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2013, Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM v. 08

A relatividade do conceito de soberania no século XXI demonstra a mutabilidade do que chamamos Estado. Em meio a “crises de soberania” vividas por esses sujeitos internacionais pergunta-se até que ponto a concepção vestfaliana do Estado Moderno permanece na atualidade, onde novos desafios como o aquecimento global fazem-se presentes. Sendo gradativamente marcante a preocupação mundial quanto à questão a pergunta levantada seria: até que ponto o direito internacional pode influir nas consequências destas mudanças climáticas, e mais particularmente quanto à questão dos Estados Insulares, como as Maldivas? O vigente artigo propõe uma análise quanto à dualidade soberania-mudanças climáticas; embasado no conceito de Maxine Burkett de “era pós-climática”- utilizado em seu artigo “The Nation Ex-Situ: On Climate change, deterritorialized nationhood and the post-climate era” - e utilizando fontes qualitativas, busca-se entender quais serão os desafios e as possíveis alternativas dessa nova soberania sob a perspectiva jurídica internacional.

O CONCEITO DE SOBERANIA NA ERA PÓS-CLIMÁTICA Bruna Toso de Alcântara1 Maria Beatriz Oliveira da Silva* RESUMO A relatividade do conceito de soberania no século XXI demonstra a mutabilidade do que chamamos Estado. Em meio a “crises de soberania” vividas por esses sujeitos internacionais pergunta-se até que ponto a concepção vestfaliana do Estado Moderno permanece na atualidade, onde novos desafios como o aquecimento global fazem-se presentes. Sendo gradativamente marcante a preocupação mundial quanto à questão a pergunta levantada seria: até que ponto o direito internacional pode influir nas consequências destas mudanças climáticas, e mais particularmente quanto à questão dos Estados Insulares, como as Maldivas? O vigente artigo propõe uma análise quanto à dualidade soberaniamudanças climáticas; embasado no conceito de Maxine Burkett de “era pós-climática”- utilizado em seu artigo “The Nation Ex-Situ: On Climate change, deterritorialized nationhood and the post-climate era” - e utilizando fontes qualitativas, busca-se entender quais serão os desafios e as possíveis alternativas dessa nova soberania sob a perspectiva jurídica internacional. Palavras-Chave: Estado, Soberania, Mudanças Climáticas, Direito Internacional. INTRODUÇÃO No momento em que se pensa em soberania muitos adjetivos despontam na mente, entre eles a palavra “absoluto”, muito bem empregada por Jean Bodin no século XVI. Contudo, do século XVI para o XXI, muito se modificou no plano internacional e nacional dos Estados. Não só a sociedade internacional caminha, possivelmente, para tornar-se uma comunidade internacional2, como também vários temas concernentes à humanidade em si entram nas agendas domésticas e de organizações internacionais Neste ano, 2012, com a Rio+20 a preocupação com o meio ambiente entrou em alta novamente nas pautas políticas, e os desafios de manter-se a soberania juntamente com um crescimento sustentável se torna de suma importância. Em realidade, dada a interconexão entre política, direito e meio ambiente, algo deve ser feito, seja através de 1 Acadêmica do curso de Relações Internacionais Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais de Santa Maria (PRISMA) Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS) * Doutora em Direito com tese defendida em Direito Ambiental no CRIDEAU (Centro de pesquisa interdisciplinar em Direito Ambiental e Urbanismo) da Universidade de Limoges, França, sob a orientação do professor Michel Prieur. Mestrado em Direitos Sociais e Políticas Públicas pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2000); graduação em Direito e Letras. Atualmente é professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Ambiental, atuando, principalmente, temas do desenvolvimento, sustentabilidade e qualidade de vida. 2 A diferença entre sociedade e comunidade internacional reside em que enquanto esta se baseia em reações mecânicas, condicionada por fins de caráter individual, dos povos, essa adquire caráter orgânico, formas sociais comunitárias nas quais a finalidade é coletiva (MEDINA apud COLOMBO, 2007). Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM www.ufsm.br/redevistadireito 82 leis ou novas formas de conduta política, ou uma combinação de ambos, a nível não só internacional como nacional para que os impactos provocados pelas mudanças climáticas, que são mundiais, possam ser contornados pela população humana. Esses impactos geram reflexos na ideia de soberania, que entra, então, em seu ponto questionável: até onde a cooperação e a relatividade de soberanias, provocadas pela organização do sistema internacional aprofundar-se-ão em prol do meio ambiente e o cenário que as mudanças climáticas apresentam? Não é de hoje que autores e pesquisadores pensam na “crise” da soberania, seja ela presente ou futura. Mesmo seu conceito é considerado “maleável” (...) o conceito de soberania pode ser tomado, atualmente, como modificável incontrovertido, pois sofre influências das concepções políticas e filosóficas de cada momento histórico. (COLOMBO, 2008, p.165) Diante disso, este trabalho divide-se em duas partes para analisar a dualidade da soberania-mudanças climáticas e buscar uma solução em relação tanto a preservação da soberania como forma de segurança doméstica da população, (afinal a função primordial do Estado é a proteção de seu “povo”), quanto em que medida o conceito da mesma pode moldar-se para atender as novas demandas mundiais provocadas pelas mudanças que o planeta vem sofrendo. Na primeira parte, discute-se sobre as facetas da soberania, apontando os aspectos conceituais da palavra através de um breve histórico do conceito desde sua origem até a época em que as “crises” começaram. Busca-se, assim, demonstrar que há uma interconexão muito forte entre a política e a área jurídica, principalmente no que concerne a soberania estatal, e que a solução de problemas encontra-se justamente no saber lidar com tamanha complexidade. Na segunda parte explana-se sobre quais são as possíveis consequências que as mudanças climáticas poderiam acarretar ao status de soberania e apontam-se possíveis soluções descritas por alguns autores para contornar as novas situações que o meio ambiente pode apresentar aos Estados, dando-se preferência para os considerados mais vulneráveis, as Ilhas, e que, se já não estiverem sofrendo de certos males, sofrerão dentro de previsões muito próximas. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM www.ufsm.br/redevistadireito 83 UM CONCEITO POLÍTICO - JURÍDICO A soberania propriamente dita surgiu como conceito forte e consolidado juntamente com o Estado Moderno, mas suas raízes datam de um período anterior, pois fora a partir das deficiências da sociedade política medieval que se criariam as características desse Estado. Em outras palavras, Ainda durante a Idade Média, mormente quando os juristas tiveram acesso e voltaram-se às versões dos Códigos de Justiniano, nas discussões acerca do problema da possibilidade de conjugar a jurisdição do poder do Papa e dos reis, já se encontra na solução duas importantes notas do conceito de soberania. (...) o rei é soberano porque, dentro dos limites não é reconhecido qualquer superior. Isto equivale dizer que, para haver soberania é preciso que se verifique a) a exclusão de qualquer outro poder, interno ou externo e b) a plenitude do poder (SALIBA, 2004. p.11). Assim, e seguindo no tempo, a transição da Idade Média para a Moderna deu-se com a Paz de Vestfália e seus tratados em 1648. Este marco trouxe para o “meio” internacional três princípios, que os agora Estados tanto almejavam: o da liberdade religiosa, o da soberania dos Estados e o da igualdade entre os Estados (COLOMBO, 2008). Estes deram vazão a conceitualização de soberania, propriamente dita, que não cessaria sua modificação do século XVI até os dias atuais. Em realidade o expoente da definição de soberania, no século “introdutório” da ideia fora Jean Bodin, que acabou dando ao Estado uma conceituação de caráter político-jurídico. Afinal, em seu livro “Les Six Livres de La Republique” ao afirmar ser a soberania