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PRIMEIRA PARTE:
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A ANmOPOLOGIA NO QUADRO
DAS ClíllNCIAS
1. Cii\ncias Naturais e Ciências Sociais
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Nenhum filósofo ou teórico da ciência deixou de se preocupar
com as semelhanças e diferenças entre as chamadas «ciências
da natureza» ou «ciências naturais», com a Física, a Química,
a Biologia, a Astronomia etc., e as disciplinas voltadas para
o estudo da realidade humana e social, as chamadas «ciências
da sociedade», «ciências sociais», ou, ainda, as .ciências humanas.. Como tais diferenças são legião, não caberia aqui
arrolá-Ias ou indicá-las de um ponto de vista hist6rico. Isso
seria uma tarefa para um historiador da ciência e não para
um antropólogo. Apenas desejaria ressaltar, já que o ponto
me parece básico quando se busca situar a Antropologia
Social (ou Cultural) no corpo das outras ciências, que elas
em geral tocam em dois problemas fundamentais e de perto
relacionados. Um deles diz respeito ao fato de que as chamadas «ciências naturais» estudam fatus simples, eventos
que presumiveimente têm causas simples e são facilmente
isoláveis. Tais fenômenos seriam, por isso mesmo, recorrentes e sincrônicos, isto é, eles estariam ocorrendo agora mesmo, enquanto eu escrevo estas linhas e você, leitor, as lê.
A matéria-prima da «ciência natural», portanto, é_Jod!L j)
!lS oue se repetem e têm uma constância verque podem ser VIstos, Isolados '"
e condi ôes e con ale razoáveis
セオュ@
laboratório. por isso se IZ repetidame
que ッセ@
blema da ciência em geral não é o de desenvolver teorias,
mas Q de testá-lãs. E o teste que melhor se pode imaginar
17
e realizar é aquele que pode ser repetido indefinidamente,
até que todas as condições e exigências dos observadores
estejam preenchidas satisfatoriamente. Além disso, a simplicidade, a sincronia e a repetitividade asseguram um outro
elemento fundamental das «ciências naturais., qual seja: o
fato de que a prova ou o teste de uma dada teoria possa
ser feita por dois observadores diferentes, situados em locais
diversos e até mesmo com perspectivas opostas. O laboratório assegura de certo modo tal condição de .objetividade.,
um outro elemento crítico na definição da «ciência» e da
«ciência naturaI.. Assim, um cientista natural pode presenciar os modos de reprodução de formigas (já que pode ter
um formigueiro no seu laboratório), pode estudar os efeitos
de um dado conjunto de· anticorpos em ratos e pode, ainda,
analisar o quanto quiser a composição de um dado raio
luminoso.
Em contraste com isso, as chamadas «ciências sociais»
.estudam fenômen9ll complexruÇsltuados em planos iIT1 call!!ll:o
iゥ、。セ・rGャbᄃ ̄q@
Complicados Nos eventos que constio antro ólogo,ctoSOCiólogo, do histuem a ma ' . - '
_ iador, do cientista politico, do economista· e do psicólogÕ;
,não é fácil isolar causas e motivações exclusivas. Mesmo
quando o «sujeito» está apenas desejando realizar uma ação
aparentemente inocente e basicamente simples, como o ato
de comer um bolo. Pois um bolo pode ser comido porque
se tem fome e pode ser comido por «motivos sociais e psicológicos»: para demonstrar solidariedade a uma pessoa ou
grupo, para comemorar uma certa data (como ocorre num
aniversário), para revelar que o bolo feito por mamãe é
melhor do qUe o bolo feito por D. Yolanda, para indicar que
se conhecem bolos, para justificar uma certa atitude e, ainda,
por todos esses motivos juntos. Para que se., tenha uma prova
clara destas complicações, basta parar de ler esse trecho e
perguntar a uma pessoa próxima: «por que se come um bolo?»
Verá o leitor que as respostas em geral 'colocam toda essa
problemática na superfície, sendo difícil desenvolver uma
teoria que venha a determinar com precisão uma causa única
ou uma motivação exclusiva.
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matéria-prima das ᆱ」セᅡゥ。ウ@
sociais», assim, são evenocorrer.3'I.1ltos com determinaçQe!!. comPlicadasセ、・ュ⦅
ambientes diferenciados tendo, por causa disso, a possibili.
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dade de mudar seu ウゥセヲ」。、ッ@
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a sua
-posição numa cadeia de eventQ1L!l!lJ:eríor§. セN⦅QャHIBェG_エ・ALMuュ@
bõlo comido no final de uma refeição é algo que denominamos de «sobremesa», tendo o significado social de «fechar.
ou arrematar uma· refeição anterior, considerada como principal, constituída de pratos salgados. O salgado, assim, antecede o doce, sendo considerado por nós separado e mais
substancial que. os doces. Agora, um bo].:> que é comido no
meio do dia pOde ser sinal (ou sintoma) de um desarranj o
psicológico, como acontece com as pessoas que comem compulsivamente. Finaimente, um bolo que é o centro de uma
reunião, que serve mesmo como motivação para o convite
quando se diz: «venha comer um bolo com o Serginho>, é
um bolo com um significado todo especial. Aqui, ele se torna
um simbolo importante, cuja análise pode revelar ligações
surpreendentes com a passagem da idade, com as relações
entre gerações, identidades sexuais etc.
Mas, além disso, os eventos que servem de foco ao «cientista social» são fatos que não estão m:;.is ocorrendo entre
nós ou que não podem ser reproduzidos em condições controladas. De fato, como poderemos nós reproduzir a festa do
aniversário do Serginho? Ou o ritual do Carnaval que ocorreu
em 1977 no Rio de Janeiro? Mesmo que possamos reunir
os mesmos personagens, músicas, comidas, vestes e mobiliário do passado, ainda assim podemos dizer que está faltando
alguma coisa: a atmosfera da época, o clima do momento.
Enfim, o conj unto criado pela ocasião social que de certo
modo decola dela e, recaindo sobre ela, .provoca o que podemos chamar de «sobredeterminações., como a imagem projetada numa tela ou num espelho. Diferentemente de um
rato reagindo a um anticorpo num laboratório, o aniversário (e todas as ocasiões socials fechadas) cria o seu próprío
plano social, podendo ser diferenciado d6 todos os outros,
embora guarde com ele semelhanças estruturais. Esse pÍSno
do reflexo, da circularidade e da sobredeterminação me parece essencial na definição do obj eto da Antropologia Social
(e da Sociologia) e eu voltarei a ele ÍnÚ1I:eras vezes no decorrer deste volume. Agora, basta que se acentue o seu caráter de modo ligeiro, somente para revelar como as situações
sociais são complexas e de difícil controle, quando as comセャウエ・ョ@
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19
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paramos com os laboratórios onde os biólogos, quimicoo e
físicos realizam suas experiências. !tJljl!m.@:t!;, .tudo_.Jnllica
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⦅セNAャ[ーゥ・。ェlaエ←jョウュッMw@
Na maioria dos casos, o cientista
natural resolve um problema simplesmente para criar tecnologias indesejáveis e, a longo prazo, mortíferas e daninbas
ao próprio ser humano. Isso para não falarmos em descobertas que podem trazer amea<;as diretas à própria vida e
à dignidade do homem por seu uso inescrupuloso na área
militar. Nada mais simples e bem-vindo do que o isolamento
de um virus e nada mais complexo do que esse próprio isolamento permitindo a realização de guerras bacteriológicas
e de contrurudnação.
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social,. !ll! condiçíies. de__ セイ」・ャQNAッL@
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são complexos,.. .!!'aI\ _OIL!:!l!l!l!taftoS-enl_.gm:aLP.ã!>_têIn__c!l.!!S!l.llMm::iaa...IllLmesma-propor'!âo
da «ciência natural». São poucas as teorias sociais que acaracismo e a
6ãram furnando-se Credos ideológicos, como
luta de classes, adotados por .:nações e transformados em valores nacionais. As mais das vezes, as chamadas teorias sociais são racionalizações ou perspectivas mais acuradas para
problemas que percebemos, ainda que tais problemas não
sejam realmente «objetivados. com muita clareza. Neste sentido, o cientista social tende a reduzir problemas correndo
mesmo o risco de simplificar demais as motivações de certos
eventos observáveis numa sociedade ou época histórica. Mas
raramente seus resultados podem ser transformados em tecnologia e, assim, podem atuar diretamente sobre o mundo.
Em geral, o resultado prático do trabalho do cientista social
é visto fora do dominio científico e tecnológico, na região
das «artes»: nos filmes, peças de teatro, novelas, romances
e contos, onde as idéias de certas pesquisas podem ser «aplicadas», produzindo modificações no comportamento social.
é mais fácil trocar de autamóMas é preciso observar セ・@
セャォMNF・Zゥウ ̄ッ@
e aceitar inovações エ・」ョッャセH「Nゥウ@
inovaçlies fazem parte do noaso sistema de valores). do que__.
trocar de valores simbólicos ou politicos.
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Mas voltemos ao ponto já colocado. Vimos que uma das
diferenças básicas entre os dois ramos de conhecimento era
que os fatos socia.i!;. alie, ..geralmente, irreproduzlveis em -conセウ@
controladas. Ê claro que ações sociais podem ser re::
pro uZldas no teatro e no cinema, mas aqui a distâocia que
existe entre o ator e o personagem recriado é um dado que
vem modificar substancialmente a ウゥエオセッN@
Além disso, os
atores seguem um texto explicitamente dado. enquanto que
nós, atores fora do palco, seguimos um texto implicitamente
dado que a pesquisa por causa disso mesmo deseja descobrir.
O problema básico, asslm, continua: os fatos sociais são
irreproduzíveis em condições control.·e, por isso,_quase
sem:erILfazem_parte::.do_P1lli!!ado._São eventos ar!gõr hist6riCõs e apresentados de modo descritivo e narrativo, nunca
na forma de uma experiência. Realmente, não posso ver e
certamente jamais verei uma expedição de troca do tipo
kula., tão esplendidamente descrita por MalinowWti; ou um
rito de iniciação dos Canela do Brasil Central que Nimuendaju narrou com tanta minúcia. Do mesmo modo, não posso
saber jamais como se sente alguém diante dos eventos criticos da Revolução Francesa ou -como foram os dias que
antecederam a proclamação da República no Brasil. PodemOs,
obviamente, reconstruir tais realidades (ou pedaços de reaIidade) ,. ュ。ャlゥN[wセAid
que ..!ill!>lllU:econstruçã.o é a AxNセ@
dadeÍrª", que foi capaz de incluir todos os fatos e que com-preendemos perfeitamente bem todo o processo em questão.
j)L-tQtalização é ÍmpQSSÍll.E'llJmQQrll._possa-SeF-UlU-aI.vo-àeセャ
para ュオゥエッャANセZイ。ウ@
セゥウN@
Mas nós sabemos muito
ben:i 。\ャゥヲ・セ
eXIste êiítre a teoria das ondas hertzianas
e um rádio transmissor e receptor, que são aparelhos que
um físico conhece totalmente e os pode fabricar. Por isso
é que existe uma ligação direta entre ciências naturais e
tecnologia. E a nossa relação com um evento complexo como
a Revolução Russa ou mesmo o problema do incesto, fatos
sociais que nós podemos conhecer bem, mas com que mantemos sempre uma relação complicada, como se, entre o acontecimento e nós, existissem zonas conhecidas e áreas profundas, insondáveis. Nossas reconstruções, assim, diferentemente
daquelas realizadas pelos cientistas naturais, são sempre par_
. ciais, dependendo de documentos, observações, sensibilidllrle
e perspectivas. Tudo isso que pode utilizar os dados dispo-
|N⦅セM
20
21
ocorre nos desenhos animados e nos contos de fadas, como
uma réplica da Eociedade humana. Embora possa incorporar
as baieias ao reino do humano, poderei imaginar o que
sentem realmente esses cetáceos? É claro que não. Essa
distância irremediável dada ao fato de que j amais poderei
tornar-me uma baleia é que permite jogar com a dicotomia clássica da ciência: aquela entre sujeito (que conhece
ou busca conhecer) e objeto (a c..1-tamada realidade ou o
fenômeno 'sob escrutínio do cientista). As teorias e os métodos cientlfic!)s são, nesta perspectiva, os mediadores que
permitem operar essa aproximação, construindo uma ponte
entre nós e o mundo das baleias.
Mas, ao lado disso, há um outro dado crucial. É que eu
posso dizer tudo o que quiser em relação às balelas sabendo que ·elas jamais irão me contestar. Poderei, é claro, ser
contestado por um outro estudioso de baleias, mas jamais
pelas balelas mesmas. Estas continuarão a v::ver no imenso
oceano de águas' frias, nadando em grupos e borrifando
espuma independentemente das minhas deduções e teorias.
Isso significa simplesmente que o meu conhecimento sobre
as baleias não será jamais lido pelas baleias que jamais
irão modi;ficar o seu comportamento por causa das minhas
teorias de modo direto. Minhas teorias pode:!'áo ser usadas
por mim mesmo ou por terceiros para modificar o comportamento üas baleias, mas elas nunca serão usadas diretamente pelas baleias. Em outras palavras, nunca me tornarei um cetáceo,. do mesmo modo que um cetáceo nunca po_
derá virar um membro da espécie humana. É por causa disso
que teorias sobre baleías e sapos são teorias, isto é, conhecimento objetivo, externo, independente de baleias, sapos e
investigadores.
Mas como .se passam as COiBas no caso das «ciências
níveis ou solicitar novos dados ainda não vistos. É por causa
disso que nossas teorias, digamos, do incesto, não são capazes de gerar uma teenologia do incesto. Podem .gerar terapias, mas, mesmo aqui, nosso conhecimento continua fundado num processo complexo, nunca numa relação como aquela
que existe entre um químico e as drogas que pode fabricar.
Os fatos 9llilJOrr;laID a matéria-P!ima da!! ᆱ、↑ョLAゥ。ウNセ⦅@
」ゥ。ウセᄃLNj・QャRAc}Zエwクo@
.g!lraJwente impossí veis.__
ãé--sêrêm reproduziclO!!,_ Aャュ「ッイFMNGーセ。@
ser ッ「ウ・イカ。、セN@
Podêmõi õbservãr-l'únerais, aniversárfõíi,' rituais de iniciação,
trocas comerciais, proclamações de leis e, com um pouco de
sorte, heresias, perseguições, revoluções e incestos; mas, além
de não poder イ・ーッ、オコゥNj。lカZョエosLュウセM
ei.frentar-anossa_Jl.I:6iiriã-PiJ:,!.çãQ,.. W.Il.tória.. 1J.iOgráfica,._e,dllS,ação,,-inteJ:esses e ーセョ」LGャゥェ[ッA@
"O problema não é o de somente re- _'
produzir e observar o fenômeno. mas suh tãriClarmente -li.
<Ia como observá-lo. Todos os fenômenos que são hoje parte
e parêeta das chamadas ciências sociais são fatos conhecidos
desde que a primeira sociedade foi fundada, mas nem sempre existiu uma ciência social. Assim, classes de homens diversos observaram fatos e os registraram de modo diverso,
segundo os seus interesses e motivações; de acordo com aquilo que julgavam importante. Ç) processo de acumulação que
tipifica o processo cientifico é algo lento em todos os ramos
do conhecimento, mas muito mais lento nas chamadas ciências do homem.
2. Uma Diferença Crucial
Mas de todas essas diferenças a que considero mais fundamental é a seguinte: nas ciênclas sociais- trabalhamos com
fenõmenos que estão bem perto de nós, pois pretendemos
estudar eventos humanos, fatos que nos pertencem integralmente. O que significa isso?
Tomemos um exemplo. Quando eu estudo baleías, estudo
algo radicalmente diferente de mim. Algo que posso perceber como distante e com quem estabeleço faciimente uma
relação de ᆱッ「ェ・エゥカ、。セN@
Não posso imaginar o universo
interior de uma baleia, embora possa tomar as balelas para
realizar com elas um exercício humanizador, situando-as como
22
sociais» ?
Ora, aqui é tudo muito mais complexo. Temos, em primeiro luger, a interação complexa entre o investigador e o
sujeito investigado, ambos - como disse Lévi-Strauss _
situados numa n:esma eScala. Ou seja, tanto o pesquisador
quanto sua vitima compartilham, embora muitas vezes não
se comuniquem, de um mesmo universo das experiências humanas. Se entre nós e os ratos as diferenças são irredutiveis, homens e ratos pertencem a espécies diferentes, sabe-
r
I
28
mos que os homens não se separam por meio de eSpécies,
mas pela organização de suas experiências, por sua história
e pelo modo com que classificam suas realidades internas.
e externas. Por causa disso ninguém pode virar baleia, rato
ou leão, mas todos podemos nos tranformar em membros
de outras sociedades, adotando seus costumes, categorias de
pensamento e classificação social, casando com suas mulheres e socializando seus filhos. Resando aos seus espíritos e
deuses, aplacando a ira e agradecendo as bênçãos dos seus
ancestrais, obedecendo ou modificando suas leis, falando bem
ou mal sua Ungua. Apesar das diferenças e por causa delas,
nós sempre nos reconhecemos nos outros e eu estou inclinado a acreditar que a distância é o elemento fundamental
na percepção da igualdade entre os homens. Deste modo,
quando vejo um costume diferente é que acabo reconhecendo,
pelo contraste, meu próprio costume.
Quando estudei os nomes pessoais entre os Apinayé do
Norte do Estado de Goiás e vi que, entre eles, os nomes
eram mecanismos para estabelecer relações sociais, foi que
pude reconhecer imediatamente o papel dos nomes entre nós.
Aqui, percebi, os nomes servem para individualizar, para
isolar uma pessoa das outras e, assim fazendo, individualizar um grupo (uma família) de outro. O nome caracteriza
o indivíduo, pois os nomes são únicos e exclusivos, com o
termo <l)a,rú' demonstrando a surpresa que dois ou mais nomes idênticos podem causar. Lembro que a palavra xará é
de origem tupi e siguificava originalmente «meu nome». Ela
tem assim a virtude de relacionar dois indivíduos cujos
nomes são comuns, indicando, junto com a boa surpresa,
algo que talvez não devesse ocorrer, pois o nome tem um
caráter exclusivo na nossa sociedade. Entre os Apinayé e
os TimQira em geral, porém, os nomes não individualizam
mas, muito ao contrário, estabelecem relações muito importantes entre um tio materno e o sobrinho, já que ali os nomes
são sistematicamente transmitidos dentro de certas linhas de
parentesco. Os geuitores jamais devem dar os nomes aos seus
filhos que sempre os devem receber de parentes situados em
certas posições genealógicas, entre as quais se destaca a do
tio materno. De acordo ainda com essa lógica, os nomes
sempre devem passar de homem para homem e de mulher
para mulher, algo bem diferente do que ocorre em nosso
meio, onde eles são transmitidos obedecendo a uma lógica
pessoal e fundada numa livre escolha. Se tirarmos o sobrenome, o nome dI!' família, que legitima direitos a propriedade, o nome próprio ou primeiro nome é algo que pode variar
muito quando é escolhido e dado. De fato, falamos em .dar
um nome li. criança.; quando na sociedade Timbira é muito
mais apropriado falarse em transmissão de nomes, ato que
revela melhor o sistema de nominação vígente naquela sociedade. Mas, além disso, os nomes Timbira dão direitos a
pertencer a certos grupos cerimoniais muito importantes,
pois são grupos que atuam durante os rituais e também nas
corridas carregando toras, esporte nacional destas tribos.
Assim, papéis sociais são transmitidos com os nomes próprios e grupos de pessoas com os mesmos 'nomes desempenham os mesmos papéis.
Um sistema de nomes própriOB, tão coletivo como esse
dos Timbira, nos faz pensar de imediato nas possibilidades
de um sistema oposto, isto é, num sistema de nominação em
que os nomes fossem absolutamente privados e individualizados de tal modo que a cada indivíduo não só correspondesse um só nome, mas que tal nome fosse mesmo como
que a e:ltpressão de sua essência individual. Pois bem, tal
sistema parece existir entre os Sanumá do Norte da Amazônia (cf. Ramos, 1977) onde os nomes próprios são segredo. Temos, pois, neste exemplo, o modo caracteristico de
proceder a comparação em AntropOlogia Social e, por meio
dela, descobrir, relativizar e pôr em relação o nosso sistema
(ou parte dele), pelo estudo e contato com um sistema diferente. Pois se os nomes dos Timbira são coletivos e os dos
Sanumá absolutamente individualizados (até mesmo ao limite de tornaremse sigilosos), o nosso sistema fica como que
numa posição intermediária, como um conjunto que, ao mesmo tempo que individualiza, também permite a apropriação
e a expressão do coletivo. Mas é preciso observar que o
nosso sistema como o dos Sanumá parece contrastar
violentamente com o Tlmbira, na medida em que o seu eixo
está em acentuar indivíduos e grupos exclusivos. Sem o contraste e a distíl.ncia que o sistema de nominação dos Timbira coloca, seria difícil tomar consciência do nosso sistema,
num primeiro p8llll0, para poder reJativizálo apropriadamente. A história da Antropologia Social, aliás, como veremos
24
25
um pouco mais adiante, é a história de como esses diferentes sistemas foram percebidos e interpretados como formas
alternativas <soluções» e «escolhas» para problemas comuns colocados pelo viver numa sociedade de homens. E
como esse tipo de encaminhamento se constitui num momento importante no sentido de unir o particular com o universal pela comparação sistemática e criativa: relacional e
relativizadora.
