O CONCEITO DE SOBERANIA NA ERA PÓS-CLIMÁTICA
Bruna Toso de Alcântara1
Maria Beatriz Oliveira da Silva*
RESUMO
A relatividade do conceito de soberania no século XXI demonstra a mutabilidade do que
chamamos Estado. Em meio a “crises de soberania” vividas por esses sujeitos internacionais pergunta-se
até que ponto a concepção vestfaliana do Estado Moderno permanece na atualidade, onde novos desafios
como o aquecimento global fazem-se presentes. Sendo gradativamente marcante a preocupação mundial
quanto à questão a pergunta levantada seria: até que ponto o direito internacional pode influir nas
consequências destas mudanças climáticas, e mais particularmente quanto à questão dos Estados
Insulares, como as Maldivas? O vigente artigo propõe uma análise quanto à dualidade soberaniamudanças climáticas; embasado no conceito de Maxine Burkett de “era pós-climática”- utilizado em seu
artigo “The Nation Ex-Situ: On Climate change, deterritorialized nationhood and the post-climate era” - e
utilizando fontes qualitativas, busca-se entender quais serão os desafios e as possíveis alternativas dessa
nova soberania sob a perspectiva jurídica internacional.
Palavras-Chave: Estado, Soberania, Mudanças Climáticas, Direito Internacional.
INTRODUÇÃO
No momento em que se pensa em soberania muitos adjetivos despontam na mente,
entre eles a palavra “absoluto”, muito bem empregada por Jean Bodin no século XVI.
Contudo, do século XVI para o XXI, muito se modificou no plano internacional e
nacional dos Estados. Não só a sociedade internacional caminha, possivelmente, para
tornar-se uma comunidade internacional2, como também vários temas concernentes à
humanidade em si entram nas agendas domésticas e de organizações internacionais
Neste ano, 2012, com a Rio+20 a preocupação com o meio ambiente entrou em
alta novamente nas pautas políticas, e os desafios de manter-se a soberania juntamente
com um crescimento sustentável se torna de suma importância. Em realidade, dada a
interconexão entre política, direito e meio ambiente, algo deve ser feito, seja através de
1
Acadêmica do curso de Relações Internacionais Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações
Internacionais de Santa Maria (PRISMA) Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS)
* Doutora em Direito com tese defendida em Direito Ambiental no CRIDEAU (Centro de pesquisa
interdisciplinar em Direito Ambiental e Urbanismo) da Universidade de Limoges, França, sob a
orientação do professor Michel Prieur. Mestrado em Direitos Sociais e Políticas Públicas pela
Universidade de Santa Cruz do Sul (2000); graduação em Direito e Letras. Atualmente é professora da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em
Direito Ambiental, atuando, principalmente, temas do desenvolvimento, sustentabilidade e qualidade de
vida.
2
A diferença entre sociedade e comunidade internacional reside em que enquanto esta se baseia em
reações mecânicas, condicionada por fins de caráter individual, dos povos, essa adquire caráter orgânico,
formas sociais comunitárias nas quais a finalidade é coletiva (MEDINA apud COLOMBO, 2007).
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leis ou novas formas de conduta política, ou uma combinação de ambos, a nível não só
internacional como nacional para que os impactos provocados pelas mudanças
climáticas, que são mundiais, possam ser contornados pela população humana.
Esses impactos geram reflexos na ideia de soberania, que entra, então, em seu
ponto questionável: até onde a cooperação e a relatividade de soberanias, provocadas
pela organização do sistema internacional aprofundar-se-ão em prol do meio ambiente e
o cenário que as mudanças climáticas apresentam? Não é de hoje que autores e
pesquisadores pensam na “crise” da soberania, seja ela presente ou futura. Mesmo seu
conceito é considerado “maleável”
(...) o conceito de soberania pode ser tomado, atualmente, como modificável
incontrovertido, pois sofre influências das concepções políticas e filosóficas
de cada momento histórico. (COLOMBO, 2008, p.165)
Diante disso, este trabalho divide-se em duas partes para analisar a dualidade da
soberania-mudanças climáticas e buscar uma solução em relação tanto a preservação da
soberania como forma de segurança doméstica da população, (afinal a função
primordial do Estado é a proteção de seu “povo”), quanto em que medida o conceito da
mesma pode moldar-se para atender as novas demandas mundiais provocadas pelas
mudanças que o planeta vem sofrendo.
