem exatidão, acabamento, mas experimentação Proposição de uma teoria fechada, concreta e acabada Teoria Conceitual Tende ao universal Positivismo lógico Experimental. as palavras são objetos, utilizáveis (materializações corpóreas dos conceitos) Tende ao cotidiano, foco na linguagem em uso Filosofia linguística ou filosofia da linguagem ordinária Fonte: Os autores, a partir de Rajagopalan (2010) Ainda se pode acrescentar com fins de ilustrar a múltiplas leituras possíveis sobre Austin, 1: percepção de Stanley Cavell sobre Austin, que ouve ecos de W. Shakespeare R. W. Emerson; 2 a de J. Derrida que enfoca as marcas do discurso jurídico, levando em consideração a possibilidade de Austin estar preocupado com a ética em seu próprio discurso; 3. de Stanly Fish sobre as reviravoltas no jogo linguajeiro e bem humorado no texto austiniano; 4. finalmente, de Barbara Johnson que alude metáforas do teatro, ao usar um léxico que inclui “ato”, “encenação”, “máscara”, etc; 5. a leitura do próprio Rajagopalan, sintetizada no quadro 2, que desvencilha Austin e sua leitura “oficial” searleana (RAJAGOPALAN, 2010). É a Nova Pragmática que fará ruir, para usar a metáfora wittgensteiniana, o castelo de cartas representado pela leitura searleana, leitura por muito tempo, tida como a interpretação autorizada e reconhecida como a única possível para a teoria do atos de fala do filósofo J. Austin. Como afirma Pinto (2011, p. 373): S U M Á R I O Depois de quase dez anos de controle exclusivo sobre o espólio teórico de Austin, Searle começa a disputar espaço com um 213 grupo cada vez maior de apropriações diversificadas das reflexões austinianas. Só para dar um exemplo do alcance dessa diversificação, aqui mesmo no Brasil: Nogueira (2005), numa intrigante abordagem da retórica de Searle, chega a apresentar este autor como um anti-Austin, ao invés de seu guardião fiel. S U M Á R I O Sobre essa diversificação de pesquisas, sob a perspectiva da Nova Pragmática, destacamos pesquisadoras e pesquisadores que desenvolvem um trabalho crítico no campo dos estudos da performance, da prática linguística. Para citar apenas alguns nomes que se destacam nas várias regiões do Brasil, temos além do Prof. Dr Rajagopalan, com o seu grupo de Pesquisa “Linguagem e Identidade: abordagens pragmáticas”, vinculado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a profa Dra Joana Plaza Pinto, da Universidade Federal de Goiás (UFG), que estuda Pragmática e questões de gênero social. No sudeste, temos a profa Dra Kassandra da Silva Muniz, que desenvolve pesquisas sobre Pragmática e questões raciais. Também temos o prof. Dr Daniel do Nascimento e Silva, que desenvolve pesquisas sobre Pragmática e Violência, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ). No Sul, a profa Djane Antonucci Correa pesquisa sobre Pragmática e Políticas Linguísticas, na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Djane também propõe estudos integrativos que articulem ensino, pesquisa e extensão no Laboratório de Estudos do Texto, o LET, para a pesquisa com jovens em situação de vulnerabilidade. Na região Nordeste, destacamos o trabalho das pesquisadoras Dina Ferreira e Claudiana N. de Alencar, líderes do Grupo de Pesquisa “Pragmática, Cultural, Linguagem Interdisciplinaridade”, que atuam na pesquisa Por uma pragmática cultural: Cartografias descoloniais e gramáticas culturais em jogos de linguagem do cotidiano (PRAGMACULT). Destacamos ainda o trabalho de pesquisa colaborativa no Programa Viva a Palavra: circuitos linguagem, paz e resistência da Juventude negra da periferia de Fortaleza, coordenado pela professora Claudiana Alencar. 214 Observando esses temas inovadores de pesquisa, percebemos que, para definir a Nova Pragmática podemos afirmar a partir de Rajagopalan (2014) que esta nada mais é do que a fase da Pragmática que conseguiu “se desvencilhar das velhas amarras herdadas de outros tempos, que impediam os pesquisadores de encarar a linguagem com todas as complexidades que ela apresenta sem lhes dar costas ou simplesmente menosprezá-las em nome de aperfeiçoamento da teoria” (RAJAGOPALAN, 2014, p. 13). Em alguns fazeres científicos, ainda estamos analisando discursos dos falantes, mas deixamos de lado ainda o próprio falante, de maneira que “esquecer os falantes, deixar de lado suas ‘táticas’ de manipular e de alterar os discursos e ideologias hegemônicas e utilizar os ‘sistemas formais’ e ‘supraindividuais’ que lhe são impostos, é perder de vista os atos de linguagem de inventividade e de resistência [...]” (ALENCAR, 2014, p. 85). É nesse sentido que o estudioso dessa nova perspectiva de estudos pragmáticos deve buscar entender não somente o que os falantes fazem com as palavras, mas também a metapragmática, isto é, o que falam sobre o que fazem com as palavras (SILVA, FERREIRA, ALENCAR, 2014). Dessa forma, a Nova Pragmática pode resultar na investigação da linguagem por novos viéses, dispostos a reinventar posturas epistemológicas, respeitando e fazendo reverberar cada vez mais as vozes de sujeitos historicamente silenciados. E como reinvenção, surgem, sob a perspectiva da Nova Pragmática, reflexões sobre o como fazer pesquisa levando em conta a práxis de produção colaborativa do conhecimento. Tais reflexões tomam forma na próxima seção acerca de uma proposta de pesquisa participante: a Pragmática Cultural. S U M Á R I O 215 PRAGMÁTICA CULTURAL: UMA PROPOSTA DE PESQUISA INTERVENTIVA E COLABORATIVA A Pragmática Cultural, enquanto desdobramento da Nova Pragmática, defende que a pesquisa em pragmática deve buscar a transformação social e a horizontalidade entre as pessoas envolvidas na ação de pesquisa. Desse modo, longe de ser meramente descritivista ou interpretativista, a pesquisa em Pragmática Cultural deve ser uma investigação-ação. Como um modo de estudar as formas de vidas nas quais os sujeitos estão envolvidos, essa pesquisa em pragmática volta-se para o cotidiano, por entender que os elementos da vida, também são constitutivos da linguagem. Por isso, sujeitos, instituições, ideologias, tempo e espaço não são externos à linguagem, mas delimitados e específicos a determinados jogos de linguagem. Temos a constituição de um fazer teórico metodológico em curso, que propõe uma abordagem integracionista para os estudos da linguagem, em que linguagem e vida não podem ser abordadas separadamente. Para isso, precisamos: [...] ir adiante dizendo que o que as/os pragmaticistas têm a falar depende do que fazem “do que falam sobre o que fazem com as palavras”. Ou seja, nossa metapragmática no processo de teorizar também tem seus efeitos perlocucionários, constituindo formas de vidas comprometidas ou não com a mudança da realidade cruel de injustiças sociais em que vivemos. Trata-se de fazer a pergunta: Para que investigamos? A serviço de quem investigamos? (ALENCAR, 2015a, p. 146). S U M Á R I O Ao propor essa abordagem para os estudos críticos da linguagem, Alencar (2015b), defendendo ações integradas em extensão, pesquisa e ensino, leva em conta a ideia da significação como uso linguístico e como ação, de Austin (1962), bem como a noção de linguagem como uma forma de vida, de Wittgenstein (1989) 216 e as noções de palavra mundo, palavra vida de Freire (1975). Nessa articulação, tanto Wittgenstein e Austin, quanto Paulo Freire, ao reconhecerem o lugar da palavra na transformação de realidades, provocam uma revolução em seus campos de atuação. Paulo Freire (1982) ao mostrar que a leitura da vida, da realidade é parte da tomada da palavra, que deve sempre ser precedida pela palavra-mundo, pela leitura do mundo, conseguiu construir uma pedagogia de esperança para os que são oprimidos pelo sistema-mundo colonial capitalista. Wittgenstein e Austin, por sua vez, a partir dos conceitos de jogos de linguagem e de atos de fala, mostram como podemos agir pelas palavras, constituindo práticas culturais. De maneira sintética, para Wittgenstein (1989), linguagem e realidade estão integradas, de modo que a linguagem pode ser entendida como uma forma de vida, em que o sentido é o próprio uso situado em um contexto. Assim, para Wittgenstein (1989) linguagem não é um meio, nem uma ferramenta com a função de transmitir algo. Trata-se de uma forma de agir socialmente; são jogos que materializam formas de vida. As regras para cada jogo de linguagem são construídas historicamente no ato de jogar (interagir socialmente) pelos próprios sujeitos. A Pragmática Cultural se apropria desses saberes teóricos, mas também dos saberes populares, dos saberes dos que não são filósofos ou cientistas, mas que, como leigos, constituem sentidos sobre a vida, também constituindo vidas e realidades. S U M Á R I O Assim, podemos dizer que a Pragmática Cultural é uma vertente dos estudos críticos da linguagem que, sob a perspectiva da Nova Pragmática, foca na interação linguística concreta de pessoas reais, levando em conta não apenas o contexto de micro de interações, mas também analisando um quadro mais amplo em que os jogos de linguagem ganham uma dimensão histórica, política e cultural na constituição de suas gramáticas culturais. Trata-se, pois de uma visão antropológica que considera a concepção de linguagem como práxis, 217 preocupada com as implicações práticas do trabalho do/a linguista para/na sociedade. A partir dessa nova visão, compreende-se “que todo ato de fala e todo sentido é historicamente constituído a partir de diversos fatores (sociais, culturais, econômicos, políticos) integrados na produção e interpretação linguísticas.” (ALENCAR, 2009, p. 3). Alencar (2015a) sugere um desenho metodológico para uma Pragmática Cultural, proposta de pesquisa linguística que procura “atravessar a rua” que separa a academia das práticas e saberes culturais e populares. Para Claudiana Alencar (2015), a pesquisa em pragmática deve utilizar de metodologias participantes que nos permitam considerar as relações entre macro e micro de maneira integrada, construindo modelos de análise que estejam adequados a cada realidade e que sejam construídos com os sujeitos colaboradores do fazer científico, produzindo relações mais simétricas e pesquisas engajadas, capazes de intervir e produzir processos emancipatórios. Daí a necessidade da Pragmática Cultural, para além das outras pragmáticas, ter como base a práxis, categoria abordada por Paulo Freire, fundada no diálogo, na reflexão e na ação transformadora da realidade, contribuindo para a realização de ações libertadoras e revolucionárias, pois, os sujeitos, somente através “[...] de uma práxis verdadeira, superam o estado de objetos, como dominados, e assumem o de sujeito da história (FREIRE, 2013, p. 216)”. Diante disso, a práxis “[...] sendo reflexão e ação verdadeiramente transformadora da realidade, é fonte de conhecimento reflexivo e criação” (FREIRE, 2013, p. 127), possibilitando a transformação da realidade opressora. S U M Á R I O Nesse contexto, Alencar (2015a) propõe passos metodológicos que podem ser seguidos em pesquisas que tomam a Pragmática cultural como base: cartografia, ressignificação e intervenção. Esses passos podem ser modificados por parte dos sujeitos da pesquisa, 218 os quais podem propor outro desenho/percurso que melhor atenda à realidade e contribua para o desenvolvimento de práticas para transformar processos opressores, vivenciando na práxis a ideia da significação como uso linguístico e como ação. Além disso, a Pragmática Cultural reflete acerca dos sujeitos da pesquisa bem como sobre seus saberes, sobretudo da sua linguagem e atuação para a transformação do mundo, criticando o fato de que, mesmo em algumas vertentes teórico-metodológicas que se propõem a promover processos emancipatórios, os sujeitos da pesquisa tendem a serem considerados apenas como peça do arcabouço teóricometodológico e o pesquisador ainda permanece estabelecendo relações assimétricas no processo de pesquisa. Alencar (2015a) aproxima-se do pensamento freireano ao problematizar sobre a relação entre quem tem poder para definir os significados da pesquisa e sobre as relações de poder, fruto da hierarquização entre quem pesquisa e quem é pesquisado, pesquisada. Há, nessa relação, uma assimetria, cuja interpretação de quem pesquisa a respeito de quem é pesquisado está baseada em sua própria forma de vida. A busca por relações mais simétricas tornam-se ponto central nas pesquisas em Pragmática Cultural. Alencar (2015a) indica novos caminhos sobre o papel do sujeito pesquisador/pesquisadora frente a essa relação, orientando que em vez de utilizarmos as categorias da nossa gramática, de nosso vocabulário, para interpretarmos os nativos (sujeitos investigados), poderíamos utilizar as categorias propostas por eles (as) como categorias analíticas de nossa pesquisa, conforme propõe Viveiros de Castro (2002). S U M Á R I O Assim, realizar pesquisa em Pragmática Cultural, com essa abordagem qualitativa no âmbito dos estudos críticos da linguagem, implica considerar a existência de uma relação dialógica e dialética entre os colaboradores da pesquisa e o contexto em que estão inseridos. A cartografia, enquanto antimétodo (posto que não se enraíza como um 219 caminho pré-dado, mas como um caminho a se descobrir) pode se caracterizar uma forma possível de gerar e captar os fluxos das ações linguageiras de ambos os participantes da pesquisa. A pesquisa linguística em Pragmática Cultural, situada sob a perspectiva da Nova Pragmática, possibilita aos pesquisadores/ pesquisadoras (re)pensarem as relações com os sujeitos, considerando suas práticas culturais; o engajamento com metodologia de pesquisa, de maneira que sempre se utiliza de metodologia participante com a finalidade de buscar realizar trabalhos investigativos de caráter simétrico que levem em consideração aspectos identitários, sociais e ideológicos dos empreendimentos analíticos, sem esquecer o desafio de criar sempre, inventando modos de vivenciar a pesquisa com os sujeitos e não para os sujeitos. CONSIDERAÇÕES FINAIS De uma concepção tradicional da pragmática como subárea da linguística à concepção de um campo, tendemos a pensar a Nova pragmática como uma postura de investigação compromissada ética e esteticamente com os sujeitos que produzem linguagem. A Nova Pragmática apresenta-se, pois como possibilidade de perceber a linguagem de um modo complexo, com seus mais variados jogos de linguagem ou formas de vida possíveis; concebendo a linguagem investigativa também como um ato de fala24, a partir de S U M Á R I O 24 Por atos de fala, entendemos as várias ações humanas que se realizam através da linguagem. Sempre que falamos algo, estamos fazendo algo. Segundo essa concepção, ao utilizar a linguagem, realizamos ações no mundo social; desta forma, significar e agir estão diretamente relacionados, pois utilizando a linguagem fazemos coisas no mundo, e tais ações são produtoras de efeitos de significado. Quando pronunciamos um enunciado, não estamos apenas dizendo algo, mas performatizando uma ação, assim, dizer é fazer. 220 um jogo de linguagem25 cujo usuário assume aqui, nesse caso, uma postura privilegiada que requer assumir da sua perspectiva o linguajar comum, dos jogos de linguagem das múltiplas formas de vida. Dentre os jogos de linguagem na academia, o de tornar a linguagem científica neutra, objetiva, lógica, tentou-se “domesticar” a teoria dos atos de fala de Austin que se propunha experimental, como a linguagem comum, viva, seguindo os fluxos da própria experiência de uma vida feliz. Desse modo, diversos pragmatistas, como Kanavilil Rajagopalan, Dina Martins Ferreira, Claudiana Nogueira de Alencar, Joana Plaza Pinto, Daniel do Nascimento e Silva, Kassandra da Silva Muniz, Djane Antonucci Correa, entre outros/as, realizam uma crítica ferrenha aos modos tradicionais de fazer pragmática, que idealizam a prática comunicativa e os sujeitos que dela participam. Seus estudos investem no potencial crítico e interdisciplinar da Pragmática, alcançando por meio dessa nova perspectiva libertadora, a noção de práxis social, que os conduz às lutas por significações mais justas para as pessoas que praticam a linguagem e para as suas vidas. Assim, compreendemos que o termo Nova Pragmática, cunhado por Rajagopalan, destina-se a construir uma perspectiva de estudos a partir da qual “antigos problemas” (pragma, prática) seriam analisados a partir de uma visada da linguagem como práxis social, buscando modos de saber e de fazer mais integrados à sociedade, e por isso mesmo mais colaborativos e simétricos para a pesquisa e para a vida. S U M Á R I O 25 Pela linguagem e na linguagem, realizamos uma série de atividades que são também linguagem, ou jogos de linguagem, que mostram que o significado deve ser compreendido como os usos linguísticos em contextos reais de interação. Assim, um jogo de linguagem trata-se de uma combinação de palavras, de atos, de atitudes ou de formas de comportamento que possibilita a compreensão do processo de uso da linguagem em sua totalidade. 221 REFERÊNCIAS ALENCAR, Claudiana Nogueira de.. Pragmática cultural: uma proposta de pesquisa-intervenção nos estudos críticos da linguagem. 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S U M Á R I O 224 Capítulo 8 8 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA Jussivania de Carvalho Vieira Batista Pereira Raylton Carlos de Lima Tavares Jussivania de Carvalho Vieira Batista Pereira Raylton Carlos de Lima Tavares PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.307.225-255 Resumo: Neste capítulo, apresentamos os pressupostos teóricos basilares da Teoria Social do Discurso, abordagem desenvolvida por Norman Fairclough, que convencionou-se chamar de Análise de Discurso Crítica (ADC). Primeiramente, abordamos os conceitos de discurso e práticas sociais, acentuando a relação transdisciplinar que a ADC mantém com teorias sociais críticas. Em seguida, dissertamos sobre as ordens do discurso, consideradas como reguladoras da variabilidade semiótica, constituídas de gêneros, discursos e estilos. Posteriormente, discutimos acerca dos significados do discurso, a noção do texto como ação, representação e identificação, com base na multifuncionalidade defendida na Linguística Sistêmico-Funcional. Por fim, expomos os conceitos de ideologia e hegemonia, concebidos como sentidos a serviço de relações assimétricas de poder e a luta pela manutenção do controle, respectivamente. S U M Á R I O Palavras-chave: Discurso; ADC; Teoria. 226 “Por isso, a ‘crítica’ é essencialmente tornar visível a interconexão das coisas”26 (FAIRCLOUGH, 1985, p. 747) NOÇÕES PRELIMINARES Houve um momento na história no qual pesquisas linguísticas eram desenvolvidas, predominantemente, sobre as teorias de Saussure e de Chomsky. Essas teorias localizam-se naquilo que se convencionou a chamar de Paradigma Formalista da Linguagem, que preconiza a língua e/ou linguagem como um objeto autônomo, não sendo, portanto, influenciada por características (contextos) exteriores. Em oposição a essa visão, o Paradigma Funcionalista vê a língua como um objeto não suficiente em si mesmo, e que ela possui funções que extrapolam seu sistema interno. Estabelecem-se nesse paradigma disciplinas, como a Sociolinguística e a Pragmática, que acentuam a existência de uma relação entre os constituintes internos da língua e os fatores externos a ela, ou seja, a situação comunicativa como determinadora das estruturas (NEVES, 2018). Por volta do ano de 1970, começaram a surgir modelos de análise linguísticas interessados no papel da linguagem dentro da estruturação social de relações de poder. Aqui, destacamos a Linguística Crítica (LC), desenvolvida na Universidade de East Anglia, na Inglaterra, por Roger Fowler et al. (1979), como uma linguística instrumental assentada no pensamento de Michael Alexander Kirkwood Halliday (1994). Nas palavras de Fowler (2004, p. 208), a LC é uma análise do discurso público, “uma análise criada para chegar à ideologia codificada implicitamente por detrás das S U M Á R I O 26 As traduções dos originais em língua estrangeira foram realizadas pelos autores. 227 proposições abertas, para examiná-la em particular no contexto das formações sociais”. É nessa esteira de pensamento que surge a Análise de Discurso Crítica27, doravante ADC. O interesse em questões estruturais acerca de problemas sociais, abusos de poder e desigualdades expressos através da linguagem, sejam de maneira camuflada ou visível, fomentam pesquisas tanto em LC quanto em ADC. Assim, em termos de filiação disciplinar, podemos afirmar que a ADC dá continuidade aos pressupostos defendidos pela LC, ampliando-os em escopo e produtividade (RESENDE; RAMALHO, 2016). Foi em 1985, que o termo Análise de Discurso Crítica foi empregado pela primeira vez, no artigo Critical and descriptive goals in discourse analysis, escrito pelo linguista britânico Norman Fairclough, e publicado pela revista Journal of Pragmatics. Todavia, a ADC surgiria como disciplina ou rede internacional de pesquisadores/as apenas no início da década de 1990, quando reuniram Norman Fairclough, Teun van Dijk, Ruth Wodak, Gunther Kress e Theo van Leeuwen em um simpósio28 realizado em Amsterdã, na Holanda (WODAK, 2004). Na ocasião, os estudiosos debateram teorias e métodos em análise de discurso, privilegiando dentre esse arcabouço teórico os que lidavam com questões problemáticas da vida social e aspectos linguísticodiscursivos, como a ADC. 27 Apesar de o termo Análise Crítica do Discurso ser usualmente utilizado no Brasil, como tradução de Critical Discourse Analysis, optamos por empregar o termo Análise de Discurso Crítica. Conforme já discutiu Magalhães (2005), é forte a tradição de estudos discursivos no Brasil, especialmente sob o nome de Análise de Discurso (AD). Então, quando a autora iniciou as pesquisas no campo, preferiu acrescentar o epíteto Crítica para diferir a ADC da AD. S U M Á R I O 28 O simpósio em Amsterdã trouxe diversos resultados, como a criação institucional de um programa de intercâmbio, o ERASMUS (European Region Action Scheme for the Mobility of University Students), que possibilitou a mobilidade de pesquisadores entre suas respectivas instituições, no intuito de fortalecer a rede que estava sendo iniciada. Então, todos os anos passaram a ocorrer simpósios para reunir pesquisas balizadas pela ADC. 228 Cada um dos pesquisadores supramencionados já estava desenvolvendo um tipo particular de modelo teórico-analítico a partir das teorias (sociais e linguísticas) com as que tinham afinidades. Fairclough (2003), por exemplo, estabelece uma relação com a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), Wodak, com a Sociolinguística; van Dijk, com a Linguística Textual e a Linguística Cognitiva, e van Leeuwen, por sua vez, estabelece diálogo com a semiótica social (BLOMMAERT, 2005). Em vista disso, Jan Blommaert (2005) pontua que quando se fala em ADC, fala-se de “um grupo de acadêmicos renomados, cada um com um histórico próprio, que concordam com certos princípios de análise, que concordam em abordar questões semelhantes e que desenvolveram algumas ferramentas institucionais para fazê-lo” (BLOMMAERT, 2005, p. 21). Entretanto, apesar de serem perspectivas diferentes, todas elas filiam-se ao rótulo ADC porque têm interesse “no estudo (crítico) de questões e problemas sociais, da desigualdade social, da dominação e de fenômenos relacionados, em geral, e no papel do discurso, do uso linguístico ou da comunicação” (DIJK, 2015, p. 15). Essas características dão amostra de que não cabe neutralidade ao/à analista crítico/a de discurso, e de que fazer pesquisa em ADC está longe de ser fácil. Tendo em vista que a ADC é heterogênea desde sua fundação e que optar por trabalhar com uma abordagem implica em um desenho de pesquisa diferente, é necessário explicitar qual(is) perspectiva(s) em ADC têm sido usada(s). Portanto, nosso objetivo neste capítulo é apresentar os pressupostos básicos da abordagem desenvolvida por Norman Fairclough, a Teoria Social do Discurso, perspectiva que se convencionou a chamar de ADC. S U M Á R I O O capítulo está dividido em quatro seções. Inicialmente, discorremos sobre alguns dos termos mais importantes e, portanto, recorrentes na literatura de Fairclough, a saber: estruturas sociais, 229 eventos sociais, práticas sociais e discurso. Em seguida, exploramos o conceito de ordem de discurso e seus elementos: gêneros, discursos e estilos. Na terceira seção, abordamos a relação da ADC com a LSF, até chegarmos aos significados do discurso. Por fim, na quarta seção, tratamos dos conceitos de ideologia e hegemonia, tão caros à ADC. DISCURSO E PRÁTICAS SOCIAIS A ADC é um tipo de análise de discurso, localizada no interior da Ciência Social Crítica (CSC) e, está interessada na relação dialética entre discurso e os elementos das práticas sociais. Notadamente, seu foco está, de um lado, em analisar como os (sentidos de) textos estabelecem, reiteram ou subvertem questões problemáticas da vida social, como sexismo, homofobia, pobreza dentre outros. Por outro lado, a ADC analisa também como os problemas sociais são discursivamente manifestos. Para tanto, a ADC preza pelo trabalho transdisciplinar, “onde a lógica de uma teoria é colocada em ação na outra, sem que a última seja reduzida à primeira” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 2, grifos nossos). Então, ao fomentar um arcabouço teórico-metodológico que visa investigar e desvelar como a linguagem opera na vida social – relações ideológicas e hegemônicas, problemas sociais e encontrar caminhos para superá-los, entre outros –, é preciso aventurar-se por outras disciplinas/teorias da qual dispõem às ciências sociais. Segundo Vieira e Macedo (2018), o caráter transdisciplinar da ADC decorre da sua origem de concepção de discurso, seu viés crítico, da visão dialética e das possibilidades metodológicas. Dessa forma, nos últimos anos, foi possível observar a união da ADC a diferentes S U M Á R I O 230 disciplinas, tais como: antropologia, literatura, sociologia, educação, semiótica, psicologia, estudos culturais, etc. A ADC tem estabelecido relações transdisciplinares com teorias linguísticas, especificamente com a LSF (ver na seção 3 deste capítulo)294 e com a CSC. Nesta última, tem tido grande relevância a Filosofia do Realismo Crítico, de Roy Bhaskar (1998) e seus seguidores, e o Materialismo Histórico-geográfico, de David Harvey (1996), especialmente acerca dos momentos das práticas sociais e a relação dialética. A ADC é formada pelo pensamento de Bhaskar (1998), pois este considera que a vida (natural e social) é um sistema aberto, passível de mudanças, composto de estratos e domínios. Os estratos – físico, químico, biológico, econômico, social, psicológico, semiótico (e linguístico) – têm suas estruturas distintas próprias, que têm efeitos gerativos sobre eventos, através de seus mecanismos (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999). Quando/se ativados, esses estratos causam efeitos nos demais, gerando resultados que não se podem prever. Nessa esteira, Vieira e Resende (2016) asseveram que essa relação de interdependência causal significa que a operação em qualquer mecanismo dos diferentes estratos é sempre mediada pela operação simultânea de outros, mostrando que “não são redutíveis a um e sempre dependem (e interiorizam traços) de outros” (VIEIRA; RESENDE, 2016, p. 24). Quanto aos domínios, Bhaskar (1998) os concebe como constituintes da estratificação do mundo. São eles: o potencial, o realizado e o empírico. O domínio potencial diz respeito a tudo que existe no mundo, seja natural ou social, independentemente se S U M Á R I O 29 Recentemente, a ADC tem integrado a análise da argumentação ao conjunto de teorias linguísticas/semióticas com as quais trabalha (ver detalhes em FAIRCLOUGH; FAIRCLOUGH, 2012). 231 sabemos de sua existência ou se já tivemos contato empírico com ele. A ele pertencem os objetos, suas estruturas, mecanismos geradores e poderes causais. O domínio realizado, por sua vez, corresponde a eventos ou atividades que são efetivados e, dessa forma, geram efeitos de poder, podendo ser observáveis ou não. De acordo com Barros (2015), esse domínio ocorre quando os poderes do domínio real são ativados. O domínio empírico, por fim, relaciona-se aos fatos e eventos que são por nós percebidos. Noutros termos, este domínio corresponde a tudo que realmente podemos tocar, ver e experimentar ao longo da nossa vida. Assim, Vieira e Resende (2016) exemplificam essa complexidade correlacionando a linguagem aos domínios da seguinte maneira: Podemos associar o sistema semiótico (a potencialidade para significar) com o domínio do potencial e, por outro lado, os sentidos de textos com o domínio do realizado (o significado). O realizado é o domínio dos eventos que passam ou não por nossa experiência. O empírico, por sua vez, é o domínio das experiências efetivas, a parte do potencial e do realizado que é experenciada por atores sociais específicos. Neste caso, o exemplo seriam os textos (orais, escritos, visuais, multimodais) com que de fato tivemos contato em nossa vida (VIEIRA; RESENDE, 2016, p. 39, grifos no original). Quando afirmamos que a realidade é composta pelo domínio do real, com suas estruturas, mecanismos e poderes causais, pelo domínio do realizado e pelo domínio do empírico, o que nós experenciamos no mundo, estamos dizendo que a realidade não se reduz apenas àquilo que podemos observar, tocar ou fazer, ela vai além do que podemos S U M Á R I O 232 constatar através de nossa experiência empírica30. Nesse sentido, Fairclough garante: A posição que eu adoto é a realista, baseada em uma ontologia realista: [...] Nós podemos fazer uma distinção entre o potencial e o real – o que é possível por conta da natureza (coações e concessões) de estruturas e práticas sociais, como oposto ao que realmente acontece. Ambos precisam ser distinguidos do empírico, o que nós conhecemos como realidade [...]