Mas além da problemática colocada pelo deslocamento
dos sistemas (ou subsistemas), deslocamento que permite a
comparação e uma percepção sociológica, relativizada ou de
viés, existe uma outra questão crítica nestas diferenças entre
as «ciências sociais» e as «ciências naturais». Tratase do
seguinte:
Quando eu teonzo sobre os nomes Apinayé, isto li, quando
construo uma interpretação para esse subsistema da sociedade Apinayé (ou Timbira), eu crio uma área complexa
porque eJa pode atuar em dois sistemas diferentes: o meu
e o deles. Em outras palavras, quando eu interpreto o sistema de nominação Apinayé, eu entro numa relação de ref1exividade com o meu sistema e também com o sistema
Apinayé. Posso ir além da minha comunidade de cientistas,
para quem estou evidentemeI!te criando e procurando apresentar minha teoria; discutindo minhas hipóteses e teorias
com os próprios Apinayé! Esse é um dado fundamental e
revolucionário, pois foi somente a partir do início deste século que nós antropólogos sociais temos procurado testar
nossas interpretações nesses dois níveis: no da nossa sociedade e cultura e também no nível da sociedade estudada, com
o próprio nativo. Esta atitude, que certamente um evolucionista vitoriano do tipo Frazer consideraria uma verdadeira
heresia acadêmica, é que tem servido ' como veremos no
decorrer deste livro para situar a AntropOlogia Social no
centro epistemológico de todo um movimento relativizador
que eu reputo como o mais fundamental dos últimos tempos. Porque quando apresento minha teoria ao meu «objeto»
eu não só estou me abrindo para uma relativização dos meus
parâmetros epistemológicos, como também fazendo nascer um
plano de debate inovador: aquele formado por uma dialética
entre o fato interno (as interpretações Apinayé para os seus
próprios nomes), com o fato externo (as minhas interpre26
I
:'
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tações dos nomes Apinayé). E essa dialética acaba por inventar um plano comparativo fundado na reflexividade, na ctrcularidade e na êrítica sociológica, o que é radicalmente diferente da comparação bem comportada, onde a consciência
do observador fica inteiramente de fora, como '"Uma espécie
de computador cósmico, a ela sendo atribuída a capacidade
de tudo dar sentido sem nunca se colocar no seu próprio
esquema comparativo.
É essa possibilidade de dialogar com () nativo (informante) que permite ultrapassar o plano das conveniências preconceituosas interessadas em desmoralizar o «outro». Ê ela
que também impede a Antropologia Social contemporãnea de
utilizar aqueles esquemas evolucionistas fáceis, que situam
os sistemas sociais em degraus de atraso e progresso, colocando sempre o <,nosso sistema» como o mais complexo, o
mais adiantado e o que, por tudo isso, tem o direito sagrado
(dado pelo tempo histórico legitimador) de espoliar, explorar e destruir tudo em nome do chamado «processo civilizatório». Podemos então dizer que é nesta avenida aberta
pela possibilidade do diálogo com o informante que jaz a
diferença crítica entre um saber voltado para as coisas inanimadas 'ou passíveis de serem submetidas a uma objetividade total (os objetos do mundo da «natureza») e um saber,
como o da Antropologia Social, constituído sobre os homens
em sociedade. Num caso, o objeto de estudo é inteiramente
opaco e mudo; noutro, ele é transparente e falante. No caso
das «ciências sociais. o objeto é muito mais que isso, ele
tem também o seu centro, o seu ponto de vista e as suas
interpretações que, a qualquer momento, podem competir e
colocar de quarentena as nossas mais elaboradas explanações.
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das diferen!;as entre «ciências naturais» e セ@
セ cias sociais. fICa localizada, portanto, no fato de que a na-
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não pode fala.r
dttêtãiii.ente com
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passo que cada sociedade humana conhecida é um espelho
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ã nossa própria existencla se イセ@
_____
3. Antropologias e Antropologia
Procurando definir um «lugar» para a AntropOlogia Social,
é preciso não esquecer as relações da Antropologia com seus
27
outros ramos. Sabemos que nossa disciplina tem pelo menos
três esferas de interesse claramente definidas e distintas.
Uma delas é o estudo do homem enquanto ser biológico,
dotado de um aparato físico e uma carga genética, com um
percurso evolutivo definido e relações específicas com outras
. ordens e espécies de seres vivos. Esse é o domínio ou o
campo da chamada Antropologia Biológica, outrora confinada, como Antropologia Física, as famosas medições de crânios e esqueletos, muitas vezes no afã de estabelecer sinais
diacríticos que pudessem servir como diferenciadores das
«raças» humanas. Felizmente, como iremos ver com mais
vagar adiante, a noção de «raça. como um tipo acabado está
totalmente superada, de modo que é um absurdo pretender
tirar do conceito qualquer implicação de caráter sóci()-cultural
o es;!;;ecialista
aョセᆳ
como se fazia antigamente. hッセ・@
PJlI!lld& bゥッャセ」。@
dedjca-se jÍ Il !ijSll d
dilerenêC@es lmセ。ウ@
utllizando esqUemas e!ltatísticos. dando muito mais
セエ・ョ ̄\A@
ao estudo das sociedadeS de primatãS superior,!!!セ@
(como os babuinos ou gonlas). à セcjQャ。¬Ao「イョNM・vッᆳ
luçã<! biológica do homem em geral -.apreciando. por ・クュセ⦅@ .
. pIo, a eVolução do cérebro ou 'do aparato-ller:wS!LU!lS..'l9..
utilizado e mobilizado para and;g; ou está dedicado ao enten·uunento dos. mecanismos e セ「ゥョ。↑ャ
genéticas funda!!Ie!l""
=tli:tiCiiue permitam explicar -diferenciações de popu[q,çiles- e
não mais de raças!
Claro está que a Antropologia Biológica lança mão de
métodos e técnicas comuns aos outros ramos da Biologia,
da Genética e da Zoologia, além da Paleontologia, de modo
que o cientista a ela dedicado deve ter familiaridade com
todas essas outras disciplinas, sendo um biólogo especializado no estudo do homem. Na história da Antropologia, grande
parte da popularidade da disciplina decorre de achados aien"
tíficos vindos desta esfera de estudo.
A segunda esfera de trabalho da Antropologia Geral diz
respeito ao estudo do homem no tempo, através dos monumentos, restos de moradas, documentos, annas, obras de arte
e realizações técnicas que foi deixando no seu caminho enquanto civilizações davam lugar a outras no curso da História. Essa esfera de trabalho antropológico é conhecida como
Arqueologia e, como tal, é uma subdisciplina da Antropologia
セイ。ャ@
e, mais especificamente, da Antropologia Cultural (ou
(
;r,;:
28
,
セ@
Social), já que seu objetivo é chegar ao estudo das socie-dades do passado. -flQ.. fato
A rqJle6!QgG
inl:e.t!lllsadQ
edaços de cerâmica, cemitérios milenares, cacos de edra
e restos de animaIS, enquantõ t ã í s · ·
eduzir
modos concretos e re çoes sociais ali eXÍBtentes...A ArqUe()1Õgia, assim, é uma Antropo!og18 Social, só que está debruQada em cima do estudo de um sistema de ação social já
dessparecido. Para chegar até ele, a disciplina desenvolveu
uma série de métodos e técnicas destinadas ao estudo preciso e detalhado dos restos de uma sociedade ou cultura:
aquilo que foi cristalizado e perpetuado pelos seus membros,
enquanto atualizavam certos padrões de comportamento específicos daquele sistema. Todo sistema social humano precisa
de instrumentos e artefatos materiais para sobreviver. Na
realidade, artefatos, instrumentos e Objetos materiais são
elementos definidores do homem, já que eles definem a própriacondição e sociedade humana em oposiçã<! a sociedades
Animais. Mas esses instrumentos, embora tendo o Objetivo
de permitir a exploração da natureza, multiplicação da
força e do poderio do homem ou a realização de alguma
tarefa especial, estão delerminado8 pelos modos através dos
quais o grup<> 8e autodefine e concebe. Daí a 8ua variabilidade. Assim, embora a agricultura seja uma técnica c()mum a. muitas sociedades, nem todas a praticam do mesmo
modo, utilizando os mesmos instrumentos, dentro do mesmo
ritmo, ou plantando os mesmos produtos. Mesmo em áreas
geográficas comuns, como o Brasil Central, por exemplo,
encontramos grupos de língua Tupi, como os Tenelehara,
praticando uma agricultura fundada na mandioca e baseada
em técnicas avanQadas; ao passo que as populações de fala Jê,
na mesma região, operavam (e ainda operam) técnicas agrícolas diferentes, com o seu produto cuitivado principal sendo
uma grande variedade de inhames. O arqueólogo estuda esses
resíduos deixados por uma sociedade, depois que seus membros pereceram. E sua tarefa é a de reconstruir o sistema
agora que ele somente existe por meio de algumas de suas
cristalizações.
Quando pensamos em Arqueologia, pensamos freqüentemente nos especialistas dedicados ao estudo das chamadas
grandes 」ゥカャコ。セ・ウ@
(Egito, índia, Mesopotâmia, Grécia e
Roma), estudiosos que têm como material de estudos, não
Q
29
má
só instrumentos de exploração da natureza, mas formas de
sociedade bem cristalizadas como os monumentos e os palÁcios. Mas é preciso não esquecer o arqueólogo devotado ao
estudo de pequenos grupos de pessoas que também deixaram
sua marca em algum ambiente geográfico, cuja reconstrução correta é muito mais difícil mas igualmente básica para
uma visão completa da história do homem na terra. E é
curioso e importante saber como se pode «fazer falar> esses
resíduos pela técnica arqueOlógica. Assim, uma aldeia antiga, cuj as casas já foram consumidas pelo tempo e pelas
intempéries, pode fornecer um padrão de habitabilidade que
denota um tipo especiai de aldeamento, pois as casas podem
ser grandes ou pequenas; estar dispostas de modo aieatório
ou seguindo um desenho geométrico preciso, como um quadrado ou um círculo. E a informação é básica porque existem
sociedades, como as de língua Jê do Brasil Central (cf.
Melatti, 1978; Da Matta, 1976), que constroem aideias redondas, com um pátio no centro e as casas situadas ao redor.
Tal divisão representa um esquema básico e revela como a
disposição em círculo pode indicar algum aspecto básico da
mundivisão daquela sociedade. Além disso, toda a aldeia pode
ter um depósito comum de lixo e isso permitirá descobrir
o tipo de alimentação da J)i?pulação, bem como o tipo de
material que era mais usado por ela nos seus afazeres cotidianos. Restos de alimentos podem significar esqueletos de
animais e isso permitirá descobrir as espécies mais consumidas e até mesmo a quantidade da alimentação e o modo
como os animals foram mortos. Por outro lado, esta informação poderá ser critica no equiUbrio da dieta alimentar
da aldeia e no peso que a caça, a coleta e a agricultura
teriam tido na sua vida econômica e social. Ao lado destes
resíduos de animais, pode o arqueólogo deduzir muito sobre
a estrutura social se descobrir planos de casas intactos com
o que restou de suas divisões internas e externas. Tipos de
família poderão vir à luz destes dados e a população da
aldeia poderá ser até mesmo calculada por meio deles. Cemitérios que fazem parte da imagem popular do arqueólogo
com sua roupa cáqui e chapéu de explorador são básicos.
Um cemitério relativamente intocado pode indicar multo sobre população, distribuição sexual desta população, fornecer dados sobre tipos de morte e formas de doença, explicar
30
I
f,
""/
.
padrões de casamento e migração (pelo estudo de esqueletos
diferentes). Esqueletos enterrados em conjunto e com certos
enfeites e aparato funerário lançaria luz sobre & vida religiosa e política de uma aldeia, pl>is ao lado de mortos enterrados com simples enfeites poderseiam enCl>ntrar também
pessoas enterradas sós e com muita riqueza de aparatl> funerário, o que faz suspeitar de uma sociedade com hierarquias e diferenciações religiosas, políticas ou econômicas.
e deduO arqueólogo trabalha por meio de ・ウdAャセiゥ|\ᅰ@
:00s. numa base comnarativa. balizando sistematici
seus achados do passado com o conheciment:<Wml1iJii Relo COj!!!Iícina@lltQ ァqョエセ@
de .sociedades cc:>m aquele mesmo
grau de complexidade sociaL Seu trabalho segue, então, em
linhas gerllJ.s, o mesmo ritÍno daquele realizado pelo etnólogo ou antropólogo social (ou cultural), só que ele estuda
uma população que somente existe pelo que foi capaz de
ter cristalizado em materiais nãoperecíveis. 1 Como o homem
é o único animal que tem essa fantástica capacidade projetiva, pois ele efetivamente se projeta (projeta seus valores e ideologias) em tudo o que concretiza materialmente,
toda sociedade humana deixa sempre algum vestígio das suas
relações sociais e valores naquilo que usou, negociou, adorou
e entesourou com ganância, sabedor:a ou generosidade ao
longo dos tempos. É porque os homens são assim que a esfera do conhecimento arqueológico é possível.
Quando falamos em Arqueologia, já tivemos que utilizar
a idéia de mecanismos sociais sistematizados _ Ç.ue chamei
de projetivos para exprimir o campl> de estudos desta
disciplina dedicada à análise das fl>rmas que os homens
inventam, copiam e constroem de modo a poderem operar
suas vidas individual e coletivamente segu::1do certos valores. Quando o tigre de dentesdesabre desapareceu, foise
com ele todo o seu aparato adaptativo, do qual o dentedesabre era obviamente uma peça fundamental. Mas quando a
sociedade Tupinambá desapareceu, ela deixou atrás de si todo
um conjunto de objetos que havia elaborado, copiado, inventado, construído e fabricado, elementos que eram soluções
para desafios universais e, mais que isso, constituíam expressões particulares dos Tupi resolverem tais desafios.
1. Pa.ra uma ヲョエッHィセQ■@
AO modo de proceder arllueológioo, na C!ioncepção de um
protlsaiQnal. veja,..ae a llO:tável introdução de V. Gol'don ChUde. Sv.çüQ Sooiat (Zaba:r.
1061).
31
Agora que desejo definir a terceira esfera do conhecimento Antropológico, ll;..reciso conceituar melhor esses mecanismos p . .
ue permitem atualizar valores sociais.
Tradicionalmente eles
m SI o c
os
tur
セ@
s que precIsamos falar quando pretendeJllos localizar o
campo da AntropologIa Socíar-Ciillurãl ou EtnologIa. d・セG@
fato, os nomes (que estão relacionados às tradições de estudos de certos países) não nos devem ofuscar, pois todos denotam a mesma coisa: o estudo do Homem enquanto produtor e transformador da natureza. E muitõ mais que isso: a
;isão do HomeJll enquanto membro de uma ウッ」ゥ↑、 ̄・。セ@
ul!'í aãdo sistema de valores. A perspectiva da sociêdãde
humana enquanto um conjunto de ações ordenadas de acordo
com um piano e regras que ela própria inventou e que é
capaz de reproduzir e projetar eJll tudo aquilo que fabrica.
A esfera da Antropologia Cultural (ou Social) é, assim, o
plano complexo segIlndo o qual a cultura (e o seu irmão
gêmeo a 8ocieà!Uk) não é somente uma resposta específica
a certos desafios; resposta que somente o Homem foi capaz
de articular. Não. Essa visão instrumentalista da cultura
como um tipo de reação de um certo animal a um dado
ambiente físico deve ser substituída por uma noção muito
mlÚs complexa e generosa; por uma visão realmente muito
e AエセZLMョ。N@
セZ
セZ@
Zセョscゥ↑@
mais 、ゥ。セ←A」@
que a VISM socIologwJ! n
Ih 1 1 m
r sTfffii. li
lÍOmem muito UIais do que um animal que inventa objet§'s, Mamando 。セG|
;ara o
c'j!!c;, de [Ge ele é-=
affiíliiíl eçaz de l;J aF 8ffil P"" U>lID1en . Em outras
l!lIlawas, somente o homem é capaz dILcriar !!!:!!§ linglllW!\!P-':
da linguagem, lIm" regraderegtlU! Um plano de tal ordem
reflexivo que ele pode ver-se a si prÓprio neste plano. Se
algulll! animais podem inventar objetos: o homem é o línjÇO
qu',) lDll!!nta as regras de inventar os objetos. Jll assim f1\::__ _
セ、・MャAilョアオ。エッ@
!!!!UlllLq!ULusa a linguagem,..
JE-as アオセ⦅jゥャy「←ュエ・@
⦅」ッョウゥセャjMNlᆱAァオ。・@
Seja porquê
a língua articulada permite uma mUltlpliciétooê de propósitos práticos, seja porque sabe que sua língua é particular
e por causa disso permite uma individualização dilllllte de
outras sociedades. O ponto essencial é que o homeJll -não ínventa uma canoa só porque deseja cruzar o rio ou vencer o mar,
mas inventando a canoa ele toma consciência do mar, do
Jpy.
r
rio, da canoa e de si mesmo. Se o homem faz-se a si próprio, é preciso também não esquecer que ele assim procede
porque pode ver-se a si mesmo em todos os desafios que
enfrenta e em todos os instrumentos que fabrica.
4 Antropologia Social (ou Cultural),ou Etnologia, permite descobrir a dimensão da cultura e da sociedade. desÉ!!'lIlld o ッセ@ sQg:uimea planosa) Um plnnl! iwtmmental, dado na medida em que um
sujeito responde a um desafio de um ambiente ou de um
outro grupo. Se a temperatura da terra mudou, vários animais apenas desenvolveram defesas para esse novo fato. Mas
os aDimlÚs apenas desenvolvem respostas internas, parte e
parcela do seu próprio organismo, como peles, garras e dentes. ,Sua resposta é instrumental, direta, não permitindo tomar conhecínIento reflexivo da resposta mesma. Numa palavra, a resposta não se destaca do animal, fazendo parte do
seu próprio corpo e a ele estando intimamente ligada sem
reflexão ao estínIulo.
O pú/'no insf;ru,mentaJ, é um plano das coÍsas feitas ou
dadas e a sua concepção e importância está muito ligada à
perspectiva segundo a qual o homem foi feito aos poucos:
primeiro o plano físico, depois o plano social (ou cultural).
Primeiro o plano individual, depois o coletivo. Primeiro os
sons que' ínIitavam a natureza, depois a linguagem articulada. Hoje sabemos que tal visão que Geertz (1978) chamou
de «estratificada» não é mais válida. Muito mais importante
é tomar consciência de Um plano francamente cultural.
b) .No plnna cultWI'a.l ou sqçial. que a EtnJililgia,-A.ntropologia__ SocÍ<lI Jl Antropruogia Cllltur-a.! permitem-tomar--conlIecimento, -o m.undo humano forma..se de,ll.trp .de J;tIJ-:! ritmo
dialético com.!! íiàtureZá.Fol '-resjiOiúlendo à ョ。エオセ[ア・G@
ô homem modiflooü-=iiÉ!-e assim inventou um plano onde pôde
simultaneanIente reformular-se, reforInulando a própria natureza. Neste nível, estamos na região das regras culturais
(ou sociais, a distinção será estabelecida mais tarde), quando
nós temos uma resposta e também um reflexo desta resposta
no sujeito, Assim, se a temperatura da terra mudou, os homens inventaram cobertas e abrigos. Mas é fundamental C(}usídeIl!!:_ de⦅ャNAセーックZエ、。ウMアue[ヲゥᅪLョ ̄Hh■@
Pwqtl,,"
tais 」ッ「・イエセL ,,' "
,e abrigos
variam.
Não
porque
existisse
alguma
"'
. . .
.
__
セLN⦅@
32
BGキLNセ
33
razão interna JJle..natuuzagenética ou· biológicah ..mas . po;r-
I
medida mesmo em
セオ・@
íamos revelando os
''@9 de cada antropõ ôiJa, f!lLlLde mostrar como a sociedade.
el'terno .e ..percebido..como··tal. Apenas podemos dizer que o
homem deverá responder, mas não podemos prever efetivamente como será essa resposta. O homem, assim, é o único
;w.i:ll:Ia1 quê fala de sua fala, que pensa o seu pensamento,
que responde a sua própria. rest!Osta, que reflête seu próllP9
セヲャ・@
que,," capaz de se diferenciar mesmo quando ・ウエャゥZNセ@
aptando a Causas e estímulos comuns. Realmente, pode-se
mesmo dizer que um tigre está ficando cada vez mais tigre,
na medida em que se adapta a um certo ambiente natural
e desenvolve certas características biológicas: Mas com o
homem as coisas são muito diferentes. Aqui, a noção de
adaptação é muito complicada, porque ela não indica um
caminho de mão única, indo apenas. na direção de um mínimo de atrito com a natureza, como é o caso dos animais.
No caso das sociedades, adaptações podem significar desta·
ques do ambiente, pelo uso de uma tecnologia avançada e
que busca dominar e controlar a' natureza; o uso de um
estilo neutralizador, quando uma sociedade busca integrar-se
no ambiente.
Vê-se, deste modo, que a resposta cultural é muito diferente da instrumental. Ela permite a superação da necessidade e também o estabelecimento de uma diferenciação por
causa mesmo da necessidade. E esse ponto é crítico. Os homens se diferenciaram porque tornaram-se homens, e tornaram-se homens porque responderam de modo específico a
estímulos universais. Por isso é que o estudo da Antropologia Social será sempre o estudo das diferenças, plano efetivo
e concreto em que a chamada Humanidade se realiza e tornaso visível.
nasceu de uma diàlética complexa e, por isso mesmo refi""
xiva, onde o desafio da natureza engen dr a31&....llma resposta_
que, por sua vez. permitia tomar consciêncil;LJ1l! consciênc!ª(ctu;n suas possibilidades de responder), da natureza e da ,
pJ:ópria resposta dada A plasticidade humana. é Que permite
descobrir sua variabIlidade, já que ela apenE.S indica o c!\Imrilio de alguma reaçã9, mas Illio pôde determinar com precisão a resposta. De fato, neste sentido, o homem é イ・ウャュセ@
.livre,
cqmo sendo エオ[ョ。・ウセ@
. tRAjIャ[N。Zオエイセェ⦅ァL_@
cle de elaborada rooposta ao desafiO natural é um".modo muito
Creio
comum dé cólocar em fOc.óo ッ「ェ・エBM、。aョイセーャァゥ£N@
e,J:nlllhor- _アオ・セ
.isso/-mais
que minha visão é mais 」ッューャセク。@
aaequada ao conhecimento moderno das.. sociedades e dos Qゥセ@
}iャNセAIMpッイ@
outro lado, ela abandona, ・ュョセウ@
セ@ persp8e.tiva ・カ_ャオ」ゥYセウエ。@
セオゥエッN@
simplificadora, ウ・ァオョ、セ@
a ァャL。セ@
a.
