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The Internet changes the news product: it undergoes modifications to adapt to cyber-media, assimilating hypertextuality, multimedia and interactivity. This article analyzes the phenomenon of changes in journalism from the point of view of mutations. Mutation is seen as a genetic phenomenon that explains the evolution of beings, in this case applied to the study of news. It seeks to unify the term mutation, commonly used in journalism as synonymous with transformation. The corpus of the research is the portals UOL (Brazil) and Clarín (Argentina), where is applied content analysis to verify the possible changes in the news and the participation of the readers. The result points to a set of trends related to changes and continuities in news product.

1 Mutação no jornalismo e cidadania digital. Três questões sobre a produção da notícia na tela eletrônica. Grupo Temático 16 Estudios sobre Periodismo Artigo apresentado ao XI Congreso Latinoamericano de Investigadores de La Comunicación, maio 2012, Montevidéu, Uruguai Thais de Mendonça Jorge, doutora em Comunicação, professora da Faculdade de Comunicação, Universidade de Brasília (UnB), Brasil. [email protected]. Resumo A internet muda o produto notícia: ele sofre modificações para se adaptar ao cibermeio, assimilando a hipertextualidade, a multimidialidade e a interatividade. Este artigo analisa o fenômeno dos câmbios no jornalismo sob a ótica das mutações. A mutação é vista como fenômeno genético que explica a evolução dos seres, neste caso aplicada ao estudo do relato noticioso. Procura-se unificar o termo mutação, comumente utilizado no jornalismo como sinônimo de transformação. O corpus da pesquisa são os portais UOL (Brasil) e Clarín (Argentina), onde é aplicada análise de conteúdo para verificar as possíveis mudanças na notícia e na participação dos leitores. O resultado aponta para um conjunto de tendências relacionadas a alterações e continuidades no produto noticioso. Palavras-chave: Internet; mutação; jornalismo; jornalismo digital; rotinas produtivas. Abstract The Internet changes the news product: it undergoes modifications to adapt to cyber-media, assimilating hypertextuality, multimedia and interactivity. This article analyzes the phenomenon of changes in journalism from the point of view of mutations. Mutation is seen as a genetic phenomenon that explains the evolution of beings, in this case applied to the study of news. It seeks to unify the term mutation, commonly used in journalism as synonymous with transformation. The corpus of the research is the portals UOL (Brazil) and Clarín (Argentina), where is applied content analysis to verify the possible changes in the news and the participation of the readers. The result points to a set of trends related to changes and continuities in news product. Keywords: Internet; mutation; journalism; digital journalism; productive routines. 1. Introdução: estudo das mudanças no jornalismo Metamorfose, midiamorfose, embaralhamento, hibridação, mutação. Vários são os termos para tentar explicar o fenômeno que incide sobre as comunicações, em especial o jornalismo, na rede mundial de computadores. A respeito desse processo, fazemos três perguntas: 1) o que está acontecendo com a notícia hoje: a notícia muta, metamorfoseia-se ou é resultado de um processo de hibridação? 2) Como se dão os processos de passagem do principal gênero jornalístico, dos suportes mais conhecidos (impresso/ televisivo/ radiofônico) para o suporte digital? 3) Que transformações sofre a notícia, enquanto produto informativo, ao mudar de suporte, e qual a decorrência disto para o cidadão do século XXI? Lévy (1999: 35) atestou que a humanidade está vivendo uma “mutação técnica, econômica, cultural e antropológica de grande alcance, comparável à invenção da 2 escrita e da imprensa, porém muito mais rápida”. Chalus (In Febvre e Martin, 1992: 910) comparou a invenção da escrita às “emergências” dos biólogos e levantou a hipótese de uma mutação pós-Gutenberg: “Essa transformação do manuscrito em livro impresso não será uma outra ‘mutação’? Já Cristina Ponte (2005: 50) falou nas “mutações tecnológicas que afectam os processos de mediatização”. Também Marialva Barbosa (2007: 221) admitiu que “inúmeras são as mutações que podem ser apontadas