. A realidade (o potencial, o real) não pode ser reduzida ao nosso conhecimento de realidade, o qual é contingente, substituível e parcial (FAIRCLOUGH, 2003, p. 14). Além disso, baseado em Bhaskar (1998), Fairclough (2003; 2016b) postula que a realidade social é composta tanto de estruturas sociais abstratas quanto de eventos sociais concretos. Estruturas sociais são entidades abstratas que definem um potencial para realizarse em eventos. Elas constrangem e possibilitam o que pode ou não ocorrer ser realizado. São potencialidades “seletivamente atualizadas em eventos sociais” (FAIRCLOUGH, 2016b, p. 21). Além disso, estruturas têm relativa estabilidade, o que também confere a elas certa durabilidade. Como exemplo, podemos citar a estrutura econômica, a classe social, a educação e a própria língua, entre outros. Por sua vez, os eventos sociais são entidades espaçotemporalmente situadas que correspondem à realização da ação. Nesse sentido, são menos abstratos e duráveis que as estruturas sociais. Tomemos como exemplo a aula: ela é um evento que acontece em tempo e espaço situados, com materiais (quadro, carteiras, pincéis, etc.), pessoas e relações (professora-aluna, aluna-aluno, etc.). Essas características estão sempre dispostas previamente no rol de possibilidades estruturais, porém, elas podem ou não ser S U M Á R I O 30 Atualmente, nos estudos em ADC desenvolvidos no Brasil – (cf. Barros (2015, 2018), Beltrão (2015, 2019), Vieira e Resende (2016), Resende (2008) é possível encontrar um entrelaçamento com a Filosofia do Realismo Crítico. São pesquisas informadas por essa concepção é que se percebe que não é possível ter acesso direto aos domínios do real e do potencial, sem que seja pela mediação de nossa experiência, a saber, pelo domínio do empírico. 233 materializadas no evento, devido à possibilidade/contingência e a ação dos agentes sociais que ali operam. Deste modo, a aula, como qualquer outro evento, é influenciada pelas estruturas sociais que formam um conjunto de possibilidades e constrangimentos, e pelas pessoas no curso da ação. A associação de estruturas e eventos é complexa, pois nem tudo que é estruturalmente possível (estruturas) realmente acontece (eventos), e nem tudo que acontece (eventos) é efeito simples/ direto das potencialidades (estruturas). Essa relação é mediada por práticas sociais, entidades organizacionais intermediárias entre as estruturas e os eventos, entre a fixidez estrutural e a flexibilidade das ações individuais. As práticas sociais são modos recorrentes de inter(agir) socialmente, “maneiras habituais, situadas em tempos e espaços, em que pessoas aplicam recursos (materiais ou simbólicos) para agirem juntas no mundo” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 21). Consequentemente, elas estão em um nível de abstração abaixo das estruturas e acima dos eventos, figurando na mediação deles. Esse é um ponto principal na ADC, pois ao analisar problemas sociais discursivamente manifestos, desejamos entender como o discurso (linguagem/semiose) trabalha no interior da prática (ou práticas) em que ele está situado. Neste sentido, não estamos, particularmente, focados nas estruturas, nem nos eventos, mas sim, na articulação entre suas características possibilitada pelas práticas sociais. Dessa forma, a vantagem de focar sobre as práticas sociais é que elas “constituem um ponto de conexão entre estruturas abstratas e seus mecanismos e eventos concretos – entre a sociedade e pessoas vivendo suas vidas” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 21, grifo no original). S U M Á R I O 234 Ademais, as práticas sociais articulam em seu interior elementos de diferentes tipos, associados a campos da atividade humana, áreas particulares da vida social. Fairclough (2003) afirma que qualquer prática social combina ação e interação, relações sociais, pessoas (com suas crenças, atitudes, histórias, etc.), mundo material e discurso. Quando articulados juntos dentro de uma prática, esses elementos passam a ser considerados momentos dela. Essa visão é caudatária do pensamento de Harvey (1996), para quem, processos sociais são compostos por seis momentos (Discurso/ linguagem, Crenças/valores/desejos, Instituições/rituais, Práticas materiais, Relações sociais e Poder) que se articulam entre si em uma relação dialética. Harvey (1996) enfatiza que nessa relação dialética, os momentos internalizam traços uns dos outros: “cada momento é constituído como uma relação interna dos outros dentro do fluxo da vida social e material” (HARVEY, 1996, p. 80). Então, o momento discursivo das práticas internaliza características das relações sociais, ao mesmo tempo em que as influencia, participando assim de sua manutenção e execução. Na figura 1, abaixo, a relação dialética entre os momentos é ilustrada: Figura 1 – Relação dialética entre os momentos das práticas sociais Ação e interação Discurso Mundo material S U M Á R I O Relações sociais Pessoas Fonte: Elaboração pelos autores, com base em Fairclough (2003) 235 Nessa visão sociodiscursiva da ADC, o discurso é um momento das práticas sociais em relação dialética de internalização com outros momentos igualmente importantes, ele “incorpora e é incorporado por outros elementos, sem que nenhum deles possa ser reduzido ao outro ou isolado. Eles são diferentes, mas não discretos” (FAIRCLOUGH, 2010, p. 227). Segundo Fairclough (2016a), conceber o discurso como (um momento da) prática social, e não como atividade puramente individual tem várias implicações: 1) Implica ser o discurso um modo de ação, uma forma na qual as pessoas podem agir sobre o mundo e sobre os outros, bem como um modo de representação, e 2) Implica haver uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, especificamente entre o discurso e as práticas sociais. Neste último ponto, o autor acentua que, de um lado, as estruturas e práticas moldam e restringem o discurso em todos os níveis – pela classe, pelas relações sociais, pelas instituições, por normas discursivas e não discursivas – e por outro lado, o discurso é socialmente constitutivo, o que significa dizer que: O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado (FAIRCLOUGH, 2016a, p. 95). S U M Á R I O Portanto, o discurso (linguagem/semiose) participa de todas as práticas sociais, seja na constituição das mesmas ou como reflexividade sobre elas. Esse caráter reflexivo do discurso diz respeito à capacidade que as pessoas têm de gerar representações acerca do que elas (e outras pessoas) produzem como parte integrante do que fazem como já disseram Chouliaraki e Fairclough (1999). Para Anthony Giddens (1991), a reflexividade é uma característica intrínseca da modernidade tardia, pois ela consiste no fato de que “as práticas 236 sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter” (GIDDENS, 1991, p. 49). Essa relação de mútua constituição entre discurso e sociedade é uma premissa base de pesquisas em ADC, pois acentua que questões sociais são, em parte, questões de discurso, e vice-versa (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999). Então, se bem compreendida e colocada em prática nas pesquisas, a concepção dialética nos protege de analisar exclusivamente o momento discursivo das práticas sociais, sem atentar para a relação que o discurso mantém com os outros momentos. Apesar de os textos serem o material primordial com o qual trabalhamos, eles não esgotam a realidade pesquisada, isto é, os resultados obtidos na análise linguística não dão conta da complexidade envolvida na relação discurso-sociedade. Por fim, isso não quer dizer que necessitamos realizar uma investigação exaustiva sobre a ação e interação, as relações sociais, as pessoas e o mundo material para compreendemos o papel do discurso nesse meio. Contudo, certamente, não podemos deixar de considerar que esses momentos estão internalizados no discurso, portanto, é necessário considerá-los nas análises linguística e social. ORDEM DE DISCURSO E SEUS CONSTITUINTES S U M Á R I O A linguagem é parte essencial e irredutível da vida social, possui seus próprios mecanismos e poderes causais. Baseados na estruturação social fomentada pelo RC, Jessop e Sayer (2016) e Fairclough (2003) afirmam que a linguagem (semiose) é um componente de todos os níveis da organização social, a saber para cada um dos níveis – estruturas, práticas e eventos – há um elemento semiótico correspondente. 237 Primeiro, a linguagem figura como sistema linguístico/semiótico, no nível das estruturas. Enquanto sistema (língua), esse elemento possui suas próprias estruturas (gramática, vocabulário, sistemas etc.), mecanismos e poderes. Ele é relativamente durável e estável, e encontra-se no mais alto grau de abstração, suas características não são palpáveis, mas sim, realizáveis. Isso significa que, o sistema define certo potencial do que pode ou não ocorrer, seleciona certas possibilidades e exclui outras. Geralmente, as línguas funcionam de maneira semelhante: selecionamos constituintes (ordem paradigmática) e os combinamos com outros de modo ordenado (ordem sintagmática). Em português, por exemplo, é gramaticalmente possível dizer/escrever a seguinte oração “eu comprei uma maçã”, mas “maçã comprei uma eu” não é possível. No nível dos eventos, a linguagem figura como textos. Textos são facetas semióticas dos eventos, por isso, constituem-se como eventos discursivos. Eles encontram-se no plano mais concreto da ação, são muito mais transitórios e muito mais variáveis que o sistema. Além disso, eles têm efeitos causais de curto e longo prazo, podem provocar mudanças no mundo material, em nossas relações, crenças, valores, etc. Entretanto, os efeitos causais dos textos não são mecânicos, não podemos afirmar que exista uma regularidade entre um tipo de texto e um efeito causal. Sobre isso, Fairclough (2003) afirma que: Nós precisamos, contudo, esclarecer de que tipo de causalidade estamos falando. Não é uma simples causalidade mecânica. Nós não podemos, por exemplo, afirmar que características específicas dos textos provocam, de modo automático, mudanças no conhecimento ou no comportamento das pessoas, ou ainda efeitos na área política e social. Tampouco é a causalidade o mesmo que regularidade: pode não haver um padrão regular de causa e efeito, mas isso não significa que não haja efeitos causais (FAIRCLOUGH, 2003, p. 8). S U M Á R I O A relação entre sistema e textos não é direta, textos não são, simplesmente produto das potencialidades do sistema. Assim como, 238 entre as estruturas e eventos existe uma entidade organizacional intermediária (as práticas sociais), também há uma entidade semiótica que desempenha a mesma função, a ordem de discurso. Uma ordem do discurso é uma organização/estruturação social e controle da variação semiótica, “um ordenamento particular das relações entre diferentes formas de produzir sentidos” (FAIRCLOUGH, 2010, p. 227). Ademais, Fairclough (2016b) assevera que: A relação entre o que é possível semioticamente (como definido pelos sistemas semióticos) e as características semióticas reais de textos é mediada pelas ordens de discurso como mecanismos de filtragem que selecionam algumas possibilidades, mas não outras (FAIRCLOUGH, 2016b, p. 21). A relevância de relacionar elementos semióticos aos níveis de organização da vida social repousa no fato de que revela a complexidade da linguagem, que se manifesta tanto no nível estrutural abstrato, como a língua que falamos, quanto no nível concreto, como textos que produzimos e lemos, passando pelo nível intermediário, através da ordem de discurso. A relação entre os níveis da organização social e os elementos semióticos é ilustrada na figura abaixo. Figura 2 – Níveis da organização social e elementos semióticos correspondentes S U M Á R I O Fonte: Elaborado pelos autores, com base em Fairclough (2003) 239 As ordens do discurso não são compostas por elementos de estruturas linguísticas como orações, sintagmas ou morfemas, seus constituintes são elementos que figuram na interseção entre que o linguístico e o não-linguístico, entre o discursivo e o não-discursivo (FAIRCLOUGH, 2003). Deste modo, ordens do discurso são formadas por gêneros, discursos e estilos, itens que conduzem o que deve ou não ser selecionado, e como a combinação deve ou não ocorrer, tanto no que concerne a identidades e representações, quanto a ações e interações. Gêneros são maneiras de agir e interagir discursivamente, o discurso atuando como modo de ação dentro das práticas. Eles são “tipos de linguagem ligados a uma atividade social particular” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 63), ou a campos da atividade humana, como já dissera Bakhtin (2002). Gêneros podem ser mais estáveis (fixos), como a certidão de nascimento, ou menos estáveis, como uma conversa no cotidiano. Essa estruturação do desempenho de gêneros envolve questões de poder, pois diz respeito a quem negocia na interação, e quais recursos ela possui para isso. Discursos são modos particulares de representar aspectos do mundo, o discurso figurando como representação no interior das práticas sociais. Esses modos são particulares, pois são articulados por pessoas que estão dispostas em diferentes campos da vida social, com diferentes crenças, valores, desejos e relações sociais, pois isso, e têm diferentes concepções da realidade. Os discursos são articulados quando nos posicionamos acerca de questões sociais, por isso podemos nomear um “discurso racista” para representações que carregam sentidos negativos sobre pessoas negras, ou “discurso feminista” para representações que carregam significados que afirmam a igualdade de direitos para homens e mulheres. Assim, Fairclough (2003) acrescenta: S U M Á R I O 240 Discursos não apenas representam o mundo como ele é (ou melhor, como ele é visto), eles são também projetivos, imaginários, representando mundos possíveis que são diferentes do mundo real, e inseridos em projetos de mudar o mundo em direções particulares. As relações entre discursos diferentes são um elemento das relações entre pessoas diferentes – eles podem complementar-se, competir entre si, um pode dominar o(s) outro(s), e assim por diante. Discursos constituem parte dos recursos com que as pessoas se posicionam no relacionamento umas com as outras – mantendo-se separadas, cooperando, competindo, dominando – e na tentativa de mudar os rumos pelos quais elas se relacionam (FAIRCLOUGH, 2003, p. 124). Estilos são maneiras discursivas de ser (e identificar), o discurso figurando como identidade e identificações dentro das práticas. Segundo Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 63), os estilos “são um tipo de linguagem usado por uma categoria particular de pessoas e está intimamente ligado a suas identidades”. Pensar os estilos dessa forma, é compreender que parte de como falamos, escrevemos nossa entonação, as metáforas que empregamos, etc., são parte do que somos e não apenas do que fazemos. Isso não significa reduzir um processo tão complexo como a identidade ao nível discursivo, mas sim, entendê-la como parcialmente discursiva. Uma questão que precisa estar clara sobre isso, é que gêneros, discursos e estilos não são o texto, mas, materializam-se nele. Por isso, não devemos dizer “esse texto é um gênero entrevista” ou “o discurso do presidente”, mas sim, “esse texto alça o gênero entrevista” e “a fala do presidente”. Isso porque gêneros, discursos e estilos estão no nível superior ao dos textos, no nível das potências, ou seja, que podem ou não se materializar em textos. E então Fairclough (2003) propõe a divisão dos significados discursos em três categorias: representacional, acional e identificacional, que será explanado na seção a seguir. S U M Á R I O 241 (INTER)AÇÃO, REPRESENTAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO: OS SIGNIFICADOS DOS DISCURSOS O texto, como vimos acima, é produto linguístico/semiótico de eventos sociais, portanto, é influenciado tanto pelo(s) sistema(s) semiótico(s) e pela ordem do discurso dos quais fazem parte quanto pela agência de seu/a produtor/a. Para Fairclough (2003), a análise linguística deve estar associada a uma análise interdiscursiva, ou seja, que leve em consideração os diferentes discursos (modos de representar), gêneros (modos de agir), estilos (modos de ser) que se configuram no texto. Dessa forma, os significados do discurso postulados por Fairclough (2003) fazem parte dos textos, da mesma forma que as metafunções, na perspectiva da Linguística Sistêmico Funcional LSF. Assim, a ACD, aliada à LSF, não se respalda apenas na função da língua, mas há toda uma preocupação com a produtividade de significados e seus potenciais de significação. No livro Analysing Discourse, Fairclough (2003) ampliou o diálogo teórico entre a teoria da ACD e a Linguística Sistêmico Funcional – LSF. O autor faz uma junção entre as metafunções postuladas por Halliday e os conceitos de gêneros, discursos e estilos, dispondo no lugar de metafunções da linguagem, três tipos de significados: Acional, Representacional e Identificacional. S U M Á R I O Contudo, para esse entrelaçamento de teorias, Fairclough modifica sua versão anterior dos significados do discurso. No quadro a seguir, é possível verificar a ampliação do diálogo teórico entre ACD e a LSF. 242 Quadro 1 – Junção dos significados do Discurso entre ACD e LSF LSF Halliday (1991) ACD Fairclough (1992) ACD Fairclough (2003) Ideacional Ideacional Significado representacional Interpessoal Identitária Significado identificacional Relacional Textual Textual Significado acional Fonte: Resende e Ramalho (2009) Dessa forma, as metafunções projetadas por Halliday (1991) ‒ ideacional, interpessoal e textual ‒ dialogam com os significados do discurso objetivados por Fairclough (2003). Apesar da divisão dos significados dos discursos, Fairlcough (2016) aclara que toda oração é multifuncional e, assim, os significados ocorrem de maneira simultânea, ou seja, ao mesmo tempo em que podemos ter o significado representacional, também há a possiblidade de outro significado aparecer, o identificacional por exemplo. Resende e Ramalho (2016) apontam que a LSF incorpora com a ADC a noção de discurso, porque trata a linguagem como um sistema aberto, observando a visão dialética dos textos não só como estruturados sistematicamente, mas potencialmente inovadores do sistema: toda instancia discursiva “abre o sistema para novos estímulos de seu meio social” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 141). Assim, usar dos recursos teórico-metodológicos da LSF fornece ao analista crítico de discurso um subsídio de investigação da linguagem tanto em contexto micro quanto macrossocial. Esse estreitamento entre ADC e a LSF possibilita uma análise linguístico-discursiva sobre texto e contexto, sobre os mecanismos que operam em eventos de resistência e dominação através da linguagem. A seguir discorremos sobre o significado representacional – metafunção ideacional. S U M Á R I O 243 SIGNIFICADO REPRESENTACIONAL – METAFUNÇÃO IDEACIONAL O significado representacional de textos está alinhado à concepção de discurso como uma maneira de representar as questões do mundo. Conforme Fairclough (2003), o significado representacional de textos inclui aspectos do mundo físico – objetos, relações etc. ‒ e do mundo mental – pensamento, sentimentos, crenças etc, “pressupõem controle sobre as coisas e conhecimento” (VIEIRA; RESENDE, 2016, p. 55). A metafunção ideacional, coligada ao significado representacional, que nas palavras de Halliday e Matthiessen (2004) e Fairclough (2003), está relacionada à representação de nossa experiência do mundo, representada ou construída por meio da transitividade dos verbos (processos). O sistema de transitividade definido pela LSF é a gramática da oração, como uma unidade estrutural que serve para expressar uma gama particular de significados ideacionais e cognitivos; retrata a realidade expressa no discurso das ações humanas por meio dos seus principais papéis de transitividade: processos, participantes e circunstâncias, “que permitem analisar quem faz o quê, a quem e em que circunstâncias” (CUNHA; SOUZA, 2007, p. 54, grifos nossos). Além do sistema de transitividade, definido por Halliday como categoria analítica da metafunção ideacional, Fairclough (2003) sugere três categorias de análises do significado representacional: o significado das palavras, a representação de atores sociais, de autoria de van Leeuwen (1997) e a interdiscursividade. S U M Á R I O De acordo com Fairclough, (2016a) a escolha lexical (significado das palavras) tem uma importância nos estudos 244 discursivos, pois, torna produtiva a análise de determinadas palavras, e ainda, é produtiva para observar as representações, considerando que os discursos “lexicalizam o mundo de maneiras particulares” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 129). Conforme van Leeuwen (1997; 2008), representações de práticas sociais são particulares, ou seja, são construídas por pessoas particulares e sob determinados pontos de vista, e, dessa forma, representam atores envolvidos nas práticas de maneiras diferentes. A representação de atores sociais, segundo Bessa e Sato (2018): é relevante para o processo analítico por permitir identificar papéis, perceber em quais enquadres os(as) participantes estão posicionados nos textos; quais estão presentes e quais deveriam estar; discutir os possíveis efeitos das formas de representação, inclusive as que incluem atores nos textos as que, de maneira explícita ou sub-reptícia, os “excluem” (BESSA; SATO, 2018, p. 149). A classificação da representação dos atores sociais está disposta por van Leeuwen (1997), como um conjunto de elementos linguísticos que se articulam, podendo funcionar para incluir ou excluir pessoas e grupos. A exclusão pode acontecer mediante a supressão/ uma colocação em segundo plano. Já a inclusão acontece através da: ativação, passivação, personalização, indeterminação, impersonalização, diferenciação, nomeação, categorização, funcionalização, identificação. S U M Á R I O Para Fairclough (2003), a heterogeneidade de um texto em termos de articulação de diferentes discursos é chamada de interdiscursividade. A interdiscursividade ou intertextualidade constitutiva está relacionada com as identificações dos diferentes discursos articulados e a forma como são articulados em um texto (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999; FAIRCLOUGH, 2003). A gênese da interdiscursividade se “aplica a vários níveis: a ordem do discurso societária, a ordem do discurso institucional, o tipo de discurso, e mesmo os elementos que 245 constituem os tipos de discurso” (FAIRCLOUGH, 2016, p. 166). A seguir apresentamos o significado identificacional – metafunção interpessoal. SIGNIFICADO IDENTIFICACIONAL – METAFUNÇÃO INTERPESSOAL Como já observado, o discurso representa o modo de agir, de representar e modo de ser. O modo de ser é configurado no significado identificacional associado ao conceito de estilo e a metafunção interpessoal de Halliday. Esse significado do discurso constitui os modos particulares de ser, ou seja, “a linguagem usada por uma categoria particular de pessoas e relacionado com a sua identidade” (FAIRCLOUGH, 1999, p. 63). Já estilo pode ser “identificado[s] com características fonológicas: entonação, pronúncia, ritmo, etc, e envolvem a linguagem corporal – expressões faciais, gestos” (BARROS, 2015, p.83). Fairclough (2003) sugere que a identificação seja compreendida como um processo dialético em que discursos são inculcados em identidades, uma vez que a identificação pressupõe a representação, em termos de presunções, acerca do que se é. Para este significado identificacional Fairclough propõe como categoria analítica a modalidade (há dois tipos: modalização e modulação) e a avaliação. Para Halliday (1975), a modalidade: Pode ser entendida como um julgamento feito pelo falante a respeito das probabilidades ou obrigações relacionadas com o que está dizendo. Uma proposição pode se tornar discutível por ter sido apresentada como provável ou improvável, desejável ou indesejável – em outras palavras, sua relevância em termos modais (HALLIDAY, 1994, p. 75). S U M Á R I O 246 A categoria analítica avaliação, refere-se a enunciados que declaram a ideia de que algo seja bom ou ruim, incluem “avaliações afirmativas (que apresentam juízo de valor), afirmações com verbos de processo mental afetivo (tais como “detestar”, “gostar”, “amar”) e presunções valorativas (sobre o que é bom ou desejável)” (RESENDE; RAMALHO, 2006, p. 79). O elemento avaliativo de uma afirmação pode ser um atributo, um verbo, um advérbio ou um sinal de exclamação (FAIRCLOUGH, 2003). A seguir discorremos sobre o último significado do discurso descrito por Fairclough como acional. SIGNIFICADO ACIONAL – METAFUNÇÃO TEXTUAL De acordo com Fairclough (2003), as opções que as redes de ordens do discurso oferecem não são apenas palavras e orações, mas gêneros, discursos e estilos particulares, ligados aos modos particulares, e relativamente estáveis, como cada campo social (inter) age, representa e identifica pelo discurso. Então, o significado acional – metafunção textual está ligado ao conceito de gêneros. Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 144) reconhecem nos gêneros discursivos “um mecanismo articulatório que controla o que pode ser usado e em que ordem, incluindo configuração e ordenação de discursos”. S U M Á R I O Os gêneros podem ser definidos como a constituição do “aspecto especificamente discursivo de maneiras de ação e interação no decorrer de eventos sociais” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 65). Logo, quando analisamos um texto sob a vertente de gêneros, o que se objetiva é um exame de como o texto “se figura na (inter)ação social e como contribui para ela em eventos sociais concretos” (RESENDE; RAMALHO, 2009, p. 62). 247 Há para Fairclough (2003), uma divisão dos gêneros em prégêneros e gêneros situados. Os pré-gêneros, na visão do linguista, são grupos abstratos, que ultrapassam redes próprias de práticas sociais e que participam de diversos gêneros situados. Os pré-gêneros: narrativa, argumentação e descrição são potenciais abstratos que podem ser alçados na composição de diversos tipos de textos: romance, novelas, contos de fadas. Já os gêneros situados, são categorias concretas, são “um tipo de linguagem usados na performance de uma prática social abstrata” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 56). Uma categoria analítica do significado acional é a intertextualidade, conceito trazido para a ADC fundamentando-se nos estudos de Bakhtin (2002), que enfatizou a dialogicidade da linguagem, ressaltando que os textos são dialógicos, no sentido de que respondem a outros textos, e também polifônicos, na lógica de articular diversas vozes. E dessa forma, “a relação entre essas vozes pode ser harmônica, de cooperação, ou pode haver tensão entre o teto que relata e o texto relatado” (FAIRCLOUGH, 2003a, p. 39). Vieira e Macedo (2018) revelam que na análise das estruturas sociais, as práticas sociais são examinadas sob duas concepções, cuja combinação pressupõe investigar a mudança discursiva em relação social e cultural: ideologia e hegemonia, assunto discorrido na próxima seção. ADC E AS CONCEPÇÕES SOBRE IDEOLOGIA E HEGEMONIA S U M Á R I O Para esclarecer o discurso enquanto prática social, Fairclough (2008) discorre sobre os conceitos de ideologia e hegemonia, fomentando um diálogo com as contribuições do Marxismo e com 248 as obras de Althusser (1992 [1971)) e Gramsci (1954; 1988; 1995). Tal processo ocorre porque Fairclough considera que as teorias de ambos os autores são abundantes para a análise do discurso enquanto prática social. Na visão de Fairclough, Althusser foi um dos grandes precursores dos debates entre discurso e ideologia. Althusser (1971) considera a ideologia como o sujeito que age na interpelação ideológica, como sujeito que aciona os indivíduos para que eles sigam suas orientações. Mas, Fairclough não concorda com a teoria de Althusser em relação à ideologia enquanto cimento social, aceitando apenas a ideologia enquanto uma reprodução de um aspecto dominante. Então, para Fairclough (1989), as ideologias são “pressuposições do senso comum implícitas nas convenções de acordo com as quais as pessoas interagem linguisticamente e das quais as pessoas não estão conscientes” (FAIRCLOUGH, 1989, p. 1). Dessa forma, a ideologia é mais efetiva quando sua ação é menos visível. Se alguém se torna consciente de que um determinado aspecto do senso comum sustenta desigualdades de poder em detrimento de si próprio, aquele aspecto deixa de ser senso comum e pode perder a potencialidade de sustentar desigualdades de poder, isto é, funcionar ideologicamente (FAIRCLOUGH, 1989). Fairclough apresenta três afirmações acerca da ideologia: I – a ideologia tem uma existência material, ocorre nas práticas discursivas; II – a ideologia interpela os sujeitos; e III – os aparelhos ideológicos do estado, (educação, mídia) são locais de luta de classe, assinalando para o embate discursivo. Assim, para a ADC, a ideologia é vista sob o aspecto da criação e manutenção das relações sociais de poder. Nesse sentido, as questões ideológicas implicam em uma relação de “representações de S U M Á R I O 249 aspectos de mundo que contribui para estabelecer e manter relações de poder dominação e exploração (PAPA 2008, p. 59). A ADC coaduna com a concepção de ideologia postulada por Thompson (1995). Para este autor, à ideologia é, por natureza, hegemônica, pois, sustenta e estabelece relações de dominação. A operação da ideologia ocorre através de cincos modos: “legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e reificação” (THOMPSON, 1995, p. 81-89). Pode-se notar lutas hegemônicas travadas dentro das práticas discursivas embutidas de ideologias, como entre a igreja e a medicina, a igreja e a união estável, em que os sujeitos envolvidos querem sustentar suas verdades num conjunto de relações de poderes. Para Fairclough, hegemonia, tanto quanto dominação nos domínios econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade, é a construção de alianças e a integração muito mais do que simplesmente a dominação de classes subalternas, mediante concessões ou meios ideológicos para ganhar consentimento (FAIRCLOUGH, 2016a, p. 127). Se a hegemonia está relacionada com o poder exercido sobre o funcionamento dos aparelhos ideológicos do Estado, todo discurso, principalmente o dos intelectuais a serviço da classe dominante, é repleto de poder. De acordo com a interpretação proposta por Fairclough (2016a), uma das funções fundamentais de análise do discurso é a de descrever reflexivamente as práticas discursivas, como um modo de luta hegemônico e ideológico, que reproduz e reestrutura as ordens de discursos, e as práticas vigentes na sociedade contemporânea (FAIRCLOUGH, 2016a). S U M Á R I O Para Gramsci (1988), conquistar a hegemonia é estabelecer, de forma temporária, liderança moral, política e intelectual na vida social, difundindo sua própria visão de mundo pelo tecido da sociedade como 250 um todo, igualando, assim, o próprio interesse com o da sociedade em geral (EAGLETON, 1997). Fairclough (2016a) declara que o analista de discurso não está acima da prática social que analisa; está envolvido nela, contribuindo para a sua realização e ao mesmo tempo sendo influenciado por ela. Assim, fazer análise crítica do discurso repercutirá na produção de novos textos. O que significa que o discurso está posicionado em meio às lutas hegemônicas, e aberto para ser investido de ideologias e políticas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nosso objetivo, neste capítulo, foi de apresentar os pressupostos teóricos da Análise de Discurso Crítica, desenvolvida pelo linguista britânico Norman Fairclough. Como já posto, a proposta elaborada por esse linguista é apenas uma entre tantas abordagens que estão filiadas ao rótulo ADC. Por isso, a heterogeneidade é uma das principais características quando se pensa nesse campo de estudos. Entretanto, há pontos que os unificam, por exemplo, todas as abordagens têm como foco de atenção problemas sociais diversos (sexismo, pobreza, homofobia etc.) manifestos em textos (orais, escritos, multimodais), e como sentidos de textos estabelecem, mantêm ou subvertem questões problemáticas da vida social. S U M Á R I O O foco em problemas sociais discursivamente manifestos como apontado por Chouliaraki e Fairclough (1999), concede à ADC um caráter emancipatório, pois não é suficientemente adequado analisar apenas a relação entre o problema social e os (sentidos de) textos, que já é de um todo complexa, mas é imprescindível que a própria investigação forneça maneiras de superar o problema em questão. 