Academia.eduAcademia.edu

Pe Julio Maria O Diabo Lutero e o Protestantismo

Remeto à V. Excia. o Nihil Obstat a, publicação do novo trabalho do incansável Pe. Júlio Maria S. D. N., o qual intitula: "O Diabo, Lutero e o Protestantismo". Essa obra, especialmente em centros onde os prolestantes assalariados, assentam suas besteiras,como nas Alterosas. só pode fazer um grande bem, apesar de, após a leitura de tais e tantas vilezas, a gente sentir necessidade instintiva de esfregar os olhos e lavar a língua", como costumava dizer a saudosa Maria Desidéria. É bem possível até que essa história nua e crua nâo agrade a certas almas que, depois de uma série infinda de infidelidades, foram parar no lamaçal do vício, e acarrete dissabores ao destemido autor. Neste caso, queira V. Excia. consolá-lo fazendo-lhe notar que, quando Denifle, no primeiro decênio deste século, correndo de vez o véu de quatrocentos anos, mostrou ao mundo protestante apavorado a realidade de seu famigerado fundador, no próprio catolicismo não faltaram "pequenos escandaizados''. E a grandiosa obra de Grisar, que nessa época já estava pronta, teve até de esperar por mais algum tempo oportunidade de publicação. Obras destas são necessárias; são testemunhos eloquentíssimos prestados a verdade, contra a ignóbil hipocrisia de apóstatas e protestantes de má fé que procuram ocultar, aos olhos do povo, a série monstruosa de imoralidades, baixezas e delitos desde os tempos de Henrique VIII ao duque de Windsor; com tais chefes espirituais, é natural que os pobres protestantes de boa fé passem vergonha.

Pe. Júlio Maria, S.D.N. O DIABO, LUTERO E O PROTESTANTISMO 2ª. Edição 1950 Editora “O Lutador” Manhumirim – Minas Montagem deste arquivo: http://alexandriacatolica.blogspot.com Nihil Obstat Santos, 24 julii 1937 Pe. Angelo Contessolo Censor ad hoc IMPRIMATUR Coratingen, 10 julii 1937 Mons. Aristides Rocha Vic. Capitularis REIMPRIMATUR Manhumirim, 15 de Agosto de 1949 † João Cavati Bispo Diocesano de Caratinga APRECIAÇÃO DO CENSOR Santos, 24 de Junho de 1937 A Monsr. Aristides Rocha Vigário Capitular de Caratinga Excelência Reverentíssima Remeto à V. Excia. o Nihil Obstat a, publicação do novo trabalho do incansável Pe. Júlio Maria S. D. N., o qual intitula: “O Diabo, Lutero e o Protestantismo”. Essa obra, especialmente em centros onde os prolestantes assalariados, assentam suas besteiras,como nas Alterosas. só pode fazer um grande bem, apesar de, após a leitura de tais e tantas vilezas, a gente sentir necessidade instintiva de esfregar os olhos e lavar a língua", como costumava dizer a saudosa Maria Desidéria. É bem possível até que essa história nua e crua nâo agrade a certas almas que, depois de uma série infinda de infidelidades, foram parar no lamaçal do vício, e acarrete dissabores ao destemido autor. Neste caso, queira V. Excia. consolá-lo fazendo-lhe notar que, quando Denifle, no primeiro decênio deste século, correndo de vez o véu de quatrocentos anos, mostrou ao mundo protestante apavorado a realidade de seu famigerado fundador, no próprio catolicismo não faltaram "pequenos escandaizados''. E a grandiosa obra de Grisar, que nessa época já estava pronta, teve até de esperar por mais algum tempo oportunidade de publicação. Obras destas são necessárias; são testemunhos eloquentíssimos prestados a verdade, contra a ignóbil hipocrisia de apóstatas e protestantes de má fé que procuram ocultar, aos olhos do povo, a série monstruosa de imoralidades, baixezas e delitos desde os tempos de Henrique VIII ao duque de Windsor; com tais chefes espirituais, é natural que os pobres protestantes de boa fé passem vergonha. De V. Excia servo em Cristo Pe. Angelo Contessoto, S. J. CARTA DE APROVAÇÃO Do Revo. Sr. Vigário Capitular de Caratinga Caratinga, 10 de Julho de 1937 Meu caro Pe. Júlio Maria Ainda sob a impresão do entusiasmo que me causou o seu último livro: "Sol Eucarístico e Trevas Protestantes", escrito e publicado a pedido meu. eis que novo opúsculo me vem às mãos. Que homem extraordinário é V. Rvma! Parece que os livros lhe brotam da pena. como as gotas d’água porejam das estalactites, nas abóbadas das grutas. Remeti o seu trahalho ao Censor nomeado pelo nosso saudoso D. José Maria Parreira Lara, para receber o exame e o parecer dele. 0 nihil obstat do ilustre Jesuíta, o qual lhe envio e peço publicar, mais que uma opinião, é uma aprovação completa, é um estímulo e um conforto. Não vejo necessidade de consolar a V. Rvma. como recomenda o censor, nos dissabores que lhe possa trazer a publicação de um livro que irá ferir, em pleno peito, os revoltosos contra a Igreja Católica, pois sei quanto o seu espírito paira acima de todos os ataques e calúnias, que o comodismo e os sectários do erro possam suscitar. O seu livro "O Diabo, Lutero e o Protestantismo" retraça, com fidelidade e penetração, uma das épocas mais agitadas da Igreja. Esta época é conhecida pela decadência que apresenta na história. Poucos, porém, conhecem de perto, e nos pormenores, a luta titânica, que a Igreja sustentou contra os abusos e erros de Lutero e comparsas. Os católicos e até os próprias protestantes olham Lutero apenas através de curtas monografias, que nos mostram a sua revolta contra a Igreja, mas não o situam no ambiente em que viveu e agiu. Dai provém certa noção incompleta e falha da vida e dos atos do "reformador". Mostra-nos V. Rvma., num quadro completo e em cores destacadas, a decadência e os males dessa época, as tendências dos povos de então, a balbúrdia nas idéias reinantes, a desunião dos governos. E em quadro tal, como bem o acentua V. Rvma., Lutero nos aparece em realce, não pelas qualidades pessoais, mas como a encarnação viva e fogosa dos distúrbios do seu tempo. Neste mesmo painel lúgubre pela perversidade do monge revoltoso, vê-se a ação calma, fecunda e regeneradora da Igreja Católica, refutando o erro e restabelecendo a verdade. Meus parabéns, caro Pe. Júlio Maria, por mais este raio, fulgurante de luz que é o seu livro, onde resplende a verdade histórica, tão deturpada pelos historiadores protestantes, a qual vem iluminar o espírito do leitor sincero e a inteligência dos vacilantes e, talvez dos iludidos. Peco à Nosso Senhor abençoe o sua pena sempre terrível e brilhante, pela Sabedoria do Alto e pela ciência da terra. Sou de V. Rvma. sincero e dedicado admirador Monsr. Aristides Rocha Vig. Capitular CAPÍTULO I O DESAPARECIMENTO DA IGREJA 1. Qual o mentiroso? 2. Asserção ridícula; 3. A santidade continua; 4. A mentira protestante; 5. Os protestos dos protestantes; 6. A obra de Jesus Cristo; 7. Conclusão. CAPÍTULO II UM RETRATO AUTÊNTICO 1.Primeiros anos de Lutero; 2. A Vocação de Lutero; 3. Estudos Incompletos de Lutero; 4.Viagem a Roma; 5. Os dois grandes erros de Lutero; 6. Conclusão. CAPÍTULO III A QUEDA DE LUTERO 1. O estado de alma e a conversão de Lutero; 2. Os escrúpulos de Lutero; 3. Conclusão. CAPÍTULO IV A ENTRADA EM CENA 1. A questão das indulgências; 2. A declaração de Guerra; 3. Primeira reação da Igreja; 4. Lutero e o Papa; 5. A discussão de Leipzig; 6. Furores de Lutero; 7. Conclusão. CAPÍTULO V A CONDENAÇÃO DE LUTERO 1. O desesperado; 2. Novas doutrinas heréticas; 3. A Bula de Condenação; 4. Os insultos de Lutero; 5. A excomunhão de Lutero; 6. Perante o Conselho de Worms; 8. Conclusão. CAPÍTULO VI LUTERO EM WARTBURGO 1. A pretensa missão de Lutero; 2. Aparições do Diabo; 3. Tentações impuras; 4. A liberdade evangélica; 5. Saída de Wartburgo; 6. Fingimento hipócrita; 7. Conclusão. CAPÍTULO VII SANGUE E LAMA 1. A guerra dos campônios; 2. Lutero e o povo; 3. Lutero autoridade; 4. Adversários do Reformador; 5. O feminismo de Lutero; 6. Raptores e raptadas; 7. Catarina de Bora; 8. O “casamento” de Lutero; 9. O “casamento” de Lutero; 7. Conclusão. CAPÍTULO VIII OS ALICERCES DAS SEITAS PROTESTANTES 1. Os primeiro projetos; 2. Constituição do protestantismo; 3. Propaganda e Violência; 4. Adversários do reformador; 5. O monge e os fanáticos; 8. Os falsos amigos de Lutero; 7. Conclusão. CAPÍTULO IX OS AUXILIARES DE LUTERO 1. O fogoso Zwínglio; 2. O iconoclasta Carlostadt; 3. O infame Calvino; 4. O sanguinário Henrique VIII; 5. Outros colaboradores; 6. Conclusão. CAPÍTULO X ÚLTIMAS LUTAS DO REFORMADOR 1. Na fortaleza de Coburgo; 2. O ódio ao Papado; 3. Bigamia de Felipe de Hesse; 4. Louco ou possesso. 5. Conclusão. CAPÍTULO XI ÚLTIMOS DIAS E MORTE DE LUTERO 1. O homem terrível; 2. Desgostos e remorsos; 3. Última viagem; 4. A morte misteriosa; 5. Outras opiniões; 6. O enterro de Lutero; 7. Conclusão. CAPÍTULO XII A CONTRA REFORMA 1. O Concílio de Trento; 2. A sagrada Escritura e a tradição; 3. pecado Original; 4. A Justificação; 5. Os sacramentos em geral; 6. A eucaristia; 7.Penitência e Extrema Unção; 8. Ordem a Matrimônio; 9. Purgatório e indulgências; 10. O culto dos santos; 11. Decretos disciplinares; 12. Conclusão. CAPÍTULO XIII OS SANTOS E A SANTIDADE 1. Os Papas; 2. As ordens religiosas; 3. Os santos dessa época; 4. Os sábios da época; 5. Conclusão. CAPÍTULO XIV OS SUCESSORES DE LUTERO 1. Os Batistas; 2. Os presbiterianos; 3. Os metodistas; 4. Os quakers ou tremedores; 5. A fragmentação protestante; 6. Seitas, seitas, seitas; 7. Seitas excêntricas; 8. Conclusão CAPÍTULO XV O PROTESTANTISMO 1.Julgados por si mesmos; 2. A sentença de morte; 3. Um morto ainda vivo; 4. O simulacro de religião; 5. A mixórdia protestante; 6. A moral protestante; 7. Conclusão. CAPÍTULO XVI UMA VISTA GERAL 1. Grandes e grandes; 2. Lutero; 3. O grande erro; 4. A interpretação individual; 5. Retratações de Lutero; 6. Fatos significativos; 7. Juízo de um anglicano; 8. Conclusão INTRODUÇÃO '"O Diabo, Lutero e o Protestantismo" é o estranho título de um livro a nos contar uma história macabra. A princípio parece exagero a aproximação dessas três realidades. Mas não é, como o leitor chegará a verificar. Do mesmo modo por que se entrelaçam e se completam numa só entidade o CRISTO, O PAPA E A IGREJA, como demonstrei noutro volume sobre esse título, também se ligam e se estreitam no diabo, Lutero e o Protestantismo. Assim como deixei provada a suave, harmoniosa e divina união entre Nosso Senhor, o Pontífice de Roma e a instituição de Pedro, tentarei, agora estabelecer a conexão flagrante e diabólica e as seitas ditas da reforma. Não me acusem de deturpar as coisas, antes de manusearem com atenção o livro todo. Quem o ler logo estará convicto do fato. Calúnia alguma assaquei ao protestantismo. Apenas tirei do olvido e frisei, com argumentos numerosos e seguros, a expressão viva de um acontecimento histórico e moral. A vida de Lutero jaz num esquecimento inexplicável. Por que razão um homem que revolucionou tanto o mundo, as consciências, as idéias e até a política, permanece de tal forma desconhecido, que mesmo os seus seguidores lhe ignoram os gestos? Como atinar com o sepulcral silêncio que envolve a existência desta curiosa personagem? É muito simples a resposta. É que ele, a despeito do papel saliente desempenhado no mundo, é alguém cuja vida, moral e aspirações pessoais não sobressaíram pelo valor e predicados próprios, mas unicamente devido ao ambiente de degradação, sensualidade e revolta que o envolveram, nele se corporificando de forma tal a torná-lo o representante de sua triste época, o herói dos males reinantes de então. Está patente que quem elevou a sublimou a personalidade de Lutero não foram as suas qualidades pessoais, senão os males morais de seu tempo. E isto se verá nestas páginas, onde o contemplaremos de acordo com o retrato a nós legado pela história imparcial e não como o representam lendas gratuitas e suspeitas. Nada inventarei, aqui, pois a história, sendo a reprodução de realidades vividas e objetivas, não se forja assim de repente. Consultarei autoridades antigas, historiadores sérios, católicos, protestantes, e até o próprio Lutero, apoiando-me sobre documentos que me possibilitarão reproduzir a feição histórica e moral da Reforma e dos reformadores. Leitores delicados acharão, talvez, essa história um tanto dura e violenta. Têm razão. Apenas quero lembrar-lhes ser mister, na reprodução de cenas rudes, usar de termos correspondentes à realidade. Não se pintam quadros de guerra em tons amenos e pálidos, mas de maneira persuasiva e forte. A linguagem predileta de Lutero pode ser qualificada furiosa desenfreada, apelando a cada passo para o demo, com que ele assegurou possuir relações estreitas. Não convinha modificar esse seu modo de falar, sob pena de alterar-se a fisionomia do autor. Católicos e protestantes deverão ler atentamente este livro. Para os primeiros ele será um relâmpago e para os segundos, um trovão. O relâmpago projeta claridade, o trovão faz tremer os mais valentes. Precisam os católicos de luz, para se precaverem contra o erro protestante; os protestantes necessitam de trovão, para acordarem do sono dos seus ensinos falhos. Apesar de sua forma popular, este livro é um verdadeiro estudo, com argumentos sólidos, certos, tendo por mira somente mostrar a verdade. O protestantismo, ao contrário, firma-se exclusivamente na ignorância da doutrina católica. Aí está porque os pastores protestantes proíbem com tanto rigor aos seus adeptos a leitura dos livros católicos, sabendo que a verdade, neles exposta, é bastante clara e contagiante para uma alma reta à procura da luz. Possa esse volume tornar conhecida esta verdade que com tanto fulgor se irradia da Igreja, luzeiro divino, em face da qual aparecem as falsidades do pretenso reformador e de suas multiformes denominações sectárias. A Igreja Católica é o pleno dia da verdade; as seitas protestantes são a noite trevosa dos erros. Mostrar essa luz, este dia, esta escuridão, salientando o bem a ser seguido e o mal a evitar-se, tal é a grande aspiração do autor. Pe. Júlio Maria CAPÍTULO I O DESAPARECIMENTO DA IGREJA... Chama-se Protestantismo o conjunto de seitas provenientes da revolta de Lutero. Que significa e exprime esse nome? Significa que os seus adeptos protestam. E contra que? – Contra e doutrina da Igreja Católica, Apostólica, Romana. E quando começou este protesto? No século quatorze; é de origem relativamente nova, pois data de quase catorze séculos depois do aparecimento da Religião Católica Romana, fundada por Jesus Cristo. E por que protestou Lutero? Para se vingar do Papa que não se curvara perante os caprichos do herege. Asseveram os protestantes ter sido motivo do rompimento deles contra a Igreja Romana o ter esta se desviado dos ensinamentos de Cristo. Seria verídica esta afirmação?... Eis-nos perante uma destas conclusões, verdadeiro dilema: ou Cristo é mentiroso, ou Lutero é falso, pois ambos, como haveremos de verificar, se contradizem reciprocamente em toda linha. 1. QUAL O MENTIROSO? Disse Jesus a Pedro: - “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno (os seres e as paixões) não prevalecerão contra ela” (Mat. XVI,18). E, mais explícito e categórico ainda, o Cristo prossegue: - “Foi-me dado todo o poder no céu e na terra; ide, pois, (revestidos deste poder), e instruí a todos os povos... ensinando-os a observar as coisas que vos tenho mandado. E eis que ESTOU convosco todos os dias, até a consumação dos séculos”. (Mat. 28,18-20). Nada mais claro e positivo. O Cristo, Deus, estará com o chefe dos Apóstolos até ao fim dos tempos. Quer isto dizer que a Igreja existirá eternamente na pureza e na firmeza de sua fé, que será infalível, pois jamais sucumbirá ao peso das falsidades e paixões. Tal é a forma promessa de Jesus. No entanto, Lutero e, após ele, os seus filhos e netos, denominados protestantes, falam que a instituição de Cristo decaiu de sua altura divina, tornando-se um antro de vícios e explorações. E, por isso, quis o monge de Wittemberg reformá-la. Qual, pois, o mentiroso? O Divino Mestre ou o frade revoltoso e os seus asseclas? Raciocinemos. Se a Igreja sucumbiu, pela influência do erro e das paixões, como afirmam, então temos três enormes mentiras atribuídas a Jesus: 1ª.: as portas do inferno prevaleceram contra ela, apesar da afirmação contrária de Cristo; 2ª. : Pedro deixou de ser PEDRA, para se fazer lodo; 3ª. : Cristo abandonou a Igreja, depois de garantir que ficaria com ela até o fim dos tempos. Respondam os protestantes: qual entre os dois é o mentiroso: Jesus ou Barrabás, Cristo ou Lutero?... 2. ASSERÇÃO RIDÍCULA Algo ainda mais insensato se desprende da suposta desaparição da Igreja de Jesus Cristo. A Igreja, como toda sociedade humana, - pois é uma sociedade divino-humana, - abrange necessariamente duas partes: uma dirigente e outra dirigida, ou, como reza o catecismo, contém o elemento docente, a autoridade, e o elemento discente, os fiéis. Destas partes qual ser teria corrompido? Teria sido a primeira, a docente, integrada pelos sucessores de Pedro, os bispos de Roma, pelos continuadores dos apóstolos, os bispos de mundo inteiro e pelos representantes dos 72 discípulos, os sacerdotes católicos?... E entre estes qual ou quais se teriam deteriorado?... O Papa? – Mas este, sozinho, não constitui a Igreja. Os Bispos? – Nem estes, por si, são a Igreja. O Padres? – Também estes não encarnam a Igreja. Então, teriam errado todos duma vez? – Difícil acreditar-se em decadência tão generalizada: é impossível mesmo admití-la. A Igreja docente, - isto é, o Papa, os Bispos e os Padres, - forma, através dos tempos um exército de aproximadamente de 500 mil pessoas, cultas e, em geral, de posição e responsabilidade! Seria admissível que, numa sociedade de tantos membros, esparsos pelo mundo inteiro, pertencentes a todas as nações, climas e países, todos ao mesmo tempo se transviassem, precipitando-se no erro e na idolatria: Seria mais do que ridícula tal afirmação. Quanto, porém à parte discente, os fiéis, os católicos, difundidos em todo o universo, com milhões de adeptos em cada país, constando de imperadores, reis, chefes, médicos, advogados, cientistas, etc., ilustrações mundiais e homens do povo, seria crível toda essa gente tivesse caído conjuntamente na mais grotesca superstição, de modo a perder-se a crença dos seus antepassados, a sua própria religião? Não seria até ridículo imaginar-se tal coisa? E teria isto acontecido não durante alguns anos apenas, ou no intervalo de alguns séculos, mas no correr de centenas de anos a fio, durante quinze séculos!... E pensar-se que, somente, após todo este tempo um único homem tenha chegado a descobrir a verdade!... E, pior ainda, quando era de esperar-se que tal gênio fosse um santo, aparece ele como um libertino, bêbado, orgulhosos atrabiliário, qual foi Lutero!... Não seria de fato o cúmulo dos absurdos?.... Até parece estaria Deus zombando do mundo. 3. A SANTIDADE CONTINUA Encontraríamos ainda coisas mais estapafúrdias, se prosseguíssemos analisando o mesmo assunto. Perdera-se a religião de Jesus Cristo, assim o garante os protestantes; deturpara-se o evangelho, e a crença verdadeira cessara de existir desde o século segundo até ao advento do reformador alemão. Mas, coisa curiosa: no intervalo do século 2º. Até o 15º século, a Igreja Católica produziu ininterruptamente grande quantidade de homens santos, e a praticarem virtudes heróicas e operarem milagres e sendo visivelmente assistidos e inspirados por Deus! O milagre é o grande característico da santidade e da verdade. Somente Deus pode realizar fatos desta natureza. Só ele tem poder de comunicar tal dom aos homens. E, no percurso destes séculos, comunicou-o a milhares de pessoas privilegiadas pertencentes ao grêmio da Igreja Católica que, segundo os protestantes, não era mais a Igreja de Deus. Então, transmitiria Deus um tal poder a idólatras e perversos, para que estes provassem ser verdade o erro em que viviam e ostentassem como virtudes os vícios por eles praticados?... Neste caso, é evidente, Deus estaria cooperando para o mal e, aprovando tal coisa, estaria iludindo a humanidade inteira e perdendo as almas!... Quem teria coragem de afirmar tal fato?... No entanto, outra coisa não é o que dizem os senhores protestantes, quando arriscam e sustentam a ridícula afirmação que aqui comentamos agora. Conhecessem os amigos um pouco de história eclesiástica e a vida dos santos, encontrariam um argumento decisivo na sucessão contínua de pessoas que brilharam por virtudes heróicas e exemplares através de todas as idades. Não pode haver prova mais palpável da santidade ininterrupta da Igreja, nem melhor demonstração de que jamais deixou ela de existir publicamente, do que o testemunho da história sempre em seu favor. Para satisfação de nossa curiosidade e objeto de admiração citaremos aqui alguns representantes de cada século, escolhidos entre centenas de outros. NO 1º. SÉCULO temos Jesus Cristo e os Apóstolos; NO 2º. SÉCULO temos São Justino, Santo Ireneu, Tertuliano etc. NO TERCEIRO: Santo Hipólito, S. Gregório, S. Cipriano, Orígenes, etc. NO QUARTO SÉCULO: Santo Atanásio, Santo Efrém, São Basílio, Santo Epifânio, Santo Ambrósio, S. Gregório de Nisse, S. Jerônimo, S. Sofrônio, S. João Crisóstomo etc. NO QUINTO SÉCULO: Santo Agostinho, S. Cirilo, S. Basílio de Celêucia, S. João, S. Pedro Crisólogo, S. Gregório Magno; NO 6º. SÉCULO: S. Fulgêncio, Santo Anastácio, Santo André, S. Leandro. NO 7° SÉCULO: Santo Hesíquio de Jerusalém, Santo Elói, Santo Ildefonso, Sto. Isidoro, S. Teonulfo, S. Beda, etc.... NO 8º SÉCULO: S. Gregório, S. Sérgio, S. Leão, S. Germano, S. João Damasceno. NO 9º. SÉCULO: S.Nicéforo, Teófano, Strabão, Alcuíno etc. NO 10º. SÉCULO: Ven. Raimundo Jordão, S.Pedro Damião, S. Fulberto, Santo Adalberto, Santa Adelaide de Burgundy, etc. NO 11°. SÉCULO: Santo Anselmo, Santo Ivo de Chartres, S. Bernardo, S. Celestino, etc. NO 12º. SÉCULO: Hugo e Ricardo de São Vítor, Alexandre de Hales, Cardeal Hugo, etc. NO 13º. SÉCULO: Santo Alberto, Santo Tomás de Aquino, S. Boaventura, S. Domingos, S. Francisco de Assis, Santo Antônio de Pádua, Duns Scott, etc. NO 14º SÉCULO: Sta. Brígida, Santa Isabel, S. Vicente Ferrer, S. Bernardino de Sena, S. Leonardo, etc, etc. 4. A MENTIRA PROTESTANTE A citação atrás visa justamente aquela época em que, segundo opinam os nossos irmãos transviados, a verdadeira Igreja teria desaparecido. Como é possível tenha ela florescido de modo tão extraordinário, quando ainda não existia: De que modo se explica essa sucessão ininterrupta de Papas na Cátedra de Pedro? De que maneira puderam viver, em todo esse tempo, no seio da Igreja, figuras de consumadas virtudes, profetizando, operando maravilhas e até ressuscitando morto? Como pode ser isso?... A Igreja cessara de viver, caíra na apostasia e, não obstante, ei-la a estuar de vida e santidade. Como deslindar tão estranho fato?... Uma só explicação é admissível, porquanto a única verdadeira. E esta não agradará talvez aos nossos adversários. A mentira protestante - eis a resposta. A triste cáfila dos reformadores nada mais fez do que caluniar e mentir. Imitam-nos os seus admiradores e sequazes, mesmo sem acreditar nas balelas propaladas. A grande afirmativa, porém inabalável, cheia de vida, é que a Igreja verdadeira, fundada por Jesus Cristo, nunca interrompeu sua existência, jamais cessou e decaiu de sua sublime função, nem renegou sua fé e santidade. Nesta Igreja pode haver membros gangrenados, como os há em toda associação de homens. É mister, porém distinguir entre a sociedade e os seus componentes. Não houvera entre nós gente de mau proceder, e os protestantes não possuiriam Lutero, Zwínglio, Calvino, Beza e outros, assim como esta coleção de padres apóstatas e esquecidos de sua fé e dignidade provando isto não passar o protestantismo de "esgoto do catolicismo" segundo a típica expressão de um protestante famoso: - "Quando o Papa limpa os seus domínios, lança o capim por cima do muro do quintal protestante”. (Klaus Harm, Protestante). Não prometeu Jesus Cristo a santidade, ou a perseverança, a todos os membros da Igreja por ele fundada; garantiu-as, porém, à própria Igreja, tomada no seu todo, à sociedade. Esta, no correr dos tempos, soube permanecer fiel à sua dignidade e à sua missão, de maneira que, hoje como amanhã, e como foi nos dias em que viveu na terra o Divino Mestre, ela é santa e assim ficará, malgrado todas as pedras e toda a lama que os seus inimigos e os adversários de todo bem lhe atirem, tentando enodoar-lhe a imaculada túnica. O lodo lhes recai sobre o crânio e nisto reside o motivo de seu ódio, das calúnias que inventam e das perseguições que movem. A Igreja, tão atacada hoje, refulge em sua majestade, enquanto as mil e uma seitas protestantes se entre devoram, a ponto de se poder e dever asseverar: atualmente não há mais protestantismo; existem apenas protestantes. 5. OS PROTESTOS DOS PROTESTANTES Não pode a Igreja verdadeira e divina carecer de reformadores humanos, pois, no caso contrário, perderia o seu caráter principal. A igreja fundada por Jesus Cristo, sobre a pedra de Pedro, outra não é senão a CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA. Os protestantes vêem-se obrigados a confessar não se originarem de Pedro, porque este é o primeiro papa, e, por isto, eles odeiam o bispo de Roma. Na qualidade de descendentes de Lutero, acompanham o chefe em sua mania de protestos contra a santa instituição apostólica. Ora, a Igreja de Roma é a de Pedro, e esta é perfeitamente idêntica à de Cristo. Protestando, pois, contra ela, batem-se consequentemente, contra o Mestre Divino, insurgem-se contra a verdade e pretendem ser, eles mesmos, a própria verdade que forcejam substituir. Será possível isto?... Sejam lógicos, meus amigos! Pretendem seguir a Bíblia, e só a Bíblia. Mas, como não enxergam que Mateus, 28 18-20 e Mateus 16,18 é pura Bíblia, é puro Evangelho?... O próprio Lutero, que falsificou tanto as Escrituras, não ousou deturpar as passagens em apreço. Mostram-se ilógicos os filhos de Lutero, quando rejeitam toda autoridade eclesiástica e se submetem aos ditames dum padeiro e dum servente de pedreiro, que se proclamam ministros e saem pelo mundo pregando o Evangelho. Veja-se o contra-senso em que laboram: repelem o Pontífice Romano, os pastores diocesanos e os sacerdotes que estudaram e são experimentados em ciências divinas e humanas e se deixam guiar pelos seus mentores, muitos dos quais tolos, sem terem jamais freqüentado uma escola primária nem chegado a conseguir certificado de estudos. É o cúmulo da insensatez. Bastaria raciocinassem que seu fundador Lutero não tinha missão, nem capacidade para imprimir novo rumo a uma obra divina. E que esta não necessitava nem podia precisar de retoques humanos, sob pena de o próprio Cristo cair na mais lamentável contradição e mentira. Qualquer protestante sincero deve inclinar-se perante estas palavras do Evangelho, se neste ainda acredita, e confessar que a igreja de Lutero não passa de um protesto, de uma revolta contra a única Igreja verdadeira, fundada por Cristo sobre Pedro, feito pedra, rochedo eterno a permanecer inabalável no meio das ondas dos erros e das paixões humanas. 6. A OBRA DE JESUS CRISTO Afirmar, como é costume entre os irmãos dissidentes, que a instituição de Cristo descambou na idolatria e no paganismo, é sentenciar, em termos claros e positivos: o Divino Mestre enganou-se, pois pretendeu construir uma obra eterna e fez uma instituição, durável apenas por dois séculos. Assim sendo, as promessas divinas falharam, revelando-se o Mestre impotente para manter a instituição encetada e envolta na firme promessa de fecundidade e duração. E, como resultado, esta Igreja, divina em seus fundamentos, cercada de gararantias de indefectível estabilidade, desaparece. E a humanidade ficaria em estado pior do que antes da vinda do Salvador, quando, pelo menos, ainda existia uma religião verdadeira. Veio Jesus Cristo ao mundo, para substituir a crença dos judeus por outra mais perfeita; ou melhor, apareceu para aperfeiçoar a primeira, figurativa em si, a fim de lhe comunicar toda a perfeição, pelo cumprimento das promessas e profecias antigas. E eis que tudo se afunda no caos ou nos pélagos das humanas superstições. Afinal, nem Judaísmo, nem Cristianismo!... Se ao menos naquela época houvessem surgido Lutero e os protestantes, ter-se-ia pensado numa semelhança de verdade, pois se poderia garantir ter ele chegado para soerguer a religião e reconduzi-la à pureza primitiva. Mas não! Quinze séculos se escoam... e só então se levanta um monge apóstata libertino e bêbado; e tal decaído teria vindo introduzir uma reforma na crença tradicional, na obra de Cristo... Veio para melhorar os costumes?... Não; pois ele mesmo foi o mais dissoluto da época. Veio para trazer nova doutrina? Ele teve a ousadia de pretendê-lo. Esta doutrina cristã, já admitida no mundo inteiro como ensino de Cristo, não passava, aos olhos do revoltoso, de uma adulteração profunda do Evangelho, acervo de crendices patrocinadas pelo anticristo de Roma, que, pouco antes, o próprio Lutero proclamara “Pai da humanidade e sustentáculo da verdade”. Nada mais ridículo que a pretensão luterana. Então, durante treze séculos, teria o mundo permanecido nas trevas absolutas do erro, vivera a humanidade no desconhecimento da verdade, e Deus não teria suscitado sequer um vidente e taumaturgo para desvendar o segredo da corrupção reinante e apontar a deturpação perpetrada?... Teria este Deus se descuidado de sua obra, ele que na antiga lei a cada passo suscitava profetas, visando manter o seu povo na prática de seus mandamentos? Como admitir-se que este Deus, que acabava de sacrificar a vida de seu Filho encarnado, para a salvação dos homens, dele haveria de desinteressar-se, após a crucifixão e subida aos céus, descuidando-se de sua tarefa salvadora que deixaria resvalar-se miseravelmente no erro, nas trevas, a ponto de não ser possível mais reconhecê-la?... Tal suposição seria uma blasfêmia e uma verdadeiro insulto. Ou Deus não pôde, ou não quis salvar a sua própria obra! Se pensassem um pouco sobre as conseqüências de tal asserção, os protestantes haveriam de horrorizar-se em frente à conclusão fatal: Jesus quis fundar uma Igreja imortal, a sua Igreja, com destinos imperecíveis e, no entanto, não teve a força suficiente e a inteligência necessária para conservá-la ereta! Sendo assim Cristo não pode ser Deus, pois Deus é onipotente para realizar tudo aquilo que projeta e quer. E aceitando que Lutero tivesse conseguido mais do que Jesus, suplantando-o até, concluir-se-ia ter ele sido mais sábio e poderoso que o próprio Filho de Deus... Pobre soberba protestante! Em que abismo não se foi lançar!... Nas profundezas do ateísmo, no erro dos “sem Deus”. 7. CONCLUSÃO A verdade é una. E foi Cristo quem no-la deu (João 1 18-20), por intermédio de sua Igreja construída sobre a rocha de Pedro. Tudo quanto contraria à verdade se chama erro. Ora, Lutero ensina o contrário do que ensinaram Pedro e os seus sucessores. Está, pois, errado, e anticristã, de fato, é a seita por ele estabelecida. Assim como Pilatos colocou perante os Judeus exaltados a Jesus e Barrabás, também o bom senso apresenta à humanidade as figuras de S. Pedro e de Lutero, e indaga: qual entre eles desejais vos deixe livre – Pedro ou Lutero?... A humanidade sensata, o universo religioso, com vozes unânimes, exclama: Queremos Pedro, porque com ele está a verdade. O mundo protestante, porém atendendo mais ao cego ódio, excitado pelos modernos fariseus, os seus pastores e chefes, brada: Queremos Lutero, não aceitamos que Pedro reine sobre nós. Pobres protestantes!... Tal cegueira, tamanha incompreensão é um grande castigo de Deus: Têm olhos e não vêem. É o que afinal de conclui. CAPÍTULO II UM RETRATO AUTÊNTICO Dizem os amigos protestantes que Lutero foi o enviado especial de Deus para reformar a Igreja Católica decaída, ou melhor: levantá-la da morte e sepultamento no lamaçal dos maiores vícios e torpezas. Faz-se mister descomedida audácia para lavrar a certidão de óbito da Igreja fundada por Jesus Cristos, à qual prometeu ele a sua perpétua assistência e a preservação de todo erro. Ademais, é preciso uma superabundante dos de ignorância da história para desmentir fatos conhecidos e zombar de todos os historiadores antigos. Como é que, antes de Lutero, autor algum jamais nota tal ausência da Igreja verdadeira, aspirando surgisse qualquer taumaturgo para ressuscitá-la, tirá-la do sepulcro ou que o próprio Cristo viesse reabilitá-la, clamando, bem alto, com o mesmo poder com que levantara Lázaro: Igreja, sai para fora deste túmulo?! Nada de tudo isso; somente, após transcorridos quinze séculos, os protestantes descobriram este total desaparecimento da Igreja. Segundo eles, Deus suscitou enfim o homem desejado possuindo missão superior ao maior dos profetas e mensageiros divinos, instrumento do Altíssimo, capaz de reconstruir a obra de Jesus Cristo e restituir-lhe a primitiva beleza evangélica. Tal indivíduo foi Lutero. Examinemos num instante a história de sua vida, as suas qualidades e obras; estudemo-la sem exageros, com toda imparcialidade, visando apenas os fatos provados historicamente, para vermos se, de fato, o pai do protestantismo ostenta credenciais de sua missão divina, pois duma árvore boa, conforme a sentença do Divino Mestre, há de sair uma produto bom, e de uma arvora má virão frutos maus. 1. PRIMEIROS ANOS DE LUTERO Nasceu Lutero em Eilesben, aos 10 de novembro de 1483. Seus pais eram pobres camponeses, católicos sinceros, segundo Melanchton; a mãe de Lutero era mulher virtuosa e dedicada à piedade. Quanto ao pai, se dermos crédito ao próprio Lutero e contemporâneos, era um homem rude, violento, quase cruel. E é à violência do pai do pai que a princípio o educara sem carinho e desvelo, que o “reformador” atribuía o ódio por ele votado à humanidade inteira. Aos 6 anos de idade iniciou os estudos em Mansfeld, na escola pública, onde constas ter sido castigado constantemente, o que vem demonstrar seu gênio irrequieto, turbulento, sempre levado aos extremos. Sobre seu tempo de escola, deixou ele mesmo esta nota¨”A nossa escola era um inferno e um purgatório onde nos atormentavam com declinações e verbos. O professor era um algoz. Numa só manhã chegou e espancar-me quinze vezes”. Aos quatorze anos dirigiu-se nosso herói para Magdeburgo, onde estudou por algum tempo sob a direção de religiosos; depois, vamos encontrá-lo em Eisenach, mendigando pelas ruas, cantando e pedido esmolas para sustentar a vida. Foi nessa ocasião que uma piedosa viúva, comovida pelo estado lastimável do pequeno mendigo e por sua bela voz, acolheu-o, adotando-o como filho (Luther, por H. Wachters). Devido aos cuidados de sua benfeitora, que lhe pagou os estudos, o menino freqüentou a escola latina dos Franciscanos. Em 1501 o estudante saiu de Eisenach, para ir terminar os estudos em Erfurt, onde, durante três anos e meio, cursou a universidade, aí colando grau de bacharel e mestre em ciências; no primeiro título conseguiu o 13º. Lugar entre 57 alunos, e no segundo, o 3º. Lugar, o que indica que, como mestre, se revelou ele de uma inteligência bastante viva, embora não genial. Findos os estudos, pretendia Lutero começar os cursos de Direito Canônico e civil, o que fez apenas durante um mês. De repente, sem mais nem menos, abandonou a universidade, voltando para Mansfeld, lugar onde começara a sua instrução primária. Logo depois seguiu para o convento. Aqui nos deparamos com o mistério da vocação de Lutero. 2. A VOCAÇÃO DE LUTERO Até essa data nada apresentava o menino como sinal provável de chamado divino para a vida sacerdotal ou religiosa. De estudante católico que era, sem traço algum capaz de distingui-lo, com temperamento colérico e irrequieto, repentinamente se resolveu a deixar o mundo e retirou-se ao Claustro. A respeito de tão súbita resolução, correram diversas lendas que as modernas pesquisas históricas põem em dúvida ou desmente. Numa carta ao pai disse Lutero, certa vez, que o medo das “ameaças de morte” lhe arrancara uma “promessa involuntária”. Houve quem procurasse saber a que ameaças ele se referia. Cogitam alguns de assassinato; outros pensam em duelo; certos, de um raio que caíra ao seu lado, impressionando-o consideravelmente. Tudo isso poder ser verídico, mas não convence. Em certa ocasião, em palestras com amigos, o “reformador” se referiu a um desastre que com ele dera, quando acompanhado de um amigo, nas cercanias de Erfurt. Fazendo exercícios com armas, ele feriu, sem o querer, a própria perna; tão abundante foi a perda de sangue que pensou chegado a hora da morte. Temendo o perigo, invocara a proteção da Santíssima Virgem, prece que repetiu depois. Noutra feita Lutero disse que, ao regressar de uma viagem a Mansfeld, surpreendeu-o violenta tempestade; uma faísca elétrica lhe caiu aos pés, enchendo-o de pavor; nesta ocasião teria exclamado: Valei-me Sant‟Ana; quero ser monge. Teriam sido tais acontecimentos a causa da vocação de Lutero? Se ele nunca tivesse pensado antes em seguir a vida monacal, por certo teria feito qualquer outra promessa; mas o fato de voltar o seu pensamento para a vida religiosa parece demonstrar que desde algum tempo nutria tal idéia, não correspondendo ao chamado do Alto por deficiência de coragem. Vendo-se em perigo de vida, julgou ser isto um castigo de Deus e prometeu realizar o que já considerava como vocação. Parece ser esta a opinião mais admissível. Certamente Lutero fez logo o que prometera. Pela última vez reunião os amigos em festa íntima e, no fim, convidou-os a acompanhá-lo. Relutaram. Afinal o seguiram, conforme lhes pedira. Deste modo, a 16 de julho de 1505 Lutero ingressava no Convento dos Agostinianos em Erfurt. “Entrei para o Claustro, explica ele, porque estava desesperado de minha salvação”. Ali a vida de nosso pretendente foi dividida entre a oração, o estudo da Sagrada Escritura e dos escritos dos santos padres. As constituições dos Agostinianos prescrevem aos aspirantes: ler atentamente, escutar com devoção e decorar as passagens principais da Escritura Sagrada; e, para este fim, no dia da profissão, cada monge recebe um exemplar completo da Bíblia. É a refutação radical aos historiadores protestantes que divulgam ter sido a Bíblia escondida cuidadosamente e até ligada por meio de correntes de ferro, para Lutero não a poder ler. Felizmente os próprios protestantes já refutaram tal absurdo. Ouçamos Otto Scheel: “Não passara um dia sem que a leitura da Bíblia não houvesse enriquecido a alma de Lutero: nela encontrara consolação, luz e felicidade” (Scheel-II:2). Sua vida como religioso nada oferece digno de nota; pequenos fatos, no entanto, manifestam, vez por outra, o seu caráter inquieto, propenso sempre a excessos, parecendo considerar a Deus não como pai cheio de bondade, mas como juiz rigoroso. A crônica dos monges do convento do Lutero refere que um dia, ao recitarem o ofício, ao ser lida no Evangelho a história do surdo-mudo possesso pelo demônio, de repente o nosso herói caiu no chão, e, em contorções horríveis, exclamou: Não sou eu! Não sou (o possesso) (Grisar 44). Falando de sua vida monacal, disse ele certa vez: “Atormentei-me, rezei, jejuei, vigiei e tanto frio sofri que seria bastante para matar-me” (Grisar, p.57). Estes fatos todos revelam uma moléstia nervosa, histérica, ou grande desequilíbrio de consciência; no entanto, em tudo isso não viram os superiores impedimento sério para a vocação do jovem monge, e em 3 de abril de 1507 Lutero foi ordenado sacerdote na catedral de Erfurt, celebrando sua primeira missa aos 2 de maio do mesmo ano. Nesta ocasião, quando recitava a oração: Te igitur, no começo do Cânon, o neo-padre foi tomado de um tal medo de Deus, que teria fugido do altar, se o sacerdote assistente não o houvesse acalmado. Em 1515, quando ao lado de seu superior assistia à procissão do Santíssimo Sacramento, tamanho pavor da proximidade de Deus o invadiu, que ele se pôs a tremer da cabeça aos pés (Tischreden W.;I. n. 137). Lutero era sacerdote para a eternidade... e nada neste mundo ou no outro, seria capaz de apagar o caráter sacerdotal que em suas mãos devia ser um meio de salvação para muitos e não, como se tornaria em breve, um instrumento de perdição. 3. ESTUDOS INCOMPLETOS DE LUTERO Temos agora diante de nós o monge recém ordenado, no limiar de sua vida nova. Logo uma primeira observação se apresenta: em 1505 entrara Lutero para o convento; em 1507, dois anos após, foi ordenado sacerdote. Tão curto intervalo foi apenas o tempo necessário para fazer o seu noviciado ou aprendizagem, donde se depreende ter ele feito curso irregular de Teologia, que só veio a estudar depois da ordenação. Que dizer deste novo período de sua vida? O próprio Lutero explica: "... eu sou da escola de Occam, autor e propagandista-mor do nominalismo", sistema que negava o valor objetivo das idéias, de maneira que o homem não pode ter nenhuma certeza da metafísica, caindo, necessariamente, no ceticismo. Verdades, por exemplo, como a imortalidade da alma, a existência, a unidade, bondade e misericórdia de Deus, não caem sob a competência da razão, só podendo os homens conhecê-las através da revelação. Destarte o papel da inteligência se torna muito restrito, e mais limitado ainda o da fé e o da revelação. A simplificação visada por Occam objetivava a supressão do ensino escolástico, cuja doutrina admite tornarem-se as verdades de fé mais acreditáveis pelo auxílio da razão. Tão perversora a doutrina havia penetrado em muitas escolas, e até consta que os monges Agostinianos de Erfurt a professavam. Embora o nominalismo não atacasse diretamente as doutrinas da Igreja, não deixava, contando, de colocar os estudantes num perigoso declive que facilmente poderia conduzi-los ao erro. Aqui temos, pois, o início e, quiçá a base dos erros do patriarca protestante; duplo é este fundamento: a deficiência de estudos teológicos e as doutrinas falsas de Occam, que envenenaram os primeiros passos teológicos do pretenso reformador. Pouco depois da sua ordenação, foi Lutero transferido para Wittemberg; ali encontrou o vigário geral da ordem, Pe. Staupitz, que desempenhava, além do cargo d3e superior, o de professor de exegese na universidade local. Devendo, Staupitz, visitar, de vez em quando, as residências da província, mal podia dar cumprimento ao seu ofício, pelo que cogitava desistir e passar a cátedra de mestre a um sucessor da mesma ordem. Para substituí-lo, pensou em Lutero e aconselhou-o a se preparar, para tirar o bacharelato em Sagrada Escritura, afim de se habilitar a exercer o cargo de professor desta disciplina. Efetivamente Lutero seguiu-lhe o conselho. E em 9 de março de 1509 colou grau de mestre na referida matéria. Estudos assim precipitados e acumulados permitiram-lhe conquistar o ambicionado posto, mas não lhe deram o tempo de assimilar as doutrinas vistas, motivando isso, no espírito dele, uma verdadeira balbúrdia de idéias, sem fundamentos, sem provas e sem nexos. Grisar observa que, mesmo em Elbstad, foram falhos os estudos do “reformador”.(Grisar, 43). - De Wittemberg transferiram-no para Erfurt, novamente, para que desempenhasse ali o professorado como leitor de teologia, que estudara com pressa, incompleta e erradamente. 4. VIAGEM A ROMA Em Erfurt o novo leitor de teologia foi encontrar dupla guerra: - na cidade onde encontrara uma insurreição popular, e no convento dos frades Agostinianos no qual a discórdia era de espécie diferente. A Congregação abrangia nesse tempo duas províncias: a parte alemã, mais rigorosa na observância das regras, e a saxônica, um pouco mais mitigado no rigor primitivo. Tendo sido o Pe. Staupitz nomeado Vigário Geral provincial, para a Alemanha, procurou reunir as duas províncias sob sua alçada, nelas introduzindo a observância rigorosa. A Santa Sé favoreceu esta medida de união, permitindo também que as duas partes se reunissem e escolhessem um só Vigário Geral. A escolha recaiu em Staupitz. Isto agradou a quase todas as casas. Sete entre as da província alemã resolveram protestante e entre elas estava o convento de Erfurt. Foi enviada uma deputação a Roma para defender os interesses dos insubmissos, perante a Cúria Romana; Lutero integrava esta comissão. Que impressão trouxe ele da Cidade Eterna? Uma visão toda materialista, como se descobre pelo seu modo de descrever o que vira ali. Não tinha o “reformador” alma de artista, para admirar grandezas, panoramas, antiguidades; nem possuía um espírito perspicaz capaz de penetrar e ler a história nos monumentos. Pouco empenho lhe ofereceu a estadia na grande metrópole do Cristianismo. Desejava ver o Papa e não o conseguiu, pois o Santo Padre estava então em viagem pelo norte da Itália. E a reclamação contra a união das duas províncias agostinianas não foi aceita por Roma, o que contrariou bastante o frade descontente. Somente dez anos após este fato é que entrará ele a bradar contra os pretensos abusos da Igreja Romana. Parece que Lutero não retornou mais a Erfurt, mas foi logo se fixar em Wittemberg, onde continuou a estudar teologia. Em outrubro de 1512 aí recebeu o barrete e anel doutoral na matéria; no mesmo mês começou a lecionar Sagrada Escritura, substituindo Staupitz. Neste ponto é que Lutero começou a manifestar os e=seus erros de princípios, e a sua ignorância em assuntos teológicos. Em 1515 iniciou ele a explicar a Epístola de São Paulo aos Romanos, e foi da má compreensão e interpretação desta carta paulina que o professor extraiu os erros sobre a graça e a salvação. 5. OS DOIS GRANDES ERROS DE LUTERO Dois foram os erros fundamentais do novo catedrático – primeiro: só a Bíblia é a regra suprema de fé; segundo: o homem é justificado só pela fé e as boas obras de nada valem para a justificação. Desde esse tempo apareceram como pontos básicos de todas as suas doutrinas esses dois erros. A primeira destas regras de crença substitui a autoridade da Igreja, supremo juiz em questões de fé, pelo livre arbítrio, infligindo, assim um golpe infernal na unidade visível da cristandade. A outra perverte toda a doutrina das relações entre a criatura e o Criador. Combinados, estes dois princípios subversivos produzem a mais tremenda desordem moral nas almas e na sociedade. Teria Lutero aprofundado a extensão destes seus postulados de crença? Impõe-se-nos imperiosa a questão e a resposta é de longo alcance. Julgamos que não. Não há dúvida de que Lutero tinha inteligência; era, porém péssimo psicólogo; segundo vimos atrás haviam sido feitos com precipitação os seus estudos teológicos, mal assimilados e muito superficiais; era mais filósofo do que teólogo, revelando-se sutil no raciocínio, mas fraco em doutrina revelada. Esta asserção encontra prova a cada passo em seus escritos. Demais, ele era de caráter altivo, orgulhosos, com uma inclinação natural demais acentuada, para a revolta. Um homem desse quilate é geralmente teimoso. Durante quinze séculos a Igreja interpretara e expusera a Bíblia à luz de sua tradição, de sua própria história e, infalível no seu ensino e nas suas decisões a respeito, fora a regra viva de fé no passado. O monge rebelde não atinou com o valor e a segurança desta autoridade suprema, e o seu orgulho supremo levou-o a crer que o homem é a sua própria regra de fé. Para ele não havia outra fonte de verdade revelada senão um livro mudo (embora inspirado) de que cada indivíduo é constituído juiz. Este livro, portanto, tem de ser o guia e a norma de fé para todos indistintamente, tornando-se todos infalíveis, excluídos, naturalmente, os sacerdotes, os bispos e o Papa. Lutero não tolerava a existência de um homem infalível na Igreja; mas, por cúmulo de contradição, admitia serem os indivíduos todos infalíveis, exceto o Pontífice de Roma, que na verdade é o único infalível por divina instituição. Em teoria tal era a doutrina de Lutero, embora na prática não aceitasse que ninguém contradissesse às suas opiniões. O princípio: - “a justificação só pela fé” – era igualmente deletério e perverso, pois deveria produzir os mais desastrosos resultados numa sociedade decaída. Conforme o ensino católico, a fé que justifica é uma fé viva, isto é, fundada na revelação e informada pela caridade. Lutero não que saber de caridade; para ele basta possuir confiança em Deus e ele, por amor a Cristo, não mais nos imputará os nossos delitos, mas nos tratará como inocentes e santos. Para salvaguardar uma idéia tal, não trepidou Lutero em falsificar o texto de São Paulo (Romanos 3,28). O apóstolo escrevera: “julgamos que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei (mosaica)”. O “reformador” transcreve o texto assim: “O homem ‘justificado só pela fé”. Vê-se logo a perversidade do falso intérprete. São Paulo pretende mostrar que lque, para alguém se salvar, não basta executar apenas as obras prescritas pela lei de Moisés, mas que, além disso, é mister possuir fé em Deus; Lutero, porém, depois de liquidar as obras da lei mosaica, suprimiu, ainda as da nova lei, contentando-se unicamente com a fé. E, como na Epístola de São Tiago se lêem estas palavras textuais: “O homem ‘justificado pelas obras pela fé, e não pela fé somente” (Tiago 2,14-28), o inovador taxou esta epístola de “Epístola de palha”. Tal é a “grande” descoberto de Lutero, que constituía para ele a suprema novidade, mas que, para o mundo, não era mais que a grande heresia. Neste seu peculiar modo de entender a Bíblia apalpa-se a sua falta de conhecimento seguro. Está aí o princípio da decadência do “reformador”, cujos fundamentos remotos o vimos beber na errônea filosofia nominalista que seguira desde os bancos de escola superior. 6. CONCLUSÃO Aí fica a primeira fase da vida de Lutero. Visto através dum olhar superficial, nada ainda se apresenta de muito importante; no entanto, no âmago desta alma irrequieta, graves problemas se agitavam. É que as grandes quedas não se realizam de repente, como as grandes virtudes não se adquirem num dia. Querer julgar Lutero pelos acontecimentos em que passou a exercer influência preponderante na época é recolher efeitos como se fossem causas, e atribuir a um destino cego aquilo que na verdade é uma conclusão final. A primeira educação na casa paterna, os primeiros estudos, o ambiente em que se encontrava, a conversão – tudo isso constitui necessariamente a trama que devia moldar o caráter e orientar as tendências de Lutero. Pelas notícias que nos ficaram dos seus tempos escolares nota-se que ele fora um menino traquinas, insubordinado, colérico, e dado à independência e insubmissão. Não se castiga continuamente um aluno bem comportado e exemplar. E Lutero foi punido a toda hora. Não concorde e sempre reclamando contra penas e ordens, de contínuo avesso a quem não lhe seguisse às idéias, assim cresceu o futuro “reformador”. Pertencendo a uma época bastante viciada, privado de carinho e vigilância, a estrada de corrupção precoce estava largamente aberta em sua frente, prometendo saciar-lhe os instintos... Ao orgulho juntou-se a imoralidade. A acusação é grave. Exige provas. Ei-las: Referindo-se à sua vida anterior à conversão, deixou ele um dia escapar estas palavras: “Sim, fui um grande, triste e vergonhoso pecador; tive uma juventude culpada” (Weimar, 26, 508). Relacionados também com este período da vida de Lutero há dois documentos contemporâneos, bem desfavoráveis à integridade de seus costumes. O primeiro é de Jerônimo Dumgersheim, que, num escrito contra o herege, assacou-lhe publicamente os maus hábitos de sua vida de estudante, continuados depois, e causadores de sua apostasia. Noutra parte o mesmo autor falou de faltas graves, e apelou para o testemunho de um daqueles camaradas que depois o acompanharam até à porta do convento. O segundo depoimento de Jerônimo Emser que conhecera Lutero quando estudante em Erfurt. Em 1520, numa polêmica, o monge revoltoso lembrou alguns deslizes do seu adversário. Emser, que não era irrepreensível, retrucou-lhe no mesmo tom: “Ignoras talvez que a teu respeito eu saiba de faltas bem graves?...” E Lutero não prolongou o ataque, ele que nunca deixava o contendor sem resposta!... Aí ele emudeceu e nem a Dumgersheim, nem a Emser respondeu palavra. Tudo o que foi dito neste capítulo faz sobre-sair em cores bastante vivas a primeira fase da vida que estamos expondo. CAPÍTULO III A QUEDA DE LUTERO A fisionomia da mocidade de Lutero já nos é conhecida. Esse período de sua existência não foi, de certo, a preparação condigna para a missão tão sublime de quem se dizia chamado por Deus para mudar por completo as idéias de um século e reformar a Igreja de Cristo. Bom é que o leitor saiba logo nada estar eu adiantando por minha conta e risco. A minha apreciação vai apoiada sobre os documentos contemporâneos, pois recorri aos melhores autores modernos que relataram os fatos (*). Anteriormente vimos as tendências de sua meninice; estas já se apresentam como sinais certos na mocidade; afinal, na idade madura, serão fatos consumados. Temos assim, realizada a palavra da sabedoria: “O homem não se afastará, na velhice, do caminho seguido em sua mocidade. O que não juntaste em tua juventude, como o poderás encontrar em tua velhice?” (Eclesiástico 25,5). Entremos agora nos meandros da segunda fase desta existência, tristemente célebre e cinicamente corrupta. 