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Gentil Lopes - EXUMAÇÃO E JUGAMENTO DE DEUS

Gentil, o iconoclasta Exumação e Julgamento de DEUS EXUMAÇÃO E JULGAMENTO DE DEUS Gentil, o iconoclasta http://www.profgentil.com.br Prefácio Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? (1 Co 6 : 3) Nietzsche (1844 — 1900) decretou a morte de Deus. A história registra pelo ao menos um julgamento de um cadáver. Com efeito, o Papa Estevão VI mandou exumar o corpo do seu antecessor o Papa Formoso (morto nove meses antes) para um julgamento que se deu na bası́lica de São João de Latrão em janeiro de 897; o julgamento do cadáver também ficou conhecido como Sı́nodo do cadáver, que é lembrado como um dos episódios mais bizarros da história do papado medieval. Um outro exemplo de condenação póstuma temos em Orı́genes, profundo conhecedor da tradição cristã, que foi excomungado quase três séculos após sua morte, dentre outras razões por ter criticado várias alterações efetuadas na Bı́blia. É notória a evolução de uma parte significativa da humanidade em termos de nı́vel de consciência. É suficiente lembrarmos, numa ligeira retrospectiva, dos esportes sanguinários da Roma Antiga, passando pelas cruéis torturas e fogueiras da Idade Média até nossos dias onde um deputado do Rio Grande do Sul aprovou uma lei permitindo o “Sacrifı́cio de Animais” em rituais religiosos; essa lei recebeu − por parte daqueles que ascenderam em consciência e sensibilidade − uma enxurrada de crı́ticas concernentes a abusos praticados contra animais em rituais primitivos. É que aquela fração da humanidade que ascendeu em consciência e sensibilidade já não tolera mais certos atos de crueldade que outrora passavam despecebidos, por assim dizer. O apóstolo Paulo certa feita afirmou em uma de suas epı́stolas que os homens haveriam de julgar os próprios anjos, neste livro vamos um pouco além do apóstolo e defendemos a tese de que já chegou a hora do homem julgar o próprio Deus! . . . Pasmém! Com efeito, se em nossos dias alguém pode ser condenado por maus tratos a animais, o que dizer de um Deus que promove o sacrifı́cio de animais em rituais religiosos? O que dizer de um Deus cuja sanha assassina chega a exterminar “idosos, mulheres, crianças e animais”? E, finalmente, o que dizer de um Deus que aceita sacrifı́cio humano? Estamos falando de um Deus?. . . Sim senhor! estamos falando do temı́vel Deus de judeus e cristãos, o guerreiro Jeová. Se é verdade que cada povo tem o governo que merece não é menos verdade que cada povo tem o Deus que merece. Se nos ‘demonstrassem’ esse Deus dos cristãos, ainda acreditarı́amos menos nele. (Nietzsche) Gentil, o iconoclasta 3 Os tr^ es luminares a seguir ser~ ao citados em nossa obra. − Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 — 1900) foi um filólogo e influente filósofo alemão do século XIX. Nasceu numa famı́lia luterana em 1844, filho de Karl Ludwig, seus dois avós eram pastores protestantes; o próprio Nietzsche pensou em seguir a carreira de pastor. Entretanto, Nietzsche rejeita a “fé” ainda durante sua adolescência, e os seus estudos de filosofia contribuiram para que ele desistisse da carreira teológica. Em Para além do bem e do mal, de 1886, denuncia que “a crença da verdade percorreu o mundo moderno, que se denomina senhor dessa verdade ”, não haviam entendido que Deus e o diabo eram uma coisa só. − Baruch Spinoza (1632 — 1677) considerado um dos maiores filósofos e metafı́sicos de todos os tempos − É o eleito de Einstein. Nasceu em Amsterdã, numa famı́lia de negociantes judeus de origem portuguesa. É considerado o fundador do criticismo bı́blico moderno. Receando comprometer a lisura de seus trabalhos filosóficos recusou um convite para ensinar na Universidade de Heidelberg. Temendo suas teses “comprometedoras” os sacerdotes ofereceram uma pensão à Espinosa para ele manter fidelidade à sinagoga, ele recusou. Optou por viver como um humilde polidor e cortador de lentes ópticas. Foi então excomungado em 1656, amaldiçoaram-no em ritual. Luı́s XIV lhe ofereceu uma vultosa pensão para que Spinoza lhe dedicasse um livro. O filósofo recusou polidamente. O monumento feito em homenagem a Spinoza, em Haia foi assim comentado por Renan em 1882: “Maldição sobre o passante que insultar essa suave cabeça pensativa. Será punido como todas as almas vulgares são punidas — pela sua própria vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu pedestal de granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dirá em seu coração: Foi quem teve a mais profunda visão de Deus.” − Bertrand Arthur William Russell (1872 — 1970), nascido no Paı́s de Gales foi um dos mais proeminentes matemáticos, filósofos e lógicos que viveram no século XX. Recebeu o Nobel de Literatura de 1950, “em reconhecimento dos seus variados e significativos escritos, nos quais ele lutou por ideais humanitários e pela liberdade do pensamento”. Russell estudou Filosofia na Universidade de Cambridge, tendo iniciado os estudos em 1890. Tornou-se membro do Trinity College em 1908. Pacifista, recusou alistar-se durante a Primeira Guerra Mundial, perdeu a cátedra do Trinity College e esteve preso durante seis meses. Nesse perı́odo, escreveu sua magnı́fica obra “Introdução à Filosofia da Matemática”. 4 Sumário 1 O QUE É DEUS ? 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . 1.2 Deus Pode Mentir, Pode ser Desonesto 1.3 Deus e o Mal . . . . . . . . . . . . . . 1.3.1 “Deus” e o demônio podem ser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . uma mesma 2 O ACARAJÉ DE JESUS 2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.2 Jesus não liberta, Jesus Aprisiona . . . . . . . 2.3 A imitação é um atentado contra a Natureza 2.3.1 Não é certo querer ser igual a Jesus . 2.4 Desconstruindo o ı́dolo Jesus . . . . . . . . . 2.4.1 Jesus, um mestre iluminado? . . . . . 2.4.2 Entendo que ninguém é “especial” aos 2.5 Engenharia Teológica . . . . . . . . . . . . . . 2.5.1 Astutos até à santidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . entidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . olhos de . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Deus . . . . . . . . . 7 7 9 12 15 23 23 24 28 31 36 51 56 60 60 3 O CAXIRI DO PADRE 65 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 3.2 Uma proposta de ecumenismo universal . . . . . . . . . . . . 67 3.3 A mente é a verdadeira natureza das coisas . . . . . . . . . . 73 3.3.1 A visão dos animais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 3.3.2 A visão dos microscópios . . . . . . . . . . . . . . . . 74 3.3.3 Deus visto sob as lentes de um potente “microscópio” 75 3.3.4 A diversidade de Deuses . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 3.3.5 Diálogo entre Einstein e Tagore . . . . . . . . . . . . . 81 3.4 A equação divina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 3.5 Deus e o homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 3.6 O Universo está em expansão exceto . . . . . . . . . . . . . . . 92 3.6.1 Fósseis vivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 5 6 4 O TEOREMA DE RUSSEL 4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.2 O Teorema de Russel visto da perspectiva bı́blica 4.3 Limpando Deus das incrustações parasitárias . . . . 4.3.1 Análise do teorema de Russel . . . . . . . . . 4.3.2 Uno, o Deus de Plotino . . . . . . . . . . . . 4.4 Uma Concepção Cientı́fica de Deus . . . . . . . . . . 4.5 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.5.1 A concepção divina de Jesus e o Vazio . . . . 4.5.2 Deus, um decalque no Absoluto . . . . . . . . 4.5.3 Deuses piratas . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.6 Da Unicidade do Vazio-Absoluto . . . . . . . . . . . 4.6.1 Identificando o Vazio com o Absoluto . . . .  Apêndice: José Saramago . . . . . . . . . . . . . . . . .  Apêndice: Identificando o Vazio com o Absoluto . . . . . 5 IMPOSTURAS ESPIRITUAIS 5.1 Imposturas Intelectuais . . . . 5.2 Imposturas Espirituais . . . . . 5.3 Uma Exegese de Nossa Odisséia 5.4 O Alquimista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Gnóstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 115 120 123 124 125 127 131 133 135 140 141 143 146 150 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 . 155 . 156 . 164 . 180 Capı́tulo 1 O QUE É DEUS ? Convicções são prisões, um espı́rito que queira realizar belas obras, que também queira os meios necessários, tem de ser cético. Estar livre de toda forma de crença pertence à força, ao poder de ver sem algemas. 1.1 (Nietzsche) Introdução Julgo não haver pergunta mais importante para a humanidade hodierna que esta: O QUE É DEUS ? A importância desta pergunta∗ − mais do que qualquer outra − se dá pelo fato de que diz respeito diretamente à vida de bilhões de seres humanos na face do planeta. Uma outra questão relacionada a esta que eu gostaria de levantar: se acaso alguém − ou alguma religião − adotar uma forma equivocada, possivelmente até perniciosa, de se relacionar com Deus o leitor acha que Deus estará preocupado em desfazer o equı́voco? Na África existe uma tribo que adora a divindade na figura de um crocodilo, chegam até a mutilar o próprio corpo para parecerem com o seu Deus, o crocodilo. Na Índia um grupo também mutila o corpo como uma forma de adoração à divindade. Daqui − e de inúmeros outros possı́veis exemplos − concluimos que se pode adorar a Deus de uma forma extremamente nociva sem que Ele esteja preocupado em desfazer o equı́voco. Por oportuno, a Igreja Católica em nome de Deus exterminou milhares de seres humanos utilizando-se das torturas, fogueiras e Cruzadas − Deus não impediu nada disto. ∗ Doravante a chamaremos de “a quest~ ao fundamental”: O QUE É DEUS ? 7 8 É Neste contexto que vejo a importância de se tentar responder a quest~ ao fundamental. Existem, como se sabe, centenas − possivelmente milhares − de respostas a esta pergunta, numa rápida pesquisa constatei as seguintes: Bahai Hinduı́smo Budismo Jainismo Confucionismo Sufismo Deus Taoı́smo Xintoı́smo Tenrikyo Judaı́smo Islamismo Cristianismo Hare Krishna .. . Com certeza essa lista ainda poderia ser ampliada significativamente, por exemplo, deixamos de fora dezenas de religiões africanas. Sem mencionar as centenas de Deuses que hoje encontram-se soterrados nas ruinas do tempo. O leitor, em algum momento de sua vida, já parou para se perguntar se não estaria sendo vı́tima de uma ilusão, de um embuste, dentro de sua própria religião? Um fenômeno religioso interessante é que cada um acredita estar com a verdade e “o outro” com o erro. Dentre estas dezenas, centenas, de concepções de Deus existem muitas que se contradizem entre si, então é óbvio que nem todas podem estar corretas, ou ainda, que muitos vivem numa ilusão, cultuam uma quimera − uma fantasia construida pela mente dos sacerdotes. A quest~ ao fundamental esteve presente em minha mente durante muito tempo, tornou-se quase uma obsessão para mim a investigação do que possa vir a ser isto que chamam de Deus. E por que esta questão tornou-se fundamental para mim? Dentre muitas razões uma delas é que eu poderia passar toda a minha vida no papel de tolo, 9 Gentil adorando um falso Deus, que a tradição me ensinou como sendo o verdadeiro, e se não fosse? Eu estaria certamente correndo o risco de desperdiçar grande parte da minha vida adorando uma ilusão, adorando um ı́dolo fabricado “pelos meus antepassados ”. Uma outra razão, talvez a mais importante, é que me causa dó ver milhares de seres humanos, cegos, vı́timas dos embustes religiosos de pastores e sacerdotes. Entre um primitivo que traja uma pele de crocodilo para cultuar sua divindade e um cardeal que veste-se com uma batina de cor púrpura e de seda − ou um pastor que traja paletó e gravata − para cultuar a sua que garantias podemos ter de que o relacionamento (concepção) do padre seja superior ao do ı́ndio? A batina de púrpura deles deveria designar o amor ardente a Deus, mas agora, significa a cupidez do dı́zimo. (Erasmo de Rotterdam (1466-1536)) Haveria alguma prova irrefutável a este respeito? Creio que não, tudo trata-se de crenças − como estaremos argumentando ao longo deste livro. Entre qualquer finito e o infinito (Absoluto) a distância é sempre infinita, é precisamente nesse contexto que a liturgia do padre e do pastor se igualam à do primitivo. Talvez não constitua exagero afirmar que seja mais fácil apontar incongruências na concepção do padre que na do primitivo − como estaremos mostrando em momento oportuno. Claro, poderia-se refutar: Deus não é uma questão de provas mas de fé, de sentimento. Respondo que todos os selvagens têm fé e sentimento no que acreditam ser Deus. Em minhas pesquisas sobre a quest~ ao fundamental descobri alguns fatos, como poderia dizer, bizarros, extravagantes, como por exemplo 1.2 Deus Pode Mentir, Pode ser Desonesto Estas duas afirmações óbviamente se referem ao que muitos entendem e cultuam como Deus, não excetuando o Deus cristão. Estarei me esforçando para provar minha tese, para começar farei uma “acareação” entre dois Deuses e provarei que um dos dois está mentindo. Inicialmente vou apresentar-lhes uma religião japonesa e monoteı́sta, surgida em 26 de Outubro de 1838 por nome Tenrikyo. Essa religião hoje está difundida por todo o Japão e por diversos outros paı́ses, e possui um número de seguidores estimado em 2 milhões. No Brasil iniciou-se em 1929, a sede desta Igreja encontra-se na cidade de Bauru, no interior de São Paulo. O Deus adorado pelos seguidores da Tenrikyo chama-se Deus-Parens.† † Comparando-se com o amor entre pais e filhos dos seres humanos − Parens do latim, que significa tanto pai como mãe. 10 Foi em minhas pesquisas que me deparei com o Deus-Parens da Tenrikyo. Os biólogos, em pesquisas genéticas, se utilizam da mosca-das-frutas como modelo, dentre outras razões por seu reduzido número de genes (15 mil). De modo análogo, achei Deus-Parens um excelente modelo para o estudo do fenômeno religioso, inclusive como contribuição para a pesquisa do que seja isto que todos chamam de Deus − por ser um Deus (fenômeno) relativamente novo comparado a outros. A religião Tenrikyo revelou-se um excelente modelo para o estudo do fenômeno religioso. É, como o cristianismo, uma religião revelada. Assim como Jesus recebeu o “Espı́rito de Deus-Pai ”, a senhora Miki Nakaiama recebeu o “Espı́rito de Deus-Parens”; assim como o cristianismo conta com uma Bı́blia a Tenrikyo conta com uma Bı́blia (Escritura) por nome Ofudessaki † , assim como Jesus realizou milagres a Sra Miki também: [. . .] E começou a aparecer nas vizinhanças, quem se aproximasse adorando-a como uma deusa viva. Ensinou-lhes, então, que a origem das doenças está no próprio espı́rito e realizou inúmeras curas extraordinárias. Mesmo as doenças tidas como incuráveis não eram diante dela. Os cegos adquiriram prontamente a visão e os loucos, a clara lucidez. (Doutrina de Tenrikyo, p. 49) De sorte que esta religião me foi como um achado primoroso para o estudo do fenômeno religioso e para minha pesquisa sobre O QUE É DEUS. Voltando à minha tese de que Deus pode mentir e, por conseguinte ser desonesto, vou cotejar dois Deuses. O Deus de judeus e cristãos diz: “Porventura não sou eu, o Senhor? E não há outro Deus senão eu ” (Is 45:21) Por outro lado, o Deus da Tenrikyo retruca: Eu sou o Deus original, o Deus verdadeiro. Nesta casa há uma predestinação. Desta vez, revelei-me neste mundo para salvar a humanidade, Desejo ter Miki como meu Sacrário. (Doutrina de Tenrikyo, p. 3) Do exposto, minha conclusão é a de que ou o Deus dos cristãos está mentindo ou o Deus dos “parentes ” está mentindo − ou ambos −, e, por conseguinte, ou os cristãos estão sendo enganados ou os parentes estão sendo enganados, não vejo outra alternativa. Nota: Não sei como são chamados os adoradores do Deus-Parens, para facilitar a comunicação decidi chamá-los por esse nome. Aqui existem duas alternativas que podem ser seguidas pelos membros destas religiões: Ou tentarão conciliar (harmonizar) os dois Deuses − por exemplo dizendo-nos que o mesmo Deus manifestou-se em épocas distintas † Ponta do Pincel ou Escritura Divina. 11 Gentil − ou cada um considerará o seu próprio Deus como sendo o verdadeiro e o da outra o falso. Quanto à tentiva de conciliação, o Deus-Parens mantém-se irredutı́vel, revelou-se a este mundo pela primeira vez através da senhora Miki Nakaiama. (Vida de Oyassama, p. 130) No máximo Deus-Parens considera os Deuses anteriores como seus subalternos, veja∗ : O Deus real e verdadeiro deste mundo sou Eu, Tsukihi. Todos os demais são meus instrumentos. (Ofudessaki, VI-50) Deus-Parens faz questão de enfatizar que embora Ele seja o Deus verdadeiro, que criou o homem e o mundo e por quem todos são vivificados, não é nenhum dos deuses tradicionais das preces, exorcismos e evocações. (Doutrina de Tenrikyo, p. 11) Sendo assim fica excluida a possibilidade de que o Deus de judeus e cristãos (Jeová) e o Deus dos parentes (Parens) seja o mesmo Deus. Conclusão: um dos dois está mentindo − Ou ambos. Resta a outra alternativa: Os cristãos diriam que o seu Deus é o verdadeiro e os parentes diriam que o seu é que é o verdadeiro Deus. Antes de mais nada no momento não estou propriamente interessado em discutir qual o verdadeiro Deus − esta questão nos levaria muito longe e nos desviaria do principal − estou interessado em estudar o fenômeno religioso em si, isto é, como surge e se propaga uma religião, é isto o que me interessa. Observe-se que existem milhões de seguidores em ambas as religiões, e, de mais a mais, é óbvio que as conclusões a respeito destes dois microuniversos podem ser estendidas a outras religiões, isso é o que me interessa de momento. Por outro lado, e não menos importante, como Deus-Parens veio para “salvar a humanidade” e como ele se auto proclama o único Deus verdadeiro, sua religião já nasce com o estigma da intolerância, do fanatismo, uma vez que eles se acham na obrigação de converter toda a humanidade. O que foi dito desta religião se aplica igualmente a todas as outras. Resumindo: Um dos primeiros resultados de minha pesquisa sobre a quest~ ao fundamental é este: Que Deus pode ser mentiroso, que uma religião pode ser fundada sobre uma mentira. Insistindo, para os que porventura ainda não compreenderam: assim como a religião Tenrikyo foi fundada por um espı́rito suspeito, desejoso de ser adorado como um Deus (como de fato aconteceu), de igual modo a religião judia − e por extensão a cristã − foi fundada por um outro espı́rito, também suspeito, não confiável, proclamando-se Deus, neste caso Jeová. ∗ Tsukihi, é uma outra denominação do Deus-Parens. Significa Lua-Sol. 12 Ou então, deveremos concluir que podem existir tantos deuses quantos forem os tolos dispostos a acreditar em suas promessas de salvação e bemaventuranças. Igualzinho ao que ocorre com respeito às inúmeras igrejas evangélicas; digo, qualquer um pode tornar-se um “pastor ”, desde que existam tolos em número suficiente para dár-lhes crédito. Como diz o ditado: Assim como embaixo, também encima. 1.3 Deus e o Mal Eu formo a luz e crio as trevas; eu faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas. (Is 45 : 7) Outro resultado surpreendente de minha pesquisa é a proximidade (conúbio) entre Deus e o mal. No que concerne ao mal descobri que Deus é capaz de certas práticas que nem todo ser humano o seria, ou ainda, que muitos seres humanos reprovariam. Não creio que todo ser humano seja capaz de matar seu animal de estimação caso este lhe desobedeça, Deus fez bem mais e pior que isto: Então certamente ferirás ao fio da espada os moradores daquela cidade, destruindo ao fio da espada a ela e a tudo que nela houver, até os animais. (Dt 13 : 6 − 10, 15) O livro “Vida de Oyassama”∗ relata como a Sra Miki Nakaiama veio a tornar-se Sacrário (“hospedeira” ) de Deus-Parens; dadas as circunstâncias da ocasião, inclusive casa, marido e filhos pequenos para cuidar, a proposta de Deus-Parens foi inicialmente rejeitada por todos os familiares. DeusParens negou-se terminantemente a aceitar a recusa, tentou impor a sua vontade de diversos modos, inclusive adoecendo membros da famı́lia da Sra Miki e ameaçando destruir a residência da famı́lia: Deveis agir de acordo com a intenção de Deus original. Aceitai o que Eu, Deus, vos digo. Se ouvirdes, Eu a farei salvar todos os povos do mundo. Se recusardes, farei com que não sobre nem o pó desta casa. (Vida de Oyassama, p. 6) Diante de uma proposta tão “solı́cita” destas a famı́lia não teve outra alternativa que não render-se aos apelos de Deus-Parens. Independente de qualquer outra coisa observe em que bases uma religião − que está difundida por todo o Japão e por diversos outros paı́ses, inclusive o Brasil, enfatizo − pode ser fundada. ∗ Que significa Nossa Mãe. Oya é um prefixo que designa pai e mãe, indistintamente; Sama é um sufixo honorı́fico. 13 Gentil Minha análise da conjuntura Tocar-se-á a buzina na cidade, e o povo não estremecerá? Sucederá qual- quer mal à cidade, e o Senhor não terá feito? (Am 3 : 6) O que é Deus? Segundo a concepção vigente do que seja Deus, a lógica nos permite concluir que das duas uma: Ou Deus é responsável diretamente pelos males do mundo ou indiretamente, já que nada acontece sem o seu consentimento, ou concurso. Disse anteriormente − pelas razões apresentadas − que ou o Deus Jeová ou o Deus Parens, ou ambos, são mentirosos. A minha tese é que ambos são mentirosos. Ou devemos refinar nosso conceito de Deus. Deus-Parens afirma: “Eu a farei salvar todos os povos do mundo”. Sinceramente não creio que a humanidade será salva por esse Deus − o leitor acredita? − e, por conseguinte, o tenho na conta de um megalomanı́aco mentiroso. Estive refletindo sobre a questão da “salvação da humanidade ”, da perspectiva colocada pelas religiões, e a minha conclusão é a de que trata-se de um engodo, farsa, falácia, embuste, sofisma. Esse, a salvação, é o principal instrumento de dominação das religiões. A esse respeito a estratégia das religiões é muito simples: Tu estás condenado e eu te ofereço a salvação! Espera aı́ ! quem disse que eu estou condenado? quem determinou que assim seja? No que me diz respeito, não me sinto condenado e, portanto, não preciso de nenhuma religião para me “salvar”. Creio que o homem precisa se salvar de uma única coisa: da ignorância e, por conseguinte, de todas as superstições, inclusive religiosas; isto é, precisa urgentemente se salvar das religiões e dos sacerdotes (padres e pastores, notadamente). Essa é a única salvação necessária em que creio. Vejamos uma analogia para que eu me faça melhor entender: Tudo se passa como se o espı́rito de um “deus-cirurgião-plástico” baixasse em uma cidade e proferisse: tem muita gente feia nesta cidade, vou tratar de “salválos”, se seguirem meus preceito$. Espera aı́, um momento! quem disse que feiúra é pecado? É ele, o cirurgião, quem está afirmando, é razoável eu acreditar nisto? Ocorre algo similar pelo lado das religiões. Ninguém está condenado por viver em um dado nı́vel de consciência. Uma criança não precisa ser “salva” por viver em seu próprio nı́vel. Um escolar não precisa ser “salvo” por estar no ensino primário. Um canibal não precisa ser “salvo” por refestelar-se com a carne do inimigo. 14 Enfatizo: não creio que Deus fará com que um canibal queime eternamente no fogo do inferno, mesmo se ele devorar o padre (ou o pastor) que tentar “salvá-lo” propondo-lhe aceitar “o sangue de Jesus”. Em todos os casos trata-se de nı́veis de consciência, ninguém está condenado ao inferno por isto. O que é necessário é um câmbio de consciência. Precisam ser “salvos” da ignorância e não do inferno. Neste contexto, muitos religiosos ainda precisam ser salvos uma vez que o fato de aceitar uma religião não torna ninguém sábio, muito pelo contrário. Que o estado de pecado no homem não é um facto, senão apenas a interpretação de um fato, a saber: de um mal-estar fisiológico, considerado sob o ponto de vista moral e religioso. O sentir-se alguém “culpado” e “pecador”, não prova que na realidade o esteja, como sentir-se alguém bem não prova que na realidade esteja bem. Recordem-se os famosos processos de bruxaria; naquela época os juı́zes mais humanos acreditavam que havia culpabilidade; as bruxas também acreditavam; contudo, a culpabilidade não existia. (Nietzsche/A Genealogia da Moral) Eu creio em mestres, não em salvadores. Jesus morreu há dois mil anos para “salvar” a humanidade, dizem-nos padres e pastores; acontece que observando à minha volta não vejo que os homens tenham melhorado por causa disto, inclusive ovelhas e pastores; acompanho pela televisão, revistas e internet e tenho constatado com sobejos exemplos que o sangue de Jesus não contribuiu com a salvação nem dos próprios padres e pastores; minto, contribuiu com a “salvação material” uma vez que eles sustentam a si próprios − e a toda uma hierarquia parasita − vendendo o sangue de Jesus, isto é, “a salvação”. Perceberam a falácia, o embuste das Religiões? Com a proposta da “Salvação” e a ameaça do inferno elas mantém milhões de almas prisioneiras dos seus ardis. Esta é precisamente a razão de suas existências. Não existem messias (. . .) Se esperarmos um messias, ficaremos esperando; se reagirmos aos desafios do presente e do futuro como agentes morais responsáveis, como aspirantes a cidadãos peregrinos, estaremos agindo. Quando agimos, um processo cumulativo se desdobra, lı́deres emergem e novos horizontes de aspiração realista se apresentam. (Richard Falk, Explorations at the Edge of time/“Explorações à Margem do Tempo”) Há muito tempo a pedagogia aboliu a palmatória nas escolas como um método contraproducente, a ameaça de castigos e torturas psicológicas não entraria em nenhum manual moderno de psicopedagogia . . . é assaz impressionante como todos vêm isto com a maior naturalidade quando praticado pelas igrejas. Muitos pais não aceitariam que seus filhos fossem torturados nas escolas, mas aceitam de bom grado que o sejam nas igrejas − isto me parece um comportamento incongruente, irracional. 15 Gentil Encontrei em um pequeno livro∗ católico um bom exemplo para ilustrar a que me refiro, o comentarista afirma: Noutro dia, fui dar uma aulinha de catequese às crianças da primeira Eucaristia. Num dado momento eu falei sobre o pecado e de como Deus filma cada ato, cada pensamento, cada mentira que se dá para a mamãe. Neste momento um menino me interrompeu e, dando um profundo suspiro disse com os olhinhos arregalados, como pego em falta: Meu Deus! Então é assim!. . . E realmente é assim! [. . .] E vai para lá expiar suas faltas, não forçada, mesmo que as dores do Purgatório sejam equivalentes às do inferno, com a diferença que este é eterno e aquele um dia acaba. (p. 47) Veja que a pedagogia deste “instrutor”, deste asno de catequese, é a do terror − se confirma isto em várias outras passagens do livro −, desde cedo as crianças são ensinadas a verem Deus como um carrasco, como um demônio. Depois ainda se pergunta por que existem ateus. Já disse em outras ocasiões e volto a repetir: tenho quatro filhos nunca os levei a uma religião. Não os quero antolhados como cavalos. Retomando, ainda com respeito à analogia do “deus-cirurgião-plástico” podemos lograr mais um precioso aprendizado. De fato, o “deus-mı́dia” levanta, dentre estrelas e celebridades, alguns padrões de beleza e muitos súditos se esforçam por atingı́-los movimentando assim toda uma roda financeira arquimilionária; de igual modo se dá pelo lado das religiões, elas levantam ı́dolos − tais como, Jesus, Virgem Maria, Santo este, Santo aquele − e as coitadas das cegas ovelhas movimentam quantias bilionárias e dão sustentação a todas estas instituições parasitárias, vampiras. Ainda tem mais, assim como vez ou outra vemos muitos mutilados (deformados) fı́sicamente, vı́timas de cirurgiões incompetentes, de modo perfeitamente similar se dá pelo lado das religiões: muitos são mutilados na alma e no espı́rito, vı́timas de lobos sanguinários − Como exemplo de mutilação da alma citamos a cegueira, a alienação e o fanatismo que são os frutos das religiões atuais. 1.3.1 “Deus” e o demônio podem ser uma mesma entidade Eu formo a luz e crio as trevas; eu faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas. (Is 45 : 7) Assim eu peço à Deus que me livre de Deus. (Mestre Eckhart) Martinho Lutero ao defrontar-se com a corrupção do Clero de sua época e após várias experiências com o demo chegou a cogitar de que este e Deus poderiam tratar-se de uma mesma entidade. A frase em epı́grafe, de mestre ∗ O livro da vida, Glória Polo com comentários de Arnaldo Haas. 16 Eckhart, pode apontar nesta direção: Eu peço a Deus (o verdadeiro) que me livre de Deus (da Igreja), o demo. De fato, em muitas manifestações creio que o demo e “Deus” podem tratar-se de uma mesma entidade. Por oportuno, não foi Jesus que nos alertou de que esta entidade malévola pode se transvestir de um Anjo de Luz? Essa minha conclusão veio a ser reforçada quando tomei conhecimento pela internet de uma outra religião japonesa por nome Sukyo Mahikari. A sede mundial desta entidade localiza-se em Takayama, no Japão. Existem sedes regionais na América Latina, América do Norte, Austrália, Singapura, Europa e África. Existem centros da Sukyo Mahikari em mais de 75 paı́ses. Esta organização foi fundada por Kotama Okada a 28 de Agosto de 1959, após ter recebido uma revelação de Deus Criador − Segundo ele próprio. Pois bem, li as denúncias de dois ex-membros desta instituição e fiquei pasmo, estupefato; por um lado de como existem pessoas diabólicas à frente das religiões − nas igrejas evangélicas vemos muito disto − e por outro lado pessoas obtusas ao ponto de se deixarem enganar, o que me fez recordar de uma sutil observação de um eminente filósofo, diz ele: Pois o mundo constitui o inferno, e os homens formam em parte os atormentados, e noutra, os demônios. (Schopenhauer/Parerga e Paraliponema) Schopenhauer dividiu o mundo nestas duas classes, eu poderia dividı́-lo em outras duas: Pois o mundo constitui um aprisco, e os homens formam em parte as ovelhas, e noutra, os lobos tosquiadores. (Paráfrase) De meus estudos e reflexões não tenho dúvidas de que uma grande parcela da humanidade precisa ser salva: precisamente a que se encontra dentro das religiões; esta sim precisa urgentemente ser liberta − não os que estão fora. Porque surgirão falsos cristos e fal- Mais ai de vós, padres, pastores e sos profetas, e farão tão grandes sinais “mestres”, hipócritas! Pois que fechais e prodı́gios que, se possı́vel fora, enga- aos homens o reino dos céus; e nem vós nariam até os escolhidos. entrais, nem deixais entrar aos que estão entrando. (Mt 23 : 13/Paráfrase) Existe uma passagem no livro do Apocalipse que desde há muito tem me despertado algumas reflexões, julgo que esta passagem esconde ensinamentos jamais suspeitos pelo homem, ei-la: Gentil 17 Aconteceu então uma batalha no céu: Miguel e seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão batalhou juntamente com os seus Anjos, mas foi derrotado, e no céu não houve mais lugar para eles. Esse grande Dragão é a antiga serpente, é o chamado Diabo ou Satanás. É aquele que seduz todos os habitantes da terra. O Dragão foi expulso para a terra, e os Anjos do Dragão foram expulsos com ele. (Ap 12 : 7 − 9) Pelo ao menos a mim aqui está claro que “O Dragão foi expulso para a terra, e os Anjos do Dragão foram expulsos com ele.” A minha tese é a de que chegando aqui os demônios utilizaram as religiões para exercerem domı́nio sobre os homens. Todavia, devo admitir que esta tese não chega a ser tão original quanto poderia parecer à primeira vista, observe: Uma história antiga. . . Um jovem diabo vem correndo até seu chefe. Ele está tremendo e diz ao velho diabo: “Algo deve ser feito imediatamente, porque na Terra um homem encontrou a verdade! E uma vez que as pessoas conheçam a verdade, o que vai ser de nossa profissão?” O velho diabo riu e disse: “Sente-se, descanse e não se preocupe. Tudo está sob controle. Nossa gente já está lá”. Mas o jovem disse: “Estou voltando de lá e não vi nenhum diabo”. O velho respondeu: “Os sacerdotes são minha gente. Eles já cercaram o homem que encontrou a verdade. Agora se tornarão os intermediários entre o homem da verdade e as massas. Vão erguer templos, vão escrever escrituras, vão interpretar e distorcer tudo. Pedirão ao povo que adorem e rezem. E em toda essa confusão a verdade será perdida. Esse é meu velho método, sempre deu certo”. ([3], p. 71) Em minhas pesquisas sobre a quest~ ao fundamental (O que é Deus?) o Deus-Parens foi um primoroso achado, me trouxe uma nova luz sobre essa questão, me abriu uma nova dimensão. Pelo que pude inferir trata-se de uma entidade, digo, de um demônio, fazendo-se passar por Deus, fundou uma religião e é adorado por milhões de pessoas como um Deus verdadeiro: Eu sou o Deus original, o Deus verdadeiro. [. . .] revelei-me neste mundo para salvar a humanidade. Explico melhor: Já disse em outra ocasião que a realidade não é unı́voca, sempre pode ser interpretada de várias perspectivas, tudo se passa como na seguinte ilusão de ótica: 18 Na figura da esquerda se olharmos de uma certa perspectiva veremos uma bela jovem e de uma outra perspectiva veremos uma velha bruxa. Por oportuno, as religiões são especialistas nestas “ilusões de ótica”, elas fazem com que as pessoas enxerguem apenas a “bela jovem” e, pela lavagem cerebral, impedem que as pessoas detectem a “velha bruxa”. Vejamos o caso da Tenrikyo, ela faz com que as pessoas vejam apenas o “lado belo” do DeusParens: “salvação da humanidade ”, “revelação de mistérios ”, “amar a humanidade ”, “todos os seres humanos são irmãos, criação do nosso Deus ”, etc., e, ademais, toda uma sorte de rituais. Escondem a “velha bruxa” em seu Deus, que é o engodo, a farsa, o embuste, etc. Lembrem-se de como o culto a este Deus surgiu − pela força, pela imposição. Em várias passagens de suas Escrituras Deus-Parens promete cumular seus filhos de bem-aventurança e sabedoria, revelando-lhes “grandes mistérios”, por exemplo: Mostrarei uma realização tão extraordinária quanto ao princı́pio da criação deste mundo. (Of. VI −7) Ou ainda: Originalmente, este mundo foi um mar de lama. Tsukihi ou DeusParens, julgando insı́pida essa condição caótica, teve a idéia de criar os homens e compartilhar da sua alegria, vendo-os viverem felizes, plenos de júbilo. (Doutrina de Tenrikyo, p. 26) Pergunto: se esse é o desejo de Deus, e ele sendo de fato Deus, o que o impede de conseguir seu objetivo maior, relativamente ao homem? Se Deus quer de fato “salvar a humanidade” o que o impede? Claro, todas as religiões jogam a culpa no próprio homem. Ora, se o homem tem a capacidade de frustrar Deus em seus planos então teremos que convir que Deus não é “Todo-Poderoso”, não neste aspecto, pelo ao menos. Em várias partes, como já disse, Deus-Parens revelará “mistérios e sabedoria” extraordinários aos parentes. Perdoem-me a franqueza, muita verborréia, muita bravata; dificilmente a ciência poderia esperar beneficiar-se com a revelação destes “extraordinários mistérios”, observe como deu-se a criação dos homens: 19 Gentil [. . .] Em seguida, chamou um golfinho do noroeste e uma tartaruga do sudeste. Obtendo consentimento, tomou-os também para si, comeu-os para provar os seus sabores espirituais e, discernindo as suas respectivas qualidades, decidiu fazer uso do primeiro como o órgão genital masculino e a estrutura óssea com a função de suportar o corpo, e da segunda como o órgão genital feminino e a pele com a função conexadora. Colocou-os respectivamente no corpo do sirênio e da cobra branca, os quais foram, então, determinados como os protótipos de homem e mulher. (Doutrina de Tenrikyo, p. 27) É a isso a que me refiro (e muito mais): embuste e alienação, é esta a face da “velha bruxa” que os mı́opes não enxergam − porque seus lı́deres volvem suas cabeças na outra direção. São antolhados como cavalos. O que me fez propriamente desconfiar deste Deus foi sua ênfase excessiva na “salvação da humanidade”. Se ele fosse Deus mesmo teria lembrado de que já enviou seu Filho com este mesmo propósito . . . ou não? Independente de quem seja o verdadeiro salvador, acontece que dois mil anos depois, meus olhos não vêm que a humanidade tenha sido salva, pelo contrário, em muitos aspectos, cada vez pior. O outro “salvador”, pelo que me consta, não salvou nem os do seu próprio redil; é suficiente olhar a história pregressa do cristianismo, é suficiente passar uma ligeira vista nos cristãos hodiernos. Não creio na “salvação da humanidade”, meu raciocı́nio, secundado pelo que meus olhos me mostram, me diz que a “salvação” é individual e trata-se de salvar-se da ignorância, esta é a verdadeira trevas. A propósito, um dos métodos de ensino do zen budismo é a “terapia de choque” ilustrada no seguinte diálogo: Discı́pulo: Qual é o caminho para a libertação? Mestre: Quem está te acorrentando? Discı́pulo: Ninguém está me acorrentando. Mestre: Então, por que queres ser libertado? Adaptando essa iluminada parábola para o nosso contexto cristão, temos: Discı́pulo: Qual é o caminho para a salvação? Mestre: Quem te disse que estás condenado? Discı́pulo: Os padres, os pastores, as igrejas. Mestre: Então, te livra dos padres dos pastores e das igrejas. Resumindo é isto: pela mente nos tornamos prisioneiros e pela mente também podemos nos tornar livres, simples não? 20 Quanto à minha tese − a de que um demônio pode muito bem fundar uma religião − pode-se levantar algumas questões: 1a ) E Deus mesmo (o verdadeiro) como pode permitir isto? Como pode permitir que milhões de pessoas sejam enganadas a vida inteira por demônios? 2a ) Como estas entidades poderiam estar por trás das religiões manipulando as pessoas se, não raro, as igrejas só falam de amor ao próximo, de salvação, de caridade, de felicidade, de paz, etc., etc.? Para responder a estas perguntas basta volvermos, ao menos por um instante, o olhar “dos céus” (do paraı́so) de volta à terra. Com efeito, aqui mesmo na terra existem homens que se dizem Deus e são adorados por milhões como se de fato o fossem − Deus permite isto. Os pastores e padres das igrejas não falam de outra coisa que não salvação, amor, paz, bem-aventuraça, etc. Prestem atenção na vida de muitos deles. Veja a história pregressa da Igreja: Cruzadas, torturas, fogueiras, Santa Inquisição, etc. Numa mão a Bı́blia e na outra a espada. Outro dia assisti pela televisão um documentário de um destes lı́deres que não apenas dizia-se Deus como era adorado como tal. Um mı́stico argentino que vivia em uma grande comunidade (Arsham) com seus seguidores. O fato de ele ter sido envolvido em um escândalo de pedofilia, ter passado um ano atrás das grades, não mudou em nada a veneração por parte de seus súditos. Eles justificavam-se dizendo que seu Deus fora vı́tima de calúnias, era o demônio tentando desestabilizar a obra deles. Já se disse que a inteligência humana tem limites, a estupidez não. Ademais, se Deus não impediu que surgisse um Hitler, e muitos outros ditadores sanguinários (demônios), o que mais não se poderia esperar? Talvez não tenha sido sem razão que Confúcio, dirigindo-se a seus discı́pulos, disse-lhes: “Mostrem respeito pelos deuses, mas mantenha-os à distância.” O que foi dito do Deus-Parens e a sua face oculta de velha bruxa aplica-se igualmente a outros Deuses, como o de judeus e cristãos, o Deus Jeová. É que as religiões nos antolham como a cavalos e só nos fazem ver o lado da bela “jovem” e “esquecem” de nos mostrar a face da velha bruxa: E com pedras o apedrejarás, Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu até que morra, pois te procurou apartar do Senhor, teu Deus. Filho unigênito, para que todo Eu formo a luz e crio as aquele que nele crê não pereça, trevas; eu faço a paz e crio o mas tenha a vida eterna. mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas. (Dt 13 : 10, Is 45 : 7) 21 Gentil Por exemplo: crianças esquálidas e moribundas morrendo de fome e peste em várias partes do mundo, dois mil anos de crimes em nome de Deus∗ , Hitler, a escravidão, torturas e fogueiras, tsunamis, terremotos, um leão trucidando uma gazelinha, etc. etc. Pergunto ao distinto leitor: Se lhe fosse dado projetar um mundo (“Arquiteto do Universo”, “Designer Inteligente ”), você o projetaria de tal modo que seu cão de estimação se alimentasse do seu gato de estimação? Sabedoria e loucura são qualidades baseadas em nosso julgamento. O mundo não está cheio de mil coisas que nos parecem loucas? As pessoas, em função das quais adoramos pensar que o mundo tenha sido criado, não são freqüêntemente insensatas e irracionais? Os maravilhosos animais, exaltados como obras de um Deus imutável, não se alteram continuamente e não terminam por destruir-se? (Paolo Rossi) Semideuses Ainda a respeito dos espı́ritos Jeová e Parens. Volvendo os olhos ao nosso pequeno planeta terra podemos aprender muito a respeito da “outra dimensão”, a espiritual. Alguns espı́ritos tanto encarnados (homens) quanto desencarnados têm o poder de criar “universos”, isto é fácil de constatar se nos voltarmos para as criações da ciência. Na matemática em particular seria muito fácil enumerar diversos universos (e teorias) criados pelos espı́ritos deste campo particular. Embora muitos destes universos criados sejam no campo puramente abstrato da matemática não é difı́cil constatar que existe uma simbiose (amálgama) entre abstração e realidade concreta. Por exemplo, toda a parafernália tecnológica atual, de que somos testemunhas, assenta-se em descobertas da fı́sica quântica e esta fundamenta-se na matemática abstrata. De repente, a eficácia do esforço matematizante é tal que o real se cristaliza nos eixos oferecidos pelo pensamento humano: novos fenômenos se produzem. Pois é possı́vel falar sem hesitação de uma criação dos fenômenos pelo homem. O elétron existia antes do homem do século XX. Mas, antes do homem do século XX, o elétron não cantava. Ora, ele canta nos computadores, televisores e celulares. (Gaston Bachelard/A formação do espı́rito cientı́fico, p. 305/Paráfrase) Os Espı́ritos, tanto dos homens quanto dos desencarnados, têm o poder de criar em todas as áreas: ciências, artes, literatura, religião, etc. Assim como o matemático, reitero, tem o poder de criar diversos universos (Geometrias, por exemplo) outros espı́ritos têm a capacidade de criar diversos universos religiosos − Religiões diversas. ∗ O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Fo Jacopo, 1955 - Rio de janeiro: Ediouro, 2007. Esse é o livro que sugiro ao leitor, uma das faces da “velha bruxa”. 22 Algumas caracterı́sticas ocorrem no que diz respeito às construções da ciência: 1a ) Podem servir também para escravizar e até para matar − O arsenal de armamentos, inclusive a bomba atômica, é um flagrante exemplo; 2a ) Muitas ao longo dos séculos são revistas ou caem no esquecimento por mostrarem-se inadequadas “aos novos tempos” − isto acontece até mesmo com teorias matemáticas; 3a ) Muitas destas construções posteriormente revelaram-se falsas, ou inadequadas. O que estou defendendo é que todas estas caracterı́sticas aplicam-se literalmente ao universo das construções espirituais. Agora vejam só, nas ciências existem critérios objetivos para se validar uma dada construção (criação) e, mesmo assim, em algumas áreas têm ocorrido fraudes, imposturas. Já pelo lado da espiritualidade a possibilidade de fraude é cem vezes maior já que não existem controles “externos”, qualquer um pode criar uma série de regras, “rituais”, e se habilitar a “salvar a humanidade”. Pelo lado da espiritulidade ainda tem um outro sério agravante: “A liberdade de expressão religiosa está protegida por lei ”. Tudo bem, acontece que os bandidos têm se valido desta prerrogativa para assaltar os pobres dos seres humanos ainda não chegados à idade da razão. E aı́ não deu outra: Muitos bandidos trocaram o revólver pela Bı́blia e assaltam tranquilamente sob a proteção da lei. A mais antiga escritura dos hindus, Os Vedas, estabelece rituais nos quais não somente animais devem ser sacrificados para satisfazer os deuses, mas até mesmo seres humanos devem ser sacrificados − para satisfazer um deus que ninguém jamais viu. Mas nenhum sábio daqueles dias levantou sua voz para dizer que isso é absolutamente ridı́culo, completamente irreligioso, não espiritual. Todos eles seguiram de mãos dadas com a sociedade, apoiando com seus escritos ou com sua própria forma de viver tudo aquilo que a sociedade acreditava. A sua única satisfação era a de ser cultuado − mas ser cultuado é um tremendo alimento para o ego. Se a sociedade queria que eles vivessem nus, eles viviam nus; se a sociedade queria que eles vivessem em completa pobreza, eles viviam em completa pobreza. Em suma, o velho sábio era exatamente o oposto do novo rebelde. O velho sábio era o ser obediente e reprimido, com o ego satisfeito. De acordo comigo, ele era doente − espiritualmente doente. (Osho/O Rebelde, p. 15) Nota: Apenas sugiro ao leitor trocar “velho sábio” por “velho santo”. Refiro-me aos santos obedientes e submissos à “Igreja de Deus”, Católica. Nota: Nos capı́tulos 3 e 4 estaremos retornando à análise da quest~ ao fundamental: O que é Deus? Capı́tulo 2 O ACARAJÉ DE JESUS Se se torna motivo de alienação, não necessitamos dela, pois a religião é como um remédio: se agrava o mal, torna-se desnecessária. 2.1 ( Bahá’ u’ lláh) Introdução A motivação (start) para eu redigir o presente capı́tulo foi um programa de televisão que assisti há poucos dias. Versava este programa sobre o sincretismo religioso na Bahia. Exibia a diversidade de manifestações religiosas encontradas somente na capital, Salvador. A cena que não consegui mais esquecer: Existiam muitas bancas de baianas vendendo acarajé em uma das praças de Salvador, uma delas, que ficava bem em frente a uma igreja evangélica, teve a “brilhante” idéia de encimar sua banca com uma faixa na qual se lia: “ACARAJÉ DE JESUS” O mais incrı́vel é que surtiu o efeito desejado, numa longa fila os crentes se acotovelavam para comprar o acarajé de Jesus. O repórter perguntou a uma irmã que se encontrava na fila por que ela não comprava o acarajé em uma outra banca já que tratava-se do mesmo bolinho, feito com os mesmos ingredientes. A irmã, exibindo uma certa empáfia, respondeu que a razão é que somente o “acarajé de Jesus ” era abençoado, ungido por Deus. Esta cena grotesca me desencadeou uma série de reflexões que resultaram no presente capı́tulo. Inicialmente concluimos que tudo o que leva o “rótulo” de Jesus serve como motivo de discriminação. Da mesma forma como eles discriminam um acarajé, por não ser de Jesus, discriminam um ser humano que não partilhe de suas crenças. Segundo, reflita caro leitor no que as igrejas são capazes de transformar um ser humano: em um perfeito idiota! Já foi enfatizado que a inteligência humana é limitada, a estupidez, pelo contrário, não tem limites, aı́ está a prova: limpı́da, cristalina e irrefutável! 23 24 2.2 Jesus não liberta, Jesus Aprisiona Não apenas pela pungente cena descrita anteriormente, mas também por outras observações e reflexões, fui levado à indubitável conclusão de que Jesus não liberta, Jesus Aprisiona! Jesus não liberta, Jesus Aprisiona! Jesus não liberta, Jesus Aprisiona! De fato, qualquer um que pare para observar e refletir sobre o comportamento fanático e alienado de crentes − e boa parte de católicos − chegará à conclusão de que são robôs ambulantes, hipnotizados pelos seus lı́deres. Já pesquisei na internet sobre o fenômeno do sonambulismo, existem os que, enquanto dormem, falam ao celular, sobem escadas, digitam no computador e até dirigem carros. Esse é o nı́vel de consciência da maioria dos religiosos, perderam a capacidade de discernimento e reflexão. Eu poderia arrolar uma série de argumentos para provar que o Jesus de hoje∗ não liberta, ao contrário, aprisiona. Observe que essa não é uma hipótese, conjectura minha, mas sim a realidade que se encontra escancarada frente aos olhos de todo aquele que tem capacidade para enxergar. Reflita, mais uma vez, sobre a cena do acarajé de Jesus. As igrejas, ao venderem toda sorte de bugigangas em nome de Jesus: óleo ungido, pão ungido, dı́zimo, etc., etc. se constituiram em um covil de salteadores. Os bandidos trocaram o revólver pela Bı́blia Padres e pastores evangélicos deveriam montar uma faculdade de pósgradução para (pós)graduar os bandidos pés-de-chinelo, como o Fernandinho Beira-mar, por exemplo. De fato, vejam como os bandidos que trajam paletó e gravata (ou vestem batina) são muito mais inteligentes que aqueles que vendem os outros tipos de entorpecentes: assaltando com a Bı́blia, no lugar do antiquado revólver, eles não apenas estão a salvo de um par de algemas como ainda gozam da proteção das autoridades (in)competentes − ou coniventes. Se observarmos atentamente o comportamento de muitos crentes a conclusão é a de que eles foram drogados (hipnotizados). Eu mesmo já presenciei um culto no qual tive a oportunidade de constatar (“in loco”) que não é preciso ingerir nada para se ficar drogado. Por oportuno, esse fenômeno não é novo, a própria Bı́blia assinala esta possibilidade, vejam: ∗ Isto é, do que as igrejas fizeram com as “boas novas ” de Jesus. Gentil 25 Pasmai, e maravilhai-vos; cegai-vos e ficai cegos; bêbedos estão, mas não de vinho, andam cambaleando, mas não de bebida forte. Porque o Senhor derramou sobre vós um espı́rito de profundo sono, e fechou os vossos olhos, os pastores; e vendou as vossas cabeças, os padres. Pelo que toda visão vos é como as palavras dum livro selado que se dá ao que sabe ler, dizendo: Ora lê isto; e ele dirá: Não posso, porque está selado. Ou dá-se o livro ao que não sabe ler, dizendo: Ora lê isto; e ele responde: Não sei ler. Por isso o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas tem afastado para longe de mim o seu coração, e o seu temor para comigo consiste em mandamentos de homens, aprendidos de cor; portanto eis que continuarei a fazer uma obra maravilhosa com este povo, sim uma obra maravilhosa e um assombro; porque a sabedoria dos seus padres perecerá, e o entendimento dos seus pastores se esconderá. Ai dos que querem esconder profundamente o seu propósito do Senhor, e fazem as suas obras às escuras, e dizem: Quem nos vê? E quem nos conhece? (Is 29 : 9 − 15/Paráfrase) Essa cena de Isaı́as descreve com impressionante fidelidade as práticas religiosas das igrejas atuais. Por sinal, um outro pensador também atinou com uma relação existente entre estas práticas e as drogas, vejam: Não são só as drogas e o álcool − a chamada religião também tem servido como um ópio. Ela dopa as pessoas. E é claro que todas as religiões são contra as drogas, afinal elas atuam no mesmo mercado; lutam contra a concorrência. Se as pessoas usam ópio, elas podem não ser religiosas; podem não precisar ser religiosas. Já encontraram o ópio para que se incomodar com a religião? E o ópio é mais barato, exige menos envolvimento. Se as pessoas estão consumindo maconha, LSD e outras drogas mais sofisticadas, elas naturalmente não vão ser religiosas, pois a religião é uma droga muito primitiva. Por isso todas as religiões são contra as drogas. Não que elas sejam realmente contra as drogas. É que as drogas são concorrentes e, evidentemente, se as pessoas não tiverem acesso às drogas, elas fatalmente cairão nas armadilhas dos padres; não lhes restará outra saı́da. Essa é uma forma de monopólio, pois só haverá esse tipo de ópio no mercado e tudo o mais será considerado ilegal. [. . .] E existem diferentes combinações de ópio − Cristianismo, Hinduı́smo, Maometismo, Jainismo, Budismo −, que não passam de combinações diferentes. (Osho/Consciência, p. 27) 26 Certa feita eu lia um artigo da internet no qual o autor argumentava − dentro de determinado contexto − que de uma coisa ele tinha certeza: “nenhum cientista pode refutar uma experiência religiosa”. “Uma experiência que se tem com Deus, não pode ser contestada pela ciência”, argumentava ele. Após refletir um pouco, cheguei à conclusão de que não é bem assim. Veja bem, a experiência em si não pode ser negada, nisto estou de acordo; entretanto, a interpretação que se dá a ela esta sim pode ser contestada. É o que acontece em um sonho, por exemplo. Qualquer que seja a interpretação que se dê a um sonho, mesmo por quem sonhou, pode ser contestada. Reitero: uma coisa é uma experiência, outra bem distinta é a interpretação que se decida dar. Um contra-exemplo mais contundente: suponhamos, para efeitos didáticos, que um adolescente se masturbe pensando na atriz ou modelo de sua predileção; certamente ele chegará ao orgasmo, mas isto não significa que a musa inspiradora tenha alguma coisa a ver com sua experiência − a não ser o ter servido de inspiração. De igual modo podemos conjecturar que possa dár-se com muitas das práticas religiosas contemporâneas. A experiência (“orgasmo”) existe, não pode ser negada, agora que Deus tenha algo a ver com isso − a não ser o ter servido de inspiração −, isto podemos discutir. Quando assisto pela televisão certas experiências religiosas − frenesis, gritos e lamúrias − me pergunto se Deus tem algo a ver com tudo aquilo. A impressão que tenho é que os pastores se utilizam de determinados artifı́cios para anestesiar as incautas ovelhas daı́ que resulta no que a Bı́blia assinala: “Pasmai, e maravilhai-vos; cegai-vos e ficai cegos; bêbedos estão, mas não de vinho, andam cambaleando, mas não de bebida forte.” Quando leio alguma frase ou pensamento ou argumentação que me toca (sensibiliza) tenho a mania de divulgá-la em meus escritos; a pérola a seguir se aplica também aos pastores óbviamente: Enganar-se-ia uma pessoa meio a meio, se se presumisse uma falta de inteligência nos chefes do movimento cristão: − Ah! são astutos até à santidade os senhores padres da Igreja! o que lhes falta é outra coisa muito distinta. A natureza descuidou-se, esqueceu-se de os dotar, ao menos modestamente, de instintos convenientes e “limpos. . . ” Seja dito entre nós, não são nem sequer homens. . . se o islamismo despreza o cristianismo, tem mil razões para isso; o islamismo tem “homens” por condição primária. (Nietzsche) O filósofo Nietzsche (1844 - 1900) viveu no século XIX, há poucos dias assisti a uma missa pela televisão (Canção Nova) e tive a oportunidade de ver materializado frente a meus olhos o que foi dito acima: “são astutos até à santidade os senhores padres e pastores das igrejas!” 