no jornalismo diário a partir dos anos 1980”. E Nélia Del Bianco (2004) alertou que as mutações que estão surgindo na imprensa são capazes de provocar outros fenômenos, causando até mesmo um realinhamento de todo o sistema de produção de notícias. Parece assim que, sob que nome tiver, o fenômeno, as mudanças no âmbito das comunicações são uma preocupação e se tornam objeto de estudo, como aconteceu no evento promovido pela Réseau d´études sur le journalisme (Rej), o I Colóquio Internacional Mudanças Estruturais no Jornalismo (Mejor), em abril de 2011, em Brasília (Brasil). Nossa atenção se volta à notícia como um dos elementos da transformação cultural que está ocorrendo na sociedade, a qual tem na mídia um dos principais impulsionadores. A nova roupagem da notícia na tela eletrônica é dada pelos sistemas de hipermídia. Em trabalho anterior1, qualificamos a mutação no jornalismo como fenômeno da pós-modernidade e da sociedade midiatizada, defendendo a aproximação do conceito da Genética ao estudo da notícia. Este artigo pretende fazer uma revisão da hipótese da mutação da notícia em ambientes digitais. Debruçar-nos-emos sobre o estado atual dos sites noticiosos com o objetivo de verificar se a notícia está ainda em processo de mudança. A fim de que a comparação com a situação anterior – quando chegamos a apontar alguns gêneros emergentes que estariam brotando na internet – será usado o mesmo método, a análise de conteúdo, com seleção de um corpus e posterior exame de notícias. Se considerarmos o ano de 1994 como marco da entrada das empresas jornalísticas brasileiras na rede mundial de computadores, a notícia digital estará completando em 2012 a maioridade. Seria hora, portanto, de fazer uma revisão no produto, verificar se ele está plenamente adaptado ao meio, o que mudou e como se dá sua relação com o público. Ainda para remeter ao trabalho anterior e a fim de dar uma perspectiva latino-americana a esta pesquisa, escolhemos os sites do Clarín (Grupo 1 JORGE, T.M. A notícia em mutação. Estudo sobre o relato noticioso no jornalismo digital. Tese de Doutorado não-publicada. Universidade de Brasília, 2007. 3 Clarín) e do UOL (Grupo Folha) e, dentro deles a seção Últimas Notícias com o objetivo de: 1) estudar a notícia e suas características em uma webpage; 2) refletir sobre a produção desse conhecimento; 3) averiguar as formas de participação do cidadão. Em uma semana de coleta, entre os dias 15 e 21 de janeiro de 2012, registraramse 191 notícias (107 no UOl e 84 no Clarín). Para chegar a esses totais foi utilizado o mecanismo de busca por palavras, no caso, “últimas noticias”. A diferença no número de unidades encontradas se dá por causa do ritmo de atualizações, que no clarin.com é bem menor que no portal UOL, como se pôde constatar. A pesquisa foi feita no horário de 21 às 22h, durante uma semana corrida. 2. A hipótese de mutação da notícia Em Biologia, mutação é uma modificação na informação genética que altera as características dos indivíduos. Sem mutações, não haveria variação. Sem variação, a evolução não se processaria. Se não fossem as mutações, a terra ainda seria povoada por moléculas idênticas e estaria nadando na mesma sopa primordial (Brookes, 2001: 26). Mutação, no caso da notícia, é uma metáfora usada para descrever o processo evolutivo do produto jornalístico, mostrando que ele precisou promover mudanças em seu corpo para se adaptar ao meio sendo, ao mesmo tempo, influenciado por esse meio. Na hipótese de que a notícia estaria passando por um processo de mutação para se adaptar a um novo suporte digital, poderíamos dizer – fazendo analogia com os organismos vivos – que a notícia (indivíduo) atravessa uma etapa de modificação nos genes, ao se transpor para a tela eletrônica. A hipótese da mutação tenta unificar o uso desse vocábulo no jornalismo e compreender de que maneira o produto registra mudanças em função da tecnologia mais recente, que é o uso das tecnologias da informação e da comunicação. No jornalismo, os fatos seriam o DNA da notícia, sua informação genética. A mutação se caracterizaria por uma repentina mudança no estado de percepção, captação e processamento dos fatos, o que provocaria diferenças nas rotinas, nos produtos e subprodutos jornalísticos. A apresentação da notícia adquiriria assim nova forma a qual, mesmo que