1. O ESTADO DE ALMA E A CONVERSÃO DE LUTERO Vimos Lutero exercendo o professorado na universidade de Wittemberg: aí insensivelmente se precipitou no maiores absurdos e erros que, por cúmulo de obcecação mental, tomou como “A DESCOBERTA DA VERDADE”, sepultada pelos antigos. Pode-se acreditar na sinceridade de sua conversão? Optamos pela afirmativa, muito embora se possa admitir que o principal móvel desta mudança de vida tenha sido o temor dos castigos que o desejo de servir a Deus. Por que este medo?... Devido aos dois motivos já expostos: o seu gênio arrebatado que nos primeiros anos lhe atraíra tantos castigos, e sua vida livre e desregrada da mocidade. Examinando-se tudo atentamente, nota-se que a conversão de Lutero, conquanto se tenha como sincera de sua parte, não possuía fundamentos suficientemente sobrenaturais, para agüentar o peso de seu estado de sacrifícios preparativos à santidade. Ingressando no convento, o seu ânimo irrequieto achou nesta ambiente, quanto nos múltiplos afazeres que o envolviam, uma preocupação para mantê-lo, relativamente à parte externa, na linha reta do dever. Mas o conhecido axioma – OMNE VIOLENTUM NON DURAT – achou em Lutero a aplicação cabal. Quis sair do mal e praticar o bem; faltando, porém, o apoio sobrenatural à sua resolução, este seu voluntarismo, redundando num esforço contínuo, se transformou, para ele, num jugo e num tormento. Esta oposição formal entre as idéias, ou tendências de Lutero, e o seu teor de vida, gerou nele um terrível escrúpulo, pelos modernos psicólogos denominado OBSESSÃO: estado de alma em mais comum do que geralmente se cogita, sobretudo entre estudantes e intelectuais. Para disfarçar a sua realidade, empresta-se-lhe o nome benigno de neurastenia, nervosismo, mania; no entanto, fundamentalmente, não passa de uma verdadeira moléstia: a OBSESSÃO ou o ESCRÚPULO. Ao começar manifestar-se, esta importuna impressão é mal e mal perceptível, não indo além de um abatimento que inquieta, de qualquer coisa obscura e AMEAÇADORA. Logo, porém, esta disposição se altera: o pavor se determina, a IDÉIA fixa aparece como fator principal e pesa sobre todas as deliberações da pessoa, influindo em sua vida afetiva, sobre tudo o que faz; numa palavra, tal idéia IMPORTUNA E PACIENTE. Muitas vezes não ultrapassa os limites de um simples “talvez”, mas é uma dúvida inquietante a martirizar o doente; tal estado, afinal, assume, assim, pouco a pouco, aspecto de verdadeira loucura. Como efeito do fenômeno, o obsesso se vê assaltado de vacilações da mente, condenado a nunca encontrar certeza, exatamente nas questões que mais de perto lhe dizem respeito. Basta pretender ele uma coisa, para logo se lhe apresentarem as mais fantásticas indecisões, aborrecendo-o e impelindo-o a odiar o que mais amava e apetecia. Foi em conseqüência desta disposição, que Lutero viu nas moléstias que o atingiram, até em simples acidentes sem importância, tremendas ameaças e castigos de Deus. Isto nos revela a sua decisão repentina de se fazer monge. Desde então já ele era vítima de uma obsessão de cuja tirania inutilmente procurou safar-se. Estas ligeiras observações psicológicas acham confirmação plena nas palavras e nos gestos subseqüentes de Lutero, após a entrada no convento. Ouçamos algo de seus escrito de 1535, em Wittemberg, já ex-frade, no seu comentário à epístola aos Gálatas: “Quando ainda monge, julgavame perdido, sem salvação possível, sentindo, com tamanha violência, impulsos e atrativos pecaminosos e uma tendência acentuada à cólera, ao ódio e à inveja, contra um dos meus irmãos de hábito. Este mal se renovava continuamente, não podendo eu encontrar descanso. E prossegue: “Ah! Se tivesse então compreendido a palavra de Paulo: a carne luta contra o espírito e ambos se hostilizam mutuamente” (Erl. Com. In Gall. III). Tudo isso acentua sempre mais a grande desgraça do escrúpulo ou da obsessão a persegui-lo desde a Infância. ------------------(*) Além do livro de Grisar e das obras de Lutero, recolhidas por Weimar, estou seguindo particularmente um autor holandês: H. J. Achters: “Luther, leven, persoon, leer”, resumo de tudo o que se tem dito de mais fundado sobre Lutero. ------------------2. OS ESCRÚPULOS DE LUTERO Segundo vimos, nosso homem era nada menos que um escrupuloso e um obsesso pela idéia fixa do rigor de Deus. Desconhecendo a influência deste estado psicológico numa pessoa, os protestantes não o admitem em Lutero, e chegam a atribuir erradamente ao Catolicismo as mazelas todas do "reformador". É que, para eles, CHEFE tem de ser sempre o HERÓI, cuja sede da verdade e cujos anseios de paz com Deus não encontraram na Igreja Católica possibilidade de serem satisfeitos. Aí estão, para atestar o estado anormal do espírito de Lutero, hsitoriadores de renome, homens de primeiro valor, como Grisar, Denifle, Paquier, Duinster, etc. Otto Scheel, escritor protestante, atesta ter sido Lutero frequentemente repreendido durante o seu noviciado, porque, perturbando-se continuadamente, enxergava todas as coisas através do prisma dos seus escrúpulos, segundo os quais tudo era pecado. Qual a causa de tão aflitivo estado d‟alma? Simplesmente a falsa concepção de Lutero sobre a graça divina. Por certo ele aspirava gosar aquela paz e alegria infundida pela graça no espírito; não lhe era suficiente a certeza moral de estar bem com Deus; desejava obter uma prova sensível, esta consolação que, às vezes, Deus concede a algumas almas generosas e frequentamente recusa a outras. Superiores e mestres espirituais apontaram-lhe o erro. Tempo perdido. Lutero seguiu a sua própria idéia, a ninguém querendo submeter-se. Foram impotentes para remediar o mal as violentas práticas de mortificação a que de contínuo recorria. O defeito era de outra natureza, pois não passava de uma espécie de "ultimatum" lançado à face de Nosso Senhor. Já Santo Agostinho se expressava admiravelmente a respeito: VIS FUGERE A DEO, FUGE IN DEUM - quem quiser fugir de Deus, nele se refugie. O pobre Lutero muito ao invés, parecia nunca haver sentido a doce e consoladora intimidade com Deus, lançando-se cegamente nas garras do demônio, quando era o seu lugar o regaço carinhoso do Pai. Em vista de tão lastimável estado, foi ele aos poucos abandonando as orações prescritas aos sacerdotes, e se absorvia, de corpo e alma, na atividade exterior, envolvente, materializante, e tanto que, em 1516, escrevia assim a Lange: "Raramente me sobra tempo para rezar o breviário e celebrar a missa; acrescentem-se a isto as tentações que padeço". (Wette I, 41). Eis aí iminente a desgraça de Lutero. Era um vencido, a entregar as armas, capitulando vergonhosamente. O pobre monge começou, desde aquela hora, a indagar de si para si: por que não encontro eu a paz e a satisfação no convento? Por que me sinto hoje mais desanimado do que nos primeiros dias de noviciado? Após tantos esforços nada consegui. E se não me salvar no papismo, haverá possibilidade de algum outro o conseguir?... (Wachters; Luther, 46). Perante seu espírito turbulento e povoado de revolta surgiu então o fantasma do erro. Veio em seguida a indagação: Não haverá na natureza humana um foco de inclinações perversas, mais pujante do que a nossa vontade, o qual nos consome, sendo-nos impossível apagar-lhe as chamas? E, dando ouvidos ao seu caráter voluntarioso e às idéias pessoais, concluiu afinal: "A natureza humana está corrompida pelo pecado original, até às últimas fibras, e o desejo do mal é invencível". (Jaques Maurtain: Trois Refomateurs 1925). Era a queda irremediável, a heresia formal. Destarte se estabeleceu a fonte de todos os seus erros e culpas. O desastre teve como ponto de partido o escrúpulo, a obsessão, o medo de Deus, a rebelião contra tudo e contra todos. E tal espírito doentio jogou-o no abismo. Sabe-se aliás, que um escrupulosos, de um dia para outro, pode cair no excesso oposto ao de seu escrúpulo. Para muitos tal disposição conduz a um laxismo corruptor. Para Lutero, porém, levou-o à fundação de uma nova seita religiosa. 3. CONCLUSÃO Lutero se pervertera, pois, de corpo e alma. Desde então era um decaído, entregue ao vício, perdido em deboches. E, com pouco tempo mais, um revoltoso em franca rebelião contra a sociedade, contra a Igreja e contra Deus. Narrando este seu estado de ânimo, disse certa vez: "Todos aqueles aos quais eu comunicara o meu estado, me diziam logo: Não compreendo a sua dificuldade. E refletia: será que sou o único a debater-me em situação tão triste, somente eu é que sou tão tentado?... De fato, em toda parte eu via visões horríveis e aparências de fantasmas". (Hausrath: Luther leben, p. 30). Mesmo a confissão, que a todos os cristãos traz alívio e paz, veio a ser, para ele, uma fonte de tormentos. Desanimado, procurava recurso de salvação, sem lograr encontrá-lo. Lutero olvidara o doce Cristo que dissera: "Vinde a mim todos vós que sofreis a vos achais carregados, e eu vos aliviarei" (Mat XI, 28). “O Jesus do tabernáculo, prisioneiro do amor, não era para ele mais do que um juiz encolerizado, sentando-se ameaçador sobre um arco-íris" (Wachters, p.44). “Confesso-te, dizia a um amigo, ainda no mesmo ano de 1516, que a minha vida mais e mais dse aproxima do infoerno; torno-me sempre pior e mais execrável”. (Enders I, 16). Pouco tempo antes, (1515), comunicando seu estado d‟alma ao superior, Pe. Staupitz, revelou-lhe dolorosamente: "Sou um homem exposto e implicado na má sociedade, na crápula, nos movimentos carnais, em negligências e noutros incômodos a que se vêm juntar os do meu próprio ofício" (Wette I, 232). Tais palavras deixam entrever com clareza o que era no íntimo a alma de Lutero. Excessivamente orgulhoso a ninguém queria sujeitar-se. Em certos momentos, porém, por mais humilhante que tal se lhe afigurasse, escapava-lhe a confissão da verdade, quais as abafadas labaredas de um incêndio interior, forcejando evadir-se. Depois, qualquer ocasião favorável mudar-lhe-ia a obsessão em revolta externa a entregá-lo, acorrentado, ao domínio das paixões mais abjetas que não conseguira vencer, por desprezar os meios adequados, não renunciar às idéias fixas e esquivar-se à obediência. Convertera-se POR MEDO. E ainda o medo fá-lo-á depois cair no lamaçal do vício. O amor para com Deus e as almas não lograra apossar-se de seu coração. E foi preenchido este vácuo pela rebelião, pelo rancor odiento e pelas baixezas carnais. Não o impressionou em absoluto a bondade divina. Isolado, porém, na sua miséria, envolto na soberba, quis ditar leis ao próprio Deus e a ele se impor. Então Deus se afastou do miserável que o repelira, deixando-o entregue aos instintos da própria perversidade. Deus dá a sua graça aos humildes, mas resiste aos soberbos (Pr 3,34). CAPÍTULO IV A ENTRADA EM CENA Dada a índole turbulenta de Lutero, compreende-se logo que as suas novas doutrinas enunciando: - SÓ A BÍBLIA É NECESSÁRIA, - e É A FÉ QUE SALVA – não ficariam encerradas no limitado espaço de sua cela monacal. O frade revoltoso não era homem de meias medidas; depois de cair, necessariamente arrastaria outro consigo, pois as idéias concebidas na leitura falsificada da Epístola ao Romanos tornaram nele logo uma verdadeira OBSESSÃO, passando a informar toda a sua vida e as suas atividades. Faltava apenas uma ocasião azada para serem manifestadas em público. E esta circunstância não tardou. Foi a pregação das indulgências na Alemanha. Conforme confessou o próprio reformador, pouco significaram para ele tais benefícios espirituais, chegando mesmo a dizer ignorar o que fosse uma indulgência (W. W. I. 65). Analisemos, aqui, o desenrolar dos fatos intitulados por nós: A ENTRADA DE LUTERO EM CENA. 1. A QUESTÃO DAS INDULGÊNCIAS Havia tempo que a Santa Sé projetava construir em Roma uma grande basílica em honra de São Pedro, em substituição à velha igreja do mesmo nome. A idéia do Papa Júlio II, em 1506, era fazer que a catolicidade contribuísse para levantar-se o monumento que devia ser como que a manifestação pública da unidade católica; o projeto ultrapassava os mais suntuosos edifícios do mundo. Para que os católicos de todo o mundo se interessassem pela obra comum, o Papa concedeu uma indulgência particular a todos os cooperadores desta empresa por meio de esmolas. Já havia tal indulgência sido pregado em quase todos os países, com exceção da Alemanha, devido às grandes somas que, de direito, tenha o império germânico de dar à Roma, o que anteriormente suscitara certo descontentamento. Julgou o Papa Leão X que tal animosidade desaparecera, podendo, também a Alemanha contribuir, opor seu turno, para ajudar à Basílica de Roma, e, por isso, mandou publicar a Bula das indulgências em março de 1515. Eram condições para se lucrar a indulgência: confissão, comunhão, um dia de jejum, a visita a sete igrejas ou altares e um esmola para a Basílica em construção. Foi nomeado o arcebispo de Mainz comissário desta indulgência, devendo ela entrar em vigor na Quaresma de 1517. O arcebispo nomeou como vice-comissário do arcebispado de Magdeburgo o dominicano João Tetzel, que já havia exercido a mesma função em Mainz, no ano anterior. Como desempenhou o padre Tetzel este ofício?... O dominicano era um orador popular, talentoso, mas, segundo consta das informações de Grisar, cometeu exageros ao explicar o modo de aplicação das indulgências aos vivos. Há quem afirme que os desvios nas expressões do pregador em nada afetaram a sua doutrina, sempre exata. No ensino eclesiástico, a INDULGÊNCIA É A REMISSÃO DA PENA TEMPORAL DEVIDA AOS PECADOS JÁ PERDOADOS, benefício espiritual que a Igreja concede sob certas cláusulas a quem está em estado de graça, aplicando-lhe os méritos infinitos de Jesus Cristo, e os superabundantes de Maria Santíssima e dos Santos, os quais constituem o tesouro da Igreja. A indulgência plenária perdoa toda a pena temporal, enquanto a parcial apaga apenas um parte dela. Para se lucrarem as indulgências, importa estar em estado de graça e cumprir o que elas prescrevem. Em virtude da Comunhão dos Santos, as indulgências podem geralmente ser aplicadas às almas do purgatório, sem que, entretanto saibamos com certeza os frutos praticamente a elas comunicados. Tal aplicação, de fato não depende só da Igreja, senão da vontade de Deus. Depois da revolta de Lutero, e para motivá-la, inventaram os protestantes mil e tantas calúnias contra Tetzel e o objeto de suas pregações, mas os ataques foram sem fundamento e sem provas. 2. A DECLARAÇÃO DE GUERRA Tetzel não falou em Wittemberg, mas na Saxônia, em Juterbog; desta sorte, Lutero não ouviu pessoalmente a tal pregação, conhecendo-a através das informações de seus alunos e amigos. Lutero se inflamou, achando favorável a ocasião para agir. E logo começou, decidido a todos os excessos, com todo o ardor de seu temperamento impetuoso, ávido de proezas e novidades. Na véspera da festa de Todos os Santos, orago da Igreja dos Agostinianos, uma multidão se acotovelava na praça para ganhar a indulgência da Porciúncula, quando Lutero apareceu com 95 teses contrárias às indulgências, as quais afixou à porta do templo. Era a declaração de guerra religiosa. O novo herege levantou-se contra o ensino da Teologia, declarando não terem as indulgências valor algum perante Deus, não passando de apenas canônicas impostas pela Igreja. Além disso, negou a doutrina referente ao tesouro da Igreja. Finalmente pergunta Lutero: por que o Papa não constrói a basílica de São Pedro com seu próprio dinheiro, ele que possui riquezas maiores do que o mais abastado Cresus, em vez de recorrer aos fiéis pobres?... No mesmo dia o revoltoso remeteu as teses ao arcebispo de Mainz, aconselhando-o a substituir a pregação das indulgências por outras, para evitar se escrevesse contra esta doutrina. Tetzel, prevendo a significação e a rápida propaganda das teses de Lutero, pôs-se logo em campanha contra o adversário. Para este fim, publicou uma lista de 106 proposições por ele defendidas, em 20 de janeiro de 1518, publicamente, diante da Universidade de Francfort. Lutero estava com as armas e, em vez de refletir e comparar as doutrinas expostas por ele com as do seu adversário, começou a atacar com furor mal contido a doutrina escolástica sobre a confissão, a contrição e a satisfação. Aos amigos que lhe observaram a excentricidade da nova doutrina, Lutero retrucou com aquela sua teimosia costumeira: “Pouco me importa alguns me considerarem herege; são cérebros escuros que mal cheiraram a Bíblia”. Permaneceu Tetzel firme e com perspicácia e preparo teológico que o exornavam, compreendeu logo profundamente a perversidade das teorias luteranas. Enquanto muitos teólogos viram nestas discussões uma simples questão de palavras, Tetzel sentia estar em jogo uma verdadeira heresia, cujas consequências abalariam a fé em muitos católicos. De fato, a questão das indulgências foi desaparecendo rapidamente e, já em maio de 1518, toda a discussão se deslocara para a autoridade da Igreja. A novidade se espalhou célebre no meio do povo, que apreciava, sobretudo a crítica de certos deslizes reais ou fictícios entre o clero e a instigação contra o pagamento de qualquer tributo ou sustento porventura exigido pela Igreja.. O povo não atinou logo não se trata aqui simplesmente de criticar abusos, mas ser desejo dos rebeldes um rompimento completo com a doutrina e a autoridade da Igreja. 3. PRIMEIRA REAÇÃO DA IGREJA As idéias revolucionárias do heresiarca ecoaram na Alemanha inteira e abalaram a crença de muitos, tanto mais que o terreno se achava admiravelmente preparado para receber qualquer semente de protesto e insurreição. Efetivamente, o século XVI era de uma quase universal decadência, e a Religião divina não escapava em sua parte material, ao influxo de ambiente tão corruptor dos costumes. Havia abusos nos governos, e até no governo subalterno da Igreja, devido à ambição das honrarias, da fortuna e das posições. A doutrina católica não vacilou jamais, por ter as promessas divinas; o seus dirigente, porém seus membros são homens e, como tais, susceptíveis de se deixarem impregnar pelas idéias dos lugares, onde nascem e onde são educados. Infelizmente, muito não sabem distinguir entre DOUTRINA e PESSOA, confundindo esta com aquela e atribuindo à primeira, - o que aconteceu com Lutero, - o que é exclusivamente da segunda. É o que aconteceu com Lutero e seus asseclas, admitindo-se estivessem em boa fé nesta guerra contra a Igreja. Havia defeitos na vida dos católicos; não os havia, porém, no ensino eclesiástico. Pretendiam os descontentes atacar os abusos; podiam fazê-lo. Mas, ao invés, atacaram a doutrina, deixando subsistirem os abusos que cresciam cada vez mais, demolindo-se o verdadeiro ensino em proveito das pessoas ou dos seus erros. Foi esta a grande aberração, ou a triste confusão de Lutero. O arcebispo de Mainz, D. Aberto de Brandeburg, vendo o erro tomar vulto, denunciou-o a Roma em janeiro de 1518. Em 3 de fevereiro daquele ano, o Papa Leão X escreveu ao substituto do Superior geral dos Agostinianos, encarregando-o de persuadir Lutero, seu súdito, a desistir de suas opiniões perigosas ou erradas, para evitar que desta faísca do erro resultasse um incêndio, impossível talvez de se apagar mais tarde. Infelizmente, já não era uma simples fagulha, mas uma fogueira que lavrava. Parece ter Lutero encontrado em sua ordem vários cúmplices, partilhando das suas idéias e erros. A única medida, que se conhece tomada pelos seus superiores, foi a de impedir a reeleição de Lutero como vigário de distrito. Não continuou em seu cargo o monge deposto, prosseguindo, porém, em sua revolta, atacando a doutrina e a autoridade da Igreja Católica. 4. LUTERO E O PAPA Em face da persistência de Lutero, os Dominicanos o denunciaram outra vez a Roma. O monge rebelde receava a excomunhão e, prevendo-a, procurou evitar a impressão, que necessariamente ela exerceria sobre o público. Em maio de 1518 pregou sobre as CONSEQÜÊNCIAS DA EXCOMUNHÃO, procurando mitigá-las o mais possível e dispor o espírito da população em seu favor. Na mesma ocasião mandou ao Papa Leão X uma defesa de seus ensinos sobre as indulgências, queixando-se das acusações injustas a ele feitas. Conta, a seu modo e de maneira falsa, a causa desta luta, declarando Não posso retratar-me. Apesar desta teimosia, declarou pela mesma carta escutar a voz de Leão, como sendo a voz de Cristo, que fala e dirige por Ele. “Faze-me viver e matar, chama, aprova, rejeita como te agradar” escreve ao Papa; e, ao mesmo tempo, em linguagem desabrida e com revoltante cinismo, escreve a um amigo: “Pouco me importa agrade ou não ao Papa, homem como os outros. Houve até Papas que não só cometeram erros e crimes, mas até monstruosidades. Eu escuto o Papa como Papa, quando ensina as leis da Igreja, de acordo com os Concílios, mas não quando ele fala por própria cabeça” (Obras de Lutero, Weimar). Julgou a Santa Sé de seu dever adotar novas providências contra ele. Chamou Lutero a Roma, onde devia apresentar-se dentro de 60 dias. Este estava resolvido a não obedecer e procurou proteção junto do príncipe Frederico e do imperador Maximiliano. Solicitou a Frederico que o chamasse perante o Conselho do reino, então reunido em Ausburgo, por querer ser julgado por juízes alemães. Para não irritar os espíritos, o Papa lhe concedeu permissão de comparecer em Augsburgo, ante o legado da Santa Sé, o Cardeal Cajetano, com faculdades para tratar do assunto. Em 7 de outubro chegou Lutero a Augsburgo tendo ali várias conferências e entrevistas com o príncipe Frederico e o Cardeal, nos dias 12 e 13 do mesmo mês. O enviado papal mostrou-se bondoso e paciente, e, tendo-lhe Lutero declarado estar pronto a seguir em suas palavras e obras, a doutrina da Igreja de Roma, indicou-lhe o dignitário os dois erros notórios: a negação dos tesouros da Igreja como depositária das indulgências, e a opinião da exclusividade de salvação pela fé somente. O cardeal não admitiu discussões, já que os dois pontos se opunham formalmente à doutrina da Igreja. Lutero respondeu ao legado: “Não posso retratar-me, se não me provarem ter ensinado qualquer coisa contrária às Escrituras, aos Santos Padres, às decisões dos Papas ou do bom senso”. A entrevista terminou infrutífera; o monge revoltoso protestava obedecer em tudo ao Papa, enquanto ao mesmo tempo não concordava com ele em nada. Dali se retirou Lutero para a residência onde se hospedava, mas, com espanto geral, fugiu secretamente de Augsburgo, na noite de 20 para 21 de outubro, regressando a Wittemberg, onde achou apoio na pessoa do seu superior Stuapitz. Lutero, depois de ter feito um papel tão triste e covarde, sentia-se satisfeito em ver-se longe de Augsburgo, onde não encontrará o esperando apoio. Em 28 de novembro, para desculpar-se, apelou da sentença do Papa, para um Concílio geral. Era apenas um meio de ganhar tempo. Lutero estava definitivamente perdido e cada vez mais teimoso em suas idéias de revolta. Uma carta a seu amigo Lenk, de Nuremberg, nos transmite as suas verdadeiras idéias e o seu ódio ao Papa. “A luta não está nem começada”, escreve ele, “longe de estes senhores poderem esperar o fim. Remeto-lhe a relação dos fatos de Augsburgo, para ver que, como julgo, o verdadeiro Anticristo de que fala Paulo reina na Sé de Roma; penso poder provar que ele é pior que os turcos” (Enders Correp. I. 316-II/12/1518). Quem fala deste modo está decidido a continuar no erro e segui-lo até o fim. Lutero prosseguirá com seus discursos inflamados de insubmissão e um dia exclamara cheio de amor próprio: “Roma pode experimentar condenar-me, mas Cristo, por sua vez, jamais se afastará de mim” (Cartas I. 30,.320 a Staupitz 13 dez.1518). 5. A DISCUSSÃO DE LEIPZIG Exteriormente a luta acalmara um pouco. Roma protelava, aguardando a conversão do filho pródigo. Tendo falecido o imperador Miximiliano, em 12 de janeiro de 1519, foi só depois da eleição do seu sucessor Carlos V (out. de 1519) que o processo contra Lutero foi retomado. Nesse ínterim um novo acontecimento patenteara a má vontade de Lutero: a discussão de Leipzig. Os erros de Lutero foram-se espalhando com a repulsa de uns e a aprovação de outros. Em breve as próprias universidades da Alemanha veriam as suas opiniões divididas, efeito das dúvidas e discussões suscitadas. O enfraquecimento da fé e o relaxamento da moral eram um terreno propício para as novidades e revoltas. As universidades de Wittemberg, Ingolstad e Leipzig combinaram entre si um debate público para resolver a pendência. O lugar escolhido foi o castelo do conde Jorge de Sax, em Leipzig. Ali deviam reunir-se os representantes de cada partido. O salão de honra do castelo foi dividido em duas partes destinadas às duas facções, com dois púlpitos no centro, um em frente ao outro. A discussão teve início a 27 de junho de 1519 entre Carlostad e Eck. O enviado de Lutero foi vergonhosamente vencido, não podendo provar as suas teses, nem refutar as do seu antagonista. Referindo-se, mais tarde, a esse fracasso, falou Lutero: “Em Leipzig Carlostad recolheu vergonha em vez de honra, mostrando-se um miserável polemista, com espírito tapado e tolo” (H. Boeckmer: Der Junge Luther 1929, pág. 255). A impressão foi péssima para a pretensa reforma. Os partidários chamaram Lutero para vingar a desfeita e soerguer a honra comprometida da nova doutrina. Em 4 de julho reencetou-se a polêmica, desta vez entre Lutero e Dr. Eck. Tudo convergiu logo para a palpitante questão: a autoridade da Igreja em matéria doutrina. Lutero havia opugnado as indulgências, proclamando o valor supremo da Bíblia e a inutilidade das boas obras, mas não tinha ainda opinião formada sobre a jurisdição da Igreja em questões de doutrina. Caiu em contradição, titubeou, aderindo, publicamente às condenadas doutrinas de Huss, rejeitando a autoridade da Igreja. O Dr. Eck refutou vitoriosamente as asserções heréticas, e Lutero não fez papel mais brilhante do que o seu representante vencido, Carlostad. Os ânimos dos sectários se exaltaram e vários começaram a grita contra as asserções católicas de Eck. A 14 de julho encerrou-se a discussão, levando os louros do triunfo o Dr. Eck, como o próprio Lutero depois declarou em uma carta a Melanchton: “Eck tem as vantagens: ele triunfa e reina. Estes leipziganos não nos saudaram, nem visitaram, mas nos trataram como inimigos, enquanto acompanharam Eck em toda parte... para nossa vergonha... aí está todo o drama: começou mal e acabou pior... discutimos mal” (Enders: corr. II, 85, 20 de julho de 1519). O conde Jorge de Saxe, o povo de Leipzig, a universidade e os católicos hesitantes sentiram-se fortalecidos em sua fé, mas Lutero, recolhendo-se sob a capa do seu amor próprio ferido, se tornou cada vez mais intratável e grosseiro. Ei-lo feito definitivamente herege. 6. FURORES DE LUTERO Lutero compreendeu que Roma, diante destes acontecimentos, não mais permaneceria por muito tempo calada e resolveu tomar a frente , para romper publicamente com o papado. Em 1520 publicou um pasquim intitulado: “Do Papado de Roma”. Era uma resposta violenta e grosseira ao franciscano Agostinho Halfeld, que publicara um escrito em defesa dos direito divinos do papado. Este escrito, segundo atestou um protestante daquele tempo, zombava da lógica e punha a sua força em grandes palavras. Tratava Halfeld de asno, que não sabe zurrar, e expunha a sua doutrina herética sobrte o reino invisível da Igreja e o sacerdócio universal, que não deixavam mais lugar para o papado. O monge revoltoso tornou-se um verdadeiro energúmeno, blasfemando, insultando a todos os que não estavam pelas suas idéias. Prieirias havia refutado alguns erros de Lutero. Este não demora com a resposta: “Este homem miserável, escreve ele, produziu um escrito que parece feito pelo próprio Satanás, no fundo do inferno.,.. se tal é a doutrina de Roma, eu declaro que verdadeiramente o anticristo está sentado no templo de Deus e reina em Roma, a verdadeira Babilônia, revestido de púrpura, sendo a corte de Roma a sinagoga de Satã” . O furibundo monge continua, parecendo um verdadeiro possesso: “Contra a cólera da Cúria Romana”, continua ele “parece não haver mais outro meio senão que o imperador, reis e príncipes enfrentem esta peste pela força das armas e a estirpem da terra”. “Se nós castigamos ladrões com a forca, bandidos com a espada, hereges com o fogo, por que não agredimos com qualquer arma estes doutrinadores da corrupção, estes cardeais, estes papas e toda esta bicharada da Sodoma romana, que leva toda Igreja à putrefação? Por que não lavamos as nossas mãos no sangue dele?” (Corresp. III. 73. jan. 1521). O dominicano inquisidor Jacques von Hostraten não é melhor acolhido. Na expressão de Lutero, ele é um assassino, doido e sanguinolento, que não pode ser saciado senão pelo sangue dos cristãos... deve procurar besouros nas estrumeiras, em vez de cristãos, até aprender o que é pecado, erro e heresia... pois, continua o monge furibundo, nunca vi maior burro do que tu... és uma cabeça cega, tapada; tu, cão raivoso... inimigo da verdade, herege, pois trazes em ti mais veneno o que todos os hereges deste últimos 4.000 anos (Obras Lutero, Weimar II. 384). As universidades de Lovaina e de Colônia não escaparam à sanha furibunda do reformador. Segundo o costume daqueles, haviam se pronunciado contrárias a certas asserções do professor de Wittemberg. Este lhes respondeu logo: “Enquanto não me tiverdes refutado, ligo tanto às vossas condenações, quanto me importo com as blasfêmias de uma mulher bêbada!” (Obras Weimar VI. 157). Em uma carta a seu amigo Spalatino, trata estes doutores de “asnos de Lovaina e de Colônia”. Em 1518, Lutero exclama com razão: “Eu sou completamente o homem das disputas, sou segundo as palavras de Jeremias, o homem da discórdia” (Grisar I. 340). 7. CONCLUSÃO Eis como Lutero entrou em cena. Vê-se logo não ser um reformador desejoso de extirpar abusos e de reconduzir os homens à prática de virtudes que tinham abandonado. É um homem, só confiante em seu próprio valor e na sua personalidade, orgulhoso ao ponto de preferir as sua opiniões às do mundo inteiro; é um espírito irrequieto à cata de novidades, ou, como vimos no começo, um homem obsesso por uma idéia fixa, que pretende impor-se a todos. Numa palavra, é um anormal, doente, uma espécie de nevropata. Se, neste tempo, houvesse existido o espiritismo, é de presumir se houvesse Lutero lançado, de corpo de alma, nas práticas espíritas, sem pensar na fundação de uma seita herética. Às pessoas sensatas pergunto se tal pode ser a disposição, o modo de agir, as pretensões de um reformador de religião, de um homem escolhido por Deus, como dizem os protestantes, para reconduzir a Igreja verdadeira à pureza de seus princípios e das suas doutrinas. É impossível. O simples bom senso protesta contra a asserção crentista. O reformador de uma religião divina devia ser pelo menos, um homem de virtude, calmo, prudente; Lutero, no entanto, se apresenta como um vulgar insultador, insolente, grosseiro, indecente e, muitas vezes grotesco. Através de sua vida, de suas palavras e atos, sente-se unicamente a paixão, o orgulho, a sensualidade, o espírito de revolta. Lutero, pela doutrina, é o fundador do protestantismo; pelos atos, é o fundador da mentalidade comunista-revolucionária. Convinha salientar bem esta primeira fase da vida pública de Lutero, pois ela constitui, com os seus prelúdios já expostos, as premissas das inúmeras conclusões que, em breve, seremos impelidos a extrair desta vida agitada e tristemente fecunda. CAPÍTULO V A CONDENAÇÃO DE LUTERO Mesmo com todas as suas fanfarronadas e provocações, o “reformador” senti-se inquieto. Após se rebelar contra a Igreja, recorreu à ajuda dos grandes do seu tempo. Em data de 23 de outubro de 1520 escreveu ao imperador Carlos V, dizendo-se desejoso de comparecer perante ele, COMO UMA PULGA perante o rei dos reis, soberano universal. “Contra o meu querer, acentuou ele em sua carta, apresentei-me publicamente em cena; se cheguei a escrever algo, foi porque outros a isto me obrigaram pela força ou pelo embuste; jamais aspirei por outra coisa senão à solidão da minha cela... Mas há quase três anos estou exposto ao ódio dos outros, entregue a toda espécie de zombarias e perigos. Em vão imploro me perdoem; em vão prometo calar-me; em vão ofereço as condições de paz; em vão espero melhores instruções para mim.; lança-se todos sobre mim, com o fito de destruir o Evangelho inteiro”. E, em situação tal, suplicava Lutero à autoridade civil “o defendesse, não a ele, desamparado e prostrado por terra, mas ao tesouro da verdade”... Eis o pai dos protestantes, o “sublime Lutero” implorando, submisso e cheio de bajulação, a proteção dos potentados da terra. Em suas expressões sente-se a hipocrisia do herege, a obsessão do doente, e, sobretudo, o remorso duma consciência que não cala. Em cartas subsequentes, segundo as circunstâncias, chegou ele a atacar o poder, abandonando a sua situação de POBRE PULGA, para se transformar num TIGRE FURIOSO, pretendendo assaltar a Igreja e a sociedade, e tudo destruir e esmagar. Percorramos a vida de Lutero, nesta nova fase. 1. O DESESPERADO Sobre a sua cabeça em ebulição Lutero sentiu pesar a excomunhão da Igreja. Como já ficou dito atrás, pressentiu ele, antes de tudo, ser-lhe urgente destruir na opinião pública o receio provocado por aquele castigo oficial e supremo da autoridade. Para lograr o seu intento, começou, então, a pregar abertamente contra a mencionada pena, apresentando-a, não como temível, mas propalando-a desejável. “Tal castigo”, exclamou ele, “não separa da comunhão dos cristãos; antes, é de grande mérito perante Deus que abençoa duplamente ao que vem a falecer nesta injusta maldição”. No entanto, malgrado bravatas deste porte, Lutero padecia de terrível inquietação. As universidade de Lovaina e Colônia se declararam contra ele, enquanto o processo correia. O Dr. Eck reunira os documentos da discussão de Leipzig, com outras provas de heresias, e levara tudo a Roma. Exasperado, Lutero escreveu então um panfleto incendiário, dirigido à nobreza alemã, tratando dos melhoramentos do estado cristão. Em termos furiosos ele expôs como, a seu ver, o papado pecou contra a nação germânica e contra a Igreja. Em 25 capítulos abordou ele o assunto dos abusos eclesiásticos, já por outros apontados com mais calma e ponderação (*). Afinal, “era um simples plágio”. Ao finalizá-lo, fervendo em ódio e sedento de vinganças, levantou os olhos ao céu, e exclamou: “Ó Cristo, meu Senhor, olhai para a terra, fazei raiar o último dia e destruí o ninho diabólico de Roma”. Estava lançada a declaração de guerra, com que pretendia lrevoltar o povo alemão em peso contra a Igreja de Cristo. ------------(*) - Gravamina: Onus Ecclesiae; Perstinger: De planctu Ecclesiae; De ruína Ecclesiae, etc... 2. NOVAS DOUTRINAS HERÉTICAS Logo se pôs Lutero a fabricar um tratado DOUTRINAL da sua “reforma”, justificando que, assim como outrora haviam os judeus sido libertados da escravidão por Moisés, iria ele, então, livrar os povos cristãos da servidão babilônica. O novo libelo foi intitulado: “Da escravidão babilônica”; nesta exposição Lutero liquidou completamente com o Papa, com a hierarquia e com a Igreja visível. Lutero reduziu a três os sacramentos: batismo, confissão e ceia, considerando os dois últimos como uma coisa grotesca, sem caráter obrigatório. Falando sobre a Eucaristia, ensinava que na Sagrada Hóstia não permaneciam apenas as aparências, mas até a própria substância do pão, de sorte que não há propriamente a TRANSUBSTANCIAÇÃO ou mudança da substância de pão na do corpo de Jesus Cristo, como o ensina a Igreja, mas se dá uma espécie de “empanação” em virtude da qual a substância do corpo de Nosso Senhor está presente na hóstia consagrada, conjuntamente com a substância do pão, o que se poderia chamar: consubstanciação ou duas substâncias sob uma só aparência. Conforme a nova doutrina, a Santa Missa não é mais um sacrifício; o direito de impor mandamentos ou fazer votos opõe-se à liberdade eclesiástica; o celibato deve desaparecer e a Igreja, com suas prescrições a respeito do matrimônio torna-se culpada de adultério. O conteúdo deste novo Evangelho pode resumir-se nestas palavras do reformador: “Nem o Papa, nem o Bispo, nem homem algum tem direito de impor a um cristão uma vígula sequer, sem que este o consinta” Como é patente, tal modo de falar traz completa destruição de toda autoridade, a anarquia no governo e a rebelião no povo. Lutero não raciocina mais. É um mísero possesso ou, melhor, um desequilibrado. 3. A BULA DE CONDENAÇÃO Era tempo de agir, p0ois não havia mais esperança de pacificação. Lutero queria a guerra. Em fins de abril de 1520 uma Comissão de Cardeais e teólogo, presidida pelo Papa Leão X, redigiu a Bula de condenação, publicada em 15 de junho do mesmo ano. É a Bula: EXURGE, DOMINE, composta de três partes; a primeira tratando dos ERROS; a segunda dos ESCRITOS e a terceira, da PESSOA do excomungado. Em 41 asserções foram compreendidos os erros do herege, acerca da justificação e da autoridade da Igreja. Sobre os escritos heréticos ficou declarado deverem ser queimados em toda a parte onde houvessem sido difundidos. Quanto à pessoa de Lutero, a Santa Sé não promulgava ainda castigo algum, desejando deixar-lhe tempo e oportunidade de reconhecer os erros e poder retratá-los. O aviso do Pontífice é paternal e conciliador; é sem razão que os protestantes reclamam contra a aspereza do tom desta Bula. Eis o que disse Leão X neste documento: “Tomando como exemplo a vontade de Deus que não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva, nós queremos esquecer todos os insultos lançados contra nós e contra a Sé Apostólica. Estamos resolvidos a exercer a maior indulgência possível, e, enquanto depende de nós, levaremos a coisa de maneira tal que o culpado se levante, se converta de coração e retrate os erros indicados e que, voltando ao seio da Igreja, tal o pródigo do Evangelho, possamos recebê-lo com alegria. Avisamos, pois, ao culpado e aos seus partidários de todo o coração, pelo amor e misericórdia de Nosso Senhor Deus e pelo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem foi resgatada a humanidade e confirmada a Igreja, e os conjuramos a desistirem de perturbar a paz, a unidade e a verdade da Igreja, pelos erros perversos que vão espalhando. “Mostrando-se obedientes, eles encontrarão em nós copioso amor paternal, e braços abertos pela generosidade e a mansidão”. Que distância não vai entre esta linguagem paternal, calma e ponderada do Chefe da Igreja, e os brados rancorosos, odientos e sanguinários do monge rebelde! Algumas expressões extraídas da Sagrada Escritura e ainda outras em uso naquele tempo não apenas fórmulas comuns de casos semelhantes, sem serem a expressão dos sentimentos do Papa. A promulgação desta Bula foi confiada ao Dr. Eck, o conhecido adversário resoluto das inovações de Lutero. Tal escolha agradou aos católicos, mas irritou aos partidários do erro que viram nisto uma espécie de provocação. O Dr. Eck encontrou sérias dificuldade para promulgá-la, devido ao estado de irritação entre o povo de seu país. Várias universidades, como as de Leipzig, Wittemberg, Erfurt e Viena, promulgaram a Bula após longo demora. Vários bispos, receosos de oposição, não a publicaram logo. Tal demora e este medo nos mostram que bom número de católicos e mesmo autoridades não compreendiam ainda o perigo representado pelos novos ensinos e pelas revoltas do frade apóstata. Julgando pacificar os ânimos pela paciência, deixaram o erro penetrar no espírito do povo que, sem dar ouvidos a vozes contrárias, abraçou o erro como se fosse a verdade, tornando-se, deste modo, protestante sem o perceber. 4. OS INSULTOS DE LUTERO Não foi possível Lutero esperar proteção do imperador Carlos V, que era religioso demais para dar passaporte a um inimigo da Igreja, porém podia contar com o príncipe Frederico de Saxe para protegê-lo, caso o atingisse a excomunhão. Primeiramente fingiu não acreditar na Bula e divulgou o boato de ser ela arranjo e obra do Dr. Eck; em conseqüência, pretendera insultar o Papa na pessoa de Eck, em fez de fazê-lo diretamente. “São Bulas e mentiras de Eck”, falava ele. Era-lhe, porém inútil sustentar por longo tempo este fingimento, e, não podendo mais conter o seu ódio, externa-o em novo escrito: “Contra a Bula do Anticristo”(*) publicado em novembro de 1520. Neste novo pasquim diz o herege que a sua doutrina é a única verdadeira e, por isso, esta Bula pretende obrigá-lo a renegar a Deus e adorar o demônio. “O Papa e os Cardeais, diz ele, devem provar as suas afirmações, senão serei coagido a considerar a Santa Sé como a sede do Anticristo, condenando-a e entregando-a a Satanás, com esta Bula e todas as suas decretais”. O pseudo-reformador parece antes uma possesso do que um homem equilibrado. Dirigindo-se ao Imperador, ele exclama: “Onde estás, grande imperador, onde estais vós, reis cristãos? Vós vos consagrastes pelo Batismo e podeis suportar estas vozes infernais do Anticristo?” Quanto à bula, escreve ele: “Todos os verdadeiros cristãos devem pisá-la aos pés e expulsar, pelo enxofre e o fogo, o Anticristo romano e o Dr. Eck. O seu apóstolo” Neste mesmo ano reeditou outro pasquim: “Sobre a liberdade no cristianismo”, do qual enviou um exemplar ao Santo Padre Leão X, acompanhado de uma carta, na qual se lêem os seguintes insultos, mais dignos de um desequilibrado que de um reformador: “A Igreja Romana é uma horrenda Sodoma e Babilônia; um covil de assassinos acima de todos os covis; uma casa de bandidos acima de todos os bandidos; um centro e uma terra de pecado e morte e de perdição, ao ponto de ser impossível pensar que pode subir em maldade, nem com a vinda do próprio Anticristo. ENTRETANTO, VÓS, Ó SANTO PADRE, ESTAIS ALI, COMO UM CORDEIRO NO MEIO DOS LOBOS” O pobre herege procura encobrir a voz do Papa, por sua cólera, suas invectivas e seus insultos, aparecendo como um bêbado, gritando, gesticulando, sem saber de que lado virar, para encontrar um pouco de paz e de tranqüilidade. O demônio parecia ter entrado em seu corpo e em sua alma. ----------------(*) - Esta palavra torna-se uma obsessão para Lutero, que com ela visa menos a pessoa de Leão X do que o poder papal em geral e toda a hierarquia. 5. A EXCOMUNHÃO DE LUTERO Desejoso de manter-se na opinião pública e diminuir os efeitos do ato pontifício. Acém de lançar mão de escritos e palavras, resolveu Lutero recorrer a uma representação teatral. Convidou a universidade de Wittemberg a um piedoso e edificante espetáculo em praça pública. Na hora marcada, tendo feito acender uma fogueira, apareceu Lutero, vestido de monge agostiniano; tendo consigo a Bula de excomunhão, estendeu-a sobre o fogueira, exclamando em alta voz: “Porque atacaste a verdade do Senhor, eis que ele agora te ataca pelo fogo”. Com a mão levantada fez um movimento circular e a Bula caiu no meio do fogo, sendo consumida pelas chamas. “O piedoso e edificante espetáculo” estava terminado. A mocidade luterana, fanatizada pelo seu professor herético, imitou-lhe o exemplo, e eis que desapareceu no braseiro crepitante tudo o que puderam encontra na igreja: livros de Direito, Constituições eclesiásticas, teologias, livros de orações, etc. Esta cerimônia solene, dirá mais tarde o excomungado, foi feita por inspiração do Espírito Santo (Pastor IV. P. 384). No dia seguinte, quando os estudantes lhe exaltaram a ação heróica, Lutero manifestou-se penalizado por não poder lançar no mesmo fogo o trono do Papa e ajuntou esta bela frase: “Quem não combate o papado, de todo o coração, não pode alcançar a salvação eterna”. (Ibid. p. 284). Lutero estava condenado pela Santa Sé. Noutros tempos a sentença de Roma teria sido imediatamente acolhida pelo império, porém, nestes em que a revolta era como um fogo abafado, prestes a invadir o império germânico, era preciso calma e tempo. O prazo passou, pois, e os 60 dias marcados para a retratação, ou para entrar em vigor a excomunhão, chegaram ao termo. Em 3 de janeiro de 521, o Papa Leão X lançou uma nova Bula “Docet Romanum Pontificem” contra Lutero, declarando-o publicamente excomungado. Ao mesmo tempo o Soberano Pontífice, em 18 de janeiro, dirigiu um Breve ao Imperador, pedindo fosse publicada em toda a Alemanha a Bula de excomunhão, para a revolta ser conhecida pelo povo, e para este último ficar prevenido contra os erros ensinados. Lutero procurou proteção junto do seu benfeitor, príncipe Frederico de Saxe que intercedeu em seu favor perante o Imperador, pedindo para ser ouvido pela autoridade civil, antes da execução da sentença do Papa. O imperador, mau grado seu, foi impelido pelos príncipes a atender ao pedido, ordenando o comparecimento de Lutero diante do Conselho geral de Worms. 6. PERANTE O CONSELHO DE WORMS Fato curioso, que se poderia qualificar como o da obsessão do apóstatas, é o pensamento de Satanás, a persegui-lo, e a quem atribui todos os seus reveses: ele vê demônios em toda parte: um ruído nas galerias da igreja de Erfurt, durante o seu sermão; a quês de umas pedras, em Gotha, durante a sua palestra; um incômodo, que o impediu de continuar viagem, tudo isso ele considerou produzido pela ação dos poderes infernais. Escrevendo a seu amigo Spalatino, antes de ir as Worms, Lutero disse: “Iremos a Worms e os poderes do inferno e do ar não poderão impedir esta viagem”. Ei-lo, pois, a caminho de Worms. Dizem os historiadores que tal trajeto foi um triunfo. Os partidários o acompanharam e, por onde passava, todos queriam ver o homem extraordinário e alvo de tantas contradições. Em 16 de abril de 1521 chegou à cidade, onde já se achavam reunidas as autoridades eclesiásticas com os príncipes e o Imperador. Os ânimos estavam exaltados, e receava-se até um levante popular, fomentado pelos amigos de Lutero. No dia seguinte, 17, o herege foi citado perante o conselho (Ryksdag) , para ser ouvido. Esperava-se uma exposição brilhante da parte de Lutero, pois havia declarado publicamente estar resolvido a “amedrontar e esmagar o próprio Satanás”, porém aconteceu o contrário. Às duas perguntas que lhe forma dirigidas ele respondeu com voz tão sumida, tanto que só foi ouvido por aqueles que estavam mais próximos, como estivesse com medo ou indisposto. Perguntaram-lhe se era de fato o autor dos escritos aí expostos. Lutero respondeu afirmativamente. Convidaram-no depois a condenar os erros neles contidos. A este convite respondeu Lutero, pedindo reflexão e tempo, porque, disse, assim de repente, não podia dar uma solução. Concederam-lhe vinte e quatro horas para pensar. No dia seguinte Lutero compareceu em seu estado natural de insolência e orgulho; procurou defender os seus erros, atacou a autoridade da Ighreja e declarou em nada poder voltar atrás. Os seus amigos o haviam animado e excitado neste intervalo, instigando-o a sustentar suas opiniões. Vendo a teimosia e o fanatismo cego do monge, o Imperador deu ordem a Lutero que se retratasse no dia seguinte dando-lhe salvo-conduto e garantia durante 20 dias, sob condição de não pregar nem espalhar os seus escritos. À noite deste mesmo dia reuniram-se os protetores de Lutero: Frederico de Saxe, Spalatino e outros, e resolveram esconder o revoltoso para subtraí-lo a qualquer eventualidade do poder civil ou a qualquer perseguição dos seus adversários. O mensageiro imperial, Gaspar Sturm, devia acompanhar Lutero, levando uma pequena tropa de soldados. Querendo o reformador fazer a viagem, com uns amigos, despediu o mensageiro, conservando apenas uns guardas desarmados; a razão desta despedida era a seguinte: tudo estava cuidadosamente preparado para uma fingida cilada, que devia salvar Lutero, excitar a animosidade dos seus adeptos e envergonhar os seus inimigos. Passando, à noite, pelas florestas de Turíngia, perto de Altestein, em 44 de maio de 1521, Lutero foi subitamente assaltado por uns cavaleiros, retirado do carro e conduzido a cavalo para o Castelo de Wartburg, perto de Eisenach. No dia seguinte espalhou-se logo o boato de que o passaporte do Imperador havia sido violado e que Lutero estava preso, tendo sido horrivelmente maltratado; propalavam alguns ter visto o seu cadáver, jogado na cavidade de um rochedo. As más línguas seguiram naturalmente as más cabeças, e mil legendas impressionantes corriam no meio da populaça exaltada. Neste tempo o apóstata excomungado estava sossegado ao abrigo de qualquer violência e levando vidas principesca, escondido no velho castelo de Wartburg, sob o pseudônimo de “Cavalheiro Jorge”. 7. DECISÕES DE WORMS Enquanto isto ocorria, estava em andamento a sessão do Conselho de Estado, em Worms. A teimosia de Lutero, em não se querer convencer dos seus erros, deu ao imperador pleno direito de lançar um edito contra o herege, em defesa de doutrina católica. Este ato foi redigido, assinado pela autoridade civil e confiado ao representante do Papa, para ser levado a Roma. O protetor de Lutero, Frederico de Saxe, vendo frustrados os seus esforços, para não assistir à condenação de seu pupilo, retirou-se das reunião e escreveu a uma amigo: “Não somente Anás e Caifás são contra Lutero, mas também Pilatos e Herodes, isto é, a autoridade religiosa a civil (Janssen-Pastor: II. 184). Este edito de Worms não produziu o efeito que os homens sinceros dele esperavam. Muitos acharam o texto um tanto áspero, incisivo, de modo que causou entre os católicos uma certa inquietação, e entre os sectários de Lutero um ódio maior contra a autoridade. Nele se proclamava a excomunhão de Lutero, ordenando-se fosse ele considerado herege, não podendo mais ser acolhido, favorecido ou protegido por ninguém. Qualquer um estava obrigado a prendê-lo e entregá-lo ao Imperador. Seus livros deviam ser destruídos e punidos de excomunhão. Ficou encarregado o Conselho municipal de Neuremberg de providenciar a execução da sentença. São notáveis as acusações contra Lutero, expostas neste documento: “Pelos seus escritos”, diz o edito, “Lutero espalha práticas corruptoras: muda o número dos Sacramentos, altera a lei da indissolubilidade do matrimônio, insulta o Papa com palavras grosseiras e blasfematórias, despreza o Sacerdócio e procura excitar os leitos a lavarem as mãos no sangue dos Sacerdotes. Ensina a falta de liberdade da vontade humana e exorta a uma vida sem freio e sem autoridade. Chegou ao ponto de não recuar diante das barreiras mais sagradas, fazendo queimar, em público, livros canônicos. Despreza os Concílios e apelida o Concílio de Constança: uma sinagoga de demônios e os seus participantes: anticristos e assassinos. É um inimigo em trajes de monge, acumulando antigas e novas heresias; pretende pregar o Evangelho e destrói a fé sincera, sob o pretexto de restabelecer o verdadeiro Evangelho” (Janssen. P. II. 299). Como se vê, o Conselho imperial estava bem informado dos manejos de Lutero, e este documento resume, em poucas palavras, as principais heresias do pretenso reformador. Se o Edito houvesse sido bem executado, talvez o mundo não teria assistido às tristes e horrendas cenas que seguiram à protestantização da Alemanha. Infelizmente as ordens imperiais não produziram o efeito desejado. A fraqueza e a desunião do próprio governo, o dinheiro, o medo, o comodismo e a simpatia pela reforma de vários chefes, atrasaram e em muitos lugares inutilizaram as medidas ordenadas. 