251 Tal fato requer do/a pesquisador/a um posicionamento em favor daqueles/as que são vítimas dessas questões problemáticas. Nesse sentido, o/a analista crítico/a de discurso sabe que não há como ser imparcial frente às questões com as quais trabalha, é necessária a renúncia da neutralidade. Apesar do caráter posicionado que o/a analista assume, as investigações informadas pela ADC não se baseiam em interpretações pessoais de textos, mas sim, na compreensão e explanação. Isso mostra que, por um lado, compreendemos (sentidos de) textos de maneira pessoal, pois somos atores sociais com crenças, valores e desejos, e há várias compreensões para o mesmo texto. Por outro lado, explanamos os (sentidos de) textos de maneira particular, pois empregamos linguagens de descrição (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999). Tais linguagens nos possibilitam descrever as propriedades de textos e contextos, dando base às nossas análises. Desse modo, a ADC emprega conceitos e categorias analíticas advindas da Linguística Sistêmico-Funcional (e outras teorias linguísticas) para descrever minuciosamente a materialidade discursiva e proceder à crítica explanatória com base no discurso. Uma das características mais relevantes da ADC, que a diferencia de outros tipos de análise de discurso, é a atenção à dialética entre discurso e (os momentos das) práticas sociais, pois ajuda a entender como ocorrem os processos cíclicos entre as mudanças discursivas e as mudanças sociais. Como vimos acima, os textos resultam de eventos e, portanto, correspondem ao domínio empírico. Por isso, eles têm efeitos causais sobre o mundo e as pessoas, podendo mudar suas crenças e valores, ao mesmo tempo em que processos sociais influenciam a produção dos textos. S U M Á R I O Considerar que os momentos das práticas sociais são internalizados no discurso, não minimiza seu papel socialmente constitutivo, pelo contrário, revela a importância que têm os estudos do 252 discurso na compreensão de fenômenos sociais. Então, conforme o texto em epígrafe nos informa, a ADC, como um tipo de Ciência Social Crítica, pode/deve tornar visíveis as relações entre as coisas. Em suma, o trabalho de pesquisa orientado pela ADC não é fácil, pois demanda esforços teóricos, pois, requer engajamento na luta por uma sociedade mais justa a todos/as. Contudo, os resultados dessa ação no mundo podem ser muito positivos, como a transformação de relações de dominação a partir da emancipação, por exemplo. O que significa que podem operar na realização de mudanças sociais que tanto almejamos enquanto cidadãos/ãs – pesquisadores/as. REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Edições, 1992 [1971]. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2002. BARROS, Solange Maria de. Realismo crítico e emancipação humana: contribuições ontológicas e epistemológicas para os estudos críticos do discurso. Campinas: Pontes Editores, 2015. BHASKAR, Roy. Philosophy and scientific realism. In: ACHER, M.et al. Critical realism: essential readings. London: New York: Routledge, p. 45-69, 1998. BLOMMAERT, Jan. Discourse: a critical introduction. New York: Cambridge University Press, 2005. CHOULIARAKI, Lilie; FAIRCLOUGH, Norman. Discourse in late modernity: rethinking critical discourse analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999. CUNHA, Maria Angélica Furtado da; SOUZA, Maria Medianeira. Transitividade e seus contextos de uso. 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No componente curricular de Língua Portuguesa, por muito tempo seu caráter foi extremamente prescritivo passando por diversas mudanças até os dias atuais. Por isso, a importância de compreendê-lo como significativo objeto de estudo da Linguística Aplicada pelo seu caráter investigativo e documental acerca das concepções de ensino de língua materna adotadas ao longo das décadas. Dessa maneira, de forma a contribuir para futuras pesquisas em LA que tenha como objeto de investigação o LD, sugerimos perspectivas a serem assumidas como trilhas de pesquisa adotadas em alusão aos quatro eixos propostos pelos documentos mais recentes orientadores do ensino, em especial a BNCC: leitura, oralidade, produção de textos e análise linguística/semiótica. S U M Á R I O Palavras-chave: Livro Didático; Linguística Aplicada; Pesquisa. 257 UM POUCO DE HISTÓRIA Para entendermos as perspectivas relativas aos estudos dos livros didáticos como ferramenta nas pesquisas em Linguística Aplicada, faz-se necessário retomar o surgimento, mesmo que de forma sucinta, das primeiras manifestações impressas criadas com o intuito de ensinar. A história do livro didático, como tantas outras contadas no hemisfério sul ocidental, remete aos dados do contexto europeu, portanto, sua criação reflete interesses políticos e ideológicos sobre os sujeitos colonizados. O livro didático é a memória impressa de um período, das práticas educativas e do pensamento de determinada época. Nos séculos XV e XVI, o pensamento de que Deus era o centro do universo perde espaço para uma visão mais antropocêntrica. A crença no terreno e a visão do homem sobre o homem é fruto da transformação social com a invenção da imprensa por Johannes Gutenberg. A divulgação de folhetins editados coloca em risco a profissão dos escribas que irrompe com o declínio da igreja, detentora do conhecimento. A elite e os membros do clero, que até então eram os únicos alfabetizados, perdem o monopólio intelectual e a transmissão oral do saber quando os reformadores veem na escolarização um meio de disseminar novas ideias. S U M Á R I O Nesse contexto de suspiros de democratização do ensino, o livro representa formas de socialização, instituindo valores comunitários e identidades de grupos. Ao livro, na cultura pós-Gutenberg, se “confiou a tarefa de armazenar e fazer circular todo o conhecimento (...) o homem que lê se difere do homem que não lê. O homem que lê se transplanta para o lugar do texto, alterando o seu ponto de vista sobre 258 todas as coisas.” (QUEIROZ, 2005, p.12-13). Dessa maneira, a saída do impresso de determinados grupos ganhou conotações distintas. O “o ABC de Huss”, por exemplo, foi um dos primeiros manuais escolares impressos para a alfabetização do povo. Como um dos precursores da Reforma Protestante, Huss mantinha interesses ideológicos na sua prática de escolarização. A igreja católica, que mantinha o domínio sobre as instituições privadas, os reis e a plebe, era quem determinava o que era verdadeiro ou falso e o que era pecaminoso. O clero era o verdadeiro capitalista, apenas escondido atrás das batinas e edificações recobertas de ouro. Valendo destacar que nesse período estava em construção a Basílica de São Pedro, toda revestida em ouro para demonstrar a ostentação e poder da Igreja Católica. (BAIRRO, p. 3, 2011). A escolarização era, portanto, o meio pelo qual se poderia chegar ao povo com novas ideias contra o monopólio da igreja. Não visavam apenas a livre interpretação da palavra de Deus, mas o comércio e a cobrança de impostos e indulgências. Como exemplo disso, no ano de 1525, mesmo ano em que foi lançada uma cartilha com o alfabeto, os Dez Mandamentos, orações e algarismos, Martin Lutero, na Alemanha, apregoa na porta do castelo de Wittenberg suas 95 teses. Ainda no mesmo século, o absolutismo como regime de poder dava aos reis poderes centralizadores, mantendo o patamar da educação restrita a poucos. Alfabetizar era produto do capitalismo para produzir comerciantes e membros militares do exército, formando, assim, uma nova elite. Logo, a educação sempre teve a intenção de formar força de trabalho para sustentar uma classe superior. S U M Á R I O Após a Revolução Francesa iniciada em 1789, as atividades das escolas religiosas foram interrompidas e, em 1793, uma lei que 259 postulava o ensino público, gratuito e laico foi instaurada. Contudo, a partir de 1801, em um acordo com o papado, Napoleão Bonaparte recorre aos serviços da igreja de modo que o ensino religioso e o culto são reestabelecidos na França. Essa prática é reforçada com a chegada dos Bourbons ao poder quando foi criado o ministério para assuntos religiosos e educação em 1824. A proposta de educação pública, gratuita, laica, universal e obrigatória surgiu no processo da Revolução Francesa, isto é, no contexto da radicalização de uma revolução burguesa. Entretanto, devido ao compromisso da burguesia em defesa da propriedade privada, a classe detentora do capital abandonou a proposta de generalização do ensino, uma vez que preferiu conciliar com o historicamente velho no intuito de enfrentar o proletariado. (MELO, 2011, p.13). Logo, as propostas mais democratizadoras de educação surgiram de dentro do movimento operário, com o princípio pedagógico da educação integral, como uma possibilidade de libertação intelectual das amarras propostas pelo sistema. Com o apogeu da Revolução Industrial, é criado o jardim de infância, para atender aos filhos de operários de fábricas. Este marco assume um caráter essencialista, não educacional, visando à produção daqueles que teriam seus filhos aos cuidados de outrem. S U M Á R I O Os ideais de Estado e educação, além dos livros didáticos, chegam ao Brasil no período imperial, no século XIX. A partir de 1827, início do período do império, têm-se a criação das Escolas de Primeiras Letras. A produção de manuais editados em gráficas brasileiras ocorre na mesma década, aprimorando-se por meados de 1860 junto à ampliação do Ensino Primário no Brasil. Para Zacheu e Castro (2015, p.3), “os livros didáticos também reforçaram e contribuíram para a formação do sentimento de nacionalidade, imbuídos desde o momento inicial de visões patrióticas na produção da história do Brasil”. 260 Em diferentes momentos da história do país vê-se a utilização do livro como material de reprodução ideológica. Apesar de atualmente serem escolhidos democraticamente por professores e coordenadores escolares, ainda reside a não contemplação de algumas realidades sociais presentes na escola e fora dela. Ademais, para muitos estudantes, o livro é a única maneira de inserção no plano da sociedade letrada e para muitos professores e professoras o único instrumento de mediação do conhecimento, devido a inúmeras limitações que partem do âmbito social, passam por sua formação acadêmica e deságuam no educacional. Logo, é imprescindível que entendamos um pouco mais sobre essa ferramenta tão complexa de letramento. PARA COMPREENDER O LIVRO DIDÁTICO O livro escolar que serve de apoio para alunos e professores, é muito mais do que instrumento de mediação do conhecimento, é fonte de diversos valores morais, éticos, sociais e cívicos que perpetuam pela sociedade. É material de relevante contribuição para a história do pensamento de determinada época, das práticas educativas e de intenções dos projetos de construção e de formação societal. Para Fonseca (1999, p. 204), S U M Á R I O O livro didático e a educação formal não estão deslocados do contexto político e cultural e das relações de dominação, sendo, muitas vezes, instrumentos utilizados na legitimação de sistemas de poder, além de representativos de universos culturais específicos. (...) Atuam, na verdade, como mediadores entre concepções e práticas políticas e culturais, tornando-se parte importante da engrenagem de manutenção de determinadas visões de mundo. 261 Portanto, visando o fortalecimento do sentimento cívico, a partir de 1930, no período Vargas, houve um grande incentivo à produção didática nacional. Esta preocupação perpassa toda a história nacional desde o período do império, contudo, somente durante a década de 30 que é criada a primeira legislação específica para o livro didático. Ao Instituto Nacional do Livro – INL – coube a função de zelar e ampliar a produção do livro didático. Neste período, o livro era aparato indispensável para reprodução ideológica do Estado Novo. O decretolei n. 1006, de 30/12/1938 cria a Comissão Nacional do Livro Didático – CNLD – e atribui regras para a produção, compra e utilização do material (ZACHEU; CASTRO, 2015, p. 7). Esta medida uniformizou em todo o país a seleção de livros escolares para o ensino elementar. Em 1966, foi criada a Comissão do livro técnico e livro didático – Colted – através de um acordo entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Ainda durante a década de 60, foi criada a Fundação Nacional do Material Escolar – Fename – segundo a lei n. 5327/67. O objetivo foi o barateamento e a distribuição do material para crianças em níveis Primário e Secundário de todo o país. A Fename foi criada num contexto de expansão da rede escolar, proporcionada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), criada em 1961. O Programa do livro didático para o Ensino Fundamental (Plifed) foi criado em 1971 pelo INL que assumiu as atribuições referentes ao Colted anteriormente. No mesmo ano, chega ao fim a aliança MECUSAID e a lei n.5692/71 instaura uma reforma na educação do país, incluindo disciplinas como educação moral e cívica, educação artística e educação física. S U M Á R I O Diversas mudanças sucederam-se nos anos que viriam: o INL foi extinto em 1971; a Fename tornou-se o responsável pelo Programa do Livro Didático por meio dos recursos do Fundo Nacional de 262 Desenvolvimento da Educação, incorporando-o no ano de 1983; e, em 1985, com a aspiração de ares mais democráticos no país, o Governo Federal executa o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). (ZACHEU; CASTRO, 2015, p. 8-9). O programa é promovido pelo Ministério da Educação (MEC) e gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), uma autarquia federal. De acordo com o site do MEC (2019), o principal objetivo na criação e realização deste programa é avaliar e a disponibilizar obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio à prática educativa, de forma sistemática, regular e gratuita, às escolas públicas de educação básica das redes federal, estaduais, municipais e distrital e também às instituições de educação infantil comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o Poder Público. (MEC, 2019). Atualmente, com nova nomenclatura, o Programa Nacional do Livro e do Material Didático, regido pela lei nº 9099/17, adquire e distribui os livros didáticos e literários, além de materiais de apoio à prática educativa, como softwares, jogos educacionais e materiais de reforço. S U M Á R I O Ademais, o programa é responsável pela seleção adequada do material para atender as exigências pedagógicas e metodológicas, além de fazer a avaliação. A seleção passa por “uma avaliação criteriosa, pedagógica e metodológica, organizada pela Secretaria de Educação Básica e realizada por equipes de especialistas que detenham os conhecimentos necessários para tal julgamento em cada área de conhecimento” (JARDIM, 2010, p. 44), cujos critérios são regidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Ainda em 2011, um edital do Governo Federal incluiu em sua lista livros didáticos de língua estrangeira (LE) – inglês e espanhol que deveriam, também, ser ofertados às escolas. 263 Portanto, atualmente, o Programa do Livro Didático é resultado da unificação de duas ações: o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Ambos se destinam aos professores e alunos da rede básica de ensino público, incluindo aqueles da Educação de Jovens e Adultos. Assim, as escolas que encaminham o termo de adesão como manifestação de interesse no PNLD são também beneficiadas pelo PNBE. Compreendem os objetivos do PNLD: a) aprimorar o processo de ensino e aprendizagem; b) garantir o padrão de qualidade do material; c) democratizar as fontes de informação e cultura; d) fomentar a leitura e o ensino; e) apoiar a autonomia do professor; e f) apoiar a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). (LEGISLAÇÃO, 2017). Para Souza (1996), o livro didático funciona como instrumento de autoridade do conhecimento para professores e alunos, direcionando o ensino e a prática profissional. Por isso, faz-se necessário que pesquisas envolvendo estes materiais sejam desenvolvidas. Neste âmbito, a área de Linguística Aplicada (LA) contribui enormemente com uma visão mais abrangente sobre aspectos diversos que compõem o universo do livro, do processo de ensino/aprendizagem e da prática do professor. De acordo com Silva (2010), a consolidação da área de LA, nos anos 90, aconteceu como consequência do aumento do número de programas de pós-graduação em Linguística Aplicada e dos Estudos da Linguagem, com ênfase ou área de concentração em LA. S U M Á R I O A Linguística Aplicada no Brasil ampliou-se e tem atuado em contextos educacionais, outros contextos profissionais, em ambientes diversos de pesquisas científicas e tecnológicas, situações forenses, nos estudos lexicográficos, no tratamento de linguagem artificial com as novas tecnologias da comunicação e informação, refletindo uma tendência internacional da área (SILVA, 2010, p. 209). 264 O campo vem cada vez mais reivindicando e revelando um caráter interdisciplinar que busca atravessar as fronteiras disciplinares a fim de problematizar e solucionar problemas linguísticos que encontram obstáculos no campo social. Encontramos, deste modo, na esfera educacional, uma fronteira ultrapassada pelas pesquisas em Linguística Aplicada. À vista disso, entendendo o livro didático como um dos principais instrumentos do ensino básico brasileiro – quando não, o mais importante instrumento. A seguir, discutiremos as perspectivas a serem assumidas na análise do livro didático como objeto em pesquisas de LA. A PESQUISA DO LIVRO DIDÁTICO EM LINGUÍSTICA APLICADA Ao partirmos do caráter inter/transdisciplinar da Linguística Aplicada, é notório que o seu escopo compreende a linguagem como um fenômeno que constitui diversos âmbitos: cultural, social, cognitivo. Dessa forma, não se concebe a LA apenas como uma área de aplicação das teorias linguísticas construídas ao longo dos anos, com o foco único em aperfeiçoamento das práticas utilizadas em sala de aula, mas, sim, como um conjunto de práticas que possibilitem a análise do uso da linguagem em alguns contextos que merecem a sua devida atenção. (SIGNORINI, 1998). S U M Á R I O Assim, a Linguística Aplicada se constitui como uma área bem estabelecida dentro dos estudos no Brasil e, para além disso, ultrapassa os limites da Linguística ao se preocupar com as realidades experenciadas e não somente com as realidades ditas abstratas que são inerentes ao sistema linguístico. (WIDDOWSON, 2000). 265 Será então, no viés de uma pesquisa que busca cada vez mais se aproximar da experiência e da vivência que o livro didático surgirá como importante instrumento nas pesquisas realizadas em LA que buscam compreender o uso da língua e as práticas envoltas em sua aprendizagem. [...] o livro didático de língua portuguesa tem sido utilizado como objeto de investigação, desde a década de 60, na área das ciências da linguagem (letras, linguística, teoria da literatura, comunicação social, linguística aplicada), como bem mostra o resultado de uma pesquisa recente sobre o estado da arte do livro didático no Brasil, em que 37% dos trabalhos pertencem justamente a referida área. (ROJO & BATISTA, 2004, p. 123). Portanto, em vista dos dados supracitados, percebermos o livro didático, na contemporaneidade, como um guia capaz de pôr a língua em constante atividade para fins pedagógicos e como meio para estudo dos gêneros textuais, da gramática e das concepções de linguagem que perpassam as sociedades e os períodos históricos. Nesse ponto fulcral, encontramos a importância deste objeto de estudo dentro do campo de análises da Linguística Aplicada, principalmente, quando falamos de uma LA transdisciplinar que se preocupa em compreender as práticas de uso e aprendizagem da língua junto aos problemas sociais envoltos corroborando com o que afirma Moita Lopes (1996, p. 123) ao dizer que “[...] há uma preocupação cada vez maior em linguística aplicada com a investigação de problemas de uso da linguagem em contextos de ação ou em contextos institucionais, ou seja, há um interesse pelo estudo das pessoas no mundo”. S U M Á R I O Dessa maneira, veremos que utilizar o livro didático como objeto de estudo em LA nos trará a possibilidade de percebê-lo como meio de compreensão da realidade sincrônica de determinada realidade educacional e, assim, buscar um maior aprimoramento em sua produção que objetive sanar – mesmo que parcialmente – alguns problemas que ainda cercam o ensino de língua materna. 266 Parte desse aprimoramento passa pelo exercício das políticas públicas que envolvem o LD, tais como anteriormente discutidas, PNLD e PNBE, e, também, pela criação de documentos oficiais que orientam a sua construção como é o caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados no início dos anos 2000 e, mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular que é um construto resultante de várias pesquisas que envolvem ensino e aprendizagem. Inicialmente, os PCN’s, tinham um ensino de língua portuguesa pautado em três esferas de conteúdo que deveriam tratar da Língua Oral, Língua Escrita e Análise e reflexão sobre a Língua. Semelhante a isto, a BNCC também institui quatro práticas de linguagem que tratam da Leitura, Oralidade, Produção de Textos, Análise Linguística e, como maior novidade, a presença da Análise Semiótica de maneira mais explícita dentro destas práticas. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o documento mais atual na função de orientação dos conteúdos e práticas a serem compartilhadas nas escolas de todo o Brasil. Este documento não se institui como um currículo pronto, mas como uma fonte para que cada escola, diante de sua realidade, construa seu currículo através das sugestões realizadas. Na Educação Infantil e Ensino Fundamental, a BNCC foi aprovada e homologada em meados de 2017, enquanto que, para o Ensino Médio, sua aprovação e homologação ocorreram no final de 2018. A inserção da Semiótica em um documento que orienta as práticas de ensino e sugere o que deve ou não conter dentro dos livros a serem usados como mediadores deste ensino, é um fato de extrema relevância que comprova a importância das pesquisas e do quanto estas podem se aproximar dos muros da escola, contrariando a máxima de que só se faz pesquisa para a própria academia. S U M Á R I O 267 Dessa forma, as perspectivas a serem adotadas para atuais e futuras análises dos livros didáticos passarão pelas sugestões definidas nesse documento e será por esse motivo que tomaremos os quatro eixos da BNCC como trilha para a compreensão dos caminhos que os pesquisadores, utilizadores do livro didático como objeto de pesquisa, podem e devem explorar nos estudos em LA. A PERSPECTIVA DA LEITURA A PARTIR DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA A leitura e compreensão de textos são obstáculos históricos para o desenvolvimento cognitivo e o letramento de muitos estudantes que ocupam os bancos escolares das escolas públicas brasileiras. Por isso, pensar estratégias que envolvam competências e habilidades capazes de acelerar este processo é extremamente necessário para a sua eficácia. Para que compreendamos a perspectiva assumida pela BNCC em relação ao eixo de Leitura dentro do componente curricular de Língua Portuguesa é interessante que enfatizemos a concepção de linguagem que o documento assume que é uma concepção de uma linguagem enunciativa-discursiva, como já assumido em documentos anteriores, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’’s). S U M Á R I O Por este viés, ao tomar essa concepção como guia, entenderemos a linguagem como uma atividade social totalmente ligada ao ato de pensar, compartilhar, construir pontos de vista, comunicar-se, que se materializa no texto e, consequentemente, no discurso. Assim, logicamente, tais atividades estão dispostas em um contexto, pois não há como dissociar o texto/discurso de seu contexto e vice-versa. Então, a BNCC compreende o ensinar e o aprender no componente de Língua 268 Portuguesa como ações que não podem se separar do entendimento social e linguístico do que seja a leitura e compreensão de textos. Mais recentemente, a leitura é vista como um ato de se colocar em relação um discurso (texto) com outros discursos anteriores a ele, emaranhados nele e posteriores a ele, como possibilidades infinitas de réplica gerando novos discursos/textos. O discurso/ texto é visto como conjunto de sentidos e apreciações de valor das pessoas e coisas do mundo, dependentes do lugar social do autor e do leitor e da situação de interação entre eles – finalidades da leitura e da produção do texto, esfera social de comunicação em que o ato da leitura se dá. Nesta vertente teórica, capacidades discursivas e linguísticas estão crucialmente envolvidas. (ROJO, 2002, p. 03 – grifo da autora). Neste sentido, a leitura deve se fazer de maneira aproximada à realidade do estudante, principalmente, nos anos iniciais da Educação Básica, pois pelo entendimento que se propõe, o estudante deve ser levado ao interesse da leitura e de sua fruição para que, posteriormente, esta faça parte de sua vida de maneira natural e não vista como uma atividade laborativa apenas de decodificar signos. O papel da escolha de bons textos para o despertar do leitor em cada estudante se faz neste eixo e aqui há um caráter de extrema relevância na construção dos livros didáticos que são produzidos diante dessa visão. Não basta mais se referir aos textos clássicos e esquecer das regionalidades e realidades intercontinentais que atravessam o nosso país. S U M Á R I O Neste aspecto, Moura Neves (2003, p. 92) explicita que “na escola, porém, lê-se por obrigação (para cumprir tarefa, para responder questões, para transformar um texto original), isto é, não se tem a verdadeira vivência da leitura.”. A autora expõe uma preocupação válida diante da forma como a leitura é conduzida dentro das salas de aula e, por consequência, nos desafia sobre a escolha apurada que se deve acontecer diante dos textos escolhidos. 