um poder absoluto e perpétuo dera ênfase, ao monopólio do poder legislativo e ao do uso da força (MIRANDA, 2004), fazendo com que: Nesse sentido, a soberania pode ser definida como poder de mando em última instância numa sociedade política; ela pretende ser a racionalização jurídica do poder, no sentido de transformação da força, ou capacidade de coerção em poder legítimo (isto é) de poder de fato em poder de direito. (CRUZ apud MIRANDA, 2004, p.87). Ainda, Kelsen mostra que “como não temos motivo para supor que existam duas ordens normativas diferentes, a ordem do Estado e a sua ordem jurídica, devemos admitir que a comunidade a que chamamos de “Estado” é a “sua ordem jurídica.” (KELSEN apud SALIBA, 2004, p.14) Não só de um viés “político- jurídico” desenvolve-se a soberania do Estado. Seguindo a lógica de pensamento de Miranda (2004) a soberania é “sempre um processo e um fenômeno relacional” e três são as dimensões de sua influência, Miranda Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM www.ufsm.br/redevistadireito 84 acrescenta ao político e jurídico a área econômica – fundamental depois do início, ou de acordo com alguns autores, sedimentação, da globalização. (MIRANDA, 2004, p. 88). E, mesmo analisando do ponto de vista antropológico, não se pode descartar elementos psicológicos e sociológicos do conceito, até porque a dualidade Estado-Nação está aí imbricada. Por ser dotada de um caráter político-jurídico e estando inserida no contexto internacional, a soberania estatal relativiza-se. E essa relatividade é o contraponto entre a ideia de soberania francesa e a ideia de soberania contemporânea (COLOMBO, 2008). O que ocorre é que “(...) atualmente do ponto de vista externo, a soberania é uma adjetivação do poder, considerada um elemento relativo não essencial.” (BOBBIO apud COLOMBO, 2008, p.160). Os dizeres de Kelsen corroboram e elucidam melhor este pensamento do Estado estar submetido ao Direito Internacional por sua própria vontade soberana (CRUZ, 2002). Em regra geral, pode-se dizer que o tratado não prejudica a soberania, já que, definitivamente, esta limitação se baseia na própria vontade do Estado limitado; mais ainda: em virtude desta limitação, fica assegurada a soberania estatal. (KELSEN apud CRUZ, 2002, p. 09). Neste ponto dá-se abertura para questionamentos quanto ao tamanho dessa relatividade, quanto a mudanças como a globalização e a preocupação com os direitos humanos influindo para a “crise da soberania”. Quanto dos direitos humanos está imiscuído na preocupação ambiental? Quanto às mudanças climáticas realmente mudam o cenário mundial, que se conhece? Habermas, em meio à tentativa de traçar um caminho identifica dois planos distintos de relativização da soberania, observa: (...) de um lado, o plano interno, sujeito a crescente desterritorialização e à desnacionalização da atividade econômica e dos fluxos de capitais, de tal maneira que a política nacional perde progressivamente o domínio sobre as condições de produção sob as quais surgem os lucros e receitas tributáveis (...). De outro lado, o autor [Habermas] vai defender a tese de que antes de ter-se extinguido, o Estado Nacional teria sido “suprassumido”, seja por instituições de caráter transnacional, seja por uma sociedade de atuação global (HABERMAS apud MIRANDA, 2004, p.90). Em realidade, esse tipo de constatação como a de Habermas corrobora para a “adaptação” que a soberania vem “sofrendo”. Quanto a esses choques de conceitualização com a realidade, Cruz (2002) apresenta duas “crises” para soberania Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM www.ufsm.br/redevistadireito 85 estatal, a primeira, oriunda da questão de Direitos Humanos frente à globalização, na qual há uma mudança na cultura e na prática jurídica. Outrossim, (...) a globalização econômica e a nova ordem capitalista mundial pudessem a permitir que os Estados passassem gradativamente se afastar dos liames limitadores de Soberania em matéria de Direitos Humanos. A “desvalorização” de um Estado que abandonasse a plena proteção aos Direitos Humanos, o que supunha uma evidente condenação, fazendo que o