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Apuros- ficção e aforismas contra o estado das coisas

O presente ausente livro é uma montagem inédita composta por uma ficção escrita em língua “inexistente” e alguns aforismas, cujo trabalho de linguagem procura refletir a crítica à violência de estado, ao estado de exceção, ao direito e à democracia. São elaboradas pontuais críticas estéticas, filosóficas e políticas com base em algumas obras ficcionais da literatura latino-americana aqui implícitas ou apontadas. Abrem-se os aforismas para a situação oligárquica do estado brasileiro e à memória da ditadura civil-militar na América Latina, para o golpe midiático civil parlamentar de 2016, para o genocídio em ato praticado pela polícia militar brasileira e pelas milícias, urbanas e rurais; bem como para as reivindicações primaveris anticapitalistas que arranharam as ruas do Brasil em 2013. A montagem disto aqui sedimenta em si conteúdo histórico, a sua forma é a do fragmento, do corte e dos cacos de vidro.

apuros apuros | 1 apuros icção e aforismas contra o estado das coisas apuros | 3 apuros | 2 de Alexandre Pandolfo O presente ausente livro é uma montagem inédita composta por uma icção escrita em língua “inexistente” e alguns aforismas, cujo trabalho de linguagem procura reletir a crítica à violência de estado, ao estado de exceção, ao direito e à democracia. São elaboradas pontuais críticas estéticas, ilosóicas e políticas com base em algumas obras iccionais da literatura latino-americana aqui implícitas ou apontadas. Abrem-se os aforismas para a situação oligárquica do estado brasileiro e à memória da ditadura civil-militar na América Latina, para o golpe midiático civil parlamentar de 2016, para o genocídio em ato praticado pela polícia militar brasileira e pelas milícias, urbanas e rurais; bem como para as reivindicações primaveris anticapitalistas que arranharam as ruas do Brasil em 2013. A montagem disto aqui sedimenta em si conteúdo histórico, a sua forma é a do fragmento, do corte e dos cacos de vidro. Lynguaje de apertura: El discurso | 7 Apuros | 11 Corpo agora | 19 Labirinto | 25 Ressonâncias | 31 Face hipocrática | 35 apuros | 5 apuros | 4 Vytrus | 39 Lynguaje de apertura: El discurso Discursa un cientíico político acerca de una cuestión de las más relevantes, el nombre propio de la lyngua madre, sea Portunhol o Portuñol. ¡Atenti! El Señor Librito: ¿Yo? Yo, simplemente conto las cosas que veo, la cosas que escucho. Bueno, salta hacia mis ojos la epygrafe de la conferencia: El cocinero las preguntaba: “con qué salsa gustarían de ser comidas?” Y una de las humildes aves, creo que fue la gallina, le retrucó: “nosotras no queremos ser comidas de ninguna manera”. El cocinero entonces las aclaró que eso estaba fuera de la cuestión. apuros | 7 apuros | 6 (que otro día yo escuché de pasaje: la palabras del narrador Galeano: escuché un cocinero que reunió a las aves, a las gallinas, a los gansos, a los pavos, a los faisanes y a los patos. Escuché lo que las decía. Algo que me pareció interesante y con lo cual yo gustaría de introducirme, contándola): Yo agradezco mucho el convite de estar aquí. Pero soy consciente de que no lograré corresponderlo. Es longa la tarea de atravesar a galope una historia rodeada y deliñada por tantos esqueletos. Para un difunto autor, por ejemplo, que acaso logró ese intento, tal tarea puede incluso presentársele natural. Pero, no es el nuestro caso acá. Nascidos de un poblado fantasma, nosotros somos testimonias del arrasamiento de Tarapacá y de Entre Ríos, por ejemplo. Y hoy sabemos, nuestra lyngua madre proviene de la sensación tan difusamente difundida segundo la cual siempre ha sido tan factible y cómodo imitar las personas. Nosotros somos hijos de los hombres peleadores de cátedra. Descendemos por in de los monos. Y sabemos también que a todos ellos forano dadas muchas lynguas antepasadas. Y que después, dado un solo ratiño, perdido que fue, en seguida nosotros logramos una comunicación que puede expandirse hoy y futuramente más aún. Comunicación que está fundada como un áncora en la muy especíica forma con qué nuestro pueblo tiene de metamorfosearse en lo que todavía es. Pero, ¿será posible que aún tengamos que mantenernos más mil años esa indecidibilidad? apuros | 8 ¡Hay vente millones de crianzas agitándose en el seno de esa tormenta!, dicen algunos. No obstante, aquellos cuyos ancestrales provienen de las tierras brasilenhas, así las escriben; en cuanto escriben brasileñas todos los otros que tienen aún fuertes rayces en las antiguas tierras del Uruguay y Argentina, por ejemplo. Somos ahora todos un solo pueblo, entretanto. Precisamos tener en mente, entonces, que la razón pela cual tampoco logramos decidir se escribimos espanhol o español y, fundamentalmente, portunhol o portuñol, reside en la circunstancia de acuerdo con la cual está erihido el misterio de nuestro pueblo, que mora en esos pampas e con esa lyngua hace mil años, envuelto en pala, paladar y palizas. Tal misterio es que algo aconteció, que ocurrió simplemente y que fascinó a todos, quedando nuestra cuestión fuera de cuestión. Innumerables predicativos tiene nuestra lyngua bymaterna, pero no