8. CONCLUSÃO Tal era a situação do reformador, antes e após ser condenado. Pode-se ajuizar que o pobre herege é um anormal de uma teimosia e orgulho sem iguais. Nada era capaz de fazê-lo raciocinar. Vivia obcecado pela idéia fixa do ódio à Roma, que pretendia exterminar e pela idéia da Bíblia só, para cada um poder fabricar-se um religião individual, independente de Deus e dos seus representantes na terra. Nota-se em todos os passos do heresiarca uma pronunciada má fé e o desejo de ser aplaudido pela multidão. Juntando-se a estas disposições pessoais de Lutero a decadência da época, as hesitações da fé e a exaltação dos espíritos em procura de mudanças, compreende-se o futuro que esperava o reformador, o qual, de fato, coroou os seus esforços. Os grandes homens, os reformadores ou os deformadores, não brilham tanto pelo valor pessoa, quanto pelo desvalor dos que os cercam. É o que o provérbio pessoal expressa muito bem: no reino dos cegos quem tem um olho é rei. Assim, numa época de decadência, quando há falta de vigor, de energias, de entusiasmo, ao aparecer um indivíduo mais decidido e valoroso que os demais torna-se imediatamente o centro de uma nova constelação, em redor da qual gravitam os olhares e as simpatias. Assim aconteceu com Lutero, um pobre orgulhoso que, sentindo a sua inferioridade em tudo, quis aproveitar a decadência que o cercava, para se elevar. Não encontrando em si um meio de efetuar este seu desejo, utilizou-se da insurreição, da palavra e da penas revolucionária, para se manifestar em pública e ganhar celebridade. Tal é o super-homem protestante que temos pela frente. Simplesmente um super-revolucionário. CAPÍTULO VI LUTERO EM WARTBURGO Assistamos a uma nova etapa da vida do infeliz e obstinado pai das seitas protestantes. À semelhança de um meteoro ameaçador e sinistro, ele apareceu rápido no firmamento da Igreja, para logo sumir num esconderijo, donde continuará, pelos seus escritos, fomentando o ódio, a desordem e disseminando através do mundo seus monstruosos erros. Quanto à sua vida particular no Castelo de Wartburgo, lugar santificado pelas heróicas virtudes de Santa Isabel, Lutero, em pessoa no-la descreve numa carta a seu amigo Melanchton, aos 13 de julho de 1521: "Aqui estou na ociosidade, insensível e endurecido infelizmente, rezando pouco e em nada me importando com a Igreja de Deus, porque me abrasam os grandes ardores de minha carne indomada ("quia carnis meae indomitae uror magnis ignibus"). Numa palavra: Eu que deveria ser fervoroso no espírito, sinto em minha carne a libidinagem, a preguiça, a ociosidade, a sonolência" (De Wette II, 22). Nesta solidão, prossegue, afogo-me em pecados ("peccatis immergor in ac solitudine")" (De Wette II, p.26). Ei-lo, pois, solitário em Wartburgo que denominará mais tarde o seu “Patmos” de enviado de Deus. Após ter ambicionado pairar acima de todos... caiu no lamaçal de todos os vícios, conforme ele mesmo o reconheceu. Não é mais o Lutero orgulhoso que se nos apresenta, mas o Lutero crápula “ego otiosus hic et crapulosus sedeo tota die” (de Wette II. 6). Os dez meses de permanência no castelo de Wartburgo são uma página negra da vida do infeliz transviado. 1. A PRETENSA MISSÃO DE LUTERO Vejamos o monge no castelo onde se refugiara. Isolado de todos, longe do bulício, separado maus companheiros que o excitavam, Lutero poderia arrepender-se e recuar, se disso fosse ainda capaz, repassando em espírito os acontecimentos tristes e desastrosos de que fora o causador. Tal, infelizmente não aconteceu ou melhor: só se verificou nos seus primeiros dias de exílio. Nas horas lentas e monótonas que se seguiram ouviu ele, a princípio, uma voz penetrante em si mesmo, tal o eco estridente dos corvos e corujas que cercavam a torre do Castelo e passavam diante da janela do seu quarto. "Quantas vezes”, declara ele próprio, “tremia de horror o meu coração, lançando-me em rosto este pensamento amargurante; apenas tu queres ser sábio? Todos os outros, então, estarão errados? E eles terão ficado no erro durante tantos séculos? Que será de ti, se estiveres errado, arrastando tanta gente ao erro e à eterna perdição?" (Obras Lut. Weimar, VIII. 411). Lutero não tinha a sinceridade nem a nobreza de sentimentos de uma Santo Agostinho, para se converter, condenar os seus erros e tornar-se um Serafim do amo de Deus, que refletiu, sob a moção da graça, sobre as palavras confortadoras: “quod isti e istae, cur non ego?” (o que puderam realizar estes e estas, por que não o conseguirei também?)... Lutero se encontrava no perigoso declive da revolta, descendo para o fundo do abismo... e o obcecado ânimo não lhe deixava mais ver outra coisa senão a idéia importuna a persegui-lo como um espírito maligno: - SÓ A BÍBLIA E SÓ A FÉ. A luta foi terrível entre a voz da consciência e os impulsos do orgulho. Em vez de ser favorável à primeira, forcejou impor-lhe silêncio. “Pude apenas, com os textos mais expressivos da Escritura”, escreve ele, “convencer a minha consciência de que era permitido resistir ao Papa, fazendo-o passar por anticristo, e considerar os Bispos como os apóstolos do anticristo, e as universidades como antros do pecado” Logo a soberba lhe abafava os remorsos de uma alma perturbada, persuadindo-o a julgar-se investido de uma missão divina, para reconquistar a liberdade do Cristianismo, escravizado pela Igreja Católica. Trata-se de uma verdadeira obsessão. Teria ele chegado a persuadir-se de fato ter um desígnio a cumprir neste mundo?... É possível, pois este fato se dá, tanto em homens perversos, quanto entre pessoa santas. Átila intitulou-se e foi de verdade: o flagelo de Deus. Alexandre Magno, César e Napoleão estavam convictos de terem sido chamados por Deus, para conquista o mundo. Maomé, o histérico, com o qual Lutero, o possesso, possui muitos traços de semelhança, considerou-se um “profeta de Deus”, mandado para substituir por outra as religiões existentes. É, pois, admissível que o monge, dotado como era de imaginação ardorosa, de gênio turbulento, de atividade, dominada pelos nervos, deixando-se guiar pelo orgulho e pela confiança em seu valor pessoal, tenha chegado ao ponto de se dizer um “enviado de Deus”, para extirpar os abusos de sua época e promulgar a livre interpretação do Evangelho. Se não se pode estabelecer positivamente o fato, - pois a historia nos dá notícia de suas próprias dúvidas a respeito, - é permitido, entretanto, pensar que nos momentos de agitação tenha ele conseguido sufocar a voz da consciência, convencendo-se da realidade da sua missão libertadora, que se tornou para ele uma espécie de alucinação. 2. APARIÇÕES DO DIABO Dois pontos sobressaem em Lutero, quando de sua permanência no castelo de Wartburgo: a sua idéia com relação ao demônio e as grandes tentações de que foi acometido. Em suas cartas a cada passo refere-se às suas relações com o diabo, enquanto ali esteve. Não só diz ele ter ouvido ali o demônio, no tremendo barulho que o parecia perseguir dia e noite, mas assevera tê-lo visto, sob a sensível aparência de um cão preto, dentro do seu quarto.. Deste espetáculo terrível Lutero nos dará uma idéia, mais tarde, em suas conversas de taberna: "Quando estava em meu Patmos”, diz ele, “tinha fechado, dentro dum armário, um saco de nozes de avelãs. Certa noite, apenas me deitara, começou um barulho infernal nestas novzes que, uma por uma, foram lançadas com força, contra as vigas do forro. Senti sacudirem-me a cama, e ouvi nas escadas um ruído, como se lançassem para baixo uma grande quantidade de vasos. Entretanto, a escada havia sido retirada, para ninguém poder subir ao meu quarto, estando presa à parede com uma corrente de ferro" (Wette Erl. 59 p.340), (FATO contado pelo próprio reformador em Eisleben, em 1546). O encontro do cão preto se deu em circunstâncias estranhas: o bicho teria procurado um lugar no leito de Lutero, que jeitosamente o teria retirado dali, jogando-o fora, através da janela, sem o menor ganido da parte do animal. Foi, parece, um diabinho manso e inofensivo que se deixou lançar assim para fora. Nada mais se pôde encontrar do cão, após a queda, nem mesmo vestígios. Lutero tinha a certeza de se tratar de um diabo, em carne, pelo e osso (Köstlin-Karveran I. 440, 1903). Referem ainda que um dia apareceu-lhe o demônio em pessoa, talvez para parabenizá-lo pela obra encetada, toda em benefício de satanás; nesta ocasião, tomado de horror e de medo, num acesso de raiva, teria Lutero jogado contra o demônio um tinteiro. A tinta não sujou a carapinha do capeta, mas foi o recipiente quebrar-se de encontro à parede, onde ficaram os sinais distintivos do seu conteúdo – uma grande mancha negra. Coburg e outros falam disto, mas Lutero, o único que poderia afirmar a realidade do fato, parece, a ele nunca se referiu. Que há de verdadeiro a respeito de tudo isso? É difícil dizer-se. Vistas, no entanto, as disposições e o estado anormal de Lutero, é crível não passasse de exaltação nervosa, de fantasia, de superstição. Seja como for, Lutero via demônios em toda parte. No opúsculo contra o duque de Brunswick, o demônio teve a honra de ser nomeado 146 vezes; no livro dos Concílio em 4 linhas fala Lutero 15 vezes a respeito de diabos. Os adversários da reforma têm o “coração satanizado e super-satanizado" Noutra parte ufana-se Lutero de nunca ter descontentado o príncipe das trevas que o acompanha sempre. Tal disposição doentia, aumentada pelo isolamento em que vivia, como pela lembrança dos últimos acontecimentos, da sua excomunhão pelo Papa, da condenação pelo Edito de Worms, dos perigos que o ameaçavam, da incerteza do futuro, tudo isto devia necessariamente aumentar a demasiada tensão dos nervos e exaltar a imaginação ardente. Seja como for, por certo estava ele com direito a uma aparição do espírito das trevas, a fim de parabenizá-lo pela obra diabólica de revolta que estava efetuando no mundo, e pela perdição de milhares de almas que tal empresa iria acarretar. Se o demônio não lhe apareceu, não é porque lhe tenha faltado vontade para tal, mas apenas porque Deus não permitiu. 3. TENTAÇÕES IMPURAS O que se vai ler é quase só testemunho do próprio “reformador”. Ele escreve a Melanchton:"Corporalmente estou com saúde e sou bem tratado, porém as tentações e o pecado não me deixam em paz" (Cartas II.189). “Acredite-me, nesta solidão aborrecedora, estou sujeito às tentações de mil demônios... É muito mais fácil lutar contra homens que são diabos em carne, do que contra os poderes da milícia que habita o ar” (Eph. VI. 12). Caio muitas vezes, mas a mão do Senhor me levanta de novo! (Carta III.240. A. Gerbal). É, então, que ele dirige a Melanchton o famoso ditado: PECA FORTITER, CREDE FORTIUS – (peca fortemente, mas crê mais fortemente ainda). É aí, sobretudo, na ociosidade de seu desterro, que Lutero começa a entregar-se desabridamente às paixões vergonhosas da luxúria, como o atesta a sua correspondência íntima. Em 1522 ele escreveu a seu amigo Spalatino a carta mais falhofeira e vergonhosa que se pode imaginar onde se lê: "Sou um famoso namorador... Admiro-me que, escrevendo tantas vezes sobre o matrimônio, et misceor feminis, não tenha ainda virado mulher e tenha casado com uma delas”. “Entretanto, se queres o meu exemplo, tem o seguinte: TIVE JÁ TRÊS ESPOSAS AO MESMO TEMPO, e as amava tão ardentemente que perdi duas delas, que foram procurar outros maridos..”. “Quanto a ti, és um namorador mole não tendo sequer a coragem de ser marido de uma só" (De Wette II. 646). Pergunto a um homem de bom senso; é esta a linguagem de um reformador ou não é, antes, a correspondência de um vulgar boêmio, de um viúvo alegre? O padre Leonel Franca fez esta judiciosa observação: (“A Igreja, a Reforma e a civilização” L. II. C. I). “Raras vezes a vida licenciosa vai desacompanhada dos excessos intemperantes da mesa. Em Lutero a febre de concupiscência carnal era estimulada pela embriaguez e pela crápula. No beber, diz ele, não quero que os outros entrem em competição comigo”. Escreverá mais tarde à sua Catarina: “Vou comendo como um boêmio e bebendo como um alemão, louvado seja Deus!...” Em 1534 escreveu: “Ontem, aqui, bebi mal e depois fui obrigado a cantar; bebi mal, e sento-o muito. Como quisera ter bebido bem, ao pensar que bom vinho e que boa cerveja tenho em casa, e mais uma bela mulher” (De Wette IV. 553). Escreveu ainda: “Aqui passo todo o dia no ócio e na devassidão” (Ego otiosus hic et crapulosus sedeo tota die) (De Wette II. 6). Na noite em que o reformador, com companhia de outros, chegou a Erfurt (19 de out. 1522) “... não se fez senão beber e gritar, como de costume”, escreve Melanchton presente à cena “Os excessos do copo chegaram a fazer-lhe mal à saúde”. O motivo destas libações copiosas e estonteantes é confessado pelo próprio Lutero, numa carta dirigida a seu amigo Jerônimo Weller: "Quando o diabo te vexar com pensamento", diz ele, "palestra com os amigos, bebe mais largamente, joga, brinca ou ocupa-te em alguma coisa. De quando em quando se deve beber com maior abundância, jogar, divertir-se, e mesmo fazer algum pecado em ódio e acinte ao diabo, para não lhe darmos azo de pertubar-nos a consciência com ninharias. Quando te disser o diabo: Não bebas, responde-lhe: Por isso mesmo que me proíbes, é que hei de beber, e em nome Jesus Cristo beberei mais copiosamente... Por que pensar que eu bebo assim com mais largueza, cavaqueio com mais liberdade, banqueteiome com mais freqüência, senão para vexar e ridicularizar o demônio que me quer vexar e ridicularizar?... “TODO O DECÁLOGO SE NOS DEVE APAGAR DOS OLHOS E DA ALMA, a nós tão perseguidos e molestados pelo diabo” (De Wette IV. 188). Eis Lutero na realidade das suas idéias e da sua vida... e muito longe de ser “o reformador” místico que os protestantes inventaram, de cabeça coroada de louros, ele tem ocultos os pés que rastejam na mais nojenta lama do vício e da podridão. É triste escrever tais coisas... Infelizmente, tudo isso é verdade. Mais lamentável ainda é escondê-las, fazendo acreditar que tal homem é um mensageiro de Deus, para restabelecer a pureza do Evangelho e da moral cristã. Pode haver abusos nos membros da Igreja Católica, mas nunca houve, nem haverá maiores que os do pretenso reformador do catolicismo. Admitir a missão divina de Lutero é o mesmo que aceitar tenha Deus escolhido a lama para purificar o lodo; a imoralidade para corrigir as misérias humanas; a bebedice e a intemperança par suplantar os defeitos dos homens. 4. A LIBERDADE EVANGÉLICA Já conhecemos a vida moral de Lutero, o qual ele mesmo atribuiu ao demônio, podendo-se, por isto, intitulá-la diabólica. Não pensemos, entretanto, ficasse Lutero dormindo a dia inteiro. Seu temperamento exaltado e buliçoso não lhe permitia repouso e, apesar da vida libertina e gastronômica que levava, podia estudar e escrever, continuando os seus ataques à Igreja e a sua propaganda subversiva. Os seus amigos de Wittemberg mandaram-lhe secretamente os livros e escritos começados, para que os levasse a termo. Seu principal cuidado foi ultimar uns tratados interrompidos, versando sobre o Magnificat, o comentário dos salmos, assim como acabar uns panfletos incendiários. Em seguida, pôs-se a traduzir o Novo Testamento, terminando-o em pouco tempo. Esta tradução, sob o aspecto exegético, pode qualificar-se uma verdadeira miséria, seja pelas idéias heréticas nele contidas, seja pela fraqueza dos comentários; apesar de todos os literatos alemães estão de acordo em dizer que linguagem lê suave e harmoniosa. Este Novo Testamento, revisto por Melanchton, foi publicado em 1522. É o único trabalho de fôlego, produzido por Lutero em Wartburgo. Entrementes, as idéias lançadas pelo herege, no fértil terreno da corrupção da época, principiavam a germinar e produzir os seus frutos. Os primeiros resultados, como sói acontecer em tempos de decadência moral como aquele, tiveram por mira principal a NEGAÇÃO DA CASTIDADE. Só se passou a pensar em mulheres e em casamentos. O próprio Lutero ficou horrorizado com a propaganda casamenteira operada pela sua doutrina e pelo seu exemplo. Eis o que escreve: “Que coisa mais perigosa pode haver do que excitar esta multidão de celibatários a contraírem matrimônio, tomando como apoio passagens bíblicas tão incertas e escassas? As conseqüências estarão mais perturbadas do que agora. Bem desejava eu tivessem os celibatários toda liberdade; não sei, porém, ainda, como provar isso” (Corresp. III. 218. Aug. 1521. Os seus amigos Bartolomeu Feldkirch, Carlostadt e Melanchton, eram de acordo deverem ser rejeitados e anulados os votos. Lutero bem o queria: contudo, não teve coragem de tão abertamente contrariar a Bíblia. Muito embora, está ele pela afirmativa... vai procurá-lo, pois, até descobrir qualquer texto possível de ser adaptado à sua idéia. Para ele a liberdade evangélica é o princípio central de todas as concepções religiosas, de modo que tudo se deve curvar perante este postulado básico em virtude do qual pôde ele, cinco semanas depois, escrever a Melanchton estas palavras: “Quem fez votos, com uma intenção contrária à liberdade, está desimpedido deles. Nesta regra estão incluídos aqueles todos que fizeram votos com o intento de procurar a salvação ou a justificação. Ora, a maior parte dos religiosos fez votos com esta intenção. Logo, é bem claro serem ímpios, sacrílegos e estarem em oposição ao Evangelho; é preciso, por conseguinte, libertá-los todos e afastar deles a maldição” (Correspond. IIII, 224. Sept. 1521). Lutero era monge, fizera votos; ei-lo com o meio de sacudir o jugo. E tal proceder abria caminho a uma renegação geral dos votos por todos os monges e religiosos; era a libertinagem ao alcance de todos, e a licença para que sacerdotes e freiras abraçassem a vida matrimonial, apesar do texto bíblico que tanto atrapalhou Lutero: “Fazei votos ao Senhor vosso Deus, e cumpri-os” (Salmo 75,12). Assim se expressa a Bíblia. Lutero, ao invés , em virtude da liberdade evangélica, de outro modo interpreta o acima: NÃO FAÇAIS VOTOS A DEUS, E TENDO-OS FEITO, NÃO OS CUMPRAIS. Eis a nova reforma, o novo Evangelho de Lutero: a Liberdade evangélica. Ensinava a moral católica não existir liberdade para se praticar o mal; o reformador, porém, pretende mudar tudo e legisla que a liberdade é completa, especialmente para se fazer o que não presta. Com efeito, da nova descoberta do falso frade veio um breve à luz uma novo escrito “sobre os votos religiosos”. Tal brochura foi bastante apreciada pelos contemporâneos sinceros: Gaspar Dietenberger, refutou-a, escreveu: “Julgar-se-ia quase que tal livro, cheio de idéias de vingança, foi redigido por um bêbado, ou, antes, por um espírito saído do inferno”. João Dietenberger, por seu turno, apreciou-a assim: “É um livro repleto de mentiras, de blasfêmias e de insultos” (Grisar I. 398, nota 4). O certo é que tal panfleto foi uma semente nova a sair em terreno propício, vindo exaltar muitos espíritos perturbado-os e lançando-os na estrada larga da libertinagem. Deste modo, a castidade, tão aconselhada por Jesus Cristo, foi abolida pelo pretenso reformador e purificador do cristianismo. Que total divergência não se nota entre o divino modelo da pureza, o divino Salvador, proclamando bem-aventurados os puros de coração, e o libertino e gastrônomo de Wittemberg, anatematizando a pureza e declarando felizes os devassos de vida... Que contraste entre ambos!... No entanto, é de se pasmar, ao ver tanta gente e, até, nações inteiras abandonarem a crença na Igreja fundada por Cristo, para darem ouvidos às elucubrações de Lutero. 5. SAÍDA DE WARTBURGO Lançara Lutero a semente de revolta que devia medrar em breve. “Quem semeia vento recolhe tempestades”. E estas estavam se armando, anunciando-se ameaçadoras. Os insurrectos contra a Igreja Católica pediram a intervenção de Frederico de Saxe, protetor de Lutero, a fim de que desse mão forte à reforma, acabasse com os conventos, entredissesse a Missa e obrigasse o povo a adotar o novo Evangelho luterano.Era a aplicação do princípio: a força precede ao direito. O príncipe hesitou e não teve ânimo de lançar-se em tão perigosa empresa. Mas o fanatismo é uma verdadeira moléstia de nervos; não raciocina mais, é uma OBSESSÃO que deseja alcançar o fim, custo o que custar. Informado de tudo, não pôde mais Lutero aguentar a sua solidão de Wartburgo; mais fanático do que os que ele havia fanatizado, pretendeu vibrar um golpe definitivo. Secretamente abandonou o seu esconderijo, dirigindo-se dali para Wittemberg, para de tudo se informar. Achou o terreno mal preparado e, às ocultas, disfarçado em cavaleiro, regressou ao velho castelo, onde se deu à composição de uma nova brochura intitulada: “Aviso Fiel”, dirigida a todos os cristãos, pedindo-lhes impedissem a revolução que se estava urdindo. Era tarde demais. O germe da rebeldia, por ele lançado, estava desabrochando e produziria funestos resultados. O pedido de paz não produziu efeito. Lutero seria coagido a reconhecer ser mais fácil pregar a revolta nos pacíficos do que obter a pacificação dos rebelados. Wittemberg estava em pé de guerra. Carlostadt, que tão triste figura desempenhara em Leipzig, quis substituir Lutero, assumindo também ares de reformador. Pondo-se, então, a aplicar as teorias do mestre, proclamou publicamente que o casamento devia ser prescrito a todos os ministros do Evangelho, enquanto introduzia a Ceia em substituição à missa romana. No dia de Natal foi a novidade executada pela primeira vez. Carlostadt celebrou a Ceia na Igreja paroquial com pão e vinho distribuídos a todos os presentes; em janeiro seguinte o novo chefe evangélico entrou solenemente no templo, ao lado da mulher escolhida com quem se casou, conforme a liberdade evangélica. Os frades de Wittemberg adotaram logo o regime novo; queimaram os altares e as imagens de santos, introduziram publicamente a reforma e começaram a casar-se, seguindo o exemplo de Carlostadt. Parte da população aplaudiu o acontecido, enquanto outra quedou-se horrorizada à vista de tanta sem-vergonhice. Os tumultos aumentaram cada vez mais, a ponto de inquietarem o governo, que dirigiu rigorosa queixa aos Bispos e a Frederico de Saxe, dando-lhes ordem de encarcerar e castigar os perturbadores da ordem e da paz religiosa. Lutero, que até então observava o movimento, achou azado o momento para se tornar importante. É que se, por uma parte receava ser considerado covarde pelo povo, fugindo, depois de atear o fogo ao mundo e receando as conseqüências do incêndio, por outra, via ameaçada a sua obra reformadora. Era, pois, a hora de manifestar-se. Ele logo viu ser impossível aos bispos e às autoridades conter a revolta, generalizada como estava. Era preciso fazer qualquer coisa de urgente. Era a sua pretensão. A 1º. De março deixou ele o refúgio de Wartburgo, dirigindo-se para Borna, cidade ao sul de Leipzig. Foi daí que escreveu a Frederico de Saxe, implorando-lhe proteção e pondo-se ao seu dispor, na tarefa de pacificação do povo. A 6 de março Lutero, disfarçado de Cavaleiro Jorge, entrou Wittemberg, revestiu-se novamente da batina, cortou a barba e no domingo seguinte apareceu na igreja dos agostinianos, para do alto do púlpito começar uma pregação pacificadora. Custasse o que custasse, desejava deter a população exaltada e restabelecer a paz. Caso contrário, bem o sabia ele, estaria perdida a sua causa. 6. FIGIMENTO HIPÓCRITA Lutero iria fingir um recuo a fim de agradar ao príncipe Frederico de Saxe e ao governo que o considerava fautor da revolução em marcha. O herege não hesitou... Do mesmo modo por que sabia blasfemar e caluniar por ódio, também era hábil em mostrar-se hipócrita e diplomata. Pronunciou 8 conferências para declarar a revolução oposta à liberdade evangélica, dizendo-se contristado ao ver o povo precipitar os acontecimentos em vez de se mostrar paciente e calmo. “Segui-me”, exclamava então, “eu nunca fui mal sucedido em minhas empresas; aliás, sou o primeiro a quem Deus confiou a missão e o encargo de pregar-vos esta doutrina”. A eloqüência popular e entusiasta de Lutero triunfou, e Wittemberg lhe ficou fiel; Carlostadt foi coagido a recuar e a fugir, até que em 1541 a peste pôs fim à sua vida exaltada, na cidade de Bazel. Sob a direção de Lutero, a igreja de Wittemberg foi consertada. Decorada como estava antes, e os frades apareceram de novo, revestidos dos paramentos sacros, para presidir e executar os ofícios, enquanto ressoavam hinos litúrgicos. Durante a missa a hóstia foi de novo levantada e mostrada ao povo. Exteriormente, nada se alterara ao Santo Sacrifício. Tal organização, porém, não passava de uma dissimulação, arranjada para pacificar os ânimos e completar a reforma. Lutero suprimia nas orações da Missa tudo o que lhe imprimia o caráter de Sacrifício, pois não a admitia como sendo a continuação incruenta do Sacrifício do Calvário, considerando-a simplesmente uma lembrança. Cochleus, seu auxiliar na heresia, e diversos outros não aceitavam estas cerimônias fictícias, por condenarem uma demonstração tão fingida. Respondeu-lhes o reformador que não se devia retirar o Sacramento da Eucaristia, antes de ter sido bem compreendido o PURO EVANGELHO (no sentido luterano). A obrigação imposta pela Igreja católica aos seus ministros, segundo a qual devem eles pronunciar em voz sumida lãs palavras do Cânon, facilitou os atos de novo culto, sem que o povo notasse a diferença entre as novas e as antigas cerimônias. Lutero pôde falar com toda razão: “Graças a Deus, as nossas igrejas, nas coisas neutras, são organizadas de tal maneira, que um leigo, seja francês ou espanhol,s que não entende a nossa prédica, ao ver a nossa, o nosso altar, os nossos paramentos, ao ouvir os nossos órgãos e os nossos sinos, têm de confessar estar assistindo a uma verdadeira missa papal” (W.Erl. l55.300). O povo ignorante não notou a diferença entre os dois ritos, nem deu pela reforma, de modo que mais tarde Lutero pôde ufanar de ter realizado o que era quase impossível no começo: abolir a Missa que havia lançado raízes tão profundas no coração dos homens. E em tom de júbilo exclamava: “Que Deus me deixe morrer de morte natural, e terá iludido os papistas, que não terão podido queimar vivo aquele que deste modo lhes destruiu a Missa” (Coll. Ed. Bindseil, 122). Esta subversão total da missa católica, da qual Lutero suprimiu o sacrifício eucarístico, e conservou apenas simples orações, sem significação e sem valor, porque desligadas daquele, depois de ter sido batizada solenemente por Lutero com o nome de “Missa alemã”, foi introduzida em Wittemberg, no ano de 1523. Somente três anos mais tarde foi a língua latina substituída pela alemã. 7. CONCLUSÃO A estadia de Lutero no castelo de Wartburgo é das páginas da história de sua vida a que melhor nos descobre e transmite os sentimentos do espírito turbulento, do estado do coração viciando e da vontade votada ao mal do pobre e infeliz renegado. Na exaltação do mundo e na embriaguez do sucesso o homem sensato pode às vezes desviar-se, por falta de reflexão; mas quando se encontra solitário, na placidez do isolamento, uma pessoa sensata reflete, compara e dá pelo mal dos erros cometidos. Com Lutero, entretanto, nada disso aconteceu. Condenado pela autoridade civil, como perturbador da ordem pública; excomungado pela Igreja, como herege; humilhado nas discussões públicas, onde foi convencido de má fé e de ignorância; exilado da sociedade pelo Governo; recolhido por proteção num castelo solitário, Lutero, após uma breve hesitação permaneceu o mesmo homem exaltado, rancoroso, teimoso em suas idéias, fanático em sua revolta. E, o que é pior, ele juntou aos erros de seu espírito as paixões vergonhosas e excessos de toda sorte. Foi verdadeiramente um infeliz, um decaído, um vulgar comunista, como diríamos hoje. E, após dez meses de tal vida, quando era de se esperar estivesse arrependido e transformado, eilo reaparecendo em público, não para reparar o mal, mas a fim de encobri-lo um instante por meio da máscara da hipocrisia, debaixo da qual continua a sua obra nefasta de ódio e de destruição. E, então, insulta, vitupera e arrasta até à lama o nome de Deus, atribuindo tudo à influência, diabólica e, ao mesmo tempo nutrindo em si e manifestando a convicção de ser mensageiro do céu para endireitar o mundo. Tal contraste não pode nascer bem subsistir num espírito equilibrado, mas somente num anormal e obsesso como ele. Esta idéia manifestou-a claramente na carta que escreveu ao seu protetor Frederico de Saxe quando lhe comunicou o seu projeto de deixar Wartburgo, para retornar a Wittemberg. “Vossa Alteza talvez não saiba, mas fique sabendo que eu não recebo o Evangelho da mão dos homens, mas unicamente do céu, de N. S. Jesus Cristo, e que, por isso, posso intitular-me, como doravante o farei. Apóstolo e Evangelista” (Correspond. III. 296, 5 de março de 1522). Não é para causar admiração tenha Lutero chegado a tal pretensão. O orgulho, que desde o começo o caracterizava, e o desequilíbrio da sua mentalidade, diante do sucesso e da popularidade que lhe haviam conquistado o entusiasmo e eloqüência fogosa, devia fazer surgir nele a idéia de ser um ENVIADO DE DEUS. Quando se viu ao mesmo tempo aclamado pela multidão e combatido pela autoridade de Igreja, restaram-lhe dois caminhos abertos perante ele: ou retroceder ou revoltar-se; noutros termos: ou reconhecer os erros, ou atribuir-se uma missão divina. No último, ele sentia que a demasiada soberba não lhe permitia humilhar-se, como não acreditava sinceramente em tal missão. A sugestão do resultado alcançado, dos aplausos recebidos, foi-lhe infiltrando no orgulhoso espírito a possibilidade da empresa, e, enfim, a probabilidade da mesma. Lutero passou a ser um joguete dócil nas mãos de Satanás, que dele se servia como de um instrumento, para dividir a Igreja de Cristo e perder as almas, cuja falta de fé as reduzia a frutos apodrecidos da grande árvore católica – EX FRUCTIBUS EORUM COGNOCETIS EOS (Mateus 7, 80) CAPÍTULO VII SANGUE E LAMA Muito mais lamentável que os períodos anteriores – pois que todo salpicada de sangue e manchada de lama – é esta nova quadra da existência de Lutero, que vamos percorrer. Até aqui vimos seguindo, passa a passo, o estado de rev9olta, a decadência do mísero transviado, a princípio nos estreitos limites do convento, depois na universidade, afinal, até em Wartburgo e Wittemberg. Até agora vimo-lo lançando a semente; verifiquemos agora o resultado da sementeira do mal e das instigações por ele feitas contra a Igreja. O reformador continuou a sua obra de aparente pacificação, mas sob o disfarce da hipocrisia ia firmando a sua tarefa de destruição e de revolta. Falecera havia pouco o Papa Leão X, sucedendo-lhe no trono Adriano VI, no governo da Igreja. O novo sucessor de São Pedro, ansioso de paralisar a situação na Alemanha, pensou logo em reunir um Concílio geral, no ano seguinte, em 1523. As instâncias de Adriano VI não lograram correspondência, devido a desconfiança geral, conseguindo apenas a promessa – não executada – de entredizerem a Lutero novos ataques e reformas, enquanto não se efetuasse a reunião conciliar. Estas garantias foram pura falsidade, pois Lutero continuou, sem interrupção, a dirigir seus ataques contra a Igreja e, por outra parte, não veio a efetuar-se a celebração do Concílio, por motivo da morte do Papa em 1523. O seu sucessor, Clemente VII, abandonou o plano que se tornou irrealizável, devido à guerra entre a França e o Imperador. É nesta atmosfera de dúvidas, de incertezas, de descrédito, que se inaugura a nova época da vida de Lutero, que passamos a ver. 1. A GUERRA DOS CAMPÔNIOS Já no decurso dos últimos anos, haviam sido registradas várias sublevações dos camponeses; sendo, porém, movimentos locais, foi possível imediatamente reprimi-los. As insinuações subversivas e os panfletos incendiários de Lutero haviam preparado este movimento revolucionário, generalizando-se o levante em várias províncias da Alemanha. As pretensões dos sublevados divergiam em seus pormenores. Os camponeses da Suábia haviam redigido uma proclamação em doze artigos, exigindo para eles o direito de eleger e de depor párocos, difundir publicamente a reforma, obter isenção de vários impostos e exigências partidas do Império. Outros, dirigidos por Helferich, apresentaram trinta artigos, quase inteiramente colhidos nos livros de Lutero, a ponto de o 18º. Artigo fazer jurar inimizade a todos os que não aderissem ao reformador. Os camponeses da Renânia exigiram a liberdade para todos os revolucionários detidos pelo governo. A revolta dos Campônios tornou-se deste modo um movimento social-religioso, cuja orientação estava sujeita às idéias e aos impulsos do mestre, que de tudo se inteirava, pelo seu julgamento e beneplácito. O apóstata, jogando com a sorte do país, pressentia ser o momento próprio para aproveitar o descontentamento popular e a hesitação dos governantes, a fim de lançar entre eles a discórdia, e atrair para si as forças em luta. Por isso, procurou agradar aos partidos, censurando os príncipes diante deles, como bem o demonstra a sua correspondência de então. A revolta começou no verão de 1524s, em Hegau, e pouco depois se alastrava por diversas partes da Alemanha (Suábia, Alsácia, Palatinato, etc.), ficando apenas poupada a Baviera, graças ao tacto e à energia governamental. Na primavera de 1525, após ter excitado os camponeses, o reformador os exortou à paz, censurando os 12 artigos, porém a sua palavra, continuadamente em contradição, não teve eco, tanto mais que, ao mesmo tempo, acusava os príncipes de intoleráveis exações, sendo isso um novo motivo de exasperação para os ânimos dos rebeldes. A luta não cessou, pois, e mais de 1.000 castelos e mosteiros foram arrasados, sendo preciso usar de força armada para deter os rebelados. A reação dos príncipes tornou-se então decidida, e aproximadamente 50.000camponeses caíram vítimas da luta, sob as armas dos rebeldes. Em seu escrito “contra os bandos rapaces de camponeses”, Lutero exortou os príncipes a matarem dos lavradores COMO CÃES DANADOS. O conselho foi seguido em toda a parte, de modo que a sublevação só foi dominada em 1525, após verdadeiros massacres em massa, sem misericórdia e sem julgamento. A sua opinião, aliás, sobre os habitantes dos campos não tinha caráter mais favorável. Ouçamolo: “Os camponeses não queriam escutar nada; por isso, era preciso abrir-lhes o ouvido com balas de espingarda para que a sua cabeças voassem pelos ares” (Grisar v. Lther vol.l. p.7l5. Ed. 7912). “Não quero saber nada de misericórdia”, diz ele ainda, “como já escrevi, escrevo ainda: ninguém se deve compadecer dos camponeses teimosos, obcecados, cegos, mas bater neles com cordas, pau e foice, como de faz com cães furiosos. “Eles são, com certeza, revoltosos, ladrões, assassinos e blasfemadores, de modo que entre eles não há nenhum que não tenha merecido dez vezes a morte sem compaixão. O senhores compreendem o que está atrás desta populaça; o burro quer pau, e este povo quer ser governado pela força...” E o furioso hipócrita conclui indicando o motivo da revolta, “o diabo tem em mira” declara ele, destruir a Alemanha inteira, porque não há outro jeito de implantar o Evangelho!”. Faz ainda esta bela apreciação do povo “Os campônios permanecem campônios; faça-se-lhes o que quiser, têm o rosto, o nariz e os olhos tortos” (Schlaginhaufen Leipzig, 1888, p. 125). Compreende-se que, depois destas mudanças de opinião, os operários perdessem a estima para com aquele que os traiu tão vilmente. Lutero sentia este desprezo e temia a vingança popular. Em 1530 não teve coragem de visitar o pai doente e escreveu: “Não quero tentar a Deus, expondome ao perigo, pois sabes quanto me desprezaram senhores e camponeses” (Corresp. VII.. 230 a Hans Luther). 2. LUTERO E O POVO Após estas cenas, algumas entre elas sangrentas e desumanas, percorramos um instante as cartas e os folhetos de Lutero, para ver de perto a infâmia do pretenso reformador excitando o povo contra a autoridade e a autoridade contra o povo, com o fim previsto. Num sermão ele sugere o modo como deve ser tratado o povo, nestes gentis termos: “Porque Deus deu a lei, e ninguém a observa, ele instituiu, como suplemento, os senhores da vara, os condutores e os castigadores. Assim a Escritura, por semelhança, dá a função dos legisladores: eles devem ser como os homens que conduzem mulas; é necessário constantemente subjugá-las e chicoteálas; de outra forma não caminharão. Assim também os legisladores são para conduzir, bater, sufocar, queimar, degolar e destruir o vulgo” (Erlangen ed. XV. 2 p.276). O novo evangelho de Lutero apresenta, em mais de um ponto, uma admirável semelhança com velho paganismo romano. O reformador era pior que Herodes, na sua reflexão sobre os pobres lavradores chacinados na revolução, pelo destino dos quais ele se tornara duas vezes responsável. Notáveis historiadores protestantes confessam francamente ter ele sido a causa imediata de revolta feita em nome do novo Evangelho. Entretanto, não satisfeito com a derrota dos pobre camponeses, ele estimulou os príncipes à matança. Eis o que, anos depois, o sanguinário reformador teve a coragem de exclamar: “Eu, Martinho Lutero, na rebelião, matei todos os burgueses, pois fui eu quem ordenou que eles fossem levados à morte. Todo o seu sangue está sobre a minha cabeça; mas o deixei com Deus, Nosso Senhor, porque ele me ordenou que assim fizesse” (Tischredden Erlangen ed. Vol.69, p.284). É fácil compreender como Lutero, a quem faltava dignidade e brio, moral e ponderação, chegou a extremos tais. A princípio ele foi favorável aos príncipes em quem depositava esperança de destruir a Igreja católica, impondo à força a sua reforma ao povo, caso esta não a aceitasse de boa vontade. Quando se viu frustrado em suas esperanças, voltou-se para o povo, pensando que o mesmo efeito poderia ser produzido por um movimento popular. Este final, porém, foi desastroso e teve com conseqüência a revolta dos lavradores. Não foi a carnificina e a destruição que o fizeram virar contra o povo, mas a vingança, por não querer aceitar o seu novo Evangelho, como ele o entendia. O povo revoltado preferia seguir o EXEMPLO de Lutero, e não os seus CONSELHO, e queria interpretar por si mesmo as escrituras como o reformador fazia. É o que causava indignação ao apóstata. Era heresia contra heresia, era o cisma em sua própria doutrina. E isso ele o considerava um crime de morte. Os príncipes luteranos se viam também agora em perigo. Que seria então da reforma, se o povo os vencesse? ... Lutero ficou frenético de raiva e, voltando-se contra a sua própria classe, pôs todo o seu poder ao lado dos príncipes. Em termos de uma violência diabólica, ele pediu a todos que “abatessem, apunhalassem e matassem os camponeses, publicamente, secretamente e de qualquer modo, como cães danados” (Hussein: O que Lutero ensinou). 3. LUTERO E A AUTORIDADE Já conhecemos fartamente suas teorias sobre o poder religioso e civil. Citemos apenas uns curtos trechos de seus escritos a este respeito. Eis palavras suas: “Seria melhor que todos os Bispos fossem mortos, todas as fundações e mosteiros demolidos radicalmente, de preferência à morte de um só crente.. A coisa mais conveniente que lhes podia suceder seria uma poderosa revolução que os varresse da face da terra. E seria somente objeto de alegria, um tal acontecimento” (Weimar ed. Vol.X 2 p.3). E o revoltoso em linguagem cada vez mais furiosa continua: “Todos aqueles que ajudarem e arriscarem a sua vida, bens e honra, para destruir os bispados e extirpar o regime dos bispos, serão os filhos querido de Deus e verdadeiros cristãos, enquanto os homens que os suportam serão os próprios escravos do demônio” (Weimar p.140) Não podiam os camponeses interpretar tais palavras senão como uma declaração de GUERRA SNATA e, assim, de fato, as entenderam. Palavras de paciência eram ditas por Lutero, somente, para serem retratadas no dia seguinte com uma tempestade de invectivas... Do mesmo modo as autoridades civis eram denunciadas como „PIORES O QUE LADRÕES E VELHACOS” . “Um saco de vermes” – era como intitulava o imperador, enquanto declarava abolida toda a autoridade contrária ao seu Evangelho, oposta às suas heréticas idéias. 4. CASTIDADE E CASAMENTO Acabamos de ver a ação exterior de Lutero: é um homem sanguinário. O que vimos é apenas uma das facetas de sua pessoa. Lembremos-nos do que ele era no interior, julgando-o, pelas suas próprias palavras, crapuloso, entregue aos prazeres da mesa e da voluptuosidade, como atrás já se disse. Havia anos que o reformador, em nome de liberdade evangélica, entrara no caminho da libertinagem, abolindo os votos religiosos e convidando monges e monjas a abandonarem os seus conventos, a renegarem os seus votos, especialmente o de castidade, PALAVRA SEM SENTIDO e aspirações sem realidade para o reformador. Afinal começou a exaltar o matrimônio e a fazer acreditar que a Igreja Católica considera como pecados mortais todas as palavras e ações das pessoas casadas. Nenhum católico jamais acreditou nesta absurda doutrina, pois em parte alguma a vida conjugal é considerada tão altamente e tida como tão santo e sagrada, como na Igreja Católica. Apreciando a castidade do estado virginal, como sendo mais excelente e espiritualmente mais desejável do que a vida matrimonial, a Igreja não rebaixa a esta última, mas apenas repete os ensinamentos positivos de Jesus Cristo e de São Paulo: “Todo aquele que tiver deixado... mulher... por amor de meu nome, receberá o cêntuplo neste mundo e a vida eterna (São Mateus, 19,29). “Quem dá a sua filha em casamento faz bem; mas quem não a dá faz melhor! (1 Cor. 7, 38). Vejamos aqui a tríplice mudança que Lutero introduziu no matrimônio. EM PRIMEIRO LUGAR, NA Igreja o Matrimônio é um SACRAMENTO. Lutero tirou-lhe o seu caráter sacramental, secularizando-o inteiramente... dando-lhe menos valor que ao contrato civil hediondo. Para ele, casar é uma coisa externa, necessariamente, tanto quanto o comer, o beber e o dormir (Erlangen XVI. P.519). Por isso, o reformador tira esta bela conclusão: “Como eu posso comer, beber, dormir, passear, cavalgar, negociar e tratar com um pagão, judeu, turco e herético, assim também posso casar e permanecer como casado” (Erlangen p.205). EM SEGUNDO LUGAR, Lutero, e não a Igreja, é quem ensinou que o matrimônio era inevitavelmente pecado. Eis a curiosa expressão dele: “A obrigação matrimonial nunca é desempenhada sem pecado” (Weimar vol. XX. 2 p.304) Este pecado, que ele atribui aos casados, é descrito por ele como “...não diferindo em nada, por sua natureza, do adultério e da fornicação” (Ibd. Vol. VIII p. 304). Para completar o absurdo da sua doutrina, ele acrescenta que o pecado necessariamente cometido pelos casados, nada vale perante a misericórdia de Deus, “Visto ser impossível evitá-lo, embora sejamos obrigados a abstermos dele” (Ibid. p.654). Parece loquacidade de um bêbado, de um louco a falar sem lógica e sem saber o que diz. Imaginem: ¨UM PECADO – QUE NÃO SE PODE EVITAR – mas que é, entretanto, proibido!... Só mesmo Lutero para imaginar três contradições tão ridículas e vergonhosas. EM TERCEIRO LUGAR, Lutero considera o casamento como uma rigorosa obrigação, apoiando-se erradamente sobre a bênção de Deus, no paraíso, que ele interpreta como lei universal: CRESCEI E MULTIPLICAI-VOS, Palavras dirigidas, por certo, a homens irracionais, mas não como um ORDEM a todo indivíduo em particular e, sim à espécie humana que, pela fecundidade e expansão, devia propagar-se e encher a terra. Deste modo Lutero criou um novo mandamento, colocando-se em oposição às palavras de N.Senhor e de S. Paulo já citados, que recomendam altamente a virgindade, mas não impõem este estado como preceito. Numa carta ao Arcebispo Alberto, em 2 de junho de 1525, ele explica assim a sua lei, até então desconhecida: “É uma coisa terrível para um homem achar-se sem mulher na hora da morte. Ele deve ter ao menos a intenção e a resolução de se casar”. Que horror! Que há de fazer um moribundo? Só se casando na outra vida, apesar da palavra do mestre: “NA RESSURREIÇÃO, NEM OS HOMENS TLERÃO MULHERELS, NEM AS MULHERES TERÃO MARIDOS; MAS SERÃO COMO OS ANJOS DE DEUS NO LLCÉU” (Mateus 22,30). Lutero continua: “Que resposta dará ele ao Altíssimo Deus, quando este perguntar: “Eu te fiz homem, não para estares só, mas teres mulher. Onde está a tua mulher?” Eis Lutero reformando a S. Paulo, que disse: “É BOM QUE O HOMEM NÃO TOME MULHER” (1Cor. 7,1). Ele continua descaradamente a expor suas opiniões casamenteiras, infringindo doas as leis do pudor: “A palavra de Deus e a sua obra são evidentes: a mulher deve ser usada para o matrimônio ou para a luxúria” (Erlangen. Vol. 61, pág. 6) 5. O FEMINISMO DE LUTERO Eis aqui a lei de Lutero: “Todo o homem deve ter a sua mulher e toda mulher deve ter o seu marido” (Weimar. Vol.20 pág.276) Ele admite umas exceções, mas estas são feitas por Deus e são ADMIRÁVEIS e ninguém pode pretender a um tal milagre. Quereis agora saber como Lutero, o reformador enviado pro Deus, no conceito protestante, considera a mulher? Lede o seguinte tópico de uma das suas cartas: “O corpo das mulheres não é forte, e a sua alma é ainda mais fraca, no sentido comum. Assim lê um assunto sem importância que o Senhor coloque uma selvagem ou civilizada ao nosso lado. A mulher lê meio criança. Aquele que toma uma mulher deveria considerar-se como o guarda de uma criança... ela é semelhante a um ANIMAL CAPRICHOSO (ein tolles tier). Reconhecei a sua fraqueza. Se nem sempre passeia por caminhos direitos, guiai a sua fraqueza. Uma mulher permanece eternamente mulher” (Weimar – Vol. XV. p. 420). Eis uma pequena amostra de suas idéias neste assunto. Muitas outras passagens há em seus escritos, porém vergonhosas demais, paras serem citadas em público. É conhecida a licença dada por Lutero ao Landgrave de Hesse, para ter duas mulheres ao mesmo tempo. O reformador dá-lhe a licença pedida, exigindo segredo, porque, diz ele, “... a seita protestante é pobre e miserável, e precisa de justos legisladores” (De Wette vol. V – pg. 237). O direito de possuir muitas mulheres era abertamente pregado por Lutero: “Não é proibido ter o homem mais de uma mulher. Hoje eu não poderia proibir isto” (Erlangen vol. 33 – pág. 324). “Confesso”, diz ele ainda, “que se um homem deseja casar com muitas mulheres, eu não posso proibir isto, pois não é oposto à S. Escritura” (Ego sane fateor me non posse prohibere, si quis plures uxores velit ducere, nec repugnat sacris litteris) – (De Wette vol. II p. 459). Com tais princípios a porta da poligamia estava escancarada e cada qual, transpondo-a, podia trilhar o caminho da animalidade. O Landgrave de Hesse o compreendeu muito bem e melhor ainda o aplicou: “Se é justo em consciência perante Deus”, disse ele, “que me importa o mundo amaldiçoado?”. O adultério, com o consentimento do marido, é também expressamente sancionado pelo reformador, quando do casamento não resultar família. A criança, assim gerada, diz ele, deve atribuir-se ao marido legal (Weimar vol II. P. 558). Conservar uma amásia também é fortemente recomendado àqueles que por votos se devem conformar com a lei do celibato. O moralista da lama escreve sobre os transgressores das leis matrimoniais: “Deixemos que casem secretamente com a sua cozinheira” (Landerbach: Tagebuch, p. 198) Aos membros da Ordem Teutônica (cavaleiros seculares) a quem era imposto o celibato pela lei da cavalaria daquele tempo, e que pensavem pedir dispensa desta ao Concílio (o que lhes era permitido, pois eram seculares), ele escreveu assim: “Eu preferia confiar na graça de Deus com relação àquele que tem duas ou três concubinas a confiar em quem possui uma esposa legal com o consentimento do Concílio” (Weimar. Vol. XII p.237) Quando ao que o apóstata diz da esposa que recusas a sua obrigação, lê vergonhoso citar as palavras do inflame moralista. Ele escreve: “Se a mulher não quiser, deixemos vir a criada. O marido tem somente que deixar ir Vasti e tomar uma Ester, como o rei Assuero” (Ibid. Vol. X. p.290) “E se a esposa reclamar, o marido deve responder à admoestação: Vá para o diabo” (Ibid. vol III. P. 222). Passagens tais são abundantes nos escritos do reformador. Apesar de bastante repelentes, convinha citar estas, para mostrar a verdadeira fisionomia do libertino Lutero, o homem que os protestantes dizem divinamente apontado por Deus para a missão de reformar a Igreja Católica. Às vezes, de acordo com as necessidades, Lutero tem passagens diametralmente opostas a estas aqui mencionadas; é o resto da sua herança católica. O que está aqui expresso é dele e só dele; é a sua doutrina reformada – é o seu evangelho. Poderá uma senhora protestante simpatizar com este seu fundador e modelo que trata tão mal e desrespeitada de modo tão claro a fama e o pudor da mulher?... É simplesmente infamante e horrendo, baixo e vil o conceito de Lutero sobre as mulheres que garante serem todas impuras e pecaminosas (Erleangen vol. II pág. 66). Pobres protestantes, é para cobrirdes o rosto de pejo, diante de um tal pai... Suponho que não sois bons protestantes, porquanto, se o fosseis, seguiríeis o exemplo de vosso pai... e não acredito que o façais. Prefiro supor-vos maus protestantes, para vos poder considerar bons cristãos... homens de fé e pessoas de moral. 6. RAPTORES E RAPTADAS As idéias do “reformador” sobre o matrimônio nos revelam a podridão moral dele e da sociedade de então em plena decadência e sem freio moral. Numa atividade furibunda, febril, parecendo excitada pelo próprio demônio, Lutero multiplica pasquins dirigidos a todos, seculares e religiosos, homens e mulheres sem exceção. Leram-nos uns por curiosidade, atraídos pelo tom inflamado do estilo e, outros, por perversidade, a fim de com os maus levar avante a infernal Reforma. Até mesmo nos conventos as doutrinas perversas penetraram. Lutero considerava a castidade como um milagre conforme escreveu ao prior de Lichtemberg: “Os votos religiosos”, escreve ele, “são nulos, pois exigem o impossível. A castidade não está em nosso poder, como não está a faculdade de fazer milagres. O homem não pode vencer a inclinação natural ao casamento. Quem quiser ficar solteiro deve depor o título de homem e provar que é um anjo ou um espírito, pois Deus não concede isto a um homem”. O pobre prior, que por fraqueza sentia imenso desejo de depor o jugo divino, seguiu o conselho de Lutero e afinal se casou. Tais doutrinas atraíram certas monjas ou falsas freiras que haviam abraçado a vida claustral, sem vocação, por interesse ou por desgosto do mundo, achando elas na doutrina do falso frade um meio de se libertarem de um fardo que não podiam suportar, pois haviam abraçado a vida claustral sem vocação, por interesse ou por desgosto. Havia em Nimbschen, perto de Grimnia, um convento de Cistercienses, onde imprudentemente as superiores haviam admitido moças mundanas, que ali procuravam antes salientar-se do que santificar-se. Umas dentre elas entraram em entendimento com Lutero, que as aconselhou a deixarem o convento e a se reunirem perto dele a fim de se casarem. O reformador organizou um rapto, que confiou a seu amigo Leonardo Koppe, mestre na arte. Na quarta-feira Santa de 1523, com 16 companheiros, já invadira ele o convento dos franciscanos de Torgan, lançando por cima do muro os religiosos que se haviam oposto e arrancando portas e janelas, porque os franciscanos não aceitaram a reforma, nem a liberdade proposta. Koppe, sob as ordens de Lutero, preparou para as monjas de Nimbschen uma fuga dramática. No sábado de Aleluia entrou no convento com um carro coberto, cheio de mercadorias, para a provisão das religiosas. As monjas rebeldes ficaram de sobreaviso e tomaram as suas providências. Enquanto descarregavam a carga, 12 monjas sorrateiramente ocuparam o caminhão vago, sem que o resto da comunidade desse pela evasão das luteranizadas, que seguiram para Wittemberg, onde foram acolhidas por várias famílias protestantes. Lutero intitulou Koppe de “Bem-aventurado ladrão! E o comparou ao Cristo que também, tal um vencedor sublime, havia arrancado o seu reino das garras do príncipe do mundo. O pastor Amsdorf ofereceu logo uma das fugitivas em casamento ao vigário apóstata, dizendo como se se tratasse de coisa qualquer: “Se quiseres uma mais nova, podes escolher entre as mais belas” (Kolde Analecta Lutherana, p. 443) O que nos dizem os contemporâneos sobre a moralidade destas infelizes egressas às quais se havia pregado a inutilidade das boas obras e a irrestibilidade da concupiscência, é realmente doloroso e humilhante (Leonel Franca: Lutero e o Sr. Fr. Hansen). Melanchton, referindo-se às relações de Lutero com estas infelizes decaídas, deplorava a sua influência amolecedora, por se capaz de baquear os caracteres de mais rígida têmpera. Outro luterano, Eoban Esse, afirmava em 1523 que tais apóstatas não se deixavam vencer, em lascívia, por nenhuma cortesã (Nulla Phylles nonnis est nostri mammosior –Epíst. Fam. Morpugi p.87) 7. CATARINA DE BORA Entre as egressas, saído do convento por influência de Lutero, se achava Catarina de Bora. “Sem ser uma beldade, diz Grisar, Catarina ambicionava esposar Lutero ou Amsdorf”. Para ilaquear o seu preferido, multiplicou as armadilhas da astúcia feminina. Pelas referências contemporâneas, os precedentes de Catarina não recomendavam muito sua moralidade. A 10 de agosto de 1528, Joaquim de Heyden escrevia à própria Catarina, recriminando-lhe o haver entrado em Wittemberg, como uma bailarina, e de aí ter vivido com Lutero, antes do casamento, como uma miserável decaída (Enders Vol. VI p.334). Em 1523 já estivera em relações amorosas com Jerônimo Baumgastner, que mais tarde (1529) se casou com outra. No mesmo ano (1523) Cristiano [II], rei da Dinamarca, desterrado, passou por Wittemberg e aí conheceu Catarina, que deste encontro conservou como lembrança significativa o presente de um anel (Koestlin: Luter I. p.728). Eis os predicado de tal “nobre senhora, digna de todo respeito, pelos seus dotes de espírito e de coração” tal como os protestantes o pretendem. Vê-se logo, pelos fatos, que Catarina era uma criatura viciada, namoradeira, à cata de casamento, pouco diferindo de uma mulher perdida. Lutero se deixou “fisgar” por ela. É a palavra de Melanchton. Qual teria sido a vida e quais as relações de Lutero e de Catarina, antes do casamento? Pelo que vimos atrás descrito sobre a sua vida e os excessos praticados em Wittemberg, é difícil conjeturá-lo, se bem que a história não o relate, pois são coisas que não se descrevem e que o pouco de vergonha nele ainda existente o impedia divulgar. Escrevendo a Ruthel, conselheiro de Mansfeld, o reformador disse: “Se puder, a despeito do demônio, ainda hei de casar com Catarina” (De Wette II. p. 655). Todas as suas liberdades com ela transpareciam em público e davam pasto às murmurações e comentários desfavoráveis. O apóstata resolveu por termo a todos os boatos, pela realidade do fato. No sermão sobre o matrimônio Lutero havia dito: “Do mesmo modo que não está em meu poder deixar de ser homem, assim também não posso viver sem mulher, e isto me é mais preciso que o comer e beber” Considerando uma necessidade, o reformador quis satisfazê-la, e decidiu tomar por companheira a “sua” Catarina, ex-monja Cisterciense. 