tenha algumas características da matriz, já mostraria características próprias, indicando que ela poderia ser encarada como um ser mutante, ou seja, em constante mutação. Tal como na natureza ocorrem alterações no estado dos seres vivos, a notícia 4 hoje: (a) teria mudado do estado sólido para o estado virtual2; (b) em termos de composição, agregaria novos recursos, como som e imagem; (c) suas propriedades seriam alteradas, pois não tem mais as cores do papel, e sim outras cores, na tela eletrônica; do ponto de vista físico, não pode mais ser manuseada, deve ser apenas vista, ouvida ou assistida; e (d) como na mutação celular, estaria havendo uma mudança na energia, quando a capacidade de fazer o trabalho, pelos jornalistas, passa a ser pressionada pela velocidade e a própria cultura da profissão parece estar em processo de câmbio (Concise..., 1990). É possível acompanhar a trajetória da notícia na história da humanidade e, embora as primeiras manifestações da necessidade humana de contar histórias ou dar testemunho dos acontecimentos tenham sido os desenhos nas cavernas, poderíamos assinalar que a notícia como relato, forma de comunicação com um público – real ou imaginário, perto ou distante –, teria começado por via oral (Jorge, 2004). Para fins de compreensão da notícia como resultante de um processo histórico, criamos, na Tabela 1, categorias de mutação. Uma primeira mutação gênica teria sido, por exemplo, quando se desenvolveu a fala humana e a notícia pôde ser comunicada boca a ouvido. Depois, os cromossomos da notícia se modificaram quando se encontrou a expressão escrita (mutação cromossômica) e, com um suporte físico, os fatos adquiriram memória e documentação. No início, a narrativa impressa possuía um caráter opinativo; foi necessário promover uma ruptura (ou uma supressão de características) para separar notícia de comentário. A partir daí, os gêneros próprios do jornalismo se desenvolveram, donde uma etapa somática. A adoção da pirâmide como modelo de texto – o que veio contribuir na valorização do produto jornalístico e organizar a edição – seria uma mutação pontual. Tabela 1 – Mutações históricas da notícia em analogia com a genética Categorias Característica genética mutação gênica Alteração de base que ocorre Notícia falada dentro da seqüência que carrega a informação genética (gene). Genes criam campos de tendências, que reagem ao contexto Mudanças invisíveis no DNA dos Notícia escrita cromossomos afetam a aparência ou o número de cromossomos mutação cromossômica 2 Resultado Estamos aqui tratando do jornalismo escrito: do suporte em papel, ele passa ao suporte digital. 5 Alteração restrita, visível, pode Gêneros jornalísticos ser transmitida aos descendentes (reportagem, e provocar outros tipos de entrevista, etc.) desenvolvimento mutação supressora Determina a supressão de uma Notícia x opinião característica. Às vezes a existência de um gene só é notada quando ele muda ou desaparece mutação pontual Incide sobre o código do sistema, Pirâmide invertida causando mudanças de âmbito restrito Fonte: Erlich, P.R., Holm, R.W., Parnell, D.R.(1963) The Process of Evolution. New York: McGraw Hill. mutação somática 3. Interatividade e poder do cidadão Interatividade é o ato de executar ações dentro de um programa digital. Se não há interatividade, o usuário não acessa o site, não navega, não rola a página. A escolha do trajeto pelo internauta é uma forma de adquirir protagonismo que propicia as condições para uma personalização das informações – ou da maneira de buscá-las – e até a possibilidade de se ter um jornalismo de autor. Não se trata de uma nova característica das comunicações: segundo Vandendorpe (1999) já havia interatividade na Grécia e nas catedrais medievais. As inscrições nas paredes se dirigiam ao passante. Também nos túmulos e nos graffiti, os escritos teriam a preocupação de atingir o leitor. Quadros e Santos (2006, p. 41-52) apontaram que, na condição de ser interativo, o leitor precisaria preencher “o vazio das significações”, o que o aproximaria da escrita semítica. Esta era um sistema aberto, que obrigava o leitor a raciocinar; a escrita grecoromana, ao contrário, apresenta uma cadeia completa de significados, não dá trabalho ao leitor. A internet viria assim recuperar o lugar de participação das pessoas no processo de