UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO PERFORMANCES CULTURAIS INTERDISCIPLINAR
Raoni Julian Pablo dos Santos
Larp: Jogo e Experiência Vivida
Linha de Pesquisa: Teorias e Práticas da Performance
GOIÂNIA - GOIÁS
2019
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sistema de bibliotecas ufg
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Assinatur
1
Data:
07 I 02 I 2020
Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A
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não serão disponibilizados durante o período de embargo.
Casos de embargo:
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- Submissão de artigo em revista científica;
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2 A assinatura deve ser escaneada.
Raoni Julian Pablo dos Santos
LARP:
JOGO E EXPERIÊNCIA VIVIDA
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Performances Culturais
Interdisciplinar da Universidade Federal de
Goiás para obtenção do título de Mestre em
Performances Culturais.
Linha de Pesquisa: Teorias e Práticas da
Performance
Orientador: Professor Doutor Daniel Christino
GOIÂNIA - GOIÁS
2019
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do
Programa de Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG.
dos Santos, Raoni Julian Pablo
Larp [manuscrito] : Jogo e Experiência Vivida / Raoni Julian Pablo
dos Santos. - 2019.
LXXXV, 88 f.
Orientador: Prof. Dr. Daniel Christino.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de Ciências Sociais (FCS), Programa de Pós-Graduação em
Performances Culturais, Goiânia, 2019.
Bibliografia.
Inclui lista de figuras.
1. Larp. 2. Perezhivanie. 3. Performances. 4. RPG. 5. Vigotski. I.
Christino, Daniel, orient. II. Título.
CDU 316
RAONI JULIAN PABLO DOS SANTOS
“LARP: JOGO E EXPERIÊNCIA VIVIDA”
Trabalho final de curso de mestrado __________ e _________ em _____ de
fevereiro de dois mil e vinte, pela banca examinadora constituída pelos professores:
__________________________________
Prof. Dr. Daniel Christino
(Orientador e Presidente da Banca)
(UFG – FCS)
__________________________________
Prof.ª Dr.ª Sainy Coelho Borges Veloso
(UFG – FCS)
__________________________________
Prof.ª Dr.ª Gisele Toassa
(UFG – FE)
__________________________________
Prof. Dr. Lisandro Magalhães Nogueira
(UFG - FCS)
Agradecimentos
Agradeço ao Prof. Dr. Daniel Christino por ter aceitado meu projeto e ter me orientado
durante a pesquisa.
Agradeço à Prof.ª Dr.ª Sainy Veloso por ter me motivado desde a graduação e acreditado
em mim, diante de tantas dificuldades.
Agradeço à Prof.ª Dr.ª Edilene Dias Matos por ter me apresentado uma perspectiva poética
sobre os estudos de cultura e sociedade.
Agradeço ao Luiz Falcão e Tadeu Iuama por terem me apresentado perspectivas a respeito
do Larp que ainda eram desconhecidas para mim.
Agradeço à minha falecida tia Lusivane Nascimento dos Santos, vítima de uma condição de
saúde nos últimos dois meses antes de eu encerrar este trabalho, mas que contribuiu desde a minha
infância, me possibilitando conhecer os jogos citados, bem como me ajudando no primeiro ano de
estudo e possibilitando meu retorno a Salvador.
Agradeço aos grandes amigos Charles Lopes Cunha e Caio Lopes, com quem dividi não
apenas as frustrações, mas maior parte das experiências desde nossa infância até este estudo.
Agradeço imensamente a todas as amigas e amigos que estiveram presentes em cada
momento durante essa etapa da minha vida.
Agradeço à minha mãe, por toda atenção e cuidado diante das minhas dificuldades pessoais
e por contribuir em minha formação humana.
Agradeço especialmente ao amigo de longa data e Prof. Me. Wagner Luiz Schmit, por ter
me motivado a continuar a formação e estudar objetos de tamanha complexidade, provocando
reflexões sobre as várias inquietações da vida particular e acadêmica, assim como toda paciência e
confiança por todas as vezes que pensei em desistir.
RESUMO
Este estudo reúne autores e conteúdos interdisciplinares, para o entendimento da
prática de um tipo de jogo, o Larp, como uma atividade imersiva e sob a ótica das
performances culturais. A importância deste estudo se dá ao fato de haver carência
de material científico que crie as conexões entre os estudos do Larp e das
performances. Para isso, a seleção e pesquisa das referências são baseadas em
revisões para se perceber a relação de pensamentos entre autores de maneira
dialética e histórico-cultural. Dessa maneira, o trabalho buscou compreender o Larp
como uma prática recreativa e artística para preencher a carência de material.
Portanto, uma revisão bibliográfica constituída pelo materialismo histórico e
dialético. Os resultados colhidos dessas conexões foram a percepção e conceitos
sobre fenômenos emocionais em ações performáticas. Nas considerações finais, o
caminho escolhido contribuiu para uma relação crítica de como as teorias estão
para além da instrumentalização do objeto. Deste modo, permitindo que o estudo
continue avançando mediante os contextos históricos e culturais observados dentro
de futuras perspectivas.
Palavras-chave: Larp, Perezhivanie, Performances, RPG, Vigotski.
ABSTRACT
This study brings together authors and interdisciplinary content, to understand the
practice of a type of game, Larp, as an immersive activity and from the perspective
of cultural performances. The importance of this study is due to the lack of scientific
material that creates the connections between Larp studies and performances. For
this, the selection and research of references are based on reviews to understand
the relationship of thoughts among authors in a dialectical and historical-cultural way.
In this way, the work sought to understand Larp as a recreational and artistic practice
to fill the shortage of material. Therefore, a bibliographic review constituted by
historical and dialectical materialism was selected to make this research possible.
The results obtained from these connections were the perception and concepts
about emotional phenomena in performance actions. In the final considerations, the
chosen path contributed to a critical relationship of how the theories are beyond
instrumentalizing the object. This allows the studies to continue advancing through
the historical and cultural contexts observed within future perspectives.
Keywords: Larp, Perezhivanie, Performances, RPG, Vigotski.
Lista de Figuras
Figura 1. Jogo de tabuleiro Hero Quest ............................................................................................ 16
Figura 2. Primeiro livro didático de RPG ........................................................................................... 17
Figura 3. Livro de RPG do tipo Aventura-solo ................................................................................... 18
Figura 4. Revistas de RPG .................................................................................................................. 18
Figura 5. Magic: The Gathering ......................................................................................................... 19
Figura 6. Manual de RPG................................................................................................................... 19
Figura 7. Círculo de transformação ................................................................................................... 31
Figura 8. Sete Esferas de Schechner ................................................................................................. 38
Figura 9. Larp - Koikoi........................................................................................................................ 73
Figura 10. Larp - Koikoi...................................................................................................................... 74
Figura 11. Larp - Koikoi...................................................................................................................... 75
Figura 12. Larp - Koikoi...................................................................................................................... 76
Figura 13. Larp - Koikoi...................................................................................................................... 77
SUMÁRIO
RESUMO ..................................................................................................................................... 5
ABSTRACT ................................................................................................................................. 6
SUMÁRIO .................................................................................................................................... 8
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 12
2.
1.1.
TRAJETÓRIA PESSOAL...................................................................................... 15
1.2.
CONTATO COM LARP ............................................................................................... 20
PERFORMANCE.............................................................................................................. 22
2. JOGOS .................................................................................................................................. 33
2.1.
RPG ......................................................................................................................... 41
2.2.
LARP ........................................................................................................................ 48
3. CONCEITOS DE EXPERIÊNCIA ...................................................................................... 60
4. EXPERIÊNCIAS EM LARP................................................................................................ 67
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 79
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 83
INTRODUÇÃO
Este trabalho, de modo geral, está direcionado para um entendimento do Live
Action Role-Playing (LARP), como um tipo de performance cultural. O principal
questionamento deste estudo foi sobre como reconhecê-lo e explicá-lo, diante de
suas características e como elas foram abordadas de diferentes maneiras por uma
variedade de autores selecionados no desenvolvimento da pesquisa. Uma busca
sobre quais fenômenos configuram essa prática com nome não muito familiar,
sendo social, e como esta atividade envolve emocionalmente seus praticantes. Por
já apresentar uma relação popularizada do título enquanto nome próprio, o termo
“Larp” não será apresentado no decorrer do texto enquanto siglas.
Para iniciar esse reconhecimento, foram necessárias as considerações a
respeito da dinâmica de estudos já realizados acerca do que é Larp e sua
historicidade dentro das sociedades que o praticam. Estas, com suas respectivas
tradições, rituais, hábitos, costumes e possibilidades, formam uma trama de saberes
e experiências que adentram na transdisciplinaridade. Com isso, a busca por um
conhecimento cada vez mais palpável para os estudos de jogos: a ludologia – o
campo no qual esta atividade está logicamente localizada – poderia tornar-se
interpretável como performances culturais que difere da performance de uma
máquina ou a performance de atletas, por exemplo.
O ponto de partida, portanto, iniciou-se com dúvidas sobre o que é Larp para
além de experiências pessoais e como este pode ser estudado dentro dos cânones
acadêmicos. Portanto, Larp é, antes de tudo, um jogo de interpretar personagens,
um jogo de faz de conta. É comum que o Larp seja comparado com as brincadeiras
que realizamos na infância, sob a companhia de familiares e amigos, quando a
imaginação permite transformar sofás em penhascos e o piso em lava de vulcão ou
que a sala de casa seja um consultório médico. Larp é um jogo de representação
em que todos são atores de uma experiência desenvolvida durante o jogo, sem
roteiro, mas com um tema escolhido como regra implícita. É comum que Larps
sistematizados se aproximem de práticas rituais e teatralizadas, como o uso de
figurino, cenografia, sonoplastia e recursos comuns a uma estrutura desenvolvida
para performatizá-lo.
Há
uma
ampla
distinção
entre
os
campos
abordados
pela
transdisciplinaridade dos estudos de performance. Todavia, quando se remete à
12
cultura, há um filtro que direciona o envolvimento desta área de conhecimento com
interações sociais e referenciais simbólicos.
A importância deste estudo se dá ao fato de que maior parte do que é
desenvolvido, acerca do Larp dentro da academia, costuma ser instrumentalizado,
como aplicação do Larp para o preparo de atores, aprendizado de alguma disciplina
etc. A falta de material revisado, conectando as referências selecionadas, tanto
dentro dos estudos de jogos como de performance, é o principal motivo pelo qual
esta pesquisa se desenvolve pelos modelos trabalhados nela.
Os Role-Playing Games (RPG) são jogos que dividem espaços entre a
cultura pop midiatizada e a cultura popular das brincadeiras de faz de conta.
Tabuleiros, miniaturas, dados, livros se tornaram comuns para identificação de
alguns tipos de jogos presentes no “guarda-chuva” que forma a sigla, englobando
artes visuais baseadas em fantasias, fossem elas medievais ou futuristas, o
consumo de músicas temáticas, vestuário e acessórios que passaram a compor a
identidade de quem joga. Mas um tipo específico RPG tem particularidades que
dialogam performaticamente como arte, como linguagem, como jogo: o Larp, o
principal objeto desta pesquisa.
Desta forma, o objetivo geral deste estudo é preencher parte da carência de
material que tratam do tema, estudando o Larp por ele mesmo, sendo uma prática
recreativa e artística.
A metodologia para o desenvolvimento desta pesquisa consistiu de utilizar
como método as trajetórias de exposição fenomenológica e conceitual do RPG
(Role-playing Games) e do LARP, que estarão necessariamente articuladas com a
trajetória pessoal do próprio autor, sem perder a objetividade exigida ao trabalho
acadêmico. A experiência individual do pesquisador, em estudos de performance
desta natureza é, ao mesmo tempo, tanto uma necessidade metodológica quanto
um imperativo de honestidade intelectual. Minha experiência como jogador de RPG
e de LARP é meu principal guia na leitura dos textos e no exercício de encontrar
pertinências entres estes textos teóricos no campo da performance e meu objeto de
estudo. Assim boa parte do esforço de realização deste trabalho encontra-se
exatamente em medir a distância exata entre a experiência subjetiva e a análise
conceitual do fenômeno em sua materialidade, construindo uma teia de novos
sentidos que permitem avanços teóricos e performáticos.
13
Na introdução, um breve apontamento sobre o Larp e uma trajetória pessoal
de como cheguei a ele como objeto de pesquisa, dentro dos estudos de
performance. No primeiro capítulo há um entendimento do que é performance,
partindo dos conceitos de Richard Schechner, Erving Goffman e Victor Turner. No
segundo capítulo, uma abordagem sobre as definições de jogos sob o olhar de
Johann Huizinga, Roger Caillois e Franz Mäyrä, tendo um levantamento histórico
dos jogos de RPG por Michael Tresca e chegando ao Larp, com as definições de
Luiz Falcão, Jaakko Stenros e Markus Montola. No terceiro capítulo, uma
abordagem sobre os conceitos de experiência, novamente sob a ótica dos autores
dos estudos de performance, especialmente Turner, mas tendo foco na visão de
Lev Vigotski, criador do conceito que explica o fenômeno, de mesmo nome,
perezhivanie. No capítulo quatro, os estudos se direcionam para as experiências
em Larp, partindo das discussões abordadas por Mike Pohjola, Jaakko Stenros e
Erik Fatland.
14
1.1.
TRAJETÓRIA PESSOAL
O tRPG (Tabletop Roleplaying Game), modalidade de RPG popularmente
conhecida como RPG de Mesa, foi o principal meio pelo qual o Larp foi
massivamente disseminado na cultura pop lúdica, especialmente pela indústria
editorial. O tRPG, como tipo de RPG mais popular no Brasil, ao lado dos atuais
jogos digitais, é um tipo jogo cujas regras são indexadas e documentadas em livros
conhecidos como módulos básicos, normalmente o conjunto de regras que
compõem a estética de um tipo de RPG é chamado de sistema. O contato obtido
com esse tipo de jogo desde a infância e como foi praticado em certos contextos
formou uma trajetória e interesses até este presente estudo e como a investigação
mediada por experiências pessoais permitiram uma observação crítica das
definições de performance, este tipo de performance formou e motivou um
repertório cultural pessoal.
Assim como a maioria das pessoas que jogam Larp, meu contato com a
prática foi mediado pelo tRPG, card games (jogos temáticos de cartas ilustradas) e
board games (jogos de tabuleiro). O primeiro contato foi com o jogo de tabuleiro
Hero Quest1 (Figura 1), com um tema de fantasia, terror e aventura baseado em
mitos de mortos-vivos, seres mágicos e ausência de tecnologia avançadas,
motivando jogadores a resolver conflitos com o mínimo de recursos, dadas as
regras comuns a esse tipo de jogo.
LUDOPEDIA. Hero Quest foi um jogo criado pela Milton Bradley Company (fundada por Milton
Bradley, vendida para a Hasbro em 1984 e posteriormente incorporada pela mesma) juntamente
com a Games Workshop em 1989 numa tentativa de aproximar jogos de tabuleiro ao estilo dos jogos
de RPG. (...) Heroquest foi criado seguindo esta linha de raciocínio, mas simplificando as regras para
se tornar adaptável aos jogadores de tabuleiro. Heroquest foi inicialmente lançado em 1989 no Reino
Unido e apenas 1 ano depois foi lançado nos EUA. O jogo veio a ser lançado no Brasil apenas em
1994 pela Estrela (...). Disponível em: <https://www.ludopedia.com.br/jogo/heroquest>. Acesso em
Jun. 2018.
1
15
Figura 1. Jogo de tabuleiro Hero Quest
Fonte: Dias, 20172.
Posteriormente, ao passar a consumir este tipo de mídia, me deparei com
uma nova descoberta: “livros-jogo” - Livros no formato de bolso com uma narrativa
cuja interação com leitores se baseiam em aventuras-solo (de um único jogador),
com decisões diversas que avançam para outras páginas até atingir uma gama de
encerramentos da aventura. Especificamente, o contato com os livros-jogo de RPG
(Figura 2), da Editora Scipione. Estes livros eram parte complementar dos livros
didáticos de professores da rede pública de ensino, dos quais cada um tinha uma
temática referente à disciplina da qual o livro didático se tratava. Por exemplo: O
livro-jogo de ficção científica, em um futuro super tecnológico, acompanhava o livro
de química e física do professor.
Disponível em: <https://medium.com/@douglaspicapau/de-hero-quest-at%C3%A9-j%C3%B3iada-alma-362ef18261f3> Acesso em: 28 jul. 2018.
2
16
Figura 2. Primeiro livro didático de RPG
Fonte: Rios e Gonçalves, 19993.
O segundo contato com este tipo de mídia se deu por uma frequência em
bibliotecas e livrarias, desde a infância. No caso, o livro Cidadela do Caos4 (Figura
3), e revistas especializadas, como a Dragão Brasil (Figura 4), naquele momento da
Editora Trama. O contato com este material mediou o consumo de outros produtos,
como os jogos de carta Magic: The Gathering5 (Figura 5) e livros tradicionais de
tRPG (Figura 6).
Disponível em: < https://seboemnomedarosa.blogspot.com/2015/05/jogod-de-rpg-6-serieportugues-em.html> Acesso em: 28 Jul. 2018.
4
The Citadel of Chaos (A Cidadela do Caos em português) é o segundo livro-jogo da coleção Fighting
Fantasy (que no Brasil e em Portugal recebeu o nome de Aventuras Fantásticas), escrito por Steve
Jackson e ilustrado por Russ Nicholson publicado originalmente em 1983 pela Puffin Books, em
2002, foi republicado pela Wizard Books. Foi o primeiro livro-jogo da série a ser publicado no Brasil
pela editora Marques Saraiva. (Fonte: Wikipedia)
3
WIKIPEDIA. Magic: the Gathering, M: TG, MTG ou simplesmente Magic, é um jogo de cartas
colecionáveis (TCG, Trading Card Game) baseado em turnos, criado por Richard Garfield, no qual
os jogadores utilizam um baralho de cartas construído de acordo com o seu modo individual de
jogo para tentar vencer o baralho adversário. Disponível em: <
https://pt.wikipedia.org/wiki/Magic:_The_Gathering>. Acesso em: Jun. 2019.
5
17
Figura 3. Livro de RPG do tipo Aventura-solo
Fonte: NerdsVsNerds, 20136.
Figura 4. Revista de RPG
Fonte: Garotas Geeks, 20167
Disponível em: < http://www.nerdsvsnerds.com/2013/06/inserts-escolha-sua-aventura-ou.html/>
Acesso em: 28 Jul. 2018.
7 Disponível em: < http://www.garotasgeeks.com/direto-tunel-tempo-revista-dragao-brasil/> Acesso
em: 28 Jul. 2018.
6
18
Figura 5. Magic: The Gathering
Fonte: Autor.
Figura 6. Manual de RPG
Fonte: Autor.
Uma vez experimentando estas mídias, ao frequentar lojas especializadas e
eventos, foi iminente a expansão da rede de contatos e amizades, possibilitando
novas experiências, como o Larp.
19
1.2.