8. O “CASAMENTO” DO LUTERO Lutero seguiu de maneira apressada os conselhos que dava aos outros. Examinando de perto a história, nota-se claramente que não se tinha casado logo, depois de sair do convento, por medo de desagradar ao seu protetor Frederico de Saxe que manifestara várias vezes repulsa por estas “uniões de ex-monjas com ex-monges”. Em 5 de maio de 1525 Frederico faleceu... e em 13 de junho ecoou no mundo reformado, como uma novidade inesperada, a notícia do casamento do ex-monge de Wittemberg, “o enviado de Deus, para restabelecer a pureza do Evangelho e da moralidade”... O concubinato de Lutero foi, para Melanchton, um verdadeiro estampido de raio, tal o escândalo que lhe causou: os outros discípulos do chefe riram-se a valer. Para o mundo era uma novidade; para Lutero e Catarina era coisa velha... Na noite de 13 de junho foram realizadas, na casa de Lutero, as formalidades de tal concubinato, pelo pastor, ex-vigário de Wittemberg: Johan Bugenlagen. Poucas testemunhas foram admitidas. Somente puderam entrar Justus Jonas, o pintor Lucas Cranach e esposa, e o professor Dr. Apel. A festa exterior ficou marcada para os primeiros dias de julho. Eis Lutero e Catarina, ambos ligados pelos votos de castidade, feitos sacrílegos das suas promessas, não podendo casar-se, mas entrando solenemente numa vida de concubinato que duraria até a morte. Eis as sete principais razões que próprio Lutero aduziu para justificar a sua aliança sacrílega: 1) Fechar a boca dos que o acusavam de relações ilícitas com Catarina; 2) Compadecer-se da pobre monja abandonada; 3) Envergonhar os católicos que pretendiam que o casamento seja antievangélico (segundo Lutero); 4) Seguir o conselho de seu pai, que chamou os seus votos um obra do demônio; 5) Costurar a boca de seus amigos, que zombavam de seu plano de casar-se; 6) Resistir ao ódio do demônio, em conseqüência da guerra dos camponeses, pois estes estavam furiosos contra Lutero, devido às suas atitudes hipócritas; 7) Podemos juntar a isto a expectativa de Lutero segundo o qual brevemente o mundo haveria de acabar, e Deus o encontraria assim casado. Temos, deste modo, diante de nós um curioso fenômeno psicológico: um candidato à morte e ao casamento. Eis o que ele escreveu após o concubinato: “Com este casamento, eu me fiz tão covarde e desprezível; espero que os amigo há de rir, e que os diabos hão de chorar. O mundo, com os seus sábios, não reconhece ainda a fervorosa e santa obra de Deus e só para mim a consideram uma obra ímpia e diabólica”. O amigo de Lutero, Jerônimo Schurf, havia declarado pouco antes do amacebamento: “Se este monge tomar mulher, o mundo inteiro e até o diabo darão gargalhadas” (Annales Evangelii I. p.274). Erasmo ridicularizou assim o reformador: “Outros terminam tragédias com casamento; aqui é um drama que assim finda.” Entre os cômicos o barulho acaba igualmente pelo casório, e tudo fica em paz... Entre os protestantes acontece o mesmo... Lutero deu o exemplo... Ele se torna agora mais calmo e não se exalta mais tanto na pena. Ninguém é tão bravo que a esposa não possa acalmá-lo” (Op. Lugd. Batav. 1703, III Coll. 900 Dec. 1515). A 13 de maio de 1526, Erasmo teve de dizer o contrário da última frase, declarando estar Lutero mais furibundo do que antes. Eis como terminavam as façanhas de Lutero e onde terminam as farsas de todos os seus imitadores: os renegados e apóstatas. Todos eles podem repetir a frase de seu pai: carnis meae indomitae uror magnis ignibus, eis que deixei, em troca de uma mulher, a minha dignidade, a minha fé, e vendi a minha alma. É a história a repetir-se sempre: a mesma corrupção e idêntico remédio. Quando um infeliz sacerdote, roído no íntimo pelo cancro da impureza, lança ao mundo o seu EUREKA: “Achei a luz...” e publica o seu panfleto “Porque deixei a Igreja Romana”, basta apenas examinar-se atrás da cortina: ali estará oculta a “sua” Catarina. São apóstatas, porque são libertinos. Deixam a Igreja que exige a castidade de seus ministros, porque em suas almas entrou o vício da devassidão. São frutos que caem, por estarem apodrecidos por dentro. São capim inútil, ervas daninhas, que, segundo as expressão protestante de Klaus Harm, foram relegadas, porque, “quando o Papa limpa os seus domínio, joga o que não presta no arraial protestante”. 9. CONCLUSÃO É tempo de cessarmos a exposição de uma cena tão triste, mais parecida com um quadro de romance imaginário, que com um episodio da vida real. Tudo o que os adeptos do “pai” do protestantismo escreveram sobre os predicados morais do “grande homem”, não passa de invencionice. Elemento mais perdido e baixo é impossível aparecer. A pequena amostra acima é o suficiente para demonstrá-lo. E note-se bem nada ter sido aqui inventado, mas baseia-se tudo nos escritos do próprio reformador e de seus contemporâneos que, de certo, não aumentaram, mas restringiram o mais possível o lado vergonhoso dos fatos. Seria este crapuloso homem aquele que Deus destinara para reformador da Igreja Católica? O verdadeiro retrato de Lutero, o único que a posteridade pode admitir, é o que a nós foi transmitido pela história real e genuína dos fatos. À vista de tais delitos e baixezas, bem podemos repetir a palavra do divino Mestre: “EX FRUCTIBUS EORUM CONGOSCETIS ILLOS: Pelos seus frutos os conhecereis. Vimos de perto os frutos da reforma: são tristíssimos, mas são dignos rebentos da árvore que Lutero plantou com sua triste rebelião e o exemplo de sua mais deplorável vida. CAPÍTULO VIII OS ALICERCES DAS SEITAS PROTESTANTES Já conhecemos bem a vida de Lutero, para lhe podermos agora apreciar a obra. Rompeu ele com Roma, intitulando-a o “Anticristo!. Ora, se Roma, ou a antiga Igreja fundada por Jesus Cristo sobre Pedro, era, para Lutero, o Anticristo, afim de poder reformá-la e fundar a “sua seita”devia ele em tudo contradizer a instituição multissecular dos Papas. Por isso, a base do sistema da reforma foi: a NEGAÇÃO DE ROMA E DE TUDO O QUE ELA ENSINA. Um reformador sensato teria aceitado a doutrina católica e, após diligente exame, expurgá-la de tudo o que julgasse alheio à verdade. Lutero, porém sendo um insensato, um obsesso, um desequilibrado como estamos fartos de verificar, foi, pois, em tudo fiel ao seu gênio orgulhoso e extremista, começando pro se opor, de modo absoluto, à Igreja Católica. Se, para ele, no paganismo, no budismo, no islamismo, ao lado de erros podia haver coisa boa, no Igreja Católica tudo era ruim, perverso, e nada se aproveitava. Desde que Roma dizia: branco, Lutero exclamava: preto. Se a Igreja ordenava, Lutero proibia, de modo que a verdadeira definição de protestantismo de Lutero é: A NEGAÇÃO DE TUDO O QUE É DE ROMA E DE TUDOS O QUE ROMA ENSINA. Lutero quis fundar uma nova Igreja. Não se contentou, pois, somente com destruir o que encontrara: a negação não é realidade, é falta, ausência, e, como tal, não se sustenta por si; eralhe preciso, pois, algo positivo para fundamento da reforma. Vê-lo emos neste capítulo. 1. OS PRIMEIROS PROJETOS Ao principiar sua reforma, Lutero tencionava unicamente contradizer o Catolicismo, sem pensar em qualquer organização definitiva. Organizar uma igreja luterana: eis dois termos contraditórios, porquanto aquilo que implica subversão, prega anarquia e geral revolta jamais se pode chamar sociedade perfeita. Vendo o bom resultado de seu sistema de interpretação da Bíblia, o frade começou então a pensar num sistema, numa organização religiosa. A Igreja Católica com sua harmoniosa e bela hierarquia, sendo uma sociedade divino-humana, visível, independente dos poderes temporais, regida por Deus por intermédio do sucessor de São Pedro, a quem o Cristo havia confiado as chaves do reino de Deus, e a quem dera o poder de ensinar, de perdoar e dirigir, não podia ter equivalente, nem ser copiada; o que iria fazer o monge revoltoso?... Como executar o seu projeto?... Lutero refletiu, e o demônio, seu fiel inspirador, encaixou-lhe na cabeça um tipo de igreja ideal que consistiria numa união fraternal de crentes, conhecidos só por Cristo, a quem teriam por doutrinar e guia único. Para os adeptos bastaria a Bíblia; ela traria para cada um a inspiração direta do Espírito Santo. Tal é a primeira idéia-mãe do “reformador” e respeito da nova igreja. Começou ensinando: a igreja exterior é coisa do diabo. Jesus Cristo trabalha é interiormente, e nem de longe se pode pensar em igreja e em bispos. No entanto, Lutero compreendeu logo não ser durável tal coisa, sendo necessário haver, ao menos algum elemento visível na sua instituição.. Daí proveio a sua segunda concepção: a duma igreja do povo, um conjunto invisível de fiéis, sob a proteção visível do estado. A desilusão não se fez esperar e Lutero viu logo não poder contar com o povo, para seguir a sua doutrina, nem possuía bastante autoridade para e ele impor suas idéias caprichosas. Excitar à revolta é fácil... Obter a calma e obediência de um povo insubmisso é dificílimo. Pela terceira vez Lutero mudou de parecer e em 1526 pretendeu organizar uma igreja nacional, sob a direção imediata do poder temporal. Tal projeto, comunicado pelo inovador aos vários príncipes alemães, granjeou necessariamente a simpatia de muitos deles. A Igreja possuía grandes bens na Alemanha; desta sorte, a perspectiva de poderem apoderar-se de tudo o que ela possuía era para as autoridades um fator importante, para aceitarem a fundação da igreja do estado. Lutero pediu aos príncipes organizassem a visita religiosa às diversas igrejas, para obrigado o povo a adotar o Evangelho. Em 1527, sob a direção do reformador, o príncipe João de Saxe publicou a “Instrução regulamentando tal inspeção, reservando-se autoridade imediata sobre as coisas espirituais. A igreja nacional tornou-se uma igreja de força, pois a autoridade civil podia coagir os seus súditos a abraçar a religião que ela mesmo professava “CUJUS REGIO, ILLIUS ET RELIGIO”. A visita pastoral civil realizou-se pela primeira vez, em 1527, suscitando queixas e lamentos em toda parte. Para evitar abusos, foi inventado o cargo de superintendentes, confiado aos pastores das grandes cidades, com o fim de exercer uma vigilância geral sobre a doutrina e a moral. Na instrução dos visitadores, em 1527, mencionou-se uma INQUISIÇÃO contra leigos; e esta organização não foi letra morta, pois em 1529, em REINHARDESBRUNN, foram condenadas à morte seis pessoas, por terem abjurado a doutrina de Lutero. Este fato fez o protestante Wapples escrever: “... os princípios da liberdade evangélica, tão apregoada por Lutero, foram vergonhosamente contrariados por esta inquisição de leigos” (Grisar III 745). Eis já um ponto que começa a sobressair nítido, na balbúrdia das doutrinas luteranas. A igreja reformada, dependente do governo, devia ser visitada por duas autoridades: um visitador leigo, em nome do governo, e um superintendente, eleito pelos fiéis, para manter a doutrina. Era uma contradição flagrante: a igreja dependente do estado; e este podendo obrigar o povo a adotar a religião por ele professada; e o superintendente ficando simultaneamente encarregado de manter a unidade da fé e da moral. São duas autoridades em oposição e luta; são os dois SENHORES a serem servidos, o que é contrário aos ensinamentos de Jesus Cristo. Lutero quis fundar uma igrejola sobre uma base diferente da Igreja Católica; a tal fundamento, como se vê, era o poder civil... obra humana, política... oposta à obra do Divino Mestre. Basta este início, para se ver que no protestantismo tudo é HUMANO, puramente humano, sem um vestígio sequer de sobrnatural, a nos indicar o céu. 2. CONSTITUIÇÃO DO PROTESTANTISMO Já nos é bastante conhecida a base sobre a qual Lutero vai estabelecer o seu sistema religioso. Antes de tudo cumpria-lhe dar-lhe a feição de exercício público. A missa não servia mais; devia, pois, desaparecer. Lutero e Melanchton eram professores: a pregação substituiria o santo sacrifício, e a tribuna tomaria o lugar do altar. Não convinha, entretanto, suprimir de repente as cerimônias da Missa, para não se exasperar o povo, a ela tão acostumado. Lutero eliminou tudo o que era Sacrifício propriamente dito, conservando as cerimônias exteriores e a língua latina; só em 1526 publicou uma brochura: “A Missa alemã”, modificando tudo, e facilitando a cominho a novas alterações. Tal ato era celebrado só aos domingos, para melhor enganar os recém convertidos, ou pervertidos, fazendo-lhes acreditar que entre a religião antiga e a reforma havia unicamente umas mudanças acidentais. Tal missa alemã não produziu o efeito que o reformador esperava; sentindo ele mesmo o ridículo da invenção, aos poucos substituiu-a pela leitura da Bíblia e o canto de hinos em comum. Lutero não era nem poeta, nem músico, embora gostasse de poesia, música e canto. Não consta tenha produzido qualquer obra, embora certos autores lhe atribuam a paternidade dos hinos protestantes. A grande reforma que Lutero pretendia introduzir e que, de fato, alcançou, se resumiu na leitura exclusiva da Bíblia, sem explicação, deixando toda a interpretação ao critério do leitor. Para que isto se efetuasse, era preciso uma tradução popular, simples, ao alcance de todos; o próprio reformador, como já vimos, iniciou o trabalho, terminando-o pouco antes de morrer. Num dos primeiros capítulos falamos sobre essa tradução em que os próprios protestantes reconhecem haver muitos e graves defeitos. JERÔNIMO EMSER diz que Lutero vira de tal modo a Bíblia para a fé sem as obras, que no fim não há mais uma coisa nem outra. Ele indica 1.400 falsificações. JOÃO DIETENBERGER, contemporâneo de Lutero, faz essa apreciação: “O que Lutero não quer, ele o suprime na Bíblia; o que se ajusta com o seu querer ele o ajunta, em prova de seus erros” (Grisar III. 440. nota 1). PHILIPS VON MARNIX por sua vez escreve: “De todas as traduções em uso nas igrejas protestantes, nenhuma existe que se afaste tanto do texto original, como a de Lutero” (Tübenger Theol.: Quartalschrift, 1848). O protestante JOSIAS BUNSEN assinala 3.000 passagens falsificadas, e intitula a obra de Lutero a menos exata de todas, embora manifeste o produto de um gênio (F. Nippold: Christian Von Bunser, 1868, III, 183). Não será sem interesse e proveito assinalarmos aqui alguns dos defeitos encontrados em Lutero, para mostrar como ele respeitava a palavra de Deus, fazendo dela uma arma, não para descobrir a verdade, mas para fortalecimento dos seus erros. Estas citações mostrarão claramente a má fé visível do monge revoltoso, a perversidade de seus intentos ao usar da Sagrada Escritura. A palavra JUSTO é substituída pela palavra piedoso. Noé, Jô, Zacarias, o pai nutritivo de Jesus, José, são todos ele homens piedosos, querendo o reformador provar com tal mudança que eles tiveram a fé em Deus, e que pela fé lhes foi aplicada a justificação de Cristo. A palavra “IGREJA” é cuidadosa e timidamente evitada, substituindo-a o termo: UNIÃO. Na epístola de São Paulo aos Romanos, donde Lutero extraiu os seus erros, ele modificou vergonhosamente o texto do Apóstolo, para adaptá-lo às suas idéias. O texto diz que o HOMEM É JUSTIFICADO TRAUITAMENTE PELO GRAÇA, POR MEIO DA REDENÇÃO... EM VIRTUDE DE SEU SANGUE, POR MEIO DA FÉ. Lutero acrescenta maldosamente a palavra “só”, inventada por ele, e traduz: O HOMEM É JUSTIFICADO SÓ PELA FÉ (Rom. III, 25). Outra falsificação proposital encontramos no capítulo 8º. Que ele procurou adaptar às suas idéias erradas. São Paulo se expressa assim: DEUS, ENVIANDO SEU FILHO EM CARNE SEMELHANTE À DO PECADO, POR CAUSA DO PECADO CONDENOU O PECADO NA CARNE (Rom 8,3). Lutero alterou o texto: POR CAUSA DO PECADO, PELOS TERMOS: “pelo pecado”. Vê-se logo a diferença de sentido, que ele introduziu com tal falsificação. O Apóstolo ensina que Jesus Cristo se fez homem, para expiar os pecados dos homens, enquanto Lutero diz que Jesus se fez homem pelo pecado, isto é,nasceu no pecado (para refutar a Imaculada Conceição de Maria). A falsificação citada: O HOMEM É JUSTIFICADO SÓ PELA FÉ, SEM AS OBRAS, encontrou grande oposição. Lutero respondeu a seus censores, expondo as suas razões, sem outro fundamento que as suas opiniões e termina grosseiramente exclamando: “Os zurros de tais asnos a respeito da palavra: SOLA – só, não merecem outra resposta, senão: Lutero quer que assim seja e o diz: Ele é doutor acima de todos os doutores do papado inteiro. É preciso, pois, que fique nisso. Ao papista, que teimar ocupar-se com a palavra SÓ, É PRECISO RESPONDER: Doutor Lutero quer que assim seja. SIC VOLO, SIC JUBEO, SIT PRO RATIONE VOLUNTAS. Assim eu quero, assim ordeno, a minha vontade é a razão”. Como se vê, Lutero é o mesmo de sempre: - o mesmo orgulho, a mesma obcecação, o mesmo ódio a tudo quanto é católico. O que ele era, é e será. 3. PROPAGANDAS E VIOLÊNCIAS A máxima preocupação do reformador era difundir as suas tolices através da Alemanha inteira. Como vimos, o terreno estava admiravelmente preparado. A sua eloqüência espetacular, seus gritos de caráter apocalíptico, os versos e cantos populares, os desenhos caricaturescos, a sátira grotesca, tudo ele empregou para fazer triunfarem as suas idéias. Ao lado do pervertido se postaram outros, como sói acontecer; se os santos atraem a si a virtude; os perversos são acompanhados pela maldade. Melanchton, Justus Jonas, Spalatino, Kang, Johan Buzenhagem , Nicolau von Amsdorf, Wenceslau Link Eclenburg, etc. Foram os primeiros companheiros do reformador. Melanchton, sobretudo, foi o seu branco direito. Altivo, inteligente, dedicou-se de corpo e alma à obra encetada. Foi ele que corrigiu a tradução da Bíblia, feita por Lutero. Em 1521 publicara um volume: “LOCI COMMUNES” ou linhas fundamentais da reforma, no qual expõe o conjunto das doutrinbas da nova seita, sob o ponto de vista teológico. Lutero assim opinou a respeito deste trabalho: Os milhares de Jerônimos, Hilarioes e Macários, os santos das Tabaidas e desertos, não são dignos de desligar os sapatos de Melanchton (Grisar II 267). Auxiliado por estes ex-padres, ex-monges, e professores a quem soube entusiasmar, fanatizar, Lutero não hesitou, lançou-se à frente, decidido a vencer, custasse o que custasse. O sucessor de seu protetor Frederico de Saxe era Johan de Saxe, luterano fanático, que o reformador dominava por completo; deste arrancou um decreto proibindo a pregação católica e impondo a luterana (W. Erl. 53ps 367, 9 de fev. de 1526). Em Wittemberg, na Igreja de Todos os Santos, mau grado os esforços de Lutero, continuava o serviço religioso católico, abuso que Lutero considerava urgente acabar. E, 1º. De março de 1533, ele exige do Capítulo a supressão da Missa e das outras cerimônias religiosas, encontrando, porém, viva resistência por parte do Decano e dos conselheiros. O próprio Johan de Saxe era contrário a tal medida extrema, para não perder a fundação de missas, feita em benefício de seu pai. Lutero insistiu e tomou decididamente posição contra o príncipe, declarando aos conselhos que o príncipe nada tinha a ver com isso. “Sabeis”, diz ele, “que São Pedro disse ser preciso obedecer antes a Deus que ao príncipe” (Erl. 53 p. 178) Não tendo alcançado a vitória, dirigiu-se ao povo luteranizado do lugar e, numa prédica pública, gritou-lhe: “Que temos a ver nisso com o príncipe? Ele só pode mandar em coisas temporais; se persistir, deveremos dizer-lhe; Senhor, fique em seu próprio terreno”. Desta vez não conseguiu nada, mas não desanimou. Em 17 de novembro de 1524, dirige-se ao Capítulo: “Se não deixares voluntariamente as missas, as vigílias e tudo o que se opõe ao Evangelho, deixá-lo-ás contra a vontade. Exijo um resposta definitiva: Sim ou não, e isso até domingo próximo, pois a minha paciência se esgotou” (W. Erl. 53 p.269). Dez dias depois pregou com tanta veemência sobre o caso, que a população ficou exaltada e disposta a tudo. Correu para as casas do conselheiro, vociferando e ameaçando de morte, quebrando as vidraças da casa do Decano e exigindo fosse executada a vontade de Lutero. Diante deste excessos o Capítulo cedeu, e na festa de Natal de 1524 foi definitivamente abolido o Santo Sacrifício da Missa. Lutero triunfou. 4. ADVERSÁRIOS DO REFORMADOR Não pensemos, entretanto, tenha faltado resistência a Lutero. Houve até firme e decidida oposição, tanto dos amigos da Igreja, como dos próprios afeiçoados de Lutero. A primeira barreira contrária que o reformador teve de encontrar foi a de Erasmo, um holandês, professor na Universidade de Rotterdam e amigo do ex-monge. Assistia calado o movimento revolucionário de Lutero e não tencionava entrar em luta. A pedido, porém, de diversas autoridades, como Henrique VIII, Jorge de Saxe, o Imperador e o próprio Papa Adriano VI, resolveu refutar os pontos que julgava fracos na doutrina de Lutero. Receando a intervenção de Erasmo, o reformador lhe escreveu em 1524: Não escrevas contra mim; não aumentes o número e a força de meus adversários. “Sobretudo não publiques nada contra mim, como eu não o farei contra ti” (Corresp. IV. 319). Lutero professava a negação da liberdade humana para exaltar A MISERICÓRDIA DIVINA. Contra este ensino Erasmo publicou em 1524 o seu: DE LIBERO ARBITRIO DIATRIBE, escrito num latim elegante e apoiado sobre os Santos Padres e a tradição dos séculos passados. Infelizmente Éramos, defendendo o livre arbítrio, inclinou-se excessivamente para este lado, atribuindo importância demasiada à vontade do homem e quase nenhum à graça divina. Com este ponto, o seu livro DIATRIBE, embora contivesse bons argumentos, não satisfazia plenamente à aspirações católicas. O próprio Melanchton sentiu a nímia moderação de Erasmo e lhe agradeceu esta concessão (Corp. ref. 1.675, 80. Set. 1524). Lutero sentiu bastante o golpe, mas só depois de passado um ano é que se resolveu responder, para deixar cair um pouco no esquecimento os argumentos de seu adversário. Foi escrito: DE SERVO ARBITRIO, uma brochura de polêmica veemente, embora repleta de contradições e desprovida de exegese séria, onde sem reserva o reformador expôs as suas idéias de determinismo e panteísmo grosseiro. O tema sempre repetido é: A majestade de Deus e a exclusividade da sua ação devem ser exaltadas pelo esmagamento do homem (W. W. XVIII: 711). No terreno puramente católico o primeiro campeão que enfrentou o reformador foi o Dr. João Eck, o vencedor da discussão de Leipzig. Dr. Eck, em corpo e alma, era a expressão da nobreza e da força. Após a sua primeira vitória sobre Lutero, ofereceram-lhe dignidades, porém ele humildemente tudo recusou, dizendo desejar permanecer a vida inteiro um simples mestre-escola (Jansen Pastor VII. 593). O nobre lutador católico suportou com paciência admirável as zombarias e as calúnias dos luteranos; lutou até à hora da morte, em 1543, em defesa da Igreja, e as exposições doutrinais do sábio bávaro triunfavam sobre todos os ataques adversos, ao ponto de o próprio Lutero jamais desejar discutir com ele, contentando-se em insultá-lo e zombar dele. Entre vários livros de valor deixou o “Manual contra os luteranos!, que no ano 1600 já contava 50 edições. Johan Cochleus foi outro batalhador antiprotestante. No começo, quando Decano de Francfort , havia sido por um instante atraído e quase seduzido pela eloqüência de Lutero, porém em 1520 virou-lhe as costas e declarou-lhe uma guerra sem tréguas pela pena, publicando perto de 200 refutações ao erro. É conhecido o seu livro “Lutero de sete cabeças”, em que demonstra as continuas contradições do reformador. Os livros de Cochleus são uma fonte de preciosas informações, embora pareça ter caído algumas vezes no exagero, escutando a repulsa que lhe inspiravam os erros do adversário. Outro inimigo perspicaz e ativo de Lutero foi o padre Johan Faber. A princípio fez-se um testemunho mudo do movimento reformista; vendo, depois, porém, a má fé, as mentiras e as violências de Lutero, entrou na liça, vibrando à reforma golpes esmagadores e cheios de ciência e lógica, em três produções de valor que publicou de 1522 a 1530. Em 1530 o Padre Faber foi nomeado Bispo de Viena, pelo Papa Clemente VII; ali continuou as polêmicas até 1541 quando veio a falecer. Outro defensor dos direito da Igreja foi JORGE WITZEL. Seduzido um instante pelo escritos de ERASMO, este sacerdote instruído e sincero chegou a violar o voto do celibato, contraindo matrimônio; logo depois, porém, compreendeu os erros e voltou contrito ao seio da única Igreja verdadeira, formando-se um polemista indômito da verdade contra os erros em foco. Nenhum outro antiluterano foi mais perseguido e atacado pelos protestantes, que se sentiram esmagados pela lógica e dialética vibrante dos mais de 1200 escritos do incansável polemista. Muitos outros, Bispos e Sacerdotes, levantaram-se para defender o depósito divino da verdade, entre os quais convém assinalar o célebre jesuíta Pedro Canísio que mais tarde seria elevado às honras dos altares e proclamado Doutor da Igreja. Infelizmente a decadência era grande para que esta legião de heróis pudesse salvar a sociedade que se debatia nas dúvidas do espírito, nas ambições do orgulho e na corrupção da carne. 5. “O MONGE” E OS FANÁTICOS Em seu próprio partido iria o “chefe reformista” encontrar muitos inimigos. É um dos fenômenos que sempre se manifestam entre os deformadores ou sectários de novidades mentirosas: o mestre põe os princípios; e os discípulos tiram conclusões, por ele não previstas, as quais destroem os seus próprios princípios. São sequazes fanáticos, pretensos iluminados que não pretendem adotar um reforma, mas utilizála em proveito próprio. Tais fanáticos encontraram extenso campo nas doutrinas de Lutero: SÓ A BÍBLIA, sem boas obras; interpretação individual, independente;; só a fé é necessária para a salvação; tudo isso era uma porta aberta para saírem do edifícios doutrinal que Lutero pretendia edificar e um meio de combater as suas próprias doutrinas. Lutero apresenta-se aqui como uma anomalia curiosa: é um sectário e diz-se um iluminado de Deus. Ele mesmo o afirma se nega ao mesmo tempo. Um recém pervertido, Möhler, perguntou-lhe certa vez se ele deixara definitivamente a Igreja Católica para seguir a sua próprio inspiração: “Não” responde o herege, “Eu nunca deixei a Igreja Católica. No papado há muito coisa boa, é ali que se encontra o verdadeiro Batismo, o Sacramento do Altar, o Catecismo verdadeiro... É no papado que se encontra o verdadeiro cristianismo” (Luther em Ochummenisckerr Sicht, Art. V. A. Hansen, pg. 92). Ele reafirmou que sempre continuaria a ser membro desta Igreja. E, depois contradizendo-se, ajunta: “Só o Papa, diz ele, conforme a minha convicção, é o Anticristo, que corrompeu tudo na Igreja, e eis porque o ataco sem dó nem tréguas”. Curiosa mentalidade! Um homem que suprimiu a Missa, a hierarquia, as indulgências, e tanta coisa mais, acusava-se de ter rejeitado unicamente o papado. O pobre reformador eras visivelmente um desequilibrado, um obsesso, como o vimos verificando a cada página desta história. Perguntando-se a Lutero quais os fanáticos, os heréticos de seu tempo, ele os indicou nestas palavras escritas certa vez a um amigo: “Para que pensas em teus pecados? Tivesses tantos pecados como os têm Zwínglio, Carlostadt e Münzer e todos os ateus, a fé em Cristo os apagaria todos”. Examinando-se de perto o pensamento do reformador, verificamos ser a oposição às idéias dele ou o delas se afastar o único pecado possível aos seus discípulos, pois Lutero julgava-se chamado por Deus, outorgando-se o direito de condenar quem não pensasse como ele. 6. OS FALSOS AMIGOS DE LUTERO Lutero recorreu a vários Padres e Frades apóstatas para estender a sua obra nefasta; como sempre acontece, porém, em tais questões, estes cooperadores não eram amigos de coração, mas simplesmente de interesse e de vício. O orgulho e a sensualidade eram as duas escadas por meio das quais, apenas ambicionavam galgar posições, que de outro modo não poderiam conseguir. Tais amigos eram mais imitadores dos exemplos de Lutero do que de sua doutrina, embora muito íntima fosse a relação entra as duas coisas. Lutero ensinava que cada um poderia interpretar livremente a Bíblia, sob a inspiração do Espírito Santo, independente de qualquer autoridade. Assim o doutrinava e assim procedia. Era lógico que os seus companheiros fizessem como ele. Era um direito que lhe assistia e de que pretendiam aproveitar, fazendo-se cada qual doutrinador por própria conta e risco, sem consultar o mestre que se julgava o detentor exclusivo da reforma. Isto era para o chefe o maior dos pecados. Enquanto o monge apóstata dizia: “Eu possuo a inspiração do Espírito Santo”, os seus seguidores respondiam: “Nós também a possuímos”. E se acusavam mutuamente de interpretações errôneas e falsas da Sagrada Escritura. Era a Babel da reforma; Carlostadt havia sido expulso de Wittemberg, na ocasião em que Lutero voltara de Wartburg. Daí, como judeu errante, percorreu vários lugares, entrou em relação com o rebatizador Tomás Münzer, e, enfim, fixou-se em Strasburgo. Encontrou ali braço forte em Zwínglio, Capito e Butzer , outros fanáticos, e começou logo as suas depredações, quebrando as imagens, destruindo altares, quadros e tudo o que a arte Católica havia acumulado como expressão de fé e piedade. Pouco depois Lutero dirigiu as suas baterias contra Carlostadt: “É preciso tapar a boca deste diabo e de seus sequazes” diz ele, “Pode ser que ele não queira matar ou semear a revolta; neste momento, porém, devo dizer que tem um espírito assassino e revolucionário. É um diabo secreto e traidor.” Falando sobre os companheiros de Carlostadt, Münzer e Valentin leckelsamer, o reformador acrescentou: “Que temos a fazer aqui com um homem irracional? A inteligência fica humilhada até à pele de um diabo, que não sabe senão blasfemar e profanar o que Deus diz e fez” Polêmicas veementes e insultantes travavam entre si Lutero e seus antigos discípulos. Enfim, Carlostadt e seus companheiros tiveram de ceder diante da violência dos ataques de seu mestre e, sobretudo, diante do poder civil que o apoiava. Münzer não poupou Lutero. Eis um simples tópico escrito contra ele, zombando de seu orgulho: “Com toda a sua hipócrita humildade ele se apresenta como um papa, que entrega aos príncipes conventos e igrejas. Fala da “nossa proteção”, como se fosse um príncipe. E, seu orgulho apresenta-se, como se houvesse nascido estrela. O pretensiosíssimo sábio e doutor, o mentiroso Lutero, caça e persegue os demais. Como cão do inferno ou uma serpente que se arrasta por cima dos rochedos”. Em outro lugar ele chama Lutero: “A virgem Martin”... Que virgem pura... o monge sem vergonha partidário dos ricos e suculentos festins”. Lutero não se deixou suplantar em insultos, pois nisto era invencível. A discussão tornou-se, sobretudo violenta contra Zwínglio. Mandaram-se ambos, devotamente, ao diabo, cada qual com maior vontade. (Audin: Luther II. p. 356). Em uma conferência, que tiveram em Marburg, insultaram-se com horríveis anátemas, tratando-se de: diabo, filho de satã, etc... E talvez os dois tivessem razão. “Zwínglio é um individuo satanizado, insatanizado, supersatanizado”, dizia o chefe da reforma. “Lutero está possuído do demônio, parece uma porco grunhindo, num jardim de flores”, retorquia Zwínglio. Ao saber da morte de Zwínglio que tombara no campo de batalha quando, à frente de suas tropas, tentava invadir a Suíça para protestantizá-la, o chefe exclamou: “É bom que Zwínglio a Carlostadt fique esmagados... Zwínglio morreu como um assassino, porque quis forçar os outros a abraçarem os seus erros (Schlaginhhaufen Aufzeichnungem p. I). E, assim por diante. Contentemos-nos com esta amostra da linguagem desabrida dos primeiros protestantes. 7. CONCLUSÃO Neste ambiente, e graças ao impulso de tais homens é que o protestantismo se foi alastrando, para suscitar, em toda parte, o ódio, a perseguição, a dúvida e o ateísmo. EX TRUCTIBUS EORAM COGNOSCETIS EOS: “Conhecê-los-eis pelo seus frutos”, havia dito do divino Mestre. Desde Lutero até hoje o protestantismo vem sendo espalhado quase exclusivamente por sacerdotes apóstatas e pessoas viciadas, incapazes de se manterem na altura de sua dignidade e da virtude de seu estado. Bastava assinalar estes fatos do exórdio do protestantismo: nem é preciso passo a passo seguir os seus progressos, na Alemanha, na Suíça, na Suécia e Noruega, na Holanda e noutros países onde foi penetrando, sempre baseado sobre os mesmos motivos e usando os mesmos meios, para se concluir com absoluta certeza: - O protestantismo está viciado na base. Não é uma religião, mas um esforço destruidor de toda religião. Reflitam os protestantes bons, mas iludidos e ignorantes, e julguem onde está a verdade: se com a eterna Igreja Católica Apostólica Romana ou com a seita de Lutero, Zwínglio, Carlostadt e outros fanáticos e viciados, que constituem uma vergonha para a sociedade, um nódoa negra para a história da Reforma e a prova sensível da falsidade da seita por eles promulgada. CAPÍTULO IX OS AUXILIARES DE LUTERO A obra gigantesca, embora nefasta, criada pelo herege de Wittemberg, não deixa de excitar a nossa curiosidade, pois nos parece estranho tenha podido um homem perverso como ele conquistar tamanha ascendência e exercer tão grande influência sobre a sua época. De que teria resultado esta sua celebridade? Os protestantes transformaram Lutero numa espécie de mito, nimbado de glória, mal grado não apresentasse capacidade intelectual ou dotes geniais; hoje, porém, à luz dos documentos e da tradição certa, os espíritos menos apaixonados, mesmo entre os protestantes, reconhecem abertamente que Lutero foi tudo aquilo que vimos descrito atrás e um extremista furioso. Para vermos a explicação do fato da prepotência e influência de Lutero, cumpre examinemos o ambiente, o espírito da época mais que a personalidade do próprio reformador. Conhecemos já muito coisa da façanha reformista; pesquisemos agora a vida de seus primeiros companheiros. Entre ele figuram sobretudo: Zwínglio, Carlostadt, Calvino e Henrique VIII. 1. O FOGOSO ZWÍNGLIO Comecemos pro Zwínglio, de cujo nome e extravagância já fomos informados através do que pouco através foi dito sobre ele. Zwínglio nasceu em 1484, em Windlhausen, e era filho de pobres camponeses. Foi ordenado Padre e nomeado pároco, mas suas criminosas relações com uma mulher obrigaramno a deixar a paróquia. E, companhia de um outro apóstata, imoral como ele, dirigiu em 1522 uma petição ao bispo de Constança, rogando-lhe concedesse ao clero autorização para contrair matrimônio. Neste documento, Zwínglio e seus insolentes companheiros confessaram lisa e francamente a vida escandalosa de levavam, através de abomináveis torpezas, com mulheres de má vida (Hergen. Hist. T. v. p.98). Como o Bispo se recusasse a contentá-los, Zwínglio insurgiu-se contra a autoridade eclesiástica e passou a viver escandalosamente, com uma mulher perdida de nome Ana Reinard, viúva de um magistrado, e desta mulher teve um filho (Darras; Hist. Egr. t. 33). Acompanhado de grande número de camponeses protestantizados, Zwínglio entrou nas igrejas e destruiu as imagens e estátuas dos santos e os altares, revolucionando a Suíça toda. Em 11 de outubro de 1531 morreu o apóstata, ferido na batalha de Cappel, por ele provocada, para invadir 4 distritos católicos; neste combate tomou parte ativa; seu corpo foi apanhado e carbonizado pelos vencedores. Assim terminou o escândalo do turbulento chefe e fundador do protestantismo na Suíça. Zwínglio foi um dos que mais atacaram as prerrogativas de Maria Santíssima, negando-lhe a possibilidade de ser virgem. Lutero, apreciando o seu digno êmulo e discípulo, disse:“Não posso ler os livros desse homem. São claramente opostos à Igreja. Não somente são condenáveis, mas ainda se tornam causa da perdição para muito infelizes”. “Zwínglio”, diz ele em outra parte, “morreu e foi condenado”. Note-se que Zwínglio é considerado uma estrela brilhantíssima da seita e um dos seus fundadores, isto é, um homem que dizem ter sido mandado por Deus para extirpar os abusos da Igreja Católica e restabelecer, em toda a sua pureza, a moral evangélica. 2. O ICONOCLASTA CARLOSTADT Eis outro monstro protestante, notório discípulo do reformador, cuja doutrina aplicou antes dele. Foi obrigado a fugir, tornando-se depois inimigo de seu mestre, pelas divergências ideológicas. O seu verdadeiro nome era André Bodenstein. Era um padre apóstata, Arcediago de Wittemberg e que levou, como o seu mestre, igual vida de mancebia pública. No ano de 1521 Carlostadt, o monge apóstata Dídimo, e mais um troço de estudantes e camponeses fanatizados, penetraram nas igrejas, pulverizaram as imagens e estátuas, desmantelaram aos altares, cometendo toda a sorte de roubos sacrílegos; arrasaram mais de mil conventos; incendiaram mais de 300 igrejas e destruíram inúmeros tesouros de manuscritos das bibliotecas. Foi a chamada guerra dos camponeses, que se estendeu a diversas províncias da Alemanha. Neste luta fratricida morreram mais de 50.000 homens, iludidos pelos cruéis anabatistas, que procuravam restabelecer a república, sem poder civil e sem autoridade eclesiástica. Cada qual devia viver sem regra, sem lei, no mais absoluto comunismo, NÃO SÓ QUANTO AOS BENS DA FORTUNA, MAS ATÉ QUANTO ÀS MULHERES. Do alto do púlpito, Dídimo aconselhou aos pais de família afastasse os filhos dos estudos de humanidades; Carlostadt declarou guerra a todos os conhecimentos humanos: era a dissolução das Universidades, que logo começaram a desmembrar-se. Melanchton, falando de Carlostadt, diz que: ”... era um homem brutal, desprovido de talento e conhecimentos, e que, muito longe de ter o espírito de Deus, não conhecia nem praticava os deveres inerentes à vida civilizada. Dava provas evidentes de impiedade, condenava todas as leis estabelecidas pelo pagõas e tomava como regra única a lei de Moisés”. Lutero, mais expressivo ainda, ao julgar este seu fiel discípulo: “Carlostadt”, disse ele, “se entregou ao seu modo de pensar reprovado. Penso que o pobre do homem tem o diabo na barriga (sic). Tenha Deus piedade de seu pecado que é de morte” (Audin: Hist. Luth. P.457). Quando Nicolau Stock começou a seita dos anabatistas, Carlostadt abraçou-a. Os luteranos dizem dele: “Não se pode negar que Carlostadt tenha sido estrangulado pelo demônio”. É o bastante para se julgar o que foi o feroz herege. 3. O INFAME CALVINO É a terceira coluna do edifício protestante... João Calvino nasceu em Noyon, na Picardia, em 1509. Seus pais eram pobres; educaram-no na religião católica e obtiveram para ele um benefício na Capela de Gesino, na Catedral de Noyon (1521). Em 1523 terminou os seus estudos em Paris, conseguindo depois o curato de Marteville. O seu espírito começou cedo a dar mostras patentes do que era: volúvel, irrequieto e violento. Não servindo na milícia eclesiástica, foi para a universidade d‟Orleans, onde já haviam penetrado as doutrinas heréticas de Lutero. Ali Calvino foi arredado das fé por um apóstata jacobino, alemão, seu companheiro de quarto. Pouco depois travou relações com a rainha de Navarra e abertamente filiou-se à nova seita de Lutero. Depois de ter andado por diversos países, voltou a Paris e fez-se preceptor no Colégio do Cardeal Lemosine, onde dogmatizava às ocultas. Descoberto, foi perseguido pelo juiz criminal, mas evadiu-se pela janela, servindo-se de lençóis à maneira de corda. De seu esconderijo do arrabalde de S. Vítor seguiu para Noyon. Sua ambição desmedida o levou a desejar um benefício superior e mais rendoso do que aquele que já havia recebido. O ambicioso proveito foi concedido ao filho do Condestável de França, cujo pedido foi deferido (Frendenfeld: quadros anal. De Hist. Universal I, II, p.309), por ser o rival requerente muito conhecido pela autoridade eclesiástica, pelas suas idéias luteranas. Por inveja Calvino juros vingar-se, embora a causa do deferimento fosse principalmente o não merecer o benefício, devido ao seu péssimo comportamento, segundo atestam os protestantes da época. A dissolução de seus costumes, diz o historiador Frendenfed (Hist. P. 369) era tal que o magistrado de Noyon o condenou como SODOMITA e o fez marcar com ferro em brasa, circunstância que lhe valeu o nome de estigmatizado. O protestante Schlussemburg escreve: “Por causa da sua doutrina e de outros crimes nefandos de que foi acusado e julgado perante os tribunais, Calvino teve de sujeitar-se à dura necessidade de abandonar a pátria; foi (1534) ferrado nas costas, como um boi bravo, a ferro quente, pela sentença judicial, considerado INFAME e privado de benefícios” (Schlussemburg: Calvino t. II. p.72 – Bolsec: Vida de Calvino e Theod. Beza, ed. De 1835). Schroek afirma que, após esta saída de Noyon, dirigiu-se Calvino a Genebra, onde Guilherme Tarel e Pedro Viret haviam introduzido a reforma de Zwínglio, cuja reorganização abraçou com tanto empenho e jeito que conseguiu ser considerado reformador ou chefe (Hist. Egr. desde o tempo da reforma, ed.1805, t. II p. 175). Outro historiador protestante escreve: “Em 1539 casou-se Calvino em Strasburgo com a viúva Ana Burrié, já pro ele pervertida, voltando logo para Genebra, onde se tornou o mais absoluto déspota já visto na face da terra” (Encycl. Real de Damstard. E. 1824 t.; VI. II. p. 225). O calvinista Galiffe fala assim de seu pai e mestre: “Calvino é um homem sedento de sangue, criminalmente famoso, sobremaneira intolerante, a cujas vistas ninguém podia ocultar-se; era difícil a alguém livrar-se de sua inexorável vingança” (Gal. Not. Glenealog. Ed. 1836 t. III. P. 21). Bucero, amicíssimo de Calvino, atesta que era escrito maledicente e a figura mais triste da reforma. Suas cartas provam arrogância e orgulho desmedidos, e quem o contradissesse era mimoseado com os epítetos de: PORCO, NASNO, CÃO, TOURO, BÊBADO, ENDEMONIADO. A Westphale, luterano, que o chamou declamador, ele respondeu nestes termos: “Tua escola é um fétido chiqueiro... ouves-me, cão? Ouves-me, frenético? Ouves-me, animal?” Querendo dar-se ares de taumaturgo, pretendeu realizar um dia publicamente um milagre, fazendo reviver um companheiro das suas devassidões, chamado Brulé. Para isso, este se fingira de morto, e sua mulher, cúmplice da hipocrisia, ficou chorando perto do pretenso cadáver do marido, na ocasião em que Calvino passava por ali. Soluçado, a mulher dirigiu-se a Calvino, comunicando-lhe a morte de seu marido. Este consolou-a, dizendo que ia ressuscitar o defunto, para provar a sua missão de reformador. Aproximando-se do morto simulado, ordenou, em nome de Deus, que ele se levantasse; mas... Infelizmente, por castigo de Deus, o homem ficara realmente morto. A mulher, exasperada, proclamou em altas vozes a sacrílega hipocrisia. (Narrada pelo santo Cardeal Belarmino). A história do médico Servet dá testemunho do espírito vingativo do apóstata. Servet (Miguel Vilanova) havia escrito uma livro contra os erros de Calvino. Este jurou matá-lo. Enviou uma carta ao cardeal Tournon, vice-rei da França, acusando Servet de heresia, o que fez exclamar o Cardeal: “Um herege acusando outro”. Pouco depois Servet foi preso em Viena, por ordem de Calvino, e, poucos dias após, condenado à morte, a fogo lento, e executado com grande satisfação do herege. O seu mestre, que lhe havia inspirado a heresia, fala dele neste termos: “Calvino é violento e perverso, mas, tanto melhor, é este o homem de que precisamos para dar impulso à nossa reforma”. Calvino é a mais asquerosa figura que apresentou a pretensa reforma protestante: verdadeiro monstro de corrupção e de hipocrisia. Todos os seus passos eram calculados, e dizia-se que os seus olhos, despedindo uma chama impura, lançavam olhares mortais. O fim de Calvino foi a digna conclusão de uma tal vida. Vivera na lama, morreu na podridão. Eis com que termos ela foi descrita pelo protestante Schlussemburg: “Tal foi o golpe com que Deus feriu Calvino, com a sua mão poderosa, que ele exalou miseravelmente sua má alma, desesperado de sua salvação, invocando os demônios e proferindo imprecações as mais execráveis, e blasfêmias as mais horrorosas”. “Ele morreu de febre maligna, devorado, de modo mais ignóbil e degradante, por um formigueiro de vermes, e consumido por abscessos ulcerosos, cujo infecto nenhum dos assistentes podia suportar” (Th. Calvino 1594, t.2l. p. 72). Esta narração é confirmada por um discípulo de Calvino, João Harem, testemunha ocular de sua morte e que assim se refere: “Calvino morreu como desesperado, tendo uma dessas mortes vergonhosas e degradantes com que Deus pune os ímpios e os reprovados, depois de ter sido atormentado por longos e horríveis sofrimentos: eu o posso atestar, em verdade, porque vi com meus próprios olhos seu fim funesto e trágico”(Horenius, vida de Calvino) Diz ainda o mesmo Horenius: “Calvino, infeliz Calvino! Só quem estiver cego deixará de ter na história as passagens mais infamantes que pesam sobre esse homem fundador do presbiterinismo” 4. O SANGUINÁRIO HENRIQUE VIII Henrique VIII, rei da Inglaterra, ocupa um lugar de honra entre os cortesãos da libertinagem protestante. A princípio, mostrou-se zeloso defensor da Igreja Católica, tendo até redigido um livro contra Lutero, em defesa do Pontificado Romano. Oferecendo este livro ao Santo Padre, o rei lhe escreveu: “Quis dar a conhecer a todos que estou disposto a defender em todo o tempo e a proteger a Igreja Romana, não só com a força e com as armas, mas até com as produções da minha inteligência”. Infelizmente o coração do rei era fraco e inclinado aos amores sensuais; bastou este vício, com, aliás, aconteceu com a maior parte dos reformadores, paras ele sacrificar sua fé à inclinações de seu amores desordenados. Era Henrique VIII legitimamente unido com Catarina de Aragão, quando começou a nutrir paixão criminosa opor Ana Bolena. Par satisfazer ao seu desejo, pretendeu anular o seu primeiro matrimônio, a fim de casar-se com sua infeliz amante. Nada poupou para conseguir o seu intento: ofereceu valiosos donativos, prelaturas, para atrair adeptos – todos os meios de corrupção foram por ele empregados; O pontífice Romano ficou inflexível, não querendo, de modo algum, desviar-se da máxima do Evangelho: O QUE DEUS JUNTOU NÃO O SEPARE O HOMEM. À vista desta firmeza, o adulador do rei, Thomas Cranmer, sugeriu a Henrique a diabólica idéia de se proclamar, ele mesmo, pontífice da Igreja da Inglaterra, e declarar dissolvido o seu matrimônio, arrogando-se, desta maneira, a supremacia espiritual do seu reino. Antes de realizar este plano, Henrique recorreu a Lutero e a Melanchton, consultando-os sobre a realização de seu projeto. Lutero não o estimava muito e já o havia chamado antes, em sua linguagem desabrida: asno coroado, canalha, ateu, goela real. O vocabulário de Lutero não se esgotou com isto, e continuou a denominá-lo o maluco Henrique, carnaval real, porco tomista, etc. Tendo conhecimento desses planos do rei, o reformador mudou de tom, aplaudiu-o e esperou ganhá-lo à sua causa. O maluco Henrique tornou-se de novo, na expressão de Lutero: Majestade, Alteza Real, etc. Numa carta, datada de 21 de setembro de 1535, Lutero exprimiu o desejo de que o Rei da Inglaterra aceitasse o Evangelho e permitisse a pregação de reforma em seu reino. Melanchton escreveu então, em nome de Lutero, ao rei: “O rei pode ter a consciência sossegada; tome uma segundo mulher, e conserve também a primeira, porque a multiplicação de esposas não é proibida pela lei de Deus e não deve ser considerada como coisa extraordinária”. Henrique VIII seguiu o conselho e o ultrapassou até. Aliás, a advertência de Melanchton recebeu plena confirmação de Cranmer, seu grande conselheiro e primeiro arcebispo protestante. Cranmer anulou, pois,o casamento de Henrique , declarando ilegítimo o seu fruto, em nome de Jesus Cristo e para honra de Deus (Cobbet: carta II, p.76) Instigado pelo infame Cranmer que havia sido padre, mas levava uma vida criminosa, por ter, ao mesmo tempo, relações ilícitas com certa mulher na Alemanha e com outra na Inglaterra (Cobbet: Carta III. N. 98), Henrique VIII lançou-se em todas as aberrações de uma vida dissoluta. O historiador da reforma da Inglaterra, o protestante Guilherme Cobbet nos diz francamente que o motivo único por que Henrique VIII abandonou a Igreja Católica e se fez chefe reformador, foi A LASCÍVIA que o dominava. Quis casar-se com Ana Bolena, não obstante ter quase certeza de ela ser sua filha, conforme provou o Dr. Baytey, citado pelo referido autor; Ana era criada ou dama de honra da rainha Catarina, sua mulher, com quem casara, consciente o Parlamento e a Santa Sé, que lhe dispensara o impedimento de afinidade que os ligava. Vivendo a primeira mulher, não podia a Santa Sé conceder-lhe dispensa para tal casamento; por isso, revoltou-se Henrique contra o Papa e se fez reformador. Quando efetuou sua união com Ana, ESTA JÁ ESTAVA GRÁVIDA. Pouco depois de casado, mandou decapitar a infeliz para desposar outra vez Joana Seymour. Este foi o motivo único da reforma na Inglaterra, como afirmam todos os historiadores mais imparciais, à exceção de Hume e Bornet que, conforme assevera Cobbet, escreveram suas histórias para assegurar os benefícios rendosos de que tinham sido investidos. Lorde Fritz-Willizm, com toda a imparcialidade de homem honesto, escreve a este respeito as seguintes palavras: “Para honra de minha terra (é inglês) quisera não falar a respeito do motivo principal, que foi a causa deste grande acontecimento (a reforma); poderei calar sem incorrer na pecha de parcial? Devo, portanto, dizer que esse motivo principal foi a paixão desonesta de Henrique por Ana Bolena”. Para arrancar a fé católica da alma de seus súditos, o incestuoso Henrique, mandou decapitar milhares de pessoas, entre as quais figuram: 2 cardeais; 18 bispos; 13 abades; 2 rainhas; 12 duques e condes; 164 barões; 500 religiosos e 38 doutores de teologia e Jurisprudência. (Hergensother: t. III. P. 164). Lutero, iludido em sua esperança de ver Henrique adotar os seus erros, escreveu-lhe: “Quero deixar-lhe um momento de descanso, pois tenho como ocupação a Bíblia a traduzir, sem falar de outros afazeres. De outra vez, tomarei tempo para responde a essa boca real que leva mentira e veneno!...” É esta a verdadeira origem do cisma anglicano. Todos os historiadores são concordes em apresentar Henrique VIII com o caráter odioso de um monstro coroado, de um rei sanguinário. Ao separar a Inglaterra de Roma, ele não tentou inovar coisa alguma, exceto o ponto da supremacia espiritual, mandando para o patíbulo, presos com as mesmas cadeias, tanto os católicos romanos que não reconheciam a supremacia espiritual, como os luteranos e os sacramentários que negavam outros artigos da fé. Numa palavra, tentou formar uma igreja CATÓLICA que não fosse romana. Enganou-se como todos os hereges, pensando poder conservar a integridade da fé, separando-se do centro de unidade católica. Não foi precisamente Henrique VIII o fundador do anglicanismo, mas sim Cranmer. O nome deste monstro, diz Cobbet, devia ser eternamente um objeto de execração. Este miserável, acostumado ao assassínio, à perfídia, à impiedade, à blasfêmia, morreu no meio das chamas que ele mesmo havia ateado (Cobbet. Carta II. n.64). Henrique, no ocaso de sua vida, foi detestado por todos, deixando após si a fama de ter sido tão cruel como os mais terríveis tiranos da Roma pagã. Ao expirar, disse aos que o rodeavam: “Perdemos tudo: o estado, a fama, a consciência e o bem!” 5. OUTROS COLABORADORES Ao lado dos chefes principais vão-se enfileirando outros colaboradores, porém cada um mais perverso e mais viciado que o outro. E quem ganhará o prêmio de libertinagem e da revolta? Melanchton escreveu uma série de cartas contra os demais protestantes e pediu a Deus houvesse um homem que matasse Henrique VIII (Watch XX). Por sua versatilidade, morreu maldito pelos seus e privado da sepultura eclesiástica (Dillinger t. I p.343). CARLOSTADT, cônego e arcediago de Wittemberg, foi um dos primeiro a seguir Lutero juntamente com JONAS, cônego também; mas, como diz ADOLFO MENZEL, foram também os primeiros a se casarem com muito escândalo e desgosto do Eleitor Filipe, a que pouco depois Lutero, Melanchton e Bucero concederam licença para ter simultaneamente DUAS MULHERES LEGÍTIMAS. MARTINHO BUCERO era frade dominicano; para seguir Lutero, abandonou o hábito e casou-se “A FIM DE MORTIFICAR A CARNE” Morreu de peste. Como professor de teologia na Inglaterra, para onde chamara Cranmer, ensinou que DEUS É O VERDADEIRO AUTOR DO PECADO e a ele é que devem ser imputadas as faltas dos homens. CAPITÃO era cônego e até deão do Cabido de Mogúncia, quando se declarou pela reforma. Era muito amigo de Ecolampádio, cuja mulher desposou quando ele faleceu, sem dúvida como bom evangélico, “UT SUSCITARET SEMEN FRATRI SUO” (para lhe dar descendentes). AMSDORF, a quem Lutero tinha feito bispo, foi o chefe da SEITA ANTINOMIANA que rejeitava o DECÁLOGO, por bastar a fé e que tudo justifica. Eis em que termos os teólogos protestantes expõem o ensino antinomiano: “Ainda que sejas uma prostituta ou um debochado, adúltero ou pecador impenitente, é bastante teres fé, e estarás no caminho da salvação. Embora cheio de pecados até ao pescoço, se creres, serás salvo. Manda os mandamentos ao diabo”. “Só a incredulidade torno o homem mau, e, como só a fé justifica, ninguém peca senão pela incredulidade” (De Antinomia p.90 e 98) Morreu, lamentando-se de que todos os vícios e particularmente a bebedeira, a libertinagem e a usura se tivessem assenhoreado do povo evangélico (De Antinomia p. 68 e 77). ECOLAMPÁDIO, tornando-se apóstata, fugiu do convento, fez-se discípulo de Zwínglio e logo se apaixonou por uma moça com que se casou sacrilegamente, o que fez Erasmo dizer: “Parece que a reforma tem por fim tirar o hábito de alguns monges e casar alguns padres. Esta grande tragédia termina sempre por acontecimento cômico, pois tudo acaba no casamento, como nas comédias” (Dillinger. A Reforma t. II, p. 113). Desde esse tempo, sua vida foi um tecido de dissimulações, morrendo subitamente, ao lado da mulher com quem se unira. “Tal foi”, disse Lutero, “o triste fim de ECOLAMPÁDIO, enganado pelo diabo em punição aos seus deboches” (Bossuet Hist. Várias I. II. parágr. 