Na primeira parte, discute-se sobre as facetas da soberania, apontando os
aspectos conceituais da palavra através de um breve histórico do conceito desde sua
origem até a época em que as “crises” começaram. Busca-se, assim, demonstrar que há
uma interconexão muito forte entre a política e a área jurídica, principalmente no que
concerne a soberania estatal, e que a solução de problemas encontra-se justamente no
saber lidar com tamanha complexidade.
Na segunda parte explana-se sobre quais são as possíveis consequências que as
mudanças climáticas poderiam acarretar ao status de soberania e apontam-se possíveis
soluções descritas por alguns autores para contornar as novas situações que o meio
ambiente pode apresentar aos Estados, dando-se preferência para os considerados mais
vulneráveis, as Ilhas, e que, se já não estiverem sofrendo de certos males, sofrerão
dentro de previsões muito próximas.
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UM CONCEITO POLÍTICO - JURÍDICO
A soberania propriamente dita surgiu como conceito forte e consolidado
juntamente com o Estado Moderno, mas suas raízes datam de um período anterior, pois
fora a partir das deficiências da sociedade política medieval que se criariam as
características desse Estado. Em outras palavras,
Ainda durante a Idade Média, mormente quando os juristas tiveram acesso e
voltaram-se às versões dos Códigos de Justiniano, nas discussões acerca do
problema da possibilidade de conjugar a jurisdição do poder do Papa e dos
reis, já se encontra na solução duas importantes notas do conceito de
soberania. (...) o rei é soberano porque, dentro dos limites não é reconhecido
qualquer superior. Isto equivale dizer que, para haver soberania é preciso que
se verifique a) a exclusão de qualquer outro poder, interno ou externo e b) a
plenitude do poder (SALIBA, 2004. p.11).
Assim, e seguindo no tempo, a transição da Idade Média para a Moderna deu-se
com a Paz de Vestfália e seus tratados em 1648. Este marco trouxe para o “meio”
internacional três princípios, que os agora Estados tanto almejavam: o da liberdade
religiosa, o da soberania dos Estados e o da igualdade entre os Estados (COLOMBO,
2008). Estes deram vazão a conceitualização de soberania, propriamente dita, que não
cessaria sua modificação do século XVI até os dias atuais.
Em realidade o expoente da definição de soberania, no século “introdutório” da
ideia fora Jean Bodin, que acabou dando ao Estado uma conceituação de caráter
político-jurídico. Afinal, em seu livro “Les Six Livres de La Republique” ao afirmar ser
a soberania um poder absoluto e perpétuo dera ênfase, ao monopólio do poder
legislativo e ao do uso da força (MIRANDA, 2004), fazendo com que:
Nesse sentido, a soberania pode ser definida como poder de mando em última
instância numa sociedade política; ela pretende ser a racionalização jurídica
do poder, no sentido de transformação da força, ou capacidade de coerção em
poder legítimo (isto é) de poder de fato em poder de direito. (CRUZ apud
MIRANDA, 2004, p.87).
Ainda, Kelsen mostra que “como não temos motivo para supor que existam duas
ordens normativas diferentes, a ordem do Estado e a sua ordem jurídica, devemos
admitir que a comunidade a que chamamos de “Estado” é a “sua ordem jurídica.”
(KELSEN apud SALIBA, 2004, p.14)
Não só de um viés “político- jurídico” desenvolve-se a soberania do Estado.
Seguindo a lógica de pensamento de Miranda (2004) a soberania é “sempre um
processo e um fenômeno relacional” e três são as dimensões de sua influência, Miranda
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acrescenta ao político e jurídico a área econômica – fundamental depois do início, ou de
acordo com alguns autores, sedimentação, da globalização. (MIRANDA, 2004, p. 88).
E, mesmo analisando do ponto de vista antropológico, não se pode descartar elementos
psicológicos e sociológicos do conceito, até porque a dualidade Estado-Nação está aí
imbricada.
Por ser dotada de um caráter político-jurídico e estando inserida no contexto
internacional, a soberania estatal relativiza-se. E essa relatividade é o contraponto entre
a ideia de soberania francesa e a ideia de soberania contemporânea (COLOMBO, 2008).
O que ocorre é que “(...) atualmente do ponto de vista externo, a soberania é uma
adjetivação do poder, considerada um elemento relativo não essencial.” (BOBBIO apud
COLOMBO, 2008, p.160).
Os dizeres de Kelsen corroboram e elucidam melhor este pensamento do Estado
estar submetido ao Direito Internacional por sua própria vontade soberana (CRUZ,
2002).