CONTATO COM LARP
Desde a infância, brincadeiras de faz de conta sempre foram um grande
atrativo a quem escreve este estudo, permitindo que o contato com os jogos de
RPG abrisse maior relação com esses tipos de prática. Então, atividades plurais
como contação de histórias ou simulações ganharam novos sentidos e maneira pela
qual essas experiências passaram a contribuir geraram curiosidades sobre um
curso oferecido pelo corpo de bombeiros para brigada de incêndio, realizado
durante a graduação de design gráfico, em 2008, mesmo ano em que ocorreu um
evento internacional chamado Dia-D RPG, promovido por grandes editoras para
reunir jogadores e demais consumidores de jogos de tabuleiro, cartas, tRPG, Larp
e outros jogos. Uma vez participando de redes sociais já populares na época, o
contato com grupos de outro estado ampliou a rede de amizades e o contato com
mais experiências, assim facilitando um deslocamento realizado para a cidade de
Londrina, na região sul do Brasil. Meio a esta ocasião, houve o primeiro contato com
um pesquisador de grande importância para este atual estudo: o psicólogo Wagner
Schmit, que já pesquisava jogos de RPG (SCHMIT, 2008), sob a ótica vigotskiana,
bem como o fenômeno e conceito perezhivanie (SCHMIT, 2018) e a importância
deste objeto para a compreensão de práticas lúdicas e artísticas como parte da
formação da consciência. Para Schmit (2018), Vigotski formou o conceito para
explicar o fenômeno e a aplicação do estudo deste fenômeno contribui enquanto
método para facilitar a compreensão da formação de personalidade quando se
experimenta vivências, como nas brincadeiras de faz de conta, jogos de RPG e
principalmente o Larp.
A palavra perezhivanie (lê-se perejivâne) deriva do idioma russo, diversas
vezes traduzida como experiência emocional. Mas, para definir o que é
perezhivanie, precisamos identificar perezhivanie o sentido dado à palavra em seu
determinado contexto. No artigo Perezhivanie as a Phenomenon and a Concept:
Questions on Clarification and Methodological Meditations, de 2016, Nikolai Veresov
(2016, p. 2) explica a definição do fenômeno perezhivanie a partir dos textos
originais do Vigotski de 1931, editados por Veer e Valsiner (1994, pg. 340-341):
Essa definição foi retirada de um Dicionário Psicológico e reflete o
significado tradicional clássico do termo perezhivanie como existia na
psicologia da época. Esse significado abrange uma variedade de
fenômenos psicológicos; é uma noção, uma definição fenomenológica. No
entanto, o importante é que a mesma palavra possa significar um processo
(ato, atividade) e um conteúdo; em outras palavras, perezhivanie é ‘Como
20
estou experimentando algo’ e ‘O que estou experimentando’. Por exemplo,
em The Problem of Environment (1994), Vygotsky define perezhivanie
como “como uma criança se torna consciente, interpreta e se relaciona
emocionalmente com um certo evento”
Veresov (2016), em seguida, no seu mesmo artigo, também explica
brevemente a definição do conceito Perezhivanie, tendo como base a mesma leitura
do texto The Problem of the Enviroment, nas palavras do Vigotski (1994) de que
“perezhivanie é um conceito que nos permite estudar o papel e a influência do
ambiente no desenvolvimento psicológico das crianças pela análise das leis do
desenvolvimento”. Em reforço, Veresov (2016, p. 2) pontua a maneira radical de
como perezhivanie ganha uma abordagem bem diferente quando apresentada
como conceito, pois:
Em primeiro lugar, perezhivanie é apresentada como um conceito, não
como uma noção ou uma definição. Em segundo lugar, é apresentada em
relação ao processo de desenvolvimento. Em terceiro lugar, está
relacionada com o papel do ambiente no desenvolvimento. E, finalmente,
tem uma forte referência às leis psicológicas do desenvolvimento.
De acordo com Veresov (2016), ao estudar perezhivanie como fenômeno em
diversas etapas da sua vida, muito da dedicação de Vigotski se deu com o trabalho
teatral desenvolvido pelo dramaturgo Stanislavski. Stanislavski costuma ser
conhecido por seus exercícios imersivos para performance teatral. A aproximação
entre uma prática totalmente performática da arte, como o teatro, passa a
aprofundar o assunto do estudo trazido até esta etapa. Logo, para observar as
similaridades presentes nestas práticas e no Larp, é necessário um entendimento
do que é performance, para não haver confusão sobre como as terminologias são
aplicadas, bem como as definições de ritual, fenômenos de transporte e
transformação, liminaridade e como os jogos são localizados dentro dos estudos de
performance.
A importância do contato de Vigotski com Stanislavski se dá também na
relação de como autores do campo da performance vão analisar fenômenos de
experiência, transporte e transformação sob o ponto de vista da dramatização. Os
autores selecionados especialmente para abordar os estudos de performance
possuem uma forte ligação com os conhecimentos sobre teatro ou pelos aspectos
emocionais e sociais de como esta prática é observada na sociedade.
21
2. PERFORMANCE
Existem muitas dúvidas sobre as definições de performance dentro da
academia. Quando nos apropriamos dessa palavra, quais significados damos a ela?
No nosso uso comum, muitas das nossas experiências transmitem o sentido gerado
pela palavra performance quando nos remetemos a um processo de qualidade,
desempenho, de máquinas, softwares e pessoas. O funcionamento, o estado, a
ação desempenhada pode ser chamada de performance. Algumas vezes esportiva,
outras vezes artística, outras vezes pela maneira virtualizada ou física que uma
máquina desenvolve algo, como um computador com aplicações gráficas em
atividade para gerar um vídeo de alta qualidade ou um carro realizando uma curva
em determinada velocidade. Performances fazem parte do nosso dia a dia, do nosso
cotidiano. Mas como entendê-las?
Para entender performances, costuma-se estipular, nivelar algo, estabelecer
um ou mais padrões. Para sabermos se a qualidade do salto de um atleta foi boa
ou não, nivelamos esse salto a partir de outros. Performances artísticas algumas
vezes costumam ser niveladas pelo grau de presença do corpo e a maneira como
este inquieta algum padrão imposto ao mesmo - sejam por limites físicos, biológicos,
morais, tecnológicos ou mesmo culturais.
Performances popularmente conectam-se com resultados, objetivos. Mas
também a ações, proezas, processos de se realizar algo. Nos limites humanos,
performances são também maneiras de avaliarmos como desempenhamos algo
que aprendemos, treinamos, exercitamos. Performances podem ser artísticas e o
Larp também faz parte desse tipo de prática, tal qual o teatro, o happening, a dança,
a música, artes visuais entre outras. Muitas dessas práticas passam por treinos,
métodos, maneiras de se exercitar para que a performance alcance ou supere
marcas qualitativas, em especial ao seu juízo estético e como o discurso constrói
um pensamento transformador em quem participa da prática. Neste caso, entendese a performance pelas suas origens etimológicas: per/formar, para além da forma,
um tipo de expressão realizada por completo. Performance também se relaciona a
práticas do cotidiano, aprendidas mediante a cultura, o contexto pelo qual pessoas
se conectem mediante práticas comuns que tanto os identifiquem como estejam em
elementos normativos, éticos, morais e muito mais. A performance está na escrita,
22
na leitura, no hábito de cumprimentar, de se sociabilizar, de se realizar algo para
alguém, por exemplo. Segundo Richard Schechner (2006, p. 29):
(...) para realizar arte, isto envolve treino e ensaio. Mas a vida cotidiana
também envolve anos de treino e de prática, de aprender determinadas
porções de comportamentos culturais, de ajustar e atuar os papéis da vida
de alguém em relação às circunstâncias sociais e pessoais.
Para compreender o que são performances são necessários estudos sérios
sobre o tema. Durante anos diversos estudiosos de diferentes disciplinas dedicaram
seus olhares para se aprofundarem nesse campo de conhecimento. Antropólogos,
teatrólogos, psicólogos, sociólogos, historiadores entre outros. As performances
são práticas, e uma vez estudadas, teorizadas, estas passam a ser objeto de estudo
de áreas que pensam o comportamento humano e seus efeitos individuais,
comunitários e até antropomórficos. A materialidade dos estudos de performance é
ampla o suficiente para abranger uma multidisciplinaridade. Para compreender este
objeto de estudo, Schechner (2013, p. 2), antes de tudo, explica que performances
são ações e organizou quatro caminhos que identificam o campo de estudo das
performances:
Primeiro, comportamento é o "objeto de pesquisa" dos estudos de
performances. (...) seu foco é dedicado ao "repertório", ou seja, as
atividades realizadas pelas pessoas. Segundo, a prática artística é uma
grande parte do projeto dos estudos de performances. (...) A relação entre
estudar e fazer performance é integral. Terceiro, o trabalho de campo como
"observação participante" é um método muito valorizado, adaptado da
antropologia e usado de uma nova maneira. Na antropologia, na maioria
das vezes, a “cultura doméstica” é ocidental, o “outro” não ocidental. Mas,
nos estudos de performances, o "outro" pode fazer parte da própria cultura
(não ocidental ou ocidental), ou mesmo de um aspecto do próprio
comportamento. (...) Quarto, segue-se que os estudos de performances
estão ativamente envolvidos em práticas e advocacia sociais. Maioria dos
estudiosos de performances não possuem aspiração à neutralidade
ideológica. De fato, uma afirmação teórica básica é que nenhuma
abordagem ou posição é "neutra". Não existe algo que seja imparcial. O
desafio é tornar-se o mais consciente possível das próprias posições em
relação às posições dos outros - e depois tomar medidas para manter ou
mudar de posição.
Os tipos de performances são diversos. Schechner (2013) alega que a
performance se apresenta de acordo com o que estiver ao alcance humano, como
rituais,
jogos/brincadeiras/esportes,
entretenimento
popular,
performances
artísticas e performances do cotidiano mediadas por normas sociais, profissionais,
de gênero, de raça, de classe de mídias etc. O autor supracitado forma críticas ao
modelo colonizador pelo qual o olhar científico reforçou por muito tempo o que é e
23
o que não é performance. Nas palavras do próprio Schechner (2013, p. 2), “a noção
subjacente é que qualquer ação que está enquadrada, promulgada, apresentada,
realçada, ou exibida, é uma performance.”
Os estudos de performances precisam sempre ser identificados como um
campo independente, transdisciplinar. E, neste aspecto, os caminhos disciplinares
que se cruzam permitem que os estudos de performance transitem em áreas
completamente distintas, mas com objetos de estudo complementares que
perpassem por trajetórias que exijam tal pluralidade, como fez um dos principais
autores selecionados para este estudo: Vigotski. Ainda que seus estudos sejam
aprofundados no decorrer deste estudo, tratar a transdisciplinaridade e as
transformações possíveis de uma gama de conhecimentos permitiu que Vigotski
utilizasse conhecimentos de linguística, direito, história, artes, antropologia,
psicologia, filosofia e outros que se desdobraram na construção do conceito que
explica o fenômeno presente em práticas performáticas: Perezhivanie, um objeto de
estudo muito próximo ao que pensadores aqui selecionados conectam com suas
pesquisas sobre performances.
E isso também representa um conjunto de abordagens metodológicas das
áreas de conhecimento que estudam as performances e que formam conceitos para
explicar fenômenos sociais que se desdobram nas culturas. É o caso das
Performances Culturais. De acordo com Camargo (2013), o termo foi designado
cientificamente pela primeira vez em 1955, entre diálogos do antropólogo e
psicólogo Milton Singer com o sociólogo e etnolinguista Robert Redfield. Enquanto
conceito, Performances Culturais buscam entender as culturas pelo que estas
produzem. Como método, Performances Culturais realizam comparações sobre o
que é produzido culturalmente. Performances Culturais, por meio das conexões,
diálogos, materialidades, divergências, entre outras qualidades que se manifestam
nas ações humanas, permitem compreensões críticas para envolver teorias sobre
os efeitos dessas ações.
De acordo com Schechner (2013), pessoas podem praticar mais de um tipo
de performance ao mesmo tempo. Por exemplo, um jogador de futebol enquanto
atleta realiza um gol, em seguida ele realiza uma comemoração com uma dança ou
destacando o uniforme do time para torcida. Também quando um Larp está sendo
jogado e personagens participam de uma festa na qual dançam coreografias que
24
participantes aprenderam em suas vidas cotidianas fora do jogo. Qualquer ação
desempenhada no universo de jogo, que não seja parte da regra explícita, mas que
esteja socialmente como uma norma implícita, pode se configurar como
performance dentro ou alinhada paralelamente a outra performance. Neste caso,
considerando a relação de jogo com regras, distinto do processo pelo qual surge a
brincadeira, cujas regras estão implícitas naquilo que ela esteja imitando.
Nas palavras de Victor Turner (1982, p. 13), a etimologia de "performance"
não possui relação com "forma", mas deriva do francês antigo parfournir, que
significa "completar" ou "executar completamente". Portanto, segundo o autor,
performance é “o final apropriado de uma experiência”. Schechner e Turner se
conheceram e trocaram muitas experiências do que conhecemos hoje como parte
dos estudos de performances. Pelos estudos da dramaturgia, Schechner observou
na sociedade uma conexão com a teatralidade, tal qual Turner observou a relação
dos rituais no cotidiano, à medida que é possível observar culturas nas ações de
uma pessoa, seus gestos, suas falas e a maneira como suas interações simbólicas
destacam essas conexões. A teatralidade, os rituais e os jogos possuem muito em
comum, pois o conjunto de normas explicitas e implícitas dos jogos constroem
eventuais padrões que distanciam o performer de sua realidade comum, permitindo
que este desempenhe um papel específico dentro de um dado contexto, o que está
sendo jogado. Os procedimentos de entrada para o jogo regulam o nível de imersão
no processo e como os resultados transformam a realidade de quem participou, seja
por um jogo de regras colaborativas ou competitivas.
Ao considerar a importância dos estudos antropológicos de Turner e
dramatúrgicos de Schechner, cabe reforçar sobre suas contribuições teóricas para
base metodológica multidisciplinar das Performances Culturais. Schechner (2013)
cita Stern e Henderson (1993) em uma breve explicação sobre esse campo de
estudo performances culturais e como identificamos o que são essas performances:
O termo performance incorpora todo um campo de atividade humana. Ela
abrange um ato verbal na vida cotidiana ou uma peça teatral, um ritual de
inventividade nas ruas urbanas, uma performance nas tradições ocidentais
da alta arte ou uma obra de arte performática. Inclui apresentações
culturais, como a narrativa pessoal ou contos populares e de fadas, ou
formas mais comuns de cerimônia - a Convenção Nacional Democrática,
uma marcha de vigília prolongada para pessoas com AIDS, Mardi Gras ou
uma tourada. Também inclui performance literária, celebração da
genialidade individual e conformidade com as definições ocidentais da arte.
Em todos os casos, um ato de performance, de natureza interacional e
25
envolvendo formas simbólicas e corpos vivos, fornece uma maneira de
constituir significado e afirmar valores individuais e culturais.
Uma outra maneira de entender o olhar de Schechner sobre o conceito de
performance é quando este recorre a Goffman (2006, p. 29) para uma breve
explicação do que se trata seu objeto de estudo alegando que “uma performance
pode ser definida como toda e qualquer atividade de um determinado participante
em uma certa ocasião, e que serve para influenciar de qualquer maneira qualquer
dos participantes.”
A importância dos estudos de Goffman (2006/1956) se dá ao fato deste
construir uma interpretação da vida cotidiana como uma metáfora de um palco
dramático, um teatro imaginário. De tal maneira que é possível compreender como
nos apresentamos socialmente com práticas análogas a uma atuação artística. Por
essa razão é possível compreender um aspecto do drama social pelo olhar de
Goffman um processo que aproxima o faz de conta, a experiência vivida e como a
construção de emoções permeia o processo de conduzir os interesses dos
presentes mediante um dado contexto, tal qual o Larp e como as interações
simbólicas se tornam a chave para avanços do que estiver em experiência.
De modo mais objetivo, para Goffman (1956), tendo o mundo como palco,
nossas ações ocorrem em cenários, onde se contextualizam os limites das ações
performatizadas por sujeitos que se configuram como atores e/ou plateia. Diante
desses cenários, tais sujeitos se expressam por padrões, como estereótipos, para
formar a imagem que querem que os outros tenham de si, assim formando papéis
que se escolhe desempenhar no dado contexto. Goffman (1956, p. 23) explica os
conceitos de enquadramento e fachada, como equipamentos expressivos de tipos
padronizados, intencional ou inconscientemente, empregados pelos indivíduos
durante suas representações.
Ao considerar as diferentes experiências em diálogo com o cenário, cabe a
nós compreendermos, que assim como um jogo, o contexto tem começo, meio e
fim, numa relação de fachadas como máscaras para distintas situações. Para o
Larp, isso incorpora o processo imersivo de viver o papel e trocas de experiências
com demais participantes. Uma vez que, no Larp, espectador e performer estejam
vivendo a experiência de “palco” de modo mais participativo, pretendo analisar a
teoria do Goffman pensando o Larp também como metáfora da vida cotidiana.
26
A exemplo, a maneira como Schechner (2011, p. 26) configura a trajetória de
aprendizado dos nossos comportamentos, compreender o que há de comum entre
as performances e seus fenômenos é observar como se dá o processo imersivo e
transformador:
(...) todas as performances compartilham pelo menos uma qualidade: o
comportamento em performance não é livre e fácil. O comportamento em
performance e/ou o comportamento praticado é conhecido
antecipadamente ou ensaiado ou aprendido previamente ou aprendido por
osmose desde criança ou, ainda, revelado durante a performance pelos
mestres, gurus, guias, ou pelos mais velhos, ou gerado através de regras
que determinam os resultados, como no teatro improvisado ou no esporte.
As regras de uma dada sociedade, em um dado momento, configuram como
sujeitos constroem suas trajetórias diante das interações sociais e como formam
significado mediante tais práticas. Desde a infância, somos formados pela repetição
de práticas que automatizamos, naturalizamos no nosso cotidiano. Durante práticas
de performance, fenômenos de transporte e transformação retiram o participante de
um recorte de sua realidade para novos recortes. A experiência vivida pode
provocar rupturas com o sentido de realidade ou rotinas comuns a sujeitos. Goffman
(1956, p. 10), por exemplo, compreende a imersão da seguinte maneira:
(...) encontramos o performer que pode ser totalmente imerso por seu
próprio ato; ele pode estar sinceramente convencido de que a impressão
de realidade que ele encena é a verdadeira realidade. Quando seu público
também está convencido sobre o espetáculo que ele encena - e este
parece ser o caso típico - então, no momento, de qualquer maneira,
apenas o sociólogo ou uma pessoa socialmente insatisfeita terá dúvidas
sobre o “realismo” do que é apresentado.
O antropólogo Victor Turner (2005a, 2005b) estudou a performance sob a
concepção dos ritos de passagem, diante de conceitos desenvolvidos por van
Gennep, outro antropólogo que aprofundou seus estudos a respeito dessas
práticas. Em suas pesquisas, Turner compreendeu que os ritos de passagem estão
presentes no nosso cotidiano, tal qual para povos autônomos, ainda que as
finalidades sejam o fenômeno de transporte. A relação de ritual, tanto presente em
uma rotina diária de um grupo como em momentos antes do início de uma partida
de um jogo possui muito mais coisas em comum, quando observamos a
configuração do rito de passagem em um dado contexto performático, conforme
Turner (2005, p. 137):
Ritos de passagem existem em todas as sociedades, mas tendem a
alcançar a sua expressão máxima nas sociedades de pequena escala,
relativamente estáveis e cíclicas, onde a mudança está em estreita
27
correlação com as recorrências e ritmos biológicos, muito mais do que com
as inovações tecnológicas. Tais ritos indicam e constituem transições entre
estados. Por “estado”, entendo aqui, 'uma condição relativamente fixa ou
estável', e tenderia a incluir, no seu significado, certas constantes sociais,
como estatuto legal, profissão, cargo público ou ocupação habitual,
posição ou categoria. Considero que o termo designa, também, a condição
de uma pessoa tal como é determinada pelo seu grau de maturidade
culturalmente reconhecido, como quando se fala do “estado de casado ou
solteiro” ou do “estado de infância”. O termo “estado” pode aplicar-se,
igualmente, às condições ecológicas, ou à condição física, mental ou
emocional em que uma pessoa ou grupo se encontra num determinado
momento.
Schechner (2011) também possui uma compreensão sobre as referências de
estado e fenômeno de transporte, comum a Goffman (1956) e Turner (2005),
podendo ser observado de maneiras específicas ou amplas, dado o contexto de
uma prática performática. Schechner (2011) chama de “mundo performativo” (pg.