26) THEODORO BEZA, “alter ego” de Calvino, nascido em Vezelay de Borgonha, teve Wolmar por mestre, e desde muito moço mostrou-se o libertino que viria a ser. Fugiu de Paris com madame Cláudia, mulher de um alfaiate, e com ela se casou em Genebra, estando ainda vivo o primeiro marido dela. Esta mulher teve de sofrer muito por causa do número não vulgar DAS VIRTUOSAS que freqüentavam a casa de seu marido (Audin, Hist. Lutero, t. II, p.286). Finalmente HESHUSIUS escreve a respeito de Beza o seguinte: “Beza, por causa de seus depravados costumes, foi a desonra das honestas disciplinas; não satisfeito de, como animal imundo, se enlodar no lamaçal das mais vergonhosas torpezas, quis ainda contaminar com suas infâmias os ouvidos da mocidade estudiosa” (C.Schlusselburg). “Tomás Cranmer (o braço direito de Henrique VIII), antes de ser sacerdote, foi casado.”, diz Cobbet, “Depois de ordenado e feito VOTO DE CELIBATO, residindo na Alemanha, e tendo-se feito protestante, casou-se, ou, melhor, “juntouse” a uma mulher” (Filemann Heshusius, “Da Verdadeira e Sã Confissão”). Foi nomeado bispo de Cantorbery, iludindo a Sá Romana e declarando que a nada obrigava o seu juramento de obediência. Foi um adulador das paixões e caprichos de Henrique VIII. Em 1535 proclamou a nulidade do casamento da Ana Bolena, como antes declarara nulo o de Catarina de Aragão. E, 1540 anulou ainda outro casamento de Henrique com Ana de Cleves e, em 1541, mais um do rei com Catarina Howard. 6. CONCLUSÃO S. Pedro negou a Jesus Cristo e, contudo, lemos as cartas dele e seguimos a sua doutrina. S. Paulo foi um perseguidor dos primeiros cristãos e, todavia, as suas epístolas são um farol resplandecente de doutrina. Davi foi pecador e, no entanto, cantamos os seus salmos cmedificação. Tudo isso é certo; existe, porém uma diferença essencial eutre estes santos e os tristes protestantes. Os justos pecaram, mas, apóa a falta, reconheceram os seus erroas e fraquezas, fazendo penitência rigorosa durante o resto de sua vida, enquanto nada disso se encontra na vida de tais reformadores. Pelo contrário, estes acumularam desatinos e crimes sobre vilezas de toda sorte, erros sobre erros, revoltas sobre revoltas, entregando-se a uma vida relaxada e devassa, sem sequer pensar em se penitenciar, negando até a necessidade ou a utilidade da mortificação, morrendo, enfim, no mais horrendo desespero e endurecimento. "A tais extremos chegamos, escreve Melanchton, que muitos já se persuadiram de que, se jejuassem um dia, seriam encontrados mortos na noite seguinte". Passando-se revista aos últimos instantes de cada um destes homens, nota-se com espanto que, por um justo castigo de Deus, esta morte foi o eco da sua vida. Lutero, diz o protestante Plank, morreu de uma doença que provinha de não poder mais o seu corpo servir de asilo a uma alma, desde muito dilacerada pelas paixões mais vis. (História da origem da reforma por Dr. G. T. Palnk: ed. 1816 P. II. p. 507). Calvino, escreve Horenius, acabando a vida no desespero, morreu de torpe e vergonhosíssima doença. .. Isto eu posso certificar com toda a verdade, porque vi, com meus olhos, o seu fim funesto e trágico. (João Horenius: Vida de Calvino). Zwínglio, por testemunho de Lutero, morreu e foi condenado. (Hospinianus: carta VI. 190). Carlostadt, dizem os luteranos, foi estrangulado pelo demônio. Henrique VIII, conforme conta o inglês Cobbet, alguns anos antes de morrer, vítima de sua devassidão e intemperança, ficou reduzido a uma massa de carne putrefata... e, quando estava para morrer ninguém se atreveu a desengana-lo. e faleceu sem que o suspeitasse (Cobbel: Op. cit. carta VI. 190). E assim, parece, aconteceu com os demais, tudo permitindo suspeitar tenham ele sido reprovados, devido à sua vida torpe. Jesus Cristo, Deus e homem, ao fundar a sua Igreja imortal, a Religião Católica, Apostólica Romana, cercou-se de homens, simples, ignorantes, mas virtuosos, os quais, à exceção do traidor Judas, viveram santamente, morreram heroicamente, dando a sua vida em testemunho do Evangelho. O erudito e já citado protestante Cobbet não temeu apreciar assim os pais da reforma: "tavez o mundo nunca viu em século algum uma cáfila de patifes tão infames" como estes até aqui enumerados. Lutero, ao tentar a sua pretensa reforma, renega a sua fé, o seu sacerdócio, os seus juramentos de religioso, ataca o Papa. insulta os Bispos, blasfema, vive miseravelmente em mancebia e tem como companhia, além de sua Catarina, homens perversos, cínicos, perdidos, que procuram na reforma o meio de satisfazer as suas inclinações perversas, passam os seus dias na lama e terminam no lodo. E estes são os doutrinadores, os modelos da reforma protestante. Tais homens abandonaram a Igreja Católica, ou porque esta Igreja se apresentava corrompida, ou porque eles meamos eram corrutos. Provando que os corrompidos eram eles, como acabamos de mostrar, toda pessoa sensata deve concluir: os reformadores é que estavam em péssima situação moral, como uma escória da sociedade. Logo, a Igreja Católica não estava corrompida, porque a corrupção não abandona nem combate a corrupção; o mai certo, e de que ninguém duvida, é que os pretensos reformadores foram os corruptores que abandonaram uma Igreja Santa que lhes contradizia os vícios. A Igreja Católica é. pois, a Igreja verdadeira de Jesus Cristo, enquanto a reforma de Lutero é o fruto do vício, da perversidade e do demônio. Nao há outra saída para quem é capaz de um pequeno raciocínio. CAPÍTULO X ÚLTIMAS LUTAS DO REFORMADOR Encontramo-nos em o período final da vida ativa do nosso biografado. Corria o ano de 1530. Contava ele 47 anos de idade e gozava de vigorosa saúde, exercendo uma atividade febril. O seu organismo, de estrutura robusta, estava, no entanto, bastante minado pelas extravagâncias praticadas: excessos de mesa, bebida, sobretudo pela cólera, tão perturbadora do funcionamento regular do coração. Não interessa percorrer, em suas minudências, todas as etapas desta vida agitada; limitemo-nos a assinalar os pontos essenciais cuja influência se fez sentir de algum modo sobre o estabelecimento do protestantismo. 1. Na fortaleza de Coburgo Enquanto se agitavam as discussões, e rugia a tempestade suscitada pela reforma, Lutero achou prudente não expor a própria pele; recolheu-se, sob a proteção do landgrave de Saxe, na fortaleza do Coburgo, onde permaneceu seis meses, até outubro de 1531. Daí dirigia e estimulava seus agentes: Melanchton, Justo Jonas, Spalatino e Brenz. Naquele refúgio, o reformador se compara a um tigre enjaulado, pronto a se lançar sobre a presa, de goela aberta, para devorá-la, mas sem poder fugir das grades, limitando-se a bater a cabeça contra elas num barulho infernal (Wachters: Lutero p. 272). Para amedrontar os membros católicos do Conselho geral, escreveu ele um violento pasquim: “Aviso ao clero, reunido no Conselho Imperial de Augsburgo” (Obras de Lutero, ed. De Weimar 30 II. 208). Externando altivez revoltante, o frenético reformador ameaçou os conselheiros com uma revolta popular, se ousassem contrariar à expansão do seu credo religioso. “Enquanto vivo, eu sou a vossa peste; depois de morto, serei a vossa morte. Pois Deus me excitou contra vós; serei para vós, como diz Oséias, tal uma leoa ou como a pantera, no caminho dos assírios. Não tereis paz, em meu nome, enquanto não vos converterdes, ou então perecerdes” Apesar da violência destes termos, Lutero estava inquieto pelas decisões do Conselho imperial (Obras de Weimar 30, II. 397) as quais não interromperam a propaganda iniciada. O imperador, a 29 de junho de 1541, assinou “o ínterim de Regensburg”, em que os chefes protestantes fizeram muitas promessas depois não executadas. Novos conselhos reuniram-se em Nuremberg (1543), em Spíere (1544), em Worms (1545). Todos eles outro efeito não surtiram, senão o de patentear o abismo cada vez mais escancarado, entre católicos e protestantes. A sua tensão nervosa, a intemperança e a violência a que se entregava começaram a arruinar a saúde; ele bem o sentia, mas, em vez de referir este esgotamento à suas lides incessante e consultar um médico, tudo atribuía ao demônio. Aliás, já era antiga esta sua mania, de ver o demônio em toda parte. Ele escreve a Amsdorf: “Como homem de 47 anos, sinto já a idade pesar sobre os meus ombros, enquanto as minhas forças vão aos poucos diminuindo” (Corresp. 8 p. p. 301: 31 out. 1530). Lutero interpretou uma tontura na cabeça (dormern in kopf) como sendo a raiva do diabo desejoso de impedir-lhe a continuação da reforma. Em toda parte enxergava demônios. Tinha visto em sua imaginação legiões destes espíritos infernais, em trajes de monges, dirigirem a Augsburgo, para ali orientar o conselho imperial a trabalhar contra ele” (Grisar III, 694). Em Coburgo o próprio monge desvairado referiu-se aos demônios que lhe apareciam e vinham fazer-lhe companhia no quarto. Era uma noite chuvosa, ali pelas 9 horas. Lutero estava diante da janela. De repente deparou uma serpente flamejante, em ondulações luminosas, lançar-se do teto de uma torre próxima sobre as plantações do jardim. Espavorido, chamou imediatamente Veit Diutrich, o seu criado, mas, ao chegar este, já havia desapacido o fantasma. Momentos depois, ambos enxergaram no meio do campo uma grande estrela. Não há dúvida, reflete o ex-monge, é o diabo. 2. ÓDIO AO PAPADO Após uma permanência de 6 meses, findo o perigo ameaçador, Lutero deixou a fortaleza de Coburgo, para retomar o seu mister de professor na universidade de Wittemberg e aí prosseguir a sua propaganda. Tudo fazia prever estar iminente um momento de paz em seguido às lutas passadas, pelo pacto religioso de Nuremberg de 1532. Infelizmente, tudo foi esperança vã. Carlos V voltou para a Espanha e devia regressar à Alemanha depois de uma ausência de 9 anos, fato mui prejudicial à paz, porquanto ficou sem efeito a concordância de Nuremberg. Neste mesmo ano faleceu o landgrave João de Saxe, sucedendo-lhe seu filho João Frederico, protestante, como havia sido o pai. Passados dois anos, em 1534, o Papa Clemente VII deixou este mundo, tendo por continuador no trono de S. Pedro o Papa Clemente VIII. O novo Papa pensou logo em convocar um Concílio geral, no intuito de por termo às lutas religiosas. Para isto, mandou à Alemanha o seu núncio, Pedro Vergério, que nada mais conseguiu do landgrave João Frederico senão promessas. Em 1535 o Núncio fez uma visita a Wittemberg, e ali convidou Lutero e Bugenhagen a uma ceia a ele oferecida em do landgrave. LUTERO ACEDEU AO CONVITE, NÃO TANTO PARA TRATAR DA PAZ, MAS PRINCIPALMENTE PARA INSULTAR O PAPA. Trajado de modo bastante extravagante lá apareceu com uma pesada corrente de ouro ao pescoço e vários anéis de brilhantes nos dedos. O que mais impressionou o Núncio foi o olhar do heresiarca, demonstrando algo misterioso, quase diabólico, conforme depois atestou o enviado Papal. Lutero mostrou-se mal educado, grosseiro, e, apenas foi ventilada a idéia de um concílio e a possível aproximação religiosa, o herege exclamou com veemência: "Quero perder a cabeça, se não defender a minha doutrina contra o mundo inteiro. Esta cólera da minha boca não é minha, mas de Deus. Os Concílios não passam de brinquedos de crianças ou de doidos". Depois, para desviar a conversa e zombar de Vergério, começou a falar da "venerável monja", sua mulher, que lhe dera cinco filhos, dos quais Hans, o mais velho, seria um grande pregador do Evangelho" (Grisar, p.370). Em 1538 Lutero caiu de novo doente, cruelmente atacado de uma moléstia dos rins, o que lhe fez padecer dores agudas. Desta vez pensou morrer... mas, apesar da aproximação da eternidade, nenhum pensamento de arrependimento ou de paz surgiu em sua alma dilacerada. Cada palavra por ele articulada era um brado de ódio contra Roma e contra o Papa. Continuamente exclamava: “Morro no ódio contra o Papa” (Tischredden.; Weimar, 6 de novembro, n. 6974). Sentindo a chegada da morte, em meio de dores horríveis, disse ao landgrave protestante ser o seu falecimento motivo de satisfação ao Papa, que não se alegraria por muito tempo. A inscrição sepulcral por ele mesmo composta e preparada de antemão, para ser colocada em cima de seu túmulo, continha os dizeres: “Pestis eram vivens, moriens ero mors tua, papa” – Em vida eu era a tua peste, morrendo, serei a tua morte, ó Papa! Querendo o reformador morrer entre os de sua família, aproveitou de uma melhora, para se fazer transportar para Wittemberg. Ao embarcar, despediu-se dos seus amigos com estas palavras: “Deus vos encha de suas bênçãos e de ódio ao Papa” ODIUM IM PAPAM: Eis a sua lúgubre herança para o seus amigos (Grisar, p.394) e esta foi sempre o sinal distintivos dos infelizes protestantes. Lutero desta vez se restabeleceu. Somente anos depois chegou a sua hora final. 3. BIGAMIA DE FILIPE DE HESSE Um dos mais ruidosos, talvez o maior dos escândalos de Lutero foi, sem dúvida, a permissão por ele dada para o landgrave de Hesse viver em bigamia simultânea. Como já vimos, Lutero queria apoiar a sua reforma sobre a proteção dos príncipes. É um verdade reconhecida pelo historiadores protestantes: “A reforma introduzida por Lutero foi, antes de tudo, uma obra política (Grisar, II. 282-346 e Paquier Kol 1177) uma revolta suscitada por fatores econômicos”. “O que os príncipes desejavam era apoderar dos bens eclesiásticos e exercer uma autoridade absoluta, religiosa e política, em seus estados”. A concessão de bigamia, concedida por Lutero e companheiros ao landgrave de Hesse, vem mais uma vez provar esta triste verdade. O pe. Leonel Franca resumiu muito bem o caso, em poucas palavras: Filipe, príncipe de costumes depravados, não contente com a sua legítima esposa, de quem já tivera 7 filhos, queria casar-se também com Margarida de la Sale, dama de honra de sua irmã Izabel. A mãe de Margarida acabou por dar o seu consentimento a esta união escandalosa, contanto que ao casamento assistissem Lutero, Melanchton, Bucero, Cristina, esposa do landgrave, Ernesto Miltiz, tio da jovem, o eleitor da Saxônia e o duque Maurício, esses dois últimos, por si ou por seus representantes. Filipe aceitou a cláusula e pôs logo em campo para obter a anuência dos grandes evangélicos reformadores. A Bucero enviou em 1539 uma longa instrução que deveria ser comunicada a Lutero e a Melanchton. É uma exposição de motivos. A sua vida, confessa o landgrave, “... é escandalosa; mas só, com a esposa que tem, ele não pode nem QUER MUDA DE VIDA... Frequentemente deve tomar parte nas assembléias do império, onde são muitas as diversões... não lhe é possível dispensar uma mulher; e levar uma de grande qualidade seria muito embaraçoso”. Mas, como bom cristão, nada quer fazer contra a Escritura; consultou a Bíblia e verificou que: “nem Deus no Antigo Testamento, nem Jesus Cristo no Novo Testamento, nem os Profetas, nem os Apóstolos proíbem a alguém ter duas mulheres”. Além disto, o fato não era inédito, o landgrave sabia “que Lutero e Melanchton haviam aconselhado ao rei da Inglaterra que tomasse uma segunda esposa” como se vê na sua CONSULTA MOTIVADA. (O landgrave estava bem informado. Na sua Memória de 27 de agosto de 1531, “De Bigamia Regis Angliae” escrevera Melanchton: “Se o rei que prover a sucessão do trono, é melhor fazê-lo, sem infâmia do primeiro casamento. Poderá consegui-lo, sem perigo algum da consciência ou da fama de quem quer que seja, por meio da poligamia” (Corpus Ref. II. 526). Lutero afinou pelo mesmo diapasão. Henrique “... poderia casar com outra rainha a exemplo dos patriarcas que tiveram várias esposas” (Enders. IV, 88). Finalmente, no caso em que ainda, hesitassem, o landgrave ameaçava de “... pedir o consentimento ao imperador” com quem ele poderia obter o que quisesse, peitando os seus ministros. E este passo seria prejudicial “aos interesses da Igreja”: “os ministros imperiais poderiam colher a oportunidade para levá-lo a qualquer ação que não seria útil a esta causa (reforma) e a este partido”. Por todos estes motivos suplicava que lhe dessem o consentimento por escrito, a fim de “poder aproximar-se em boa consciência e TRATAR COM MAIOR LIBERDADE E CONFIANÇA DOS NEGÓCIOS DE NOSSA RELIGIÃO”. Em longa consulta, assinada, por Lutero, Melanchton, Bucero e mais 6 teólogos e endereçada ao “sereníssimo Príncipe e Senhor”, depois de fazerem ver os inconvenientes do escândalo público que poderia daí advir e de exortar o landgrave a outra solução menos arriscada e mais cristã, concluíram finalmente os signatários: “se Sua Alteza está inteiramente resolvido a tomar segunda mulher, julgamos que o deve fazer em segredo. Ao Imperador, convém não recorrer; sua fé sendo à maneira da do Papa, ele tratará como ridícula a proposta de V. Alteza... nada tem ele dos costumes alemães... é para desejar que nenhum príncipe cristão se alie aos seus desígnios perniciosos”. Inútil dizer que o landgrave estava “inteiramente resolvido a tomar usa segunda mulher”. A 5 de abril escreve a Lutero “na calma e na alegria de uma boa consciência”, e acompanha os agradecimentos com um barril de um bom vinho do Reno. A 24 de maio o austero reformador responde-lhe humildemente; “Recebi o presente de sua Graça, o barril de vinho do Reno, e apresento-lhe os meus humildes agradecimentos”. Segundo casamento projetado realizou-se a 4 de março. Celebrou-o dignamente o predicante da corte Dionísio Melandro, outro frade reformado, que já estava valorosamente com sua terceira mulher, vivas ainda as duas primeiras. Assistiram ao ato Bucero, Melanchton, os teólogos e conselheiros da corte. Faltou o tio de Margarida, Ernesto de Miltiz, “porque era papista e, como tal, não suficiente versado na Sagrada Escritura, para aceitar diante de Deus a legitimidade de um duplo casamento” (Lens, Briefwechsel Langraf Philipps dês Grossmuthigen von hessen mil Bucer, Leipsig, 1880-1887, t. I. p. 330-332). 4. LOUCO OU POSSESSO A vida que vamos historiando continua a ostentar o distintivo costumeiro: um verdadeiro frenesi antipapal, uma inextinguível aversão à Igreja Católica e uma ação sem descanso na propagação do mal. “Quem diz uma só mentira”, reza o sábio adágio, “é obrigado a inventgar cem outras para sustentar a primeira”. É bem o caso do infeliz reformador. Começou a errar e, para defender o seu erro, não cessou de transviar-se, até nada mais conservar da religião católica. Em nome da Bíblia, suprimiu a Bíblia; e, em nome do Evangelho, liquidou a obra de Cristo. O seu pesadelo, o seu sonho mais impressionante e impulsivo foi vibrar o golpe de morte ao Romanismo; e eis a Igreja de Roma erguendo, de um momento para outro, a cabeça, mais radiante e bela do que nunca. Começou a circular o boato da reunião de um concílio geral, para condenar os erros. Protestantes. Lutero tremeu de horror. Tal um outro Sansão, o pobre e velho reformador (já estava com 55 anos), quase caduco, quereria poder jogar-se contra as colunas do catolicismo, para sepultar o Papa sob as suas ruínas. No seu insaciável desejo de vingança ele toma a pena e começa a redigir um nojento panfleto pelo mesmo denominado: “Meu testamento à nação alemã, cujo é: CONTRA O PAPADO DE ROMA FUNDADO PELO DIABO” (Grisar e Huge: Kampf bilder, p. 36). A idéia dominante é a seguinte: O papado surgiu do inferno, e a soberania de sua ação é devida aos poderes diabólicos. Citemos apenas umas frases deste grosseiro testamente. Se se deve julgar o homem pelas suas idéias, é preciso confessar ser Lutero uma verdadeira fonte de imundície; diz um escritor contemporâneo: o estilo é o homem; assim pensando, forçosamente se concluirá que Lutero é UM POSSESSO ou UM LOUCO. “O Papa é a cabeça das igrejas malditas, o pior de todos os ladrões da terra; é um substituto do diabo, inimigo de Deus, revoltoso contra Cristo, um perturbador da Igreja, um doutor de mentiras, de blasfêmias e de ateísmo, arquiladrão das igrejas, gatuno de chaves, assassino, filho da corrupção: que não quiser acreditar nisso, corra ao diabo com o seu Deus e seu Papa. Eu, como doutrinador inspirado e pregado na igreja de Cristo, devo dizer a verdade, e assim faço” “Felizmente eu estou vivo, eu doutor Martinho Lutero, educado na escola papal e estrebaria dos asnos, me tornei doutor em teologia; já como sábio e como doutor, posso testemunhar como é alta, larga e comprida a ciência da Sagrada Escritura”. O que sobressai sempre é o infame desejo, a sede de destruição de Roma e do Papado. Falando, no aludido escrito, dos castigos desejados para o Papa, ele diz: “A sentença para o Papa e os seus partidários deve ser: Arrancar-lhes a língua,por detrás, pelo pescoço, e pregá-los ao patíbulo, onde fiquem suspensos em linha, como os seus selos nas bulas. Poderão, então, reunir um concílio no patíbulo ou no inferno, no meio dos diabos”. “Veja”, exclama ainda, “como ferve o meu sangue e a minha carne. Como desejo ver castigado o Papado, embora não saiba haver castigo temporal suficiente para uma bula ou para um decreto”. Para dar maior peso a estes vezeiros insultos, Lutero mandou gravar pelo seu amigo Cranach, as mais infames e satíricas caricaturas, a fim de ilustrar o seu panfleto, que felizmente não chegou a terminar. De tudo isto só se pode concluir: mesmo no fim de seus dias, ainda o persegui o demônio do ódio, como a fantasmagoria segue os pobres desequilibrados. Na expressão de PERKHEIMER, Lutero era isso: UM POSSESSO ou um LOUCO. 5. CONCLUSÃO É fatal e lógica a dedução de todo espírito possuído de bom senso: não fala nem age assim um enviado de Deus. Fosse o catolicismo um pouco de vícios, segundo a expressão Lutero, será que, para transformá-lo e persuadir os seus seguidores a deixarem o pecado e o erro, teria Deus deputado alguém que se expressasse com ditos satíricos, sarcasmos pegajosos, cóleras intempestivas, mesquinhas calúnias?... Não, é impossível. ELE QUER QUE O PECADOR SE CONVERTA E VIVA. Não se pode querer construir acumulando ruínas e destruindo por maldade. Tal processo repugnaria à bondade e sabedoria divinas que dispõem as coisas conforme os fins a atingir, com peso, medida e prudência. Além disso, quando Deus envia um reformador ao mundo, para extirpar certos abusos, escolhe sempre um homem, cujo exemplo seja a representação viva das lições a dar, ou o antídoto do vício a combater. Lutero acusava a Igreja Católica de ser impura, interesseira, perseguidora; no entanto, ele, Lutero, dá, pela sua vida o mais triste e vergonhoso exemplo dos vícios apontados e de que acusa os outros. Se ele vinha para combater a corrupção e falta de moral, devia, como o divino mestre, fazer e ensinar: COEPIT JESUS FACERE ET DOCERE (Atos dos Apóstolos 1, 1) No entanto, o reformador praticou toda a casta de pecados e defeitos, e até os recomendou aos outros, aconselhando-os, como vimos atrás. Jesus Cristo nos aconselha sejamos mansos e humildes e coração (São Mateus 11, 29) e Lutero nos apareceu com orgulho sem limites e uma vingança sem freio. Jesus nos preceitua a castidade, a continência, a modéstia – Modestia,continentia et catitas (Galat. V. 23). Lutero apelida a castidade um crime, a continência uma invenção romana, a modéstia uma hipocrisia. Jesus nos exorta à oração, à penitência e às boass obras: POENITENTICAM AGITE (São Mateus 3,2). ORATIONI INSTANTE (Colossenses 4,2) BONA OPERA OSTENDI (São João 10,32) enquanto Lutero não rezava, desprezava as práticas penitenciais e negava a necessidade das boas obras. Jesus nos anima ao combate dos nossos defeitos, à mortificação da carne, à santidade da vida. CARNEM SUAM CRUCIFIXERUNT COM VITIIS (Gálatas l5,24) SANCTI ERITIS (1 Pedro, 1,16); Lutero, ao invés, se deixa dominar pelos vícios da carne, da mesa, da bebida, nem ao menos, segue os ditames da lei natural. Oh, Não! Lutero não foi um enviado de Deus, mas apenas um espírito revoltoso, cheio de vícios, um réprobo, hostil a Deus e à Igreja verdadeira, à virtude e à humanidade. Daí, se deduz a ser a seita fundada por ele uma coisa humana, diabólica, e um instrumento de perdição para as almas. CAPÍTULO XI ÚLTIMOS DIAS E MORTE DE LUTERO Atingimos ao fim desta vida tão agitada. Os anos e as moléstias foram aos poucos lhe abalando a saúde; hábitos torpes e animalescos estavam de há muito estragando o seu rude organismo. No entanto, se o corpo se lhe depauperava, o espírito ainda estava lúcido e a chama do ódio, “mola-mestra” da sua ação, não decaíra de intensidade. Ele reage contra todas as inquietações e leva para frente a sua obra de demolição, até que a morte o prostre e o torne conhecido para sempre, diante das gerações futuras, como heresiarca do século dezesseis, o triste sucessor daqueles que, através dos tempos, perturbaram a Igreja católica pelas mais variadas cisões, e cuja memória é a expressão do ódio e do vício: Ário, Pelágio, Nestório, Eutíquio, Maomé, Fócio e o pai do protestantismo. Sigamos Lutero nos seus últimos dias de vida. 1. O HOMEM TERRÍVEL Aos seus seguidores Lutero queria deixar o seu testamento de ódio contra o Suma pontífice. Cameçous, mas não o levou a termo, pois a moléstia, viagens urgentes e, afinal, a morte, não lhe deixaram o tempo necessário para completar esta obra, a última prova de seus desvarios espirituais. A ardência do ódio, em vez de arrefecer perante as ameaças da morte, parecia tornar-se mais violenta, tentando envolver todos quantos discordassem de sua orientação. Os teólogos da Universidade de Lovaina tiveram a inaudita coragem de refutar, em 32 artigos, os principais erros do inovador. Lutero viu nisto um crime imperdoável e disse: “Estou furioso contra estes quadrúpedes de Lovaina, que pretendem ensinar, a mim, um velho e tão insigne teólogo; quero dar uma lição a estes monstros de satanás, mesmo que isso me custe o último suspiro”. E, de fato, a resposta não se fez esperar; apareceu grosseira, orgulhosa, em 76 teses, com este título: “CONTA OS TEÓLOGO DE LOVAINA”. “Tais teses”, diz Kohler, “são mais insultuosas que instrutivas”, e deixam entrever o declive da inteligência de seu autor. “O homem terrível”, como o chama Melanchton em uma carta a Camerário, “com seus ataques violentos, não suporta a mínima oposição; enerva-se, insulta, esbraveja como um endemoninhado. Oh, se pelo menos Lutero se calasse, continua Melanchton, “mas não há jeito. Eu esperava que a velhice e a experiência dos erros cometidos lhe abrandassem o gênio, porém acontece o contrário, ele se torna cada vez mais violento na luta e na oposição” (Corresp. Ref. I. p. 794). Pouco depois os teólogos da Universidade de Paris levantaram também a voz, para combater as doutrinas errôneas do reformador. Nova lute ia suceder à primeira; Lutero se esforçou para responder, mas chegou apenas a escrever a epígrafe do escrito e curtas observações. A moléstia lhe fez cair a pena das mãos. O título do novo pasquim, que não foi feito, é sugestivo e nos permite avaliar o estado de nervosidade do autor: “CONTRA OS ASNOS DE PARIS E LOVAINA” O reformador sente-se abatido, neurastênico, irritado contra si e contra os outros: “Tenho nojo dos homens”, exclamou ele um dia, “e o mundo tem nojo de mim”. “Ninguém é capaz de imaginar, dizia ainda, quanto custa e que suplício é, para um homem, persuadir a crer numa doutrina que os Padres da Igreja não admitem. Que agitações em seus corações ao pensar que tantos homens excelentes, esclarecido, doutos e, por assim dizer, a maior e melhor parte do mundo cristão, acreditaram e ensinaram tal e tal artigo, e com eles tantas almas sadias: os Ambrósios, os Jerônimos, os Agostinhos! Parece-me ouvi-los, em grito de angústia, repetir em coro: A Igreja! A Igreja!... E a alma se me confrange em dor suprema. Oh,na verdade é uma prova rude separar-se alguém de tantos personagens santos!... romper com a própria Igreja, e não ter mais fé e confiança nos próprios ensinamentos”. Ele escreve alhures: “Enche-me de espanto não ter plena confiança em minha doutrina. Por causa dela tornei-me inimigo de mim mesmo, enquanto os meus discípulos pensam sabê-lo na ponta do dedo”. Tais eram os pensamentos íntimos de Lutero, nas horas de calma e de reflexão. Logo, porém, voltava ao estado anterior. Punha-o sobretudo em desespero a visão do mal cada vez maior, que penetrava na sociedade. “O mundo está repleto de satã e de homens satânicos”, escreve ele em carta íntima. “O negócio irá mal, quando eu não estiver mais aqui. Mais de um „mane, tecel‟ está gravado nas paredes da reforma. Examinados, um por um, os meus auxiliares, não encontro nenhum merecedor de confiança” 2. DESGOSTOS E REMORSOS Externando os seus desgostos e remorsos, ele escreve a cada instante, no fim de sua vida: “O mundo piora todos os dias e mais malvado fica. Os homens estão hoje mais açulados às vinganças, mais avarentos, mais sem misericórdia, menos modestos, mais incorrigíveis e piores do que no papismo. Quanto é escandaloso ver-se, depois do advento da reforma, o mundo andar diariamente de mal a pior. Os nobres e os rústicos chegam a dizer não precisar de pregação, nem terem de pagar sequer um vintém por todos os nossos sermões juntos... Vivem como crêem: são e ficam porcos, e morrem como tais. Há ainda chaga mais deplorável: os pastores, sim, os próprios pastores que sobem ao púlpito, são hoje os mais vergonhosos exemplos da perversidade e de outros vícios. Daí vem não terem os seus sermões nem mais crédito, nem mais autoridade do que as fábulas recitadas por um histrião. E esses senhores ousam queixar-se de ser desprezados e cair no ridículo. Por mim, admiro-me da paciência do povo e não sei como as crianças e o povo não os cobrem de lama”. Falando da corrupção do povo de Wittemberg ele esclamou um dia publicamente: “Fujamos desta Sodoma. Prefiro andar mendigando o meu pão a envenenar os meus últimos dias, vendo as desordens de Wittemberg. Tenho nojo do mundo... e o mundo tem nojo de mim; e isto me alegra. É já tempo de retirar-me” Sair de Wittemberg era o seu desejo. Em 1544 ele tentou afastar-se, mas os seus amigos o persuadiram a desistir do plano, porém foi apenas por pouco tempo, e, em fins de julho, sem avisar, deixou sorrateiramente a cidade acompanhado de seu filho Hans e de uns dois amigos: Fernando von Maups e Cruciger seus companheiros de viagem até à próxima cidade de Zeitz. De Zeitz escreveu à sua amásia: “Meu coração está um pouco refrescado; não gosto mais de ficar aí!” Nesta mesma carta exprime a vontade de vender a casa e jardim que possuía em Wittenberg e ir residir em Zulsdorf onde tinha uma pequena propriedade. Desejava terminar ali a sua vida, porque, dizia mais tarde, “após minha morte, o povo não suportará a minha viúva em Wittemberg.” Quando os chefes protestantes tiveram o conhecimento destes planos, instantemente, foram pedirlhe que voltasse, sendo a sua presença em Wittemberg absolutamente necessária para manter a paz e favorecer a extensão da reforma. Lutero deixou-se convencer e voltou para aquela cidade. Mais tarde saiu outra vez, indo para Mansfeld, tratar de negócios com o landgrave. No meio destas idas e vindas, as suas cartas exprimem o mesmo tédio, os mesmos desesperos da vida. Lutero sente m mal estar inexplicável, que outra coisa não é senão o remorso cada vez mais feroz em sua consciência perturbada, com a aproximação da morte. 3. ÚLTIMA VIAGEM Em 23 de janeiro de 1546, Lutero foi terminar umas negociações na família do landgrave Alberto Mansfeld, em Eusleben. Viajou em companhia de seus três filhos, o professor particular destes e o seu amigo Aurifaber, o futuro compilador dos seus discursos de mesa. Durante três dias se deteve em Halle, na casa de seu amigo Jonas, por causa da inundação do rio Saale. Daí escreveu a Catarina, em 25 de janeiro:“Não quisemos lançar-nos à correnteza e tentar a Deus, pois o diabo, nosso inimigo, reside na água, e, depois, não quero ver o Papa alegrar-se com a notícia de minha morte” (Cartas 5. p. 780). No dia seguinte ele pregou em Halle, com toda a veemência permitida pela sua idade e moléstia, contra o Papa, os cardeais, os monges, que apesar de todas a suas exortações e ameaças, haviam ficando fiéis aos seus deveres e à sua religião. Baixando as águas do rio, no dia 28, Lutero o atravessou em companhia de Jonas, e prosseguiu a viagem para Eisleben; notando estar a enchente ainda bastante forte, o reformador gracejou para Jonas: “Caro amigo, não seria muito agradável ao demônio, se eu, Doutor Martinho, com meus três filhos e o senhor morrêssemos aqui afogados?” Não morreu afogado, mas a morte mandou-lhe um aviso da sua venda próxima. O tempo estava frio, e um vento gelado soprava sobre os viajantes, causando arrepios ao velho Lutero que se sentiu incomodado, com tonteiras e dificuldade de respiração. Consolou-se, entretanto, e falou ao companheiro: “É o diabo que me fez isso; ele costuma proceder desse modo, cada vez que pretendo fazer coisa de importante” (Hausrath 2, p. 493). Chegados a Eisleben, escreveu em tom zombeteiro e supersticioso aos judeus, numerosos no lugar, onde lhe acontecera o resfriar-se: “Vós me suscitastes esta friagem, que soprou detrás no carro e penetrou, através do meu barrete, até ao cérebro” (Cartas à Catarina, 5, p.783-1). Durante sua estadia em Eisleben, Lutero vinha quase diariamente observar os patinadores do lago. Daí escreveu cartas humorísticas, incitando uma iminente repressão aos judeus, sempre avessos à sua reforma. Pregou ali 4 vezes e ordenou dois padres, por ocasião da Ceia, “conforme o uso apostólico” diz ele. Em 14 de fevereiro, à sua amiga e querida Catarina comunicou estar terminado o negócio do landgrave, de que fora tratar, tencionando voltar naquela mesma semana. No dia 16 entretendo-se à mesa, sobre a sua viagem de volta, exclamou, em tom zombeteiro, algo que se realizou, parece, por castigo divino: “Quando estiver de volta a Wittemberg, me deitarei num cadafalso e darei de comer aos vermes um gordo doutor!” (Erling. 6l. 437). No dia seguinte, 17, declararam-se os primeiros sintomas do ataque de apoplexia que, no dia seguinte o fulminaria repentinamente. Passou o dia perturbado, inquieto, sentindo como que uma mão de ferro a lhe apertar a garganta, sem deixá-lo quase respirar. Passeava de uma lugar para outro, ora estava em pé, ora deitado, ora inclinado à janela para melhor conseguir respiração. Viu como que estender-se diante de si um pano fúnebre; ruídos estranhos atordoavam-lhe os ouvidos; espectros lquméricos povoavam-lhe a imaginação. Tudo lhe dava a impressão de ser o último aviso de Deus. Então ele disse: “Eu fui batizado aqui em Eisleben, quem sabe se não devo ficar aqui?” A última hora, o instante da “grande viagem”, se aproximava... 4. A MORTE MISTERIOSA Nada mais difícil que descrever a morte do reformador. Correm tantas legendas e histórias acerca desta fato; muitos escritores trataram do assunto, de modo que o historiador imparcial não sabe em quem acreditar. Paira um mistério sobre este falecimento. A razão desta balbúrdia é a seguinte: No tempo de Lutero, como ainda hoje, já estava arraigada a idéia de que um perverso deve necessariamente ter uma morte agitada, dolorosa, cruel; e o povo não admite possa uma pessoa reprovada morrer quieta e sossegada em seu leito de dores. “Tal vida, tal morte” É certo; é, porém, bom notar-se; tal morte se refere à sorte da alma e não ao gênero de morte do corpo. É possível um criminoso, às vezes, ter uma morte suave, consolada, e perder a sua alma; como um predestinado, um santo, poder ter um trespasse doloroso, agoniado, e sua alma voar direito para o céu. Não se pode negar tenha sido Lutero um homem perverso, corrupto, vingativo, revoltoso, entregue aos mais baixos instintos; e, segundo a opinião citada, estava-lhe reservada a morte equivalente. Os protestantes acusam os católicos de terem cercado os últimos instantes de seu reformador com pormenores ainda não bastante provados, exagerando talvez a verdade. É possível. Não se pode atestar tenha sido aumentadas as proporções do caso, como não se tem certeza do contrário. De outro lado, os protestantes, tanto os que assistiram à morte de seu chefe, como os que surgiram mais tarde, tinham todas as razões para apresentá-la como desenlace de um predestinado. Os católicos tendiam a um rigor excessivo, e os protestantes, a uma indulgência exagerada. Para evitar discussões sem provas, cada um adotou, pois, a opinião mais coerente com as próprias idéias. Desejo ser imparcial; por isso, sem adotar definitivamente esta ou aquela narração a respeito, citarei com brevidade os diversos modos de pensar. A primeira opinião, a mais seguida entre católicos e protestantes, é a seguinte: Tendo Lutero resolvido voltar para Wittemberg, embora estivesse já alquebrado, doente e cansado, convidou os amigos para um banquete. Pela tarde do dia 17 o chefe manifestara ligeira melhora, recobrando passageiramente o seu velho bom humor e espírito zombeteiro. Comeram, beberam, cantaram; e, para agradar aos convidados, Lutero não deixou de beber bastante do bom vinho de Eisleben. Parecendo, entre os vapores do álcool, esquecer-se do seu estado doentio. Alta noite os comensais se retiraram, ficando, somente Lutero, Justo Jonas, dono da casa, seu criado particular e um filho. Conduzido ao seu quarto, Lutero sentou-se num sofá, mandando ao criado retirar-se, por não carecer mais dos seus serviços. Que aconteceu nesta noite tremenda? Só Deus o sabe. De manhã, demorando-se Lutero mais que de costume em seu quarto, o criado foi bater-lhe à porta, mas não obteve resposta, nem notou o mínimo ruído. Conhecendo o servo o estado de seu mestre e receando qualquer catástrofe, chamou Justo Jonas e o filho de Lutero, e abriram a porta, não fechado por dentro. E uma cena mais horrenda e tétrica se ofereceu então aos seus olhos. No meio do quarto, entre o móvel e o leito, o corpo de Lutero estava estendido no chão.... o rosto lívido, azulado, de olhar e boca desmedidamente abertos, os braços estendidos, o abdome intumescido, saindo-lhe as entranhas em redor do corpo. Era um cadáver. A mão justiceira de Deus havia prostrado aquele que durante tantos anos o blasfemara, na pessoa de seu representante visível na terra. Lutero já estava na eternidade: excomungado, herege, apóstata, sacrílego, levando as mãos tintas de sangue e tendo a alma envolta em rancores ao Papa e à Igreja de Cristo. Triste... Tristíssima bagagem para comparecer perante o Tribunal de Deus! Justo Jonas e o criado, à vista do cadáver, já em começo de decomposição, com as entranhas derramadas pelo chão, recuaram de espanto, enquanto Hans Lutero soltou um grito estridente, caindo de joelhos perto de seu pai, para examinar se realmente estava morto. Não havia dúvida; tinham diante de si um corpo frio e rígido; levantaram-no e deitaram-no sobre o sofá, indo um deles chamar o farmacêutico Landau para verificar a morte. Lutero falecera, vitimado por um ataque de apoplexia fulminante, proveniente talvez da indigestão dos alimentos e bebidas ingeridos no derradeiro banquete. O pretenso reformador da Igreja morrera como vivera: como um trivial gastrônomo. A medida da justiça divina estava repleta, e aquele que em vidas se intitulara “uma peste” para o Papa, e que, ao morrer seria a sua morte, foi apenas a peste da seita fundada por ele, em cuja história representa uma negra mancha: o seu desaparecimento não foi a morte do Papa, mas a desgraça espiritual de seus sectários. Lutero morreu; o Papado não morre, porque Cristo é eterno. O padre Leonel Franca, cuja sinceridade e ciência histórica são indiscutíveis, adota a mesma opinião e conclui: “Assim se calou, como um gastrônomo e libertino vulgar, o apóstata que se arrogava em reformador do cristianismo” (A Igreja, a reforma e a civilização. Pg. 200, citando Paulus: Lutero lebesende. Mainz 1896 p. 5). “Na hierarquia dos anjos rebeldes, ainda que cause pesar aos seus amigos”, diz outro escritor de renome, “Lutero ocupa o grau mais baixo, mais próximo do lodo e do pântano” (Th. Mainage: Témoignages dês apostats. Paris 1916, p. 76). 5. OUTRAS OPINIÕES Entre as diversas narrações dos antigos, a que acabo de citar é a mais universalmente aceita quer por protestantes sinceros, quer pelos católicos. Uma segunda opinião acha que Lutero SE ENFORCOU: baseia-se numa CARTA DO CRIADO que o assistiu no dia da morte. Segundo tal carta, todos os presentes, no dia seguinte ao em que encontraram Lutero ENFORCADO, haviam obrigado por JURAMENTO, em honra da nova doutrina, a nunca falar da cena presenciada. Havendo, mais tarde abjurado o erro protestante asseveram ter o criado revelado o fato. Foi no começo do século 17, em 1606, quando pelo primeira vez se encontrou o texto da carta do criado de Lutero, mencionado num livro do franciscano Henrique Edúlio, publicado em Antuérpia. Qual é o VALOR deste documento? É difícil dizê-lo; é certo não ter ele sido geralmente aceito pelos historiadores pósteros; nem a sua autenticidade, nem a sua falsidade foram bastante provadas. Os protestantes rejeitam tal opinião como caluniosa; é natural, pois seria para eles uma nódoa sombria na vida e na morte, já tão torvas de seu fundador. Seriam filhos espirituais de um suicida, de um enforcado pelas próprias mãos. O franciscano divulgador desta carta, além de um historiador de valor, é um homem de virtude reconhecida de modo a não se poder suspeitar da sua sinceridade, porém é possível que o documento publicado por ele tenha uma fonte menos sincera. Não nos cabe discutir esta opinião, por não dispormos de documentos bastante comprobativos, pró ou contra. Uma terceira opinião foi emitida pelo médico do landgrave, dr. RATZBERG, chamado na ocasião da morte de Lutero. Este médico, conforme a primeira opinião, admite o ataque de apoplexia, a queda e o derramamento dos intestinos, mas ajunta que, na véspera do dia de sua morte, antes de deitarse, à noite, escrevera com giz na parede de seu quarto o já conhecido verso:"Papa, eu fui a tua peste durante a minha vida; morrendo, serei a tua morte" Tal pormenor, omitiram-nos os demais. Se a existência da inscrição não foi provada, é certo ter sido pronunciada e escrita por ele em outras circunstâncias já conhecidas sendo a expressão verídica de seus sentimentos odiosos ao Papa. (Na biblioteca de Groningen [Holanda] existe ainda um comentário sobre o Novo Testamento de Erasmo, no qual Lutero escreveu, com seu próprio punho, no lado interior da capa, esta execrada blasfêmia). Um quarta opinião, de origem visivelmente protestante, pretende que Lutero faleceu de morte natural, sem acidente agravante, recitando versículos da Bíblia. Dizem que, após o banquete, onde comera e bebera fartamente, sem nada sentir de anormal, ele se retirara cedo ao seu quarto, sendo ali subitamente atacado por uma perturbação cardíaca. Tendo-se friccionado com panos quentes, melhorou, e dormiu sossegado uma parte da noite. Pela madrugada a mesma inquietação manifestou-se de novo. Foram chamados dois médicos, mas, quando estes entraram, já o acharam estendido sobre o sofá, com um pulso imperceptível e a fronte coberta pelo suor da morte. Voltando a si, momentos depois, asseveram ter dito: "Meu Deus, sinto-me tão agoniado, vou morrer". Jonas, seu assistente, conta que, depois fez uma oração, dando graças a Deus de lhe ter dado Jesus Cristo, que ele havia pregado, enquanto o miserável Papa e todos os ímpios blasfemam. Tendo Jonas perguntado se queria perseverar na religião que havia pregado, Lutero respondeu que sim: e pronunciando esta última palavra, morreu logo em seguida, às 3 horas da madrugada do dia 18 de fevereiro de 1546. Vê-se claramente a falsidade destá última opinião fabricada pelos seus amigos, para esconder qualquer coisa que não queriam fosse conhecida. Esta opinião protestante em vez de enfraquecer, confirma a opinião dos escritores católicos. As palavras citadas não são de um moribundo, e a morte instantânea, que as segue, não combina com as palavras proferidas; pois há sempre um momento de agonia, a menos que seja um ataque apoplético que prostra a pessoa. Aparecem reticências visíveis... e palavras ditadas pelo interesse para impressionar. Lutero deixou neste mundo, como fruto de seu casamento sacrílego, 5 filhos, sendo 3 homens e 2 mulheres, havendo falecido uma menina com 8 meses de idade. Conforme uma notícia do "Catholic Reviera", existem na América do Norte 20 famílias com o nome de Lutero, sendo elas católicas. Um beneditino, Luis Lutero, celebrou ultimamente a missa de Requiem, para seu pai Sebastião Lutero, descendente em linha reta, de Martinho Lutero, quarto filho do próprio "reformador". 6. O ENTERRO DE LUTERO O corpo de Lutero, bastante desfigurado e mal suportado pelos circunstantes, foi transportado no dia 20 para HALLE, e no dia 22, pelo madrugada, para WITTEMBERG, onde, por ordem do landgrave, devia ser sepultado na igreja, junto ao púlpito donde havia lançado a semente da revolta. Dizem os escritores da época que, ao ser ele para lá transportado, o mau cheiro do cadáver se tornou tão penetrante e insuportável que, diversas vezes, os carregadores foram coagidos e deixálo por algum tempo, só, no meio dos campos, para poderem respirar um pouco de ar puro. Contam ainda ter um bando de corvos, aliciados pela putrefação, seguido o cortejo lúgubre, como se fossem demônio montando guarda de honra a um de seus chefes. Foram tais as diversas opiniões veiculadas a respeito da morte e do enterro do fundador do protestantismo. Haverá qualquer exagero nestas narrações? É difícil dizê-lo; só me foi possível reproduzir o que os contemporâneos narraram a respeito. Que Justo Jonas, Célio, Aurifaber e, provavelmente, os filhos de Lutero tenham guardado silêncio sobre o fato é natural, pois a verdade seria a desmoralização da pessoa de seu amigo, de seu pai e até da reforma que este havia pregado e que eles mesmos seguiam. E por isso, conforme o testemunho citado, que todos juraram nada revelar da morte de seu chefe; é por isso também que ficou envolta em tantos mistérios e incertezas uma morte que devia ser notória para todos. 7. CONCLUSÃO Lutero desceu ao túmulo, como qualquer mortal; e, infelizmente, parece que acabou impenitente: a alma envenenada por sentimentos rancorosos, o coração transviado pelas paixões humanas, o espírito obcecado pela falsa idéia de um desígnio que o destinava para reformador. A existência do herói de Wittemberg desconcerta o mais arguto psicólogo; é um complexo contraditório e um triste acúmulo de ócio e de atividade, de obsessão e de força, de baixezas e de elevação, mas tudo isso, tão entrelaçado, que querendo-se delinear a sua fisionomia, chega-se necessariamente à de um de seus contemporâneos:"Lutero é um tresloucado, ou, então, vítima de influência diabólica" Cada vez se robustece em minha mente este mesmo conceito sobre o pai das seitas protestantes. Iludido por sucessos passageiros, que as circunstâncias favoreceram, ele se julgou um gênio, um astro, um arauto do céu. A morte implacável deitou no túmulo a sua audácia de deformador, porém o espírito de revolta que havia insuflado no mundo, o ódio ao Papa, que acendera nas almas, continuou, firmando o credo fundamental do protestantismo. Um homem que se ufana de raciocinar sem preconceitos teria de parar diante deste quadro horripilante, como se detém diante da forca de Judas, e exclamar instintivamente: Não, a verdade não está aqui; só posso estar diante do mal, diante do vício, da perdição... e a verdade continua estar ao lado de Jesus Cristo, mesmo estando ele diante de Caifaz, de Pilatos ou de Herodes... A verdade está com ele, exclusivamente com ele e com seus sucessores: o Papa imortal de Roma, sucessor de S. Pedro, representante visível do Cristo invisível. Para tornar esta verdade palpável, permitiu Deus fosse Lutero, sepultado no mesmo dia em que o povo católico celebrava a festa da "Cathedra Petri", dia comemorativo da fundação da primazia do Papa... data em que a Igreja canta as palavras do Salvador a Pedro: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela” (São Mateus 16, 18). Lutero procurou prevalecer contra a Igreja... mas terminou esmagado sob o peso da rocha de Pedro; e o Papa continua, como sempre, abençoando os seus filhos e suplicando que Deus se compadeça dos seus perseguidores. CAPÍTULO XII A CONTRA-REFORMA Lutero desceu à sepultura, depois de uma morte atribulada e cheia de remorsos. Dele, como de Judas, pode-se repetir a palavra de Jesus Cristo: "Bonum erat ei natus non fuisset" - Melhor fora, para ele, se não tivesse nascido (Mat. 26,24). Sua vida, tão triste e tão baixa, foi como que a luta titânica do inferno contra o rochedo indestrutível de Pedro. Lutero caiu... vencido... como Juliano, o apóstata... e, como ele, talvez murmurando: Pedro, venceste, como o imperador gritara: Venceste, Nazareno! Sim, Roma, a indestrutível, venceu... como sempre ela tem saído vitoriosa... e, enquanto em Wittemberg confiavam à terra os restos mortais do reformador já em putrefação, o Papado, cheio de vida e de glória, levantava a fronte, e com aquela mão que a morte não consegue abater, construiu o maior e o mais belo monumento da vida cristã: O GRANDE CONCÍLIO DE TRENTO. Não podemos silenciar esta reação católica, em nome da fé e da verdade, a qual se pode denominar: contra-reforma. 