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A ANmOPOLOGIA NO QUADRO DAS ClíllNCIAS

1 セ@ PRIMEIRA PARTE: cfb A ANmOPOLOGIA NO QUADRO DAS ClíllNCIAS 1. Cii\ncias Naturais e Ciências Sociais fr' . ,;; , • エセ@ ,j, • '2 Nenhum filósofo ou teórico da ciência deixou de se preocupar com as semelhanças e diferenças entre as chamadas «ciências da natureza» ou «ciências naturais», com a Física, a Química, a Biologia, a Astronomia etc., e as disciplinas voltadas para o estudo da realidade humana e social, as chamadas «ciências da sociedade», «ciências sociais», ou, ainda, as .ciências humanas.. Como tais diferenças são legião, não caberia aqui arrolá-Ias ou indicá-las de um ponto de vista hist6rico. Isso seria uma tarefa para um historiador da ciência e não para um antropólogo. Apenas desejaria ressaltar, já que o ponto me parece básico quando se busca situar a Antropologia Social (ou Cultural) no corpo das outras ciências, que elas em geral tocam em dois problemas fundamentais e de perto relacionados. Um deles diz respeito ao fato de que as chamadas «ciências naturais» estudam fatus simples, eventos que presumiveimente têm causas simples e são facilmente isoláveis. Tais fenômenos seriam, por isso mesmo, recorrentes e sincrônicos, isto é, eles estariam ocorrendo agora mesmo, enquanto eu escrevo estas linhas e você, leitor, as lê. A matéria-prima da «ciência natural», portanto, é_Jod!L j) !lS oue se repetem e têm uma constância verque podem ser VIstos, Isolados '" e condi ôes e con ale razoáveis セオュ@ laboratório. por isso se IZ repetidame que ッセ@ blema da ciência em geral não é o de desenvolver teorias, mas Q de testá-lãs. E o teste que melhor se pode imaginar 17 e realizar é aquele que pode ser repetido indefinidamente, até que todas as condições e exigências dos observadores estejam preenchidas satisfatoriamente. Além disso, a simplicidade, a sincronia e a repetitividade asseguram um outro elemento fundamental das «ciências naturais., qual seja: o fato de que a prova ou o teste de uma dada teoria possa ser feita por dois observadores diferentes, situados em locais diversos e até mesmo com perspectivas opostas. O laboratório assegura de certo modo tal condição de .objetividade., um outro elemento crítico na definição da «ciência» e da «ciência naturaI.. Assim, um cientista natural pode presenciar os modos de reprodução de formigas (já que pode ter um formigueiro no seu laboratório), pode estudar os efeitos de um dado conjunto de· anticorpos em ratos e pode, ainda, analisar o quanto quiser a composição de um dado raio luminoso. Em contraste com isso, as chamadas «ciências sociais» .estudam fenômen9ll complexruÇsltuados em planos iIT1 call!!ll:o iゥ、。セ・rGャbᄃ ̄q@ Complicados Nos eventos que constio antro ólogo,ctoSOCiólogo, do histuem a ma ' . - ' _ iador, do cientista politico, do economista· e do psicólogÕ; ,não é fácil isolar causas e motivações exclusivas. Mesmo quando o «sujeito» está apenas desejando realizar uma ação aparentemente inocente e basicamente simples, como o ato de comer um bolo. Pois um bolo pode ser comido porque se tem fome e pode ser comido por «motivos sociais e psicológicos»: para demonstrar solidariedade a uma pessoa ou grupo, para comemorar uma certa data (como ocorre num aniversário), para revelar que o bolo feito por mamãe é melhor do qUe o bolo feito por D. Yolanda, para indicar que se conhecem bolos, para justificar uma certa atitude e, ainda, por todos esses motivos juntos. Para que se., tenha uma prova clara destas complicações, basta parar de ler esse trecho e perguntar a uma pessoa próxima: «por que se come um bolo?» Verá o leitor que as respostas em geral 'colocam toda essa problemática na superfície, sendo difícil desenvolver uma teoria que venha a determinar com precisão uma causa única ou uma motivação exclusiva. セ matéria-prima das ᆱ」セᅡゥ。ウ@ sociais», assim, são evenocorrer.3'I.1ltos com determinaçQe!!. comPlicadasセ、・ュ⦅ ambientes diferenciados tendo, por causa disso, a possibili. セM ..• 18 セMG@ dade de mudar seu ウゥセヲ」。、ッ@ de セ。⦅cqイN、@ c9!!'.. 9 NセA^⦅@ num N、。gMュッ・ョセiQ a sua -posição numa cadeia de eventQ1L!l!lJ:eríor§. セN⦅QャHIBェG_エ・ALMuュ@ bõlo comido no final de uma refeição é algo que denominamos de «sobremesa», tendo o significado social de «fechar. ou arrematar uma· refeição anterior, considerada como principal, constituída de pratos salgados. O salgado, assim, antecede o doce, sendo considerado por nós separado e mais substancial que. os doces. Agora, um bo].:> que é comido no meio do dia pOde ser sinal (ou sintoma) de um desarranj o psicológico, como acontece com as pessoas que comem compulsivamente. Finaimente, um bolo que é o centro de uma reunião, que serve mesmo como motivação para o convite quando se diz: «venha comer um bolo com o Serginho>, é um bolo com um significado todo especial. Aqui, ele se torna um simbolo importante, cuja análise pode revelar ligações surpreendentes com a passagem da idade, com as relações entre gerações, identidades sexuais etc. Mas, além disso, os eventos que servem de foco ao «cientista social» são fatos que não estão m:;.is ocorrendo entre nós ou que não podem ser reproduzidos em condições controladas. De fato, como poderemos nós reproduzir a festa do aniversário do Serginho? Ou o ritual do Carnaval que ocorreu em 1977 no Rio de Janeiro? Mesmo que possamos reunir os mesmos personagens, músicas, comidas, vestes e mobiliário do passado, ainda assim podemos dizer que está faltando alguma coisa: a atmosfera da época, o clima do momento. Enfim, o conj unto criado pela ocasião social que de certo modo decola dela e, recaindo sobre ela, .provoca o que podemos chamar de «sobredeterminações., como a imagem projetada numa tela ou num espelho. Diferentemente de um rato reagindo a um anticorpo num laboratório, o aniversário (e todas as ocasiões socials fechadas) cria o seu próprío plano social, podendo ser diferenciado d6 todos os outros, embora guarde com ele semelhanças estruturais. Esse pÍSno do reflexo, da circularidade e da sobredeterminação me parece essencial na definição do obj eto da Antropologia Social (e da Sociologia) e eu voltarei a ele ÍnÚ1I:eras vezes no decorrer deste volume. Agora, basta que se acentue o seu caráter de modo ligeiro, somente para revelar como as situações sociais são complexas e de difícil controle, quando as comセャウエ・ョ@ " i 19 ゥqAャ、£カセᄃBYLQ[⦅コ paramos com os laboratórios onde os biólogos, quimicoo e físicos realizam suas experiências. !tJljl!m.@:t!;, .tudo_.Jnllica que ・ャスエイ。NMウ⦅cゥ|Z」オsqilAuセᅦョ@ n。セQSN⦅ッウ@ uma イ・ャᆰセッ⦅NゥョケZエ、。L .. a. saber:. se nas «ciências. natl!rªi.s.!_ (ls "feni;lmenoILP.Qi!em ..ser.. percebidos,. divi<iid.os, \IャAセウゥヲL、ッ .._ cNqA[エiHIセ⦅@ e.!!' '. e explicados dentro de.collll.!llQes⦅セャAエゥカッ@ セ、ゥウ￵・ャl .. labo.ratório,. ッ「ェ・エゥZカ。ュiAセLN@ セQ[・aャN@ ーイッ「ャAセ@ NA・ウjZIゥセ@ セ・ウエオ、ッN ⦅セNAャ[ーゥ・。ェlaエ←jョウュッMw@ Na maioria dos casos, o cientista natural resolve um problema simplesmente para criar tecnologias indesejáveis e, a longo prazo, mortíferas e daninbas ao próprio ser humano. Isso para não falarmos em descobertas que podem trazer amea<;as diretas à própria vida e à dignidade do homem por seu uso inescrupuloso na área militar. Nada mais simples e bem-vindo do que o isolamento de um virus e nada mais complexo do que esse próprio isolamento permitindo a realização de guerras bacteriológicas e de contrurudnação. .t:To__e.aso_.do ⦅」セ|ャiNエ@ social,. !ll! condiçíies. de__ セイ」・ャQNAッL@ 」ャセゥQ[￧ᆰAm_@ . elゥョセ・エ。￧ ̄ッ@ são complexos,.. .!!'aI\ _OIL!:!l!l!l!taftoS-enl_.gm:aLP.ã!>_têIn__c!l.!!S!l.llMm::iaa...IllLmesma-propor'!