269 É de total relevância que os textos que estejam afinados com esta perspectiva para que a atividade de leitura ultrapasse a noção de apenas codificação e passe a ser uma atividade que permita o estudante construir pontes entre conhecimentos já adquiridos pela sua vivência aos conhecimentos novos que passa a ter contato, seja através de inferências promovidas por aspectos lexicais ou sociais. A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão. (KLEIMAN, 2002, p.13). Nessa intenção de ampliação dos textos a serem expostos nos livros didáticos que entra em cena o multiletramentos e a capacidade da escola em formar leitores multiletrados que possam traçar, de maneira orientada, suas próprias estratégias que começam de maneira mais simples – nos anos iniciais – até formas mais complexas – como se espera nos anos finais. Segundo Rojo e Moura (2012), o conceito de multiletramentos se direciona para dois pontos específicos de multiplicidade, sendo eles a multiplicidade cultural que existe entre as populações e a multiplicidade semiótica que constitui os textos e os faz informar e comunicar algo. Assim, trazer os multiletramentos pelo viés cultural para a sala de aula, como bem propõe a BNCC e os autores, é colocar em caráter de equidade toda e qualquer produção de conteúdo, independente de sua origem, seja esta erudita, clássica ou advinda da periferia. S U M Á R I O 270 E, por outra via, expor a multiplicidade linguística requer o entendimento que a maneira de se produzir textos e de se comunicar mudou, pois hoje as imagens, a diagramação de um texto, a forma das letras nos textos constrói sentidos tanto quanto os textos puramente escritos apenas com letras e pontuações. Aqui, evidencia-se uma leitura perpassada pela multimodalidade capaz de formar um texto por meio de diversas linguagens que exigirão práticas de multiletramentos cada vez mais apuradas. Dessa forma, o leitor do século XXI, usuário de livros didáticos que sigam as orientações propostas por uma BNCC que prevê estratégias de leitura deve estar preparado e ser estimulado a alcançar esse nível de realização de leitura, de forma leve e aproximada ao seu contexto. Nesse aspecto, a pesquisa em Linguística Aplicada que se aproprie do livro didático como objeto de pesquisa será capaz de contribuir na percepção do alinhamento entre a proposta de um eixo de leitura mais amplo e a realidade que se desenrola nas salas de aula, servindo como termômetro sobre o que de fato funciona e o que ainda precisa ser modificado, pois: Não são as características dos “novos” textos multissemióticos, multimodais e hipermidiáticos que colocam desafio aos leitores. Se assim fosse, nossas crianças e jovens nativos não teriam tanta facilidade e prazer na navegação. O desafio fica colocado pelas nossas práticas escolares de leitura/escrita que já eram restritas e insuficientes mesmo para a “era do impresso” (ROJO e MOURA, 2012, p. 22). Na seção seguinte, traremos aspectos relacionados ao eixo da oralidade. S U M Á R I O 271 A PERSPECTIVA DA ORALIDADE A PARTIR DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA A oralidade é um dos aspectos que mais chamam atenção na constituição dos livros didáticos orientados pela BNCC, pois, de maneira quase que inaugural, esta será posta em patamar de igualdade à língua escrita que anteriormente era tratada como única dentro dos estudos da Língua Portuguesa. A fala, nesse sentido, não tinha sua devida relevância. Os livros didáticos passam a propor então uma reflexão – tanto para estudantes quanto para professores – acerca dos gêneros orais e, sobretudo, do exercício da oralidade nas interações sociais contemporâneas. Assim, as novas proposições que elevam a oralidade como eixo de estudo permitem perceber que tanto quanto a escrita, a fala também segue suas regras próprias que estão inseridas em gêneros e em contextos de uso. Nesse sentido, o objetivo do trato da oralidade é fazer com que a escola seja um espaço de visualização das diversas possibilidades do seu uso que passa por momentos fluentes e corriqueiros como o diálogo com um amigo na escola, até momentos mais complexos e monitorados do uso da língua, como em uma palestra proferida a um público específico. Apesar desse trato quase inaugural, como supracitado, é conveniente expor que a oralidade já estava prevista como eixo a ser desenvolvido dentro do que orienta os PCN’s. Todavia, o que diferencia da oralidade proposta por este documento já discutida na BNCC é caráter de seu uso efetivo em sala de aula instituindo-a como norma a ser implementada. S U M Á R I O 272 Assim, busca-se desmitificar a ideia de que existe um único modo correto de falar, atribuído sempre à norma-padrão da língua, tese tão bem definida e defendida na academia pelos sociolinguistas e afins, evidenciando mais uma vez a importância da BNCC como elo direto entre a pesquisa acadêmica e a sala de aula. Os critérios classificatórios do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) destacam a importância do uso da linguagem oral e da interação em sala de aula como instrumentos de ensino-aprendizagem, pois esta atitude explora as diferenças e afinidades que se estabelecem entre as diversas formas de uso da linguagem oral e escrita, além das características discursivas e textuais. Assim, não se pode recusar que uma relevância maior às práticas orais faz toda a diferença dentro do espaço escolar. Este fato promoverá a formação de indivíduos reflexivos e críticos diante dos materiais que lhes são oferecidos. (COSTA et al., 2016, p. 52). Por este viés, os livros didáticos devem promover ao estudante a noção de que a língua escrita e a língua oral são modalidades diferentes no uso do nosso idioma não colocando-as em patamares de hierarquia, mas, sim, como possibilidade de uso que vão se adequar ao momento e ao objetivo da comunicação naquele instante. A oralidade assume então seu papel de protagonismo junto à escrita e é percebida e discutida como proveniente da oralização de discursos que podem ser materializados através da fala e da escuta. Seu papel tem maior destaque nos anos iniciais quando a escrita ainda não está de todo fundamentada no estudante. S U M Á R I O A relevância deste eixo e sua exploração dentro do livro didático se fazem, principalmente, pelo uso social que é atribuído às pessoas de boa desenvoltura, pois a escola pode ser o palco na lapidação desta habilidade, seja através da percepção do estudante da importância e do entendimento que o seu modo de falar não está errado, seja pelo entendimento que a expressão oral tem sua relevância no mundo social 273 contemporâneo, inclusive para aspectos profissionais posteriores ao momento escolar. Para além desta questão, a oralidade e o seu estudo ganham relevância de análise nas pesquisas principalmente na maneira como estimula o estudante a perceber o seu idioma como passível de variações, as famosas e tão discutidas variedades linguísticas. Expor a variedade própria de uma região fará com que este perceba a construção de identidade que muitas vezes só a língua é capaz de proporcionar. [...] a língua é um sistema de signos histórico e social que possibilita ao homem significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é aprender não só as palavras, mas também os seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e interpretam a realidade e a si mesmas. (BRASIL, 1997, p. 22). Dessa maneira, quando trabalhamos no livro didático a ideia de adequado/inadequado dentro dos contextos orais e escrito em detrimento da ideia de erro, promovemos também a compreensão do estudante da importância de entender a língua para além de um objeto comunicativo, mas, também, social. As diferenças linguísticas, observáveis nas comunidades em geral, são vistas como um dado inerente ao fenômeno linguístico. A não aceitação da diferença é responsável por numerosos e nefastos preconceitos sociais e, nesse aspecto, o preconceito linguístico tem um efeito particularmente negativo (ALKMIM, 2008, p. 42). Esta prática de desconstrução, inclusive desse aspecto negativo proveniente do preconceito linguístico, pode ser realizada do ensino da pronúncia das letras do alfabeto, nas séries iniciais, até a percepção dos diferentes falares e de seus contextos, nas séries finais. S U M Á R I O 274 Para que isso ocorra de maneira cada vez mais próxima ao que ocorre no ambiente real da sociedade, o desenvolvimento de habilidades de escuta aparece como uma maneira inovadora na apreensão dos diferentes modos de falar que até então não era objeto de discussão nos documentos orientadores do ensino e produção de livros didáticos. Na prática do eixo da oralidade, algumas habilidades de escuta serão sugeridas para o ensino e produção dos livros didáticos, como a habilidade direcionada ao Ensino Fundamental exposta abaixo: Fonte: BNCC, 2017, p. 109. Dessa forma, quando encontramos instrumentos didáticos que promovam essas atividades em sala de aula de maneira orientada, possibilitamos um estudo que valorize e dê um lugar adequado ao eixo da oralidade tão marginalizado e esquecido por tantos anos. Validar o uso da oralidade nos livros didáticos é outra importante prática que pode ser difundida nas pesquisas em LA, pois será possível entender como a oralidade, trabalhada nesta maneira inovadora contribui para o entendimento do estudante sobre o seu idioma e, além disso, para a inclusão do estudante e do seu falar dentro do próprio material de estudo, sem hierarquia escrita, mas, sim, espaços cada vez mais extensos de fala. S U M Á R I O 275 A PERSPECTIVA DA PRODUÇÃO DE TEXTOS A PARTIR DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA No eixo que se refere à prática de produção de textos notaremos que a palavra-chave será planejamento, dentro das novas concepções tratadas pelos livros didáticos desenvolvidos mais recentemente. Este eixo se liga diretamente ao eixo da Leitura quando temos o entendimento que o exercício bem feito da leitura leva a um aperfeiçoamento da atividade de escrita. Assim, o estudante que tem acesso a diversos universos e linguagens propiciadas pelo ato de ler, é capaz de transpor isso para a escrita demonstrando um domínio – muitas vezes natural quando bem desenvolvido – no ato de escrever, mobilizando diversos conhecimentos dentro do próprio texto. Todo texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior; e, desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos, que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou a que se opõe. (KOCH, 2000, p. 46). Assim, as atividades voltadas para a produção de textos devem abarcar os ambientes que estão afora dos muros escolares, por meio dos diferentes usos sociais que a escrita pode proporcionar relacionando-se a gêneros textuais que estejam para além do que se ensina na escola e, sim, que se vive nas ruas, em casa ou em sociedade. S U M Á R I O Outro fator relevante neste eixo é o entendimento da autoria e a busca desta nas produções realizadas em âmbito escolar e, posteriormente, cobradas por avaliações externas de grande escala, como o que já ocorre na redação proposta pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que na competência III avalia o grau de autoria desenvolvido pelo escrevente. 276 Portanto, este eixo tem como objetivo compreender “as práticas de linguagem relacionadas à interação e à autoria (individual ou coletiva) do texto escrito, oral e multissemiótico, com diferentes finalidades e projetos enunciativos [...]” (BRASIL, 2017, p. 74). Para além dos textos escritos e orais que já são mais habituais no contexto escolar, percebemos que aqui temos mais uma vez a multissemiose e multimodalidade entrando em cena, pois o estudante já vive uma realidade que as produções não se restringem apenas ao papel ou ao pronunciamento de um discurso, mas também a textos que são produzidos por meios das novas tecnologias, tais como os memes e os gifs. O que deve ser cada vez mais transparente dentro do ensino é que da mesma maneira que os textos escritos e orais seguem uma ordem de planejamento, revisão, edição, reescrita e avaliação, os textos multissemióticos também necessitam deste processo para que ao fim de sua produção fique claro que a sua mensagem foi comunicada de maneira adequada e mobilizando as linguagens adequadas para tal. Assim, será de competência deste eixo desenvolver estratégias de planejamento, revisão, edição, reescrita/redesign e avaliação de textos, considerando-se sua adequação aos contextos em que foram produzidos, ao modo (escrito ou oral; imagem estática ou em movimento etc.), à variedade linguística e/ou semioses apropriadas a esse contexto, os enunciadores envolvidos, o gênero, o suporte, a esfera/campo de circulação, adequação à norma-padrão etc. (BRASIL, 2017, p. 76). Assim, o estudante passa a perceber a importância de cada etapa como formas de fazê-lo enxergar os próprios equívocos que são cometidos durante o processo de produção de textos escritos/ orais/multissemióticos. S U M Á R I O 277 Além do entendimento desse processo dentro deste eixo é necessário também refletir acerca dos contextos de produção e circulação dos textos para se perceber o lugar social construído nos textos e a ideia que este lugar traz na construção do significado do texto, do leitor a ser atingido, da mídia, entre outros aspectos relevantes. Ademais, outra responsabilidade assumida por esse eixo é o de inserção de alguns conceitos próprios da textualidade, principalmente nos primeiros anos de Ensino Fundamental, tais como coesão e coerência, que ajudam na articulação e hierarquização de ideias que também podem ser transportas por meio de recursos linguísticos ou multissemióticos, a depender do texto que se pretende produzir. [...] os princípios de textualização deixam de ser vistos como critérios ou padrões que um texto deve satisfazer, mas como um conjunto de condições que conduz cognitivamente à produção de um evento interacionalmente comunicativo. Isto é, os sete padrões de textualidade propostos em Beaugrande & Dressler (1981) não são critérios que permitem identificar as fronteiras entre um texto e um não texto, mas sim as condições para uma ação linguística, cognitiva e social na qual eles operam como modos de conectividade em níveis diversos, mas interrelacionados. (KOCH, 2003, p. 154). Seguindo a mobilização destes recursos, é também aqui que veremos a importância do bom uso dos aspectos gramaticais e notacionais para um texto que cumpra o seu papel de comunicar de maneira clara e de acordo com a norma a ser exigida pelo contexto de produção. S U M Á R I O Quando encontramos o material didático capaz de mobilizar todas essas nuances típicas da produção de texto, perceberemos que o estudante se munirá cada vez mais de diferentes estratégias de produção capazes de considerar aspectos de cunho gramatical até a utilização de softwares ou aplicativos para edição de imagens e textos em diversas mídias. 278 Dessa forma, o estudante é capaz de produzir textos com objetivos de comunicação específicos e não mais genéricos que não considere contexto, público, ambiente de circulação, construindo um significado mais abrangente para o texto produzido. O uso da língua neste âmbito é feito em total acordo com a proposta de uso social que considera a ideia dos campos de atuação que são os diversos contextos em que os gêneros surgem a cada dia, como vemos a seguir. Anos iniciais Anos finais Campo da vida cotidiana Campo artístico-literário Campo artístico-literário Campo das práticas de estudo e pesquisa Campo das práticas de estudo e pesquisa Campo da vida pública Campo jornalístico-midiático Campo de atuação na vida pública Fonte: BNCC, 2017, p. 80 O estudo destes campos remete a importância da contextualização dentro do processo de produção de textos na escola, pois, assim, é possível compreender que essas práticas surgem de processos advindos da vida social que precisam ser colocados em contextos de interesse e significação para os estudantes. E, além disso, possibilita uma formação cidadã do estudante que percebe que os textos têm diversos contextos e diversos usos na esfera da vida social e que saber produzi-los dentro do seu campo de atuação adequado fará com que ocorra um maior acesso às possibilidades da participação ativa em diferentes práticas das atividades humanas. S U M Á R I O A escolha por esses campos, de um conjunto maior, deu-se por se entender que eles contemplam dimensões formativas importantes de uso da linguagem na escola e fora dela e criam condições para uma formação para a atuação em atividades do dia a dia, no espaço familiar e escolar, uma formação que contempla a produção do conhecimento e a pesquisa; o exercício da cidadania, que envolve, por exemplo, a condição 279 de se inteirar dos fatos do mundo e opinar sobre eles, de poder propor pautas de discussão e soluções de problemas, como forma de vislumbrar formas de atuação na vida pública; uma formação estética, vinculada à experiência de leitura e escrita do texto literário e à compreensão e produção de textos artísticos multissemióticos. (BRASIL, 2017, p. 80). Logo, perceber se os livros didáticos promovem o ato de produzir textos como uma atividade laborativa que exige planejamento e entendimento do caráter social que cada texto assume é outro viés que dever ser analisado por pesquisas que se ambientem na Linguística Aplicada, principalmente uma LA que se compromete com a problematização dos aspetos sociais em detrimentos dos estudos linguísticos. Perceber se o livro didático estimula uma produção de texto ativa, comprometida e cidadã também se faz relevante nesse escopo científico, pois assim poderemos ponderar que perfil de estudanteescritor-produtor estamos formando nos bancos escolares da educação básica brasileira. A PERSPECTIVA DA ANÁLISE LINGUÍSTICA/ SEMIÓTICA A PARTIR DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA No eixo correspondente à Análise Linguística/Semiótica há uma explanação mais voltada para a parte estrutural do ensino da língua, através de uma análise, considerada por muitos autores, quase que transversal visto que este eixo perpassa por todos os outros anteriormente mencionados. S U M Á R I O O uso do termo Análise Linguística surge para “denominar uma nova perspectiva de reflexão sobre o sistema linguístico e sobre os 280 usos da língua, com vistas ao tratamento escolar dos fenômenos gramaticais, textuais e discursivos” (MENDONÇA, 2006, p. 205). Essa nova nomenclatura traz um novo ponto de vista para o ensino de Língua Portuguesa, pois entra na contramão do que anteriormente era proposto pelo ensino normativo e tradicional baseado na pura prescrição linguística. Nas novas perspectivas que regem as orientações destinadas ao ensino, a Análise Linguística vem somada à semiótica, pois percebe o texto em sua amplitude como unidade de sentido e não apenas a frase, como a visão tradicionalista aborda. Entretanto é importante salientar que além da BNCC, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) também já tratavam com certa relevância a leitura multimodal e dos multiletramentos. Dessa forma, percebemos documentos que se preocupam em instituir um ensino e materiais didáticos que respaldem a importância da análise dos sentidos para além do estruturalismo. O estudante, assim, passa a conhecer e compreender os conceitos linguísticos necessários para a realização da leitura e da produção, para uma posterior apreensão dos sentidos, tais como, sonoridade, ângulos, cores, posicionamento de imagens. Assim, além de trabalhar com os sentidos devidamente situados, este eixo também priorizará uma análise pautada na contextualização, sem frases soltas ou palavras cortadas. O texto aqui é visto como fator providencial para um entendimento completo de pequenas partes. Saindo do macro para o micro e não o contrário, como era postulado anteriormente. Dessa forma, o ensino se embasa no uso, na leitura e na produção que são capazes de mobilizar conhecimentos necessários para a realização desta análise linguística/semiótica plural e que: S U M Á R I O 281 envolve os procedimentos e estratégias (meta)cognitivas de análise e avaliação consciente, durante os processos de leitura e de produção de textos (orais, escritos e multissemióticos), das materialidades dos textos, responsáveis por seus efeitos de sentido, seja no que se refere às formas de composição dos textos, determinadas pelos gêneros (orais, escritos e multissemióticos) e pela situação de produção, seja no que se refere aos estilos adotados nos textos, com forte impacto nos efeitos de sentido. (BRASIL, 2017, p. 76). Dessa maneira, para a constituição de uma análise como esta pretendida, os fatores lexicais, ortográficos e morfossintáticos não são mais suficientes para sua eficácia, visto que não se trabalha mais com uma concepção de gramática prescritiva e, sim, contextualizadas. Conhecimentos grafofônicos, semióticos, sociolinguísticos que possam operar em favor de uma análise que esteja a dispor da produção e compreensão das linguagens também terão seu caráter de relevância e serão desenvolvidos ao longo dos anos de Educação Básica promovendo momentos de reflexão sobre o próprio uso da língua e os espaços em que este uso se modifica ou se refaz para atender determinada expectativa do ato de interação. Nesse eixo, assim como na Oralidade, é possível também reflexões sobre as variações e mudanças que são comuns a qualquer sistema linguístico, em especial as variações e a desmitificação de algumas delas merecem mais prestígio perante a sociedade em detrimento de outras, dando um valor social igual a todas as que concorrem em seu uso. Nesse sentido, corroboramos com a importância desse valor de equidade e compreensão de cada modalidade da língua tem sua relevância por meio do que afirma Cagliari (2007, p. 37): S U M Á R I O A escola comumente leva o aluno a pensar que a linguagem correta é a linguagem escrita, que a linguagem escrita é por natureza lógica, clara, explícita, ao passo que a linguagem falada é por natureza mais confusa, incompleta, sem lógica, etc., nada 282 mais falso. A fala tem aspectos contextuais e pragmáticos que a escrita não revela, e a escrita tem aspectos que a linguagem oral não usa. Assim, instituir uma análise linguística que possibilite essa visão mais crítica sobre o uso da língua e que leve o estudante a refletir sobre o seu próprio idioma em uso – oral ou escrito – contribui para um ensino mais contextualizado que deve estar presente em todos os materiais didáticos, de preferência na abordagem realizada pelos livros didáticos escolhidos. O estudante deve estar ciente da realidade linguística que a sociedade espera dele, mas, sobretudo da realidade linguística a qual ele pertence, percebendo, mais uma vez, a língua como mutável e passível de variações que muitas vezes são impostas pelo próprio meio social. Para além disso, compreender que na língua que se fala, que se escreve e que, dentro da escola, se analisa há um parâmetro entre o real e o imaginário. O que existe, de um lado, em termos de representação ou imaginário linguístico, é uma norma padrão ideal, inatingível, e do outro lado, em termos de realidade linguística e social, a massa de variedades reais, concretas, como se encontram na sociedade (BAGNO, 2004, p. 161). Por conseguinte, cabe ao pesquisador acadêmico – como também ao professor-pesquisador – investigar neste aspecto se o livro didático cumpre seu papel de oportunizar essa visão contextual, social e diversificada do que seja a análise linguística/semiótica. S U M Á R I O Seja através do delineamento de como são as análises linguísticas/semióticas construídas ao longo do texto, seja na percepção apurada do aparecimento desta análise de forma simétrica à proposta dentro dos documentos que orientam o ensino e a produção dos livros didáticos. Pois, através dessa averiguação sensível que pode ser proposta dentro da Linguística Aplicada, poderemos 283 proporcionar um ensino cada vez mais contextualizado de gramática e elementos semióticos, promovendo uma aprendizagem que permita o entendimento da função e uso das palavras, para um posterior entendimento das nomenclaturas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante este capítulo traçamos um perfil do livro didático passando, inicialmente, por todos os percalços e privilégios que esse instrumento educacional passou e vem passando com o objetivo de que percebamos a conquista que é termos o livro didático tal como este se apresenta hoje. Por conseguinte, contextualizamos o livro didático como objeto de pesquisa da Linguística Aplicada, esta grande área de estudo, pesquisa e conhecimento que busca problematizar e apontar caminhos para a construção de um ensino cada vez mais aliado à prática e vivência social. Ao realizarmos a união destes dois temas, apontamos caminhos que possibilitam a reflexão do/da leitor/a-pesquisador/a acerca das possibilidades provenientes do livro didático como objeto de pesquisa dentro da Linguística Aplicada, pois, reiteramos a nossa compreensão deste instrumento como trivial no acesso ao conhecimento dentro das escolas de educação básica brasileiras. S U M Á R I O Adotamos assim uma dimensão linguística e educacional de pesquisa, pois compreendemos que as duas dimensões são capazes de contribuir de forma efetiva para a construção de um ensino cada vez mais libertador e de uma aprendizagem que se realize cada vez mais próxima à realidade dos estudantes. Para embasar essas dimensões, vimos que os documentos orientadores do ensino e, 284 consequentemente, da produção do livro didático têm muito a nos dizer do que seria o ideal de um ensino de língua portuguesa de qualidade. Dentre os documentos que respaldam atualmente este ensino, nos embasamos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) por ser o documento mais recente e mais abrangente de teorias que se aproximam a que estão em voga dentro das universidades, nos fazendo perceber o quão ainda é possível se fazer a academia mais próxima da sala de aula. Assim, tomamos como perspectiva de sugestão de análise dos livros didáticos os quatro eixos de práticas de linguagem definidos pela BNCC, sendo eles, Leitura, Oralidade, Produção de textos e Análise Linguística/Semiótica. Em cada eixo percebemos que há uma função a ser cumprida para a efetiva formação de um estudante que possa sair dos anos de Educação Básica capaz de ler, compreender, produzir textos de diversas esferas e múltiplas linguagens. Poder perceber que os documentos se preocupam cada vez mais em construir um ensino assim diverso nos dá a responsabilidade, enquanto pesquisadores, de averiguar o andamento e o cumprimento desta legislação vigente para que nos aproximemos cada vez mais do fato e nos afastemos da utopia que tanto assola a educação brasileira. Pretendemos assim discutir cada eixo para que o/a leitor/apesquisador/a possa pensar sobre as maneiras possíveis de se fazer pesquisa em LA que utilize os livros didáticos como termômetro para este ensino que marcha em passos lentos, mas rumam ao progresso capaz de oportunizar a construção de uma educação de língua materna cada vez mais qualificada e capaz de formar leitores e produtores cada vez mais críticos diante da compreensão de sua realidade. S U M Á R I O Assim, percebemos a importância de fazer uma pesquisa que busque a realização de estratégias para o estímulo da leitura dos 285 estudantes, a valorização dos falares pertencentes à língua portuguesa, a importância do planejamento para a construção de sentido dos textos e percepção de uma análise que entenda a língua em movimento e adequação. Tudo isto podendo ser visto através do item mais presente na realidade das escolas públicas brasileiras: o livro didático. Por fim, desejamos que o/a leitor/a-pesquisador/a, perceba que a existência de livros didáticos e de um ensino que pensa e produz por diversos ângulos só foi possível graças a (re)existência de pesquisadores que compreenderam e compreendem a educação brasileira e a formação de estudantes cada vez mais conhecedores críticos de sua língua como o único meio capaz de aflorar novas realidades de um ensino linguístico. REFERÊNCIAS ALKMIM, T. M. Sociolinguística. 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De igual modo, procuramos refletir acerca de algumas implicações do conceito de norma para o ensino de Língua Portuguesa do Brasil. Ainda que a questão dos conceitos de norma culta e popular, bem como as maneiras pelas quais essa primeira se reflete, ou é tratada no ensino de Língua Portuguesa, seja uma constante nas muitas discussões acerca do fenômeno linguístico e o contexto escolar, procuramos lançar luz a algumas questões problemáticas que permeiam as noções de norma culta e popular, como, por exemplo, os limites e as interseções entre elas. Acreditamos que, com este trabalho, logramos uma significativa contribuição às discussões acerca dos conceitos de norma culta e popular e o ensino de Língua Portuguesa. S U M Á R I O Palavras-chave: Norma linguística; Normas culta e popular; Ensino de língua materna. 290 INTRODUÇÃO Ao refletirem sobre as inúmeras questões que permeiam o fenômeno da norma linguística, Faraco e Zilles (2017) explicam que, no âmbito dos estudos da linguagem verbal, o termo norma possui, pelo menos, duas grandes acepções. Na primeira delas, a expressão norma é usada de maneira mais ampla para referir toda e qualquer variedade linguística que compõe uma determinada língua natural. Nessa linha de raciocínio, o termo norma compreende o conjunto de traço linguísticos que caracterizam todas as dimensões da língua (fonético-fonológico, morfossintático, léxico-semântico ou discursivo) e que marcam uma determinada comunidade de fala (FARACO; ZILLES, 2017). Já na segunda acepção, o termo norma possui um sentido mais restrito, isto é, refere-se a um conjunto de regras por meio das quais busca-se definir o chamado ‘bom uso’ da língua que, por sua vez, é mais bem avaliado socialmente. Sobre a primeira acepção de norma, depreendemos que essa ideia leva em consideração aquilo que é normal, habitual na realidade das línguas em sua variabilidade, dinamicidade, sistematicidade, fluidez própria – fatores esses que caracterizam as línguas no âmbito das inter-relações pessoais. Essa postura reflete, portanto, uma perspectiva por meio da qual objetiva-se descrever e compreender os fatos da língua, tal como eles são e não como deveriam ser. Em sentido oposto, a segunda postura reflete a tentativa de normatizar os usos linguísticos, impondo e controlando a maneira como a língua supostamente deveria ser. Trata-se, nesse caso, de uma abordagem prescritiva e não descritiva dos fatos da língua. S U M Á R I O No âmbito da concepção de norma enquanto sistema de regras habituais de uma determinada língua, prevalece a ideia de língua enquanto fenômeno essencialmente heterogêneo. Esse fato 291 nos leva a reconhecer a existência não apenas de uma, mas sim de várias normas linguísticas. Duas dessas normas são amplamente conhecidas como culta e popular. Haja vista a grande complexidade que as cerca, a ideia de norma culta e norma popular suscita muitas discussões entre os estudiosos do fenômeno linguístico. E, no caso da norma culta, é possível verificar alguns equívocos no âmbito do ensino de Língua Portuguesa, conforme procuramos mostrar na segunda seção deste capítulo. Diante de questões como essas, Lucchesi (2012) aponta que esclarecer as concepções, bem como os fenômenos que caracterizam as normas culta e popular é importante para o avanço das teorias linguísticas – em particular para aquelas que tratam, de modo mais detido, a questão do princípio heterogêneo da linguagem – pois, “à heterogeneidade real do comportamento linguístico dos indivíduos contrapõe-se a homogeneidade artificial do padrão normativo da língua” (LUCCHESI, 2012, p. 57). De igual maneira, é importante esclarecer as concepções de norma culta e popular – em especial da primeira – no âmbito do ensino de língua materna, pois, desse modo, avançamos no sentido de proporcionar uma abordagem mais clara e romper com preconceitos acerca dos diferentes usos que fazemos de nossa língua. Afinal, apesar dos avanços proporcionados pelos estudos em Linguística e suas diversas ramificações, ainda é possível verificar muitos preconceitos que buscam nas diferenças linguísticas algum tipo de justificativa para manter políticas de discriminação e de exclusão social (CYRANKA, 2015). S U M Á R I O Não apenas concordamos com Lucchesi (2012) e Cyranka (2015), como também reconhecemos a necessidade de redobrar nossos esforços para compreender a relevância e manter vivas – não somente na academia, mas também nos demais âmbitos sociais – as discussões acerca da norma linguística. Afinal, além dos pontos já mencionados, questões sobre norma linguística são de grande 292 valia para que possamos compreender como, de fato, se constitui e é reconhecida a complexa realidade sociolinguística do Brasil. Em face de questões como essas, neste capítulo, colocamos em discussão o modo como se constituem os conceitos de norma culta e popular. Nosso objetivo é analisar, ainda que de modo introdutório, como essas noções são formuladas no interior dos estudos da linguagem. De igual maneira, procuramos refletir acerca de algumas implicações do conceito de norma culta para o ensino de Língua Portuguesa do Brasil. Para tanto, tomamos como alicerce teórico os trabalhos de Preti (1999), Alvarez (2012), Bortoni-Ricardo (2012), Faraco (2008, 2011, 2015), Faraco e Zilles (2017), Lucchesi (2012, 2015), Martins, Vieira e Tavares (2014), Cyranka (2015), dentre outros. Ainda que a questão dos conceitos de norma culta e popular, bem como as maneiras pelas quais a questão na norma culta se reflete, ou é tratada no ensino de Língua Portuguesa, seja uma constate nas