27 Gentil A tı́tulo de exemplo, deixa eu ralatar-lhes uma santa astúcia, uma verdadeira obra de “engenharia teológica”. Na missa o padre afirmava que as ovelhas não deveriam dar tanta importância aos pecados dos padres, o importante é que eles foram ungidos por Deus para zelarem pelo rebanho, que as ovelhas deviam obediência aos padres, não importando a conduta destes, por que assim o quiz Jesus. Quer dizer que um padre pode ser um beberrão, um fumante, um mentiroso, um molestador de crianças (pedófilo), etc. etc., . . . tudo bem. Ao que parece, os santos padres astutos fazem questão de que esta lorota seja assimilada pelas tolas ovelhas; com efeito, no pequeno livro católico mencionado no capı́tulo anterior (p. 15) lemos: Um apelo a todos, que vale também para mim, e vale para você leitor: tomemos o propósito de nunca mais criticar a qualquer padre! Eles são escolhidos por Deus, e claramente todo sacerdote é o espelho do povo, da comunidade. [. . .] Dos nossos pecados, o sacerdote cuida! Dos defeitos e pecados dos padres cuida Deus! (p. 30) Por “coincidência” foi isto o que o padre afirmou na missa: “Dos nossos pecados cuida Deus, dos pecados de vocês cuidamos nós, que somos as autoridades instituidas por Deus para perdoar pecados.” Neste pequeno discurso (existe muito mais) posso detectar várias “santas astúcias”; primeira, se um padre não presta a culpa é da comunidade, já que o sacerdote é um espelho desta; segunda, ao mesmo tempo que eles justificam suas fraquezas (sem-vergonhices) ainda reforçam a autoridade sobre as cegas ovelhas. Eles só esqueceram de uma coisa, de seguir o exemplo do apóstolo: E todo aquele que luta de tudo se abstém; eles o fazem para alcançar uma coroa corruptı́vel, nós, porém, uma incorruptı́vel. Pois eu assim corro, não como a coisa incerta; assim combato, não como batendo no ar. Antes, subjugo o meu corpo e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira ficar reprovado. (1 Co: 9 : 25 − 27) Por oportuno, no programa que assisti∗ presenciei uma outra destas “santas astúcias”. A repórter perguntou a um padre (ou bispo, ou monsenhor, não lembro o posto) o que ele achava de toda aquela diversidade cultural e religiosa. Ele respondeu que devemos ser tolerantes com as demais manifestações − vivemos em tempos de tolerância − e que aceitar ou não Jesus é uma escolha pessoal. Eu percebi astúcia na forma como ele se manifestou. De fato, eles são tolerantes “a contragosto”, fazer o quê? − Não podem mais torturar e queimar os “hereges” como em tempos idos . . . o jeito é tolerar! ∗ SBT Repórter, se não me falha a memória; o apresentador era o César Filho. 28 É de surpreender que tenha havido tão pouca oposição contra os abusos praticados a favor de interesses eclesiásticos. Uma das razões para isso parece ser a crença generalizada de que a religião, hoje em dia, é suave e tolerante e que as perseguições são coisas do passado. Esta é uma ilusão perigosa. Embora muitos lideres religiosos sejam, indubitavelmente, amigos verdadeiros da liberdade e da tolerância e, ainda, partidários comprovados da separação entre Igreja e o Estado, há, infelizmente, muitos outros que, se pudessem, se entregariam a perseguições e que, de fato, o fazem, quando podem. (Bertrand Russel/[1], p. 4) Nota: No próximo capı́tulo estaremos denunciando uma destas intolerâncias ainda em nossos dias. O fanatismo religioso está longe de ter sido extinto. Ademais, no momento em que ele afirmou que Jesus é uma escolha pessoal li nas entrelinhas que ele insinuava que apenas a igreja dele possuia o monopólio sobre Jesus. Jesus é exclusividade dos católicos, a igreja entende assim, embora eles astutamente procurem disfarçar o fanatismo. É por isso que tenho dito: você pode até encontrar pessoas cultas e inteligentes sentadas num banco de igreja “aprendendo” da boca de um padre ou pastor, entretanto, jamais se encontrará um sábio nestas condições. Inteligência e cultura é uma coisa, outra bem distinta é sabedoria. Nem sempre estas convergem em um mesmo sujeito, aliás raramente convergem. Eu considero um computador culto e inteligente, há os que derrotam até campeões mundiais de xadrez; por sinal os cientistas da computação criaram até a disciplina inteligência artificial, nunca ouvi falar que sequer tenham cogitado de criar a disciplina “sabedoria artificial ”. Parafraseando Nietzsche Enganar-se-ia uma pessoa meio a meio, se se presumisse uma falta de inteligência nos chefes do movimento cristão: − Ah! são astutos até à santidade os senhores padres e pastores das Igrejas! o que lhes falta é outra coisa muito distinta. A natureza descuidou-se, esqueceu-se de os dotar, ao menos modestamente, de sabedoria, de sensibilidade . . . 2.3 A imitação é um atentado contra a Natureza Anteriormente afirmei que Jesus não liberta, mas sim aprisiona. Claro, alguns poderiam argumentar que as igrejas distorceram os ensinamentos de Jesus e essa forma distorcida é que aprisiona os seres humanos. Não desconheço essa perspectiva. Mesmo assim invoco em apoio à minha tese um eminente pensador: Todos os redentores criaram tipos diferentes de escravidões. Na verdade, ninguém pode redimir outra pessoa. A pessoa pode redimir a si mesma, mas fingir que “Sou o redentor, simplesmente acredite em mim e o salvarei; sou o salvador, o único verdadeiro salvador”, tem criado aprisionamento. 29 Gentil Essas prisões são espirituais e psicológicas, por isso você não as vê. Senão o que você quer dizer quando afirma: “Sou cristão”, ou “Sou hindu”, ou “Sou budista”? Isso significa que “Acredito que Gautama Buda será meu redentor”, “Estou simplesmente esperando que Jesus Cristo venha e me salve”. Você abandonou todo esforço para transformar a si mesmo − e esse é o único caminho que existe para qualquer tipo de transformação. Todos esses redentores criaram apenas prisões para as pessoas. E os sacerdotes continuam representando esses redentores mortos. Esses sacerdotes também estão aprisionados, mas pelo ao menos suas prisões são lucrativas. Os outros que estão aprisionados estão simplesmente desperdiçando seu tempo na espera. Todo o esperar é um esperar por Godot, que nunca vem. Toda religião destrói a dignidade do homem, chama-o de pecador. Em vez de dotar o homem de dignidade, tornando-o mais belo e mais verdadeiro, tornando-o um deus sobre a terra, transformaram a humanidade inteira numa multidão de pecadores. E tudo que vocês devem fazer é: “Subam as escadas de joelhos, seus pecadores!” Eles chamam isso de adoração, de prece. Isso nada mais é que suicı́dio. Isso é destruir a si mesmo, sua auto-estima, seu respeito próprio, sua dignidade. (Osho) Observe a harmonia entre o pensamento do mı́stico e o do filósofo: Toda concepção de Deus é uma concepção derivada dos antigos despotismos orientais. É uma concepção inteiramente indigna de homens livres. Quando vemos na igreja pessoas a menosprezar a si próprias e a dizer que são miseráveis pecadores e tudo o mais, tal coisa nos parece deprezı́vel e indigna de criaturas humanas que se respeitem. (Bertrand Russel/[1], p. 19) Tributo Por oportuno, vou me permiti abrir aqui um parêntesis para prestar um tributo ao eminente lógico, filósofo e matemático Bertrand Russel − e a outros tantos eminentes ateus e agnósticos∗ − que por ter sido um espı́rito de elevada estirpe aqui neste planeta, mesmo diante do vazio da morte mantém sua integridade intelectual e moral e não dobra seus joelhos em busca de consolo em possı́veis fantasias religiosas, como amiúde ocorre com mirı́ades de pobres espı́ritos que não teriam tanto a perder e a lamentar diante da morte. De fato, são dignos de toda a minha admiração e respeito espı́ritos como estes, a exemplo do próprio Einstein, que tanto contribuiram com a evolução da humanidade e que, não obstante, se despedem do nosso plano sem mendigar − às religiões − nenhuma recompensa futura. ∗ Bertrand Russel, ele mesmo não se considera ateu mas sim agnóstico no sentido de que não consegue aceitar pela razão a existência de Deus, todavia não nega esta possibilidade. 30 Adendo: Um evangélico que leu uma versão anterior deste capı́tulo me escreveu discordando da afirmativa anterior: “. . . e os sacerdotes continuam representando esses redentores mortos ” − no que toca a Jesus − uma vez que Buda, Maomé e outros, argumenta ele, estão no túmulo enquanto Jesus não, ressuscitou. Respondi-lhe que entendo esta afirmativa algo diferente. O autor afirma antes “Na verdade, ninguém pode redimir outra pessoa”, é neste sentido que entendo que todos os redentores estão mortos: não existem redentores! A liberdade − da ignorância, de um nı́vel inferior de consciência, etc. − é uma conquista pessoal, é isto o que a vida me mostra, não é um simples batismo e a recitação de fórmulas exotéricas que vai tornar alguém sábio de um momento a outro. Reitero: nunca ouvi dizer de alguém que tenha mergulhado em um tanque batismal e, ao retornar, estivesse se iluminado. Salvação, libertação, é isto: Iluminação. Não adianta um aluno relapso e negligente ter um excelente mestre, se ele não se esforçar nunca sairá do seu estado de ignorância, nunca será “salvo”. Retomando, poderiam argumentar, existem inúmeros exemplos de bêbados e drogados que abandonaram seus vı́cios e hoje encontram-se dentro de uma igreja louvando e adorando a Deus, isto não é libertação? Respondo: trocaram uma prisão por outra, uma droga por outra. Se houve progresso, em muitos casos isto não é tão evidente assim. Releia Isaı́as à página 25. Reflitam sobre as seguintes passagens bı́blicas: Mas ai de vós, pastores e padres, Ai de vós pastores e padres, hipócritas! Pois que fechais aos homens hipócritas! porque percorreis o mar e a o reino dos céus; e nem vós entrais, nem terra para fazer um prosélito; e, depois de deixais entrar aos que estão entrando. o terdes feito, o tornais duas vezes mais (Mt 23 : 13/Paráfrase) digno do inferno do que vós. (Mt 23 : 15/Paráfrase) Daqui minha lógica de matemático me permite deduzir que dentro de uma igreja a chance de que um indivı́duo vá para o inferno é duas vezes maior do que a de alguém que esteja fora dela. Ou existiria um erro em minha inferência? Existe um pensamento relativo à polı́tica que acho extremamente idiota: “O polı́tico fulano de tal rouba mas faz ”. Um argumento imbecil destes estaria justificado para qualquer profissão: Um médico rouba mas faz, um advogado rouba mas faz, um engenheiro rouba mas faz, um professor rouba mas faz, etc. Reitero: se este mote imbecil, idiota, vale para o polı́tico não vejo razão pela qual não deveria valer para as outras profissões. Um polı́tico deve fazer, sem roubar, porque esta é sua obrigação, ele ganha no mı́nimo dez vezes mais que muitos trabalhadores honestos, por que ele ainda teria o direito de roubar? 31 Gentil Mas não estamos tratando de polı́tica e sim de religião. É que pelo lado da religião existe um pensamento tão imbecil quanto este − ou mais − o de que uma igreja encontra-se justificada apenas por “retirar muitos das drogas”, “transformar vidas”, “realizar milagres”, etc; não importando se o seu lı́der é um bandido, se o pastor distorce um versı́culo para roubar. Uma igreja deve transformar vidas porque esta é sua obrigação, foi isto o que eles escolheram fazer e ganham para isto. Um psicólogo, um psiquiatra também salvam vidas, entretanto isto não lhes confere o direito de serem desonestos como uma maioria não desprezı́vel de lı́deres religiosos. E as ovelhas cegas são tão cegas que ainda defendem seus próprios tosquiadores. Muitas vezes me vejo pasmo, estupefato, por ver que o poço não tem fundo no que diz respeito à estupidez humana. 2.3.1 Não é certo querer ser igual a Jesus Se observarmos a Natureza veremos que a mesma prima (“zela”) pela diversidade, pela singularidade; nada se repete na Natureza, não existem sequer duas folhas de uma mesma árvore que sejam iguais; se há algo que me fascina é a diversidade da vida marinha, a diversidade de fauna e flora. Duas coisas absolutamente iguais seria um atentado contra a Natureza. Certa feita, uma amiga minha me confidenciou que sentia-se culpada por ter dificuldade em imitar o que ela achava bonito nas pessoas virtuosas. Respondi que ela não era obrigada a imitar ninguém. Ela me respondeu: “aquilo que se acha bonito deve-se imitar sim”. Não concordo, por exemplo, quando São Francisco tirou a roupa, ficou nu, e a entregou a seu pai; achei este um gesto de sua parte relativamente bonito, no entanto, não pretendo imitá-lo. Jesus se deslocava, em sua época, no lombo de um jumentinho, achei bonito esse seu gesto, no entanto prefiro (e necessito) me deslocar em minha motocicleta. Jesus, segundo os relatos bı́blicos, foi surpreendido várias vezes em oração ao Pai. Achei isso bonito, mas não sinto a necessidade de imitar Jesus. A conjuntura na qual ele vivia foi uma, a minha é outra bem distinta. Se eu tivesse como objetivo “seguir os passos de Jesus”, por exemplo não teria estudado matemática, foi com o pouco que aprendi desta disciplina que consegui criar meus filhos. Jesus nunca teve mulher e filhos, eu tenho quatro filhos que, por sinal, estudam na mesma universidade em que eu leciono, isto me deixa contente. Em suma, Jesus é Jesus e eu sou eu. Por que devo imitá-lo? O que estou tentando dizer é que todo ser humano deve esforçar-se em construir sua própria individualidade. Já foi observado que as religiões são os celeiros dos maiores hipócritas do mundo. Eles estão sempre tentando “imitar” seus ı́dolos, delegando a outrem a responsabilidade da autoconstrução. 32 O homem é o artı́fice do seu destino: tem que arrostar o esforço de criar a si mesmo. (Pietro Ubaldi) Não trata-se de ser igual ou melhor que ninguém mas sim de ser diferente − digo, de preservar sua individualidade, ou construı́-la. Eu não quero ser igual a nenhum dos grandes homens da história, aqui incluindo-se todos os santos e “redentores da humanidade”, posto que isto, segundo entendo, seria um atentado contra a própria Natureza. Lembro que há muitos anos, quando eu ainda era crente, me queixei a uma irmã da igreja: sinto que estou perdendo a minha individualidade (personalidade), os pastores nos dizem que devemos nos esforçar para sermos iguais a Jesus. Eles te exibem um “manequim de gesso” como modelo, se você é magro tem que engordar para caber ali dentro e se é gordo tem de emagrecer. Ela me respondeu: tu tens mais é que perder a tua individualidade mesmo e ser igual a Jesus. Ainda aos 26 anos me retirei da igreja sem ter conseguido ser igual a Jesus. Hoje, aos 51 anos, não tenho mais isto como uma das prioridades da minha vida. Por oportuno, esta é precisamente uma das razões pelas quais muitos casamentos desmoronam: Um dos conjuges “vampiriza” − tenta anular − a individualidade do outro. Não sei se estão me entendendo . . . reflita sobre o seguinte: Todos os redentores criaram tipos diferentes de escravidões. Na verdade, ninguém pode redimir outra pessoa [. . .] Você abandonou todo esforço para transformar a si mesmo − e esse é o único caminho que existe para qualquer tipo de transformação. Todos esses redentores criaram apenas prisões para as pessoas. E os sacerdotes continuam representando esses redentores mortos. (Osho) Os doutores teólogos poderiam tecer mil e um argumentos contra o que está dito acima, acontece que a realidade − isto é, o que nossos olhos nos fazem ver − desmontaria fácilmente seus sofismas. Pelo que percebo, as pessoas perdem bastante tempo na vida mendigando isto ou aquilo dos santos, esquecem de partir para a conquista. E a Igreja é célere em manter esse estado afinal de contas é desta mendicância que ela perpetua seu poderio sobre as massas, sobre os cegos. É uma das leis da Natureza, ao que me parece, que tudo o que tem 33 Gentil valor deve ser conquistado com esforço próprio. Não se transfere sabedoria numa simples “transfusão de sangue ”. Nunca vi um crente que tenha ficado mais sábio ou mais inteligente pelo simples ato de “aceitar Jesus”. Pelo contrário, tenho visto muitos diminuirem em sabedoria e discernimento, por ficarem cegos e alienados. Vejam, por exemplo, a irmã do acarajé. Se ela não tivesse aceitado Jesus compraria seu acarajé em uma banca que não tivesse fila; aceitando Jesus, no meu entendimento, ela ficou mais burra em enfrentar uma longa fila, sendo que na banca ao lado, em frente, não existia fila nenhuma. Ademais, doar dinheiro a bandidos − abutres parasitas − é cegueira e burrice. Este foi um mero exemplo colhido aleatóriamente, poderiamos arrolar inúmeros outros nos quais os religiosos têm se revelados acanhados (tacanhos) em inteligência. É por falta de inteligência que escutamos os sacerdotes, que acreditamos em suas ficções. (Osho) Se formos contabilizar desde os primórdios até nossos dias, não tenho dúvidas de que Jesus fez muito mais prisioneiros que “ex-escravos”. É suficiente observarmos os milhares e milhões de cegos enclausurados dentro das igrejas hodiernas . . . é este o saldo de Jesus − e de outros supostos redentores. Se hoje ainda não faltam aqueles que não sabem em que medida é indecente ser crente − ou um sinal de décadence, de uma vontade de vida alquebrada −, amanhã já o saberão. (Nietzsche) Entendo perfeitamente que Jesus não é culpado pelo que as aves de rapina fizeram com os seus despojos, no entanto sua mensagem serviu para o estrago que aı́ se vê. Jesus afirmou − creio que um tanto quanto intempestivamente: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim. (Jo 14 : 6) Discordo de três das quatro afirmativas acima: “Eu sou o caminho”, “Eu sou a verdade”, “Ninguém vem ao Pai, senão por mim.” Quanto à quarta, eu não sei o que é a vida. Veja, minha convicção 34 em discordar destas assertivas, se fundamenta na realidade que meus olhos testemunham. Leio em um livro espiritual, referindo-se a Deus: “Ele dá-me uma extensa variedade de métodos para usar para o progresso espiritual ”. Qualquer pessoa, em sã consciência, não teria dificuldade em concordar com esta afirmativa, qual seja, a de que Deus nos disponibiliza vários caminhos para o progresso espiritual − porque é isto o que a realidade nos mostra. Ou será que todos os povos de todas as outras religiões do mundo estão no caminho errado? E somente os cristãos estão no caminho certo!? Sinceramente não creio nesta possibilidade. Mais à frente estarei justificando por que não creio que Jesus seja a verdade. Quanto a última afirmativa de Jesus; ora, se Deus disponibiliza vários caminhos para o progresso espiritual é lı́cito concluirmos que podemos chegar a Deus por um caminho distinto de Jesus, não é verdade? Desta, e de outras passagens, podemos discernir claramente a gênese da intolerância e fanatismo próprios dos cristãos, neste sentido Jesus é culpado sim. E não é apenas eu que consegue enxergar isto: A intolerância que se estendeu pelo mundo com o advento do cristianismo constitui um de seus traços mais curiosos, devido, penso eu, à crença judaica na justiça e na realidade exclusiva do Deus judeu. Por que razão os judeus deviam possuir tais peculiaridades, é coisa que ignoro. [. . .] Seja como for, os judeus, e mais especialmente os profetas inventaram a idéia de que é pecado tolerar-se qualquer religião, exceto uma. Essas duas idéias tiveram efeitos extraordinariamente desastrosos sobre a história ocidental. (Bertrand Russel/[1], p. 26) Os crentes − toda a conjuntura religiosa atual − me obrigam a voltar-me para os ensinamentos de Jesus, a refletir sobre o que ele disse. Nestas minhas buscas cheguei à conclusão de que não existem mestres “perfeitos”; tenho tido contato com outras “verdades” mais adequadas aos “tempos modernos”, mais eficazes, por assim dizer, para libertar os homens do atoleiro em que eles se encontram patinando há séculos − milênios. O que me dá convicção para uma afirmativa de tamanha envergadura é que, quase diria, não conheço um único cristão que seja livre. Todos os que se encontram dentro de uma igreja rezando, não os considero livres − caso contrário, não estariam ajoelhados. Falo no seguinte sentido: Quando sei de pessoas que se curvam nas igrejas confessando-se miseráveis pecadoras, e tudo o mais, tenho isso como desprezı́vel, incompatı́vel com o respeito que devemos a nós próprios. (Bertrand Russell) 35 Gentil Por outro lado, não creio que Jesus gozava de tanta intimidade com o Pai, pelo ao menos não tanto quanto padres e pastores querem nos fazer crer. Não apenas por ele ter sido “abandonado pelo Pai” na cruz, ou ter se equivocado quanto a data do seu segundo advento E, à hora nona, Jesus exclamou com Em verdade vos digo que alguns há, grande voz, dizendo: Deus meu, Deus dos que aqui estão, que não provarão meu, por que me desamparaste? a morte até que vejam vir o Filho do (Mc 15 : 34) homem no seu reino. (Mt 16 : 28) como também por ele não ter sido ouvido em pelo ao menos uma de suas orações, qual seja: Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és mim, e eu, em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. (Jo 17 : 21) Veja, aqui Jesus está orando pela unidade dos cristãos. Eu não sei daqui para a frente mas até hoje − isto é, 2000 anos depois − Deus ainda não atendeu seu pedido. Pelo contrário os cristãos estão mais desunidos do que nunca, é suficiente ver que as igrejas se multiplicam com a mesma rapidez com que o fazem células cancerosas em um tumor. Os cristãos andaram até se matando em “guerras santas” entre católicos e protestantes . . . Pasmém! Talvez Jesus tenha esquecido que a unidade dos cristãos está vinculada ao livre arbı́trio de cada um e, neste, nem Deus toca − por definição de livre arbı́trio. Como disse, vejo a igualdade como um atentado contra a própria Natureza. Se há algo que me emociona, me impressiona, me cativa, é justamente a diversidade de seres humanos, de culturas ao redor do mundo − gosto muito de assistir pela televisão os canais que me dão conta de toda essa diversidade de culturas e formas de se relacionar com o divino. Sinceramente, minha oração a Deus é para que um budista não se torne um cristão, para que um taoı́sta não se torne um cristão, para que um hindu não se torne um cristão, para que um africano não se converta ao cristianismo, etc., etc., pois a diversidade deveras me encanta, me fascina. Por outro lado, lembro que em função desta visão exclusivista a “Igreja de Deus”, a “Igreja de Jesus Cristo” foi capaz de cometer os crimes mais hediondos que se possa imaginar∗ . Para mais detalhes, leia a obra: “O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus”. Fo Jacopo, 1955 - Rio de janeiro: Ediouro, 2007 ∗ Vide: Cruzadas, Santa Inquisição, Catequização de outros povos, etc. − não faz muito tempo que para a Igreja negros e ı́ndios não tinham alma. 36 Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és mim, e eu, em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Essa oração de Jesus − na qual podemos vislumbrar um resquı́cio de ego − não poderia ter sido atendida pelo Pai posto que vai de encontro à própria Natureza que prima pela diversidade em todo os sentidos: Para que todos sejam distintos, como tu, ó Pai, o és na Natureza, e a Natureza, em ti; que também eles sejam únicos em tudo, para que o mundo se deleite com a tua sabedoria. (Paráfrase) Quase todas as orações quando não lembram a Deus o que Ele deve fazer, exigem que algo seja feito. Jesus orando . . . não é estranho? Ou ele não conhece o Pai − pelo ao menos não tanto quanto ele supõe (ou os seus seguidores) − ou o Pai não é de fato confiável. Uma grande maioria de crentes e católicos − senão todos − vive enclausurada em uma grande “bolha de ilusões ” criada por ela mesma. É certo que de ilusões também se vive, no entanto creio que toda ilusão aprisiona ao invés de libertar. É o que pode ser constatado nas igrejas e templos. Tudo bem que as ilusões muitas vezes fazem o “mesmo efeito” que a realidade; um adolescente quando se masturba, inspirado em sua musa predileta, atinge o orgasmo do mesmo jeito, satisfaz as suas necessidades; no entanto, se ele opta por essa prática a vida inteira, sem contato com a “realidade”, penso que isso pode ser caracterizado como algo doentio. As vezes me questiono se inúmeras práticas religiosas − por esse mundo afora − não se situam nesse mesmo nı́vel de artificialidade. Penso que não estou sendo inconsequente por levantar esta hipótese. Veja novamente: Pasmai, e maravilhai-vos; cegai-vos e ficai cegos; bêbedos estão, mas não de vinho, andam cambaleando, mas não de bebida forte. [. . .] Esta cena me parece que descreve com bastante realismo muitas das práticas religiosas contemporâneas, ou será apenas exagero de minha parte? o que o leitor acha? 2.4 Desconstruindo o ı́dolo Jesus A atitude idólatra pressupõe que certas pessoas são seres divinos, outras não. Algumas estão acima das contingências humanas, providas de uma perfeição inatingı́vel, mensageiras do Alto, privilegiadas e infalı́veis, enquanto que outras são subestimadas, incapazes e, aparentemente, deprovidas de valores inatos. Ao convertermos as criaturas em mitos, supervalorizamos os outros e, em virtude disso, desvalorizamos nosso poder interior. Declaramo-nos impotentes para evoluir, ficando dependentes da vontade dos supostos eleitos. (Hammed/A Imensidão dos Sentidos/p. 21) Gentil 37 Eu pediria ao leitor que não apenas lesse o texto acima, mas que refletisse sobre o mesmo. É precisamente esta atitude idólatra − cultivada pelas igrejas − em relação à figura de Jesus que tem gerado toda a escravidão, cegueira e alienação que se observa por parte das incautas ovelhas. Vejo como uma necessidade hodierna a “desconstrução” da imagem do ı́dolo Jesus. Encontrei no livro “Porque não sou cristão ”, de Bertrand Russel, o que ele afirma ser uma imperfeição nos ensinamentos de Cristo − Eu, particularmente, não saberia como refutar o eminente lógico, deixo aqui essa incumbência aos doutores teólogos: Por um lado, Ele [Jesus] certamente pensou que o Seu segundo advento ocorreria em nuvens de glória antes da morte de toda a gente que estava vivendo naquela época. Há muitos textos que o provam. Diz Ele, por exemplo: “Não acabareis de correr as cidades de Israel, sem que venha o Filho do Homem”. E adiante: “Entre aqueles que estão aqui presentes, há alguns que não morrerão, antes que vejam o Filho do Homem no seu reino” [. . .] (Bertrand Russel/[1], p. 16) Vejo esta observação como sendo da maior importância posto que, se Jesus se equivocou em um ponto pode muito bem ter se equivocado em dois, em três, etc., de formas que isto compromete a credibilidade de toda a sua doutrina, vejo desta forma. Vejamos mais um pouco de Russel: Chega-se, a seguir, às questões morais. Há, a meu ver, um defeito muito sério no caráter moral de Cristo, e isso por que Ele acreditava no inferno. Quanto a mim, não acho que qualquer pessoa que seja, na realidade, profundamente humana, possa acreditar no castigo eterno. Cristo, certamente, tal como é descrito nos Evangelhos, acreditava no castigo eterno, e a gente encontra, repetidamente, uma fúria vinditiva contra os que não davam ouvidos aos seus ensinamentos − atitude essa nada incomum entre pregadores, mas que, de certo modo, se afasta da excelência superlativa. Não encontrareis, por exemplo, tal atitude em Sócrates. Encontramo-la bastante suave e cortês para com aqueles que não queriam ouvi-lo − e, na minha opinião, é muito mais digno de um sábio adotar tal atitude do que mostrar-se indignado. [. . .] Devo dizer que considero toda esta doutrina − a de que o fogo do inferno é um castigo para o pecado − como uma doutrina de crueldade. É uma doutrina que pôs a crueldade no mundo e submeteu gerações a uma tortura cruel − e o Cristo dos Evangelhos, se pudermos aceitá-lO como os seus cronistas O representam, teria, certamente, de ser considerado, em parte, responsável por isso. (ibid., p. 17) É claro que as aves de rapina (padres e pastores) poderão ainda tecer mil e um comentários (sofismas) com o intuito de “salvarem o cordeiro de 38 Deus” posto que esse mesmo cordeiro tem sustentado essa horda durante todos estes séculos. É da carne do cordeiro que os abutres se refestelam. Pontuei anteriormente que Jesus além de se colocar como “o” caminho − como se houvesse um único − ainda se coloca como sendo a Verdade. A questão principal é: O que é a Verdade? Os crentes responderiam de pronto: É Jesus! . . . não vale, raciocı́nio circular. Em boa parte do meu tempo tenho me dedicado não a ganhar “mais dinheiro” mas sim à reflexão. E um dos ı́tens que tem sido objeto de minhas considerações é justamente o que diz respeito à Verdade. Tenho refletido, meditado, lido mı́sticos e filósofos em busca de uma resposta para o que seja a verdade. A conclusão que cheguei é a de que Não existe a verdade! A não ser “localmente”, no geral o que existem são perspectivas, como sublinha Nietzsche. Ao contrário do que muitos poderiam supor nem na matemática existe a verdade absoluta. Com efeito, a matemática se divide em vários subdomı́nios: = 0 1+1 = 1 1+ 2 Matemática a verdade que vale em um subdomı́nio não vale em um outro. Para um exemplo extremo, nem sempre 1 + 1 = 2, na matemática universitária podemos ter∗ 1 + 1 = 0. Na matemática existem várias geometrias, uma verdade válida em uma delas pode não valer em outra. A isto se acrescenta que todo sı́mbolo Quando o espı́rito se apresenta à cul- é ambivalente e até mesmo polivalente, tura cientı́fica, nunca é jovem. Aliás é no sentido de que ele pode significar bem velho, porque tem a idade de seus uma pluralidade de realidades diversas e preconceitos. mesmo contraditórias. venescer espiritualmente, é aceitar uma (Léon Bonaventure) brusca mutação que contradiz o passado. Aceder à ciência é reju- (Gaston Bachelard) ∗ Este tipo de adição, análoga a adição de horas em um relógio (e.x., 18h + 6h = 0h) tem larga aplicação na computação. 39 Gentil Mesmo na fı́sica − supostamente mais aderente à realidade − a verdade que vale em um domı́nio (teoria) não vale em outro. Por exemplo, se adicionarmos duas velocidades iguais a 1, na fı́sica de Galileu teremos 1+1 = 2, já na de Einstein teremos 1 + 1 6= 2. (ver p. 114) Retomando, supondo por um momento que a verdade exista, quem vai decidir o que é a verdade? Seria por acaso um pastor? um padre? um bispo? um arcebispo? . . . um monsenhor? o Papa? − O infalı́vel! Quem o leitor elegeria como árbitro da verdade? Seria por acaso Jesus? A este respeito Jesus não é absolutamente confiável, dentre outras razões, por que faltou com a verdade quanto ao seu segundo advento e, por outro lado, deixou-se contaminar pela cosmologia judaica que, an passant, não é uma das mais inteligentes (ou sábias) sobre a face da terra. A cosmologia judaica − como relatada no livro do Gênesis − está em flagrante contradição com a ciência moderna, apenas os crentes relutam em enxergar isto. Igualmente pueril é sua explicação para a condição humana. Para explicar a origem do sofrimento humano, em linhas gerais eles dizem: Deus criou Lúcifer um anjo de luz inteligente, perfeito e semelhante ao criador, este anjo rebelou-se contra seu criador, no seu coração intentou ser igual a Deus; foi expulso do céu, não sem antes convencer a terça parte dos anjos de que Deus era um ditador egocêntrico, etc.; não satisfeito, chegando na terra convenceu o primeiro casal humano a desobedecer a Deus e com isto entrou o pecado no mundo e todas as desgraças − estupros, assassinatos, guerras, campos de concentração, crianças queimadas vivas em crematórios, etc., etc. − devem-se a um descuido de Eva. É por falta de inteligência que escutamos os sacerdotes, que acreditamos em suas ficções. (Osho) A esta cosmologia infantil e insalubre tenho várias objeções. Primeira: se Lúcifer foi criado perfeito então ele não poderia ter errado, e se errou, não era perfeito. Segunda: Eu, um simples mortal, menor que os anjos, não seria estúpido a ponto de querer tomar o lugar de Deus, de apregoar que Deus era um ditador tirânico e egocêntrico. Se ele convenceu a terça parte dos anjos do céu, fica difı́cil de aceitar que os anjos foram criados inteligentes. E de mais a mais, seria igualmente irracional, estúpido, admitir que todas as desgraças e sofrimentos do mundo se devem a um único deslize cometido por Eva. Se é assim, creio que devemos tomar ao pé da letra Deus ter criado Lúcifer à sua semelhança. Uma estupidez destas só cabe na cabeça de padres e pastores − é por isto que afirmo: as religiões têm o inexplicável poder de transformar pessoas sadias em doentes mentais. Ou em epiléticos da idéias, no dizer de Nietzsche. Por outro lado, se todos herdaram o “pecado de Adão e Eva”, então a própria Bı́blia se contradiz, veja: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho 40 não levará a maldade do pai, nem o pai levará a maldade do filho; a justiça do justo ficará sobre ele, e a impiedade do ı́mpio cairá sobre ele.” (Ez 18 : 20) Ou ainda: Naqueles dias, nunca mais dirão: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram. (Jr 31 : 29) Que essa pobre e abjeta cosmologia tenha convencido homens brutos e ignorantes de milênios passados eu entendo, agora que homens do século XXI a esposem, isto não compreendo. Se nos ‘demonstrassem’ esse Deus dos cristãos, ainda acreditarı́amos menos nele. (Nietzsche) A passagem bı́blica sobre o menino Jesus entre os doutores: “E aconteceu que, passados três dias, o acharam no templo, assentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os ”, a mim prova que Jesus, desde menino, começou a ser doutrinado pelos “doutores da lei judaica”, quero dizer, Jesus é produto de uma cultura e uma época − foi moldado por estes dois fatores −, disto nunca devemos nos esquecer. Gosto muito de usar uma expressão para me referir às supostas verdades: “Tudo pode ser reduzido a meras construções mentais ” Tudo resulta de construções da mente humana − aqui não excetuandose as aquisições cientı́ficas e até da matemática, das religiões nem se fala. Quem melhor teve uma visão de profundidade (perspicácia) a este respeito, não foi Jesus, foi Nietzsche − em meu entendimento, claro: [. . .] O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonı́mias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensı́vel, moedas que perderam sua efı́gie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas. (Nietzsche) Claro, qualquer um tem a liberdade de discordar das minhas conclusões; todavia, qualquer que seja a proposta − para o que possa vir a ser a verdade − esta deve ser confrontada com a realidade que observamos, esse é o meu critério. Os sonhos são particulares, a verdade não é particular. A verdade não pode ser particular − ela não pode ser minha ou sua, não pode ser dos cristãos ou dos hindus, nem dos indianos ou dos gregos. A verdade não pode ser particular. Os sonhos são particulares. Tudo o que é particular, não se esqueça, pertence necessariamente ao mundo dos sonhos. A verdade é um céu aberto; é para todo o mundo, é uma só. (Osho/Consciência) 41 Gentil Por exemplo, se você teima em me dizer que Jesus é a verdade e o caminho, sinto muito mas o que observo é que essa proposição conduz ao fanatismo e à alienação, isto é, “desencaminha”. Se você insiste em me dizer que Jesus liberta, sinto muito mas o que vejo é que Jesus aprisiona . . . entendes? É nesse sentido que afirmo que a verdade não existe, o que existem são perspectivas . . . E é melhor que seja assim. Outrossim, observe que até as “verdades” da ciência − fı́sica, por exemplo − que são “confirmadas” experimentalmente com o recurso de simulações computacionais, câmara de bolhas, fotografias, etc. são provisórias; isto é, o que vale hoje amanhã poderá está sendo descartado. Por oportuno, a teoria da relatividade de Einstein, já está sendo posta em dúvidas (no que diz espeito à velocidade da luz), eu particularmente, creio que ela deverá ser substituida − como ela substituiu a de Newton, em muitos domı́nios. O conhecimento cientı́fico é sempre a reforma de uma ilusão. (Bachelard) Essa humildade a que o cientista foi forçado esposar é o que falta aos intransigentes doutores teólogos. Ora, se assim se dá com o conhecimento cientı́fico, é muita ousadia e petulância da parte dos doutores teólogos achar que suas parcas concepções teológicas foram escritas na pedra, tal como se deu com os dez mandamentos entregues a Moisés. Meros desvarios de mentes apoucadas. Digo mentes tacanhas, primeiro porque nenhum deles foi capaz de construir uma teologia com aceitação universal, tal como se dá com a ciência; segundo, porque existe um problema que desafia a todos eles há pelo ao menos 2500 anos, colocado pelo célebre filósofo Epicuro. (ver p. 122) Observe que a teologia de uma dada Igreja só é válida, só encontra consenso, dentro do seu próprio redil (curral); minto, nem isto! não é raro encontrarmos dissensões entre os “doutores” de uma mesma denominação. Pois bem, se esta “volatilidade” acontece até mesmo com as “leis cientı́ficas” com mais razão ainda devemos esperar que aconteça com as “leis espirituais”, muitas das quais baseadas em experiências meramente subjetivas. Quando você procura um Buda, pode não ficar imediatamente impressionado, porque ele será muito hesitante e não afirmará nada. Ele sabe melhor do que isso. . . Ele sabe que a vida não pode ser confinada a qualquer declaração e que todas as declarações são parciais. Nenhuma afirmação pode conter toda a verdade. (Osho) 42 Sendo assim, diante das evidências, serei forçado a considerar um Buda mais sábio que Jesus − que se considera a própria verdade encarnada. A verdade é uma questão de perspectiva Desejo tecer mais algumas considerações a respeito desta importante proposição. A questão inicia-se pela observação de que a “realidade” não é unı́voca. Digo, a “realidade”, qualquer que seja ela, sempre comporta mais que uma interpretação ou perspectiva. Deixa eu tentar uma analogia para me fazer melhor entender. O leitor possivelmente tem conhecimento de algumas ilusões de ótica tais como as três a seguir: Na figura da esquerda, por exemplo, podemos enxergar uma jovem ou uma bruxa, a depender da “perspectiva” em que nos situamos. Se, por exemplo, alguém afirma que neste quadro existe apenas uma bela jovem, posso discordar desta afirmativa; se eu quiser, posso enxergar uma outra realidade que difere desta. Pois bem, este modo de interagir com a realidade pode ser estendido para todos os demais setores de nossa existência, inclusive o religioso. O fanático é precisamente aquele que teima em afirmar que a realidade é composta de uma única perspectiva (“verdade”) − precisamente aquela que ele quer enxergar . . . Cada indivı́duo tem a ilusão que merece. Jesus é como um destes quadros, podemos ver a sua personalidade de mais de uma perspectiva; o fanático é precisamente aquele que vê apenas o “belo” em Jesus, isto é, aquilo que ele quer enxergar. (Reveja Russel, p. 37) A isto se acrescenta que todo sı́mbolo é ambivalente e até mesmo polivalente, no sentido de que ele pode significar uma pluralidade de realidades diversas e mesmo contraditórias. (Léon Bonaventure) Esse é o fanático, e o doente é aquele que acha “belo” tudo o que leva o nome de Jesus . . . mesmo que seja um simples acarajé. É precisamente às custas destas pobres almas enfermas, sem luz, que os bandidos − padres e pastores, notadamente − sobrevivem vendendo suas bugigangas e ilusões. Reveja, por exemplo, a história pregressa da “Igreja de Deus”. Observe o comportamento dos lı́deres das igrejas evangélicas. Como mais um exemplo ilustrativo de que a verdade é uma questão de 43 Gentil perspectiva − ou ainda, de que em um mesmo “quadro” podemos decodificar “verdades” distintas −, observe o quadro a seguir: Quem não é comigo, é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha. (Mt 12 : 30) Todo cristão decodificaria, em favor de Jesus, uma “verdade positiva” neste quadro; eu, se quisesse, veria neste mesmo quadro uma “verdade oposta”, contra Jesus. Por oportuno, não apenas eu, há mais alguém que compartilha de minha visão: Se comparardes Jesus a Sócrates, por exemplo, verificareis que o filósofo era suave e cortês para quem se recusava a escutá-lo. Ao que penso, é muito mais próprio dum sage adoptar essa linha de conduta do que deixar-se dominar pela indignação. Recordem-se as palavras de Sócrates no momento da sua morte e aquelas que correntemente dirigia aos que estavam em desacordo consigo. (Bertrand Russel) Observe que, pelo ao menos neste ponto, não caberia nenhuma contraargumentação dos cristãos, estou apenas exemplificando como a verdade é uma questão de perspectiva. Esta é a minha leitura do quadro acima. Da mordida da vı́bora A construção a seguir, de Nietzsche, me causou um certo fascı́nio por mostrar-me que até mesmo aquilo que se supõe sólido como uma rocha, também como uma rocha pode esfarelar-se. Estava Zaratustra, um dia, adormecido debaixo de uma figueira, pois fazia calor, e pusera o braço por cima do rosto. Veio, então, uma vı́bora e o mordeu no pescoço, o que fez Zaratustra gritar de dor. Após tirar o braço do rosto, olhou ele para a vı́bora; reconheceu esta, então, os olhos de Zaratustra e voltou-se contrafeita querendo fugir. “Não”, falou Zaratustra, “ainda não recebeste o meu agradecimento! Acordaste-me a tempo, meu caminho ainda é longo.” “O teu caminho ainda é curto”, disse, tristonha a vı́bora; “o meu veneno mata.” Zaratustra sorriu. “Desde quando se viu um dragão morrer do veneno de uma cobra?”, disse. “Mas toma teu veneno de volta! Não és bastante rica para dá-lo de presente a mim.” Então, a vı́bora atirou-se de novo ao seu pescoço e lambeu-lhe a ferida. Quando Zaratustra, certa vez, contou isso a seus discı́pulos, eles lhe perguntaram: “E qual é, Zaratustra, a moral da tua história?” Respondeu-lhes, então, Zaratustra: Destruidor da moral, chamam-me os bons e justos: a minha história é imoral. Mas, se tendes um inimigo, não lhe pagueis o mal com o bem, porque isto o humilharia. Demonstrai, ao contrário, que ele vos fez, mesmo assim algum bem. 44 Não sempre, claro, mas por vezes pagando o mal com o bem − como preconiza a moral de Jesus − não estaremos incentivando o infrator a prosseguir na prática do seu crime? Se o povo paga a opressão dos seus ditadores com o bem, quando serão libertados? Descerão anjos do céu para amenizar seus tormentos? Se um polı́tico desvia o dinheiro da merenda das crianças − ou da saúde −, com que bem deveremos retribuir-lhe? O que isto ensinará a ele? Estamos enfatizando que a verdade, principalmente a do cristão, é aquilo que ele determina como sendo a verdade, que ele acochambra para acomodar ao seu minúsculo universo. Aos que ainda duvidam, vejamos mais um quadro ilustrativo: E, quando alguns não vos receberem, nem vos escutarem, saindo dali sacudi o pó dos vossos pés, em testemunho contra eles. Em verdade vos digo que no dia do Juı́zo, Sodoma e Gomorra serão tratadas com menos rigor do que aquela cidade. (Mc 6 : 11) São a estas manifestações explı́citas de intolerância por parte do mestre Jesus a que Russel se refere. Já tive a oportunidade de mencionar que as igrejas são especialistas em criar “ilusões de ótica”, por exemplo li em um livro católico∗ , a respeito desta mesma passagem do mestre, o seguinte: Jesus nos deu um conselho muito sábio para quando achássemos oposição ou rechaço quanto ao que somos e fazemos: sacudam a poeira dos vossos pés. (p. 83) Em seguida os autores, através de uma prestidigitação (ilusão cognitiva), dão uma interpretação própria do verso citado − “colocando palavras na boca do Mestre”. Disse anteriormente que as supostas verdades podem ser reduzidas a meras construções mentais. Encontrei em um livro† uma destas construções que ilustra com perfeição a que me refiro. O autor trata da interpretação bı́blica, segundo ele existem dois tipos de interpretações a literal e a alegórica. Diz ele: A passagem em Mt 21 : 2-11 sobre a entrada messiânica de Jesus em Jerusalém montado num jumentinho é geralmente considerada como irrelevante por muitos cristãos. Porém, quando devidamente interpretada, revela importante ensinamento. (p. 120) ∗ Como Evangelizar com Parábolas; Canç~ ao Nova (José Prado/Ângela Chineze.) O Poder Transformador do Cristianismo Primitivo/Raul Branco (2004), Editora Teosófica. † 45 Gentil E qual é a interpretação devida? Segundo o autor é a alegórica: Na interpretação alegórica, Jesus representa o Cristo interior de cada ser humano. Numa etapa avançada de sua jornada, a alma estará pronta para entrar na Casa do Pai, simbolizada por Jerusalém, a cidade sagrada. Mas, para que isso aconteça, deverá cumprir um requisito básico, que, nesse caso, é representado pelo jumentinho. Sendo esse animal um quadrúpede, na linguagem sagrada ele simboliza a natureza quaternária mortal do homem exterior, ou seja, seus corpos fı́sico, energético, emocional e mental concreto [. . .] (p. 121) E o autor prossegue dando várias “interpretações alegóricas ” da Bı́blia, totalmente arbitrárias − segundo meu entendimento. É a isto que chamo de “construções mentais da verdade ”. Achei uma certa ingenuidade do autor tomar as suas construções, e de outros, como sendo a interpretação devida. Ao ler esta e outras interpretações não tive como não lembrar de uma anedota que li há muitos anos em uma revista de matemática, mais ou menos assim: começando com uma igualdade evidente, vai-se, através de uma série de operações válidas, transformando-a sucessivamente até chegar-se numa igualdade que impressiona o leigo em matemática, por exemplo: Como Valorizar Seus Conhecimentos Matemáticos 1=1 ⇒ √ 1 = √ 1 ⇒ log √ 1 = log √ 1 ⇒ p 3 log √ 1 = 0 ⇒ ··· Desconfio que muitas das “verdades” apresentadas (impostas) em alguns livros religiosos e esotéricos são desta natureza. Os autores “valorizam” seus conhecimentos e, ademais, são tidos pelos leigos na conta de “detentores de elevados conhecimentos secretos, esotéricos ”, conhecimentos reservados somente aos “iniciados” . . . Como já disse, meras construções mentais. Desta forma fica difı́cil chegarmos a um critério satisfatório do que possa ser a verdade. Por outro lado, o que faz com que as pessoas enxerguem a realidade como sendo unı́voca? Vou buscar resposta a esta questão na filosofia: Deformamos o real porque o apreendemos espontaneamente através de nossas impressões sensı́veis, de nossos desejos, nossas paixões, nossos interesses, nossos hábitos, [. . .] (Simone Manon/ Platão) 46 Então é isto: muitos deformam a realidade por conta de seus interesses . . . não raro, escusos interesses. É do interesse das igrejas endeusarem Jesus, endeusarem a Virgem Maria, endeusarem os santos, endeusarem o Espı́rito Santo; é no pedestal destes ı́dolos que os judas juntam suas trinta moedas. Os considerados santos de certas religiões quase nunca são criadores. São simples virtuosos ou alucinados, aos quais o interesse do culto e a polı́tica eclesiástica atribuı́ram uma santidade nominal. (José Ingenieros) Se, por um lado, os polı́ticos prosperam graças a ignorância do povo, o mesmo acontece no que diz respeito aos lı́deres religiosos; sobrevivem às custas da cegueira das massas. É do interesse deles que esse estado perdure para sempre. Do texto filosófico de Platão ainda podemos extrair uma preciosa conclusão, veja: “Deformam o real porque o apreendem espontaneamente através de suas impressões sensı́veis ”. Vejamos um sı́mile: Uma criança ao conseguir tapar o sol com uma moeda deduz espontaneamente que o sol e sua moeda são do mesmo tamanho. Seria necessária uma “elevada” capacidade de abstração − que certamente a criança não possui − para que ela pudesse concluir que esta ilusão de ótica se deve a que o sol situa-se a milhares de kilômetros de distância de seus olhos, ao contrário da moeda. Pois bem, esse “nı́vel de interação” da criança com a realidade, esta espontaneidade toda, é precisamente a mesma com que padres, pastores e ovelhas lidam com a realidade, em particular com o universo da espiritualidade; são por demais “espontâneos”. É com esse nı́vel de “inteligência” que eles se acercam da Bı́blia e de tudo o mais. Aqueles cegos fanáticos que formavam fila para comprar o acarajé “ungido” de Jesus deveriam ter considerado uma outra possibilidade: a de que um espertalhão estava utilizando o sagrado nome de Jesus para ganhar dinheiro (a exemplo de seus pastores), e, em protesto, não comprariam. Como mais um exemplo ilustrativo de que num mesmo “quadro” podemos enxergar realidades distintas, certa feita eu estava escrevendo um artigo e para fundamentá-lo melhor fui a uma igreja assistir um culto. O pastor descaradamente tentou me vender o sangue de Jesus . . . Pasmém! Explico: em determinado momento do culto ele mandou circular envelopes dentro dos quais haviam fitas vermelhas simbolizando o sangue de Cristo, segundo ele. Dizia o pastor que quanto maior a oferta colocada no envelope maior a proteção proporcionada pelo sangue do cordeiro. 47 Gentil Esse foi o “quadro” apresentado em determinado momento do culto. Agora que mensagem podemos decodificar neste quadro? Muitas daquelas almas enfermas (sem luz) viam aquele homem como um “ungido de Deus ”; eu, muito pelo contrário, vi ali um demônio, precisamente! Compreenderam como em um mesmo quadro podemos contemplar verdades distintas? Com a diferença de que a minha tem respaldo da própria Bı́blia, veja: Entrou, porém, Satanás em Judas, Então um dos doze, chamado Ju- que tinha por sobrenome Iscariotes, o das Iscariotes, foi ter com o prı́ncipe dos qual era do número dos doze. E foi e sacerdotes, E disse: Que quereis dar, e falou com os principais dos sacerdotes e eu vo-lo entregarei? E eles lhe pesaram com os capitães de como lho entregaria. trinta moedas de prata. (Lc: 22 : 3 − 4) (Mt: 26 : 14 − 15) Veja estimada e cega ovelha: O Demônio entrou em Judas e ele vendeu o sangue de Jesus por algumas moedas; o teu pastor praticou o mesmo ato: vendeu o sangue de Jesus por algumas moedas. Pergunto: O Demônio também entrou no teu pastor ou isso − no caso dele − não foi necessário? Digo, ele próprio já é um Demônio? Eles estão no meio de nós Como mais um exemplo ilustrativo de que “a verdade” é uma mera questão de perspectiva, pergunto: Existem demônios encarnados como gente? Para uma grande maioria de pessoas um demônio possui um par de chifres, uma cauda pontiaguda e na mão um tridente − esse é o estereótipo de um demônio no imaginário popular. Para mim não é assim, defino: Demônio é todo aquele que pratica ato demonı́aco Desta perspectiva as coisas mudam sensivelmente. Para mim um demônio pode muito bem está trajando paletó e gravata e, na mão, no lugar de um tridente manipula uma Bı́blia (ou uma caneta, existem muitos polı́ticos demônios). Com efeito, se utilizar do sangue de Jesus para tosquiar incautas ovelhas, distorcer a Palavra de Deus para roubar, desviar dinheiro da merenda das crianças e da saúde, estes são atos demonı́acos. Como mais uma prova de que os demônios estiveram e ainda estão entre nós citarei de∗ uma referência ao romance Os irmãos Karamazov, de Fiodor Dostoiévski (pg. 232) ∗ Ehrman, Bart D. O problema com Deus. Alexandre Martins. − Rio de Janeiro: Agir, 2008. 