âo da «ciência natural». São poucas as teorias sociais que acaracismo e a 6ãram furnando-se Credos ideológicos, como luta de classes, adotados por .:nações e transformados em valores nacionais. As mais das vezes, as chamadas teorias sociais são racionalizações ou perspectivas mais acuradas para problemas que percebemos, ainda que tais problemas não sejam realmente «objetivados. com muita clareza. Neste sentido, o cientista social tende a reduzir problemas correndo mesmo o risco de simplificar demais as motivações de certos eventos observáveis numa sociedade ou época histórica. Mas raramente seus resultados podem ser transformados em tecnologia e, assim, podem atuar diretamente sobre o mundo. Em geral, o resultado prático do trabalho do cientista social é visto fora do dominio científico e tecnológico, na região das «artes»: nos filmes, peças de teatro, novelas, romances e contos, onde as idéias de certas pesquisas podem ser «aplicadas», produzindo modificações no comportamento social. é mais fácil trocar de autamóMas é preciso observar セ・@ セャォMNF・Zゥウ ̄ッ@ e aceitar inovações エ・」ョッャセH「Nゥウ@ inovaçlies fazem parte do noaso sistema de valores). do que__. trocar de valores simbólicos ou politicos. ° , Mas voltemos ao ponto já colocado. Vimos que uma das diferenças básicas entre os dois ramos de conhecimento era que os fatos socia.i!;. alie, ..geralmente, irreproduzlveis em -conセウ@ controladas. Ê claro que ações sociais podem ser re:: pro uZldas no teatro e no cinema, mas aqui a distâocia que existe entre o ator e o personagem recriado é um dado que vem modificar substancialmente a ウゥエオセッN@ Além disso, os atores seguem um texto explicitamente dado. enquanto que nós, atores fora do palco, seguimos um texto implicitamente dado que a pesquisa por causa disso mesmo deseja descobrir. O problema básico, asslm, continua: os fatos sociais são irreproduzíveis em condições control.·e, por isso,_quase sem:erILfazem_parte::.do_P1lli!!ado._São eventos ar!gõr hist6riCõs e apresentados de modo descritivo e narrativo, nunca na forma de uma experiência. Realmente, não posso ver e certamente jamais verei uma expedição de troca do tipo kula., tão esplendidamente descrita por MalinowWti; ou um rito de iniciação dos Canela do Brasil Central que Nimuendaju narrou com tanta minúcia. Do mesmo modo, não posso saber jamais como se sente alguém diante dos eventos criticos da Revolução Francesa ou -como foram os dias que antecederam a proclamação da República no Brasil. PodemOs, obviamente, reconstruir tais realidades (ou pedaços de reaIidade) ,. ュ。ャlゥN[wセ￧Aid￁ que ..!ill!>lllU:econstruçã.o é a AxNセ@ dadeÍrª", que foi capaz de incluir todos os fatos e que com-preendemos perfeitamente bem todo o processo em questão. j)L-tQtalização é ÍmpQSSÍll.E'llJmQQrll._possa-SeF-UlU-aI.vo-àeセャ para ュオゥエッャANセZイ。ウ@ セゥウN@ Mas nós sabemos muito ben:i 。\ャゥヲ・セ eXIste êiítre a teoria das ondas hertzianas e um rádio transmissor e receptor, que são aparelhos que um físico conhece totalmente e os pode fabricar. Por isso é que existe uma ligação direta entre ciências naturais e tecnologia. E a nossa relação com um evento complexo como a Revolução Russa ou mesmo o problema do incesto, fatos sociais que nós podemos conhecer bem, mas com que mantemos sempre uma relação complicada, como se, entre o acontecimento e nós, existissem zonas conhecidas e áreas profundas, insondáveis. Nossas reconstruções, assim, diferentemente daquelas realizadas pelos cientistas naturais, são sempre par_ . ciais, dependendo de documentos, observações, sensibilidllrle e perspectivas. Tudo isso que pode utilizar os dados dispo- |N⦅セM 20 21 ocorre nos desenhos animados e nos contos de fadas, como uma réplica da Eociedade humana. Embora possa incorporar as baieias ao reino do humano, poderei imaginar o que sentem realmente esses cetáceos? É claro que não. Essa distância irremediável dada ao fato de que j amais poderei tornar-me uma baleia é que permite jogar com a dicotomia clássica da ciência: aquela entre sujeito (que conhece ou busca conhecer) e objeto (a c..1-tamada realidade ou o fenômeno 'sob escrutínio do cientista). As teorias e os métodos cientlfic!)s são, nesta perspectiva, os mediadores que permitem operar essa aproximação, construindo uma ponte entre nós e o mundo das baleias. Mas, ao lado disso, há um outro dado crucial. É que eu posso dizer tudo o que quiser em relação às balelas sabendo que ·elas jamais irão me contestar. Poderei, é claro, ser contestado por um outro estudioso de baleias, mas jamais pelas balelas mesmas. Estas continuarão a v::ver no imenso oceano de águas' frias, nadando em grupos e borrifando espuma independentemente das minhas deduções e teorias. Isso significa simplesmente que o meu conhecimento sobre as baleias não será jamais lido pelas baleias que jamais irão modi;ficar o seu comportamento por causa das minhas teorias de modo direto. Minhas teorias pode:!'áo ser usadas por mim mesmo ou por terceiros para modificar o comportamento üas baleias, mas elas nunca serão usadas diretamente pelas baleias. Em outras palavras, nunca me tornarei um cetáceo,. do mesmo modo que um cetáceo nunca po_ derá virar um membro da espécie humana. É por causa disso que teorias sobre baleías e sapos são teorias, isto é, conhecimento objetivo, externo, independente de baleias, sapos e investigadores. Mas como .se passam as COiBas no caso das «ciências níveis ou solicitar novos dados ainda não vistos. É por causa disso que nossas teorias, digamos, do incesto, não são capazes de gerar uma teenologia do incesto. Podem .gerar terapias, mas, mesmo aqui, nosso conhecimento continua fundado num processo complexo, nunca numa relação como aquela que existe entre um químico e as drogas que pode fabricar. Os fatos 9llilJOrr;laID a matéria-P!ima da!! ᆱ、↑ョLAゥ。ウNセ⦅@ 」ゥ。ウセᄃLNj・QャRAc}Zエwクo@ .g!lraJwente impossí veis.__ ãé--sêrêm reproduziclO!!,_ Aャュ「ッイFMNGーセ。@ ser ッ「ウ・イカ。、セN@ Podêmõi õbservãr-l'únerais, aniversárfõíi,' rituais de iniciação, trocas comerciais, proclamações de leis e, com um pouco de sorte, heresias, perseguições, revoluções e incestos; mas, além de não poder イ・ーッ、オコゥNj。lカZョエosLュウセM ei.frentar-anossa_Jl.I:6iiriã-PiJ:,!.çãQ,.. W.Il.tória.. 1J.iOgráfica,._e,dllS,ação,,-inteJ:esses e ーセョ」LGャゥェ[ッA@ "O problema não é o de somente re- _' produzir e observar o fenômeno. mas suh tãriClarmente -li. <Ia como observá-lo. Todos os fenômenos que são hoje parte e parêeta das chamadas ciências sociais são fatos conhecidos desde que a primeira sociedade foi fundada, mas nem sempre existiu uma ciência social. Assim, classes de homens diversos observaram fatos e os registraram de modo diverso, segundo os seus interesses e motivações; de acordo com aquilo que julgavam importante. Ç) processo de acumulação que tipifica o processo cientifico é algo lento em todos os ramos do conhecimento, mas muito mais lento nas chamadas ciências do homem. 2. Uma Diferença Crucial Mas de todas essas diferenças a que considero mais fundamental é a seguinte: nas ciênclas sociais- trabalhamos com fenõmenos que estão bem perto de nós, pois pretendemos estudar eventos humanos, fatos que nos pertencem integralmente. O que significa isso? Tomemos um exemplo. Quando eu estudo baleías, estudo algo radicalmente diferente de mim. Algo que posso perceber como distante e com quem estabeleço faciimente uma relação de ᆱッ「ェ・エゥカ、。