tiene el predicativo de esclarecer ese que es un inconfundible problema de su articulación. Y principalmente el problema de su origen innominable. Es necesario, por supuesto, relexionar sobre las diferencias entre el “n con asiento” y el “n con la letra-muda”, ¿pero dónde encontraremos nosotros tiempo para eso hoy? Es preciso, pues, aceptar esa ambiguidad. Esa es la duplicidad constituynte de la grafya del nombre propio, a través de lo cual nos identiicamos tanto con lo que luctúa arriba nosotros, alejo o no, cuanto con lo que pasa mudo – así como la historia a veces enmudece. Así también nosotros luctuamos. Quedemos, pues, tranquillos. Harmoniosamente sentimos cambiar nuestro fonema grafyco en cuanto cambiamos otrosí nuestros propios sentidos, debido a la virtud de nuestra indecisa lyngua y a los servicios que presta hace tantos años a nuestras familias, personas e instituciones y que incluso las transciende. Agradezco. apuros | 9 Nuestra cuestión para mí es como una metáfora del mundo: ¿acaso nuestra lyngua madre se escribe con “ñ” o con “nh”? Apuros Em apuros estão todos os encantos do conforto estendidos ainda agora em direção à reconstituição do que foi e do não – do que passou e do que aconteceu num momento culminante e que gritou Pois, enquanto azedam os democratas de plantão apuros | 11 apuros | 10 sem que se pudesse compreender as escavações que nos asfaltos foram operadas contra os homens e as instituições que izeram e fazem ainda hoje o Brasil ao mesmo tempo oligárquico e paupérrimo, e frente aos quais, para os quais, a memória devolve agora mais uma vez o corpo conspurcado ao corpo conspurcado o cheiro do ralo como estatuto inverbal e como mais íntimo espelho, em cacos, aiado – que não mais se contenta com as elucubrações afeitas à racionalidade hegemônica e capitalista, não mais afeita à racionalidade policial, à polícia do capital e ao genocídio em ato legitimado pelas instituições políticas todas, porque enquanto tudo é explorado, outrem, contra todos, não grita gol, não participa da festa, nem do banquete, no qual o futuro é entregue e trocado por Veuve Clicquot. centros sociológicos, ilosóicos ou se for o caso sociomilitares para a democracia dos mais diversos matizes, mas não a negra e sempre para a manutenção estrutural do que sempre foi enquanto azedam os democratas de plantão mantém o alinhamento dos seus ponteiros com as boas práticas da polícia e com os ponteiros dos difusores radiotelevisivos ou invisíveis, basicamente moralistas, alinhados ao prazer, agregados à ignorância por diversos meios de cooptação da massa, e que talvez lhes entregue na bandeja um cargo de governo, sem que alguém, todavia, possa ousar chocar-se com a miséria que perderam os olhos ou não – primeiro limpá-los, depois limpá-los do mapa, assim como as árvores, assim como as cidades. Sujá-las do mapa. brasileira, latinoamericana. Fora do território ou - E sem compreender e indo até o ponto de desprezar o estado de exceção governável em que vivemos tem sido descrito normalmente no meio do oceano ou da lama, (Vivido?) apuros | 12 - Um dia dissemos: “Não é por vinte centavos, não é por vinte árvores, nem por cento e vinte mil crianças!” Mas o desprezo azedo e democrático concluiu, inalmente, que se não existe uma emergência militar se cria uma. Assim, no curso dos últimos anos no Brasil, a convicção apolítica à qual foram submetidas as manifestações políticas contribuiu para a desesperança de que o colapso poderia ser evitado se fosse possível limpar policialmente todos aqueles que se sujaram com pinhosol, com balas de borracha e armas de pimenta, pelos interessados ou desinteressados na prisão ou no assassinato de negros ou índios ou de pessoas em situação de rua, mas sempre interessados em cargos, aqui ou acolá, sejam na secretaria de segurança ou em salas de aula, sejam políticos cientistas importantes aos meios de controle, sociólogos ou advogados simplesmente em segurança no curso da história – estes que até aqui criam normal o desenvolvimento das coisas e das lamas, contra todos aqueles que se opõem ao mais nítido progresso, apenas ixados em debates rançosos ou por demais radicais sobre a ediicação de usinas, a miséria da derrubada de inúmeras árvores, da invasão de sedes anarquistas, da prisão e da tortura decorrentes dos gritos abafados nas ruas como manda a prática ancorada na vida de benesses dos defensores do estado das coisas, do estado da lama, dos defensores do estado empresariado e da polícia e da judicatura, que se dá a ver também hoje – exatamente porque houve o momento em que as manifestações voltaram a arranhar as ruas – tal qual se deu a ver como tragédia, no século XX, ocorre também hoje a união sub-reptícia da grande imprensa à marcha da moral, da família e à marcha da milícia, à marcha da ditadura e à marcha do futebol, agrotóxicas. Marcham a marcha da homofobia os homofóbicos e a marcha contra pobres e negros e índios o grande rebanho cúmplice dos assassinatos: são marchas que jamais se defrontam contra a derrubada de prédios com gente dentro, a ausência de comida às pessoas ou sequer contra a pedoilia de incontáveis padres da igreja hegemônica ou da igreja em vias de sê-la, na qual se apresentam