48 Grande parte do capı́tulo mostra Ivan angustiado com o sofrimento dos inocentes. Ele fala sobre a violência dos soldados turcos nas guerras na Bulgária, que ‘queimam, matam, estupram mulheres e crianças, pregam prisioneiros pelas orelhas a cercas e os deixam lá até de manhã, e na manhã os enforcam’. Ele se opõe a classificar isso como comportamento animalesco, porque seria ‘terrivelmente injusto e ofensivo aos animais’, que nunca se comportariam com tal crueldade. E continua: “Esses turcos, entre outras coisas, se deliciavam em torturar crianças, começando por tirá-las dos ventres das mães com um punhal e terminando arremessando os bebês para cima no ar e os apanhando com suas baionetas em frente aos olhos das mães. O maior prazer estava em fazer isso frente aos olhos das mães.” (p. 238) E apresenta a seguir uma outra cena horrı́vel: Imagine um bebê nos braços de sua mãe trêmula, cercada por turcos. Eles conceberam uma brincadeira divertida: acalentam o bebê, riem para que ele ria, e conseguem − o bebê ri. Nesse momento o turco aponta uma pistola para ele, a dez centı́metros de seu rosto. O bebê ri de prazer, estende as mãozinhas para agarrar a pistola, e de repente o artista puxa o gatilho direto em seu rosto e explode a sua cabecinha. (. . .) Artı́stico não? (p. 238-239) Pergunto: Diante dos atos descritos o leitor acha que ainda faltaria algo para que os soldados turcos possam ser caracterizados como demônios? Por acaso eles deveriam estar usando um tridente no lugar da baioneta? O momento é oportuno para lembrarmos que a “Igreja de Deus” em tempos não muito distantes torturava seres humanos com requintes de crueldade e os queimavam vivos em fogueiras. Não tenho dúvidas que esta foi uma das instituições que mais abrigou demônios por metro quadrado na superfı́cie da terra. É deveras lamentável que uma grande maioria de católicos desconheça o passado de sua Igreja. Do livro referido anteriormente (O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus) vou me permitir citar − já que estamos falando de demônios encarnados como gente − apenas o seguinte trecho: Os cátaros Eram ascetas e pacifistas, e seus sarcedotes não possuiam riquezas. A população era conquistada por seu ascestismo e moralidade, muito maior do que a do clero ortodoxo. Aceitavam apenas uma parte das Sagradas Escrituras e consideravam a Igreja de Roma uma criatura do demônio. Em 1208, o papa Inocêncio III, preocupado com o crescimento contı́nuo da influência dos cátaros, renovou o chamado à Cruzada, prometendo de novo as mesmas indulgências e os mesmos privilégios concedidos aos cruzados. 49 Gentil A Cruzada teve episódios de grande fúria, como o massacre de Béziers, em 1209. Quando os cruzados conquistaram a cidade e perguntaram ao representante do papa como poderiam diferenciar os católicos dos hereges, este respondeu: “Matem todos. Deus reconhecerá os seus.” “A cidade de Béziers foi dominada, e como nossos homens não distinguiram dignidade, sexo ou idade, quase vinte mil homens morreram sob a espada . . . a cidade foi saqueada e queimada: assim a atingiu o admirável castigo divino.” (Cristie-Murray, 1998, p. 155). Assim escreveram os representantes do pontı́ficie, em um relatório ao papa sobre os acontecimentos. Os cátaros sobreviventes se refugiaram parte na Itália setentrional, parte nos Bálcãs, onde incrementaram as fileiras de uma igreja dualista autônoma hegemônica na Bósnia-Herzegóvina, que foi destruida pela invasão turca no final do século XV. Em 1244, o arcebispo de Narbonne, “seguindo diretrizes apostólicas” (ou seja, as ordens do papa Inocêncio IV), mandou para a fogueira mais de duzentos hereges de ambos os sexos capturados após um ano de sı́tio à fortaleza de Montségur. Enquanto isso, a Igreja desenvolveu uma legislação para encorajar o “arrependimento”. E não venham me dizer que isto pertence ao passado da Igreja, os demônios apenas mudam suas táticas e ardis, se hoje eles não torturam e queimam mais os “hereges” nas fogueiras é por que os tempos são outros. É por isto que afirmo: Você jamais encontrará um sábio como membro destas instituições. Apenas cegos por um lado e oportunistas por outro. Eu disse cegos? não eu a própria Bı́blia o disse: Porém não vos tem dado o Senhor um Porque surgirão falsos cristos e fal- coração para entender, nem olhos para sos profetas, e farão tão grandes sinais ver, nem ouvidos para ouvir, até o dia de e prodı́gios que, se possı́vel fora, enga- hoje. nariam até os escolhidos. (Dt. 29 : 4) Medite caro leitor sobre esta passagem do Deuteronômio, daqui é lı́cito concluir − com lógica matemática − que os do “povo de Deus” (em nossos dias católicos e evangélicos, notadamente) são cegos, surdos e mudos. Como disse o eminente lógico e pensador Bertrand Russel “não acredito que o motivo que leva as pessoas a aceitar uma religião tenha alguma coisa a ver com o raciocı́nio.” Eu também não creio. Pois o mundo constitui o inferno, e os homens formam em parte os atormentados, e noutra, os demônios. (Schopenhauer/Parerga e Paraliponema) 50 O homem está repleto de tantas e tão grandes misérias que, se não fosse incompatı́vel com a religião cristã, ousaria dizer: se existem demônios, eles próprios expiam as penas do crime, transmigrando para os corpos dos homens. (Vanini) Vanini∗ equivocou-se, que os demônios transmigram para os corpos dos homens não é incompatı́vel com a religião cristã, segundo a própria Bı́blia. Com efeito, no livro bı́blico do Apocalipse lê-se: Aconteceu então uma batalha no céu: Miguel e seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão batalhou juntamente com os seus Anjos, mas foi derrotado, e no céu não houve mais lugar para eles. Esse grande Dragão é a antiga serpente, é o chamado Diabo ou Satanás. É aquele que seduz todos os habitantes da terra. O Dragão foi expulso para a terra, e os Anjos do Dragão foram expulsos com ele. (Ap 12 : 7 − 9) Pelo ao menos a mim aqui está claro que “O Dragão foi expulso para a terra, e os Anjos do Dragão foram expulsos com ele.” Ora, qualquer espı́rito que vem “morar na terra” chegando aqui deve “vestir-se como um homem” (assumir um corpo humano) por que esta é a lei deste plano. Por exemplo, foi o caso do próprio Cristo ao encarnar como Jesus. ∗ ∗ ∗ Retomando um tema anterior, podemos ver a realidade como uma imensa tela em branco, cada um pinta ali a sua “verdade”, e o pincel que cada um utiliza é tingido nas “cores do próprio ego ”, digo: O mundo de vocês é um mundo criado pelo ego; o mundo de vocês é um mundo projetado. Vocês estão usando o mundo real como uma tela e projetando nela as suas próprias idéias. (Osho) Observe a concordância (harmonia) do mı́stico com o filósofo: [. . .] Todos esses valores são, do ponto de vista psicológico, resultados de determinadas perspectivas de utilidade para a manutenção e intensificação de formas humanas de dominação: e apenas falsamente projetados na essência das coisas. É sempre ainda a hiperbólica ingenuidade do homem: colocar a si mesmo como sentido e medida de valor das coisas. (Nietzsche/Sobre O Niilismo/Griffo nosso) ∗ Vanini com toda esta prudência ainda foi condenado à morte. 51 Gentil Concordo plenamente que Jesus falou muitas coisas bonitas e “verdadeiras”, − estas aspas significam que se algumas afirmativas de Jesus forem tiradas do contexto perdem o caráter de verdade absoluta − tanto é que tenho utilizado algumas em meus escritos, no entanto não creio que ele soubesse de tudo e que fosse o “dono da verdade” e muito menos a própria verdade encarnada em forma de gente. Como disse, os crentes criaram uma bolha de ilusões e vivem dentro dela, ninguém tem o direito de perturbar-lhes o sono. E isto rouba-lhes a capacidade de reflexão, os fazem perder o contato com a realidade. Os homens, para lidarem com a realidade, para enfrentarem seus medos, recorrem tanto às drogas dos psiquiatras, quanto às drogas confeccionadas pelos “mercadores do reino de Deus”. Segundo Jesus, é a verdade que liberta, não a mentira, a ilusão. É certo que cada um toma a sua própria ilusão como sendo a verdade. Quando uma suposta verdade não causa a transformação que se espera das duas uma: ou é uma quimera ou não foi compreendida. Observando os cristãos ao longo da história, observando ovelhas, sarcedotes e pastores em nossos dias, a conclusão que se chega é que o que eles tem vivido e pregado é uma grande quimera uma vez que não tem servido nem a eles próprios . . . Vejam no que resultou o “acarajé de Jesus”. Nota: Quando trato, em meus escritos, os sacerdotes pela alcunha de bandidos estou tomando em consideração toda a história pregressa da Igreja católica. Nenhum homem honesto, bem intencionado “e consciente” faria parte de uma tal instituição (retrógrada, como o são as religiões). 2.4.1 Jesus, um mestre iluminado? Existe um pensador audaz que afirmou que Jesus não foi um mestre iluminado. A princı́pio achei este pensador um tanto quanto audacioso, entretanto dispuz-me a ponderar seus argumentos. Confrontando o que ele diz com a conjuntura religiosa “circunjacente” fui forçado a admitir que o referido pensador não é de todo louco, ele afirma: Já foi dito que o caminho da iluminação é comparável a um pássaro voando no céu: ele não deixa pegadas atrás de si; ninguém pode seguir as pegadas de um pássaro. Cada pássaro terá de deixar as próprias pegadas, embora elas desapareçam imediatamente à medida que o pássaro continua a voar. A situação é semelhante e, por isso, não existe a possibilidade de um lı́der e um seguidor. É por isso que eu digo que pessoas como Jesus, Moisés, Maomé e Krishna − que afirmam: “Apenas creiam e me sigam” − nada sabem sobre a iluminação. Se eles soubessem, então essa afirmação seria impossı́vel. Qualquer pessoa que tenha se iluminado sabe que não deixou pegada alguma atrás de si; e dizer aos outros “venham e sigam-me” é simplesmente absurdo. (Osho/Autobiografia de um Mı́stico Espiritualmente Incorreto/Cultrix) 52 Eu já ponderei sobre estas afirmações por diversos ângulos, diversas perspectivas e “o pior” é que não consigo refutá-las; logo, o mı́stico tem a minha completa adesão. Isto tudo está em harmonia com o que dissemos sobre a singularidade de cada ser humano; isto é, que cada ser humano deveria ser único; as religiões se colocam contra a própria Natureza no momento em que nivelam todos como ovelhas ou como gado. Porque gado a gente marca Tange, ferra, engorda e mata Mas com gente é diferente. . . Nesse contexto podemos compreender por que Deus deixou de atender (não deu ouvidos) à oração de Jesus: Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és mim, e eu, em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. (Jo 17 : 21) A propósito, uma outra afirmação de Jesus que, pelo ao menos a mim, mostra que ele não era tão iluminado quanto querem nos fazer crê é a seguinte: Quem não é comigo, é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha. (Mt 12 : 30) Veja bem, em minhas (sinceras) buscas espirituais me deparei com uma outra via∗ para me relacionar com Deus, não entendo por que Deus não respeitaria minha escolha (livre arbı́trio), não entendo por que se eu não me juntar a Jesus estou espalhando, não apenas eu como bilhões de outros seres humanos ao redor deste planeta. Creio que assim como Deus me deu uma impressão digital que é única, só minha, também Ele me deu um caminho único, só meu. Me deu ou eu tenho que construir com meu esforço − isto me parece mais razoável. Cada pássaro terá de deixar as próprias pegadas, embora elas desapareçam imediatamente à medida que o pássaro continua a voar. Creio que Jesus foi um ser especial (um mestre) que encarnou neste plano para cumprir uma missão; entretanto, nasceu em um determinado tempo e lugar, sofreu influências do ambiente cultural e religioso de sua época − foi “mimetizado culturalmente”− não poderia ter sido diferente. Em minhas pesquisas conheci outras culturas e formas de se relacionar com o divino, Jesus herdou toda uma carga cultural e religiosa oriundas do judaı́smo; sinceramente não creio que a cosmologia judaica seja a mais ∗ Meditação, Reflexão, Dedução, Introspeção. 53 Gentil inteligente das que existem sobre a terra e, portanto, decidi não “juntar” com Jesus e, não obstante, não creio que por isso esteja espalhando como ele afirma. Veja bem, até mesmo o “quadro” Deus pode ser visto sob perspectivas distintas, sob “verdades” distintas. Jesus era judeu, herdou do judaı́smo uma concepção antropomórfica de Deus (Deus é pessoal), se essa concepção era apropriada a seu tempo não creio que ainda o seja para o nosso. A minha formação é a de matemático, assim como um peixe definha e morre fora da água de igual modo um matemático sente-se asfixiado em um “sistema” que envolva contradições, e um Deus pessoal contradiz, choca-se frontalmente com a realidade que observamos − como estaremos mostrando. Há uma qualidade de êxtase que não é prazer; só vem esse êxtase quando existe em nós mesmos aquela ordem matemática, que é absoluta. (Krishnamurti) Eu vejo, mas não acredito! Acredito que o matemático desenvolve um “sentido” irredutı́vel à visão, à audição e ao tato, que lhe permite perceber uma realidade tão palpável quanto, mas bem mais estável que a realidade fı́sica, pois não localizada no espaçotempo. (Alain Connes) A matemática e a fı́sica∗ são pródigas em exemplos de que a nossa pobre “lógica linear ” naufraga frente ao infinito. O matemático alemão Georg Cantor se dedicou por muito tempo ao estudo do infinito. Em seus estudos concluiu que existem várias espécies de infinito − obteve uma hierarquia de infinitos −. Para ele havia um nı́vel de infinito inatingı́vel, definitivo, o Absoluto, que ele identificava com o próprio Deus. Em suas pesquisas a respeito do infinito ele obteve alguns resultados “absurdos” (paradoxais) dos quais ele próprio chegava a duvidar; inseguro escreveu a um outro matemático para que verificasse se de fato seus “cálculos” estavam corretos. Cantor exclamou: “Eu vejo, mas não acredito!”. ∗ Teoria da relatividade e mecânica quântica, notadamente. 54 Um destes resultados que Cantor chegou a duvidar foi o de que em um segmento de reta unitário existem “tantos pontos quanto num quadrado de lado unitário”. 1 1 s 0 s 0 1 Tudo isso, que à primeira vista parece excesso de irrazão, na verdade é o efeito da finura e da extensão do espı́rito humano e o método para encontrar verdades até então desconhecidas. (Voltaire, 17 a Carta) De um outro modo: Cantor consegue transferir todos os pontos do segmento à esquerda para o quadrado à direita de modo a preencher toda a superfı́cie do quadrado. Cada ponto do intervalo ocupa uma única posição no quadrado. Aonde eu estou querendo chegar? Estou querendo afirmar que o nosso “pobre bom senso” quando se aplica ao infinito (Absoluto, Deus) fica completamente desnorteado. Nos dois próximos capı́tulos estaremos provando que o “bom senso” de padres e pastores a esse respeito não é muito superior aos dos primitivos que cultuam um crocodilo como Deus. Por exemplo, em minhas pesquisas dois resultados surpreendentes a que cheguei é o de que Deus não raciocina e, por conseguinte, não é inteligente . . . Eu vejo, mas não acredito! Com efeito, pensando bem, o raciocı́nio é uma limitação, alguém raciocina porque precisa “atingir algo”, não é o caso de Deus, No qual tudo é simultâneo. O leitor, por acaso, saberia me dar um exemplo de uma situação na qual Deus precisaria raciocinar? Felizmente me deparei com dois pensadores que apontam nesta mesma direção, veja: A hipótese ingênua segundo a qual “o creator mundi” [o Criador do mundo] é uma entidade consciente deve ser vista como um preconceito de graves conseqüências, por ter dado ocasião, posteriormente, a distorsões lógicas as mais incrı́veis. Por isso parece-me que não haveria a necessidade do absurdo da “privatio boni”, se não fosse preciso admitir que a natureza consciente de um deus bom é incapaz de praticar ações más. A natureza inconsciente e irreflexa de Deus permite, pelo contrário, adotar um ponto de vista que subtrai o agir de Deus ao julgamento moral e impede que surja um conflito entre a sua bondade e seu caráter temı́vel. (Carl Gustav Jung/Resposta a Jó, p. 25) 55 Gentil De uma outra fonte independente: Portanto, Deus não é transcendente ao universo, nem pode ter personalidade, providencia, livre vontade e propósitos. Então, mesmo o homem bom, apesar de que ame a Deus, não pode esperar que Deus o ame em retorno. (Espinoza) O problema todo é que o Deus pessoal hoje em dia aprisiona − é suficiente observar as igrejas − e um Deus não pessoal libertaria, creio assim. Volto a enfatizar, todos os que se encontram dentro das igrejas, sob o jugo de padres e pastores, são escravos, essa é a minha perspectiva, a minha verdade. Não tenho dúvidas − e a realidade comprova − que todo Deus é uma construção humana; digo, toda concepção divina é produto do homem. O Deus pessoal, que ainda hoje vigora nas igrejas, resultou no desastre que aı́ está: embuste e alienação. É um Deus que em mãos de mercadores escraviza. Esse Deus precisa urgentemente ser substituido. A questão pela qual muitos não se dão conta desta urgência, do estrago causado pelas religiões, é que vivem num nı́vel de consciência de sonâmbulos, vivem em uma penumbra (pouca luz). Permitam-me projetar uma cena frente a seus olhos com o intuito de me fazer melhor compreender: Apalpamos as paredes como cegos; sim, como os que não têm olhos andamos apalpando; tropeçamos ao meio dia como no crepúsculo, e entre os vivos somos como os mortos. (Is 55 : 8) É precisamente esta a realidade das ovelhas confinadas nos apriscos religiosos. Se esta era a realidade nos tempos do profeta, continua sendo a de hoje. É preciso situar-se num nı́vel de consciência mais elevado para ver que é mesmo assim. Os budas têm uma definição diferente. A definição deles consiste na consciência. Eles não dizem que você está vivo porque pode respirar, não dizem que você está vivo porque seu sangue está circulando; dizem que está vivo se você está desperto. Portanto, com exceção dos que despertaram, ninguém realmente está vivo. Você é um corpo − andando, falando, fazendo coisas − você é um robô. (Osho/Consciência) Retomando um argumento anterior. Por outro lado, e não menos importante, se as igrejas têm o monopólio sobre Jesus, sobre Deus, como eles afirmam, eu lamentaria profundamente ter um padre ou pastor como mestre − 56 como disse, tive contato com outras “cosmologias” frente às quais a judaicocristã está na mesma proporção que o ensino fundamental (primário) está para a pós-graduação. Daqui é lı́cito concluir que quando Jesus afirma: “quem comigo não ajunta espalha” é o mesmo que proibir alguém de prosseguir seus estudos a nı́vel de pós-graduação. É certo isto? Jesus referindo-se aos guias cegos de sua época setenciou: “Deixai-os; são condutores cegos; ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova. ” (Mt 15 : 14) Os padres e pastores atuais são os guias cegos de hoje, são os “fósseis vivos ” dos antigos fariseus hipócritas. Alguém duvida? Observe: É preciso não se deixar induzir em erro: “Não julgueis!”, dizem eles, mas mandam para o inferno tudo o que fica em seu caminho. Ao fazerem Deus julgar, julgam eles próprios; ao glorificarem a Deus, glorificam a si próprios [. . .] (Nietzsche) 2.4.2 Entendo que ninguém é “especial” aos olhos de Deus A questão principal é: “O que é Deus?”. Se buscarmos uma resposta entre os povos nos surpreenderemos pela diversidade de opiniões − muitas até contraditórias. Assim como não existe uma resposta fechada para o que seja a verdade, tão pouco existe para o que seja Deus. O que existe são “construções mentais” ou, em muitos casos, “masturbações mentais”. Esse auto-hipnotismo (bolhas de ilusão) faz com que os crentes consideremse “especiais” aos olhos de Deus. Dá até a impressão de que Deus é seus empregado. Tudo o que eles conquistam foi Deus que lhes deu. Se um pastor adquire um carro novo, uma mansão, as cegas ovelhas dizem que foi Deus que lhe deu. É a tudo isso o que denomino de masturbação mental. Porém não vos tem dado o Senhor um coração para entender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até o dia de hoje. (Dt. 29 : 4) Veja, se existem milhares de crianças morrendo de fome ao redor do mundo, se existem milhares de crianças morando nas ruas, passando fome, por que Deus estaria preocupado em dar um carro novo ou uma casa nova para um pastor? para um crente? Que Deus seria este? Ora, um Deus engendrado em suas mentes por padres e pastores, um Deus totalmente fictı́cio (“Ilusão de ótica”) : . . . bêbedos estão, mas não de vinho, andam cambaleando, mas não de bebida forte. Essa foi a espécie mais fatal de mania de grandeza que até agora existiu sobre a terra: uns pequenos abortos de carolas e mentirosos começam a reinvidicar para si os conceitos de “Deus”, “verdade”, “luz”, Gentil 57 “espı́rito”, “amor”, “sabedoria”, “vida”, como se fossem sinônimos de si, para com isso delimitar o “mundo” contra si [. . .] (Nietzsche) Em uma outra tradução, para o leitor escolher: Esta é a mais perigosa loucura de grandezas, que “nunca” existiu sobre a terra; abortos de santarrões e de embusteiros começaram a açambarcar as idéias de “Deus”, de “verdade”, de “luz”, de “espı́rito”, de “amor”, de “sabedoria”, de “vida”, como se estas idéias fossem de certo modo o sinônimo do seu próprio ser, para estabelecer a separação entre ele e o “mundo”; raquı́ticos judaicos, em grau superlativo maduros para toda a espécie de manicômios: valorizaram as coisas conforme o seu critério, como se o cristão fosse o sentido, o sol, a medida e o “último Juı́zo” de tudo o mais . . . (Nietzsche/O Anticristo) Um crente me afirmou certa feita que ele, ao dirigir-se à sua igreja − em seu transporte −, estava sob a proteção de Deus. Contra-argumentei: não por isto, já vi teto de igreja desabando na cabeça dos fiéis. A propósito, lembrei-me daquela distinta Senhora, Zilda Arns, engajada em causas sociais, que militava em favor dos pobres − pelo ao menos 100 vezes mais do que muitos crentes e pastores que ficam apenas na retórica − ela estava rezando, com outros fiéis, em uma igreja no Haiti quando, em função do terromoto, foram soterrados, o teto da igreja desabou sobre suas cabeças e os matou. Será que todos os crentes que se julgam protegidos pelo “sangue de Jesus” são mais especiais aos olhos de Deus do que o foi aquela distinta senhora? Veja bem, assim como quando estamos dormindo o cérebro cria através dos sonhos as “realidades” mais absurdas, de igual modo acontece quando estamos acordados − desta vez através dos pensamentos. Assim como existem as ilusões de ótica − como as da página 42 − não tenho dúvidas de que existem as “ilusões de pensamento”, de cognição. Claro, compreendo que essas bolhas de ilusões tem proporcionado “felicidades” a muitos, tem auxiliado muitos a transporem obstáculos . . . tudo bem. No entanto, o problema é que estas ilusões se estendem pela vida inteira, ninguém se esforça por livrar-se de suas muletas, permanecem aleijados para o resto da vida. Como disse, e volto a insistir, uma masturbação apenas porque proporciona um “orgasmo verdadeiro” não significa que por isto esteja justificada “para todo o sempre”; devemos ir em busca de satisfações verdadeiras, digo, mais elevadas, consistentes. Ao que me parece, não é isso o que as igrejas andam vendendo aos incautos fiéis. Tenho percebido que uma das razões pelas quais as pessoas caem vı́timas de ilusionistas e prestidigitadores de todo gênero (a exemplo de padres, 58 pastores, “mestres” e “gurus”) é que elas sentem a necessidade de algo para acreditar, estão sempre buscando muletas para se apoiarem. Nestas condições creio que os ateus estão melhor protegidos − blindados. Certa feita tive o seguinte insight: “Seria muito bom se Deus não existisse!”. Em seguida refletindo sobre este “raio” que riscou em minha mente, não é que faz sentido? Com efeito, entre um Deus que escraviza e um “Não-Deus” (como é o caso do budismo) não tenho dúvidas que é melhor o “Vazio”. Um oportuno esclarecimento: Não sou ateu, apenas não creio no Deus pregado (engendrado) pelas religiões; a minha concepção de Deus é bem diferente. Não cabe aqui no momento eu me estender nesta direção − este é um assunto para os próximos capı́tulos −, no entanto é suficiente pontuar que o meu Deus não é meu “Senhor”, não sou seu servo, tenho-o como meu Amigo, não devo temê-lo e nem Ele me vê como um pecador. Ademais, minha confiança Nele é tamanha que não há espaço para orações. Eu não disse que tudo se resume a construções mentais? Como me relacionar com o meu Deus é uma decisão minha, onde estaria o problema? Apenas observo o seguinte, embora meu Deus seja uma construção minha, esta construção não é totalmente arbitrária posto que existe toda uma fundamentação teórica que a sustenta. Não é um sonho particular, uma vez que sou capaz até de fundamentá-lo matemáticamente, se preciso for. Sendo assim, em que um Deus pode ser melhor que outro? O problema é que os Deuses das religiões foram engendrados com interesses subreptı́cios, maquiavélicos, polı́ticos e aı́ resultou no desastre que pode ser constatado ao longo da história e à nossa volta, lembre-se: Deformamos o real porque o apreendemos espontaneamente através de nossas impressões sensı́veis, de nossos desejos, nossas paixões, nossos interesses, nossos hábitos, [. . .] (Simone Manon/Platão) A minha contribuição − se se quiser ver assim − é deixar claro, é chamar a atenção, é conscientizar de que o homem tem responsabilidade, por sinal uma mega responsabilidade, na construção do seu próprio Deus. O Deus que aı́ está, o das religiões, já deu o que tinha que dá: embuste, alienação e cegueira: “Porém não vos tem dado o Senhor um coração para entender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até o dia de hoje.” Volto a sublinhar para que nenhuma dúvida paire no ar. Vejo muitas manifestações religiosas como naturais e adequadas ao nı́vel de desenvolvimento de cada povo, ou de cada indivı́duo. Agora, no momento em que estas manifestações conduzem à exclusão e ao fanatismo, como acontece com os cristãos de modo geral, aı́ passo a ver essas práticas como doentias, deturpadas. As minhas crı́ticas (diatribes) se dirigem preferencialmente às práticas que alienam e cegam. 59 Gentil Por exemplo, no mais das vezes quando vejo pastores e padres se manifestarem sobre assuntos espirituais percebo que eles o fazem com tamanha empáfia que me dá a impressão de que possuem as chaves do céu e do inferno, considero estas almas enfermas, sem luz. Veja ainda: a religião cristã, ou qualquer uma de suas variantes − ou qualquer outra prática religiosa − não é indispensável à humanidade, tanto é assim que bilhões de seres humanos viveram, vivem e viverão sem uma prática especı́fica. O que é indispensável mesmo é o ar que respiramos, não o “acarajé de Jesus”. Lembre-se “tudo o que é particular” pertence necessáriamente ao mundo dos sonhos − ou ao mundo das masturbações, como se preferir. O mundo da ignorância, a caverna, é portanto o mundo da crença, de todos esses conhecimentos que podem ser agrupados sob o nome de “opinião”. São todas essas idéias que não podemos explicar racionalmente, mas às quais aderimos por razões completamente diferente da razão. O acaso pode fazer com que uma opinião seja verdadeira, mas nem por isso ela deixa de ser uma opinião, isto é, uma crença e não um saber [· · · ] (Simone Manon/Platão, [9]) ∗ ∗ ∗ Desgarrar muitos do rebanho − foi para isso que eu vim. Devem vociferar contra mim povo e rebanho: rapinante quer chamar-se Zaratustra para os pastores. Pastores digo eu, mas eles se denominam bons e justos. Pastores digo eu: mas eles se denominam os crentes da verdadeira crença. Vedes os bons e justos! Quem eles odeiam mais? Aquele que quebra suas tábuas de valores, o quebrador, o infrator: − mas este é o criador. Vedes os crentes de toda crença! Quem eles odeiam mais? Aquele que quebra suas tábuas de valores, o quebrador, o infrator: − mas este é o criador. [. . .] Mutação dos valores − essa é a mutação daqueles que criam. Sempre aniquila, quem quer ser um criador. Vigiai e escutai, ó solitários! Do futuro chegam ventos com misteriosas batidas de asa; e para ouvidos finos há boa notı́cia. Vós solitários de hoje, vós que vos apartais, havereis um dia de ser um povo: de vós, que vos elegestes a vós próprios, há de crescer um povo eleito: − e dele o além-do-homem. (Nietzsche/Assim Falou Zaratustra) 60 2.5 Engenharia Teológica No lugar da verdade ou da realidade, temos unicamente o limitado discurso humano, os sistemas de crença e os atos de interpretação que cada um de nós faz na prisão da linguagem ou da cultura. Desafiar essas pretensas “verdades”, desconstruir as suposições nas quais elas se apóiam, é a tarefa da nossa época. (Danah Zohar, fı́sica e filósofa/[8], p. 172) Na página 17 afirmei, com base em Ap 12 : 7 − 9, que os demônios ao aportarem em nosso orbe foram céleres em criar as religiões para escravizarem os homens. Nesta seção estaremos juntando mais alguns fatos em apoio à nossa tese. O que denomino de “engenharia teológica”, ou satânica, são alguns artifı́cios − reconhecidamente diabólicos − engendrados por teólogos, doutores e “santos” da Igreja para manter o povo ignorante cativo de seus ardis e ciladas. Encontrei em um site católico∗ um artigo por tı́tulo Tratado da Verdadeira Devoção à Virgem Maria (resumido) do Prof. Edmundo Vegini, Segundo o método da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora de São Luiz Maria de Grignion de Monfort. É um longo artigo farei alguns comentários sobre alguns pontos do mesmo. 2.5.1 Astutos até à santidade A primeira astúcia satânica que decodifiquei foi a seguinte: uma mega exaltação à Virgem Maria, colocando-a no lugar do próprio Cristo, e por que isto? Ora, como Jesus deixou de ser monopólio da Igreja Católica, i.e., viu-se obrigada a dividı́-lo com as mirı́ades de igrejas evangélicas, então astutamente colocaram o culto à Maria como condição da salvação porque apenas eles detêm o monopólio sobre a Virgem; resumindo: quem quiser ser salvo deve tornar-se católico, fui claro? Fiquei estarrecido, embasbacado, por um lado com tantas afirmações insanas e por outro, com a profundidade da cegueira a que o homem pode submergir, refiro-me às cegas ovelhas que não conseguem decodificar ardis satânicos tão explı́citos, tais como: 25. Deus Espı́rito Santo comunicou a Maria, Sua Fiel Esposa, Seus dons inefáveis, escolhendo-A para dispensadora de tudo que Ele possui. Deste modo Ela distribui Seus dons e Suas graças a quem quer, quanto quer, como quer e quando quer, e dom nenhum é concedido aos homens, que não passe por suas mãos viginais. Tal é a vontade de Deus, que ∗ www.salvaialmas.com.br 61 Gentil tudo tenhamos por Maria e assim será enriquecida, elevada e honrada pelo Altı́ssimo, Aquela que, em toda a vida, quis ser pobre, humilde e escondida até ao nada. Eis a opinião da Igreja e dos Santos Padres. É a isto que chamo de engenharia teológica, ou satânica. Chega a ser tão hilário que, para expressar minha indignação (repulsa) só posso transformála em piada, com efeito: Segundo a própria Bı́blia, a Virgem não foi tão fiel quanto afirmam pois que cumulou o Espı́rito Santo de chifres, com José, uma vez que Jesus teve irmãos − a menos que estes tenham sido também gerados pelo Espı́rito Santo, se for este o caso retiro minha acusação. Vejam se não é engenharia satânica: afirmam que o próprio Deus é submisso à Virgem Maria . . . Pasmém! O leitor, por acaso, acha que tenho necessidade de mentir? Veja com seus próprios olhos: 76. “Ao poder de Deus tudo é submisso, até a Virgem; ao poder da Virgem tudo é submisso, até Deus ”. Estamos falando de uma nova modalidade de engenharia: 28. No céu, Maria dá ordens aos Anjos e aos Bem-aventurados. Para compensar sua profunda humildade, Deus lhe deu o poder e a missão de povoar de santos os tronos vazios, que os anjos apóstatas abandonaram e perderam por orgulho. E a vontade do Altı́ssimo, que exalta os humildes (Lc 1, 52), é que o céu, a terra e o inferno se curvem, de bom ou mau grado, às ordens da humilde Maria, pois, Ele A fez Soberana do céu e da terra, General de Seus exércitos, Tesoureira de Suas riquezas, Dispensadora de Suas graças, Artı́fice de Suas grandes maravilhas, Reparadora do gênero humano, Mediadora para os homens, Exterminadora dos inimigos de Deus e Fiel Companheira de Suas grandezas e de Seus triunfos. Pelo visto Deus se esqueceu de acrescentar no Decálogo entregue a Moisés: “Não terás outros deuses diante de mim, exceto Maria, minha Esposa”. Aqui não tenho como não citar o visionário Nietzsche: Mas a pose grandiosa desses espı́ritos doentes, desses epiléticos das idéias, age sobre as grandes massas − os fanáticos são pitorescos, a humanidade prefere ver gesticulações antes que ouvir a verdade. (Nietzsche/Grifo nosso) Como disse, e não canso de clamar, o demônio se utiliza das religiões como meio de escravizar os homens, esta afirmação é uma das que achei mais fáceis de provar, veja: Uma das consagrações que considero mais completas, profunda e compromissada é a Consagração como Escravo de Maria Santı́ssima, segundo o método de São Luiz Maria Grignion de Monfort. (Prof. Edmundo Vegini) 62 Segundo o texto de São Luiz há uma diferença entre servo e escravo, os que deverão servir à Igreja, através de Maria, são escravos, de ambos o mais inferior, vejam: 71. A diferença entre um servo e um escravo é total: 1o - um servo não dá a seu patrão tudo o que é, tudo o que possui ou pode adquirir por outrem ou por si mesmo; mas um escravo se dá integralmente a seu senhor, com tudo o que possui ou possa adquirir, sem nenhuma exceção. 2o - o servo exige salários pelo serviço que presta a seu patrão; o escravo, porém, nada pode exigir, seja qual for a assiduidade, a habilidade, a força que empregue no trabalho. 3o - o servo pode deixar o patrão quando quiser, ou ao menos quando expirar o tempo de serviço, mas o escravo não tem esse direito [. . .] Em seguida: 72. Só a escravidão, entre os homens, põe uma pessoa na posse e dependência completa de outra. Nada há, do mesmo modo, que mais absolutamente nos faça pertencer a Jesus Cristo e à Sua Mãe Santı́ssima do que a escravidão voluntária, conforme o exemplo do próprio Jesus Cristo, que, por nosso amor, tomou a forma de escravo (Filip 2, 7) e da Santı́ssima Virgem, que se declarou Escrava do Senhor. (Lc 1, 38) [. . .] É a isto que chamo de construções mentais, masturbação mental; eles chegam propositadamente, ou melhor satanicamente, a distorcer, a engendrar, para direcionarem a seu bel-prazer. Estive consultando as duas passagens acima e, pelo ao menos na minha Bı́blia, não consta a palavra escravo, mas sim servo; o que, segundo o autor, não são a mesma coisa. Como disse, o artigo é longo, permeado de sandices, de manobras espúrias, enfim, de engenharia satânica; não pretendo me estender em demasia, apenas mais duas citações: 86. Tudo isto é tirado de São Bernardo e de São Boaventura. De acordo com suas palavras, temos três degraus a subir para chegar a Deus: o primeiro, mais próximo de nós e mais conforme a nossa capacidade, é Maria; o segundo é Jesus Cristo; e o terceiro é Deus Pai. Para ir a Jesus é preciso ir a Maria, pois Ela é a Medianeira de intercessão. Para chegar ao Pai Eterno é preciso ir a Jesus, que é nosso Medianeiro de Redenção. Ora, pela observação que preconizo, mais adiante, é esta a ordem perfeitamente observada. Apenas observo que estes santos estão indo além da Bı́blia que em parte alguma menciona estes degraus, pelo contrário, Jesus afirma: “Ninguém vem ao Pai senão por mim”, sem fazer nenhuma menção à Maria. Gentil 63 E se de fato estes santos afirmaram isto, serei forçado a concluir que dentre a classe dos santos também podemos encontrar idiotas. Depois a Igreja reclama que cresce o número de ateus no mundo, e de seus detratores, como poderia ser diferente? 158. Ainda que me apresentem um caminho novo para ir a Jesus Cristo, e que esse caminho seja pavimentado com todos os merecimentos dos bem aventurados, ornado de todas as suas virtudes heróicas, iluminado e decorado de todas as luzes e beleza dos anjos, e que todos os anjos e santos lá estejam para conduzir, defender e amparar aqueles e aquelas que o quiserem palmilhar; em verdade, em verdade, digo ousadamente, e digo a verdade, eu havia de preferir a este, tão perfeito, o caminho imaculado de Maria, [. . .] Estive refletindo sobre esta construção mental e me pergunto se esta devoção cega não se deve ao fato de Maria ser virgem; não se sabe ao certo qual o sexo dos anjos, logo, mais vale um pássaro na mão do que dois voando. Neste particular creio que os mulçumanos são mais afortunados que os santos cristãos; com efeito, os primeiros são capazes de atos insanos em troca de nada mais nada menos que “setenta virgens ” no paraı́so, enquanto os cristãos em troca de apenas uma . . . e que os católicos não venham tentar me convencer de que a Virgem Maria vale por setenta virgens mulçumanas que eu não acredito, vou logo avisando! Os considerados santos de certas religiões quase nunca são criadores. São simples virtuosos ou alucinados, aos quais o interesse do culto e a polı́tica eclesiástica atribuı́ram uma santidade nominal. (José Ingenieros) A multidão é sempre de ovelhas, e todo o esforço do passado tem sido o de converter cada indivı́duo numa peça de engrenagem, em uma parte morta de uma multidão morta. Quanto mais inconsciente ele é, e quanto mais o seu comportamento é dominado pela coletividade, menos perigoso ele se torna. Na verdade, ele se torna quase inofensivo. Ele não pode destruir nem mesmo sua própria escravidão. Pelo contrário, ele começa a glorificar sua própria escravidão − sua religião, sua nação, sua raça, sua cor. Essas são as suas escravidões, mas ele começa a glorificá-las. [. . .] (p. 74) O rebelde terá uma nova moralidade − não de acordo com algum mandamento, mas de acordo com sua consciência. Ele terá uma nova religiosidade; ele não pertencerá a religião alguma, porque isso é absolutamente estúpido. A religiosidade é um fenômeno privado e pessoal. (Osho/O Rebelde, p. 15) 64 Oportunamente faremos algumas referências à fı́sica quântica, então: O que é fı́sica quântica? A fı́sica quântica (também conhecida como mecânica quântica e teoria quântica) é principalmente o estudo do mundo microscópio. Nesse mundo muitas grandezas fı́sicas são encontradas apenas em múltiplos inteiros de uma quantidade elementar; quando uma grandeza apresenta essa propriedade, dizemos que é quantizada. A quantidade elementar associada à grandeza é chamada quantum da grandeza (o plural é quanta). Uma grandeza quantizada que está presente no nosso dia-a-dia é o dinheiro. O dinheiro no Brasil é quantizado, já que a moeda de menor valor é a de um centavo (R$ 0, 01), e os valores de todas as outras moedas e notas são obrigatoriamente múltiplos inteiros do centavo. Em outras palavras, o quantum de dinheiro em espécie é R$ 0, 01, e todas as quantias maiores são da forma n × (R$ 0, 01), onde n é um número inteiro. Não é possı́vel, por exemplo, pagar com dinheiro vivo uma quantia de R$ 0, 755 = 75, 5 × (R$ 0, 01). Em 1905 Einstein propôs que a radiação eletromagnética (ou, simplesmente, a luz) era quantizada; a quantidade elementar de luz é hoje chamada de fóton. [. . . ] O conceito de quantum de luz, ou fóton, é muito mais sutil e misterioso do que Einstein imaginava. Na verdade, até hoje não é compreendido perfeitamente. Segundo Einstein, um quantum de luz de freqüência f tem uma energia dada por E = hf (energia do fóton) onde h é a chamada constante de Planck, que tem o valor h = 6, 63 × 10−34 J · s Capa da refer^ encia [4] (Extraı́do de Halliday & Resnick/Vol. 4) Capı́tulo 3 O CAXIRI DO PADRE Pasmai e maravilhai-vos; cegai-vos e ficai cegos; bêbedos estão, mas não de vinho; andam cambaleando, mas não de bebida forte. 3.1 (Is 29 : 9) Introdução Se me perguntassem o que eu destacaria como o principal diferencial entre o artista genuı́no e o homem comum eu diria: sensibilidade. Com efeito, diante de uma cena comum do dia a dia − digamos, um polı́tico mentindo ou um pastor tosquiando uma ovelha − para a qual o homem comum é surdo (insensı́vel), um músico recebe dali inspiração para compor uma música, um pintor poderá pintar uma tela, um poeta escrever um inspirado poema, um jornalista escrever uma reportagem ı́mpar, um escritor escrever um ensaio, e assim por diante. Já não conto mais o número de artigos que escrevi e, mais recentemente, um espesso livro; tenho tido a oportunidade de constatar em várias oportunidades o que disse acima. A minha caracterı́stica básica para escrever se dá através de estı́mulos que recebo do “ambiente em volta”. Por exemplo, escrevi o capı́tulo anterior em função de uma reportagem que assisti na televisão; já o presente capı́tulo nasceu de dois estı́mulos que recebi; o primeiro me veio durante um diálogo com um amigo que me falava de uma conversa que tivera com um tuchaua de uma maloca aqui do Estado (RR) que na ocasião (o tuchaua) se lamentava pelo fato de que os caboclos de sua maloca estavam se recusando a tomar o caxiri ∗ e dançar o parixara† , isto tudo sob a funesta influência dos padres. ∗ bebida de baixo teor alcoólico preparada por meio da fermentação da mandioca e utilizada nas malocas em comemorações. † Uma dança indı́gena que visa à celebração da colheita. 65 66 O segundo estı́mulo me veio por conta de um livro que me emprestaram com o tı́tulo “Como Evangelizar com Parábolas ” (da Canç~ ao Nova). Ora, vi a ingerência dos padres nas malocas como pura e simples destruição de uma cultura, lembrei-me de que esta modalidade de “estupro” sempre aconteceu na história da Igreja − muitas vezes a destruição se deu através de mortes e torturas −, no pouco que li do livro da Canção Nova percebi que tratava-se de puro proselitismo, amealhar ovelhas em outros apriscos, isto tudo, em contato com minha sensibilidade, me provocou uma certa indignação da qual nasceu o presente capı́tulo. Uma outra caracterı́sticas dos meus escritos é que sei como e por que devo começá-los mas não conheço o meio (desenvolvimento) e como terminará a obra. Por exemplo, o livro que escrevi “O Tao da Matemática” (com 500 p.) a princı́pio, pelo meus planos, seria apenas um artigo de aproximadamente 20 páginas. Para finalizar essa introdução advirto ao leitor que em todos os meus escritos na área da espiritualidade − escrevo também sobre matemática − existe o que eu poderia chamar de uma “indignação de fundo ” ou “residual ” em função do comércio no qual se transformaram as religiões; por oportuno, minha sensibilidade me permite ver que os bandidos trocaram o revólver pela Bı́blia e assim podem assaltar tranquilamente sob as barbas das autoridades (in)competentes, ou coniventes, mas não é só isto . . . Qual caxiri embriaga mais? Caro leitor, examine o seguinte texto e, após, levantarei uma questão: Os valdenses Estes devem seu nome a Pierre Valdo (ou Valdense), rico mercador de Lyon, que abriu mão de seus bens, doando-os aos necessitados, e, em 1176, reuniu um grupo de paupérrimos pregadores errantes. Os valdenses atacavam a corrupção na Igreja romana atribuı́am o sacerdórcio a todos os fiéis, homens ou mulheres. Para eles, o homicı́dio e a mentira, qualquer que fosse, eram pecados mortais, portanto, eram pecadores também os promotores das Cruzadas. Os pastores valdenses se consagravam ao celibato e à pobreza e se dedicavam aos sermões. Graças ao zelo missionário, sua crença se espalhou por vários paı́ses da Europa Ocidental. Seu sucesso preocupou os vértices da Igreja, que passaram da tolerância relativa à repressão. O próprio Valdo foi excomungado em 1184. O papa Inocêncio III percebeu a popularidade dos “Pobres de Lyon” e, em 1208, tentou cruzar seu caminho, instituindo os “Pobres católicos”, que, sob o controle da Igreja, tinham permissão para observar todas as práticas valdenses julgadas ortodoxas. A conduta dos valdenses era irrepreensı́vel: eram trabalhadores operários e humildes, vestiam-se de forma simples, esquivavam-se dos ataques de raiva 67 Gentil e evitavam as formas de prazer terreno, como a dança ou a reunião em tabernas. Mas sua vida pacı́fica e popularidade não conseguiram salvá-los. Alguns acabaram na fogueira em Estrasburgo, em 1212. O Concı́lio de Latrão os condenou definitivamente em 1215, e em seguida tiveram de enfrentar também os ataque da Inquisição, que prendeu centenas deles. Em 1393, foram queimados na fogueira 150 valdenses em um único dia. Dizimados, refugiaram-se nos Alpes, entre a França e a Savóia. [. . .] (∗ ) A pergunta que não quer calar: o que embriaga mais, o caxiri que o caboclo bebe para dançar o parixara ou o “vinho” que os padres bebem para assassinar e estuprar? Observe como o vinho do padre também embriaga: Pasmai, e maravilhai-vos; cegai-vos e ficai cegos; bêbedos estão, mas não de vinho, andam cambaleando, mas não de bebida forte. (Is 29 : 9) Nota: Quando digo “vinho do padre” me refiro à teologia da Igreja e os métodos utilizados para impor sua ideologia; inclusive dizimando e estuprando culturas, como a história registra; veja, por exemplo, “As Cruzadas” e a “Santa Inquisição” − No ano de 1600 o cientista Giordano Bruno foi queimado vivo em uma fogueira; Joana D’arc também foi queimada viva em uma fogueira, compreenderam de que vinho estamos falando? Reitero: O que seria mais abominável aos olhos de Deus: O caxiri que o caboclo bebe para festejar sua colheita ou o “caxiri” que o padre bebe para matar, roubar, mentir e estuprar? 3.2 Uma proposta de ecumenismo universal Há poucos dias assisti uma entrevista de um padre, (Mário) pela Canção Nova, sobre o tema do ecumenismo; muitos falam sobre a união dos cristãos, entretanto esta união deve acontecer sob “a minha bandeira”, ninguém está disposto a ceder em suas crenças. Por outro lado, temos visto padres e pastores se pronunciarem a respeito de Deus, e eles o fazem com tamanha empáfia (estardalhaço) que nos causam a impressão de que sabem do que estão falando. São por demais ingênuos, obtusos, em acreditarem que suas pobres concepções sobre o divino represente toda a realidade. Em meus escritos tenho enfatizado: tudo o que se fala sobre Deus são meras concepções humanas; toda “evangelização” parte da falsa premissa de que “eu tenho o Deus verdadeiro” e portanto devo converter (catequizar) o próximo. ∗ Fonte: O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Fo Jacopo, 1955 - Rio de janeiro: Ediouro, 2007 68 Um mestre diz que aquele que falar de Deus através de qualquer semelhança, fala de modo simplório Dele. Mas falar de Deus através do ‘Nada’; é falar dele corretamente. Quando a alma unificada entra na total auto-abnegação, encontra Deus como um Nada. (Zen budismo) Sobre a superfı́cie da Terra existem centenas de religiões, numa rápida pesquisa constatei as seguintes: Bahai Hinduı́smo Budismo Jainismo Confucionismo Sufismo Deus Taoı́smo Xintoı́smo Tenrikyo Judaı́smo Islamismo Cristianismo Hare Krishna Com certeza essa lista ainda poderia ser ampliada significativamente, por exemplo, deixamos de fora dezenas de religiões africanas. É interessante observar que mais de uma das religiões acima reivindica ter o único Deus verdadeiro, criador dos céus e da terra. Pergunto: Dentre dezenas de religiões o que faz uma delas se julgar superior em relação às demais? − como acontece com os cristãos. Respondo: cegueira e fanatismo, o filósofo se revela mais contundente que eu: Essa foi a espécie mais fatal de mania de grandeza que até agora existiu sobre a terra: uns pequenos abortos de carolas e mentirosos começam a reinvidicar para si os conceitos de “Deus”, “verdade”, “luz”, “espı́rito”, “amor”, “sabedoria”, “vida”, como se fossem sinônimos de si, para com isso delimitar o “mundo” contra si [. . .] (Nietzsche) 69 Gentil Por outro lado, há de se notar que várias das religiões citadas por sua vez subdividem-se em outras dissidências, por exemplo, o cristianismo: Igreja Católica Romana Igreja Ortodoxa Luterana Anglicana Metodista Cristianismo Batista Pentecostais Presbiterianos Mórmons Adventistas Espı́ritas E essa listagem seguramente está incompleta. A bem da verdade existem mais de duas mil denominações cristãs. A questão é: Como construir um ecumenismo universal? Como construir uma confraternização entre os povos? − no que diz respeito às religiões. Desejamos sugerir uma contribuição neste sentido. Penso que o primeiro passo é que cada religião, cada indivı́duo, tome consciência de que não é dona(o) da verdade. Reitero: nenhuma religião é detentora da verdade, no máximo de fragmentos da verdade. Se alguém lhe afirma que possui a verdade, com certeza você encontra-se frente a um cego, surdo e mudo. A “evangelização” surge desta perspectiva errônea de que a verdade é monopólio de algum grupo. A estupidez chega a tal ponto que a discriminação se dá até mesmo dentro de um mesmo grupo. Por exemplo, dentro do próprio catolicismo um grupo discrimina o outro, é o que acontece também com os evangélicos; isto beira à estupidez ou é impressão minha? Segundo, sinceramente não creio que a união desejada entre os povos∗ possa vir através de alguma das religiões hoje existentes. A bem da verdade, defendo que as formas de se relacionar com Deus deveriam ser únicas, individuais; digo, assim como cada ser humano possui uma impressão digital que é única, somente sua e de mais ninguém, de igual modo cada ser humano deveria construir uma maneira própria de se relacionar com o divino. ∗ Me refiro ao universo religioso. 