セN@ Não posso imaginar o universo interior de uma baleia, embora possa tomar as balelas para realizar com elas um exercício humanizador, situando-as como 22 sociais» ? Ora, aqui é tudo muito mais complexo. Temos, em primeiro luger, a interação complexa entre o investigador e o sujeito investigado, ambos - como disse Lévi-Strauss _ situados numa n:esma eScala. Ou seja, tanto o pesquisador quanto sua vitima compartilham, embora muitas vezes não se comuniquem, de um mesmo universo das experiências humanas. Se entre nós e os ratos as diferenças são irredutiveis, homens e ratos pertencem a espécies diferentes, sabe- r I 28 mos que os homens não se separam por meio de eSpécies, mas pela organização de suas experiências, por sua história e pelo modo com que classificam suas realidades internas. e externas. Por causa disso ninguém pode virar baleia, rato ou leão, mas todos podemos nos tranformar em membros de outras sociedades, adotando seus costumes, categorias de pensamento e classificação social, casando com suas mulheres e socializando seus filhos. Resando aos seus espíritos e deuses, aplacando a ira e agradecendo as bênçãos dos seus ancestrais, obedecendo ou modificando suas leis, falando bem ou mal sua Ungua. Apesar das diferenças e por causa delas, nós sempre nos reconhecemos nos outros e eu estou inclinado a acreditar que a distância é o elemento fundamental na percepção da igualdade entre os homens. Deste modo, quando vejo um costume diferente é que acabo reconhecendo, pelo contraste, meu próprio costume. Quando estudei os nomes pessoais entre os Apinayé do Norte do Estado de Goiás e vi que, entre eles, os nomes eram mecanismos para estabelecer relações sociais, foi que pude reconhecer imediatamente o papel dos nomes entre nós. Aqui, percebi, os nomes servem para individualizar, para isolar uma pessoa das outras e, assim fazendo, individualizar um grupo (uma família) de outro. O nome caracteriza o indivíduo, pois os nomes são únicos e exclusivos, com o termo <l)a,rú' demonstrando a surpresa que dois ou mais nomes idênticos podem causar. Lembro que a palavra xará é de origem tupi e siguificava originalmente «meu nome». Ela tem assim a virtude de relacionar dois indivíduos cujos nomes são comuns, indicando, junto com a boa surpresa, algo que talvez não devesse ocorrer, pois o nome tem um caráter exclusivo na nossa sociedade. Entre os Apinayé e os TimQira em geral, porém, os nomes não individualizam mas, muito ao contrário, estabelecem relações muito importantes entre um tio materno e o sobrinho, já que ali os nomes são sistematicamente transmitidos dentro de certas linhas de parentesco. Os geuitores jamais devem dar os nomes aos seus filhos que sempre os devem receber de parentes situados em certas posições genealógicas, entre as quais se destaca a do tio materno. De acordo ainda com essa lógica, os nomes sempre devem passar de homem para homem e de mulher para mulher, algo bem diferente do que ocorre em nosso meio, onde eles são transmitidos obedecendo a uma lógica pessoal e fundada numa livre escolha. Se tirarmos o sobrenome, o nome dI!' família, que legitima direitos a propriedade, o nome próprio ou primeiro nome é algo que pode variar muito quando é escolhido e dado. De fato, falamos em .dar um nome li. criança.; quando na sociedade Timbira é muito mais apropriado falar­se em transmissão de nomes, ato que revela melhor o sistema de nominação vígente naquela sociedade. Mas, além disso, os nomes Timbira dão direitos a pertencer a certos grupos cerimoniais muito importantes, pois são grupos que atuam durante os rituais e também nas corridas carregando toras, esporte nacional destas tribos. Assim, papéis sociais são transmitidos com os nomes próprios e grupos de pessoas com os mesmos 'nomes desempenham os mesmos papéis. Um sistema de nomes própriOB, tão coletivo como esse dos Timbira, nos faz pensar de imediato nas possibilidades de um sistema oposto, isto é, num sistema de nominação em que os nomes fossem absolutamente privados e individualizados de tal modo que a cada indivíduo não só correspondesse um só nome, mas que tal nome fosse mesmo como que a e:ltpressão de sua essência individual. Pois bem, tal sistema parece existir entre os Sanumá do Norte da Amazônia (cf. Ramos, 1977) onde os nomes próprios são segredo. Temos, pois, neste exemplo, o modo caracteristico de proceder a comparação em AntropOlogia Social e, por meio dela, descobrir, relativizar e pôr em relação o nosso sistema (ou parte dele), pelo estudo e contato com um sistema diferente. Pois se os nomes dos Timbira são coletivos e os dos Sanumá absolutamente individualizados (até mesmo ao limite de tornarem­se sigilosos), o nosso sistema fica como que numa posição intermediária, como um conjunto que, ao mesmo tempo que individualiza, também permite a apropriação e a expressão do coletivo. Mas é preciso observar que o nosso sistema ­ como o dos Sanumá ­ parece contrastar violentamente com o Tlmbira, na medida em que o seu eixo está em acentuar indivíduos e grupos exclusivos. Sem o contraste e a distíl.ncia que o sistema de nominação dos Timbira coloca, seria difícil tomar consciência do nosso sistema, num primeiro p8llll0, para poder reJativizá­lo apropriadamente. A história da Antropologia Social, aliás, como veremos 24 25 um pouco mais adiante, é a história de como esses diferentes sistemas foram percebidos e interpretados como formas alternativas ­ <soluções» e «escolhas» para problemas comuns colocados pelo viver numa sociedade de homens. E como esse tipo de encaminhamento se constitui num momento importante no sentido de unir o particular com o universal pela comparação sistemática e criativa: relacional e relativizadora. Mas além da problemática colocada pelo deslocamento dos sistemas (ou subsistemas), deslocamento que permite a comparação e uma percepção sociológica, relativizada ou de viés, existe uma outra questão crítica nestas diferenças entre as «ciências sociais» e as «ciências naturais». Trata­se do seguinte: Quando eu teonzo sobre os nomes Apinayé, isto li, quando construo uma interpretação para esse subsistema da sociedade Apinayé (ou Timbira), eu crio uma área complexa porque eJa pode atuar em dois sistemas diferentes: o meu e o deles. Em outras palavras, quando eu interpreto o sistema de nominação Apinayé, eu entro numa relação de ref1exividade com o meu sistema e também com o sistema Apinayé. Posso ir além da minha comunidade de cientistas, para quem estou evidentemeI!te criando e procurando apresentar minha teoria; discutindo minhas hipóteses e teorias com os próprios Apinayé! Esse é um dado fundamental e revolucionário, pois foi somente a partir do início deste século que nós antropólogos sociais temos procurado testar nossas interpretações nesses dois níveis: no da nossa sociedade e cultura e também no nível da sociedade estudada, com o próprio nativo. Esta atitude, que certamente um evolucionista vitoriano do tipo Frazer consideraria uma verdadeira heresia acadêmica, é que tem servido ­ ' como veremos no decorrer deste livro ­ para situar a AntropOlogia Social no centro epistemológico de todo um movimento relativizador que eu reputo como o mais fundamental dos últimos tempos. Porque quando apresento minha teoria ao meu «objeto» eu não só estou me abrindo para uma relativização dos meus parâmetros epistemológicos, como também fazendo nascer um plano de debate inovador: aquele formado por uma dialética entre o fato interno (as interpretações Apinayé para os seus próprios nomes), com o fato externo (as minhas interpre26 I :' } , ,l' tações dos nomes Apinayé). E essa dialética acaba por inventar um plano comparativo fundado na reflexividade, na ctrcularidade e na êrítica sociológica, o que é radicalmente diferente da comparação bem comportada, onde a consciência do observador fica inteiramente de fora, como '"Uma espécie de computador cósmico, a ela sendo atribuída a capacidade de tudo dar sentido sem nunca se colocar no seu próprio esquema comparativo. É essa possibilidade de dialogar com () nativo (informante) que permite ultrapassar o plano das conveniências preconceituosas interessadas em desmoralizar o «outro». Ê ela que também impede a Antropologia Social contemporãnea de utilizar aqueles esquemas evolucionistas fáceis, que situam os sistemas sociais em degraus de atraso e progresso, colocando sempre o <,nosso sistema» como o mais complexo, o mais adiantado e o que, por tudo isso, tem o direito sagrado (dado pelo tempo histórico legitimador) de espoliar, explorar e destruir ­ tudo em nome do chamado «processo civilizatório». Podemos então dizer que é nesta avenida aberta pela possibilidade do diálogo com o informante que jaz a diferença crítica entre um saber voltado para as coisas inanimadas 'ou passíveis de serem submetidas a uma objetividade total (os objetos do mundo da «natureza») e um saber, como o da Antropologia Social, constituído sobre os homens em sociedade. Num caso, o objeto de estudo é inteiramente opaco e mudo; noutro, ele é transparente e falante. No caso das «ciências sociais. o objeto é muito mais que isso, ele tem também o seu centro, o seu ponto de vista e as suas interpretações que, a qualquer momento, podem competir e colocar de quarentena as nossas mais elaboradas explanações. セ das diferen!;as entre «ciências naturais» e セ@ セ cias sociais. fICa localizada, portanto, no fato de que a na- mr.eza não pode fala.r dttêtãiii.ente com Q ェョv・ァセ[M。