セAヲゥdcj。@
SOCIal fQ:l realIzada em etapas: primeiro o ᅪャscoセ@
depois o social; primeiro O grito, depols_a.-iala; primeiro-o Indivíduo, depois o grupo. A visão aqui Nセ・ョエ。、L@
na
4. Os Planos da Consciência Antl'opológiea
Do que ficou colocado acima, segue que temos em Antropologia pelo menos três planos de consciência. Incluiríamos com
satisfação um quarto plano, o mais fundamental de todos,
caso ele não fosse tão especializado e n03SO conhecimento
com ele tão superficial. Quero ャGjQLNZセᄋ、イ@
。ッNーャョセX@
liDLァゥウエャ。NB、ッセ・オ@
da.líng,)lll, エャNセヲ・イ。@
de ⦅coヲAセHェNゥ。B@
N。rセ⦅
.
lutamente básico na transmissão, i'gyençao e produção..il'?
tOdo o:.conhecimento e cultura. Elemento--ou--meio-sem-o-qualt.odosos .oU.tms...não·. poderiam. ᄋ・クゥウエイLNj£アョMュBオ。ャセ@
guagem £イエゥ」オャN↑Alセ・⦅
ゥュiャセB■カ・QMAーイaアGNッwYLᄎZ@
lõ conlféêfao' manipulável por meiCl. de um. ESquema.de.. ..c&:
Úigoriasol0'lénadàs.
. ..
.
. Mas dentro dos três planos que destacamos e nos quais
inclufmos indiretamente a linguagem será preciso destacar os
seguintes pontos;
O estudo da Antropologia Biológica situa a questão de
uma consciência física no estudo do hッュセN@
Ela remete aos
parâmetros biológicos de. nossa existência, revelando como
estamos ligados ao mundo animal e aos mecanismos básicos
da vida no planeta. Neste plano, trabalhamos num eixo
temporal de caráter verdadeiramente planetário e cósmico,
numa escala de milhões de anos, onde é praticamente impossível discutir com alguma precisão o surgimento de eventos
bem marcados. No plano da consciência que faz parte da
Antropologia Biológica, especulamos sobre mudanças intrínsecas do corpo e cérebro humanos, apreciando por compa-.:,..,••••• ,_..
",
'o-o
••
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•
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I'.,
I.
ーャ。QlNAゥセMᆰᆳ
qqe a_riísP,M4cfoLpensada. em termos de regras,. comQ..!\l;ro
34
35
'l'
ra.;ão com os animais as conquistas realizadas por esse primata superior que acabou tão diferenciado. O ff!:W_.d/;t,,,,,?
homem ter descido de uma árvore, de ter desenvolvido o
sェIイL_ーqャNAエッセ、・
,.partida para 'iriria'seflil
lilpedálismo ーッ、セ@
セ↑@
transformações correlatas, todas. ocorridas num espaço d!l
tempo inteiramente inconcebível para a nossa consciência
freqüentemente confinada LセN@ "iíiilaexperiêncilj. ..カ・IZ、セNゥイ。ュョᆳ
tê:,dIiiimut&,da,dura.;ã9,teIl\poral. Assim, o bipedalismo está_
associado auma dife.renciação entre.os .pés eas mãos, espee
clalizÍlçãó . verdadeiramente, única, já que os ーイゥュ。エウBオセ@
riores não deram um passo tão ,decisivo"nesta. dir.eção,_sendo
suas mãos___e""péa 'órgãos com uma mesma estrutura 。ョセ@
mica. Tal diferencia.;ão entre a parte de cima do corpo e
'sua parte de baixo (uma oposição clara no homem entre
alto e baixo) levou a mudanças na: estrutura do rosto (com
os olhos vindo Um pouco mais à frente e o crânio tomando
uma parte bem maior da cabeça), com as modificações típicas nas curvaturas da coluna vertebral (são três no homem)
e posição do !oramen' magnum (orifício na parte inferior
da cabeça, na sua articulação com a espinha dorsal), nas
articulações da bacia e do fêmur, com as suas implicações
básicas para todo o conjunto funcional e anatômico relacionado ao andar bipedal. "
Tais transformações na estrutura anatômica são acompanhadas de mudanças na estrutura do cérebro, visão, olfato
e audição, mudanças que, sabemos hoje, estão intimamente
ligadas ao uso de instrumentos e do fogo, mesmo quando se
tratava de um pré-homem (um hominídio), vivendo na África
do Sul há cerca de três milhões de anos atrás. :É, pois, importante discutir tais modificações em suas associações diretas
com alguma forma de cultura ou projeção no meio ambiente,
ativídade que está acompanhada de lIma complexa dialética.
Mas é importante notar que aqui estamos observando e
conhecendo resíduos de homens ancestrais, pedaços de estruturas que estavam a meio caminho entre uma forma animal,
situada dentro das determinações naturais e geográficas, e
formas mais deaenvolvidas, com uma capacidade única de
reagir a tais determinações. De fato, inventando suas próprias determinações sociais e históricas, pelo uso e abuso dos
instrumentos. Estamos, portanto, situados num reino congelado - ou como colocou Lévi-Strauss (1970) no reinado de
t!
36
r
uma «histõria fria», onde os acontecimentos só aparecem em
espaços de tempo extraordinariamente longos. Entre a «descoberta» do bipedalismo ou, digamos, a perspectiva desta possibilidade e a descoberta da primeira arma ou instrumento,
quantos mílhões de anos não se teriam passado? E entre a
domesticação do fogo e dos animais, quantos outros milhares de anos não teriam decorrido? Ou será que tudo foi
víslumbrado num só momento, uma espécie de «queda do
Paraíso biológico», quando o animal que viria a ser o homem
rompeu com as cadeias que o prendiam às determinações
biológicas e ambientais, construindo um primeiro ato projetivo: uma arma, uma alavanca, um instrumento capaz de
prolongar o braço, ou de multiplicar a força? Sabemos. que
tais problemas nos colocam, por sua própria dificuldade até
mesmo de verbalização adequada, no limiar entre o científico
e o religioso (ou o filosófico), naquela fronteira onde o
tempo - por ter. que ser contado na escala dos milhões
de anos - deixa de operar como uma categoria significativa, perdendo todo o sentido classificatório. A Antropologia
Biológica, assim, nos coloca diante dos espaços primordiais,
dos gestos decisivos, do tempo que corre numa escala fria,
lenta, infinita. Ela nos permite especular sobre aquele momento mágico quando o milagre do significado deve ter
se realisado e todas as coisas se juntaram num primeiro
sistema de classificação.
e/ou Social (ou.EtnoO セNQAjェlᄎi|Laョエイッーャァゥ。cオᄋ@
logia)" I!!lJ:lLaíLpOlitas·de .realidades" JIlJ1ePlas.. A Arqueologia
nos remete ao mundo de um tempo em escala de milhares
de anos, mas onde os acontecimentos passam a ser decisivos
não mais em escala da espécie humana como uma totalidade,
mas como elementos que permitem diferenciar civilizações,
sistemas produtivos e regimes políticos específicos. Ela nos
cóloca diante de uma espécie de arrancada posterior: depois
de uma diferenciação ao nível universal (e portanto da espécie), o homem realizou simultaneamente as suas variadas
diferenciações internas, inventando formas sociais diferentes.
O movímento é simultâneo, parece-me, embora seja diflcil
colocá"lo assim, sobretudo utilizando um meio como a escrita
que é, acima de tudo, linear. De qualquer modo, a «consciência arqueológica. é aquela que nos toca com temporalidades
infinitas e com uma história igualmente fria, onde os espaços
37
entre OS acontecimentos são enormes. Mas aqui a noção
de espaço começa a se insinuar, já . que o temp<LPpr",sisó
não é suficiente para localizar as diferenças. No ano 3000
antes de Cristo, tinhamos civilizações diferenciadas em algumas regiões da Terra: a minoana, a egipcia,. a sumeriana, a indiana e a chinesa. Tais formações sociais já permitem vislumbrar especificidades verdadeiramente demarcado.ras em vários dominios sociais, embora se possa, para propósitos didáticos, tornar todas essas sociedades semelhantes. De
qualquer modo, sabemos que as escalas que nos remetem à
Arqueologia e 11 Antropologia Biológica são escalas de tempo
milenares, onde a biografia tem que ceder lugar à história
das técnicas que, por sua vez, é mais significativa do que
qualquer especulação sobre o nascimento e desenvolvimento
das instituições sociais, domínio intrinsecamente relacionado
à história política, econômica e social. Em Ol!tr!li!•. palavras,
lluma escala de um milhão. de anos, ap,;;nas"..vejo.,mudanças
no níveldã estrotuiã'iÍÍllitômica e
surgimento de ;Uguns
instrumentos' ・ウュゥ」■セG←q@
Q":(ogii: Mas, イᅪッG■ゥヲケN←セ、オョZ@
Ihares de .!IA0s, percebo o nasciJnentj> .. e o. aperfeiçoamento
dê'técnicãs mais eJaboradl\S como a domesticação .<;le. animais,
õ'usótécÍlico du' fôgiÇcom a metaluriía, as diferentes. técniCãS'de' tecelagmn e com elas algumas instituições_sociais.
Dêta,'to, Íta .. m.edida !!J!L_que...deixo ッエ・ュprNャゥYQセsqー@
liétro no tempo ãrquéológic:o, começo a vislumbrar, asociedade e a cul:t1!ra. Numa escala de míl 。ョッウLNーs\lャセt」・「イ@
nitidamente セ。ウ@
ゥョウエオAセ\・Nlッァᆰ@
。エ←セ⦅ュッ@
eertas
sqーセ・L@
biogrjl.Íias. Mas e 'VlEfvel a pッウN。ゥjA\[ャイオ・Lq⦅セーェ|HI@
uma «I;ti)!tória·. ゥャウエLjョ。ZBMᄃセAGァᅦッ
..lIUª,'!!Jll.. s.!l.!1gru)iª_pe .
rietrar no ,campo. 、。ウ⦅LセョGャAZゥj[Nァオ・
etnias, o que remete àg.uelTa e ao comércio: a Uma ィゥウエイ■Zセ・」oiャュ ̄Gヲ
polítiCa das sociei@ies;Finalníên:té, ni' eiiêiiJã secUlar,. eSti)ü
;40: エュョー」ゥaLセィャイ。@
ーイッpZゥ。ョ・エᄋ¬[ァオ、qiᅳGAセlャ
:qs..
ciência deve desenvolver uma noção muito mais comjlJexa e
dWéj;i!'& .. dI\S_. Q.Iil!:ê1n.inações múltiplas" dOSeven1Qii'sobrêOil
ィセeャウL⦅。@
socie9aâes. Mas !!llSe. !!po ,JlIil.. エZojャウ」ェ↑ョゥセ
.. Já._._
セg・M¢ョッウ。G
MaョエイッーャァAZセB■ctゥjN@
Socialiou
Cultural).
°
I;
38
I
li
5. O BiOlógico e o Social
claro que as diferenças entre as Antropologias' e a AntropolOgia Social dizem respeito fundamentalmente 11 descoberta do social (e do cultural) como um plano dotado de realidade, regras e de uma dinâmica própria. Em outras
palavras, e como já colocou Durkheim.. no. seuclássiGOAs..
RegraIJ rf,o Método Socwl6gico (mn 1895), cÇ)mQ, tlma «coisa»,
isto é, um fato capaz .de exercer .COl!rçãQ,.eJCterna ,(dé"'fora
para dentro) como qualquer outra ᆱイ・。jゥ、←ャセ
.. 4Q,JIlun®..,
exteri(jf.... Como;·'por 'exemplo,' à. chúva ou esta mesa, elementos que no nosso sistema classificatório têm mais realfr.
dade que às outras coisas. Curioso, como veremos em todo
o decorrer deste livro, que o. social tenha sido. fOrnltlJ!!!lo,
de modo tão tardio e. atê"hojê não tenha sido . àiÍlda. bem,
percebido como tal em muitasdiscússões a イ・sャANセ[ー⦅、lj]@
セゥ・、。N@
:Mas é Jl<:>.sl!Ível ゥNiャセイー・エA@
este. fato ..e,..Mゥョエ・イセ@
tandoo, certamente lançar luzsQbre.os"nossosmo,dQ.lUie...c.Q.1!:"
êeber .o"mundo enele"orderiar os. ヲ・ョュッウL⦅ーイ」エゥカャェNjuセ@
permitirá ,. apreciar lj. imPortância. da .consideraçãodo_soo.illL
como «coisa» no.seu sentido correto e, paralelamente, JLi;mportância. dá formidável descoberta que foi a ヲッイュオャセqNSゥ|@
Durkheim .e seus eolaboradores.
Nesta parte, desejo apenas chamar atenção paTa algumas das especificidades correntes dos chamados fatores biológicos em oposição aos sociais, no intuito de demarcar um
pouco melhor o objeto de estudo da Antropologia Social
(ou Cultural). Creio que osta discussão é necessária, ainda
que venha a. correr o risco da repetição, porque entendo que
o «social. e o «cu:tural» sej am conceitoschaves na perspectiva sociológica do conhecimento social, mas que estão correndo sempre o risco de esvaziamento e da reificação pelo seu
uso inapropriado. Por outro lado, esta primeira formulação
das oposições entre o biológico e o social/cultural permitirá
clarificar a discussão seguinte, devotada ao entendimento da
AntTopologia no Brasil.
Nas páginas anteriores, vimoo que tudo que tl!!Jl.!Qgj,gQ.,
⦅・セ
... ゥョエイ■セャLN⦅ウッ@
. é,.. iazÍlJ, .. ャセAB⦅aᆰLMNjuゥオイ・コ。ッZョ」ウ@
de um_, ªnÍmsl, concreto,.. de sua.. LGエulオイZ・セ。B@
do ..8e1l organismo.
O"'blólógico, então, tem seu lugar em エイ。ョウヲッュ・Gゥセ⦅@
nas de uma estrutura orgânica, sofrendo por causa disso
É
39
II1
mesmo uma lenta modificação, em escalas de tempo verdadeiramente cósmicas. Fatores biológicos e fatores·-naturais
セNオエゥjMᆰ、ッ。ZュウeャコヲiA@
. sinQuimo!i,.....designando.. o
«mundo natural» como uma .realidade separada e, às :v.ezes,
Elitl. oposição à chàÍnada :!-J;'ea,lidàde humana» .ou .s.ociai». Em
muitas formulações, essa «natureza» é a .realidade externa.,
objetiva, independente de um sujeito que sobre ela se debruça
e a questiona. Nesta perspectiva é que temos a oposição entre
consciência e matéria (realidade) que segue paralela à dicotomia real/ideal e, junto com ela, o dogma segundo o qual a
matéria é anterior à consciência. E sendo anterior é naturalmente a parcela que a engloba e emoldura. Sabemos que
nesta posição o natural é visto como anterior ao biológico
que, por sua vez, é anterior ao social que, por sua vez, é
anterior ao individual. Temos uma verdadeira cadeia hierarquizada, numa ordem especifica que vai do natural num sentido totalizador, ao biológico, ao instrumental, ao institucional, ao social, ao grupal e ao individual, forma que é t0.mada como a mais desenvolvida e cqmplexa. Claro est;á que
aqui temos, numa cápsula, o desenvolvimento da «ciência..,
tal como ela é concebida no nosso mundo social. Temos também, aqui repetido, o dogma da criação, quando Deus inventa
primeiro a natureza começando do seu plano fisico (a invenção da luz) e a partir dai, chegando ao plano dos animais,
do homem, da mulher e, finalmente, das regras sociais,
quando Ele se retira de cena, deixando o homem entregue
a seu próprio destino. Também na Bíblia as relações são
visivelmente hierarquizadas, com a natureza existindo antes
do homem e o indivíduo preexistindo à invenção do universô
social que é, permitam-me dizer, visto em todo o relato comO
a fonte de todos os problemas e discórdias.
A questão não é s6 a de revelai' que a conceituação é
um ponto pacífico para nós, já que ela é sempre vista como
parte e parcela do .mundo reab, o mundo exterior, a realidade intransponível etc. Mas de mostrar também como o
natural é classificado em oposição ao social e ao cultural.
Numa palavra, na nossa ideologia e sistemas de valores, o
homem está em oposição à natureza numa atitude que não
é nada contemplativa, mas ativa. Ele visa o seu domínio e
controle, o seu comando. Assim, na orientação ideológica pOpular, a dialética é a do homem saindo da 'natureza e, depois,
40
voltando-se contra ela, com o intuito de dominá-Ia pelo progresso. Essa é a dialética do senso-comum, dialética que evidentemente entra'em choque com a visão que' apresenta
homem e natureza; ou melhor, sociedade e natureza como
duas entidades que se formam de modo simultâneo e que podem ter entre si relações marcadas por outros dinamismos.
Mas isso não é tudo. Essa percepção «naturalista» de
senso-comum tende fatahnente a cair numa atitude instrumentalista ou utilitarista das regras e instituições sociais.
Nesta atitude, como já alumbramos páginas atrás, todos os
atos humanos diferenciadores ou instauradores de diferenças
entre as sociedades acabam sendo reduzidos a respostas ou
meras adaptações a um conjunto de desafios tomados como
universais. De acordo com tal posição, ainda hoje defendida
por muitos cientistas sociais, temos uma cadeia de processos
que se passam mais ou menos assim:
Primeiro Ato: A natureza hostil e ameaçadora reina absoluta
(como nas gravuras dos livros sobre pré-história); o
mundo é povoado e povoado intensamente por todo O tipo
de animais monstruosOll e fenômenos naturais perigosos:
vendavais, vulcões, tempestades, glaciações.
Segundo Ato: Neste mundo aparece o homem. Ele é apresentado, mesmo nos livros de Antropologia Biológica,
como ser único e universal- - como o homem da Declaração dos Direitos Humanos, nu e fraco. Solitário. O
homem é um indivíduo dotado de inteligência superior.
Terceiro Ato: Pelo exercício de sua inteligência que é estimulada pelo mundo exterior hostil, o homem - como um
verdadeiro empiricista no melhor estilo britânico - começa a aprender pela experiência. O fogo descoberto ao
acaso nas lavas vulcânicas, por exemplo, permite-lhe
descobrir o seu uso. O ódio contra um animal mais
forte faz com que aprenda a utilizar um pedaço de
pedra ou árvore como arma. E assim o homem descobre a tecnologia.
Comentário ImpOTtante: Volto N。LᅦィュA|ヲ⦅ᆰMセ ̄lpャjZ@
セ。エッ@
J!ft_que,-a.,..nossa_ mifóiogia.....cientfiica. !li!. Qtigem do
_セ・ュ⦅ャFAイオ^Nア|ヲ[@
セoacjᄎAゥャイN・MヲエeLョ@
pre-histórico como ..hostil,
guando ele poderIa' ..ser
per-,-- ,'- ., -.' "-"-"-_' .. ......
"-,- ,"--""'"
'"
-,
-'
41
,-,,-,'
MセB
feitamente 」。ャュッセア、ゥQNPDqB@
E ainda que o homem pri1lIitívó;õAdiõ da nossa Antropologia Biolólfica e dos
esquemas vitorianos, seja forçado a descobrir e a inventar pela força do ambiente. Ou seja: o homem' não poderia inventar sem o impulso de uma força a ele exterior, como o pecado, a mudança ambiental ou' o próprio
Deus. E é isso que provoca (arranca, seria melhor
dizer) dele uma resposta! Não é, pois, ao acaso que a
Antropologia de LéviStrauss tenha causado polêmica
quando ela sugere a possibilidade de imaginar a espécie humana tendo a capacidade de inventar, contemplar e especular sobre o mundo e sobre si própria, do
mesmo modo que faz um filósofo da Sorbonne ou de
Harvard! Por que não seria possível imaginar o nosso
Adão da Ciência como um ser fundamentalmente contemplativo e filosófico, vivendo num mundo natural dadivoso e com facilidades para encontrar todó o tipo de
。ャゥュ・セエッウ_@
:É QJ!e, nonoss.oJistell!f!...J.9!!91ágicQ,..,a.ação
セャA£ウNゥューQヲョエ・Mcq@
iQ・、ゥ。セッL
q() Hqlle_ HILセᆰュ・ョエッ@
E este, sem dúvida, é um dos nossos mais ,importantes
paradoxos. Como, perguntase, podese privilegiar a
ação, num universo social no qual o individuo é tão
fundamental ?
Quarto Ato: Descoberto um modo de intM'Vir na natureza,
e conhecendo a magnitude e o poder destrutivo das forças
naturais, o homem passa a se conhecer como fraco e so·
litário. Decide então agruparse e formar asociooade.
Pano-
Nosso teatro1bL.OngellL!lo Homem revela ie creio que
セュオ■エッウ@
errosLHUIna...yisão uti!itari.'lto; da cllltu;r;ae...da.
soヲ ̄、・Mcッitョセnj。L@
como vimos, o social é um fenômeno
seilünãário: uma resposta aos elementos natllrais (internos
e externos) que de fato cercam a vida humana e para ele
colocam problemas e estímulos.
Quais os enganos deste teatro?
Q.ptimeiro é que ele fala do homem quandn, na verdade"
セ・@
WII!,!l!!..J!.l!!l.,..セeAᅪᆰBᄎL@
cult\l:.lIs.... O ィッュセ@
é uma
invenÇã()"ooidental e, ainda que possa ser um conceIto generoso e útil em muitos contextos, não se pode esquecer que
é uma invenção social determinada, parte importante de um
sistema social que se concebe como formado de individuos
e no qual são esses átomos sociais as indivíduos que
se constituem nos seus elementos mais básicos.