muitas discussões acerca do fenômeno linguístico e o contexto escolar – fato que em nossa compreensão sinaliza não apenas a complexidade dos conceitos em foco, mas também sua relevância para o ensino de língua materna – procuramos lançar luz a algumas questões problemáticas que permeiam as noções de norma culta e popular, como, por exemplo, os limites e as interseções entre elas. Importante dizer que, quando se trata de ensino de língua, a questão da norma culta possui notório relevo – conforme procuramos mostrar na segunda seção deste texto – fato que, ao tratar de questões que envolvem norma linguística e ensino de Língua Portuguesa, justifica a ênfase dada por nós à noção de norma culta. S U M Á R I O No que concerne à organização deste capítulo, frisamos que, para facilitar as discussões, dividimos este texto em mais duas seções, além desta Introdução e das Considerações finais. Assim, na seção Norma culta e norma popular: conceituação, limites e interseções, 293 discutimos os escorregadios conceitos de norma culta e popular, procurando enfatizar alguns dos limites e pontos de encontros entre eles. Já na seção Norma culta e algumas implicações pedagógicas, refletimos sobre os desdobramentos e implicações do conceito de norma culta para o ensino de Língua Portuguesa. NORMA CULTA E NORMA POPULAR: CONCEITUAÇÃO, LIMITES E INTERSEÇÕES Ao tratar das complexas noções de normas culta e popular, é importante assinalar, logo de início, que estamos lidando com conceitos situados no interior dos estudos da linguagem. Essas noções refletem, antes de qualquer coisa, a necessidade de estabelecer postulados teóricos que procuram abarcar, ao menos em parte, a heterogeneidade constitutiva das línguas naturais (FARACO, 2008). Afinal, muitos estudos científicos realizados a partir de diferentes perspectivas teóricas e sobre diversos fenômenos linguísticos têm mostrado que a língua não é, em instância alguma, uma realidade individual e homogênea. A ideia de que a língua seria um fenômeno homogêneo não encontra respaldo científico e reflete, na verdade, um construto imaginário que circula em sociedades ocidentais como a brasileira (SCHERRE, 2005; ANTUNES, 2007; NARO; SCHERRE, 2007; FARACO, 2008; LABOV, 2008; BORTONI-RICARDO, 2011; CAMACHO, 2013; LUCCHESI, 2015). S U M Á R I O Embora seja apenas uma abstração da realidade, a ideia de homogeneidade linguística é tratada com preocupação por muitos cientistas da linguagem, já que esse tipo de visão — ainda muito difundido pela escola, bem como no âmbito político e também pelos mais diferentes veículos de comunicação (SCHERRE, 2005; MATEUS; 294 CARDEIRA, 2007; LUCCHESI, 2015) — tem dificultado a travessia dos conhecimentos produzidos no âmbito acadêmico aos cidadãos em geral (BOPP DA SILVA, 2015). De igual maneira, o não reconhecimento da heterogeneidade linguística só tem contribuído para nutrir uma série de preconceitos, como o chamado ‘preconceito linguístico31’. Daí uma das necessidades de continuar produzindo conhecimento acerca da realidade plural e funcional das línguas naturais, em suas mais diferentes variedades. Também nos parece evidente que precisamos continuar tentando fazer com que esse conhecimento extrapole os limites da academia e alcance o grande público. Para todos os efeitos, no plano real, as línguas naturais — em nosso caso específico, a Língua Portuguesa do Brasil – compreendem um conjunto de variedades ou normas. A esse respeito, Faraco (2008, p. 31) explica que “não existe língua para além ou acima do conjunto das suas variedades constitutivas, nem existe a língua de um lado e as variedades do outro, como muitas vezes se acredita no senso comum: empiricamente, a língua é o próprio conjunto das variedades”. Logo, quando falamos em Língua Portuguesa, não estamos nos referindo a um objeto cuja homogeneidade pode ser comprovada empiricamente, tampouco a algo delimitável apenas por critérios linguísticos (fonológicos, morfológicos, lexicais, gramaticais etc.). Na verdade, o termo Português, ainda que seja usado no singular, recobre uma língua plural, essencialmente heterogênea. Ou seja, quando usamos o termo Língua Portuguesa estamos nos referindo, na realidade, S U M Á R I O 31 Sobre esse fenômeno, é interessante mencionar que, embora ele seja chamado de ‘preconceito linguístico’, trata-se de um preconceito social que busca nas diferenças linguísticas algum tipo de sustentação. Afinal, conforme argumentamos, ao longo deste capítulo, não existe nada na língua capaz de eleger uma forma ou variedade linguística como superior ou inferior à outra (LABOV, 2008; CALVET, 2002). Essa eleição é feita exclusivamente com base no prestígio social que possuem os sujeitos situados em classes sociais favorecidas e que supostamente usam determinadas variedades linguísticas ao invés de outras. 295 a um conjunto de diversas variedades reconhecidas “histórica, política e culturalmente como manifestações de uma mesma língua por seus falantes” (FARACO, 2008, p. 32). Nesse quadro heterogêneo, as chamadas normas ou variedades culta e popular, conforme já dissemos, há tempos despertam o interesse de muitos estudiosos do fenômeno linguístico (BAGNO, 2003; FARACO, 2008, 2011, 2012; BORTONI-RICARDO, 2011), pois esses conceitos nos ajudam, dentre outras coisas, a compreender a realidade sociolinguística, em nosso caso específico, a do Brasil. Sobre a noção de norma culta, sabemos que essa expressão é amplamente usada no cenário das ciências da linguagem para referir o conjunto de variedades ou traços linguísticos que, de fato, tendem a ser usados por sujeitos situados em esferas sociais favorecidas economicamente e que, portanto, possuem — ou ao menos tendem a possuir — maior e até mesmo amplo acesso a bens culturais favorecidos economicamente (dentre eles, destaca-se, principalmente, a educação formal32 de nível superior) e residentes em grandes centros urbanos. Essa compreensão pode ser extraída das seguintes passagens: [norma culta compreende] a variedade de uso corrente entre falantes urbanos com escolaridade superior completa [...]. São, em geral, as variedades que ocorrem em usos mais monitorados da língua por segmentos sociais urbanos, posicionados do meio para cima na hierarquia econômica e, em consequência, com amplo acesso aos bens culturais, em especial à educação formal e à cultura escrita (FARACO, 2008, p. 47). [a norma culta] conteria as formas efetivamente depreendidas da fala dos segmentos plenamente escolarizados, ou seja, dos falantes com ensino superior completo, de acordo com a clássica definição do Projeto Norma Urbana Culta (NURC) (LUCCHESI, 2012, p. 59). S U M Á R I O 32 Usamos o termo educação formal para referir ao tipo de educação ocorre por meio dos grandes bancos escolares, ou escolas no geral. 296 Por norma culta designa-se tecnicamente o conjunto das características linguísticas do grupo de falantes que se consideram cultos (ou seja, a “norma normal” desse grupo social específico). Na sociedade brasileira, esse grupo é tipicamente urbano, tem elevado nível de escolaridade e faz amplo uso dos bens da cultura urbana escrita. A chamada norma culta é uma “norma normal”, porque é uma das tantas normas presentes na dinâmica corrente, viva, do funcionamento social da língua (FARACO; ZILLES, 2017, p. 19, itálico e aspas no original). Conforme depreendemos das palavras de Faraco (2008), Lucchesi (2012), Faraco e Zilles (2017), a expressão norma culta é usada para designar o conjunto de variedades que constituem a linguagem usada por sujeitos com amplo acesso a bens economicamente favorecidos e com alto grau de escolaridade, isto é, com ensino superior completo. Por tratar-se das variedades que, de fato, marcam a linguagem real dos referidos sujeitos, a norma culta não deve ser confundida com a chamada norma-padrão. Afinal, ao contrário da primeira, esta segunda expressão é amplamente usada para designar aquilo que Faraco e Zilles (2017) chamam de norma normativa. Nesse último caso, os referidos estudiosos explicam que estamos diante de um conjunto de convenções estipuladas com o objetivo de homogeneizar as realizações linguísticas em determinados contextos, mais precisamente, nas situações de interação comunicativa com alto grau de formalidade. “Nesse sentido, a norma-padrão é um modelo idealizado construído para fins específicos; não é, portanto, uma das tantas normas presentes no fluxo espontâneo do funcionamento social da língua, mas um construto que busca controlá-lo” (FARACO; ZILLES, 2017, p. 19). S U M Á R I O Dito isso, é importante ressaltar que, no âmbito dos estudos linguísticos, o termo ‘culto’, ao lado de norma, é usado sem a pretensão de assinalar a superioridade da chamada norma culta sobre outras normas. De igual maneira, o termo ‘popular’, em norma popular, não 297 implica nenhum tipo de inferioridade desta em relação àquela, são, conforme bem atenta Bagno (2003, p. 60), “do ponto de vista da teoria linguística [...] apenas domínios de saber diferentes”. Nesse sentido, ao refletir sobre o uso do termo culto no âmbito do Projeto Norma Urbana Culta (NURC) – um dos mais importantes e pioneiros projetos para os estudos acerca da realidade da norma culta no Brasil – Barros (1999, p. 38, aspas no original) explica que: O termo “culto” deve ser entendido em uma de suas acepções, a de “instruído”. Assim, os informantes do Projeto NURC devem ter nível universitário. Pode-se dizer que são falantes que na escola “aprenderam” ou “confirmaram” a norma explícita, já que a escola é um dos lugares estratégicos de sua difusão. Dessa forma, ao mesmo tempo que se reconhece a “igualdade” intrinsecamente linguística das diferentes normas, aceita-se a diferença “extrínseca” que existe entre elas e que assegura a uma dessas normas um papel, nesse caso também linguístico, diferenciado na sociedade, como a norma dos falantes “cultos” ou “instruídos”. Se por um lado, a expressão norma culta é amplamente usada no cenário dos estudos da linguagem para referir o conjunto de variedades que tendem a marcar a linguagem usada por sujeitos com alto grau de escolarização, por outro, o termo norma, ou variedade popular, designa o conjunto de variedades linguísticas que tende a ser mais usado por falantes situados em esferas sociais pouco favorecidas economicamente e com limitado acesso a bens culturais favorecidos economicamente (como no caso da educação formal, principalmente no nível superior) (BAGNO, 2003; FARACO, 2008, 2011; BORTONIRICARDO, 2011). Em linhas gerais, é basicamente isso que podemos extrair das seguintes colocações. [...] compreende os padrões sociolinguísticos da parcela da população brasileira composta por indivíduos de baixa renda, com pouca ou nenhuma escolaridade, que vivem na periferia S U M Á R I O 298 das grandes cidades ou no interior do país, a que se chama de norma popular (LUCCHESI, 2015, p. 147). [...] para tentar designar as variedades linguísticas relacionadas a falantes sem escolaridade superior completa, com pouca ou nenhuma escolarização, moradores da zona rural ou das periferias empobrecidas das grandes cidades, aparece frequentemente na literatura linguística a classificação língua popular, norma popular, variedades populares etc. (BAGNO, 2003, p. 59, itálico no original). [...] português popular (variedades de origem rural, própria dos segmentos sociais da parte baixa da pirâmide econômica e, portanto, com acesso historicamente muito restrito à educação básica completa e aos bens da cultura letrada) (FARACO, 2015, p. 25). Tanto no âmbito do conceito de norma culta como popular, podemos observar a ênfase que tem sido dada à questão da escolarização de nível superior ou a ausência dela. Em nossa compreensão, esse fato pode ser atribuído, ao menos em parte, a dois motivos substanciais. Em primeiro lugar, sabemos que durante muito tempo o termo culto – ainda que não seja essa a ideia que prevalece entre os estudos da linguagem – foi (e, de certo modo, ainda hoje é) usado nas sociedades ocidentais para recobrir de prestígio as variedades linguísticas que tendem a ser usadas por falantes com ensino superior completo, fato esse que, conforme sinalizamos anteriormente, pode facilitar o acesso desses sujeitos a bens economicamente favorecidos. Em segundo lugar, em uma sociedade fortemente estratificada como a brasileira, o maior acesso à educação formal, principalmente de nível superior, — elemento que tende a aproximar os sujeitos do modelo de língua prestigiado socialmente — pode facilitar (não garantir) o acesso a bens economicamente favorecidos. S U M Á R I O Sobre a associação de sujeitos com alto grau de escolarização a indivíduos economicamente favorecidos, concordamos com Bagno (2003) e Faraco (2008) quando dizem que, pelo menos no Brasil, 299 essa questão reflete mais um princípio teórico do que mesmo uma realidade. Afinal, é sabido que nem sempre o êxito escolar é garantia de sucesso econômico. Se assim fosse, os professores de nosso país, por exemplo, certamente estariam situados no topo da pirâmide econômica, ao lado de outras classes. Todavia, essa nos parece ser uma realidade muito distante (BAGNO, 2003, 2007). Ainda sobre essa associação, vale pontuar que ela ganhou notoriedade, no Brasil, com o desenvolvimento do já citado Projeto NURC, em meados da década de 1970 e que, de início, contemplou cinco grandes cidades brasileiras, a saber: Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Desde que foi iniciado, o Projeto NURC tem tomado a questão da escolaridade em nível superior como um dos principais requisitos para a seleção dos informantes tidos como cultos, em algumas das principais capitais do país. Na verdade, a formação universitária ou a variável grau de escolaridade dos informantes do Projeto NURC “constituiu a base para a formação do corpus” (PRETI, 1999, p. 21). Além de seu caráter pioneiro33, o Projeto NURC tem servido de fonte para a realização de apurados estudos acerca dos mais diversos fenômenos que caracterizam a linguagem de falantes com alto grau de escolarização (PRETI, 1999). Esses e outros êxitos logrados pelo Projeto NURC são de grande valia para o estudo da realidade sociolinguística do Brasil, por duas razões elementares. Primeiro, as pesquisas empíricas realizadas a partir de dados extraídos do Projeto NURC rompem com a ilusão de que a chamada S U M Á R I O 33 Evidentemente, o Projeto NURC não é o único que trata da linguagem falada por sujeitos tidos como cultos em diferentes localidades do Brasil. Assim, vale mencionar que temos conhecimento de outros projetos que também tratam da norma culta, como, por exemplo, o Projeto Descrição do Português Oral Culto de Fortaleza (PORCUFORT). Assim, a ênfase que geralmente se dá ao Projeto NURC quando da noção de norma culta justifica-se não apenas pela relevância atual do NURC no cenário brasileiro, mas também por conta de seu caráter pioneiro. 300 norma culta apresenta notória homogeneidade, ao contrário de variedades tidas como não cultas. Ou seja, a partir de estudos como os de Graciosa (1991), Brait (1999), Leite (1999), Urbano (1999), Fávero (1999), dentre outros, foi possível constatar – sempre por meio de dados reais extraídos de linguagem falada – que, ao contrário do que o chamado ‘senso comum’ tentou fazer crer durante muito tempo (BAGNO, 2007), a heterogeneidade linguística é, de fato, uma propriedade marcante, também, da norma culta. Em segundo lugar, vale lembrar que esses estudos serviram para apontar o real funcionamento de determinadas regras variáveis no falar de sujeitos com ensino superior completo (PRETI, 1999). Conforme estamos mostrando, no âmbito teórico, as noções de normas culta e popular nos parecem bem delimitadas. Todavia, na prática, os limites entre elas não são tão evidentes. Sobre essas questões, compartilhamos a ideia de Preti (1999) quando reconhece que as descobertas dos estudos realizados com base em dados extraídos do NURC, por exemplo, serviram não apenas para mostrar a realidade das variedades cultas faladas em diferentes pontos do país, mas também para indicar que as diferenças entre ela e a norma popular podem ser estreitas. S U M Á R I O Na verdade, as descobertas proporcionadas por estudos pautados em dados do NURC indicam que a chamada norma culta compreende, mais propriamente, “um dialeto social que atende tanto aos falantes cultos como aos falantes comuns, com menor grau de escolaridade” (PRETI, 1999, p. 21). Assim, as diferenças mais marcantes entre norma culta e as demais normas existentes parecem residir não nos fenômenos de variação em si – pois os mais diversos fenômenos variáveis podem ser registrados no falar dos brasileiros, independentemente do tipo de norma usada por eles – mas sim, na frequência de uso das variantes linguísticas que marcam um ou outro fenômeno variável (MARTINS; VIEIRA; TAVARES, 2014). 301 Naturalmente, é possível verificar fenômenos como, por exemplo, o famigerado rotacismo34 que aparentam ocorrer de maneira bem mais notória nas variedades linguísticas usadas por sujeitos com pouca ou nenhuma escolaridade, oriundos e residentes na zona rural e com acesso limitado à cultura escrita (BORTONI-RICARDO, 2011). Não obstante, há fenômenos de variação que podem ser amplamente verificados tanto na norma culta como popular. Nesse caso, as diferenças mais marcantes de tais fenômenos na norma culta em relação às demais normas, como a popular, por exemplo, reafirmamos, parecem estar não no fenômeno em si, mas sim na frequência de uso das variantes35 investigadas em um ou outro fenômeno de variação linguística. A esse respeito, vejamos a Tabela 1, adaptada do estudo de Lucchesi (2015) e na qual o autor observa o comportamento variável da concordância verbal (CV) com a 3ª pessoa do plural (3pp) (Eles saíram e não voltaram mais vs. Eles saiu e não voltou mais)36, em diferentes normas linguísticas do falar brasileiro: 34 Em termos simples, o fenômeno do rotacismo se caracteriza pela troca do ‘l’ pelo ‘r’, como em bicicleta ~ bicicreta. S U M Á R I O 35 No âmbito dos estudos da linguagem, o termo variante linguística é usado para designar formas diferentes de dizer a mesma coisa do ponto de vista da língua enquanto sistema. Importante dizer que, embora possuam o mesmo valor semântico, as variantes linguísticas são avaliadas socialmente de modos diferentes, segundo os diferentes valores que determinados grupos sociais atribuem a elas (CALVET, 2002; LABOV, 2008). 36 Dados extraídos de Lucchesi (2015, p. 249), para exemplificação. 302 Tabela 1 – Comportamento variável da concordância verbal em diferentes amostras de fala do Português Brasileiro (PB) Variedade do português do Brasil Frequência geral de aplicação da regra de concordância verbal Português Urbano Culto (RJ) 94% Português Urbano Médio (RJ e SC) 73% (RJ) e 79% (SC) Português Popular Urbano (RJ) 48% Fonte: Elaborado pelas autoras com base em Lucchesi (2015, p. 251)37 Os dados analisados por Lucchesi (2015) e reproduzidos aqui compreendem os principais resultados obtidos em alguns estudos sociolinguísticos sobre a variação na CV com a 3pp, realizados por diferentes estudiosos brasileiros e que evidenciam como o fenômeno variável em tela se comporta de maneira diferente, conforme a norma ou variedade linguística estudada. Importante dizer que, para representar o que Lucchesi (2015) chama de Português Urbano Culto, é usado o trabalho de Graciosa (1991), sobre o falar culto do Rio de Janeiro (RJ) a partir de dados do NURC (falantes com ensino superior completo); para o Português Urbano Médio do RJ, Lucchesi (2015) toma como representativo o estudo de Scherre e Naro (1997), com dados extraídos do Programa de Estudos Sobre o Uso da Língua (Peul) e, para o falar de Santa Catarina (SC), é usada a pesquisa de Monguilhott (2001), com dados do Projeto Variação Linguística na Região Sul do Brasil (VarSul) (tanto em Scherre e Naro (1997) como em Monguilhott (2001), os informantes possuem, no máximo, 11 anos de escolaridade, o que corresponde ao Ensino Médio completo); para o chamado Português Popular Urbano, S U M Á R I O 37 Além das distinções entre Português Urbano Culto, Português Urbano Médio e Português Popular Urbano, Lucchesi (2015) estabelece uma interessante distinção entre Português Popular Rural e os demais. Nesse caso, para observar a frequência de uso das variantes com e sem marcas formais de CV na 3pp, o autor leva em consideração não apenas o traço escolaridade, mas também a localização (urbano ou rural) dos brasileiros. Para os leitores mais interessados nessa questão, recomendamos a leitura mais aprofundada das discussões estabelecidas por Lucchesi (2015, p. 251). 303 Lucchesi (2015) toma como representativo os estudos de Naro (1981) e Guy (1981), ambos realizados a partir de amostras de fala de estudantes do antigo Programa Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) e no qual os sujeitos participantes estavam em processo de alfabetização, isto é, possuíam pouco ou nenhum grau de escolaridade. Dito isto, vemos que, a partir da análise dos dados reproduzidos na Tabela 1, a variação na CV com a 3pp figura como um fenômeno variável presente tanto na norma urbana culta, como na norma popular urbana. Isso comprova, dentre outras coisas, que tanto a norma culta como a norma popular são heterogêneas e um fenômeno presente em uma, pode, perfeitamente, ser registrado em outra. Todavia, são notórias – conforme já sinalizamos – as diferenças quanto às frequências de uso da variante com marcas formais de CV na 3pp, nos três estudos representados na Tabela 1. Em outras palavras, é notável o modo como a frequência de uso da variante com marcas formais de CV na 3pp diferencia-se de uma norma para outra, principalmente entre os extremos: norma urbana culta (94%) e norma urbana popular (47%). Dentre as muitas questões que esses resultados suscitam, é oportuno chamar atenção para o fato de que o maior tempo de permanência na escola tende a aproximar os falantes do modelo de língua mais prestigiado socialmente. É isso que acontece, por exemplo, com o uso da variante com marcas formais de CV na 3pp, pois, essa variante é avaliada, “ao menos em meios urbanos e letrados de forma absolutamente positiva” (VIEIRA; BRANDÃO; GOMES, 2015, p. 104). S U M Á R I O Ainda sobre os diferentes graus de aproximação e distanciamento entre norma culta e popular, é importante ressaltar que “embora não haja critérios linguísticos capazes de sustentar uma diferenciação qualitativa das normas, essa diferenciação ocorre e é feita por determinados segmentos da sociedade tomando por base valores socioculturais e políticos” (FARACO, 2008, p. 55). Assim, 304 embora as variantes linguísticas sejam linguisticamente eficientes para as determinadas situações de interação comunicativa em que ocorrem, essas formas variantes recebem valores sociais diferentes, conforme se aproximam mais de uma ou outra norma linguística. De modo mais preciso, uma variante será mais bem avaliada socialmente conforme seus graus de aproximação ou distanciamento da norma tida como culta. A esse respeito, nunca é demais frisar que não há nada intrínseco a uma ou outra forma variante capaz de qualificá-la como inferior ou superior à outra. Na verdade, o que há é tão somente uma atribuição de valores feita sem respaldo científico às variantes linguísticas como, por exemplo, as variantes com e sem marcas formais de CV na 3pp. Ou seja, nenhuma classificação das variantes linguísticas, em termos de inferior ou superior: [...] é feita por razões propriamente linguísticas, quer dizer, por razões internas à própria língua. São feitas por razões históricas, por convenções sociais, que determinam o que representa ou não o falar social mais aceito. Daí por que não existem usos linguisticamente melhores ou mais aceitos do que outros; existem usos que ganharam mais aceitação, mais prestígio que outros, por razões puramente sociais, advindas, inclusive, do poder econômico e político da comunidade que adota esses usos. Dessa forma, não é por acaso que a fala errada seja exatamente a fala da classe social que não tem prestígio nem poder político e econômico (ANTUNES, 2007, p. 30, grifos no original). S U M Á R I O Além das questões que colocamos ao longo desta seção, muitas outras certamente poderiam ser abordadas quando da conceituação de norma culta e norma popular. De qualquer maneira, tendo em vista o caráter introdutório deste texto, acreditamos que os pontos mencionados aqui são suficientes para introduzir os leitores às complexas e fascinantes questões que permeiam as noções de norma culta e popular, no âmbito dos estudos da linguagem. Dando 305 continuidade à proposta deste capítulo, na seção seguinte, tratamos algumas das questões pertinentes para a observação da norma culta no âmbito do ensino de língua materna. NORMA CULTA E ALGUMAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS Tal como ocorre no cenário dos estudos da linguagem – em especial no espaço das áreas de pesquisa que se preocupam de modo mais pontual com o caráter heterogêneo da língua, caso da Sociolinguística, por exemplo – as problemáticas em torno das normas linguísticas também parecem ser uma questão bastante pertinente para o ensino de língua. Afinal, quando se pensa em ensino de língua, uma das principais problemáticas diz respeito ao modelo de língua que a escola deve promover. E, a partir de tal modelo, quais habilidades ou competências o alunado precisa desenvolver ao longo da trajetória escolar (SOARES, 2012). Nesse sentido, sabemos que a norma culta desfruta de notável prestígio, conforme atestam alguns documentos oficiais, a exemplo das Orientações Curriculares Para o Ensino Médio (PCN+) e o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Segundo o PNLD, no âmbito escolar, é preciso “considerar e respeitar as variedades regionais e sociais da língua, promovendo o estudo das normas urbanas de prestígio38 nesse contexto sociolinguístico” (BRASIL, 2014, p. 19, destaques nossos). Nessa afirmação estão contidos, pelo menos, dois aspectos de grande valia para nossas discussões. Primeiro, é notável que os documentos oficiais supracitados reconhecem a heterogeneidade da S U M Á R I O 38 Conforme o próprio PNLD (BRASIL, 2014, p.20), o termo normas urbanas de prestígio é usado para substituir o termo norma culta. 306 Língua Portuguesa e propõem que ela seja explorada em sala de aula. Em segundo lugar, nota-se, em conformidade com o que já dissemos, a ênfase dada por tais documentos à norma culta, ou, para usar os termos contidos neles, normas urbanas de prestígio. Ainda que não pretendamos estabelecer uma discussão mais apurada acerca dos posicionamentos e recomendações dos documentos oficiais para o trabalho com a heterogeneidade linguística e as diversas normas que constituem a Língua Portuguesa do Brasil39, é interessante chamar atenção para o caráter contraditório que marca as proposições de documentos oficiais como o PNLD e PCNs+ quando o assunto é o trabalho com a heterogeneidade linguística. Nesse sentido, notamos que, se por um lado, os referidos documentos defendem o trabalho com a diversidade linguística em suas muitas faces e tentam promover a conscientização dos estudantes de que há diferentes maneiras de usar a língua e que, do ponto de vista linguístico, nenhuma é superior ou inferior à outra; por outro lado, é notável a ênfase sobre as chamadas normas urbanas de prestígio, pincipalmente na modalidade escrita. A esse respeito, Coelho et al. (2015, p. 138, destaques nossos) indicam que “a norma culta deve ter lugar garantido na escola, mas não deve ser a única privilegiada no processo de conhecimento linguístico proporcionado ao aluno”. No âmbito dos PCNs+, vale dizer que esses documentos destacam, dentre outras coisas que: No estudo da linguagem verbal, a abordagem da normapadrão deve considerar a sua representatividade, como variante linguística de determinado grupo, e o valor atribuído a ela, no contexto das legitimações sociais. Aprende-se a valorizar determinada manifestação, porque socialmente ela representa o poder econômico e simbólico de certos grupos sociais que autorizam sua legitimidade (BRASIL, 2000, p. 07). S U M Á R I O 39 Sobre tais questões, recomendamos a leitura dos trabalhos de Coan e Freitag (2010), Raquel e Coan (2014), Araújo e Pereira (2017). 