1. O CONCÍLIO DE TRENTO Conforme vimos no desenvolvimento das peripécias da ignóbil existência do monge revoltoso, desde o princípio levantaram-se vozes pedindo um CONCÍLIO GERAL, julgando deveras oportuno, para resolver as contendas e restabelecer a unidade da fé, que se tentava esfacelar. Grandes dificuldades, porém, se opuseram à realização projetada. O Papa Paulo III considerava reunião conciliar como a principal missão de seu Pontificado; mas os tempos agitados, a desunião entre as autoridades, as agitações e revoltas contínuas dos protestantes não lhe permitiram realizar tão justa aspiração. As cidades de Mântua e Vicência haviam sido indicadas para centro de reunião, que ali não se efetuou; só em 1542 é que se tornou possível a escolha da cidade de Trento, também sem resultado; deste modo a convocação definitiva ficou para 1545, ano em que Lutero começou a sentir os primeiros abalos de saúde. Foram celebradas as primeiras sessões no Advento deste mesmo ano, com um reduzido número de assistentes. Tudo se empenhou para fazer desta assembléia uma das mais importantes da história da Igreja: cinco Papas dirigiram sucessivamente os trabalhos do Concílio em circunstâncias excepcionalmente graves. Os assuntos tratados, as decisões tomadas, servem até hoje de norma à sociedade cristã. O Concílio foi duas vezes interrompido, primeiramente devida à agitação dos tempos, e depois por causa das lutas entre a França e a Alemanha. O Concílio constou de 25 sessões, a que assistiram mais de 200 cardeais, Arcebispos e Bispos, 7 Superiores Gerais de Ordens, e grande número de representante de Bispos ausentes por graves razões. Os chefes protestantes, convidados à reunião, recusaram-se a comparecer. Seis doutores da reforma falsificaram, mais tarde, os atos conciliares em sua chamadas centúrias de Magdeburgo. Cantu escreve com razão, a respeito da reunião de Trento: “Nunca monumento mais majestoso foi construído por uma assembléia mais augusta, tendo por base o ensino tradicional e a disciplina antiga. Erro algum foi poupado nestes decretos de fé, formulados com tal clareza, que excluem qualquer equívoco e feitos com tanto rigor que não admitem subterfúgios”. Não há melhoramento fecundo quer não tenha sido incluído neste cânones e decretais, tão bem concebidos que se dobram admiravelmente às necessidades do tempo, adaptando-se às transformações sociais. O Concílio ocupou-se simultaneamente do dogma e da moral, ou da doutrina e da reforma, publicando deste modo decretos dogmáticos e decretos disciplinadores, preparados por comissões particulares, discutidos depois em reuniões públicas e logo votados individualmente. O Concílio de Trento foi o tiro mortal ao protestantismo que, desde então, não passa de um defunto ambulante, forçado a agarrar-se, desesperadamente, às autoridades civis para não cair em putrefação imediata. Em vez de refutar, um por um, os erros de Lutero, será o bastante citarmos as diversas decisões tridentinas, para conhecer as objeções protestante e a resposta clara e insofismável, ditada pelos padres e publicada no catecismo então organizado, que é talvez o código mais teológico, mais simples e mais claro até hoje publicado sobre os assunto em discussão. Podem reduzir-se a nove os decretos daquela assembléia, restabelecendo a verdade atacada, contra os erros introduzidos pela deforma do apóstata de Wittemberg. 2. SAGRADA ESCRITURA E TRADIÇÃO O ponto central do protestantismo, o princípio que o levaria a todos os piores abusos, era o LIVRE EXAME da Sagrada Escritura. Todo podem ser Papas, todos são inspirados pelo Espírito Santo, afora o Papa, tal era a grande regra de Lutero. Ora, com tal princípio não havia erro algum no mundo que não pudesse agasalharse nas páginas do livro Santo. Urgia, pois, restabelecer a verdade e determinar claramente a única verdadeira maneira de interpretar a Bíblia. O Concílio começou, pois, por fixar o cânon do catálogo dos livros inspirados, estabelecendo a Regra de interpretação. Assim reza o primeiro decreto:“O Santo Concílio de Trento, ecumênico e geral, legitimamente reunido sob a direção do Espírito Santo, considerando que as verdade de fé e as regras de costumes estão contidas no livros escritos, ou quando não escritos, se acham nas tradições recebidas pelos Apóstolos da boca do próprio Jesus Cristo, ou transmitidas, pelo apóstolos, como o Espírito Santo as havia ditado, chegando de mão em mão até nós, recebe de acordo com o exemplo dos padres ortodoxos, todos os livros quer do Antigo, que do Novo Testamento, assim como as tradições que dizem respeito à fé e aos costumes conservados por uma sucessão ininterrupta, e os abraça com igual sentido de respeito e piedade” Todos os livros da VULGATA foram depois proclamados autênticos, e aprovada a edição revista da Vulgata, como fazendo autoridade nas discussões e preleções públicas. Condenando a LIVRO INTERPRETAÇÃO da Bíblia, o Concílio estatui expressamente, sob pena de anátema; “Ninguém, por confiança cega, tenha a ousadia de desviar a Escritura Sagrada para o seu sentido particular nem de achar um interpretação oposta à da Santa Igreja à qual assiste o direito exclusivo de interpretar a verdadeira significação das Escrituras, conforme ao sentimento unânime dos Padres” (Sessão IV). 3. O PECADO ORIGINAL Na teoria protestante, o pecado original estragou completamente a nossa natureza; daí o duplo e monstruoso absurdo: “Não há mais em nós livre arbítrio e todas as nossas obras são más; inútil, portanto, esforçarmos-nos por praticar ações boas”. O Concílio enuncia com clareza a verdade católica: “Transgredindo a lei de Deus, Adão perdeu a santidade e a justiça, em que fora criado; atraiu sobre si a ira de Deus, tornou-se escravo do demônio e sujeito à morte. O primeiro homem, porém, não prejudicou somente a si próprio; transmitiu à sua posteridade o pecado, que é ruína da alma, e, com o pecado, a dor e a morte. Este pecado não pode ser apagado só pelas forças da natureza, mas pelos méritos de Jesus Cristo, o único Medianeiro, que nos reconciliou com Deus por seu sangue; estes méritos de Jesus Cristo são aplicados, tanto aos adultos como às crianças, pelo Sacramento do Batismo. O Batismo é necessário a todos, segundo a palavra do Nosso Senhor. Pela graça do Batismo, a mácula do pecado original é verdadeiramente perdoada e apagada. O Concílio reconhece, todavia, e confessa que a concupiscências permanece naqueles que foram batizados, neles ficando como um antagonista contra o qual tem de lutar, sem jamais saírem prejudicados os que lhe resistem valentemente com a fraca de N. S. Jesus Cristo” (Sessão V). O Concílio exprimiu terminantemente não incluir neste decreto, de modo algum, a Virgem Maria, Mãe de Deus. 4. A JUSTIFICAÇÃO A opinião de Lutero era que o homem é justificado unicamente PELA FÉ em Jesus Cristo;Calvino pretendia que o homem assim santificado se torna impecável e não pode mais perder a graça. O Concílio nos descobriu a plena luz da verdade. Admitiu a fé como raiz, fonte e algo imprescindível para a justificação, mas não como CONDIÇÃO ÚNICA, pois é preciso ainda observar os mandamentos e praticar boas obras. Com a prática destes últimos, a graça cresce e, contrariamente à doutrina protestante, perde-se pelo pecado; longe, portanto, de termos essa confiança imperturbável da nossa salvação,não podemos, enquanto dura esta vida mortal, presumir da nossa predestinação para a salvação eterna, pois ninguém tem certeza de sua salvação final. Verdade é, que perdida a graça santificante, pode o homem reavê-la pelo sacramento da penitência, que é a segunda tábua salvadora depois do naufrágio; mas para isso se necessita da contrição, da confissão sacramental, quando possível, e da satisfação. Enfim, a justiça alcançada, ou recuperada, pode e deve ser aumentada pela oração, pela mortificação, pelo cumprimento da lei de Deus e dos preceito do Evangelho. Deus não nos pede o impossível, e seu socorro é certo para quem o implora humilde e confiadamente (Sessão VI). 5. SACRAMENTOS EM GERAL. Anteriormente lha o Papa Eugênio IV exposto de maneira admirável a doutrina sobre os sacramentos, em seu Decreto aos Armênios. Não julgou o Concílio necessário repetir esta explicação, limitando-se a indicar o número deles, sua instituição divina, sua virtude santificante e sua eficácia, independente da santidade do ministro. A respeito do Batismo, os anabatistas exigiam a sua renovação para os adultos, sob pretexto de não será criança capaz de produzir um ato de fé; por outra parte, Lutero, franqueando as portas mais largas aos apóstatas que desertavam dos conventos, tinha declarado que apenas as promessas do batismo eram obrigatórias e anulavam todos os demais votos, mesmo ulteriores. A confirmação ficou sendo, como sempre fora, verdadeiro sacramento da nova lei e os bispos seu ministro ordinário (Sessão VII). Os outros sacramentos, combatidos mais violentamente pelas doutrinas protestantes, foram objeto de estudo mais apurado e de definições mais extensas. 6. A EUCARISTIA A reforma apresentava uma balbúrdia inexplicável a respeito do Santíssimo Sacramento do Altar. O Concílio com uma perspicácia e segurança, onde era sensível o sopro do Espírito Santo, firmou que precisão a verdade opugnada. Em primeiro lutgar afirmou solenemente a PRESENÇA REAL: - “Depois da consagração do pão e do vinho, Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, é contido, verdadeira, real e substancialmente, sob as aparências destas coisas sensíveis, segundo as próprias palavras de Jesus Cristo, referidas no Santo Evangelho. Jesus Cristo está debaixo da espécie do pão, e, debaixo de cada uma das suas partes, não somente no momento da Comunhão, mas de modo permanente”. Lutero acreditava na presença real, mas não na transformação das espécies. O Concílio lhe opôs a fé católica: “Pela consagração faz-se uma conversão de toda a substância do pão na substância do corpo de Nosso Senhor; e de toda substância do vinho no seu sangue; e esta mudança é chamada pelo Igreja Católica: TRANSUBSTANCIAÇÃO. Os Santos Padres declararam em seguida que é uso multo piedoso tributar à divina Eucaristia um culto solene, o cullo de adoração, pois Jesus Cristo é Deus, como o é o Pai. (Sessão XIII). O Concílio manteve a doutrina que estatui não ser a Comunhão sob as duas espécies necessária para os simples fiéis; afirmou que tem traves e plausíveis motivos para dar a comunhão somente debaixo da espécie de pão, que o cristão recebe assim a Jesus Cristo inteiro, e as crianças, até a idade de díscreção, nenhuma obrigação tem de comungar, (sess. XXI). Quanta ao santo sacrifício da Missa, o Concilio lembrou a sua instituição divina por Nosso Senhor, na véspera de sua morte. A Missa é um verdadeiro sacrifício; é propiciatório, tanto para os vivos como para os mortos. É oferecido unicamente a Deus, por ser o ato de adoração por excelência; mas se faz nele memória dos santos, para agradecer a Deus pelas graças que Ele lhes concedeu e assim merecer o valioso socorro da sua intercessão junto ao Todo-Poderoso. As orações da Missa foram criteriosamente determinadas, para estimular a piedade dos fiéis. Todas as cerimónias foram estabelecidas para o mesmo fim. Enfim, as missas particulares, em que só o sacerdote comunga, não são, como ensinava Lutero, uma superstição Inspirada pelo demónio; são um verdadeiro sacrifício agradável a Deus; o povo nelas comunga espiritualmente. O uso antigo de não rezar a Missa em língua vulgar deve ser conservado, a fim de melhor simbolliar a unidade da fé, pela unidade da linguagem e de Culto, (sess. XXII) 7. PENITÊNCIA E EXTREMA-UNÇÃO A Penitência ou Confissão é um dos sacramentos contra o qual Lutero investiu com maior furor. Convinha, pois, que o Concilio legislasse com toda precisão neste particular tão visado pelas iras do reformador. "Em todo tempo, diz o Concilio, a Penitência tem sido necessária para alcançar o perdão dos pecados. Jesus Cristo instituiu o sacramento da penitência, quando disse aos seus apóstolos: Recebei o Espírito Santo, os pecados serão perdoados a quem os perdoardos... Todavia, não é possível chegar-se ao perdão da penitência senão pelas obras penosas; por isso, é quese denomina este sacramento batismo laborioso. A forma do sacramento consiste nas palavras da absolvição; os atos do pecador, a contrição, a confissão e a satisfação constituem como que a matéria. A confissão é de instituição divina, pois o sacerdote, sendo, então, juiz, não pode perdoar os pecados sem os conhecer, para o que dee o culpado declará-los. Na confissão devem ser acusados todos os pecados mortais, com seu número, quando possível, e com as circunstâncias que mudam a espécie. A confissão auricular e secreta, praticada na Igreja, funda-se sobre a instituição divina e não é invenção humana. O Concilio de Latrão determinou apenas a sua obrigação anual. O padre, para dar validade à absolvição, deve ter recebido do bispo um poder judicial. Quanto a satisfação, é esta indispensável para o perdão. Cumpre reparar a injúria feita a Deus; por isso, o sacerdote impõe uma penitência sacramental, à qual se devem acrescentar obras de penitência. A Extrema-Unção foi considerada pelos Padres como o suplemento da penitência. O Concílio manteve contra o protestantismo a instituição divina deste sacramento, promulgado por S. Tiago, e cujos resultados, para o alivio espiritual e corporal dos doentes, o apóstolo descreveu tão claramente. Os fiéis não podem, portanto, menosprezar, sem cometer pecado, um auxilio tão valioso", (sess. XIV). 8. ORDEM E MATRIMÓNIO Lutero e Calvino, principalmente, tinham rejeitado a Ordem como sacramento; consideravam-na como um rito que institui os ministros da palavra e dos sacramentos; para os protestantes não há hierarquia; todos os cristãos são igualmente sacerdotes, e, para o exercício de suas funções, basta tenham a eleição do magistrado e o beneplácito do povo. Os bispos não são superiores aos simples padres. Contra todas estas negações o concilio levantou a voz e restabeleceu a verdade sempre vigente na Igreja. "O sacrifício e o sacerdote são tão intimamente ligados que um não poderia existir sem o outro. Porquanto Nosso Senhor, que estabeleceu o sacrifício da Missa, fundou da mesma forma o sacerdócio católico; fez dele um sacramento verdadeiro para o qual o futuro padre vai se chegando pelas ordens, que são em número de sete: as inferiores de ostiário, leitor, exorcista, acólito, e as ordens maiores: subdiaconato, diaconato e presbiterato, que se encontram desde os primeiros tempos da Igreja". Contra as negações de Lutero e a sua aversão ao Papa, o concílio afirmou a existência de uma hierarquia, constando de bispos, sacerdotes e ministros inferiores; a superioridade dos bispos sobre os padres o seu poder exclusivo de administrar a confirmação e a ordem, sem intervenção do povo. A primazia do Papa fora solenemente proclamada no concílio de Florença; era um fato já definido que não pedia novo exame. (sess. XXIII). *** Quanto ao Matrimónio, Lutero o reduzira a um simples compromisso civil; não trepidara perante a poligamia e o divórcio, chegando a escandalizar seus próprios discípulos. O concilio restabeleceu a verdade, nestes termos: "A perpetuidade e a indissolubilidade do matrimónio, diz ele, nos são reveladas desde a origem do gênero humano. Nosso Senhor lembrou a sua unidade e indissolubilidade primitivas, não consentindo que o homem separasse o que Deus unira, e fez dele um sacramento, enriquecendo-o com sua graça". Depois o Concilio publicou os anátemas que condenam a poligamia e o divórcio; vingou o celibato voluntário e a virgindade; conservou para a Igreja Católica o direito de apontar impedimentos, e o de conhecer as causas matrimoniais e julgá-las. (sess. XXIV). 9. PURGATÓRIO E INDULGÊNCIAS Já nos são bem conhecidos os ataques de Lutero contra as indulgências, o purgatório e a utilidade da oração pelos mortos. Convinha que o Concílio confirmasse a doutrina católica e precisasse os pontos combatidos. É o que foi feito com esmero. "A Igreja, instruída pelo Espírito Santo, reza o concílio, sempre ensinou, segundo as Sagradas Escrituras e a Tradição antiga dos Santos Padres, que há um purgatório, e as almas, nele detidas, podem receber alívio pelos sufrágios dos fiéis, e principalmente pelo Sacrifício do Altar”. O Concílio insta que os bispos zelem pelo ensino desta doutrina, e encareçam diante dos fiéis as piedosas orações pelos mortos, o Sacrifício da Missa, as esmolas e mais obras pias. (sess. XXV). Quanto às indulgências, o Concílio ensinou e preceituou "que se deve conservar, na Igreja, o uso das indulgências, muito proveitosas para o povo cristão, e aprovadas pela autoridade dos santos concílios". Feriu com anátema todos aqueles que dizem serem elas inúteis, ou negam à Igreja o poder de concedê-las. (Ibid.) 10. O CULTO DOS SANTOS Os reformadores, como os antigos iconoclastas, haviam combatido e rejeitado a invocação dos santos, o culto em honra da Mãe de Deus, a veneração das relíquias e imagens. O Concílio rebateu as blasfêmias ímpias e restabeleceu a verdade e as práticas da tradição da Igreja. "Os santos, que reinam com Jesus Cristo, apresentam a Deus suas orações pelos homens. É bom e proveitoso invocá-los humildemente; e é uma impiedade acusar de idolatria um culto tão razoável, firmado nos costumes tradicionais, o qual não prejudica de modo algum a mediação do Salvador. "Quanto às relíquias dos santos, os fiéis lhes devem respeito e veneração, porque são restos dos corpos que foram os membros vivos do Espírito Santo, e hão de resurgir um dia para a vida eterna. Além disso, é preciso ter e conservar, especialmente nas igrejas, imagens de Jesus Cristo, da Virgem Mãe de Deus e dos outros santos, e tributar-lhes a honra e a veneração que lhes são devidas; não porque acreditemos nelas residir a divindade, ou uma virtude merecedora do nosso culto, ou porque lhes devamos pedir graças, ou pôr nelas a nossa confiança, conforme faziam os pagãos, cuja esperança estava nos ídolos, mas porque a honra que se lhes tribuía, refere-se aos protótipos que representam, segundo foi definido pelos concílios, e particularmente pelo segundo concilio de Nicéia, contra os iconoclastas, (sess. XXV). 11. DECRETOS DISCIPLINARES O Concílio perseguia, de maneira clara e precisa, as diversas heresias de Lutero, assestando contra ela o golpe efe morte. Os católicos hesitantes e os protestantes sinceros, enganados um instante pelas aparências do erro, podiam como que apalpar as heresias, os erros e as destruições acumuladas desde a primeira tentativa de rebeldia. Nenhuma declaração nova partiu do conclave, mas foi ali repetido e popularizado o ensino sempre aceito no catolicismo. A doutrina verdadeira, em consequência do choque contra as heresias, firmou-se mais; as expressões ficaram mais populares, e a fé inabalável da Igreja Católica reluziu com maior resplendor no meio da escuridão do protestantismo. Enquanto Lutero havia engrossado as trevas, ao mesmo tempo que seus discípulos continuavam a semear a dúvida e a balbúrdia, a Igreja católica levantava-se bela e radiante, semeando ondas efe luz no mundo e nas almas, pela clareza e firmeza de sua doutrina imortal, que nunca mudou e não mudará, porque é a expressão da palavra divina. Não parou aí, porém, a obra de reforma encetada pelo Concílio. Ao lado da exposição luminosa da doutrina, ocupou-se da disciplina da Igreja, estatuindo leis sábias e oportunas. Sem resumir as suas diretrizes, é suficiente lembrarmo-nos versarem especialmente sobre disciplina e costumes clericais, eleição de párocos, nomeação e escolha da bispos, disposições a respeito da simonia, pluralidade de benefícios e de sua hereditariedade. Os sínodos provinciais entram novamente em vigor; as visitas episcopais recomeçam; as ordens religiosas de homens e as de mulheres têm de regressar à estrita observância de suas regras no tocante a clausura, à escolha dos superiores, às dispensas, â perfeição de seu estado, etc. Para a santificação do povo católico, todos os abusos são apontados pelo conclave, pondo-se um freio à luxúria, a avareza e aos vícios dos príncipes e dos súditos. Três providências admiráveis e eficazes foram tomadas para a direção geral da religião: a fundação de seminários para a formação do clero; a instituição do “Index” para o exame e condenação dos maus livros; e a redação do catecismo do concílio de Trento, modelo dos nossos catecismos atuais; enfim, a revisão e a unificação da liturgia romana: Missal e Breviário, a serem adotados em toda a Igreja. 12. CONCLUSÃO Eis como do mal Deus sabe tirar o bem. Permitiu Ele que Lutero, numa fúria que tornou evidente a obra do inferno, se batesse contra todos os dogmas e práticas da Igreja Católica, para que esta, como que por um instante abafada sob as ondas de poeira levantadas no mundo pela indiferença, pelo relaxamento dos costumes, pelo comodismo e a desunião, surgisse mais bela e fulgurante, dominando as paixões humanas. Fato averiguado pela experiência é que a religião de Jesus Cristo progride mais nas perseguições, lutas, calúnias, e até no martírio cruento, do que na paz e no progresso material dos povos. As paixões não dormem, como não descansa o demônio; por isso, quando o cristão quer cruzar os braços para descansar, depressa se torna um vencido. Parece que a Igreja do século XVI estava adormecida... e, para acordá-la, o Altissimo não impediu a ação de Lutero, embora Ele não pudesse permitir fosse a Igreja derrotada. Lutero passou pelo mundo como um meteoro de fogo, abatendo, destruindo tudo... e, no meio desta fúria iconoclasta, a morte o fez estacar, lançando-o na profundeza de um túmulo, desonrado pela sua vida e pela sua morte. Simultaneamente Deus acendeu um farol poderoso para iluminar o mundo; foi o Concilio de Trento, e sob a sua irradiação fez surgir uma legião de santos para regenerar as almas e reconduzi-las ao único rebanho do Bom Pastor, de Pedro, de Jesus Cristo, como veremos pormenorizadamente, após examinarmos a vida dos santos desta época. A pretensão de Lutero degenerou em deforma, pois desuniu e implantou nas almas a dúvida donde deveria nascer o ateísmo que hoje avassala a nossa época. Mas a Igreja eterna de Cristo levantou-se também, para efetuar a contra-reforma, restabelecendo a verdade e ditando novas leis para a direção verdadeira do mundo. CAPÍTULO XIII OS SANTOS E A SANTIDADE Há na Igreja Católica um fenômeno que não se estuda nem se penetra bastante, e que é, entretanto, a grande, a irrefutável e palpável prova de sua DIVINDADE: SÃO OS SANTOS. Exclusivamente o Catolicismo, entre todos os grupos religiosos, possui SANTOS. Que é um santo? É uma pessoa que, durante a vida, chegou a praticar heroicamente todas as virtudes, e depois da morte manifesta esta heroicidade, fazendo milagres em favor dos seus irmãos na terra. Demonstrando a sua ignorância, os protestantes acusam a Igreja Católica de FAZER santos. A Igreja não faz santos; declara, apenas, que tal homem, operando milagres, mostra ser santo; e, depois de examinar e verificar tais fatos miraculosos e extraordinários, ela CANONIZA o santo, inscrevendo-o no cânon ou lista dos seus heróis vitoriosos. Só Deus pode fazer milagres e comunicar este poder a seus amigos. Quando um homem realiza milagres atesta ser amigo de Deus; e Deus, dando tal poder a um homem, aprova-lhe a doutrina e a vida, de modo que o milagre provém da divindade e torna digno de crédito quem o executa. Não há no protestantismo um só homem, nem mesmo Lutero, o seu fundador, que tenha feito milagres. A Igreja Católica, pelo contrário, conta aos milhares os seus santos. É a prova irrefutável e visível de seu caráter divino. Ninguém dá o que não tem. Se a Igreja Católica produz santos, é porque tem consigo a santidade, é porque é santa. Se o protestantismo não produziu um único santo, desde Lutero até hoje, é porque não possui santidade. SANTIDADE e DIVINDADE são dois termos que se confundem. O DIVINO manifesta-se pelo milagre e prova-se pela santidade. O Concílio de Trento foi a promulgação da santidade da Igreja, contra a implacável guerra de infâmias, acusações movidas pelo “reformador”. Veremos agora como esta santidade, tal um fagulha divina, foi penetrando e iluminando o mundo. Este fato constitui uma das páginas mais fulgurantes da invencível instituição de Cristo. É este fato que vamos averiguar neste capítulo. 1. OS PAPAS A primeira irradiação da santidade da Igreja é o papado, que tem sido demais combatido e caluniado pelos inimigos da Igreja. Lutero o sabia por demais, e, em conseqüência, acumulou contra a Santa Sé e os seus ocupantes, os Pontífices Romanos, todos os trovões e os relâmpagos de sua raiva e de suas falsidades. O certo é que, no tempo da reforma, houve uma sucessão admirável de Papas ilustres e santos. Leão X, da ilustre família dos Médicis, amante da paz e das ciências, logo ao aparecer o protestantismo, descobriu-lhe o veneno e a perversidade e lançou contra o seu fautor os primeiros anátemas. Adriano VI (1522-1523), piedoso e ativo ao mesmo tempo, dedicou-se de corpo e alma à extinção da nova heresia, à derrota dos turcos e à reforma dos abusos que penetravam na Igreja. Clemente VII sacrificou-se em prol da cristandade do novo mundo. Paulo III (1534-1549) Em meio de mil dificuldades teve a honra de abrir o Concílio de Trento. Júlio III (1549-1555) prosseguiu com todo zelo a condenação da heresia. Paulo IV (1555-1559), eleito aos oitenta anos, mostrou um ardor e atividade incansáveis, abrangendo todas as necessidades da Igreja. Pio IV (1559-1566) continuou e terminou o Concílio de Trento, aprovou seus decretos e promoveulhe corajosamente a execução, coadjuvado poderosamente pelo seu sobrinho São Carlos Borromeu, arcebispo de Milão. S. Pio V (1566-1572) mandou publicar o Catecismo do Concílio de Trento, reformou o Missal e o Breviário; milagrosamente foi informado por Deus sobre a vitória de Lepanto. Gregório XIII (1572-5385) reformou a Calendário e dirigiu os destinos da Igreja como um santo e um sábio que era. Sixto V (1585-1590) FOI UM Pontífice admirado por sua ciência e santidade; ordenou a revisão dos livros santos e deu aprovação à nova edição da VULGATA. Clemente VIII (1592-1605) terminou o século, emprestando ao jubileu secular de 1600 um brilho denotador da pujança da Igreja, resplandecente de vida e santidade. Todos estes insignes Pontífices ocuparam a cátedra de Pedro no tempo do infausto reformador. Não podia haver sucessão mais refulgente e, por isso, foi tão atacada. 2. AS ORDENS RELIGIOSAS Enquanto à frente dos destinos da Igreja a divina Providência colocava Pontífices de alto saber e de profunda virtude, suscitava no seio da imortal instituição um verdadeiro exército de ordens e congregações religiosas, destinadas a combater os hereges, restabelecendo a verdade no mundo inteiro, reformando as diversas categorias da sociedade combalida. No intuito de restituir ao clero a sua primitiva pureza, a Igreja estabeleceu diversas congregações de clérigos regulares, cujo fim particular, pelo amor ao estudo e à regularidade, era combater as más doutrinas e instruir os povos. Entre estes institutos sobressaem com particular brilho: Os TEATINOS, ou clérigos de São Caetano, fundados por São Caetano de Thiene e o bispo Pedro Caraffa, em 1524, sujeitos à mais extrema pobreza. Os CAPUCHINHOS, REFORMA DOS FRANCISCANOS, POR Meteus Bassi, em 1528, dedicados ao mais exato cumprimento de sua regra. Tomaram o seu nome do capuz usado por eles; têm barba comprida e chegaram a ser independentes em 1619. Os BARNABITAS, fundados em Milão, por Santo Antônio Zacarias. O seu nome lhes veio do mosteiro de S. Barnabé, cedido aos primeiros religiosos. Paulo III intitulou-os: clérigos de S. Paulo. Os ORATORIANOS, ou Congregação do Oratório. Foi fundada em Roma, por S. Felipe Nery, e confirmada em 1574. Os OBLATOS, congregação de clérigos seculares, vivendo em comum, fundada por São Carlos Borromeu, em 1578. Os CLÉRIGOS REGULARES MENORES, fundados por S. Francisco de Caracciolo e João Adorno, em 1588. Os JESUITAS, Ordem religiosa especialmente mandada por Deus para embargar a marcha do protestantismo e reparar os estragos ocasionados pela REFORMA. Teve por fundador Santo Inácio de Loyola, nascido na Espanha em 1495. Paulo III, em 1540, abençoou a aprovou as Constituições da COMPANHIA DE JESUS, solenemente reconhecidas mais tarde, no Concílio de Trento (Sessão XXV. e. 16). Sua missão particular é combater o erro, por meio de vasta e profunda erudição. A obra da instrução e educação da mocidade é um dos seus fins principais, com a propagação da verdadeira fé nos países católicos, protestantes e infiéis. Até hoje a Companhia de Jesus tem sido sempre a auxiliar mais poderosa e dedicada da Igreja Católica. A estes Institutos vêm juntar-se outras congregação de menos importância sem dúvida, mas igualmente benfazejas. Citemos entre outras: A CONGREGAÇÃO DE SOMASCA, estabelecida em 1528, por S. Jerônimo Emiliano, para a educação dos órfãos. As URSULINAS, fundadas por Santa Ana de Bréscia, em 2537, para a educação das meninas. Os IRMÃOS HOSPITALARES, fundados por S. João de Deus, em 1549, tendo por fim aliviar e curar a mais terrível das moléstias humanas: a loucura. Os PADRES MINISTROS DOS ENFERMOS, fundados por S. Camilo de Lelis, em 1584, cujo empenho é ficar à cabeceira dos doentes mais desvalidos, nas épocas de desgraças e de pestes, sacrificando-se até à morte. Os PADRES DA DOUTRINA CRISTÃ, fundados pelo venerável cônego César de Bus, em 1592, consagrados à instrução religiosa da mocidade. Este surto de Institutos religiosos no meio das lutas do protestantismo demonstra o vigor do espírito cristão e da fé, revalizando na pessoa de seus membros, na tarefa de destruir o erro e tornar vitoriosa a verdade no meios cultos e obscuros. 3. OS SANTOS DESSA ÉPOCA Os santos são o produto direto da santidade da Igreja. Todas as épocas apresentam os seus santos, porque, mesmo nos tempos de decadência geral, quer Deus mostrar que se a humanidade decai, enfraquece, a sua Igreja continua sempre santa e santificadora. Fato curioso na história: MAIS É COMBATIDA A IGREJA, MAIOR NÚMERO DE SANTOS BROTA DE SEU SEIO DIVINO. É assim que vemos uma legião admirável de homens apostólicos e verdadeiros heróis nos barulhentos dias ao aparecer da famigerada Reforma, cujos fautores, ao lado dos nossos santos, não passavam de triviais impostores a serviço de satã. Ao lado de Santo Inácio e outros já mencionados, vemos surgir São Francisco Xavier, S. Carlos borromeu, S. Francisco de Sales, Santa Teresa, S. Francisco de Bórgia, o Papa S. Pio V, S. Tomás de Vilanova, S. Pedro de Alcântara, S. Estanislau Koska, S. Luis Gonzaga, S. João das Cruz, Bartolomeu dos Mártires, S. Belarmino, etc. S. Inácio de Loyola, nascido na Biscaia (Espanha), em 1495, tocado pela graça, deixou a carreira das armas, consagrou-se a Deus pelo voto de castidade perpétua, retirou-se à pequena cidade de Manresa e ali se entregou ao exercício da mais austera penitência. É ali que compôs o admirável livro dos EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS que, no dizer de São Francisco de Sales, salvou tantas almas quantas letras encerra. Como peregrino, dirigiu-se depois aos lugares santos, acabando os seus estudos em Paris, onde converteu S. Francisco Xavier, e com mais quatro companheiros deu princípio à Companhia de Jesus. S. FRANCISCO, nascido no castelo de Xavier, em Navarra, em 1506 e convertido em Paris por S.Inácio foi destinado às missões das Índias Orientais, pregou o Evangelho, estabeleceu a fé em 52 reinos e batizou com suas próprias mãos mais de um milhão e cem mil idólatras. Após uma vida repleta de milagres, mesmo de multíplices ressurreições de mortos, faleceu no meio das suas missões e dois séculos depois o seu corpo foi encontrado em perfeito estado de conservação. S. FRANCISCO DE BÓRGIA veio à luz no reino de Valença (Espanha), em 1510, de uma família ilustre. Casado e já santo no matrimônio, deixou o mundo depois da morte de sua mulher e entrou na Companhia de Jesus, de que foi o terceiro superior geral. Após relevantes serviços à Igreja e à sua Ordem morreu em Roma no ano de 1572. S. CARLOS BORROMEU nasceu na Lombardia, em 1538. Foi cardeal e arcebispo de Milão desde a idade de 23 anos. Era sobrinho do Papa IV que o encarregou juntamente com outros sacerdotes e religiosos ilustres da composição do catecismo do Concílio de Trento, publicado depois pelo papa Pio V. Foi um verdadeiro apóstolo e restaurador da disciplina eclesiástica na Itália. Morreu em 1584, deixando obras de subido valor dogmático e moral. S. PIO V, PAPA, era religioso dominicano. Consagrou-se inteiramente ao serviço da Igreja, desenvolvendo em zelo admirável, revelando uma firmeza sem vacilação contra as seitas protestantes. Foi um modelo de mortificação e heróicas virtudes. Por ocasião da invasão dos muçulmanos, na ilha de Chipre, o Papa usou de seu poder para reunir um exército formidável, mandado por D. João de Áustria, entregando-lhe o estandarte e prometendo-lhe a vitória pela proteção da Santíssima Virgem, o que se realizou na célebre batalha de LEPANTO, onde morreram 32.000 turcos, houve 3.500 prisioneiros e foram libertados 15.000 escravos cristãos. O Papa morreu neste mesmo ano. S. TOMÁS DE VILANOVA era agostiniano. Foi nomeado bispo de Valença. Brilhou pelas suas virtudes, seus talentos e, mormente por sua caridade para com os pobres. Morreu em 1555. S. PEDRO DE ALCÂNTARA, franciscano, fez-se particularmente admirar por suas penitências extraordinárias. Morreu em 1562. Temos dele 2 livros de valor: DA PAZ DA ALMA e DA ORAÇÃO MENTAL. SANTO ESTANISLEU DE KOSTKA, filho de um senador polaco. Era estudante jesuíta, distinguiuse desde os mais tenros anos por uma pureza Angélica e uma ardente devoção à Maria Santíssima. Morreu em 1568 com 18 anos de idade. S. LUIS DE GONZAGA, da família dos príncipes de Mântua; entrou na Companhia de Jesus, onde se distinguiu pela prática de todas as virtudes, particularmente por sua modéstia e pureza angélicas. Morreu em 1591, aos 23 anos de idade. O VENERÁVEL JOÃO D‟ÁVILA, foi um homem poderoso em obras e em palavras, um prodígio de penitência, um gênio universal, uma glória do sacerdócio. Deixou vários tratados de piedade e morreu em 1569. SANTA TERESA D‟ÁVILA foi um verdadeiro prodígio de amor. Com 21 anos de idade entrou no Carmelo e nele viveu quase meio século. Reformou as Carmelitas e, auxiliada por S. João da Cruz, reformou também os Carmelitas. A santa fundou 30 mosteiros reformados: 16 de religiosas e 14 de religiosos. Compôs obras de alta espiritualidade. O povo chamava-a: Doutora da Igreja. Morreu em 1581, no convento de Ubédia. S. JOÃO DA CRUZ foi a primeira flor do Carmelo reformado. Homem de extraordinária penitência foi também um místico de Jesus crucificado. Temos dele obras de alto valor de misticismo como “A Subida do Carmelo”. Morreu em 1501. LUIS DE GRANADA, dominicano, nesta mesma época ilustrava sua Ordem. Era homem de oração contínua, deixando-nos diversos livros de piedade até hoje estimados. O VENERÁVEL BARTOLOMEU DOS MÁRTIRES, igualmente dominicano. Foi arcebispo de Braga e um luzeiro do Concílio de Trento. Demitiu-se do arcebispado e morreu em sua cela de religioso, em 1590. S. FRANCISCO DE SALES é como a chave de ouro com que encerra esta galeria de santos, uns contemporâneos de Lutero e outros posteriores de poucos anos. Nasceu em 1567, no castelo de Sales (Genebra). Ordenado sacerdote começou o seu ministério em Chablais, onde converteu 70.000 hereges. Eleito coadjutor do bispo de Genebra, sucedeu ao bispo falecido, e durante 20 anos foi um modelo perfeito de todas as virtudes, sobretudo de mansidão, de uma bondade sem limites. Morreu em 1622, deixando-nos muitas obras espirituais incomparáveis, que o fizeram Doutor da Igreja. 4. SÁBIOS DA ÉPOCA Jamais será bastante salientado um fato providencial a demonstrar admiravelmente a providência de Deus, no governo de sua Igreja: enquanto o inferno assesta todas as baterias de guerra para destruir a Igreja, Deus suscita uma plêiade de homens extraordinários, pelo virtude e pelo saber, para combaterem o erro e defenderem a Igreja. Não se pode negar terem sido terríveis os golpes de Lutero. Deus deixou fazer... deixou podar a árvore da Igreja, deixou a heresia como que capinar o jardim das doutrinas, para lançar os restos apodrecidos no “quintal” do protestantismo; em compensação, porém, suscitou ele jardineiros habilitados para replantar este jardim e reedificar os edifício espirituais ruídos ao fragor da batalha. Ao lado dos santos já citados, encontramos uma legião de sábios a desenvolverem, no terreno científico, ação idêntica à dos santos, no terreno espiritual. Em primeiro lugar refulgem os exegetas que estudaram profundamente e revisaram a Bíblia inteiramente, compondo as edições poliglotas e enriquecendo os textos com notas elucidativas, ou comentários eruditos. Entre outros figuram aqui o CARDEAL XIMEMES, a quem devemos a Bíblia chamada de Alcalá. VATABLIS, por longos anos professor de hebraico no Colégio de França. CARDEAL BELARMINO, jesuíta, autor de sábios escritos teológicos. Há ainda TIRINO, MENÓQUIO, MALDONADO, ÊSTICO, CORNÉLIO e LÁPIDE, cujos importantes trabalhos científicos bastariam para imortalizar um século. A heresia luterana e comparsas, assim como a declaração nítida da Igreja Católica, no Concílio de Trento levaram os teólogos a fazer estudos mais apurados e profundos, entre os quais estão sábios tratados dos jesuítas LLÉSSIO e MOLINA, sobre a graça e o livro arbítrio e os trabalhos ainda mais ilustres de SUAREZ em que estão mitigadas as doutrinas de Santo Agostinho e da São Tomás. As novas exigências da controvérsia católica promoveram pesquisas patrológicas e históricas. Daqui provieram as obras preciosas de MELCHIOR CANO, BELARMINO, PASSEVINO e as de BARÔNIO, publicadas com o título de "Anais Eclesiásticos" para rebater as falsificações e mentiras dos censuradores de Magdeburgo;as célebres controvérsias do Cardel DU PERRON. Enfim temos cultores exímios da hagiografia ou descrição de vidas ilustres, como ROSSVEIDE, NA SUA "Vida dos Padres do Deserto", que serviu de guia ao imenso trabalho dos BOLANDISTAS. As ciências humanas forasm cultivadas com não menos esmero e perspicácia, sob a proteção da Igreja Católica. GALILEU, no fim do século XVI ensinava livremente em pisa, Pádua e Florença, a teoria sobre a rotação da terra. Se alguns teólogos romanos condenaram mais tarde o seu sistema astronômico, é porque quis intrometer nele a teologia, baseando-o na Escritura Sagrada. Sob a égide dos Papas, VESALO inaugurava em Pávia a ciência da anatomia. No mesmo tempo Calvino mandava queimar vivo MIGUEL SERVET, que acabava de descobrir a circulação pulmonar. Os protestantes perseguiram a TYCHO-BRAHE, coagindo-o a deixar o sistema de Copérnico. Os teólogos protestantes tubigenses condenaram KEPLER, por ter ensinado as novas leis do mundo planetário; os Papas, ao contrário, procuravam atraí-lo para a universidade de Bolonha. 5. CONCLUSÃO Tal é a obra civilizara, científica e salvadora do Catolicismo no século tão agitado de Lutero e de seus primeiros continuadores. Ao se ler a história da reforma, qual ficou esboçada acima, parece-nos que a Igreja nada fez para opor-se à heresia nascente, deixando ao fogoso reformador plena liberdade de combater a Igreja e difundir o seus erros. Isto não é verdade. A Igreja quis reagir contra a avalanche de falsidades, mas, como vimos, o Papa não encontrou em parte alguma total apoio seguro, como se fazia necessário para impedir os progressos do mal. Deus, porém, nunca abandona a sua Igreja. Ele mesmo, depois de ter deixado Lutero realizar a separação do JOIO DO TRIGO, se encarregou de combater o mal, e o fez sem ruído, sem armas, sem castigos aparentes, mas com misericórdia e justiça. Para grandes males, grandes remédio. O mal era extenso e profundo no tempo do reformador; era quase geral a indiferença; pelo choque resultante da luta, os maus caíram e o bons se elevaram, guiadores pelos santos que Deus suscitava em toda parte. Ainda uma vez a Igreja saiu do combate muito mais bela, gloriosa e triunfante do que antes, e o que não pudera fazer, no ambiente de decadância geral, fê-lo no meio da luta: sustentou o fervor e a generosidade das almas cristãs. Um cristão fervoroso é preferível a mil cristãos tíbios; a tempestade protestante sacudiu a imensa árvore da Igreja; fez cair no chão todo FRUTO APODRECIDO ou carcomido e salvou tudo o que havia de bom, nobre, puro e idealista: diminuiu o número, mas o valor aumentou. CAPÍTULO XIV OS SUCESSORES DE LUTERO Já vimos pormenorizadamente a reforma de Lutero e a contra-reforma da Igreja Católica. Esta ação simultânea, gigantesca, não podia limitar-se à época; devia influir nos séculos posteriores. Como sinal distintivo desta luta, podemos dizer que é a realização da grande profecia proferida no berço da humanidade: porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua posteridade a posteridade dela. Ela pisar-te-á a cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar. Até a época de Lutero tinha havido heresias, não há dúvida, porém heresias parciais, que foram se dissipando diante de um estudo mais apurado da verdade em discussão. A grande heresia, a heresia universal, que procura, sempre e em tudo, dizer o contrário da Igreja, é o protestantismo. Os dois campos separaram-se, bem definidos. De um lado Satanás com seus adeptos, em atitudes de protesto; de outro lado a Virgem Santíssima com o exército dos escolhidos. A posteridade de Lutero continuou e continua; enquanto a posteridade da Igreja, da Virgem Santíssima continua, igualmente, esmagando a cabeça da serpente, representada pelos protestantes, assíduos em armar contínuos assaltos ao calcanhar dos católicos. Terminou, sem dúvida, a luta religiosa, brutal, sanguinária, de Lutero, porém o seu ódio continua na ação de sua posteridade, incapaz de viver sem atacar a Igreja Católica. Os católicos, por sua vez, devem responder às objeções, repelir os ataques e restabelecer a verdade deturpada. A luta continua e perdurará sempre, até a misericórdia divina abrir os olhos aos nossos irmãos dissidentes, fazendo-os compreender o seu erro e a sua heresia. No presente capítulo vamos seguir um instante o desenrolar do protestantismo, as mudanças, o seu esfacelamento em centenas de seitas diferentes. Não é preciso seguir a origem de todas as seitas, pois só as principais são uma 888 (veja NE no parágrafo acima) sem falar das milhares de pequenas seitas secundárias. Escolhamos entre elas as 4 seguintes, amostra e modelo das outras, e analisemo-las mais minuciosamente. 1. Os batistas, fundados em 1534 por Leyde. 2. Os presbiterianos, nascidos em 1555, por obra de Knox. 3. Os quakers, fundados em 1650, por Fox. 4. Os metodistas, fundados em 1738, por Wesley. 1. OS BATISTAS A seita batista das 888 é, talvez, a mais pretensiosa, rancorosa e fanática. Estes sectários não querem ser netinhos de Lutero, e, para renegar a sua origem, fabricaram-se uma genealogia que remontaria até S. João Batista. É grotesco, mas o absurdo, na linguagem da reforma, se denomina ciência e progresso. Com uma seriedade que faz rir, estes protestantes dizem ter a verdadeira Igreja fundada por Jesus Cristo sido infiel à sua missão, falsificado a doutrina de seu fundador, tornando-se desse modo, inépta para conduzir as almas ao céu; uma parte, entretanto, ficou fiel, separou-se do restante, e foi assim atravessando os séculos até chegar a nós, sob o título de “batistas”. Escalando, porém, todo o curso da sua história, chega-se a uma tristíssima figura de polígamo chamado JOÃO DE LEYDE, um doido, amancebado com 17 mulheres. Este homem exaltado é o único e verdadeiro fundador desta seita. S. João Batista figura no credo batista, como Pilatos figura no nosso; o nome do precursor é para eles um meio de se atribuírem uma origem remota e de esconder melhor a vida torpe e escandalosa de seu genuíno pai. *** O princípio de discórdia foi o batismo das crianças. Já no princípio da reforma Lutero condenava os chamados profetas de Zwickau, cujo chefe e fundador era o famoso TOMÁS MUNZER, como vimos, um dos participantes na revolta dos campônios, preso na batalha de Frakenhausen, e aí decapitado. Os sectários de Münzer fizeram depois da cidade de MÜNSTER o centro de sua ação, e foram chamados de ANABATISTAS, um dos quais chamado JOÃO BOCKHOLD, mudou depois o seu nome em JOÃO DE LEYDE; este fanático revolucionou a cidade em 1534 e, na frente de um verdadeiro exército de exploradores, expulsou o bispo, - estabeleceu a comunidade de bens e a poligamia, entregando-se a mil extravagâncias de pseudo êxtases, de profecias e visões. *** Em 1536 um pároco católico de WITTMARSUM, MENON SIMÃO, seduzido pela reforma, apostatou e abraçou as idéias de João de Leyde. Menon quis suavizar um pouco a doutrina dos sanguinários ANABATISTAS; para distinguir a sua reforma das seitas congêneres, deu-lhe o nome de BATISTAS. MENON morreu pobre, deixando na miséria a sua infeliz amásia com 10 filhos. Os batistas estiveram, pois, a sua origem de João de Leyde e de Menon, sacerdote apóstata, de maus costumes, que os separou dos anabatistas. A doutrina dos batistas reformados respirava ódio implacável ao poder civil. Batizavam somente os adultos, com uma imersão completa, e estavam aferrados à teologia calvinista da predestinação, salvação e santificação do sábado em vez do domingo. João Leyde, tendo chegado a dominar com seus adeptos a cidade de Münster, proclamou-se REI ABSOLUTO DE SIÃO, casou-se com 17 mulheres, deu o exemplo da mais hedionda orgia e mandou executar, sem julgamento, todos aqueles qu3e se opuseram à sua vontade. A reação não se fazer. Os católicos, indignados contra o monstro, cercaram a cidade. Esta se encontrava sem víveres. O carrasco Leyde mandou retalhar os cadáveres dos mortos e distribuir as suas carnes para alimentar os vivos. O cerco da cidade apertou-se cada vez mais, e, tendo sido tomada a praça, João de Leyde foi supliciado pela indignação popular. Os anabatistas, repelidos em toda a parte pelos seus crimes de violência e imoralidades, foram se espalhando e enfraquecendo, dando origem a várias seitas novas. Em 1.600 um anabatista fundou na Holanda a nova seita dos MERGULHADORES (DOMPELAARS). Estes conservaram as mesmas idéias a respeito do batismo das crianças e obrigaram os adultos a um segundo batismo pela imersão. Da Holanda as idéias anabatistas passaram à Inglaterra, penetraram na seita dos puritanos, e formaram uma nova ramificação: OS CONGREGACIONALISTAS. Nesta nova seita, cada grupo devia reger-se a si mesmo; só os anciãos tinham direito de ensinar e apenas os rebatizados podiam ser admitidos. Entre estes houve nova subdivisão: uns admitiam o batismo por INFUSÃO e outros por IMERSÃO; os primeiros chamaram-se: os primeiros GENERAIS-BATISTAS; os segundos eram ANABATISTAS. Em 1640, HENRY JESLEY, pastor puritano, mandou um delegado para a Holanda, para ali receber dos mergulhadores o batismo de imersão, e depois, implantar a mesma prática na Inglaterra, onde introduziram a nova seita dos BATISTAS, cujos adeptos foram os puritanos que se insurgiram contra as determinações reais em matéria religiosa. A seita ficou sem importância até 1688, data em que começou a se expandir na América do Norte. Os pastores batistas sujeitavam-se servilmente às comunidades cujos membros se consideravam SANTOS ELEITOS, não obstante se entregarem a todos os vícios e torpezas, porque não admitiam o sexto mandamento do Decálogo. Atualmente os batistas estão classificados como socialistas e anarquistas; as outras seitas não reconhecem a liberdade de LIVRE ARBÍTRIO; os batistas ensinam a licença, isto é, o abuso da liberdade. Para onde vai o bode com ele vai a catinga, diz o povo. Os batistas vieram para o Brasil, fundaram colégios, revistas, etc. que trazem o mesmo cunho de SOCIALISMO (quem sabe?) senão o comunismo. Entre as demais seitas distinguem-se pelo seu orgulho, sua pretensão desenfreada, seu ódio aos sacerdotes católicos, procurando por todos os meios atrair para as suas fileiras os pobres decaídos e indignos, que querem vender sua batina por uma costela de Adão. É bem a catinga do bode!... Eles continuam a mostrar-se os descendentes de um louco exaltado e de um padre apóstata e sacrílego. *** A nova seita trilhou o caminho das outras: tempo de entusiasmo, perseguições das outras seitas, proteção de Lorde Oliver Cromwell, lutas intestinas na seita e divisões. Em 1793, rebentou a primeira divisão, ocasionada por WILLIAM CAREY que de encontro às idéias batistas, aceitara uma missão entre os pagãos. Outras divisões tiveram lugar por causa do batismo. Uns rejeitaram completamente este sacramento intitulando-se IGREJAS ABERTAS\outros iam negando o caráter sacramental, considerando-o como simples cerimônia bíblica, sem força para dar a vida sobrenatural. Um puritano inglês, Roger William, fez-se batista, veio para a América, onde fundou nova seita chamada: BATISTA DOS SEIS PRINCÍPIOS. Houve, deste feito, em pouco tempo, os BATISTAS LIVRES, os BATISTAS REFORMADOS, os BATISTAS CAMBELISTAS, os BATISTAS CONGREGADOS, os BATISTAS DOS SEIS PRINCÍPIOS, os BATISTAS DO SÉTIMO DIA (ADVENTISTAS), os BATISTAS DE IGREJAS ABERTAS, os BATISTAS DA IGREJA DE DEUS, os BATISTAS CRISTIANOS, etc., etc..., os BATISTA DE COMUNHÃO LIVRE etc.,etc., Em julho de 1905 fundou-se a UNIÃO MUNDIAL BATISTA, para dar uma semelhança de aliança, o que é inteiramente impossível, visto não haver união na fé, sem sequer sobre a divindade. A interpretação individual da Sagrada Escritura não permite a concórdia, nem ao menos acerca de pontos essenciais da religião, pois: QUOD CAPITA, TOT SENSUS, quantas cabeças há tantas idéias haverá. No Brasil a obra capital, fundamental, que concentra toda a atividade dos batistas é caluniar a Igreja Católica, ridicularizar o ensino desta Igreja e procurar aliciar padres vacilantes ou ciciados, por meio de empregos lucrativos e casamentos sacrílegos. São sofistas, semeando o ódio nos corações dos ignorantes contra uma doutrina que eles mesmos ignoram e contra uma instituição que desconhecem por completo. Pode-se dizer que é a seita mais baixa, mais fanática, mais hipécrita de todas as geradas pela reforma luterana. E qual é o seu característico doutrinal? “É a pretensa liberdade de não obrigar os adeptos a aceitarem um símbolo claro, preciso, e não conhecer em obrigações impostas pela fé”. Para ser batista basta fazer-se rebatizar por meio de um banho público em qualquer riacho, ter ódio à Igreja Católica, a Maria Santíssima e ao Papa; com tal bagagem religiosa, qualquer idiota ou ignorante vira de repente batista fervoroso. Nascido na lama e da lama, a seita batista exerce um apostolado de lama. O ódio, a calúnia e o empenho diabólico de procurar fazer cair em suas armadilhas, pobres e infelizes sacerdotes já infiéis à virtude e a seu caráter, para depois se tornarem infiéis a Deus e à verdade, é o princípio da ação. 2. OS