Em regra geral, pode-se dizer que o tratado não prejudica a soberania, já que,
definitivamente, esta limitação se baseia na própria vontade do Estado
limitado; mais ainda: em virtude desta limitação, fica assegurada a soberania
estatal. (KELSEN apud CRUZ, 2002, p. 09).
Neste ponto dá-se abertura para questionamentos quanto ao tamanho dessa
relatividade, quanto a mudanças como a globalização e a preocupação com os direitos
humanos influindo para a “crise da soberania”. Quanto dos direitos humanos está
imiscuído na preocupação ambiental? Quanto às mudanças climáticas realmente mudam
o cenário mundial, que se conhece?
Habermas, em meio à tentativa de traçar um caminho identifica dois planos
distintos de relativização da soberania, observa:
(...) de um lado, o plano interno, sujeito a crescente desterritorialização e à
desnacionalização da atividade econômica e dos fluxos de capitais, de tal
maneira que a política nacional perde progressivamente o domínio sobre as
condições de produção sob as quais surgem os lucros e receitas tributáveis
(...). De outro lado, o autor [Habermas] vai defender a tese de que antes de
ter-se extinguido, o Estado Nacional teria sido “suprassumido”, seja por
instituições de caráter transnacional, seja por uma sociedade de atuação
global (HABERMAS apud MIRANDA, 2004, p.90).
Em realidade, esse tipo de constatação como a de Habermas corrobora para a
“adaptação” que a soberania vem “sofrendo”. Quanto a esses choques de
conceitualização com a realidade, Cruz (2002) apresenta duas “crises” para soberania
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estatal, a primeira, oriunda da questão de Direitos Humanos frente à globalização, na
qual há uma mudança na cultura e na prática jurídica. Outrossim,
(...) a globalização econômica e a nova ordem capitalista mundial pudessem a
permitir que os Estados passassem gradativamente se afastar dos liames
limitadores de Soberania em matéria de Direitos Humanos. A
“desvalorização” de um Estado que abandonasse a plena proteção aos
Direitos Humanos, o que supunha uma evidente condenação, fazendo que o
Estado perdesse prestígio internacional, pondo em dúvida seu próprio regime
democrático e constitucional, foi substituída por uma espécie de
“permissividade” pragmática em nome do mercado. (CRUZ, 2002, p.16)
Já a segunda crise derivaria da integração em comunidades supranacionais, com
exemplo máximo da Comunidade Econômica Europeia (CRUZ, 2002).
De acordo com Colombo, essa crise voltada para a soberania existe porque os
humanos reivindicam sua existência “dentro de um contexto social político, econômico
e ecológico” (COLOMBO, 2008, p. 166, grifo nosso). Ainda, em meio a pontos que
afetam a soberania do Estado, elencados por Habermas, está à perda de controle estatal,
que implica.
(...) de um lado, de “transposições espontâneas de fronteira”, como ônus
ambientais, crime organizado, risco de segurança da alta tecnologia, tráfico
de armas, epidemias, etc., e, por outro, de consequências calculadas (mas a
serem suportadas) por políticas de outros Estados (...) (HABERMAS apud
MIRANDA, 2004, p.90, grifo nosso).
Cruz (2002) indica que: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos, pela sua essência, não puderam "prever fórmulas de controle
ou de reparação de direitos violados”, mais ainda, a nova tendência internacional, de
globalização econômica, passou a “priorizar mercados e eficiência comercial,
desprezando assuntos fundamentais como o Meio Ambiente e os Direitos Humanos”
(CRUZ, 2002, p.14, grifo nosso).
Assim, como a busca de um caminho é necessária e a soberania deve (re)
estabilizar-se, ou ao menos mostrar-se mais passível de andar par e passo com as
demandas atuais, sendo uma delas uma atitude frente às mudanças climáticas e todas as
suas consequências. O tempo corre e os líderes estatais somente prolongam suas
discussões ao invés de trabalharem fora do jogo de “soma zero” frente aos problemas
ambientais.
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O QUADRO INTERNACIONAL ATUAL
Com as mudanças climáticas ocorrendo, aspectos como: aumento dos níveis dos
mares – causando desaparecimento de terras –, salinização do solo prejudicando o fator
alimentação, elevação da temperatura média – causando ambiente propício para
proliferação de certas enfermidades, aquecimento da temperatura marítima –
propiciando o aparecimento de furacões e ciclones, entre outros, são as consequências
mais conhecidas do que podem ocorrer (VERHEYEN e RODERICK, 2008, p.06).