NHlウセョ、ッ@
セ@ que, fa:hwdo do homem· e· deímndo'deIado '
as' ウッ」ゥセ。、・@
",culturas, falase de universalidades e dege.,
É curioso
!iêralldades, jamais chegando perto da!l. 、ェヲ・イiQ。セN@
observar essa ambigüidade diiilite' dO" diverso e do específico,
sobretudo em sociedades marcadas como é o caso da brasileira, por uma tendência hierarquizante. Tomando o homem
como um ser da «resposta instrumentah, deixamos de lado
a tarefa realmente básica de explicar as diferenças.
Nセo ...エNi[ャjZセᅪq@
é.... que,...4eJ!'J!M.9 .NjャAlLヲᅦゥセ⦅、イ・ョ。ウ
..
inventamos uma ュ・ョエ。ャゥ、N⦅セァ」LAjlZ
..ql,!!l1 . o
@§àn1 não 」ッョエ・ューiNャ|⦅jキセ[qᄃAZ@
Aセ
. .re,?K"'.. ᆰセZオAュWN@
,!>ililIlte natural, como uma espécie de cão de Pav!Qy. Jil. nesta
qAセャZ。j、T・L@
N・ウセ。@
NイセーッウQ\。
..,á.. tanto__maiILelara,.....ql,l,@!o.J!!!!is
ーイェュセエゥy。@
·.for. a sociedade. Entre os índios brasileiros, que
·ós"·ântropólogos da «ciência ecológica» percebem como primitivos, pois têm uma capacidade muito baixa de acumular
energia, a sociedade somente reage de modo direto. Em tais
sociedades não se contempla a pOSSibilidade de o pensamento
analítico existir de fato, de modo que o processo se passe
ao contrário: com a sociedade provocando a mudança do
ambiente em sua volta; ou pensando e experimentando com
uma nova fOJ:'ina de organização social. Não! Só na nossa
sociedade e no nosso sistema é que novas formal! de relacionamento social podem ser descobertas e inven:adas. Em
outras palavras, o ponto de partida da mentalidade instrumental e ecológica é a de que os índios e nativos em geral
42
43
Quinto Ato: Uma vez em sociedade, mas mantendo dentro
dele todos os impulsos antisociais individualistas, como
a fome, a agressividade e o sexo, o homem se ,vê novamente obrigadO, pela força da experiência negativá, à inventar
as instituições. Deste modo, a agressividade engendra as
leis, a polltica e o direito; o apetite sexual, provoca a
invenção da familia, do incesto, do casamento e do parentesco; a fome conduz à descoberta do trabalho e do
valor dos alimentos pela lei da escassez. Os eventos
anormais, como a coincidência, a morte; o sonho e a desgraça, leva à religião.
I
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1i\1 セ@
sem
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são mesmo primitivos e não podem experimentar com suas
formas sociais. Eles também não têm a capacidade de reformar Suas instituições políticas e religiosas, realizando
revoluções e inovações. Apenas se constata, no caso das sociedades tribais, a capacidade duvidosa e nada imaginativa
de responder a problemas colocados pela natureza. O que tal
perspeetiva jama:is se coloca é a possibilidade de respostas
diversas para os mesmos desafios. Se realmente existe uma
dicotomia tão definitiva entre menlJe..e"matéria;··realeid""l,
e M[Gエオイセ・
c!ili:\ii,lh キNゥZセアオエ ̄o・クウュイーッ。
..diferentes P!H:a. proQlemasconsiderados como semelhantes.'/, .l;'C!!._
que o que. é real aqui, é ideal lá, naquela outra sociedade;
e' o que é considerado .civiqzad.Q. entre nós é tido .. eomo セBャᆳ
vagem entre os selvagens., Caso o mundo sociaLfosse. realmente regido. por leis utilitárias; ..ou .melhor, .por. forças ..cuja
lQg"ica. fus.s.c. イ・。ャュョNエセ」ッアオiZ
..ッウN。ョエイpャセM、・ーZ[@
tos desta perspeeti"a. NゥョウAイャエGスセILコ|オ
...= ... r.edutível'.a 'uma
racio.nalidade,por.que. hav.eríamos. de ter. difer,enças,1 E mais,
respostas realmente antieconômicas. Nós voltaremos a tais
problemas criticos das diversas possibilidades de interpretação sociOlógica. Por enquanto, porém, basta acentuar ma:is
uma vez que o problema SOciológico nunca será resolvido
adequadamente pela visão utilitarista da cultura, mas de uma
posição onde a consciênêia terá que ser discutida e levada
em consideração.
fi1!l!lmente,..como.. quru:toponto, temos, que .a.:msão. do
s,otei.aI ancoJ;:afta no rゥッiqァウュセNオᄋ@
no naturalismo Hセュ。エ・ᆳ
rialismo vulgar), e atualizada na Antropologia moderna ..sop
a forma de Antropologia ...Ecológica ou. visão instrumenta:lista, utilitarisl:!L ou' セイカッャNAェエオlZ。・ウ」、L@
re、NオコaZ ̄ヲAャエ・ョセ¬イウ@
a.respostas culturais, deixando de
ínquirir sobre a .diversidade humana, >ponto fundamental da
perspeetiva antropOlógica.
.... ". '.
E aqui voltamos à questão inicial. O biológico não permite explicar ou interpretar diferenças porque o homem é
uma só espécie no planeta. Assim, tomar instituições culturais e socia:is e tratálas como um biólogo, em termos de
conceitos como adaptabilidade, estímulo etc. a mudanças su ,
postamente ocorridas no meio exterior, é evitar penetrar na
razão crítica das diferenças entre as sociedades e penetrar
nesta área é estar começando a ficar preparado para discutir
I"
IIIIIII
1
lil
44
J
LセM
r
o mundo social e cultural o mundo da diversidade, da
história e da espeeificidade.
Podemos, então, dizer qlle O biológico diz respeito ao
[email protected], ao intrínseco. ao que ョ ̄ッセj[ュャ。、⦅N
consciência e pelas イセvQGs@
in:v.entadas{ludescobertaS...I1!'la sociedade.
Õ llllllliIT,eíi1;retanto, é o !lllDSÍO. Como colocou M. Levy Jr.,
um destacado sociólogo americano, UçãtL§.9cial é toda a
. ação que não QャᄎT・NjAlᆰMY|siゥセ、■ZGuー」。@
am tcmw5
de: 'â) ... l'átores· .. de..Jler.edita,Pie<ilade e b) do ambiente não
llUn:!.<lnP (cf. Levy Jr., 1952: 78). O que セNゥ■sャuAjヲZad、ッ@
dizer é que a 。セャAlNi[VLッ、IjイオZョゥウMエ・アᆳ
tMa e eventualmente explic,'l4.íL..:oot:...JI..W.lL{ll:Ó.prio.§ termos•.
[ュャセオZMj、ゥヲGウ↑イ
··iiiífiji(d.ii, ..como..pl'etendemos....ll.ll.tr.o.P111oWl.
favoráveis a uma visão utilitarista da eultum, nem a fatorés' 'genetic,(ís'(õü"'ã ョャIゥs。M■ ̄エオイセLサ・
.. Aセ@
!l fatore§.
externos, .como' a idéia de nature7,3 conceoida como mundo
real;éiterlot .!,Qfu..ウオ。Nセゥq|l
.NゥセA@
'Comõjã havia
demólliitrà(io" Durkheim, o social é 。AァqNュjセZャ|LH⦅@
uma forma de.. 」ッョウイゥ↑ZiINセ[ᆰーGAヲエ@
セNᆰLウッャIゥHェ
... セ ..!!ma
môdaJidade de ser nãoautomática e sobredetarminada. Por
outro lado, um fatO so」ゥ。イLMu■セ¬ャウエヲッGュ ̄[@
uma
classificação de um pedaço do mundo, implica em determinações múltiplas, sobre outras instituições, fatos e sobre o
próprio mundo. De fato, eu não posso ter uma classificação
dos animais, por exemplo, peia metade; ou melhor, abrindo
mão de certos animais e apenas classificando um terço da
minha fauna, Se eu classifico dois mamíferos, já classifiquei
residualmente todos os outros, embora não tenha realizado
isso de modo explicito. Tratase, neste caso, da classificação
pelo silêncio ou pelo vazio que os estudiosos de semâ:htica
reconhecem como tão importante, pois que às vezes o «clamor
do silêncio» é bem maior e mais eloqüente que os gritos de
quem discursa.
Como ponto básico, podemos dizer, numa formulação que
será a.mpliadá nos próximos capítulos, que o 80ciaJ, (e cultural) セLZエケNァjI。Aャlアオ・@
jオNᄎセーョ、・。⦅ャエヲZ@
(geャQZ←NエAセ
..º))._quadro'genético) .9U externa:. (fato:t:es....ambi!\ll.tais,
naturais). ᄎャiNセェ。L⦅エッ、ウアオ・MAョ ̄ーァュイ@
razoavelmente resolY.idos__ .por ..・ウセ
..セAャェ[qlLN・ョ、Mュ。Zゥウ@
セ`Nエ・
...tXl\cI;'l4º!l._quando são estudados uns ・セ@
aos outros. Se tal formlilaçaõnãõTaeffííitiva, deixando em
...........,_...,.....
45
aberto muitos problemas, ela pelo menos tem a enorme vantagem de situar, à maneira de Durkheim, um campo (ou
um objeto) dentro do qual podemos trabalhar com essa realidade que estamos tomando como sociológico e que é o nosso
alvo deslindar. Ela também expõe claramente a ー・イウセ」エゥᆳ
va a meU ver.. critica, de acordõ.. com.a qual o mundo sôciãI
éum fenômeno c!Yletivo"gIobalizante,. múltiplo e dependente
para sua compreensão correta, de uma abordagem capaz. de
percebêlo e estudálo nestes termos. O social n.ão decorre
dE) um. impuLw natural. (como o chàmââo .instinto gregário; i;
'de urna resposta a um estímulo externo (como
um terremoto), nem de urna reação à condição básica. de.
que os homens têm uma existência individual. Ele.Ill!:o. é ....
ll.tIiAestrada de mão única, com diretrizes bem traçalW!_El
dôíiilnlos 'bem demarcados, exceto na nossa cabeça" ョYNᄃウャMセᆳ
temas de classificação e ,nas nossas. teorias. qNAセャ。Lj・ウエ@
perspecj;iva,é ,muito mais um caminho.. amp!Q" com muitas
、ゥセ@
e zQnas.,,9,e encontrQ' e" espaços.de . choque, eçQnflito:' E . aqui" poderia, sem nenhuma dúvida, lembrar uma elaboração de Marx freqüentemente esquecida nestes dias de
sequiosa busca de certezas, quando uma visão totalitária do
mundo social é marcante: .Os homens fazem sua. própria
história, mas não a fazem como qúerem; .não a"fazem ,sob
circunstâncias de sua escolha. e .sim sob aquelas com qUE)
se defrontam, diretamente .legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime comó
Um pesadelo o cérebro. dos vivos. E justamente continua
básica ':=' ql:!arido pareceiíi empeMurx 'IlUma outra pセァN
nhadOS,,1lIll revolucionarse a" aLe às coisas, em 'criar l!lgQ
que jamais ・クゥウエオセ@
precisamente ョセウエ・@
penodos de éÍ:ise
revolucionária, os holl1e\ls conjuram. aasiQSamente em seu
emprestado os
auxilio os espíritos do passado, .. エッュセ・ウL
nomes, os gritos de guerra e as roupagens,,,,a ..fim de apresentarse nessa linguagem .. ・ューイウエ。、ᄏセ@
(cf. Marx, 1974:
334). Neste estudo, que deveria ser lido por todos quantos
se interessam por urna visão realmente 8aciológwa e generosa
da vida social, Marx simplesmente revela que a conspiração
e a revolução ou seja, os momentos em que a açãQ determinada, planificada e dlreta seria possível não são absolutamente momentos vazios, mas situações altamente dramáticas, em que o passado e o presente se c011fundem e homens
nem
g
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I
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46
e valores são, muitas vezes, trocados, realizando precisamente o inverso daquilo que intentavam fazer. Esta visão da totalidade social como drama;, ponto fundamental deste estudo
genial de Marx, informa esta minha visão do social como
um plano capaz de formarse a si próprio, tendo suas próprias regras e, por tudo isso, possulndo um dinamismo especial que é vantajoso para o observador interpretar e compreender nos termos de suas múltiplas determinações e
ambigüidades.
6. O Social e o Cultural
Até agora estive considerando o social e o cultural como
categorias que reve1am uma parcela semelhante da condição
humana. Ê tempo de buscar indicar suas diferenças, embora
a tarefa carregue consigo. o risco da visão 'parcial ê"ã:'ConIsso, porém,
seqüentê'"diicordância de. ッオセイョウNL・ー」ゥャAC↑Q@
não 'deve' nós 'deslludirVlsto que é possível indlcar cami·
nhos parcials, práticos e teóricos, pelos quais o estudante
posas refletir sobre a realidade social humana de forma
fecunda.
Iniciemos nossa visão das diferenças entre socied!:tde e
AZオャエセMN、イ。ョjゥッ⦅LGケェウ ̄
. e clética, segundo..セZ[|NアA。lッウ
:,doi8'
.. NィAャQュセ@
fenômegQs"são parte de urna mesma coisa, a, イ・セャゥ、。YNA
セL⦅ウオ。@
、ゥヲ・イョ。ウ⦅ッ」セ
.. Aャカ・エセL@
」ッュセ@
se tudo. 、↑ー・ョ ̄s[ゥMiᅳャ{。LNセ`F\A⦅lェyウエqッイ@
Ê
clàro qúe'ã IíõsíÇão B、ッゥョカセエN。AQZイLャ`・il@
mas, sõ'ft
penã'aeÍiicorrermõS'iium'ゥ、セャョAl
ー。イセNオ、q@
nela não resolve "rióSSQS"'p'roblemas, 0_ ヲ。セ
.. ,cQ!ll;l'.eto.,é._qru;l
eiiste, no pllino mesmo' 、。セーゥG£u」@
antroPológica erudita .ou
Ingênua, uma noção destas diferenciações. Um exemplo simples'" tornará mais claro o que diiO: 'posso ver urna sociedade de formigas em funcionamento. Mas formigas não
falam e não produzem obras de arte que marquem diferenças entre formigueiros específicos. Em outras palavras,
embora a ação das formigas modifique o ambiente sabemos que elas são, em muitos casos, urna pra;a esse
ambiente é modificado sempre do mesmo modo e com o
uso das mesmas matérias químicas, caso se trate de uma
mesma espécie de formigas. Essa constância e uniformização
47
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セ@
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i,
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diante do tempo permite que se explicite um primeiro postulado importante: entre (UI formigas (e outros animais 8oeÚ!i8)
existe sociedade, mas niW existe eultura. Ou sej a, existe uma
totalidade ordenada de indivíduos que atuam como coletividade. Exíste também uma divisão de trabalho, de sexos e
idades. Pode haver uma direção coletiva e uma orientação
especial em caso de acidentes e perigos tudo isso que sabemos ser essencial nas definições de sociedade. Mas não
há cultura porque não existe uma tradição vivo-, conscientemente elaborada que passe de geração para geração, que
permita individualizar ou tornar singular e única uma dada
comunidade relativamente às outras (constituídas de pessoas
da mesma espécie).
sェャョlオュ。NエjZ、■ ̄qアᆰMAセ
coletivídade セ⦅カゥ・[ZNRd。@
、。ャANj[キセュウMョ ̄ッエ・ᄋ」■↑ゥl\|ァQ⦅cIG
..Efér consciência é poder ser socializado, isto é, é se situar
diante de uma lógica de inclusões necessárias e exclusões
fundamentsis, num exaustivo e muitas vezes dramático diálogo entre o que 1WS SQ1IWS (ou queremos ser) e aquilo que
os outros são e, logicamente, nós não devemos ser. A consciência de regras e normas é, pois, uma forma de presença
social, sempre dada num dialogar com posições bem marcadas pejo grupo. Quando eu tenho consciência de que devo
escrever ou dar minha opinião sobre um determinado assunto, estou sempre realizando a ação depois de um diálogo
com minha consciência. E minha consciência é um «armazém» de paradigmas e regras de ação, todas colocadas ali
pelo meu grupo e minha biografia neste grupo. Jlroo é pois,
por acaso, que a consciência é sempre materializada entre
nós como uma zona de diálogos, onde constantemente se
digladíam um Anjo Bom e um Demônio.
_Q0'.'.l0 ヲAqQャNセアmwᆰMァゥ|キ⦅jェエイッ@
LカゥケセN@
e .セ@ 」ッョャセ⦅↑ゥ[|
ウセlNオ「・ュキi|Ajャゥェ、。@
E responsabilidade significa excluir possibilidades e isso diz respeito a formas de
escolhas eI\tre muitos modos de pensar, perceber, classificar,
ordenar e praticar uma ação sobre o real. Uma tradição
AᅪNyiZLセ⦅ッゥウ@
um conjunto 、セウ」ッャョNw_⦅ァオ・@
neeessari.ãi'
[email protected]
excluem formas de realizar tarefãS·e de_cIRssifiêal'.o..mundo.
Dançamós désiem(;(fõeiíãOdaqueíê; tomamos a colheita
do milho e não o final do inverno como ponto crítico para
demarcar o tempo; assumimos o incesto como o pecado mais
48
セ@
r
l
infernal que alguém possa cometer, deixando de lado o adultério; tomamos a mulher como elemento de mediação entre
homens e deuses. enquanto que nossos vízinhos· escolheram
a criança para a mesma função; não comemos animais de
saI\gue quente na sextafeira, mas comemos porco em todos
os outros dias não santificados e a lista de exclusões
(e inclusões) seria verdadeiramente infinita.. _
!er エイセ@
セゥイオィ⦅j_YlqL@
mais do que viver
ッイセ・AI。、ュャ⦅
e certas イセ。ウ@
plena:me:gte estabelll!lidas. ..§!ieAヲゥaNェャセ@
sim,_':ivjlnciar as イ・ュl、NMdッセョウ」ゥエャjQZA@
(e
responsável), cqiAャエjセl、・ョNZHェLオュ。
.io:rma.. qualqq.er_)'le.
エ・ューッセャェj[mN@
Quando nós vivemos regras sobre as quais
sentimos que não temos nenhum controle, pois são normas
inflexíveis, classificamos a situação de modo especial: OU
estamos jogando ou estamos vivendo um contexto dramãtico,
como o aprisionamento numa cela. Realmente, nestas condições, são as regras que nos vivem e somos nós quem por
elas passamos, sem nenhuma condição de modificálas. Um
bom jogador é aquele que é capaz de atualizar com precisão
as regras do jogo que joga. E um prisioneiro passa pela
prisão sem poder devolver ao sistema suas vívencias mais
básicas, pois a punição numa sociedade histórica é precisamente colocar aiguém diante do inferno de uma situação
cujas no.rmas não estão no tempo, sendo imutãveis.
Mas no caso {las tradições culturais autênticas, o proN」・ウセ@
é 、■。ャセエゥ」ッ・⦅iNlIAョ¬MZュサ[イGpᄃjwqー ̄B@
entrp regras e o grupo quea,s realiza.. nasua prática__ ウoci。ャNセ@
·Pois· se·as.regrnS·vIvem···o grupo, o grupo também vive as
regras. :e precisamente esse duplo vivenciar e conceber que
permite a singularização, valorização e preenchlmento do
tempo, tornandoo visivel, significativo e, muitas vezes, precioso. Ocasiões sociaimente valorizadas pelo grupo fazem com
que sua duração (seu tempo) se torne rara, «passe depressa
demais», transformese em ouro puro qUllJldo um artista o
preenche com seu vírtuosismo e o attllJlca das periodizaçôes
diárias. Situações socialmente negativas inventam durações
temporais ambíguas, onde o tempo fica paralisado e horas
parecem dias.
A tradição, assim, torna as regras passlveis de serem
vívenciadas, abrigadas e possuídas pelo grupo que as inventou e adotou, de tal modo que, numa sociedade hu.."llana, seus
49
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membros acabsm por perceber sua tradição como algo inventado especialmente para eles, como uma coisa que lhes pertence. Assim dizem: «fazemos, deste modo porque assim diz
noS8!L tradição" e a «n:ôssatradição» é uma realidade (e
Uííia realização) dinâmica. Que está dentro e fora do grupo;
que pertence aosãncéstrais e espíritos; que a legitimam e
a nós mesmos (pobres mortais), que a atualizamos e honramos no espaço atual, no momento presente.
Sociedades sem tradição são sistemas coletivos sem cultura. Mas além de estarem submetidas a leis e normas universais, impermeáveis à passagem do tempo e das gerações,
as sociedades de formigas e abelhas nada deixam que as
individualize. Quando desaparecem, sobra apenas sua ação
mais violenta sobre um dado ambiente natural. Mas, destas
sobras, é impossível reconstruir o comportamento de seus
indivíduos e dos seus grupos. Em outras palavras, formigas
e outros animais sociais estão sujeitos a uma apreensão
sincrônica do seu comportamento. Caso a sociedade desapareça no tempo, sua reconstrução é impossível ficando o
animal representado individualmente, como os dinossauros
que nunca são representados em grupo. Os animais não
deixam nada comparável a uma tradição quando desaparecem. Sua sociedade é um conjunto de mecanismos dados numa
estrutura genética, contidos na própria espécie, não se destacando dela e, por isso mesmo, jamais permitindo inovações
que poderiam consagrar espaços especiais para diferenciações
de quaisquer tipos.