307 Nessa passagem, percebemos que a ideia de norma culta, enquanto modelo de língua prestigiado socialmente – em virtude de sua maior aproximação com o falar das camadas sociais favorecidas economicamente – é facilmente confundida com a ideia de normapadrão. Na verdade, notamos que o termo norma-padrão é colocado em um contexto semântico para o qual nos parece ser mais adequado o uso da expressão norma culta. Assim, elementos que, conforme vimos na seção anterior, são diferentes, passam a ser usados basicamente como sinônimos. Ao refletir sobre essa questão, muitos estudiosos apontam o equívoco entre os conceitos de norma culta e norma-padrão como um dos mais sérios e que mais comprometem o desenvolvimento das habilidades sociocomunicativas dos jovens estudantes. Nesse sentido, a grande questão que se coloca não é o fato de a norma culta ser tratada ou não nas escolas. Na verdade, o estudo da norma culta na escola é justificável, em função de seu prestígio social. Portanto, é tarefa dos bancos escolares oferecer aos alunos o livre acesso às variedades linguísticas que gozam de grande prestígio social, como um fator de inclusão na cidadania. Assim, “já que [essa variedade está, pelo menos em princípio] correlacionada com a democratização da cultura escrita e com o exercício da fala nos grandes espaços públicos” (FARACO, 2008, p. 58), faz todo sentido tomá-la como foco (mas que não deve ser o único) nas aulas de Língua Portuguesa. Essa mesma postura é assumida por Görski e Coelho (2009, p. 88) quando dizem que “a escola tem o dever de ensinar o dialeto padrão/norma culta ao aluno, porque é nessa variedade que foi escrita a maior parte dos textos que circulam na sociedade e é essa variedade que o aluno precisa dominar para ser reconhecido socialmente”. S U M Á R I O Diante disso, a questão problemática nos parece residir não no fato de se ensinar ou não a norma culta nas escolas, mas sim em tomá-la como única norma linguística prestigiada. E, talvez mais problemático, o 308 modo como são tidos como sinônimos conceitos (norma culta e normapadrão) que, na verdade, compreende fenômenos bem diferentes. Afinal, conforme discutimos anteriormente, a chamada norma culta compreende o conjunto de variedades linguísticas que, de fato, fazem parte da linguagem usada por falantes com alto grau de escolarização, em situações formais de interação, situados na zona urbana e com fácil acesso a bens sociais favorecidos economicamente. Desse modo, a norma culta é composta por traços objetivos da linguagem de sujeitos com o referido perfil social. Por outro lado, a chamada norma-padrão corresponde ao termo usado para referir o modelo de língua idealizado, tido como “correto”, mas que está longe de corresponder à realidade linguística de algum falante da Língua Portuguesa. Dessa maneira, o termo norma-padrão, conforme bem explica Bagno (2003, p. 65, aspas e itálico no original): [...] serve muito bem, me parece, para designar algo que está fora e acima da atividade linguística dos falantes. Embora algumas pessoas também usem as expressões língua padrão, dialeto padrão e variedade padrão, eu prefiro ficar com o termo normapadrão, porque se é ideal, se não corresponde integralmente a nenhum conjunto concreto de manifestações linguísticas regulares e frequentes não pode ser chamada de “língua”, nem de “dialeto”, nem de “variedade”. É uma norma no sentido mais jurídico do termo: “lei”, “ditame”, “regra compulsória” imposta de cima para baixo, decretada por pessoas e instituições que tentam regrar, regular e regulamentar o uso da língua. É também um padrão: um modelo artificial, arbitrário, construído segundo critérios de bom gosto vinculados a um determinado período histórico e num determinado lugar (BAGNO, 2003, p. 65). S U M Á R I O Importante pontuar que a chamada norma-padrão corresponde também ao modelo de língua preservado nas gramáticas normativas ou tradicionais (GÖRSKY; COELHO, 2009). E, na prática, as distinções entre norma-padrão e norma culta podem ser sentidas em todos os âmbitos da Língua Portuguesa (fonético-fonológico, sintático, semântico, discursivo etc.). Para exemplificar o que estamos dizendo, 309 vale tomar as discussões estabelecidas por Görsky e Coelho (2009), ao abordarem o quadro dos pronomes do PB. A esse respeito, vejamos o Quadro 1: Quadro 1 - Descrição dos paradigmas pronominais tradicional e em uso efetivo no PB Paradigma 1 Paradigma 2 Eu Eu Tu Tu/Você Ele(a) Ele(a) Nós Nós/A gente Vós (Vós)/Vocês Eles(as) Elas(as) Fonte: Elaborado pelas autoras com base em Görski e Coelho (2009, p. 85) De acordo com o Quadro 1, há entre o Paradigma pronominal 1 e o 2 notáveis diferenças. Isso ocorre porque, no primeiro, temos listados os pronomes que são reconhecidos pela norma-padrão, estabelecidos pelas gramáticas tradicionais e, portanto, aparecem na maioria dos livros didáticos (GÖRSKI; COELHO, 2009). Já no Paradigma 2, localizamos os pronomes que, de fato, são usados pelos falantes do PB, independentemente da norma linguística. Em outras palavras, ainda que seja possível verificar diferenças quanto ao percentual de uso entre os diferentes pronomes, dependendo da norma examinada, o Paradigma pronominal 2 é o que mais bem compreende os pronomes que correspondem ao uso real do PB, atualmente. S U M Á R I O Afinal, ao lado de pronomes como o tu e nós (impostos pela norma-padrão), encontramos as variantes você e a gente – que não são reconhecidas pela imensa maioria das gramáticas normativas – sendo amplamente usadas tanto na fala como na escrita dos brasileiros 310 com pouca ou muita escolaridade (BAGNO, 2007). Além disso, vale mencionar que, embora ainda seja o pronome tido como padrão para referir a 2ª pessoal do plural, o vós, praticamente não é mais usado pelos brasileiros. Ao invés do vós, sabemos que os falantes têm preferido o pronome vocês. Para sermos mais exatas, é sabido que o uso do pronome vós está basicamente restrito ao âmbito de textos que circulam na esfera jurídica e aos textos sagrados; nos demais contextos de interação (sejam eles falados ou escritos), o pronome vocês é amplamente usado no lugar do vós (BAGNO, 2007). Questões como essas nos permitem perceber como, na prática, norma-padrão e norma culta (“a primeira corresponde a regras impostas e a segunda a padrões efetivos de usos observáveis num certo grupo social” (GÖRSKI; COELHO, 2009, p.80)) não se confundem. Todavia, é possível identificar algumas aproximações entre elas. Sobre esse ponto, lembramos, por exemplo, que o alto percentual de uso para a concordância verbal com a 3pp, registado por diversos estudos sociolinguísticos – como mostramos na Tabela 1- apontam uma certa aproximação entre norma culta e norma padrão. De todo modo, é possível inferir alguns problemas, ao dizer que se deve prestigiar a norma culta, mas tomá-la como sinônimo de norma-padrão. Afinal, embora na teoria, a chamada norma culta seja alvo dos bancos escolares, é a norma-padrão que ainda prevalecer na grande maioria dos materiais didáticos difundidos nas escolas. Assim, tomando como exemplo os Paradigmas pronominal 1 e 2, citados anteriormente, só podemos concluir que o modelo perpetuado nas escolas é uma forma de língua idealizada e que não corresponde, pelo menos não completamente, a realidade da linguagem usada pelos brasileiros. S U M Á R I O Com isso, não estamos querendo dizer que a norma-padrão deve ser abolida do ambiente escolar. Na verdade, a escola, enquanto um lugar essencialmente plural, deve e precisa abrigar o maior número 311 possível de normas linguísticas, valores, culturas, vozes diferentes etc, estejam elas relacionadas à cultura favorecida economicamente ou não. Pois, acreditamos que é somente desse modo que a implementação de uma cultura linguística sensível às diferenças e à realidade de nossa língua será possível. É, então, somente a partir da acolhida dos diferentes falares, ou das diferentes normas, que a escola pode passar a enxergar e compreender as diferenças linguísticas como um traço, uma propriedade natural de nossa língua e não mais como algum tipo de deficiência linguística. Além disso, é somente reconhecendo a necessidade de tratar das mais diversas normas linguísticas, sua realidade e seus valores socioculturais que a escola abrirá suas portas não apenas o trabalho com uma concepção de linguagem plural, mas também para uma ideia de língua que mais bem se aproxima da realidade de toda e qualquer língua natural. Nesse contexto, é essencial, antes de qualquer coisa, romper com os equívocos teóricos que pairam sobre as noções de norma culta e norma-padrão, por exemplo. Desse modo, poderemos trabalhar de maneira ainda mais efetiva, para que nossas escolas promovam um modelo de língua heterogêneo por natureza e que, de fato, corresponde à língua viva que circula nos mais diversos contextos de interação comunicativa, que é prestigiada socialmente e que deve ser perpetuada como uma das tantas formas de promover o acesso dos sujeitos a elementos favorecidos economicamente. S U M Á R I O Nessa trajetória, é importante não perder de vista o fato de que, a norma culta é uma das tantas normas que compõem a Língua Portuguesa, conforme argumentamos ao longo deste texto. É igualmente relevante compreender sua realidade em todos os seus níveis (do fonético-fonológico ao discursivo) e saber que a atribuição à norma culta de valores superiores em relação às demais normas ocorre não em função de aspectos linguísticos, mas sim por razões 312 histórico-sociais. Acreditamos, também, que refletir sobre a atribuição de valores positivos ou negativos às diferentes variantes linguísticas e que caracterizam as normas linguísticas, é igualmente relevante para a promoção de um conhecimento mais amplo acerca da realidade linguística e social da Língua Portuguesa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste capítulo, procuramos analisar como os conceitos de norma culta e norma popular figuram no interior dos estudos da linguagem. Trata-se, evidentemente, de uma temática extremamente complexa e para as quais outras tantas questões que não foram abordadas aqui se fazem pertinentes. Todavia, levando em consideração a necessária delimitação de tópicos abordados imposta por qualquer discussão teórico-analítica, acreditamos que os pontos abordados ao longo deste texto nos permitem compreender algumas das ideias mais correntes acerca, principalmente, dos conceitos de norma culta e norma popular, ambos de grande valia para a compreensão da realidade sociolinguística da Língua Portuguesa. Além disso, procuramos introduzir os leitores às questões igualmente complexas e fascinantes que envolvem o trabalho com a chamada norma culta no âmbito do ensino de língua materna. Assim, mesmo em face de seu caráter essencialmente introdutório, acreditamos que, com este trabalho, logramos uma significativa contribuição às discussões acerca dos conceitos de norma culta, norma popular e o ensino de Língua Portuguesa, nesse caso em específico, em relação à norma culta. S U M Á R I O 313 REFERÊNCIAS ALVAREZ, Marcos César. 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S U M Á R I O 318 Capítulo 11 11 LINGUÍSTICA SISTÊMICOFUNCIONAL: ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS Vilmar Ferreira de Souza Vilmar Ferreira de Souza Francisco Bruno Rodrigues Silveira Francisco Bruno Rodrigues Silveira LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS DOI: 10.31560/pimentacultural/2020.307.319-351 Resumo: O que se convencionou chamar de Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) é, na verdade, um projeto internacional de longo alcance em plena expansão. A LSF tem sido permeada por uma profusão de vozes complementares e antagônicas que convergem para a crença de que o estudo das línguas naturais não pode ser feito sem atenção ao contexto social. Este texto é escrito a partir de dois eixos principais, mas nunca exaustivos, a saber: a Gramática Sistêmico-Funcional e a Teoria de Gêneros da Escola de Sydney. Desse modo, esperamos mostrar que a LSF é, por natureza, Linguística Aplicada, e que os conceitos que ela mobiliza são funcionais e que precisam ser apreendidos por todos que se aventurarem nesse campo multifacetado da Linguística. S U M Á R I O Palavras-chave: Linguística Sistêmico-Funcional; Escola de Sydney; Conceitos basilares. 320 INICIANDO AS ESCOLHAS... Se existe uma palavra muito cara a toda teorização sobre a Linguística Sistêmico-Funcional (doravante, LSF/GSF) com certeza ela se chama escolha e é por isso que iniciamos esse texto com ela. Além de ela ser central para a noção de sistema que abordaremos a seguir e estar intrinsecamente ligada a todo o processo de construção de significados, precisamos dela aqui para orientar os recortes necessários para este capítulo que pretende dar conta de um texto introdutório sobre a LSF/GSF somando-se, desse modo, a vários outros já disponíveis em nosso idioma. Mas, então, por que outro texto introdutório sobre a LSF/GSF? Entre vários outros possíveis motivos, basta mencionarmos o rápido crescimento da área no país, fato que a atual aprovação de um Grupo de Trabalho intitulado Linguística Sistêmico-Funcional no âmbito da ANPOLL vem atestar. Outra demonstração de crescimento da área diz respeito à criação do Grupo de Pesquisa SAL – Sistêmica, Ambientes e Linguagens, cuja ideia original nasceu em Hong Kong, através do Prof. Christian Matthiessen, e que agora possui um projeto genuinamente brasileiro, coordenado pela Profa. Sara Regina Scotta Cabral (UFSM) e pelo Prof. Adail Sebastião Rodrigues Júnior (UFOP), e cujo objetivo maior é aglutinar os pesquisadores e as pesquisadoras de todo o Brasil em torno da LSF/GSF. Em virtude desse crescimento institucionalizado, precisaremos cada vez mais de textos introdutórios que possam ajudar os interessados a adentrarem esse vasto campo de investigação linguística. S U M Á R I O O que se convencionou chamar de Linguística SistêmicoFuncional é, na verdade, um projeto internacional de longo alcance e em plena expansão desde sua gênese. A LSF/GSF tem sido permeada por uma profusão de vozes complementares e, às vezes antagônicas, 321 mas que convergem para a crença de que o estudo das línguas naturais não pode ser feito sem atenção aos seus contextos reais de uso. Outro ponto de contato dessas vozes que propagam a LSF/GSF consiste em aceitar que essa vertente de investigação linguística emergiu e tem evoluído a partir do trabalho inspirador do linguista inglês Michael Halliday e, a partir dele, um conjunto de vários outros colaboradores foram se avolumando ao redor da proposta de modo a se tornar impossível mapear tudo o que temos hoje sob a rubrica Linguística Sistêmico- Funcional, ao menos dentro do espaço aqui proposto. No entanto, para atender ao propósito desta publicação, buscamos desenhar nosso texto a partir de dois eixos principais, mas jamais exaustivos, a saber: a Gramática Sistêmico-Funcional e a Teoria de Gêneros da Escola de Sydney. No primeiro eixo, abordaremos três dimensões distintas: os aspectos históricos nodais da área, os conceitos basilares e uma demonstração de aplicação da teoria; em relação ao segundo eixo, trataremos dos conceitos de texto e gêneros textuais na LSF/GSF, da pedagogia baseada em gêneros textuais, da interface entre a Escola de Sydney e os Estudos da Tradução, além de uma dimensão de aplicação da teoria. Desse modo, esperamos mostrar que a LSF/GSF é, por natureza, Linguística Aplicada, e que os conceitos que ela articula são, consequentemente, funcionais. Esperamos também, ao percorrer esse caminho, oferecer aos interessados, ao menos um conjunto modesto de placas de sinalização de entrada no campo que mostre ao menos algumas escolhas fundamentais para quem desejar se aventurar nesse campo multifacetado da Linguística Sistêmico-Funcional. S U M Á R I O 322 GRAMÁTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL (GSF) A Gramática ou Linguística Sistêmico-Funcional é um modelo científico de análise e compreensão que descreve a motivação de certas escolhas linguísticas levando em consideração seu contexto de uso. No Brasil, essa gramática não é totalmente conhecida no contexto educacional, pois não é aplicada pela maioria dos livros didáticos voltados para o ensino de Língua Portuguesa. A seguir serão aposentados alguns aspectos introdutórios e conceitos basilares imprescindíveis ao entendimento da Gramática Sistêmico-Funcional. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS: ALGUNS ELEMENTOS DE HISTÓRIA Quando Halliday publicou, em 1961, Categories of the theory of grammar, ele estava, na verdade, propondo uma nova maneira de olhar para a gramática de uma língua natural, direcionando o olhar de seus aspectos majoritariamente estruturais (marcados pelo que estava em voga no momento, em função da grande influência exercida pelas ideias de Saussure) para seus aspectos funcionais, ou seja, aqueles aspectos que mostram a língua operando em seus contextos reais de uso. S U M Á R I O Durante as décadas seguintes, ele vai aprofundar o seu pensamento nessa direção, em sintonia com o que acontecia com as ciências humanas de seu tempo, a exemplo da antropologia de Malinowski, de quem ele tomou emprestado toda a discussão acerca do conceito de contexto, e em sintonia com o pensamento de seu 323 professor e linguista inglês J. R. Firth, que, em 1944, tornou-se o primeiro a assumir a cadeira de linguística geral em Londres, onde lecionou até se aposentar em 1956. Mas foi somente em 1985, que Halliday reuniu todas as suas reflexões sobre a linguagem em sua Halliday´s Introduction to Functional Grammar. A primeira versão do que viria a servir de base para várias gerações de linguistas mundo afora trazia consigo uma introdução da teoria funcional da linguagem humana em geral e, ao mesmo tempo, uma descrição pormenorizada da gramática da língua inglesa, em particular. Nove anos se passaram e em 1994 Halliday publica a segunda edição de Halliday´s Introduction to Functional Grammar. Esta nova edição incorpora cada vez mais elementos da linguística de corpus e já sinaliza alguns pontos importantes da dimensão sistêmica que viria a ser fundamental nas duas edições posteriores. Em colaboração com Christian Matthiessen, Halliday publica, em 2004, a terceira edição da Gramática Sistêmico-Funcional. Ao contrário das duas edições anteriores, esta nova edição já nasce mais como um livro de referência do que um livro introdutório propriamente dito, uma vez que a quantidade de trabalhos introdutórios motivados pelas duas edições anteriores já tinha se avolumado. Nesta edição, o foco maior foi na construção de redes de sistema para quase todas as áreas da língua, trabalho apenas iniciado nas edições anteriores. S U M Á R I O A quarta e última edição da GSF aparece em 2014, numa parceria continuada com Christian Matthiessen. A metodologia usada segue, em termos gerais, as das edições anteriores, mas inclui um modelo esquemático para a classificação do maior número de tipos de textos ao mostrar a teoria aplicada em vários contextos de uso ou registros. Outra novidade diz respeito a um site dedicado exclusivamente a iluminar todo o trabalho desenvolvido na edição, da 324 explicação de alguns pontos carentes de ampliação até a discussão de vários exemplos esclarecedores da teoria. Michael Halliday não viveu o suficiente para ver outra edição do seu trabalho, uma vez que nos deixou no dia 15 de abril de 2018. No entanto, o legado de seu pensamento acerca da linguagem humana tem provocado uma avalanche de publicações no mundo inteiro e por isso se torna impossível referenciá-las aqui, bastando apenas ilustrar o alcance de suas ideias a partir das seguintes obras: Key terms in Systemic functional linguistics (2010), de Matthiessen, Lam, e Teruya; Systemic functional grammar of Spanish – a Contrastive study with English (2010), de Lavid, Arus, e Zamorana-Mansilla; Continuum Companion Systemic functional linguistic (2009), por Halliday e Webster; A Systemic functional grammar of Japanese (2007), por Teruya, e A Systemic functional grammar of French – from grammar to discourse (2006), por Caffarel, para ficar apenas com esses exemplos. Esta profusão de trabalhos inspirados na GSF tem sido tão impressionante que levou Bloor e Bloor (2004) a notarem, à época, que “é impossível listar todos os textos introdutórios da GSF agora disponíveis”40 (p. 250). ENTENDENDO A GSF: ALGUNS CONCEITOS BASILARES Uma vez percorrido esse caminho com alguns elementos da evolução do pensamento de Michael Halliday, o que segue é uma tentativa de apresentar alguns conceitos que são básicos para a compreensão da teoria sistêmico-funcional. Aqui também recorremos ao princípio de escolha, visto que a quantidade de conceitos mobilizados S U M Á R I O 40 A tradução desta passagem e de todas as outras neste texto é de responsabilidade dos autores. 325 pela teoria encheria páginas a fio de discussão. Consideramos os conceitos a seguir como basilares para a compreensão do pensamento hallidayano: a) estratificação, b) contexto, c) sistema, d) (meta)função, e) instanciação e f) realização. Eles serão apresentados nessa ordem. a) Estratificção Por estratificação entende-se o princípio pelo qual a língua se organiza em torno de um conjunto de estratos articulados hierarquicamente entre si e regidos por regras/princípios que operam simultaneamente em todos os estratos. Os dois níveis que organizam os estratos de uma língua, vista de uma perspectiva funcional, são o intra e o extralinguístico. O nível extralinguístico compreende os estratos do contexto de cultura e do contexto de situação, que serão discutidos mais detalhadamente noutro momento, enquanto que o nível intralinguístico engloba os estratos da semântica, da léxico-gramática e da fonologia e grafologia. O princípio que articula todos esses estratos é o princípio de realização, ou seja, da condição de uma determinada unidade ser a realização de uma determinada função dentro de uma determinada rede de sistemas. Noutras palavras, as unidades funcionais que estão hierarquicamente no estrato inferior realizam as funções que se encontram imediatamente no estrato acima. A título de ilustração, o sistema de transitividade, localizado no estrato da léxico-gramática, realiza os significados experienciais que se encontram no estrato da semântica. Essa relação entre os estratos será melhor explicitada graficamente ao final desta seção. S U M Á R I O Essa breve discussão sobre o princípio de estratificação da língua vista de uma perspectiva hallidayana nos desloca diretamente 326 para o segundo conceito que consideramos central para a presente exposição, a definição de contexto. b) Contexto A dimensão contextual da GSF compreende dois construtos intimamente inter- relacionados, o contexto de cultura e o contexto de situação que são, juntos, a porta de comunicação para a dimensão social que constitui a base da Linguística Sistêmico-Funcional. Como dito anteriormente, Halliday foi influenciado pelo pensamento de vários estudiosos de sua época sendo um deles o antropólogo inglês Malinowski, que, em 1923, cunhou o termo ‘contexto de situação’, ao tentar explicar alguns aspectos lexicais de uma língua primitiva das Ilhas Trobriand, no Pacífico: Este último [o significado de um item lexical] novamente, só se torna inteligível quando é colocado dentro de seu contexto de situação, se me for permitido cunhar uma expressão que indique, por um lado, que a concepção de contexto deve ser ampliada e o outro é que a situação em que as palavras são proferidas nunca pode ser ignorada como irrelevante para a expressão linguística. (MALINOWSKI,1923, p. 306). Halliday (1999) explica que o contexto de situação abrange três variáveis: o campo do discurso, as relações do discurso e o modo do discurso que, juntos, formam o registro que, por sua vez, compreende o conjunto de condições concretas para a produção de um sem número de variedades de texto. S U M Á R I O O campo diz respeito à atividade social sendo desenvolvida, por exemplo, uma aula expositiva; as relações se referem aos participantes da prática social bem como os seus papéis assumidos na referida prática, nesse caso o professor e os alunos, e o modo do discurso, que 327 diz respeito ao papel que a língua assume nesse contexto específico, quer dizer, se ela é fundamental ou secundária, por exemplo. Em um estrato imediatamente superior se encontra o contexto de cultura que, por sua vez, foi tomado emprestado de Sapir e Whorf e significa “os estilos de vida tradicionais, crenças e sistemas de valores de uma comunidade linguística” (p. 17). O contexto de cultura engloba todas as manifestações potenciais de uma determinada comunidade linguística, por exemplo, no caso da aula expositiva ilustrada acima, ele dá conta de todas as possíveis realizações dessa aula em um contexto de uma universidade brasileira, se ela pode acontecer em uma sala de aula, em um auditório etc. Os dois conceitos apresentados aqui constituem a base social da LSF/GSF, o que implica dizer que fazer pesquisa nesse campo necessariamente demanda uma atenção especial aos aspectos sociais, numa relação dialética entre língua e contexto. Noutros termos, ao mesmo passo que o contexto pode possibilitar e/ou restringir os usos linguísticos, a língua também potencialmente pode restringir ou possibilitar algumas escolhas no nível contextual. c) Sistema S U M Á R I O Ao contrário do que acontece com as abordagens formalistas da linguagem, para as quais o sistema é um construto fechado em si e regido por regras pouco flexíveis, e realizado no eixo das combinações sintagmáticas, sistema para a LSF/GSF é um construto aberto cuja realização se dá no eixo paradigmático das escolhas em potencial. Desse fato decorre que o princípio organizador da língua sofre um deslocamento de foco, passando da estrutura, nas abordagens formalistas, para o sistema, na abordagem funcionalista da GSF. 328 Vale ressaltar aqui que, como aconteceu com o conceito de contexto, Halliday também recorre a seus contemporâneos (no caso, Firth) para definir sistema como um conjunto finito de termos que se excluem mutuamente e que operam em qualquer nível da língua, de modo que, apesar de considerar o sistema holístico saussuriano como válido, Halliday vai olhar para a língua como uma rede formada de muitos sistemas. E é dessa natureza da língua se organizar em torno de uma rede de vários sistemas que a teoria deriva a sua natureza sistêmica. Por causa dessa organização sistêmica é que a noção de sistema aqui consiste em uma janela dinâmica e aberta para o social, mudando constantemente sempre que mudar as condições de produção dos textos. Os textos finais desta produção nada mais são do que o conjunto coeso e coerente das escolhas operadas em cada nível desta rede de sistemas sendo, ao final, uma instância desse sistema maior que engloba todas as possibilidades de escolha. O princípio que organiza esse percurso entre a língua como um sistema e o texto como uma instância desse mesmo sistema será discutido a seguir. d) Instanciação S U M Á R I O A linha imaginária que articula a hierarquização de todos os estratos da GSF e que pode ser traçada a partir do estrato maior do contexto de cultura até o estrato menor da expressão da fonologia e da grafologia chamamos de instanciação. Esse contínuo se torna extremamente importante no contexto da GSF porque ele permite que uma simples ‘instância’ de texto seja analisada per se mas também 329 que ela seja vista como um exemplar de todas as possibilidades do sistema linguístico maior (e aqui sistema significa todas as escolhas possíveis da língua). Noutras palavras, os traços distintivos e que caracterizam um simples texto como por exemplo ‘bom dia’ são, em larga escala, os mesmos que podem governar todo o sistema da língua portuguesa. É esse conceito que nos permite olhar ao mesmo tempo para a concretude de um dado texto em um contexto específico como representativo de um sistema maior que abrange todas as possibilidades de construção desse mesmo texto em um determinado contexto. Entre esses dois pontos limítrofes estão os intermediários tipos de situação, que são exemplares possíveis de uma cultura inteira e, em relação ao sistema linguístico, localizam-se os vários exemplares de textos ou registros. E é por esse motivo que o conceito de instanciação foi escolhido como fundamental para a presente discussão, pelo fato de ele articular as relações existentes entre tudo o que o sistema linguístico pode proporcionar em termos de escolhas em função do que realmente é realizado em termos dos textos particulares. e) Função Talvez um dos conceitos mais usados na teorização linguística de várias tradições, em GSF esse termo pode igualmente significar algo parecido com ‘o que uma unidade faz em um dado contexto’, ou seja, podemos considerar as unidades funcionais de transitividade como Ator e Fenômeno como micro-funções. S U M Á R I O No entanto, o mais original e interessante da LSF/GSF/GSF é olhar para as funções como categorias que se situam além da dimensão 330 linguística e se localizam no mundo da abstração do pensamento humano. Essas funções, em número de três e denominadas de metafunções por Halliday, constituem as funções universais da linguagem e são elas que organizam toda a nossa experiência como seres produtores de significados. A primeira delas usamos para representar linguisticamente o nosso mundo interior e exterior e a segunda usamos para construir, constituir e/ou manter relações interpessoais. À primeira metafunção Halliday dá o nome de metafunção ideacional e, à segunda, de interpessoal. A forma como essas duas metafunções são mostradas em forma de texto se dá através da terceira metafunção, a textual, que possibilita o conteúdo das duas funções anteriores serem expressos em forma de textos orais e/ou escritos. A relação que essas três metafunções estabelecem, no estrato da construção dos significados, com os outros estratos da GSF, é guiada pelo mesmo princípio de realização de que já falamos, de modo que, cada uma delas é realizada por um sistema diferente no estrato imediatamente inferior da léxico-gramática. Desse modo, os significados da metafunção ideacional são realizados principalmente pelo sistema de transitividade; os da interpessoal, pelos sistemas de modo e modalidade e os da textual pelo sistema de tema e rema. Ou seja, ao contrário das gramáticas sintagmáticas, o foco primeiro da GSF é a função, quer dizer, o que cada unidade realiza semanticamente dentro da oração, ficando para a estrutura que a realiza o lugar secundário de análise. Da natureza dessa ênfase na função decorre a dimensão funcional da GSF. S U M Á R I O 331 f) Realização Se o princípio de instanciação nos permite olhar para a língua nesse movimento do mais abstrato para o mais concreto e vice-versa num diálogo contínuo do que realmente constitui um texto e o que do sistema completo esse texto apresenta, o princípio de realização nos permite olhar para a organização hierárquica e estratal da GSF de outra perspectiva, porém complementar: ele nos permite olhar para cada estrato como sendo a realização concreta do estrato imediatamente superior. Isso implica dizer que o contexto de situação, com suas três variáveis (campo, relações e modo) e localizado imediatamente abaixo do contexto de cultura, realiza um conjunto finito de possibilidades específicas a partir de todas as escolhas possíveis do contexto de cultura. Na mesma direção, os três sistemas principais do estrato da léxico-gramática, a saber, a Transitividade, o Modo e o Tema, realizam, por sua vez, as três variáveis do contexto de situação, localizado imediatamente acima e, no plano da expressão, a fonologia e a grafologia realizam os três sistemas do estrato da léxico-gramática. A Figura 1 mostra todos os estratos com os seus respectivos sistemas de realização. S U M Á R I O 332 Figura 1: A GSF e os seus estratos (elaborada pelos membros do GSF/ASD sertões) Contexto de situação Campo Relações Modo Semântica Ideacional Interpessoal Textual Léxicogramática Transitividade Modo/ Modalidade Tema/Rema Expressões Grafologia REALIZAÇÃO REALIZAÇÃO CONTEXTO DE CULTURA Fonologia A figura deve ser lida como se segue: a fonologia e a grafologia do estrato da expressão realizam os três sistemas principais do estrato da léxico-gramática que, por sua vez, realizam os significados do estrato semântico que, por último, realizam as variáveis do contexto de situação e, acima desta, do contexto e da cultura. DA TEORIA À PRÁTICA: COMO APLICAR OS CONCEITOS DA GSF EM CONTEXTOS REAIS DE PESQUISA? S U M Á R I O No trabalho intitulado Power Relations in Padre Cícero’s Epistolary Political Discourse: An Investigation in the Light of SystemicFunctional Grammar and Critical Discourse Analysis (DESOUZA, 2011), cujo objetivo foi investigar as relações de poder no discurso político epistolar do Padre Cícero, a Gramática Sistêmico-Funcional foi usada 333 para responder a duas perguntas de pesquisa, a saber: Como as escolhas de transitividade feitas por Padre Cícero em seu discurso político epistolar revelam seu modo de representar a si mesmo e aos demais participantes da prática social da luta pela independência de Juazeiro, a saber, o coronel Antônio Luís, coronel Nogueira Accioly e Juazeiro e/ou o seu povo? e Como as escolhas das funções discursivas, de modo e modalidade de Padre Cícero em seu discurso político epistolar, revelam seu modo de construir o seu (s) papel (s) social (ais) como político poderoso ou não e como ele constrói esses papéis sociais de seus interlocutores, a saber, o coronel Antônio Luís, coronel Nogueira Accioly, e Juazeiro e / ou seu povo, na prática social de lutar pela independência de Juazeiro? Para responder a essas duas perguntas a primeira escolha a ser feita foi no nível do contexto de cultura, uma vez que sendo Padre Cícero uma figura estudada por vários especialistas de várias áreas, foi necessário recortar o contexto de cultura desse espectro geral de possibilidades e optamos pela dimensão política, deixando as outras (religiosa, antropológica etc) secundadas. O passo seguinte foi fazer a escolha no nível do contexto de situação, ou seja, que elementos priorizar em termos de campo, relações e modo? Nesse aspecto, escolhemos estudar as suas cartas endereçadas às duas maiores autoridades da época envolvidas na luta pela independência de Juazeiro, o coronel Antônio Luís, prefeito do Crato e o coronel Nogueira Accioly, governador do Ceará. S U M Á R I O Uma vez resolvidas essas duas questões da dimensão extralinguística, procedemos a escolha de que estratos da GSF dariam conta dos dois objetivos propostos acima e, a partir do que já foi discutido anteriormente, os sistemas de transitividade e o de modo e modalidade cumpriram essa missão. Concluídas essas escolhas, as cartas foram segmentadas em orações, que 334 foram analisadas em relação às categorias de transitividade, função discursiva, modo e modalidade. Os resultados de transitividade mostraram que duas macrofiguras emergiram a partir dos dados analisados. A primeira é a do Padre Cícero como um ator político poderoso, evidenciada por papéis relevantes de transitividade, tais como Ator em processos materiais, por exemplo. A segunda figura mostra-o como um político conciliador, o que é percebido, por exemplo, no uso que ele faz de processos relacionais com a finalidade de forjar uma relação amigável com o Cel. Antônio Luís. Essas duas macrofiguras foram reforçadas pelos resultados oriundos da análise da função discursiva, do modo e da modalidade. Padre Cícero, ao usar pouca modalidade, interpreta seu papel social como um político poderoso, construindo seu mundo político como um lugar com pouco espaço para incertezas. Paralelamente a isso, sua imagem de político conciliador emerge quando ele se empenha para reforçar sua amizade com o Prefeito do Crato e mostrar disposição, em muitas ocasiões, para ajudar com o projeto de independência. Esses resultados foram confrontados em seguida com os conceitos de ideologia e de hegemonia, cuja discussão reside fora do escopo destas linhas. S U M Á R I O Como ilustrado acima, desenvolver pesquisas no âmbito da LSF/GSF/GSF é, antes de mais nada, um procedimento constante de escolhas, procedimento esse facilitado pelo fato da GSF se organizar em forma de estratos hierarquicamente inter-relacionados. A depender das perguntas de pesquisa propostas, a própria teoria sinaliza os caminhos metodológicos a seguir, mostrando que aspectos da construção de significados estão implicados em determinada pesquisa e que sistemas linguísticos se prestam a encontrar as respostas esperadas. E é nessa mesma atmosfera de escolhas sistêmicas que se situa uma abordagem de gêneros desenvolvida em sua maior parte na Austrália e por isso chamada de Teoria de Gêneros da Escola de Sydney. As linhas que seguem discutem essa teoria. 