hoje inumeráveis reverendos, vigários ou pastores bem alimentados e resguardados e comprometidos com o capital e com a exploração e com a consciência anestesiada apuros | 13 chocados em seus neuroilosóicos estancar apenas a aparência da sangria apuros | 14 que deverá não obstante jorrar “presenciamos”, preserva-se estranhamente das intempéries e das fraturas que causam àqueles que foram arranhar as ruas e cujos ossos se encontram ou não se encontram no subsolo de fazendas ou porões. borrando, avassalando todos ao cadernos escolares Mas estaremos certos ao lado da boa língua falada? ou soterrando. Frente ao domínio absoluto do uso da força Novamente não é mais obnubilada a forma como o direito, a imprensa e a massa se apresentam hoje. A despreocupação com a história. Com a infância. Com a velhice. Mas há sentido icarmos falando sobre isso? Não há para a maioria dos advogados de plantão. Para a ordem dos aparelhos do golpe. Para os aparelhados do golpe. Aparelhos aparelhados em linguagem corrente que não sabemos mais se creem sobreviver à destruição do homem outro que seja, depois da destruição da memória e do conhecimento, tal como parece ser o caso idedigno da aparelhagem conceitual jurídico-biomolecular, absolutamente capaz de registrar tudo o que lhe interessa dos acontecimentos, e que muitas vezes não dispõem sequer de um peso em si mesmos, tais aparelhos, dispositivos antimentais que registram propagam e gravam e usam toda a sua tecnologia contra o seu próprio usuário, e oferece isso a não sei quem sabemos muito bem, em voz alta e mesmo dentro de casa, todas as respostas que seriam suicientes para amenizar diariamente a indignação. A nossa indignação. Indignação de outrem. E oferecem nomes. Como sempre. Linguagem deinida. Toda espicaçada. Numa rede tecnológica que se constitui por palavras como vândalo e baderneiro, por exemplo, dentre outras repetidas indeinidamente, assim como se repete a palavra corrupção, certamente há muito esvaziada de sentido, até que ela se torna o próprio meio da cooptação – absolutamente ilegítima hoje, predicada por abotoaduras, togas e braceletes e diante das práticas corriqueiras das instituições capitais para o controle cabal dos corpos e dos corpos da linguagem e das subjetividades, a cujas práticas se entrega o movimento do todo porque quer certamente com essas práticas genocidas obnubilar a catástrofe que nos engole e assim alimentar o estado das coisas em que vivemos – frente a irrupção dos cadáveres dos cadáveres, tais como as centenas de cadáveres encontrados Mas devemos nos assombrar? A causa é secreta. O logro dessa mediação comunicacional e também desse oferecimento como resposta que, a bem dizer, mas que não eram Amarildo, quem eram? Ainal, como poderia o capital hoje manter o status de uma icção de estado quo se não pelo controle biométrico e bioeletroeletrônico, neuroilosoicamente assegurado à farsa e agregado ao anestesiamento comunicativo? E tudo se entrega a isso. Corporações sem corpos. Corpos prostrados. Enjaulados. Bits. - Em nome da lei anônima e convencidos de que palavras avulsas sobre o arquivo oicial são guardadas pelas empresas de comunicação em toda a sua alegre comicidade e desrespeito de quem não precisa se comprometer com o conteúdo “incompreensível” da linguagem das manifestações radicais, as quais tais empresas adorariam fossem apolíticas, fossem policiais, mas que de qualquer sorte rechaçaram, e que não gostariam de se comprometer sequer com a sua própria história, principalmente apuros | 15 – as contramarchas da história sustentadas para não querem se comprometer com o recente período civil-militarditatorial, do qual muitas famílias oligárquicas e muitos militares ainda herdam os frutos inanceiros, as pensões vitalícias, pelo menos quase tantas famílias quantas não admitem que outros tantos quantos possam ganhar uma bolsa família, e que herdam também frutos não imediatamente inanceiros como as armais não-letais e as bombas, os escudos e os choques e a segurança. Eles e elas também não se comprometem, como os políticos cientíicos, com o conteúdo incompreensível das crises, das críticas, nem com quaisquer coisas que a elas possam dizer respeito, a não ser, certamente, com a vida dos seus autores principais, dos autores das ruas, os quais, nomeados, já não sabemos se vivem, mas, ainda que estejam mortos, pela imprensa oligárquica e fétida devem ser conspurcados, bem como deve ser conspurcada toda a sua espécie, ainda que esteja extinta, assujeitamento com os quais nos deparamos hoje. – Condensados numa matéria inapreensível embora de todo evidente, contudo, hoje não é mais surpreendente nem arriscado dizer que os eventos que por um triz vivenciamos em junho de 2013 e que retornam às suas reivindicações primaveris anticapitalistas e radicais tenham ocorrido no momento histórico em que o Brasil procurava elaborar socialmente o seu passado histórico recente, a ditadura civil-militar-midiática que torturou e assassinou e esquartejou e desapareceu inúmeras pessoas em toda a América Latina e que ainda hoje se apresenta em contornos nítidos em muitos setores da sociedade. o logos hegemônico em operação aqui nesse estado de coisas também gostaria