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Protagonismo infantil

O termo 'protagonismo' vem do latim "protos" -principal, primeiro, e de "agonistes"lutador, competidor. No teatro e no cinema se utiliza muito este conceito para falar no principal personagem de uma trama. No sentido figurado, protagonista é a pessoa que desempenha ou ocupa o papel principal em uma obra literária ou em um determinado acontecimento. No campo da sociologia, 'protagonismo' remete a fatores de ordem política, sugerindo uma abordagem mais democrática nas ações sociais.

PROTAGONISMO INFANTIL Adriana Friedmann O termo ‘protagonismo’ vem do latim “protos” - principal, primeiro, e de “agonistes” – lutador, competidor. No teatro e no cinema se utiliza muito este conceito para falar no principal personagem de uma trama. No sentido figurado, protagonista é a pessoa que desempenha ou ocupa o papel principal em uma obra literária ou em um determinado acontecimento. No campo da sociologia, ‘protagonismo’ remete a fatores de ordem política, sugerindo uma abordagem mais democrática nas ações sociais. O protagonismo infantil constitui um movimento recente para o qual, vários segmentos da sociedade, têm voltado seus olhares. O protagonismo infantil tem surgido em grupos em que crianças das mais variadas faixas etárias, culturas, faixas socioeconômicas, colocam seus pensamentos, sentimentos, vivências, opiniões, reivindicações, preferências e realidades de vida. O protagonismo acontece de forma cotidiana onde quer que crianças vivam e cresçam: nos núcleos familiares os mais diversos, em comunidades, escolas, espaços públicos, em organizações sociais; em fim, onde há crianças há protagonismo infantil. No sentido das crianças serem, em geral, aqueles membros da sociedade que mais chamam e requerem a atenção dos adultos (não nos referimos aqui ao protagonismo estritamente ‘político’). As crianças se tornam protagonistas quando se manifestam através das mais diversas formas de expressão: da palavra, da brincadeira, da arte, da música, da dança, do esporte etc. O protagonismo infantil possui um caráter ético, social, cultural, político e espiritual, convidando os adultos e tomadores de decisão a repensarem o ‘status’ social da infância, dos papéis das crianças na sociedade local e no conceito cultural dos diferentes povos. O reconhecimento das crianças como protagonistas, tem suas origens em alguns fatores, diversificados mas sincrônicos, surgidos nas sociedades de diversos países nas últimas décadas: - pensadores e pesquisadores das Ciências Sociais – sociólogos e antropólogos da infância - vêm contribuindo, desde os anos 80, com a conceituação e reconhecimento das crianças como atores sociais e autores das suas próprias vidas. Estudos e pesquisas sobre as linguagens e culturas infantis de diversas sociedades e contextos têm enriquecido o repertório e compreensão da importância do protagonismo infantil e o conhecimento mais profundo da situação das crianças a partir das suas próprias vozes e expressões; e também têm contribuído com aportes essenciais para repensar o papel e direitos das crianças na sociedade, assim como com o das práticas, ações e projetos que fazem parte dos cotidianos das vidas infantis. - Ativistas da área da infância, saúde, cultura, educadores, pais, gestores, organizações da sociedade civil, fundações, meios de comunicação, políticos e empresários de diversos setores, vêm reconhecendo a importância de ouvir e compreender crianças, oferecendo espaços e oportunidades para que as mesmas se coloquem, se expressem e se desenvolvam. - Crianças de diferentes idades, culturas, classes socioeconômicas e contextos, vêm se colocando, nos seus cotidianos e em diferentes espaços de convivência, através das mais variadas formas de expressão. Nos primeiros anos de vida, crianças são protagonistas de forma permanente: são o centro das atenções e expressam, das mais diversas formas, quem são e o que vivem. Porém, no decorrer do processo de crescimento e desenvolvimento das crianças, esse protagonismo vai se transformando na medida em que adultos – pais, educadores, cuidadores, e sociedade em geral – começam a intervir. Estas ‘intervenções’, estímulos, proposições – ou, por outro lado, a falta dos mesmos -, já sejam a partir de atividades, conteúdos, conhecimentos, organização de espaços, delimitação de tempos, ou falta de escuta e/ou interesse pelos universos, anseios e realidades das crianças; podem ter consequências tanto positivas quanto negativas no rumo que