70 Não obstante essa perspectiva, devo admitir que também acho válidas as formas coletivas (ou em grupo) de cultos, mas, todavia, com uma ressalva importantı́ssima: Nenhuma delas pode se pretender dona da verdade, como sempre acontece; vejo estas manifestações como folclóricas. Enfatizo: vejo a maioria das manifestações religiosas como meramente folclóricas − nesta maioria incluo o judaı́smo e sua derivação o cristianismo. Onde reside “o problema” com as religiões? O problema reside precisamente na concepção que elas têm de Deus. Quando padres e pastores nos falam sobre Deus a impressão que temos é que os coitados sabem do que estão falando. E como uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade todos tornam-se vı́timas desta grande mentira pregada pelas religiões − inclusive os próprios lı́deres. Veja como é simples de compreender, pergunto: o homem conhece tudo sobre a ciência ou vai descobrindo paulatinamente à medida que os séculos se sucedem? Uma segunda pergunta: Deus está acima ou abaixo da ciência? Creio que acima. Logo, assim como o homem não detém todo os conhecimentos cientı́ficos seria lógico esperar que ele conhecesse Deus? Se a ciência vai se autoconstruindo ao longo dos séculos não seria lógico esperar que o mesmo deveria dá-se com respeito a teologia? A evolução do conhecimento Nos estudos regulares a hierarquia do aprendizado dá-se assim: Ensino Ensino Fundamental Médio Graduação Mestrado Doutorado Ou ainda, na forma de uma escadinha: Dout. Mest. Grad. E.M. E.F. Defendo a tese que o “mesmo” esforço deveria ocorrer na evolução do conhecimento espiritual. Tenho amiúde observado que uma maioria de alunos ao adentrar a universidade rapidamente se convence de que sabe muito pouco sobre matemática, fı́sica, quı́mica, etc; ou ainda, que a bagagem 71 Gentil com que chegam à universidade é quase nula relativamente ao que ainda resta a aprender. O que me surpreende no entanto é que todos eles estão convencidos de que o que sabem sobre Deus, sobre teologia, sobre espiritualidade já é o bastante. Pelo que tenho estudado, meditado, refletido, pesquisado, sou levado a concluir que no universo da espiritualidade as concepções católica e protestante, por exemplo, situam-se a nı́vel de ensino fundamental em nossa analogia. Isto é, suas concepções sobre Deus estão no primeiro degrau da escadinha anterior, e eles nem se dão conta, nem desconfiam deste fato. Um eminente filósofo e cientista assinalou com bastante propriedade: Quando o espı́rito se apresenta à cultura cientı́fica, nunca é jovem. Aliás é bem velho, porque tem a idade de seus preconceitos. Aceder à ciência é reju- venescer espiritualmente, é aceitar uma brusca mutação que contradiz o passado. (Gaston Bachelard) Se tudo isto vale para a ciência − em particular para a matemática, como já assinalamos (p. 38) − de igual modo vale para o campo espiritual. Ou aceita-se, no âmbito da espiritualidade, uma brusca mutação que contradiz o passado ou se estagna (se mumifica), como amiúde temos observado no que diz respeito aos que estão sob a orientação de padres e pastores. A evolução dos modelos atômicos Já por volta do século V, antes de Cristo, o homem procurava compreender o que aconteceria com um pedaço de matéria se este fosse dividido sucessivamente. A tentativa de explicar a constituição da matéria era realizada pelos filósofos da antiguidade a exemplo de Leucipo e seu discı́pulo Demócrito, que defendiam que a matéria em sua essência era formada por minúsculas partı́culas indivisı́veis − denominadas de átomos∗ . Cerca de 2200 anos após essa concepção inicial cientistas começaram a fazer experiências no sentido de elucidar a natureza da matéria, assim é que em 1.808 o quı́mico inglês John Dalton propôs o seu modelo atômico: o átomo é uma partı́cula (esfera) maciça, indestrutı́vel, impenetrável e indivisı́vel. A principal diferença entre o modelo de Dalton e o dos filósofos da antiguidade é que o de Dalton foi baseado em resultados experimentais, sendo, portanto, considerado um modelo cientı́fico. O modelo de Dalton esteve em voga até o final do século XIX. Não pretendemos aqui discorrer sobre os diversos modelos atômicos erigidos pela ciência, a seguir exibimos um resumo deles: ∗ A=não; tomo=parte, implicando: átomo=não+divisı́vel. 72 0), 1) 2) 3) 4) 5) 0) Modelo de Leucipo e Demócrito (400 a.C) ≈ 2200 anos 1) Modelo de Dalton ((1808)esferas maciças e indivisı́veis/Bola de bilhar) 2) Modelo de Thomson (Pudim de Passas/1897) 3) Modelo de Rutherford (modelo planetário/1911) 4) Modelo de Bohr-Sommerfeld (modelo quantum/1913, 1920) 5) Modelo de Scrödinger (modelo orbital/mecânica quântica) O modelo atualmente aceito está fundamentado em aquisições da mecânica quântica. O que me interessa aqui é tirar um aprendizado para a plataforma espiritual. Primeiro: o homem pode se equivocar por mais de 3.000 anos − com respeito aos conhecimentos cientı́ficos − sem que com isto Deus esteja preocupado em ensinanar-lhe o que é o certo, o que é a verdade. O mesmo acontece no que diz respeito ao universo da espiritualidade − ao que seja Deus, por exemplo. Para se convencer do que afirmo é suficiente uma ligeira espiadela no passado histórico das diversas civilizações − a história é um cemitério de deuses; isto é, de “modelos divinos”. Segundo: estaremos mostrando oportunamente que os modelos divinos que atribuem a Deus caracteristicas humanas − como o judaico-cristão, por exemplo − equivalem, em nossa analogia, ao modelo atômico de Leucipo e Demócrito (são bastante primitivos). ... Deus judaico-cristão (Jeová) Deus quântico Assim como o modelo atômico aceito atualmente fundamenta-se na fı́sica quântica de igual modo defendemos que o modelo divino que deve prevalecer 73 Gentil no futuro∗ também deverá estar alicerçado em aquisições desta disciplina − como estaremos mostrando (justificando, provando) ao longo deste livro − é o que podemos chamar de Deus quântico. Em suas fases primitivas o homem O meu pensamento quis aproximar-se não podia adorar senão a um Deus feito dos problemas do espı́rito pela via de uma à sua imagem e semelhança, porque não diversa experimentação de caráter ab- sabia conceber algo melhor. Atualmente, strato, especulativo, resultante das con- o Deus cósmico, que a ciência nos deixa clusões de processos lógicos da mais mod- entrever, já não cabe dentro das velhas erna fı́sico-matemática. concepções religiosas. 3.3 (Pietro Ubaldi) A mente é a verdadeira natureza das coisas Todo homem que for dotado de um espı́rito filosófico há de ter o pressentimento de que, atrás da realidade em que existimos e vivemos, se esconde outra muito diferente e que, por consequência, a primeira não passa de uma aparição da segunda. (Nietzsche, F. Origem da tragédia.) Tenho conversado com alguns crentes (evangélicos, notadamente) e pude constatar que são muito arraigados, inflexı́veis no que acreditam, não deixam espaço para concepções alternativas. São obstinadamente fiéis às suas “impressões sensı́veis ”, não admitindo quaisquer outras perspectivas. Para eles uma pedra é uma pedra e ponto final! Uma das frases mais densas, mais prenhe de significados, com que já me deparei ao longo da vida é a seguinte: A mente é a verdadeira natureza das coisas. Isto significa que tudo, inclusive Deus, é um resultado da mente. Digo, como o homem vê Deus é um produto da sua mente, não diz respeito ao “Deus em si ” (Absoluto). Uma outra fonte independente confirma a afirmativa anterior: De fato, tudo está na mente: o mundo, o conhecimento, a ignorância, o sofrimento, a dor e o prazer e, num certo sentido, o próprio universo. (Marcelo Malheiros, [4]) No que diz respeito às religiões o problema resulta de que cada uma toma a sua “experiência mental ” como sendo a própria verdade. ∗ Não muito distante, e já presente para alguns. 74 3.3.1 A visão dos animais Vamos tentar convencer o leitor de que nem sempre uma pedra é uma pedra. De fato, há muito tempo os cientistas se deram conta de que os animais compartilhando um mesmo espaço ambiente que os humanos não raro “decodificam” (vêm, ouvem, etc.) este espaço de modo distinto. Isto se deve a que possuem um “hardware” (cérebro) distinto do humano. (p. 84) Olho de um inseto 3.3.2 A visão dos microscópios Fica mais fácil exemplificarmos como a “realidade” resume-se a uma mera questão de zoom se apelarmos para a visão de um microscópio. Vejamos, através de uns poucos exemplos, como a nossa realidade se modifica quando vista sob as lentes (“visão”) de um microscópio: Piolho Formiga Ponta da lı́ngua de uma borboleta É precisamente dentro deste contexto que o eminente pensador faz-se coberto de razão ao afirmar: 75 Gentil Os fenômenos são organizados pelo nosso aparelho perceptivo e cognitivo, sendo assim em parte dependentes do sujeito. (Immanuel Kant) E o que tudo isto tem a ver com Deus? Observe que uma pedra − como se nos apresenta − não é a verdadeira natureza de uma pedra. De igual modo, como os homens têm nos representado Deus ao longo das eras, não é a verdadeira natureza de Deus, posto que os fenômenos são organizados não apenas pelo nosso aparelho perceptivo (órgãos sensoriais) como também pelo cognitivo∗ . Assim como o sentido da visão pode aplicar diversos zoom’s sobre a observação de uma dada realidade, de igual modo a consciência pode aplicar zoom’s sucessivos à compreensão de uma dada realidade − Deus, por exemplo. É por isto que a visão de Deus de um Espinoza, de um Einstein ou de um Buda, não pode ser a mesma de um padre ou de um pastor. Seus aparelhos cognitivos têm potências diferentes − diferem na mesma proporção que uma visão normal difere da de um microscópio. Não é por nada, é que padres e pastores encontram-se enclausurados em uma gaiola, lembramos que Espinoza recusou uma pensão oferecida pelos sacerdotes para que não tivesse sua liberdade de pesquisa comprometida − não permitiu que lhe colocassem antolhos, como ainda hoje acontece nos seminários de teologia. 3.3.3 Deus visto sob as lentes de um potente “microscópio” Voltando a um tema anterior. Como podemos entender a relação existente entre Deus e os deuses manifestos pelas mais diversas religiões? Esta relação exponho-a através de uma analogia. Existe uma experiência na fı́sica na qual um prisma ao receber a Luz branca a decompõe em um espectro de frequências, “as sete cores do arco-ı́ris ” , assim: Vermelho Alaranjado Amarelo  Luz Branca ∗ Verde (Prisma) Cognição: Conhecimento, percepção, compreensão. Azul Anil Violeta 76 Como a experiência do prisma está distante de muitos leitores vejamos uma outra experiência mais próxima. Se o leitor pegar um CD-ROM e colocá-lo sob uma lâmpada fluorescente vai observar que a luz branca se decompõe em várias cores (as do arco-ı́ris), pois bem, podemos dizer que todas estas cores encontram-se “escondidas” dentro da luz branca, no entanto só podem ser observadas − manifestas − na presença de um anteparo, no caso o CD-ROM. Em minha analogia esta luz branca é Deus, o prisma é a mente do homem. Quando esta luz branca (consciência divina) incide na mente do homem então ela se decompõe em várias cores que são as diversas religiões, assim: Hinduı́smo Budismo Confucionismo Deus Taoı́smo (Mente) Judaı́smo Islamismo Cristianismo .. . Se quisermos podemos dizer que cada religião manifesta uma das cores da divindade e que, portanto, nenhuma delas apresenta Deus em toda a sua inteireza (o Deus verdadeiro) − e nem poderia! O problema é que os mı́opes de todas as religiões tomam uma destas “cores” − a sua − como sendo o próprio Deus, puro e imaculado. O resultado é o fanatismo e a intolerância voltados aos cegos das religiões adversárias, e o querer evangelizar a todos. É claro para Tua eminência que tôdas as variações que o peregrino, nas etapas da sua viagem, percebe nos reinos da existência procedem da sua própria visão. Daremos um exemplo disso, para que seu significado se torne inteiramente claro. Considera tu o sol visı́vel; embora brilhe com o mesmo esplendor sôbre todas as coisas, e, a mando do Rei da Manifestação, conceda luz a tôda a criação, êle, no entanto, em cada lugar se manifesta e dispensa suas graças segundo as potencialidades dêsse lugar. Num espelho, por exemplo, reflete seu disco e formato, sendo assim em conseqüência da sensibilidade do espelho; num cristal, faz aparecer fogo, e, em outras coisas, mostra apenas o efeito da sua irradiação, mas não seu disco inteiro. [. . . ] ( Bahá’ u’ lláh ) Outrossim, as côres tornam-se visı́veis em cada objeto segundo a natureza deste objeto. Num globo amarelo, por exemplo, reluzem raios amarelos; num branco, são brancos os raios, e num vermelho, raios vermelhos se manifestam. Essas variações são, pois, do objeto e não da luz irradiante. 77 Gentil 3.3.4 A diversidade de Deuses Com o objetivo de quebrar o monopólio sobre Deus, apresentado pelas religiões − inclusive por uma das mais fanáticas, o cristianismo −, é que apresento uma nova perspectiva de se relacionar com o divino: “É o Deus antes do prisma” Veja de que Deus estamos falando: Hinduı́smo Budismo Confucionismo Deus Taoı́smo (Mente) Judaı́smo Islamismo Cristianismo .. . Deus antes do Prisma Este é o Deus “virgem”, isto é, o Deus antes de ser processado por qualquer mente humana, portanto não exclusivo de nenhuma religião. Assim como a ciência não pertence a nenhum povo sobre a face do planeta, de igual modo o “Deus antes do Prisma” não é monopólio de nenhum povo ou religião − por suas próprias “caracterı́sticas”. Estaremos nos aprofundando mais sobre este Deus no contexto do próximo capı́tulo. Creio que somente esse Deus pode promover a união (ecumenismo) entre os povos. Amiúde tenho defendido que “Deus não é alguém, Deus é algo” Poderia-se questionar: E por que Deus não poderia ser alguém, como ensinam as religiões, mas tem que ser Algo? A resposta é que o Deus alguém (personalidade) conduz a contradições, é contrário à razão, como estaremos mostrando no próximo capı́tulo. O Deus alguém é aquele “após o prisma”, veja: Tenrikio (Mente) Deus como Algo Judaı́smo Islamismo Cristianismo .. .          Deus         Zoroastrismo Mórmons Xintoı́smo Deus Pessoal (Alguém) 78 Reitero: É o homem através de seus desejos, anseios, medos e aspirações que faz de Deus alguém − deseja um “Pai”, deseja um “Salvador”. E qual o problema com o Deus pessoal das religiões? O problema está aı́ às vistas de quem tem olhos de ver: engodo, alienação, escravidão, fanatismo, dissensão, divisão, etc. − convido o leitor a voltar-se um pouco para a história das religiões. E qual a vantagem do Deus antes do Prisma? Para começar este Deus não pertence a nenhuma religião em particular e, por conta disto, estariamos a salvo dos problemas mencionados anteriormente. Por outro lado, e não menos importante, é o Deus que se harmoniza com a ciência atual. É o Deus que está sendo construido pela ciência, podemos afirmar isto. Dentre dezenas de livros que dão testemunho a esse respeito cito apenas dois deles: − A Potência do Nada: o vazio incondicionado e a infinitude do ser.(v. [4]) − Deus não está morto: evidências cientı́ficas da existência divina. (v. [7]) O Nada, berço de todos os possı́veis O Deus antes do prisma (Luz Branca) é o que identifico com o “Vazio”, com o “Nada”, que é o mesmo Deus intuido por um sábio chinês há milênios: Nas profundezas do Insondável Jaz o Ser. Antes que céu e terra existissem, Já era o Ser Imóvel, sem forma, O Vácuo, o Nada, berço de todos os Possı́veis. Para além de palavra e pensamento Está Tao, origem sem nome nem forma, A Grandeza, a Fonte eternamente borbulhante, O ciclo do Ser e do Existir. (Lao Tsé/Tao Te Ching) Observe a concordância (harmonia) entre o sábio e o filósofo: Somente o Absoluto é único. Desse Absoluto nada podemos dizer, a não ser que constitui a totalidade das possibilidades de existência; um puro Nada e, por isso, fundamento de todo o Ser. [. . .] Não é uma pessoa, mas o próprio infinito [. . .] (Marcelo Malheiros/[4], p. 178) Reforçando este importante aspecto: 79 Gentil Já foi dito que a idéia de que o vazio seja tomado como origem ou fundamento de tudo (“aquilo que mais tarde se manifestaria estava imerso no vazio”), em muito se aproxima da fı́sica quântica. Se o Nada ou o Vazio é incondicionado, porque nele não há nenhuma condição, determinação ou limitação, então é certo que dele tudo pode decorrer, porque não existe nada que restrinja qualquer expressão. (ibid., p. 184) Na Super Interessante de fevereiro de 2011 saiu uma reportagem com tı́tulo: É possı́vel criar matéria a partir do nada. Cientistas descobrem como extrair partı́culas do vazio − sem depender de nenhuma matéria-prima da natureza. Nada se cria, tudo se transforma. Essa lei da fı́sica pode estar sendo ultrapassada por um grupo de pesquisadores da Universidade de Michigan, que diz ter descoberto um meio de gerar matéria a partir do vácuo − popularmente conhecido como “nada”. Isso seria possı́vel porque, na verdade, o que nós chamamos de nada não é um vazio absoluto. Está cheio de partı́culas de matéria e antimatéria, que se anulam mutuamente. A novidade é que os pesquisadores descobriram um jeito de separá-las [. . .] Harmonia entre o mı́stico, o filósofo e o cientista O Vácuo, o Nada, berço de todos os possı́veis. (Lao Tsé/Mı́stico/604-531 AC) O Absoluto . . . um puro Nada e, por isso, fundamento de todo o Ser. [. . .] Não é uma pessoa, mas o próprio infinito [. . .] (Marcelo Malheiros/Filósofo) Tomemos então um espaço sem matéria, “vazio”. A fı́sica quântica mostra que, mesmo neste caso, flutuações de energia existem. O nada tem uma energia associada. Sendo assim, partı́culas podem surgir dessas flutuações, matéria brotando do nada. Em 1948, H. Casimir, um fı́sico holandês, propôs que as flutuações do vácuo provocariam uma força atrativa entre duas placas metálicas. O efeito foi confirmado: por incrı́vel que pareça, a energia do nada foi medida recentemente no laboratório. É sempre bom lembrar que o vazio está cheio de energia. (grifo nosso) (Marcelo Gleiser/Fı́sico) Penso que toda esta harmonia satisfaz ao critério do filósofo-cientista: Não vamos pois hesitar em considerar como erro - ou como inutilidade espiritual, o que é mais ou menos a mesma coisa - toda verdade que não faça parte de um sistema geral. (Gaston Bachelard) 80 Volto a enfatizar: Hinduı́smo Budismo Confucionismo Deus Taoı́smo (M.F.) Deus antes do Prisma Judaı́smo Islamismo Cristianismo .. . O NADA (VAZIO)/ABSOLUTO Deus ao “penetrar” no Mundo Fenomênico − i.e., em nossa dimensão − pulveriza-se em mirı́ades de existências (possibilidades, combinações), em particular nas diversas religiões; entretanto, nenhuma delas possui o monopólio (conhecimento) sobre o Deus Absoluto. Em nosso “modelo do universo” há espaço até mesmo para os ateus. Com efeito, os ateus afirmam que Deus não existe e eles estão certos por conta de que a não existência é um dos “atributos” de Deus. Ou melhor: sendo Deus uma criação da mente, eles optaram por não criarem a figura de Deus em suas mentes; enquanto milhares de seres humanos não conseguiriam “viver sem Deus” eles conseguem, e devem ser admirados por isto, assim creio. Reitero: O Deus antes do prisma − o Vazio, o Nada − não existe, considerando que “a mente é a verdadeira natureza das coisas ”, esse é o grande paradoxo. Tudo pode ser visto como uma questão de perspectiva. Ou ainda: quando Deus “entra na existência” (atravessa o prisma/mente) torna-se um Deus “adulterado”, antes da mente Ele não existe (ou melhor, é como se não existisse), é o Vazio, o Nada. Se quisermos procurar “Deus” na fı́sica, o vácuo é o melhor lugar onde fazê-lo. Enquanto estado básico subjacente de tudo que existe, o vácuo tem todas as caracterı́sticas do Deus imanente ou da divindade de que falam os mı́sticos, o Deus interior, o Deus que cria e descobre a Si mesmo por meio da existência em desdobramento de Sua criação. (Danah Zohar/[8], p. 286) Com o propósito de contribuir com o entendimento do paradoxal binômio Existência-Não Existência é que transcreveremos − comentaremos e ilustraremos − um pequeno trecho de um diálogo ocorrido entre dois eminentes pensadores. 81 Gentil 3.3.5 Diálogo entre Einstein e Tagore Na tarde de 14 de julho de 1930, o cientista Albert Einstein recebia em sua residência, em Caputh, Alemanha − durante a Segunda Guerra Mundial − Rabindranath Tagore∗ , para um diálogo informal o qual ficou registrado nos apontamentos de Tagore que, posteriormente, publicou-o com o tı́tulo “A Natureza da Realidade”. Iniciamos o diálogo com uma pergunta de Einstein − o leitor que se interessar pelo diálogo completo poderá encontrá-lo na internet. Apenas para situar: Einstein acredita que a verdade e a beleza são independentes do homem, Tagore, ao contrário, diz que não. × E: De modo que a verdade ou a beleza não são, segundo isso, independentes do homem? T: Não. E: Se se extinguisse a espécie humana, deixaria, pois, de ser belo o Apolo de Belvedere? T: Assim o creio. E: Estou de acordo com sua concepção de beleza, mas não com a que sustenta acerca da verdade. T: Por que não? A verdade realiza-se mediante o homem. Apolo Comentário: Observe que Tagore é lacônico, conciso, em suas respostas. Einstein, a princı́pio acreditando ser a beleza e a verdade independentes do homem, é célere em tentar se recompor do equı́voco cometido no que diz respeito à beleza, no entanto no que diz respeito à verdade continua teimando sem entender. Ademais, observe que Tagore corrobora nossa afirmativa, reiteradas tantas vezes, de que a verdade resume-se a meras construções mentais. O que também concorda com Nietzsche (p. 40). ∗ Rabindranath Tagore nasceu a 7 de Maio de 1861 na cidade de Calcutá, a antiga capital da Índia. Poeta, dramaturgo, filósofo, pintor, músico e coreógrafo. A edição inglesa, traduzida e comentada por ele próprio, de uma obra sua em Bengali, o Gitanjali (“Canção de oferendas” ou “Oferenda Lı́rica”, 1912) fez com que Tagore ganhasse o Prêmio Nobel de Literatura de 1913, pela primeira vez atribuido a um não-ocidental. 82 Vejamos, através de ilustrações, por que se se extinguisse a espécie humana a beleza concomitantemente deixaria de existir∗ . Suponhamos que na terra restassem apenas robôs com a visão de microscópios:   Lı́ngua humana  Cı́lios Observem como eles veriam o cabelo da Jimena Navarrete! a lı́ngua da Irina Antonenko!, os cı́lios da Irina, então! . . . horrı́veis! Continuemos a aula, digo, o diálogo. E: Não posso comprovar cientificamente que a verdade deva conceber-se como uma verdade de valor, com independência da humanidade; mas creioo assim firmemente. T: Segundo a filosofia indiana, existe Brama, a verdade absoluta, que não pode ser concebida pela inteligência humana isolada, nem tampouco descrita com palavras, [. . . ] Porém, tal verdade não pode pertencer à ciência. A natureza da verdade que tratamos é uma aparência; quer dizer; aquilo que aparece como verdade à inteligência humana, e é, portanto, humano, podendo-se-lhe chamar maia ou ilusão. E: [. . .] Por exemplo, se não estivesse ninguém nesta casa, nem por isso deixaria de estar aqui esta mesa. ∗ A beleza relativa a nós seres humanos, bem entendido. Nós somos o referencial. 83 Gentil T: A ciência demonstrou que a mesa, como objeto sólido, é uma aparência, e, por conseguinte, isso que a mente humana percebe como tal mesa não existiria se não existisse a mente humana. Deve reconhecer-se, ao mesmo tempo, que o fato de que a última realidade fı́sica da mesa não seja outra coisa que uma multidão de centros isolados de forças elétricas em revolução, pertence também à mente humana. (Grifo nosso) Comentário: Achei magistral o argumento de Tagore em resposta à ingênua alegação de Einstein. Suponhamos que sobre a mesa de Einstein estivesse um fio de cabelo humano. Observe como esse fio apareceria aos olhos de um robô (com a visão de um microscópio, por suposto). De igual modo o robô não veria a mesa da mesma forma que Einstein. Conclusão: Uma mesa − como se apresenta a nós − é uma construção de nossa própria mente. Aliás, poderiamos ter chegado a esta mesma conclusão lembrando do que afirmou o eminente filósofo: Os fenômenos são organizados pelo nosso aparelho perceptivo e cognitivo, sendo assim em parte dependentes do sujeito. (Immanuel Kant) O importante aqui, digo, em nosso contexto, é percebermos que assim como a mente constroi a realidade de uma mesa (que tocamos e apalpamos) com maior razão constroi as supostas verdades, em particular as das religiões. Em resumo: não devemos levar muito a sério o “aparelho perceptivo e cognitivo”∗ de padres e pastores. Uma observação pertinente é a de que a mesa não é uma criação da mente a partir de nada, existe algo que a mente decodifica como sendo a mesa que vemos; entretanto esse algo, em sua essência, não sabemos o que é: A realidade, tal como ela é, em sua essência (noumeno) é incognoscı́vel, ou seja, não podemos conhecê-la. Portanto, jamais conhecemos as coisas em si (noumeno), mas somente tal como elas nos aparecem (fenômenos). (Immanuel Kant/Crı́tica da Razão Pura) Voltemos a palavra ao mestre Tagore: T: [. . . ] Existe a realidade do papel, totalmente distinta da realidade da literatura. Pois a classe de inteligência que possui a traça que engole essa literatura de papel é, em absoluto, inexistente, e, sem embargo, para a inteligência do homem possui a literatura um valor de verdade maior que o próprio papel. De modo análogo, se alguma verdade existe que não guarde nenhuma relação sensitiva ou racional com a inteligência humana, será igual a zero, enquanto formos nós seres humanos. (Grifo nosso) ∗ Aquele que constroi − engendra − as supostas verdades. 84 Comentário: No meu entendimento os argumentos do poeta foram bem mais consistentes e admiravelmente sintonizados com o encaminhamento atual da fı́sica quântica que os de Einstein. Diz ele: T: “Pois todo o Universo se acha entrelaçado a nós de um modo semelhante; é um Universo humano”. Um fı́sico atual dá inteira razão ao mı́stico-poeta e não a Einstein, fı́sico: Ainda que disponha de instrumentos poderosos de investigação e medição, a fı́sica contemporânea é fruto da mente humana e, portanto, limitada à nossa capacidade de ver e interpretar a realidade. Pode-se afirmar que, se a beleza está nos olhos de quem a vê, a ciência está na mente de quem a faz. (Marcelo Gleiser/Fı́sico) Tagore ainda afirma: “Por que não? A verdade realiza-se mediante o homem”. O que está admiravelmente de acordo com um biólogo moderno: “Na verdade” não é um termo que devemos usar com confiança. [. . .] “Na verdade”, para um animal, é aquilo que seu cérebro precisa que seja, para ajudá-lo a sobreviver. E, como espécies diferentes vivem em mundos tão diferentes, haverá uma variedade perturbadora de “na verdade”. O que vemos do mundo real não é o mundo real intocado, mas um modelo do mundo real, regulado e ajustado por dados sensoriais − um modelo que é construı́do para que seja útil para lidar com o mundo real. A natureza desse modelo depende do tipo de animal que somos. Um animal que voa precisa de um modelo de mundo diferente do de um animal que anda, que escala ou que nada. Predadores precisam de um modelo diferente dos das presas, embora seus mundos necessariamente se sobreponham. O cérebro de um macaco precisa ter uma programação capaz de simular um labirinto tridimensional de galhos e troncos. O cérebro de um notonectı́deo não precisa de um programa em 3D, já que mora na superfı́cie de um lago na Fatland de Edwin abbott. O software para construir modelos do mundo de uma toupeira é adaptado para uso subterrâneo. Os ratos-toupeiras pelados provavelmente têm um programa de representação do mundo parecido com o de uma toupeira. Mas um esquilo, embora roedor como o rato-toupeira, provavelmente tem um software de construção do mundo muito mais próximo do do macaco. (Richard Dawkins/Deus, um delı́rio, p. 471) Observe, “Predadores precisam de um modelo diferente dos das presas, embora seus mundos necessariamente se sobreponham.” Gentil 85 A propósito, quando li pela primeira vez as afirmações deste biólogo não tive como não exultar em função de que eu as compreendi (senti) perfeitamente por conta de um sonho que eu havia tido poucos dias antes. No sonho eu me encontrava no centro comercial de minha cidade natal e fui levado a ingerir uma droga em forma de cristais granulados (como os do áçucar, só que em tamanhos um pouco maiores). Quase de imediato toda a realidade circundante começou a alterar-se, inclusive as nuvens no céu tornaram-se de um colorido intenso† , os prédios no centro da cidade permutaram todos para o estilo de construção gótica − as pessoas, transeuntes, continuaram as mesmas −; não havia nada em comum com o centro antigo; o que me impressionou é que eu tinha consciência∗ que, por efeito da droga, eu vivia uma realidade totalmente distinta da realidade dos outros transeuntes, embora nossos universos fossem sobrepostos. Devo dizer também que a “textura da realidade” resultava diferente da de um sonho comum; ou seja, a droga produziu realmente seu efeito. A conclusão que cheguei é que, de fato, minha mente passou por uma programação em função de uma quı́mica diferente produzida por meu cérebro. Reitero: embora a droga tenha sido ingerida em sonho, entretanto produziu seus efeitos.‡ Não foi a primeira e nem a última vez que sonhei, o que me dá subsı́dios para afirmar que este foi um sonho “sem paralelos”. Na ocasião lembrei-me de um mı́stico que escreveu um opúsculo: “Fácil viagem a outros planetas ”; imagino que através da meditação ele consiga alterar a quı́mica de seu cérebro (isto é, autoprogramar-se) e de fato realiza a “viagem”. ∗ ∗ ∗ AC: A nossa discussão gira em torno da definição da palavra “realidade”. Para mim, a realidade se define pela coincidência e permanência das percepções, seja de um mesmo indivı́duo, seja de vários indivı́duos no interior de um grupo. JPC: Essa percepção coletiva é necessária. Mas não suficiente. Ela inclui tanto as ilusões ópticas quanto as alucinações coletivas. . . Os ı́ndios Huichol,¶ por ocasião da peregrinação anual, durante a qual eles consomem peiote, são todos tomados pelo sentimento de realmente ter alcançado o paraı́so. A “coincidência de percepções”, portanto, não basta para definir uma realidade objetiva! (Do livro: Matéria e Pensamento/Jean-Pierre Changeux e Alain Connes, p. 44/Ed. Unesp) † Observo que não se tratava de um mero sonho, tratava-se de um: sonho + droga. Esclarecendo melhor: eu não tinha consciência de que estava sonhado; entretanto, dentro do sonho, sob o efeito da droga, eu tinha consciência de por que me encontrava naquele estado. ‡ É como alguém que chega a um orgasmo em sonhos, o efeito é o mesmo! Digo, ejacula do mesmo jeito. ¶ Índios do México, conhecidos pelo culto do Sol e pelo uso do peiote, tipo de cacto alucinógeno. (N.T.) ∗ 86 3.4 A equação divina O Deus dos dois milênios anteriores veio pelo coração de um profeta, o Deus dos próximos milênios virá pelo cérebro de um matemático. (Gentil) Com o propósito de estabelecer o que chamaremos de “a equação divina” é que teremos de fazer uma distinção entre o Deus Absoluto e o Deus manifesto − Ou o Deus antes e depois do prisma. Para estabelecer a equação divina vou me utilizar da seguinte notação: Deus = Deus Absoluto Deus = Deus manifesto Em nossa analogia do prisma fica assim∗ : Deus-Parens Brahman Vazio Céu Luz Branca Deus Tao (homem) Jeová Alá Pai Kami (Tenrikyo) (Hinduı́smo) (Budismo) (Confucionismo) (Taoı́smo) (Judaı́smo) (Islamismo) (Cristianismo) (Xintoı́smo) Deus + Homem = Deus Nota: Confúcio acreditava que um ser sobrenatural o inspirava: “O Céu deu à luz a virtude dentro de mim”. Só que o Céu para ele não era um Deus pessoal. Ainda que este lhe desse inspiração e direção, Confúcio não fundamentou sua ética em mandamentos transmitidos por Deus. (Jostein Gaarder, et. all/“O Livro das Religiões”, p. 79) De fato, achei assaz interessante − surpreendente até − essa visão de Confúcio de que o fenômeno inspirativo não precisa ter origem em um Deus pessoal. Resumindo, esta é a equação divina: ∗ Ou, se preferirmos, Deus= Deus transcendente e Deus = Deus imanente. 87 Gentil Deus + Homem = Deus Se o leitor eventualmente desejar realizar um experimento para “visualizar” a equação divina, é fácil: tome um CD-ROM e coloque-o sob uma lâmpada fluorescente: vai constatar que a luz branca se decompõe em várias cores (as do arco-ı́ris), então, em nossa analogia fica assim: E esta é a mensagem que dele ouvimos e vos anunciamos: que Deus é luz, e Deus + Homem = Deus não há nele trevas nenhumas. (1 Jo 1 : 5) CD-ROM Cores (“trevas”) Luz Branca Observe alguns casos especiais desta equação: Deus + Homem = Deus                      Deus + Krishna = Vishnu Deus + Buda = Vazio Deus + Confúcio = Céu Deus + Lao Tsé = Tao   Deus + Moisés = Jeová         Deus + Maomé = Alá      Deus + Jesus = O Pai      Deus + Miki = Deus-Parens Todo o problema consiste em que os fanáticos de todas as religiões − “instruidos” por mestres não menos cegos − anulam a “interface” homem, no que resulta em uma equação adulterada, veja: 0 Deus + Homem = Deus A mente é a verdadeira natureza das coisas. ⇒ Deus = Deus (Zen Budismo) (falsa equação) 88 É precisamente por essa razão − ignorar a participação do homem na composição de suas Bı́blias − que os fanáticos de todas as religiões acham que somente o seu Deus é verdadeiro, que somente a sua Bı́blia é perfeita. Ainda com o intuito de reforçar este importante ponto vejamos mais uma analogia: O leitor distribua para cada um de dez artistas uma tela em branco e um pincel (os apetrechos necessários) e peça a cada um deles que “pinte” um retrato de Deus; digo, que cada um pinte sua concepção de Deus, observe: Deus + Homem = Deus O Absoluto O Artista O Retrato É quase certo que ao final tenhamos dez imagens diferentes de Deus. O que afirmo é que nestes retratos de Deus − que na verdade é o que todos chamamos de Deus − não devemos depositar neles uma fé cega, que é precisamente o que os cegos de todas as religiões têm feito durante todos estes milênios, sem esquecer o fanatismo e a intolerância voltados aos cegos das religiões adversárias. O Deus absoluto é aquele do qual se diz: Não poderá ver a minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face e viverá. (Ex 33 : 20) Ora, se homem nenhum pode ver a face de Deus é óbvio que nenhum artista poderá pintar um retrato confiável de Deus. Ou ainda, nenhum “pintor” (profeta) poderá reproduzir Deus com fidelidade. Daqui é fácil concluir que o retrato de Deus pintado na Bı́blia mulçumana (Corão) não reproduz Deus com fidelidade, o Deus pintado na Bı́blia dos hindus (Vedas) não é confiável, da mesma forma o Deus pintado na Bı́blia judaico-cristã é apenas uma caricatura (charge) de Deus ; em nenhuma destas telas você encontrará o verdadeiro Deus, apenas retratos pintados com maior ou menor fidelidade − a depender da acribia do artista. É claro para Tua eminência que tôdas as variações que o peregrino, nas etapas da sua viagem, percebe nos reinos da Deus + Homem = Deus existência procedem da sua própria visão. Essas variações são, pois, do objeto e não Peregrino Luz Irradiante da luz irradiante. Objeto (Variações) ( Bahá’ u’ lláh ) 89 Gentil 3.5 Deus e o homem Durante todas as suas vidas lhes foi dito que Deus os criou. Agora Eu lhes digo que vocês estão criando Deus. (Neale D.W., CCD, v. III, p. 182) Podemos dizer que a humanidade (pelo ao menos em parte) vem evoluindo ao longo dos séculos; em linguagem matemática dizemos que o homem é uma função do tempo, ou ainda: o homem é uma variável − a bem da verdade o homem é uma função do tempo e do espaço (localização geográfica). Sendo assim, da equação divina: Deus = Homem + Deus concluimos que o próprio Deus também é uma função do tempo (e do espaço) − Deus não é imutável. De outro modo: Deus∗ evolui de “mãos dadas” com o homem. Encontrei um autor que compartilha desta minha tese, diz ele: Podemos dizer, portanto, que Deus ou o Demiurgo cria o Universo para ser a um só tempo ator e espectador do drama da Criação, e assim evoluir através do tempo. [. . .] Deus evolui por nosso intermédio. (Marcelo Malheiros/[4], p. 50) Hierarquia entrelaçada Sendo assim, me questionei: como poderia dá-se esta evolução conjunta entre o homem e Deus? Tenho uma conjectura (tese) de como isto possa acontecer. Existe na fı́sica moderna o conceito de “hierarquia entrelaçada”, que, didaticamente, pode ser exposta com o auxı́lio da conhecida gravura “Desenhando-se” do artista holandês Maurits Escher (1898 − 1972): Deus Deus + homem = Deus Homem Essa é uma hierarquia entrelaçada porque a mão esquerda desenha a mão direita e vice-versa. ∗ Ou as concepções que se tem de Deus, para ser mais preciso. 90 De acordo com Doug Hofstadter, Fı́sico e pesquisador de inteligência artificial, em uma hierarquia entrelaçada o nı́vel superior (causa) gera e influi sobre o nı́vel inferior (efeito) por meio de uma “descontinuidade” (um processo semelhante ao salto quântico, que não pode ser explicado em termos de mecanismos lógicos). Outro ponto importante neste tipo de hierarquia é a existência de fluxos e refluxos de influências e informações. Ou seja, em certa medida, o nı́vel inferior também alimenta o nı́vel superior.† Estive à procura de um exemplo mais didático de hierarquia entrelaçada, encontrei este: Os vı́cios (bebida, fumo, etc.), veja: O nı́vel superior (indivı́duo) gera (o vı́cio) e influi sobre o nı́vel inferior (ego) por meio de uma “descontinuidade” (um processo que não pode ser explicado em termos de mecanismos lógicos, é totalmente irracional). Outro ponto importante neste tipo de hierarquia é a existência de fluxos e refluxos de influências e informações. Ou seja, em certa medida, o nı́vel inferior (ego/vı́cio) também alimenta (escraviza) o nı́vel superior (indivı́duo/vı́tima). (Paráfrase) Um outro exemplo de hierarquia entrelaçada é o livro que o leitor tem em mãos. Com efeito, esta é a segunda versão deste livro, com a primeira versão em mãos decidi elaborar uns slides para uma palestra; durante a elaboração dos slides surgiram várias idéias e novas concatenações, uma vez pronto os slides me sentir motivado a escrever esta segunda versão − inclusive colorida, tal como os slides −. Veja, Livro Slides Livro Do exposto, digo, dentro do presente contexto, atente para a incomensurável responsabilidade do homem na criação de seus deuses. Apenas para contextualizar, observe no que os mulçumanos transformaram o Deus Alá (e vice-versa), observe no que os cristãos transformaram o Deus Jeová (e vice-versa) − Aos que desconhecem o passado (negro) da Igreja sugiro que leiam a obra “O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus ”. Enfatizamos este importante aspecto: O homem é inspirado a criar seus Deuses; assim como nas demais áreas em que é inspirado (música, literatura, cinema, etc.) o homem pode produzir tanto obras (Deuses) admiráveis quanto lastimáveis. A citação a seguir é de um cientista (fı́sico), veja como tudo converge a um ponto: “a mente é a verdadeira natureza das coisas ” : † Fı́sica E Consciência No Pensamento De Mokiti Okada/Publicação Eletrônica. Gentil 91 A noção de que uma realidade objetiva existe independentemente da presença de um observador, parte fundamental da descrição clássica da Natureza, tem de ser abandonada. De certo modo, a realidade fı́sica observada (e apenas essa!), ao menos dentro do mundo do muito pequeno, é resultado de nossa escolha. (Marcelo Gleiser/A Dança do Universo, p. 229) Vou me permitir parafrasear o cientista para dentro do nosso contexto: A noção de que um Deus existe independentemente da presença de um observador (mente), parte fundamental da descrição da teologia clássica, tem de ser abandonada. De certo modo, os deuses observados em todas as religiões, são resultados de nossa escolha, são construções nossas. Espı́rito Santo? Gostaria, an passant, de opinar sobre um outro ponto. Alguns fenômenos ocorridos no contexto das igrejas são atribuı́dos ao Espı́rito Santo. Por exemplo, se um cristão recebe uma dada inspiração ele atribui ao Espı́rito Santo. Se um pastor adquire um carro novo, ou uma casa nova, ele atribui a uma dádiva do Espı́rito Santo. Ou ainda: os pastores dizem: “Se o Espı́rito Santo tocar em seu coração, doe sem medidas, sem restrições”! E assim a três pessoas da “trindade”: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espı́rito Santo, têm sido fontes de recursos das igrejas ao longo dos séculos − e de escravização de consciências. O fenômeno da inspiração, em todos os sentidos, pode receber uma interpretação diversa: É uma simbiose (hierarquia entrelaçada) entre o humano e o divino. No meu entendimento, o mesmo “Espı́rito Santo” que inspira um crente, inspira um cientista, inspira um escritor, inspira um músico, etc. Acontece que de todos estes processos de inspiração o único que conta com um intermediário entre Deus e o homem é o das igrejas, é por isso que as tolas ovelhas devem pagar aos padres e pastores. Ouso mais um pouco: O “Espı́rito Santo” inspira até bandidos, a exemplo do que acontece com muitos pastores e alguns padres − não excetuando-se os pedófilos. Ainda a propósito do tema inspiração, já escrevi muitos artigos e alguns livros, se eu fosse um crente poderia atribuir esta copiosa produção ao Espı́rito Santo. Penso que a perspectiva de atribuı́-la a uma simbiose (colaboração) com o divino é a mais correta − digo, não vejo a necessidade de postular a existência de um “Espı́rito Santo”. Por sinal, atente para o fato de que esta figura não encontra-se presente em algumas outras importantes religiões do mundo. Resumindo: O fato existe, agora a interpretação que se decida dá é questionável − digo, o fenômeno inspirativo comporta mais que uma explicação. Dentre estas múltiplas interpretações estão em jogo os múltiplos interesses; logo, as igrejas interpretam como querem interpretar, como é conveniente a seus interesses, que é multiplicar as ovelhas, o que significa multiplicar a arrecadação. 92 3.6 O Universo está em expansão exceto . . . Uma consequência das equações de Einstein é que o Universo encontra-se em expansão, e isto já foi comprovado experimentalmente; daqui podemos deduzir que nada no Universo é estático, ou quase nada, exceção feita à mente dos religiosos, que muito pouco evoluem. Durante a composição do presente capı́tulo adquiri o livro “Manual de Teologia Sistemática” do autor Pr. Zacarias de Aguiar Severa; numa rápida leitura alguns pontos esparsos me chamaram a atenção, farei alguns comentários. No inı́cio do prefácio lemos: Durante dezesseis anos tive o privilégio de ensinar Teologia Sistemática no curso de bacharelado em Teologia no Seminário Teológico Batista do Paraná, onde fui também Reitor durante quase treze anos. Zacarias é Bacharel e Mestre em Teologia (concentração em Teologia Sistemática). Lecionou nas seguintes cadeiras: Teologia Sistemática, Teologia Contemporânea, Teologia do Novo Testamento, Eclisiologia, Homilética, Introdução à Filosofia, Romanos, Hebreus, Epı́stolas Pastorais, Apocalipse. A primeira coisa que me chamou a atenção, ainda no prefácio do livro, foi a confissão: “Não há nada de original neste livro. Como professor, não tive por objetivo fazer teologia, mas estudar e ensinar o que já estava pronto.” Naturalmente fui levado a questionar: Por que será que eu, um professor de matemática − que nunca colocou os pés numa faculdade de teologia −, consegue fazer teologia e apresentar algo de original enquanto o autor do livro, bacharel, Mestre e professor não se propõe a fazer teologia e nem apresentar nada de original em seu livro? − um Manual com 504 páginas. Dentre algumas possı́veis respostas gostaria de por em evidência três: 1a ) É que o pastor encontra-se enclausurado em uma gaiola (cristianismo), para ele a Bı́blia é a Palavra perfeita e infalı́vel de Deus; portanto ele já encontrou a verdade, não tem mais o que se preocupar com isto. Eu, do meu lado, não estou enclausurado em nenhuma gaiola, desconfio de todo e qualquer livro religioso (inclusive da idolatrada Bı́blia) e sou um buscador da verdade − ou um construtor de verdades, como se preferir. Este meu livro pode ser considerado “Um pequeno manual de teologia assistemática”. Esse é o grande problema das religiões: são donas da verdade, as ovelhas não apenas têm a verdade como, ademais, já estão “salvas” e daı́ decorre que tudo no universo evolui, exceto os religiosos; inclusive eles têm até ojeriza à palavra evolução. Um eminente mı́stico fez a seguinte profecia: 93 Gentil Em suas fases primitivas o homem não podia adorar senão a um Deus feito à sua imagem e semelhança, porque não sabia conceber algo melhor. Atualmente, o Deus cósmico, que a ciência nos deixa entrever, já não cabe dentro das velhas concepções religiosas. [. . .] A religião de amanhã se unirá à ciência e deverá se basear em postulados racionalmente demonstrados, se quiser ser aceita. (Pietro Ubaldi) Eu acreditei integralmente nesta profecia até ontem, antes de ler “O Manual de Teologia Sistemática”. Hoje discordo em uma única afirmação: a de que a “religião de amanhã se unirá à ciência”. No meu entendimento não se unirá, a religião de amanhã emergirá da ciência − à revelia das religiões − ou apesar das religiões. Creio piamente que a teologia de amanhã estará sendo, paradoxalmente, construida por cientistas e não por teólogos. 2 a ) Suponhamos que o pastor decidisse fazer teologia e apresentar algo de original em seu Manual − ser um autêntico pesquisador. O que poderia acontecer? Se ele fizesse qualquer descoberta que fosse de encontro ao “catecismo oficial” de sua Igreja, inicialmente seria convidado a rever seu ponto de vista, acomodá-lo no que a Igreja já determinou como sendo a verdade. Caso ele se mantivesse irredutı́vel em sua descoberta, seria convidado a se retirar (expulso) da faculdade de teologia, não serviria para ensinar, estaria “corrompendo a juventude”. Já vimos este filme tantas e tantas vezes . . . Espinoza, ainda como membro da sinagoga judaica, tentou fazer teologia, inicialmente ofereceram-lhe uma pensão para que ele renunciasse suas descobertas, não aceita, expulsaram-no e, não satisfeitos, o amaldiçoaram; o cientista, teólogo e jesuı́ta Teilhard de Chardin tentou fazer teologia em seu tempo foi perseguido e exilado diversas vezes pela “Santa Igreja”, morreu em 1955 em Nova York, seu último exı́lio, o seu enterro não foi acompanhado por mais de dez pessoas. Um contemporâneo nosso, Frei Leonardo Boff, ousou fazer uma “nova teologia (da libertação)”, foi “convidado” a se retirar da Igreja. Tenho dito e repito: Podemos até encontrar pessoas cultas e inteligentes sentadas em um banco de igreja aprendendo da boca de uma padre ou pastor; todavia, jamais encontraremos um sábio nestas condições. É muito simples de entender: todo aquele que, por livre e espontânea vontade, se enclausura em uma gaiola − e qualquer religião é uma gaiola − não está em plena posse de suas faculdades mentais, e, por isto, não pode ser um sábio − por definição. Ninguém tem a livre-escolha de se fazer cristão; uma pessoa não se converte ao cristianismo, é necessário estar suficientemente enfermo para isso . . . (Nietzsche/O Anticristo) 94 3 a ) O pastor fez muito investimento para chegar na posição em que chegou, é um “respeitado professor e Reitor de uma faculdade de teologia”, para que fazer pesquisas, correndo o risco de abandonar esta confortável e “invejável” posição? − é uma questão inclusive de ego. Sendo um pesquisador honesto e sincero ele estará correndo o risco de se deparar com uma outra verdade − em desacordo com a que acalentou durante toda a sua vida − e perder o investimento de toda uma vida, como um avestruz ele prefere enterrar a cabeça em um buraco e fingir que já possui a verdade. É o que podemos chamar de uma atitude covarde diante da vida. Este risco é real e ninguém o desconhece, foi o que aconteceu com um outro pastor (também autor) que foi bem mais longe que Zacarias − na Teologia − e teve que renunciar às suas ilusões nas quais acreditara por muito tempo: [. . .] Acho que o que posso dizer é que se (SE!) Deus existe, ele não é o tipo de ser em que eu acreditava quando era evangélico: uma divindade pessoal que tem o poder final sobre este mundo e interfere nos assuntos humanos de modo a impor sua vontade a nós. Está além da minha compreensão o fato de que pode haver um ser como esse − em boa parte porque, francamente, eu não acredito que haja intervenções. Se Deus pode curar o câncer, então por que milhões de pessoas morrem dessa doença? Se a resposta é que isso é um mistério (“Deus escreve certo por linhas tortas”), é o mesmo que dizer que não sabemos o que Deus faz ou como ele é. Então, por que fingir que sabemos? Se Deus alimenta os famintos, por que há pessoas com fome? Se Deus cuida de seus filhos, por que há milhares de pessoas destruı́das por catástrofes naturais todo ano? [. . .] (Bart D. Ehrman/[5], p. 113) Bart D. Ehrman chefia o Departamento de Estudos Religiosos da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, Estados Unidos, cidade onde vive. Autor de vários livros, uma autoridade nos estudos das origens do Cristianismo e da vida de Jesus Cristo, ele é presença constante em programas de rádio e televisão − abandonou a fé cristã e hoje considera-se agnóstico. 