comunicação. No entanto, como asseveraram Díaz Noci e Salaverría (2003), só isso não é suficiente para ter interatividade. A mensagem deveria fazer parte de um contexto que permitisse a atuação do leitor. Mesmo assim, os autores alertavam que o poder do autor é limitado “a um nível extra-diegético” (p. 110), já que a definição do conteúdo (diegético) continuaria nas mãos do autor/ jornalista. O usuário de um site pode enviar uma contribuição, fotografia ou relato sobre algo que presenciou, e isso tem condições de ser publicado; ele pode escrever uma carta e o documento, justo pela ausência de limites de espaço, ir para a rede na íntegra; ou ainda, ele pode recortar uma notícia, acrescentar comentários e enviar aos amigos. Tudo isso ainda tem restrições, pois o 6 gerador do conteúdo e selecionador do material, nas mídias tradicionais, seria o profissional de comunicação. Ao pensar os desdobramentos do fenômeno tecnológico sobre a cidadania moderna, Quiroga pontuou “transformações operadas pelos suportes informacionais” (2011) incidindo sobre o modelo de cidadania fundado no século XVIII, do qual somos herdeiros. Segundo o autor, estaríamos num momento de “passagem do modelo de representação fundado pelo binômio vínculo social/arcabouço jurídico” para outro caracterizado pela “conectividade” e pelos “fluxos de informação”, onde os meios de comunicação interfeririam sobre a ideia de democracia (pp. 19-20). Além disso, faz um retrospecto para realçar a importância e a centralidade da comunicação na vida ocidental: De fato, se recuamos no tempo e pensamos a questão da comunicação como fenômeno, prática ou expressão social, observamos que ela não só acompanha como, muitas vezes, acaba por fundar importantes passagens históricas. É o caso, por exemplo, do papel exercido pela linguagem, pela cultura oral junto ao advento das cidades, na passagem da Grécia antiga ao período clássico; da mesma forma, na passagem ao período medieval, quando ocupa o lugar de mediação entre o homem e o divino, assim como na era moderna, quando emergem as diversas técnicas oriundas da invenção da energia elétrica (Quiroga, 2011, p. 21). Silva (2011) definiu cidadania como “atividade que consiste na autoconstrução do sujeito social enquanto partícipe e copartícipe da vida pública”. Para ele, o cidadão é o citadino, o morador da cidade, e esse conceito, “que tende à universalidade”, seria o “status de qualquer ser humano, independentemente de etnia, nacionalidade e convicções políticas e religiosas” (p. 99). Embora, na polis grega, as pessoas tenham às ruas para participar da vida pública, fazendo com que a própria noção de democracia esteja fundada na ideia de governo do povo, a cidadania como um direito se vê hoje ligada à Declaração dos Direitos Humanos, de 1948. 4 Análise dos portais uol.com.br e clarin.com Na semana de coleta, em janeiro de 2012, não houve nenhum acontecimento excepcional. No horário escolhido (21 às 22h), chegou-se a uma média de 27,2 notícias recolhidas/ dia, recorrendo-se à expressão “Últimas notícias”. A análise efetuada levou em conta as seguintes categorias: a) apresentação da página e lugar das notícias no site; b) tipo de texto (pirâmide invertida ou outro) e uso de material multimídia; c) espaço para comentários. 7 No corpus examinado, o Clarín usa fotos em 46,6% das matérias, ao passo que o UOL apresenta apenas 16,8% de imagens, sendo que o clarin.com ainda emprega mais vídeos e podcasts que o UOL. Ressaltamos que essa seleção foi feita por meio de um motor de busca que procurou as palavras-chave “ultimas noticias”, em ambos os casos, e esse resultado não se refere às páginas internas nem à capa dos portais, e sim a uma lista de notícias arroladas pela ferramenta. Feita a ressalva, registramos que o site do Clarín oferece um tipo de material multimídia mais rico e em maior quantidade que o portal brasileiro. Aparecem, por exemplo, fotografia e arquivo sonoro acompanhando matéria, como na reportagem de música “Paul McCartney se presentará en la entrega de los Grammy” (19 jan. 2012); ou vídeo e foto, complementando o texto “María Luisa Bombal, la abeja de fuego” (Rojas, 2012, 17 jan.), reportagem sobre um filme recémlançado. 