De acordo com Burkett, outros fatores como as mudanças climáticas estariam
condicionando a criação, do que ela chama, pós-clima:
Para ser claro, “pós-clima”, descreve uma teoria que é relevante hoje, como
os impactos das mudanças climáticas crescem cada vez mais palpáveis, e os
fenômenos físicos que ocorrem podem não ter ocorrido na ausência de
mudanças induzidas pelo homem para o sistema climático. Esta mudança não
é exclusiva do direito internacional. (...) (BURKETT, 2011, p.348)
Em realidade Burkett explica tal terminologia, de Era Pós Climática, assim:
A mudança climática introduziu a possibilidade de uma mudança sísmica no
modo como organizamos sistemas humanos do planeta. Nossa completa
reformulação do meio ambiente vai necessariamente impactar os sistemas
jurídicos, político e econômico em que foram concebidos, desenvolvidos, e
globalizados. Neste momento da história geológica, quando os impactos da
mudança climática são cada vez mais palpáveis e compreendidos, sugiro que
estamos embarcando em uma era pós-clima em Direito e da sociedade
humana. (BURKETT, 2011,p.371)
Basicamente Burkett, sugere “que uma propriamente unificada e completa teoria
pós-clima emergirá” (BURKETT, 2011, p.371). Embora ela não entre em maiores
detalhes sobre a conceituação da era pós-climática, é evidente que nela o sistema legal
como o conheçemos precisará mudar – sendo um dos pontos de interesse o foco deste
artigo, ou seja, a soberania.
Quanto à soberania, como afirma Colombo (2007), ela encontra no modus
operandi dos Estados um confronto quanto a questões ecológicas, tanto na ordem
interna quanto nas relações interestatais. Em realidade, esse choque acontece por
superposição de interesses econômicos e por uma falta de know how ambiental.
Contudo, a despeito de particularidades, o problema elencado é que a soberania
estatal precisa moldar-se a “corresponsabilidade ecológica” que está surgindo e que,
concordando com alguns autores, ela deve aliar-se ao Direito Internacional.
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É tempo de o Direito Internacional reconhecer não apenas formalmente o
direito dos indivíduos a um meio ambiente sadio, mas
também exigir o cumprimento deste dever jurídico atribuído aos Estados. A
proteção internacional do meio ambiente e o caráter universal dos direitos
humanos não podem ser negados pelos Estados,
sob a justificativa da manutenção da soberania.(COLOMBO, 2007, p. 267)
A soberania em seu conceito “tradicional” de absoluta e indivisível não cabe na
demanda ambiental, na qual o “aquecimento global só pode ser lidado através da
cooperação por todos os membros da comunidade internacional” (WILLCOX , 2012,p.
5). O que não impede que medidas locais sejamtomadas, mas elas teriam pouco efeito
se tomadas única e exclusivamente perante o quadro internacional.
Não obstante, chama-se atenção para uma particularidade, à situação dos
Estados insulares e a eminente ameaça diante do aumento dos níveis marítimos. A
escolha deste ponto, como relevante dá-se, pois, não só o desaparecimento de território
desses Estados pode vir a ocorrer, implicando diretamente nas Diretrizes da Convenção
de Montevidéu, como também abarca questões de migração forçada e permanente por
um agente externo e não humano, a qual não possui legislação específica.
a) A atualidade no caso das SIDS
Focando-se nessa particularidade, cabe mencionar que os “Pequenos Estados
Insulares em Desenvolvimento” (SIDS, em inglês) são mais suscetíveis aos efeitos do
aumento dos níveis do mar porque a maioria deles constitui-se em atóis de baixa
altitude e tem base econômica: na pesca, agricultura e turismo, dependendo de ajuda
estrangeira e de uma larga pauta de importações para as demandas de suas populações.
Tome-se o exemplo das Ilhas Maldivas que dentre suas 1.200 ilhas, tem 80% delas com
menos de um metro acima do nível do mar (WILLCOX, 2012).
Em realidade, de acordo com dados do IPCC em 2007, a previsão para o
aumento do nível dos oceanos era na faixa de 018 a 0,59 metros até 2100, e mais de 7
metros depois disso. E de acordo com a Climate Change, Enviroment and Migration
Alliance (CCEMA, 2010) eventos climáticos e degradação ambiental, que serão
exacerbados com as mudanças climáticas, dispersarão mais de 200 milhões de pessoas
até 2050. Como o mundo se preparará para isso? Como a lei garantirá o direito de
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pessoas que não entram propriamente dito nas categorias de refugiadas e de “semestado”?