3.6.1 Fósseis vivos A Paleontologia se utiliza da expressão “fósseis vivos ” para designar alguns animais e plantas encontrados ainda hoje e que são parecidos com seus ancestrais; isto é, com os organismos que viveram na Terra há milhares ou milhões de anos e deram origem a eles. Agora estou utilizando pela primeira vez, assim creio, a expressão fóssil vivo para designar a maioria dos religiosos − a exemplo de padres, pastores e “ocultistas” de modo geral − no sentido de que em nada diferem de seus “ancestrais” vividos há milhares de anos. Gentil 95 Uma das vantagens desta minha descoberta é que, por exemplo, podemos estudar como se comportavam os antigos “fariseus hipócritas” − aos quais Jesus dirigia suas reprimendas − apenas observando o comportamento dos padres e pastores atuais; digo, os fósseis vivos daqueles fariseus. Uma outra vantagem dessa associação é que não podemos duvidar de que homens primitivos (hebreus) adoravam a um Deus primitivo (Jeová) por conta de que ainda hoje encontramos milhares de fósseis vivos que adoram esse mesmo Deus: que se ira, que castiga, que faz acepção de pessoas, que lança suas criaturas para queimarem eternamente em um inferno de fogo e enxôfre, etc; não, não podemos duvidar de que um dia, há milhares de anos passados, essa tenha sido a forma humana de se adorar a Deus, vejam com seus próprios olhos as igrejas atuais . . . lotadas de fósseis vivos! Vamos colocar em destaque mais alguns pontos esparsos do referido livro: a ) “A religião cristã está acima de qualquer outra religião do mundo”, porque nela encontra-se a idéia mais esclarecida, desenvolvida e correta acerca de Deus e suas relações com o mundo e do meio de se cultivar uma relação efetiva com o sobrenatural [. . .] (p. 3) Observe leitor o currı́culo deste homem . . . quem o autorizou a proferir tantas tolices em um espaço tão curto? “a idéia mais esclarecida, desenvolvida e correta” segundo o entendimento (alienado) dele. Como já disse, considero a cosmologia cristã como uma das mais infantis. Observe que ele sendo professor de uma faculdade de teologia estará formando milhares de outros fanáticos e intolerantes − à sua imagem e semelhança, como se diz: cego guiando (formando) outros cegos. Por oportuno, durante muito tempo fui ingênuo em acreditar que a subsistência do cristianismo clerical se havia dado pelo “poder do Espı́rito Santo”, não, deu-se pelo poder da força, da astúcia e da espada: As controvérsias dos primeiros séculos foram em parte sanadas pela centralização do poder na Igreja Romana. Alguns grupos permaneceram arredios, e novas controvérsias surgiram internamente no seio da Igreja, demandando confabulações e decisões em Concı́lios numa tentativa de manter a unidade da doutrina oficial. Apesar do constante esforço para manter a unidade da crença, dissidências continuaram a aparecer ao longo dos séculos, sendo geralmente debeladas pela força. Dentre esses movimentos, os mais importantes que ameaçaram arranhar a supremacia papal foram o movimento dos cátaros no sul da França, reprimido brutalmente no século XIII, bem como a violenta cisão com a Igreja Ortodoxa oriental e, mais tarde, a Reforma Protestante no século XVI. (Raul Branco/Rodapé p. 44) 96 Sobre os cátaros veja p. 48. Afirmo com a maior tranquilidade que as forças do mal (satânicas) têm se utilizado com frequência das religiões para manterem domı́nio sobre os homens. Vanini num momento de inspiração afirmou: O homem está repleto de tantas e tão grandes misérias que, se não fosse incompatı́vel com a religião cristã, ousaria dizer: se existem demônios, eles próprios expiam as penas do crime, transmigrando para os corpos dos homens. (Vanini) Não senhor Vanini, não é incompatı́vel com a religião cristã, e vou um pouco mais além: Ouso dizer que a Igreja Católica foi um grande celeiro de demônios, e o Papa sendo o Demônio mor. (ver por ex., Ap 12 : 9) Podemos fazer uma distinção entre Jesus e Cristo Vou me permitir transcrever aqui um excerto do meu livro “O TAO” ([10]) e, após, estarei fazendo uma complementação, pois bem: Ademais, a teologia primária teria muito a ganhar se fizesse uma diferença entre Jesus e Cristo. Visando a uma maior tolerância entre os povos, podemos fazer uma dintinção: Cristo é o espı́rito do qual João fala “No princı́pio, era o verbo, ”. . . “o verbo se fez carne ”, quando este Espı́rito encarnou recebeu o nome de Jesus, é por isso que Ele disse: Em verdade, em verdade vos digo que, antes que Abraão existisse, eu sou. Então pegaram em pedras para lhe atirarem; (Jo 8 : 58) Eu sou se refere ao Cristo, não a Jesus. Já li a interpretação de um sábio indiano dando conta de que o Espı́rito Cristo também encarnou no Oriente como Krishna, acho esta uma visão bastante razoável, crı́vel, e que promove a tolerância, dissipa as densas nuvens do fanatismo. Então, tive a grata surpresa de me deparar com um outro autor que compartilha este mesmo ponto de vista, ele afirma: O mesmo Cristo que tomou forma e corpo em Jesus de Nazaré pôde tomar corpo sob outros nomes ainda: Rama, Krishna, Purusha, Tathgata, etc. Jesus tem lugar em uma série de incorporações do mesmo Cristo. “Jesus é o Cristo, mas o Cristo não é somente Jesus”. (Raul Branco, p. 11/Rodapé p. 44) Um profeta persa fez duas afirmativas que têm minha total adesão: [. . .] Por mais intricado e difı́cil Existe dentro do homem, em que isso pareça, a tarefa ainda maior, a virtude de sua constituição, um de converter força satânica em poder ce- ego, um eu inferior − um Satanás, lestial, cabe a Nós, e fomos habilitados a bem como um anjo. (Bahá’u’lláh) desempenhá-la. (Bahá’ u’ lláh) 97 Gentil Estou de acordo em identificar O Cristo com o anjo que existe dentro de todo homem, em razão de sua constituição. Todavia, “a tarefa ainda maior, a de converter força satânica em poder celestial, cabe a cada um de nós ”, é a isto o que chamo de Salvação. Dentro deste preciso contexto revejo minha posição anterior: Jesus Aprisiona, Cristo liberta! Jesus Aprisiona, Cristo liberta! Jesus Aprisiona, Cristo liberta! Querendo com isto afirmar que todo aquele que joga a responsabilidade de sua própria evolução (autoconstrução, “salvação” ) nos ombros de Jesus está preso desta ilusão, enquanto que aquele que apela para o seu Cristo interno (anjo) se liberta: “Por mais intricado e difı́cil que isso pareça . . . ” A responsabilidade é sua e de mais ninguém. (ver p. 14, Richard Falk) Neste ponto divirjo de Nietzsche: não sou “Anticristo” sou “Anticristianismo” o que significa “Antireligião” organizada − Estas aprisionam. Retomando, alguns cientistas de vanguarda já estão falando (e escrevendo) abertamente sobre Deus, tenho observado que as concepções dignas de serem tomadas em consideração são as que se estribam nas aquisições da fı́sica quântica; digo, do seio desta nova conjuntura emerge uma nova concepção de Deus; me perguntei, ademais, se o Deus oriundo desta nova conjuntura cientı́fica se harmoniza com alguma das concepções propostas pelas religiões, a conclusão que cheguei é a de que o Deus concebido pelo sábio Lao Tse, exposta no taoı́smo, o Deus Tao é o Deus que melhor se harmoniza com a ciência atual. Um cientista, fı́sico, escreveu: Em seu significado cósmico original, o Tao é a realidade última e indefinı́vel como tal, é o equivalente do Brahman hinduı́sta e do Dharmakaya budista. Difere, no entanto, desses dois conceitos indianos em razão de sua qualidade intrinsecamente dinâmica que constitui, na visão chinesa, a essência do universo. O Tao é o processo cósmico no qual se acham envolvidas todas as coisas; o mundo é visto como um fluxo contı́nuo, uma mudança contı́nua. (Fritjof Capra) Apenas a tı́tulo de mais informações ao leitor a respeito desta concepção divina transcrevo o seguinte: TAO Tao é outro nome para Deus, muito mais belo do que Deus, pois a palavra “Deus” foi explorada demais pelos sacerdotes. Em nome de Deus, eles exploraram por tanto tempo que até a palavra ficou contaminada. Qualquer pessoa de inteligência inevitavelmente a evitará, pois ela 98 o faz lembrar todas as tolices que aconteceram através dos tempos sobre a terra em nome de Deus e da religião. Mais danos aconteceram em nome de Deus do que em nome de qualquer outra coisa. Nesse sentido, o Tao é imensamente belo. Você não pode venerar o Tao porque ele não lhe dá nenhuma idéia de uma pessoa. Ele é simplesmente um princı́pio e não uma pessoa. Não se pode venerar um princı́pio, não se pode rezar para o Tao. Rezar para um princı́pio pareceria ridı́culo; seria completamente absurdo. Você não reza para a lei da gravidade ou para a teoria da relatividade. Tao simplesmemte significa o princı́pio supremo que une toda a existência. A existência não é um caos, isso é certo. Ela é um cosmos; nela existe uma imensa ordem, uma ordem intrı́nseca, e o nome dessa ordem é Tao. Tao significa simplesmente a harmonia do todo. Nenhum templo foi construido para o Tao, nenhuma estátua, nenhuma prece, nenhum sacerdote, nenhum ritual; essa é a sua beleza. Daı́ ele não pode ser chamado de doutrina ou de religião; ele é puro lampejo. Você pode chamá-lo de Darma; essa é a palavra de Buda para o Tao. Na nossa lı́ngua, a palavra que chega mais próxima de Tao é Natureza, com N maiúsculo. (Osho/Tao, p. 122) Voltando ao intolerante Pr Zacarias, existe um provérbio chinês que reza: Aquele que não sabe e não sabe que não sabe é tolo, evita-o; Aquele que não sabe e sabe que não sabe é simples, ensina-o; Aquele que sabe e sabe que sabe é sábio, segue-o. Em minhas “andanças” encontrei rarı́ssimos sábios desta última categoria, fiquei imaginando em qual delas eu poderia incluir padres e pastores; cheguei à conclusão de que não se enquadram em nenhuma delas, razão porque sentir a necessidade de acrescentar uma nova categoria ao provérbio chinês: Aquele que não sabe e pensa que sabe é estúpido, despreza-o Leio em um livro: (ver rodapé p. 106) Montesquieu disse-o com razão: “pegai homens inteligentes, colocaioos juntos, reuni-os; e, por um fenômeno singular, inexplicável, esses homens inteligentes tornam-se brutos e imbecis tão logo são agrupados.” Não sou eu quem diz isso, é Montesquieu que faz essa observação profunda e muito exata. (p. 59) Essa observação profunda e muito exata é, além disso, um primoroso achado, que se aplica a muitos contextos, em particular ao religioso, veja: 99 Gentil Pegai homens inteligentes, colocaio-os juntos, reuni-os sob uma religião; e, por um fenômeno singular, inexplicável, esses homens inteligentes tornam-se brutos e imbecis tão logo são agrupados sob uma bandeira religiosa. (Paráfrase) Esse foi precisamente o caso de vários gênios da ciência e filosofia tais como: Pascal, Newton, Leibniz, Kepler e Santo Agostinho. Agostinho defendeu uma série de crenças estritas e rigorosas. Ele pensava, por exemplo, que crianças que morressem sem terem sido batizadas não entrariam no céu, e que sofreriam a eterna condenação no inferno. (Dr. Jeremy Stangroom) Quanto ao genial Pascal, lemos: O cristianismo viciou até mesmo a razão das naturezas mais fortes no espı́rito, ensinando a classificar os valores mais elevados da intelectualidade como pecaminosos, como enganosos, como tentações. O exemplo mais lamentável: o corrompimento de Pascal, o qual acreditava na corrupção de sua razão pelo pecado original, quando na realidade não estava corrompida senão por seu cristianismo! (Nietzsche/O Anticristo) Leibniz, depois de muito raciocı́nio chegou à conclusão de que dentre as muitas possibilidades que Deus teria para criar um mundo criou este, “o melhor dos mundos possı́veis ”. Fico me perguntando se Leibniz estivesse prisioneiro de um campo de concentração, ou ameaçado pelas torturas e fogueiras da Santa Inquisição ainda assim manteria sua “brilhante” tese. Giordano Bruno e Joana D’arc dificilmente compartilhariam da tese de Leibniz. Newton, por sua vez, perdeu muito de seu precioso tempo efetuando “cálculos proféticos ”, em um destes cálculos previu que a segunda vinda de Cristo à Terra ocorreria em 1948. Ele não atentou para o simples detalhe de que até mesmo Jesus fracassou na previsão da sua volta. Em verdade vos digo que alguns dos Em verdade vos digo que alguns há, que estão aqui não morrerão sem terem dos que aqui estão, que não provarão visto o reino de Deus vir com poder! a morte até que vejam vir o Filho do (Mc 9 : 1) homem no seu reino. (Mt 16 : 28) Veja, estou afirmando − e provando! − que as religiões têm o inexplicável poder de transformar homens inteligentes em bestas quadradas. Como se não bastassem os exemplos já vistos arregimentarei mais um em defesa de minha tese − tudo bem, divido-a com Montesquieu. Tenho em mãos o livro “A Igreja & O Criacionismo”, vejamos as credenciais do autor: 100 Adauto J. B. Lourenço é formado em fı́sica pela Bob Jones University (EUA) e possui mestrado em fı́sica pela Clemson University (EUA). Também formou-se em teologia e música sacra pelo Seminário Bı́blico Palavra da Vida (Brasil). Mais de 250.000 pessoas já participaram dos seminários sobre Criação & Evolução, apresentados para instituições de ensino, igrejas, congressos e simpósios, tanto no Brasil como no exterior. Ele é autor do livro “Como Tudo Começou” premiado em 2008 na XX Bienal Internacional do Livro (Prêmio Areté). Ao ler esse pequeno livro de apenas 44 páginas fiquei estarrecido de quanto um indivı́duo pode diminuir seu cérebro para que possa acomodá-lo em uma gaiola. Vou citar apenas duas afirmativas do autor, a primeira: Ao estabelecer a Igreja, o Senhor Jesus a preparou para funções especı́ficas. Ele a preparou para ser a coluna e o fundamento da verdade. “pra que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade.” (I Tm 3 : 15) Portanto, é função da Igreja estabelecer a verdade nesse mundo e nessa sociedade. Estabelecer a verdade em todas as áreas, até mesmo na ciência. Fomos deixados aqui com essa função. (p. 42) Observe, neste último parágrafo, a sandice! Ele esqueceu que a Igreja foi uma das maiores inimigas da verdade e do progresso, até hoje existem resquı́cios desta postura retrógrada das Igrejas. Observe mais uma tentativa insana de tentar acomodar a ciência dentro de uma gaiola: Se evolução ocorreu, então formas de vidas teriam mudado ao longo do tempo. Das mais simples às mais complexas. As que estavam menos adaptadas teriam dado lugar às que estariam melhor adaptadas. Até que finalmente, depois de um longo perı́odo de tempo, o ser humano surgiria buscando racionalmente respostas sobre sua origem. Nesse lento processo de aprimoramento e adaptação, a vida, sem dúvida, teria experimentado a morte ao longo de toda a trajetória. Como explicar a entrada da morte no mundo antes do pecado de Adão? Paulo afirmou em Romanos 6 : 23 que “. . . o salário do pecado é a morte. . . ”. Mas se a morte já fazia parte da história, antes do pecado de Adão, então a morte não poderia ser o salário do pecado. E se a morte não for o salário do pecado, o que Cristo veio fazer então? [. . .]. (A Igreja & O Criacionismo/p. 41) Li essa passagem pelo ao menos umas três vezes, porque não acreditei, talvez eu estivesse interpretando errado. E ainda não consigo acreditar que é isso mesmo!? − Confiram para mim, por favor! Gentil 101 Caro leitor, releia o currı́culo desse homem e veja o que uma gaiola pode fazer com uma alma humana! Estou falando . . . e não querem me acreditar! Uma certa espécie de imparcialidade cientı́fica é qualidade muito importante, sendo qualidade que dificilmente pode existir num homem que imagina haver coisas nas quais é seu dever acreditar. (Bertrand Russel) Continuando com os desvarios do pastor (Zacarias): b ) A revelação bı́blica é sem igual pelo seu conteúdo, caracterı́sticas e propósito. Por isto, todas as nações precisam ouvir sua mensagem de salvação por meio de Cristo (Mt 28 : 19 − 20) [. . .] Nenhuma outra revelação é necessária hoje para a humanidade acerca de Deus e dos seus planos. Nada mais a acrescentar ao registro bı́blico. (p. 23) Ninguém tem o direito de ser tão obtuso a este ponto. Reitero: a religião cristã incentiva a intolerância religiosa entre os povos. Este professor é a maior prova do quanto uma religião pode aleijar um ser humano. Será que ele conhece a Bı́blia de todas as outras religiões? − para se outorgar o direito de proferir tantas baboseiras. Eu já estudei e ponderei sobre outras Escrituras∗ e afirmo que ele está totalmente equivocado em seu fanatismo. Mesmo que ele, em sua faculdade de teologia, tenha estudado as Escrituras de outras religiões o problema é que já encontrava-se cego (condicionado) pela “inerrância” da Bı́blia. Assim como esse pobre pastor está convicto de que sua religião salvará o mundo outras também pensam da mesma forma. Por exemplo, nas Escrituras da Tenrikyo lemos: A senhora Miki Nakaiama foi estabelecida como Sácrário de DeusParens e, com a introdução do espı́rito de Deus, expôs a vontade divina e iniciou o derradeiro ensinamento para a salvação do mundo. (Vida de Oyassama, p. 7) Não é nenhum dos deuses tradicionais das preces, exorcismos e evocações. Porém, é o Deus verdadeiro, que criou o homem e o mundo. (Doutrina de Tenrikyo, p. 11) Assim como estes pobres cegos imaginam que sua doutrina “salvará a humanidade”, de igual modo os cristãos: “Por isto, todas as nações precisam ouvir sua mensagem de salvação por meio de Cristo ”, diz o cego pastor. ∗ Por exemplo, Bhagavad Gita, A Revelação Bahai, Budista e Ofudessaki (Tenrikyo). 102 É precisamente por isto que tenho dito: inteligência e cultura é uma coisa, outra bem distinta é sabedoria e discernimento; nem sempre convergem em um mesmo sujeito . . . Aı́ está prova! c ) À luz da ciência do criticismo textual, podemos ter grande confiança de que a Bı́blia que possuı́mos é extraordinariamente exata. (p. 43) Tenho um livro† em mãos que diz precisamente o contrário. A estas alturas, o leitor que não for tolo já terá concluido que cada um enxerga o que quer enxergar. Por oportuno, lembrei-me de que há poucos dias atrás vinha retornando do sı́tio e duas sobrinhas minhas (na faixa etária dos seis anos), sentadas no banco traseiro, tagarelavam sem parar: uma olhava para as nuvens e dizia: olha ali uma girafa! a outra: olha um jacaré sem rabo! . . . e assim elas durante o trajeto conseguiram “montar um zoológico no céu”; eu, por mais que me esforçasse, só enxergava nuvens. A mente infantil é por demais fértil: vê o que ela quer vê. Todo o problema reside em que a mente de muitos “adultos” é infantil no que concerne ao universo religioso − mesmo que este “adulto” seja um professor ou estudante de uma faculdade de teologia. A propósito, meu pai contou-me que quando ele era criança minha avó ensinava-lhes que na lua se poderia enxergar a figura de São Jorge montado em seu cavalo matando um dragão; perguntei-lhe se de fato eles conseguiam ver isto, ele me respondeu que depois de algum esforço sim. Muitos adultos comportam-se desta forma, vêm o que seus condicionamentos querem que eles vejam. Este exemplo ilustra com perfeição o que ocorre pelo lado religioso: desde pequenos os “adultos” (igrejas, religiões) condicionam as “crianças” a acreditarem que na Bı́blia podemos enxergar a palavra imaculada de Deus − a Bı́blia é extraordinariamente exata, dizem eles. A inspiração divina atinge todas as partes da Bı́blia, sem eleição nem distinção alguma, e é impossı́vel que o mı́nimo erro se tenha insinuado no texto sagrado inspirado. (Papa Bento XV/Encı́clica Spiritus Paraclitus, 1920) Eu não entendo como é que um homem ocupando um cargo desta envergadura não se acanha de mentir na maior cara de pau − Depois dizem que os mentirosos mais descarados são os polı́ticos! . . . pois sim! O que acontece com uma mentira repetida mil vezes? . . . Torna-se uma verdade! São como aquelas ilusões de ótica engendradas para iludir a visão. Existem aqueles que na mente continuam sendo uma criança pela vida inteira, continuam acreditando na mentira dos adultos de que na Bı́blia “podem enxergar São Jorge montado em seu cavalo pelejando contra o dragão”. † O QUE JESUS DISSE? O QUE JESUS NÃO DISSE? (Bart D. Ehrman), Ehrman é uma das maiores autoridades mundiais em Bı́blia (ver [6]). 103 Gentil No livro já referido o autor (Ehrman, [6]) mostra várias inconsistências na Bı́blia que não deixam nenhuma margem de dúvidas de que o universo religioso não está muito distante do universo da polı́tica com todo o “mar de lama” que conhecemos. Mediante o “Elogio da Loucura” Erasmo [de Rotterdam] denunciava a corrupção dos valores autênticos do sadio humanismo mesmo no interior da Igreja Católica Romana cujo chefe supremo, o Papa Júlio II não passava de um polı́tico ambicioso e aventureiro. (Col. Pensamento & vida) Da equação divina podemos derivar uma outra equação, assim: Deus + Homem = Deus Bı́blia + Homem = Bı́blia Esta é a “equação bı́blica ”: Bı́blia + Homem = Bı́blia Podemos concordar em que a “Bı́blia extraordinariamente exata” a que o pobre pastor se refere, de fato existe, todavia, apenas na “mente de Deus”. A Bı́blia usual (lado direito da equação) tem a mão do homem − não poderia ser diferente; veja através de uma figurinha como se dá o processo: Deus Bı́blia + Homem = Bı́blia Homem Se alguma verdade existe que não guarde nenhuma relação sensitiva ou (Tagore) racional com a inteligência humana, será igual a zero. Observe alguns casos especiais da equação bı́blica: 104 Analects Vedas Revelaç~ ao Gita Luz Branca Deus (Confucionismo) (Hinduı́smo) (Bahai) (Hare Krisna) Tao Te King (Taoı́smo) (homem) A.T. Alcor~ ao Bı́blia Ofudessaki (Judaı́smo) (Islamismo) (Cristianismo) (Tenrikyo) Bı́blia + Homem = Bı́blia No entanto, as igrejas acreditam na “equação bı́blica adulterada” : 0 Bı́blia + Homem = Bı́blia A mente é a verdadeira natureza das coisas. ⇒ Bı́blia = Bı́blia (Zen Budismo) (falsa equação) “Inerrância bı́blica”, é um dos palavrões mais feios que eu já ouvi em toda minha vida − pior que os proferidos pela saudosa atriz Dercy Gonçalves, nem se comparam em termos de consequências funestas. Só existem duas explicações para alguém acreditar nesta falsa equação:∗ Ou é tolo ou é esperto Eu particularmente creio que dentre padres e pastores tanto existem os simplórios quanto os espertos. Agora dentre as pobres ovelhas . . . . Em particular, como eu disse desde o princı́pio, comecei a ver o Novo Testamento como um livro demasiadamente humano. Eu sabia que o Novo Testamento, na forma que dispomos atualmente, era produto de mãos humanas, as mãos dos copistas que o transmitiram. Depois, comecei a ver que não era só o texto copiado pelos escribas que era demasiadamente humano, mas o próprio texto original. (Bart D. Ehrman) Os fenômenos são organizados É o próprio homem que cria os pelo nosso aparelho perceptivo e cogni- valores em que acredita − e que depois tivo, sendo assim em parte dependentes vê neles algo de transcendente, eterno e do sujeito. verdadeiro. Os valores, no entanto, nada (Immanuel Kant) mais são do que algo “humano, demasiado humano”. ∗ ( Nietzsche) Isto é, numa Bı́blia livre de influências humanas. Numa Bı́blia sem o dedo humano. 105 Gentil Outra fonte independente confirma isto: [. . .] Dentre esses estudiosos estava Orı́genes, profundo conhecedor da tradição cristã, respeitado por todos que conheciam suas obras. Como se não bastasse a condenação de seus escritos, Orı́genes foi então excomungado quase três séculos após sua morte. Uma razão adicional para que Orı́genes fosse condenado é o fato dele ter feito inimigos dentro da hierarquia clerical ao criticar as alterações efetuadas nas Escrituras. Ele indicou que ocorreram sérios desvios textuais nas cópias das Escrituras, pelo descuido de alguns escribas, pela audácia perversa de certos exegetas e até mesmo por adições ou supressões arbitrárias. (Raul Branco, p. 62/Rodapé p. 44) Desprezo Assim como na página 29 prestei meu tributo a um homem audaz, desejo deixar consignado aqui meu desprezo por todos os pastores e padres − vassalos − que cursaram uma faculdade de teologia e, ao tomar conhecimento das diversas “manobras ” praticadas pelo “alto clero”, optaram pela covardia e subserviência à cúpula das igrejas. A mãe Natureza, que deu ao touro os cornos, e ao leão as presas, para que me deu a mim a ponta dos pés? [. . .] Para espezinhar os caldeirões podres. (Nietzsche/A Genealogia da Moral) Tenho insistido em que não se pode ver a inspiração bı́blica desconectada do meio (caldo) cultural que lhe deu origem; é burrice (cegueira) desconsiderar essa variável. Dentre inúmeros possı́veis exemplos da falsidade da equação: Bı́blia = Bı́blia, vou citar apenas dois: 1 o ) “Desse modo, as mulheres devem ficar em casa e cultivar as virtudes próprias a seu sexo, criar filhos para seus maridos e preservar a modéstia. Como afirma literalmente a passagem”: (Bart D. Ehrman/[6], p. 192) A mulher deve guardar silêncio com toda submissão. Não permito à mulher ensinar ou ter autoridade sobre um homem. Que ela se mantenha em silêncio. Com efeito, Adão foi formado por primeiro. Depois Eva. E Adão não foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, caiu na transgressão. Todavia, ela será salva por sua maternidade, contanto que persevere na fé, no amor e na santidade, com modéstia. (1 Tm, 2 : 11 − 15) Medite sobre a passagem bı́blica acima, no que concerne aos argumentos envolvendo Adão e Eva, ela me parece tola, obtusa. Atente para o raciocı́nio “inspirado por Deus” : Adão foi formado antes de Eva, logo, toda mulher deve ficar calada na igreja e com toda submissão. 106 Não entendi o que uma coisa tem a ver com a outra, o leitor entendeu? Aconselho às mulheres cristãs a não ficarem pesarosas (ou depressivas) “apenas por isto” . . . poderia ter sido bem pior. Com efeito, na Bı́blia mulçumana (Corão) os maridos têm o direito de espancar suas esposas∗ 2o ) Os homens têm autoridades sobre as mulheres porque Deus os fez superiores a elas. (Corão, 4 : 31) Ou ainda: Quanto àquelas de quem temes desobediência, deves admoestá-la, enviá-las a uma cama separada e bater nelas. (Corão, capı́tulo 4) O Deus de judeus e cristãos determina que se mate até parentes: Quando te incitar teu irmão, filho da tua mãe, ou teu filho, ou tua filha, ou a mulher do teu seio, ou teu amigo, que te é como a tua alma, dizendo-te em segredo: Vamos e sirvamos a outros deuses que não conheceste [. . .] Não consentirás com ele, nem o ouvirás; nem o teu olho o poupará, nem terás piedade dele, nem o esconderás, mas certamente o matarás [. . .] (Dt 13 : 6 − 10, 15) Com todas estas evidências é de admirar que os fanáticos e cegos não enxerguem o dedo humano na composição de suas Bı́blias . . . é de estarrecer! “A Bı́blia é extraordinariamente exata! ” . . . Pois sim! Uma aberração que desafia a própria ciência Conhecendo, como conheço, o passado da Igreja Católica; observando, como observo, as práticas atuais das igrejas evangélicas, os escândalos denunciados na mı́dia (televisão, revistas e internet) fico impressionado, embasbacado de como, em pleno século XXI − já atravessamos o século das trevas, o século das luzes − estas igrejas ainda conseguem amealhar ovelhas que se deixam tosquiar. Um pensador sensı́vel observou: “Vivemos em uma era na qual a estupidez triunfou”; e isto é verdade em particular no universo das religiões. Há muito tempo tenho buscado palavras para expressar esta minha “zonzeira” (fico zonzo só de pensar nisto), entretanto não consegui inspiração suficiente. Recentemente chegou em minhas mãos um livro† no qual o autor, tratando de polı́tica, expressa um sentimento de indignação em relação ao eleitor‡ muito semelhante ao que sinto em relação às ovelhas. Não vejo muita diferença entre os universos da polı́tica e da religião, ao contrário ∗ No islã a mulher só pode ter um marido, enquanto que os homens podem ter até quatro esposas. † Eleitor, Escuta!/A Podrid~ ao Parlamentar/ Sébastien Faure/IEL. ‡ O autor − em sua conjuntura, ideológica inclusive − defende a abstenção do voto. Muito antes de ler o referido texto eu próprio já não votava em ninguém, anulo o meu voto. Considero-o tão sagrado (importante) que não desejo convertê-lo em merda depositando-o em um pinico qualquer. Gentil 107 são bastante similares, razão por que decidir transcrever o referido texto e logo após farei uma paráfrase “trocando eleitor por ovelha”, básicamente. Ei-lo: Uma coisa que me surpreende prodigiosamente − ousarei dizer que ela estupefica-me − é que, no momento cientı́fico em que escrevo, após as inumeráveis experiências, após os escândalos cotidianos, ainda possa existir em nossa cara França (como eles dizem na Comissão do orçamento) um eleitor, um único eleitor, esse animal irracional, inorgânico, alucinante, que consente atrapalhar seus negócios, seus sonhos ou seus prazeres para votar em favor de alguém ou algo. Quando refletimos por um instante, esse surpreendente fenômeno não é feito para desconcertar as filosofias mais sutis e confundir a razão? Onde está o Balzac que nos dará a fisiologia do eleitor moderno? E o Charcot que nos explicará a anatomia e as mentalidades desse incurável demente? Nós o aguardamos. Compreendo que um escroque encontre sempre acionistas, a Censura dos defensores, a Ópera-Cômica dos dilletanti; compreendo o sr. Chantavoine obstinando-se a encontrar rimas; compreendo tudo. Mas que um deputado, ou um senador, ou um presidente da República, ou qualquer um, entre todos os estranhos farsantes que reinvidicam uma função eletiva, qualquer que seja, encontre um eleitor, quer dizer o ser inimaginado, o mártir improvável, que vos nutre com seu pão, veste-vos com sua lã, engorda-vos com sua carne, enriquece-vos com seu dinheiro, com a única perspectiva de receber, em troca dessas prodigalidades, golpes de cassetetes na nuca, pontapés no traseiro, quando não são tiros de fuzil no peito; na verdade, isso ultrapassa as avaliações já bastante pessimistas que eu havia feito até aqui da estupidez humana. É evidente que falo aqui do eleitor advertido, convicto, do eleitor teórico, daquele que imagina, pobre diabo, agir como cidadão livre, exibir sua soberania, exprimir suas opiniões, impor − ó loucura admirável e desconcertante − programas polı́ticos e reinvidicações sociais, e não do eleitor “que a conhece” e que zomba disso. Falo dos sérios, dos austeros, do povo soberano, esses que sentem uma embriaguez apoderar-se deles quando se olham e se dizem: “Sou eleitor! Tudo se faz por mim. Sou a base da sociedade moderna.” Como ainda há gente dessa natureza? Como, por mais cabeçudos, por mais orgulhosos, por mais paradoxais que sejam, não se sentiram, desde há muito, desencorajados e envergonhados por sua obra? Como pode acontecer que se encontre algures, mesmo nos longı́nquos espaços perdidos da Bretanha, mesmo nas inacessı́veis cavernas das Cevenas e dos Pirineus, um simplório assaz estúpido, assaz despropositado, bastante cego ao que se vê, bastante surdo ao que se fala, para votar azul, branco ou vermelho, sem que nada o obrigue a isso, sem que se lhe paguem ou sem que o embriaguem? 108 A que sentimento barroco, a que misteriosa sugestão pode obedecer esse bı́pede pensante, dotado de uma vontade, ao que se diz, e que se vai, orgulhoso de seu direito, certo de que cumpre um dever, colocar numa urna eleitoral qualquer uma cédula qualquer, pouco importa o nome que esteja nela escrito?. . . o que ele deve dizer para si mesmo que justifique ou apenas explique seu ato extravagante? o que espera? Pois, enfim, para consentir em se dar amos ávidos que o espoliam e o golpeiam, é preciso que ele se diga e que espere algo de extraordinário que nós não imaginamos. É preciso que, por poderosos desvios cerebrais, as idéias de deputado correspondam nele a idéias de ciência, justiça, devotamento, trabalho e probidade. E é isso que é verdadeiramente pavoroso. Nada lhe serve de lição, nem as comédias mais burlescas, nem as mais sinistras tragédias. O que lhe importa que seja Pedro ou João que lhe peça seu dinheiro e que lhe tome a vida, visto que ele é obrigado a despojar-se de um e dar a outros? Pois bem! Não. Entre seus ladrões e seus algozes, ele tem preferências, e vota nos mais rapaces e mais ferozes. Votou ontem, votará amanhã, votará sempre. Os carneiros vão ao matadouro. Nada dizem, nada esperam. Mas eles ao menos não votam no açougueiro que os matará, e no burguês que os comerá. Mais besta que as bestas, mais ovino que os ovinos, o eleitor nomeia seu açougueiro e escolhe seu burguês. Ele fez revoluções para conquistar esse direito. Paráfrase para a plataforma religiosa Uma coisa que me surpreende prodigiosamente − ousarei dizer que ela estupefica-me − é que, no momento cientı́fico em que escrevo, após as inumeráveis experiências, após os escândalos cotidianos, ainda possa existir em nosso Paı́s uma ovelha, uma única ovelha, esse animal irracional, inorgânico, alucinante, que consente atrapalhar seus negócios, seus sonhos ou seus prazeres para sentar-se em um banco de igreja. Quando refletimos por um instante, esse surpreendente fenômeno não é feito para desconcertar as filosofias mais sutis e confundir a razão? Onde está o Balzac que nos dará a fisiologia da ovelha moderna? E o Charcot que nos explicará a anatomia e as mentalidades dessa incurável demente? Nós o aguardamos. Compreendo que um escroque encontre sempre acionistas, a Censura dos defensores, a Ópera-Cômica dos dilletanti; compreendo o sr. Chantavoine obstinando-se a encontrar rimas; compreendo tudo. Mas que um pastor, ou um padre, ou até mesmo o Papa, ou qualquer um, entre todos os estranhos farsantes que reinvidicam falarem em nome de Deus, qualquer que seja, encontre uma ovelha, quer dizer o ser inimaginado, o mártir improvável, que vos nutre com seu pão, veste-vos com sua lã, Gentil 109 engorda-vos com sua carne, enriquece-vos com seu dinheiro, com a única perspectiva de receber, em troca dessas prodigalidades, um lugarzinho no céu; na verdade, isso ultrapassa as avaliações já bastante pessimistas que eu havia feito até aqui da estupidez humana. É evidente que falo aqui da ovelha advertida, convicta, da ovelha teórica, daquela que imagina, pobre diabo, agir como cidadã livre, exibir sua soberania, exprimir suas opiniões, impor − ó loucura admirável e desconcertante − programas religiosos e reinvidicações sociais, e não da ovelha “que a conhece” e que zomba disso. Falo das sérias, das austeras, das ovelhas carolas, dessas que sentem uma embriaguez apoderar-se delas quando se olham e se dizem: “Sou de Jesus! Estou salva. Sou a base da Nova Jerusalém.” Como ainda há gente dessa natureza? Como, por mais cabeçudas, por mais orgulhosas, por mais paradoxais que sejam, não se sentiram, desde há muito, desencorajadas e envergonhadas por sua estupidez? Como pode acontecer que se encontre algures, mesmo nos longı́nquos espaços perdidos da Bretanha, mesmo nas inacessı́veis cavernas das Cevenas e dos Pirineus, um simplório carneiro assaz estúpido, assaz despropositado, bastante cego ao que se vê, bastante surdo ao que se fala, para sentir-se cristão, mulçumano ou hindu, sem que nada o obrigue a isso, sem que se lhe paguem ou sem que o embriaguem? A que sentimento barroco, a que misteriosa sugestão pode obedecer esse bı́pede supostamente pensante, dotado de uma vontade, ao que se diz, e que se vai, orgulhoso de seu direito, certo de que cumpre um dever, colocar num envelope qualquer uma cédula qualquer, pouco importa a denominação que esteja nele escrito?. . . o que ele deve dizer para si mesmo que justifique ou apenas explique seu ato extravagante? o que espera? Pois, enfim, para consentir em se dar pastores ávidos que o espoliam e o golpeiam, é preciso que ele se diga e que espere algo de extraordinário que nós não imaginamos. É preciso que, por poderosos desvios cerebrais, as idéias de pastor correspondam nele a idéias de honestidade, decência, devotamento, trabalho e probidade. E é isso que é verdadeiramente pavoroso. Nada lhe serve de lição, nem as comédias mais burlescas, nem as mais sinistras tragédias. O que lhe importa que seja Edir Macedo ou Valdemiro que lhe peça seu dinheiro e que lhe tome a vida, visto que ele é obrigado a despojarse de um e dar ao outro? Pois bem! Não. Entre seus ladrões e seus algozes, ele tem preferências, e escolhe os mais rapaces e mais ferozes. Escolheu ontem, escolherá amanhã, escolherá sempre. Os carneiros vão ao matadouro. Nada dizem, nada esperam. Mas eles ao menos não escolhem o açougueiro que os tosquiará, e o burguês que os comerá. Mais besta que as bestas, mais ovino que os ovinos, o religioso escolhe seu papa assassino e escolhe seu lobo devorador em pele de cordeiro. Ele está “protegido” pela Constituição Federal e exige esse direito. 110 Conclusão A mente possui uma propensão natural a interpretar, a engendrar significados, a construir “sentido” para os eventos . . . esta é uma propriedade da mente. (Gentil) O leitor terá captado a essência deste capı́tulo se entender que todo Deus − i.e., toda concepção divina − é uma construção humana, veja novamente: Taoı́smo (Mente) Deus antes do Prisma Judaı́smo Islamismo Cristianismo .. .          Deus         Confucionismo Hinduı́smo Budismo Todas estas concepç~ oes da divindade passaram pela mente de algum homem O NADA (VAZIO)/ABSOLUTO Quando digo que todo Deus é uma construção humana quero também dizer que Deus se manifesta conforme a época e lugar (Espaço-tempo) e, portanto, de acordo com uma dada cultura; por exemplo, o Deus cristão é um Deus pessoal por conta de que Jesus era judeu, digo, recebeu esta cicatriz da cultura judaica. Sendo assim, padres e pastores não devem ter o monopólio sobre Deus, não têm o direito de serem tão estúpidos ao ponto de acharem que suas pobres concepções do divino sejam superiores a todas as outras. Não devemos esquecer de que “tudo está na mente ”, o que tem como consequência que Deus “está na mente ”. Veja bem, muito do que coloco em meus escritos é resultado de vivência, de experimentos, posso afirmar isto. Me tomo como um “campo experimental”, e vou realizando meus “experimentos”, precisamente dentro deste contexto, veja que interessante: Ao acordar para si e manter-se em tal estado, este consolida os fundamentos da liberdade e, portanto, da possibilidade de ser e construir sua essência. Por isso Sartre, nesse ponto, acertou, ainda que exagerando, ao dizer que o homem é pura liberdade, o que constitui um gigantesco desafio; o desafio de construir e consolidar progressivamente sua individualidade, sua pessoa, de forma determinante e aberta, a partir do vazio indeterminado da consciência. O homem é, de fato, uma “obra” aberta (que se faz a si mesma, autocriadora), essencialmente inacabada, ilimitada, destinada ao infinito, sempre por se fazer, para cada vez Ser mais (ou “existir” cada vez com mais intensidade e amplidão). (Marcelo Malheiros/[4], p. 147) 111 Gentil Tenho experimentado o que o autor afirma acima. No que diz respeito ao meu caso particular esta liberdade de autocriação envolve até mesmo Deus; isto mesmo, sinto que dentro de mim (em minha mente) está sendo gestado − com minha participação − um novo Deus, é o que decorre da equação divina. Isto tudo como decorrência de minha insatisfação com o Deus oferecido pelas religiões. Ademais, é evidente que o “meu Deus”, ao qual me refiro, não é uma construção meramente arbitrária, mas sim fundamentado em pesquisas, reflexões e experimentos − meditação, por exemplo. Até o presente momento acho que posso resumir “meu Deus” , como decorrência (corolário) da equação divina, do seguinte modo: Tao Luz Branca Deus ⊕ (Gentil) Vazio Deus + Gentil = Tao ⊕ Vazio O sı́mbolo “⊕”, em nosso contexto, representa uma “adição”, denominada “ou exclusivo”, dada assim: a ⊕ b = a ou b, mas não ambos. O que significa que essa adição pode resultar em uma de duas possibilidades “a depender da escolha do experimentador ”. Um exemplo onde ocorre essa adição é na conhecida ilusão de ótica: na qual podemos enxergar uma jovem (digamos, a) ou uma bruxa (digamos, b), a depender da escolha do observador. É esse o significado da equação divina: 112 Deus + Gentil = Tao ⊕ Vazio Ou seja, posso ver Deus tanto como Tao (p. 97) como quanto o “Vazio”, a depender de minha escolha (decisão). Nota: Estou fazendo uma distinção entre o Vazio e o Vazio. O primeiro refere-se a “O Vácuo, o Nada, berço de todos os Possı́veis ” (p. 78, p. 79), o segundo refere-se a um estado de “mente vazia” − uma Consciência puramente contemplativa (completa ausência de pensamentos) − que se alcança através da meditação, por exemplo. Adendo: Depois de escrever a nota acima me deparei com o seguinte texto (que não constava em uma versão anterior deste capı́tulo) que corrobora de modo admirável minha tese: Na verdade, a mesma fonte (o Nada, o Vazio, o Abismo sem fim) que é o fundamento do Universo existe igualmente dentro do indivı́duo, com a mesma potencialidade, pois há um só vazio, um só Absoluto∗ . O vazio no homem é o mesmo vazio em Deus. (A Pot^ encia do Nada, p. 186) De uma outra fonte independente: Assim, o vácuo tem a mesma estrutura fı́sica da consciência humana, caso também esta surja de um condensado de Bose-Einstein. (Danah Zohar/[8], p. 285) Nota: Os estados da matéria mais conhecidos são: sólido, lı́quido e gasoso; existem outros além destes, o condensado de Bose-Einstein é um deles. Introduzirei a seguinte simplificação em minha equação divina: Deus + Gentil = Tao ⊕{zVazio} | D G (Deus Gentil) Então: Deus + Gentil = D G Em função da hierarquia entrelaçada (p. 89) sou eu quem determina a forma, ou modo, de me relacionar com meu Deus. Por exemplo, decidi não tê-lo como meu “Senhor ”, não sou seu servo, sou seu Amigo e colaborador ; ∗ É interessante observar que os conceitos de Samadhi, iluminação, Satori referem-se a estados de consciência − ou estados de Ser − que se ajustam perfeitamente à noção de vazio e, ao mesmo tempo, de plenitude. Na vacuidade − ou na consciência (esvaziamento da mente) do vazio − está a plenitude do absoluto, que é silêncio total e completa perfeição e beatitude. Gentil 113 decidi não dá-lhe 10% do meu salário (dı́zimo), D G não necessita de dinheiro, nem mesmo para a construção de templos uma vez que ele, sendo o Vazio, não possui ego, não necessita ser adorado. Não existe “evangelização”. D G não se ira, não se vinga, não castiga. As igrejas dizem que pecado é uma ofensa cometida contra Deus e que deve ser reparada de alguma forma, inclusive doações aos padres e pastores. Nesta perspectiva não sou um pecador uma vez que D G não é um ego; digo, mesmo que eu queira não consigo ofendê-lo. Não preciso me humilhar para ser perdoado. Tenho meus erros, no entanto, como D G não tem ego, estes não se configuram como pecados, posso vê-los como oportunidades de crescimento, de aprendizado. Um pai não tem os erros de um filho como pecados. Não preciso me ajoelhar e rezar a D G, como disse, minha relação com Ele é a de Amigo . . . Resumindo: Deus é uma construção mental, sua ou de autoridades (Papas, pastores, Escrituras, etc.) . . . Cada um tem o Deus que merece. Adendo: Após vários dias da conclusão deste capı́tulo, já na finalização do livro, me deparei com uma preciosa jóia que vem confirmar de modo admirável meu pensamento exposto acima, afirma ela: Todo ser humano tem o potencial de ser um deus − porque ele pode se tornar iluminado, pode se tornar pura consciência. É isso que um deus vai significar no futuro. No passado, Deus era o criador. No futuro, Deus será a criação da consciência humana. Ele será o mais alto pico da celebração humana, da luminosidade humana, da luz humana. (Osho/O Rebelde, p. 64/Editora Gente) Coloco em destaque − em harmonia com o contexto de minha equação: “No passado, Deus era o criador. No futuro, Deus será a criação da consciência humana.” Na verdade Deus sempre foi uma criação da mente humana, o homem é que não havia se dado conta disto. No futuro mais pessoas estarão conscientes desta assertiva. O Deus de judeus e cristãos, Jeová, foi uma construção (simbiose, hierarquia entrelaçada) de um contexto cultural, de uma época, este Deus deixou de existir há milênios, já Jesus trouxe (gestou) um novo Deus, O Pai; é possı́vel que Ele não tenha se dado conta disto. Jeová ainda existe apenas na mente de padres, pastores e ovelhas − os fósseis vivos. Para os fãs de Elvis, “Elvis não morreu”, o mesmo se passa com os “fãs de Jeová”, a exemplo das próprias Testemunhas de Jeová. A loucura dos papas: Neles a sabedoria eclipsou-se de vez. Agora, sob meu influxo, vivem como prı́ncipes em meio ao poder absoluto. Dentro da riqueza, dizem que representam Cristo, que era pobre. (Erasmo de Rotterdam/Elogio da Loucura/Col. Pensamento & vida) 114 Esta página ficaria em branco (ociosa), decidi aproveitá-la para justificar a afirmativa que fiz na p. 39 de que na fı́sica de Einstein 1 + 1 6= 2. Suponhamos um observador O fixo em relação ao solo, e um vagão movendo-se com velocidade v em relação ao solo. Dentro do vagão há uma bola que se move com velocidade u. u • ∼ ≀ v · q O · Sendo assim, Galileu nos diz que: V = v + u. Onde, V : velocidade da bola para o observador no solo. Einstein, respaldado em seu segundo postulado∗ , corrigiu a adição de Galileu da seguinte forma: v+u V = v·u 1+ 2 c Onde c = 3 · 108 (m/s) é a velocidade da luz. Tomando u = v = 1 teremos que para Galileu 1 + 1 = 2, já para Einstein 1 + 1 6= 2. De fato, V = 1+1 6= 2 1·1 1+ (3 · 108 )2 (3.1) Claro, os fı́sicos argumentariam que “para todos os fins práticos” 10−16 = 0 e aı́ as duas adições coincidem. Primeiro que arredondamento é sempre uma opção, nunca uma obrigação. Segundo, não trata-se de arredondamento, é uma questão conceitual. Por exemplo, “para todos os fins práticos” π = 3, 14159265359, entretanto conceitualmente o número da esquerda é irracional e o da direita racional. A fı́sica de Newton-Galileu não é um caso particular da de Einstein. Só existe uma maneira de obter 1 + 1 = 2 na fı́sica de Einstein, devemos fazer 10−16 = 0, o que implicaria 1 = 0 (multiplicando por 1016 ). Logo, estabelecemos (na fı́sica de Einstein): Se 1 + 1 = 2 então 1 = 0. Mas isto equivale a: Se 1 6= 0 então 1 + 1 6= 2. An passant, gostaria de deixar aqui um questionamento aos fı́sicos. A matemática nos diz que a adição de vetores obedece a regra do paralelogramo, ~ |2 = | ~u |2 + | ~v |2 + 2 | ~u | · | ~v | · cos θ. Esta equação para θ = 0o dada por | V torna-se | V~ | = | ~u | + | ~v |. Tomando u = v = 1 teremos | V~ | = | 1 | + | 1 | = 2, contrariando (3.1)! Então velocidade não é um vetor na fı́sica de Einstein? ∗ A velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor c em qualquer referencial inercial, independentemente da velocidade da fonte de luz. Capı́tulo 4 O TEOREMA DE RUSSEL Apenas Ele que é O Senhor dos céus sabe. Apenas Ele sabe, ou talvez nem Ele saiba! 4.1 (Rig Veda, X) Introdução Inicio essa introdução com uma pergunta: por que existem ateus e agnósticos? Ou ainda, por que cresce o número de ateus e agnósticos no mundo? Dentre algumas possı́veis respostas gostaria de destacar uma: porque existem pessoas que raciocinam, que vão além do trivial. É notório que a capacidade de raciocı́nio humana se expande ao longo dos séculos, veja-se por exemplo as ciências. Logo, as religiões (concepções divinas) que serviram ao homem do passado − e ainda servem a muitos que “vivem no passado” − já não servem àqueles que evoluiram em capacidade de raciocı́nio. Volto a colocar em destaque uma observação da filosofia que tem, amiúde, me despertado um grande fascı́nio por sua densidade e riqueza de corolários: Deformamos o real porque o apreendemos espontaneamente através de nossas impressões sensı́veis, de nossos desejos, nossas paixões, nossos interesses, nossos hábitos, em suma, através de tudo aquilo que nos confina nesse reino de ilusões em que, impotentes para ver os objetos cujas sombras não passam de sombras, ignoramos que elas são sombras e as tomamos por realidade. (Simone Manon,[9]) Seguirei apenas um veio desta profunda observação. Inicialmente a de que o real inclui até mesmo Deus. Aqui encontra-se a explicação para a multiplicidade de Deuses construidos pelo homem: “impressões sensı́veis ”, desejos, paixões, interesses, hábitos, etc., em suma ego. Isto é bastante visı́vel na história de todas as religiões. 115 116 Uma gota d’agua é uma gota d’agua? Uma gota d’agua é uma gota d’agua quando vista a “olho nu”, quando vista sob as lentes de um potente microscópio . . . uma outra realidade torna-se manifesta − Por exemplo, na figura ao lado vemos uma gota d’agua hospedando dois protozoários. Neste capı́tulo estaremos examinando Deus sob o “zoom” de uma lente bem mais potente que o de uma lente comum (“olho nu”). Uma caracterı́stica bem acentuada dentro das religiões, a começar pelos lı́deres, é a apropriação imediata da realidade por suas “impressões sensı́veis ”. Por um lado de fato eles têm razão: uma gota d’agua é tão somente uma gota d’agua (ou uma pedra é tão somente uma pedra). Por outro pecam pelo fato de que suas parcas capacidade de análise (miopia) não lhes permitem ver que dentro de uma gota d’agua um outro universo se desdobra. Pois bem, esse “nı́vel de interação” com a realidade, esta espontaneidade toda, é precisamente a mesma com que padres, pastores e ovelhas lidam com a realidade, em particular com o universo da espiritualidade; é com esse grau de miopia que eles se acercam da Bı́blia e de tudo o mais. Todo homem que for dotado de um espı́rito filosófico há de ter o pressentimento de que, atrás da realidade em que existimos e vivemos, se esconde outra muito diferente e que, por consequência, a primeira não passa de uma aparição da segunda. (Nietzsche) A história, da ciência em particular, registra com sobejos exemplos que a evolução da humanidade deve seus melhores frutos não aos satisfeitos, aos adormecidos − como os que se encontram dentro das religiões − mas ao contrário, aos insatisfeitos, aos crı́ticos dos sistemas, não obstante as perseguições e excomunhões sofridas por estes. É neste contexto que afirmo que os ateus e agnósticos, com suas crı́ticas não raro pertinentes, têm dado uma maior contribuição à “causa de Deus” que os próprios religiosos, no sentido de que forçam aos homens de boa vontade − a exemplo de Nietzsche, Espinoza e Russel − a purificarem o conceito de Deus de todas as escórias e incrustações inseridas pelas religiões infantis e primitivas − Um exemplo disto foi o Iluminismo, com a contribuição de Voltaire (1694 − 1778), resgatando o homem do Perı́odo das Trevas, fomentado pela “Igreja de Deus ”. 117 Gentil Por exemplo, Bertrand Russel, um agnóstico, afirmou: O mundo em que vivemos pode ser compreendido como resultado de uma trapalhada e de um acidente; mas, se resultou de um propósito deliberado, tal propósito deve ter partido de um demônio. De minha parte, acho o acidente uma hipótese menos penosa e mais plausı́vel. ([1], p. 58) Claro, para os religiosos esta declaração é motivo de escândalo, de blasfêmia, entretanto foi o que enfatizei no primeiro capı́tulo, as religiões tentam convencer seus adeptos de que “tudo no mundo de Deus é belo”, enfatizam apenas uma das faces da ilusão de ótica, veja: E comerás o fruto do teu venPorque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (Religi~ oes) tre, a carne de teus filhos e de tuas filhas, que te der o Senhor, teu Deus, no cerco e no aperto como que os teus inimigos te apertarão. (Dt 28 : 53) (Russel) Russel focaliza a outra face, a da velha bruxa. Ao invés de uma rejeição imediata e intempestiva à sua afirmação; ou enviá-lo à fogueira como seria do desejo de muitos religiosos∗ , vamos analisar mais detidamente sua proposta tendo em vista que não creio que um eminente cientista, e honesto ao que me parece, seja capaz de uma afirmação leviana e irresponsável, como poderia parecer numa “apreensão sensı́vel ” − emocional. Do enunciado acima podemos destacar o seguinte teorema matemático. Teorema 1 (Bertrand Russel). Se o mundo resultou de um propósito deliberado, então o criador é um demônio. Prova: O mundo, segundo nos dizem, foi criado por um Deus não só bom, como onipotente. Antes de ele haver criado o mundo, previu toda dor e toda miséria que o mesmo iria conter. É ele, pois, responsável por tudo isso. É inútil argumentar-se que o sofrimento, no mundo, é devido ao pecado. Em primeiro lugar, isso não é verdade: não é o pecado que faz com que os rios transbordem ou que os vulcões entrem em erupção. Mas, mesmo que fosse verdade, isso não faria diferença. Se eu fosse gerar uma criança sabendo que essa criança iria ser um homicida manı́aco, eu seria responsável pelos seus crimes. Se Deus sabia de antemão os pecados de que cada homem seria culpado, Ele foi claramente responsável por todas as conseqüências de tais pecados, ao resolver criar o homem. (ibid., p. 22-23)  ∗ Russel foi nomeado professor de filosofia do City College, Nova York, em 1940; os religiosos da cidade, à frente o Bispo Manning, da Igreja Episcopal Protestante, orquestraram uma sórdida campanha contra sua nomeação que acabou não se efetivando. 118 Um pequeno complemento de uma outra fonte independente: Se Deus nos fez (assumindo por um momento o ponto de vista teı́sta), então supostamente nossa noção de certo e errado vem dele. Se este é o caso, não há outra noção de certo e errado que não a dele. Se ele faz algo errado, então é culpado pelos próprios princı́pios de julgamento que ele nos deu como seres humanos conscientes. E assassinar bebês, matar multidões de fome e permitir − ou causar − genocı́dios é errado. (Bart D. Ehrman/[5], p. 241) É o que eu disse: ninguém tem culpa de raciocinar. E por que pastores, padres, os “doutores teólogos” de modo geral, não vão além de seus catecismos infantis estudados em suas faculdades de teologia? São muitos os interesses em jogo, a exemplo dos que apontei a respeito do pastor Zacarias (p. 92). É que as religiões anestesiam o cérebro de suas ovelhas mostrando-lhes apenas o “lado belo da vida”, o lado “amoroso” da criação de Deus − digo, do que eles entendem por Deus. Uma cantiga de ninar com que eles adoram embalar o sono das ovelhas é aquela: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que . . . ” Russel, que se utiliza da “visão” de um potente microscópio, nos faz ver que não é bem assim. Um animal se alimentar de um outro animal que tipo de amor está em jogo? Teorema (Russel): Se o mundo resultou de um propósito deliberado, então o criador é um demônio. Refletindo um pouco sobre as cenas a seguir∗ Teorema (Russel): Se o mundo resultou de um propósito deliberado, então o criador é um demônio. ∗ Na figura da esquerda um abutre está apenas esperando a criança morrer − ou nem tanto − para se alimentar. 119 Gentil fica difı́cil de acreditar em um “Deus de amor ” como o que as igrejas utilizam para escalpelar as incautas ovelhas. Veja, tu que te encontras confinado em uma das gaiolas cristãs, se tentares justificar as imagens acima − quaisquer que sejam teus argumentos − atenta para o fato de que estás apenas “deformando o real por conta de teus desejos, de teus interesses e de teus condicionamentos religiosos ”, seria uma atitude insana, tresloucada, tentar salvar o “Pai de amor” pregado pelas religiões infantis. Por outro lado, reflitamos sobre o seguinte: se um engenheiro entrega um edifı́cio para que seus moradores o ocupem e o mesmo desaba sobre suas cabeças, a quem devemos culpar? De modo similar, se um “designer inteligente” entrega um “pequeno asteróide chamado terra” às suas amadas criaturas e este desaba sobre suas cabeças, haveremos de concluir que este designer de fato é inteligente? que ama suas criaturas incondicionalmente? − Corpos mutilados e empilhados em terremoto no Haiti (12.01.2010) Teorema (Russel): Se o mundo resultou de um propósito deliberado, então o criador é um demônio. ASSIM, os céus, e a terra, e todo o seu exército foram acabados. E havendo Deus acabado no dia sétimo a sua obra, que tinha feito, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito. E disse ele: Eu sairei e serei um espı́rito de mentira na boca de todos os seus profetas. E ele [Deus] disse: Tu o induzirás e ainda prevalecerás; sai e faze assim. (1 Rs 22 : 22) Se a Bı́blia foi inspirada por Deus, como nos dizem os cristãos, deveremos concluir que também neste caso Deus utilizou-se de um espı́rito mentiroso para atingir seus propósitos? Deus deveria está cansado e deu a sua obra por acabada antes do tempo. Diante destas imagens fica fácil de entender a seguinte contradição entre os “atributos” de Deus: Se Deus é todo-poderoso, ele não pode ser bom, e se ele é bom, então não pode ser todo-poderoso. 120 4.2 O Teorema de Russel visto da perspectiva bı́blica Observe que a tese do teorema de Russel, demonstrada utilizando-se apenas o raciocı́nio, recebe um forte apoio da própria Bı́blia, senão vejamos: 1o ) Jeová através do seu sacerdote Arão sacrifica animais: E degolarás o novilho perante o Senhor, à porta da tenda da congregação. Depois tomarás do sangue do novilho, e o porás com o teu dedo sobre as pontas do altar, e todo o sangue restante derramarás à base do altar. (Êx 29 : 11 − 12) Os cristãos dizem-nos que o sacrifı́cio de cordeiros apontava para o sacrifı́cio de Jesus: “Eis o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”; digamos que sim, mas e o sacrifı́cio de bodes e novilhos? 