4.1 Portal uol.com.br O portal UOL tem um design clean, no qual a força dos anúncios parece invadir a tela, seja em janelas popup, seja no interior das matérias, disputando espaço com a informação jornalística. O grid3 da primeira página está dividido em quatro espaços verticais, sendo que os três primeiros a partir da esquerda são ocupados predominantemente por notícias e toda a coluna mais estreita à direita é usada pela publicidade. No Quadro 1 podemos ver que o UOL alinha, num menu lateral, todas as seções do site, começando pelos ícones para assinatura e assistência aos leitores. O logotipo vem ao alto, seguido de anúncios institucionais (login, hospedagem de sites, etc.), e numa barra horizontal entram os links para: Bate-Papo, Entretenimento, Esporte, o jornal Folha de S. Paulo, Notícias, TV UOL e Busca. Ainda no que seria o cabeçalho da página principal aparecem informações como data, tempo, ícones do Twitter, Facebook, YouTube, Shopping (que permite fazer compras) e o botão “Curtir”, ao lado de um indicador do número de pessoas que o acionaram. Descrever esses detalhes ajuda a apontar como a notícia se insere no projeto de negócio que viabiliza a operação do portal UOL, e mostra que ela faz parte do mix de marketing da empresa como uma das mercadorias oferecidas. Podemos ainda observar que o UOL coloca na primeira página, ao lado dos títulos das reportagens, pequenos balões vermelhos indicando o número de comentários 3 Grid é a malha tipográfica, usada na diagramação das páginas para alinhar elementos gráficos de forma harmônica, propiciando facilidade de leitura. 8 que a notícia suscitou. O espaço para participação do público no UOL se encontra nas páginas internas, ao pé das reportagens. Quadro 1 – Reprodução de página do UOL 4.2 Portal clarin.com Num dia normal, o site do Clarín apresenta uma divisão em três colunas: duas colunas laterais com notícias em fundo branco e uma central, com uma lista de entretenimentos, incluindo chamadas para galeria de fotos, cinema e TV, espetáculos, artes, tecnologia. Na parte superior da página principal – o que seria o cabeçalho – vem o menu com tópicos publicitários: classificados, automóveis, motos, imóveis, e outros. Abaixo dele, a barra de seções (Política, Mundo, Sociedad, Ciudades, etc.), sob a logomarca do Clarín. A coluna da direita está geralmente reservada a Actualidades, que podem ser repercussão de um assunto ou notícias sobre futebol. Ao pé da página, aparece bem delimitada a seção Clarín WebTV, onde são dispostos vídeos (que entram ou não nas matérias). 9 Quando há um acontecimento extraordinário, como o acidente com um trem no dia 22 de fevereiro de 2012, toda a parte de cima da Home fica muito parecida com o jornal de papel, predominando a manchete (Quadro 2), seguida das fotos e de várias chamadas como complemento ao Tema do Dia. Em comparação com anos anteriores, o uso do branco como fundo da primeira página levou a uma melhora na leitura. Ao longo do tempo, o clarin.com foi se tornando mais colorido e assumindo a feição de verdadeiro portal, com exploração de uma gama mais vasta de assuntos e material multimídia, o que sugere uma estratégia de busca pela audiência. Na data do acidente ferroviário, por exemplo, podiam-se contar seis vídeos colocados à disposição do público. O espaço para participação do público no Clarín, da mesma maneira que no UOL, está nas páginas internas, logo abaixo da notícia. Nesse dia, 575 comentários foram feitos sobre a tragédia no bairro Once de Buenos Aires. Os leitores digitais dialogavam entre si, alguns atacando, outros defendendo a presidente Cristina Kirschner, culpabilizando-a pelo acidente que provocou ao final 50 mortes e foi considerado “el tercer accidente ferroviario más grave de La Argentina” (Clarín, 22 fev. 2012). Quadro 2 – Página do Clarín em dia de tragédia 10 Esta front page difere da que se vê num dia sem grandes acontecimentos. Nesse caso, a manchete volta ao lugar de origem – à esquerda da tela, direção dos olhos na leitura ocidental –, embora mantenha posição de destaque na hierarquia da informação. Da seção Clarín WebTV para baixo, outras chamadas são apresentadas, acompanhadas de fotos, deixando espaço à direita para anúncios. 