335 A ESCOLA DE SYDNEY ‘Escola de Sydney’ é um termo usado para referir-se a programas de letramento pautados em uma concepção educacional sobre os gêneros textuais. O termo pode ser compreendido como uma pedagogia de gêneros desenvolvida por um grupo de pesquisadores da Universidade de Sydney que conduzem estudos sobre registros e gêneros à luz da Linguística Sistêmico-funcional. CONCEITOS DE TEXTO E GÊNEROS TEXTUAIS Assim como a palavra escolha está intrinsecamente ligada à GSF, o conceito de gênero tem adquirido um status de quase onipresença quando o assunto é linguagem. Daí advém um grande número de “escolas” e pesquisadores que têm se debruçado sobre os aspectos teóricos e aplicados do conceito. Mota-Roth, a propósito, destaca 4 dessas escolas: Escola Britânica de Inglês para Fins Específicos ou ESP, Escola America da Nova Retórica ou Sócio-Retórica, Escola Suiça ou o Interacionismo e a Escola Sistêmico-Funcional de Sydney ou Escola de Sydney. Dado o fato de a Escola de Sydney e a GSF/ LSF/GSF terem se desenvolvido lado a lado a partir do trabalho de Michael Halliday, de um lado, e o empenho de Jim Marin e colaboradores, do outro, as próximas linhas focam exatamente nesta escola de gênero sem contudo deixar de reconhecer os pontos fortes das outras linhas de pensamento. Faz-se necessário ressaltar que Halliday não trabalha com a noção de gênero em seus postulados teóricos. O conceito de gênero usado para embasar os postulados estabelecidos pela Escola de S U M Á R I O 336 Sydney é descrito por Martin. Ressaltamos também que é possível usar também o termo ‘registro’ como equivalente a gênero sob uma ótica sistêmico-funcional. Antes de falarmos sobre a Escola de Sydney propriamente dita, é importante descrevermos o conceito de texto e de gêneros textuais, definições estas que permeiam grande parte da teoria que será explicada nesta seção do capítulo. Dentro da ótica da abordagem sistêmico-funcional, o texto é uma estrutura linguística usada para a construção de significados a partir dos contextos de cultura e de situação. O contexto de cultura se relaciona aos modos de vida, aos valores, aos costumes e também às crenças pessoais. Contexto e texto se relacionam na construção dos sentidos do que é dito e escrito nas mais variadas formas textuais. O conceito de gênero está vinculado ao contexto da cultura, onde podese observar as seguintes variações linguísticas: o campo, as relações e o modo ou papel do discurso. A partir da teoria desenvolvida por Halliday, passou a ser investigada também a relação entre o sistema semântico e a relação entre contexto e língua em termos das metafunções da linguagem. O registro é então definido como uma configuração de recursos semânticos através dos quais os indivíduos de uma determinada cultura fazem uso em dado tipo de situação, registro este que pode ser reconhecido pela seleção dos significados de palavras e estruturas que constituem a variedade de um texto. É a partir das concepções acima descritas sobre de gênero e registro que surgem as ideias da Escola de Sydney. S U M Á R I O 337 A PEDAGOGIA BASEADA EM GÊNEROS TEXTUAIS A Escola de Sydney, ou pedagogia baseada em gêneros textuais, foi desenvolvida de acordo com a realidade dos diferentes níveis sociais dos alunos que causam as diferenças em suas habilidades de leitura e escrita e performances escolares. A Escola de Sydney tem como objetivo melhorar as habilidades de leitura e escrita dos alunos, aprimorar sua mobilidade social e realizar a igualdade educacional e a justiça social. Para alcançar esses propósitos, a Escola de Sydney leva em consideração a Teoria de Gênero e a teoria da Linguística SistêmicoFuncional, e gradualmente desenvolve e melhora a pedagogia através de uma série de atividades de ensino e pesquisa. Iniciada em 1979, a Escola de Sydney, passou por três etapas de desenvolvimento. Na década de 1980 aconteceu a primeira etapa, com foco na escrita de gêneros na escola primária. Já na década de 1990 foi a vez da segunda etapa onde o foco foi a abordagem dos gêneros em diferentes disciplinas do ensino médio. O início do século XXI abriu a terceira etapa que deslocou o foco de pesquisa da escrita para a leitura, visando projetar um conjunto de estratégias que são aplicáveis a todos os níveis de alunos envolvendo crianças indígenas, imigrantes e estrangeiros. S U M Á R I O A pedagogia baseada em gêneros tem um sistema teórico abrangente. Esta pedagogia usa uma filosofia de ensino que consiste no ensino interativo com base no conhecimento partilhado. As teorias do desenvolvimento de linguagem de Halliday e a teoria do gênero do australiano James Martin, integram as bases teóricas da Escola de Sydney que apresenta propostas de reforma educacional relacionando a linguagem e poder social. 338 A partir da Escola de Sydney, James Martin começou a explorar as habilidades linguísticas que são necessárias na produção dos diversos gêneros textuais e passou a aplicar sua pesquisa nas práticas de ensino na Austrália. Martin projetou uma pedagogia baseada na Teoria de Gêneros que contribuiu bastante para um aprimoramento no processo de aprendizagem nas escolas australianas. As contribuições de James Martin foram e ainda são de grande importância nas práticas pedagógicas desenvolvidas na Austrália e até mesmo no mundo, pois consideram a língua em seu contexto de uso. A teoria desenvolvida na Escola de Sydney é uma importante aplicação da análise do discurso dentro da Linguística SistêmicoFuncional, sendo o núcleo a criação e implementação do ciclo de escrita baseada em gêneros ou Ciclo de Sydney. Rothery (1994) descreve três importantes etapas na abordagem pedagógica do Ciclo de Sydney: a desconstrução, a construção conjunta e construção individual ou independente, conforme exposto na Figura 2. Os professores e os alunos trabalham de forma independente na desconstrução e em construções independentes. Figura 02 – Representação do Ciclo de Sydney S U M Á R I O 339 A ideia principal do ciclo de escrita baseada em gêneros da Escola de Sydney é a noção de que os professores ajudam os alunos a aprender a escrever um gênero específico em um determinado campo a partir dos padrões de linguagem no contexto alvo através da construção de determinado campo de linguagem (MARTIN, 1999). Na escola de Sydney, a noção de gênero é construída no estrato da cultura. Dessa forma, a linguagem é um contexto social de concretização, como pode ser observado nos círculos da seguinte figura. Figura 03 – A construção de gênero no estrato da cultura S U M Á R I O Os gêneros manifestam significados de acordo com seus mais diversos propósitos sociais os quais podem entreter, informar ou até avaliar textos. De um modo geral, a escolha dos gêneros em nossas práticas sociais e discursivas pode ocorrer de acordo com o propósito do ato comunicativo. Por exemplo, ao contarmos uma história para uma criança, o objetivo geral é engajar e entreter. Por outro lado, ao escrevermos uma notícia de jornal, a intenção é informar os leitores. Dessa forma, fica claro que todo gênero apresenta uma intenção clara que antecede e motiva sua escolha. 340 (...) os linguistas definem os gêneros funcionalmente em termos dos objectivos sociais. Assim, gêneros diferentes são modos diferentes de usar a língua para cumprir diferentes tarefas culturalmente estabelecidas, e textos de diferentes gêneros são textos que cumprem objetivos diferentes na cultura. Assim, o reflexo mais significativo nas diferenças de objetivo são as etapas estruturais pelas quais se desenvolve um texto. A teoria de gênero sugere que textos que realizam diferentes atividades na cultura se desenvolvem de modos diferentes, organizandose em diferentes etapas ou estádios. (MARTIN, 1997, p. 236). A construção de um texto perpassa uma série de etapas para alcançar seu propósito. Para cada gênero, estas etapas são relativamente previsíveis. Um texto pode ter mais que um propósito comunicativo, entretanto, é o objetivo principal que guia as etapas da construção textual. Cada etapa de um gênero também inclui uma ou mais fases. As etapas que perpassam a idealização do texto são de grande importância para a pedagogia baseada em gêneros, uma vez que é a reflexão dentro destas etapas que permitem uma prática consciente ao construirmos um texto. A abordagem da escola de Sydney é explicitamente projetada como uma forma ideologicamente comprometida de ação social. A ideologia presente na pedagogia da Escola de Sydney é entendida em termos de relações dentro e entre contextos, que permeiam todos os níveis de construção dos significados. Em contextos de cultura locais, as relações de poder e controle podem ser condicionadas por idade, sexo e outros marcadores de status social. Em situações específicas, essas variáveis de registro se traduzem em opções para dominar ou adiar, afirmar ou conceder autoridade, e para comandar a atenção ou prestar atenção aos outros. S U M Á R I O O modelo inicial da pedagogia baseada em gêneros foi influenciado pelo princípio da orientação pedagógica através da interação no contexto da experiência compartilhada. A metodologia da Escola de Sydney proporciona apoio aos alunos para reconhecer 341 padrões de linguagem na leitura de textos e para ajudá-los em sua escrita. Além de um foco mais detalhado na linguagem, a pedagogia baseada em gêneros da Escola de Sydney usa ciclos altamente projetados de interação professor-classe para permitir que cada aluno possa ler e escrever textos de forma independente. Do ponto de vista da Linguística Sistêmico-Funcional e baseando-se em teorias de contexto e estruturas de gênero, a Escola de Sydney pretende elaborar a relação entre as características textuais e padrões de linguagem e amplia sua aplicação no ensino de línguas estrangeiras na tentativa de melhorar a proficiência de estudantes em todos os níveis. Após décadas de aplicação e renovação, a pedagogia baseada em gêneros desenvolvida na Austrália vem sendo um sistema teórico completo e abrangente, e provou ter aplicações poderosas e ampla cobertura em todo o mundo. Além das implicações no ensino de línguas estrangeiras e nas práticas de alfabetização e letramento em escolas australianas, a Escola de Sydney também apresenta importantes contribuições para o campo dos Estudos da Tradução, contribuições estas que serão descritas a seguir. A INTERFACE ENTRE A ESCOLA DE SYDNEY E OS ESTUDOS DA TRADUÇÃO S U M Á R I O A partir do estudo de uma língua estrangeira dentro da ótica da Linguística Sistêmico-Funcional, podemos perceber que a língua não é uma simples questão de vocabulário e gramática. Na verdade, para a LSF/GSF, a língua nunca pode ser separada da cultura em que opera e é sempre parte de um contexto. É dentro desta perspectiva da língua como parte integrante e operante da cultura que a Escola de 342 Sydney desenvolve uma perspectiva de tradução que está diretamente relacionada à função do texto traduzido e ao papel do tradutor. Um tradutor lida com duas culturas diferentes, a fonte e a alvo, e é muitas vezes confrontado com o problema da identificação ou adequação cultural, fato este que o obriga a encontrar uma maneira de transmitir essas características de um dado texto à cultura para a qual tradução se destina. Dessa forma, a Escola de Sydney defende que uma abordagem centrada na linguagem inserida no contexto representa uma importante ferramenta no ato de traduzir. Quando confrontados com a tradução de um texto, de qualquer tipo, seja ele literário ou especializado, um tradutor é capaz, a partir das realizações léxicogramaticais, de identificar os significados de elementos no texto de partida e reconstruir o contexto de situação e o contexto de cultura na tradução. A noção de contexto dentro da teoria da LSF/GSF e dos pressupostos da Escola de Sydney permitem uma importante concepção da função da tradução. Um texto sempre ocorre em dois contextos, um dentro do outro. Qualquer texto está, portanto, relacionado tanto ao contexto imediato que o envolve, isto é, ao contexto da situação, como ao contexto externo, ou contexto de cultura. Em outras palavras, qualquer texto é uma expressão de uma situação específica e de um ambiente social, histórico ou político. Ao traduzir, estamos constantemente confrontados com a questão do significado. Levando em conta esta visão da tradução em uma abordagem sistêmico-funcional, o tradutor está principalmente preocupado em transmitir sentido através do veículo da língua. Em certos tipos de contextos, por exemplo, combinando as relações de poder social e distância, o tradutor deve ter a consciência de produzir um texto onde há preservação do conteúdo proposicional do texto de partida. S U M Á R I O 343 Precisamos trabalhar com gramática, ou lexicogramática, na tradução, mas sempre tendo em mente que, em uma perspectiva da LSF/GSF, a lexicogramática é selecionada de acordo com os propósitos do texto. Através de uma análise da realização gramatical, um tradutor pode identificar diferentes tipos de significados. Com o intuito de compreender o significado de um texto e reproduzi-lo em outra língua, um tradutor precisa dividir o texto em unidades traduzíveis através de uma análise da realização gramatical, identificando diferentes tipos de significados. Em uma perspectiva tradicional, se considerarmos como as palavras são organizadas dentro de um dicionário, pensaremos na palavra como a unidade principal de tradução, onde cada vocábulo é tratado na maior parte de forma isolada. No entanto, em uma visão sistêmica, a tradução geralmente não é fixada a uma palavra individual. É então que a noção da sentença assume maior importância dentro do ato tradutório. Na perspectiva da LSF/GSF, os tradutores devem adotar a sentença como a unidade de tradução. Para Halliday é no nível da sentença e não da palavra que a linguagem representa eventos, pois é na cláusula que os significados de diferentes tipos são mapeados em uma estrutura gramatical integrada, conceito este de grande valia para a tradução sob a ótica da LSF/GSF. Assim, ao considerarmos a teoria da LSF/GSF, a tradução pode ser vista como um processo de substituição de um texto em um idioma para um texto em um idioma diferente. Ao pensarmos na abordagem da Escola de Sydney que estabelece as características próprias de cada gênero vinculando-os às práticas pedagógicas, também podemos pensar em uma interessante concepção do ato tradutório associado aos tipos textuais. S U M Á R I O Já vimos que as convenções textuais que caracterizam gêneros variam de acordo com o propósito do texto. Um gênero pode ser descrito como uma classe de textos que é reconhecido como tal pelos leitores, 344 pois os diferentes tipos de textos contêm convenções reconhecíveis sobre sua estrutura e outros elementos linguísticos em situações comunicativas semelhantes. Assim, com o intuito de descobrir quais as características do texto são convencionais e quais não são, o tradutor precisa compreender as descrições das convenções de gênero dentro da cultura de chegada do texto traduzido. Os tradutores devem, portanto, considerar a possibilidade de fazer tais descrições abrangentes de convenções de gênero, analisando textos das línguas envolvidas na tradução. Dessa forma, os tradutores terão descrições que podem ser úteis quando ligadas à estratégia de tradução adotada. Este princípio pode ser usado para estabelecer os limites da criatividade da tradução, onde os tradutores selecionam apenas as convenções da língua-alvo que serão provavelmente reconhecidas e aceitas pelos leitores dos textos-alvo. Percebemos então a grande relevância da Escola de Sydney dentro dos Estudos da Tradução, pois a partir da noção das peculiaridades do texto na língua de partida e de como esse texto se configura na língua de chegada, o ato tradutório pode alcançar devidamente seu propósito comunicativo. Traduzir de acordo com as características dos gêneros textuais, portanto, possibilita identificar uma série de elementos. Assim, em sua dimensão comunicativa, o gênero identifica a situação e o contexto da situação de comunicação, bem como designa os participantes, a relação que surge entre eles e o propósito da ação. Podemos afirmar que há convergência entre os Estudos da Tradução e a Teoria de Gêneros, afirmação esta que evidencia a relevante contribuição da Escola de Sydney dentro do desenvolvimento das práticas tradutórias. S U M Á R I O 345 APLICAÇÃO PRÁTICA DA TEORIA DA ESCOLA DE SYDNEY Diante do que aqui já foi apresentado sobre a Escola de Sydney, sua contribuição com as práticas pedagógicas vinculadas ao ensino de gêneros textuais e sua interface com os Estudos da Tradução, é também relevante citar um estudo desenvolvido com base neste arcabouço teórico para uma percepção da aplicação prática dos conceitos descritos. Nessa perspectiva, há uma pesquisa intitulada de “Estudo sobre a subcompetência bilíngue e a metarreflexão de tradutores em formação sobre questões de tessitura textual: uma intervenção pedagógica baseada na LSF/GSF” que foi desenvolvida por Vieira (2018) no Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará. Nesta pesquisa foi feito um estudo sobre a intervenção pedagógica de base sistêmico-funcionalista em textos-fonte e alvo, com o objetivo de investigar o desenvolvimento da subcompetência bilíngue de tradutores em formação. Esta pesquisa é um claro exemplo de aplicação da teoria da Escola de Sydney com interface nos Estudos da Tradução, pois possibilita a análise de recursos de tessitura textual relativos aos sistemas de coesão estrutural e não estrutural na prática da tradução. S U M Á R I O A pesquisa foi aplicada com quatro alunos da disciplina “Tópicos em tradução de textos escritos” da matriz curricular do Curso de Bacharelado em Língua Inglesa da Universidade Estadual do Ceará. O corpus foi constituído pelas respostas dadas às questões de atividades pedagógicas e pelos comentários nas entrevistas. Os resultados do estudo demonstraram uma significativa elevação no nível da subcompetência bilíngue dos participantes sobre os aspectos textuais abordados, elevando as suas habilidades de 346 leitura e de produção e revisão textual e, consequentemente, as suas habilidades tradutórias. Percebemos, a partir do estudo feito por Vieira (2018), o quão importante é a percepção das características de um dado texto no ato tradutório pois esta percepção permite uma reflexão da escolha dos significados associados ao propósito do texto traduzido. Na conclusão de seu estudo, a autora identificou uma desconstrução de conceitos tradicionais sobre a tradução. A partir da metodologia aplicada, foi possível concluir que nem sempre é possível reconstruir os significados do texto fonte no texto alvo, seguindo a mesma estrutura da língua fonte. Assim, foi evidenciada uma visão mais holística da atividade tradutória, considerando os significados realizados nos textos e, consequentemente, a consciência quanto aos diversos aspectos que influenciam a construção e a reconstrução desses significados. Por meio do que foi observado e analisado na pesquisa da professora Teresinha Penaforte Vieira, é possível perceber a grande importância da teoria da Linguística Sistêmico-Funcional e da pedagogia baseada em gêneros da Escola de Sydney para o desenvolvimento de uma prática tradutória mais coerente dentro da cultura de chegada do texto, onde se propõe uma reflexão durante a tradução e não simplesmente a transferência de significados de uma língua para outra. AMPLIANDO AS ESCOLHAS… OU ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS S U M Á R I O Em qualquer direção que olharmos para o texto ora apresentado o que podemos ver é um campo amplo ainda a ser perseguido. Em 347 relação aos aspectos históricos mencionados aqui, por exemplo, ainda poderíamos nos deter longamente em identificar vários autores que têm não apenas seguido os passos da LSF/GSF mas também oferecido grandes contribuições ao desenvolvimento da área a exemplo do Prof. Jim Martin que, com Halliday (1993) e outros colaboradores, têm explorado uma abordagem da GSF/ LSF/GSF com foco nos aspectos teóricos e práticos no contexto da educação. Se olharmos para a seção dos conceitos, uma gama de outros poderia ter sido igualmente escolhida a exemplo dos conceitos de estrutura, de escala entre tantos outros. Aqui também, não apenas a quantidade de termos ficou descoberta, mas também um aprofundamento de sua natureza funcional ficou em aberto, em função da natureza introdutória do presente texto. Se olharmos para a seção de aplicação, o espaço e o tempo permitiram apenas a demonstração de um único trabalho usando a GSF, lidando com a análise do discurso político, deixando em aberto um mundo de áreas em que a GSF tem sido usada, a saber, o ensino de língua materna e estrangeira (PRAXEDES FILHO, 2007), análise de outros modos semióticos como o visual (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996), para usar esses apenas como ilustração. S U M Á R I O Se o nosso olhar for em direção à Escola de Sydney, um terreno imenso se abre pedindo mais tempo e espaço, uma vez que o trabalho desenvolvido por Jim Martin e colaboradores tem uma longa história como já ventilado acima. No entanto, precisamos mais uma vez considerar essas linhas como uma pequena ‘degustação’ do vasto campo hoje multidisciplinar que se abriga sob a rubrica Linguística Sistêmico- Funcional. E como todo aquele que oferece uma degustação espera de seus ‘clientes’ que eles voltem e comprem o produto, igualmente desejamos que quem chegou até aqui fique com um sabor inquietante de conhecer cada vez mais essa área que está continuamente se enriquecendo para propor novas alternativas para 348 se pensar a linguagem em toda a sua plenitude tem uma importante contribuição para o desenvolvimento da construção textual no processo de ensino-aprendizagem. Os ciclos de aprendizagem da pedagogia baseada em gêneros da Escola de Sydney contribuem para um processo significativo de produção textual de forma coerente e coesa. Mais importante ainda, esta pedagogia também pode ajudar os professores no ensino de diferentes habilidades de língua materna e estrangeira. Além disso, há também uma importante contribuição da Escola de Sydney para o desenvolvimento dos Estudos da Tradução, pois a partir das concepções das funções dos gêneros em diferentes situações culturais é possível pensar em uma prática da tradução contextualizada e que transmita significados considerando o contexto de chegada da língua para o qual determinado texto será traduzido. REFERÊNCIAS BLOOR, Thomas; BLOOR, Meriel. The Functional Analysis of English. 2nd. Ed. Londres: Arnold, 2004. CAFFAREL, Alice. A Systemic functional grammar of French – from grammar to discourse. Londres e Nova York: Continuum, 2006. DESOUZA, Vilmar Ferreira. Power Relations In Padre Cícero’s Epistolary Political Discourse: An Investigation in the Light of Systemic-Functional Grammar and Critical Discourse Analysis.173f. Tese (Doutorado em Letras/Inglês e Literatura Correspondente). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, 2011a. HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood. 