de conspurcar a memória desse processo de extinção. Mas como representantes de uma lei anônima, os adaptados em massa marchante pelo esquecimento, teleguiados, verdeamarelo-novelisivos repudiam de antemão todo o conteúdo escrachante das manifestações e passeatas dos que se revoltam contra a crítica do esquecimento; os beneiciados com os genocídios não descartam nada do que possa ameaçar a tranquilidade contemplativa das suas coisas, barcos ou navios, eles querem utilizá-las para si, as coisas trêmulas que ainda são visíveis diante de nós, que pulverizam para muitos lados e por isso também para o lado da última justiicação do que tem sido o vitorioso empreendimento a im de lograr o medo e continuar assegurando a integridade dos níveis de dominação e apuros | 17 apuros | 16 - Porque não é de hoje que o progresso no Brasil faz mais vítimas do que uma guerra nuclear. Faz tempo que morrem mais crianças num ano na América Latina do que todas as vítimas de Hiroshima e Nagazaki. Corpo agora Criaturas vivas de papel, testemunhas da decadência e imiscuídos à trama da fantasia na qual estamos inseridos, resta-nos ainda um corpo de memórias esmorecidas e inscritas enquanto tais sob a condição própria da sua experiência e da resistência à escritura, também ela, própria do desastre mesmo. A extensão da carne machucada até os rabiscos que podem cifrá-la sobrevive tão espessa quanto o tempo necessário para que seja assim possível fender a cumplicidade com o estado atual das coisas. o ressecamento cabal da realidade em prol da sua dominação e as atroias tecnicamente planejadas para a mesma realidade apuros | 19 apuros | 18 Mas que não oferece consolo deixa ao corpo contorcido nos limites extremos da dor, o silêncio. Em seu último recurso num restolho de sangue quase seco e oca carne, esse corpo luta contra a barbárie totalizante que mutila e uniica a consciência social. Ele luta inalmente. É, consequentemente, a luta de todos os homens. E, ao encontro de tal fato, por assim dizer, caminhamos. – “O passado, conservando o sabor do fantasma”, como escreveu Baudelaire. Então, esse agora corpo perceptível que sobrevive e, pois, preserva os seus limites, encontra-se, entretanto, fora de alcance. Ainda que ofereça ao olhar uma das suas faces, esconde todas as outras. O alarma interno que a si dissimula, sem estar ausente, extrapola nu, a verdade das palavras. Aberto no palco resta não apenas o coração, preso a um rígido fêmur. E assim a abertura da sua presença viola o voyeur. A linguagem esgota-se no ser que habita um corpo no mundo onde esse corpo já não é mais uma pessoa. Mas as articulações da sua sobrevida respondem inalmente à totalidade, a quem deveras ela também signiica, como elaboração do curso histórico que descreve. Walter Benjamin, nesse sentido, recusa-se a pensar a experiência fora da narração; também Maurice Blanchot, que situa na obra literária o “lugar da relação nua”. Esse interregno no qual o sujeito se dissolve e o seu corpo se dilacera deixa poucos rastros para o esforço de se reapropriar de uma parcela fundamental da sua própria humanidade. Os corpos, inseridos na ordem lógica contemporânea como nada, para os outros numa sequência de gritos e dilaceramento, vai até o im, porém, a qualquer im, rodeado pelo silêncio, lá onde ele é mortal. O corpo da nossa memória. Levado ao colapso, junto aos cacos da sua linguagem própria e da linguagem em geral, extrapola a consciência bem-pensante da sociedade do pensamento apaziguado e as relações de todos os seus termos “contratuais”; em termos exorbitantes a sua linguagem preserva-se realista, ainda que seja fantástica no mais alto grau. Nossos corpos são hoje os ossos da nossa sociedade. Carcomidos. Ruídos. E a sua realidade, o real no corpo e do corpo, encontra-se a serviço de ininitas elucubrações, repetindo palavras contestáveis, sangrentas e fantasmagóricas. Até cair no abismo do silêncio, em que seria possível ou não contar com a pulsação nas têmporas. Em seu estilo próprio de aderência à realidade o último recurso que resta a esse corpo é o silêncio. E não se pode dizer, nesse caso, que há uma surpresa linguística diante desse limite. Fosse agora um corpo a linguagem, seu olhar terno seria traído pelo tremor dos seus lábios. – Nossa época, que qualiicamos ainda de civilizada, guarda latentes os estremecimentos que inundam o futuro do pretérito do tecido social. O corpo outrora conhecido agora mutilado, transformado em excremento e em ausência para si próprio e apuros | 21 apuros | 20 urram, não obstante. apuros | 23 apuros | 22 um ponto de suspiro em apuros estão todos os encantos do conforto Labirinto A tradição dos oprimidos ensina. Faz eco entre nós. Vozes que foram emudecidas. O sofrimento dos outros prostrados, espezinhados, esquartejados. Não apenas de ontem. O estado de exceção é a regra. Onde há democracia. Onde há direito. Há algo de podre. Hoje sabemos que as expressões cujas formas correspondem a essa verdade não logram mais ser meramente recalcadas diante da conservação e manutenção do ordenamento social como um todo regido pela suspensão abstrata das suas leis em nome da sua força de lei concreta e assassina, policial, por assim dizer, miliciana e