tomará a vida de cada uma delas. Quando os direcionamentos dados pelos adultos, não levam em consideração a diversidade de naturezas, temperamentos, tendências, dons, origens multiculturais, preferências, habilidades, canais expressivos individuais, dificuldades ou limitações das mais diversas ordens; o protagonismo que, efetivamente as crianças exercem de forma espontânea, a partir das possibilidades de se expressarem e se colocarem no mundo, se transforma ou tende a desaparecer. As crianças podem vir a sofrer danos psíquicos profundos que poderão se manifestar através de explosões de raiva, manifestações de violência, agressividades ou comportamentos depressivos, falta de interesse, evasão ou falta de integração nos grupos de convivência; ou, ainda, através de doenças psicossomáticas e outras reações e atitudes comportamentais preocupantes. Restrições impostas para as crianças, no sentido delas poderem ou não exercer o protagonismo nas suas vidas, podem trazer consequências complexas para seus processos de desenvolvimento e adequação na família, nas instituições ou nos grupos sociais em que convivem. O adultocentrismo que caracteriza as sociedades tradicionais – refere-se às decisões que adultos tomam para e pelas crianças, não dando voz nem abrindo espaços de escuta – é uma postura que precisa ser repensada nos contextos educacionais e sociais nos quais crianças convivem e crescem. Decidir pelas crianças sem considerar o que elas sentem, pensam, o que as interessa ou aquilo de que precisam, no que diz respeito aos seus tempos, espaços, brinquedos, atividades, companheiros, entre tantos outros; privá-las, afastá-las ou não dar-lhes diversidade de oportunidades; pressioná-las, forçá-las a participar de atividades; avaliá-las, compará-las, classificá-las ou colocar sobre elas grandes expectativas; não podem – nem deveriam - tornar-se tendências ou parâmetros para se pensar ou possibilitar o ‘protagonismo infantil’. Trata-se de um movimento espontâneo. Portanto, forçar, obrigar, empurrar as crianças a participarem de determinados ‘fóruns’ ou situações; ou a falarem ou colocarem aquilo que os adultos gostariam de dizer por elas ou ouvir delas, não é protagonismo. Os adultos precisam transformar suas posturas para compreender o significado das diversas formas em que crianças manifestam seu protagonismo: intervir menos, escutar mais, observar sem julgamentos, respeitar tempos, temperamentos, escolhas e processos das crianças. Considerar que as crianças têm conhecimentos e sabedorias próprios, diferentes dos dos adultos. Repertórios estes que precisam ser ouvidos, respeitados, compreendidos e considerados para recriação permanente – e junto com as crianças – dos seus cotidianos. É também importante considerar que, assim como o protagonismo juvenil ou adulto, no universo infantil há hierarquias e diferentes níveis de participação, diversidade de responsabilidades e de perfis de lideranças. Crianças têm formas únicas e diferenciadas de se manifestar, de se expressar e de se comunicar. São os adultos que devem conter sua ansiedade e aprender quais são estas linguagens e o que elas comunicam para entender as mensagens que as crianças transmitem, de forma consciente ou inconsciente, quando de protagonismo se trata. Oferecer oportunidades para as crianças manifestarem seu protagonismo não é necessariamente sinônimo de ‘caos’ ou ‘falta de controle’ por parte dos adultos, como muitos podem pensar. É um caminho importantíssimo para possibilitar que as crianças dos mais variados contextos e grupos sócio econômicos e culturais, exerçam seus direitos de serem quem efetivamente são, descobrirem o mundo ao seu redor, aprenderem a conhecer e conviver com outras crianças, jovens e adultos e descobrirem e desenvolverem seus potenciais. Deixar as crianças serem protagonistas é uma das chaves para a promoção da ‘saúde’ das nossas sociedades; e uma brecha possível para prevenir doenças psíquicas e físicas, preservando e valorizando ‘as sementes’ que cada criança tem e que precisam desabrochar. Adriana Friedmann é educadora e doutora em Antropologia da Infância, pesquisadora das vidas, linguagens e culturas infantis. Tem trabalhado como consultora em diversas organizações, formadora e palestrante junto àqueles que atuam com crianças e pela infância. Autora de vários livros e artigos, dentre eles “Linguagens e culturas infantis”, “Vozes da Infância Brasileira”, “Quem está na escuta”, “O brincar na Educação Infantil: observação, adequação e inclusão”, “A arte de brincar”.