ゥN passo que cada sociedade humana conhecida é um espelho ッョセ ã nossa própria existencla se イセ@ _____ 3. Antropologias e Antropologia Procurando definir um «lugar» para a AntropOlogia Social, é preciso não esquecer as relações da Antropologia com seus 27 outros ramos. Sabemos que nossa disciplina tem pelo menos três esferas de interesse claramente definidas e distintas. Uma delas é o estudo do homem enquanto ser biológico, dotado de um aparato físico e uma carga genética, com um percurso evolutivo definido e relações específicas com outras . ordens e espécies de seres vivos. Esse é o domínio ou o campo da chamada Antropologia Biológica, outrora confinada, como Antropologia Física, as famosas medições de crânios e esqueletos, muitas vezes no afã de estabelecer sinais diacríticos que pudessem servir como diferenciadores das «raças» humanas. Felizmente, como iremos ver com mais vagar adiante, a noção de «raça. como um tipo acabado está totalmente superada, de modo que é um absurdo pretender tirar do conceito qualquer implicação de caráter sóci()-cultural o es;!;;ecialista aョセᆳ como se fazia antigamente. hッセ・@ PJlI!lld& bゥッャセ」。@ dedjca-se jÍ Il !ijSll d dilerenêC@es lmセ。ウ@ utllizando esqUemas e!ltatísticos. dando muito mais セエ・ョ￧ ̄\A@ ao estudo das sociedadeS de primatãS superior,!!!セ@ (como os babuinos ou gonlas). à セcjQャ。￧¬￵Ao「イョNM・vッᆳ luçã<! biológica do homem em geral -.apreciando. por ・クュセ⦅@ . . pIo, a eVolução do cérebro ou 'do aparato-ller:wS!LU!lS..'l9.. utilizado e mobilizado para and;g; ou está dedicado ao enten·uunento dos. mecanismos e セ「ゥョ。↑￵ャ genéticas funda!!Ie!l"" =tli:tiCiiue permitam explicar -diferenciações de popu[q,çiles- e não mais de raças! Claro está que a Antropologia Biológica lança mão de métodos e técnicas comuns aos outros ramos da Biologia, da Genética e da Zoologia, além da Paleontologia, de modo que o cientista a ela dedicado deve ter familiaridade com todas essas outras disciplinas, sendo um biólogo especializado no estudo do homem. Na história da Antropologia, grande parte da popularidade da disciplina decorre de achados aien" tíficos vindos desta esfera de estudo. A segunda esfera de trabalho da Antropologia Geral diz respeito ao estudo do homem no tempo, através dos monumentos, restos de moradas, documentos, annas, obras de arte e realizações técnicas que foi deixando no seu caminho enquanto civilizações davam lugar a outras no curso da História. Essa esfera de trabalho antropológico é conhecida como Arqueologia e, como tal, é uma subdisciplina da Antropologia セイ。ャ@ e, mais especificamente, da Antropologia Cultural (ou ( ;r,;: ­­­ 28 , セ@ Social), já que seu objetivo é chegar ao estudo das socie-dades do passado. -flQ.. fato A rqJle6!QgG inl:e.t!lllsadQ edaços de cerâmica, cemitérios milenares, cacos de edra e restos de animaIS, enquantõ t ã í s · · eduzir modos concretos e re çoes sociais ali eXÍBtentes...A ArqUe()1Õgia, assim, é uma Antropo!og18 Social, só que está debruQada em cima do estudo de um sistema de ação social já dessparecido. Para chegar até ele, a disciplina desenvolveu uma série de métodos e técnicas destinadas ao estudo preciso e detalhado dos restos de uma sociedade ou cultura: aquilo que foi cristalizado e perpetuado pelos seus membros, enquanto atualizavam certos padrões de comportamento específicos daquele sistema. Todo sistema social humano precisa de instrumentos e artefatos materiais para sobreviver. Na realidade, artefatos, instrumentos e Objetos materiais são elementos definidores do homem, já que eles definem a própriacondição e sociedade humana em oposiçã<! a sociedades Animais. Mas esses instrumentos, embora tendo o Objetivo de permitir a exploração da natureza, multiplicação da força e do poderio do homem ou a realização de alguma tarefa especial, estão delerminado8 pelos modos através dos quais o grup<> 8e autodefine e concebe. Daí a 8ua variabilidade. Assim, embora a agricultura seja uma técnica c()mum a. muitas sociedades, nem todas a praticam do mesmo modo, utilizando os mesmos instrumentos, dentro do mesmo ritmo, ou plantando os mesmos produtos. Mesmo em áreas geográficas comuns, como o Brasil Central, por exemplo, encontramos grupos de língua Tupi, como os Tenelehara, praticando uma agricultura fundada na mandioca e baseada em técnicas avanQadas; ao passo que as populações de fala Jê, na mesma região, operavam (e ainda operam) técnicas agrícolas diferentes, com o seu produto cuitivado principal sendo uma grande variedade de inhames. O arqueólogo estuda esses resíduos deixados por uma sociedade, depois que seus membros pereceram. E sua tarefa é a de reconstruir o sistema agora que ele somente existe por meio de algumas de suas cristalizações. Quando pensamos em Arqueologia, pensamos freqüentemente nos especialistas dedicados ao estudo das chamadas grandes 」ゥカャコ。セ￵・ウ@ (Egito, índia, Mesopotâmia, Grécia e Roma), estudiosos que têm como material de estudos, não Q 29 má só instrumentos de exploração da natureza, mas formas de sociedade bem cristalizadas como os monumentos e os palÁcios. Mas é preciso não esquecer o arqueólogo devotado ao estudo de pequenos grupos de pessoas que também deixaram sua marca em algum ambiente geográfico, cuja reconstrução correta é muito mais difícil mas igualmente básica para uma visão completa da história do homem na terra. E é curioso e importante saber como se pode «fazer falar> esses resíduos pela técnica arqueOlógica. Assim, uma aldeia antiga, cuj as casas já foram consumidas pelo tempo e pelas intempéries, pode fornecer um padrão de habitabilidade que denota um tipo especiai de aldeamento, pois as casas podem ser grandes ou pequenas; estar dispostas de modo aieatório ou seguindo um desenho geométrico preciso, como um quadrado ou um círculo. E a informação é básica porque­ existem sociedades, como as de língua Jê do Brasil Central (cf. Melatti, 1978; Da Matta, 1976), que constroem aideias redondas, com um pátio no centro e as casas situadas ao redor. Tal divisão representa um esquema básico e revela como a disposição em círculo pode indicar algum aspecto básico da mundivisão daquela sociedade. Além disso, toda a aldeia pode ter um depósito comum de lixo e isso permitirá descobrir o tipo de alimentação da J)i?pulação, bem como o tipo de material que era mais usado por ela nos seus afazeres cotidianos. Restos de alimentos podem significar esqueletos de animais e isso permitirá descobrir as espécies mais consumidas e até mesmo a quantidade da alimentação e o modo como os animals foram mortos. Por outro lado, esta informação poderá ser critica no equiUbrio da dieta alimentar da aldeia e no peso que a caça, a coleta e a agricultura teriam tido na sua vida econômica e social. Ao lado destes resíduos de animais, pode o arqueólogo deduzir muito sobre a estrutura social se descobrir planos de casas intactos com o que restou de suas divisões internas e externas. Tipos de família poderão vir à luz destes dados e a população da aldeia poderá ser até mesmo calculada por meio deles. Cemitérios que fazem parte da imagem popular do arqueólogo com sua roupa cáqui e chapéu de explorador são básicos. Um cemitério relativamente intocado pode indicar multo sobre população, distribuição sexual desta população, fornecer dados sobre tipos de morte e formas de doença, explicar 30 I f, ""/ . padrões de casamento e migração (pelo estudo de esqueletos diferentes). Esqueletos enterrados em conjunto e com certos enfeites e aparato funerário lançaria luz sobre & vida religiosa e política de uma aldeia, pl>is ao lado de mortos enterrados com simples enfeites poder­se­iam enCl>ntrar também pessoas enterradas sós e com muita riqueza de aparatl> funerário, o que faz suspeitar de uma sociedade com hierarquias e diferenciações religiosas, políticas ou econômicas. e deduO arqueólogo trabalha por meio de ・ウdAャセiゥ|\ᅰ@ :00s. numa base comnarativa. balizando sistematici seus achados do passado com o conheciment:<Wml1iJii Relo COj!!!Iícina@lltQ ァqョエセ@ de .sociedades cc:>m aquele mesmo grau de complexidade sociaL Seu trabalho segue, então, em linhas gerllJ.s, o mesmo ritÍno daquele realizado pelo etnólogo ou antropólogo social (ou cultural), só que ele estuda uma população que somente existe pelo que foi capaz de ter cristalizado em materiais não­perecíveis. 