163), o que é observável em vários autores como parte do fenômeno de transporte,
como Huizinga (2000, p. 13), que também aplica a referência de um “círculo mágico”
durante a relação imersiva de um jogo e como seus participantes são transportados
e transformados:
O caráter especial e excepcional do jogo é ilustrado de maneira flagrante
pelo ar de mistério em que frequentemente se envolve. (...) Dentro do
círculo do jogo, as leis e costumes da vida quotidiana perdem validade.
Somos diferentes e fazemos coisas diferentes. Esta supressão temporária
do mundo habitual é inteiramente manifesta no mundo infantil, mas não é
menos evidente nos grandes jogos rituais dos povos autônomos.
De maneira complementar, Schechner (2011, p. 163) exemplifica parte do
processo subjetivo e imaginativo durante o fenômeno de experiência de jogo, o
círculo de jogo e círculo mágico, sob a perspectiva do processo de transformação:
O performer vai do ‘mundo habitual’ ao ‘mundo performativo’, de uma
referência de tempo/espaço à outra, de uma personalidade à outra ou às
outras. Ele interpreta um personagem, luta com demônios, entra em
transe, viaja pelo céu, ou pelo oceano, ou pela terra: ele é transformado,
capaz de fazer coisas “em performance”, que ele não é capaz de fazer
normalmente. Mas quando a performance acaba, ou ainda em sua parte
final, ele retorna ao ponto em que começou.
Mas há aspectos que diferem os olhares sobre performances cotidianas,
dentro do espectro do drama social. Para destacar as distinções presentes nos
trabalhos de outros autores, Turner (1985, p. 180) reforça o que Schechner (197028
1976, 1977; p. 120-123) escreveu a respeito no Ensaio sobre Teoria da
Performance:
Victor Turner analisa 'dramas sociais' usando terminologia teatral para
descrever situações desarmônicas ou de crise. Essas situações argumentos, combates, ritos de passagem - são inerentemente dramáticas
porque os participantes não apenas fazem as coisas, tentam mostrar aos
outros o que estão fazendo ou fizeram; as ações assumem um aspecto de
"realizado para um público". Erving Goffman adota uma abordagem
cenográfica mais direta ao usar o paradigma teatral. Ele acredita que toda
interação social é encenada - as pessoas se preparam nos bastidores,
confrontam os outros enquanto usam máscaras e desempenham papéis,
usam a área principal do palco para o desempenho das rotinas e assim por
diante. Para Turner e Goffman, o enredo humano básico é o mesmo:
alguém começa a se mudar para um novo lugar na ordem social; esse
movimento é realizado por meio de ritual ou bloqueado nos dois casos em
que surge uma crise porque qualquer mudança de status envolve um
reajuste de todo o esquema; esse reajuste é realizado cerimonialmente,
ou seja, por meio do teatro.
As definições destes três autores sobre ritual também apresentam-se de
maneiras distintas, segundo Turner (1985). E ritual é um termo chave para se
compreender a relação funcional dos jogos. Por isso, os métodos e áreas de
conhecimento de cada autor dialogaram diretamente com os contextos pelos quais
todos estiveram expostos, de maneira que a compreensão do dado momento
histórico colabore com a compreensão dos processos que suscitam a prática ritual
dentro de uma sociedade. Embora os jogos ainda não sejam mencionados por
ambos os três como exemplo desse processo, a relação como pensam o ritual
permite uma compreensão aprofundada no capítulo específico sobre jogos. Ao
mostrar as distinções do que é pensado por Erving Goffman e Richard Schechner,
Victor Turner considera breves explicações e exemplos sobre ritual e drama social.
Segundo Turner (1985, p. 181-182):
Primeiro, deixe-me comentar sobre a diferença entre meu uso do termo
"ritual" e as definições de Schechner e Goffman. De um modo geral, eles
parecem significar por ritual um ato unitário padronizado, que pode ser
secular e sagrado, enquanto eu busco identificar uma performance de uma
sequência complexa de atos simbólicos. Ritual para mim, (como coloca
Ronald Grimes); é uma "performance transformadora que revela grandes
classificações, categorias e contradições de processos culturais". Para
Schechner, o que chamo de "violação", o evento inaugural de um drama
social, é sempre efetuado por um ato ritual, ritualizado ou "movimento". Há
alguma verdade nisso. Vou usar como exemplo aqui o primeiro drama
social do meu livro sobre o processo social de Ndembu, Cisma e
Continuidade. (...) O que é mais interessante para mim nesse contexto do
que a definição de ritual é a conexão estabelecida por Schechner entre
drama social e teatro, e o uso feito por Goffman e por mim do "paradigma
teatral". Para Goffman, "o mundo todo é um palco", o mundo da interação
social e, de qualquer maneira, está cheio de atos rituais. Para mim, a fase
dramatúrgica começa quando surgem crises no fluxo diário da interação
29
social. Assim, se a vida cotidiana é uma espécie de teatro, o drama social
é uma espécie de metateatro, ou seja, uma linguagem dramatúrgica sobre
a linguagem da interpretação de papéis e da manutenção de status
comuns, que constitui a comunicação no processo social cotidiano.
Uma vez considerando o pensamento de Erving Goffman (1956) como a vida
cotidiana sendo um tipo de teatro, Turner (1985) defende que os bastidores dessa
vida cotidiana é o drama social, configurando como um metateatro. Alguns jogos,
enquanto linguagens, são frutos desse processo dramático da vivência de papéis,
se utilizando das referências comuns do dia a dia como parte de suas regras. Um
grande exemplo desse tipo de jogo é o Larp. Pois, em sua essência, como um jogo
de faz de conta, de interpretar papéis, os saberes práticos da vida cotidiana são o
principal acervo para jogar até mesmo uma ficção fantasiosa. Toda diegese (o
universo ficcional de personagens) é composta por elementos de quem participa da
configuração deste universo ficcional. Tais quais as referências presentes em outras
obras artísticas e na literatura. Turner (1985) compreende e reforça dois aspectos
práticos do cotidiano: rituais e drama social, sendo um conectado ao outro.
Pensemos que o jogo e o metajogo são partes de um todo que reproduz normas e
processos transformadores da vida social, de maneira que participantes, durante o
tempo e espaço de jogo, possam tomar decisões que não afetem diretamente sua
realidade fora da diegese. É como poder experimentar um caminho que deixou de
ser tomado no dia a dia para buscar novas possibilidades na ficção. E essa
curiosidade comum permite aos jogos e brincadeiras de faz de conta se
configurarem como um tipo de performance que passa pelas etapas estudadas e
ilustradas por Richard Schechner (2011) como um círculo de transformações de
experiência vivida (Figura 7), assemelhando-se diversas vezes com a descrição do
que Huizinga (2000) configura enquanto círculo de jogo, também conhecido por
círculo mágico, mencionado anteriormente.
30
Figura 7. Círculo de transformação
Fonte: Schechner, 2011.
Johan Huizinga (2000, p. 14), um historiador holandês que estudou jogos e
brincadeiras como performances e explorou a imersão e o fenômeno de transporte
e transformação. Ao compreender os jogos com antecessores à cultura, Huizinga
(2000) defende que a cultura existe potencialmente pelos desafios e relações com
o faz de conta presente nas relações socias e como estas se organizam e
sistematizam em normas para dados contextos em certo tempo e espaço. Ao longo
dos seus estudos, Huizinga (2000, p. 14) considera a importância do potencial
transformador das etapas presentes no que antecede, no durante e nos pós-jogo,
no seguinte exemplo:
A criança representa alguma coisa diferente, ou mais bela, ou mais nobre,
ou mais perigosa do que habitualmente é. Finge ser um príncipe, um papai,
uma bruxa malvada ou um tigre. A criança fica literalmente “transportada”
de prazer, superando-se a si mesma a tal ponto que quase chega a
acreditar que realmente é esta ou aquela coisa, sem, contudo, perder
inteiramente o sentido da “realidade habitual”. Mais do que uma realidade
falsa, sua representação é a realização de uma aparência: é ‘imaginação’,
no sentido original do termo.
Notamos que jogos estão presentes no paradigma performático. No entanto,
compreender como os jogos se localizam dentro da sociedade é de demasiada
importância, especialmente sob a profundidade do olhar dos autores citados. O
papel de Huizinga e outros autores tem uma legitimidade histórica que abrange
elementos estudados no que temos como partes dos hábitos e costumes diários,
como performances do dia a dia, dos hábitos comuns, aprendidos e reproduzidos
31
para vivências do contexto que estivermos inseridos. Portanto, cabe o entendimento
de como autores selecionados observam jogos e suas definições.
32
2. JOGOS
As referências mais comuns a todo estudo que compreenda os jogos como
manifestações culturais levam a Johan Huizinga8 (1872-1945). Huizinga argumenta
que o jogo pode ser considerado uma forma cultural profunda, uma espécie de
“estrutura” que subjaz a toda manifestação cultural, das linguagens comuns a um
povo até os ritos mais populares. Com isso ele forjou um vocabulário conceitual de
alta importância para esse campo de conhecimento, defendendo os jogos como
hábitos inerentes ao comportamento humano, antecessores à sociedade. Embora
ele
se utilize
de argumentos controversos do animismo, colocando o
comportamento animal como parte dessa estrutura, algo ainda conflituoso nas
literaturas científicas.
Duas características são fundamentais para entender o jogo, de acordo com
Huizinga: O jogo é tido como livre e próprio da liberdade, como primeira
característica. Na segunda, ainda relacionada à primeira, o jogo não é vida
“corrente”, nem mesmo “real”, segundo Huizinga (2000, p. 10), o jogo é:
(...) uma evasão da vida “real” para uma esfera temporária de atividade
com orientação própria. Toda criança sabe perfeitamente quando está “só
fazendo de conta” ou quando está “só brincando”.
Para Huizinga (2000, p. 14), assim como a função do jogo relaciona objetivos
de alcançar algo ou uma representação de algo, essas relações podem se tornar
uma, como um desafio a ser representado ou uma representação de um desafio.
Essas duas características são alicerces para o entendimento do processo
performático do jogo, uma vez que haja uma localização de sujeitos participantes
da experiência em um dado tempo e espaço destinado a regras que formam o que
estiver sendo jogado:
A função do jogo, nas formas mais elevadas que aqui nos interessam, pode
de maneira geral ser definida pelos dois aspectos fundamentais que nele
encontramos: uma luta por alguma coisa ou a representação de alguma
coisa. Estas duas funções podem também por vezes confundir-se, de tal
modo que o jogo passe a “representar” uma luta, ou, então, se torne uma
luta para melhor representação de alguma coisa.
Huizinga (2000), ao afirmar que o jogo antecede a sociedade, ele considera
a maneira como as pessoas constituíram as sociedades e culturas. Pois “mesmo
Johann Huizinga foi historiador e linguista holandês, responsável por estudos no campo da cultura,
história medieval e historicidade dos jogos. Sua obra Homo Ludens é um dos pilares da ludologia.
8
33
em suas definições menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana”.
Todavia, Roger Caillois (2001), estudando a relação sociocultural do jogo, constrói
uma crítica à seguinte colocação do Huizinga (2000, p. 16):
Numa tentativa de resumir as características formais do jogo, poderíamos
considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como “nãoséria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver
o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e
qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro,
praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma
certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com
tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em
relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios
semelhantes.
Caillois (2001, p. 5), critica a maneira como Huizinga desconsidera os jogos
de apostas. Pois estes tipos de jogos não são desligados dos interesses materiais.
Por reforço, jogos de aposta são o que são por relação ao interesse material de
quem joga. À relação de seriedade e não-seriedade poderíamos aplicar com
intensidades do que tem fins recreativos ou não. Até porque, em algumas línguas,
e consequentemente suas respectivas culturas, jogo, esporte e brincadeiras podem
ser coisas completamente distintas. Cabe aqui reforçar também que, na língua
inglesa, game e play possuem caráter distinto, o que é complexo quando passa
para o holandês, língua do Huizinga, em que game e play são uma coisa só. O
mesmo se aplica a outras línguas, como o francês, do Caillois. Mas, nessas línguas,
incluindo a russa, costumam ter uma palavra específica para se referir a jogos e
brincadeiras.
Ao analisar Huizinga (2000), Caillois (2001) atribui distinções que podem ser
observadas de maneiras ainda mais complexas, ganhando características que são
presentes em manifestações que temos por distintas do que entendemos como uma
atividade recreativa e/ou competitiva. Certos jogos, digitais e físicos, possuem e/ou
adquiriram um caráter competitivo e esportivo, ainda sendo recreativos. Alguns
jogos de cartas, também chamados de estampas ilustradas, como Magic: The
Gatherig, são tão complexos que englobam aspectos de coleção (seja pelas artes
das cartas ou demais referências delas), literários (conjuntos de narrativas em
tornos de personagens e ambientações), formatos de finalidade recreativa e
formatos de finalidade competitiva. Todavia, algumas destas características podem
se misturar, como um jogo que ganhou aspectos espetaculares e esportivos, os
34
interesses materiais pelas premiações passou a configurar o jogo em um campo de
seriedade pelo juízo de valor atribuído às cartas lançadas em expansões/coleções.
Tal qual, algumas dessas cartas, não mais acessíveis por coleções recentes, podem
ser encontradas em leilões com valores acima de 150 mil dólares 9. O que quero
dizer é que a relação material do jogo Magic: The Gathering compromete uma
incessante busca pelo prazer de abrir, em um pacote de cartas sortidas das
expansões, cartas cujo valor compense tanto a inscrição em um campeonato e valor
de um baralho destinado a um formato de competição, até mesmo pelo prazer de
comprar o pacote de cartas sem jogar com baralhos. O prazer de se obter o
resultado, contra outra pessoa que jogue, dentro de um mesmo parâmetro de
igualdade (regras de um formato), mesmo materializado, existe pelo mero objetivo
de vencer e receber um prêmio. Contudo, é necessário reconhecer o que ambos os
autores tentaram distinguir do que queriam definir por jogo e suas configurações
dentro dos seus estudos. A visão de Caillois (2001, p. 25) sobre estas classificações
é a seguinte:
O jogo é a ocasião de gasto puro: de tempo, de energia, de
engenhosidade, de destreza e, muitas vezes, de dinheiro - para a compra
dos acessórios do jogo ou para pagar eventualmente o aluguel do local.
Quanto aos profissionais, boxeadores, ciclistas, jóqueis ou atores que
ganham a vida no ringue, na pista, no hipódromo ou nos tablados, e que
devem pensar no prêmio, no salário ou no cachê, está claro que sob este
aspecto não são jogadores, mas profissionais. Quando jogam, jogam um
jogo diferente. (...) Por outro lado, não resta dúvida de que o jogo deve ser
definido como uma atividade livre e voluntária, fonte de alegria e de
divertimento.
Também podemos entender que, nos esportes, quando os jogos se tornam
grandes espetáculos, estes podem deixar de ser uma mera recreação e se tornar
trabalho. Com isso, a seriedade pela qual Huizinga (2000) e Caillois (2001)
localizam dentro das definições de jogos desconsideram certos aspectos adquiridos
pela natureza destes espetáculos, até pela maneira como há um distanciamento de
quem organiza o evento (alguém que não está jogando), quem treina quem está
jogando e quem assiste quem está jogando.
EBAY. Considerado um dos leilões de uma peça de jogo mais caro da história. Disponível em:
https://www.ebay.com/itm/1993-Magic-The-Gathering-MTG-Alpha-Black-Lotus-R-A-BGS-9-5-GEMMINT-PWCC-/143136537077>. Acesso em: Jun. 2019.
9
35
Portanto, as complexidades das definições de jogos são diversas, mas
identificáveis, uma vez que brincar ou competir são comportamentos comuns,
restaurados. Caillois (2001) atribui definições que em vários momentos do seu
discurso se tornam antagônicas. Como por exemplo distanciar os jogos mais
competitivos dos recreativos e qualidades hoje complexas, pelo aspecto narrativo e
de representações desenvolvidas para expandir o uso do jogo por personalizações,
compreensões em torno da ambientação que a narrativa se passa, como as leis da
realidade se aplicam ou não dentro do jogo etc. Jogo produz significado, criando
dinâmicas de interação que possibilitam o surgimento de práticas e relações que
podem, depois, cristalizar-se em ritos, festas e até numa nova linguagem. Em uma
cultura se pode observar hábitos, costumes e tradições que funcionam de modo
semelhante ao jogo, no que diz respeito aos seus limites, tais como a relação de
duração, ambiente e regras diversas para que uma prática aconteça, seja ela em
uma sala de aula, uma firma ou um local religioso. Portanto, o jogo se distingue da
vida “comum” (Huizinga, 2000) e seus limites de tempo e espaço o tornam
fenômeno cultural, já que mesmo se encerrando, ele se conserva como memória e,
uma vez transmitido, torna-se tradição, como quaisquer das manifestações
específicas que se enquadrem com suas devidas regras de duração, ambientação
e comportamentos.
Para Huizinga (2000, p. 5) o jogo não só gera sentido como também se torna
o sentido. Quando retiramos a barreira entre esportes transmitidos para o mundo
inteiro ou uma brincadeira infantil no quintal de casa, o jogo e quem participa dele
se integram a regras que constroem significados como toda experiência humana. O
autor supracitado afirma que o jogo “é uma função significante, isto é, encerra um
determinado sentido. No jogo existe alguma coisa ‘em jogo’ que transcende as
necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa
alguma coisa”.
A maneira de se jogar, as regras que funcionam dentro de um dado tempo,
de um determinado espaço, formam o jogo. Suas qualidades e configurações estão
além da realidade ou inerente a ela (caso o jogo esteja simulando-a). Suas regras
são absolutas, assim como as possibilidades de encerramento. Portanto, mesmo
que haja um trapaceiro, o jogo continua acontecendo (CAILLOIS, 2001) e só é
interrompido quando alguém percebe a trapaça e usa alguma regra para encerrá36
la. Neste momento, o jogo deixa de fazer sentido. Ainda, para Caillois (2001, p. 28),
alguns jogos não possuem regras, assim, jogos e brincadeiras de faz de conta estão
dentro do seguinte espectro:
Muitos jogos não têm regras, de modo que elas não existem, pelo menos
que sejam fixas e rígidas, para brincar de boneca, soldado, polícia e
bandido, cavalo, trenzinho, avião, geralmente nos jogos que supõem uma
livre improvisação e cujo principal atrativo vem do prazer de desempenhar
um papel (...)
A visão que o Caillois (2001) configura sobre o faz de conta, inicialmente
ignora as regras que ele posteriormente se refere no mesmo parágrafo, ao alegar
que “o sentimento do como se substitui a regra e cumpre exatamente a mesma
função”. No entanto, numa interpretação aberta, podemos analisar a prática do faz
de conta por outros aspectos que regulam o jogo. A própria realidade, no faz de
conta, é um regulador. Num aspecto fantasioso, uma criança pode fazer de conta
que voa por ter superpoderes, ignorando a física presente em sua realidade. Mas
outras normas afetarão a performance de tal experiência, como a presença de um
objeto místico que cancele tais capacidades. Do mesmo modo, crianças que fazem
de conta que são uma família, quando brincam de casinha, utilizam regras sociais
de conduta. O repertório que possuem do que é ser aquelas pessoas é um
regulador,
uma
interpretação
do
comportamento
duplamente
vivenciado
(SCHECHNER, 2006). Portanto, continuará havendo regra para caracterizar o valor
estético presente na prática do jogo e, consequentemente, limitar certas ações que
inviabilizam a simulação do referencial que jogadores possuem do que sejam as
realidades dos papéis performados. Neste caso, configuram-se as regras implícitas,
ali presentes, mas não documentadas, sistematizadas, como as regras explícitas.