Podemos allSim dizer que sociedades sem cultura apenas
acontecem no caso das «animais sociais» (uma expressão,'
sem dúvida, contraditória). No caso do homem, a cada sociedade corresponde uma tradição cultural que se assenta no
tempo e se projeta no espaço. Daí o seguinte postulado básico: dado o fato de que a cultura pode ser reificada no
tempo e no espaço (através de sua projeção e materialização
em objetos), ela pode sobreviver à sociedade que a atualiza
num conj unto de práticas concretas e visíveis. Assim, pode
/uI/ver cultura Bem sociedade, embora não possa e:CÚltir uma
sociedade sem cultura.
Em outras palavras, posso ter resíduos daquilo que foi a
sociedade do Egito Antigo na forma de restos de monumentos arquitetônicos, estátuas, campos de cultivo, decretos reais,
50
i;,
selos comemorativos, obras de arte e tratados científicos c
filosóficos, embora a sociedade do Antigo Egito tenha desaparecido diante dos meus olhos. Dito de outro modo, não tenho
mais um sistema de ação entre grupos, categorias, classes s0ciais, estamentos e individuos que fiseram a coletividade do
Egito Antigo e atualizaram um certo conjunto de valores,
expressivos de uma dada tradição. Apenas tenho certas cristalizações (ou materializaçóes) deste sistema de ação, objetificações que são tantO um reflexo direto deste sistema de
práticas concretas, quant) esse prnprio sistema. Mas tudo
isso dado através de uma forma indireta de suas repre,sentações. Vale dizer: por meio de um espelho que é a cultura ou a tradição reificada. Mas como nem tudo que pertence a uma tradição poce ser reificado ou o grupo deseja
ver reificado em coisas materiais, sabemoE que é impossível
ter todo o sistema de ação social reproduzido em objetos,
do mesmo modo que nem todos os valores são igualmente
concretizados. Daí tamlltm" a .. disti!1ção ・ョエイNウqcゥ、。Lセ@
cl!ltura como dois 'segmentos imPortinf.1l!> 、ᅦャNL[イ・。ゥAセィオュョZ@
UABーイゥュ・ッNョ、セᆰHI」ェオエウ@
、・LNiAᅦᆰHャー。YイqwコjセlI⦅@
gundo .espressando va.llireS'e·.idii;Qlogiasquefazem .Parteda.
outra ponta daJ.®lidade..sociaL..(a,.cultUl:a). Uma se reflete
n1if óu:tra;uma é o espelho da outra, mas nunca uma pode
reproduzir integralmente a outra. Dai. novamente, a implicação de que o germe da mudança, da transição e da pr6pria morta. já escondido :10 vasto espaço existente entre as
práticas (com sua lógica organizatória) e teoria com suas
asas de anjo e idealizações que permitem E,nxergar o mundo
transformado. De fato, se a sociedade do Antigo Egito fosse
uma reprodução exata dos valores e ideologias do Antigo
Egito (vale dizer: de sua cultura), seria impossível aos seus
membros distinguir e atribuir valores a pedaços de suas ações
sociais. Porque nem tudo no Antigo Egito foi feito de pedra
ou de ouro; e nem tudo foi cercado de objetos materiais
indicativos do seu valor excepcional e de sua pompa verdadeiramente sagrada. É pela cristalização material que,
muitas vezes, nós podemos separar, distinguir e atribuir significado às nossas ações. O domínio do sag?ado (e do poder
que, em muitos 'sistemas, se mistura com ele) é freqüentemente uma esfera interdita, segregada, secreta, próxima da
morte que, como nos diz Thomas Mann, inspira respeito
51
e nos faz andar na ponta dos pés. Aqui nestas regiões, as
ações sociais concretas e que devem obedecer às constrições
da força da gravidade, da lógica da comunicação, das restrições especiais e dos mecanismos grupais, são cercadas de
uma parafernália material que Ibes transforma e empresta
poder. É precisamente essa moldura material ao redor de
conjuntos de ações humanas que as distingue de outros conjuntos. O que resta de uma sociedade é, pois, em geral, aquilo
que era sagrado e altamente significativo, transformador,
precioso. Mas, além disso, é preciso indicar que a realidade
cultural remete a um plano especulativo, ideal e idealizado,
sempre resistente a uma atualização perfeita e integral em
termos de ações humanas e de personagens humanos. Eu
me pergunto secretamente quantos sacerdotes egípcios não
teriam ficado decepcionados com o porte de seu Faraó, distante das suas representações ideais do que deveria ser o .
deus-homem. A cultura, portanto, trabalha sempre com formas puras, perfeitas, que se ajustam ou não à sua reprodução concreta no mundo da sociedade, o mundo expressivo
das realizações e realidades concretas. Devo observar, entretanto, que isso não significa de modo algum que estou endossando uma visão conhecida entre nós, segundo a qual o ideal
é melhor do que o real. Não! O que cada sociedade faz desta
distinção é um problema social significativo. Eu apenas afirmo que a distinção deve ser universal e importante. Mas
não sei como cada grupo humano situa o real e o ideal em
seus esquemas conceituais. Temos sociedades, como a nossa,
onde o ideal é básico, tomado como o mais importante. Às
vezes como a verdadeira realidade. Temos soeiedades como
a Apinayé (cf. Da Matta, 1976), onde o real é considerado
como muito mais «forte" e melhor do que o ideal. E temos
também grupos onde real e ideal formam uma só «realidade», sendo impossível distinguir a prática da teoria. Isso,
porém, não invalida a distinção que estamos buscando estabelecer entre sociedade e cultura, posto que ela tem uma vigência. fundamental em muitos sistemas e, pela comparação,
pode ser colocada sob foco analítico e relativizada.
Desta posição vemos que não há possibilidade de uma
entre o domínio da cultura e o
reprodução de ᆱオュMー。イセ@
domínio da sociedade. Eles buscam se reproduzir, é certo,
mas de um modo complexo, imperfeito, sobrando sempre
muitas esferas sem encaixe perfeito e muitos resíduos que
devem depois ser aproveitados pela totalidade. Essa distância - que, na nôssa sociedade, é, de fato, a distância entre
o céu e a terra. - é um foco poderoso de mudança social
e de transformação. Por causa disso, é sempre bom usar
- quando buscamos essa distinção - a comparação com o
teatro para expressar claramente a diferenciação entre sociedade e cultura.
Reaimente, no teatro temos sempre um problema fundamental de ajustamento interpretativo entre um twtQ, digamos, Romeu e J'IJlieta, de Shakespeare, e um sistema de ações
concretamente dados num dado local (o palco e o teatro).
Ou seja, estão aqui colocados os ingredientes básicos do fenômeno social: temos valores e idéias que devem ser vistos
e ouvidos (e não lidos) e o prOblema de como atualizá-los
em um conjunto de ações dramáticas, práticas. Sabemos que
raras vezes poderemos atualizar perfeitamente um texto tão
rico e complexo como o de Romeu e Julie-..a de modo perfeito. A busca dos atores já é algo difícil. Sua interpretação é outro problema. A discussão de suas roupas, ambientação histórica e a própria consideração de tudo issQ, constituem nova dificuldade. Por que não realizar um Romeu
e Julieta moderno?
Mas, aiém de todas essas questões, temos uma dicotomia fundamenta: entre um texto escrito numa outra era
(mas que faz parte de nossa tradição cultural) e um sistema de ações concretas, visíveis, que se deseja montar. Creio
que o texto serve bem como uma metáfora da cultura, tal
como estou apresentando aqui; ao passo que a sociedade é o
plano representado pelo espetáculo teatrai na sua prática
dramática e cênica. Um não vive sem o outro, embora o
texto possa sobreviver às várias interpretações do drama.
Mas o texto por si só é como a cultura do Egito Antigo.
Transforma-se em mero objeto deslocado, virando peça de
museus e coleções. É uma espécie de fantasma, entidade sem
corpo, em busca de um grupo de pessoas imperfeitas, mas
reais e capazes de lhe restituir a vida. Texto e dramatização
têm sua realidade e oferecem seus problemas.
Um deles é que a dramatização do texto põe problemas concretos. Ê preciso um local, um cenário, uma divisão
de trabalho por ::a:refas, por sexos, por idades. É necessário
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um maquilador que ajude a disfarçar as distâncias entre as
exigências do texto e a realidade física dos atores. A presença de um ordenador de conflitos e de ações é crítica,
pois o diretor serve de ponte entre ações individuais e o
texto que coletiviza e sistematiza tudo coerentemente numa
históría etc. Tal como ocorre no plano social, a peça cria
suas necessidades próprias, dentro de uma lógica do concreto que lhe diz respeito e, ao mesmo tempo, faz restrições ao
texto. Algumas são passíveis de superação; outras não. A
síntese de tudo isso é o espetáculo e permite também - pela
comparação sistemática dizer qual a representação de
Romeu e Julieta que foi mais feliz ou mais sincera ...
A sociedade, portanto, traz problemas de ordem concretos, práticos. Ela conduz quase que mecanicamente ao conjunto, à totalidade, pois uma ação individual remete a outra
e um grupo de pessoas se liga a outro. Por outro lado, ações
requerem necessariamente espaços e instrumentos e tudo isso
implica em mobilizar, esmagar, controlar e colocar pessoas
lado a lado. Enquanto o texto pode iguorar elos pessoais e
sociais concretos, processos emocionais formados ao longo
dos ensaios da peça, a. sua representação não pode deixar
de presenciar essas formas de relações entre atores e seus
papéis; os personagens entre si, dentro do texto da peça;
entre os atores como pessoas uns com os outros; e, ainda,
entre atores e personagens e todas as pessoas encarregadas
em «dirigirem» o show. Isso apresenta um paradoxo, pois
para termos um sistema implementado é preciso criarmos posições fora dele; gente que ficará situada ao longo e mesmo
fora da peça, mas que vigia sua representação. E isso ocorre
nas sociedades concretas, na figura das pessoas que controlam o poder e têm a obrigação de situar os desviantes e os
criminosos - os que, no drama da vida - não querem ou
não podem desempenhar os seus papéis ...
1\Jle!specj;Lv.3:A!I]eilJÜlllde..humana. a .partir.-da noção de
セッN」ゥ[。ᆰ、・@
. reinete iI\evitavelmente a. uma. oríentaçÍio.:siil:!:tJlnlca, integrada, sistêmica e concreta de pessoas, grupos, papéis e ações sociais que são muitas vezes .. YÍstosCOIllQ' üIn
organismo-ou-üma'-in-ãquiiiã. eャ。M」ュセ@
que conduz a Gセ[。
"visão da vida humana como" algo que acontece aqui e agora,
diante dos nossos olhos. Daí, certamente, ter sido o con-
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ceito de sociedade o último a surgir no campo das ciências
sociais e da antropologia social, pois não é fácil ter-se uma
perspectiva do universo humano como constituído de categorias e grupos necessariamente relacionados, todos tendo
relações com todos num jogo complexo que constitui a dinâmica da vida coletiva. Durkheim e sua «escola sociológica» desenvolveram esta posição, mas, corno veremos com mais
vagar na próxima parte, os inventores da AntropOlogia Social, gente como Tylor, por exemplo, preferiu elaborar suas
teorías ao redor da noção de cultura, pois era mais fácil
perceber a realidade humana corno feita de camadas estáticas, isoladas entre si, do que coisas dinâmicas, interligadas nUm sistema. Assim, na definição de Tylor (de 1871),
a cultura é privilegiada corno um conceito fundamental da
AntropOlOgia, mas dentro de urna visão voltada para «traços», «itens», «complexos», «objetos» e «costumes» percebidos e estudados corno elementos isolados, individualizados.
Esse ponto de vista da realidade humana corno um conjunto de elementos isolados persiste na antropologia americana,
e até teóricos importantes corno Robert H. Lowie oscilavam
entre perceber o social corno um sistema de relações ou um
conjunto confuso de coisas individuais de sentido duvidoso.
Corno urna «colcha de retalhos», como ele mesmo colocou. 2
O conceito de sociedade (e de sociál) parece prestar-se
ュ。ゥウZLセャー←イN」↑pB ̄Mᄋョ・¬@
do ..mundo humimÓ;-'pois
rue' põe claramente problemas de inter-relação entre grú-.
p1;s,.s"gmentQS,,'pessoas,. papéis ウッセゥ。@
etc., j セ@ que é v.ir-.
tilalmente impossível estudar urna sociedade concreta, em
pleno funcionamento, sem buscar interUga,r seus. domínios e
ウセeャGN|エqs
,entre. si. São, pois, abundantes, os trabalhos que
funcionais»
se orientam para a esPeculação dos «requisitos '
.. -.....
da§-,?,Ç;i!l.9ade humana, ou seja: dos traços ou mecanismos.
que urna coletividade humana deve necessariamente criar e
desenvolver para tranforÍnar-se numa sociedade. eセャNゥョ@
sàlfios;'cóinõ"'fizeram' 'tais teóricos, em termos de totalidad.es
'F"r!jlãçõéiÇ'riãõ sérá difícil perceber que urna sociedade requer"úrn"palco (um ambiente geográfico), um ..texto (valores
é-"paj)éis" 'sociais fixos), urna .linguagem eomu!p".ª...セL。エqBェャウ@
dramaturgos e espectadores», formas 'diversas de dividir o
セGMN
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2. Para uma visão anaUtica do eoneeito de cultura.. veja-se Velho e VIveIros de
Castro, 1978. Este trabalho é uma introdução às tnmsformações sofrIdas pelo conceito
de cultura e sugere BUa aplicação para o estudo de "sociedadee complexas".
55
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trabalho e as tarefas requeridas pela peça que deseja encenar, domínios que assegurem sua reprodução e sua produção,
estruturas de dominação que assegurem o controle das disputas e as zOnas de ambigüidade que o drama por ele encarnado possa engendrar; além de especialistas que possam
escrever e reescrever suas peças. A perspectiva da peça, com
seus requisitos e mecanismos institucionais, não é todo O
drama, pois esse mesmo conjunto pode exprimir dramas diversos e nós asbemos como um mesmo texto tem interpretações distintas. Assim, na 、ゥウ」オャAN ̄lYエLセjZ。・@
humana,
o conceito de sociooadê'devitsêF"sempre çomplementado 'Pela
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na visão «sociológica» do mundo. Mas essa Vlsao não consegue explicar o conteúdo destes papéis sociais que variam
enormemente de 'grupo para grupo, de sociedade para sociedade. Esse conteúdo que é dado pelas ideologias e valores
contidos nas relações sociais observáveis de um dado grupo
e são eles que irão nos ajudar a compor aquilo que é coberto pela noção de cultura. Não existe, pois, coletividade
humana que não se utilize substantivamente de uma noção
de sociedade ou de cultura para exp!imir partes de sua
realidade social. Assim, muitas vezes um costume é justificado dentro de uma moldura social; <:fazemos isso porque
é mais econômico», «temos aquilo porque existe uma ligação
entre X, Y e Z», «o chefe mandou realizar aquela tarefa
porque estava com raiva de X. etc. Mas também utilizamos a moldura cultural para exprimir e englobar condutas,
racionalizandoas e legitimandoas. Quando, por exemplo, falamas; ,,0 rei mandou matar porque isso faz parte de nossa
concepção de realeza»; «comemoramos o carnaval porque isso
'faz parte de nossa tradição», «rezamcs a Deus porque é
Ele quem informa todos os nossos costumes>. Num caso,
o apelo é para uma lógica direta, externa, aparentemente
visível. No outro, a sugestão é a de que a conduta é legitimada pelos valores e conjuntos de idéias que o grupo atualiza, honra e que, por isso mesmo, serVEm para distinguilo
como uma singularidade exclusiva.
Na perspectiva em que estamos situando a realidade social e a realidade cultural, podese dizer que o arque6logo
tem a cultura e, por meio do seu estudo detalhado, espera
chegar à sociedade. LセqMNー。ウ`⦅@
,Ilt!e. J).JI,l!tr.opólogo. socialj;em.
AGBセゥウォュ。LーNl@
(ou . a ,sociedade)" e, .observando,o.e"enten ,
e
.aos v'àlores アゥ・MZ。ッA↑ョエ、¬セ@
sistema concreto de !lcç2oo
sociais
vislveílL.e,
percebidos
...
pelo
pesquisador. A noção dé
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cultura permíte descobrir uma série de dimensões internas
" , 'I
ligadas ao modo como cada papel é vivenciado, além de indi,,', í car as «escolhas» que revelam como este grupo difere daquele na sua atualização como uma coletividade viva. Em
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';!iI' • ,\0 , outras palavras, não basta só dizer que toda a sociedade
tem uma infraestrutura que diz respeito às relações dos
homens com a natureza e instrumentos destinados a explorela e modificála (os meios de produção); e uma superestrutura que engloba as relações dos homens com os homens
e dos homens com as idéIas, espíritos e deuses, Pretender
]I (.
descrever uma coletividade humana utilizando desta visão é
o mesmo que objetivar estudar uma peça de teatro, dizendo
que o teatro tem que necessariamente ter uma platéia co·
nivente e passiva, que assiste e um grupo de atores 'num
palco, ativos e atuantes, A colocação nada tem de errada. '
Ê apenas insuficiente, já que ela jamais poderá exprimir
\
por que alguns espetáculos são bem sucedidos e outros não.
Do mesmo modo que ela não poderá venetrar na razão do
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teatro
como algo dinâmico, vivo, onde o que existe de defi
termínativo são relações, elos, interligações. Como já foi dito
anteriormente, o problema não é só explicar um conjunto
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no seu plano formal, mas também dar conta de como estas
instituições
são vividas e concebidas pelas pessoas que as
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inventaram, que as sustentam e que as reproduzem. Não há
sociedade humana sem uma noção de paternidade e de maternidade, sem idéias a respeito da filiação e do comportaii
mento ideal das suas crianças. Esse é o fator formal, dado
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Jiill'!a,8. Há., pois, entre os especialistas qUI? não percebem bem
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de ações ッ「セ・イカ£ゥウN@
Assim, os arç:ue6logos (e os his(M)' tOl'1adores da SOCIedade e da cultura) tendem a enxergar
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tudo numa ー・イウNセエゥケ。@
diacrônica, como s? a _8. ociedad? não
',,' !h' fosse realmente baslca com suas determmaçoes funClonalエセャ@
estruturais. Já os "antropólogos.,.so.ciais,,, que_obsen!anlsiste"" セLェG@ ''\ ョZエセ⦅、・L@
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Termino esta parte com uma digressão para revelar ao leitor
como a perspectiva sociológica encontra resistências no cenário social brasileiro. De fato, ela tem sido sistematicamente relegada a um plano secundário, dado que são as
doutrinas deterministas que sempre lhe tomam a frente.
Destas, vale destacar o nosso racismo contido na «fábula das
três raças» que, do final do século passado até os nossos
dias, floresceu tanto no campo erudito (das chamadas teorias científicas), quanto no campo popular, Mas o nosso
pendor para determinismos não se esgota nisso, pois logo
depois do .racismo» abraçamos o determinismo dado pelas
teorias positivistas de Augusto Comte, teorias básicas para
muitos movimentos sociais abraçados por nossas elites, enquanto que modernamente assistimos ao surgimento do marxismo vulgar como a moldura pela qual se pode orientar
muito da vida social, pol!tica e cultural do pais. Estamos,
pois, novamente às voltas com um outro determinismo, agora
fundado numa definição abrangente do «econômico» e das
«forças produtivas», e temos outra vez a possibilidade de
totalizar o mundo e a vida social num' tempo que não é o
da vontade e consciência dos agentes históricos, mas em
forças e energias que se nutrem em outras esferas, incontroladas pela vontade e desejos humanos. Num certo sentido,
retornamos a um começo, recusando a discussão aberta e
generosa de nossa realidade enquanto um fato social e histórico específico.
Nesta digressão, pois, apresento o caso do «racismo li
brasileira. como prova desta dificuldade de pensar socialmente o Brasil e ainda como uma tentativa de especular
sobre as razões que motivam as relações profundas entre
credos científicos supostamente eruditos e divorciados da
realidade social e' as ideologias vasadas na experiência concreta do dia-a-dia. Observo, então, nesta parte, como o nosso
sistema hierarquizado está plenamente de acordo com os determinismos que acabam por apresentar o todo como algo
concreto, fornecendo um lugar para cada coisa e colocando,
complementarmente, cada coisa em seu lugar. Mas é preciso
começar do começo.
E o começo aqui é a perspectiva de senso comum relativamente à Antropologia. Tomando tal posição como ponto
de partida, assinalo minha convicção segundo a qual é sempre
menor do que supomos a famosa distância que deve separar
as teorias eruditas (ou científicas) da ideologia e valores
difundidos pelo corpo sociai, idéias que, como sabemos, formam o que podemos denominar de «ideologia abrangente.
porque estão dísseminadas por todas as camadas, permeando
os seus espaços sociais. Por tudo isso, gostaria de começar
rememorando uma experiência social corriqueira para o profissional de Antropologia.
qNセjャxA\ZッL。ァオ←ュ@
,descobre, que SOlllOS «antropólogos» e os セ amigos, observo, dizem isso pronunciando a palavra,,"como
se eia fosse uma fórmula, posto que é, na maioria das ve.;es,
desconhecida, supondo uma atividade misteriosa - JLPrimeiゥG ̄Mセiァ[Zュエ。lウ・ーイ↑、@
.ao nosso trabalho com- ossos,frllnios, túmulos e esqueletos fósseis. Outra indaJ?:llçãg セ@
qUentépoâé:'igiialmenté surgir no conjunto de perguntas
sobre as «raças formadoras do Brasil», com todas aquelas
)iídagâÇÕeil'já 'conhecidás desde o tempo da eii!COlª-primária,
mas que misteriosamente persistem no nossó 'cenário--jdeol&:
giCO, perguntas que dizem' respeito a オZイョ。」ッヲゥᅪャi■ ̄NML・セ@
tíficadlL,ill..regÚiçado indiô», [ュ・ャ£イᅪセゥ。@
do negro. e a
«cupidez» e estlÍpídei"'dô--bÍ'anco' lusitano,degredado e<l!lgradado, Tais seriam ainda hoje os fatores responsáveis,
nesta visão tão errônea quanto popular, pelo nosso atraso
econômico-social, por nossa indigência cultural e da nossa
necessidade de autoritarismo político, fator corretivo básico
neste universo social que, entregue a si mesmo, s6 poderia
degenerar-se. Ouvindo tais opiniões tantas vezes, eu sempre
me pergunto se o racismo do famoso Conde de Gobineau está
realmente morto:
58
59
grupo num certo período de tempo, tendem a minimizar O
papel dos objetos materiais que o grupo cristaliza em sua
trajetória, objetos que concretizam sua história e--o'modo
pelo qual ele pode se perpetuar enquanto coletividade. Dai,
cómo estamos vendo, a importância dos dois conceitos que,
tudo indica, exprimem aspectos fundamentais da vida social
das coletividades humanas e nos ajudam a perceber sua
especificidade.