1 Como o homem é o único animal que tem essa fantástica capacidade projetiva, pois ele efetivamente se projeta (projeta seus valores e ideologias) em tudo o que concretiza materialmente, toda sociedade humana deixa sempre algum vestígio das suas relações sociais e valores naquilo que usou, negociou, adorou e entesourou com ganância, sabedor:a ou generosidade ao longo dos tempos. É porque os homens são assim que a esfera do conhecimento arqueológico é possível. Quando falamos em Arqueologia, já tivemos que utilizar a idéia de mecanismos sociais sistematizados _ Ç.ue chamei de projetivos ­ para exprimir o campl> de estudos desta disciplina dedicada à análise das fl>rmas que os homens inventam, copiam e constroem de modo a poderem operar suas vidas individual e coletivamente segu::1do certos valores. Quando o tigre de dentes­de­sabre desapareceu, foi­se com ele todo o seu aparato adaptativo, do qual o dente­desabre era obviamente uma peça fundamental. Mas quando a sociedade Tupinambá desapareceu, ela deixou atrás de si todo um conjunto de objetos que havia elaborado, copiado, inventado, construído e fabricado, elementos que eram soluções para desafios universais e, mais que isso, constituíam expressões particulares dos Tupi resolverem tais desafios. 1. Pa.ra uma ヲョエッHィセQ■@ AO modo de proceder arllueológioo, na C!ioncepção de um protlsaiQnal. veja,..ae a llO:tável introdução de V. Gol'don ChUde. Sv.çüQ Sooiat (Zaba:r. 1061). 31 Agora que desejo definir a terceira esfera do conhecimento Antropológico, ll;..reciso conceituar melhor esses mecanismos p . . ue permitem atualizar valores sociais. Tradicionalmente eles m SI o c os tur セ@ s que precIsamos falar quando pretendeJllos localizar o campo da AntropologIa Socíar-Ciillurãl ou EtnologIa. d・セG@ fato, os nomes (que estão relacionados às tradições de estudos de certos países) não nos devem ofuscar, pois todos denotam a mesma coisa: o estudo do Homem enquanto produtor e transformador da natureza. E muitõ mais que isso: a ;isão do HomeJll enquanto membro de uma ウッ」ゥ↑、 ̄・。セ@ ul!'í aãdo sistema de valores. A perspectiva da sociêdãde humana enquanto um conjunto de ações ordenadas de acordo com um piano e regras que ela própria inventou e que é capaz de reproduzir e projetar eJll tudo aquilo que fabrica. A esfera da Antropologia Cultural (ou Social) é, assim, o plano complexo segIlndo o qual a cultura (e o seu irmão gêmeo a 8ocieà!Uk) não é somente uma resposta específica a certos desafios; resposta que somente o Homem foi capaz de articular. Não. Essa visão instrumentalista da cultura como um tipo de reação de um certo animal a um dado ambiente físico deve ser substituída por uma noção muito mlÚs complexa e generosa; por uma visão realmente muito e AエセZLMョ。N@ セZ セZ@ Zセョscゥ↑@ mais 、ゥ。セ←A」@ que a VISM socIologwJ! n Ih 1 1 m r sTfffii. li lÍOmem muito UIais do que um animal que inventa objet§'s, Mamando 。セG| ;ara o c'j!!c;, de [Ge ele é-= affiíliiíl eçaz de l;J aF 8ffil P"" U>lID1en . Em outras l!lIlawas, somente o homem é capaz dILcriar !!!:!!§ linglllW!\!P-': da linguagem, lIm" regra­de­regtlU! Um plano de tal ordem reflexivo que ele pode ver-se a si prÓprio neste plano. Se algulll! animais podem inventar objetos: o homem é o línjÇO qu',) lDll!!nta as regras de inventar os objetos. Jll assim f1\::__ _ セ、・MャAilョアオ。エッ@ !!!!UlllLq!ULusa a linguagem,.. JE-as アオセ⦅jゥャy「←ュエ・@ ⦅」ッョウ￧ゥセャjMNlᆱAァオ。・@ Seja porquê a língua articulada permite uma mUltlpliciétooê de propósitos práticos, seja porque sabe que sua língua é particular e por causa disso permite uma individualização dilllllte de outras sociedades. O ponto essencial é que o homeJll -não ínventa uma canoa só porque deseja cruzar o rio ou vencer o mar, mas inventando a canoa ele toma consciência do mar, do Jpy. r rio, da canoa e de si mesmo. Se o homem faz-se a si próprio, é preciso também não esquecer que ele assim procede porque pode ver-se a si mesmo em todos os desafios que enfrenta e em todos os instrumentos que fabrica. 4 Antropologia Social (ou Cultural),ou Etnologia, permite descobrir a dimensão da cultura e da sociedade. desÉ!!'lIlld o ッセ@ sQg:uimea planosa) Um plnnl! iwtmmental, dado na medida em que um sujeito responde a um desafio de um ambiente ou de um outro grupo. Se a temperatura da terra mudou, vários animais apenas desenvolveram defesas para esse novo fato. Mas os aDimlÚs apenas desenvolvem respostas internas, parte e parcela do seu próprio organismo, como peles, garras e dentes. ,Sua resposta é instrumental, direta, não permitindo tomar conhecínIento reflexivo da resposta mesma. Numa palavra, a resposta não se destaca do animal, fazendo parte do seu próprio corpo e a ele estando intimamente ligada sem reflexão ao estínIulo. O pú/'no insf;ru,mentaJ, é um plano das coÍsas feitas ou dadas e a sua concepção e importância está muito ligada à perspectiva segundo a qual o homem foi feito aos poucos: primeiro o plano físico, depois o plano social (ou cultural). Primeiro o plano individual, depois o coletivo. Primeiro os sons que' ínIitavam a natureza, depois a linguagem articulada. Hoje sabemos que tal visão que Geertz (1978) chamou de «estratificada» não é mais válida. Muito mais importante é tomar consciência de Um plano francamente cultural. b) .No plnna cultWI'a.l ou sqçial. que a EtnJililgia,-A.ntropologia__ SocÍ<lI Jl Antropruogia Cllltur-a.! permitem-tomar--conlIecimento, -o m.undo humano forma..se de,ll.trp .de J;tIJ-:! ritmo dialético com.!! íiàtureZá.Fol '-resjiOiúlendo à ョ。エオセ[ア・G@ ô homem modiflooü-=iiÉ!-e assim inventou um plano onde pôde simultaneanIente reformular-se, reforInulando a própria natureza. Neste nível, estamos na região das regras culturais (ou sociais, a distinção será estabelecida mais tarde), quando nós temos uma resposta e também um reflexo desta resposta no sujeito, Assim, se a temperatura da terra mudou, os homens inventaram cobertas e abrigos. Mas é fundamental C(}usídeIl!!:_ de⦅ャNAセーックZエ、。ウMアue[ヲゥᅪLョ ̄Hh■@ Pwqtl,," tais 」ッ「・イエセL ,,' " ,e abrigos variam. Não porque existisse alguma "' . . . . __ セLN⦅@ 32 BGキLNセ 33 razão interna JJle..natuuzagenética ou· biológicah ..mas . po;r- I medida mesmo em セオ・@ íamos revelando os ''@9 de cada antropõ ôiJa, f!lLlLde mostrar como a sociedade. el'terno .e ..percebido..como··tal. Apenas podemos dizer que o homem deverá responder, mas não podemos prever efetivamente como será essa resposta. O homem, assim, é o único ;w.i:ll:Ia1 quê fala de sua fala, que pensa o seu pensamento, que responde a sua própria. rest!Osta, que reflête seu próllP9 セヲャ・@ que,," capaz de se diferenciar mesmo quando ・ウエャゥZNセ@ aptando a Causas e estímulos comuns. Realmente, pode-se mesmo dizer que um tigre está ficando cada vez mais tigre, na medida em que se adapta a um certo ambiente natural e desenvolve certas características biológicas: Mas com o homem as coisas são muito diferentes. Aqui, a noção de adaptação é muito complicada, porque ela não indica um caminho de mão única, indo apenas. na direção de um mínimo de atrito com a natureza, como é o caso dos animais. No caso das sociedades, adaptações podem significar desta· ques do ambiente, pelo uso de uma tecnologia avançada e que busca dominar e controlar a' natureza; o uso de um estilo neutralizador, quando uma sociedade busca integrar-se no ambiente. Vê-se, deste modo, que a resposta cultural é muito diferente da instrumental. Ela permite a superação da necessidade e também o estabelecimento de uma diferenciação por causa mesmo da necessidade. E esse ponto é crítico. Os homens se diferenciaram porque tornaram-se homens, e tornaram-se homens porque responderam de modo específico a estímulos universais. Por isso é que o estudo da Antropologia Social será sempre o estudo das diferenças, plano efetivo e concreto em que a chamada Humanidade se realiza e tornaso visível. nasceu de uma diàlética complexa e, por isso mesmo refi"" xiva, onde o desafio da natureza engen dr a31&....llma resposta_ que, por sua vez. permitia tomar consciêncil;LJ1l! consciênc!