Estado perdesse prestígio internacional, pondo em dúvida seu próprio regime democrático e constitucional, foi substituída por uma espécie de “permissividade” pragmática em nome do mercado. (CRUZ, 2002, p.16) Já a segunda crise derivaria da integração em comunidades supranacionais, com exemplo máximo da Comunidade Econômica Europeia (CRUZ, 2002). De acordo com Colombo, essa crise voltada para a soberania existe porque os humanos reivindicam sua existência “dentro de um contexto social político, econômico e ecológico” (COLOMBO, 2008, p. 166, grifo nosso). Ainda, em meio a pontos que afetam a soberania do Estado, elencados por Habermas, está à perda de controle estatal, que implica. (...) de um lado, de “transposições espontâneas de fronteira”, como ônus ambientais, crime organizado, risco de segurança da alta tecnologia, tráfico de armas, epidemias, etc., e, por outro, de consequências calculadas (mas a serem suportadas) por políticas de outros Estados (...) (HABERMAS apud MIRANDA, 2004, p.90, grifo nosso). Cruz (2002) indica que: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, pela sua essência, não puderam "prever fórmulas de controle ou de reparação de direitos violados”, mais ainda, a nova tendência internacional, de globalização econômica, passou a “priorizar mercados e eficiência comercial, desprezando assuntos fundamentais como o Meio Ambiente e os Direitos Humanos” (CRUZ, 2002, p.14, grifo nosso). Assim, como a busca de um caminho é necessária e a soberania deve (re) estabilizar-se, ou ao menos mostrar-se mais passível de andar par e passo com as demandas atuais, sendo uma delas uma atitude frente às mudanças climáticas e todas as suas consequências. O tempo corre e os líderes estatais somente prolongam suas discussões ao invés de trabalharem fora do jogo de “soma zero” frente aos problemas ambientais. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM www.ufsm.br/redevistadireito 86 O QUADRO INTERNACIONAL ATUAL Com as mudanças climáticas ocorrendo, aspectos como: aumento dos níveis dos mares – causando desaparecimento de terras –, salinização do solo prejudicando o fator alimentação, elevação da temperatura média – causando ambiente propício para proliferação de certas enfermidades, aquecimento da temperatura marítima – propiciando o aparecimento de furacões e ciclones, entre outros, são as consequências mais conhecidas do que podem ocorrer (VERHEYEN e RODERICK, 2008, p.06). De acordo com Burkett, outros fatores como as mudanças climáticas estariam condicionando a criação, do que ela chama, pós-clima: Para ser claro, “pós-clima”, descreve uma teoria que é relevante hoje, como os impactos das mudanças climáticas crescem cada vez mais palpáveis, e os fenômenos físicos que ocorrem podem não ter ocorrido na ausência de mudanças induzidas pelo homem para o sistema climático. Esta mudança não é exclusiva do direito internacional. (...) (BURKETT, 2011, p.348) Em realidade Burkett explica tal terminologia, de Era Pós Climática, assim: A mudança climática introduziu a possibilidade de uma mudança sísmica no modo como organizamos sistemas humanos do planeta. Nossa completa reformulação do meio ambiente vai necessariamente impactar os sistemas jurídicos, político e econômico em que foram concebidos, desenvolvidos, e globalizados. Neste momento da história geológica, quando os impactos da mudança climática são cada vez mais palpáveis e compreendidos, sugiro que estamos embarcando em uma era pós-clima em Direito e da sociedade humana. (BURKETT, 2011,p.371) Basicamente Burkett, sugere “que uma propriamente unificada e completa teoria pós-clima emergirá” (BURKETT, 2011, p.371). Embora ela não entre em maiores detalhes sobre a conceituação da era pós-climática, é evidente que nela o sistema legal como o conheçemos precisará mudar – sendo um dos pontos de interesse o foco deste artigo, ou seja, a soberania. Quanto à soberania, como afirma Colombo (2007), ela encontra no modus operandi dos Estados um confronto quanto a questões ecológicas, tanto na ordem interna quanto nas relações interestatais. Em realidade, esse choque acontece por superposição de interesses econômicos e por uma falta de know how ambiental. Contudo, a despeito de particularidades, o problema elencado é que a soberania estatal precisa moldar-se a “corresponsabilidade ecológica” que está surgindo e que, concordando com alguns autores, ela deve aliar-se ao Direito Internacional. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM www.ufsm.br/redevistadireito 87 É tempo de o Direito Internacional reconhecer não apenas formalmente o direito dos indivíduos a um meio ambiente sadio, mas também exigir o cumprimento deste dever jurídico atribuído aos Estados. A proteção internacional do meio ambiente e o caráter universal dos direitos humanos não podem ser negados pelos Estados, sob a justificativa da manutenção da soberania.(COLOMBO, 2007, p. 267) A soberania em seu conceito “tradicional” de absoluta e indivisível não cabe na demanda ambiental, na qual o “aquecimento global só pode ser lidado através da cooperação por todos os membros da comunidade internacional” (WILLCOX , 2012,p. 5). O que não impede que medidas locais sejamtomadas, mas elas teriam pouco efeito se tomadas única e exclusivamente perante o quadro internacional. Não obstante, chama-se atenção para uma particularidade, à situação dos Estados insulares e a eminente ameaça diante do aumento dos níveis marítimos. A escolha deste ponto, como relevante dá-se, pois, não só o desaparecimento de território desses Estados pode vir a ocorrer, implicando diretamente nas Diretrizes da Convenção de Montevidéu, como também abarca questões de migração forçada e permanente por um agente externo e não humano, a qual não possui legislação específica. a) A atualidade no caso das SIDS Focando-se nessa particularidade, cabe mencionar que os “Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento” (SIDS, em inglês) são mais suscetíveis aos efeitos do aumento dos níveis do mar porque a maioria deles constitui-se em atóis de baixa altitude e tem base econômica: na pesca, agricultura e turismo, dependendo de ajuda estrangeira e de uma larga pauta de importações para as demandas de suas populações. Tome-se o exemplo das Ilhas Maldivas que dentre suas 1.200 ilhas, tem 80% delas com menos de um metro acima do nível do mar (WILLCOX, 2012). Em realidade, de acordo com dados do IPCC em 2007, a previsão para o aumento do nível dos oceanos era na faixa de 018 a 0,59 metros até 2100, e mais de 7 metros depois disso. E de acordo com a Climate Change, Enviroment and Migration Alliance (CCEMA, 2010) eventos climáticos e degradação ambiental, que serão exacerbados com as mudanças climáticas, dispersarão mais de 200 milhões de pessoas até 2050. Como o mundo se preparará para isso? Como a lei garantirá o direito de Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM www.ufsm.br/redevistadireito 88 pessoas que não entram propriamente dito nas categorias de refugiadas e de “semestado”? Considerando a perda de território nacional pergunta-se como ficará o princípio de autodeterminação dos povos - sendo uma jus congens perante o Direito internacional, de importância valorativa para outros direitos humanos, um direito erga omnes coletivo e principalmente ligado à soberania territorial (WILLCOX, 2012), o que poder-se-ia fazer? Outrossim, a perda de território não somente colocaria em risco toda uma parte cultural da humanidade, tendo em vista que os habitantes insulares são muito “ligados a terra” (BURKETT, 2011), mas também restringiria a eles direitos humanos fundamentais, posto que sem território um Estado, perante a lei, e nas diretrizes da Convenção de Montevidéu, extinguindo-se em consequência seus poderes no âmbito internacional. A mudança climática, portanto tem um impacto duplo no preenchimento dos direitos humanos: por um lado, possui uma ameaça direta, como resultado de um extensivo ambiental e financeiro prejuízo; e por outro lado possuindo um prejuízo indireto minando a existência de uma moldura primária para a promoção e proteção de direitos - o Estado- “sem o qual não há molde para a proteção ou realização de todos os outros direitos humanos”.