4.3 Resultados Quanto à apresentação da notícia em si, a análise se cingiu à possível utilização de novos tipos de texto ou materiais multimídia complementares. No caso do UOL, todas as notícias encontradas nesta reduzida amostra estão no formato pirâmide invertida4. Porém, elas trazem adereços (como links para outros textos, fotos, áudios ou vídeos) e incentivos para que os leitores participem por meio do Twitter, Facebook ou de um ícone “Comente”. Num mesmo dia, uma matéria pode gerar comentário dos leitores e outra, não. Por exemplo, o texto “Fantástico mostra bastidores da visita de Michel Teló ao Real Madrid” (15 jan. 2012) suscitou dois comentários, derivados provavelmente da grande repercussão que a música de Teló alcançou, com a contribuição da própria mídia (o programa Fantástico, da TV Globo) e a exploração de personagens notórios (o cantor, os jogadores de futebol). Já a nota “Incêndio atinge fábrica de guardanapos na zona leste de SP” (15 jan. 2012), apesar de ter uma foto impactante, não provocou comentários. A razão para isso estaria em alguns fatores que podemos sugerir: o fato de ter se passado na zona leste, mais pobre, da capital paulistana; de ser uma simples fábrica de guardanapos e não uma grande indústria de papel; e de não haver tido vítimas. Para a construção da notícia cidadã, haveria – além de abrir espaço para comentários dos leitores – que “agregar valor a um valor-notícia”, como disse Luiz Martins da Silva (citado por Vidal, 2011, p. 124). Seria necessário dar indicações de alguma “ação cidadã” a ser executada, do tipo: “como denunciar, ajudar ou contribuir”, o que nem sempre acontece por falta de disponibilidade do veículo. No uol.com.br, temos um exemplo do que seria essa notícia cidadã: o texto “Ministério da Saúde envia vacinas para Estados afetados por enxurradas” (16 jan. 2012) foi complementado com o áudio “Dicas para evitar doenças após as enchentes” e o link “Leia mais notícias sobre as chuvas pelo país”. 4 Entendemos como pirâmide invertida o modo de organização do texto jornalístico a partir do lide, onde o texto começa pelo tema mais importante, segundo um critério de hierarquização das informações determinado pelo redator (Jorge, 2008, p. 167) 11 Na editoria Sociedad do clarin.com, publicou-se, no dia 18 de janeiro, a reportagem “Trasplantaron con éxito a una de las gemelas cordobesas en Brasil”, o que levou a centenas de comentários dos leitores. A notícia contava a história de duas gêmeas argentinas que necessitavam de transplantes de pulmão e o foram fazer em Porto Alegre, mas somente uma delas conseguiu doador num primeiro momento. “Argentina no permite donantes vivos!!!!!! prejuicios, prejuicios y mas prejuicios!!!!!!”, disse um dos leitores do Clarín. Outro resolveu responder a ele: “Transplante pulmonar de donantes vivos es una practica que se practica con exito en el mundo, que esperan los legisladores para cambiar esto? Son vergonzosos!!!” Leitoras partiram em defesa da saúde das moças: “Qué buena noticia ! Ahora vayan por la otra. La más pronta recuperación para las chiquitas”; “Fuerza!!!Y que el señor las bendiga”. Os comentários continuavam num tom ou no outro, apoiando a posição, ora a favor das gêmeas, ora julgando a lei de transplantes no país. A notícia não trazia complementos sobre a questão, e perdeu a oportunidade de esclarecer o público e aprofundar o debate sobre assunto tão polêmico. A reportagem, tendo como fonte “Agencias”, foi redigida em pirâmide invertida, assim como todas as matérias da amostra. 5 Considerações finais Debray (1993) pensava que “não é possível acompanhar ao vivo uma revolução midiológica; ela só pode ser levada em conta a partir de seus produtos” (p. 267). Se estamos em uma revolução (cultural, social, midiática ou midiológica) ainda não sabemos ao certo. O fato é que nos encontramos em período de grandes mudanças para a humanidade. O autor também refletia: “Uma grande cultura histórica tende a sacralizar seu grande veículo, idealizar seu modo principal de comunicação. Os gregos, com Hermes, mensageiro aéreo das palavras aladas. Quanto a nós, adoramos a comunicação por si mesma, o princípio de circulação como tal” (p. 185). Não por acaso, a Revolução Francesa valorizou o chumbo, o papel. Os vencedores da Bastilha transportaram, com pompa, uma prensa e a colocaram em cima das ruínas da fortaleza. E nós, no século XXI, tendemos a valorizar o virtual, o mundo das relações etéreas, efêmeras, por causa da comunicação atual, centrada na rede mundial de computadores, e admiramos a velocidade, o movimento. Desta maneira, temos a ilusão de que o meio mais hegemônico (a mídia internet) seria o mais 12 democrático. A respeito do jornalismo, em tempos de centralidade da mídia, gostaríamos de tecer algumas considerações: 1. 