PRESBITERIANOS O fundador da seita dos presbiterianos e dos puritanos é JOÃO KNOX, uma das figuras mais repelentes da reforma. Nasceu na Escócia em 1515. Foi ordenado padre parecendo oferecer garantias de perseverança, porém poucos anos depois mostrou o que era: escravo dos vícios e instintos revolucionários. Aderiu logo às idéias protestantes, e, tendo sido denunciado ao seu bispo como herege, foi interrogado e repreendido, para que mudasse de idéias. Não querendo sujeitar-se e continuando a mesma vida, foi condenado como herege e degradado do sacerdócio. O primeiro ato, que o tornou conhecido, foi a sua cumplicidade no assassínio do cardeal Beaton, arcebispo de Santo André. Começou a pregar a reforma e ao mesmo tempo tornou-se INFAME, pelas torpezas praticadas com a mãe de sua amásia e com outras mulheres, donde resultou grande escândalo entre seus próprios sectários Hungen-rethes – Hist. Ec. T.V. p. 247). Forçado a fugir por causa das suas infâmias e violências, refugiou-se em Genebra, ao lado de seu amigo Calvino; ali acabou de instruir-se no ódio à Igreja Católica e na prática de todas as devassidões. E, 1555 voltou à Escócia, continuando as suas pregações e invectivas contra o Catolicismo. Reclamava para si a tolerância, mas não a exercia para os outros, fazendo infligir os mais cruéis castigos aos que assistiam à Missa. A sua violência exasperou a multidão. Esta quis prendê-lo. Foi novamente declarado herege e a sua efígie foi queimada em praça pública, em Edimburgo. Fugiu outra vez para Genebra, ficando com Calvino até 1559. Regressou então à Escócia pôs-se à frente de uma multidão de fanáticos e, nessa ocasião, praticou uma infinidade de roubos, incêndios e assassínios, além dos crimes infamantes de que já estava coberto. Com efeito, por instigação de Knox, foram barbaramente assassinadas, depois de uma anistia, 78 pessoas da mais alta sociedade, como senadores e bispos. Atiçou a revolta contra a rainha Maria Stuart, católica fervorosa, e implorou o auxílio da rainha Isabel, para firmar o triunfo do presbiterianismo. Ele mesmo pediu a Cecil, ministro de ISABEL, “cortasse o mal pela raiz”, isto é, que mandasse assassinar Maria Stuart. E, juntando blasfêmias aos outros crimes que praticara, pedia a Deus a sabedoria para aqueles a quem aconselhava assassinar a sua soberana. A morte de Knox foi o que fora a sua vida: um modelo de hipocrisia infame. Esse perseguidor e sacrílego, cúmplice de tantos morticínios, profanadora de Igrejas, causa da matança do povo, esse homem morreu proferindo uma mentira infame: “Deus sabe, diz, que jamais tive ódio às pessoas, mas sim aos seus pecados, e trabalhei para encaminhá-las a Jesus Cristo!. Devia ter ajuntado: “assassinando-as”. Knox deu a seus adeptos o nome de PURITANOS que significa: santos eleitos. Já naquele tempo dia um escritor protestantes: “tal título fazia rir até aos diabos do inferno”. Os puritanos se separaram da igreja anglicana episcopal, rejeitando o episcopado, para se tornarem os “puros eleitos”. De víbora só sai víbora. Das víboras: Calvino e Knox proveio a víbora dos puritanos, seita que pretende reduzir a Igreja ao puro estado primitivo, dizendo-se “santos eleitos”, embora tenham saído uma fonte tão imunda como é o fundador Knox. 3. OS METODISTAS Entre as diversas seitas protestantes a de origem menos desonesta é o metodismo; digo a origem, pois desde o tempo de seu fundador JOÃO WESLEY, a divisão e a corrupção entraram na seita e nela operaram os estragos que havia e ainda há nas outras. Justiça seja feita ao fundador, a quem não se podem negar boas intenções, uma vida regrada, honesta, isenta de escândalos. Comparando a vida de João Wesley com a de seus colegas reformadores, ele nos aparece quase como um santo no meio de uma corja de autênticos bandidos. A seita metodista não correspondeu ao desinteresse e às boas intenções de seu fundador, e ficalhe, como característico, a sua origem puramente humana, desprovida de autoridade para dirigir as almas e levá-las a Deus. João Wesley nasceu em junho de 1703. era filho de uma pastor anglicano, homem de nos sentimentos, casado com uma mulher igualmente distinta e piedosa. Fez os seus estudos e recebeu a ordenação sacerdotal na igreja anglicana, em 1728. No ano seguinte, auxiliado por seu irmão, Carlos, e por mais dois amigos: Morgan e Kirkman, fundou, em Oxford, um clube para iniciar uma vida mais religiosa. Os membros de tal clube dedicavam-se à leitura das Bíblia, à visita dos pobres e enfermos e à instrução dos presos. Pela regularidade dos sócios ao seu regulamento, os estudantes de Oxford chamaram-nos “metodistas”, enquanto os sócios se intitulavam um pouco pretensiosamente “clube dos santos”. O número de sócios crescia dia por dia. Cehgou a contar homens de real valor tanto pela vida como pelos conhecimentos. Até 1738 o clube progrediu, conservando um espírito religioso sincero e ativo, que se manifestava pelas obras de caridade e de dedicação; desde então data a sua decadência. *** Um seita alemã, “os hernhutters”, juntou-se ao clube, trazendo idéias novas de uma religiosidade toda sentimental: convicção de estar em graça de Deus; convicção que, entrando na alma, lhes trazia uma paz celeste. Compreende-se logo que tal doutrina falsa tenha almas sonhadoras, inclinadas à nevrose e ao misticismo doentio. enganado facilmente Wesley abandonou deste modo a doutrina evangélica inspirada e aceitou idéias humanas de uma seita filha do luteranismo. Continuou com seus companheiros, a pregar, com zelo e sem medo, nas igrejas anglicanas, até que, em princípios de 1739, a autoridade anglicana lhes interditasse o acesso a seus templos. O reformador prosseguiu a sua evangelização nas ruas e nas praças públicas e a sua palavra ardente, fogosa, alcançou resultados admiráveis, mas de pouca duração. Em 1740 deu-se a primeira cisão da seita. O clube se separou dos “hernhutters”, dos quais havia recebido o princípio fundamental da sua vida interior. O ano seguinte, nova divisão foi operada por um de seus mais ardorosos companheiros, Jorge Whitefield, que aceitou a doutrina calvinista da predestinação, doutrina que Wesley odiava como blasfematória. Foi a origem da seita metodista-calvinista. *** Diante do começo de esfacelamento da sua obra, Wesley imaginou um meio de organização mais rígida; dividiu a seita em sociedades; cada sociedade em classes; cada classe continha apenas 12 pessoas e um condutor. Os Condutores de classes deviam, cada semana, dar informações a Wesley. Cada condutor tinha um adjunto que devia semanalmente conferenciar com todas as pessoas da sua classe, uma por uma, sobre s situação espiritual das suas almas. Mais tarde Wesley completou a nova organização pela instituição dos circuitos, reunindo várias sociedades num circuito, presidido por um superintendente. Os superintendentes deviam reuni-se de 3 em 3 meses, numa espécie de concílio, para resolver, sem apelação, todas as dificuldades e responder a todas as questões. Em 1770, quarenta anos depois do nascimento da seita, o metodismo contava 50 circuitos, com 30.000 adeptos. Como se vê, este homem, que parecia sincero, sentia a necessidade de uma autoridade suprema, infalível; e, negando esta prerrogativa ao Papa e aos concílios dos bispos, copiou a hierarquia da Igreja Católica, Atribuindo a infalibilidade a um grupo de homens, entre os quais ele mesmo era o Papa. Temos, deste modo, Wesley na função e no lugar do Papa; superintendentes, em vez de cardeais; chefe de sociedade, em vez de bispos; condutores, em vez de párocos. Os nomes forma mudados; os ofícios e a hierarquia ficaram. Infelizmente, apesar de tão boa e lógica organização, faltava à seita de Wesley o lado sobrenatural, a convicção da doutrina e a assistência da graça divina. O reformador sentia a necessidade de uma autoridade infalível, mas não aceitando a estabelecida por Jesus Cristo, foi obrigado a instituir uma autoridade puramente humana, como impossível, pois só Deus pe unbfalível, e aquele a quem ele comunica este privilégio, como o fez a S. Pedro. *** João Wesley era simples sacerdote anglicano, e, como tal, não podia transmitir o sacerdócio a seus pregadores. Pediu aos bispos anglicanos que dessem ordenação aos seus companheiros; encontrando, porém, oposição da parte dos anglicanos resolveu ele mesmo ordenar sacerdotes. Foi uma nova causa de divergência. Seu irmão Carlos, o amigo mais dedicado, separou-se dele, não admitindo tal ordenação feita por simples sacerdote. Este fato veio completar e salientar a origem puramente humana do metodismo. O princípio fundamental da sua vida interior é o subjetivismo sentimental dos “hernhutters”; a autoridade doutrinária, moral e eclesiástica é a autoridade dos CHEFES DE CIRCUITOS; e o poder sacerdotal para a confecção da ceia é a própria autoridade de Wesley fazendo-se bispo. O fundador do metodismo morreu em 1791. Não se pode negar a João Wesley muita sinceridade, boa vontade, zelo e uma vida honesta, isenta desta libertinagens que distinguem a maior parte dos reformadores. Nascido no anglicanismo, compreendeu ele os erros da seita e separou-se dela; procurou restabelecer ele mesmo a verdade, em vez de subir até o berço renegado pelo anglicanismo, e que a Igreja Católica lhe teria mostrado. Pode ter sido por ignorância no assunto proveniente da convicção exagerada de estar na verdade, e de a Igreja Católica, como tanto o repetia útero, ter-se afastado da doutrina de Jesus Cristo. Há em tudo isto pontos escuros e bastantes interrogações, é certo, e, apesar da sua boa vontade e zelo, custa-nos acreditar que Wesley não tenha suspeitado, pelo menos, no meio das divagações das seitas religiosas, que a verdade, a única verdade, estava com o Papa de Roma e a Catolicidade. Seja como for, o certo é que entre todos os reformadores Wesley é a figura menos antipática e menos extremista que a história nos apresenta, não obstante numerosos erros de prepotência e usurpações de poder, no quais caiu, até julgar-se um verdadeiro Papa. *** Apesar da vida regular de seu fundador, o metodismo não escapou à putrefação que sempre ataca as seitas separadas de Roma. Um escritor desta época já dizia, do tempo de Wesley: “Cada metodista representa ou, para melhor dizer, contém em si um curso ambulantes, completo de imoralidade, como os batistas”. Eis o que escreveu um zeloso partidário de Wesley: “Semelhante ao fogo, diz Flechter, a imoralidade está fazendo pavoroso estrago em nossas fileiras. Entre nós há quem fale do divino Salvador, com um ar de compunção; entretanto, entrega-se ao mesmo tempo aos mais hediondos crimes. Em quase todas as nossas igrejas, a fraude, a injustiça, o perjúrio, o adultério, etc. caminha de cabeça erguida e reinam soberanamente. Vejo homens dizerem-se crentes e, ao mesmo tempo, entregarem-se à maiores torpezas da natureza corrompida; vejo pastores lastimarem-se do império conservado pela lei em suas consciências: „Nossos corações depravados, dizem eles, nos sugerem a fazer alguma coisa para a nossa salvação”. “Em vez de refletirem e combaterem o vício, ao contrário, os pastores fazem dele a mais rasgada apologia, do alto da cadeira, e vão propinando o veneno da imoralidade, gota por gota, nos corações dos ouvintes”. O Dr. Halle, luzeiro metodista, chegou a sustentar que o adultério, o infanticídio, etc. longe de enfraquecerem a graça, aumenta a santidade diante de Deus. “Cometesse eu pecados mais graves que Manasses, diz ele, seria ainda um filho da graça. Tu te enchafurdas na lama do pecado; cometes incesto, adultério; tens as mãos tintas no sangue inocente, não importa, és bela, minha amada, minha esposa fiel és imaculada. É certo que o adultério, o incesto e o homicídio me tornam mais santo, mais aceito no céu” (Flechter: cheks to Antinam, vol. S2, pág. 200). Wesley ensinou também que a justificação está na fé e não na prática das boas obras, de modo a adotar o mesmo princípio básico do luteranismo: Peca corajosamente e crê mais firmemente: Pecca fortiteret crede fortius. Tal máxima é a apologia mais completa dos maiores crimes, como do assassínio, do roubo, do adultério, do infanticídio, do incesto, da poligamia, enfim de todas as torpezas escandalosas de que os protestantes foram propagadores, como no-lo mostra a história imparcial. Já durante a vida do fundador mostraram-se causas de separação futuras: o descontentamento de pregadores não eleitos como membros de conferência geral; a parte leiga querendo participar na administração da seita; o orgulho ferido de pregadores destituídos. Em 1797 o pregador Kilham fundou uma nova seita: UNIÃO METODISTA NOVA. Em 1810 fundou-se a seita: “União Metodista Primitiva”. Em 1815 o pregador Bryan principiou a seita metodista dos CRISTÃOS BÍBLICOS. O ano de 1815 viu nascer a seita dos “metodistas WESLEYANOS ORIGINÁRIOS”, formada pelo pregar Averil. O Ano de 1828 produziu duas novas seitas: a dos “Wesleyanos Independentes” e a dos “Metodistas Wesleyanos Protestantes”. O pregador Warren fundou em 1829 uma outra seita: a “Associação Metodista Wesleyana”. Em 1857, de uma só vez, se separaram da seita madre 19.000 adeptos e formaram juntos com os “Wesleyanos Protestantes! E a associação nascida em 1829; “Igrejas Livres Unidas ao Metodismo”. No mesmo tempo outra parte abandonou az mãe para constituir a “União Wesleyana Reformada”. *** A conferência geral lutou para salvar a situação, e, para não ver a debandada geral, institui em 1878 uma outra conferência, chamada representativa, cotando 480 membros: 140 clérigos e 240 leigos. Tal mudança de regime e de autoridade salientou mais claramente a orig humana da sei e ausência do elemento divino. Mas nem aquela medida da conferência geral, aceitando diretamente o elemento leigo no governo da igreja impediu a desmembração do metodismo. Hoje em dia (1950) absolutamente separadas umas das outras, portanto não constituindo uma Igreja una, há a conferência CANADENSE, a AUSTRALIANA, a FRANCESA, duas na ÍNDIA OCIDENTAL e a SUL-AFRICANA... ... ... ... Na América do Norte, Tomás Coke, ordenado por João Wesley, ordenou, por sua vez, o pregador leigo Asbury. Os dois tomaram, por própria autoridade, o título de bispos e principiaram assim a Igreja Metodista EPISCOPALIANA, a seita preponderante na América e a mais agressiva. A Igreja Metodista Episcopaliana, por sua vez, provou a sua fraqueza, dividindo-se em seitas independentes. Só nos Estados Unidos há 16 igrejas metodistas saídas da seita episcopaliana: igreja protestante metodista, igreja original metodista, igreja congregacionalista metodista, igreja metodista livre, igreja congregacionalista nova, igreja independente, sete seitas independentes para negros (umas na América, outras na África), etc. Os alemães têm na América: a igreja metodista “dos irmãos unidos em Cristo” e “da união evangélica” etc., etc. Magnífica resposta do metodismo à oração de Jesus na última ceia: Ut unum sint sicut et tu, Pater, et ego unum sumus, unidade de natureza unidade de idéias, unidade de vontade, unidade de operação! Desde 1881 se reuniu cada sete anos uma conferência geral de todas as seitas metodistas, para tentar uma aparência de união e uma semelhança de concordância na doutrina, o que jamais conseguiram. *** O fazendeiro Jacó Albrecht não concordando, na igreja metodista episcopaliana, com a eleição dos bispos para a vida toda, fundou em Pensilvânia a sua seita metodista, estipulando os bispos ficarem bispos durante 4 anos somente. Da Pensilvânia se ramificou na Alemanha; o total de adeptos nunca ultrapassou a 500 mil almas. O metodismo original, de João Wesley, tem como idéias principais as seguintes: A Escritura Sagrada é a única fonte de doutrina. Sobre Deus e a Redenção por Jesus Cristo aceita a doutrina Católica. O pecado original é explicado francamente no sentido protestante. Negam a instituição do Papado por Cristo. Dos sacramentos ficam dois: o batismo e a ceia. Mas o batismo é simplesmente uma cerimônia de entrada na seita e não dá o renascer como filho adotivo de Deus. A justificação se opera pela fé e o Espírito Santo manifesta diretamente de maneira incontestável à alma justificada a sua aceitação como filho de Deus. Na comunhão o fiel bem disposto recebe espiritualmente o corpo e o sangue de Cristo. As boas obras não têm merecimentos, mas são necessárias para a salvação. A doutrina sobre a morte, o juízo, a ressurreição, o inferno e o céu, concorda com a doutrina católica. 4. OS QUAKERS OU TREMEDORES Como a seita dos batistas, também a dos quakers nasceu da seita anglicana. O grande viveiro das seitas que surgiram nos últimos séculos. O nome da seita “quakers” – quer dizer “tremedor”. Foi dado ao fundador da seita, o inglês George Fox, pelo juiz de Nottingham no ano de 1650, quando, tendo de julgar a Fox acusado de blasfêmia, este último interpelou o juiz, dizendo-lhe que honrava a Deus e tremia em sua presença. GEORGE FOX, nascido em Drayton (Inglaterra) no ano de 1624, pertencia à igreja anglicana. Já quando rapaz, em vez de brincar com seus camaradas, às mais das vezes ficava sozinho, lendo e meditando sua Bíblia. Um dia, Fox, contando então 19 anos, escandalizou-se à vista da embriaguez de dois pastores anglicanos: retirou-se à sua casa, andou uma grande parte da noite no seu quarto, não conseguindo dormir, rprostrando-se à miúdo por terra para rezar. Na sua imaginação cansada o melancólico jovem ouviu uma voz que lhe dizia: “Vê como os homens se deixam arrastar pelas vaidades: afasta-te para longe deles e fica como estranho para eles”. Fox abandonou tudo: casa, família, amigos e trabalho, viajou a pé desde 1643 até 1547 de lugar a lugar, cheio de dúvidas, martirizado por tentações de desespero, vituperado e desprezado pelo povo. Naquele estado de alma julgou, em 1647, ouvir uma voz no seu interior dizendo-lhe: “Um só pode ajudar-te ainda: Jesus Cristo. O teu nome está escrito no livro da vida”. Sossegou-se-lhe a consciência e se esforçou para conhecer bem o Cristo. Neste estado psicológico, que as quimeras melancólicas e a antropofobia de tantos anos tinham posto na alma de George Fox, não podia ser mais pelo ensino eclesiástico, pelas argumentações universitárias nem pela leitura da Bíblia, que teria ele o meio de encontrar a verdade. Este era o princípio de Fox: “O homem aprendeu a verdade somente pela voz divina, falando na alma humana”. *** Fox logrou ganhar algumas pessoas para a sua ideologia e com elas fundou em 1649 a sua seita; chamou-a “Associação dos Amigos”. Sem medo, eles pregavam atacando os vícios do mundo. Muito tiveram de sofrer das autoridades anglicanas; pouco a pouco cresceu o seu número, e, em 1654, 60 missionários tremedores percorriam a Inglaterra. Como Fox, negavam o direito da guerra e o serviço militar, ensinando toda briga vir da paixão má do coração; muitos dos seus adeptos entravam no serviço militar para semear as idéias do chefe entre os soldados e acabar com o exército. Vários quakers, impelidos por seu espírito imaginário, praticavam atos que acabavam em escândalo e demência. Alguns houve que jejuaram até à inanidade, ficando vários dias em espasmos mortais; outros, na igreja, despojavam-se dos vestidos do corpo, ficando nus para indicar o seu renascer no Espírito Santo; estes, para imitar os profetas, vestiam-se de peles de ovelhas e de outros animais; aqueles pregavam nas ruas contra as autoridade e insultavam nas igrejas os pregadores anglicanos, chamando-os animais, cães, hipócritas, servidores do anticristo, etc. O quaker Perrot ousou ir a Roma, para converter o Papa. O quaker Naylor se deixou honrar como o “mais belo dos filhos dos homens", “o rei da paz", “o rei eterno”; entrou festivamente em Bristol, enquanto as mulheres lançavam ramos e vestidos nas ruas, cantando: “Hosana àquele que vem em nome do Senhor”. *** Só em 1660 é que elementos mais pacíficos começaram a dominar. Foram compostos regulamentos da seita sobre as reuniões religiosas, o matrimônio, os cuidados a prestar aos pobres, etc. Somente nas questões de fé nada foi indicado como obrigatório; cada um devia experimentar a inspiração do Espírito Santo. Contradição flagrante: “Desconfiar da condução pessoal do Espírito Santo na vida eclesiástica e moral e abandonar-se completamente à inspiração pessoal do mesmo Espírito na vida intelectual”. Na ausência absoluta do princípio filosófico: “as idéias governam o homem”. Se o Espírito Santo inspira realmente as idéias da fé a cada um em particular, então estas idéias deveriam conduzir a pessoa na fé praticada, e não os regulamentos e estipulações vindos de fora. No ano de 1673 principiaram as cisões. O quaker Perrot se separou do chefe Fox e condenou o costume de ajoelhar-se e descobrir a caça durante as orações. Exigiu que se tirassem os sapatos e que se prostrasse a face por terra; não quis que obrigação alguma, de qualquer natureza, fosse imposta; ninguém devia fazer coisa alguma e até deveria deixar de assistir às reuniões religiosas, sem impulso pessoa do Espírito Santo. O quaker Mucklow proibiu toda autoridade ou ministério na seita que ele formou, pois somente o Espírito Santo devia ser o Pastor, o Pregador e o Ancião. Deste modo, os princípios de Fox foram aplicados ao pé da letra. Story e Wilkinson não chegaram a este extremo, mas formaram grupos com idéias contrárias a Fox. A consolação de Fox, sempre perseguido e lançado várias vezes na prisão pelos anglicanos, foi William Penn, o mais famoso dos quakers, fundador da seita de Fox nos Estados Unidos, e Barclay, o teólogo da seita. Este deu um corpo de idéias e as explicou na sua apologia da fé dos quakers, trabalho que o mesmo Fox, por falta de instrução e formação intelectual não podia fazer. Fox morreu em janeiro de 1691. Depois da morte dos três chefes: Fox, com a sua vontade enérgica (1691), Barclay com sua ciência (1690) e Penn com seu idealismo (1718), a seita, pela sua doutrina de subjetivismo absoluto, contendo em si desde o princípio o germe da morte religiosa decaiu a pouco, mas definitivamente. Primeiro acabaram-se as missões estrangeiras, fundadas por Fox. Já desde 1720, aplicando a doutrina da luz interior desprezava-se a ciência e o preparo para os pregadores e foram admitidas, para pregar, pessoas sem instrução; imperceptivelmente abandonou-se todo cuidado interior das almas, e todo o interesse pelas questões eclesiásticas perdeu-se no povo quaker. O deísmo nascente, rejeitando toda a revelação e aceitando só uma religião prática e natural, invadiu a seita, não obstante a excomunhão de Hannah Bernard que trabalhou muito para fazer entrar toda a seita no idealismo deístico. Foi em 1822 que Elias Hiscks, pregador quaker, ocasionou a maior das separações. Rejeitou todos os dogmas que se relacionavam com o Cristo. Para ele, e para a seita por ele formada, Jesus é somente um homem como nós pecável, apesar de não haver cometido pecado, e sua morte é sem valor para nós. Contra Hicks e os seus que não fizeram mais do que andar no princípio errôneo dos quakers, enunciado pelo mesmo fundador da seita, sobre a luz interior, para chegar à verdade, subjetivismo absurdo, antibíblico, houve em 1837 uma reação radical, contrário ao princípio de Fox. Tomavam “o nome de amigos evangélicos”. Puseram o Evangelho dependendo das luz interior pessoal. Exemplo manifesto da origem e do espírito humano das seitas. Idéias humanas contra idéias humanas; até os princípio teológicos dos fundadores se perdem e são rejeitados, não unicamente pelas seitas secundárias que se separaram das seita mãe, mas também pelo grupo mesmo que se diz a legítima igreja do fundador. Assim o protestantismo primitivo de Lutero, no calvinismo, na seita batista, assim nos quakers e em todos. À medida que a seita dos quakers ia perdendo a fé, com maior zelo praticava obras de caridade exterior e de filantropia. Era a atividade exterior que substituía a ausência da fé interior, para ser o vínculo da união entre os adeptos da seita. O número dos quakers das diversas seitas é, mais ou menos, 140.000. Os quakers rejeitam todos os sacramentos. Batismo, de que fala Jesus, é para ele a conversão interior pela luz divina; a comunhão nada mais é que a participação da alma no corpo espiritual do Cristo. Desprezam também qualquer fórmula de oração e culto prescrito; cada um ora e louva a Deus como e quando a inspiração divina lho sugere. Não há pregadores oficiais; cada qual, homem ou mulher, sábio ou ignorante, tem de pregar e publicamente rezar nas reuniões, quando e da maneira que a luz interna inspira. Barclay descreveu assim uma reunião de sua seita numa sala sem ornamentos somente há bancos, para que nada de exterior possa impedir as sensações religiosas; aí estão sentados os amigos da luz num silêncio profundo. Pode acontecer que durante uma hora não haja interrupção do silêncio, afora algum gemido ou suspiro de um ou mais dos assistentes, no qual o Espírito Santo opera, até que no fim um dos fiéis se sinta impelido a comunicar suas experiências interiores pregação ou reza. Acontece também que a reunião se disperse, sem que ninguém se sinta impelido a falar. Muitas vezes manifesta o trabalho interior em soluções em tremor. “Em movimentos vivos de todo o corpo, até que a vitória pertença à luz e saia em torrentes luminosas e júbilo santo”. Assim escreveu Barclay. Teólogo quaker. E um participante confessou haver visto muitos dormirem nas reuniões e outros com uma cara em que se via indisfarçável fastio. 5. A FRAGMENTAÇÃO PROTESTANTE Limitemos-nos à exposição mais desenvolvida destas 4 seitas, pois é impossível retraçar a origem de cada uma das 888 denominações diferentes que hoje o protestantismo nos apresenta. Todas elas nasceram da corrupção, da ignorância ou da loucura. Querer percorrê-las todas seria obra de muitos volumes, e não de um livro popular, que pretende apenas analisar a origem histórica e moral da seita em geral. Tal árvore, tal fruto, disse o divino Mestre. A árvore do protestantismo é a revolta e a libertinagem; esta árvore só pode produzir frutos de revolta e de devassidão. De tal lamaçal, como é a vida de Lutero e de seus primeiros companheiros, só podem sair e só têm saído miasmas mortíferos, nauseabundos, que são as centenas de seitas, em luta umas contra as outras, a mostrarem a sua origem puramente humana e, o que é pior, o seu nascimento do vício. A fragmentação em centenas de seitas é a prova mais palpável da falsidade do protestantismo. A verdade é UMA SÓ; os erros pululam, justamente como a saúde é uma só, enquanto há centenas de moléstias. Mal Lutero congregava na Alemanha um manípulo de sequazes sob a sua bandeira, e eis Zwínglio, na Suiça, a levantar outra seita; ao mesmo tempo Calvino, em França, recrutava nova seita, inimiga da Igreja verdadeira, e inimiga dos seus irmãos protestantes velhos. A Inglaterra, por sua vez, julgou-se com direitos de inovação. Henrique VIII, enforcando as suas esposas, para poder recomeçar a comédia, fundou o anglicanismo. Luteranismo, calvinismo zwinglianismo e anglicanismo são quatro nomes, quatro partidos e quatro facções, quatro moléstias apoiadas todas sobre a Bíblia, cada qual pretendendo possuir o Evangelho puro; têm todas só um traço comum: o seu ódio à verdade católica, à única verdade ou à única saúde. Daí por diante, cada século viu surgir dezenas e até centenas de novas facções, para a medicina vê surge em cada ano novas moléstias contra a única saúde. Qualquer cabeça desequilibrada, fanática ou herética, que se sinta com coragem de exibir uma novidade, reúne adeptos, constrói um barracão e funda igrejolas. Na Alemanha registraram-se, há poucos anos, 37 IGREJAS REGIONAIS, sem contar as IGREJAS LIVRES, que são centenas. Na Inglaterra, contavam-se em 1900 perto de 300 seitas. Só na cidade de Londres há mais de 100. Os Estados Unidos batem o recorde de excentricidade. Os relatórios oficiais indicam a cifra pasmosa de 288 seitas. Os seus adeptos mudam de seitas, como se muda de loja: procuram aquela onde se vende mais barato. Já quase ninguém pensa numa igreja verdadeira... pouco importa a verdade, trata-se de pertencer a qualquer seita, como se dá o nome a qualquer clube ou se filia a qualquer partido político. Cada seita é uma espécie de clube de futebol ou de touring-club. Os americanos deixaram o título de igreja, para adotarem o nome de denominação evangélica. Tudo entre eles é evangélico: Deus, diabo, São Miguel, Satanás, Caifás, Pilatos, Judas, Barrabás, Holofernes, etc. Até a Torre de Babel... tudo é título evangélico. É uma verdadeira palhaçada de circo. Praticamente é o ATEÍSMO escandaloso. Entre as 888 seitas, qual é a verdadeira? Nenhuma. A Igreja verdadeira é aquela por todas estas contradita e combatida, a única que não muda, que não se divide, que não se fragmenta: a IGREJA CATÓLICA, APOSTÓLICA, ROMANA. É como se, ao ler uma lista de 888 moléstias, alguém perguntasse; qual delas é a saúde? Nenhuma. A saúde é a impugnada por estas moléstias, e tuda que ataca não passa de moléstia. 6. SEITAS... SEITAS... SEITAS... A título de curiosidade, citemos pelo menos uns nomes da imensa lista de seitas protestantes, oficialmente reconhecidas como tais. Basta citar uma centena, para não esgotar a paciência do leitor, deixando na sobre umas 800 outras. Quem é capaz de percorrer uma tal lista? Luteranistas; Calvinistas; Zwinglianistas; Anglicanistas; Metodistas; Anabatistas; Batistas regulares; Batistas dos 6 princípios; Batistas do 7º dia; Batistas de comunhão livre; Adamitas; Antinomistas; Trinitários; Antitrinitários; Socinianos; Latitudinários; Gomaristas; Episcopalianos; Presbiterianos; Huguenotes; Hussitas; Quakers; Adventistas; Unitários; Metodistas Livres; Metodistas primitivos; metodistas ocidentais; metodistas africanos;metodistas independentes; metodistas de nova Jerusalém; metodistas reformados; presbiterianos reformados e da velha escola; espiritualistas; Cristãos bíblicos; wesleyanos; mamilários; pastorecidas; mórmons; pentecostais;supralapsários; colegianos; facientes; lagrusiantes; indiferentes; multiplicantes; beamantes; labatistas; Scaqueros; Sumpers; gloaners; Milenários; wiferdenianos; recionalistas; generacionalistas; sonteístas; adioforistas; entusiastas; pneumáticos; intgerimistas;berboristas; evangelistas; lutero-calvinistas; Batistas; menicerianos; puritanos; sabaritanos; armênios-socianos; colônio-zeinglianos; ziandianos; lutero-oziandianos; estanerianos; anti-presbiterianos; lutero-zwinglianos; sincretianos; Sinerginianos; obquistianos; pietesianos; bonaquerianos; versecorianos; cesederianos; cameronianos; filisteus; mariscalianos; hofinsianeses; necessarianos; edivarianos; piestianos; viliefcedrianos; ambrosianos; morávios; monasterianos; antimonienses; anomênios; munsterianos; clancularis; grubembários; estabérios; baculários; nudípedes; sanguinários; confessionários; Impecáveis (que felizes!!!!!!); austeros; taciturnos; alegres; demoníacos; chorões; livres; espirituais; concubinos; apostólicos; oleiros; conformistas; episcopais; contra-remontantes; anticonvulsionários; Adioforistas; brownistas; amigos; místicos, conscienciosos; remontantes; herrenhuteristas; criptocalvinistas; menoristas; socialistas; puséistas etc., etc., etc... Até aqui 134. Quem poderá contar todas? Basta esta lista! E falta ainda uma 800!!! 7. SEITAS EXCÊNTRICAS Há seitas de uma excentricidade mais que ridícula... quase toda são exquisitas, mas há umas que levam a palma e merecem menção particular. A Bíblia sem interpretação autêntica dá para tudo como cabeças exaltadas são capazes de tudo. Abraão, prestes a sacrificar o filho Isaque, inspirou a um anabatista a idéia estupenda de degolar o irmão... E zás.... O anjo não apareceu e lá se foi a cabeça do mano! Em Dower, uma mulher, pelo mesmo exemplo de Abraão, decapitou o filho (Cobeet, Letter XII). Em Nova Iorque, outra mulher crucificou a própria mãe, após ter sacrificado um galo e um bezerro. Imitadores dos antigos patriarcas, Carlostadt, João de Leyde, Oquísio e os mórmons pregaram e praticaram a pluralidade de mulheres e, cúmulo de heroísmo, também das sogras. Biblicamente falando, aquilo tem seus visos de razão: Escutem o que Carlostadt escreveu a Lutero: “Já que nem tu, nem eu, nenhum texto encontramos contra a poligamia, sejamos bígamos, trígamos e tomemos esposas quantas pudermos sustentar. Crescei e multiplicai-vos! Ouves? Deixa-me, pois, cumprir a ordem do céu” O patusco esquecia que a Nova Lei preceitua a monogamia e aconselha a virgindade... Mas, não há pior cego que aquele As passemos além... isso cheira a cúmulos de boemia. que não quer ver. O maná protestante serve para chorar e para rir. Surgiram, pois, as seitas dos chorões e dos folgazões. Os chorões escoram-se no Salmo 51 e 79 que diz: “Dia e noite são as lágrimas meu pão” e no 79: sustentar-nos-á o pão de lágrimas!... Quem dará aos meus olhos uma fonte de lágrimas?” Em obediência a estes textos bíblicos, os CHORÕES não comem sem antes soluçar, e regar o pão de lágrimas abundantes. Quem não chora não mama favores divinos, naquela seita, à qual hoje apenas pertencem as senhoras vaidosas, quando o marido lhes recusa cortar o cabelo, as mangas e a saia. Mas todos não dão para CHORÕES: não haveria cebola que chegasse! *** Os FOLGAZÕES gargalham sempiternamente em obediência ao Salmo 31: “Alegrai-vos no Senhor, e exultai, justos!...” São tais protestantes fonte de perpétuos humorismos... em casa como na rua, nos templos como no mercado, fungam de hilaridade ou torcem-se em sonoras risadas. *** Outros lêem no Evangelho que o espírito sopra onde quer. Reúnem-se, pois, em silêncio, numa casa, lêem a Bíblia e daí a pouco começam todos a tremer como varas verdes, julgando-se cheios do Espírito Santo. Querendo obedecer ao conselho de S. Paulo: “Operai a vossa salvação com tremor e amor” (Tim 2,12), julgam ótimo tremer o dia inteiro, e até à noite, quando dormem. É a seita dos QUAKERS ou TREMEDORES. *** Serve para os países frios, onde a gente treme de frio... e para os estudantes na véspera e no dia dos exames. *** Outros lêem, no salmo 22, estas palavras: A tua vara e o teu cajado me consolaram. Procuram, pois, um valente cajado que lhes sirva de consolação e de defesa. Andam pelas ruas, apoiados sobre o humilde bordão que, em certas ocasiões solenes, vira insolente varapau.... sobre as cotas do próximo. É a seita dos BACULÁRIOS, havendo outra de igual jaez, chamada dos CACETES. De uma e de outra, livrai, Senhor, as nossas costas! Outros ainda, estribando-se em Eclesiástico: (3, 4): “Se há um tempo para prantear, o há também de saltar”, instituíram a seita dos PULADORES. Passam o dia em dar guinadas e pulinhos. Ótima seita para os dias de carnaval... mas, os entrevados, reumáticos e velhos, não podem pertencer a esta igrejola. Pelo contrário, a doutrina é ótima para a rapaziada e para os acrobatas. *** Outros ainda (por que não?) – pois o maná e remédio universal – outros encontram em S. Mateus (10,20): “Não sois vós que falais, mas o Espírito Santo que está em vós”. Bela ocasião de falar francês, grego, hebraico, e até chinês, mesmo quem não sabe nem o português... *** Outros ainda encontram em S. Mateus (10, 19): “Em certa hora ser-vos-á inspirado o que haveis de dizer...” Então se juntam numa barraca, cantam... e depois, num silêncio sepulcral, inclinam a fronte até ao solo, ficando a parte traseira ma aprumada, e assim esperam a hora bendita em que qualquer URUBU venha pousar na cumeeira da casa... Então la vai o badalo da língua, para desforrar o tempo perdido, falam pelas tripas de Judas, indo por paus e pedras, metendo os pés pelas mãos e a tesoura na reputação alheia. *** Uns outros valentes biblistas, para mostrar o seu desapego das coisas terrenas, adotaram o versículo de Ezequias 7, 19: AURUM EORUM IN STERQUILINIUM ERIT – O SEU OURO ESTARÁ NO ESTRUMEIRO – e se chamaram ESTERCORÁRIOS ou ESTRUMEIROS. Que belo achado! E pela sua vida dissoluta mostram que tal esterco se lhes adaptava admiravelmente. *** Ali não parou o espírito inventivo dos fervorosos adeptos de Lutero. A Bíblia em vários lugares, fala de concubinas. As concubinas de Salomão, etc. (2 Reis, 11,3) Ora, tudo o que está na Bíblia, raciocinavam os finórios, é a palavra de Deus. A palavra de Deus é santa; logo, o concubinato é santo; e eis a seita dos concubinos a entrar solenemente na lista das seitas protestantes. Excelente para libertinos e estróinas da vida! *** Lutero, como ele mesmo disse diversas vezes, era amigo do demônio, que lhe apareceu diversas vezes para dar-lhe os parabéns pela obra de suas reforma. Ora, o que o pai ama, convém que os filhos não desprezem e, apoiando-se valentemente sobre o texto de S. João: “UM DE VÓS É UM DEMÔNIO” (S. João 6,71) chamaram-se simplesmente DEMONÍACOS. Ótima seita para os possessos do demônio. *** Outros procuraram na vida do divino Mest45e, um texto que lhes servisse de exemplo. É o que não falta; o que todos fazem, porém, não é doisa nova, e os excêntricos querem novidades. Encontraram em S. Mateus que Jesus, perante o tribunal de Caifaz, ficou taciturno, SEM NADA RESPONDER (São Mateus 16,63). Resolveram não falar mais; aliás, o provérbio diz que o silêncio é de ouro e a palavra é apenas de prata. Foi a origem dos TACITURNO, seita autêntica, em que tudo deve dizer-se por sinais, sem articular palavras. Boa seita para os surdos-mudos. Não se pense que o furor biblista para em tão bom caminho. Para formar 888 seitas diferentes com nomes dessemelhantes, é preciso explorar todos os cantos e recantos da Bíblia. Os antigos patriarcas não conheciam os sapatos, mas andavam de pés descalços, de pés nus. Por que não imitá-los? E eis que um fanático fez consistir a santidade em andar com pés descalços, fundando a nova seita dos NEDÍPEDES. Outros acharam que os verdadeiros cristãos devem viver NO AR e não na terra, pois está escrito em S. Paulo: “SEREMOS ARREBATADOS NAS NUVENS... NOS ARES” (1 Tess. 4,16), Não querendo esperar a outra vida para voarem, ele que pretendem voar desde já. É a seita dos PNEUMÁTICOS. *** Até os filisteus bíblicos tiveram imitadores; querendo mostrar o seu valor guerreiro contra os judeus, inimigos de Cristo, houve protestantes que se intitulavam FILISTEUS. No protestantismo há de tudo e para tudo. *** Terminemos pela seita dos ADAMITAS. Sabe-se pelo Gênesis que, antes da prevaricação, Adão e Eva não abusavam do vestuário, trajando com um pouco menos do que certas modas modernas. Nasceu, pois, na Holanda uma seita cujos membros tiram a roupa, respondendo à polícia pudibunda de Amsterdan, que o andar despido é uso eminentemente bíblico. Quem sabe se não há por aí, neste Brasil afora e adentro, uns amadores do sistema ADAMITA? Digam, lá, amigos protestantes, diante de tais palhaçadas arranjadas em nome da Bíblias, poderse-á indagar: será isso de Deus ou do demônio? Será que tanta seita é religião?... Será tanta aberração digna de Deus e do homem? Tudo não passa de farsa. 8. CONCLUSÃO Tal é a origem do protestantismo e das suas seitas. É uma balbúrdia! E não digam, como fazem certos pastores, envergonhados da sua decadência, que há entre vários grupos uma unidade fundamental nos CREDOS, sendo os seus nomes apenas variedades denominacionais de sua história. Argumento ignorante. Quem conhece um pouco as várias seitas protestantes sabe que não há entre elas ligação alguma nem acordo doutrinal. Muitas são completamente opostas entre si e professam dogmas radicalmente diversos. Onde estará a unidade protestante? Não existe, nunca existiu, nem existirá, porque é essencialmente erro, e este é múltiplo, como são múltiplas as moléstias. “Unus Dominus, uma fides, unum baptismum: - Um só senhor, uma só fé, um só batismo”, diz S. Paulo (Efésios 4,5). Eis o que é fundamental. O protestantismo está todo dividido: rejeitou o único Senhor, por um agregado de seitas fundadas por Lutero, Calvino, Knox, etc. São tantos os SENHORES quantas seitas representam. Rejeitaram a FÉ ÚNICA, pois, entre as milhares de seitas não se encontram duas que professem a mesma fé. Rejeitaram o BATISMO ÚNICO, porquanto há entre eles mais de cinqüenta batismos diferentes, e diversas seitas chegaram a suprimir este sacramento. Como podem eles estar com a verdade? Ou S. Paulo está enganado, dizendo que A UNIDADE É O DISTINTIVO DA VERDADEIRA FÉ, ou os amigos protestantes se iludem, na mixórdia de suas crenças! A conclusão é, pois, rigorosa: onde está a UNIDADE aí se encontra a verdade. Tal unidade não está no protestantismo: este é, pois, uma seita errônea. A unidade existe na Igreja Católica; logo é aí que está a verdade... A ÚNICA VERDADE. A Igreja Católica, no mundo inteiro, e em todos os séculos, professa o mesmo Senhor, conserva a mesma fé, administra o mesmo batismo: a unidade é o selo da verdade. A UNIDADE É O SELO DA VERDADE.“DEVEMOS PROCURAR CONSERVAR A UNIDADE DO ESPÍRITO NO VÍNCULO DA PAZ”, diz S. Paulo (Efésios 4,3). As inumeráveis seitas protestantes não conservam nenhuma unidade e nenhuma paz, pois procuram continuadamente guerrear a Igreja Católica; estão, pois, erradas. A UNIDADE DA FÉ é a imagem da unidade de Deus, e o característico dos filhos de Deus, diz ainda S. Paulo (Efésios 4, 1-14). O protestantismo não possui nenhuma unidade; está, pois, separado de Deus, enquanto a Igreja conserva integralmente e sem restrição este caráter divino. A Igreja Católica Apostólica Romana e, pois, a ÚNICA IGREJA VERDADEIRA. CAPÍTULO XV O PROTESTANTISMO Poderia terminar o estudo sobre a origem histórica e moral do protestantismo. Vimos a sua origem tristemente célebre pela imoralidade e o ódio, conhecemos também como a revolta por Lutero se propagou através do mundo, continuando em toda parte a sua obra destruidora. Convém terminar este trabalho, lançando um olhar penetrante e crítico sobre a obra de Lutero, considerada como seita religiosa. Esta vista, abraçando no conjunto as causas e os efeitos, os homens e as doutrinas, nos fará compreender que: O DIABO, LUTERO E O PROTESTANTISMO são bem uma trindade inseparável, constitutiva de uma só obra. O diabo inspirou Lutero, e este ao protestantismo. O protestantismo é ligado a Lutero e, por ele, é ligado ao demônio. É uma obra demoníaca, como o leitor poderá ver nas páginas precedentes. Consideremos um instante esta obra como tal, apoiando-nos sobre os próprios autores protestantes, insuspeitos de conivência com os católicos, para rebaixarem a seita que eles mesmos professa, mas da qual se envergonham. 1. JULGADO POR SI MESMOS Apenas dado o sinal e o exemplo da revolta contra a Igreja, por Lutero, eis que cinqüenta comparsas invejosos de seus resultados se atiram na mesma senda. Não é a saúde que é contagiosa, é a moléstia, e, sobretudo, a epidemia da revolta. Eis esses homens, os mais pervertidos entre os humanos, - pois é sempre dos fundos que surge a revolta, - eis os chefes da libertinagem, da devassidão e da mentira, a se proclamarem, para ocultar seus vícios, os novos apóstolos de um DEUS DE PAZ E DE UNIÃO. Em vez de pacificarem os povos e de darem o exemplo da união, insultam-se uns aos outros, injuriam-se, ameaçam-se e se brindam com palavras mau torpes e com as mais infames acusações. Chamam sobre a cabeça uns dos outros, todas as excomunhões das leis e todas as vinganças do céu. Os próprios discípulos de Lutero denominaram-no: “novo Papa, novo Anticristo” e o pai retribui-lhes graciosamente semelhantes títulos, apodando Zwínglio de falso profeta, barqueiro, porco, herege. E este último respondeu-lhe: “Tão certo como Deus é Deus, não lha dúvida que Lutero é o diabo”. Calvino diz que Bucero, também discípulo de Lutero, se comprazia nas vias tortuosas e escuras, e que Ossiandro era um homem de conversação licenciosa e de moral infame. Melanchton acusa Carlostadt de ser um brutal e um ignorante, mais judeu do que cristão. Lutero tinha razão, quando dizia de todos os seus amigos: são miseráveis, não se entendem entre si, e Deus, para ensino nosso, deixa que se mordam, se despedacem e de devorem uns aos outros”. Mais uma vez: eis o mestre e seus primeiros discípulos que devem reformar os abusos da Igreja Católica e nela introduzir a união, a concórdia, a paz, o verdadeiro espírito do Cristo. Oh! Dizei a verdade, protestantes sinceros: será isso possível? Pode Deus servir-se do lodo para aformosear e purificar a verdade: Pode querer extirpar abusos com grosserias, imoralidades, insultos e provocações orgulhosas? Entretanto, tudo o que acabo de dizer é historicamente provado. Para maior certeza, não cito autores católicos, mas unicamente protestantes. Onde estará a verdade? Será com o Papa que, calmo e piedoso, permanece no trono de Pedro acima das ondulações, das paixões, dos interesses, ou com Lutero, a personificação das paixões mais baixas, das torpezas mais ignóbeis e das ambições mais vergonhosas... Ficar no incerto, no vago, é impossível, É preciso escolher! Ou Pedro ou Lutero... ou Jesus ou Barrabás! Basta isto para ajuizarmos com segurança do valor de todos esses pseudo reformadores, com dados fornecidos pelo próprios chefes da grei. E, no entanto, esses homens, tais como acabamos de representá-los, tiveram naquele tempo um êxito imenso... Qual a causa deste resultado? Deixemos que nos respondas um historiador protestante de renome, o Sr. Monod (Revue Historique l. 49. 1892). “A reforma, diz ele, foi um movimento destruidor do Cristianismo positivo e do princípio de autoridade em matéria de fé. Ela não passa de uma série e de uma coleção de formas religiosas do livre pensamento”. Quanto, porém, aos motivos determinantes da reforma, é o próprio Calvino que escreve: “Ente cem evangélicos, apenas se achará um que se tenha feito evangélicos por outro motivo que não seja o de poder entregar-se com maior liberdade a toda a sorte de voluptuosidades e incontinências” (Com. In II Ep. P. 63). E Frederico, o Grande, assim se exprime nas suas Memórias de Brandenburgo“Quando se reduzirem a princípios simples as causas do progresso da reforma, ver-se-á que na Alemanha foi a OBRA DA AMBIÇÃO E DO INTERESSE; na Inglaterra, a OBRA DO AMOR; e na França, a OBRA DA NOVIDADE”. Falando da Inglaterra, eis o que diz um outro historiador protestante: "Para guardar o devido respeito ao meus país, eu desejaria não falar dos úteis motivos que produziram a REFORMA: todos, porém, sabem que o motivo dói a paixão ilegítima de Henrique VIII por Ana Bolena”. E é sempre assim: A passagem de um membro da Igreja Católica para uma seita é, às mais das vezes pelo caminho do vício ou da ignorância. Pelo contrário, a do membro de uma seita para a Igreja É SEMPRE PELO CAMINHO DO ESTUDO E DA VIRTUDE. Eis, queridos protestantes, bem provado pelo bom senso e pela história, que Lutero não é um REFORMADOR mas um DEFORMADOR, um revoltoso. Não passa de um vulgar socialista ou comunista moderno, dando à sua rebelião uma capa religiosa, que só serve para melhor enganar os incautos. Lutero é um frade apóstata, minado pelo orgulho e pela libertinagem. Abriu a porta da dissolução numa época favorável,quando existiam uns abusos particulares, que serviram de pretexto à revolta. O apóstata arrancou do seio da Igreja Católica nações inteiras, para lançá-las nos escarcéus da discórdia, da agitação e do desespero... mas a Igreja de Pedro continuou sua marcha triunfante através dos séculos, produzindo milhares e milhares de SANTOS, enquanto a igreja DEFORMADA, não soube ao menos produzir uma simples irmã de caridade. Lembrem-se disso os protestantes de boa fé, e volvam os olhos para o farol da verdade, edificado sobre a pedra fundamental que é Jesus Cristo. E esta pedra nunca precisou, nem nunca precisará de reforma, porque é divina. Tu es Petrus. Tu és Pedro, ou pedra, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. Notai bem: MINHA e não a de Lutero. 2. A SENTENÇA DE MORTE O protestantismo nasceu AMORTALHADO... mais que isso:encaixotado como num ataúde. À primeira vista parece paradoxal tal asserção, porém, refletindo-se bem, ver-se-á logo que é rigorosamente certa. O protestantismo nunca teve, nem pode ter vida real, pelo motivo muito simples de que ele é uma negação; e esta é necessariamente uma falta, privação, ausência de qualquer coisa; e isto não pode subsistir em si; só existe como acidente, em outro objeto subsistente. Que é, pois, um protestante? É um mau cristão, um apóstata da verdade, um renegado da fé seguida pelos seus pais, insurgindo-se contra o ensino e a autoridade da Igreja e da tradição universal. O protestante, quando muito, pode ser considerado como mau cristão, como cristão negador da autoridade que forma a base do cristianismo. Mas o protestantismo não existe; existe, sim, o protestante, o indivíduo apenas. Não há moléstias, diz a ciência, só há doentes, porque sendo a moléstia a privação da saúde, torna-se a negação de uma coisa existente: e a NEGAÇÃO não existe. Assim, o protestantismo, que é a privação da obediência à autoridade da Igreja, torna-se uma negação e tal fato não se sustenta por si; somente pode existir num cristão que deixou de ser bom, como o enfermo pela moléstia deixa de ser homem sadio. Este vício da revolta nasceu na pessoa de Lutero. E foi por ele transmitido ao século, como foram transmitidos os vícios da bebida, do jogo, da cocaína, etc. Os maus cristãos, cegos pela ambição ou licenciosidade, para tranqüilizarem a consciência, ou melhor, como disse Calvino, PARA PODEREM ENTREGAR-SE COM MAIOR LIBERDADE A TODA SORTE DE VOLUPTUOSIDADE E INCONTINÊNCIAS (Com. In II Ep. P.63), lançaram contra Cristo e a sua Igreja o brado de revolta, de insubordinação, constituindo-se em seita de PROTESTANTES. Tal seita congregou em redor de seu estandarte todos aqueles que se sentiram desejosos de libertar-se do jugo moralizador da lei do Cristo e da Igreja. Mas a revolta é um turbilhão que passa, por si também não pode existir, mas se apóia nas paixões desenfreadas dos homens. Eis porque digo que o protestantismo nasceu AMORTALHADO. Nunca chegou a formular um Credo religioso. Nunca os protestantes souberam com exatidão o que precisam crer ou rejeitar. Quando uma das MIL SEITAS diz “creio” – uma outra responde logo: nego. Quando esta fala: “está errado”, aquela contesta prontamente: “é a verdade”. Não se pode nem formular a crença, nem os erros protestantes. É pior que a Torre de Babel: é uma BALBÚRDIA indecifrável. Em regra geral pode-se dizer que o erro fundamental é a negação de toda a autoridade, fixando o sentido da Sagrada Escritura, e a negação de tudo o que ensina a tradição. Isto teoricamente. Praticamente, cada vendedor de Bíblias, ontem padeiro, sapateiro ou negociante de feijão e charque, pretende fixar a explicar o sentido da Bíblia e substituir a tradição pelas suas próprias idéias. Negam... e afirmam; rejeitam a autoridade, e se constituem autoridades. BIBEL... BABEL diria o alemão. A Bíblia é uma verdadeira Torre de Babel. Em tais condições, como foi que o protestantismo se espalhou, pelo mundo, conquistando adeptos e sequazes? Convém notar bem o fato. Não foi o protestantismo, que se espalhou; foi o vício, a revolta, o espírito vesgo de independência; e esta revolta se rotulou de “protestantismo”, como a loucura moderna se denomina “espiritismo”. O vício foi de todas as épocas. Ele é o micróbio, o parasita da natureza humana decaída... mas vício é vício; o termo soa mal aos ouvidos. Vêm os REFORMADORES ou DEFORMADORES, que lhe colam um rótulo mais atraente. A revolta chamar-se-á PROTESTANTISMO, a loucura terá o nome de ESPIRITISMO, o ódio à Igreja receberá o nome de MAÇONARIA e a barbárie denominar-se-á COMUNISMO. É como para certos indivíduos, que confundem fineza com grosseria, bondade e fraqueza, piedade e beatice ou carolice, modéstia e acanhamento; assim para certa gente impudor é moda, indecência é educação e namoro é passatempo. Ai do pobre dicionário; porém a culpa não é dele. É o vício que procura trajar o vestido da virtude ou pelo menos disfarçar sua hediondez. Tal é o protestantismo. Pois bem, o vício não existe; o que existe é o homem viciado. O protestantismo também não existe; é o homem revoltoso que existe, e tal homem nasceu amortalhado, encaixotado no lúgubre esquife, prestes a ser levado ao cemitério para a sepultura. Se não o foi logo, é porque o vício lançou raízes fundas no coração e na alma, e estes vícios foram alimentando a hidra protestante, que enfim está no estertor da agonia. O protestantismo de hoje não passa de prolongado enterro! 