capital, não apenas fundante, mas estruturante dos mecanismos que levam a cabo a destruição do outro, sempre que for necessário para a justiicação do status quo. Amarildo, Claudia, Rafael, inúmeros ilhos das Mães de Maio – quantos nomes devemos dizer? A ilosoia e a literatura dignas das suas histórias erguem-se, contudo, contra a dominação da realidade. A saber, contra a dominação nominal e contra a dominação biológica, ambas de fato e justiicadas por ilosoias ou sociologias as mais diversas, dominações da realidade, portanto, hipercomunicacional, prevista para entrar e não mais sair do laboratório. Mas a dignidade da literatura é a do labirinto. Todo o resto é expansão apuros | 25 apuros | 24 Negro. apenas a vazão de um espectro, apuros | 26 a icção de uma linguagem que literalmente rege as potências criminógenas e bandidas sobre as quais se assenta a sociedade, desde o âmago perdido do estado das coisas em sua fundação, toma-se pelo gerenciamento da linguagem cerebral total, assim como se gerenciam as celas ou os cargos, seja nas universidades, nas escolas, cárceres ou fora deles – ainda não caducou o logos ante todas as suas consequências genocidas, e por isso dá as caras travestido na sociedade regida pela fantasia da sua própria abstração, que é a que vivemos hoje, não apenas sob togas ou gravatas, braceletes e aventais, mas com camisas da CBF, e esse dar as caras principalmente aponta contra o corpo, a pele e o olhar de negros ou índios ou bárbaros, historicamente identiicados conosco, mas dos quais eternamente os sujeitados civis da linguagem biomolecular gostariam de se diferenciar, sem jamais abdicar da entrega de suas próprias vidas às articulações instrumentais, cuja ideia vazia e preenchida pelo medo, repetida e expandida identiica-se assim ao todo da organização social. A esse respeito, uma imagem do labirinto: em K., de Bernardo Kucinski, a visada da coisa nos abre o próprio autor antes do narrador, numa página preta inicial, na qual ele escreve: “Caro leitor: Tudo nesse livro é invenção, mas quase tudo aconteceu”. Não se trata meramente de uma advertência de cunho editorial, comunicativo, no mais, esclarecedor. Essa oração logra, antes, desequilibrar um estado geral de coisas aparentemente acomodado com a sua composição e a sua execução, levando à crise o enredamento da comunicação em geral na técnica que organiza não apenas linguisticamente o todo. É a dúvida melancólica acerca. Da realidade. O transtorno até o limite do que é. Do que foi. O que deixa de ser. Ler. Isso incomoda inicialmente o estado de coisas confortado sob a divisão do mundo administrado em quase todos os âmbitos da vida nua, equacionado à separação entre teoria e práxis e à abdicação do pensar. Isso se tornou evidente hoje, inclusive em projetos de lei – o que acaba ou acabaria por tornar-se um “absurdo”. – Com essa advertência inicial, a icção em K. profana as concepções de domínio da realidade como exercício da violência, trazendo para a sua tensão textual gestual interna a realidade social da atualidade da sua palavra. Mas, que quase tudo da invenção tenha ocorrido espelha-nos o facho de trevas, onde é possível suspirar o rompimento com o furor da racionalidade hegemônica através da criação. Conturbando a sua realidade própria, origina um verdadeiro estado de exceção. Ela excede ao desarranjo linguístico da realidade, desarranjo retroalimentado ilo-jurídico-politicamente para a conservação da irracionalidade social e do assassínio. Essa oração excede a regra, a comunicação, a realidade dominada pela ardilosidade orquestrada em suas tratativas para convencer a sua dominação e ao mesmo tempo a sua equalização com a realidade mediada pela cotidianidade do absurdo conceitual. Essa simples oração não se submete à determinação dos arranjos linguístico-ilosóicos neurais prescritos em laboratórios, subsidiados por instituições inanceiras as mais conhecidas, nacionais ou internacionais, interessadas no que é e como se diz isso que é, portanto, como se domina isso e aquilo contra a multiplicidade inconveniente, contra a qual irá tal linguagem sempre poder, e lograr, assegurar-se a si mesma numa existência própria, talvez, antes uma sub-existência, sempre que se mantiver, por exemplo, interessada no lucro, e apenas nisso, apuros | 27 e repetição. Por isso, enfrentamos hoje os ditadores, os amigos dos ditadores, os seus ilhos, os seus cúmplices advogados e médicos ou ilósofos sempre muito bem articulados com o estado oligárquico das coisas – e que, portanto, ousam, assim como já outrora ousaram, dizerem-se legítimos – um estado de todo lamentável, no qual se sustenta ainda a icção da sua fundação naturalmente, desde as teorias mais abstratas, contratuais, justiicacionistas e civilizatórias, racionais, lógica e comunicativamente cerebrais, muito bem pensadas, justiicações que suportam ainda a organização como um todo da linguagem hegemônica, a linguagem da troca na era do governabilidade total, mas não na metáfora. apuros | 29 apuros | 28 Tal é o sentido trágico de realidade contra o qual se defronta a advertência do autor, em K., evidentemente confundido com o narrador. Aí, o assombro com o esboroamento da fronteira entre icção e