Frans Mäyrä (2008), identifica que os jogos possuem “aspectos culturais
interativos similares”: um com a construção de significados mediados pela ação de
jogar (ludosis), em contrapartida ao da construção de significados mediados pela
decodificação de mensagens (semiosis). Para Mäyrä, o entendimento e apreciação
de um jogo (game) são baseados nos prazeres derivados da experiência de jogo
(play). Mas há uma variedade de normas e valores sociais que regulam o jogo,
mesmo que não estejam escritas, como no caso das regras implícitas e explícitas.
Ao identificar as experiências de jogo considerando a formação de
significados, Mäyrä (2008, pg. 45) reforça a importância dos estudos de
37
performance, tendo como base Schechner e Goffman. Mäyrä localiza os jogos como
performance mediante a perspectiva do interacionismo simbólico, estudado por
Goffman (1956, pg.13) e seu conceito de performance como "toda a atividade de
um determinado participante em uma determinada ocasião, que serve para
influenciar de qualquer maneira os outros participantes". Mäyrä também interpreta
o efeito da experiência de jogo nos indivíduos de maneira que:
Jogar um determinado jogo afeta não apenas a maneira como outras
pessoas percebem o indivíduo em questão, mas também o modo como ele
se percebe. Em um caso extremo, o jogo pode até ser algo que uma
pessoa tenta negar a si mesma, porque é incompatível com sua autoimagem, ou algo para manter oculto e silencioso. Assim, uma pessoa pode
considerar a brincadeira como algo pertencente apenas ao seu eu privado
ou, ao contrário, celebrá-la como uma parte visível de seu “fachada” (front),
ou self interpessoal público na terminologia de Goffman. (MÄYRÄ, 2008,
p. 45)
Por meio das sete esferas interligadas de Schechner (Figura 8), Frans Mäyrä
(2008, pg. 46) fornece mais de suas interpretações sobre como os jogos também
possuem caráter performático ao propiciar a seus participantes - e, dependendo do
jogo, até espectadores - as experiências presentes nos círculos: formação de
identidade,
senso
de
comunidade,
entretenimento,
cura,
persuasão
ou
aprendizagem, beleza, resolução de conflitos internos:
Figura 8. Sete Esferas de Schechner
Fonte: Schechner, 2006
38
Frans Mäyrä (2008) considera fundamental a maneira como Huizinga (2000)
introduziu no espaço acadêmico a importância do ritual e como este se manifesta
na cultura, sendo essa a questão central do seu livro Homo Ludens. Ao ponto de
que é possível notar certas semelhanças nas homenagens feitas aos espíritos e
deuses em diversas culturas, mediadas pelas experiências de jogo, com a origem
dos Jogos Olímpicos e seus respectivos rituais.
Outra consideração importante, a respeito de Frans Mäyrä (2008), é sobre a
importância do desenvolvimento durante a experiência de jogo, sob a perspectiva
cultural. Segundo o autor supracitado, os jogos fazem parte de grandes e complexas
redes multi estruturais provenientes da cultura, como linguagens, comportamentos
e pensamentos percebidos ou não. De inúmeras maneiras, tais processos
contribuem para formação do que somos à medida em que adquirimos experiências
vividas desde a nossa infância.
Vigotski (2008), em seus estudos sobre a brincadeira e sua função no
desenvolvimento psíquico da criança, considera dois aspectos importantes para
iniciar a compreensão dessa atividade: a gênese da brincadeira e o papel
desempenhado por esse tipo de prática no desenvolvimento. Mesmo que a
brincadeira não seja predominante, ela é a fundamental para o desenvolvimento na
idade pré-escolar.
Vigotski (2008) critica o pensamento de que nem toda brincadeira promove
satisfação, como é reforçado na definição de brincadeira. Ele cita uma atividade
cuja experiência seja funcionalmente satisfatória, como a sucção de uma chupeta.
Em contrapartida, ele considera insatisfatórias as brincadeiras que “trazem
satisfação somente quando seu resultado se revela interessante para criança”,
como no caso dos esportes, os quais ele reforça que não necessariamente
envolvem exercícios físicos, mas resultados, premiações.
Do mesmo modo, Vigotski (2008) reforça que muitas das dificuldades, ao se
estudar os jogos e o desenvolvimento, estão na maneira como se intelectualiza os
problemas da prática, que costumam ignorar as demandas, necessidades, impulsos
afetivos das crianças.
Compreender a formação das pessoas por suas experiências é considerar
suas trajetórias, suas etapas. Vigotski realizou um trabalho bastante engenhoso ao
estudar muitos dos nossos comportamentos desde a infância. A brincadeira foi um
39
dos modos pelos quais ele compreendeu como o amadurecimento e os interesses
mudam à medida que a criança se desenvolve.
De acordo com Vigotski (2008, pg. 25), ainda na idade pré-escolar, impulsos
e necessidades específicas conduzem a criança até a brincadeira. Pois, nessa
etapa, a criança possui desejos menos imediatos, não realizáveis. Em seguida, na
primeira infância, a criança se torna mais imediatista: o que ela quer, ela precisa
para aquele momento. Mas há um tipo de brincadeira que o Vigotski também
destaca e que, de acordo com ele, era relacionada com o período tardio da idade
pré-escolar, mas é de fundamental importância para idade escolar: as brincadeiras
com regras10.
Vigotski (2008) reforça que situações imaginárias possuem regras de
comportamento, mesmo que não haja complexidade nas regras. Como regras
implícitas, também abordadas por Caillois e Mäyrä. Por exemplo: Uma criança com
uma boneca, ao brincar de que a boneca seja seu bebê, essa criança se comporta
sob seu ponto de vista do que é ser mãe, o que ela pensa como regra do
comportamento materno.
A brincadeira, para criança, conduz processos imaginativos que colaboram
com o desenvolvimento. Dadas as características das brincadeiras e faz de conta e
a maneira como as crianças começam a desenvolver regras implícitas presentes
nas relações sociais, cabe a nós definir o tipo de jogo que promove a experiência
do faz de conta por um modelo mais dramático: os jogos de RPG.
10
Jogo e brincadeira possuem a mesma referência ao traduzir a palavra igra, da língua russa.
40
2.1.
RPG
RPG, do inglês Roleplaying Game, é como chamamos os jogos que
entendemos como jogo de interpretação de personagens, jogo de papéis, entre
outros títulos que remetem às suas origens. Enquanto um jogo comercial,
industrializado pela cultura pop, podemos dizer que o RPG foi criado na década de
70, quando Gary Gygax e Dave Arneson adaptaram um jogo de miniaturas do
gênero wargame (jogos de guerra) para um processo mais individualizado
(TRESCA, 2011). Ainda de acordo com Michael Tresca (2011), o wargame foi um
jogo criado na china, há mais de 2000 anos antes do calendário cristão, com o nome
Wei Hai, traduzido como “cerco”, e consistia em peças num dado cenário ou
tabuleiro, onde jogadores deslocavam essas peças como tropas para cercar seus
oponentes e vencerem uma guerra por meio de estratégias e táticas de guerra.
Inspirado no Wei Hai, alguns séculos depois, o Japão criou um jogo popular até os
dias atuais, conhecido como GO. Em seguida, na Índia, surgiu o Chaturanga,
também conhecido como origem do Xadrez e seguindo até os dias atuais com vários
jogos de miniaturas. Todos esses jogos consistem em simular guerras, por meio de
tropas.
Tresca (2011, p.60) documenta que, em 1969, Dave Wesley organizou uma
sessão de wargame onde estudava, na Universidade de Minnesota. Neste jogo,
participantes interpretavam personagens individuais em um cenário de guerra
napoleônico que se passava na cidade de Braunstein (Posteriormente, chegou a se
tornar o nome do jogo). Foi durante essa experiência que houve o surgimento do
Game Master, o mestre de jogo, como criador de cenários e contextos. Wasley foi
inspirado pelo manual de treinamento de guerra Strategos: The American Game of
War, que ele encontrou na biblioteca da universidade e foi desenvolvido pelo
Tenente Charles Adiel Lewis Totten. Inicialmente, Wesley mestrava para oito
pessoas, sendo que dois jogavam e seis assistiam. Até que ele desenvolveu papéis
para os demais jogadores, com seus próprios objetivos durante o jogo. À medida
que o grupo crescia, novos papéis surgiam, desenvolvidos conjuntamente. Wesley
desenvolveu uma versão melhorada do jogo, na qual os jogadores passariam a
interpretar líderes de uma ficcional república de bananas. Nessa versão, o jogo
contou com a participação de Dave Arneson. Arneson passou a mestrar ambas as
versões dos jogos e desenvolveu cenários, expandindo o jogo com a inclusão de
41
elementos presentes em obras como O Senhor dos Anéis e Dark Shadows, que
levou a criação do jogo com miniaturas chamado Blackmoor. E, ainda de acordo
com Michael Tresca, naquele momento, Wesley reivindicou o uso de dados
poliédricos de quatro, oito, doze e vinte lados. Estes dados, antes usados por
professores de matemática, até hoje são ferramentas comuns nos jogos de RPG de
Mesa.
Tresca (2011, p.61) prossegue o estudo ao documentar que, em 1967, Jeff
Perren modificou e criou suas próprias regras por cima do wargame medieval Siege
of Bodenburg, do mesmo ano, e compartilhou com Gary Gygax. Então, em 1968,
Perren e Gygax criaram o wargame medieval Chainmail, no qual cada miniatura
representava vinte pessoas, em três diferentes tipos, entre soldados e cavaleiros.
Em 1971, Perren e Gygax criaram um “Fantasy Supplement”, no qual foram
adicionadas criaturas fantásticas, magia e os alinhamentos “leal” e “caótico” a estas
criaturas. Os tipos de soldados e suas respectivas hierarquias passaram a ser
representados por espécies provenientes de mitos e lendas folclóricas da cultura
européia, como Hobbits, Elfos etc. Arneson então adaptou uma campanha de
aventuras chamada Blackmoor, para que o jogo não se limitasse apenas ao
combate e ganhasse um aspecto mais cooperativo, onde o jogador só seria bemsucedido se o grupo fosse bem-sucedido. Ainda em 1971, Arneson apresentou uma
nova possibilidade de jogo para Gygax, que colaborou com a organização das
regras e chamou inicialmente de Fantasy Game. Incapazes de encontrar uma
editora, eles renomearam o jogo para Dungeon & Dragons (D&D, numa tradução
literal: Masmorras e Dragões). Até o fim de 1973, muitas cópias de pré-lançamento
do Dungeons & Dragons entraram em circulação, então Gygax escreveu o prefácio
do que viria a ser o primeiro Livro de Regras de Dungeons & Dragons, destacando
quatro espécies, até então chamadas por “raças”: Humanos, Anões, Elfos e Hobbits,
bem como três classes: Guerreiros, usuários de magia e clérigos. O jogo também
apresentou estatísticas individuais que ainda não existiam: Força, Inteligência,
Sabedoria, Destreza, Constituição e Carisma, algo bem diferente dos jogos
anteriores, descrevendo características específicas de uma pessoa, não de uma
unidade. E então, em 1974, Dungeons & Dragons foi oficialmente publicado como
primeira versão comercial, do que viria a ser o primeiro jogo de RPG comercial.
42
Porém, esse aspecto específico direcionado às espécies influenciou e foi
influenciado pelo universo ficcional criado por John Ronald Reuel Tolkien,
conhecido como J. R. R. Tolkien, autor de grandes obras literárias do gênero de
Fantasia Medieval, publicadas entre as décadas de 30 e 60, tendo como as mais
populares: O Hobbit e O Senhor dos Anéis. Obras cujas qualidades narrativas são
as mais fortes referências para as mais variadas linguagens, tanto literárias como
cinematográficas. E, como sabemos, os jogos digitais e não digitais são totalmente
afetados por esse tipo de produção. Pois são produtos consumidos por um públicoalvo formado por uma rede mercadológica que industrializa o entretenimento. Soa
óbvio, mas os aspectos visuais presentes nos detalhes, descrições e posteriormente
produções visuais e audiovisuais, reforçam presença das mesmas espécies
desenvolvidas para os clássicos tRPGs por um modelo maniqueísta, como
binarismo moral, classificando “raças” cujos juízos de valor se dão por aparências.
De modo observável, as tecnologicamente avançadas e eruditas como boas, tendo
uma predominância étnica referida ao mundo real como proveniente do hemisfério
norte, e as cuja aparência eram desagradáveis, desprovidas de “progresso” como
ruins. Numa cultura-pop alimentada por países ricos, nada mais tendencioso para
operar juízo de valor até em países que não pertencessem ao mesmo bloco
econômico, mas que consumissem uma cultura popular hegemônica. A observar, a
própria história da antropologia legitima o estranhamento e distanciamento para
povos autônomos e colonizados como não civilizados. Os fatos históricos expõem
a compreensão do mundo sob óticas questionadas em nosso período
contemporâneo. Portanto, cabe compreender que os jogos foram produzidos
mediante os contextos midiáticos e industrializados. Essa observação parte do
entendimento de que há uma enorme ausência de obras como jogos ambientados
ou contextualizados em culturas que não as economicamente dominantes.
Costumamos lidar com as apropriações geradas por grandes monopólios que usam
o entretenimento para nos ensinar o que é Egito, países do continente asiático sob
narrativas não produzidas pelos mesmos. E mesmo assim ainda são raras as
representações nos jogos de RPG ambientadas em narrativas como O Livro Das
Mil e Uma Noites, ou mesmo os Vedas indianos ou narrativas populares do
continente africano, povos indígenas e autônomos espalhados no mundo.
43
No entanto, os jogos de RPG se aproximam bastante das atividades lúdicas
da cultura popular de diversos povos, tais como contação de histórias, brincadeiras
de faz de conta e várias outras atividades que se envolvem em processos criativos
e de improvisação. Estes processos presentes no RPG se desdobraram em vários
gêneros e subgêneros, formando um guarda-chuva daquilo que temos como jogos
de faz de conta, ao ponto de que o D&D remete a categoria que chamamos de tRPG
(tabletop role-playing game). Outras categorias de destaque são as leituras
interativas, também conhecidas por livros-jogo, aventuras solo, entre outros termos
e os RPGs digitais e demais jogos que surgiram posteriormente para plataformas
digitais. E é claro, nosso principal objeto: O Live Action Role-playing, o Larp, que
em diversos momentos se cruza com o tRPG, como vem sendo observado no
decorrer deste estudo.
O tRPG, como tipo de RPG mais popular no Brasil, ao lado dos atuais jogos
digitais, é um tipo jogo cujas regras são indexadas e documentadas em livros
conhecidos como módulos básicos, normalmente o conjunto de regras que
compõem a estética de um tipo de RPG é chamado de sistema. Por exemplo: As
regras presentes no RPG D&D foram adaptadas para o predominante uso do
poliedro de vinte faces, dando o nome do sistema de D20. É comum que um
conjunto de regras carregue o título do sistema ou do cenário que ele faça parte. No
entanto, as exceções costumam ter um forte destaque. Por exemplo: A editora
White Wolf desenvolve o cenário de horror World of Darkness (Mundo das Trevas),
para jogar nessa ambientação se utiliza as regras que dão o nome ao sistema:
storyteller (narrador), no qual jogadores escolhem módulos básicos específicos com
regras adaptadas para jogar com criaturas místicas como vampiros, lobisomens e
outras lendas populares. Diferente dos wargames, o tRPG não é competitivo. Como
a trama se desenvolve conjuntamente, pela participação dos jogadores e suas
respectivas decisões e ações, consideramos como um jogo colaborativo. Como um
jogo que só ocorre com a participação de mais de um jogador, tanto a criação ou
adaptação da história, bem como de personagens perpassa pela interpretação de
seus jogadores, de como seja essa relação subjetiva de personalidade e ambiente,
tanto em unidade dialógica como individualizada pelos respectivos participantes,
dadas as diferentes experiências de vida e conhecimentos que cada um tenha
adquirido por mídias que tiveram contato.
44
A dinâmica de jogo do tRPG se caracteriza também pela sua configuração.
O termo tabletop (acima da mesa; mesa) refere-se ao espaço onde o mesmo ocorre
tecnicamente, por isso, em uma tradução livre, popularmente chamamos no Brasil
de RPG de Mesa. Ainda abordando essa configuração, o tRPG geralmente conta
com a participação de um ou mais jogadores e um jogador especial chamado de
mestre, narrador, game master, dungeon master entre outros termos. O papel desse
jogador é de mediar os acontecimentos e a relação entre o metajogo e a
dramatização da história construída enquanto o jogo estiver ocorrendo. É muito
comum que a base da história e a orientação sobre os tipos de personagens sejam
orientadas por este jogador. Ele também é responsável não só por criar ou adaptar,
como também interpretar os NPCs (Non-player characters), que são personagens
não pertencentes aos jogadores, cuja função é contribuir para o desenvolvimento
das cenas.
Para quem desconhece, muitos dos termos utilizados nos jogos de RPG se
assemelham a termos que conhecemos de outras manifestações artísticas, tais
como o cinema, a televisão, a literatura e o teatro. Alguns exemplos são:
personagens, cena, cenário, figurino, papel, interpretação, narrativa entre outros.
Estas características artísticas nos jogos de RPG, bem como suas capacidades de
transitar por diferentes plataformas, fornecem aos RPGs um caráter transmidiático
(JENKINS, 2013). Como uma mídia apropriada e massificada na cultura pop, o RPG
passou a influenciar e ser influenciado por toda indústria criativa. Seja quando
adaptam obras do cinema para esse tipo de jogo, ou quando esse tipo de jogo é
exposto num programa ou série de tv como parte do entretenimento das
personagens. Assim, séries animadas foram criadas como campanha publicitária
de jogos como D&D. Com um título homônimo ao jogo, a série de tv Dungeon &
Dragons produzida pelas empresas Marvel Productions, TSR e Toei Animation de
1983 a 1985, que carrega o mesmo nome do primeiro jogo de RPG comercial citado
anteriormente. Aqui no Brasil a série foi difundida com o título Caverna do Dragão,
geralmente nas manhãs de diversos programas infantis da Rede Globo, e contava
com uma diversidade de personagens relacionados às classes (ofícios e atividades
dos personagens) presentes no jogo homônimo. Nessa série, seis jovens viajam
para uma outra dimensão após entrarem em um brinquedo no parque de diversões.
Nessa nova dimensão, com roupas totalmente distintas das que vestiam em seu
45
mundo, eles se deparam com criaturas fantásticas, como um dragão de cinco
cabeças chamado Tiamat e o principal antagonista da série, o Vingador. Esses
jovens recebem armas mágicas referentes às suas classes: o gorro para o mago, o
escudo para o cavaleiro, a capa para ladina, o bastão para acrobata, o tacape para
o bárbaro e o arco para o “guarda” (tradução literal para ranger).
Devido a esses exemplos, os jogos de RPG tiveram uma forte influência e
foram muito influenciados pelas culturas pop dos anos 80 até os dias atuais. Mas
isso não retirou sua preservação, autonomia e possibilidades que se desdobrasse
em novas linguagens.
Em seus estudos, José Abrão (2018) aborda que: "A forma como lidamos
com a mídia nos ajuda a moldar nossas identidades e nossa visão de mundo, e o
jeito de se pensar mídia e comunicação está bem no meio de uma fase de transição
gerada, grosso modo, pelo advento da internet.". Ao pesquisar jogos sob o olhar da
comunicação, conectando autores como McLuhan, Castells e Jenkings, ele reforça
as teorias de que as tecnologias mudam, mas que o conteúdo simbólico permanece.
Portanto, terminologias e discursos comuns nos produtos acessíveis à cultura pop
podem relacionar distintas linguagens dos jogos. Isso quer dizer que o Larp se
modernizou em conjunto com diversas mídias e tipos de jogos. Produções para TV,
cinema, jogos eletrônicos e outros, compreendem possibilidades de se autopreservarem enquanto dialogarem com os discursos consumidos por quem joga.