2o ) Jeová se agrada do aroma dos animais sacrificados a Ele: Então oferecereis ao Senhor por holocausto, em cheiro suave, dois bezerros, um carneiro e sete cordeiros de um ano. (Nm 28 : 27) 3o ) Como nos terreiros, nas oferendas a Jeová também havia a presença de bebidas alcoólicas E a sua libação será a quarta parte de um him para um cordeiro; no santuário, oferecerás a libação de bebida forte ao Senhor. (Nm 28 : 7) Ou ainda: As tuas primı́cias e os teus licores não retardarás; o primogênito de teus filhos me darás. Assim farás dos teus bois e das tuas ovelhas; sete dias estarão com sua mãe, e ao oitavo dia mos darás. (Êx 22 : 29, 30) 4o ) Da sanha assassina de Jeová não escapa nada, inclusive idosos, crianças e animais: Então certamente ferirás ao fio da espada os moradores daquela cidade, destruindo ao fio da espada a ela e a tudo que nela houver, até os animais. (Dt 13 : 15) 5o ) Jeová conta com espı́ritos mentirosos dentre sua “equipe de trabalho”. E disse o Senhor: Quem induzirá a Acabe a que suba e caia em Ramote-Gileade? Então saiu um espı́rito, e se apresentou diante do Senhor, e disse: Eu o induzirei. E o Senhor lhe disse: Com quê? E disse ele: Eu sairei e serei um espı́rito de mentira na boca de todos os seus profetas. E ele disse: Tu o induzirás e ainda prevalecerás; sai e faze assim. (1 Rs 22 : 20 − 22) Gentil 121 6o ) Jeová aceita sacrifı́cio humano. Pelo ao menos uma virgem foi sacrificada a Jeová. O livro de Juı́zes, capı́tulo 11, relata que um guerreiro, Jefté, faz um pacto com Jeová e, ao final, tem que sacrificar a própria filha. E sucedeu que, ao fim de dois meses, tornou ela para seu pai, o qual cumpriu nela o seu voto que tinha feito; e ela não conheceu varão. (Jz 11 : 39) Observe que sacrificar seres humanos a entidades malignas em troca de favores não pertence ao passado remoto da humanidade. Com efeito, ainda hoje − em nossos dias, enfatizo − em paı́ses africanos como Uganda e Quênia crianças são sacrificadas em rituais dirigidos a entidades malignas, os favores pedidos aos feiticeiros vão desde enriquecimento fácil a eleições de polı́ticos inescrupulosos. Sacrifı́cios humanos aplacam a ira de Jeová: Disse o Senhor a Moisés: Toma todos os cabeças do povo e enforca-os ao Senhor diante do sol, e o ardor da ira do Senhor se retirará de Israel. (Nm 25 : 4) Por oportuno, a estas alturas, a passagem do Êxodo citada acima (Êx nos faz desconfiar de que primogênitos eram sacrificados juntamente com bois e ovelhas, seria isto mesmo? É o que tenho dito: pastores, padres, e os doutores teólogos são covardes, têm medo de seguirem as “trilhas da razão”, tremem só de pensar onde elas poderão levar-lhes; estão plenamente satisfeitos com um “Deus Bom”, um Deus que veio derramar seu sangue em remissão de seus pecados (que não são poucos, lembramos) − além de que o Deus Jeová tem se mostrado assaz conveniente para fundamentar todas estas estruturas parasitárias. Nunca é demais lembrarmos Nietzsche: 22 : 29, 30) Enganar-se-ia uma pessoa meio a meio, se se presumisse uma falta de inteligência nos chefes do movimento cristão: − Ah! são astutos até à santidade os senhores padres da Igreja! o que lhes falta é outra coisa muito distinta. A natureza descuidou-se, esqueceu-se de os dotar, ao menos modestamente, de instintos convenientes e “limpos. . . ” Seja dito entre nós, não são nem sequer homens. . . A propósito, existe um problema teológico − portanto da alçada dos pusilânimes que vestem batina e paletó − que desafia “todos os doutores teólogos ” há pelo ao menos 2.500 anos, proposto por um dos grandes filósofos da Grécia antiga, Epicuro: 122 Deus quer impedir o mal, mas não consegue? Então ele é impotente. Ele é capaz, mas não quer? Então ele é malévolo. Ele é capaz e quer? Donde, então, o mal? É precismente esta a razão do crescente número de ateus e agnósticos no mundo: à medida que os séculos transcorrem o raciocı́nio aumenta e a concepção de Deus permanece a mesma de há seis mil anos atrás, há uma defasagem muito grande. E em função da expansão do raciocı́nio as contradições de há muito tornaram-se manifestas, é neste contexto que afirmo que “o Deus das religiões está morto para os vivos e vivo para os mortos! ”. Apalpamos as paredes como cegos; sim, como os que não têm olhos andamos apalpando; tropeçamos ao meio dia como no crepúsculo, e entre os vivos somos como os mortos. (Profeta Isaı́as 55 : 8) Essa descrição (termômetro) da espiritualidade do “povo de Deus” na época do profeta continua tão atual quanto antes. Assim como um peixe definha e morre fora da água de igual modo um matemático sente-se asfixiar-se dentro de qualquer sistema que envolva um resquı́cio de contradição − e a maiorias das concepções divinas, incluindo a cristã envolve contradições −, se ele for um cientista honesto, audaz, ainda não contaminado com os dogmas eclesiásticos, só terá duas opções: ou abandonará o sistema ou tentará remover as contradições. Ai, meus irmãos, esse deus, que eu criei, era obra humana e delı́rio humano, igual a todos os deuses! Homem era ele, e apenas um pobre pedaço de homem e de eu: de minha própria cinza e brasa ele veio a mim, esse espectro, e − em verdade! Não me veio do além! O que aconteceu, meus irmãos? Eu me superei, a mim sofredor, eu levei minha própria cinza à montanha, uma chama mais clara inventei para mim. E vede! O espectro se afastou de mim! (Nietzsche/Assim Falou Zaratustra) Esclareço ademais que, devido aos meus longos anos de treinamento em matemática − em demonstrações notadamente − meu esquema de pensamento se resume quase que na demonstração de um teorema. Devo arregimentar “tudo” o que possa contribuir para a demonstração de minha tese. No “tudo” está incluido o que eu achar pertinente e relevante ao contexto. Feito este preâmbulo devo surfar apenas nas ondas da lógica sem temer a que porto elas me conduzirão; se, dos meus argumentos, resultar que Deus e o Diabo são a mesma entidade, então são! 123 Gentil 4.3 Limpando Deus das incrustações parasitárias Uma chama mais clara inventei para mim. E vede! O espectro se afastou de mim! Ao longo da história foram dadas várias “provas ” da existência de Deus, inclusive por alguns dos doutores teólogos da Igreja. Estas provas, também ao longo da história, foram sendo refutadas uma a uma, inclusive por lógicos e matemáticos. Por exemplo, Russel em seu livro já referido, refuta as provas principais. Entendo que nenhuma prova pode iniciar-se sem que antes haja um consenso sobre o que é Deus, novamente a quest~ ao fundamental. No geral as provas de existência do Deus cristão − um Deus de amor que enviou seu Filho para “salvar a humanidade” − podem ser refutadas confrontando-as com a realidade “circunjacente”. (por ex., veja fotos p. 118, 119) Apenas a tı́tulo de ilustração reproduzirei aqui em meu livro uma destas “provas” e respectiva refutação. O Argumento da causa primeira (Russel) Talvez o mais simples e o mais fácil de compreender-se seja o argumento da Causa Primeira. (Afirma-se que tudo o que vemos neste mundo tem uma causa e que, se retrocedermos cada vez mais na cadeia de causas, acabaremos por chegar a uma Causa Primeira, e que a essa Causa Primeira se dá o nome de Deus). Esse argumento, creio eu, não tem muito peso hoje em dia, em primeiro lugar porque causa já não é bem o que costumava ser. Os filósofos e os homens de ciência têm martelado muito a questão de causa, e ela não possui hoje nada que se assemelhe à vitalidade que tinha antes; mas, à parte tal fato, pode-se ver que o argumento de que deve haver uma Causa Primeira é um argumento que não pode ter qualquer validade. [. . .] Se tudo tem de ter uma causa, então Deus deve ter uma causa. Se pode haver alguma coisa sem uma causa, pode muito bem ser tanto o mundo como Deus, de modo que não pode haver qualquer validade em tal argumento. Este, é exatamente da mesma natureza que o ponto de vista hindu, de que o mundo se apoiava sobre um elefante e o elefante sobre uma tartaruga, e quando alguém perguntava: “E a tartaruga?” , o indiano respondia: “Que tal se mudássemos de assunto?”. O argumento, na verdade, não é melhor que este. Não há razão pela qual o mundo não pudesse vir a ser sem uma causa; por outro lado, tampouco há qualquer razão pela qual o mesmo não devesse ter sempre existido. Não há razão, de modo algum, para se supor que o mundo teve um começo. A idéia de que as coisas devem ter um começo é devido, realmente, à pobreza de nossa imaginação. Por conseguinte, eu talvez não precise desperdiçar mais tempo com o argumento da Causa Primeira. 124 Farei algumas observações a respeito do argumento do filósofo. Inicialmente a de que sua afirmativa quanto a possibilidade de que o mundo seja eterno encontra eco numa religião indiana, por nome Jainismo, que ensina que o universo é eterno e não possui um criador. Segundo, ele tem razão ao mencionar que o conceito de causa hoje em dia é débil − não confiável. Por exemplo, lemos em um livro moderno de um cientista (fı́sico quântico): A própria idéia de causalidade torna-se mesmo suspeita. Uma vez que o comportamento de objetos quânticos é probabilı́stico, torna-se impossı́vel uma descrição rigorosa de causa e efeito do comportamento de um objeto isolado. (Amit Goswami/O universo autoconsciente, p. 69) Mas à frente Russel afirma que todo conceito de causa se deriva de nossa observação de coisas particulares, e completa: não vejo razão alguma para supor que o total tenha qualquer causa. Ou seja, um número finito de observações em um dado universo não nos autoriza a generalizar estas observações ao Todo. Como ele mesmo argumenta: “Todo homem que existe tem mãe, mas, obviamente, a raça humana não tem mãe. . . e eis aı́ uma esfera lógica diferente.” 4.3.1 Análise do teorema de Russel Um teorema matemático consta de duas partes: a primeira chamada de hipótese a segunda de tese, esquemáticamente temos: Se .H . . Então . T .. O enunciado que vem após o “Se” é a hipótese, o que vem após o “Então” é a tese do teorema. No caso particular do teorema 1 (p. 117), de Russel, temos: H: O mundo resultou de um propósito deliberado, T: O criador é um demônio. Um teorema matemático uma vez demonstrado, demonstrado para sempre, não cabe apelação − todos são obrigados, pelas leis da razão, a aceitá-lo, sem mais nem menos. Isto implica, em nosso caso particular, que todos os que admitem que o mundo resultou de um propósito deliberado, de um “arquiteto inteligente”, terão forçosamente que admitir que este arquiteto é um demônio, é isto o que nos diz o teorema de Russel. 125 Gentil 4.3.2 Uno, o Deus de Plotino Creio que nem tudo está perdido. Há um único modo de escaparmos ao vaticı́nio de um teorema matemático: discordando da hipótese do teorema. Uma vez que você não concorda com a hipótese de um teorema não é obrigado a concordar com a tese do mesmo. No caso em análise isto significa que os que não crêm que o mundo tenha sido planejado estão dispensados da conclusão de que o mundo foi criado por um demônio. “Esta é uma hipótese menos penosa e mais plausı́vel ”, diz Russel. No que me diz respeito, recuso-me a aceitar a tese do teorema, razão porque terei que abrir mão da hipótese do mesmo. Isto é, o raciocı́nio me força a desistir da idéia de que o universo é obra de um “arquiteto inteligente”, i.e., que tenha sido planejado. Estive pesquisando como equacionar esse problema todo (imbróglio). Dentre algumas possibilidades a mais plausı́vel, dentro do presente contexto, fui encontrar em um pensador neoplatônico: Plotino. Segundo Plotino∗ , Deus não cria o Universo . . . Este emana de Deus. Na verdade o Deus de Plotino é chamado de Uno, portanto o Uno gera o Universo, mas não o cria. Uma mãe gera seu filho, mas não o “cria”, e nisto vai uma grande diferença. Uma semente gera uma planta, não a cria. A este respeito, nos livros do Professor Huberto Rohden lemos a seguinte: ADVERTÊNCIA A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar é aceitável em nı́vel de cultura primária, porque favorece a alfabetização e dispensa esforço mental − mas não é aceitável em nı́vel de cultura superior, porque deturpa o pensamento. Crear é a manifestação da Essência em forma de existência − criar é a transição de uma existência para outra existência. O Poder Infinito é o creador do Universo − um fazendeiro é criador de gado. Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores. O Uno de Plotino gera necessariamente, em virtude de sua própria natureza, todos os seres do Universo. Todo o Universo emana de Deus. Na criação emanatista plotiniana, que, por sua vez, teria sua inspiração na idéia emanatista de criação de Filon de Alexandria, “tudo brota do Uno, não por um processo deliberativo nem um ato de cons∗ Filósofo neoplatônico nasceu em Licópolis, no Alto Egito, e, aos 28 anos, dirigiu-se para Alexandria onde foi discı́pulo de Amônio Sacas. 126 ciência. Brota em razão de sua superabundâcia [. . . ]. a criação é, pois, conseqüência da suprema superabundâcia do Uno e de sua capacidade de engendrar. E isso se diferencia profundamente do Deus cristão. [. . . ] Não há ato de amor na criação plotiniana, “há sim, um amor (erôs) do Intelecto e da Alma para com o Uno, mas não no sentido inverso (como ocorre no cristianismo)”. Plotino entende que o Uno não pensa, nem o exterior, porque pensar é sempre pensar algo fora, e fora dele não existe nada; nem mesmo pode pensar a si mesmo, porque, se Ele pensasse a si mesmo, introduziria uma imagem de si em si. (Revista SymposiuM) Compare com Espinoza: “Portanto, Deus não é transcendente ao universo, nem pode ter personalidade, providencia, livre vontade e propósitos. Então, mesmo o homem bom, apesar de que ame a Deus, não pode esperar que Deus o ame em retorno.” A filosofia (cosmologia) de Plotino exerceu forte influência nos filósofos Nietzsche, Santo Agostinho (um dos doutores da Igreja), Heidegger e Bergson, dentre outros. Foi organizada por seu discı́pulo Porfirio de Ly em alguns tratados reunidos sob o nome de Enéadas. Observe que, de passagem, conseguimos debelar o problema que desafia os doutores teólogos das igrejas há 2500 anos: Deus quer impedir o mal, mas não consegue? Então ele é impotente. Ele é capaz, mas não quer? Então ele é malévolo. Ele é capaz e quer? Donde, então, o mal? Segundo Plotino e Espinoza Deus “não quer”, uma vez que Ele não tem querer, digo, não é uma personalidade. Deus, diz Einstein, é a Lei. A Lei funciona automáticamente; quem se opõe à Lei Cósmica, se maldiz, se aniquila a si mesmo. Isto nada tem que ver com um Deus pessoal, com um Deus emocional, que se possa irritar. Na Lei não há amor nem ódio, no sentido humano; a Lei é essencialmente neutra. A creatura que harmoniza com a Lei, goza; a creatura que se opõe à Lei sofre. (Huberto Rohden/[2]) Um dos conceitos mais difı́ceis com que os matemáticos lidaram durante séculos − e até em nossos dias − por incrı́vel que pareça foi o de número. Por exemplo, dentro do já avançado século XIX os matemáticos ingleses ainda protestavam contra a existência dos números negativos. (Boyer, p. 420) Pude constatar que o obstáculo principal no entendimento do que seja um número é a não compreensão de que número é uma entidade essencialmente abstrata e que não existe na Natureza, independentemente do homem. O mesmo acontece no que diz respeito à compreensão do que seja Deus. 127 Gentil 4.4 Uma Concepção Cientı́fica de Deus Tudo deve ser baseado em uma idéia simples. Depois de a descobrirmos ela será tão irresistı́vel, tão bela, que comentaremos entre nós, sim, não poderia ser diferente. (John Wheeler, fı́sico) Anteriormente vimos Deus por uma ótica filosófica, nesta seção O veremos de uma perspectiva mais cientı́fica, por assim dizer. Atualmente eu poderia resumir minha concepção de Deus na seguinte fórmula: DEUS É O “NADA-TUDO” Bem, só nos resta tentar dirimir esta paradoxal afirmativa. Para tanto eu poderia invocar analogias tanto na fı́sica quanto na matemática, entretanto receio que muitos poderiam não compreender os exemplos dados, razão por que insistirei na analogia do prisma (ou CD-ROM, tanto faz). A Luz Branca é composta de várias cores∗ que se adicionam e produzem uma resultante nula, essa resultante (luz branca) é o que estamos chamando de “Nada” em nossa analogia, veja: Vermelho Alaranjado Amarelo Luz Branca “NADA” Verde ( M.C. ) “TUDO” Azul Anil Violeta Deus (Nada, Luz Branca) ao incidir no “Mundo Concreto” resulta no “TUDO”. “NADA-TUDO” significa “o Nada que se transforma (espraia) em Tudo”. Neste contexto podemos entender por mundo concreto toda “matéria”, inclusive a consciência, por conta de que um cientista certa feita afirmou: A consciência é a base de toda a existência, inclusive da matéria e do cérebro, e a ciência deve ser fundamentada nessa metafı́sica, e não na metafı́sica materialista tradicional. (Amit Goswami) ∗ Estas cores se traduzem em frequências de ondas eletromagnéticas associadas. 128 Assim como a luz ao encontrar um anteparo se desdobra em suas “componentes” (cores), de igual modo o Nada ao entrar (ou tornar-se) na existência se espraia em tudo que vemos, até os pensamentos. Metaforicamente, como eu sugeri, podemos pensar o vácuo como um vasto mar; e tudo quanto existe − as estrelas, a Terra, as árvores, nós e as partı́culas de que somos feitos −, como ondas nesse mar. Os fı́sicos denominam tais “ondas” − nós e tudo quanto existe − “excitações” ou “flutuações” do vácuo. (Danah Zohar/[8], p. 284) E continua: Nós somos estados excitados do vácuo: A grandes distâncias, o vácuo se mostra plácido e liso − como o oceano que parece tranqüilo e uniforme quando o sobrevoamos em um avião a jato. Porém, em sua superfı́cie, junto dele num pequeno barco, o mar pode ser alto e flutuante com ondas enormes. De modo semelhante, o vácuo flutua com a criação e a destruição dos quanta se o olharmos de perto (. . . ) “O vácuo é tudo na fı́sica”. (Danah Zohar/[8], p. 284) Fiz questão de continuar a citação acima porque achei muita harmonia com a descrição sobre a “textura da realidade” feita pelo eminente matemático William Clifford (veja p. 145). Nota: As duas imagens acima não constam no original, eu as acrescentei. Ademais, observe a harmonia entre a descrição da cientista e a intuição do mı́stico: Vácuo (Universo) + 0 0 1 1 0 1 0 1 1 1 1 1             0 0 0 = {}            1 0 0 0 1 0 1 1 0 Excitações ou flutuações do Vácuo Assim como um dia a explosão aconteceu e milhões de coisas nasceram a partir do nada, da mesma maneira, quando a implosão acontece, formas e nomes desaparecem, e novamente o nada nasce daı́. O cı́rculo está completo. (Osho(1931-1990)/Buda, p. 112) 129 Gentil Neste contexto volto a lembrar a matéria da Super Interessante exibida na página 79, e também o efeito Casimir, p. 79. Podemos ainda afirmar, de uma outra perspectiva, que Deus é o “conjunto de todas as possibilidades” (ou Combinações) do Universo e resumimos isto na seguinte fórmula compacta: DEUS = { 0, 1 }∞ = UNO Nota: Para maiores detalhes sobre a construção deste sı́mbolo veja p. 150. E aqui reaparece o Uno de Plotino. O sı́mbolo { 0, 1 }∞ reprenta “o conjunto de todas as possibilidades do Universo” (combinações). É o conjunto das sequências binária infinitas, veja: As coisas existem pela necessidade da natureza divina, sem que Deus faça nenhuma escolha. Deus não é determinado por sua bondade e perfeição, mas pela necessidade de sua {0, 1}∞ 1 1 0 0 1 1 0 0 1 1 0 0... 1 ... 1 0 0 00 11 1 00 01 10 0 11 1 1 0 00 1 0 10 ... 11 10 01 10 ... 0 1 1... 0 001 100 110 1 0 0... 110011001 Plotino entende que o Uno não pensa, nem o exterior, porque pensar é sempre pensar algo fora, e fora dele não existe nada. natureza. (Espinoza) [. . .] cada todo − cada partı́cula, cada campo de força, até mesmo o próprio continuo espaço-temporal − deriva inteiramente suas funções, seu significado, sua própria existência −, mesmo que, em determinados contextos, isto ocorra de forma indireta −, das [. . .] respostas a questões “sim” ou “não”, das escolhas binárias, dos bits. (John Archibald Weeler/fı́sico) Se eu tivesse que sintetizar a essência do Universo, o faria em uma palavra: COMBINAÇÕES. (Ou possibilidades) As leis da natureza adquirem, então, um significado novo: não tratam mais de certezas morais, mas sim de possibilidades. (Ilya Prigogine/O fim das certezas, p. 159) A propósito, toda a matéria constante no universo resulta de combinações de alguns elementos quı́micos (átomos), estes, por sua vez, são combinações de apenas três cargas elétricas (protons, eletrons e neutros), etc. As moléculas de DNA são combinações de quatro bases: A, T, C e G. 130 Todo o universo da informática (computação) deve-se a combinações de apenas dois sı́mbolos: 0 e 1. (ex., A=01000001, Z=01011010) Deus, o “Nada-Tudo”, o Absoluto, é pura abstração, para Ele tornar-se manifesto necessita entrar em contato com a “matéria-Consciência”, uma vez que: O tempo linear de nossa dimensão, e de nossa consciência, constitui o mundo onde essas possibilidades ainda não existentes terão condição de “existir”, de ser (ser aqui tem o significado“ser um objeto para uma consciência”, ser um “outro” que não essa mesma consciência, enfim, a alteridade). (A Pot^ encia do Nada, p. 163) O Deus das religiões contradiz a ciência Daqui podemos inferir, como um corolário, que Deus “em si mesmo” (i.e., antes do prisma) não possui nenhum dos atributos humanos, tais como: amor, misericórdia, bondade, inteligência, sabedoria, etc. Todos estes atributos surgem do contato de Deus com o homem; ou ainda, emanam de Deus, contudo, para “existirem” necessitam do homem, veja na analogia do prisma: Na realidade o Universo seria incompleto sem o homem. Deus (Huberto Rohden) Deus  (Homem) Amor Misericórdia Bondade Inteligência Sabedoria Ira Depressão Certa feita um amigo me confidenciou que “Deus é amor incondicional ”, amor absoluto. Respondi-lhe que não consigo conceber Deus com alguma espécie de sentimento. O problema com esta tese é que ela não encontra respaldo na realidade que observamos ao nosso redor: catástrofes naturais, crianças esquálidas e moribundas em várias partes do mundo. A tese de um Deus de amor incondicional não se sustenta frente à realidade dos fatos, como já argumentamos de sobejo. Ele me argumentou que amor incondicional é aquele que tudo dá e nada pede em troca e que só pertence a Deus, não tem a ver com sentimentos e, por outro lado, “vários autores defendem esta tese”. Se vários autores defendem essa tese, é possı́vel que estes vários autores estejam equivocados. Com efeito, creio que Deus tudo dar, sem nada pedir em troca (Deus crea), não por Ele ser amor, mas porque é próprio de sua natureza crear. 131 Gentil Uma macieira fornece maçãs aos humanos, não por ela se derramar de amores pelos homens, mas porque é próprio de sua natureza produzir maçãs, tanto é que se ela estiver em uma ilha totalmente desabitada, continuaria produzindo seus frutos do mesmo modo. Uma rosa exala seu perfume, sem pedir nada em troca, não por ela possuir amor incondicional pelos humanos, mas por que é de sua natureza intrı́nseca exalar perfume, mesmo se não houver nenhum homem para apreciá-lo. 4.5 Conclusão [. . . ] Serei eu, talvez, ciumento em relação a Stendhal? Ele me tirou a melhor piada de ateu que precisamente eu poderia ter feito: “A única desculpa de Deus é que ele não existe”. (Nietzsche/Ecce Homo) Um esclarecimento: Russel chegou à sua inaudita conclusão apenas se utilizando da faculdade do raciocı́nio − sinceramente não creio que muitos tenham essa faculdade suficientemente desenvolvida, a exemplo dos que se deixam tosquiar pelos lobos vestidos em pele de cordeiro, como advertiu o próprio Jesus. Minhas conclusões a respeito do Deus Jeová também são frutos de reflexão e raciocı́nio; lembro que não tenho vı́nculo com nenhuma religião, sou professor de matemática e esta é a minha atividade ordinária. Acontece que tenho afinidades com o domı́nio da espiritualidade e, desde algum tempo, tenho suspeitado da legitimidade do Deus em questão. E, como a maioria também nasci católico, dos 22 aos 26 anos pertenci a uma denominação evangélica, de sorte que este foi o Deus que me foi apresentado através da Bı́blia. Sei o quão difı́cil é nos limparmos de uma tatuagem que nos impingem∗ desde criança; publiquei em 2011 o livro “O Tao da Matemática: Uma Construção Matemática de Deus”, no qual desenvolvo uma outra perspectiva para a compreensão do Deus Jeová. Até então, eu não contava com o “Deus modelo” (Deus-Parens), como disse, este Deus me abriu a mente para que eu visse Jeová de uma perspectiva radicalmente diferente, em resumo: como um Espı́rito embusteiro, no mı́nimo. O meu veredicto é que assim como Deus-Parens escraviza uma parte da humanidade, Jeová escraviza outra. Pelo que começo a suspeitar uma das caracterı́sticas de um espı́rito embusteiro é a sua “prontidão em salvar a humanidade”, veja, por exemplo, Deus-Parens: ∗ Pode-se ler “lavagem cerebral ”, sem problemas. 132 Eu sou o Deus original, o Deus verdadeiro. Nesta casa há uma predestinação. Desta vez, revelei-me neste mundo para salvar a humanidade. Um critério razoável para se legitimar uma afirmação é o seu grau de concordância com a realidade observada. Todos os redentores criaram tipos diferentes de escravidões. Na verdade, ninguém pode redimir outra pessoa. A pessoa pode redimir a si mesma, mas fingir que “Sou o redentor, simplesmente acredite em mim e o salvarei; sou o salvador, o único verdadeiro salvador”, tem criado aprisionamento. (Osho)/Veja também p. 14 Para os que ainda não compreenderam o óbvio, vejamos uma analogia: é algo semelhante aos vı́cios (drogas lı́citas ou ilı́citas), Deus não irá “salvar” um dependente se ele não quiser (vemos muito disto); o que se observa, amiúde, é que a determinação individual é imprescindı́vel. Do mesmo modo acontece com a “outra salvação”. Quanto ao tı́tulo do nosso livro, “Exumação e julgamento de Deus ”, naturalmente estamos nos referindo ao Deus Ocidental, Deus de Israel, Jeová. Não ao Deus absoluto (Uno) que é o “Nada”, como poderiamos julgar o Nada, o Vazio (não-personalidade)?, não faria o menor sentido. A bem da verdade, segundo um professor† de lógica-matemática o Vazio é a única coisa perfeita no universo, lemos em seu livro: Curiosidade: A perfeição do Conjunto Vazio Sobre sua curiosa natureza, dizem que o conjunto vazio é a única coisa perfeita no universo. E o autor prova sua assertiva, assim: De fato, para ele deixar de ser perfeito, deveria conter alguma imperfeição, ou algo nele que fosse imperfeito, mas ele nada contém! Contraditório? A nova ciência explica: a base da existência é, ao mesmo tempo, plena de possibilidades, sim, mas as possibilidades não são “coisas”, e por isso também podem ser chamadas de nada. (Amit Goswami/[7], p. 83) Observe que a prova de que o Vazio é a única coisa perfeita no Universo nos foi dada por um matemamático − Encontra-se em um livro de matemática. A seguir utilizaremos este importante resultado na teologia, para obter um outro importante resultado. † Daniel Cordeiro de Morais Filho/“Um Convite à Matemática”. 133 Gentil 4.5.1 A concepção divina de Jesus e o Vazio Eu gostaria de aproveitar o presente contexto para fazer uma (nova) exegese sobre a seguinte citação de Jesus: E, à hora nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? (Mc 15 : 34) Antes de mais nada devemos admitir que uma passagem bı́blica pode comportar “n” interpretações distintas, isto não é necessáriamente ruim∗ . Segundo, se um pastor, ou um padre, se outorga o direito de reinterpretar um versı́culo muitas vezes para escalpelar as incautas ovelhas − como eu já vi, e é fácil ver, basta ligar a televisão − me concedo o direito de interpretar o versı́culo acima de um ponto de vista lógico-matemático, para enquadrá-lo em um “harmonioso mosaico”. Pois bem, padres e pastores diriam que Jesus foi abandonado por Deus por conta de que naquele momento todos os pecados da humanidade recaiam sobre seus ombros. Óbviamente que essa interpretação deriva do que eles entendem por Deus e por pecado. Minha interpretação vai em outra direção: O fato de Jesus sentir-se abandonado pelo Pai a mim é prova suficiente de que sua concepção de Deus estava errada − ou não suficientemente desenvolvida, como se queira. Com efeito, só um Deus imperfeito pode abandonar alguém; ao contrário, apenas um Deus perfeito não abandonaria um filho seu. Como a única coisa perfeita no Universo é o Vazio deveremos concluir que se quisermos que Deus seja perfeito teremos que identificá-lo com o Vazio. Ademais, observe novamente: Se quisermos procurar “Deus” na fı́sica, o vácuo é o melhor lugar onde fazê-lo. Enquanto estado básico subjacente de tudo que existe, o vácuo tem todas as caracterı́sticas do Deus imanente ou da divindade de que falam os mı́sticos, o Deus interior, o Deus que cria e descobre a Si mesmo por meio da existência em desdobramento de Sua criação. (Danah Zohar/[8], p. 286) A tı́tulo de ilustração, não creio que Buda, em qualquer circunstância, viesse a sentir-se abandonado pelo seu Deus, ou por seu “Pai”, veja: Ele [Buda] chamou o supremo de nada, de vazio, suniata, zero. Ora, como o ego pode fazer do “zero” um objetivo? Deus pode ser transformado num objetivo, mas não o zero. Quem quer ser um zero? Pois é exatamente isso que tememos ser; todo mundo está evitando todas as possibilidades de se tornar um zero, e Buda fez dele uma expressão para o supremo! (Osho/Buda, p. 138/Cultrix) ∗ Exceção feita às distorsões praticadas pelos lobos para tosquiar ovelhas indefesas. 134 A estas alturas o leitor poderia está perguntando: como o Vazio não abandonaria ninguém? Tendo em conta que, segundo a fı́sica quântica, o Vazio é o fundamento de toda a realidade† , é subjacente a toda a realidade, e, tendo em conta que o Vazio já encontra-se em todo indivı́duo (ver p. 112) logo concluiremos que o homem é quem pode abandonar “O Pai (Vazio)” e não o contrário. Observe em que sentido me refiro: Sua mente é lixo e confusão. Limpe-a! Torne-a uma tela em branco. A mente vazia é a melhor mente. E as pessoas que lhe têm dito que a mente vazia é a porta de acesso ao demônio são os próprios agentes do diabo. A mente vazia está mais próxima de Deus do que qualquer outra coisa. A mente vazia não é a oficina do diabo. Ele não pode agir onde não há pensamentos. Com o vazio, o diabo não pode fazer absolutamente nada. Ele não tem acesso ao vazio. (Osho/Criatividade, p. 198/Cultrix) Conclusão: Jesus, na cruz abandonou o Vazio (digo, o estado de mente vazia), “abriu a retaguarda” aos pensamentos; seu “Pai” (sua concepção de Deus, antropomórfica) o abandonou na hora em que ele mais necessitava. Retomando: Uma questão pertinente é: como fazer a passagem do conjunto de “todas as possibilidades ” para o Vazio? Ou ainda, como relacionar a equação DEUS = { 0, 1 }∞ = UNO com Deus, o Vazio∗ ? Para tanto vamos nos estribar na seguinte afirmativa: Quando todas as possibilidades estão incluidas, não há qualidade e não há nada para processar, motivo pelo qual os budistas chamam esse estado de consciência o Grande Vazio, e os hindus o chamam de nirguna, sem atributos. (Amit Goswami/[7], p. 229) Ou ainda, de uma outra fonte independente: No Nada as possibilidades contraditórias são simultâneas, e por isso se anulam reciprocamente. O Nada é, assim, a totalidade simultânea das possibilidades contraditórias. (Marcelo Malheiros/[4], p. 43) † Lembramos: “O vácuo é tudo na fı́sica”, (veja p. 128). O Vazio no Universo (Deus) é o mesmo no homem (no homem pode ser sentido como Deus). Veja p. 112. ∗ 135 Gentil Vamos traduzir isto para o nosso contexto da seguinte forma: DEUS = { 0, 1 }∞ ⇒ + { 0, 1 }∞ = { } = Deus A soma de todas as sequências é a sequência nula que estamos identificando com o vazio, assim: + { 0, 1 }∞ = 0 0 0 0 . . . = { } = Deus Ou seja, do conjunto de todas as possibilidades uma destas possibilidades é Deus, o Vazio. Para um exemplo particular desta equação veja a figura da página 128. A natureza inconsciente e irreflexa de Deus permite, pelo contrário, adotar um ponto de vista que subtrai o agir de Deus ao julgamento moral. (C.G.Jung/Resposta a Jó, p. 25) O que é Deus é uma questão de perspectiva, de definição; atualmente vejo-O como uma “Consciência meramente perceptiva” que preenche todo o Universo − se amalgama a este. Uma analogia: um “grande” espelho “percebe” (registra) tudo o que está à sua volta, mas não toma consciência disto, é isto o que chamo de “consciência meramente perceptiva† ” (“ver sem consciência de ver”). Esta consciência é acessı́vel através da meditação. Neste estado não há dualidade, não existem pensamentos, não existe mente (cognição). Uma outra analogia: é como se fosse uma tela de cinema na qual se desenrolam todos os “dramas”, a tela registra, mas não tem consciência disto. Observe que sem este “anteparo” (a tela) não haveria cinema (projeção). Só existe Esta única Consciência, as demais são individualizações desta. Esta Consciência foi engendrada pelo Uno; ou ainda: é uma das configurações (possibilidades, combinações) no conjunto { 0, 1 }∞ . 4.5.2 Deus, um decalque no Absoluto Em Minha forma mais pura, sou o Absoluto. A partir dessa forma verdadeiramente pura, Eu sou como você me faz. (Neale, CCD, v. II, p. 302) Tenho consciência de que a questão Deus não é tão simples, não é de todo trivial. Eu mesmo tenho percebido uma nı́tida evolução na minha forma de entendimento desta questão. Até há pouco tempo atrás (cerca de dois anos) eu me considerava um teı́sta convicto − escrevi alguns artigos † Perceptiva mas não “sensitiva”, i.e., esta Consciência não experimenta sensações, não sente, não julga; em suma, é um imenso “Vazio”. 136 combatendo o ateı́smo − todavia, em função de minhas pesquisas alicerçadas em muita reflexão e liberdade de pensamento (isto é importante) fui aos poucos cedendo (cambiando) em minhas convicções. Hoje, vejo o ateı́smo com afeição, simpatia e solidariedade; o ateu não aceita Deus construido (ou adorado) por nenhuma religião, nisto nos identificamos, esta é uma opção perfeitamente válida, legı́tima e que deve ser respeitada. Digo, ninguém é obrigado a aceitar um Deus construido em uma conjuntura primitiva como a dos antigos hebreus. A Igreja esposou esse Deus porque lhe é conveniente, serve para explorar as massas com a promessa da “salvação” e vida eterna no paraı́so. Hoje posso dizer que me encontro em uma situação esdrúxula, não creio em Deus, porém não me considero ateu. Caso ainda não exista um “ı́smo” que contemple minha situação, terão que inventá-lo. Explico: o ateu “não crê em nada”, o que não é o meu caso posto que creio no Absoluto (em Deus). Ah! . . . lembrei-me de que o budismo também não cultua um Deus. Conversando certa feita com um amigo ele me disse que eu estava apenas trocando os nomes: Deus por Absoluto. Nada mais longe da verdade, continuo afirmando: Deus, qualquer que seja ele, é uma criação (construção) da mente humana, o Absoluto não, é a coisa em si (noumeno), Deus é o fenômeno. (p. 83) Veja a diferença entre ambos na própria equação divina. (figura p. 86) Por ser um professor de matemática é que adquiri o hábito de tentar iluminar algumas questões abstratas de várias perspectivas, inclusive com o uso exaustivo de figuras − se o aluno não entende de uma forma, poderá entender de outra − e este hábito carrego para os meus escritos, como é o caso do presente livro (por isto este livro tem bastante figuras, para facilitar o entendimento destas questões sutis e abstratas). Assim é que tentarei mostrar o contexto de minha presente argumentação − diferença entre Deus e o Absoluto − de uma outra perspectiva, perdoem-me a insistência, talvez até a redundância. Então, com o auxı́lio do quadro a seguir∗ ∗ Deixo consignado aqui meus agradecimentos ao artista Robson Bisesar (Biô) por ter dado forma a este meu insight. 137 Gentil pretendo explicar a diferença entre Deus e o Absoluto. Nesta imagem vemos uma mão retirando água do Oceano com uma caneca. Quando a água entra na caneca é imediatamente congelada no mesmo formato da caneca (esta é uma espécie de molde). Pois bem, o Oceano representa o Absoluto, a caneca representa a mente. A mente ao mergulhar no Absoluto† congela-o segundo seu próprio molde − em um determinado modelo de Deus. Observe a correspondência: Oceano Absoluto Caneca Mente Gelo Deus Observe que o “modelo de Deus” já encontra-se a priori “impresso” na caneca (mente). Se o leitor desejar se certificar de que a mente de fato tem a propriedade de congelar a realidade basta olhar para a palma de tua mão. Ela não parece estática (“congelada”)? Pois é, se a olhasses através das lentes de um potente microscópio verias uma outra realidade (dinâmica). A bem da verdade, nada no universo é estático. De igual modo, se a mente afirma algo sobre Deus ela está “congelando” (adulterando) um aspecto do Absoluto. † A bem da verdade tudo encontra-se “mergulhado” no Absoluto − caso contrário não seria Absoluto. 138 Observe esta mesma concepção de uma outra perspectiva: Jeová Alá Pai Luz Branca Deus Zeus (mente) Tao Apolo Parens Absoluto + Mente = Deus (Oceano) (Caneca) (Gelo) Seus deuses não podem ser diferentes de você. Quem os cria? Quem lhes determina o tamanho, a forma e a cor? Você os cria, você os esculpe; eles têm olhos como você, têm nariz como você − e têm uma mente, tal como você! O Deus do Antigo Testamento diz: − Eu sou um Deus cheio de ira! Se não seguir meus mandamentos, eu destruirei você. Você será jogado no fogo do inferno pela eternidade. E como eu sou ciumento − Deus fala − não vá prestar culto a mais ninguém. Não vou tolerar isso. − Quem criou um Deus assim? Só pode ter sido a partir do seu próprio ciúme, da sua própria ira, que você criou essa imagem. Ela é projeção sua, uma sombra sua. É um eco seu e de mais ninguém. E o mesmo acontece com todos os deuses de todas as religiões. (Osho/Consciência, p. 8/Cultrix) Um esclarecimento se faz necessário: Não estamos dizendo que a mente engendra seus Deuses a partir do nada, não; por exemplo, creio que Jeová foi uma entidade que realmente existiu e que foi um Deus para aquele povo, não para todos os povos existentes na terra àquela altura. A propósito não conheço na história humana nenhum Deus que o tenha sido de todos os povos na Terra − uma unanimidade, por assim dizer. Pois bem, uma analogia: o papa é papa para milhões de seres humanos, não para todos. Por exemplo, ele não é o meu papa, não necessito de um papa. É a necessidade das massas que cria e dá sustentação a todos estes ı́dolos. A maioria de padres e pastores poderia dizer: “Tu precisas de um pastor e eu preciso do teu dinheiro . . . eis-me aqui, toma-me como teu pastor! ”. De igual modo, Parens, Jeová e até o Deus crocodilo poderiam afirmar: 139 Gentil “Tu precisas de um Deus e eu preciso ser adorado como tal . . . eis-me aqui toma-me como teu Deus!” Uma outra diferença marcante entre Deus e o Absoluto é que as religiões só podem falar sobre Deus (“construções”) não sobre o Absoluto. Somente o Absoluto é único. Desse Absoluto nada podemos dizer, a não ser que constitui a totalidade das possibilidades de existência; um puro Nada e, por isso, fundamento de todo o Ser. [. . .] Não é uma pessoa, mas o próprio infinito [. . .] (Marcelo Malheiros/[4], p. 178) De uma outra fonte independente: “O Tao que pode ser descrito não é o Tao real ” (Lao Tsé) Ainda uma terceira fonte: Se, em vez de nos contentarmos em descrever as manifestaç~ oes (ou as aparências na “superfı́cie”) da realidade subjacente, tentarmos descrever a própria realidade subjacente, o que nos aguarda é o fracasso. A nossa fı́sica sempre entra em colapso a caminho do Absoluto. De modo que também os fı́sicos são obrigados a contentar-se com a verdade parcial. (Danah Zohar, fı́sica e filósofa/[8], p. 162) É o que Tagore já havia afirmado (p. 82). As afirmações da fı́sica, em sua maioria, fundamentam-se em experimentos, simulações computacionais, equipamentos de bilhões de dólares, os mais modernos microscópios, telescópios, etc., etc; com tudo isto os cientistas ainda se mostram humildes em reconhecer que não são detentores da verdade absoluta . . . o que me deixa estupefato, embasbacado, é que as religiões, alicerçadas apenas em sentimentos meramente subjetivos − e numa Escritura em grande parte desacreditada pela ciência −, se coloquem como guardiãs (donas) da verdade absoluta! Não é estranho? É que, via de regra, os lı́deres religiosos não têm o menor pudor em mentir. Ora, se isto pode dá-se com um papa (p. 102) em quem mais devemos confiar? Daı́ os fanáticos o impressionarem tanto. Eles podem não ter nada a dizer, mas batem tanto na mesa e fazem um tamanho estardalhaço que o próprio estardalhaço lhe dá a impressão de que eles devem saber; do contrário, como poderiam estar tão seguros? As testemunhas de Jeová e pessoas assim. . . pessoas estúpidas, mas tão dogmáticas em suas afirmações que criam uma impressão de certeza, e pessoas confusas precisam de certeza. (Osho/Buda, p. 130) 140 4.5.3 Deuses piratas Vejamos mais uma analogia no sentido de compreender como o Absoluto se desdobra no universo manifesto, e, ademais como somos vı́timas dos embustes dos sacerdotes. Na figura a seguir Imagem Música Arquivos Luz Branca Deus Luz (hardware) (Absoluto) (Cérebro) Eletricidade Hardware Calor Vento Gelo observamos que uma “única eletricidade” é decodificada de “n” modos distintos, a depender do hardware em que ela atua: em uma televisão se manifesta como imagem, em um aparelho de rádio como música, em uma lâmpada como luz, etc. 141 Gentil De igual modo, cremos que no Universo tudo − desde as minúsculas partı́culas subatômicas até o cérebro humano − funciona como uma espécie de hardware a decodificar o Absoluto de um modo especı́fico, próprio, particular. O Absoluto é um software a se desenvolver (manifestar) na existência. Observe que é um software sem programador uma vez que é o TUDO − O conjunto de todas as possibilidades (combinações) não necessitou de ser programado uma vez que é TUDO∗ Agora veja, se perguntarmos a um cientista o que é essa tal de eletricidade que “a tudo movimenta” ele não saberá nos dizer − dirá: é uma corrente de elétrons. Mas o que é um elétron? A fisı́ca quântica dispõe de um modelo para o elétron que, não obstante, não é a “coisa em si”. Aonde eu pretendo chegar? Ora, um elétron é uma manifestação do Absoluto, se não sabemos o que é um elétron − ou um fóton† − haveremos de saber o que é o Absoluto? Ora, mas este Absoluto é o que padres e pastores vêm nos vendendo como sendo Deus há muitos séculos. Assim como existem os aparelhos piratas, vendidos no Paraguai, também existem os “modelos piratas de Deus” vendidos nas religiões. Tudo bem que os produtos piratas também funcionam e muitas vezes satisfazem nossas necessidades, são mais baratos, exigem menos investimentos . . . as vezes nos decepcionam, nos causam desilusões . . . Só discordo de uma coisa: que padres e pastores − os epiléticos das idéias, no dizer de Nietzsche − vendam suas falsificações como se se tratasse do original, ludibriando os incautos. Quando eles se manifestam sobre Deus o fazem com tamanha empáfia e estardalhaço que nos causam a impressão de que sabem do que estão falando. De fato, eles sabem do que estão falando: do Deus Jeová que eles conhecem muito bem. Agora os coitados só não sabem que o Deus deles é apenas um modelo congelado por suas parcas mentes. Apenas um modelo dentre tantos outros existentes e possı́veis . . . um pobre modelo. 4.6 Da Unicidade do Vazio-Absoluto Outro dia eu estava conversando com uma irmã evangélica e explicava-lhe que existem vários Deuses: o cristão (Jeová), o mulçumano (Alá), o hindu (Brahman), . . . ela me interrompeu e sentenciou: Deus é um só! existe um único Deus, agora o homem é que faz de Deus vários . . . Aqui cabem duas observações: Primeira, intuitivamente quase todos os crentes sabem que Deus é apenas um, todavia não têm consciência disto (não sabem o que isto significa), caso contrário saberiam respeitar o Deus ∗ Lembramos: Quando todas as possibilidades estão incluidas, não há qualidade e não há nada para processar, . . . (Amit Goswami), p. 134. † O conceito de quantum de luz, ou fóton, é muito mais sutil e misterioso do que Einstein imaginava. Na verdade, até hoje não é compreendido perfeitamente. (cf. p. 64) 142 de outras religiões, não é o que se vê na prática com respeito aos cristãos − como já foi assinalado esta intolerância remonta ao Velho Testamento e se originou com o próprio Deus Jeová que dizia-se único e punia com pena de morte a adoração a outros Deuses. Segunda, quando intuitivamente os crentes dizem que existe um único Deus eles estão confundindo o Absoluto com Deus. Com efeito, que existem vários Deuses isto não pode ser negado, é o que a prática demonstra, eis uma pequena (infı́ma) listagem: Deus-Parens Brahman Vazio Céu Luz Branca Deus Tao (homem) Jeová Alá Pai Kami (Tenrikyo) (Hinduı́smo) (Budismo) (Confucionismo) (Taoı́smo) (Judaı́smo) (Islamismo) (Cristianismo) (Xintoı́smo) Absoluto + Homem = Deus Que existe um único Vazio e um único Absoluto (ou Uno, segundo Plotino) − e como eles se identificam − é o que iremos provar agora. Antes, lembramos ao leigo que um teorema matemático é uma proposição da forma H ⇒ T , onde H é a hipótese e T é a tese do teorema. Usando a hipótese devemos demonstrar a tese. Na verdade um teorema pode ter mais que uma hipótese, como veremos a seguir. O teorema que desejamos demonstrar é o seguinte: Teorema 2 (Existe um único Vazio). Existe um único Conjunto Vazio. Prova: Vamos reformular o teorema para a seguinte forma equivalente:   H1 : V é Vazio H: ⇒ T :V =V′ H : V ′ é Vazio. 2 A hipótese, H, se subdivide em duas sub-hipóteses. Traduzindo: estamos admitindo, como hipótese, que existem dois Vazios (V e V ′ ) e vamos provar que eles são iguais, portanto só existe um. Existem várias técnicas para se provar teoremas, a que nós vamos utilizar se resume em: H1 ∧ T̄ ⇒ H̄2 143 Gentil O que significa que juntando à hipotese H1 a negação da tese devemos mostrar a negação da hipótese H2 . Pois bem, suponhamos que V é Vazio e que V 6= V ′ (esta é a negação da tese). Então existe algum elemento em V ′ que não existe em V , por conseguinte V ′ não é Vazio, o que contraria H2 .  Nota: Para melhor nos situar chamaremos de Absoluto o conjunto de tudo o que existe − o Conjunto Universo. Teorema 3 (Existe um único Absoluto). Existe um único Conjunto Absoluto. Prova: Vamos reformular o teorema para a seguinte forma equivalente:   H1 : U é Absoluto H: ⇒ T : U = U′  H : U′ é Absoluto. 2 A hipótese, H, se subdivide em duas sub-hipóteses. Traduzindo: estamos admitindo, como hipótese, que existem dois Absolutos (U e U ′ ) e vamos provar que eles são iguais, portanto só existe um. Pois bem, suponhamos que U é Absoluto e que U 6= U ′ . Então existe algum elemento em U que não existe em U ′ , por conseguinte U ′ não é Absoluto, o que contraria H2 .  4.6.1 Identificando o Vazio com o Absoluto O mundo é construido como uma estrutura matemática, e não material. (Werner Heisenberg) Como podemos identificar o Vazio com o Absoluto? É que, a bem da verdade, o Vazio e o Absoluto são um pouco mais que meros conjuntos, são estruturas. Uma estrutura matemática é um conjunto munido de uma ou mais operações. Deixamos esta identificação para um apêndice. (p. 150) Retomando, como professor e pesquisador de matemática já fiz algumas descobertas interessantes e relevantes, entretanto creio que nenhuma delas se compara em importância‡ à que fiz sobre a impostura de Jeová, foi como um trabalho de detetive, ao final, fiquei estupefato. Óbviamente que se poderia levantar a questão de que nem Jesus e nem os apóstolos viram, ou citaram, Jeová como um falso Deus. ‡ Dada a magnitude do problema e possı́veis repercussões (corolários). 144 A minha explicação para tal fato é simples e objetiva: Todos eles foram produtos de uma época e conjuntura, foram condicionados, hipnotizados como qualquer outro. Jesus era judeu e, naturalmente, foi ensinado por seus pais a acreditar no Deus Jeová, como ocorre até hoje com os que nascem filhos de judeus e cristãos. Deu-se aqui precisamente o mesmo que se deu com os velhos sábios hindus que também foram subservientes a um Deus e a uma sociedade que, tal como Jeová, aceitava sacrifı́cios humanos (p. 22). Foram sábios, entretanto não iluminados, a diferença entre ambos é a mesma que existe entre a terra iluminada pela lua (luar) e a terra iluminada pelo sol, analogia. Uma afirmação óbvia, mas não para todos, é que se Jesus tivesse nascido no Japão ou na Índia certamente teria sido ensinado a adorar um outro Deus, que não Jeová. A propósito, cada indivı́duo, cada povo, cada sociedade tem o Deus (ou deuses) que merece, é este precisamente o caso de judeus, católicos e evangélicos com respeito ao Deus Jeová: um guerreiro que castiga, vingativo, ciumento e que se deleita com sacrifı́cios humanos. Pergunto se o Deus crocodilo (africano) obrigaria seus súditos a comerem a carne de seus próprios filhos, filhas, pais e amigos. E comerás o fruto do teu ventre, a carne de teus filhos e de tuas filhas, que te der o Senhor, teu Deus, no cerco e no aperto com que os teus inimigos te apertarão. (Dt 28 : 53)/(Lv 26 : 29/Jr 19 : 9/ Ez 5 : 8 − 10) A propósito, lembro do deputado que em nossos dias aprovou uma lei permitindo o sacrifı́cio (e tortura) de animais em rituais religiosos; no meu entendimento estas sem dúvida são religiões primitivas, creio que do “outro lado” existam espı́ritos inferiores que se beneficiam com tais práticas abomináveis, estes espı́ritos se associam apenas com aqueles seres humanos com os quais encontram ressonância, obviamente. De igual modo ocorre numa macroescala com respeito a povos e respectivos Deuses. A estas pessoas que reinvidicam que seus direitos a tais práticas sejam respeitadas sugiro que troquem de religião, ou então que se mude a Constituição brasileira neste particular. Como já disse, toda religião é uma gaiola, porque condiciona. Eu jamais teria escrito este livro se fosse prisioneiro de alguma gaiola, isto é óbvio. Convicções são prisões, um espı́rito que queira realizar belas obras, que também queira os meios necessários, tem de ser cético. Estar livre de toda forma de crença pertence à força, ao poder de ver sem algemas. (Nietzsche) 145 Gentil Uma outra questão a ser levantada é quanto ao poder de Jeová para realizar milagres. Ao que tudo indica uma coisa não tem nada a ver com a outra. Como já mostramos Deus-Parens também realizava milagres; a bem da verdade, os homens de ciência em nossos dias têm realizado fantásticos milagres, assim entendo. Milagres na manipulação da matéria enfatizo, e, a este respeito, lembro a citação do filósofo e educador Bachelard. (p. 21) quis Se quisermos procurar “Deus” na aproximar-se dos problemas do espı́rito fı́sica, o vácuo é o melhor lugar onde fazê- pela via de uma diversa experimentação lo. Enquanto estado básico subjacente de caráter abstrato, especulativo, resul- de tudo que existe, o vácuo tem todas as tante das conclusões de processos lógicos caracterı́sticas do Deus imanente ou da Que o meu pensamento da mais moderna fı́sico-matemática. (Pietro Ubaldi/Ascensões Humanas) ր divindade de que falam os mı́sticos. (Danah Zohar/[8], p. 286) Este restante de página ficaria ocioso (em branco) decidi aproveitá-lo para fazer um registro. Na página 375 do meu livro citado na referência [10] em determinado contexto escrevi o seguinte: “Estribados em nosso teorema conjecturamos que se no mundo subatômico da fı́sica quântica um objeto pode estar em vários lugares simultâneamente e, ademais, pode transitar em várias regiões − disjuntas − sem passar por pontos intermédios, só pode ser em razão de que o microcosmo tal como o macrocosmo (da teoria da gravitação de Einstein) é curvo! Ou ainda: a geometria do submundo quântico não é euclidiana (plana) mas sim curva, tal como a geometria de Einstein. [. . .]” Para minha agradável surpresa em 30.01.2012 me deparei com a seguinte confirmação∗ : (p. 157) No dia 21 de fevereiro de 1870, William Kingdon Clifford apresentou um artigo para a Cambridge Philosophical Society (Sociedade Filófica de Cambridge), intitulado “Sobre a Teoria Espacial da Matéria”. No seu artigo, Clifford proclamou ousadamente: Na verdade, eu mantenho que: (1) as pequenas porções do espaço são de uma natureza análoga aos pequenos montes numa superfı́cie que é, na média, plana, (2) a propriedade de ser curvo ou distorcido é transmitida continuamente de uma porção de espaço para outra como uma onda; (3) esta variação da curvatura do espaço é realmente o que acontece naquele fenômeno que chamamos de movimento da matéria. . . ∗ Extraı́da da referência: Mlodinow, Leonard. A Janela de Euclides. Tradução de Enézio de Almeida. São Paulo: Geração Editorial, 2008. 