2. 3. 4. 5. 6. Nesta pesquisa, acompanhamos a notícia, como produto do jornalismo, uma das maneiras de tentar compreender a “revolução midiológica”. A notícia é, em si mesma, um gênero que apresenta relação direta com as convenções do meio social, formando um conjunto de forças interatuantes. Todo mundo sabe o que é uma notícia e, consciente ou inconscientemente, reconhece que ela tem papel importante no contexto cognitivo de apreensão do real, como agente estruturador da comunicação e dos conceitos de cidadania, liberdade de expressão e de informação, além de vários outros direitos sociais. Isso apenas não garante que o produto do jornalismo seja democrático, ainda mais quando ele emana de uma empresa informativa com características de concentração de propriedade e de uso da informação; A notícia digital aparece aos olhos do público como exacerbação das características que a tornaram um produto aceito na sociedade contemporânea: participa, organiza, padroniza o processo de absorção de conhecimento a partir da realidade, com as promessas de velocidade, redução de tempo e precisão, dentro de um meio “sacralizado”, a internet. A premissa básica na prática do jornalismo diário não é a imposição de um gênero textual (a pirâmide invertida como modelo), porém a necessidade de se apresentar informações mais relevantes em primeiro lugar. A notícia em rede, embora apareça com som/ imagem, não é uma ficção e continua a obedecer aos preceitos máximos de informar e formar, atendendo a um formato básico, padrão, e de grande facilidade para a construção diária do jornalista, dentro de determinadas rotinas estratégicas. Neste artigo, examinamos a possibilidade de a notícia ainda estar mutando, no processo de se transpor para a internet, o que seria uma etapa gênica, em nossa hipótese. Não se trataria de uma metamorfose, uma vez que a notícia não carrega em seu corpo a programação (como a lagarta que se transforma em borboleta) para se tornar outra coisa depois. Se estamos atravessando um processo de mutação, os fatos (genes) estariam criando um novo campo de tendências, antecipando o que será a informação no futuro, não mais um produto bidimensional, como o papel ou a TV, porém, um híbrido de imagens e sons que permite a participação a cada dia mais intensa do leitor. Podemos verificar isso pelos espaços que são dedicados à participação. Entre as tendências que se afirmaram – nos dois momentos desta pesquisa, em 2007, quando da tese de doutorado, e agora - pode-se considerar a iniciativa de beneficiar-se da sinergia com outros membros do grupo informativo como uma das mais fortes e que contribuem para o processo hoje chamado de convergência (de estruturas, de redações). O clarin.com utiliza largamente material da TV e da Rádio Mitre, do Grupo Clarín, republica no site textos da revista Ñ, além naturalmente dos textos do jornal impresso. O UOL e o jornal Folha de S. Paulo inauguraram o portal folha.com, na intenção de convergir estruturas físicas e de pessoal, e o UOL fornece links para o material da Folha de S. Paulo (papel e internet). Hoje não se encontram mais tantos estudos sobre o texto no jornalismo digital nem sobre os gêneros emergentes na internet jornalística, como há cerca de cinco anos, o que parece apontar para uma naturalização e consolidação dos formatos e gêneros diante do público. O que mudou, sim, e se arrisca a ser uma tendência é, de um lado, a forma de apresentação da notícia nas páginas eletrônicas, e de outro, a participação dos leitores. Mais na Argentina que no Brasil, os comentários ocupam mais espaço que as matérias, muitas das vezes. A internet é um suporte, como também uma via, uma estrada, um elemento mediador na comunicação contemporânea. Ela é uma mídia, embora não uma mídia unitária, como o jornal, o rádio, a TV ou o cinema. É uma mídia no sentido de mediação. Enfim, consideramos a internet ainda um meio, no sentido de que veicula informações a um público amplo e de maneira simultânea, embora não provenha de fontes centralizadas e sua comunicação não seja unilateral como os meios de comunicação clássicos. Se a internet