ª(ctu;n suas possibilidades de responder), da natureza e da , pJ:ópria resposta dada A plasticidade humana. é Que permite descobrir sua variabIlidade, já que ela apenE.S indica o c!\Imrilio de alguma reaçã9, mas Illio pôde determinar com precisão a resposta. De fato, neste sentido, o homem é イ・ウャュセ@ .livre, cqmo sendo エオ[ョ。・ウセ@ . tRAjIャ[N。Zオエイセェ⦅ァL_@ cle de elaborada rooposta ao desafiO natural é um".modo muito Creio comum dé cólocar em fOc.óo ッ「ェ・エBM、。aョイセーャァゥ£N@ e,J:nlllhor- _アオ・セ .isso/-mais que minha visão é mais 」ッューャセク。@ aaequada ao conhecimento moderno das.. sociedades e dos Qゥ￳セ@ }iャNセAIMpッイ@ outro lado, ela abandona, ・ュョセウ@ セ@ persp8e.tiva ・カ_ャオ」ゥYセウエ。@ セオゥエッN@ simplificadora, ウ・ァオョ、セ@ a ァャL。セ@ a. セAヲゥdcj。@ SOCIal fQ:l realIzada em etapas: primeiro o ᅪャscoセ@ depois o social; primeiro O grito, depols_a.-iala; primeiro-o Indivíduo, depois o grupo. A visão aqui Nセ・ョエ。、L@ na 4. Os Planos da Consciência Antl'opológiea Do que ficou colocado acima, segue que temos em Antropologia pelo menos três planos de consciência. Incluiríamos com satisfação um quarto plano, o mais fundamental de todos, caso ele não fosse tão especializado e n03SO conhecimento com ele tão superficial. Quero ャGjQLNZセᄋ、イ@ 。ッNーャョセX@ liDLァゥウエャ。NB、ッセ・オ@ da.líng,)lll, エャNセヲ・イ。@ de ⦅coヲAセHェN￧ゥ。B@ N。rセ⦅ . lutamente básico na transmissão, i'gyençao e produção..il'? tOdo o:.conhecimento e cultura. Elemento--ou--meio-sem-o-qualt.odosos .oU.tms...não·. poderiam. ᄋ・クゥウエイLNj£アョMュBオ。ャセ@ guagem £イエゥ」オャN↑Alセ・⦅ ゥュiャセB■カ・QMAーイaアGNッwYLᄎZ@ lõ conlféêfao' manipulável por meiCl. de um. ESquema.de.. ..c&: Úigoriasol0'lénadàs. . .. . . Mas dentro dos três planos que destacamos e nos quais inclufmos indiretamente a linguagem será preciso destacar os seguintes pontos; O estudo da Antropologia Biológica situa a questão de uma consciência física no estudo do hッュセN@ Ela remete aos parâmetros biológicos de. nossa existência, revelando como estamos ligados ao mundo animal e aos mecanismos básicos da vida no planeta. Neste plano, trabalhamos num eixo temporal de caráter verdadeiramente planetário e cósmico, numa escala de milhões de anos, onde é praticamente impossível discutir com alguma precisão o surgimento de eventos bem marcados. No plano da consciência que faz parte da Antropologia Biológica, especulamos sobre mudanças intrínsecas do corpo e cérebro humanos, apreciando por compa-.:,..,••••• ,_.. ", 'o-o •• ,_._.- • e . I .1 . I'., I. ーャ。QlNAゥセMᆰᆳ qqe a_riísP,M4cfoLpensada. em termos de regras,. comQ..!\l;ro 34 35 'l' ra.;ão com os animais as conquistas realizadas por esse primata superior que acabou tão diferenciado. O ff!:W_.d/;t,,,,,? homem ter descido de uma árvore, de ter desenvolvido o sェIイL_ーqャNAエッセ、・ ,.partida para 'iriria'seflil lilpedálismo ーッ、セ@ セ↑@ transformações correlatas, todas. ocorridas num espaço d!l tempo inteiramente inconcebível para a nossa consciência freqüentemente confinada LセN@ "iíiilaexperiêncilj. ..カ・IZ、セNゥイ。ュョᆳ tê:,dIiiimut&,da,dura.;ã9,teIl\poral. Assim, o bipedalismo está­_ associado auma dife.renciação entre.os .pés eas mãos, espee clalizÍlçãó . verdadeiramente, única, já que os ーイゥュ。エウBオセ@ riores não deram um passo tão ,decisivo"nesta. dir.eção,_sendo suas mãos___e""péa 'órgãos com uma mesma estrutura 。ョセ@ mica. Tal diferencia.;ão entre a parte de cima do corpo e 'sua parte de baixo (uma oposição clara no homem entre alto e baixo) levou a mudanças na: estrutura do rosto (com os olhos vindo Um pouco mais à frente e o crânio tomando uma parte bem maior da cabeça), com as modificações típicas nas curvaturas da coluna vertebral (são três no homem) e posição do !oramen' magnum (orifício na parte inferior da cabeça, na sua articulação com a espinha dorsal), nas articulações da bacia e do fêmur, com as suas implicações básicas para todo o conjunto funcional e anatômico relacionado ao andar bipedal. " Tais transformações na estrutura anatômica são acompanhadas de mudanças na estrutura do cérebro, visão, olfato e audição, mudanças que, sabemos hoje, estão intimamente ligadas ao uso de instrumentos e do fogo, mesmo quando se tratava de um pré-homem (um hominídio), vivendo na África do Sul há cerca de três milhões de anos atrás. :É, pois, importante discutir tais modificações em suas associações diretas com alguma forma de cultura ou projeção no meio ambiente, ativídade que está acompanhada de lIma complexa dialética. Mas é importante notar que aqui estamos observando e conhecendo resíduos de homens ancestrais, pedaços de estruturas que estavam a meio caminho entre uma forma animal, situada dentro das determinações naturais e geográficas, e formas mais deaenvolvidas, com uma capacidade única de reagir a tais determinações. De fato, inventando suas próprias determinações sociais e históricas, pelo uso e abuso dos instrumentos. Estamos, portanto, situados num reino congelado - ou como colocou Lévi-Strauss (1970) no reinado de t! 36 r uma «histõria fria», onde os acontecimentos só aparecem em espaços de tempo extraordinariamente longos. Entre a «descoberta» do bipedalismo ou, digamos, a perspectiva desta possibilidade e a descoberta da primeira arma ou instrumento, quantos mílhões de anos não se teriam passado? E entre a domesticação do fogo e dos animais, quantos outros milhares de anos não teriam decorrido? Ou será que tudo foi víslumbrado num só momento, uma espécie de «queda do Paraíso biológico», quando o animal que viria a ser o homem rompeu com as cadeias que o prendiam às determinações biológicas e ambientais, construindo um primeiro ato projetivo: uma arma, uma alavanca, um instrumento capaz de prolongar o braço, ou de multiplicar a força? Sabemos. que tais problemas nos colocam, por sua própria dificuldade até mesmo de verbalização adequada, no limiar entre o científico e o religioso (ou o filosófico), naquela fronteira onde o tempo - por ter. que ser contado na escala dos milhões de anos - deixa de operar como uma categoria significativa, perdendo todo o sentido classificatório. A Antropologia Biológica, assim, nos coloca diante dos espaços primordiais, dos gestos decisivos, do tempo que corre numa escala fria, lenta, infinita. Ela nos permite especular sobre aquele momento mágico quando o milagre do significado deve ter se realisado e todas as coisas se juntaram num primeiro sistema de classificação. e/ou Social (ou.EtnoO セNQAjェlᄎi|Laョエイッーャァゥ。cオᄋ@ logia)" I!!lJ:lLaíLpOlitas·de .realidades" JIlJ1ePlas.. A Arqueologia nos remete ao mundo de um tempo em escala de milhares de anos, mas onde os acontecimentos passam a ser decisivos não mais em escala da espécie humana como uma totalidade, mas como elementos que permitem diferenciar civilizações, sistemas produtivos e regimes políticos específicos. Ela nos cóloca diante de uma espécie de arrancada posterior: depois de uma diferenciação ao nível universal (e portanto da espécie), o homem realizou simultaneamente as suas variadas diferenciações internas, inventando formas sociais diferentes. O movímento é simultâneo, parece-me, embora seja diflcil colocá"lo assim, sobretudo utilizando um meio como a escrita que é, acima de tudo, linear. De qualquer modo, a «consciência arqueológica. é aquela que nos toca com temporalidades infinitas e com uma história igualmente fria, onde os espaços 37 entre OS acontecimentos são enormes. Mas aqui a noção de espaço começa a se insinuar, já . que o temp<LPpr",sisó não é suficiente para localizar as diferenças. No ano 3000 antes de Cristo, tinhamos civilizações diferenciadas em algumas regiões da Terra: a minoana, a egipcia,. a sumeriana, a indiana e a chinesa. Tais formações sociais já permitem vislumbrar especificidades verdadeiramente demarcado.ras em vários dominios sociais, embora se possa, para propósitos didáticos, tornar todas essas sociedades semelhantes. De qualquer modo, sabemos que as escalas que nos remetem à Arqueologia e 11 Antropologia Biológica são escalas de tempo milenares, onde a biografia tem que ceder lugar à história das técnicas que, por sua vez, é mais significativa do que qualquer especulação sobre o nascimento e desenvolvimento das instituições sociais, domínio intrinsecamente relacionado à história política, econômica e social. Em Ol!tr!li!