146 Apêndice: José Saramago Este livro já encontrava-se na editora quando tive a oportunidade de travar conhecimento com o pensamento do escritor português José Saramago∗, achei que valeria a pena pedir permissão aos editores para incluir este adendo, no que fui prontamente atendido. Não por Saramago ser um ateu convicto mas por suas crı́ticas às religiões terem se mostrado assaz legı́timas e por terem encontrado uma forte ressonância em meu espı́rito. Uma afirmação do escritor que de imediato me impressionou, por se coadunar com o que enfatizei à exaustão neste livro, foi a seguinte: “Deus não existe fora da cabeça das pessoas” E acrescenta: O cérebro humano é um grande criador de absurdos. E Deus é o maior deles. Sendo assim, não posso deixar de reconhecer uma extrema perspicácia na observação de Saramago, o que me levou a concluir que “Saramago, um ateu, entende mais de Deus que o próprio Papa ”. O problema todo, como já deixei claro, não está em Deus mas sim em Deus. A propósito, lembramos de uma outra observação perspicaz: Veja Ubaldi, p. 93. Apenas para efeitos de registro, o Deus cósmico (ou religião cósmica) também é exaltado por Einstein no seu livro “Como Vejo o Mundo ”. Pois bem, quando lemos na referida citação de Ubaldi “Em suas fases primitivas o homem . . . ”, nos vem à mente que Ubaldi se refere aos primitivos “homens das cavernas”. Não necessáriamente, em nossos dias um tal primitivo pode muito bem está trajando paletó e gravata ou vestindo uma batina de seda púrpura. Estamos nos referindo a concepções primitivas de Deus, e a concepção de evangélicos e católicos, o Deus Jeová, um Deus que se ira, que se vinga e que preparou um inferno para algumas de suas criaturas por toda a eternidade é uma concepção assaz primitiva. É o que tenho dito: No universo tudo se transforma, exceto a mente tacanha desta classe de religiosos mumificada. Dentro deste contexto não podemos deixar de concordar com o pensador quando afirma: O cérebro humano é um grande criador de absurdos. E Deus é o maior deles. (José Saramago) ∗ José Saramago (1922 − 2010): Escritor, argumentista, jornalista, dramaturgo, contista, romancista, teatrólogo, ensaı́sta e poeta. Recebeu o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou, em 1995, o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário da lı́ngua portuguesa. Gentil 147 Se o Deus Jeová serviu a uma conjuntura composta por homens primitivos e obtusos, já não serve mais ao homem evoluido, à mentalidade moderna. Vejamos agora um paralelo (similitude) entre dois perı́odos históricos: O feudo, unidade de produção agrária, pertencia a uma camada de senhores feudais, que poderiam ser membros do alto clero ou nobres guerreiros. [. . .] O trabalho na sociedade feudal estava fundado na servidão, relação que mantinham os trabalhadores presos à terra subordinados a uma série de obrigações em impostos e serviços. ([10]) Pois bem, os feudos continuam existindo em nossos dias, são precisamente as religiões. Veja, a relação servil é a mesma posto que essas religiões mantém o povo cativo trabalhando para sustentar uma corja de parasitas − notadamente, pastores evangélicos e hierarquia católica. Ao mesmo tempo que, em troca, às ovelhas são dados apenas Feno (palha) para ruminarem − o que para um bom entendedor significa a morte espiritual. Então, para que a humanidade atual comute para um novo nı́vel de Consciência necessário se faz que esses feudos sejam, a exemplo dos da Idade Média, destruidos . . . Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir . . . As religiões organizadas deveriam desaparecer desse mundo, deveriam abandonar essa máscara de religiosidade. Os chamados “religiosos” são simplesmente polı́ticos, lobos ocultos em peles de ovelhas; deveriam se mostrar nas suas verdadeiras cores, deveriam ser polı́ticos − não há nenhum mal nisso. E eles são polı́ticos o tempo todo, mas estão fazendo o jogo usando o nome de religião. As religiões organizadas não têm nenhum futuro. (Osho) Há mais alguém que partilha do pensamento do mı́stico, embora mais pessimista: (Veja também Danah Zohar, p. 60) Ao longo da História, as religiões, todas elas, sem exceção, fizeram à humanidade mais mal que bem. Todos o sabemos, mas não extraı́mos daı́ a conclusão óbvia: acabar com elas. Não será possı́vel, mas ao menos tentêmo-lo. Pela análise, pela crı́tica implacável. A liberdade do ser humano assim o exige. (José Saramago) A propósito, li pela internet resenhas de alguns trabalhos de Samarago bem como comentários de alguns leitores. Um aspecto que me chamou atenção foi, por um lado, a sinceridade com que o escritor conduz seus argumentos contra as religiões parasitárias e, por outro, o desrespeito nos comentários de alguns religiosos. Eu mesmo, já sofri hostilidades por tentar abrir os olhos dos mı́opes encarcerados nas religiões. Tentando compreender este enigma humano me veio à mente a imagem de uma reportagem que assisti pela televisão: Uma certa àrea iria ser inundada, para a construção de uma hidroéletrica, os 148 biólogos estavam à cata de animais para salvá-los da “catástrofe” iminente, em dado momento um deles estendeu a mão para salvar uma vı́bora e foi mordido por ela . . . Este fenômeno não é novo e nem é privilégio de ninguém: Sócrates (cicuta), Jesus, Mahatma Ghandi, etc. O FACTOR DEUS Por JOSÉ SARAMAGO [. . .] De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta dos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princı́pio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas, sem excepção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticı́nios, de monstruosas violências fı́sicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capı́tulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, deverı́amos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraı́sos e ameaçaramnos com infernos, tão falsos uns como os outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar. Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os taliban, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactado entre a Religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa. E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gémeas de Nova Iorque, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela acção dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da História. Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo 149 Gentil universo que os inventou, mas o “factor Deus”, esse, está presente na vida como se efectivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um deus, mas o “factor Deus” o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, não a outra...) a bênção divina. E foi o “factor Deus” em que o deus islâmico se transformou que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um deus andou a semear ventos e que outro deus responde agora com tempestades. É possı́vel, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres deuses sem culpa, foi o “factor Deus”, esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta. Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiram, não peço que se passe ao ateı́smo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento se não puder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do “factor Deus”. Não faltam ao espı́rito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar- se. ∗ ∗ ∗ Um pequeno texto para reflexão Há no mundo muitos pensamentos falsos, muitas superstições insensatas, e ninguém que estiver escravizado por eles poderá fazer progresso. Portanto, não deves acolher um pensamento simplesmente porque muitas outras pessoas o acolhem, nem porque se tenha acreditado nele por séculos, nem porque esteja escrito em algum livro que os homens julguem ser sagrado; tu tens de pensar sobre a questão por ti mesmo, e julgar por ti mesmo se ela é razoável. Lembra-te que, embora um milhar de homens concorde sobre um assunto, se eles não souberem nada sobre aquele assunto a sua opinião não tem valor. Aquele que quiser trilhar a Senda tem de aprender a pensar por si mesmo, porque a superstição é um dos maiores males do mundo, um dos grilhões dos quais, por ti próprio, deves te libertar completamente. (Krishnamurti/Aos Pés do Mestre) 150 Apêndice: Identificando o Vazio com o Absoluto Neste apêndice faremos a transição do Absoluto para o Vazio, e reciprocamente (p. 143). Inicialmente vamos apresentar ao leitor a “célula da dualidade”, veja: 0 1 Z = { 0, 1 } (yin-yang) Desta célula derivamos o seguinte conjunto: Z2 = { 00, 10, 01, 11 } Vamos dispor os elementos desse conjunto em uma matriz (tabela) para ressaltarmos uma importante propriedade: 0 1 0 0 0 1 1 1 Observe que cada sequência tem sua dual, assim: 0 1 0 1 0 0 1 1 Dada uma sequência para obtermos a sua dual basta trocarmos 1 por 0 e 0 por 1 (0 ↔ 1). A soma de cada sequência com sua dual nos fornece: 1 0 0 1 0 1 0 1 + : 1 1 + : 1 1 Somando os dois últimos resultados, obtemos: 1 1 1 1 + : 0 0 151 Gentil Uma explicação se faz necessária nesse momento, em nossa adição temos 1 + 1=0 Não, não trata-se de um erro de digitação caro leitor. Essa é mais uma de tantas “dicotomias matemáticas”. Ouça o que os mais velhos têm a nos ensinar: Quando o espı́rito se apresenta à cultura cientı́fica, nunca é jovem. Aliás é bem velho, porque tem a idade de seus preconceitos. Aceder à ciência é rejuvenescer espiritualmente, é aceitar uma brusca mutação que contradiz o passado. (Gaston Bachelard) Ou ainda, de uma outra perspectiva: A isto se acrescenta que todo sı́mbolo é ambivalente e até mesmo polivalente, no sentido de que ele pode significar uma pluralidade de realidades diversas e mesmo contraditórias. (Léon Bonaventure) Ou ainda∗ : Não há mais [. . .] verdade separada e, por assim dizer, atômica: sua verdade é apenas sua integração no sistema; e é por isso que resultados incompatı́veis entre si podem ser igualmente verdadeiros, contanto que os relacionemos com sistemas diferentes. (Denis H./André V.) De fato, não estamos “inventando” nada, essa adição − que evidentemente não é a usual − é conhecida como “adição módulo 2”, a qual é muito comum na matemática universitária e, ademais, possui larga aplicação na informática. Ela se dá segundo a tábua a seguir + 0 1 0 0 1 1 1 0 ⇒   0     0  1     1 +0 = 0 +1 = 1 +0 = 1 +1 = 0 Por sinal, o leitor já praticou muito esse tipo de adição, apenas que em um contexto ligeiramente diferente. Com efeito, quem ainda não realizou − por exemplo − o seguinte tipo de operação: 18 + 6 = 24 ⇒ 18 + 6 = 0 (adição de horas) quando trata-se de horas em um relógio? ∗ Lembramos que na adição de Einstein 1 + 1 6= 2. (p. 39) 152 A adição (módulo 2) obedece ao mesmo princı́pio da adição de horas em um relógio. Ela se dá onde temos fenômenos cı́clicos ou “recorrentes”. Apenas para assinalar, alguns cientistas aventaram a hipótese de que nosso Universo é “cı́clico ”. Se isso for verdade, podemos também conjecturar que Deus, ao “construir” seu Universo, optou pela adição módulo 2, como é corroborado pelo Modelo que estamos construindo. Pois bem, a soma de todas as sequências no produto Z2 = { 00, 10, 01, 11 } é a sequência nula, ou ainda: a resultante da adição é nula. Da célula da dualidade vamos obter a terceira potência de Z: Z3 = { 000, 100, 010, 110, 001, 101, 011, 111 } Tábuas como as a seguir .. . .. . 0 1 0 0 0 0 0 1 1 1 0 0 procamente. O Nada é, assim, a totalidade 0 1 0 0 1 1 (Marcelo Malheiros/[4], p. 43) 0 1 1 1 1 1 No Nada as possibilidades contraditórias são simultâneas, e por isso se anulam recisimultânea das possibilidades contraditórias. são conhecidas como Tabelas de Combinações (possibilidades), já que elas nos fornecem todas as combinações possı́veis para os elementos de um dado conjunto. Por exemplo, seja o conjunto { >, ∗, ⋆ } com três elementos. Segundo a matemática existem 23 = 8 possibilidades de combinarmos seus elementos, como na matriz a seguir: { >, ∗, ⋆ } 0 0 0 → { } 1 0 0 → {>} 0 1 0 → {∗} 1 0 1 0 0 1 1 0 0 1 1 1 1 1 1 → → → → { >, ∗ } {⋆} { >, ⋆ } { ∗, ⋆ } → { >, ∗, ⋆ } 153 Gentil Onde convencionamos que quando ocorre 1 na sequência o respectivo elemento (na coluna) participa da combinação, onde ocorre 0 não participa. Pois bem, a exemplo da tábua para Z2 , a soma (módulo 2) de todas as combinações possı́veis (possibilidades) desta tabela é nula. 1 0 0 0 1 0 1 1 0 0 0 0 = {} (Universo) + 0 0 1 1 0 1 0 1 1 1 1 1 Assim como um dia a explosão aconteceu e milhões de coisas nasceram a partir do nada, da mesma maneira, quando a implosão acontece, formas e nomes desaparecem, e novamente o nada nasce daı́. O cı́rculo está completo. (Osho/Buda, p. 112) O raciocı́nio anterior pode ser estendido a qualquer dimensão, inclusive infinita. Veja bem, não estou dizendo que esse Modelo corresponde exatamente à “Realidade”. Aos cépticos fazemos uma importante observação: O nosso é apenas um modelo que contempla Todo o Universo Manifesto, se é assim mesmo que acontece na “realidade” isto é irrelevante, posto que, como muito bem acentuou o cientista Stephen Hawking: Não há, porém, como discernir o que é real no universo sem uma teoria. Assumo por isso o ponto de vista, já qualificado de simplório ou ingênuo, de que uma teoria da fı́sica é nada mais nada menos que um modelo matemático que usamos para expressar os resultados de observações. Uma teoria [verdade] é boa se for um modelo elegante, se descrever uma ampla classe de observações, e se previr o resultado de novas observações. Não faz sentido ir além disso, perguntando se ela corresponde à realidade, porque, independentemente de uma teoria, não sabemos o que é realidade. Complementando, Sir Arthur Stanley Eddington escreveu em seu livro The Nature of the Physical World: 154 A percepção clara de que a ciência fı́sica investiga um mundo de sombras representa um progresso dos mais significativos. No mundo da fı́sica vemos uma projeção de episódios da vida familiar. A imagem do meu cotovelo repousa sobre a imagem da mesa enquanto a imagem da tinta flui sobre a imagem do papel. Tudo é simbólico e permanece como um sı́mbolo para o fı́sico. Chega então a mente alquimista que transmuta os sı́mbolos. . . Conclui-se, indo direto ao assunto, que o mundo material é constituido de substância mental. A realidade da matéria e dos campos de força da antiga teoria fı́sica passa a ser inteiramente irrelevante, exceto pelo fato de que é a substância mental que tece essas imagens. . . Dessa forma, o mundo exterior transformou-se num mundo de sombras. Ao nos livrarmos das ilusões, libertamo-nos da substância, pois constatamos que a substância é a maior de todas as ilusões. Já demonstrei muitas fórmulas na matemática. Uma fórmula que me deu muita satisfação em tê-la deduzido e demonstrado foi a seguinte:    1, se xij =  0, se  i−1 j−1 2  é ı́mpar; i−1 j−1 2  é par. Onde: ⌊ f ⌋ significa a parte inteira de f , por exemplo: ⌊ 2, 5 ⌋ = 2. Esta fórmula nos permite − dentre outras aplicações − gerar as potências da célula da dualidade. Onde: xij é o j−ésimo bit da sequência i de Zn . Fixado n fazemos i = 1, 2, . . . , 2n e j = 1, 2, . . . , n. Por exemplo, para n = 2, fazemos i = 1, 2, 3, 4 e j = 1, 2; obtendo Z2 = { |{z} 00 , |{z} 10 , |{z} 01 , |{z} 11 } i=1 i=2 i=3 i=4 É por essa, e por outras, que entendo perfeitamente o que Krishnamurti quer dizer ao afirmar: Há uma qualidade de êxtase que não é prazer; só vem esse êxtase quando existe em nós mesmos aquela ordem matemática, que é absoluta. Nota: O capı́tulo seguinte foi extraido do meu livro “O TAO”, apenas acrescentei um adendo na página 174. Capı́tulo 5 IMPOSTURAS ESPIRITUAIS Para abrir os olhos dos cegos, para Fui programado para detectar fissura tirar da prisão os presos, e do cárcere, os nas estruturas. (Gentil) que jazem em trevas. (Is 42 : 7) Introdução: Durante a elaboração deste livro em momento algum planejei escrever o presente capı́tulo. Explico: eu já havia dado o livro por encerrado − a menos de uma revisão − quando cai em minhas mãos “O Livro Amarelo” do mestre gnóstico Samael Aun Weor. O conteúdo do livro de Samael se revelou um excelente modelo do que estamos denunciando, à exaustão, neste livro: o engôdo, a farsa, a prisão que são as religiões. 5.1 Imposturas Intelectuais Há cerca de 10 anos atrás li um livro que nunca mais esqueci “Imposturas intelectuais”∗ cujo objetivo principal era denunciar a desonestidade intelectual de muitos cientistas, notadamente nas Ciências Sociais. Os autores citam e comentam no livro vários artigos “cientı́ficos ” eivados de absurdos e ilogismos flagrantes. Lembro que alguns cientistas da área de psicologia e psiquiatria ao tentarem amalgamar seus trabalhos com a alta matemática tornaram-se simplesmente ridı́culos ao proferirem um sem-número de flagrantes tolices, é a isto o que os autores chamaram de Imposturas Intelectuais. ∗ Sokal, Alan, Bricmont, Jean. Imposturas intelectuais. Rio de Janeiro: Record, 1999. Publicado originalmente em francês sob o tı́tulo Impostures intellectuelles, em 1997. 155 156 Anos depois eu mesmo tive a oportunidade de constatar, aqui no Brasil, estas práticas desonestas ao ler dois artigos pseudo-cientı́ficos: “Aplicação do modelo de psicologia vetorial à teoria do equilı́brio de Heider ”, e o segundo com o tı́tulo “Análise espacial: conceito, método e aplicabilidade” dos autores Adriana Giavoni∗ e Álvaro Tamayo† . Pois bem, vetores é um assunto da matemática abstrata; por oportuno, atualmente estou escrevendo um livro sobre este assunto e ensinando-o a meus alunos na universidade. Me chamou a atenção a possibilidade dos vetores serem aplicados à psicologia, li os artigos e, na ocasião, cheguei a comentar a impressão que tive. Meus comentários anexei a um outro trabalho meu por nome “Carta-Denúncia (Tomaram a Universidade de Assalto!)”, disponı́vel em minha homepage. Gostaria de dizer ao leitor que os autores, ao tentarem misturar Psicologia com os vetores da matemática − assunto no qual eles se revelaram descaradamente ignorantes − foram bastante infelizes, entretanto o termo infeliz não mostraria a verdadeira dimensão da tragédia, razão porque pedirei licença para usar um termo bem mais apropriado ao resultado: ao tentar amalgamar vetores com psicologia o resultado deu em merda! . . . mas muita merda mesmo! − sem nenhum exagero de minha parte. É a isto o que chamamos de imposturas intelectuais. 5.2 Imposturas Espirituais Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios E aniquilarei a inteligência dos inteligentes. (1 Co 1 : 19) Se na “Ciência manifesta ”, onde se presume que a desonestidade seja mais difı́cil de passar pelo crivo dos especialistas, acontece destas coisas, o que dizer então das “Ciências Ocultas”? Na verdade é este ponto que me interessa tratar no presente capı́tulo. Já tentei algumas vezes ler alguns livros de cunho ocultista, como por exemplo os da Gnose, e confesso que não consigo passar da terceira página. A razão é que são livros herméticos, escritos apenas para os “iniciados” e minha mente, treinada durante anos nas demonstrações matemáticas, é muito inquisitiva, quero, amiúdo, saber o porquê daquilo que os autores afirmam. Tenho um “órgão psı́quico” muito delicado, sensı́vel; alguns “alimentos” me fazem mal, me causam náuseas, naturalmente são regurgitados. ∗ Doutora em Psicologia pela Universidade de Brası́lia (UnB) e professora do Programa de Pós-graduação em Educação Fı́sica da Universidade Católica de Brası́lia (UCB) † Doutor pela Universidade de Louvain e Professor no Instituto de psicologia da Universidade de Brası́lia. É consultor do CNPq. Gentil 157 Encontrei em um livro sobre meditação∗ de um autor bem mais experiente do que eu, nesta área, a preciosa advertência de que muitos livros ocultistas são meros plágios uns dos outros, veja: [. . .] Portanto, começando a navegar num pequeno riacho, chegamos a um rio mais largo e amplo para a nossa consciência navegar. Espero que meus leitores me perdoem por meus exemplos e comparações simples, pois ainda acho que são os melhores. É fácil compilar sentenças complicadas, por trás das quais se pode esconder a falta de experiência pessoal. Sei de muitos (muitos mesmo, infelizmente!) escritores de livros espiritualistas e ocultistas que começam e terminam seus trabalhos com uma pesquisa “conscienciosa”. Vamos ver como essa “pesquisa” é feita. Um senhor vai às grandes e pequenas livrarias e procura tı́tulos de livros afins; então examina-os, para ver o que seus autores pensam a respeito disto ou daquilo. Anota as opiniões de que gosta, enumera suas fontes e usa-as como uma estrutura para os principais capı́tulos de seu futuro livro. O elemento de união será dado por suas próprias suposições e interpretações das “fontes”. E, no final, o trabalho parecerá muito erudito, mas, infelizmente, será inútil para qualquer coisa além da simples leitura: não pode servir de base para o estudo prático de ninguém. A ciência observa sutilmente o caráter dos trabalhos de cunho ocultista e iniciatório (entre aspas) e logicamente, com total razão, os deprecia como não-cientı́ficos e problemáticos. Por esse motivo, mentes evoluı́das também os vêem como algo leviano e, conseqüentemente, desdenham qualquer tipo de literatura sobre ocultismo e sabedoria espiritual. Acrescentem-se ainda os inúmeros charlatães que pregam para os ingênuos ávidos por “milagres” e poder-se-á ter o quadro quase completo. Portanto precisamos aprender a separar o joio do trigo, o que não é de modo algum uma tarefa fácil. É muito maior a chance de se encontrar falsidade e ignorância, freqüentemente revestidas de armadilhas esplêndidas, do que uma fonte verdadeiramente prática e sincera de elevado conhecimento. Pois bem, estarei aqui me detendo em uma destas áreas do ocultismo − A Gnose −, entretanto minhas considerações serão extensivas a todas elas. Há cerca de um ano atrás um discı́pulo me empresta um livro do fundador do Movimento Gnóstico Samael Aun Weor† , li o pequeno livro e assinalei alguns pontos no mesmo. Quando, numa outra oportunidade, o discı́pulo quis saber sobre a minha opinião a respeito do livro, respondi: Das duas uma: ou este Samael é, de fato, um grande mestre iluminado ou é um grande farsante! ∗ Meditação (Sumário para um estudo prático)/Mouni Sadhu/Cı́rculo do Livro/p. 48. Mais precisamente, foi o criador da Igreja Gnóstica Cristã Universal, na década de 70, no México, hoje com ramos e derivações em diversos paı́ses. † 158 E lhe justifiquei minha conclusão. Até esqueci o livro que me fora emprestado. Acontece que tempos depois, durante a feitura do presente livro − melhor dizendo, o livro já havia sido concluido − cai em minhas mãos um outro livro de Samael “O Livro Amarelo” o qual veio reforçar a segunda das opções acima, ou seja, a de que este venerado mestre seja na realidade um grande, um mega farsante, como estarei provando no presente capı́tulo. Acontece que nestes livros os autores costumam discorrer sobre temas e experiências que estão distantes da realidade dos “pobres mortais”, como eu. Por exemplo, muitos deles já foram projetados astralmente nas “dimensões superiores”, e aı́ ficamos sem poder comprovar a veracidade do muito que eles afirmam − não temos outra alternativa a não ser nos resignarmos “ à nossa insignificância”. Reitero: Não obstante ter lido muito pouco de Samael, o pouco que li já me foi suficiente para levantar a suspeita de que se tratava de um mestre farsante, entretanto como eu não sou versado em ocultismo me resignei à minha insignificância, digo, fiquei apenas na suspeita. Acontece que, para minha grata surpresa, Samael decide − em seu Livro Amarelo (Manual prático para formar Arhats e Budhas) − misturar matemática com ocultismo; como matemática é uma área que me diz respeito, decidi examinar com um pouco mais de atenção as afirmações do “Avatar da Era de Aquário ”. O penúltimo capı́tulo do livro − Capı́tulo XIX - Estado de Jinas − inicia assim: • O Hiperespaço pode ser demonstrado matemáticamente pela hipergeometria. A Ciência Jinas pertence ao hiperespaço e à hipergeometria. Meus comentários estarão precedidos de um hı́fen, as afirmativas do autor estarão precedidas de uma bolinha. Então: − Minha primeira observação é a de que o autor não define, não diz o que ele entende por hiperespaço e por hipergeometria. • Se conhecemos o volume, temos de aceitar também o hipervolume como base fundamental do volume. Se aceitarmos a esfera geométrica, devemos aceitar também a hiperesfera. − Durante meu mestrado em matemática estudei Teoria da Medida, uma disciplina na qual, inclusive, tratamos de volumes; entretanto, não entendi o que o avatar quiz dizer com: “temos de aceitar também o hipervolume como base fundamental do volume”. Tudo bem que pode ter sido uma deficiência na minha formação, admito, no entanto creio que todo aquele que se propõe a ensinar, que se propõe a ser mestre, tem por obrigação buscar se expressar com clareza, mesmo em se tratando de ciências ocultas, não é verdade? É compreensı́vel que algum gnóstico acorra em defesa de seu venerado mestre e argumente que este tipo de conhecimento é obtido por vias não convencionais, tais como: projeção astral, ativação do terceiro olho, despertar da kundalini, etc. Gentil 159 Tudo bem, não vou negar a possibilidade destas via de recepção, acontece que aquele que se propõe a escrever um livro deve pelo ao menos tentar traduzi-lo numa linguagem mais acessı́vel aos leigos, não é o caso de Samael que, na maioria das vezes, apenas atira na cara do leitor suas afirmações estapafúrdias − afirmações gratuitas. O princı́pio da autoridade, segundo o qual o “mestre” fala e o discı́pulo se limita a aceitar, já foi banido da ciência há muito tempo, o último dos ditadores foi Aristóteles − via Igreja. Claro, poderia-se arguir: é que estas revelações são feitas apenas aos “iniciados ”. Discordo, quando um autor ocultista lança um livro ele está fazendo proselitismo e visa arrebanhar ovelhas em todos os apriscos. Que ele, o mestre, tenha seus segredos ocultos é um direito dele, mas uma vez que ele se propõe a escrever um livro destinado ao público, então, no que se propõe a revelar, tem por obrigação, como já dissemos, ser claro e objetivo, não hermético; caso contrário posso ser levado a desconfiar que trata-se de verborragia, tergiversação, impostura. • O hiperespaço permite aos gnósticos realizar atos extraordinários. Jesus pôde tirar seu corpo do sepulcro aos três dias, graças ao Hiperespaço. Desde então, o Mestre ressuscitado vive com seu corpo dentro do hiperespaço. − Não tenho como não recordar o autor citado anteriormente: A ciência observa sutilmente o caráter dos trabalhos de cunho ocultista e iniciatório (entre aspas) e logicamente, com total razão, os deprecia como não-cientı́ficos e problemáticos. Por esse motivo, mentes evoluı́das também os vêem como algo leviano e, conseqüentemente, desdenham qualquer tipo de literatura sobre ocultismo e sabedoria espiritual. (Mouni Sadhu) • Todo iniciado que receber o Elixir da Longa Vida morre, porém não morre. Ao terceiro dia escapa do sepulcro, utilizando o hiperespaço. Então, o sepulcro fica vazio. O desaparecimento ou aparição de um corpo no espaço objetivo tridimensional, ou a passagem de uma pessoa através de um muro, realizam-se com pleno êxito quando se utiliza cientificamente o hiperespaço. Os cientistas Gnósticos colocam seu corpo fı́sico em “Estado de Jinas” e movem-se conscientemente no hiperespaço. − É a isto a que me refiro: como nós, pobres mortais, que sabemos apenas raciocinar, digo, não temos fé suficiente, temos condições efetivas de saber se o “Avatar da Era de Aquário ” está falando a verdade ou apenas blefando? Felizmente, o avatar se arrisca (ousa) “tangenciar” a matemática. • A antiga Geometria fundamenta-se na hipótese absurda de que, por um ponto, num plano, pode-se com segurança completa traçar uma paralela ou uma reta, porém, somente uma, falando no sentido essencial. 160 − Aqui o “venerável mestre” comete, no mı́nimo, dois deslizes. Primeiro que não trata-se de “hipótese ” mas sim de “postulado”− são termos técnicos da geometria que o avatar não domina. Segundo, ele não soube enunciar corretamente o 5o postulado de Euclides, conhecido como “o postulado das paralelas ”, o qual reza: “Por um ponto p exterior a uma reta r, considerados em um mesmo plano, r sp existe uma única reta paralela à reta r ”: r sp Pois bem, nestes mais de dois mil anos de geometria euclidiana (“A antiga Geometria”, à qual o autor se refere) nenhum matemático jamais ousou negar o postulado das paralelas e, não obstante, o “Avatar da Era de Aquário ” ousa negá-lo! . . . Pasmém! Mais que isto: chama-o de hipótese absurda! Perguntamos: o que há de absurdo no postulado enunciado acima? Pelo contrário, é por demais evidente! • O Movimento Gnóstico rechaça o ponto de vista Euclidiano das três dimensões conhecidas, por estar já totalmente antiquada para a era atômica. − Esse é um exemplo de Impostura Espiritual, para ludibriar e impressionar suas tolas e cegas ovelhas. Em um outro contexto, Samael afirma que a 4a dimensão é o tempo e a 5a é a eternidade. Quanto sua afirmativa de que a 4a dimensão é o tempo isto nada mais é que um plágio de Einstein que já afirmara a mesma coisa em 1905 na sua Teoria da Relatividade restrita. Quanto à quinta dimensão, pergunto: por que a 5a dimensão é a eternidade? Só porque ele quer que seja? Qual a razão para essa afirmativa gratuita? Minha conclusão não poderia ser outra: Samael considera seus próprios discı́pulos idiotas, sem capacidade de raciocı́nio ou discernimento. Um outro flagrante plágio, mais à frente em seu referido livro Samael afirma: “Nós, os gnósticos, afirmamos que o espaço infinito interplanetário é curvo.” Gentil 161 A curvatura do espaço é uma consequência da Teoria da Relatividade Geral de Einstein que é de 1915, portanto bem anterior ao livro de Samael que é de 1959. Aqui não tenho como não lembrar da advertência de plágio, citada anteriormente, que caracteriza muitas das obras de cunho ocultista, veja: [. . .] Um senhor vai às grandes e pequenas livrarias e procura tı́tulos de livros afins; então examina-os, para ver o que seus autores pensam a respeito disto ou daquilo. Anota as opiniões de que gosta, enumera suas fontes e usa-as como uma estrutura para os principais capı́tulos de seu futuro livro. O elemento de união será dado por suas próprias suposições e interpretações das “fontes”. E, no final, o trabalho parecerá muito erudito, mas, infelizmente, será inútil para qualquer coisa além da simples leitura: não pode servir de base para o estudo prático de ninguém. Observo também o seguinte: a “ciência gnóstica revolucionária” de Samael fala muito em espaços multidimensionais, átomos de hidrogênio, carbono, etc. Pergunto: qual a contribuição dada à humanidade por esta ciência revolucionária? Conheço inúmeras contribuições da “ciência não revolucionária”, no entanto, não conheço uma única contribuição efetiva da ciência gnóstica. Pelo contrário, poderia arrolar inúmeros males causados por essa pretensa ciência; por exemplo, alienação e engôdo, tal como as demais gaiolas religiosas que vivem a ludibriar os coitados dos seres humanos ainda não chegados à idade da razão. • A Paralela Única de Euclides é um sofisma para enganar gente ignorante. A Gnosis rechaça essa classe de sofisma. − Quando alguém faz uma afirmativa, principalmente desta envergadura, o bom senso nos diz que este alguém deve pelo ao menos tentar justificar seu posicionamento − não é o que acontece com Samael. Ou ele julga seus leitores por demais estúpidos? . . . Nem todos vivem apenas da fé, a exemplo de seus discı́pulos. Veja, até hoje, digo, transcorridos mais de 2000 anos, nenhum matemático conseguiu ver nenhum sofisma na “Paralela Única de Euclides”, será que todos os matemáticos, durante todos estes séculos, foram “gente ignorante”? Será que apenas o “Avatar da Era de Aquário ” é gente sábia? • O Movimento Gnóstico revolucionário não pode aceitar o postulado indemonstrável que diz: “Por um ponto qualquer de nossa mente, pode-se traçar uma paralela real; à realidade visı́vel e somente uma”. − Esse cara me parece louco, insano! Pura bravata! Mais uma vez o “Venerável Mestre” demonstra que é ignorante no que diz respeito à matemática; com efeito, nenhum matemático, em sã consciência, iria pedir que se demonstre um postulado. Um postulado é uma asserção (proposição) de base que se admite sem demonstração, todos os matemáticos sabem disso. 162 Por outro lado, quem enunciou o postulado idiota que afirma “Por um ponto qualquer de nossa mente . . . ”? Um postulado idiota destes só pode ter saido da cabeça do próprio Samael − para ele próprio rechaçar. Digo, assim como Jeová, no Antigo Testamento, levantou faraó para mostrar seu poder à toda Terra, de igual modo Samael levantou este postulado para demonstrar seu poder a todas as suas simplórias ovelhas. De fato, pelo que começo a suspeitar, seus discı́pulos são cegos, surdos e mudos, “rechaçando” um postulados destes “da matemática” ele se engrandece cada vez mais aos olhos dos incautos. Engraçado, estes “grandes mestres” falam com bastante frequência sobre a “eliminação do ego ” entretanto, com se vê, eles próprios o possuem em grande medida. Por outro lado, vejo nestas colocações sem nexo o mesmo tipo de impostura constante no livro Imposturas Intelectuais referido anteriormente. A esse respeito, minha conclusão é a seguinte: Estas assertivas tronitruantes e estapafúrdias têm uma consistência tênue, pastosa, seus autores tentando dar-lhes uma consistência mais sólida tentam misturá-las com alguma ciência séria − como matemática e fı́sica, por exemplo − o resultado é desastroso. Para que o leitor tenha uma real dimensão da tragédia, é como se alguém tentasse misturar uma merda oriunda de uma diarréia com um punhado de barro tentando dar-lhe uma consistência mais sólida . . . infelizmente continua merda do mesmo jeito! • Os Mestres da Ciência Jinas podem evadir-se da Terra para viver em outros planetas com o corpo fı́sico que têm aqui. Eles podem levar esse corpo de carne e osso para outro planeta. Esse é o grande salto. Alguns homens da ciência Jinas já deram o grande salto. − Eu só posso ver estes shows de pirotecnia como falta de respeito do mestre com os seus próprios discı́pulos. De fato, quem raciocina um pouco (não precisa muito) começa a se perguntar para que tipo de público este “venerável mestre” escreve. Cara ovelha, tu não observas o quanto teu mestre desdenha de tua inteligência? Observa o quanto teu mestre te considera tolo: • Deve o devoto dar ordem ao corpo, e o corpo obedece, e se não obedece bem é porque não sabe, então deve o devoto ensinar-lhe. Deve ordenar ao corpo que salte sobre a cabeça sideral do corpo astral e que penetre dentro do devoto por esta porta. O resultado é maravilhoso. O corpo obedece e entra dentro do devoto (no plano astral, não é o devoto quem deve entrar dentro do corpo. No plano astral as coisas são diferentes. Ali é o corpo que tem que entrar dentro do devoto). − É precisamente em sandices deste gênero que se cumpre a afirmativa do apóstolo: Gentil 163 Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? (1 Co 1 : 19 − 20) Observei, ademais, que neste livro o autor tem bastante cuidado em advertir seus discı́pulos a que não teorizem, não questione seus ensinamentos, observe: • O estudante não deve perder tempo teorizando. É melhor praticar calado. Guardar em segredo os triunfos. Deve-se guardar muito silêncio porque esta ciência é secreta. É melhor calar, pois, assim, evitamos as zombarias dos teóricos inúteis, que não fazem e nem deixam fazer, são verdadeiros parasitas sociais. − Mais à frente o mestre reforça a advertência. • O Iniciado deve evitar cuidadosamente toda sorte de discussões e disputas com pessoas incrédulas que não fazem e nem deixam fazer, que querem que o mundo marche de acordo com suas sabichonas afirmações, cheias de tolices e malı́cias da pior espécie. − É fácil ver que as afirmações: “querem que o mundo marche de acordo com suas sabichonas afirmações, cheias de tolices e malı́cias da pior espécie” se aplicam ao próprio Samael. E ele prossegue • A religião Jinas é muito sagrada. Aqui neste Livro Amarelo temos ensinado a ciência Sagrada dos Jinas para todos os seres humanos, menos para os imbecis. Os imbecis não crêem nela, nem a querem, nem a aceitam porque são imbecis. − A estas alturas a pergunta óbvia, que salta à vista, é se não se dá exatamente o contrário, isto é, se a ciência Sagrada dos Jinas não foi escrita para os imbecis. Finalmente, na conclusão do livro o mestre volta a colocar antolhos em seus discı́pulos, que, como é fácil vê, já são cegos por si mesmos. • Aqui tendes, amadı́ssimos, um livro de ocultismo, absolutamente prático. Pelo amor dos amores, nós, os irmãos do templo, vos aconselhamos com infinita humildade não percam tempo teorizando. O ópio das teorias é mais amargo que a morte. − É precisamente isto o que significa a expressão “lobos vestidos em peles de cordeiros ”: “amadı́ssimos ”, “Pelo amor dos amores ”, “com infinita humildade”, etc. Veja, a nefanda expressão “O ópio das teorias é mais amargo que a morte ” é representativa de todas as religiões que, como já falei mil vezes, nada mais são do que gaiolas, aqui está mais uma prova de que elas são zelosas em manter as ovelhas confinadas ao redil. 164 No meu entendimento, um verdadeiro mestre − digo, um mestre não farsante − não iria aconselhar seus discı́pulos a não teorizar, pelo contrário, lhes diria: investiguem! Como na ciência, também nas religiões, a investigação deveria ser livre, não fechada e condenada. (P. Ubaldi) A teorização só não é vista com bons olhos pelas religiões, por motivos óbvios. Ao contrário, a Ciência deve seu vertiginoso crescimento justamente às discussões, ao embate de idéias. É por estas, e por outras, que as religiões encontram-se na Idade das Trevas, que são verdadeiros cárceres que mantém aprisionadas milhões de almas infelizes. Por oportuno, considero que o livro que o leitor tem em mãos vem contribuir “Para abrir os olhos dos cegos, para tirar da prisão os presos, e do cárcere, os que jazem em trevas.” (Is 42:7) Todavia, não desconheço que a alma de muitos que estão confinados dentro dos cárceres religiosos estão tão adulteradas, deformadas, que certamente assemelham-se àqueles presidiários que após cumprirem suas penas por longos anos, rejeitam a liberdade e preferem continuar nos presı́dios; perderam as asas e não podem mais voar, a exemplo da borboleta, resignam-se a rastejar como lagartas que são. Algumas pessoas são como mariposas. Querem se atirar ao fogo e morrer. Preferem ser ludibriadas e enganadas pelos charlatães do que usar a inteligência que Deus lhes deu. Nenhuma palavra de advertência é capaz de dissuadi-las. Espera-se das pessoas que buscam a verdade espiritual um comportamento diferente, ou seja, que usem a razão e sejam capazes de realizar bons julgamentos. (Swami Bhaskarananda) 5.3 Uma Exegese de Nossa Odisséia Gnóstica . . . Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodı́gios que, se possı́vel fora, enganariam até os escolhidos. (Mt 24 : 24) Às vezes me ponho a elucubrar tentando compreender como é possı́vel que tudo isto aconteça. Veja bem, que um homem comum seja desonesto, mentiroso, é fácil entender, agora que o “Mestre”, o “Avatar da Era de Aquário ” também o seja é de admirar; de fato, fiquei estupefato, embasbacado com “o caso Samael ”. Um ciclista bêbado é uma coisa, outra bem diferente é um piloto de um Boeing drogue. Uma provável tragédia causada por este último é bem mais catastrófica que uma causada pelo primeiro. Gentil 165 Um pensamento que despertou minha atenção, desde a primeira vez que o li, foi o seguinte: “Aos servos cabe mentir; aos livres, dizer a verdade. ” (Apolônio) Sendo assim concluo que a mentira é própria dos servos, dos escravos; logo devo concluir que os polı́ticos e muitos religiosos (padres, pastores, etc.), a exemplo de Samael, são escravos. Ora, como é que um escravo pretende libertar outro escravo? Para mim, tudo isto é meio inconsistente. Veja bem, em minha análise anterior citei apenas um único livro de Samael (ele tem vários) e me ative a práticamente um capı́tulo do livro. Não é difı́cil concluir, por indução, que os demais livros devem estar permeados de obscuridades, de engôdos. Eu pergunto: será que as ovelhas gnósticas são tão obtusas assim? Sinceramente, creio que algumas são cegas mesmo, outras nem tanto. Digo, a umas de fato falta a faculdade do raciocı́nio, outras, no entanto, são lobos devoradores tosquiando incautas ovelhas − oportunistas e/ou ególatras. De outro modo: este redil, como a maioria das religiões, é composto de ovelhas cegas e de “pastores” que enxergam muito bem. Em quase todas estas religiões hierárquicas os que ocupam cargos na hierarquia são indivı́duos inchados de ego, soberbos por estarem acima dos demais. E olha que a cantilena deles é justamente que as ovelhas devem se libertar da tirania do ego. Observe que dois mil anos foram insuficientes para que a natureza de muitos lı́deres religiosos mudassem, digo, eles foram os mesmos ontem, hoje, e continuaram sendo por muito tempo − pelo ao menos enquanto existirem os tolos: Então falou Jesus à multidão e aos seus discı́pulos, Dizendo: Na cadeira de Moisés, estão assentados os escribas e fariseus. Observai, pois, e praticai tudo o que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não praticam. (Mt 23 : 1 − 3) Enfatizo: isto que foi observado há dois mil anos atrás continua tão atual quanto antes: os lı́deres ensinam mas não praticam. Gostaria agora de considerar um outro ponto que julgo de alguma relevância. Os praticantes das ciências ocultas, como os da gnose, se vangloriam frente aos de outras religiões, que muito do que aprendem resulta de práticas espirituais, tais como “saı́da em astral ”, despertar da kundalini, etc., e isto constitui-se num diferencial, crêem elas. Não quero aqui discutir o mérito destas experiências, o viés é outro. Eu mesmo já tive vários sonhos nos quais me encontrava perfeitamente consciente, outros em que a “textura da realidade ” era por demais real, e ainda tive uma experiência de saida fora do corpo. 166 Entretanto, o que eu questiono é o embasamento teórico, ou ainda, as interpretações que são dadas a estas experiências. Veja, o fato de você ter tido uma experiência do gênero não implica que a sua interpretação da sua experiência seja correta, pode ser que não. Para que o leitor compreenda a perspectiva na qual me situo, veja que alguém que tenha um sonho comum, digamos, nem sempre tem a interpretação correta para o seu sonho, isso é fácil de entender. De outra parte, observamos que na própria ciência dár-se o mesmo. Digo, uma experiência cientı́fica − da fı́sica quântica, para nos situar − muitas vezes é fotografada, registrada em uma camara de bolhas, analisada em computador e, por vezes, os cientistas não estão seguros de como interpretar esta experiência. Por exemplo, li no livro Conceitos de Fı́sica Quântica (Osvaldo Pessoa Junior) que “Existem dezenas de interpretações diferentes da Teoria Quântica.” Daqui se depreende que, na fı́sica, os experimentos, por vezes, não são suficientes para validar uma teoria. Ora, se para interpretar uma experiência com todo estes aparatos não existe unanimidade por parte dos fı́sicos, como é que os ocultistas − com suas experiências meramente subjetivas − têm a pretensão de terem a interpretação correta? O que eu quero destacar aos estudantes de ciências ocultas é que estudem, com igual denôdo, também as “ciências manifestas”− que lutem para vencer a preguiça. Por que lhes faço esta observação? É que a ciência ordinária é quem vai muni-los da faculdade do raciocı́nio, da capacidade de argumentação, para que não sejam vı́timas de impostores. Para aqueles discı́pulos de Samael − e congêneres − que se crêm possuidores da faculdade do raciocı́nio. . . sinto muito, mas não parece. Com efeito, depois de tudo o que eu trouxe à baila, a respeito deste pretenso mestre, não concebo que alguém dotado de raciocı́nio esteja disposto a perder tempo com tantas e flagrantes imposturas! Uma analogia: um microscópio e um telescópio encontram seu máximo de utilização (rendimento) nas mãos de um biólogo e de um astrônomo e não nas mãos de um leigo. De outro modo: Se colocamos duas células em dois microscópios idênticos e os damos a um leigo e a um biólogo o que sucederá? Ambos têm a mesma experiência: observar uma célula ao microscópio; no entanto, a “interpretação” do biólogo sem dúvida será mais confiável que a do leigo. A razão é que o biólogo possui todo um “aparato mental ” para interpretar sua “experiência”. Um leigo imprudente ao colocar os olhos numa célula sob um microscópio pode se valer de embuste (fantasiar, “viajar”) sobre o que observa, de igual modo sucede a muitos dos que estão envolvidos com práticas experimentais, não excetuando os próprios pretensos mestres. Gentil 167 Voltando a um contexto anterior, já tive uma indubitável experiência de “projeção”† , no entanto, qualquer seja a minha interpretação. . . é minha interpretação, só isto! Digo, não vou alçá-la à categoria de verdade − creio que estaria sendo ingênuo. Ora, dentro deste contexto − de que as experiências de saidas astrais podem comportar mais que uma interpretação − gostaria de mencionar uma experiência do gênero relatada no prefácio do Livro Amarelo de Samael. Esta experiência deu-se com um discı́pulo do próprio Samael que ao sair em astral encontra seu mestre, em um lugar tenebroso, bebendo cerveja com nada mais nada menos que o próprio tinhoso. Veja alguns excertos do relato: [. . .] pois bem, depois de fazer muitas práticas recordo que uma vez saı́ em astral e o primeiro que fiz foi procurar o Mestre e então pedi que me levasse onde estivesse. Recordo que sai a uma velocidade fantástica por muitas regiões até que me deparei a uma grande cidade, sentindo o desejo de dirigir-me à periferia da cidade sempre no alto até que descendi em um bairro tenebroso muito escuro, cheio de cantinas e ruas estreitas com pessoas de má ı́ndole; uma vez que estive na terra comecei a observar, a buscar pelas janelas e portas, mas eu não encontrava senão sujos cabarés, cantinas e lugares onde se vendia cerveja e se bebia toda classe de licores embriagantes. Por uma janela consegui ver meu Mestre e foi-me uma grande surpresa quando observei que ao lado dele estava um terrı́vel demônio que lançava o rabo sobre o ombro e na ponta do rabo tinha uma espécie de aguilhão ou unha que a colocava no ombro esquerdo do Mestre; para mim aquilo foi lamentável porque disse a mim mesmo o seguinte: “Veja este homem que me proı́be beber cerveja, está nestes prostı́bulos e vı́cios bebendo nada menos que com um demônio”. Como seria para mim a desilusão e o susto que recebi que me pareceu um quadro desastroso a tal ponto que de imediato regressei ao corpo. E o discı́pulo continua seu relato. No outro dia vai tomar satisfação com seu Mestre e este lhe convence de que, naquela ocasião, estava tentando converter o Belzebu. No final − diante dos argumentos de Samael − o discı́pulo se arrepende por ter colocado seu amável mestre sob suspeição, e conclui que a culpa era dele, discı́pulo, por está com a mente ainda suja. Pois bem, a minha interpretação deste passeio astral vai em outra direção. Primeiro perceba que a cena presenciada pelo discı́pulo denota intimidade entre Samael e Belzebu. Segundo, como já provei anteriormente, Samael é desonesto, é mentiroso e, segundo Apolônio, o mentiroso é um escravo. Portanto, como é que um escravo está habilitado a libertar outro escravo? † Sai do corpo e, flutuando, observava meu corpo na cama. Posteriormente, meu corpo levantou-se da cama (nele não estava minha consciência) e decidi interagir com ele − tipo aquelas cenas de televisão nas quais um ator contracena consigo mesmo. 168 Sobretudo do porte de Belzebu − como se sabe, um impedernido expulso do céu porque os outros Anjos já não o aguentavam mais! Não foi Jesus que disse que “um cego guiando outro cego ambos cairão no abismo ”? Portanto, a minha conclusão não é a de que o Demo fosse mais um dos discı́pulos de Samael, no meu entendimento − digo, pela cena − eles eram colegas. Para finalizar, gostaria de comentar sobre mais um ponto. Como disse, não consigo ler um livro sobre ocultismo além da terceira página, é muita fantasia para minha mente inquisidora. Eu pergunto, como é que as ovelhas destes mestres conseguem engolir filigranas tais como − para citar apenas dois exemplos: • Deve ordenar ao corpo que salte sobre a cabeça sideral do corpo astral. . . • O hiperespaço permite aos gnósticos realizar atos extraordinários. Jesus pôde tirar seu corpo do sepulcro aos três dias, graças ao Hiperespaço. Desde então, o Mestre ressuscitado vive com seu corpo dentro do hiperespaço. Para elucidar a questão vou transcrever aqui uma fábula que achei perfeita, digo, que se encaixa muito bem nos “mestres do ocultismo” e suas incautas ovelhas. As roupas nova do imperador Há imperadores que adoram declarar guerra aos três reinos mais próximos todos os dias. Outros há cuja predilecção é construir belos castelos e palácios, cada um deles maior e melhor que o anterior. Mas o imperador desta história tinha uma paixão menos comum: adorava roupas novas. Era sabido que o imperador passava a maior parte do dia a experimentar uma roupa após outra, para assim descobrir qual era que favorecia mais a sua real (e generosa...) figura. Certo dia, chegou à corte um par de velhacos que mais não queria do que viver uma vida boa e ganhar algum dinheiro. Anunciaram-se como tecelões e trataram de fazer saber que não eram quaisquer uns: - O tecido que fabricamos – diziam eles – é tão fino e o seu desenho tão raro e delicado que apenas as pessoas mais inteligentes e mais cultas são capazes de vê-lo. Não tardou que a notı́cia de vinda destes pretensos tecelões chegasse aos ouvidos do imperador. “Que útil”, disse ele para os botões. “Se eu vestisse uma roupa feita com aquele tecido, poderia em três tempos saber quais dos meus ministros são demasiado estúpidos e inadequados para desempenhar as suas funções.” Assim, ordenou que os tecelões comparecessem diante de si. Quando chegaram à corte, os dois trapaceiros fizeram uma grande vénia. Gentil 169 - De que modo podemos servir Vossa Alteza Imperial? – apressaram-se a perguntar. - Gostaria de ter um fato todo feito com o vosso famoso tecido – declarou o imperador. – E quero que esteja pronto até ao final desta semana! - Com certeza – retorquiram os tecelões tranquilamente. – Temos apenas de tirar algumas medidas... Mas, meu Deus, Vossa Alteza tem o perfil de um homem de...vinte anos! Em seguida, os tecelões mandaram vir rolos de fios de seda e de ouro para, segundo diziam, com eles fabricarem o seu famoso tecido. Foram instalados dois enormes teares num quarto igualmente dotado de todos os confortos. Passavam o dia em frente aos respectivos teares, a fingir que teciam, mas, claro está, não havia qualquer fio para tecer. O imperador estava ansioso por ver o andamento do trabalho no seu fato, mas, apesar de saber que era o homem mais esperto daquelas redondezas, ficou um pouco preocupado com o fato de talvez não conseguir ver o tecido. O imperador pensou bastante e durante muito tempo (aliás, para o homem mais esperto das redondezas, é surpreendente o quanto e durante quanto tempo ele pensou), até que teve uma ideia. - Chamem o meu primeiro- ministro! – berrou. – Ele irá inteirar-se do andamento do trabalho que os tecelões estão a fazer para mim. Pois bem, o primeiro-ministro também não conseguia ver nada, mas receou que o imperador o dispensasse se demonstrasse ser um daqueles infelizes demasiado estúpidos para apreciar o tecido. - É absolutamente perfeito para Vossa Alteza – relatou. – Com toda a honestidade afirmo que nunca vi nada igual. A cada dia que passava, os tecelões iam pedindo mais seda e mais fio de ouro. Estes iam sendo guardados nas suas malas de viagem, para poderem estar prontos para uma fuga rápida! Não tardou que o imperador ficasse novamente impaciente. Enviou o seu chanceler para inspecionar o trabalho, só que o pobre homem não conseguia ver fosse o que fosse, e a verdade é que também ele não queria perder o seu emprego. - É de uma beleza incomparável – declarou. – Vossa Alteza ficará verdadeiramente encantado. Por fim, o imperador já não aguentou mais. Apressou-se a ir ao quarto onde trabalhavam os tecelões e abriu as portas de par em par. Os tecelões, que tinham ouvido o barulho das roupas do rei a arrastar pelo corredor, estavam atarefados de volta dos seus teares. As suas mãos andavam para a frente e para trás e seguravam... em absolutamente nada! O imperador estancou. Parecia um pesadelo! Só ele, de toda a sua corte, era demasiado estúpido para conseguir ver o maravilhoso tecido. Sentia a garganta seca e a voz até tremeu quando anunciou: - O primeiro–ministro e o chanceler foram pouco entusiásticos nos seus elogios. Este tecido é efectivamente lindo de mais para poder ser descrito 170 por palavras! No final da semana iria realizar-se uma grandiosa procissão. Naturalmente, era de esperar que o imperador fosse usar roupas feitas com aquele novo tecido, de que já todo o império ouvira falar. Os tecelões não pararam de dia e noite, ocupados a cortar o ar com grandes pares de tesouras, a coser com fios invisı́veis e a fingir ir pregando botões. Quando se cansaram disso, sorriram um para o outro e disseram: - Aı́ está! Um fato digno de um imperador! Na manhã da procissão, o imperador estava de ceroulas enquanto os tecelões o ajudavam a vestir a roupa nova. Concordou com tudo o que lhe disseram acerca do corte e das caracterı́sticas do tecido. Depois de andar umas quantas vezes para a frente e para trás, de modo a, segundo os tecelões, poder ver como a cauda do manto assentava bem, quase se convenceu que conseguisse mesmo ver o fato e que estava efectivamente muito bem feito. E foi assim que o imperador saiu à rua, todo orgulhoso, a comandar o regimento real, vestido apenas com as suas segundas melhores ceroulas. Começou por reinar um silêncio de espanto por entre a multidão que enchia as ruas, mas como já todos tinham ouvido falar de que apenas as pessoas inteligentes conseguiam ver aquelas roupas, primeiro um, depois outro dos súbditos exclamaram, à medida que o imperador ia passando: - Maravilhoso! Soberbo! Dali a pouco, já toda a gente aplaudia e dava vivas. O imperador não cabia em si de contente. Quanto toda a gente está a fazer muito barulho, acontece por vezes haver de repente breves momentos de silêncio. Um desses momentos deu-se quando o imperador chegou à praça principal da cidade. No meio desse silêncio, a voz de um rapazinho fez-se ouvir claramente em toda a praça. - Mas, mãe – gritou ele -, o imperador não traz nada vestido! Naquele momento terrı́vel, a multidão caiu em si, vendo que o rapaz dissera a verdade e que tinham sido tão palermas como o imperador. Uma após outra, as pessoas começaram a rir. Durante alguns segundos, o imperador ainda tentou manter a pose digna da sua posição, mas depois lançou o seu manto imaginário para trás do ombro e desatou a correr de regresso ao palácio, numa atitude muito pouco digna de um monarca. Diz-se que, depois disso, o imperador deixou de ser tão vaidoso em relação às suas roupas e talvez até devesse agradecer aos malvados tecelões. Aqueles dois patifes tornaram-se tão invisı́veis como as famosas roupas do imperador e nunca mais ninguém lhes pôs a vista em cima. In “Contos de Hans Christian Andersen”, adaptados por Cathie Shuttleworth, Cı́rculo de Leitores 1998 Esta fábula clássica é de autoria do escritor Hans Christian Andersen (1805-1875) nascido na Dinamarca. 