3. UM MORTO AINDA VIVO Nos parágrafos precedentes tenho atirado ao protestantismo acusações gravíssimas e adiantada afirmações super gravíssimas. É preciso prová-las. Provemo-las e tiremos as conclusões das premissas enunciadas, pois não quero que os “amigos” da Bíblia me acusem de caluniador. O protestantismo não é uma doutrina POSITIVA; não ensina nada de novo do lado bom que a Igreja Católica já não tenha ensinado. É uma doutrina NEGATIVA, negando uma parte da verdade e rejeitando o que não concorda com suas paixões e seus caprichos. É um PARASITA na árvore da Igrej; é um inseto roedor dos seus frutos. Um parasita não vive por si, sustenta-se da vida dos outros. Os parasitas do corpo humano só vivem, enquanto o sangue circula; o parasita das plantas só vive, enquanto a seiva as alimenta. O protestantismo é o parasita da Igreja Católica; procura alimentar-se do sangue dos fiéis da Igreja do Cristo. Felizmente o jardineiro, que é o Papa, viu o parasita e arrancou-o da árvore, lançando-o por terra, onde agora procura viver da poeira que lhe traz o vento e o húmus lançado pelas tempestades das paixões humanas. É um eterno moribundo... é um MORTO VIVO. Para poder viver, o protestantismo, desde o berço até o túmulo, para onde está baixando hoje, ciente de ser um parasita, enxertou-se nas coroas dos reis e dos Príncipes, para delas tirar a vida e a existência. Este é um fato histórico. Na Alemanha identificou-se com o império. O Kaiser alemão era o Papa dos luteranos. Na Inglaterra, desde Henrique VIII até hoje, o rei da Inglaterra é o Papa dos anglicanos. Enquanto estas cabeças coroadas deixam o protestantismo chupar-lhes o sangue, e o protegem, a seita parece viver ainda; desde, porém que arranquem o parasita, este morrerá, secará, pulverizarse-á ou se transformará em podridão. Num momento que se erigiu em Worms, na Alemanha, em honra de Lutero, lêem-se as seguintes palavras, com que os mesmos protestantes, sem o quererem, condenaram a obra do seu corifeu. “Se foi obra de Deus: permanecerá”! “Se foi obra humana, perecerá”! Que ficou da obra de Lutero? Nada, ou melhor, os escombros. O protestantismo já não existe, dizem os protestantes. O sábio teólogo, Dr. Krogh Tonning assim se exprime: “Há um fato, cuja realidade evidente só pode escapar a espíritos obcecados. Este fato é que atualmente a igreja protestante se encaminha fatal e progressivamente para a sua completa destruição. Basta estudar o que se passa no seio desta igrejola para reconhecer a assinatura do tempo, nesta palavra sinistra sem equívoco; DETRUIÇÃO” E não são vozes isoladas de pessimistas que assim falam. Um membro do Reichstag alemão, em um dos últimos debates religiosas, fazia a mesma triste confissão: “Não se poderia mais achar a igreja luterana em toda a Alemanha, ainda que, para achá-la, em pleno dia se tivesse na mão a lanterna de Diógenes”. O Sr. Dammann, pastor de Essen, lança o seu grito angustiado: “Se este progresso dissolvente das crenças continuar, daqui a pouco soará a derradeira hora da nossa igreja”. O Dr. Lemme, afamado professor protestante, por sua vez diz: “O protestantismo moderno, destruindo fundamentalmente todos os dogmas, já não tem nenhum traço de união com o cristianismo evangélico”. Na Alemanha, na Suiça, em todos os países protestantes, escreve ainda o Dr. Krogh Tonning, verifica-se a triste palavra do Dr. Zahn: TUDO SE DISSOLVE, A IGREJA HISTÓRICA DA REFORMA JÁ NÃO EXISTE, VAMOS DIREITO AO PAGANISMO. Ainda bem que não sou eu quem o diz, e sim os mestres protestantes. O protestantismo é um cadáver, apodrecido pelo próprio vício que o arrancou do seio da Igreja. É um cadáver vivendo na pessoa daqueles que o carregam aos ombros. Como seita, está morto o protestantismo: só vive como vício, pelo espírito de revolta e de ódio à Igreja Católica. Os próprios protestantes sentem isso tão bem que as suas pregações consistem em atacar, caluniar a Igreja Católica e repetir velhas objeções mil vezes pulverizadas. Quanto à exposição doutrinal e ao desenvolvimento de uma lição de moral prática, nisto não pensam; nem sequer lhes vem a idéia. E se esta lhes acode, não sabem o que escolher na BALBÚRDIA de duas contradições. Prova clara de que o protestantismo está bem morto; existe apenas de NOME. E este rótulo serve de disfarce para encobrir a ignorância e a indiferença religiosa, para não dizer o que é aplicável a certos indivíduos; os seus vícios, os seus interesses sórdidos ou seu orgulho. Todos esses vícios, feios demais para se apresentarem de cara limpa, revestem-se da máscara protestante que, apesar de não valer mais que o original, possui ao menos um título de apresentação conhecido. Pobres protestantes... o tal protestantismo não passa de um cadáver em putrefação que carregais sobre os ombros., Sois vós que viveis, vós e vossa ignorância ou indiferença religiosa, que procurais encobrir sob os farrapos e os destroços do protestantismo. Sois filhos de católicos, talvez fostes católicos, deixando-vos então iludir por qualquer pregador americano remunerado, ou qualquer desmoralizado na própria pátria, à procura de fama e de ouro em terras distantes. O amor à novidade sempre conquista algum adepto, e o DÓLAR faz o resto, no espírito daqueles que consideram a religião como uma espécie de credo político. Amigo, carregai por lá o cadáver protestante; aqui no Brasil o sol é luminoso demais para esconder o fantoche luterano. 4. SIMULACRO DE RELIGIÃO Provei já uma parfte de minhas asserções; vamos ao restante. Peço notar que nunca me sirvo de provas apresentadas por autores católicos. Tais autores falam a nós católicos, não se dirigem aos protestantes; cito, pois, aqueles que falam aos protestantes: autoridades e sábios protestantes; quisera citar SANTOS PROTESTANTES, como os Romanos citam santos romanos; infelizmente, o protestantismo, como disse Erasmo, nunca chegou nem a fazer um homem honesto e sequer a curar um cavalo coxo. Seus santos são Lutero, Calvino & Cia.; a obra de Lutero foi toda de destruição, sem nada edificar. O vão simulacro de religião, que estabeleceu, só serviu de pretexto a todas as loucuras humanas. "Os costumes que vim reformar, diz ele, ficaram mais corrompidos. O mundo piora dia a dia, e fica mais malvado" "Os homens estão hoje mais açulados à vingança, mais avarentos, mais faltos de misericórdia, menos modestos e mais incorrigíveis e maus que no papismo". Pobre reformador! Foi obrigado a dar esta certidão ao papado, e a reconhecer que, em vez de reformar, deformou a humanidade. "Coisa assombrosa, escreve ele ainda, quanto é escandaloso ver-se que, depois que a reforma entrou, o mundo vai diariamente de mal a pior" Pobre Lutero, como não devia morder os lábios! E ele continua: “Os nobres e os rústicos chegam a dizer que não precisam de pregação e que não pagam um vintém por todos os nossos sermões juntos... Vivem como crêem: são e ficam porcos e morrem como verdadeiros suínos" "Há ainda chaga mais deplorável: “Os pastores, sim:os próprios pastores que sobrem ao púlpito, são hoje os mais vergonhosos exemplos da perversidade e de outros vícios. Daí os seus sermões não terem mais crédito, nem mais autoridade que as fábulas recitadas por um histrião. E esses srs. ousam queixarem-se de que os desprezam e os apontam a dedo, para ridicularizá-los. Por mim, admiro-me da paciência do povo e não sei porque as crianças e o povo não o cobrem de lama!” E dizer que estes dignos pastores que hoje valem um pouco menos do que no tempo de Calvino e Lutero, tenham o topete de gritar contras os abusos do clero católico! MEDICE, CURA TEIPSUM (Médico, cura-te a ti mesmo). É bom que tais médicos se curem a si mesmos, porque estão mortalmente enfermos. Eis o que era o protestantismo e o pastor protestante no fervor da reforma... Eis os modelos, os apóstolos do protestantismo. Conclusão: O protestantismo, em vez de melhorar a situação, perverteu os homens e semeou, de mão cheia, e revolta e a corrupção. Já que os próprios fundadores do protestantismo confessam isso, resta-me apenas provar que a obra de Lutero conserva ainda o seu nome por puro hábito, por força da rotina; o protestantismo NÃO EXISTE MAIS HÁ MUITO TEMPO. Vamos de novo procurar as provas nas palavras dos chefes da reforma. Eis o que se lê no memorial dos calvinistas de França, publicado em 1775: " Estamos hoje bem distanciados do caminho que nos abriaram os nossos maiores no começo do século XVI. Poucos discípulos seguem entre nós Calvino e Lutero; nosso partido, picado em mil partidos diferentes, não é reconhecível em parte alguma; os nossos próprios filhos são nossos adversários... "; não sabemos de quem somos nem debaixo de que bandeira marchamos. Hoje, indiferentes, amanhã cristãos, somos ora pela religião natural, ora pelo revelada... os nossos próprios ministros são abalados em suas crenças". É bastante significativa uma confissão tal, feita por um grupo de sumidades protestantes. Eis o que é mais expressivo e mais positivo ainda. É o jurisconsulto prussiano, M. Schmaltz, que resume tudo o que acabamos de ouvir e de dizer. "À força de reformar e de protestar, diz ele, o protestantismo reduziu-se A UMA LINHA DE ZEROS, ANTES DOS QUAIS NÃO HÁ ALGARISMOS". "Eu me encarrego, diz outro ministro protestante M. Harens, de escrever, na unha do meu polegar, todas as doutrinas unanimemente admitidas entre nós". Podiam multiplicar-se tais citações ao infinito, mas é o bastante para provar a nossa tese: o protestantismo não existe mais; existe apenas um simulacro de religião, uma espécie de capa, debaixo da qual se abrigam a ignorância, a indiferença, o ateísmo e todos os vícios. Não há mais do que isso. De fato, o que acabamos de ver, não são suposições, ou acusações partidas dos católicos, são queixas e confissões feitas pelos altos luzeiros do protestantismo. Os católicos, de certo, não falam de outro modo, nem podem falar diferentemente, pois os fatos são públicos, universais, históricos, de modo que qualquer homem instruído os conhece e confirma estas alegações. Eis o que dizem os escritores católicos: "A igreja protestante da Alemanha, diz M. Rose, advogado na universidade de Cambridge, NÃO PASSA HOJE DA SOMBRA DE UM NOME" "As quimeras e sonhos que esses ousados renovadores pretenderam fazer passar por verdades, diz de Heronveller, foram mudadas, interpretadas, modificadas hoje ao sabor das paixões humanas e não existem mais senão como monumentos históricos. Os propagandistas protestantes conhecem muito bem a morte de sua seita, mas, ricamente pagos para venderem Bíblias e recolher assinaturas de aderentes, procuram enganar os ignorantes, os pobres, os pequenos e até os desequilibrados, para poderem transmitir ao centro da propaganda biblista a lista de suas conquistas. Peço-vos, queridos amigos, que não vis deixeis iludir; repeli com altivez os fariseus que vos oferecem os trinta dinheiros pelo Cristo, isto é, pela vossa fé e vossa alma” 5. A MIXÓRDIA PROTESTANTE A UNIDADE é a marca característica da verdadeira RELIGIÃO, porque a verdade é UMA, e a religião sendo como é, a relação existente entre Deus e a criatura, deve necessariamente ser UMA, como deve ser UMA a Igreja que essa religião representa. “A unidade, diz Santo Agostinho, é a marca de tudo que é belo, grande e divino”. “Fomos batizados, diz São Paulo, para formarmos um só corpo e termos um só e mesmo espírito... Não deve haver divisões no corpo. Há somente um SENHOR, uma FÉ, um BATISMO. Há somente um Deus, Pai de todos, que está cima de todos” (I Cor 12, 13 – Efésios 4,3). A Igreja é Jesus Cristo prolongado, através dos tempos. Pois bem, o Cristo é sempre o mesmo; não muda, nem em sua PESSOA, nem em sua DOUTRINA. O que revela, à primeira vista, a divindade da Igreja Católica é a sua unidade. No mundo inteiro, em todos os países, climas e povos, o ensino católico é uniforme. O PAI NOSSO, que recitamos no Brasil, é recitado na Europa. O CREDO, cantado pelos católicos na América, é cantado na Europa, na Ásia, na África, na Oceania. O que o europeu católico crê e professa, o índio, o chinês, o africano e o mongol, católicos, crêem e professam, sem diferença de uma vírgula. A Igreja Católica é UMA, porque é a VERDADE. O protestantismo, ao contrário, divide-se em tantas seitas quantos aderentes conta... E, sem entrar em pormenores, pode-se afirmar; cada país tem um protestantismo particular. Cada Estado protestante possui a sua seita... Que digo! Cada cidade, cada rua, cada casa... apresenta alguma especialidade. NÃO HÁ PROTESTANTISMO, COMO RELIGIÃO, só há protestantes. E esta divisão sem fim é prova clara e insofismável de sua origem humana, de seus erros e deu sua falsidade. *** Devemos resumir um assunto que daria para escreve volumes. Pergunto a qualquer homem de BOM SENSO: é possível ser a verdade dividida em milhares de partes, de modo que uma parte contradiga a outra, esta combata aquela, e a primeira seja o contrário da segunda?... Todos há de responder ser isto impossível: o que é BRANCO é branco e não pode ser PRETO ao mesmo tempo. Se no Brasil os matemáticos ensinassem que 2 e 2 fazem 5, na Europa que 2 e 2 fazem 3, e na China que fazem 6, todos gritariam com razão que a aritmética é uma palhaçada, que está errada, falsa, ou melhor, que não existe. Pois bem, é o que o protestantismo está fazendo; e isso não somente em três ou quatro contradições, mas em milhares e milhares de incoerências. Cada seita, cada ramos do protestantismo está em desacordo com os demais. Um jornal protestante, inglês, há mais de 30 anos, dizia: “Não se pode enunciar, sem corar de vergonha, nem ao menos a metade das seitas que, na Inglaterra, disputam à igreja episcopal o governo das almas!” (Monthley Review). Digam-me, será possível que a VERDADE, uma e indivisível, seja assim tão multíplice, ao ponto de haver tantas verdades quantas cabeças? E notem que cada uma destas seitas diz ter a VERDADE, a ÚNICA verdade... toda a verdade! Verdadeiramente, ou esta gente se diverte impudentemente com a verdade, ou não a conhece! A última opinião é a mais provável: não a conhece. É uma mixórdia, uma confusão completa... prova de que o protestantismo não existe, mas apenas existem protestantes... Nenhuma unidade, nenhum fundamento. A hidra luterana tem milhares de cabeças. Todas essas seitas aceitam o Evangelho com regra suficiente e, todavia, formulam SÍMBOLOS e impõem DOGMAS. Filhas do mesmo pai que renegaram, amaldiçoam-se, perseguem-se entre si, chamam-se reciprocamente de heréticas, fecham-se umas às outras as portas do céu. Se as interrogais, separadamente, encontrareis na realidade um Evangelho, mas não crentes; uma revelação, jamais, porém, cristãos. Os Luteranos amaldiçoam os anglicanos; os calvinistas excomungam os metodizaras; os chorões soluçam de raiva contra os tremedores; enquanto estes pulam irados contra os saltadores, os pentecostistas mandam para o reino dos urubus os presbiterianos; os puritanos ameaçam engolir vivos ou mortos os batistas... E tudo isso em virtude da mansidão evangélica e por se dizerem CRENTES EM JESUS. Tal coisa é palhaçada mixórdia, não é nada sério. 6. A MORAL PROTESTANTE Que afirmei da destruição que caracteriza o protestantismo leva-me necessariamente a falar de sua moral (se pode haver moral numa seita que só se ocupa em negar e destruir). O dogma e a moral, a doutrina e a vida, os princípios e a sua aplicação são inseparavelmente unidos na prática. O protestantismo abalou, pode-se dizer mais: rejeitou a parte dogmática, a doutrina, os princípios da religião de Jesus Cristo; deve necessariamente rejeitar a moral, a vida cristã, a prática da virtude que neles têm sua base, suas raízes e sua regra. E de fato assim é; assim foi desde os tempos do pai dos protestantes, Lutero, e de seus companheiros. Estou quase com receio de acumular novas acusações contra a pobre torre de Babel. Será melhor procurar nos autores protestantes passagens que provêm ser o protestantismo eminentemente imoral, imoralíssimo, uma escola de imoralidade. A acusação é grave. Vejamos as provas! *** Lutero pôs como princípio de sua doutrina: A FÉ SÓ, SEM AS OBRAS, JUSTIFICA O HOMEM. Eis o que Lutero escreveu a Melanchton: “Sê pecador e peca energicamente, mas seja tua fé maior que teu pecado... Basta-nos termos conhecido o Cordeiro de Deus que apaga os pecados do mundo; o pecado não pode destruir em nós o reino de Deus, ainda que prevariquemos e matemos mil vezes por dia” Desejam coisa mais clara e positiva no ensino protestante? Se um homem tivesse a loucura de pregar uma tal doutrina em plena rua, a polícia mandaria o pregador, em dois tempos, para o xadrez, pois seria exaltar o homicídio a ladroeira e todos os crimes. Eis, entretanto, o que Lutero teve a audácia de ensinar, e apresentar como REGRA DE VIDA. Por isso eles se chamam: “CRENTES EM JESUS, GRAÇAS A DEUS!” Então será isso a lei de Jesus, que dizia: Não matarás. Não escandalizarás. Não furtarás. Não cobiçarás a mulher do próximo?! Em quem devemos acreditar: em Deus ou em Lutero? Estão em flagrante oposição. *** Mas continuemos: o leitor tirará as conclusões. Procuremos outros textos dos mestres protestantes. Diz Tomás Crisp, um dos discípulos dos reformadores: “O Senhor nada tem a imputar a um eleito para o céu, ainda mesmo que este andasse mergulhado nas profundezas da impiedade, nos excessos da devassidão e cometesse todas as abominações que podem ser cometidas!” Este é o comentário claro e cru do princípio: “Basta a fé para alguém salvar-se, de nada lhe valem as obras” Se os protestantes não andam pela rua, de revólver em punho e faca entre os dentes para matar e roubar os detestados romanos, não é por falta de conselhos perversos de seu pai Lutero, mas – justiça se lhes faça – é porque eles valem mais do que a religião que seguem. São honestos talvez, EMBORA SEJA PROTESTANTES, e não PORQUE são protestantes. A conclusão é inelutável: O protestante vale mais do que o protestantismo – e digo até que um protestante, por mau e perverso que seja, não se pode tornar pior que a sua religião. A prova está indicada acima. Para ser bom protestante, conforme a lei da reforma, BASTA TER FÉ, podendo depois (é Lutero quem o diz) prevaricar e matal mil vezes por dia. Quem chegará a isso? Nenhum protestante, de certo. Só mesmo o diabo. E não se diga que a conclusão ultrapassa os princípios. Eis as palavras de Lutero: “Jesus Cristo” diz o apóstata, (edição de Leipzig. Tom. XIV nº. 128) arranjou o coordenou as coisas de tal maneira que não existe pecado, além do da incredulidade”. “A fé”, disse ele em outra ocasião, “é uma coisa tal que, onde se encontra, nenhum pecado a pode prejudicar” (Walch: Ausgabe XII 18-28). “OS VERDADEIROS SANTOS”, diz ele, ”DEVEM SER BONS E VALOROSOS PECADORES” Os mesmos se dizem santos, não porque estejam sem pecado, ou porque se tornem santos por suas obras; ao contrário, eles, de si, em todas as suas obras, não são mais que pecadores e réprobos (Walch: edição de Jena T. VI. 199). Estais ouvindo, amigos protestantes? Barrabás é um santo protestante: só fez um homicídio. Judas é ainda um santo protestante: só vendeu o Cristo um vez. Merecem eles uma estátua ao lado de Lutero, Calvino, Zwínglio e Henrique VIII. Não ACUSO A PESSOAS – ACUSO A LEI PROTESTANTE. Os protestante são mil vezes melhores do que o sistema religioso que os prende... mas é pena que gente séria, que brasileiro de sangue e de fé esteja cegado pelo erro protestante, ou pelo ignorância que os levou a tais conseqüências. 7. CONCLUSÃO Depois das considerações que precedem é tempo de perguntarmos a nós mesmos; pode haver entre os dissidentes de nosso meio ministros PROTESTANTES convictos de sua boa fé e sinceros? Penso que não! Pode haver ignorantes, indiferentes; mas protestantes de boa fé, é impossível haver no Brasil. A questão da vida futura é de uma importância tal que o h9omem de bom senso não pode quedarse indiferente em face da sua solução. Cada um deve necessariamente ver e examinar, pelo menos, as razões de sua religião, os motivos de credibilidade ao seu alcance. Não é dado a todos, de certo, analisar profundamente estes motivos, mas todos podem submetêlos à luz do bom senso; e este deve existir em cada homem que não esteja louco. Todos compreendemos que Deus existe; que nossa alma existe igualmente; que Deus dirige tudo pela sua Providência; que devem, pois, existir relações entro o Criador e a Criatura; e que essas relações , que constituem a religião, devem ser ditadas por Deus e cumpridas pelos homens. Para isso, nenhum estudo é exigido; essas noções são do domínio da lei natural, do simples bom senso. Cada protestante devia, pelo menos, ver, indagar a origem da religião que recebeu de seus pais e da qual apostatou e notar os motivos da apostasia. Devia conhecer o fundador da pretensa REFORMA, indagar de suas credenciais e dos resultados alcançados... E quem faz isso entre os pobre protestantes?... Toda a religião entre eles consiste em repetir meia dúzia de objeções, mil vezes pulverizadas, sem querer ouvir a resposta. Se refletissem um pouco, compreenderiam que a única religião fundada por Deus é a Igreja Católica. Logo descobririam que a pretensa reforma é uma obra humana, datando apenas do século XVI, e feita por um homem, historicamente reconhecido por PÂNDEGO, DEVASSO e inimigo da verdade. Um tal indivíduo não somente é incapaz de reformar a religião, mas nem merece a estima e a veneração que devem premiar um reformador. Merece, sim, a compaixão de todos. Os protestantes o sentem tão bem, que nunca tiveram a coragem sequer de honrá-lo. Nem ao menos se sentem animados a pronunciar o seu nome. Não, não pobres protestantes, a virtude não pode nascer do vício; a luz não pode vir das trevas, a pureza não sai da devassidão e a dignidade não se origina da revolta. Acima da triste figura de Lutero, a bela, radiante e doce fisionomia do sucessor de Pedro, o Papa, continua a ser o que sempre foi, a imagem da união, da paz e da virtude, dirigindo, através das vicissitudes dos tempos, os destinos da Santa Igreja de Jesus Cristo, como sendo o Cristo visível no meio dos homens. Nesta Igreja – eles o sabem muito bem, pois nasceram católicos – nesta Igreja continua a florescer a virtude e a santidade. Cada ano são elevados às honras dos altares centenas de Santos, homens heróicos, que souberam levar até ao heroísmo a prática da virtude e da abnegação. Citemos apenas, entre milhares de outros, a mundial Santa Teresinha de Jesus, passando o seu céu – como ela o predisse – a fazer o bem na terra, por milhares de graças e milagres, que diariamente espalha sobre a humanidade. E o protestantismo, durante os seus 400 anos (na verdade agora, quase meio milênio) de existência, não soube produzir nenhuma alma de escol, nenhuma Irmã de Caridade, nenhum ministro casto, nenhum santo. É a esterilidade completa! Não soube o protestantismo produzir uma obra de caridade notável, nem ao menos uma instituição desinteressada. Nada! Nada! Só sabe destruir, caluniar, atacar e odiar... E será isso religião? Será a religião do amor, da caridade, do perdão, da misericórdia, do progresso? Não; é impossível! Nenhum homem de bom senso pode afirmar isso; menos ainda sustentá-lo e defendê-lo com sinceridade. Não, ainda uma vez; não pode haver protestante sincero e de boa fé no meio de uma nação católica. Pode haver ignorantes fanáticos, orgulhosos, pretensiosos, invejosos, mesquinhos, mas convictos, nunca! Nunca, porque a convicção exige uma base, e o protestantismo não a tem. E admitindo-se ter ele uma base, esta só pode ser a revolta, o vício, o ódio, tais como se manifestavam na pessoa de seu fundador Lutero. E sobre tal fundamento não se pode construir a virtude. Tudo isso é do domínio do simples bom senso. A inteligência humana, sendo a bússola condutora do homem, deve ser respeitada, e não pode estar em contradição com a própria Bíblia, porque ambas, razão e palavras inspirada, sãs obras de Deus. E Deus não pode estar em oposição consigo mesmo. CAPÍTULO XVI UMA VISTA GERAL Deveria o último capítulo deste livro ser uma breve síntese. Deixo-o, porém aos cuidados do inteligente leitor que poderá facilmente deduzir do que viu, conheceu e analisou, através deste estudo, a conclusão imparcial à luz da história que expusemos como absoluta sinceridade. Certamente notaram todos que o meu principal empenho foi retraçar as origens HISTÓRICAS E MORAIS do protestantismo. Para consegui-lo, situei o chefe da seita no ambiente e meio próprio em que viveu, 1483-1546; Lutero é, sobretudo fruto da sua época, não só pelas suas muito resumidas qualidades pessoais, mas também pela encarnação viva e ardente dos vícios então reinantes. Se ele tivesse aparecido um século antes, não passaria, como tantos outros, de uma vulgar e desprezível herege, descendo ao túmulo, amortalhado em seus erros. Se ele fosse dos nossos tempos, formaria ao lado dos revolucionários e comunistas, como Cales e Lenine, etc... Consideremos o caso de Lutero. 1.. GRANDES... E GRANDES... Percorrendo a história dos grandes homens, verificamos haver duas categorias de vultos notáveis: uma, a dos que se sobressaem pelo valor individual, e a outra, a dos que são proclamados grandes pelos conceitos da épica que em si encarnaram. Em geral, os homens verdadeiramente grandes são opostos às idéias da sua época; são, mesmo perseguidos pelos seus contemporâneos, pelo fato de se elevarem acima da vulgaridade e das paixões populares do tempo. Possuem grandeza moral e, destarte, procuram elevar as idéias e as pessoas. Ora, elevar-se, subir, exige esforço, fadiga e luta, coisas de que muitos são incapazes; daí, a oposição que em torno deles se levanta e as surda inveja que os persegue. Basta ver-se a vida destes homens extraordinários que são os santos; tome-se, por exemplo, a biografia de S. Francisco de Assis, S. Francisco Xavier, Stº. Inácio, S. Domingos, S. Pedro Cláver, Stº. Cura d‟Ars, S. Vicente de Paulo, S. João Bosco, Pe. Eymard, Ven. Cottolengo, etc... todos estes foram grandes pelo IDEAL, pela VIRTUDE, pela CORAGEM, pelo ZELO, pela PERSEVERANÇA. Por serem tais, foram incompreendidos pelos medíocres, caluniados pelos covardes e repelidos pelos maus. São duas grandezas: uma que se eleva, outra que se abaixa: uma que sobre, outra que desce; a primeira encarnando o bem, a segunda representando o mal. Há, portanto, uma espécie de pessoa que os ímpios endeusam, mau grado apareçam mesquinhas, miseráveis, cheias de baixezas. Também estes últimos são grandes, mas no mal que personificam, no ódio, na revolta e na perversidade que encarnam. Neste último cortejo se enfileiram Locke, Clarke, Collins, Findel, grandes racionalistas; Voltaire, Rousseau, Holback, Diderot, d‟Alembert, Montesquieu, etc., declarados inimigos da Igreja, odientos e cínicos. A impiedade do século XVIII os enalteceu como os legítimos expoentes duma época decadente sem fé e sem moral. Eles foram grandes, sim, nesse meio todo deles. Caso parecido é o que se dá com os tais chamados VALENTES de tocaia; só são temíveis, quando matam à espreita e traição, mas muita vez tremem e fogem à vista duma luta corpo a corpo, onde têm de resistir a alguém pela frente; é que fora do ambiente escuro nada valem, são medrosos e covardes. 2. LUTERO Vimos, pois, que o pai dos protestantes foi grande pela sua baixeza, perversidade e revolta. Toda a sua inteligência ela a pôs a serviço do erro; sua força de vontade se deixou dominar pelo mal; seu brio consistiu em bater-se contra toda ordem; a sua moral foi a prática de vícios que seria horrendo referir. Ele encarnou o que havia de ruim e pernicioso na sua época. E nisso foi até ao extremo. Há entre os reformadores vários outros que, como Melanchton, sobrepujavam Lutero por seu preparo e cultura intelectuais, mas permaneceram figuras apagadas, justamente porque foram calmos, moderados prudentes, e tais qualidades, mesmo naturais, não reproduziram com exatidão a ambição e o espírito revolucionário que fervia no âmago das almas sem fé, a cuja frente sobressai Lutero. Os grandes homens são sempre EXTREMISTAS da direita ou da esquerda: os primeiros são os grandes do bem; os segundos, são os grandes do mal: os assassinos e traidores. Entre os dois se encontram os medíocres, dos quais se deve dizer serem BONS DEMAIS, PARA SEREM MAUS, E RUINS DEMAIS, PARA SE TORNAREM BONS. Ingenieros descreveu tipicamente esta dupla classe. O homem bom combate o mal por todos os meios; o perverso pratica-o por um requinte de maldade, permanece na lama por desejo de macular o mundo inteiro e a própria Igreja; o medíocre fica no mal por preguiça e sair dele. O ÍMPIO, grande pela maldade, é um grande herege, grande revoltoso, um obsesso pelo ódio, um corrupto, além de corruptor. É tão grande a sua aversão ao bem, que ele pretende erigir em lei o seu exemplo, a sua revolta, a sua heresia, sua obsessão e a sua própria corrupção. Eis o retrato de Lutero. Tal foi ele: grande, sim, mas no mal. De temperamento extremo e exaltadiço, Lutero não admitia meias quedas e meios erros. Virandose para do erro e do mal, havia necessariamente de precipitar-se em grandes erros. Daí proveio a legítima criação dele – o protestantismo, negação radical de todas as verdades católicas, seita que não é um erro isolado, mas um conjunto de falsidades. Tudo o que a Igreja afirma, Lutero negou. Eis o que diz Weiss em sua apologia do Reformador: “bastava um papista afirmar um coisa, para que Lutero a rejeitasse”. Certo homem perguntou-lhe um dia: Não era S. Pedro o chefe dos apóstolos? - Qual o que!... – Era o ínfimo entre eles. Não é o Papa a autoridade suprema da Igreja? - Nada disto! Está abaixo dos bispos, abaixo dos diabos, abaixo dos governos civis! Que explosão impetuosa, a demonstrar seu descomedido orgulho” Parece demais! Mas é apenas o começo. Considere-se o que ele fala dde si próprio: “Seja Lutero patife ou santo, é o que menos importa, pois a doutrina dele é a doutrina de Cristo em pessoa! Tanta certeza tenho de que é do céu o meu ensino, que ele tem triunfado contra quem possui poder e astúcia maiores do que todos os Papas, reis e doutores juntos”. E prossegue o novo Papa rebelde: “Aquilo que nós interpretamos é o que o Espírito Santo entende; aquilo que outros interpretam, sejam eles grandes vultos, é derivado de Satanás” (Paquier: Luther aux yeus du rationalisme, pág. 50). Lutero não admite infalibilidade do Papa; quer que ela só exista para ele, “reformador”; é o cúmulo do orgulho e da insensatez. Lutero intitula-se o maior, o mais clarividente de todos os homens... e considera-se até superior aos anjos, como se deve concluir desta outra passagem mais estupenda ainda que a precedente: “Não quero a minha doutrina julgada nem pelos anjos, antes pretendo com ela julgar todos, e até os anjos” (Comment. Ad Gal. V. Ad. Wittemberg). E pensam que o pobre obsesso para nisto?... Enganam-se; após o absurdo vem a loucura, e Lutero é um demente. Escutem este pedacinho digno do próprio Satanás: “Desde que o mundo existe jamais alguém falou e ensinou como eu, Martinho Lutero!” “Não me importo com textos bíblicos, a minha doutrina não precisa de argumento: FAZ LEI A MINHA VONTADE” “Eu, o doutor Martinho, quero que assim seja: sou mais sábio do que todo o mundo!” (Denifle: Luther et lê Lutheranisme) Eis a que paroxismo a vesânia levou o pobre Lutero! É o cúmulo do orgulho, ou então é uma verdadeira possessão diabólica. É bem o diabo, Lutero e o protestantismo, intimamente unidos numa só explosão de orgulho e de revolta. 3. O GRANDE ERRO Tão bem sentem os protestantes a baixeza do reformador, o seu papel diabólico, que nenhuma de suas seitas quer tê-lo por pai. Todos eles procuram outro nome e outra doutrina, mas não falam sequer de Lutero. Quando se lhes aponta a perversidade de seu pai na fé, respondem de pronto nada terem a ver com Lutero, mas só, com a Bíblia. É uma afirmação gratuita. Se para os protestantes a Bíblia é a regra de fé, como se explica que o seu protestantismo seja radicalmente oposto à religião Católica que segue também integralmente a Bíblia? Como pode a mesma Bíblia inspirar e ser fonte de duas doutrinas opostas? É impossível. A verdade á uma só. Por que se chamam protestantes os discípulos de Lutero? Não é porque protestam? Não é o protesto a essência de sua seita? Ora, só se pode protestar contra aquilo que já existe. A Igreja Católica existe desde a vinda de Jesus Cristo, e segue tão bem a Bíblia, que em sua doutrina não se pode encontrar o menor ponto ou vírgula que esteja em discordância com ela. Os protestantes protestam contra a Igreja, guarda da Escritura integral, protestam, pois, contra a Bíblia, são, portanto, antibíblicos, inimigos da Bíblia. A diferença de crença entre católicos e protestantes é esta: os primeiros aceitam a Bíblia totalmente e com ela se identificam; os segundos rejeitam muitas partes e a interpretam a seu talante. E nisto está o grande erro crentista. A arte da pintura, da música, da poesia, é uma só; mas como acontece haver pintores que só produzem garatujas, músicos que nos estragam o tímpano, e poetas que nos fazem bocejar e dormir com seus versos? A arte é UMA SÓ, porém a sua aplicação é indefinida; todos pretendem ser artistas, embora haja apenas um modo de sê-lo. A Bíblia é UMA SÓ, porém muitos são os modos de interpretá-la, como mostrei acima. Será permitido a cada um entendê-la segundo suas preferências pessoais? Seria isso tão absurdo quanto o seria cada pintor, músico ou poeta pretender possuir a arte da pintura, da harmonia e da poesia. Aliás, a própria Bíblia proíbe tal modo de pensar. S. Pedro nos avisa que nas epístolas de S. Paulo HÁ ALGUMAS COISAS DIFÍCEIS DE ENTENDER, QUE OS INDOUTROS E INCONSTANTE ADULTERAM (como também as outras escrituras) PARA SUA PRÓPRIA PERDIÇÃO. (2 Pedro 3, 16). E na mesma Epístola S. Pedro nos diz que DEVEMOS ATENDER, ANTES DE TUDO, A ISTO: QUE NENHUMA PROFECIA DA ESCRITURA É DE INTERPRETAÇÃO PARTICULAR, PORQUE A PROFECIA NUNCA FOI DADA PELA VONTADE DOS HOMENS... MAS PELO ESPÍRITYO SANTO, POR MEIO DOS HOMENS SANTOS DE DEUS. (2 Pedro 1, 20,21). Note-se bem: nestas duas citações há duas grandes verdades bíblicas, negadas pelos protestantes. 1. – A Bíblia não é sempre bem inteligível; necessita de explicação. 2. – Tal explicação não pode vir de particulares; deve emanar de uma autoridade competente. E qual seria esta autoridade competente? É possível descobri-la?... Jesus Cristo disse que devemos escutar a Igreja: SE ALGUÉM NÃO OUVIR A IGREJA, CONSIDERA-O COMO UM GENTIO E UM PUBLICANO. (Mateus 18, 17). Logo, é a Igreja que está incumbida por NM. Senhor de interpretar as palavras da Bíblia e comunicar-nos o seu sentido verdadeiro. E, para que este sentido não se origine deste ou daquele homem, mas seja, de fato, do Espírito Santo, Jesus Cristo disse a Pedro, o primeiro Chefe, ou o primeiro Papa, da Igreja; PEDRO, EU ROGUEI POR TI PARA QUE A TUA FÉ NÃO DESFALEÇA. (Lucas, 22,32). E ainda falou aos apóstolos, só a eles e a mais ninguém: QUEM VOS ESCUTA, ESCUTA A MIM. (Lucas 10,16). Eis o que é claro; desde que é proibida a interpretação particular, temos forçosamente de recorrer ao Chefe da Igreja, a Pedro, que é infalível para conhecer a verdade; e quem não o faz é UM GENTIO, diz o divino Mestre. Eis o ponto de discordância entre católicos e protestantes: os primeiros escutam a Pedro, conforme recomendação do Mestre; os segundos interpretam a Bíblia, conforme a sua própria cabeça, em oposição à proibição do chefe dos Apóstolos. Quem tem razão? Aquele que segue o conselho da Bíblia ou quem a contradiz e faz o que ela proíbe? Não há dúvida. O católico está com a razão. 4. A INTERPRETAÇÃO INDIVIDUAL A interpretação individual é a porte de todos os desvios sectários. Ela constitui a base do protestantismo; é, pois, um erro formalmente condenado pela Bíblia. Lamenais, falando do galicanismo, disse que este se reduzia a “crer o menos possível, sem ser herege, e obedecer o menos possível, sem se tornar rebelde” Do protestantismo pode-se asseverar consistir “EM CRER NO QUE SE QUER, OPROFESSAR O QUE SE CRÊ”. Cada um pode adotar, pois, adotar o seu próprio CREDO, aderir là seita preferida ou formar novas, se tal lhe convier, mudar de denominação religiosa, conforme as circunstâncias, e tudo isso em virtude da livre interpretação. Tal vacilação é para eles a coisa mais simples do mundo. Eis o que nos refere um protestante inteligente e sincero, o professor Vinet: “A palavra de Deus, em si mesma, não pode ter senão sentido único, mas pode ter mil sentidos no espírito do leitor”. “Uns há que não procuram na Bíblia TODA a verdade, mas simplesmente aquela que agrade e adula”. “Enxergam os protestantes na Bíblia o que querem enxergar, de tal modo que, praticamente, cada um tem a sua Bíblia, dela tira o que quer e com ela sustenta erros os mais antibíblicos, ao ponto de ficar a mesma bandeira desfraldada por sobre opiniões as mais contraditórias e antagônicas. Só concordam eles num ponto: o procurar, na Bíblia, não as idéias dela, mas a confirmação das idéias deles” (L‟Eglise e lês confessions de foi, p.29). Estas palavras, proferidas por um protestante, excitam a nossa admiração pela sinceridade com que são pronunciadas, mas provocam o nosso espanto, ao ver um homem tão sincero não abjurar o erro que combate. É mais um prova de que, para alguém se converter, não basta a lógica de um espírito reto; para tal se requer a graça divina que Deus dá aos humildes que a pedem, e recusa aos orgulhosos que se apóiam unicamente sobre a sua inteligência. É o que explica a dificuldade de conversão para um protestante: no seu desmesurado orgulho só acredita em si... e Deus, que vem em auxílio do humilde que de si desconfia, afasta-se do soberbo presumido. É o caso de se aplicar aqui a resposta chistosa de um bispo francês (Mgr. De Cheverus) a um ministro protestante que quis discutir com ele, dizendo fazer tudo o que está na Bíblia e nada mais. - Muito bem, meu amigo, retrucou o prelado com um sorriso, não está ali escrito que JUDAS MORREU ENFORCADO? - Sem dúvida, respondeu o pastor, admirado. - Não está escrito ainda, continuou o bispo: Ide e fazei o mesmo – Vade, et tu fac similiter? (Lucas 10, 37). Então, concluiu o bispo, admiro-me de o senhor não ter ainda obedecido à Bíblia. O pastor julgou prudente não discutir mais com um homem de tanto espírito. 5. RETRATAÇÃO DE LUTERO Lutero blasfemava, exaltava-se, mandava todo o “mundo para o inferno e o Papa para o diabo”. São seus próprios termos; nas horas de calma e de reflexão, porém, este pobre coitado confessava os seus erros do modo mais covarde. Uma tal averiguação tem sua importância: pois demonstra que a obra, feita por ele, é produto do seu temperamento e de sua paixão, resultado do vício, fruto de uma espécie de cegueira e conseqüência do orgulho desenfreado. Bastaria tal fato, para um protestante sincero compreender a falsidade da seita fundada por Lutero. O fogoso rebelde pretendeu REFORMAR a Igreja Católica. De quem lhe veio a missão? De Deus? Não pode ser, pois Lutero ataca a Deus. De zelo pela glória de Deus? Menos ainda, pois Lutero calca aos pés esta mesma glória, confessando-se arrependido do mal praticado e garantindo que, se pudesse recomeçar a vida, não o faria mais. Querem prova mais frisante por Lutero produzida contra ele mesmo? Tais confissões encontram-se numerosas na vida do fundador do protestantismo. Recolhamos algumas dentre muitas que nos mostrem o desvario, a paixão do triste DEFORMADOR. Num desses momentos de lucidez chegou ao ponto de exclamar: “Se Deus não me tivesse fechado os olhos, e se tivesse previsto estes escândalos, eu nunca teria começado e ensinar o Evangelho” (Walch. Ed. Vol. VI p. 920). Ele mesmo assevera que “as cidades que o receberam de braços abertos tornaram-se quais novas “Sodomas e Gomorras”, e ele se mostrou admirado de que as portas do ingferno ainda não se tivessem aberto “para lançar e chover diabos”. Em, 1529 Lutero proclamou que as condições morais e sociais, após o advento do protestantismo, se tinham tornado sete vezes piores do que eram antes sob o Papado. Escutem as suas palavras que explicam o motivo de tudo: “Por que depois de termos aprendido o Evangelho, nós roubamos, mentimos, enganamos, praticamos a glutonia, a embriaguez e toda espécie de vícios”. “Agora que um demônio foi expulso, sete outros piores do que o primeiro se apossaram de nós, como os podemos ver nos príncipes, senhores, nobres, burgueses e camponeses. Assim eles agem, assim vivem, sem nenhum temor, com desprezo de Deus e de suas ameaças” (Erlangen ed. V 34, p. 441). Eis mais uma preciosa confissão do inovador, verificando os frutos da sua reforma, e mostrando claramente não acreditar na sua próprio obra, que reputa apenas DEFORMAÇÃO. “Desde que o novo Evangelho foi pregado, diz ele ainda, as coisas pioraram cada vez mais”. E, no fim, ele não receia dizer que “elas nunca foram piores que agora” (Ib. VII, p. 302). Depois de tais fato, aliás, certos e históricos, após pesar as conseqüências horrorosas de suas doutrinas bolchevistas, Lutero exclama: “E tenho ao mundo inteiro inimizade e ódio! Não posso crer no que ensino! Outros, porém, julgamme completamente convicto. Se fosse mais moço, não pregaria de modo algum e buscaria outra profissão”. São interessantes tais confidências do pai dos protestantes. Ele mesmo diz não ter recebido missão nenhuma mas atesta fazer o que faz somente por profissão, mostrando-se arrependido e garantindo CLARAMENTE NÃO ACREDITAR no que ensina. Contudo, atentemos bem para a confissão do réu. Ele prossegue: “Ah! Se tivesse previsto que minha empresa me levaria tão longe, teria certamente posto um freio à minha língua. Quantos, digo suspirando, não seduziste com tua doutrina! Sou causa de todas as revoluções atuais... Tal pensamento não me deixa. Sim, desejaria não ter iniciado este negócio. A angústia que padeço é para mim um inferno, mas, já que comecei força e sustentá-lo como coisa justa” (Obr. Luppl. Mogúncia 1827). É impossível palavra mais clara e positiva! Ela desmancha e retrata toda a obra do heresiarca orgulhoso. É uma sentença de condenação e a retratação de sua obra. Nada de mais explícito, mais horroroso e mais cínico ao mesmo tempo. Reconhece o erro, vê os estragos produzidos, deplora as ruínas, sobre um inferno, mas declara que, tendo começado, quer sustenta como justa a empresa mais hedionda que se possa imaginar, e por ele mesmo conhecida como nefasta e perversa. 6. FATOS SIGNIFICATIVOS Palavras assim positivas e claras são confirmadas quanto ao sentido, por um fato histórico, narrado na vida do reformador. “Passeava ele uma tarde, no seu jardim, com Catarina de Bora, sua companheira. As estrelas luziam com extraordinário esplendor e o céu pareceu em festa. - Vês como brilham este ponto luminosos? – Indagou Catarina, apontando para o firmamento estrelado. Lutero, levantando os olhos exclamou: - Oh! Deslumbrante iluminação: mas... infelizmente, não é para nós! - E por quê? – replicou Catarina, seríamos por acaso uns deserdados do reino dos céus? Lutero suspirou tristemente: - Talvez, disse, em castigo de termos abandonado nosso estado... - Seria preciso então voltarmos para ele? – perguntou Catarina. - É muito tarde, o carro está por demais atolado... retorquiu Lutero, e mudou de conversa. Que confissão dolorosa e clara!... Conta-se ainda outro fato na vida do pobre reformador. Certa noite estava ele sentado ao lado de Catarina, esquentando as mãos ao fogo aceso na sala. Parecia taciturno, contrariado... De repente, pegando pelo o braço da companheira, introduziu-lhe a mão violentamente no meio das chamas. Catarina soltou um grito... - Que tens, mulher, disse Lutero, sombrio e zombeteiro; que há? Precisamos acostumar-nos ao fogo pois é o que nos espera no outro mundo! Vê-se, nestes fatos, transparecer a consciência atormentada de remorsos do heresiarca, e o bom senso e a verdade cominarem por instantes os apetites e as paixões. Terminemos estes depoimentos com um último, mais expressivo ainda que os precedentes, porquanto é o brado do AMOR FILIAL que às vezes sobrevive às ruínas de todas as outras afeições. Quando o reformador estava no fastígio de sua revolta, caiu mortalmente enferma a velha mãe de Melanchton, que se fizera protestante a conselho do filho. O mal fez rápidos progressos e em breve a velhinha viu-se à beira do túmulo.. Melanchton, que a amava, falou-lhe de Deus, e exortou-a e reconciliar-se com Ele. A velhinha compreendeu e, juntando as últimas forças, perguntou: meu filho, sê sincero, agora, que estou para morrer; dize-me se é melhor morrer como protestante ou como católica. O apóstata não hesitou. - Minha mãe, disse ele, inclinando a cabeça, não vos posso enganar neste momento; o protestantismo é talvez melhor para nele se viver; mas O CATOLICISMO É MELHOR PARA NELE SE MORRER. Que quereis mais, caros protestantes? Uma tal confissão é ou não é de valor: Ouvimos falar a voz do arrependimento, o bom senso e o medo. Aqui nos brada o amor filial. O discípulo de Lutero, que enganara a todos, não quis enganar a própria mãe... não desejando lançá-la no inferno, aconselhou-a a morrer como católica. O conselho dado na hora da morte e coisa sagrada. Tomai-o para vós e, como disse Santo Ambrósio ao imperador Teodósio, “após ter seguido Davi nas suas fraquezas, segui-o no seu arrependimento”. Depois de terdes acreditado nos desvarios de Lutero, daí ouvidos, também aos seus conselhos de bom senso e de lucidez. O protestantismo, permitindo tudo, pode ser mais cômodo para a vida, mas o Catolicismo vale mais para nos dar uma boa morte, após nos garantir uma vida boa, porque só ele tem as promessas da eterna salvação. 7. JUÍZO DE UM ANGLICANO Um protestante anglicano, de alto coturno, e hoje um dos luzeiros da seita da Inglaterra, o pastor Edmonds, reitor de Whrittington escreve o que segue, confrontando o Catolicismo e o protestantismo. É um brando de alarme, um clamor partido do bom senso de uma alma que vê a verdade, sem talvez se mover a abraçá-la. Ele escreve em seu jornal: “Não faltam indícios tendentes a provar que a única religião cristã, capaz de enfrentar o futuro, com existência assegurada, seja aquela que se pode apoiar sobre o testemunho do passado, isto é, sobre o testemunho da velha religião da cristandade histórica. E essa crença é a da religião católica. O protestantismo aparentemente está decrépito. Conheceu um belo número de adeptos nobres, impossível, porém eternamente viver dum protesto. A religião protestante é religião parcial, favorecendo a parcialidade. Só a religião católica, que é uma religião total, isto é, do todo e não apenas da parte, satisfaz plenamente às necessidades espirituais dos homens de todos os tempos e de todos os países. O que a humanidade quer é uma religião sobrenatural e mística, que venha do próprio Deus e ofereça um culto ligado com o próprio culto celestial. O culto livre, com a sua modalidade, caseira e autonomia, não consegue contentar e satisfazer ao sentimento religioso. Não se pode dispensar alguém das cerimônias e dos ritos. A religião que fechar a porta sobre o mundo invisível e não recomendar orações pelos defuntos, enm entretiver suave comunhão com os mortos, não poderá ser arrimo seguro para essa pobre humanidade. O leitor dessas minhas palavras. Talvez, me dirá: Se é essa religião de que necessitamos, temos que nos sujeitar ao Papa e converter-nos ao Catolicismo. É bem possível que seria isso acertar com o bom caminho, muito embora sobre tal ainda pudéssemos discutir”. Todo protestante sincero, como o citado pastor, vê claramente a debandada das sua seita,o ridículo dos princípios da sua crença, a inanidade da sua vida espiritual, e a inutilidade de seus esforços, para combater a Igreja Católica... A conversão, entretanto, é difícil. Lutero, sob a inspiração do demônio, soube incutir-lhes tanto ódio ao papado. Inspirou-lhe tantos preconceitos contra a Igreja que só à força de um milagre da misericórdia divina, é, que consegue sair do abismo de seus erros e do labirinto das suas dúvidas. 8. CONCLUSÃO É inútil prolongar citações e raciocínios. É demais visível para qualquer um o caráter repugnante e depravado da vida do chefe-mor das seitas protestantes. Tudo nele revela perversidade. Depois de tudo o que atrás ficou dito, seja-me lícito perguntar a todo homem sensato que leu este trabalho: PODE DEUS SERVIR-SE DO VÍCIO PARA CORRIGIR O VÍCIO? PODE ELE UTILIZARSE DE UM HOMEM PERVERSO PARA SANTIFICAR A IGREJA? Todos responderão sem demora: É impossível! Deus, que é santidade deve servir-se de instrumentos dignos dele mesmo. É o caso de se aplicar o axioma dos alopatas: CONTRARIA CONTRARIIS CURANTAUR. Para se curar uma moléstia, o médico aplica um remédio oposto a ela. Deus preceitua o mesmo processo racional. Para curar a libertinagem, receita a pureza; para repelir o demônio, manda a oração; para debelar a anemia espiritual, faz recorrer à Mesa eucarística. Quando um mal espiritual enfraquece o organismo das Igreja, ele recorre ao remédio conveniente. Como vimos, a época de Lutero foi de extrema decadência social e religiosa; um duplo cancro ia roend, envenenando a sociedade e, mesmo, a Igreja; era a revolta e a libertinagem. *** Jesus Cristo prometera estar sempre com a sua Igreja, e garantira que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela! A sua palavra e garantia é formal: EIS QUE ESTOU CONVOSCO TODOS OS DIAS, ATÉ A CONSUMAÇÃO DOS SÉCULOS. (Mat. 28-20). Estado com a sua Igreja, e querendo preservá-la do contágio do erro, Jesus Cristo tem de lhe aplicar o remédio adequado e radical; e qual este remédio? A obediência, pela sujeição da vontade; e a santidade de vida, pela pureza dos costumes. Se Lutero se tivesse apresentado com estes dois distintivos, mereceria a sua vida ser estudada, para se descobrir nela a sua vocação de reformador; nada, porém, se nos oferece que, ao menos de longe, lembre tais virtudes. É o contrário que transborda de todos os seus atos. É um modelo acabado de orgulho e de libertinagem. Logo, não é o homem por Deus escolhido para reformar o século! Lutero nada mais é do que a encarnação completa dos grandes vícios do seu tempo. Não é um reformador, mas um deformador: não é um individuo são, mas um doente; não é um homem de virtude, mas um viciado;ç não é um mensageiro de Deus, mas um representante de satanás. *** A época em que viveu Lutero apresenta verdadeiros reformadores, de cuja fronte se irradiam a virtude, o ideal e a santidade. São os santos: Inácio, Francisco Xavier, Carlos Borromeu, Tomás de Vilanova, João d‟Ávila, Teresa de Jesus, João da Cruz, Francisco de Bórgia, Estanislau Luiz Gonzaga, Francisco de Sales, Joana de Chantal, etc. Estes homens, cujas frontes estão aureoladas pela santidade, seriam capazes de reformar o mundo, como de fato consertaram muito do que Lutero havia deformado. Se Deus necessitasse de elementos, para reformar e purificar a sua Igreja recorreria a homens santos e sábios. Estes não lhes faltariam. Ridículo seria, tivesse ele de recorrer ao que a humanidade e a época tinham de mais miserável e indigno, para empreender uma obra tão importante. Lutero não foi, de modo algum, um escolhido para Deus, para reformar a Igreja; pelo contrário, foi um emissário do demônio, para perder as almas e semear no mundo a discórdia e o ódio. Ao tendo saído de Deus, a sua “reforma” nada tem de divino. Sendo mandada pelo demônio, a sua obra traz os característicos do mal e revela os estigmas do inferno. Eis mais uma vez justificado o título dado a este livro: “O DIABO, LUTERO E O PROTESTANTISMO”. A seita religiosa, fundada por ele, conserva do cristianismo apenas um símbolo: a Bíblia e, ainda assim, falsificada. Oxalá tenham os caros protestantes a coragem e a sinceridade de reconhecer o mau caminho em que enveredaram e não receiem volta ao Cristo verdadeiro... ao Jesus de seus antepassados, por Lutero arrancado dos seus corações; praza a Deus se lancem eles aos braços deste Cristo amoroso e cheio de misericórdia, que a Igreja Católica adora, serve e ama. Não há outro remédio senão voltarem ao Cristo verdadeiro do Evangelho e afastarem-se do Cristo falso de papael, fabricado por Lutero. O Cristo verdadeiro é o Cristo da Igreja Católica, o Jesus do Corcovado, de braços abertos, que a todos acolhe. Seja o seu coração, ferido e ansioso de perdoar, o refúgio ao qual devem voltar todos os que se transviaram dos ensinos das sua Igreja Católica, Apostólica, Romana. ***