realidade, da fronteira entre teoria e prática, torna-se um assombro ilosóico, ele assombra a própria ilosoia e a literatura institucionais apregoadas em institutos conceitocerebrais os mais diversos, com os olhos voltados para o norte, abertos, estáticos, torturados ao som da nona sinfonia de Beethoven. – Assombrados, nossa posição ica mais forte na luta contra o fascismo, cuja persistência hoje talvez não cause mais espanto. Sucede hoje que estamos todos com os dentes quebrados e várias unhas arrancadas, com sulcos profundos nos tornozelos e nos punhos e com as bocas cheias de lama e sangue. Nossos corpos rasgados diante de uma máquina que se movimenta a passos irmes e objetivos ao longo de uma só história que é a nossa história de escravidão, de massacres e desaparecimentos. – As práticas de eliminação através da tortura e do extermínio multiplicam-se e confundem-se e aproximam-se de nós, numa cadeia de absurdos perfeitamente racional e burocraticamente bem organizada, sob togas, braceletes e aventais, como foi dito, confundem-se toda a promiscuidade e a obscenidade que não meramente escapam ao controle da lei, mas são a continuidade sob o manto democrático ou republicano de uma determinada força de lei que nos rege a todos anonimamente e que por baixo de todas as suas encenações, sejam militares ou civis, nem sempre podemos encontrar os cadáveres daqueles que se indignaram com o percurso em direção à indigência extrema. – Nós outros, considerados indigentes, nem sempre fazemo-nos ouvir porque a nossa condição histórica tem sido a de despirmonos do nosso passado em nome da hegemonia do capital, muito bem orquestrada pelo todo do ordenamento jurídico anestesiador e neutralizador, linguisticamente abafador de tantos gritos, sejam eles escritos, rabiscados, sejam públicos a ecoarem nas ruas, sejam mesmo expostos apenas a vis torturadores e médicos apuros | 31 apuros | 30 Ressonâncias legais a escutarem os ecos de uma dor inimaginável a escorrer, sem que lhes pertença a mínima responsabilidade pelo sangue derramado. Assim, pôde dizer a si mesmo legítimo o sistema organizacional de administração do desaparecimento e da violência, cuja atmosfera é absolutamente irrespirável como o é uma sacola plástica a afogar em seco a outrem. Pôde e pode. Nem sempre restam os esqueletos como imagem cabal do que se passou. É claro que me reiro também ao Amarildo. Outra vez, incansável. Por outro lado, temos em alguns momentos também a oportunidade de descomemorar tal espécie de operação governamental e linguística, o arrastamento de corpos presos a carros em movimento, a atrocidade e o massacre levados a cabo no século dezesseis, no vinte e até hoje no nosso continente. Descomemoramos escrevendo – a-penas? escrita sobre escrita, escrita sobre a pele, sobre a carne, o papel e a cidade enquanto a ardilosidade da organização estatal para o assassinato soma corpos sobre corpos, sem que muitos possam ser enterrados. Nos estreitos limites para dentro dos quais coagem conjuntamente a gramática e a lei, tateamos como cegos o corpo da memória apuros | 33 apuros | 32 e os labirintos da desaparição e sob nossos pés abrem-se ou não as covas dos assassinados, dos torturados e dos esquartejados. Tragados em direção ao arcaísmo de todos nós, lá submersos, não nos encontramos junto aos cadáveres dos nossos. Em meio à folha de papel rabiscada, o pensamento às vezes para. Emaranhado às valas comuns ou ao vasto oceano. Desgraça inominável e vergonhosa. Ainda outras advirão amanhã e depois. Repetindo palavras contestáveis, talvez obliteradas. É uma só a linguagem jurídica do golpe civil e midiático e a linguagem precária do justiçamento feito por meio dos diversos tribunais. A linguagem da burla. A linguagem da impostura. Não se deixa atordoar pelos murros que outros levam na cabeça. Apenas sentase sobre o mundo. Aparenta ausentar-se. E entre visões concretas esboçam-se fantasmagorias. Uma mal disfarçada ditadura, um congresso de lacaios igurados, absolutamente interessados em conservar privilégios. Desenvolvem a conversação como vício. Junto às sentenças dos tribunais, que são formalidades inconsequentes. Incrivelmente amparados por determinados conhecimentos linguístico-biomoleculares. E pelo interesse exclusivo na propriedade e na miséria do mundo. Patriarcado bíblico. Dirigido por conhecidos patrões do exterior. Oicialmente covardes. Mensageiros da morte. Ao norte. Anunciam de quando em quando, e ainda hoje, misteriosos suicídios. ¿Nosotros no sabíamos? Complacência e concupiscência. Marcadamente estúpida. Como são estúpidos todos aqueles que assistem e promovem telenovelas e telejornais. Que promovem a desleitura. A idiotia calculada. São a imagem do completo desespero sem consciência do sombrio mal-estar no qual estão submersos. É apuros | 35 apuros | 34 Face hipocrática apuros | 36 O que não se pode dizer, dever-se-ia não dizer. Talvez temer. E esse é o rosto do status quo. O rosto do ar escasseado. O rosto indiferente da insciência. Frente aos mortos vivos em decomposição. Não fere o olhar oligarca ou burguês o olho caído do outro, os corpos diversos encharcados na lama, presos na lama para nunca mais, faltando-lhe o espírito que o grande