•. palavras, lluma escala de um milhão. de anos, ap,;;nas"..vejo.,mudanças no níveldã estrotuiã­'iÍÍllitômica e surgimento de ;Uguns instrumentos' ・ウュゥ」■セG←￵q@ Q":(ogii: Mas, イᅪッG■ゥヲケN←セ、オョZ@ Ihares de .!IA0s, percebo o nasciJnentj> .. e o. aperfeiçoamento dê­'técnicãs mais eJaboradl\S como a domesticação .<;le. animais, õ'usótécÍlico du' fôgiÇcom a metaluriía, as diferentes. técniCãS'de' tecelagmn e com elas algumas instituições_sociais. Dêta,'to, Íta .. m.edida !!J!L_que...deixo ッエ・ュprNャゥYQセsqー@ liétro no tempo ãrquéológic:o, começo a vislumbrar, asociedade e a cul:t1!ra. Numa escala de míl 。ョッウLNーs\lャセt」・「イ@ nitidamente セ。ウ@ ゥョウエオAセ\・Nlッァᆰ@ 。エ←セ⦅ュッ@ eertas sqーセ・L@ biogrjl.Íias. Mas e 'VlEfvel a pッウN。ゥjA\[ャイオ・Lq⦅セーェ|HI@ uma «I;ti)!tória·. ゥャウエLj￳ョ。ZBMᄃセAGァᅦッ ..lIUª,'!!Jll.. s.!l.!1gru)iª_pe­ . rietrar no ,campo. 、。ウ⦅LセョGャAZゥj[Nァオ・ etnias, o que remete àg.uelTa e ao comércio: a Uma ィゥウエ￳イ■Zセ・」oiャ￴ュ ̄Gヲ polítiCa das sociei@ies;­Finalníên:té, ni' eiiêiiJã secUlar,. eSti)ü ;40: エュョー」ゥaLセィャイ。@ ーイッpZゥ。ョ・エᄋ¬[ァオ、qiᅳGA￀セlャ :qs.. ciência deve desenvolver uma noção muito mais comjlJexa e dWéj;i!'& .. dI\S_. Q.Iil!:ê1n.inações múltiplas" dOS­­even1Qii'­sobrêOil ィセeャウL⦅。@ socie9aâes. Mas !!llSe. !!po ,JlIil.. エZojャウ」ェ↑ョゥセ .. Já._._ セg・M¢ョッウ。G MaョエイッーャァAZセB■ctゥjN@ Social­iou Cultural). ° I; 38 I li 5. O BiOlógico e o Social claro que as diferenças entre as Antropologias' e a AntropolOgia Social dizem respeito fundamentalmente 11 descoberta do social (e do cultural) como um plano dotado de realidade, regras e de uma dinâmica própria. Em outras palavras, e como já colocou Durkheim.. ­no. seu­clássiGO­­As.. RegraIJ rf,o Método Socwl6gico (mn 1895), cÇ)mQ, tlma «coisa», isto é, um fato capaz .de exercer .COl!rçãQ,.eJCterna ,(dé"'fora para dentro) como qualquer outra ᆱイ・。jゥ、←ャセ .. 4Q,JIlun®.., exteri(jf.... Como;·'por 'exemplo,' à. chúva ou esta mesa, elementos que no nosso sistema classificatório têm mais realfr. dade que às outras coisas. Curioso, como veremos em todo o decorrer deste livro, que o. social tenha sido. fOrnltlJ!!!lo, de modo tão tardio e. atê"hojê não tenha sido . àiÍlda. bem, percebido como tal em muitasdiscússões a イ・sャANセ[ー⦅、lj]@ セゥ・、。N@ :Mas é Jl<:>.sl!Ível ゥNiャセイー・エA@ este. fato ..e,..Mゥョエ・イセ@ tando­o, certamente lançar luzsQbre.os"nossosmo,dQ.lUie...c.Q.1!:" êeber .o"mundo enele"orderiar os. ヲ・ョ￴ュッウL⦅ーイ」エゥカャェNjuセ@ permitirá ,. apreciar lj. imPortância. da .consideração­do_soo.illL como «coisa» no.seu sentido correto e, paralelamente, JLi;mportância. dá formidável descoberta que foi a ヲッイュオャセqNSゥ|@ Durkheim .e seus eolaboradores. Nesta parte, desejo apenas chamar atenção paTa algumas das especificidades correntes dos chamados fatores biológicos em oposição aos sociais, no intuito de demarcar um pouco melhor o objeto de estudo da Antropologia Social (ou Cultural). Creio que osta discussão é necessária, ainda que venha a. correr o risco da repetição, porque entendo que o «social. e o «cu:tural» sej am conceitos­chaves na perspectiva sociológica do conhecimento social, mas que estão correndo sempre o risco de esvaziamento e da reificação pelo seu uso inapropriado. Por outro lado, esta primeira formulação das oposições entre o biológico e o social/cultural permitirá clarificar a discussão seguinte, devotada ao entendimento da AntTopologia no Brasil. Nas páginas anteriores, vimoo que tudo que tl!!Jl.!Qgj,gQ., ⦅・セ ... ゥョエイ■セ￧ャLN⦅ウッ@ . é,.. iazÍlJ, .. ャセAB⦅aᆰLMNjuゥオイ・コ。ッZョ」ウ@ de um_, ªnÍmsl, concreto,.. de sua.. LGエulオイZ・セ。B@ do ..8e1l organismo. O"'blólógico, então, tem seu lugar em エイ。ョウヲッュ￧￵・Gゥセ⦅@ nas de uma estrutura orgânica, sofrendo por causa disso É 39 II1 mesmo uma lenta modificação, em escalas de tempo verdadeiramente cósmicas. Fatores biológicos e fatores·-naturais セNオエゥjMᆰ、ッ。ZュウeャコヲiA￧@ . sinQuimo!i,.....designando.. o «mundo natural» como uma .realidade separada e, às :v.ezes, Elitl. oposição à chàÍnada :!-J;'ea,lidàde humana» .ou .s.ociai». Em muitas formulações, essa «natureza» é a .realidade externa., objetiva, independente de um sujeito que sobre ela se debruça e a questiona. Nesta perspectiva é que temos a oposição entre consciência e matéria (realidade) que segue paralela à dicotomia real/ideal e, junto com ela, o dogma segundo o qual a matéria é anterior à consciência. E sendo anterior é naturalmente a parcela que a engloba e emoldura. Sabemos que nesta posição o natural é visto como anterior ao biológico que, por sua vez, é anterior ao social que, por sua vez, é anterior ao individual. Temos uma verdadeira cadeia hierarquizada, numa ordem especifica que vai do natural num sentido totalizador, ao biológico, ao instrumental, ao institucional, ao social, ao grupal e ao individual, forma que é t0.mada como a mais desenvolvida e cqmplexa. Claro est;á que aqui temos, numa cápsula, o desenvolvimento da «ciência.., tal como ela é concebida no nosso mundo social. Temos também, aqui repetido, o dogma da criação, quando Deus inventa primeiro a natureza começando do seu plano fisico (a invenção da luz) e a partir dai, chegando ao plano dos animais, do homem, da mulher e, finalmente, das regras sociais, quando Ele se retira de cena, deixando o homem entregue a seu próprio destino. Também na Bíblia as relações são visivelmente hierarquizadas, com a natureza existindo antes do homem e o indivíduo preexistindo à invenção do universô social que é, permitam-me dizer, visto em todo o relato comO a fonte de todos os problemas e discórdias. A questão não é s6 a de revelai' que a conceituação é um ponto pacífico para nós, já que ela é sempre vista como parte e parcela do .mundo reab, o mundo exterior, a realidade intransponível etc. Mas de mostrar também como o natural é classificado em oposição ao social e ao cultural. Numa palavra, na nossa ideologia e sistemas de valores, o homem está em oposição à natureza numa atitude que não é nada contemplativa, mas ativa. Ele visa o seu domínio e controle, o seu comando. Assim, na orientação ideológica pOpular, a dialética é a do homem saindo da 'natureza e, depois, 40 voltando-se contra ela, com o intuito de dominá-Ia pelo progresso. Essa é a dialética do senso-comum, dialética que evidentemente entra'em choque com a visão que' apresenta homem e natureza; ou melhor, sociedade e natureza como duas entidades que se formam de modo simultâneo e que podem ter entre si relações marcadas por outros dinamismos. Mas isso não é tudo. Essa percepção «naturalista» de senso-comum tende fatahnente a cair numa atitude instrumentalista ou utilitarista das regras e instituições sociais. Nesta atitude, como já alumbramos páginas atrás, todos os atos humanos diferenciadores ou instauradores de diferenças entre as sociedades acabam sendo reduzidos a respostas ou meras adaptações a um conjunto de desafios tomados como universais. De acordo com tal posição, ainda hoje defendida por muitos cientistas sociais, temos uma cadeia de processos que se passam mais ou menos assim: Primeiro Ato: A natureza hostil e ameaçadora reina absoluta (como nas gravuras dos livros sobre pré-história); o mundo é povoado e povoado intensamente por todo O tipo de animais monstruosOll e fenômenos naturais perigosos: vendavais, vulcões, tempestades, glaciações. Segundo Ato: Neste mundo aparece o homem. Ele é apresentado, mesmo nos livros de Antropologia Biológica, como ser único e universal- - como o homem da Declaração dos Direitos Humanos, nu e fraco. Solitário. O homem é um indivíduo dotado de inteligência superior. Terceiro Ato: Pelo exercício de sua inteligência que é estimulada pelo mundo exterior hostil, o homem - como um verdadeiro empiricista no melhor estilo britânico - começa a aprender pela experiência. O fogo descoberto ao acaso nas lavas vulcânicas, por exemplo, permite-lhe descobrir o seu uso. O ódio contra um animal mais forte faz com que aprenda a utilizar um pedaço de pedra ou árvore como arma. E assim o homem descobre a tecnologia. Comentário ImpOTtante: Volto N。