propiciou a forma do comentário, hoje em dia agregado às matérias, no Brasil e na Argentina, essa liberdade ainda não tem a necessária contrapartida da mídia tradicional, ligada aos jornais de grande circulação como a Folha e o Clarín: os comentários dos leitores não são respondidos e, quando muito, se tornam motivo para novas reportagens. Na maioria das vezes, a opinião dos usuários da internet funciona 13 como um diálogo entre eles, exercício de individualismo que só faz reforçar as características do próprio tempo. E o que isso provoca? A nosso ver, em muitos casos, uma fuga de leitores das mídias convencionais para as alternativas – e os blogs atuam como receptáculos, junto com as redes sociais – já que os veículos da grande imprensa pouco oferecem como guia ou compensação para os problemas, queixas ou interrogações das pessoas. Embora não seja o foco desta pesquisa, Twitter e Facebook hoje parecem funcionar como válvula de escape, servindo para divulgar e absorver informações dos leitores. Pela amostra analisada dos portais clarin.com e uol.com.br parece que a notícia ultrapassou as fases cromossômica, somática e pontual, incorporou a pirâmide como formato, embora ainda esteja atravessando uma nova mutação gênica, com os recursos multimidiáticos não totalmente desenvolvidos. O leitor, inserido no cenário de alta “conectividade” no ritmo dos “fluxos de informação”, não consegue ampliar sua influência sobre a mídia além do nível extra-diegético, fora da mera narração, como apontaram Díaz Noci e Salaverría. Ele não tem respostas dos níveis decisórios, os quais realmente estabelecem o que é notícia e o que deve ser colocado em rede, o que sugere pouco compromisso com a chamada notícia cidadã. Do ponto de vista da mídia como instituição social que deveria proporcionar oportunidades ao citadino, não encontramos evidências para afirmar que os meios colaborem na autoconstrução desse sujeito social como copartícipe da vida pública – o cidadão (Silva). No início da internet, o texto era predominante nas páginas digitais. Contudo, na medida em que os recursos foram se desenvolvendo e novas funcionalidades do computador se incorporaram ao dia a dia dos cidadãos – o que inclui telefones celulares, softwares bancários, redes sociais, câmeras e aplicativos em vídeo, além de jogos eletrônicos e tablets – parece que a oralidade caminha rapidamente para uma posição hegemônica. Relembrando McLuhan para afirmar que os meios de comunicação interferem na natureza da mensagem que veiculam, Vandendorpe (1999) observou que a internet estaria provocando novas formas de escrita, adaptadas à experiência do hipertexto, fazendo desabrochar novas vocações de “escritor”. O autor sugeriu que a próxima era poderia ser a Civilização dos Iletrados. Os que têm menos experiência com a escrita se deixariam seduzir, não pela oralidade da 14 televisão e, sim, pela imagem animada dos sites5. Nessa hipótese, a escrita onipresente manteria apenas a função de permitir a fixação do pensamento e de facilitar a comunicação, preservando um caráter analítico. Porém, seria a hipermídia, a confluência da multimidialidade com a hipertextualidade, o que permitiria essa possível revolução ágrafa, que dá mais poder ao usuário e retira do jornalista o monopólio da autoria. Com a presença cada vez maior e a profusão de vídeos nos dois sites analisados, essa poderia ser uma das características da mutação em curso, que atingiria a América Latina e o mundo, a começar pelas populações marginalizadas e sem direito a voz na mídia convencional. Referências bibliográficas Arce, M., Sol F., M. (2012, 22. Jan.) Choque de un tren en Once: hay 49 muertos y 600 heridos, p. 1. Recuperado em 22. Jan. 2012 de www.clarin.com. Barbosa, M. (2007). História cultural da imprensa. Brasil – 1900-2000. Rio de Janeiro, Mauad X. Brookes, M. (2001). Fique por dentro da genética. São Paulo, Cosac & Naify. Chalus, P. (1992). In Febvre, L. (1992). O aparecimento do livro. Apresentação à edição francesa. São Paulo, Umesp; Hucitec, pp. 9-10. Concise Dictionary of Biology (1990). Oxford, Oxford Press, p. 161. Ponte, C. (2005). Para entender as notícias. Linhas de análise do discurso jornalístico. Florianópolis, Insular. Debray, R. (1993) Curso de Midiologia Geral. Petrópolis, RJ, Vozes. 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