todo patriarcal do estado entregue ao capital minerador levou, coberto de desonra. Os dirigentes tem pressa em dispensar a conscientização. Aparafusam-se em determinadas cabeças a repetição da crueldade. Não se trata de mera ilusão. É literal. Trata-se de desejar não saber o que aconteceu, ignorar não apenas as ações dos outros, mas as próprias ações, ser joguete das circunstâncias, cujos estragos e ferimentos nem sempre cicatrizam. Estão barbaramente às vistas. É parte do método do esquecimento. Toda uma escolarização política histórica trabalhando para a legitimação da violência, seja no nível que for, sempre que for necessário. Seria prudente citar nomes? Ou só dos carrascos? O direito corrupto, a democracia cooptada, o governo a disfarçar as mazelas e restaurar as cores dos banquetes. Com que diabos ainda fazer icção? Revoltar-se contra o monopólio “legítimo”, contra o uso genocida da força química armada? É literal! O poeta morre a cada outro oprimido que encontra. E nos ordenamentos mais banquete, não apenas pela morte do poeta, mas pelo desejo lógico de não mais poema, não mais arte, tampouco educação. Crise, crítica. Crise. Esgotando-se sem fôlego na adaptação ao existente, ao que meramente é. A oligarquia sorri, bate panela com a burguesia. Essas panelas não fazem feijão para preto. Nem para pobre. A cada carcaça que passa carregando uma memória ou um suspiro de vida, mais gargalhadas. E ódio. Até onde seremos todos levados não é um mistério. É o ministério do im. Um curral de arame farpado, o rebanho a deinhar. O que vivemos hoje, desde há muito, a título de sociedade, a inevitabilidade do cativeiro. Isso se representa como um progresso efetivo da humanidade. O que sobrar, depois do im, serão já as memórias dos cárceres de agora. Somos cadáveres que ainda se mexem. Gracialianos. Nisso relete-se algo da humanidade. Parcamente. Irônico “ossuário de interioridades putrefatas”, como escreveu Lukács. E o estado de contrarrevolução se realiza dentro das normas. É preciso exceder o estado de exceção. A degradação exposta, nua e bárbara. A gramática da barbárie. Exceder a gramática em si. O deleite da elite corrupta e golpista. A irracionalidade. Exceder a desvergonha dos dirigentes do estado das coisas. apuros | 37 bem sabido que no Brasil oligárquico de sempre toda e qualquer “ordem” foi sucessivamente aparência. Simulacro. Burla. A judicatura, um espantalho. A farda, língua arcaica. Velhice e estabilidade aos torturadores de ontem e de hoje. Ruína, ruína, ruína. E confusão. Tudo para dar ao burguês dramalhão assíduo direito; o comprador da imprensa marrom, a impressão, apenas a impressão do capital sob o qual correm toneladas de sangue e lama. Com isso a opressão se erige em sistema. O oprimido irma-se ora numa ora noutra perna. O espinhaço curvo. Como a vida sem valor. Isso realiza empiricamente o absurdo. Mas não interessa à democracia neurodoutrinal discuti-lo. Perdemse séculos na deinição do absurdo, enquanto ele se realiza faticamente, corpos sobre corpos, ruínas sobre ruínas. E qual seria o interesse de determinadas doutrinas surdamente comprometidas em inocentar-se? Inocertar-se. A ilosoia da linguagem judicativa e biométrica não se compromete, contudo, com a criação de palavras. Com criação nenhuma, para o entendedor médio. Apenas tampa a tampa da catacumba. Eternamente compromete-se apenas com o que se pode dizer. Fora da bolha tornada hoje comensurável book, vytrus que amalgama rosto e língua sem olhos e avatares e adubos transgênicos em geral e que protege a racionalidade afeita à comunicação e à troca de tudo por tudo o que é porque é e às relações mais estratégicas para o que quer que seja que seja afeito à aparência excepcional dos mais frágeis egos reputados, que são talvez não, na verdade parecem bem fortes e supraidentiicados à variedade apócrifa de ideias que uniicam e protegem a consciência social num narcisismo que agora boia não obstante faceiro nesse oceano que é uma ininita folha papiros de vidro, lisa e supericial, movimentando-se ao redor de si mesma rarefeita à mostra, que não deveria ou poderia ser quebrada, perfurada, pixada, enim, escrachada para que não morrêssemos sufocados ali, porque incólumes devem estar e ser as razões diariamente idealizadas e higienizadas em suas alternativas para enxergar e relacionar sempre o mesmo – a diferença exangue – construto falso verdadeiro absolutamente bem subsidiado racionalmente, quer dizer jurídica e moralmente, jurídico-neuroilosoicamente frente ao escândalo que já tampouco se entrega meramente à justiicação das suas razões, exigindo constantemente por isso e mais isso e aquilo um médium capaz de engolfar o que quer que seja que conirme de fato e de direito o que hoje sequer pode ainda ser crível, isto é, as próprias relações inumanas por isso políticas fora dos canais e válvulas de escape que se conectam apuros | 39 apuros | 38 Vytrus as pedras e as latas e as letras escandalizam presos corpos indelevelmente à aridez do não futuro, apuros | 40 os mortos que boiam na pós água hoje lama da história de quem se contam sujos sonhos, sombras que – não palavras às margens da desgraça que não é a única e que não se possuí, mas a qual