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7. Digressão: A Fábula das Três Raças,
ou o Problema do Racismo à Brasileira
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melhor das hipóteses, estaríamos tratando da pré-história, ou
seja: de um tempo sitnado antes do mundo social, no seu
limiar. Um tempo que marca justamente o surgimento da
sociedade, da cultura e da história. Essa é, numa penada, a
posição onde somos sempre colocsdos.
O fato social (e ideológico) fundamental, que precisa ser
discutido e denunciado, é que, na consciência social brasileira, o antropólogo surge na sua vers,ií.o. acabada ,de . cientista
natural,. Como tal, tem suas unidades de estudo bem deterininãdàs: são as raças. E o fio que deve conduzir o seu
pensamento: é o plano de evolução destas raças. Tem também
o domínio no qual se faz o drama brasileiro: é o modo pelo
qual tais .raças» entram em relaçãO para criar um povo
ambíguo no seu caráter. Nesta visão de mundo e de ciência
nada há que os homens e os grupos aos quais pertençam
possam' realizar concretamente. Tudo é uma questão de «tempo biológico», nunca de tempo social e historicamente determinado. Assim, o «tempo biológico» tem suas razões que o
tempo dos homens concretos e históricos desconhece, de nada
valendo qualquer rebelião contra ele. Como um cientista na,tural desumanizado o antropólogo social fica, nesta postura,
preso e sujeito ao estudo das coisas dadas, j amais daquilo
que é realizado .pelo homem em sociedade. Sua «estória»,
assim, sempre corre o risco de ser ordenadamente pessimista
e indisfarçadamente elítista, embora surja mascarada em
tantos livros como um grito de libertação. De fato, não é
uma narrativa de possibilidades e alternativas, atitude que
sempre faz nascer o otimismo, mas de derrotas e fechamentos, num universo onde a vontade e o espaço para a esperança é muito reduzido.
Mas nem sempre o antropólogo surge na consciência popular como cientista natural preocupado com medidas de
ossos e com a biologia do homem como espécie animal.'
J;a:mbém surge .cllllI!l uma espécie de_ec.Qnomista, prodJizinセオイウッ@
onde 」ッョLM・セャANjZ£ウゥ@
CPD10 «modo de prqilJi..ÇllÕ», «sobre-t.rabaJho», .«..unidade--PJ::udyj;jva», etc. são relevantes, num conjunto quase sempre mais preocupado com
a forma do que com a substância mesma destas relações
que os conceitos implicam diretamente. Questões tais como:
de que mooo se desenvolve o capitalismo no Brasil; como se
dão concretamente as relações de produção e trabalho entre
A resposta. de que somos..antropólogos· sociais. (ou culturais) , e que estamos interessados nQ estudQ da .vi<ia social
ge
dos grupos humanos .. ou, como .é. o. meu caso, em ■ゥセANj@
verdade, faz o ゥiャエセN■QZᅦHIイ@
.Ç!ll.ar.;"seou então prQvoca o, ent!j!rri> do assunto com o comentáriQ de que QS índios estãQ sendo
destruídos e perde!l.do. suas terras. Mas a essa altura temos
rima cooversa séria, aproxiniandQ o leigo de certos problemas
políticos e econômicos atuais, questões das quais ele deseja ardentemente fugir, Q que conduz à decepção final de que
o antrQp6lQgo social é mais um desses especialistas em problemas contemporâneos. Não é aquele senhor grisalho e de
roupas cáqui que com seus óculQS finQS e capacete de explQrador, descobre esqueletus datados de três mil anos antes de Cristo em algum lugar do mundo, provavelmente no AntigQ Egito.
Do mesmo mooo, ele não é também o 'sagaz, contadQr de
casos, capaz de alinhavar histQrietas de negrQS escravos,
lendas de índios idealizados ou episódios históricos de damas,
duques e príncipes portugueses. na nossa graciosa fábula das
três raças.
Disto tudo, fica a imagem do antropólQgQ social como
um ·medidor de crânios, um confirmador de teorias sobre as
raças humanas ou um arqueólogo clássico, romanticamente
perdido nas misteriosas discussões das crenças iniciáticas
egípcias, arena privilegiada onde se encontram todas as
nossas crenças na reencarnação, no Carma indiano e nas
curas mágicas. Traços que se ligam às nossas mesas do alto
espiritismo kardecista, aos terreiros poeirentos de Umbanda
e às teorias «científicas» da Parapsicologia. E tudo isso,
como sabemos bem, faz parte do mundo ideológico brasileiro dominante, generalizado e abrangente.
Ou seja, nos nossos valores, o lugar do antropólogo é
sempre junto à Biologia (medindo caveiras ou discutindo
raças) ou com a Arqueologia Pré-Histórica, perdido na madrugada dos tempos. Ora estamos na História do Brasil
vista, a meu ver, pelo seu prisma mais reacionário: como
uma .história de raças» e não de homens; ora estamos fora
do mundo conhecido: no Antigo Egito, na velha Grécia ou
junto com os homens das cavernas. Em todo o caso, oblServo
novamente, sempre com o conhecimento social sendo reduzido a algo natural como .raças», .miscigenação» e traços
biologicamente dados que tais .raças» seriam portadoras. Na
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61
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i
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i.
nós; como todo esse edifício é percebido pelos que nele estão
envolvidos e muitas outras são raramente realizadas. Responder a essas questões seria fundamental para perceber aquilo
que Marx denominou de «éter» das relações soeiais; ou sej a:
os valores e as motivaçõe8 que como cultura e ideologia
emolduram e dão sentido às próprias relações sociais e de
produção. Deste modo, quando deixamos de perceber quando
as idéias passam a ser atores em certas situaçõelJ sociais,
seja porque atuam para desencadear a ação, seja para impedir certas condutas, deixamos de penetrar no mundo social propriamente dito e, assim fazendo, corremos o risco
de cair na postura teóricoformal e, com ela, no plano abstrato das determinações. Sejam as de caráter biológico, sejam as
de caráter econômico que hoj e tendem a substituir essas determinações mais antigas, fornecendo o quadro que permite
encontrar novamente uma totalidade abrangente e superior
que tudo submete e explica, enquanto esconde as possibilidades de resgatar o humano dentro do social, já que ele
jamais pode ser contido em deis», «fórmulas», «regras» ou
determinações, a menos que o jogo das forças sociais assim
o deseje. O ponto destas reflexões é fundamental e terei que
retomálo mais adiante, sob pena de ser acusado de superficialidade ou ignorância. Agora, porém, é preciso prosseguir
na especulação do sentido' psicológico da nossa fábula das
três raças e de suas implicações para uma a,ntropologia brasileira que se deseja reaimente libertadora.
Tomemos esse plano como ponto focal de nossas indagações. Essa ヲ£「オャセ@
é impjmrnte porque, `Nヲオ^iャセェsゥ|ウL@
ela ー・イiQAᅪNMゥャZエ。ウッョォ、セオ@
e do ・Q。「ッセ、@
(ou
eruditõ), essas duas pontas de nossa cultura. Ela também
permite espoouliir, por outro lado, sohre llIiJ:elações entre o
VlV1jlO (queeIl'eqüentemellte o que chamamos  ̄・puゥセッ@
que nele está contido) セッᄎAi」・「ゥ、@
(o erudito ou o científico aquilo アAャ・⦅ェューNiゥ|jᆰエ■ョセM@
ゥョセ。・ウIN@
!É impressIonante também observar a profundidade histórica desta fábula das três raças. Que os três elementos sociais
branco, negro e indígena tenham sido importantes entre
nós é óbvio, constituindose sua afirmativa ou descoberta quase
que numa banalidade empirica. :1íJ claro que foram! Mas há
uma distância significativa entre a presença empírica dos
elementos e seu uso como recursos ideológicos na construção
da identidade social, como foi o caso brasileiro. Mas, devo
lembrar, não foi o caso norteamericano, mexicano e de
muitos outros paíSes da América do Sul e Central, onde sabemos bem branco coloniz.ador, índio e negro formavam
elementos visíveis empiricamente. Mas em muitas outras sociedades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, o recorte
social da realidade empiricamente dada foi inteiramente diverso, com negros e índios sendo situados nos pólos inferiores de uma espécie de linha social perpendicular, a qual
sempre situava 03 brancos acima. Naquele pais, como tem
demonstrado sistematicamente muitos especialistas, não há
escalas entre elementos étnicos: ou você é índio ou negro
ou não é! O sistema não admite gradações que possam pôr
em risco aqueles que têm o pleno direito à igualdade. Em
outras palavras, nos Estados Unidos não temos um «triânJrnl<Lde raças. Hlセ・」Mウオュ。iAャエゥ[qイョェ@
considexár
⦅セPQAャ@
・ウj^Nlエイゥ¬ョァーャHッMュ。、」セ@
fundamental na compreensão do Brasil ..neIoJ'L.b:J:a.Sileiros:Eí maiB;CQmo
・ウ。Mエイゥ£ᅪャァオ ̄←dセーᄋ■@
qual se arma geometricamente
a fábula das três raças, tornouse uma ideologia dominante, abrangente, capaz de permear a visão do povo, dos intelectuais, dos políticos e dos acadêmicos de esquerda e de direita, uns e outros gritando pela mestiçagem e se utilizando
do «branco», do «negro» e do «indio» como as unidades hãsicas através das quais se realiza a exploração ou a redenção das massas.
セoNjャゥ・@
parece ter ocorrido no ca!!Q brasileiro foi uma
i.llJ?·.Çl!o ェァセᄎi」。N「£ウゥ・オォャ[@
J!ID.§jstema hierarquizado real,
N|ZAョ」イ・エqセィゥウッ。ュ@
dado !'L.ll_sua.legít.i.lllilção ideolójセゥ」ョオュ@
plano muito profundo. Observo que as hierarquias
sociais do «antigo reginlEl», isto é, o regime anterior à Revolução Francesa, eram ideologicamente fundadas nas leis
de Deus e da Igreja. Era o fato de Deus ter armado uma
pirâmide social com os nobres lá em cima e com o Imperador e o Papa legitimando seus poderes no plano temporal
e espiritual que respondia às questões neste sistema. No
caso brasileiro, a justificativa fundada na Igreja e num Catolieismo formalista, que chegou aqui com a colonização portugnesa, foi o que deu direito à exploração da terra e à escravização de índios e negros. No nosso caso, tal legitimação
・ウエセLQA@
jZAャᆰ」。⦅セ@
ーッNセ・AIオョ ̄@
de ゥョエセウ・@
l'i!lig'!lr-
62
63
セN
sos, políticos e comerciais, numa ligadura que era ao mesmo
tempo' moral;-'oooriôi:ilicíÇpolítica e social e que tendia a
mexer-se como uma totalidade. Não temos companhias particulares explorando a terra com o olho apenas na atividade
produtiva e com leis individualizadru;, semiindependentes da
Coroa, como aconteceu nos Estados Unidos. Mas, ao contrário,
era a Coroa portuguesa que, legitimada pela religião, pela
política e pelos seus interesses econômicos, explorava soberanamente o nosso território com sua gente, fauna e flora.
O jogo político estava submetido ao comercial mas até
um certo ponto, pois no fundo era básico que o Rei tivesse
todo o controle moral sobre os empreendimentos coloniais e
tal «controle moral:. era o motor que impulsionava a consciência da colonização portuguesa, estando motivado pela religião e pela polftica civilizatória. Em outras palavras, as
atividades comerciais logo dominavam o mundo colonial português e estavam por trás de sua arrancada colonizadora,
_mas._ o...8Uporle..·conscientedeste· empreendimentoera...a.JIL e
__que..Eortugal. encontravaa .mol:o império. Era ョ⦅。セ・ャゥァ ̄ッ@
dura 。エイカセM、XN@
qual pQiiia justificar .o .. ウ・オ⦅NュッセAャョエ@
expansionlsm.
Tais favores, que podem ser lidos com o vagar que merecem na obra de RaY!Dundo Faoro (1975) e de Vitorino
Magalhães Godinho (1971), entre outros, fortaleceram aqui
o sistema vigente em Portugal, realizando um perfeito transplante de ideologias de classificação social, técnicas jurídicas
e administrativas de modo a tornar a colônia exatamente
igual em estrutura à Metrópole. Deste modo, em que petJe
as especulações sobre nossa formação social (tingida, como
desejam os nossos ide6logos, pelo sangue negro e indlgena),
o fato social critico e socialmente significativo é que era
Portugal quem nos dominava, abrltngia e totalizava. Em
outras palavras, セャjLNュZゥAX。Qiョ」@
foi Jlm ca!l).po
para. ・Z」ーNeャイゥ↑Aiヲウ\^セ⦅HIオjQRq。ェdOカL■@
pu、・ウセid
..jュ[ャQN・Aセ
.. a.l')I!)(l9. .!!iflll'enças...radicais e .indjyjg)laliilad,es. Muito peIo COI\tr.ário,. apesar das:. !iiferenças_,regionais, .de clima, !le desenvolyimento econô!!Ú.co e experiência
ヲッイエセ・ョォᆳ
política, 'todo o nosso território ヲゥセーイ・@
tralizado e governado por meio de decretos e leis. univerSalizantes, ditadas na sede do Governo. Nosso modo de
expresSãO
como.,. sooiedade,
comoümâ"
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64
I,
si!PJ:ific.a:tiYª.JLliife.rJt!!ciªªl!...NAャュGセッjM」ゥq
...、セ . . leis.. a1!;l'mente generalizadoras, dentro do formalismo ェオイセ、|cャ^
....que....é
a pedra de toque" das sociedades hierarquizadas:modernas.
Em outras palavras, o nl>SSO sistema colonial estava funsセjl」オェIウ@
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dado .D1!!ll/1 «hierarquia ュッ、・イョ。セ@
comércio mundial, oaJ:lraços eram as lei& e. uAャ。⦅、ュセ@
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colonial baseada nllID!\ ャ。イァAuxpN・ゥ↑ョMュオ、■セ@
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ideologicament.Lmuito_bem estruturada
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seus ⦅セエZ。jゥqOuAN」ウL@
e a cabeca erlLO
jGエセN@
Aliás, vale a,péíia abrir um parênteí;ls' para mostrar
como as hierarquias sociais se davam em Portugal, sobretudo
porque temos uma imagem de Portugal como um país imaginário, atrasado, onde não existe uma sociedade. Na realidade, porém, a sociedade portuguesa à época da colonização
do Brasil é um todo social altamente hierarquizado, com
muitas cà!nadas ou ..estados» sociais diferenciados e complementares. Tão hierarquizada que até as formas no!!Únais de
tratamento, isto é, o modo de uma pessoa se dirigir a outra,
estavam reguladas em lei desde 1597 e foram reguladas novamente em lei de 1739. Como nos diz Magalhães Godinho,
«proibiase não só dar o tratamento, como mesmo aceitálo,
às pessoas a que não era devido •. Ou seja, a igualdade estilo
rigorosamente proibida. E continua Godinho: "o alvará de
29 de ja.neiro de 1739 reserva a Excelência aos Grandes,
tanto eclesiásticos como seculares, ao Senado de Lisboa e
às damas do Paço; a Senhoria pertence aos bispos e cônegos,
aos viscondes e barões, aos gentishomens de Câmara e moços
fidalgos do Paço, abaixo, há só direito a Vossa Mercê» (Godinho, 1971: 73). Tais formas de tratamento altamente reguladas dãonos uma idéia dos «estados» sociais de um
corpo social altamen.te complexo, sociedade onde «as pessoas
inscrevemse imediatamente em categorias que as distinguem
pelo nome, pela forma de tratamento, pelo traje e pelas penas
a que estão sujeitas» (cf. Godinho, 1971: 74). E continua
nosso Autor, agora especificando as divisões internas de Portugal: «Da Crônica de D. João I enumeramse quatro estados do reino: prelados, fidalgos, letrados, cidadãos abaixo
dos cidadãos, ou povo no sentido político (homens bons), há
a grande massa, sem representação em cortes. O Rei, quando
se dirige às· categorias sociaisjurídicas, escreve por ordem:
juizes e oficlais (é a categoria dos letrados), fidalgos, cava-
65
c Ô.};'\ (
leiros, escudeiros, homens bons e, por derradeiro, o ーッカセ@
(Godinho, 1971: 74·75). Do mesmo modo, há uma ordem
rígida de aparecimento nos rituais ou cerimoniais, onde em
primeiro lugar surgem os prelados (que emolduram e totalízam a festividade ligitimando a ocasião perante a ordem
Divina), depois os «grandes senhores de título» que são seguidos de outros fidalgos que, por sua vez, antecedem os
cidadãos e o povo em último lugar. A cada uma dessas categorias sociais correspondem direitos e deveres bem marcados, inclusive direitos de terem punição diferenciada para
seus crimes. Nesta sociedade, cujo modelo nos é familiar,
ninguém é mesmo igual perante a lei!'
Temos em Portugal uma sociedade complexa, ou melhor,
complicada. Sua economia é mercantilista e portanto moderna. Estava fundada num mercado e em trocas comerciais.
Mas toda ela era controlada por leis e decretos que rigidamente impediam que o «econômico» se estabelecesse como
atividade dominante. No dizer de Godinho, tínhamos em portugal um Estado mercantil com uma economia moderna
operando em escala mundial, mas sem as suas instituições
concomitantes: uma burguesia comercial com individualidade e interesses próprios (cf. Godinho, 1971: 93). Ao contrário, em Portugal havia um sistema onde imperava o mercantilismo, mas sem uma mentalidade burguesa, isto é, sem
uma classe comercial com idéias igualitárias, individualistas
e acreditando no poder definidor total do mercado e do dinheiro. Temos, pois, uma sociedade singular neste Portugal
moderno. Um sistema onde as hierarquias tradicionais são
mantidas, o todo sempre prevalece (na forma da Coroa, dt>
Catolicismo, da Igrej a e do Rei) sobre as partes, e é o próprio Rei que é o principal capitalista. Se o Rei não controla totalmente o comércio, ele ppr outro lado também não deixa que o grupo que tem nesta atividade sua
principal meta desenvolva um plano de valores a ela adequado. Deste modo, o comerciante português em vez de ope3, EJa1lorei este menmo ponto, embora partindo de outros dom1nio9 aoclais qnando
n:llallBei a ex})resaão brlUlUetra. "Voe@ sabe com quem atA falando 'r', no meu
Carnavais, Matand,oa " Herdis, Rio: Zah&r. 1979. Neste oon,te:úo. vale recordar que
Portugal eonhecia multo bem a inBtl.Wição da élCt'IWldlo negra e mourll., eomo o tu'Ova
uma eltaçlL:J de Clenardo. referida por WIlaon Martins na lua. monUmental HilÚ6ria
d4 ャヲエセ@
BraaildTe. il: conveniente citar o tato em pauta: "Os escravos pululrun.
diz Olenardo. por todu a parte. Todo o scmço é feito por negros セ@ mouros cativos.
Portugal está fi. abarrotar com: et!C.a raça de gente. Estou quase a. crer que Só em
1.100011 há mala e&eraV06 e esÇ):'avaa do que J)Ot'tugueeea Uvt'eS de condição..... (d.
MlU'tlnlJ. 1976: 19 vol,: 81).
66
セ@
(
." \.'
/
,,'2.
(
セ@
rar numa classe social horizontalizada, com forte consciência
de sua individualidade (consciência de elasse, no sentiセ@
do clássico que Màrx empresta a este termo) e' interesses
vis-à-vis o Rei e a nobreza dona da terra. e de outros pri( vilégios tradicionais, funciona como uma categoria soeial.
ゥセ@ . Como uma camada complementar aos nobres e ao Rei, inte1
,
grada nas hierarquias sociais do sistema. Temos, pois, em
,•I
Portugal (e, diriamos, também no Brasil), a figura ímpar
, y do aristocratacomerciante ou fidalgoburguês, ー・イセッョ。ァュ@
de um drama social e polltico ambíguo, cujo sist(lll1a de
r,セ@ \@セ
セ@
vida sempre esteve fundado nos ideals da hierarquia e da
J
igualdade, na espada e no dinheiro .
,(
Nesta sociedade dominada pelas hierarquias ウッ」ゥ。ェセ@
abranセ@
gentes tudo tem um lugar. A categorização social é geral,
incluindo obviamente grupos étnicos diferenciados, sobretudo mouros e judeus. Não se sustenta a tese de Gilberto
Freyre (apresentada sistematicamente em Casa; GrandiJ &
Senzala). segundo a qual o contato com o mouro (e com a
mulher moura) havia predisposto o «caráter nacional» do
lusitano a uma interação aberta e igua:itária com índios e
negros. Muito ao contrário, o que se sabe de comunidades
mouras e judias em Portugal, permite dizer que o controle social e polítiCO de etnias alienígenas era agudo, senão
brutal, como foi o caso dos judeus. Temos aqui uma socier , dade já familiarizada com formas de segregação social, cuja
\
legitimidade seria marcada, na expressão de Godinr_o, pela
origem «rácica» e religiosa. Fica, assim, demonstrado que o
"', 1' português colonizador não chegou ao Brasil como um indivíduo ,degredado e degradado. Como um elo solto de uma eorf
rente que ele próprio era incapaz de reconstruir. Muito ao
contrário, as engrenagens do Império Colonial Português
eram muito complexas e se mexiam com extrema eficiência,
considerando sua extensão, diversidade e dificuldades de
transporte. Reconstruiuse aqui, obedecendose naturalmente
às características históricas dos povos indígenas que habitavam nossas praias, a sociedade portuguesa original. E tal
reconstrução foi 1:&nto mais fácil, quanto maior e mais abrangente foi o comando dos colonizadores relativamente aos nativos. Assim" a colonizaçã.o.!lo Brasil ョセN@
!oL uijャQlNAュpセ⦅@
realizada por meros' criminosos, ゥョ、カ■オqウLセB・イ。ャᅳZᆰN@
ou ideologia social. Se ela não foi obra de grupos altamenセL@
::. I
.