As relações afetivas pelas quais produções envolvem o público consumidor
de jogos podem abusar da metalinguagem, seja quando constroem frases
memoráveis de personagens que protagonizaram a série de TV The Big Bang
Theory ou Stranger Things. Esta série, especificamente, traz uma ambientação nos
anos 80, com suas respectivas manifestações culturais entre os jovens: seja pelas
referências sonoras e visuais, seja pelos hábitos muito bem reproduzidos. A série
usa fortes referências cinematográficas, sonoras e literárias presentes nos anos 80,
para atender ao gênero de terror e ficção científica, tornando fácil de perceber
linguagens próximas de Spielberg, Stephen King e John Carpenter (GOLDMAN,
2016). A primeira vez em que os protagonistas da série aparecem, eles estão
jogando o tRPG D&D, da maneira como é jogado originalmente e até
tradicionalmente por muitos grupos: à mesa, jogadores, mestre, livros de regras,
dados e miniaturas. O foco aqui é para como as linguagens comuns a uma cultura
46
passa a integrar outra, de modo que consumidores de um produto se identifiquem
como consumidores de outro produto. Um forte argumento pode ser encontrado nos
estudos de Firmino (2018, p. 46), quando, ao analisar Jenkins (2013), conectando
os estudos de jogos e o olhar da comunicação interpreta que:
Nosso relacionamento pela mídia e com a mídia se tornou muito mais
pessoal e social. Se antes era necessário esperar para ver um programa
de TV, por exemplo, os novos formatos permitem ao consumidor
selecionar o que ele quer ver na hora em que ele quer ver. O sucesso de
um produtor de mídia passa a ficar muito mais nas mãos do consumidor
que, tendo mais opções, vai consumir o que conquistar sua atenção em
um mar de informações.
Esse pensamento é importante para compreendermos o caráter flexível,
dialógico com a maneira pela qual nos apropriamos dos referenciais e repertórios
produzidos para as mídias diversas, que no caso de hoje, a internet se tornou uma
poderosa potência e, como reforçam os autores estudados por Abrão (2018),
quando este documenta que as novas tecnologias expandem o sentido de
comunidades. Isso permite que de qualquer parte do mundo um conteúdo
interessante a um grupo de Larp ou tRPG possa contribuir para outro. Então, ao
associarmos as demandas de consumo de certas características de um gênero de
Larp, outro estilo passa a nascer, ou como dizemos quando algo é adaptado no
Brasil: o Larp pode se abrasileirar. E esse potencial mecanismo transformador age
de várias maneiras na subjetividade da produção técnica e de como controlamos o
processo imersivo, tão presente em um Larp praticado em países escandinavos,
por exemplo.
Tal aspecto da relação da indústria do RPG com a cultura é observável
quando, ao analisar o ambiente ficcional de RPG World of Darkness não termos
vampiros de origens no continente americano, mas temos os que vieram juntos a
colonizadores. Do mesmo modo, no mesmo ambiente ficcional, pouco é citado
sobre as práticas místicas relacionadas à historicidade dos povos de origem no
continente africano. Portanto, localizar práticas da cultura dentro desses jogos
costuma se manifestar mais como parte de regras implícitas, muitas vezes como
um comportamento duplamente vivenciado (SCHECHNER, 2006), como quando
algum descendente indígena tem contato com o jogo e intuitivamente reproduz
práticas de sua realidade sem que esteja perceba.
47
2.2.
LARP
Iuama (2016, p.11), pesquisador de Larp na área da comunicação, em sua
dissertação, aborda uma básica distinção entre Larp e tRPG:
(...) as próprias limitações e características de cada um dos jogos (narrativa
oral e narrativa dramática) faz com que o desenvolvimento de cada um
seja distinto. RPG tendem (mas não se resumem) a tramas mais voltadas
à ação, enquanto larps costumam (embora também não se restrinjam)
desenvolver tramas mais centradas em diálogos. Isso porque, nos RPG,
existe a liberdade de, oralmente, narrar quaisquer situações, como
batalhas ou perseguições. Nos larp, por outro lado, a representação feita
pelos próprios participantes inibe ações fisicamente mais intensas.
Já para Falcão (2013), organizador de Larps e autor do livro LIVE! Live Action
Roleplaying, um guia prático para larp, descreve Larp como:
(...) um jogo de interpretar personagens e um tipo de arte participativa. (...)
uma experiência imersiva, uma vivência e um jogo relacional. (...) os
participantes vão improvisando suas ações e se relacionando uns com os
outros como se fossem seus personagens. A história então se desenrola a
partir das escolhas e ações dos participantes, na medida em que interagem
uns com os outros.
Ainda, segundo Falcão (2013), o Larp pode ter elementos da performance ou
do teatro e em alguns momentos se parecer com ambos, mas o larp tem uma
linguagem própria. A principal qualidade do Larp é de que ele não é feito para ser
visto... é para ser vivido.
Tresca (2011), diz que qualquer brincadeira de infância com envolvimento da
imaginação e faz de conta poderia ser tratado como Larp. Dos xamãs performando
rituais a respeito dos seus contos, mitos e lendas, até crianças brincando de ser
outra pessoa, o Larp sempre tem sido parte da experiência humana. A Commedia
dell’Arte do século 16 é uma forma precoce do Larp. Outros exemplos dados por
Michael Tresca são o Modelo de Organizações Internacionais: Um evento cuja
duração é de geralmente cinco dias, formado por estudantes secundaristas ou
universitários por diversos órgãos das Nações Unidas com a intenção de criar uma
prática didática das conferências oficiais das práticas parlamentares das relações
políticas e internacionais. Além de Jacob L. Moreno, que utilizou o formato de Larp
para uma proposta psicoterapêutica que foi chamada de psicodrama. E, é claro,
Viola Spolin e Keith Johnstone, que iniciaram nos anos 50 uma improvisação
moderna, chamada de jogos teatrais. Spolin usou esses jogos para treinar atores
ao invés do puro entretenimento.
48
A história do Larp é muito nebulosa. Poderíamos relatar o processo das
brincadeiras entre os animais e como os povos antigos também brincavam de
“simular combates” desde a infância, sendo a brincadeira e o jogo algo biológico
(HUIZINGA, 2000). Traçar um perfil histórico do Larp é complexo, à medida que
temos poucas referências sobre suas possíveis origens. E falar da estrutura do Larp
enquanto jogo seria como realmente traçar um paralelo com os RPG. O papel
analítico do amadurecimento do Larp como cultura é parte deste estudo. Portanto,
a profundidade do mesmo se caberá por meio de novas fontes e dados coletados
ao longo da pesquisa.
Falcão (2013), relata que Larps podem ser pequenas produções, feitas em
casa, por pequenos grupos (amigos e familiares), como também podem ser
produções complexas, exigindo uma grande estrutura (um grande evento reunindo
pessoas distintas de várias partes do mundo). Ainda, segundo ele, a duração e o
espaço podem exigir uma dinâmica do grupo que realiza o larp, assim como a
dinâmica pode exigir uma dada duração e espaço. Os espaços de um larp podem
ser de um quarto em casa, como um espaço teatral ou mesmo um enorme campo
aberto. Tudo varia conforme o tipo de larp a ser praticado.
Concordando com o Luiz Falcão, cabe reforçar que não há plateia ou roteiro,
o que distingue o Larp de diversas outras manifestações artísticas. Como também,
diferente de muitas práticas lúdicas, o larp não necessariamente é interativo, mas é
totalmente participativo. Deste modo, Falcão (2013, p. 20) reforça que:
Interatividade implicaria em fazer escolhas em sistemas que prevêem
quais respostas dar para essas escolhas. Participativo não. Não há um
sistema definido para lidar com suas escolhas, como num jogo de
computador, por exemplo. As reações do sistema são completamente
orgânicas, afinal, você está lidando com outras pessoas.
A principal característica dos jogos de RPG são a espontaneidade, e o Larp
leva ainda mais à risca o sentido dessa espontaneidade à medida que todos os
jogadores encontram-se em um mesmo contexto, onde não há um desfecho ou
decisões e respostas preestabelecidas. Interpretar um personagem para um Larp é
muito diferente de interpretar para televisão, cinema ou teatro. Pois se considera
que são situações distintas, onde o fato de haver um ator no grupo não determina
como a dramaticidade do outro seja menor. Vale lembrar que o Larp é uma atividade
imersiva, passiva de uma série de possibilidades dramáticas.
49
Os tipos de Larp costumam variar de acordo com os objetivos práticos e
interesses do grupo que esteja organizando o jogo. Alguns estilos se conservam
bem fechados em algumas características, outros se misturam, formando novos
gêneros. O valor estético de cada tipo de Larp é como o de qualquer outro tipo de
arte. Uma experiência poderia provocar de prazer a repulsa. Mas os tipos de Larp
costumam facilitar a imersão em um contexto e consequentemente os tipos de
emoções que possam ser sentidas e externalizadas no processo. Existem tipos para
atender todos os interesses. E cabe aqui reforçar que cada vez que um mesmo Larp
é jogado, as experiências são completamente distintas das anteriores. As
possibilidades se multiplicam à medida que se joga tipos diferentes. Como que cada
tipo funcione como idas a um museu, galeria, teatro ou cinema.
Um dos estilos mais famosos de Larp é o Boffer. Esse gênero costuma ser
facilmente identificado pela conexão com a cultura pop: fantasia medieval ou
distópica, narrativa épica, magia, aventuras, monstros, ferramentas mágicas e todo
aparato fantasioso para que um grupo pequeno de participantes ou mesmo um
numeroso, em um evento amplamente organizado, possam imaginar e narrar o
tilintar de espadas enquanto alguém lança bolas de fogo. Os Larps conhecidos
como Boffers costumam ser relacionados tecnicamente a aventuras de RPG de
Mesa, como D&D, pois linguagens comuns às relações entre regras, narrativas,
universos ficcionais e construções de personagens são facilmente identificadas
nesse estilo. Ao lado do Boffer, existem Larps como o Swordplay, Live Steel e Salon.
O Swordplay é amplamente conhecido por ser mais focado em lutas com
espadas, bastões e outros armamentos feitos com espuma e/ou materiais que não
provoquem qualquer machucado a quem participe. A estética deste tipo de larp é o
combate. Figurino, narrativa ou mesmo cenografia são componentes mais
cosméticos para esse gênero, ainda que grupos diversos misturem com outros
gêneros e criem campanhas ou aventuras curtas com detalhes riquíssimos para
compor a experiência de jogo, formando um diferencial a todo evento de swordplay
produzido, mediante uma temática.
O Live Steel é conhecido por utilizar um processo mais realista de detalhes,
como armaduras, confrontos em arenas e simulações de combates entre cavaleiros,
soldados, guerreiros de modo mais espetacular, como um esporte. Alguns eventos
de Live Steel podem reproduzir cenas históricas de guerra. Portanto, a estética
50
deste gênero envolve a experiência da reprodução e as respectivas possibilidades
representar minuciosamente cada detalhe do figurino, cenário, combates e
principalmente o armamento.
Já o Salon engloba encontros como banquetes, participantes com trajes e
acessórios de época, música e um trabalho muito focado na cenografia e contexto
temático. A experiência estética deste tipo de Larp costuma ter um perfil de encontro
ou festival anual. Alguns Larps Salon podem acontecer em ambientes abertos,
como um parque, fazenda ou sítio em conjunto com Larp do tipo Boffer. Outros,
seguindo o nome que intitula o formato desse Larp, acontecem em locais fechados,
salões, algumas vezes em um espaço que enriqueça o cenário, como uma
construção histórica.
À medida que Larps se tornam mais específicos, começam a surgir tipos mais
voltados para trama. Muitos destes Larps possuem uma estética muito comum às
literaturas de fantasia, horror, romance policial, faroeste e todos os possíveis
aspectos dos conflitos sociais e da relação subjetiva com o universo que nos cerca.
Entre esses tipos de Larps temos o Mind’s Eye Theatre, produzido pelo By Night
Studios. Esse tipo de Larp é totalmente conectado e ambientado no universo
ficcional World of Darkness, produzido pela White Wolf: a mesma desenvolvedora
de jogos de tRPG populares como Vampiro: A Máscara, Lobisomem: O Apocalipse
e Mago: A Ascensão. A estética deste tipo de Larp se baseia em horror e punk
gótico. Isso quer dizer que a temática, os discursos e problemas enfrentados por
personagens deste tipo de trama está totalmente envolvido por questões de
mistério, poder político e social, assuntos místicos envolvendo lendas urbanas e
como estas se preservam no caos do mundo contemporâneo e suas novas
tecnologias. Neste tipo de jogo, tanto como tRPG ou como Larp, participantes
constroem personagens que vivem conflitos identitários e com o estranhamento de
algo que os tira das normas humanas, fisicamente, biologicamente, mentalmente
e/ou espiritualmente.
Muitas editoras e lojas brasileiras especializadas em jogos não digitais
promovem, desde os anos 90, eventos nos quais os Larp de WoD são praticados
como uma expansão do tRPG. É muito comum que participantes e entusiastas
desse gênero de Larp o chame apenas de Live ou Live-action, pela maneira como
as editoras e empresas que organizam esses eventos ainda chamam
51
tradicionalmente assim. Por questões logísticas, estes Larps se aproximam
bastante da estética Salon, permitindo que ocorram nos espaços das lojas ou
locações fechadas contratadas por quem organiza os eventos. Os Larps de WoD
ganharam destaque pelas misturas de ficção científica com os mistérios de mitos e
lendas urbanas presentes em produções literárias e audiovisuais contemporâneas.
Geralmente este Larp costuma ter um alto investimento em figurino e longos
diálogos de disputas de poder. Ostentar joias, roupas, conversas sobre arte, luxo,
geopolítica e versões pessoais da história do mundo são comuns a vampiros. Tal
como livros, artefatos, broches, camafeus e outros acessórios podem conter
misteriosos encantamentos nas mãos de magos, ou mesmo peças ritualísticas e
tatuagens formarem conexões espirituais de Lobisomens com espíritos ancestrais
da natureza.
A franquia Harry Potter, de autoria da J. K. Rowling e seu universo ficcional,
também exerce uma forte influência no consumo de Larps com linguagens e
estéticas mistas. Alguns desses Larps seguem completamente a trama, se
desdobrando em expansões transmidiática do universo ficcional desenvolvido para
franquia. Outros tomaram a base desse universo para criar ambientações que não
precisassem prestar contas à franquia, tendo uma liberdade maior para como e por
quais caminhos poderiam seguir, sem que dependessem de uma storyline
canônica. Um exemplo comum é o Larp College of Wizardry, baseado no College
of Witchcraft and Wizardry, da franquia Harry Potter. Esse tipo de Larp ganhou suas
próprias qualidades, mesclando diferentes estilos, como Boffer, Salon ou mesmo o
aspecto competitivo do Swordplay ao simular esportes ou confrontos mágicos,
passou por um auge e atualmente o evento encontra-se em dificuldades para sua
manutenção e continuidade. Numa tentativa de permanecer, seus organizadores
decidiram criar uma campanha e financiamento coletivo para arrecadar dinheiro
para pagar as dívidas e demais despesas para prosseguirem com o Larp. Para
Sumar (2016, p.7), a construção do jogo passa por três pilares:
College of Wizardry é um larp sobre uma escola mágica, onde jovens
espirituosos vão estudar magia avançada. É também uma instituição com
mais de mil anos de idade e com todos os elementos de um antigo colégio
interno; Rivalidades de casas, clubes secretos, rituais antigos e dúzias de
tradições. (...) é, antes de mais nada, um larp de uma escola, e deveria
parecer uma escola. Rivalidades e tradições escolares são importantes
aqui. Magia pode ser real, mas a vida escolar também é! Em segundo
lugar, College of Wizardry é um larp sobre jovens que exploram a vida e
adultos que a definem. A idade do jogador não importa, mas jogar com um
Junior ou um Sênior é muito importante. (...) é também um larp sobre
52
bruxas e bruxos, mas isso vem em terceiro lugar. Confrontos mágicos e
épicos são mais interessantes se não usadas em demasia. Maravilhas são
melhores em doses!
Seguindo por um caminho de emoções do suspense, da adrenalina, certos
tipos de Larp se popularizaram com práticas comuns a romances policiais ou obras
midiáticas de assuntos mais críticos, como lidar com os próprios medos, terror
psicológico, inimigos invisíveis, ameaças externas, experimentar uma realidade
com poucos recursos ou em parâmetros totalmente fora do alcance de quem
participa. Esses Larps envolvem principalmente os chamados Murder Mistery e
Survival. Segundo Falcão (2013, p. 33):
Murder Mysteries são jogos populares há séculos! Talvez eles possam ser
considerados os avós dos larps e são realizados pela Europa,
provavelmente, desde a era vitoriana. (...) há um assassinato (ou roubo)
que faz parte da trama e os jogadores devem investigar o local onde se
passa o jogo atrás de pistas para solucionar o mistério.
Os jogos do tipo Murder Mystery se manifestam como vários tipos de jogos
sociais, em rodas de amigos. Normalmente envolvendo títulos como um assassino,
um investigador, um advogado etc, que se baseiam em dicas, pistas, blefes e
códigos de linguagens corporais para resolver o mistério. Enquanto os Survival
possuem uma estética de resistência, por alguma ameaça biológica, mística,
tecnológica ou alienígena, experimentar limites em um dado contexto de limitações
e fugas. É muito comum que sejam adaptados para cenários contemporâneos ou
futuros distópicos, pós apocalípticos. Obras audiovisuais relacionadas a “apocalipse
zumbi” costumam ser a maior referência desse gênero de larp.
Simulações costumam entrar no guarda-chuva do roleplay, mas suas
relações recreativas ou experimentais não as enquadram como um tipo de jogo.
Mesmo que recreativo, um encontro de jogadores de paint-ball só se torna larp caso
participantes agenciem uma trama para que protagonizem como personagens,
dentro de um contexto ficcional. Assim como, uma equipe de treino para segurança
do trabalho, brigada de incêndio ou mesmo instrutores para cursos do campo de
saúde podem adaptar técnicas do teatro de improvisação como um modelo no qual
haja características e sensações de jogo. É comum que esteja em uma atividade
performática, como um jogo, saiba que estão jogando.
53
2.2.1. Larp Nórdico
Adotando aspectos menos fantasiosos e mais fatos reais, com poéticas e
experimentos emocionais, certos larps mesclam o melhor de cada gênero para sua
construção técnica, mantendo um aspecto específico deste tipo. Um exemplo são
os chamados Larps Nórdicos, com abordagem e estética mais adulta, materialista
e poética. São assim chamados por terem se tornado uma prática muito comum em
países como Finlândia, Suécia, Noruega e Dinamarca. Existem diversos
subgêneros de Larps Nórdicos, muitas vezes se mesclando ou tendo mais de um
estilo como base comum. No sítio virtual oficial das produções de Larp Nórdico, a
nordiclarp.org (2019), consta a seguinte descrição:
Larp Nórdico é um termo para tradições de Larp compartilhadas na
Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia. O que diferencia as tradições
nórdicas de larp é uma forte ênfase na colaboração e criação coletiva,
regras discretas, bem como uma rica variedade de estilos de jogo e
configurações, às vezes incluindo temas pesados.