171 Gentil Pois bem, esta metáfora, em nosso contexto, está por demais evidente, no entanto vou me permitir alguns paralelos (interpretações). Os velhacos correspondem aos mestres e escritores do ocultismo. Os fios invisı́veis que eles manipulam para ludibriar os incautos são precisamente suas “práticas espirituais” e filigranas, tais como: • Deve ordenar ao corpo que salte sobre a cabeça sideral do corpo astral. . . • O hiperespaço permite aos gnósticos realizar atos extraordinários. Jesus pôde tirar seu corpo do sepulcro aos três dias, graças ao Hiperespaço. Desde então, o Mestre ressuscitado vive com seu corpo dentro do hiperespaço. Pergunto, quem é que consegue enxergar fios tão “finos” quanto estes? Só mesmo os mais “inteligentes ” da côrte, “pobres e obtusos mortais” não conseguem enxergar nada! . . . Sniff! Como os súditos mais “tolos” do reino não conseguiriam enxergar nada, observe como os velhacos tecelões têm o cuidado para que todos guardem segredo sobre suas inevitáveis frustrações (“miopias”): • O estudante não deve perder tempo teorizando. É melhor praticar calado. Guardar em segredo os triunfos. Deve-se guardar muito silêncio porque esta ciência é secreta. É melhor calar, pois, assim, evitamos as zombarias dos teóricos inúteis . . . (como eu) Ainda podemos tirar mais um precioso aprendizado desta preciosa fábula. Observe que assim como o primeiro-ministro e o chanceler tiveram que mentir ao rei para não perder seus “cargos ”, dos quais sobreviviam, de igual modo acontece com muitos dos que estão nas hierarquias de todas as igrejas, tais como, pastores, padres, bispos, monsenhores, dirigentes gnósticos, etc., etc. Têm que continuar fingindo, mentindo∗ para não perder seus cargos nas hierarquias, tanto por uma questão de sobrevivência quanto por uma questão de ego − posto que gozam de status e da admiração e subserviência que as cegas ovelhas lhes dispensam. É seu profundo instinto de conservação que não lhe permite honrar ou sequer mencionar a verdade sob qualquer ponto de vista. O que um teólogo considera ver- Mais ai de vós, padres, pastores e dadeiro não pode não ser falso: nisso “mestres”, hipócritas! Pois que fechais reside praticamente um critério de ver- aos homens o reino dos céus; e nem vós dade. É seu profundo instinto de con- entrais, nem deixais entrar aos que estão servação que não lhe permite honrar ou entrando. (Mt 23 : 13/Paráfrase) sequer mencionar a verdade sob qualquer ponto de vista. (Nietzsche) ∗ Não digo todos, dentre estes, existem aqueles que são ingênuos mesmo para acreditar cegamente em muitas das tolices que ensinam. 172 Adendo: Após eu ter chegado à indubitável conclusão de que o “Avatar da Era de Aquário ” não passava de um impostor, fiquei curioso em saber se mais alguém já havia chegado a essa mesma conclusão. Digitei no Google “Samael Farsante”, qual não foi minha surpresa quando descobri que muitos outros, por caminhos diversos, também já haviam concluido que o avatar é desonesto e, portanto, um mentiroso. Para citar apenas um exemplo, encontrei o artigo “Por qu^ e me fui” de Julio Medina Viscaino, um ex gnóstico, que, por sinal, é quem assina o prefácio do Livro Amarelo de Samael; em seu extenso e detalhado artigo Medina afirma, e prova, que Samael plagiou a obra de dois escritores russos, G. I. Gurdjieff (1872?-1949) e P. D. Ouspensky (1878-1947). Isto, para mim, só veio reforçar minha convicção de que ao “papa” da Gnose se aplica perfeitamente a advertência feita no inı́cio deste capı́tulo por Mouni Sadhu: É fácil compilar sentenças complicadas, por trás das quais se pode esconder a falta de experiência pessoal. Sei de muitos (muitos mesmo, infelizmente!) escritores de livros espiritualistas e ocultistas que começam e terminam seus trabalhos com uma pesquisa “conscienciosa” . . . Se o grão de trigo não morrer . . . Adendo: Tive a oportunidade de conversar com um instrutor da Gnose e lhe falei sobre o conteúdo deste capı́tulo do meu livro. Eu esperava do mesmo uma reação de humildade, compreensão e, possivelvemente até de agradecimento; pelo contrário, depois de lhe expor os blefes cometidos pelo “Avatar da Era de Aquário ” ele tentou em diversas ocasiões esboçar alguns argumentos em defesa do seu mestre − Ademais, me disse que eu estava perdendo meu tempo em escrever este livro (sem conhecer o livro, lembro), que tudo ia continuar como está. Por exemplo, que seu mestre não plagiou os dois autores russos já referidos, uma vez que os cita em alguns de seus livros. Lembrei-lhe que seu mestre fora desonesto em matemática. Fora desonesto em se apropriar de conclusões da teoria de Einstein − como por exemplo, o tempo ser a quarta dimensão e a curvatura do espaço −, não vi em momento algum do livro ele dá crédito ao cientista. Se um pretenso mestre é desonesto em um ponto (quanto mais em vários), isto, no meu entendimento, compromete toda a estrutura de sua obra. Disse-lhe que via muitas das afirmações do seu mestre como meramente gratuitas, como por exemplo: • . . . Deve ordenar ao corpo que salte sobre a cabeça sideral do corpo astral e que penetre dentro do devoto por esta porta. . . . Ele me perguntou se eu havia compreendido esta passagem. Respondi Gentil 173 que nossa mente é muito hábil, engenhosa em atribuir sentido às situações. É a própria mente quem ordena, classifica, procura ver sentido nas coisas. Tudo se passa como naquela brincadeira em que as crianças observam as nuvens e cada uma relata o que vê. Uma vê um elefante, outra vê uma girafa, e assim por diante . . . cada um vê o que quer vê, o que se dispõe a ver. É fácil inferir que todo discı́pulo vê o que o seu mestre quer que ele veja. Ou ainda, que toda ovelha vê o que o seu pastor ou padre quer que ela veja. O que muitos não compreendem é que num mesmo “quadro” podemos enxergar muitas “realidades”, tal como se dá nas ilusões de ótica, veja novamente: Cada um escolhe o que quer vê. Como o sábio afirmou: O mundo de vocês é um mundo criado pelo ego; o mundo de vocês é um mundo projetado. Vocês estão usando o mundo real como uma tela e projetando nela as suas próprias idéias. (Osho) A realidade (Consciência) é neutra, é uma tela em branco, o ego se encarrega da pintura − pinta o lhe aprouver, veja: Em Minha forma mais pura, sou o Absoluto. A partir dessa forma verdadeiramente pura, Eu sou como você me faz. (Deus/vol. II, p. 302) Na verdade o que vai definir a qualidade de uma obra é a qualidade do ego de quem a executa. É tal como se dá, por exemplo, em todas as artes. Existem músicas e lixos, existem literaturas e lixo, existem filmes e lixos − existem religiões e lixos. Como se diz, há gosto prá tudo. Mais uma vez vale a pena lembrar: Eles deformam o real porque o apreendem espontaneamente através de suas impressões sensı́veis, de seus desejos, suas paixões, seus interesses, seus hábitos, em suma, através de tudo aquilo que os confina nesse reino de ilusões em que, impotentes para ver os objetos cujas sombras não passam de sombras, ignoram que elas são sombras e as tomam por realidade. (Paráfrase) 174 Por oportuno, já me perguntaram por que eu não estudava numerologia já que trabalhava com matemática. Já li sobre numerologia e tive a oportunidade de observar que são conclusões fantasiosas, engendradas, são construções para ludibriar os incautos. Li um artigo do gênero no qual tive a oportunidade de discernir com clareza o engôdo (“arquitetura”) . . . como disse, cada um vê o que quer ver! O ego é muito falaz. Ele vai escutando o que deseja escutar. Ele vai interpretando o que quer interpretar; ele nunca vê a realidade. Ele jamais permite que a realidade se revele a você. As pessoas que vivem envoltas pelo ego vivem atrás de cortinas. E essas cortinas não são inativas − elas são cortinas ativas; tudo o que passa por essas cortinas, elas o mudam e transformam. E as pessoas vão vivendo num mundo criado por elas mesmas. O ego é o centro de seu mundo, de seu falso mundo − chame-o de maya, “ilusão” − e em torno do ego elas vão criando um mundo. . . diferente do mundo de qualquer outra pessoa. Somente elas vivem nesse mundo. Quando você abandona o ego, você abandona todo um mundo que você criou em torno dele. Pela primeira vez, você se torna capaz de ver as coisas como elas são, e não como você gostaria que fossem. E, quando você consegue ver a realidade dos fatos da vida, você se torna capaz de conhecer a verdade. (Osho) Adendo: No capı́tulo 2 fiz o alerta de que muito do que querem nos vender como sendo a verdade não passam de estéreis construções mentais. Encontrei em um livro sobre ocultismo∗ mais um exemplo das imposturas que estamos denunciando. Esse livro está recheado de construções engendradas, vou citar apenas um exemplo da matemática, ou pseudo matemática. Soma Teosófica (p. 55) Ela consiste em conhecer o valor teosófico de um número pela soma aritmética de todos os algarismos que se seguem à unidade até o número que se deseja conhecer. Exemplo: a soma teosófica de 4 é 10. Assim: 1+2+3+4 = 10. Outro exemplo: a soma de 7 é 28. Assim: 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 = 28. Ora, 28 se reduz dessa maneira a 2 + 8 = 10. Poderı́amos propor a um matemático, desse modo, a seguinte operação intrigante para ele: 4 = 10 7 = 10 portanto, 4 = 7. ∗ Tratado de Ciências Ocultas-I, Papus, Editora Três/ c 1984. 175 Gentil Essas operações são fáceis de aprender e são indispensáveis ao conhecimento dos escritos herméticos. O autor não dá nenhuma justificativa da razão desta última afirmativa. Ele prossegue com vários malabarismos aritméticos − dos quais pouparei o leitor. Apenas observo que se o leitor porventura conhece alguma aplicação cientı́fica séria da “soma teosófica” por favor queira me informar. Mais à frente o autor afirma: (p. 111) “Pitágoras designava Deus por 1, a matéria por 2, e exprimia o universo pelo número 12, que é a reunião dos dois outros. Esse número se formava pela multiplicação de 3 por 4. Assim, esse filósofo concebia o mundo como composto de três mundos particulares que, encadeados um ao outro em meio a quatro modificações elementares, desenvolviam-se em doze esferas concêntricas. [. . . ]” Então, aqui apenas observo que o número 12 também “se forma pela multiplicação de 2 por 6”, . . . o que significa que os 2 braços de Hércules trabalhando 6 horas por dia sem parar resultam nos 12 trabalhos de Hércules. Mais uma vez, Construções Mentais! Elaborações Mentais! Combinações Mentais! Masturbações Mentais! Para finalizar este adendo farei uma breve citação de uma festejada obra do ocultismo∗ mundial: (p. 152) “O número 7”, diz a Cabala, “é o grande número dos Mistérios Divinos”. O número 10 é o de todos os conhecimentos humanos (a Década pitágorica); 1.000 é a terceira potência de 10; e, portanto, o número 7 é igualmente simbólico. Na Doutrina Secreta, o número 4 é o sı́mbolo masculino apenas no plano mais elevado da abstração; no plano da matéria, o 3 é o masculino e o 4 o feminino − a linha vertical e a horizontal no quarto grau do simbolismo, em que os sı́mbolos se convertem em signos dos poderes geradores no plano fı́sico. [. . . ] Então, o coitado do Pitágoras deve está se revolvendo no túmulo por tantos disparates que lhe são atribuidos. Volto a perguntar: qual a contribuição destas “Ciências Ocultas” à humanidade? A autora não justifica por que “o número 10 é o de todos os conhecimentos humanos.” Uma última citação de A Doutrina Secreta (p. 183). Dentro de um con∗ A Doutrina Secreta, de Helena Petrovna Blavatsky/vol. I, Cosmogênese. 176 texto “hermético” a autora faz uma citação da “Medida de um Homem” e de seu valor numérico (cabalı́stico), cita ela que no capı́tulo IV do Gênesis. É chamada a Medida do “Homem igual a Jehovah”, obtendo-se da seguinte maneira: 113 × 5 = 565; e o valor de 565 pode ser enunciado sob a forma 56, 5 × 10. Aqui o número do Homem, 113, se converte em um fator de 56, 5 × 10, e a leitura (cabalı́stica) desta última expressão é Jod, He, Vau, He, ou Jehovah. . . O desdobramento de 565 em 56, 5 × 10 tem por fim demonstrar como o princı́pio masculino (Jod) emanou do feminino (Eva); ou, por assim dizer, como o elemento masculino nasceu de uma fonte imaculada. Em outras palavras: uma imaculada conceição. O que fazer com tanta “exuberância”? pelo visto só nos resta nos retirarmos à nossa insignificância. E o pior é que existem discı́pulos que acabam por se convencer que estes são conhecimentos elevados demais para que possam ser assimilados numa primeira leitura! . . . Pasmém! Independente de quaisquer justificativas (desculpas) é o que eu disse: todo autor tem por obrigação esforçasse para se fazer compreendido, não é o que constatamos nos autores ocultistas, simplesmente, sem mais nem menos, atiram suas afirmações estapafúrdias na cara do leitor; ele, se for inteligente, que se desvie. A minha tese é a de que todas estas “prestidigitações” encontram-se disseminadas em todas as religiões (inclusive veladas sob os “rituais”); e isto, dá sustentação a toda uma hierarquia parasita, e infla o ego dos lı́deres; não é difı́cil ver isto − desde que não se seja cego, claro. (fecha Adendo) Retomando: Pois bem, após o diálogo que tive com o referido instrutor da Gnose me pus a refletir e procurar entender o por que de sua reação defensiva a argumentos tão claros como os que lhe expus. Cheguei a algumas conclusões. Por exemplo, essas pessoas dedicam anos e anos de suas vidas (10, 20, 30, etc.) a acreditarem e ensinarem sobre determinados dogmas; pregam a seus filhos, cônjuges, vizinhos e amigos, etc − sem falar que muitos tiram daı́ o próprio sustento e de suas famı́lias. Ademais, existe em grande medida a questão do ego, são lı́deres, pastores, padres, instrutores, etc. o que lhes confere status e admiração por parte de suas simplórias ovelhas − são inflados de ego. De repente, se deparam com a dura realidade de que passaram anos e anos se alimentando de fantasias, seus castelos de sonhos foram construidos sobre a areia; muitos, por uma questão de sobrevivência do próprio ego, escolhem continuar vivendo as fantasias em que sempre acreditaram − elas já fazem parte do seu próprio ser. Foi o que conseguiram pintar em suas telas (consciência), com seus pincéis, durante anos e anos. 177 Gentil Eles estão repetindo a mesma atitude de alguns “sábios” contemporâneos de Galileu que simplesmente se recusaram a olhar os céus pelo telescópio para não verem seus castelos de ilusões desmoronarem. Um buscador está sempre pronto a Minha tese é a de que muitos dos mudar, mas um seguidor é teimoso, in- praticantes destas “ciências esotéricas” flexı́vel. Diante da luz, preferirá cerrar (ciências ocultas) podem ser enquadra- os olhos em vez de vê-la, pois ele investiu dos na categoria de fósseis vivos. muito. (Osho) No que me toca, e após detidas reflexões, tomei como lema sempre desconfiar das “ciências ocultas” ou esotéricas − a bem da verdade foi assim que me programei para detectar fissura nas estruturas −, penso que o que é bom, o que é verdadeiro, deve ser compartilhado com todos, sem escamoteções, sem engôdos; de maneira clara e objetiva. Os cultores destas “ciências” estão para os alquimistas da Idade Média como estes estão para os quı́micos de nossos dias − são verdadeiros fósseis vivos. Para contextualizar, há não muito tempo atrás assisti a uma palestra gnóstica na qual o palestrante afirmou que quando dormimos a alma sai do corpo mas ligada por um cordão de prata e que se eventualmente um ônibus atropelar o cordão não há nenhum problema posto que o mesmo é muito flexı́vel. Raciocinei: Ora, sendo assim o “lado de lá” está mais atrasado que o “lado de cá” − tecnologicamente falando −, deste lado os objetos são ligados inclusive através de ondas eletromagnéticas, é o que ocorre quando você se conecta à sua televisão com o auxı́lio de um controle remoto. Um artista tem consciência de que sua arte (literatura, música, pintura, escultura, etc.) − em muitos casos − é ficcional, é um produto de sua mente; como uma construção artı́stica não vejo problema nenhum, uma vez que o artista tem consciência disto e não tenta enganar as pessoas dizendo tratar-se da realidade tal como ela é. O problema está em que as religiões, notadamente as deste gênero, vendem os seus desvarios como sendo a pura realidade . . . não posso assistir a tudo de braços cruzados. O dirigente gnóstico me disse (insinuou) que eu deveria empregar meu tempo em algo mais produtivo do que perdê-lo em escrever este livro − pois que tudo iria continuar como está, e me citou o exemplo do Edir Macedo que foi denunciado (abraçando dólares) em Rede Nacional e suas igrejas continuam lotadas. Em parte ele tem razão, infelizmente a cegueira espiritual se alastra em todos os quadrantes da sociedade, principalmente entre os que se encontram nestas religiões. No meu entendimento, a pior das moléstias não é a lepra fı́sica, esta Jesus curava em seu tempo e a ciência cura hoje, é a cegueira espiritual, esta nem Jesus curou em seu tempo e nem a ciência hoje em dia. Entretanto creio firmemente no que o sábio profetizou: 178 A religião de amanhã se unirá à ciência e deverá se basear em postulados racionalmente demonstrados, se quiser ser aceita. (Pietro Ubaldi) Observo que este amanhã já chegou, ele vem sendo preparado desde Espinosa com sua obra prima “Ética Demonstrada pelo método geométrico”∗ passando pela fı́sca quântica (ver [7]) e posso também incluir este meu trabalho como uma contribuição neste sentido. Creio ademais, na sábia observação que diz “Quando o discı́pulo está pronto, o mestre aparece ”, e o mestre pode aparecer de várias formas, inclusive na forma de um livro. Mas, sómente aos que “estão prontos ”, um indivı́duo que vira as costas a qualquer ensinamento, sem examiná-lo com isenção, é porque ainda não está pronto, para estes o mestre não aparece. O valor de uma nossa aquisição é proporcional ao esforço despendido na sua conquista† . Me parece ser esta uma lei da natureza. Os que não se esforçam por adquirir autonomia espiritual − os indolentes que têm preguiça de raciocinar e transferem este ofı́cio a outrem − recebem como castigo uma eterna dependência de seus respectivos algozes (lobos tosquiadores), é o que se observa em igrejas e templos, não tenho dúvidas que a estes se aplica: Porém não vos tem dado o Senhor um coração para entender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até o dia de hoje. (Dt. 29 : 4) Voltando a um ponto anterior (“má vontade” do gnóstico para enxergar o óbvio, o sol) lembrei da parábola do jovem rico: E eis que, aproximando-se dele um jovem, disse-lhe: Bom Mestre, que bem farei, para conseguir a vida eterna? [. . .] Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem e segue-me. E o jovem, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque possuı́a muitos bens. (Mt 19 : 16, 21 − 22) De igual modo sucede com os que se encontram dentro destas religiões: são possuidores de muitos “bens ”, e, assim como o jovem “rico” da parábola quando a realidade bate às suas portas, quando seus barcos ameaçam soçobrar, ao invés de se desfazerem de suas tralhas e cacaréus para salvarem suas vidas . . . batem tristes em retirada. Na verdade, na verdade vos digo que, Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não se o ego, encarnando na terra, não mor- morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá rer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito muito fruto. (Jo 12 : 24) fruto. ∗ (Paráfrase) O Livro Ética demonstrada pelo método geométrico tem uma estrutura baseada no modelo geométrico do matemático Euclides. † Exceção feita a algumas conquistas “amorosas”. 179 Gentil Acredito que o matemático desenvolva um “sentido” irredutı́vel à visão, à audição e ao tato, que lhe permite perceber uma realidade tão palpável quanto, mas bem mais estável que a realidade fı́sica, pois não localizada no espaço-tempo. (Alain Connes) ∗ ∗ ∗ Um texto para reflexão O episódio descrito a seguir − bom para reflexão − revela a situação pusilânime de muitos religiosos de periferia tais como: padres, pastores, ovelhas, “mestres”, etc. Um monge jaina me procurou. Disse que fora um monge jaina durante trinta anos. “Hoje eu sei que escolhi um caminho que não me serve, mas agora não posso abandoná-lo porque, se o abandonar, o que farei? Não tenho instrução. Fui iniciado no mosteiro quando ainda era uma criança. Estes trinta anos de vida monástica tornaram-me totalmente dependente dos outros. Não posso fazer nada; não posso fazer nenhum trabalho fı́sico. Eu sou tão respeitado! Até mesmo pessoas importantes vêm até mim e curvam suas cabeças. Se eu deixar de ser monge − e sei que agora isso não me serve − essas mesmas pessoas que hoje tocam os meus pés, não me empregarão nem mesmo como criado. Assim, o que posso fazer?” Há muito investimento. Todo o prestı́gio, respeito, honra, estão agora em jogo. Então eu lhe disse: “Se você é realmente um buscador, jogue tudo isso fora. Seja um mendigo ou um louco, mas não seja falso. Se você sabe que esse caminho não lhe serve, então abandone tudo aquilo que obteve através dele. Não seja falso, não seja inautêntico.” Ele disse: “Pensarei a respeito. Mas acho difı́cil.” Há três anos ele vem pensando a respeito. Não me procurou mais. Não me procurará. Ele é um seguidor, não um buscador. Um buscador abandona tudo no instante em que percebe que algo não lhe serve. Não há hesitação. [. . .] Seja um buscador, não um crente. (Osho/A Nova Alquimia, p. 47/Cultrix) Observe que muitos dos “crentes” são bem mais covardes que o monge jaina do nosso texto. Com efeito, o pobre monge foi iludido ainda criança e não adquiriu instrução para tornar-se independente, ao contrário de muitos “crentes” que, mesmo com outras alternativas de sobrevivência, não têm a coragem de deixarem suas tralhas e cacaréus para trás. É bem verdade que, em certos casos, o que falta não é coragem, o que lhes impede é o excesso de vaidade, são inchados de ego: “Eu sou tão respeitado! Até mesmo pessoas importantes vêm até mim e curvam suas cabeças.” Pelo ao menos em um ponto o pobre monge foi mais inteligente que os de outras religiões: ainda vivo se deu conta de que fora iludido desde criança. 180 5.4 O Alquimista O gênero literário do consagrado escritor Paulo Coelho é esoterismo (ocultismo), o que evidentemente tem a ver com o tema por nós abordado. Em toda minha vida pregressa li, há muitos anos, um único livro do referido autor. Há poucos dias um amigo me traz a notı́cia sobre o último livro do Paulo Coelho: O ALEPH. Me dizia esse amigo que tinha a ver com matemática e, de fato, na matemática a letra aleph (ℵ), do alfabeto hebraico, denota uma espécie de infinito. Fiquei curioso e pedi o livro emprestado para ler. O livro é o relato de uma viagem de trem que o autor fez pela ferrovia Transiberiana partindo de Moscou até Vladivostok (9.288 km). De inı́cio percebi que o Aleph de Paulo nada tem a ver com o da matemática. O Aleph do autor “é um ponto que contém todo o Universo”; ou ainda, em suas próprias palavras: “Estou no Aleph, o ponto onde tudo está no mesmo lugar ao mesmo tempo”. Pelo que entendi − se é que entendi − este era um ponto dentro do trem e que tinha a propriedade de transportar Paulo Coelho a outras vidas passadas. Vou me permitir uma análise de alguns poucos pontos que me chamaram a atenção no referido livro − deveras me surpreenderam. A primeira coisa que me chamou a atenção no livro foi o fato de que até hoje o consagrado autor ainda não tenha encontrado seu próprio caminho − não obstante suas inúmeras peregrinações ao redor do mundo. Na orelha de seu livro lemos: Em 2006, com profundas dúvidas em relação à sua fé e sentindose infeliz, Paulo coelho busca a orientação espiritual de seu mestre e ouve o seguinte conselho: “Está na hora de sair daqui, reconquistar seu reino.” Pra começar não entendo como um infeliz “tem sua obra publicada em mais de 150 paı́ses e traduzida em 71 idiomas.” Estaria a humanidade doente? Veja um trecho do diálogo entre Paulo e seu mestre J.: − Vou lhe dizer o que você sente − continua J. − Que tudo o que aprendeu não lançou raı́zes, que é capaz de mergulhar no universo mágico, mas não consegue ficar submerso nele. Que talvez tudo isso não passe de uma grande fantasia que o ser humano cria para afastar seu medo da morte. Paulo responde: As minhas questões são mais profundas: são dúvidas de fé. Tenho uma única certeza: existe um universo paralelo, espiritual, que interfere neste mundo em que vivemos. Fora isso, todo o resto − livros sagrados, revelações, guias, manuais, cerimônias −, tudo isso me parece absurdo. E, o que é pior, sem efeitos duradouros. (p. 15) Gentil 181 Estou de acordo com o mestre de Paulo, ou melhor, tenho a certeza do que ele duvida, de fato “tudo isso não passa de uma grande fantasia”. Reflita caro leitor sobre as palavras de Paulo: Tudo isso que lhe parece absurdo e sem efeitos duradouros é precisamente o que ele tem vendido em seus livros. A prova é que para ele próprio seus devaneios não servem de nada, veja: “Em 2006, com profundas dúvidas em relação à sua fé e sentindo-se infeliz, Paulo coelho busca a orientação espiritual. . . ”. Em dado momento do diálogo o mestre J. retruca a Paulo: (p. 16) − Não diga bobagens, por favor. Não me faça acreditar que realmente tem razão e que não aprendeu nada durante esses 24 anos que passamos juntos. Um outro ponto que muito me chamou a atenção no livro é que os ensinamentos de Paulo resumem-se a velhos chavões desbotados, por exemplo: − Apenas duas coisas podem revelar os grandes segredos da vida: o sofrimento e o amor. Um dos grandes segredos da vida − equivalência entre massa e energia − nos foi revelado por Einstein: E = m c2 . Nunca ouvi dizer que para a dedução desta fórmula tenha sido necessário o cientista sofrer ou amar. Não são condições nem necessárias e nem suficientes. Veja um outro chavão: − Se buscamos alguma coisa, essa coisa também está nos buscando. A dar crédito a essa “pérola de sabedoria” de Paulo Coelho: estou buscando a miss Brasil, será que a miss Brasil também está me buscando? Não observei densidade em seus ensinamentos, são triviais e superficiais. Uma outra surpresa que tive ao ler o Aleph é que Paulo Coelho ainda hoje é dependente do fumo e do álcool, por exemplo: − Fumei alguns cigarros junto com o grupo de pessoas para atravessar a estreita porta que leva ao próximo vagão. (p. 229) Nessa viagem de Paulo três leitores de seus livros o acompanhavam como convidados, em dado momento um dos discı́pulos torna-se conselheiro do mestre (ou ı́dolo), veja: Pedimos que tragam bebidas. Um dos leitores nos recomenda cautela, aquilo é uma mistura de vodca da Mongólia e da Sibéria e no dia seguinte teremos que aguentar as consequências. Mas todos estão precisando beber para aliviar a tensão. Viramos o primeiro copo, o segundo, e antes que a comida chegue já pedimos outra garrafa. Finalmente, o leitor que nos alertou sobre a vodca decide que não irá ficar sóbrio sozinho e entorna três doses seguidas, enquanto todos nós aplaudimos. (p. 188) O resultado não poderia ser mais desastroso, no dia seguinte o autor se lamenta: “Sinto uma insurportável dor de cabeça por causa da vodca mongol-siberiana, apesar de todos os comprimidos e antiácidos ”. 182 Talvez isso ajude a explicar por que o mestre de Paulo lamenta: “Não me faça acreditar que realmente tem razão e que não aprendeu nada durante esses 24 anos que passamos juntos.” O que está em perfeita sintonia com o que assevera um outro mestre espiritual: Como pode alguém que esteja escravizado aos sentidos apreciar o mundo? Enquanto rasteja na lama primordial, as nuanças sutis da vida permanecem fora do seu alcance. O homem afeito às paixões primitivas perde o refinado senso de discernimento. (Yogananda) Espiritualidade primitiva Paulo Coelho relata em seu livro um ritual que fez em uma igreja, juntamente com uma sua companheira de viagem: Eu a levo pela mão até o interior. Não é a primeira vez que entro em uma igreja ortodoxa. Nunca aprendi direito o que devia fazer, além de acender finas velas de cera e rezar para os santos e anjos me protegerem. [. . .] Vou até uma senhora sentada em um canto, compro quatro velas, acendo três diante da imagem que me parece ser a de São Jorge e peço por mim, pela minha famı́lia, pelos meus leitores e pelo meu trabalho. [. . .] (p. 147) Devo presumir que nos outros livros de Paulo constam outros rituais do gênero. Quando um neófito lê estes relatos é induzido a concluir que o mago deve ser alguém de elevada espiritualidade − pelo ao menos é isso o que ele tenta demonstrar. Na minha leitura o mago Coelho é um charlatão da espiritualidade. Isso mesmo, estes seus rituais a mim provam exatamente o oposto do que ele gostaria de transmitir aos incautos: trata-se de um frustrado no universo espiritual. Não é difı́cil provar isso. A religião de Paulo é a descrita à p. ??. Não apenas por ele ser católico − devoto de santos − sua prática dar-se a nı́vel de ensino fundamental. Podemos considerá-lo um fóssil vivo. Veja, ele mesmo assevera: “Fora isso, todo o resto − livros sagrados, revelações, guias, manuais, cerimônias −, tudo isso me parece absurdo. E, o que é pior, sem efeitos duradouros. (p. 15) Em seu livro consta que Paulo Coelho sofre de depressão e “Em 2006, com profundas dúvidas em relação à sua fé e sentindo-se infeliz. . . ” Com 59 anos de idade (Paulo nasceu em 1947) penso que já era hora do autor ter se encontrado em suas buscas espirituais. Se ele fosse inteligente, ou sincero, já deveria ter desconfiado do caminho que escolheu. Já disse, e volto a repetir, a verdadeira religiosidade já foi preconizada por Jesus a milênios em Jo 4 : 23 − 24. O homem, quando chega a certa altura de sua evolução espiritual não Gentil 183 precisa se apegar a nenhum santo, não precisa ser um pedinte, um indigente. Sua relação é direta com Deus: “porque o Pai procura a tais que assim o adorem.” (veja Jo 4 : 23 − 24) Tenho percebido − e não é difı́cil qualquer um perceber − que aqueles que praticam uma religião de mendicância, de pedir favores a santos, vivem num eterno estado de dependência; que é o caso do próprio Paulo Coelho, como se deduz de inúmeras passagens de seu livro. Com 59 anos de idade ele ainda ouve de seu mestre: “Não diga bobagens, por favor. Não me faça acreditar que realmente tem razão e que não aprendeu nada durante esses 24 anos que passamos juntos.” Ademais, ainda nem sequer conseguiu se libertar das algemas do fumo e do álcool − que é o be-a-bá da espiritualidade −, como um escravo pretende libertar outros escravos? Don Juan sexagenário Um outro ı́tem que muito me chamou a atenção no livro do mago Paulo é que ele tenha decidido compartilhar com seus leitores suas experiências de conquistador, no vagão em que viajava. Veja, no que vou transcrever a seguir não acho que esteja invadindo a privacidade do escritor uma vez que foi ele mesmo que decidiu escrever em seu livro − minha fonte. Juntamente com Paulo Coelho, na saı́da de Moscou, embarcou uma turca de 21 anos para acompanhá-lo na viagem − uma exı́mia violinista, por nome Hilal, leitora de Paulo. Paulo, em dado momento da viagem, encontra-se com Hilal exatamente no “ponto Aleph” − que encontra-se no trem − e nesse ponto tem a visão de que numa vida passada Hilal fora apaixonada por ele. O mago descreve algumas cenas “calientes” em seu livro com o intuito de prender a atenção do leitor se ele faria ou não sexo com sua acompanhante, por exemplo: − Hilal está do lado de fora, de camiseta vermelha e calças de pijama. Sem dizer nada, entra em meu quarto e deita-se na cama. Deito-me ao seu lado. Ela chega perto, e eu a abraço. − Onde você esteve? − pergunta. “Onde você esteve” é mais que uma frase. Quem pergunta isso também está dizendo “senti sua falta”, “Gostaria de estar com você ”, “Você precisa me dar satisfação de seus passos ”. Eu não respondo, apenas acaricio seus cabelos. [. . .] Quando meus olhos se acostumam com a claridade, eu posso vê-la completamente nua, os braços abertos, com o violino e o arco nas mãos. [. . .] [. . .] Comento que aquela menina tinha pelos púbicos e a que está agora diante de mim raspou os seus − algo que considero abominável, como se todos os homens buscassem sempre uma criança para ter relações sexuais. Peço que nunca mais faça isso, ela promete que jamais tornará a raspá-los. 184 Numa certa estação a companheira de Paulo parece se interessar por um jovem de sua idade, ele escreve: O rapaz e Hilal estão segurando um no outro, a um passo de um beijo. Mesmo que não estejam perto, sei que meus companheiros de viagem estão preocupados com aquilo − talvez eu não esteja gostando. Paulo se aproxima e o rapaz pergunta se a moça é namorada dele, ao que o escritor responde: Sou apaixonado por ela há pelo ao menos 500 anos. Mas a resposta é não: ela está livre e solta como um passarinho. . . Hilal parece não ter gostado: Que bobagem é essa que você está dizendo? Acha que preciso de alguém para arranjar um homem para mim? O rapaz confirma que tem um jantar com a famı́lia, agradece e vai embora. [. . .] Nesse momento o intérprete de Paulo (Yao) aproxima-se e dá uma lição de moral no escritor. − Permita-me comentar uma coisa − diz Yao enquanto cruzamos a rua. − Você agiu errado com ela, com o rapaz e com você mesmo. Com ela, porque não respeitou o amor que sente por você. Com o rapaz, porque é seu leitor e sentiu-se manipulado. E com você mesmo, porque foi motivado apenas pelo orgulho de querer mostrar que é mais importante. Se fosse por ciúme, estaria desculpado, mas não foi. Tudo o que quis foi mostrar aos seus amigos e a mim que não está dando o menor valor para nada, o que não é verdade. Paulo continua sua narrativa: Eu concordo com a cabeça. Nem sempre o progresso espiritual vem acompanhado de sabedoria humana. Permita-me um aparte. Discordo do pobre mago, penso que o verdadeiro progresso espiritual sempre vem acompanhado de sabedoria. O que acontece é que talvez o progresso dele não tenha sido tanto quanto ele supõe. É possı́vel que seu mestre J. tenha razão ao proferir: “Não me faça acreditar que realmente tem razão e que não aprendeu nada durante esses 24 anos que passamos juntos.” Como disse, Paulo mantém suspense do inicio ao fim do seu livro sobre se fará ou não amor com Hilal − não obstante as inúmeras investidas por parte da ninfeta. Ele sempre se safa dizendo-lhe que é casado e que ama sua esposa. Ao final lemos: (p. 224) Ela se levanta e começa a tocar. O céu escuta a música, os anjos descem para assistir junto comigo àquela mulher nua que às vezes fica parada, às vezes balança seu corpo acompanhando o instrumento. Eu a desejei e fiz amor com ela, sem tocá-la e sem ter orgasmo. Não porque eu fosse o homem mais fiel do mundo, mas porque essa era a maneira de nossos corpos se encontrarem − com os anjos assistindo a tudo. Gentil 185 Fiquei sem entender direito. Fazer amor sem tocar deve ser tipo aquela experiência dos jovens conhecida como ejaculação precoce, não? Paulo Coelho deveria ter advertido seus milhares de leitores: Não tente fazer isso em casa: ignore os anjos. Ora, mas sendo o Aleph “um ponto que contém todo o Universo”, não poderia faltar o reverso da medalha. Na hora da despedida o mago imaginava que sairia ileso: − Volte para a sua mulher! Volte para aquela que sempre esteve ao seu lado nos momentos fáceis e difı́ceis! Ela é generosa, meiga, tolerante, e eu sou tudo aquilo que você detesta: complicada, agressiva, obsessiva, capaz de tudo! − Não fale assim de minha mulher! De novo estou perdendo o controle da situação. − Falo o que quiser! Você nunca teve controle sobre mim e nunca terá ! [. . .] − Alegre-se porque ninguém tem controle sobre você. Celebre o fato de que teve coragem, arriscou sua carreira, partiu em busca de aventura e a encontrou. Lembre-se do que eu disse no barco: alguém acenderá o fogo sagrado para você. Hoje já não são mais suas mãos que tocam o violino, os anjos estão ajudando. Permita que Deus use suas mãos. A amargura desaparecerá cedo ou tarde, alguém que o destino colocou no seu caminho irá finalmente chegar com um ramo de felicidade nas mãos e tudo correrá bem. Será assim, mesmo que neste momento você se sinta desesperada e ache que estou mentindo. Tarde demais. Falei as frases erradas, que podiam ser resumidas em uma só: “Cresça menina.” De todas as mulheres que conheci, nenhuma delas aceitaria aquela desculpa idiota. Hilal pega um pesado abajur de metal, arranca-o da tomada e parte em minha direção. Eu consigo agarrá-lo antes que me atinja a face, mas ela agora me espanca com toda força e fúria. Jogo o abajur a uma distância segura e tento segurar seus braços, mas não consigo. Um soco atinge meu nariz, o sangue espirra por todos os lados. Eu e ela estamos cobertos de meu sangue. [. . .] Em um outro contexto da despedida Hilal responde a Paulo: − Você não entende o que estou sentindo. Você é um egoı́sta, achando que o mundo lhe deve muita coisa. Eu me entreguei por completo e mais uma vez sou abandonada no meio do caminho. (p. 240) − Não adianta discutir, mas sei que aquilo que disse terminará acontecendo. Tenho 59 anos; ela 21. Em alguns momentos não acreditei no que lia e me questionei se muitas 186 das narrativas do autor não eram ficções . . . não eram, ele escreve em uma Nota: Durante o processo de escrita deste livro, Hilal me enviou dois e-mails dizendo que havia sonhado que eu contava a nossa história. O sábio tem inteira razão ao afirmar: “O homem afeito às paixões primitivas perde o refinado senso de discernimento”. Observe, se tudo isso fizesse parte de um romance e se o o autor fosse Nelson Rodrigues eu entenderia por que esse foi o gênero que ele escolheu, entretanto, até então eu supunha que o gênero de Paulo fosse espiritualidade, pelo ao menos é com esse rótulo que ele se apresenta; no meu entendimento há uma incompatibilidade, caso ele assuma trocar de gênero, está perfeito − retiro tudo que disse. Tenho dito, fui programado para detectar fissura nas estruturas, e esta kilométrica fissura atravessa 150 paı́ses − não tenho dúvidas de que a humanidade encontra-se doente. Assim como existem músicas e lixos − artes e lixos em geral −, também existem literaturas e lixos. E quando esse tipo de literatura chega a se imortalizar na Academia Brasileira de Letras só temos a lamentar e nos envergonhar por isto. Em Paulo Coelho temos um perfeito modelo daquilo que venho denunciando à exaustão nesse livro: Esse é o resultado de uma espiritualidade de mentirinha, de faz de conta. Reitero as palavras do mestre de Paulo: “Não me faça acreditar que realmente tem razão e que não aprendeu nada durante esses 24 anos que passamos juntos.” Essas palavras não são minhas, mas sim de quem conviveu com Paulo por décadas, conhece-o melhor do que ninguém, sabe do que está falando. Há uma passagem na trajetória de Jesus que tenho visto se repetir todos os dias entre os homens de má vontade, diz ela: Novamente o Diabo o levou a um monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles; e disse-lhe: Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares. (Mt 4 : 8 − 9) Esse Diabo nada mais é que o ego que todo homem trás dentro de si. Se o mestre Jesus não se prostrou e adorou a “antiga Serpente”, no entanto observo isto acontecer todos os dias frente a meus olhos, notadamente entre: polı́ticos, pastores, padres e “ocultistas” de modo geral − a exemplo de Samael e Paulo Coelho. Estes são verdadeiros alquimistas! . . . conseguiram transformar “argila” em ouro! (Ap 3 : 17 − 18) Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta, e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu, Aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te en- Gentil 187 riqueças, e vestidos brancos, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez; e que unjas os teus olhos com colı́rio, para que vejas. “Em 2006, com profundas dúvidas em relação à sua fé e sentindo-se infeliz, Paulo Coelho busca orientação espiritual. . . ” Uma mentira repetida 1000 vezes torna-se uma verdade Tive a oportunidade de confirmar − ao vivo e a cores − esse ditado popular muito recentemente. Conheci um praticante de Cabala e Tarot que esteve me falando sobre um tal de “mapa cabalı́stico” e sobre algumas cartas de Tarot. Ao ouvı́-lo atentamente cheguei à indubitável conclusão: Tudo fantasia! Tudo criação da mente, conclusões engendradas por mentes enfermas para iludir os incautos. Ao ler Paulo Coelho e Samael, e aqui podemos incluir em um mesmo pacote as fantasias de padres e pastores evangélicos, temos um exemplo vı́vido do que significa: Uma mentira repetida mil vezes adquire status de verdade. Como se diz de outra parte, “o feitiço vira-se contra o próprio feiticeiro”, pois de tanto repetir suas mentiras aos incautos eles próprios passam a acreditar nelas! Qual padre ou pastor não acredita em um tal de pecado original? Qual padre ou pastor não acredita em que o homem deve se salvar da ira de um Deus vingativo? Qual padre ou pastor não acredita em um Deus que preparou um inferno para queimar eternamente algumas de suas criaturas? − menos eles, claro. É nesse sentido que eles próprios tornam-se vı́timas de suas mentiras apregoadas por séculos. É o que chamo de verdadeiros fósseis vivos! Eles próprios caem na arapuca que armaram pois, como disse, passam a acreditar em suas mentiras. A prova do que digo está estampada em suas próprias faces: são dissimuladores, são hipócritas e infelizes. Os pastores distorcem descaradamente a Bı́blia para roubarem, isto prova que a religião deles, pelo ao menos para eles próprios não serviu de nada. Os padres, embora menos desonestos, muitos são tolos em acreditar nas mentiras que ouviram desde os tempos de seminário, perderam a capacidade do raciocı́nio, de análise. Paulo Coelho chega aos 59 anos de idade “com profundas dúvidas em relação à sua fé e sentindo-se infeliz ”, Samael da gnose entra para a história como um dos maiores farsantes e mentirosos que já passaram por este planeta. Assim como o tempo se encarregou de varrer as estruturas imperiais da história, de igual modo sucede a toda fantasia. Este é o saldo da mentira que de tanto pregarem aos outros acabaram acreditando nela. De todos eles, considero Paulo Coelho como o mais inteligente haja vista que, ainda vivo, começou a duvidar de sua fé. 188 Finalizando, desejo exprimir a esperança de que . . . a matemática possa servir agora como modelo para a solução de muitos problemas de nossa época: revelar um objetivo religioso supremo e avaliar o significado da atividade espiritual da humanidade. (I.R. Shafarevich) Nota: Com este livro pretendemos ter dado uma pequena contribuição para a realizaçẽo do sonho do matemático Igor Shafarevich. Eu agradeço os primores que eu re- O poeta inicia sua prece cebo eu agradeço e só posso agradecer. . . Ponteando em cordas e lamentos Escrevendo seus novos mandamentos (Mário/D. Deolinda) Na fronteira de um mundo alucinado Um ser divino transformado em Cavalgando em martelo agalopado lı́quido vem acordar o nosso espı́rito. E viajando com loucos pensamentos (Odemir Raulino) (Canção Agalopada/Zé Ramalho) Nota: A citação de Weeler na página 129 a retirei do livro Mentes Interligadas, p. 149, de Dean Radin − Editora Aleph. ∗ ∗ ∗ Pablo Amaringo Pablo Amaringo Desejo deixar registrado aqui minha incomensurável gratidão à minha mestra planta e planta mestra, ayahuasca, por esse trabalho conjunto − um exemplo de hierarquia entrelaçada. Não sem algum denodo, e até deleite, tenho tentado cultivar em meu espı́rito uma pequena nesga de iconoclastia. (Gentil, o Iconoclasta) Boa Vista-RR/19.01.2012 a 17.03.2012//22.05.2012 a 11.06.2012 Referências Bibliográficas [1] Russel, Bertrand. Porque Não Sou Cristão. c 1957. Publicação Eletrônica. Tradução: Brenno Silveira. Livraria Exposição do Livro c 1972. [2] Rohden, Huberto. O HOMEM (sua natureza, sua origem e sua evolução). Ed. Alvorada, 1983. [3] Osho. Sarcedotes e polı́ticos: a máfia da alma. Tradução de Osho Commune International. São Paulo: Ícone, 1993. [4] Galvez, Marcelo Malheiros A Potência do Nada: O Vazio Incondicionado e a Infinitude do Ser. Brası́lia: Editora Teosófica, 1999. [5] Ehrman, Bart D. O problema com Deus. Tradução de Alexandre Martins. Rio de Janeiro: Agir, 2008. [6] Ehrman, Bart D. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? : quem mudou a Bı́blia e por quê. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Prestı́gio, 2006. [7] Goswami, Amit. Deus não está morto: evidências cientı́ficas da existência divina. Tradução Marcello Borges. São Paulo: Aleph, 2008. [8] Zohar, Danah Sociedade quântica: a promessa revolucionária de uma liberdade verdadeira. Tradução de Luiz A. de Araújo. Rio de Janeiro: BestSeller, 2006. [9] Simone Manon. PLATÃO. Tradução Flávia Cristina. São Paulo: Martins Fontes, 1992. (Universidade hoje). [10] O taumaturgo, Gentil. O Tao da Matemática: Uma Construção Matemática de Deus. Rio de Janeiro: LetraCapital Editora, 2011. 189 Índice Remissivo A equação divina, 86 A Potência do Nada O homem uma obra aberta, 110 O Vazio no indivı́duo, 112 Possibilidades contraditórias, 134 Tempo linear, 130 Tudo está na mente, 73 Um puro Nada, 78 Vazio, origem de Tudo, 78 Aberração, 106 Alain Connes, 53 Amit Goswami A consciência é a base, 127 Causalidade, 124 Chamadas de nada, 132 Nada para processar, 134 Segundo advento, 37 Teorema de, 117 Biô (quadro), 136 C.G.Jung, 54, 135 Célula da dualidade, 150 Condensado de Bose-Einstein, 112 Confúcio, 86 Corão, 106 Criação emanatista, 125 Danah Zohar É tarefa de nossa época, 60 A caminho do Absoluto, 139 Clifford, 128 Deus na fı́sica, 80 Pietro Ubaldi, 145 Vácuo e Consciência, 112 Bahá’ u’ lláh Vácuo≡Mar, 128 É como um remédio, 23 Deus Converter força satânica, 96 Amor incondicional, 130 Existe dentro do homem, 96 Antes do Prisma, 77 Num globo amarelo, 76 Concepção Cientı́fica, 127 Bart D. Ehrman, 94, 104, 105, 118 de Plotino, 125 Bertrand Russel Eu sou como você me faz, 135 Pessoas que se curvam, 34 Na fı́sica, 80, 133 Argumento da causa primeira, 123 O Retrato, 88 Imparcialidade, 101 Deus-Parens, 9 Intolerância pelo mundo, 34 Chamou um golfinho, 19 Menosprezar a si próprias, 29 Não é o das preces, 101 Mundo, trapalhada, 117 Não sobre nem o pó, 12 Pouca oposição, 28 Um mar de lama, 18 Questões morais, 37 Se comparardes Jesus, 43 Einstein × Tagore, 81 190 191 Gentil Enéadas, 126 Epicuro, 121 Equação Bı́blica, 103 Espinoza Ética, 178 Deus não ama, 55 Fı́sica quântica, 64 Fósseis vivos, 94, 177 Fritjof Capra, O Tao, 97 Gaston Bachelard A reforma de uma ilusão, 41 Não vamos pois hesitar, 79 Nunca é jovem. . . , 38, 71 O real se cristaliza, 21 Gentil A mente possui. . . , 110 Coração de um profeta, 86 Equação divina, 111 Espaço curvo, 145 Fórmula, 154 Fissura, 155 Foto, 86 Iconoclastia, 188 Georg Cantor, 53 Hammed, 36 Heisenberg, 143 Helena Blavatsky, 175 Hierarquia entrelaçada, 89 Huberto Rohden Crear e Criar, 125 Deus como Lei, 126 Incompleto sem o homem, 130 Ilusão de ótica, 17, 20, 42, 117 Ilya Prigogine, 129 Irmãos Karamazov, 47 Isaı́as Como os mortos, 55, 122 Pasmai, e maravilhai-vos, 25 Jeová Aroma, 120 Bebidas alcoólicas, 120 E crio as trevas, 12 Espı́ritos mentirosos, 120 Estaria mentindo?, 11 Sacrifı́cio humano, 121 Sacrifica Animais, 120 Sanha assassina, 120 Suspeito, 11 Jesus Aprisiona, Cristo liberta, 97 Jesus e Cristo, 96 Jimena e Irina, 82 John Wheeler, 129, 188 Idéias simples, 127 José Ingenieros Considerados santos, 46, 63 Kant Aparelho perceptivo, 104 Krishnamurti, 53, 149 Léon Bonaventure, 38, 42 Lao Tsé, 78 Marcelo Gleiser A fı́sica é fruto da mente, 84 Tem de ser abandonada, 90 Masturbação, 26, 36, 56 Matéria a partir do nada, 79 Maurits Escher, 89 Mestre Eckhart, 15 Miki Nakaiama, 10, 101 Modelos atômicos, 71 Montesquieu, 98 Mouni Sadhu, 157 Nem vós entrais. . . , 30 Nietzsche Convicções são prisões, 7 Da mordida da vı́bora, 43 Desculpa de Deus, 131 Epiléticos das idéias, 61 Homem que cria os valores, 104 Humano, demasiado., 104 Indecente ser crente, 33 Mania de grandeza, 56, 68 192 Meio a meio, 26 Não julgueis, 56 Ninguém tem a livre-escolha, 93 O espectro se afastou, 122 O que é a verdade?, 40 Pascal, 99 Perspectivas, 50 Ponta dos pés, 105 Processos de bruxaria, 14 Rapinante, 59 Se nos demonstrassem, 40 Uma chama mais clara, 123 Noumeno e fenômeno, 83 O Pai × O Vazio, 133 O que é a Verdade?, 38 Ofudessaki, 10 Osho Ninguém realmente está vivo, 55 Buda hesitante, 41 Buda: vazio, suniata, zero, 133 Deus, criação individual, 113 Glorifica a escravidão, 63 Implosão acontece, 128, 153 Mundo criado pelo ego, 50 Não são só as drogas, 25 Nossa gente já está lá, 17 O Deus Jeová, 138 O ego é muito falaz, 174 O Tao, 97 Oficina do diabo, 134 Os sonhos são particulares, 40 Por falta de inteligência, 33, 39 Prefere cerrar os olhos, 177 Redentores escravidões, 28 Religiões. . . desaparecer, 147 Sacrifı́cio humano, 22 Testemunhas de Jeová, 139 Um monge jaina, 179 Um pássaro voando, 51 Papa Bento XV, 102 Papa Inocêncio III, 66 Para reflexão, 179 Pastor vendeu o sangue de Jesus, 47 Paulo Coelho, 180 Pedagogia, palmatória, 14 Peiote e Realidade, 85 Perfeição do Conjunto Vazio, 132 Pietro Ubaldi Danah Zohar, 145 Em suas fases primitivas, 92 Que o meu pensamento, 73 Tem que arrostar, 32 Plotino, 125 Pr Zacarias, 92 Primeira Eucaristia, 15 Provérbio chinês, 98 Raul Branco, 95, 96, 105 Richard Dawkins, 84 Rig Veda, 115 Samael Aun Weor Antolhos nos discı́pulos, 163 Cabeça sideral corpo astral, 162 Schopenhauer, 16, 49 Simone Manon, 58, 59 Deformamos o real, 45, 115 Sir Arthur Eddington, 154 Soffia e Érica, 102 Tela em branco, 173 Tenrikyo, 9, 11 Teorema de Russel, 117 Trilogia Em Minha forma mais pura, 135 Eu sou como você me faz, 135 lhes foi dito. . . , 89 Unidade dos cristãos, 35 Uno, o Deus de Plotino, 125 Vanini, 96 Voltaire, 54 Zen budismo Deus como um Nada, 67 Quem te acorrentou?, 19 Nietzsche (1844 - 1900) decretou a morte de Deus. O apóstolo Paulo certa feita afirmou em uma de suas epístolas que os homens haveriam de julgar os próprios anjos, neste livro vamos um pouco além do apóstolo e defendemos a tese de que já chegou a hora do homem julgar o próprio Deus!... Pasmém! Com efeito, se em nossos dias alguém pode ser condenado por maus tratos a animais, o que dizer de um Deus que promove o sacrifício de animais em rituais religiosos? O que dizer de um Deus cuja sanha assassina chega a exterminar “idosos, mulheres, crianças e animais”? E, finalmente, o que dizer de um Deus que aceita sacrifício humano? Estamos falando de um Deus? ... Sim senhor! Estamos falando do temível Deus de judeus e cristãos, o guerreiro Jeová. Se é verdade que cada povo tem o governo que merece não é menos verdade que cada povo tem o Deus que merece. Se nos 'demonstrassem' esse Deus dos cristãos, ainda acreditaríamos menos nele (Nietzsche). Gentil, o iconoclasta. Nasceu em Boa Vista-RR, em 1960; é graduado em engenharia eletrônica (UFPA/1986) e é mestre em matemática (UFSC/1997). Atualmente é professor do departamento de Matemática da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Versão em cores