セ@
,J
.... ヲONセ@
1
67
'1I!j:'.
te religiosos, coesos e determinados, como foi o caso da
América do Norte, ela também não se constituiu numa empresa algo sem alvo, ou método.'
l!l impossível demarcar com precisão as origens do credo
racial brasileiro, mas é possível assinalar seu carâter profundamente hierarquizado, como uma ideologia destinada a
substituir a rigidez hierârquica que aqui se mantinha desde
o descobrimento, quando nossas estruturas soCiais começaram a se abalar a partir das guerras de Independência. O
movimento de Independência provocou toda uma reorientação dos sistemas de hierarquia vigentes no Brasil, fazendo
com que a estrutura de poder tivesse como ponto final a
Corte do Rio de Janeiro, em vez de se prolongar para o
alémmar, na direção de Lisboa, ponto do qual, anteriormente, partiam todas as ordens e todos os favores. Mesmo considerando que 'nossa Independência foi obra dos estratos dominantes e não um movimento de baixo para cima, não
tendo por isso mesmo o mérito de ser uma alavanca para
transformações sociais mais profundas, ela foi básica na medida em que apresentou à elite nacional e local a necessidade de criar suas próprias ideologias e mecanismos de 1'acionalização para as diferenças internas do país. De fato,
é impossível separar e. tornarse independente, sem a conseqüente busca de uma identidade vale dizer, de uma
busca no sentido de justificar, racionalizar e legitimar diferenças internas. S.Iil, 。ーセL⦅・NAゥエャ\_ilHIッ」ᆰェ[q、@
peso
dos erros, e das injustiças, sobreo"Rei"e, a .cor.oa.l'ortuguesa
em Lisboa, a partir da, iャ、・ーL|Gエセョ」ゥᆰB@
eSse peso tinha que
ser carregado aqui mesmo, pela camada"superior 'dÍil:;i:,ruerarquias sociais. Onde foi ,nossa elite buscar tal ideologia?
,Creio que ,ela veio ,na forma da ,fábuia,,das..h:ês raças e
no ᆱイ。」ゥウャAHIBL⦅_セ・Z^@
セBゥ、・ャッァ。@
que permite con"
ç"i'llSr uma, série de impulsos, cOl;\1;raditóriOi! 、・セョsウ。Z@
dade, sem que se crie, um plano. para suatr:lniifºrmàÇão
profunda. Neste sentido, vale a pena observar, OOlIt Thomas
Skidmore (1976), que o marco histórico das doutrinas raciais brasileiras é o período que antecede a Prociamação da
República e a Abolição da Escravatura, momento de crise
nacional profunda, quando se abalam as hierarquias sociais.
4. Neste aentiélQ. reeomendo fortemente
R.
19'79.
l
68
Jelt:ura de Boxer. 1969. e de Schwartz,
A crise que deveria ter chegado com a Independência que,
de fato, ela acabou adiando, mas que se realizou afinal no
Movimento Abolicionista e da Proclamação da República,
esses,Jtois,momentoscritieos, parte e parcela de um só drama
Sõêial altamente "cOntraditÓrio já que"li Abolição é progressivà"e abortá propugnando pela igualdade e エイ。ョウヲッュセᅦ ̄@
das hierarquias'; ao passo que a República é um 、・ウヲセィッ@
feéhado e reacionáiró;jit)Stinado a manter o poder dos !'lonos
dif 'terra," conforme revela, "mtre outros, Richard Grahall),
(1979).
O fato de a Abolição se constituir num movimento concreto é uma terrível ameaça ao edifício econômiéo e social
do país, Deste modo, se a ideologia católica e o formalismo
jurídico que veio com Portugal não eram mais suficientes
para sustentar o sistema hierárquico, era preciso uma nova
ideologia. 'Essa ideologia, ao lado das cadeias de relações sociais dadas pela patronagem e que se mantiveram aparentemente intactas, foi dada com o racismg. Mas é preciso
notar como essa ideologia suiíiiü'ãé""módÕ complexo, no bojo
de dois impulsos contraditórios típicos aliás das grandes
セウ・@
de abertura sociaL Um deles, caracterizado pelo projeto reacionário de manter o status quo, libertando o escravo juridicamente, mas deixandoo sem condições de libertarse sociaLe cientifiez.mente; o outro é muito diferente: tratase de perceber como o racismo foi uma motivação podeross
para investigar a realidade brasileira. Podese, pois, dizer
que a «fábula das três raças. se constitui nIC mais poderosa
força cultural do Brasil, permitindo pensar o pais, integrar
idealmente sua sociedade e individualizar sua cultura. Essa
fábula hoje tem a força e o estatuto de uma ゥjヲセNqャZァMQA@
セゥZmNGQャ\エ・@
,um sistema totalizado do. .idéias" que intelJl:e.netra
a maioria dos doniJ'nios'expliclÍtivos da cultura. Duran.te
muitós"anos Bヲッイョ・」セG@
e 。ゥセ、@
ィッェセBゥイョZM[ュエ@
das três
raças, as bases de :Im projeto político e soc:sl para o brasileiro (através da tese do «branqueamento. como alvo a ser
buscado); permite ao homem comum, ao sábio e ao ideólogo
conceber uma sociedade altamente dividida por hierarquizações como uma totalidade integrada por laços humanos
dados com o sexo e 08 atributos «raciais» complementares;
e, finalmente, é essa fábula que possibilita visualizar nossa
sociedade como algo singular especificidade que nos é
69
I
presenteada pelo encontro harmonioso das três «raças». Se
no plano social e político o Brasil é rasgado por hierarquizações e motivações conflituosas, o mito das três «raças. une
a sociedade num plano «biológico» e <maturai», domínio unitário, prolongado nos ritos de Umbanda, na cordialidade, no
carnaval, na comida, na beleza da mulher (e da mulata) e
na música ...
Mas é preciso falar um pouco sobre as fontes eruditas
deste racismo brasileiro. Sabemos que ele nasceu na Europa
no século XVIII, na crise da Revolução Francesa, mas só veio
dominar o cenário intelectual europeu no século seguinte, na
forma das teorias evolucionistas cientificamente respeitadas.
No século XVIII, sua apresentação carecia de força ideológica, pois era apenas de acordo com Hannab Arendt
(1976: capo 2) uma doutrina que trabalhava uma história
heróica do povo francês, numa concepção segundo a qual os
nobres formavam uma parcela alienígena forte e, assim, destinada pelo nascimento e origem ao poder. No século XIX,
entretanto, o racismo aparece na sua forma acabada, como
um instrumento do imperialismo e como uma justificativa
<natural» para a supremacia dos povos da Europa Ocidental
sobre o resto do mundo. Foi esse tipo de «racismo» que a
elite intelectual brasill!ira bebeu sofregamente, tomandoo
como doutrina explicativa acabada para a realidade que
existia no pais. Do mesmo modo que ocorre ainda hoje, as teorias racistas produzidas por norteamericanos como Agassiz;
ou por europeus como BuekJ.e, Gobineau e Cou1;y, para ficarmos com os que foram os mais influentes no Brasil, são amplamente adotadas, tendose grande preocupação como イ・カセャ。@
Skidmore (1976: capo 2) com as idéias daqueles estudiosos, como BuekJ.e, Gobineau e Agassiz que fizeram referências expressas ao Brasil. Nelas, õbviamente, nosso futuro
surgia como altamente duvidoso, já que a sociedade brasileira se caracterizava por se constituir numa arena de ce)lljunções raciais entre negros, brancos e índios, uniões que
eram totalmente condenadas. Assim dizia, por exemplo, o
Conde de Gobineau que levaria «menos de duzentos anos ...
o fim dos descendentes de CostaCabral (Brasil) e dos emigrantes que os seguiram» (cf. Skidmore, 1976; 46). Ou seja,
Gobineau colocava a tese de que a sociedade brasileira era
inviável porque possuía enorme população «mestiça», produ-
to indesejado e híbrido do «cruzamento» de brancos, negros
e índios, tomados por esses «cientistas» como espécies diferenciadas. Apesar .da diversidade das teorias «racistas. esposadas pelos vários especialistas, eles partiam de pressupostos
simples; simplicidade, aliás, que se constituía, como já chamei atenção, numa da mais poderosas razões de seu atrativo
intelectual e político. Mas quais eram esses pressupostos?
Um deles é o de que cada raça ocupa um certo lugar
na hístória da humanidade. Não importa aqui considerar se
a proposição tinha um ponto de partida segundo o qual todas
as raças saíram de um mesmo t1'01lco comum ou de Adão
e Eva (como foi de fato teorizado nos séculos XVI e XVII)
ou se elas haviam sido criadas de modo diferenciado desde
o começo, o fato é que, tanto na hipótese monogenista quanto
na poligenista, elas eram tomadas como espécies altamente
diferenciadas, seja no tempo, seja no espaço, Oll em ambas
as dimensões. Daí a ilação de que as diferenças entre as
sociedades e nações expressavam as posições bioIógicas diferenciadas de cada uma numa escala evolutiva. Louis Agassiz,
por exemplo, que foi provavelmente o maior dos poligenistss
dos Estados Unidos, não hesitava em situar a «raça branca»
como superior e, após sua famosa visita ao Brasil, escrever
em seu livro o que seria uma opinião discutidissima sobre
a nossa sociedade. Dizia o célebre zoólogo de Harvard: «Que
qualquer'um que duvida dos males desta mistura de raças,
e se inclina, por mal entendida filantropia, a botar abaixo
todas as barreiras que as separam, venha ao Brasil. Não
poderá negar a deterioração decorrente do amálgama de
raças, mais geral aqui do que em qualquer outro país do
mundo, e que vai apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio, deixando um tipo
indefinido, hibrido, deficiente em energia física e mentab
(citado por Skidmore, 1976: 4748). Como se observa, o
diagnóstico não é muito diferente do de Gobineau.
Um outro ponto também essencial nas doutrinas racistas
é () determinismo. Isso significa que as diferenciaçÕes bit>.
'í6giêâil são vistâã como tipos acabados e que cada tipo está
determinado em seu comportamento e mentalidade pelos fatores intrínsecos ao seu componente biológico. Gobineau elaborou bem esse ponto, valendo a pena reproduzir aqui o
seu esquema das «raças humanas., pois para esse autor há
70
71
uma perfeita equação entre traços biológicos, psicológicos e
posição histórica. Uma espécie de totemismo às avessas. Eis
o esquema racial de Gobineau, tirado do seu A Diversidade
Moral e Intelectual das Raças:
o esquema põe a nu não só a questão da diversidade,
como também a concepção da superioridade das chamadas
«raças brancas», traço 4l.lle a história confirmava amplamente na teoria de Gobineau. Além disso, cada «raça» tem uma
determinada tendência, havendo na base uma equação entre
RAÇA
CULTURA = NAÇÃO = TRffiO. Deste modo,
08 fenícios eram mercadores; os gregos, «professores das
futuras gerações» e os romanos, modeladores de governo e
leis. Acrescenta ainda Gobineau, explicitando um pouco mais
sua visão determinista: «Estes poderes e os instintos ou
aspirações que surgem deles nunca mudam enquanto a raça
permanece pura. Eles progridem e se desenvolvem, mas nunca
alteram sua natureza» (1856: 76). Estamos diante de um
verdadeiro código natural e diante de realidades que jamais
pOdem mudar pelo ato puro e simples da vontade. Ao contrário, nesta perspectiva, as qualidades positivas e negativas
são dadas de uma vez por todas sendo depois o destino
da «raça» atualizado numa mera questão de combinações.
Se as «propensões animais» são fortes e não contrabalançadas por «manifestações morais», a «raça» estaria condenada a ter uma vida coletiva deficiente e desorganizada.
Do mesmo modo e pela mesma lógica, quando as «propensidades animais» são fortos e o <<intelecto» é vigoroso, como
ocorre com as ᆱイ。セウ@
brancas., o resultado é uma «grande
expansão do sentido moral, com uma compl.exa e variada
organização política emergindo» (cf. Gobineau, 1856; 96).
Neste modelo, cuja simplicidade, determinismo e pobreza nos faz hoje imaginar como foi possível leválo a sério
há menos de cem anos atrás, as civilizações decaíam, arruinavamse, eram conquistadas, não se desenvolviam ou simplesmente desapareciam porque sua «história raciai. conduzia
a misturas infelizes dos traços contidos em cada unidade
racial. Daí, certamente, a fantástica preocupação do Conde
de Gobineau com o Brasil, onde ele serviu como Embaixador.
Diante de uma realidade física de mulatos, cafusos e mamelucos, diante de uma sociedade altamente variada em termos de cor, Gobineau não teve outra alternativa senão
expressar seu pessimismo diante do futuro do pais j á que,
pelas suas teorias, aqui o branco estava perdendo suas qualidades para o índio e, sobretudo, para a «raça negra».
Com o imenso prestígio que circunda tudo o que vem
de fora, sobretudo da Europa e dos Estados Unidos, esta
teoria que gerou o «arianismo» e permitiu relacionar a BiolOgia e a História com li> moralidade foi logo aceita no
Brasil. De fato, nada mais fácil para servir de «modelo
cientifico> a nossa realidade, dandolhe uma forma totalizada e acabada, do que essa síntese arianista, nascida das
idéias de Gobineau. Mas isso não ocorreu ao acaso, ou por
uma percepção empírica da experiência histórica brasileira.
li; claro, como indica Skidmore (1976), que a experiência histórica é básica para a adoção das teses «racistas», mas a
meu ver essa experiência não é tudo.
Existem, como estou procurando mostrar, fatores mais
,profundos relacionados à formação social, cultural e histórica do Brasil que pel'mitem especular sobre a adoçã!) e a
permanência do <racismo» como ideologia e como tema de
reflexão científica, de Sílvio Romero até os nossos dias, Consideremos sumariamente tais fatores:.,
O primeiro ponto a ser considerado é que nem todas as
formas de· determinismo foram aceitas para discllssão no
melo sóciill, polÍtico e'Cííiturª,brasilelro. Em outras paJàViáS;
ir"discilssãõ'dasteSesdo";determÍlíismo geográfico:> são cer-
72
73
RAÇAS HUMANAS
Negra
Amarela
Intelecto
Débil
Propensões
animaiJJ
Muito fortes Moderadas
Medíocre
Manifeetações Parcialmente Comparativamente
moraiJJ
latentes
desenvolvidas
Branca
Vigoroso
Fortes
Altamente
cultivadas
(De acordo com. Gobineau, 1856: 95, 96)
li
セ
B@
"
I
1
·.,
11,
tamente menos estudadas e debatidas do que as oferecidas
pelos «determinismos raciais», segundo os quais a unidade
determinativa dos fatos sociais e políticos, o agente de causalidade não é o solo, a chuva, o clima, a temperatura ou o
regime dos rios, mas fatores biológicos internos. A preferência indica claramente a relação profunda existente entre
o meio social brasileiro e as doutrinas racistas de gente como
Gobineau, Lapouge, Inginieros, Couty e outros. Existe, pois,
uma relação profunda, socialmente determinada, entre as
doutrinas racistas de tipo histórico (chamadas de «arianistas»), em seu apelo explicativo para uma sociedade concretamente dividida em segmentos, cujo poder e prestigio diferencial e hierarquizado correspondia, grosso modo, a _diferenças de tip<!s, físicos e origens sociais.,
.. セM
"
,
O segjUldo é que o racismo à 'la Gobineau tinhaº, mérito
de inàugurar uma reflexão sobre, a dfnâmica das _«raças»,
abrindo a discussão das dinâmicas sociais. Podiase, com
isso, deixar de louvar os tipos puros (sobretudo o .branco
ariano»), passando para a especulação dos resultados dos
«cruzamentos» entre as «raças». Isso correspondia à situação
histórica e social do Brasil, onde a escravidão estava contida num sistema político antiindividualista e antiigualitário;
um sistema totalizante. e abrangente, dominado por uma
modalidade muito bem articu'lada e antiga de formalismo
jurídico legado da colonização portuguesa. O fato de
termos constituído até o final do século passado uma sociedade de nobres, com uma ideologia aristocrática e antiigualitária; dominada pela ética do familismo, da patronagem
e das relações pessoais, tudo isso emoldurado por um sistema jurídico formalista e totalizante, que sempre privilegia
o todo e não as partes (os indivíduos e os casos concretos),
deu às nossas relações sociais um clíráter especial. Fez, por
exemplo, que o regime de escravidão fosse aceito como algo
normal pela maior parte dos membros de nossas elites,
tornandose um sistema universal pelo fim do século XIX.
Em outras palavras, a...escravidão bra.sileira não:fQLum...fenôtAN・QG_セP\ᅪャ@
rel!'ÍSlJ!J'Il.. セエ。Zュ・ョ@
Mio」セャゥ、qAッ⦅GQ・オ
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os Estados Unidos, mas .. pelo c,ontrário.,...,. tllt:I\PJl.::se uma
forma doÍnhiáríte de exploração do trabalho. Como diz skiilw:ote, Nセーッイ@
volta do
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portância geográfica tinha percentagem signifil:1ifiy;;' de es-
cravos em sua._popu:ação.Em 1819, segundo uma estimativa
õfiCial;riéiiiiuma região tinha menos de 27% de escravos na
população total» tcf. Skidmore, 1976: 59). E isso não poderia ser de outro modo, dado que o sistema era governado
por meio de uma estrutura política autoritária, centralizante,
onde o político e a moralidade sempre controlavam e demarcavam de cima os impulsos econômicos.
Em outras palavras, numa sociedade fortemente hierarquizada, onde as pessoas se ligam entre si e essas ligações
são consideradas como fundamentais (valendo mais, na verdade, do que as leis universalizantes que governam as instituições e as coisas), as relações entre senhores e escravos
podiam se realizar com muito mais 'intimidnite, confiança e
consideragão. Aqui, o senhor não se sente ameaçado ou culpado por estar submetendo um outro homem ao trabalho
escravo, mas, muito pelo contrário, ele vê o negro como seu
complemento natural, como um outro que se dedica ao trabalho duro, mas complementar as suas próprias atividades
que são as do espírito. Assim a lógica do sistema de relações sociais no Brasil é a de que pode haver intimidade
entre senhores e escravos, superiores e inferiores, R9Xlllle ..0
mjl:n<:l(l,.,e;!j;íi.••xealmente" hierarquizado, tal e qual o' céu da
'Igreja c。エYャゥNセL@
também repartido e totalizado em esferas,
C!:í'cúlos,' planos.. !ºº9JL,PQY\>J'!<:los,.. por". anj ッウBL。セョェ@
queruセャゥウ[M
ウ。ャゥエNッセL、・jZAᅪイェq|ュクGT@
se!).do ..tudo oonsoJidado
na Santíssima Trindade, todo e parte ao mesmo tempo; ilITlaldadee hiérárquiá . dados simultaneamente.. O pontoérlfi&;
ire" todo ó nosso sistema é a sua profunda desigualdade.
Ninguém é igual entre si ou perante a lei; nem senhores
(diferenciados pelo sangue, nome, dinheiro, títulos, propriedades, educação, relações pessoais passíveis de manipulação
etc.), nem os eseravos, criados ou subalternos, igualmente
diferenciados entre si por meio de vários critérios. Esse' é,
pareceme, um pontochave em sistemas ィゥ・イ。アオセョエウL@
pois,
quando se estabelecem distinções para baixo, admitese, pela
mesma lógica, uma diferenciação para cima. Todo o universo social, então, acaba pagando o preço da sua extremada
desigualdade, colocando tudo em gradações.
nejNウセエ・ュ。L@
.não, há necessidade_de _segregar...o.__ mestiço,
o, ュオjセエHIL@
.!), .índio, ,e BAlNョ・ァイLoセ
..ーNッイアオ・Lセ@
.,hierarquias" asseguram a superioridade do branco como grupo dominanté.Á
74
75
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inti.n:lidadfl,---a-- considerR!;ão, o favor e - a confiança, podem
desenvolver como traços e valores セウHI」ゥャuァ@
_àl1ieüiJ:'éluia
indiscutível que emóldlií:;': -á _soéiédade_!1_ )1'lJJca - <l91lliLSllPÕS
Freyre - comotimelemento dQ 」jセイ£エN・Z@
naci.onal português.
da sociedade
Tal e qual na india, as Câmadas 、ゥヲセイ・ョ」。ウ@
- as castas - são vistas como rigorosamente complementares. Aqui no Brasil, o nosso racismo forneceu os elementos de uma visão semelhante, colocado no triângulo das raças
quando situa o branco, o negro e
fndio como formadores
de um novo padrão racial. Branco, porém, diferente dos
«arianos» europeus ou americanos do norte: algo tipicamente brasileiro, singular e forte como o samba e o carnaval.
A falta de segregação parece ser, pois, um elemento relacionado de perto à presença de patronagem, intimidade e
consideração. Numa palavra, a ausência de valores igualit4,"';08. Num meio social como o nosso, onde «cada coisa tem
um lugar demarcado e, como corolário, cada lugar tem
sua coisa», índios e negros têm uma posição demarcada num
sistema de relações sociais concretas, sistema que é orientado de modo vertical: para cima e para baixo, nunca para
os lados. É um sistema assim que engendra os laços de patronagem, permitindo conciliar num plano profundo posições
individuais e pessoais, com uma totalidade francamente dirigida e fortemente hierarquizada. Em sociedades assim constituídas, situações de discriminação (ou de segregação) só
tendem a ocorrer quando o elemento não é conhecido socialmente; isto é, quando a pessoa em consideração não tem e
não mantém relações sociais com pessoa alguma naquele' meio.