Uma das principais e inegáveis características das tradições do Larp Nórdico
é a propensão de imersão dos participantes. E esta pesquisa envolve precisamente
o entendimento desta prática e como esta dialoga com rituais e experiências
transformadoras, a partir dos autores trabalhados aqui. A escolha por um autor que
abordasse a imersão dentro da prática de Larp se deu pelas referências utilizadas
pelo mesmo. Stenros11 (2010, p. 300), como um dos maiores estudiosos de Larp da
atualidade, tem uma crítica pontual sobre a prática comum de imersão no Larp
Nórdico e como é importante ter o estudo da psicologia para compreender o
contexto:
Embora o objetivo em larps nórdicos seja muitas vezes uma completa
ilusão, e perder-se em um personagem é muitas vezes visto como
desejável, na prática isso só acontece momentaneamente. (Afinal, a
completa imersão do personagem seria mais parecida com a psicose do
que com o jogo). A desenvolvedora de larp finlandesa Ranja Koverola
(1998) descreveu larp como um colar de pérolas. As pérolas são
momentos perfeitos no jogo, quando a ilusão do mundo está completa. Em
vez de pensar em interpretar um personagem, você é o personagem.
Alguns colares têm mais pérolas, outros têm menos. O colar de pérolas
contínuo é inatingível, mas suas ambições são parte da estética dos larps
nórdicos.
Jaakko Stenros (PhD) é professor universitário em Ludologia, trabalhando no Centro de
Excelência em Estudos da Cultura do Jogo (no Game Research Lab, Universidade de Tampere).
11
54
A partir deste ponto, considero a necessário reforçar certas proximidades e
distanciamentos entre Larp e Teatro. À medida que a pesquisa se desdobra com a
explicação de estudiosos e seus respectivos conceitos e demais estudos, é
importante lembrar que as poucas referências e literaturas acadêmicas a respeito
do Larp costumam se restringir a poucos nomes em sua produção. Por isso, as
relações do Larp com o Teatro são necessárias para uma breve compreensão
introdutória do que se trata o primeiro, uma vez que existem muitas práticas comuns
como figurino, cenografia e/ou sonoplastia. No entanto, é inegável que não haja
uma natureza artística, seja pelas referências, seja pela produção, seja pelo
desdobramento ou mesmo pela construção prática da performance. Mas como
identificar as proximidades e diferenças?
No Larp, participantes constroem personagens e com eles passam a viver
experiências não ensaiadas. Costumo dizer que o ensaio para o larp é a vivência e
repertório adquirido de saberes, habilidades e emoções na vida cotidiana, que
antecedem o ritual, que antecedem a prática. Stenros (2010) alega que
“improvisação e performances são tão centrais ao Larp que à primeira vista é difícil
distinguir do teatro” e que “a estética de participação é distinta da estética de plateia
e distanciamento”. É importante lembrar que o Larp não necessariamente é
composto por artistas formados em atuação. Quando estes participam de um Larp,
geralmente é por interesse pessoal. É como ser cantora e atriz. São práticas
distintas, mas que se conectam em uma série de contextos, e podem até auxiliar
uma a outra.
No Larp, por exemplo, a importância dos profissionais de teatro ajuda na
dramatização, nos exercícios de voz, gestos, expressões. Especialmente para
quem tem mais entusiasmo com a imersão. Do mesmo modo, profissionais que
lidam com questões técnicas como contra-regras, quem usa máquinas de fumaça,
ou quaisquer aparelhagens que colaborem com a dramatização.
No teatro, o Larp contribui com os exercícios apropriados por bastante
profissionais da dramaturgia que realizam preparo de atores mediante certos
contextos improvisados e exercícios recreativos que fazem parte do Larp.
Uma maneira de observar o Larp é sob a ótica dos jogos digitais. Imaginando
que o avatar do personagem é uma materialização virtual pela qual jogadoras e
jogadores personalizam a construção visual da personagem para uma melhor
55
interpretação. Esse tipo de prática também é comum em uma outra atividade, às
vezes confundida com o Larp: o cosplay. Cosplay é a abreviação do inglês costume
play, ou ato de vestir-se e agir como um personagem ficcional. Uma prática na qual
fãs de personagens da cultura pop estudam maneiras de viver experiências trajando
o figurino, maquiagem e acessórios dessas personagens e interagindo socialmente
em eventos destinados a reunir consumidores desta cultura. A construção do
cosplay é uma etapa comum ao Larp. Com a diferença de que os conceitos de
personagens costumam ser desenvolvidos por seus ilustradores, comumente das
séries ilustradas ou animadas japonesas ou de quadrinhos de super-heróis ou
franquia de jogos da indústria dos videogames. O ato de desenvolver o cosplay,
pesquisando acessórios, tecidos, costurando, é comum a ambas as artes. E é
comum também que cosplayers sejam larpers e vice-versa, uma vez que uma
atividade também possa auxiliar uma a outra nos quesitos técnicos de figurino. No
Larp, todo conceito é desenvolvido por quem constrói o personagem. Imaginar como
a personagem se veste, desenhar croquis e em seguida passar pelas mesmas
etapas do cosplay. Profissionais de moda, figurinistas, certamente é uma ocupação
pela qual o conhecimento técnico e teórico costuma dialogar bastante, seguindo
trajetórias de amadores a profissionais. Do mesmo modo, um Larp baseado em um
universo ficcional pronto já possui conceitos e se aproxima muito mais do cosplay
com as dramatizações improvisadas.
Mas há também exceções. Certos Larps organizados fixamente por grupos,
como uma espécie de franquia, como no caso do CoW, que possui uma estética
muito próxima da franquia Harry Potter, sua referência. Alguns encontros live steel
já possuem armaduras e acessórios disponíveis para seus participantes,
geralmente alugados ou cobrando alguma taxa, relacionada à manutenção do
equipamento. Neste caso, onde personagens são mais efêmeros, figurativos,
temporários, é comum que os conceitos venham pré-montados.
Portanto, Larp é uma performance recreativa, praticada de diversas
maneiras, mas identificada pelas práticas do fazer de conta. No seu uso mais
popularizado, o Larp envolve práticas que motivam a imersão em personagens,
como o estudo para que seus jogadores possam caracterizá-los, a partir de
conceitos geralmente desenvolvidos por estes mesmos jogadores. Há larps com
regras específicas, geralmente determinadas pela estética proposta por quem o
56
organiza. Um aprendiz de bruxo da CoW dificilmente poderia utilizar um phazer da
franquia Star Trek, ou um sabre de luz da franquia Star Wars. A menos que haja um
propósito elaborados por seus organizadores para que haja um equipamento
exótico à estética do tipo de Larp praticado.
Identificar o Larp dentro dos estudos de performance é também perceber
possibilidades de compreensão individual do sujeito performer, pois manter-se no
papel, no faz de conta, depende sempre do modo como as nossas experiências
encontrem caminhos nas impressões que os outros passam. E, para o Larp ou
qualquer brincadeira, isso consiste na nossa relação de blefe, troca de interesses e
outros códigos criados para lidar com a situação vivenciada.
Para Goffman (1956), como já dito anteriormente, os sujeitos tendem a criar
e viver situações de “primeira impressão” pela maneira como se constrói o olhar do
outro mediante uma apresentação. Moldar o que outra pessoa pensa, provocar
sensações de agrado, prazer, repulsa é algo estudado dentro dessas teorias. É
claro que todo esse processo se dá mediante uma troca. Poderíamos dizer que
funciona como um jogo participativo, sem necessariamente conseguir premeditar a
resposta do próximo.
Quando Goffman (1956) teoriza uma concepção de realidade análoga ao
teatro, podemos observar todos os seus exemplos no contexto do que conhecemos
por teatro. Porém, se considerarmos os mesmos exemplos sob a analogia do Larp,
ou mesmo sob a prática, é possível observar menos a passividade dos presentes,
pois na prática do Larp todos estão atuando. A relação de distanciamento entre ator
e espectador é substituída por quem está em ação, dada a concepção de que todos
os presentes estão atuando de acordo com seus graus de segurança, dramatização
e conhecimentos prévios ali como repertório emprestado à personagem.
Ao ler a referência selecionada sobre o estudo do Erving Goffman,
compreendi seu título como Expressão do Eu na Vivência Cotidiana, dada a
possibilidade de perceber Expressão e Vivência numa continuidade tão sublime
quanto o que entendemos por experiência. A formação do self é um processo
dialógico, dado numa interação social. Ao interagir e participar em um contexto
compartilhado, os recortes da específica experiência provocam transformações que
podem carregar um aprendizado por toda uma vida. Uma gíria, um gesto, uma frase,
um conhecimento, um exercício para o desenvolvimento de uma habilidade.
57
Quando se cria um personagem para um Larp, selecionando suas
características, conhecimentos, habilidades e detalhes psicológicos, a pessoa
participante do Larp constrói conhecimentos como quem estuda um personagem
dado por um diretor. Os Larps mais imersivos costumam ter um intenso trabalho de
criação de personagem. Viver as experiências de personagem antes, durante e
depois remonta possibilidades de experiências complexas. Para um Larp eu já
aprendi vocabulário jurídico para interpretar um promotor, numa corte onde
vampiros julgariam uns aos outros. Bem como eu tive que estudar mais
detalhadamente sobre histórias e filosofias gregas para construir um sátiro com
referência no Diógenes. Essa experiência da construção de personagens, mesmo
que seja comum em muitos jogos de RPG não digitais, passa do aspecto descritivo
para algo mais dramático no Larp, tanto para quem está com o personagem como
para quem interage com ele.
No Larp não há roteiro, mas o estudo de referências é essencial para formar
um acervo, um repertório que identifica a essência da personagem. Por não haver
ensaios até uma apresentação, o Larp confere experiências trocadas em tempo real
como “inéditas”. Cabe aqui lembrar que usamos o que aprendemos em nossa
trajetória de vida quando performatizamos. Portanto, o ineditismo perpassa o
comportamento restaurado (SCHECHNER, 2006). Se entendemos a relação das
emoções aprendidas como parte de um repertório do que sentimos medo, do que
sentimos raiva, do que nos dá prazer, isso não se torna distinto ao viver um
personagem criado. Tal relação com a experiência ganha significado também com
Turner (2005, P.180):
A experiência incita a expressão, ou a comunicação, com os outros. Somos
seres sociais e queremos dizer o que aprendemos com a experiência. As
artes dependem desse ímpeto para confessar e declamar. Os significados
obtidos às duras penas devem ser ditos, pintados, dançados,
dramatizados, enfim, colocados em circulação. Aqui o ímpeto do pavão
para exibir-se não se distingue da necessidade ritualizada de se
comunicar. O eu e o não-eu, o ego e o não-ego, a autoafirmação e o
altruísmo, encontram-se e se fundem em comunicações significativas.
Uma experiência vivida em Larp pode ser bastante intensa. E se pensarmos
o quanto o Larp é uma experiência imersiva, as sensações podem transbordar a
todo momento, fornecendo laços complexos do que entendemos como uma tristeza,
do que vivemos por uma tristeza e como é viver a tristeza de um personagem. Neste
caso, o comportamento duplamente vivenciado (SCHECHNER, 2006) torna-se
58
ainda mais complexo. Mas perceptível na ótica do que estudamos por autores
escolhidos neste estudo.
59
3. CONCEITOS DE EXPERIÊNCIA
Larp não é uma palavra muito familiar a muitas pessoas, incluindo pessoas
que jogam tRPG; perezhivanie é ainda mais desconhecida para quem não entende
russo ou quem não pesquisa a respeito. Na literatura acadêmica ainda há uma
grande distância entre ambas as terminologias. Mas como identificá-las e quais
suas conexões? Ao se pesquisar de maneira mais rasa, perezhivanie é uma palavra
da língua russa que se refere ao ato de experienciar emoções, viver uma
experiência, emocionar-se intencionalmente e coisas relacionadas a tentativas de
se traduzir ao pé da letra. Falar sobre perezhivanie dentro de um estudo
aprofundado envolve saber o que é, como é, por que é de qual perezhivanie
estamos falando. Perezhivanie apresenta-se de maneiras distintas, especialmente
depois que Vigotski desenvolveu um conceito com o mesmo nome do fenômeno
com a intenção de explicá-lo. Muitos autores, especialmente dos campos das
linguagens, abordam perezhivanie no seu aspecto emocional, como por exemplo, o
dramaturgo Stanislavski, que desenvolveu técnicas para artistas de teatro
alcançarem emoções mais intensas.
Lev Semenovich Vigotski nasceu em 1896, em Orsha, uma histórica cidade
de um país hoje chamado Bielorrússia. De acordo com Van der Veer & Valsiner
(2001), Vigotski nasceu em uma família tradicional judaica e, desde cedo, teve
contato com literatura, poesia e uma diversidade de linguagens artísticas. Segundo
Toassa (2009), Vigotski formou-se na Universidade de Moscou, em direito, uma das
poucas profissões autorizadas para judeus, mas nunca exerceu. Bem como em
história e filosofia, na Universidade do Povo Shaniavski. Todavia, o título não havia
reconhecimento por parte do regime czarista, mas isso não o impediu de se
aprofundar cientificamente em várias áreas de conhecimento. Como sujeito
interdisciplinar, seus estudos até hoje contribuem para a compreensão dos
aspectos culturais, até então não reconhecido na psicologia. Para Vigotski, a cultura
e as interações sociais são de grande importância para compreender o
desenvolvimento humano.
Em momentos distintos da sua carreira, Vigotski abordou sobre perezhivanie.
No entanto, é importante salientar que ele formulou o estudo do conceito só no final
de sua vida. A complexidade de explicar essa terminologia é maior que suas
aplicações. Diversas pensadoras e pensadores terão exemplos dos mais distintos.
60
Schmit (2018), organizou estas informações de maneira sintetizada, de acordo com
um sistema que Veresov (2016) utiliza para identificar as perezhivanie:
P1) Perezhivanie como fenômeno;
P1.1) Processo de experimentar o fenômeno;
P1.2) Conteúdo do processo da experiência;
P2) Perezhivanie como conceito;
P2.1) Refração do meio social;
P2.2) Unidade de personalidade e ambiente;
P2.3) Unidade funcional da consciência.
Como parte de um apanhado histórico, em sua tese, Ferholt (2009) localiza
o uso instrumental do fenômeno pelo russo Stanislaviski. Este que foi ator, diretor,
escritor e pedagogo, nasceu em 1863, na cidade de Moscou. Ferholt identifica que
“perezhivanie foi usado pela primeira vez como mais do que uma palavra cotidiana
no sistema dramático de Constantin Stanislavski”. De acordo com Ferholt (2009),
Stanislavski instrumentalizou o fenômeno, elaborando o uso de perezhivanie para
atrizes e atores criarem personagens mediante o reavivamento das próprias
experiências passadas. Ao criarem personagens, revitalizam as memórias
emocionais autobiográficas por ações físicas. Fherholt (2009) também identifica a
perezhivanie nas definições de comportamento restaurado do Schechner. Este,
como já explicado nos capítulos anteriores, ao considerar o processo de fluxo das
repetições de experiências e como estas dão uma margem de aprendizado de uma
performance à qual exercitamos (SCHECHNER, 2013).
Uma das importantes informações dadas por Veresov & Fleer (2016) é que,
como dito anteriormente, “essa definição foi retirada de um dicionário psicológico e
refletia o significado clássico tradicional do termo perezhivanie como existia na
psicologia naquela época, tendo se originado de Dilthey, Dewey e James.” Dilthey,
pensador alemão, nascido em 1833, foi filósofo, historiador, pedagogo, psicólogo e
sociólogo. Ele ficou conhecido por considerar aspectos da experiência vivida como
caráter de desenvolvimento. Em Dilthey, temos o estudo dos fenômenos de
experiência vivida como caráter filosófico, segundo Silva (2009, p. 20):
A ordem do pensamento diltheyano (...) é de que uma fundamentação
epistemológica precisa haver-se com proposições universalmente válidas,
e tais proposições podem ser buscadas na estrutura da “vida anímica” ou
nos “fatos da consciência”. A vida mesma oferece ao observador a
61
possibilidade de colher desta “experiência vivida” as regularidades que
demonstram as relações entre sujeito e dados ou objetos percebidos na
experiência sensível.
Como observou Turner (1986/2005), Dilthey analisou o fenômeno de
experiência vivida (Erlebnis) e suas relações simbólicas. Partindo disso,
observamos este fato tal qual Stanislavski e Vigotski fizeram ao tratar de
perezhivanie. Quando consideramos as interações simbólicas e o uso desses
símbolos como parte da mediação dialética numa sociedade, é possível entender
que vários pensadores, mesmo que filosoficamente divergentes, pareciam falar da
mesma coisa.
John Dewey, por exemplo, possuía uma visão pragmatista, que ele preferiu
chamar de instrumentalismo. Nessa corrente o pensamento e ações ganham
importância pela sua praticidade e objetividade. Dewey foi um filósofo e pedagogo
estadunidense, nascido em 1859. Turner (2005a, p. 178) fornece o seguinte
pensamento a respeito da visão de Dewey sobre experiência:
(...) parcialmente compartilho, mas que – devo parcialmente concluir –
precisa ser superada em relação a um importante aspecto. Dewey (1934)
sustentou que as obras de arte, incluindo obras teatrais, são “celebrações,
reconhecidas como tais, da experiência cotidiana” (ordinary experience).
Ele estava, evidentemente, rejeitando a tendência nas sociedades
capitalistas de colocar a arte num pedestal, separada da vida humana, mas
comercialmente valiosa dentro de normas estabelecidas por especialistas
esotéricos.
Turner, em 1986, escreveu um texto presente no livro The Anthropology of
Experience chamado “Dewey, Dilthey, and Drama: An Essay in the Anthropology of
Experience”, traduzido para o português para publicação Cadernos de Campo, em
2005. Nesse texto, Turner faz uma breve comparação entre Dilthey e Dewey: Turner
(2005) coloca pontos em comuns, como ambos pensarem as artes tendo origens
nas experiências humanas, nas cenas e objetos do cotidiano, nas quais o teatro é
um dos gêneros que reproduzem essas experiências. No entanto, Turner cita a
visão de experiência em Dewey de maneira biológica, enquanto Dilthey apresenta
um caráter de maior interação, numa influência construída em fenômenos externos,
com graus, intensidades diversificadas de tais experiências. Por essa via, Turner
(2005a, p. 179) também comenta a presença de especificidade nas experiências e
seu potencial formador e transformador:
Algumas dessas experiências formativas são altamente pessoais, outras
são partilhadas com grupos aos quais pertencemos por nascimento ou
62
escolha. Dilthey via tais experiências como tendo uma estrutura temporal
ou processual – elas são ‘processadas’ através de estágios distinguíveis.
Ao diferenciar a concepção de experiência em Dewey e Dilthey, Turner
(1986/2005) trata um conceito que se desdobra numa “ação reparadora”: drama
social. Em termos práticos, o drama social ocorre quando um grupo, uma sociedade,
uma comunidade entra em conflito e buscam uma solução para o conflito; seja uma
solução que resolva-o ou que concordem que não possa ser resolvido, mas que
construam outro caminho até atingirem, em suas próprias palavras, a “normalidade”.
Uma referência que o Turner utiliza para explicar sobre o drama social é o fato do
teatro reproduzir aspectos da vida social cotidiana, nas suas mais variadas
estéticas. Segundo Turner (2005b, p. 182) ritualização da ação reparadora pode se
manifestar na forma da lei ou religiosamente, pois:
Os processos judiciais acentuam a razão e a evidência; os processos
religiosos enfatizam as questões éticas, as maldições ocultas que operam
através de bruxarias, ou a ira dos ancestrais contra as quebras de tabu ou
a impiedade dos vivos em relação aos mortos.
Do início ao seu encerramento, um drama envolve ações reparadoras.
Conflitos, antagonismos, todas as etapas para que personagens concluam seus
ciclos normalmente perpassam por contextos narrativos dentro de um fluxo. Um
processo de busca pela normalização. Segundo Turner (1986/2005b, p. 184), é
importante reforçar o quanto o teatro busca referências na realidade e nas narrativas
orais, fictícias ou não, documentadas pela sociedade.