(Maldives Submission to the OHCHR under HCR Resolution 7/23, at.40, n.14 apud WILLCOX, 2012, p.08) Uma das soluções, sugerida por Yamanoto e Esteban (2011) seria criar um governo em exílio enquanto o território da Ilha estivesse submerso, como foi feito com o governo polonês durante a Segunda Guerra Mundial. Mas os moldes de um governo em exílio não seriam propícios para as demandas de uma população forçada a migrar devido a mudanças climáticas. Não há uma legislação especifica sobre esse tipo de migração, e vários pontos teriam que ser levantados em consideração para a formulação adequada de uma. Mesmo o caráter imprevisível de “como o clima irá se comportar” coloca em questão se haveria ou não uma migração de volta, uma vez que a terra pudesse “reemergir” – questões como: a terra poderia ser considerada “terra nulltus” após seu ressurgimento deveriam ser discutidas. O IPCC aponta que mesmo se ações são tomadas para reduzir as emissões (de gases estufa), o destino do traço de concentração dos gases vai depender de mudanças relativas não só as emissões, mas também do processo de remoção. (YAMANOTO e ESTEBAN, 2011, p. 41). Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM www.ufsm.br/redevistadireito 89 Colombo (2007) menciona a questão da Ingerência ecológica – direito de um Estado voltar-se para os assuntos de competência interna de outro Estado, no que tange a atitudes frente ao meio ambiente - a qual para ela entrariam mais num quesito de dever do que de direito dos Estados. Apontando que o Direito Internacional falha em sua vertente preventiva, a ingerência ecológica “supriria”, a o menos em parte, esse viés. Em realidade, o maior problema dessa atitude seria quanto os Estados estariam abertos a negociar no que tange a sua soberania, principalmente a interna, que é “mais absoluta” que a externa. (COLOMBO, 2007). Isso geraria como Colombo (2007) explicita uma redefinição de soberania; uma redefinição de seu papel – afinal a “noção de soberania não deve ser considerada um obstáculo à pesquisa dos meios necessários para a proteção dos direitos fundamentais do homem.” (COLOMBO, 2007, p.271). De maneira mais prática Rayfuse e Crawford (2011), indicam duas alternativas possíveis: a primeira seria a realocação do território para outro Estado soberano, integração à comunidade dos habitantes, agora como cidadãos do novo Estado, ou dar uma porção territorial dentro do segundo Estado, com uma porção gradual de controle jurisdicional sobre o território. Já a outra seria a realocação dos migrantes insulares para uma ilha criada artificialmente. Quanto à primeira colocação, não só questões quanto à “perda e ganho” de soberania poderiam gerar conflitos, como a realocação de habitantes insulares dentro de um território fechado – continental – não seria a melhor opção dado que toda a cultura e capacitação profissional desses cidadãos estaria voltada às questões insulares, como a pesca, por exemplo, e não a dinâmica da vida “no continente”. (RAYFUSE e CRAWFORD, 2011) A segunda colocação, embora não de todo problemática, posto que, por exemplo, em Dubai, existe “O Mundo”, um arquipélago artificial de 300 ilhas, localizado a quatro quilômetros de Dubai UAE, e um número considerável de aeroportos asiáticos estão construídos em cima de Ilhas Artificiais, “incluindo Kansai Internacional, Chübu Centrair Internacional e Kobe Airports, que foram projetados para suportar eventos climáticos extremos como tufões e terremotos” (RAYFUSE e CRAWFORD, 2011, p. 11), cairia na questão de viabilidade tecnológica, visto que os territórios mais vulneráveis não entrariam na categoria de Estados desenvolvidos. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM www.ufsm.br/redevistadireito 90 Além disso, ao pensar-se nos direitos internacionais atuais, em específico a Convenção das Nações Unidas sobre o Direitodo Mar, não haveria suporte jurídico para essas ilhas no que tange a zonas econômicas exclusivas, prejudicando o funcionamento econômico futuro destes lugares. Ainda, se o caso fosse transpor essa realidade as SIDS, problemas de ordem prática surgiriam mais do que os de ordem jurídica. A criação de umas Maldivas artificial em uma gigante plataforma no oceano lidaria com a questão prática de realojameto da nação, e isso necessitaria do acompanhamento de uma resposta legal também – deveria ser assegurado à continuação dos direitos do Estado reconstituido. (RAYFUSE e CRAWFORD, 2011, p. 11). Adentrando na questão de migração é interessante a proposta de Maxine Burkett, da criação da Nação Ex-Situ: O governo das nações ex-situ sentaria em uma localidade permanente e manejaria os assuntos do Estado à distância (...). Enquanto o papel do governo ex-situ tivesse um similar mandato, maior ênfase seria dada em preservar os elementos da nação-estado que deveria permanecer pendente sua extraterritorialidade (...). Os cidadãos da nação ex-situ irão quase certamente dispersar- se em torno do globo; e, o governo da Nação Ex-Situ poderia servir como um núcleo político e cultural vital. (BURKETT, 2011, p.363) Continuando a linha de pensamento de Burkett (2011), a diferença entre o atual sistema de “administração”, que já se mostraram efetivos com, por exemplo, as Nações Unidas, somente diferiria quanto à manutenção do governo próprio e do princípio de autodeterminação e os cidadãos eleitos da Nação Ex-Situ serviriam, eles mesmos, como administradores. Sendo que a fim de manter a paz e segurança durante a transição do governo próprio e da autodeterminação as Nações Unidas estabeleceriam um sistema de administração internacional para alguns designados, e confiáveis, territórios. Outrossim, Burkett (2011) afirma que o Sistema de Administração das Nações Unidas excluiria territórios que se tornaram membros das Nações Unidas, em consistência com o princípio de igualdade de soberania, que deve ser respeitado pela ONU. E para se manter a continuidade da igualdade de soberania os membros da ONU somente agiriam para dar suporte à transição para, e estabelecimento da Nação Ex-Situ. CONSIDERAÇÕES FINAIS O mundo está sofrendo mudanças com o comportamento atual do clima. Não só previsões sobre catástrofes, mas reais situações, vividas agora, por muitos Estados, Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM www.ufsm.br/redevistadireito 91 em especial aos insulares, estão acontecendo. De fato, duas coisas devem acontecer: primeiro o conceito de soberania, de origem atrelada ao Estado Moderno, deve ser redefinido, em um nível um pouco mais profundo do que o é geralmente – uma vez que ele se “adapta” aos momentos históricos da humanidade – e, segundo o Direito Internacional deve ajudar não só nessa redefinição como também em meios legais para suportar a nova dinâmica populacional, principalmente, que surgira nos próximos anos. Várias soluções quanto à dualidade soberania-mudanças climáticas já estão sendo pensadas, mas quanto ao que fazer no cenário próximo o importante é exposto por Willcox: Mais importante, ela (comunidade global) providencie uma base normativa para um quadro inclusivo, flexível e cosmopolita com a capacidade de endereçar assuntos de inundação, perda de soberania, e negação de direitos humanos básicos mais efetivos, do que um sistema rígido e compartimentado como premissa na soberania estatal. (WILLCOX, 2012, p. 16) Enfim, somente uma coisa é certa, a imprevisibilidade do que ocorrerá. E que se uma solução surgir ela irá basear-se no tripé: Estado, soberania e mudanças climáticas, que norteará o caminhar dos próximos anos de nosso planeta. REFERÊNCIAS BULKELEY, Harriet. Governing climate change: the politics of risck society? Royal Geographical Society (with the Institute of British Geographers) 2001 BURKETT, Maxine. The Nation Ex-Situ: On climate change, deterritorialized nationhood and the Post-climate era. Disponível em:<http://www.law.hawaii.edu/sites/www.law.hawaii.edu/files/content/coliver/345374%20Burkett.pdf>, acesso em 25 de Junho de 2012. CCEMA. Climate Change, Environment and Migration.Frequently Asked Questions. Climate change, Enviroment and Migration Alliance, December 2010.Disponível em: <http://www.iom.int/jahia/webdav/shared/shared/mainsite/activities/env_degradation/C CEMA_top_10FAQs.pdf >, acesso em 26 de Junho de 2012 COLOMBO, Silvana. 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