A discriminação não é algo que se dirige apenas ao diferente",
mas aO estranho, ao indívíduo desgarrado, desconhecido e
solitário: ao estrangeiro
o que, numa palavra, não está
integrado na rede de relações pessoais altamente estruturadas que,. por definição, não pode deixar nada de fora:
nem propriedade nem emoção nem relação. É claro que, nos
sistemas hierarquizados, pessoas de cor sofrem discriminação
com mais freqüência, mas não se pode esquecer que pessoas
pobres e até mesmo visitantes ilustres podem ser discriminados pela simples razão de não terem nenhuma associação
firme com alguém da sociedade local. O maior crime entre
nós, ou melhor: no seio de um sistema hierarquizado, não
está em ter alguma característica que permita diferenciar
e assim inferiorizar, mas em não ter relações SOCIaIS. Uma
vez que tais relações são estabelecidas, todos ficam dentro
de um sistema totl\lizante e é sempre por meio dele que as
diferenças entre os grupos são resolvidas.
Mas o que ocorre em sistemas igualitários e individualizados, onde as hierarquias que sustentam o poder do todo
sobre as partes foram rompidas?
Ao responder a essa questão, chegamos ao centro da
diferença entre o «racismo» brasileiro e norteamericano,
bem como ao cerne das diferenciações raciais doutrinárias.
Sabemos que nos Estados Unidos e na Europa o «mestiço»
era visto como peça indesejável do sistema de relações raciais. De fato, o foco das teorias era a especulação sobre a
inferioridade básica do «mestiço», elemento híbrido, e dotado de todas as qualidades negativas daquilo que se chamava
de «subraças». Numa palavra, todo o problema era que,
muíto embora se pudesse tomar as «raças. como tendo qualidades positivas, colocando a «raça branca» como inquestionavelmente superior, o que não se podia realizar era a
«mistura» ou o • cruzamento. entre elas. Aqui, a doutrina
racista deixa transparecer dois pontos muito importantes que
a análise sociológica não deve deixar passar: um deles é
que as «raças humanas», embora situadas em escalas de atraso e progresso, tinham qualidades. Seriam até mesmo dignas
de admiração, caso não fossem jamais colocadas lado a lado.
O outro, é a condenação fundamental de suas relações. O
mal nÍÜJ está nas diferenças entre as raça,s, diz o «racÍllmo
ariam.ista», mas "!UI 8'!UtS retações. Aqui temos, obviamente, o
pontochave dos racismos «arianistas., sobretudo na sua modalidade americana. E o que isso nos díz do ponto de vista
sociológico? Diznos claramente que o problema JÍJ!onsiderar
c!'da_,«rl'!Ça»em si, mas nunca estudar suas l'elacões" liLnós.
ウ。「・ュッセ@
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Gセ・j[ャILュ」ゥ。Z⦅エイAウ、@
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ferenciadas e hierarquizadas em sistemas fundados num credo
ゥオ。ャエ£イッLセApi、_@
A elaboração do «racismo científiCo»
norteamericano correspondia muito de perto à realidade social daquele país, _onde o credo ígull>litári(), o individualismo
e o ideal da igualdade perante a lei criavam obstáculos insuperáveis para uniões entre pretos e brancos
outros planos que não fosse o do trabalho. O fato, então, de o «mulato» ser tão desprezível no credo racial americano, a ponto
76
77
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dele não ter ali uma posição socialmente reconhecida, posto
que é classificado como «negro», tem suas raízes, como demonstrou Myrdal (1944), na existência concreta de um credo
igualitário e individualista e no peso social deste credo dentro
do meio social norteamericano. 5
Realmente, após o movimento abolicionista, a massa de
negros livres tornouse um problema social serissímo noS
Estados Unidos. Diferentemente do Brasil, onde havia várias
categorias de negros com posições sociais diferenciadas no
sistema (negros escravos recentes, negros escravos antigos,
negros escravos mais longe ou mais perto das casasgrandes,
negros livres há muito tempo, negros livres recentemente,
crianças livres filhas de escravos etc.), naquele país, a combinação do homem livre com o negro era muito mais rara
e foi conseqüência de uma sangrenta guerra civil. Como,
então, manter o credo segundo o qual todos são iguais perante a lei, se existem exescravos competindo com brancos
pobres, sobretudo num Sul derrotado? Em outras palavras,
como encontrar um lugar para negros, exescravos, num sistema que situava (e ainda situa) o indivíduo e a igualdade corno a principal razão de sua existência social? Aqui,
a única resposta possível é a discriminação violenta, na forma de segregação que, diferentemente do caso brasileiro (e
de outros países com cO!'tingente negro e predominância de
estruturas sociais hierarquizantes), assumiu caracteristicamente a forma clara e inequívoca de segregação legaJ, fu'llr
dada, em leis. Assumida portanto com todas as letras e em
toda a sua integridade, a segregação racial deixa !le ser
um paradoxo historicamente dado no sistema norteamericano. Ela de fato pode ser explicada corno um modo concretO
e coerente de uma sociedade individualista resolver o problema da desigualdade e de sua manutenção num sistema
onde um credo igualitário tem importância social determinativa.
A expressão deste fato sociológico concreto no plano erudito das doutrinações cientificas foi a doutrina racial que
desencorajava o «mulato» corno tipo físico e categoria social
legitimamente reconhecida, tornando assim impossível solidificar as redes de relações pessoais efetivamente existentes
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6. Para. este problema, カ・ェ。セ@
melhor análise oomparnt.iv& dOIl
Carl Degler, 1971.
também Dumol'lt. 1974, e Do. Matta. 1979. Para. a
sistemas "raciais" brasileiro e americano. セ。M・@
78
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entre brancos e negros no Sul, o qne certamente poderia
dar seqüência. às estruturas hierarquizadas ali existentes,
mas que foram .destruídas à força pela Guerra Civil que
veio estabelecer a hegemonia do credo igualitário e individualista por todo o sistema americano como um plano jurídico e político socialmente básico. Esta forma de racismo
que nega ou coloca o tipo mestiço como indesejável surge
também como uma <solução científica» para um paradoxo
social que situava brancos e negros em posições realmente
diferenciadas, e um credo nacional fortemente ígualítário nO
plano políticojuridico.
Creio que são tais fatores que explicam, no caso norteamericano, o horror dos teóricos de tais doutrinas diante
da realidade brasileira, repleta de gradações e de «tipos raciais intermediários». Sociologicamente falando, a reação que'
surge revestida pelo idioma biológico, dizendo que o Brasil
não tinha futuro porque era um país de «mestiços» e de
«mulatos», de «subraças híbridas e fracas», pode ser interpretada como um modo de rejeitar a hierarquia que permite,
sem ameaçar as elites dominantes, todo o tipo de encontro
., e de intimidades entre pretos, índios e hrancos. Tal traço
não é, como gostaria que fosse gente corno Freyre' e outros,
uma característica cultural portuguesa, senão um modo de
enfrentar os dilemas do trabalho escravo num sistema altamente Iiierarquizado, onde cada homem tem um lugar determinado e onde a igualdade não existe. Se o negro e o branco
podiam interagir livremente no Brasil, na casagrande e na
senzala, não era porque o nosso modo de colonizar foi essencialmente mais aberto ou humanitálio, mas simplesmente
porque aqui o branco e o negro tinham um lugar certo e
sem ambigüidades dentro de uma totalidade hierarquizada
muito bem estabelecida.
Tal fato, entre outroS, deu ao «racismo» brasileiro uma
forma especial, com o foco no centro do sistema. Deste modo,
enquanto a leitura americana condenava a «mistura de raças.,
optando por uma solução radical, contida na divisão entre
brancos e negros, aqui no Brasil a preocupação e a conseqüente teorização foi realizada em cima do «mestiço» e do
mulato, ou seja: nos espaços intermediários e interstícios do
que percebíamos como sendo o nosso «sistema racial». Nos
pontos onde cada «tipo racial puro. encontrava o outro e
79
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o diagrama deixa ver claramente como sistema americano concebe a posição dos grupos diferenciados como mais
próximos ou mais distantes de uma linha de leis igualitárias,
que teoricamente estão distantes de todos, não se confundindo
com nenhum grupo. Éa ideologia do «todos são iguais perante a lei» que, como coloquei anteriormente, irá determinar o racismo na forma dualista, direta, legal como forma
pervertida (como diz Myrdal) de superação do credo igualitário abrangente. No caso do Brasil, é a iI)te:ração entre as.
peças do triângulo que,J:t:á".criar .. as leis e Hlセ。」ゥッョャN@
A ideologia é abrangente .e hierarquizada em sua ーイHIセゥ。
formulação.
.
'.'-
o esquema também torna clara aqnela outra distinção
essencial, já indicada por Oracy Nogueira (1954), num trabalho clássico. Enquanto o esquema, `Nーイセョ」・ゥエッ@
racial
N。ュ・イゥ」ョッjᅪ⦅セᄏL@
,() 「イ。ウゥセ・ャGuM、l\」jZᅰ
seja:
o sistema americano não admIte gradações. e temumaÍ<lJ::!l!!l
de 。ーIゥ」セLᄋ、ッ■£エZオイャNv←zM
que sê tenha algum «Sa!\gUe ョ・セHᄏL@
(e isso é determinado culturalmente), nã<l.se pode
mudar' jamais de posição. Podese ser tratado idealmente
como um «igual perante a leh, mas ,;i"diferença do «SlWgue»
ー・イZiャAjNョセ£@
para sempre. Já no nosso sistema, o ponto'cnave é a admissão de gradações e nuanças. A ᆱZイAャセ^L@
(ou
àCor' da pele, o tipo de cabelos, de lábios, do 'próprio corpo
como um todo etc.) não é o elemento exclusivc nac,Il!l!l!i:
ficação social da' pessoa. Existem outros critérios アオ・Z[^|ャHjセイエ@
nuançar e modificar essa classificação pelas 」。イセeエi[ゥjャZcuAL@
físicas (que são definidas culturalmente). MmウjャNiセ
...por."exempIo, o dinheiro ou o poder político permitem classificar um
preto como mulato ou até mesmo como branco. Como se o
peso de um elemente (como o poder econômico) ー、セsZA・G@
apagar o outro fator. Temos, pois, no Brasil, sistemas múltiplos
de classificação social (cf. também Da Matta, 1979: capo IV) ;
ao passo que nos Estados Unidos há uma tendência nítida
para a classificação única, tipo «ou tudo ou uada», direta
e 、オ。ャゥウセ@
tendência que me parece estar em clara eorrelàçãlfêóriio'jjidividuaJismo, o igualitarismo e, ohviamente
Gセ@
como mostro!': Weber com a ética protestante (cf.
Weber, 1967),
Mas o ponto importante que deseja enfatizar aqui é
que esses «tipos de preconceito racial» são inteiramente coerentes com as ideologias dominantes de cada uma dessas sociedades, estando diretamente correlaeionados com as formas
escolhidas historicamente de recorte da realidade aocial.
Deste modo, os racismos americano e europeu, que partem de
uma reaiidade social mais igualitária, temem a miscigena'
ção porque com ela podem colocar em dúvida sua homogeneidade social e política, segundo a antiga noção de qlle a
idéia de um povo contém em si o postulado básico da idennós, o racismo eurotidade e homogeneidade física. Já ・ョセ@
peu e americano penetra a cena intelectual, mas é transformado por meio de um cenário hierarquizado e antiigualitário. Aqui ele se orienta para os interstícios do sistema,
80
81
criava um elemento ambíguo; com supostas características
dos dois. Foi com tal preocupação, correspondente à nossa
maneira de resolver 08 problemas colocados concretamente
por nossa sociedade, que nasceram os racismos de SlIvio Romero e Nina Rodrigues, doutrinadores fundamentais e paradigmáticos do nosso mundo intelectual. Pois se eles consideravam que o «branco ariano» era indiscutivelmente superior ao neg:i:o e ao índio, nem por causa disso deixaram de
considerar o caso brasileiro como constituído de um triângulo
racial. Enquanto, pois, o credo racista norteamericano situa
as «raças. como sendo realidades individuais, isoladas e que
correm de modo paralelo, jamais devendo se encontrar, no
Brasil elas estão frente a frente, de modo complementar,
como os pontos de um triângulo. Num esquema:
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local onde vivem e convivem muitas categorias sociais intermediárias, perfazendo uma totalidade triangulada. l!J precisamente isso, a meu ver, que permite integrar as «raças.
num esquema altamente coerente e abrangente, formando de
suas diferenças e hierarquias uma totalidade integrada. Por
outro lado, essa integração permite até hoje discutir e perceber a acentuada miséria dos «negros» e «índios», sem perceber suas diferenciações especificas e, sobretudo, sem colocar em risco a posição de superioridade politica e social
dos «brancos •.
No nosso esquema, portanto, o branco está sempre ullÍdo e em cima, enquanto que o negro e o índio formam as
duas pernas da nossa sociedade, estando sempre embaixo e
sendo sistematicamente abrangidos (ou emoldurados) pelo
branco. O próprio triângulo sugere suas interações, nesta
teoria brasileira que reduz as diferenças concretas (sociais,
políticas e econômicas) em descontinuidades abstratas em
«raças. com uma definição semibiológica. Por isso sabemos
que o triângulo inicial pode gerar outros, agora constituído
de tipos intermediários, os «resultados» das misturas «raciais» dos tipos puros. Assim:
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Branco
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Mulato <
Negro /
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Aエセ@
Sempre temos, como se observa no esquema, a possibilidade de formar triângulos. Vale dizer: de sempre intermediar, conciliar e tornar sincréticas as posições polares do
sistema, pela criação de tipos intersticiais, mediadores destas
posições. Num meio social hierarquizado, tais intermediações
82
triangulares (ou seja: em três e nunca em dois, o que conduziria ao dualismo. exclusivista) são parte de sua própria
lógica social, pois é por meio da mediação que se pode efetivamente propor o adiamento do conflito e do confronto.
Assim, o uso, ou melhor: a invenção do mulato como uma
«válvula de escape» (cf. Degler, 1976), o sistema de preconceito racial de marca (em opoaição ao de origem), como
colocou Nogueira; e as intimidades e redes de relações pes_
soais entre negros e brancos (como coloca Gilberto Freyre),
são todas funções de um sistema abrangente de classificação
social fundado na hierarquia. Um sistema de fato profundamente antiigualitário, baseado na lógica do «um lugar para
cada coisa, cada coisa em seu lugar», qt::e faz parte de nossa
herança portuguesa, mas que nunca foi realmente sacudido
por nossas transformações sociais. De fato, um sistema tão
internalizado que, entre nós, passa despercebido.
Nesta sociedade há em todos os níveis essa recorrente
preocupação com a intermediação e com o sincretismo, na
síntese que vem cedo ou tarde impedir a luta aberta
ou o conflito pela percepção nua e crua dos mecanismos de
exploração social e política. O nosso racismo, então, especulou
sobre o «mestiço., impedindo o confrollt<) do negro (ou do
índio) com o branco colonizador ou explorador de modo direto. Com ele, deslocamos a ênfase e a realidade: situamos,
na biOlogià e na raça, relações que eram puramente políticas e econômicas. Essa é, a meu ver, a mistificação que
permitiu o nosso racismo, o que explica a sua reprodução
até hoje como uma ideologia científica ou popular. Do mesmo modo, no campo político e social, também sintetizamos
(ou conciliamos) sistematicamente as posições polares e
antagônicas. Deste modo tivemos uma monarquia absolutista
quando deveríamos proclamar a república, fomos governados
por um monarca liberal diante de uma elite reacionária e
conservadora, temos uma burguesia que deseja se aliar com
o Estado, desde que este defenda seus lucros. E, no campo
religioso, conseguimos criar religiões in!ersticiais, como a
Umbanda, religiões «SÍncréticas», isto é, fundadas em elementos compostos e tirados de outros credos, tudo isso neste
jogo de ideologias que se nutrem do ambíguo e da conciliação abrangente que evita a todo o custo o conflito e o
confronto.
88
Aセi@
Vemos, assim, que, entre n6s, o ",racismo» não foi só
uma doutrina racionalizadora da supremacia política e ec0nômica do branco europeu, e nem poderia ter sido deste
modo. Aqui, o «racismo», como outras ideologias importadas
foram modificadas, e nesta modificação obedeceram ao poder
das forças que constituíam nossa totalidade social. Como a
sociedade era hierarquizada, foi relativamente fácil refletir
sobre as categorias intermediárias, intersticiais, ponto básico em sistemas onde existem gradações e se esiá sempre
buscando um «lugar para cada coisa», de modo que "cada
coisa fique em seu lugar». Foi isso que efetivamente ocorreu
e, neste quadro ideo16gicopolítico geral, permitiu utilizar a
noção de raça de modo intensivo e extensivo.
A noção de ᆱイ。セ@
e o «racismo à brasileira» tem·um
valor socialmente significativo até hoje sobretudo entre
as camadas médias de nossa população porque o nosso
tipo de doutrinação racial é uma variante da européia. Entre
nós, O conceito passou a ser, como o sistema que o abriga,
totalizante. De modo que para nós raça. é igual a etnia e
cultura. É claro que essa é uma elaboração cultural,ideológica, não tendo valor cientifico. Do ponto de vista biológico, a raça é uma variação genética e adaptativa de uma
mesma espécie. Mas na conceituação social elaborada no
Brasil, «raça» é· algo que se confunde com etnia e assim tem
uma dada «natureza». Essa ci)locação, por seu turno, permite
escapulir ainda hoje de problemas muito mais complicados,
como o de ter que discutir o nosso «racismo» como uma
ideologia racial às avessas, antiideol6gica, que se nega a si
própria, mas que é uma imagem de espelho do racismo europeu e awericano. S6 que aqui situamos questões relativas
aos pontos intermediários do sistema triangnlado pelas três
raças, ao mesmo tempo em que f"lZemos um elogio claro
e aberto da mulataria (sobretudo no seu ângulo feminino)
e ao mestiço. Não é por outra razão que continuamos a ver
o estudo da Antropologia Social como dentro de um pIano
traçado no século XIX, no estudo das raças; e oantrop6logo
como o grande eugenista que irá, pela «mistura» apropriada
do branco, do negro, do índio e de todos os tipos intermediários, criar finalmente um «tipo brasileiro».. Tipo que ·será
exoticamente moreno, mas obviamente abrangido pela «raça
humana»; ou então será uma «metaraça branc1\», como co,セiゥ@
i:
84
loca delirantemente Gilberto Freyre nas suas modernas formulações do problema.'
Não é precisó dizer novamente pois esse· foi o ponto
desta longa digressão que tudo isso é socialmente siguificativo e que toda essa discussão de «raças. é uma questão
de ideologias e valores. Em outras palavras, dos modos pelos
quais nós recortamos nossa realidade interna para nÓS mesmos. Foi neste recorte que recriamos a hierarquia que forma
o nosso esqueleto social e foi nele que abrimos mão de estudar as reku;5es entre as «raças», preferindo sempre o estudo das «raças» em ai meSmM. Isso tem atrasado nossa percepção de nós mesmos como uma sociedade defiuitivamente
dotada de estrutura social singnlar e cultura específica. porque, colocando tudo em ·termos de «raças» e nunca discutindo
suas reiações, reificamos um esquema o.nde o biológico se confunde com o social e o cultural, permitindo assim realizar
uma permanente miopia em relação à nossa possibilidade de
autoconheclmento. Num mundo social determinado por motivações biológicas, desconhecidas de nossas consciências, pouco
ou quase nada há para se fazer em termos de libertação e
esperança de dias melhores. Mas, como vimos, toda essa doUtrina é ideologia social. Agora que a conhecemos, podemos
retomar o caminho do estudo antropológico como devotado
ao entenllimento do social e o social é o histórico. Por isso
mesmo, pode ser modificado e aberto ao sol do futuro e da
esperança.
&. E 8. seu lado Darcy Rlbelro. cuja oouClWçio de 80eicdade no fundo padece deuba
li:WJ!ma visão. Asalm. para ek. 8.8 coni'igur:açóes s6eioonlturals se rednzem. a "1'0\10&"
"POVOlg;" a "matrizes étnieaa". Tais "matrizes étntcas
porém. l:'lI'lda mnJs do
e セ
do que um 1l0lDe nQVo pa:ta I.) velho e batidD eonoeito de "raça". na Illelhor tnuilç.lio
de Gobiueau, 8tlvio Romero e Nina Rodrigues. Conforme QOloca Ribeiro. nllmA セ@
Cl'itiea. onde pl'OOW'a expor a. te6e dos "Povoa testemunh08". "povos U&rlB;plant.adoll",
UPO'VUS emc:rg\l'tl;tes"· e "povos novos": セGo。@
povosnov<ra. orlllndn$ da. 」ッョェwャNセ@
de.euJtumt;i.o e ealdea.mento de matrize.s êtn1eaa muito drapRWi. como a JndfPllfl.. a
africana 9 a européia'» (ct, Ribtdro. 1972: 12). Obe.crve o uso das eqlreea()eB biol6gicas, ·'lXU\.trizes", "caldeamento.. e o termo ·'dfspa:rea'·. B trm a idQa
muito dera
no ehB.Rio citado de que o "brane<>" é de fato superIor 80 (ndIo e ao negro. Note
também n outra noção bãsia (9 evidentemllinte errada, rtlBA txntito velhll entre n6a)
de Que lil(I pode renl.m.l,!nte :falex em Bイ。bXGセ@
euroJ'léiaa, afrtC$.D8l! ou lodt.e;m8l! como
categor1ael e:ltplanatórias.
.
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