O teatro é uma dessas muitas herdeiras do grande sistema multifacetado
que chamamos de “ritual tribal”, que abrange idéias e imagens do cosmos
e do caos, interdigitando palhaços e suas folias com deuses e suas
solenidades, e fazendo uso de todos os códigos sensoriais para produzir
sinfonias para além da música: o entrelaçamento da dança, de diferentes
tipos de linguagens corporais, canções, cânticos, formas arquitetônicas
(templos e anfiteatros), incensos, oferendas, banquetes ritualizados,
pinturas, tatuagens, circuncisões, escarificações, e marcações corporais
de muitos tipos, a aplicação de loções e a ingestão de poções, a
encenação de tramas míticos e heróicos retirados de tradições orais – e
muito mais.
Ao interpretar o conceito de liminaridade de van Gennep para compreender
a experiência transformadora de um grupo, Victor Turner (1986/2005b) configura as
três fases elaboradas por van Gennep em sua obra Os Ritos de Passagem - são
elas separação, margem e agregação - sendo a margem o processo intermediário
liminar. Nesta fase, os fenômenos de experiência ocorrem, separando os sujeitos
63
envolvidos da realidade, transportando e transformando estes para novos
processos de representação simbólica, tal qual interpretou Schechner (2011) a
respeito do comportamento restaurado e Huizinga (2000) em seu círculo mágico. O
fenômeno de experiência singular, Erlebnis para Dilthey, Perezhivanie para
Vigotski, é caracterizado como parte da relação ritualizada por um grupo. Neste
caso, Turner direciona para ação reparadora como performance, pondo as três
fases como antecedentes ao processo, intermediária e pós atividade. Essa
configuração e trajetória presentes neste método analítico torna comum a
compreensão e como são simbolicamente estruturados os fenômenos de
experiência vivida. As conexões presentes nas maneiras como cada autor elabora
seu discurso a respeito da experiência vivida, enquanto fenômeno, são distintas em
suas aplicações, ou maneiras como foram analisadas. No entanto, pelo campo
simbólico, as maneiras como se referem ao fenômeno mostra que estamos falando
de algo em comum.
Ao falar sobre a fase liminar, Turner (2005) compreende uma predominância
no que ele chama de "modo subjuntivo da cultura". Neste sentido, temos uma
relação de possibilidades e aberturas questionáveis de maneira totalmente dialética,
pois o mesmo trata em suas próprias palavras a ideia do situacional, tal qual as
fantasias, desejos, sonhos, condições e dúvidas. Em suas próprias palavras
(1986/2005), os seguintes modos: “do 'talvez', do 'pode ser', do 'como se', hipótese,
fantasia, conjectura, desejo", de acordo com qual processo esteja dominante
durante o contexto. Considerando a divisão do fenômeno por Veresov, podemos
também observar a experiência vivida, no olhar de Turner, como Liminaridade (P1);
Ritual (P1.1); Ação reparadora (P1.2).
Partindo deste prisma, podemos constituir o Larp como um tipo de jogo que,
uma vez que este seja essencialmente imersivo, seus participantes buscam ações
reparadoras intermediados por uma experiência estética, idealizada para o
desenvolvimento durante o jogo. Sendo assim, tendo jogo como ritual, seus
participantes se conduzem a processos de uma busca por se tornarem parte da
história do jogo - neste caso, sendo construída coletivamente, durante sua vivência
- e assim abrindo margem/palco (TURNER, 1986/2005) para transformação.
Quando uma ou mais cenas geram significado para quem participa do Larp,
mediados pelas interações sociais, pessoas que participam do jogo reproduzem as
64
experiências reais dentro do contexto ficcional, vivido ludicamente. Dessa maneira,
o uso do conceito de perezhivanie para entender a unidade de personalidade e
ambiente, um caráter funcional da consciência e contexto, pode ser elaborado com
intenção de possibilitar uma experiência ou de gerar significado pelo contato com a
experiência desejada durante uma cena, assim podendo também entender o grau
situacional que forma uma ação reparadora a cada contexto de um Larp, formando
individualmente as experiências possíveis daquele jogo. Neste caso, pela ótica do
Turner (2005b, p. 184), a performance de Larp, como uma atividade de viver
experiências em tempo real, seria interpretável no seu ponto de vista da seguinte
maneira:
Meu argumento tem sido que a antropologia da experiência encontra, em
certas formas recorrentes de experiência social – entre elas, os dramas
sociais –, fontes de forma estética, incluindo o drama de palco. Mas o ritual
e sua progênie, com destaque às artes performativas, derivam do coração
subjuntivo, liminar, reflexivo e exploratório do drama social, onde as
estruturas de experiência grupal (Erlebnis) são copiadas, desmembradas,
rememoradas, remodeladas, e, de viva voz ou não, tornadas significativas
– mesmo quando, como acontece freqüentemente em culturas
declinantes, “o significado é de que não há significado”.
Diante dos dados relacionados pelos pensadores citados anteriormente,
cabe um reconhecimento de certos padrões no que é entendido por experiência
emocional - perezhivanie - e como pode se manifestar ou ser estudar tal fenômeno.
Perezhivanie, por sua essência, é de natureza psicológica e assim deve ser
reconhecida; seja em um jogo mediado por interações sociais, um ritual ou uma
peça teatral. Vigotski (2009, p. 21), ao escrever “Sobre o Problema da Psicologia do
Trabalho Criativo do Ator”, traduzido e organizado em 2009 por Delari, descreve
essa natureza do fenômeno:
A psicologia ensina que as emoções não são uma exceção, algo diferente
de outras manifestações de nossa vida mental. Como todas as outras
funções mentais, as emoções não permanecem na conexão em que elas
estão dadas inicialmente em virtude da organização biológica da mente
humana. No processo da vida social, os sentimentos desenvolvem‐se e as
conexões iniciais desintegram‐se, emoções aparecem em novas relações
com outros elementos da vida mental, novos sistemas se desenvolvem,
novas ligações de funções mentais e unidades de uma ordem superior
aparecem dentro de tais padrões especiais, interdependências, formas
especiais de conexão e movimento são dominantes.
O exercício de experimentar emoções, interagindo socialmente, em
contextos que nos transportam para outro campo da realidade, permite observar
certas práticas como intencionalmente direcionadas à perezhivanie. O Larp é um
65
desses exemplos porque o caráter estético desse tipo de jogo é justamente de
experimentar situações e circunstâncias da realidade em diversas linguagens,
dentro de um círculo que isola seus praticantes do tempo e espaço da realidade fora
do que está sendo jogado.
De acordo com Schmit (2018), Vigotski descreve as Funções Psicológicas
Superiores como “reorganizações das Funções Psicológicas Elementares” (FPE).
As FPE são nossas capacidades inatas, pelos sentidos físicos e como aprendemos
com estas capacidades e formamos nossas personalidades e experiências. O
resultado dessa trajetória de sensações, aprendizados e experiências mediados por
nossas capacidades e sociabilização, formam a personalidade, logo FPS é um
sistema psicológico resultado de “relações sociais internalizadas”. Uma vez
aplicado às emoções, esse prisma configura-se como perezhivanie.
Ao se reproduzir dentro de um jogo as experiências cotidianas, aprendidas
durante as trajetórias individuais de participantes, em um contexto desenvolvido em
um momento do jogo, temos o que o Schechner chamou de comportamento
restaurado (2011), um conteúdo da experiência vivida (VERESOV, 2016).
Personagens desenvolvidos para um Larp, bem como outros jogos como tRPG, têm
sua construção mediada pelas FPS de quem estiver criando. Do mesmo modo, são
vividos de maneira dramática para que jogadoras e jogadores adaptem
comportamentos, hábitos, costumes, gestos e corporeidades aprendidos durante
sua trajetória de vida para um dado tempo e espaço fora de suas realidades.
Portanto, uma vez que haja uma refração do ambiente (SCHMIT, 2018), neste caso,
uma unidade entre personalidade e contexto, esse prisma é entendido pelo que
chamamos de perezhivanie enquanto conceito. Logo, o pensamento vigotskiano
analisa os aspectos histórico culturais para percepção do fenômeno ao desdobrarse em Funções Psicológicas Superiores.
66
4. EXPERIÊNCIAS EM LARP
Parafraseando Luiz Falcão (2013), “Larp é um jogo e uma arte participativa”.
Isso quer dizer que é um tipo de arte pela sua qualidade dramática, técnica (Quando
envolve uma produção cenográfica, figurino, maquiagem, iluminação e uma série
de preparos), bem como uma estética que una os aspectos reflexivos de uma
performance artística com os desafios e regras que formam essa atividade de
interação social como um jogo. Uma outra explicação é de que seja um jogo de faz
de conta, cujo pleno acontecimento se dá pelo fato de todas as pessoas presentes
estarem em jogo, vivendo papéis fantasiosos. Larping (Ação de jogar Larp) é um
processo que se desenvolve de maneira autônoma, se comparado a outros tipos de
jogos. É circunstancialmente confundido, ou sintomaticamente comparado com uma
série de outras atividades muitas vezes pluralizadas com outras performances de
entretenimento e motivações criativas, como o cosplay ou atividades menos
narrativas e/ou dramáticas. Sem o devido estudo, costumamos explicar de formas
mais diversas as relações fundamentais destas atividades de maneira reducionista,
ou mesmo desconsiderando sua potencial independência.
Ao considerar a importância das artes participativas e jogos com estéticas
artísticas, assim como entender o funcionamento das representações que ocorram
nessas atividades, esse estudo visa esclarecer como estas práticas possuem suas
respectivas autonomias, em virtude dos seus contextos e como seus participantes
são emocionalmente afetados, de modo que criem interesses em viver essas
experiências sob novas possibilidades das interações e regras da atividade.
Para entender sobre perezhivanie e suas interpretações por outros autores
e, principalmente, que Larp é por si só uma atividade imersiva devido à sua estética,
cabe aqui reforçar o caráter de que algumas tradições de Larp tratam essa prática
de maneiras mais intensas e artísticas. É o caso da tradição do Larp Nórdico.
Jaakko Stenros, um dos maiores estudiosos de Larp do mundo, durante o
quadro Nordic Larp Talks, em 2014, publicado também no periódico homônimo ao
evento: Knutepunkt 2014, descreve o Larp Nórdico como uma tradição. Essa
tradição
possui
esse
nome
por
ter
sido
desenvolvido
e
praticada
predominantemente por países que compõem os chamados países nórdicos, como:
Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca. A característica principal que difere o Larp
67
Nórdico dos outros Larps é a seriedade e linguagem tratada nos jogos. Larps com
temáticas de debates socioambientais a holocausto.
Ainda no mesmo livro, Knutepunkt 2014, Stenros (2014, p. 25) cita uma frase
dita por ele em um quadro do evento do ano anterior, chamado Nordic Larp Talks,
do qual ele descreve a tradição de Larp Nórdico da seguinte maneira:
Uma tradição que vê o larp como uma forma válida de expressão, digna
de debate, análise e experimentação contínua, que emergiu em torno da
convenção Knutepunkt. Tipicamente, valoriza coerência temática, ilusão
contínua, ação e imersão, enquanto mantém o larp co-criativo e sua
produção não comercial. Oficinas e debates são comuns.
A dimensão dessa tradição cresceu e formou escolas de pensamento que se
apropriaram de linguagens comuns a vanguardas artísticas e políticas para
documentar manifestos e desenvolveram os seus próprios. Tal qual outro grande
estudioso da cultura do Larp, Mike Pohjola, é um dos autores: O Manifesto Turku12.
Neste manifesto, Pohjola desenvolve a filosofia pela qual os participantes de Larps
dessa estética envolvem-se com o processo imersivo e quais são as características
específicas dessa escola, que ao longo do texto aparecerá em fragmentos, quando
comparada a outras escolas.
Para criação do manifesto e da filosofia da Escola Turku, Pohjola realizou um
estudo bastante denso sobre imersão, publicado nos periódicos Beyond Role and
Play, em 2004 e no Nordic Larp Talks, referente ao Knutepunkt 2014. No seu artigo,
Pohjola [2014 (2004)] debate a problemática abordagem sobre o tema e compara
as Escolas Turku, Meilahti13 e Post-Bjorneborgian14 em relação ao conceito de
personagem e imersão, argumentando que a interação é trivial para o conceito que
define role-play, explorando o impacto das realidades percebidas em alcançar a
imersão e o efeito da imersão na realidade dos jogos.
Quando compreendemos essas possibilidades, sempre temos que pensar no
caráter imersivo de um Larp e como este pode ser definido. Por detalhe específico
12
O Manifesto da Escola Turku pode ser encontrado em: POHJOLA, Mike. The Manifesto of The Turku
School, p. 34-39. In: GADE at al. As Larp Grows Up. 2003; disponível em:
<https://nordiclarp.org/w/images/c/c2/2003-As.Larp.Grows.Up.pdf>. Acesso em: Jun. 2019.
13
O Modelo Meilahti pode ser encontrado em: STENROS, J.; HAKKARAINEN, H. The Meilahti Model, p.56-64.
In: GADE at al. As Larp Grows Up. 2003; disponível em: <https://nordiclarp.org/w/images/c/c2/2003As.Larp.Grows.Up.pdf>. Acesso em: Jun. 2019.
14
O Modelo Post-Bjorneborgian pode ser encontrado em: HARVIAINEN, J. T. The Multi-Tier Game
Immersion Theory, p. 4-8 (The Lost Chapters). In: GADE at al. As Larp Grows Up. 2003; disponível em:
<https://nordiclarp.org/w/images/c/c2/2003-As.Larp.Grows.Up.pdf>. Acesso em: Jun. 2019.
68
do Larp Nórdico, algumas de suas escolas ganham destaque nesse aspecto.
Pohjola (2014, p.115) descreve as três perspectivas de imersão, de acordo com as
três escolas do seguinte modo:
1. No modelo Meilahti, participante e personagem são partes distintas,
formando narrativas individuais que antecedem o quadro diegético,
quando a imersão une ambos à narrativa.
2. No modelo Turku, participantes podem se tornar personagens após a
leitura da descrição escrita da personagem. Ao olhar para narrativa por ela
própria, o caminho para imersão é criado. De acordo com o Manifesto
Turku, o que define role-playing é imersão e interatividade.
3. Ao descrever o modelo de Harviainen (2003), o Post-Bjorneborgian
School, Pohjola destaca três tipos de imersão: de personagem, de
realidade e de narrativa.
Pela divisão de Harviainen (2003), Pohjola (2014, p.116) conecta fatores
fundamentais para o entendimento da imersão e simulação, ao comparar com as
divisões estabelecidas no modelo do Manifesto Turku, de modo que participantes
imersivos vivem a experiência de personagem, enquanto participantes simuladores
fazem de conta que vivem a experiência. Não há como negar tal pensamento, ao
se tratar de performance, ritual e tradição. Afim de compreender o agenciamento
dessa relação de participante e personagem, a transformação é um estágio entre a
passagem de estados. Pohjola (2014, p.116) demonstra um grande entusiasmo
para tratar dessa condição que difere a imersão total e o fingimento:
(...) a imersão é inspirada e natural, a simulação é consciente e forçada.
(...). Ao imergir na realidade de outra pessoa, participantes voluntariamente
mudam sua própria realidade. Participantes fingem ser outra pessoa. (...)
Mas mais do que fingir ser personagem, participantes fingem acreditar que
são personagem. É esse estado auto induzido que torna tudo tão legal.
Até certa parte do desenvolvimento deste estudo, participante, participativo
e participação eram palavras mais comuns. É necessário reforçar que no Larp
processos como interativo, interação e interatividade estão mais direcionados aos
seus aspectos sociais, que independem do jogo. Pelas constituições simbólicas
provocadas pelas interações sociais, o jogo torna-se apenas uma zona na qual
essas interações ocorram. Dado o processo de como um Larp se desenvolve, a
terminologia participação torna-se mais coerente com seus papéis abstratos e
materiais. Portanto, no Larp participamos do jogo, enquanto um dado
acontecimento com suas constituições de tempo e espaço, tendo a realidade
objetiva como referência.
69
Pohjola (2014, p.117) também discute a diferença do modelo Turku pelo fato
desta escola considerar “interações” com o ambiente, o cenário e o que nele faça
parte. Pensemos a performance arte, dentro deste espectro. É possível construir
uma experiência em contato com transeuntes, mas também é possível construir
uma experiência de autoconhecimento e de contato com o ambiente. Em seguida,
o autor compara duas situações diferenciais entre o Modelo Meilahti e o Manifesto
Turku, de maneira que, no primeiro, é impossível ter uma experiência jogando só,
pois o Modelo Meilahti desconsidera as interações com o cenário, de maneira que
a diegese exista “somente quando transmitida através dos jogadores”. Ao contrário,
o Manifesto Turku torna tal circunstância totalmente possível, nas palavras do
próprio autor, uma vez que na ausência de um mestre/narrador, jogadores tenham
que agir sozinhos. Neste caso, as imersões funcionam de maneiras totalmente
distintas, ainda que a interação não seja essencial, mesmo que ambos os modelos
defendam que sim, nas palavras de Pohjola.
O estadunidense, designer de jogos, Greg Costikyan, afirma que jogo por
natureza é algo interativo. Mas Pohjola (2014, p. 117-118) busca nesse autor tal
afirmação para justificar que há uma contradição no sentido de interação enquanto
mídia, da seguinte maneira:
(...) essa definição de interatividade não se encaixa no role-playing, uma
vez que um RPG não é um objeto que pode existir sem os jogadores. (...).
Um ser humano não pode escolher se é interativo ou não; Um ser humano
é interativo por padrão. Não faz sentido, então, dizer que um participante
de RPG deve interagir para que o jogo seja interativo. Enquanto o jogo de
RPG tiver até um único ser humano, ele tem interação. Da mesma forma,
um personagem (supondo que seja relativamente humano) é
automaticamente interativo e em interação com sua realidade, ou seja, a
diegese do jogo.
Para reforçar tal contradição, Pohjola (2014, p. 119) critica o fato dos RPGs
serem frequente e falsamente considerados "mídia interativa" ou "arte interativa".
Embora não haja uma totalidade nesta afirmação, considerar tal fato é no mínimo
trivial, pois "uma vez que toda a arte e todas as mídias são interativas - não
necessariamente quando são percebidas ou experimentadas, mas definitivamente
quando são criadas", assim localizando o problema do uso da terminologia:
Como não adianta dizer que a interpretação de papéis é interativa, a
definição precisa ser revisada. Simplesmente retirar a interatividade das
definições ou substituí-las pelo imediatismo não funcionaria. De acordo
com o modelo Meilahti, a imersão sem interação (“sozinha”) é como sonhar
acordada, devaneio. De acordo com o Manifesto Dogma 99, “larp é ação,
não literatura” (Fatland & Wingård 2003). De certo modo, ambos estão
70
certos. Imersão sem ação é devaneio e pode resultar ou ser o resultado de
uma narrativa.
Pohjola (2014, p.120) define Inter-Imersão como “um estado alcançado
quando um ou mais participantes ‘interagem’ entre si e com objetos à sua volta”.
Algo que novamente chama a atenção pela maneira como os recortes são descritos.
Como o próprio autor explica, na mesma página, materializando o contexto e
subjetividade, do cenário e personalidade:
Inter-imersão pode ser explicada sem mencionar interação. Inter-imersão
é um fenômeno que fortalece a identidade do personagem (em oposição à
identidade do jogador), que ocorre quando o jogador está imerso em uma
diegese crível.
Por esse aspecto, podemos levantar uma consideração a outro detalhe. Ao
se mapear a experiência diegética, é possível encontrar a caracterização do
conceito de communitas, um entre-lugar, como quando indivíduos estão no “interior
da liminaridade” (SARTIN, 2011; DAWSEY, 2011). Pois, se a liminaridade
(TURNER, 2005) é o fenômeno, communitas é o conteúdo do fenômeno, a InterImersão seria também uma etapa de Perezhivanie (VERESOV, 2016). Mediante as
teorias de Richard Schechner e Victor Turner, o aspecto que o fenômeno de
transformação adquire aqui passa a se aplicar no objeto de estudo com uma maior
profundidade. Como outro exemplo, a negação de si e a retomada de se reassumir
no que Schechner (2011) elaborou a partir de Turner (1974) com o entendimento
do “Não-Eu” e “Não Não-Eu”, pela maneira como a transformação ocorre com a
pessoa transformada. O experimento liminar (DAWSEY, 2011) também ganha certo
sentido, dentro da perspectiva da imersão intencional e coletiva.