Considerando a perda de território nacional pergunta-se como ficará o princípio
de autodeterminação dos povos - sendo uma jus congens
perante o Direito
internacional, de importância valorativa para outros direitos humanos, um direito erga
omnes coletivo e principalmente ligado à soberania territorial (WILLCOX, 2012), o que
poder-se-ia fazer? Outrossim, a perda de território não somente colocaria em risco toda
uma parte cultural da humanidade, tendo em vista que os habitantes insulares são muito
“ligados a terra” (BURKETT, 2011), mas também restringiria a eles direitos humanos
fundamentais, posto que sem território um Estado, perante a lei, e nas diretrizes da
Convenção de Montevidéu, extinguindo-se em consequência seus poderes no âmbito
internacional.
A mudança climática, portanto tem um impacto duplo no preenchimento dos
direitos humanos: por um lado, possui uma ameaça direta, como resultado de
um extensivo ambiental e financeiro prejuízo; e por outro lado possuindo um
prejuízo indireto minando a existência de uma moldura primária para a
promoção e proteção de direitos - o Estado- “sem o qual não há molde para a
proteção ou realização de todos os outros direitos humanos”.(Maldives
Submission to the OHCHR under HCR Resolution 7/23, at.40, n.14 apud
WILLCOX, 2012, p.08)
Uma das soluções, sugerida por Yamanoto e Esteban (2011) seria criar um
governo em exílio enquanto o território da Ilha estivesse submerso, como foi feito com
o governo polonês durante a Segunda Guerra Mundial. Mas os moldes de um governo
em exílio não seriam propícios para as demandas de uma população forçada a migrar
devido a mudanças climáticas. Não há uma legislação especifica sobre esse tipo de
migração, e vários pontos teriam que ser levantados em consideração para a formulação
adequada de uma. Mesmo o caráter imprevisível de “como o clima irá se comportar”
coloca em questão se haveria ou não uma migração de volta, uma vez que a terra
pudesse “reemergir” – questões como: a terra poderia ser considerada “terra nulltus”
após seu ressurgimento deveriam ser discutidas.
O IPCC aponta que mesmo se ações são tomadas para reduzir as emissões
(de gases estufa), o destino do traço de concentração dos gases vai depender
de mudanças relativas não só as emissões, mas também do processo de
remoção. (YAMANOTO e ESTEBAN, 2011, p. 41).
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Colombo (2007) menciona a questão da Ingerência ecológica – direito de um
Estado voltar-se para os assuntos de competência interna de outro Estado, no que tange
a atitudes frente ao meio ambiente - a qual para ela entrariam mais num quesito de
dever do que de direito dos Estados. Apontando que o Direito Internacional falha em
sua vertente preventiva, a ingerência ecológica “supriria”, a o menos em parte, esse
viés.
Em realidade, o maior problema dessa atitude seria quanto os Estados estariam
abertos a negociar no que tange a sua soberania, principalmente a interna, que é “mais
absoluta” que a externa. (COLOMBO, 2007). Isso geraria como Colombo (2007)
explicita uma redefinição de soberania; uma redefinição de seu papel – afinal a “noção
de soberania não deve ser considerada um obstáculo à pesquisa dos meios necessários
para a proteção dos direitos fundamentais do homem.” (COLOMBO, 2007, p.271).
De maneira mais prática Rayfuse e Crawford (2011), indicam duas alternativas
possíveis: a primeira seria a realocação do território para outro Estado soberano,
integração à comunidade dos habitantes, agora como cidadãos do novo Estado, ou dar
uma porção territorial dentro do segundo Estado, com uma porção gradual de controle
jurisdicional sobre o território. Já a outra seria a realocação dos migrantes insulares para
uma ilha criada artificialmente.