tudo se entrega nesse estado de coisas país não para todos saberem o que acontece como se já houvesse acontecido, invadindo a consciência apaziguada aquém da violência que se faz inscrever porque a essa história ainda não se pôde esquecer, não o que não é meu nem teu e arrasta um ruído niquelado de tempo ser coisa dinheiro assim ousía – resistência incomoda, capacidade também, temendo-se aparentemente a fraqueza do estilo conjura-se a força da bolha a qual se não deve, pois, resistir, é proibido porque está aí, nem suave nem sempre passagem, água, lama, pedra linguagem da – a alimentar ilusões de diálogos, ilusões de razão incapaz de resistir à podridão inerente ao seu corpo de linguagem contratual e feliz afundada no instante vivo da imagem da morte, um soldado, retafardado por assim, modo de ser hoje leal aos papéis timbrados que repousam nas areias de vytrus pesado de passado e de desaparecidos aparecidos talvez em sonhos, nos quais a não verdade da razão e da comunicação e das bolhas começa a ascender como um cadáver. Maquinaria anônima de um mundo, a vida insinuada em erudição ostentosa, deputada, reputada ou fraudulenta engravatada pela decência e pelo apaziguamento, para os quais não há razão leitura deveras, direito só e ilosoia se capazes de continuar fazendo uso artiicial de si próprias e do horror policial do presente democrático e civilizatório em ruína, no mais armadura e bomba, cuja razão elevada autoconservadora a seu limite mais extremo e coerente avança sob os ímpetos falcões e drones à superfície do superofício: insuportável escracho numa imagem: ninguém diante da lareira condensando aí a tragédia do mundo moderno: tudo é totalmente lógico: quem rezar concilia o sono sem problemas. O tempo excessivamente longo e a estupidez enim se transforma em segunda natureza. Talk shows são folhas e folhas em vytrus. Desolada situação? Qual folha! Deveríamos ver uma imagem. Ou ouvir dizer. Ver e ouvir uma citação transgênica: um barril de pólvora que explode transforma de fato aquele que não soube ouvir; uma carne artiicial metálica cai madura à sombra de muralhas arranhadas. Então, ranhuras aspectam espectam espetam passagens em dissoluções elas próprias talvez. Jamais a certeza de tê-las compreendido situado numa distância segura, talvez fantástica e feliz o que foi realista anunciava tampouco futuro, enigmático moderno bem mais que aspecto e instante para tudo o que ica, uns carcomidos outros pássaros de passagem caíram. Acorda-se tão somente para entrar no pesadelo: em vytrus não é permitido silenciar. Dia a dia. Inteiramente feito de citações, as úteis só, e não haverá nada a temer. Fora borda cantinho talvez transborde poços cegos de luz de bits compõem decompõem os atos vão potência junto ali quando há não há um instante eterno para compor-se um desamparo, mesmo dos mais jovens envelhecidos eles apenas sombras já de reputações e agonizantes relações sem nomes para as quais tão só pálpebras entreabertas espasmo tempo e dissolução merendam olhos que viram o que não queriam ver – o fundo do poço do vytrus que é o poço do ser. apuros | 41 hiperracionalmente. Os discursos os mais apegados à racionalidade inteligível e às garantias da vigência da conversa, da conversação e do sistema de controle social e do “todo” do estado capital, lácidos o suiciente para nada quebrar ou destronar, que tudo cobrem levando a cabo a mediocridade junto às redes densas ou rarefeitas linguagens pelas quais se tecem o conforto e o encanto mesmo daquilo que não se estabelece senão reconhecidamente por meio do princípio de a todos encantar e ninguém encontrar, o si mesmo ninguém, deveras é eu logrando ao ciclope, buscando não as razões para o absurdo que deve e quer ser e ver justiicado, morosamente (por assim dizer) mas a concretização ao contrário do absurdo, pelo medo, agenda do mesmo e não da destruição dos intelectos vytrus books, que obviamente não escracham o que quer seja, apócrifos programers também quando dizem eu e dizem nós não apenas para o fascismo e os fascistas, com os quais se regozijam e que talvez gostassem de conversar e convencer as razões, como se elas é que faltassem à evidência do esquema político que avança em direção ao passado, porque o futuro está implodido. Fora do vytrus © Alexandre Pandolfo Os deveres desta edição são reservados ao autor, compartilhados com todos os leitores, podendo distribuir o livro das mais diversas formas ou lê-lo em voz alta, indicando a autoria. Capa: Camila Gonzatto e Alexandre Pandolfo Projeto gráico e diagramação: Camila Gonzatto Os textos aqui reunidos seriam autônomos entre si, avulsos, foram escritos entre os anos de 2012-17, retrabalhados em suas articulações, parecem precipitar-se junto ao curso dos acontecimentos tais como se dão no Brasil a na América Latina. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Biblioteca Pública do Estado do RS, Brasil) P189a Pandolfo, Alexandre. Apuros: icção e aforismas contra o estado das coisas. / Alexandre Pandolfo. -- Porto Alegre: Lapices, 2017. 44 p. ISBN 978-85-67302-61-4 1. Política : América Latina : Aforismas. 2. Democracia 2. Ditadura. 3. Cidadania. I. Título. apuros | 43 apuros | 42 CDU 32 (8) (089.3) apuros | 44