Jogos são formados por conjuntos de regras explícitas e implícitas, como
explicado por Huizinga (2000) e Caillois (2001). A criação de personagens reúne
processos limitadores sobre o que se pode ou não fazer com tal personagem.
Mesmo
quando
personagens
são
entregues
parcialmente
prontas
para
participantes, as informações contidas e expostas são as limitadoras. E por meio
desses limites as construções subjetivas que formam a unidade entre participante
e personagem começam a fluir, especialmente pelo modo como as regras implícitas
são as que mais colaboram com a imersão em um Larp.
Uma vez compreendido que um jogo se dá dentro de um contexto construído
em um momento e espaço, o mestre de jogo, narrador, geralmente organizador e,
71
algumas vezes, desenvolvedor do jogo (algo comum ao Larp), estabelece
procedimentos de funcionamento da narrativa. A diegese será mediada por esses
procedimentos e limitações, como foi citado pouco antes. A condução de decisões
e reações fica a cargo da subjetividade de quem joga. Para explicar o procedimento
comparativo e sobre regras, Pohjola (2014, p. 14) explica:
Nos jogos de Larp, o mestre do jogo cria regras para a sociedade. Ela pode
decidir sobre um novo idioma, novo estilo de roupa ou mudar
completamente as leis. Ela muda temporariamente um conjunto de regras
arbitrárias para outro.
Pohjola (2014) também compara os larps com Zonas Autônomas
Temporárias (Temporary Autonomous Zones), de modo que ambos se manifestam
com detalhes comuns. As ZAT são um conceito anárquico de Hakim Bey,
pseudônimo do historiador, filósofo, poeta e escritor estadunidense Peter Lamborn
Wilson. Hakim Bey é responsável por desenvolver estudos e desenvolvimento de
obras sobre a organização social dos piratas. Bey (1985) define ZAT da seguinte
maneira:
A ZAT é uma espécie de rebelião que não confronta o Estado
diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra,
de tempo, de imaginação) e se dissolve para se refazer em outro lugar e
outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la. (...) E, uma vez
que a ZAT é um microcosmo daquele “sonho anarquista” de uma cultura
de liberdade, não consigo pensar em tática melhor para prosseguir em
direção a esse objetivo e, ao mesmo tempo, viver alguns de seus
benefícios aqui e agora.
Por reforçar as semelhanças entre Larp e ZAT, Pohjola (2014, p.122-123)
considera que “a criação de sociedades de larp habilita e nos capacita a comentar
sobre as sociedades da vida real e até mesmo alterá-las”. Em um processo dialético,
o autor trata a potencial possibilidade de mudança da única e concreta realidade,
no caso, vivida fora do jogo. Do mesmo modo que, com suas personagens, podem
mudar a experiência da realidade de jogo, as mudanças se tornam possíveis na
“realidade objetiva”, pelo fato de terem sido experimentadas na primeira. Em suas
próprias palavras: “As identidades podem mudar e as realidades também podem
mudar”. A transformação (Schechner, 2011) não ocorre apenas individualmente. Ela
ocorre no mundo que cerca a pessoa transformada. Portanto, do mesmo modo que
identidades mudam, realidades podem estar sujeitas a essas reconstruções.
De maneira mais objetiva, a relação entre ZAT, Larp também pode concentrar
características que começamos a nos familiarizar depois de conhecer os autores
72
que fundamentam este estudo. Os ritos de passagem, fenômenos de
transformação, interações simbólicas e funções psicológicas superiores configuram
a rede que forma o aspecto fenomenológico e conceitual que se observa na imersão
do objeto deste estudo. Como exemplo, foi selecionado um Larp trabalhado como
experiência antropológica, chamado Koikoi, ocorrido de 1 a 5 de julho de 2014,
jogado por quatro dias e três noites.
Figura 9. Larp - Koikoi
Fonte: Koikoi, por Xin Li, 201415.
Os dados a respeito desse Larp foram publicados The Nordic Larp Year Book
2014, como parte integrante do Knutepunkt do mesmo ano.
Koikoi foi organizado por Eirik Fatland, Tor Kjetil Edland, Margrethe Raaum,
Martin Knutsen, Trine Lise Lindahl, Elin Nilsen e Jørn Slemdal. De acordo com a
pesquisadora Kaisa Kangas, neste Larp, seus participantes vivem uma experiência
como uma sociedade de bando, uma sociedade autônoma chamada Ankoi (palavra
que se refere a “pessoa” na língua desse povo).
Os bandos de Ankoi são chamados de "Fam", integrados por dez a vinte
pessoas que vivem vagando por uma floresta como nômades. Cada Fam possui
15
Disponível em: < https://www.flickr.com/photos/yunyard/sets/72157645868486273/> Acesso em: 10
Out. 2018.
73
seu próprio totem. A cada dois anos, os Ankoi se reúnem em um local sagrado
chamado Koi para celebrar um ritual chamado Koikoi.
Figura 10. Larp - Koikoi
Fonte: Koikoi, por Xin Li, 201416.
O jogo acontece a partir do encontro dos Fam. Em dados técnicos de jogo, a
cultura dos Ankoi se apresenta como um misto de várias culturas do mundo real.
Mas com uma organização social muito distinta. Diferente da estrutura familiar de
nossas sociedades, com estruturas quase que homogêneas sobre a organização
familiar, seus "pais", que têm a função de educá-los e alimentá-los, são os irmãos
de suas "mães", que por sua vez são as mulheres que cuidaram e amamentaram
quando bebês. Crianças não possuem um gênero, quando alcançam certa idade,
passam por um ritual para testar se estão aptos a se tornam adultos e então
pertencerem a um dos seguintes gêneros: kvinn (mulher), mann (homem) e nuk.
Este povo possui equidade de gênero, com a única diferença sendo o papel
desempenhado no seu Fam. Nuk, por exemplo, costumam desempenhar papéis de
guardas ou shamans, e este é o senso que Nuks possuem de si, pois não há
16
Disponível em: < https://www.flickr.com/photos/yunyard/sets/72157645868486273/> Acesso em: 10
Out. 2018.
74
identidade de gênero determinante. Por haver essa distinção, os papéis de sexo
são isolados a um contexto apenas biológico e espiritual.
Figura 11. Larp - Koikoi
Fonte: Koikoi, por Xin Li, 201417.
Os Ankoi preservam sua história pela oralidade. Acreditam que suas origens
espirituais remetem a espíritos chamados kwath: entidades divinas/espirituais que
vivem na composição do mundo, seja nas águas, nas rochas, no vento e nas
plantas. O espírito do fogo vive nas kvinn, enquanto os de água nos mann e nuk
possuem ambos os espíritos. Uma mulher sempre dá a luz sozinha nas matas.
Durante este momento, homens não podem acender fogueiras, a fim de que não
provoquem a fúria dos kwath.
Entre os Ankoi não há leis que não sejam as espirituais, naturais e implícitas
ao convívio com as duas anteriores. Portanto, não há juízes, nem prisões e qualquer
17
Disponível em: < https://www.flickr.com/photos/yunyard/sets/72157645868486273/> Acesso em: 10
Out. 2018.
75
incômodo é resolvido com uma briga organizada. Quanto a estranhos, eles são
agressivos e trabalharão para matar quem não for do seu próprio povo.
Por ser um Larp sobre rituais, sem um plot específico, o modelo de ritual ficou
a cargo da interpretação e diegese de quem participou. Logo, participantes
utilizaram suas referências, funções psicológicas superiores, seus comportamentos
restaurados para realizar os rituais: cânticos, música, dança, comida, brincadeiras,
pinturas, à margem da improvisação. Os Ankoi possuem rituais para muitas coisas.
Para o sol nascer, para ventar, para chover, bem como para um integrante passar
de um Fam para outro.
Figura 12. Larp - Koikoi
Fonte: Koikoi, por Xin Li, 201418.
Por não possuir a estética de um Larp sobre fantasia, participantes focaram
em tornar real quaisquer possibilidades humanas dentro daquele contexto. Como
uma experiência antropológica de um povo que só existe naquele jogo, Koikoi
(FATLAND & EDLAND, 2014), permitiu que participantes explorassem ao máximo
as relações e construções sociais, mediadas pelas interações e o ambiente. Assim
retirando a zona de conforto de uso das experiências cotidianas em muitos eventos
ocorridos durante essa experiência social. As sensações de crescimento,
18
Disponível em: < https://www.flickr.com/photos/yunyard/sets/72157645868486273/> Acesso em: 10
Out. 2018.
76
convivência, envelhecimento, pertencimento, foram práticas exercitadas durante a
performance.
Dentro dessa experiência (auto) etnográfica, os relatos dos seus autores a
respeito dessa experiência formam um olhar interessante aos estudos de
performance. Pois a realização de uma experiência fora da zona de conforto, do
que conhecemos pelas tradições de Larp, configura uma prática totalmente imersiva
que converge o uso recreativo e instrumental, dada a qualidade de estudo antes,
durante e depois do Larp. Segundo Fatland e Edland (2015, p. 52):
Para fornecer um ponto de vista sobre esses temas, construímos os Ankoi
como uma mescla de tradições e idéias tão estranhas à nossa própria
cultura quanto possível, mas ainda 'autênticas': documentadas na história
e na antropologia. O resultado foi uma sociedade muito mais complexa do
que pode ser descrita aqui, mas não um representante de qualquer
sociedade real de caçadores-coletores. Estes são bastante diversos - os
Inuit do Ártico têm menos em comum com os Umanikaina da Nova Guiné
do que a Dinamarca com a Coréia do Norte
Figura 13. Larp - Koikoi
Fonte: Koikoi, por Xin Li, 201419.
A respeito da dinâmica e design do jogo, a maneira como personagens
evoluíram dentro da diegese provocou mais processos significativos para
19
Disponível em: < https://www.flickr.com/photos/yunyard/sets/72157645868486273/> Acesso em: 10
Out. 2018.
77
ambientação e a relação de como participaram da construção da história do jogo,
para Fatland e Edland (2015, p. 53):
A cultura serviu como o mecanismo dramatúrgico, projetado para oferecer
oportunidades de jogo significativas - transições, relacionamentos e
escolhas - para cada personagem. Para os jovens adultos encontrarem um
ou mais amantes e serem aceitos como membros da mesma família. Para
adultos mais velhos: considerarem se era hora de se estabelecerem em
Koi como um Ald, um ancião. Para os anciãos: considerarem se o seu
caminho estava próximo do fim. E para as crianças: procurarem a idade
adulta como mulher, homem ou nuk.
A complexidade de viver a experiência de nômades, tendo que buscar
alimento, construir suas casas quando chegam ao destino e também viver
linguagens adaptadas é uma maneira de estudar performances. Tendo em mente a
contextualização crítica das teorias presentes na área de conhecimento, deixar
levar-se por Koikoi está além do ritual. As análises de Turner (2005b, 2005b) podem
ser observadas e aplicadas com Koikoi assim como no povo Ndembu, mesmo em
processo de diegese, reforçando as experiências transformadoras de comunidade
aprofundadas em Turner (1987). Na perspectiva vigotskiana, se faz necessário
considerar aqui os aspectos de análise sob a refração social e como as experiências
individuais afetam todo o grupo, de maneira que se aprofunde pelo conceito de
perezhivanie para ampliar o caráter transformador do Larp como performance
diegética.
78
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A primeira coisa a se pensar, ao desenvolver esse tipo de pesquisa, é
considerar que ela não é nova e não apresenta algum fator relevante para mudança
em seu aspecto essencial. A segunda coisa é considerar que a importância dela se
dá pelos questionamentos que motivaram a uma mudança metodológica. Por
exemplo: Inicialmente, foi intencional realizar uma pesquisação. Pesquisar durante
a prática, sob o intermédio de teoria fundamentada. No entanto, a dificuldade de
encontrar pesquisas específicas sobre os conceitos abordados, bem como a
aplicação desses conceitos para o estudo de fenômenos acerca do objeto ainda é
algo fragmentado. A maior parte das teorias ainda se encontram em pequenos
artigos em periódicos dos eventos especializados, aguardando tradução de línguas
escandinavas para o inglês.
A presença de material da literatura acadêmica, sistematizados, catalogados
e indexados como livros chega a ser utópico, neste momento. Pois muito do que é
produzido em teoria costuma-se vincular a alguma prática realizada em um contexto
muitas vezes distante do que é praticado em lugares culturalmente distintos. O Larp
Nórdico é uma concentração de tradições práticas e manifestos desenvolvidos sob
as perspectivas de países escandinavos. Uma vez na realidade brasileira, tais
perspectivas mudam uma vez que hábitos e costumes, dos mais variados presentes
em um país de dimensão continental como o Brasil, estejam em esferas materiais
distintas das realidades cotidianas de diferentes povos. Portanto, ao realizar a
trajetória de algumas das teorias dos jogos, sob o olhar dos estudos de
performance, a primeira dificuldade é de deparar com tradições que já estejam
canônicas, na prática dos Larps ou mesmo dos estudos, pelo próprio princípio que
fundamenta às áreas de conhecimento aqui contempladas. Selecionar referências
que estejam abertas a práticas que estejam além do que entendemos por teatro,
performance arte, direcionamentos para estudos sobre identidade ou a natureza
política dessas manifestações culturais, é ter o cuidado de lidar com conhecimentos
que exigem longos processos de formação. Leituras que são importantes, mas que
não dialogam diretamente com o objeto, ou que desviem o sentido obtido e
questionado em torno do mesmo.
Parte da dificuldade de encontrar o material é o fato de que, na maioria das
pesquisas relacionadas a Larp ou perezhivanie, não terem tanto estímulo para além
79
de uma instrumentalização, como desenvolver uma aplicabilidade do Larp para
facilitar algum conhecimento ou função, tendo a experiência de quem joga em
segundo plano. A falta de continuidade de importantes estudos também tem relação
de que muitos dos materiais não estão mais disponíveis em plataformas que foram
publicados, ou seus autores já não respondem por e-mails indicados nessas
plataformas ou e que até sejam inacessíveis por redes sociais, dificultando a
obtenção de suas referências. Logo, a ideia de propor um acesso ao conteúdo, uma
sistematização e apoio para o estudo e desenvolvimento de meios que facilitem este
acesso é de grande necessidade para uma rede de estudos sobre a sociedade e
como se configuram suas experiências.
As referências pesquisadas e revisadas neste estudo conduzem a objetos
comuns, ainda que apresentando terminologias aplicáveis ou entendidas pelas
áreas específicas de conhecimentos dos seus autores, em seus respectivos
contextos. Muitos destes autores são pensadores que encerraram suas vidas antes
de concluir suas pesquisas, ou mesmo tendo traduções que alteram o sentido das
terminologias que são parte dos seus objetos de estudo.
A contribuição possível e almejada nesta pesquisa se dá pela maneira como
é possível pensar uma prática e seu caráter de entretenimento e arte, contemplando
ou não a diversidade de afirmações acerca do objeto. Larp é uma prática ao alcance
de todo mundo, ao mesmo tempo que parece não ser. E com isso entra uma série
de questões sobre separar Larp e tRPG, usar outras terminologias para se referir a
Larps e outros jogos com suas fundamentais aplicações e seus resultados
favoráveis ao modo como são instrumentalizados.
Muito deste trabalho partiu de uma busca por discursos concisos para
conectar teorias que são pouco abordadas conjuntamente, fora de esferas
acadêmicas. Isso tornou o olhar sobre objeto dialógico com outras linguagens,
possibilitando abertura para novas pesquisas e, consequentemente, abrindo portas
para o desenvolvimento de eventos maiores, para além dos espaços que são mais
praticados no Brasil.
Considero que nenhuma pesquisa se encerra dentro dela mesma. Pois
desenvolvi novas dúvidas e questionamentos que promovam uma qualidade melhor
do tipo de busca que posso realizar e como me antecipar para eventuais
dificuldades estruturais nas teorias estudadas para o desenvolvimento deste
80
trabalho. Pois, dentro do campo interdisciplinar, torna-se mais difícil e em certos
detalhes inviável navegar em mar aberto sem um mapa e uma bússola.
O caráter principal deste estudo considerou a possibilidade desses novos
questionamentos durante seu desenvolvimento. E é importante ter ciência dessa
possibilidade em uma trajetória com objetivo de resolver uma dificuldade
bibliográfica e dialética no que se refere a fenômenos, como também conceitos que
os expliquem.
Portanto, do conteúdo reunido e estudado, todas as análises de conceitos,
terminologias e significados abordados aqui nesta pesquisa recaem sobre um
entendimento geral do fenômeno e como este se aplica ao contexto de interesse do
autor abordado. Deste modo, o fato de muitos dos autores terem alguma relação
direta ou indireta com o teatro transfere muitos dos seus exemplos para esta prática.
Mas nem por isso torna menos legítimo. Pois retifica a relação psicológica de como
as emoções são pensadas em um dado contexto histórico e como suas
manifestações conduzem a processos comuns a diversas tradições.
Quando Huizinga (2000) realiza, em seu contexto, uma analogia do jogo com
aspecto ritual, desenvolvendo o fenômeno de passagem pelo círculo mágico, não
difere do devir, do entre-lugar, presente na liminaridade do Turner (2005), ao relatar
o conceito de communitas em um ritual. Do mesmo modo, Richard Schechner
(2011) também provoca uma reflexão em torno do processo teatral como um ritual
e de qual maneira os fenômenos de transporte e transformação promovem nos
sujeitos participantes um desligamento momentâneo de sua realidade, a ponto de
ter uma negação de si. Por fim. O trânsito feito nesta pesquisa também permite
enxergar o Larp dentro desses pensamentos que parecem levar a um mesmo
assunto. Quando Pohjola (2014), realiza uma comparação dos modelos estéticos
de Larp, o juízo que se faz a título de como é a imersão e a inter-imersão, ou toda
e qualquer camada que configure um transporte do sujeito participante para um
processo dado pela experimentação feita durante o jogo. Pois o Larp é uma
experiência, é uma performance. E por isso, a importância do Vigotski aqui é como
quem
estudou
as
brincadeiras
e
mostrou
suas
importâncias
para
o
desenvolvimento, mediado pelas interações sociais. Vigotski não apenas estudou o
fenômeno provocado pelo ato de experimentar e obter a experiência vivida, tendo o
conceito para explicar o fenômeno.
81
A experiência vivida, aqui também entendida como erlebnis ou perezhivanie,
é fruto de referências simbólicas e ações que são frutos da cultura. Os conceitos e
fenômenos conectam o olhar de Vigotski ao Larp. As emoções atribuídas e
compartilhadas em Larps são parte de experiências que configuram Larp como um
meio de viver uma experiência, como parte da dialética transformadora de relações
sociais em Funções Psicológicas Superiores.
Para concluir, penso que a maneira como cada elemento definido nessa
pesquisa se conecta, foi feita pensando previamente nessa possibilidade, visto que
a relação diegética do Larp dialoga com o que cada um definiu nesse prisma de
fenômenos emocionais, o qual Vigostki definiu como parte do entendimento de
Perezhivanie, uma refração do ambiente em que as performances e Funções
Psicológicas Superiores se apresentem. Encerro dizendo que uma atividade
imersiva por natureza já pressupõe o fenômeno de experiência vivida seja parte de
si, manifestado por diferentes classificações, mas que se unificam quando
estudadas em sua prática e funções simbólicas.
82
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