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Carroll, (Ed.) Cambridge, Massachusetts e Nova York: M. I. T Press e Wiley, 1956. S U M Á R I O 351 SOBRE OS(AS) ORGANIZADORES(AS) Álisson Hudson Veras-Lima Doutorando e Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e graduado em Letras Português/Francês: Língua e Literatura pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). É ligado à linha de pesquisa de Aquisição, Desenvolvimento e Processamento da Linguagem da UFC, tendo interesse em pesquisas que tratem do processamento linguístico pela vertente do Gerativismo e do estudo da referência pelo âmbito Semântico e Pragmático, além de questões acerca da pronominalização em Português Brasileiro. Interessa-se também por Literatura, Crítica Literária, bem como pela interface Literatura-História. Possui trabalhos publicados sobre Educação e ensino de Português como língua materna, sobretudo no que concerne ao ensino de Leitura, Escrita e Gramática. E-mail: [email protected] Julianne Rodrigues Pita Mestra em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará (2019). Graduada em Letras - Língua Portuguesa pelo Instituto Federal de Ciência, Tecnologia e Educação de Crateús, Ceará (2016). Estudante de Pós-graduação em Língua Portuguesa (Especialização) pela Faculdade de Educação São Luís de Jaboticabal (2018). Professora da rede pública municipal de Russas – CE. Experiência em pesquisa nas áreas de estudos da Filosofia e Sociologia da Linguagem, Teorias descoloniais, Ensino de Língua Portuguesa e Livro Didático. E-mail: [email protected] Maria Elias Soares S U M Á R I O Maria Elias Soares é licenciada em Letras e Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará, e concluiu o bacharelado em Comunicação Social e em Direito, pela Universidade Federal do Ceará. Obteve o título de Mestre e de Doutorado em Letras na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). Professora Titular, do Departamento de Letras Vernáculas (Centro de Humanidades) da Universidade Federal do Ceará, com atuação, desde 1993, no Programa de Pós-Graduação em Linguística, do qual foi Coordenadora (1993-1997) e Vice-Coordenadora (1997-2001). Foi Chefe 352 do Departamento de Letras Vernáculas (1991), Vice-Diretora do Centro de Humanidades da UFC (1991-1995), Diretora do Centro de Humanidades da UFC (1995-2003), Diretora da Editora da Universidade Federal do Ceará (2003), Coordenadora de Assuntos Internacionais da UFC (2003-2010), Vice-Reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia AfroBrasileira (Unilab), de 2010 a 2013. Membro dos Conselhos Superiores da Universidade Federal do Ceará (Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão e Conselho Universitário), e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), do Conselho de Centro do Centro de Humanidades, desde 2010. Membro da Comissão do MEC que colaborou com a implantação da Universidade de Cabo Verde (2004-2006); membro da Comissão de Implantação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), de 2008 a 2010. Tem exercido docência em disciplinas e seminários de graduação e de pós-graduação (Linguística Geral, Teorias Linguísticas, Linguística Textual, Métodos de Investigação Linguística, Pragmática, Psicolinguística, Semântica, Metodologia da Pesquisa Científica, Análise da Conversação, Discurso Científico, Composição em Língua Portuguesa, Estilística da Língua Portuguesa, Leitura e Produção do Texto Acadêmico, Políticas Públicas da Educação Superior). E-mail: [email protected] S U M Á R I O 353 SOBRE OS AUTORES E AS AUTORAS Aluiza Alves de Araújo Doutora e mestra em Linguística pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Ceará UECE. Atualmente é professora do Curso de Letras da UECE, onde também está vinculada ao Programa do Pós- Graduação em Linguística Aplicada - PosLA. Atua na área de Sociolinguística variacionista, desenvolvendo pesquisas no campo da constituição de bancos de dados de língua falada, como o Projeto Norma Oral do Portguês Popular de Fortaleza-CE (NORPOFOR) e o Projeto Descrição do Português Oral Culto de Fortaleza - PORCUFORT (fase II – 2018 a 2021). E-mail: [email protected] Ana Edilza Aquino de Sousa Doutora em Linguística pelo Programa do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará (2018). Possui mestrado em Linguística pela Universidade Federal da Ceará (2013) e graduação em Letras pela mesma instituição (2010). É pesquisadora do Grupo de Pesquisas e Estudos em Linguística Aplicada (GEPLA) da UFC. Foi bolsista de iniciação científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Pesquisa (CnPq) e de iniciação à docência (CAPES). Foi docente do Eixo de Língua Portuguesa no Módulo de Acolhimento e Avaliação do Programa Mais Médicos para o Brasil (Ceará). Participou, em diversas ocasiões, da correção do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Atuou como tutora da Universidade Aberta do Brasil/Instituto UFC Virtual no período de 2012 à 2017. Sua atuação docente está relacionada às disciplina de Português como Língua Materna, Português como Língua Estrangeira e Português e Comunicação Empresarial, esta última em nível de graduação. Atualmente, é professora substituta do Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). E-mail: [email protected] Antonio Avelar Macedo Neri S U M Á R I O Possui licenciatura em Pedagogia pela Universidade Estadual do CearáUECE (2000), História e Geografia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (2003).Especialização em Língua Portuguesa (UVA ). Mestrado em Teologia: Ética e Gestão (EST). Atualmente é Professor Efetivo, 354 coordenador de área do PIBID e Coordenador do Curso de licenciatura em Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE- campus Crateús, atuando nos cursos de Licenciatura em Matemática, Física, Geografia, Letras e Música. Membro do Grupo de Pesquisa em Cultura, Educação e Trabalho do IFCE. Tem experiência na educação básica (Professor e Coordenador de Área (PCA), e superior (formação de professores), banca de concursos, realiza cursos de extensão, voltado para a formação de professores, membro e fundador do NEABI no IFCE/ Crateús. Ex: Coordenador de área do PIBID/Matemática, trabalhou como Coordenador Pedagógico na Secretaria Municipal de Educação e no IFCE, Coordenou o Projeto Município Saudável, Ex: Coordenador de Extensão, Diretor de Escola, Secretário Municipal da Educação e Secretário Adjunto de Cultura no Município de Crateús. E-mail: [email protected] Antônio Oziêlton de Brito Sousa S U M Á R I O Doutorando em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará - UECE. Mestre em Educação e Ensino pelo Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino - MAIE - UECE (2015), realizando pesquisas na área Educação, Trabalho e Movimentos Sociais com ênfase nos Letramentos, nos Estudos Descoloniais e na Línguística Crítica. Especialista em Gestão Pública pela UECE (2012). Especialista em Gestão Escolar pela Faculdade Kurios - FAK (2011). Habilitado em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA (2012). Graduado em Letras - Português/Literatura - pela Universidade Estadual do Ceará - UECE (2009). É membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Pragmática (NIPRA) e integrou o Grupo de Pesquisa Por uma Pragmática Cultural: Cartografias Descoloniais e Gramáticas Culturais em Jogos de Linguagem do Cotidiano (PRAGMA CULT) vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE (PosLA) (20132015). Participa do Programa Viva a Palavra: circuitos de linguagem, paz e resistência da juventude negra na periferia de Fortaleza. Integrou o Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Política, Gestão Educacional e Formação de Professores - GEPGE/UFC. Participou do Projeto de Extensão Escola da Terra da Universidade Estadual do Ceará - UFC. Consultor Educacional da Secretaria da Educação do Estado do Ceará na área de Língua Portuguesa. Foi vencedor do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10 (2012). Prestou consultoria e assessoria à Revista Nova Escola. Foi Professor-Pesquisador e Formador do Programa Projovem Campo Saberes da Terra na Universidade Regional do Cariri - URCA (2014). Foi Professor-Pesquisador Formador da Ação Escola da Terra UFC/MEC (2015). Exerceu as funções de Formador 355 de Língua Portuguesa e de Subcoordenador de Ensino e Aprendizagem na Secretaria da Educação de Ocara. Ministra palestras nas áreas da Linguística e da Educação. É professor da Educação Básica e foi Professor da Educação Superior no Instituto Dom José de Educação - IDJ, vinculado à Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA . Atou como professor da educação superior na UECE, UVA e URCA. Possui experiência nas área de Linguística e Educação, com ênfase em Linguística Aplicada, Educação do/no Campo, Movimentos Sociais, Educação de Jovens e Adultos, Alfabetização, Educação Popular, Letramentos e Formação de Professores. E-mail: [email protected] Bougleux Bonjardim da Silva Carmo É licenciado em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia (2008), especialista em Linguística Forense pela Universidade do Porto (2018), mestre em Letras (Profletras) pela Universidade Estadual de Santa Cruz (2015) e doutorando em Estado e Sociedade pela Universidade Federal do Sul da Bahia. Atualmente, é docente de língua portuguesa - Secretaria de Educação do Estado da Bahia e membro do Grupo de pesquisa (CNPq) Pesquisas Avançadas em Materialidades, Ambiências e Tecnologias. Investiga os seguintes temas: ensino de língua portuguesa, marcadores discursivos, argumentação, discurso e violência em interface, Pragmática, Análise da Conversa Etnometodológica e Memória Social. É psicanalista aspirante pela Sociedade Brasileira de Psicanálise e Psicoterapias – SOBRAPP. E-mail: [email protected] Claudiana Nogueira de Alencar S U M Á R I O Possui licenciatura em Letras pela Universidade Estadual do Ceará (1995), mestrado e doutorado em Linguística pela Unicamp (2000 e 2005) e pós- doutorado em Semântica/Pragmática também pela Unicamp (2010). Atuou como pesquisadora visitante na Universidade de Birmingham -UK (2002-2003) e como pesquisadora colaboradora do Instituto de Estudos da Linguagem-IEL-Unicamp (2009-2010). Coordena o Programa “Viva a Palavra: circuito de linguagem, paz e resistência da juventude negra da periferia de Fortaleza (MEC/PROEXT/ 2015). Pesquisa as performances, gramáticas culturais e jogos de linguagem na arte e na cultura de coletivos culturais juvenis da periferia, por meio das práticas dos saraus, das mediações de leitura, das vivências cenopóeticas, das bibliotecas livres e da escrita de mulheres na literatura marginal-periférica, com ênfase nas práticas de reexistência feminina das poetas negras da periferia. Publicou 356 o livro “Linguagem e medo da morte: uma introdução à Linguística Integracionista” (2009) pela EdUECE e Nova Pragmática: modos de fazer (2014), organização em co-autoria pela Cortez. Atualmente é professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE, vinculada à linha de pesquisa “Pragmática Cultural e Estudos Críticos da Linguagem”. Também atua como professora e pesquisadora do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE) da UECE, orientando trabalhos em Educação Popular, Pedagogia Crítica e Decolonial, Aprendizagem Cooperativa e Letramentos Literários de Reexistência, na linha de pesquisa “Trabalho, Educação e Movimentos Sociais”. Foi coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE (2010-2013), tendo coordenado o projeto e a implantação do Doutorado em Linguística Aplicada. Foi coordenadora do GT “Práticas Identitárias em Lingüística Aplicada”, da ANPOLL (2012- 2014) e PróReitora de Extensão da Universidade Estadual do Ceará (2014-2016). E-mail: [email protected] Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin Possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1986), Mestrado (1997) e Doutorado em Educação pela mesma universidade (2001). É professora associado III da Universidade Federal do Ceará. Coordenou o Programa de Pós-graduação em Linguística e o MINTER/UFC/UFMA. Coordenou a formação de professores de Língua materna do PROJOVEM Urbano em 2009 e deu assessoria à Secretaria de Educação do Município de Fortaleza em 2011, na produção das Diretrizes Curriculares e em 2018 para a construção do Documento Curricular de Referência do Ceará.. Atuou na Université de Bordeaux Montaigne como professora convidada. Coordena o FLAEL - Fórum de Linguística Aplicada e Ensino de Línguas, desde 2006. Líder do GEPLA - Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguística Aplicada. Coordena o Curso de Português Língua Estrangeira. Realizou o Estágio de Pós-doutorado na Université Sorbonne Nouvelles Paris III e na Université de Genève. Coordena o Mestrado Profissional em Letras/UFC. Pesquisas com ênfase no agir professoral, considerando a formação docente e as condições de trabalho do professor e do estagiário, bem como o letramento de ambos. E-mail: [email protected] Expedito Wellington Chaves Costa S U M Á R I O É doutor em Linguística pela Universidade de Évora (Portugal), mestre em Educação e graduado em Letras pela Universidade Estadual do 357 Ceará. Atualmente é professor do Instituto Federal do Ceará – campus Crateús, onde lidera o grupo de pesquisa “Estudos Linguísticos Interdisciplinares” e responde pela Coordenação de Pesquisa, PósGraduação e Inovação. Nesta instituição, já coordenou o curso de Licenciatura em Letras e o PIBID. É membro da Associação Internacional de Linguística do Português (AILP) e tem experiência em formação docente, literatura brasileira e linguística, com ênfase em lexicografia. E-mail: [email protected] Francisco Bruno Rodrigues Silveira Graduado em Letras Português / Inglês pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Docência da Língua Inglesa pela FMU. Mestrando em Estudos da Tradução (POET) pela Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: [email protected] Gílian Gardia Magalhães Brito Professora de Língua Portuguesa (SEDUC-CE); Mestranda em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará - PosLA - UECE, sob orientação da Profa. Dra. Claudiana Nogueira de Alencar; Especialista em Literatura e Formação do Leitor - UECE; Especialista em Coordenação Escolar UFC; Membro dos Grupos de Estudo ?Pragmática Cultural: Linguagem e interdisciplinaridade - PRAGMACULT?, e ?Gramática, significado e uso: Leitura e comentários das Investigações Filosóficas de Wittgenstein?, ambos da UECE; Membro colaboradora do Programa de Extensão Acadêmica Viva a Palavra - UECE; Membro da Comissão Organizadora e Pedagógica do Cursinho Popular Viva a Palavra – UECE. E-mail: [email protected] Ikáro César da Silva Maciel Mestre em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), onde desenvolve pesquisa na área dos estudos críticos da linguagem, com ênfase nos estudos de identidade social e performatividade do corpo transgênero. É membro do Grupo de Pesquisa em Análise do Discurso Crítica (GPADC) e possui graduação em Letras Inglês pela Universidade Federal do Ceará (UFC), atuando como professor de inglês como língua estrangeira (LE). E-mail: [email protected] S U M Á R I O 358 Iray Almeida Bezerra Licenciada em Letras/Português em 2011, pela Universidade Federal do Ceará, concluiu o Mestrado Acadêmico pela mesma Instituição de ensino em 2015. Tem como foco pesquisas em Argumentação, especialmente as que abrangem as técnicas argumentativas de Perelman e Tyteca (2005). Atualmente, cursa o Doutorado Acadêmico pela mesma instituição, com foco em gêneros textuais acadêmicos. Foi revisora de texto em escolas particulares de Fortaleza. E-mail: [email protected] Jussivania de Carvalho Vieira Batista Pereira Doutoranda em Estudos de Linguagem pelo Programa de PósGraduação em Estudos de Linguagem na Universidade Federal de Mato Grosso (PPGEL/UFMT), sob orientação da Profa. Dra. Solange Maria de Barros. Mestre em Estudos de Linguagem pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem na Universidade Federal de Mato Grosso (PPGEL/UFMT), sob orientação da Profa. Dra. Solange Maria de Barros. Graduação em Português/Inglês. Participa do grupo de Pesquisa vinculado ao CNPq “Práticas discursivas de violência: jovens e adolescentes em situação de risco” e também do grupo “Formação crítica de educadores de línguas, análise crítica do discurso e realismo crítico”. E-mail: [email protected] Maria João Marçalo Concluiu a Agregação em 2012. É Professora Auxiliar com Agregação na Universidade de Évora (Portugal). Possui 3 capítulos de livros e 4 livros publicados. Possui 7 itens de produção técnica. Atua nas áreas de Humanidades com ênfase em Línguas e Literaturas, e Humanidades com ênfase em Outras Humanidades. Nas suas atividades profissionais interagiu com 8 colaboradores em co-autorias de trabalhos científicos. No seu curriculum DeGóis os termos mais frequentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: Linguística, Teoria da Linguagem, Português, segunda articulação, Funcionalismo, primeira articulação, Tecnologias, Ensino, Ensino Superior e estrutura sentencial. E-mail: [email protected] Maria Lidiane de Sousa Pereira S U M Á R I O Doutoranda e mestre (2016) em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade 359 Estadual do Ceará (UECE). Graduada em Letras/Língua Portuguesa (2014) pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Atua na área de Letras com ênfase em Língua Portuguesa, Linguística e Sociolinguística Variacionista. Atualmente, é membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Sociolinguística de Fortaleza (SOCIOFOR) vinculado a UECE. É colaboradora do Projeto Fotografias sociolinguísticas de aspectos fonológicos e morfossintáticos do falar de Fortaleza- CE. E-mail: [email protected] Rakel Beserra de Macêdo Viana Doutoranda e mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Graduada em Letras Português/Inglês pela mesma instituição, na Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos - UECE/FAFIDAM (2007). Especialista em Gestão Educacional (2009) e em Ensino de Língua Inglesa (2012). Tem experiência no Ensino Básico com desenvolvimento de Projetos de Leitura e Escrita e no Ensino Superior em Educação à Distância. E-mail: [email protected] Raylton Carlos de Lima Tavares Graduando em Letras - licenciatura em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pará. Participa dos grupos DIRE - Pesquisa em Discurso e Relações de poder (CNPq/UFPA) e AFECTO – Abordagens Faircloughianas para Estudos do Corpo/Discurso Textualmente Orientados (UFV). É membro da International Systemic Functional Linguistics Association (ISFLA) e da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN). Tem interesse e realiza pesquisas em Análise de Discurso Crítica (ADC) e Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), com foco nos temas Estudos de gênero social e Estudos queer. Bolsista de pesquisa do PIBIC. E-mail: [email protected] Vilmar Ferreira de Souza S U M Á R I O Possui doutorado e mestrado em Letras (Inglês e Literatura Correspondente) pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC-2011, 2003, respectivamente), especialização em língua portuguesa pela Universidade Regional do Cariri (URCA-1998) e graduação em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC-1995). No momento, atua como Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE-Campus Crateús), bem como Professor do Ensino Superior no Curso de Letras desta Instituição. Atualmente, encontra-se coordenador tanto desse Curso como do 360 Programa Residência Pedagógica (PRP), na mesma IES. Seus interesses de pesquisa incluem a área de Linguística, dos Estudos do Discurso e, mais recentemente, o campo de formação de professores. Outro foco de interesse tem sido pela análise do discurso político per se a partir de práticas discursivas que utilizem a Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), de Michael Halliday, e a Análise Crítica do Discurso (ACD), baseada em Norman Fairclough, como aportes teórico-metodológicos. É líder do grupo de pesquisa GSF-ACD Sertões ? Estudos Interdisciplinares em Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) e Análise Crítica do Discurso (ACD). E-mail: [email protected] S U M Á R I O 361 ÍNDICE REMISSIVO A C alunos 14, 17, 19, 20, 21, 22, 31, 32, 34, 36, 37, 38, 40, 44, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 68, 69, 70, 75, 94, 95, 100, 113, 114, 115, 117, 118, 120, 121, 128, 132, 142, 146, 147, 148, 150, 261, 264, 308, 327, 338, 339, 340, 341, 346 análise 15, 24, 31, 34, 36, 40, 48, 55, 57, 60, 62, 63, 80, 81, 85, 92, 93, 95, 97, 109, 111, 112, 116, 118, 119, 121, 122, 127, 129, 130, 134, 137, 140, 142, 143, 148, 151, 159, 160, 161, 164, 167, 169, 175, 180, 181, 182, 184, 185, 187, 188, 193, 196, 197, 202, 206, 218, 225, 227, 228, 229, 230, 231, 237, 242, 243, 245, 248, 249, 250, 251, 252, 254, 255, 256, 257, 265, 274, 280, 281, 282, 283, 285, 286, 304, 314, 323, 331, 335, 339, 344, 346, 348, 359, 360 aprendizagem 14, 17, 18, 19, 25, 26, 29, 31, 36, 38, 39, 40, 43, 44, 51, 59, 69, 70, 91, 92, 99, 115, 125, 126, 127, 130, 131, 133, 142, 150, 155, 264, 266, 267, 273, 284, 339, 349 aula 17, 18, 19, 20, 21, 23, 25, 26, 27, 30, 34, 35, 37, 38, 39, 62, 76, 79, 89, 94, 95, 97, 105, 113, 123, 124, 125, 127, 128, 129, 130, 131, 134, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 233, 234, 265, 269, 270, 271, 272, 273, 275, 285, 307, 327, 328 capacidade 44, 54, 59, 91, 106, 140, 147, 148, 158, 163, 172, 185, 194, 236, 270 conceito 20, 46, 47, 62, 78, 83, 84, 85, 101, 107, 116, 119, 125, 133, 139, 160, 161, 173, 176, 184, 208, 230, 246, 247, 248, 270, 290, 293, 294, 299, 314, 317, 323, 327, 329, 330, 336, 337, 344 conceitos 11, 16, 20, 29, 46, 54, 76, 78, 79, 81, 89, 91, 104, 106, 111, 120, 121, 129, 133, 134, 142, 157, 160, 167, 173, 176, 182, 201, 204, 212, 213, 217, 226, 230, 242, 248, 252, 255, 278, 281, 290, 293, 294, 296, 308, 309, 313, 320, 322, 323, 325, 326, 328, 330, 333, 335, 346, 347, 348 conhecimentos 16, 17, 18, 28, 29, 40, 54, 68, 89, 91, 93, 102, 109, 113, 115, 130, 132, 134, 135, 186, 188, 257, 263, 270, 276, 281, 295 contexto 10, 17, 20, 35, 40, 48, 57, 79, 82, 86, 89, 93, 100, 101, 102, 105, 125, 126, 127, 132, 134, 135, 137, 138, 139, 142, 147, 152, 153, 157, 160, 165, 166, 167, 168, 170, 172, 173, 177, 178, 179, 180, 181, 183, 184, 185, 192, 193, 203, 210, 217, 218, 219, 228, 243, 258, 260, 261, 262, 268, 271, 277, 278, 279, 290, 293, 306, 307, 308, 312, 320, 323, 326, 327, 328, 329, 330, 332, 333, 334, 337, 339, 340, 341, 342, 343, 345, 348, 349 controle 213, 226, 239, 244, 341 D B S U M Á R I O Diretrizes Curriculares Nacionais 41, 99, Base Nacional Comum Curricular 74, 75, 89, 115, 121 discentes 13 96, 97, 99, 115, 120, 121, 264, 267, 285 362 S U M Á R I O discurso 28, 66, 81, 101, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 116, 117, 118, 119, 120, 122, 130, 134, 155, 161, 163, 178, 179, 180, 182, 188, 189, 191, 195, 211, 212, 213, 225, 226, 227, 228, 229, 230, 234, 235, 236, 237, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 248, 249, 250, 251, 252, 253, 254, 255, 268, 269, 277, 314, 316, 317, 318, 327, 333, 334, 337, 339, 348, 356, 359, 360 docente 16, 17, 20, 21, 22, 23, 28, 31, 34, 36, 37, 39, 40, 42, 44, 45, 46, 79, 97, 129, 137, 139, 146, 149, 150, 151, 153, 354, 355, 356 documentos 28, 44, 45, 59, 99, 115, 118, 120, 257, 267, 268, 275, 281, 283, 284, 285, 306, 307 314, 315, 316, 323, 338, 339, 342, 346, 348, 349, 352, 355, 356 equívocos 99, 277, 292, 312 estágio 13, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 28, 29, 30, 34, 35, 38, 39, 40, 135 Estágio Supervisionado 13, 16 estilos 226, 230, 240, 241, 242, 247, 282, 328 estruturas 44, 49, 56, 57, 60, 69, 100, 135, 141, 188, 207, 227, 229, 231, 232, 233, 234, 236, 237, 238, 239, 240, 248, 337, 342 estudantes 30, 68, 74, 75, 82, 89, 90, 91, 96, 117, 124, 126, 127, 128, 136, 143, 144, 147, 261, 268, 272, 279, 284, 286, 304, 307, 308, 342 estudos linguísticos 10, 48, 49, 157, 160, 166, 168, 197, 202, 204, 280, 297 E F educação 14, 15, 16, 17, 18, 19, 27, 30, 31, 33, 36, 38, 39, 40, 41, 44, 45, 90, 91, 113, 231, 233, 249, 259, 260, 261, 262, 263, 280, 284, 285, 286, 287, 296, 298, 299, 348, 354, 358 emancipação 15, 44, 253 ensaio 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 89, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 198 ensino 10, 12, 14, 15, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 44, 45, 46, 52, 56, 58, 59, 60, 61, 64, 65, 69, 70, 72, 74, 76, 81, 89, 98, 99, 100, 101, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 125, 126, 127, 130, 132, 134, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 214, 216, 257, 258, 260, 262, 264, 265, 266, 267, 273, 274, 275, 277, 280, 281, 283, 284, 285, 286, 287, 288, 289, 290, 292, 293, 294, 296, 297, 299, 301, 303, 306, 313, falante 51, 52, 57, 134, 148, 170, 171, 172, 174, 179, 185, 189, 191, 201, 202, 204, 209, 215, 246, 309 filosofia 157, 159, 160, 164, 167, 168, 182, 193, 194, 195, 196, 198, 211, 213, 338 formação 13, 14, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 28, 29, 31, 33, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 58, 69, 71, 79, 97, 100, 123, 124, 125, 127, 129, 130, 131, 132, 133, 142, 152, 196, 260, 261, 273, 279, 280, 285, 286, 300, 346, 351, 354, 355, 360 G gêneros 61, 64, 70, 74, 75, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 88, 89, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 103, 104, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 127, 132, 179, 226, 230, 240, 241, 242, 247, 248, 266, 272, 276, 279, 282, 322, 335, 336, 337, 338, 339, 340, 341, 342, 344, 345, 346, 347, 349, 355 363 65, 69, 70, 71, 72, 83, 213, 291, 326, 331, 332, 333 Licenciatura 13, 16, 42, 354 língua 10, 12, 16, 24, 26, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 64, 65, 68, 69, 70, 71, 72, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 108, 110, 113, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 132, 134, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 155, 158, 159, 160, 162, 163, 164, 166, 171, 172, 173, 175, 180, 182, 186, 195, 203, 205, 206, 227, 233, 238, 239, 242, 257, 263, 266, 267, 272, 273, 274, 279, 280, 281, 282, 283, 285, 286, 288, 289, 290, 291, H 292, 293, 294, 295, 296, 297, 299, 302, hegemonia 207, 226, 230, 248, 250, 335 304, 305, 306, 307, 308, 309, 311, 312, 313, 314, 315, 317, 318, 323, 324, 326, I 327, 328, 329, 330, 332, 337, 339, 341, identificação 82, 85, 86, 179, 226, 242, 245, 342, 343, 344, 345, 347, 348, 349, 352, 246, 343 356, 359, 360 ideologia 203, 226, 227, 230, 248, 249, língua estrangeira 123, 124, 125, 126, 127, 250, 254, 335, 341 128, 134, 137, 138, 147, 150, 155, 227, implicações 137, 138, 172, 195, 218, 236, 263, 288, 342, 359 255, 290, 293, 294, 306, 342 linguagem 45, 46, 48, 50, 51, 52, 53, 60, intenção 112, 149, 150, 153, 174, 179, 180, 71, 79, 92, 94, 103, 104, 115, 117, 121, 201, 202, 204, 259, 270, 340 139, 140, 146, 148, 149, 150, 154, 157, 158, 159, 160, 162, 163, 164, 165, 166, L 167, 168, 170, 171, 172, 174, 175, 177, leitura 44, 61, 62, 78, 102, 108, 116, 127, 178, 181, 183, 184, 186, 187, 188, 189, 134, 140, 141, 142, 146, 148, 151, 155, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 201, 202, 205, 211, 212, 213, 217, 257, 264, 268, 203, 204, 205, 206, 207, 208, 209, 210, 269, 270, 271, 276, 280, 281, 282, 285, 211, 212, 213, 214, 215, 216, 217, 219, 303, 307, 338, 342, 347, 357 220, 221, 222, 223, 227, 228, 230, 232, Letras 13, 16, 19, 35, 39, 40, 42, 96, 97, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 121, 122, 126, 135, 196, 260, 288, 314, 242, 243, 246, 248, 264, 265, 266, 267, 316, 349, 352, 353, 354, 355, 356, 357, 268, 273, 277, 279, 282, 283, 285, 290, 359, 360, 361 291, 292, 293, 294, 296, 297, 298, 299, léxico 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 300, 301, 302, 306, 307, 309, 311, 312, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 64, gêneros discursivos 61, 70, 98, 99, 101, 104, 106, 108, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 179, 247 gêneros textuais 64, 74, 82, 84, 92, 93, 97, 99, 100, 103, 114, 115, 116, 117, 120, 122, 127, 266, 276, 322, 336, 337, 338, 339, 345, 346, 355 gramática 27, 36, 49, 54, 121, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 134, 136, 137, 139, 141, 142, 143, 144, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 163, 209, 212, 219, 238, 244, 266, 282, 284, 314, 316, 323, 324, 326, 331, 332, 333, 342, 344 Gramática Sistêmico-Funcional 320, 322, 323, 324, 333, 360, 361 S U M Á R I O 364 313, 324, 325, 328, 331, 336, 337, 338, 340, 342, 343, 344, 349, 357, 358, 359 língua portuguesa 12, 16, 24, 26, 43, 44, 45, 46, 57, 59, 60, 61, 64, 65, 69, 70, 71, 72, 98, 99, 100, 101, 113, 115, 117, 118, 119, 120, 134, 266, 267, 285, 286, 289, 330, 356, 360 línguas naturais 59, 171, 294, 295, 320, 322 Linguística 10, 11, 48, 56, 70, 72, 75, 96, 100, 102, 107, 108, 116, 118, 119, 120, 126, 155, 157, 160, 161, 162, 163, 164, 168, 175, 177, 188, 193, 195, 196, 200, 202, 204, 205, 222, 223, 226, 227, 229, 242, 252, 257, 258, 264, 265, 266, 267, 271, 280, 281, 283, 284, 285, 286, 287, 288, 292, 303, 314, 315, 316, 317, 318, 319, 320, 321, 322, 323, 327, 336, 338, 339, 342, 346, 347, 348, 352, 353, 354, 355, 356, 357, 358, 359, 360 Linguística Aplicada 10, 11, 56, 126, 155, 200, 202, 204, 223, 257, 258, 264, 265, 266, 271, 280, 283, 284, 287, 288, 320, 322, 346, 352, 355, 356, 357, 358, 359, 360 Linguística Sistêmico-Funcional 226, 229, 252, 319, 320, 321, 322, 323, 327, 338, 339, 342, 347, 359 livro didático 17, 24, 36, 70, 257, 258, 261, 262, 264, 265, 266, 268, 271, 273, 274, 280, 283, 284, 285, 286, 287, 288, 314 S U M Á R I O 181, 184, 189, 229, 297, 299, 304, 306, 308, 309, 311, 312, 314, 323, 324, 341 multifuncionalidade 226 N norma 50, 51, 100, 272, 273, 277, 278, 283, 289, 290, 291, 292, 293, 294, 296, 297, 298, 299, 300, 301, 302, 303, 304, 305, 306, 307, 308, 309, 310, 311, 312, 313, 314, 315, 316, 318 norma culta 100, 290, 292, 293, 294, 296, 297, 298, 299, 300, 301, 302, 304, 305, 306, 307, 308, 309, 311, 312, 313, 314, 316 norma popular 289, 292, 293, 294, 297, 299, 301, 304, 305, 313 Nova Pragmática 198, 200, 201, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 213, 214, 215, 216, 217, 220, 221, 222, 223, 224, 357 O oralidade 81, 103, 187, 257, 271, 272, 273, 274, 275 P Parâmetros Curriculares Nacionais 41, 45, 59, 70, 99, 101, 113, 120, 263, 267, 268, 315, 317 pesquisa. 74, 75, 88, 92, 216, 219, 220, 223, 255, 338 poder 10, 33, 124, 135, 152, 192, 219, 226, 227, 228, 232, 240, 249, 250, 255, 259, M 260, 261, 280, 305, 307, 314, 333, 338, material 36, 54, 76, 107, 126, 127, 137, 341, 343, 359 139, 141, 145, 146, 149, 150, 152, 153, Pragmática 144, 145, 146, 157, 159, 160, 235, 237, 238, 249, 255, 257, 261, 262, 161, 162, 164, 165, 167, 168, 169, 171, 263, 264, 275, 278 173, 174, 175, 176, 177, 178, 189, 193, metodologias 23, 35, 37, 44, 45, 52, 69, 194, 195, 196, 197, 198, 200, 201, 202, 206, 218 203, 204, 205, 206, 207, 208, 213, 214, modalizações 124, 125, 134, 135, 136, 137, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 143, 144, 151, 152, 153 223, 224, 227, 353, 356, 357, 358 modelo 31, 57, 74, 76, 84, 86, 87, 88, 89, prática 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 93, 95, 96, 136, 139, 141, 150, 167, 179, 25, 26, 27, 28, 29, 32, 34, 35, 36, 38, 39, 365 40, 41, 44, 45, 46, 56, 62, 72, 74, 75, 76, 79, 84, 97, 121, 127, 129, 136, 137, 139, 142, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 159, 175, 181, 186, 193, 201, 204, 206, 214, 221, 234, 235, 236, 237, 248, 249, 251, 259, 260, 263, 264, 274, 275, 276, 284, 301, 309, 311, 327, 333, 334, 341, 346, 347, 349 práticas sociais 10, 15, 60, 84, 117, 127, 130, 186, 226, 230, 231, 233, 234, 235, 236, 237, 239, 240, 245, 248, 252, 340 produção de textos 93, 108, 119, 122, 148, 257, 276, 277, 279, 280, 282 professor 14, 16, 17, 21, 23, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 36, 37, 38, 39, 45, 59, 62, 63, 75, 76, 93, 101, 113, 114, 115, 120, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 132, 133, 135, 136, 137, 141, 142, 143, 152, 153, 155, 255, 264, 283, 324, 327, 342, 354, 355, 358, 359 R S U M Á R I O semiótica 93, 166, 226, 229, 231, 239, 257, 270, 281, 283 sequências didáticas 99, 101, 113, 114, 115, 118, 119, 120 significação 39, 71, 159, 163, 164, 173, 174, 175, 180, 182, 183, 193, 201, 204, 210, 216, 219, 236, 242, 279 significados 10, 44, 59, 60, 135, 140, 170, 219, 226, 230, 240, 241, 242, 243, 244, 274, 321, 326, 331, 333, 335, 337, 340, 341, 343, 344, 347, 349 significados culturais 44, 274 sistema 15, 17, 34, 35, 38, 48, 49, 50, 54, 57, 58, 59, 69, 77, 101, 131, 133, 148, 163, 179, 204, 217, 227, 231, 232, 238, 242, 243, 244, 260, 265, 274, 280, 282, 291, 302, 321, 324, 326, 328, 329, 330, 331, 332, 337, 338, 342 sociedade 11, 14, 15, 19, 20, 22, 35, 40, 41, 46, 47, 53, 56, 58, 75, 113, 131, 133, 178, 186, 201, 218, 221, 224, 234, 237, 250, 251, 253, 261, 275, 276, 282, 283, 297, 298, 299, 304, 308, 314, 317 sociorretórica 74, 76, 81, 97 repertório didático 124, 125, 126, 129, 134, 152 representação 52, 148, 158, 159, 164, 174, 175, 226, 236, 240, 242, 244, 245, 246, 283 T teoria 13, 15, 18, 20, 28, 29, 35, 38, 39, S 40, 54, 56, 57, 76, 78, 79, 82, 85, 89, 97, saberes 16, 21, 40, 41, 42, 52, 103, 123, 99, 107, 110, 114, 118, 120, 122, 135, 150, 124, 125, 126, 128, 129, 130, 131, 132, 161, 163, 165, 166, 168, 172, 173, 175, 133, 134, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 181, 182, 183, 184, 205, 206, 208, 211, 142, 143, 144, 147, 148, 152, 153, 154, 213, 215, 221, 223, 230, 242, 249, 255, 155, 186, 217, 218, 219 266, 298, 311, 322, 324, 325, 326, 329, saberes informacionais 124 333, 335, 337, 338, 339, 341, 343, 344, saberes institucionais 124, 125 346, 347 sala 17, 18, 19, 20, 21, 25, 26, 30, 34, 35, teorias 10, 13, 14, 22, 41, 58, 91, 97, 122, 37, 38, 39, 42, 62, 76, 79, 89, 97, 100, 105, 131, 164, 174, 186, 192, 206, 226, 227, 113, 123, 124, 125, 127, 128, 129, 130, 228, 229, 230, 231, 242, 249, 252, 265, 131, 136, 137, 138, 139, 141, 143, 144, 285, 292, 314, 338, 342 147, 150, 151, 152, 154, 155, 265, 270, V 272, 273, 275, 285, 307, 328 variabilidade 163, 190, 226, 291 366 B C