Quanto à primeira colocação, não só questões quanto à “perda e ganho” de
soberania poderiam gerar conflitos, como a realocação de habitantes insulares dentro de
um território fechado – continental – não seria a melhor opção dado que toda a cultura e
capacitação profissional desses cidadãos estaria voltada às questões insulares, como a
pesca, por exemplo, e não a dinâmica da vida “no continente”. (RAYFUSE e
CRAWFORD, 2011)
A segunda colocação, embora não de todo problemática, posto que, por
exemplo, em Dubai, existe “O Mundo”, um arquipélago artificial de 300 ilhas,
localizado a quatro quilômetros de Dubai UAE, e um número considerável de
aeroportos asiáticos estão construídos em cima de Ilhas Artificiais, “incluindo Kansai
Internacional, Chübu Centrair Internacional e Kobe Airports, que foram projetados para
suportar eventos climáticos extremos como tufões e terremotos” (RAYFUSE e
CRAWFORD, 2011, p. 11), cairia na questão de viabilidade tecnológica, visto que os
territórios mais vulneráveis não entrariam na categoria de Estados desenvolvidos.
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Além disso, ao pensar-se nos direitos internacionais atuais, em específico a
Convenção das Nações Unidas sobre o Direitodo Mar, não haveria suporte jurídico para
essas ilhas no que tange a zonas econômicas exclusivas, prejudicando o funcionamento
econômico futuro destes lugares. Ainda, se o caso fosse transpor essa realidade as SIDS,
problemas de ordem prática surgiriam mais do que os de ordem jurídica.
A criação de umas Maldivas artificial em uma gigante plataforma no oceano
lidaria com a questão prática de realojameto da nação, e isso necessitaria do
acompanhamento de uma resposta legal também – deveria ser assegurado à
continuação dos direitos do Estado reconstituido. (RAYFUSE e
CRAWFORD, 2011, p. 11).
Adentrando na questão de migração é interessante a proposta de Maxine Burkett,
da criação da Nação Ex-Situ:
O governo das nações ex-situ sentaria em uma localidade permanente e
manejaria os assuntos do Estado à distância (...). Enquanto o papel do
governo ex-situ tivesse um similar mandato, maior ênfase seria dada em
preservar os elementos da nação-estado que deveria permanecer pendente sua
extraterritorialidade (...). Os cidadãos da nação ex-situ irão quase certamente
dispersar- se em torno do globo; e, o governo da Nação Ex-Situ poderia
servir como um núcleo político e cultural vital. (BURKETT, 2011, p.363)
Continuando a linha de pensamento de Burkett (2011), a diferença entre o atual
sistema de “administração”, que já se mostraram efetivos com, por exemplo, as Nações
Unidas, somente diferiria quanto à manutenção do governo próprio e do princípio de
autodeterminação e os cidadãos eleitos da Nação Ex-Situ serviriam, eles mesmos, como
administradores. Sendo que a fim de manter a paz e segurança durante a transição do
governo próprio e da autodeterminação as Nações Unidas estabeleceriam um sistema de
administração internacional para alguns designados, e confiáveis, territórios.
Outrossim, Burkett (2011) afirma que o Sistema de Administração das Nações
Unidas excluiria territórios que se tornaram membros das Nações Unidas, em
consistência com o princípio de igualdade de soberania, que deve ser respeitado pela
ONU. E para se manter a continuidade da igualdade de soberania os membros da ONU
somente agiriam para dar suporte à transição para, e estabelecimento da Nação Ex-Situ.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo está sofrendo mudanças com o comportamento atual do clima. Não
só previsões sobre catástrofes, mas reais situações, vividas agora, por muitos Estados,
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em especial aos insulares, estão acontecendo. De fato, duas coisas devem acontecer:
primeiro o conceito de soberania, de origem atrelada ao Estado Moderno, deve ser
redefinido, em um nível um pouco mais profundo do que o é geralmente – uma vez que
ele se “adapta” aos momentos históricos da humanidade – e, segundo o Direito
Internacional deve ajudar não só nessa redefinição como também em meios legais para
suportar a nova dinâmica populacional, principalmente, que surgira nos próximos anos.
Várias soluções quanto à dualidade soberania-mudanças climáticas já estão
sendo pensadas, mas quanto ao que fazer no cenário próximo o importante é exposto
por Willcox:
Mais importante, ela (comunidade global) providencie uma base normativa
para um quadro inclusivo, flexível e cosmopolita com a capacidade de
endereçar assuntos de inundação, perda de soberania, e negação de direitos
humanos básicos mais efetivos, do que um sistema rígido e compartimentado
como premissa na soberania estatal. (WILLCOX, 2012, p. 16)
Enfim, somente uma coisa é certa, a imprevisibilidade do que ocorrerá. E que se
uma solução surgir ela irá basear-se no tripé: Estado, soberania e mudanças climáticas,
que norteará o caminhar dos próximos anos de nosso planeta.
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