LᅦィュA|ヲ⦅ᆰMセ￧ ̄lpャjZ@ セ。エッ@ J!ft_que,-a.,..nossa_ mifóiogia.....cientfiica. !li!. Qtigem do _セ・ュ⦅ャFAイオ^Nア|ヲ[@ セoacjᄎAゥャイN・MヲエeLョ@ pre-histórico como ..hostil, guando ele poderIa' ..ser per-,-- ,'- ., -.' "-"-"-_' .. ...... "-,- ,"--""'" '" -, -' 41 ,-,,-,' MセB feitamente 」。ャュッセア、ゥQNPDqB@ E ainda que o homem pri1lIitívó;­õ­­Adiõ da nossa Antropologia Biolólfica e dos esquemas vitorianos, seja forçado a descobrir e a inventar pela força do ambiente. Ou seja: o homem' não poderia inventar sem o impulso de uma força a ele exterior, como o pecado, a mudança ambiental ou' o próprio Deus. E é isso que provoca (arranca, seria melhor dizer) dele uma resposta! Não é, pois, ao acaso que a Antropologia de Lévi­Strauss tenha causado polêmica quando ela sugere a possibilidade de imaginar a espécie humana tendo a capacidade de inventar, contemplar e especular sobre o mundo e sobre si própria, do mesmo modo que faz um filósofo da Sorbonne ou de Harvard! Por que não seria possível imaginar o nosso Adão da Ciência como um ser fundamentalmente contemplativo e filosófico, vivendo num mundo natural dadivoso e com facilidades para encontrar todó o tipo de 。ャゥュ・セエッウ_@ :É QJ!e, nonoss.oJistell!f!...J.9!!91ágicQ,..,a.­ação セャA£ウNゥューQヲョエ・Mcq@ iQ・、ゥ。セッL q() Hqlle_ HILセᆰュ・ョエッ@ E este, sem dúvida, é um dos nossos mais ,importantes paradoxos. Como, pergunta­se, pode­se privilegiar a ação, num universo social no qual o individuo é tão fundamental ? Quarto Ato: Descoberto um modo de intM'Vir na natureza, e conhecendo a magnitude e o poder destrutivo das forças naturais, o homem passa a se conhecer como fraco e so· litário. Decide então agrupar­se e formar asociooade. Pano- Nosso teatro­1bL.OngellL!lo Homem revela ie creio que セュオ■エッウ@ errosLHUIna...yisão uti!itari.'lto; da cllltu;r;a­e...da. soヲ ̄、・Mcッitョセnj。L@ como vimos, o social é um fenômeno seilünãário: uma resposta aos elementos natllrais (internos e externos) que de fato cercam a vida humana e para ele colocam problemas e estímulos. Quais os enganos deste teatro? Q.ptimeiro é que ele fala do homem quandn, na verdade" セ・@ WII!,!l!!..J!.l!!l.,..セeAᅪᆰBᄎL@ cult\l:.lIs.... O ィッュセ@ é uma invenÇã()"ooidental e, ainda que possa ser um conceIto generoso e útil em muitos contextos, não se pode esquecer que é uma invenção social determinada, parte importante de um sistema social que se concebe como formado de individuos e no qual são esses átomos sociais ­ as indivíduos ­ que se constituem nos seus elementos mais básicos. NHlウセョ、ッ@ セ@ que, fa:hwdo do homem· e· deímndo'­de­Iado ' as' ウッ」ゥセ。、・@ ",culturas, fala­se de universalidades e dege.­, É curioso !iêralldades, jamais chegando perto da!l. 、ェヲ・イiQ￧。セN@ observar essa ambigüidade diiilite' dO" diverso e do específico, sobretudo em sociedades marcadas como é o caso da brasileira, por uma tendência hierarquizante. Tomando o homem como um ser da «resposta instrumentah, deixamos de lado a tarefa realmente básica de explicar as diferenças. Nセo ...エNi[ャjZセᅪq@ é.... que,...4eJ!'J!M.9 .NjャAlLヲᅦゥセ⦅、イ・ョ￧。ウ .. inventamos uma ュ・ョエ。ャゥ、N⦅セ￳ァ」LAjlZ ..ql,!!l1 . o @§àn1 não 」ッョエ・ューiNャ|⦅jキセ[qᄃAZ@ Aセ . .re,?K"'.. ᆰセZオAュWN@ ,!>ililIlte natural, como uma espécie de cão de Pav!Qy. Jil. nesta qAセャZ。j、T・L@ N・ウセ。@ NイセーッウQ\。 ..,á.. tanto__maiILelara,.....ql,l,@!o.J!!!!is ーイェュセエゥy。@ ·.for. a sociedade. Entre os índios brasileiros, que ·ós"·ântropólogos da «ciência ecológica» percebem como primitivos, pois têm uma capacidade muito baixa de acumular energia, a sociedade somente reage de modo direto. Em tais sociedades não se contempla a pOSSibilidade de o pensamento analítico existir de fato, de modo que o processo se passe ao contrário: com a sociedade provocando a mudança do ambiente em sua volta; ou pensando e experimentando com uma nova fOJ:'ina de organização social. Não! Só na nossa sociedade e no nosso sistema é que novas formal! de relacionamento social podem ser descobertas e inven:adas. Em outras palavras, o ponto de partida da mentalidade instrumental e ecológica é a de que os índios e nativos em geral 42 43 Quinto Ato: Uma vez em sociedade, mas mantendo dentro dele todos os impulsos anti­sociais individualistas, como a fome, a agressividade e o sexo, o homem se ,vê novamente obrigadO, pela força da experiência negativá, à inventar as instituições. Deste modo, a agressividade engendra as leis, a polltica e o direito; o apetite sexual, provoca a invenção da familia, do incesto, do casamento e do parentesco; a fome conduz à descoberta do trabalho e do valor dos alimentos pela lei da escassez. Os eventos anormais, como a coincidência, a morte; o sonho e a desgraça, leva à religião. ­ I II \! I\ "li 1i\1 セ@ sem J, IÍlI Í:' são mesmo primitivos e não podem experimentar com suas formas sociais. Eles também não têm a capacidade de reformar Suas instituições políticas e religiosas, realizando revoluções e inovações. Apenas se constata, no caso das sociedades tribais, a capacidade duvidosa e nada imaginativa de responder a problemas colocados pela natureza. O que tal perspeetiva jama:is se coloca é a possibilidade de respostas diversas para os mesmos desafios. Se realmente existe uma dicotomia tão definitiva entre menlJe..e"matéria;··realeid""l, e M[Gエオイセ・ c!ili:\ii,lh キNゥZセアオエ ̄o・クウュイーッ。 ..diferentes P!H:a. proQlemasconsiderados como semelhantes.'/, .l;'C!!.­_ que o que. é real aqui, é ideal lá, naquela outra sociedade; e' o que é considerado .civiqzad.Q. entre nós é tido .. eomo セBャᆳ vagem entre os selvagens., Caso o mundo sociaLfosse. realmente regido. por leis utilitárias; ..ou .melhor, .por. forças ..cuja lQg"ica. fus.s.c. イ・。ャュョNエセ」ッアオiZ ..ッウN。ョエイp￳ャセM、・ーZ[@ tos desta perspeeti"a. NゥョウAイャエGスセILコ|オ ...= ... r.edutível'.a 'uma racio.nalidade,por.que. hav.eríamos. de­ ter. difer,enças,1 E mais, respostas realmente antieconômicas. Nós voltaremos a tais problemas criticos das diversas possibilidades de interpretação sociOlógica. Por enquanto, porém, basta acentuar ma:is uma vez que o problema SOciológico nunca será resolvido adequadamente pela visão utilitarista da cultura, mas de uma posição onde a consciênêia terá que ser discutida e levada em consideração. fi1!l!lmente,..­como.. quru:to­ponto, temos, que .a.:msão. do s,otei.aI ancoJ;:afta no rゥッiqァウュセNオᄋ@ no naturalismo Hセュ。エ・ᆳ rialismo vulgar), e atualizada na Antropologia moderna ..sop a forma de Antropologia ...Ecológica ou. visão instrumenta:lista, utilitarisl:!L ou' セイカッャNAェエオlZ。・ウ」、L@ re、NオコaZ ̄ヲAャエ・ョセ¬イウ@ a.respostas culturais, deixando de ínquirir sobre a .diversidade humana, >ponto fundamental da perspeetiva antropOlógica. ....­ ". ­­­'. E aqui voltamos à questão inicial. O biológico não permite explicar ou interpretar diferenças porque o homem é uma só espécie no planeta. Assim, tomar instituições culturais e socia:is e tratá­las como um biólogo, em termos de conceitos como adaptabilidade, estímulo etc. a mudanças su­ , postamente ocorridas no meio exterior, é evitar penetrar na razão crítica das diferenças entre as sociedades e penetrar nesta área é estar começando a ficar preparado para discutir I" IIIIIII 1 lil 44 J LセM r o mundo social e cultural ­ o mundo da diversidade, da história e da espeeificidade. Podemos, então, dizer qlle O biológico diz respeito ao [email protected], ao intrínseco. ao que ョ ̄ッセj[ュャ。、⦅N consciência e pelas イセvQGs@ in:v.entadas­­{lu­descobertaS...I1!'la sociedade. Õ ­llllllliIT,eíi1;retanto, é o !lllDSÍO. Como colocou M. Levy Jr., um destacado sociólogo americano, UçãtL§.9cial é toda a . ação que não QャᄎT・NjAlᆰMY|siゥセ、■ZGuー」。@ am tcmw5 de:­ 'â) ... l'átores· .. de..Jler.edita,Pie<ilade e b) do ambiente não­ llUn:!.<lnP (cf. Levy Jr., 1952: 7­8). O que セNゥ■sャuAjヲZad、ッ@ dizer é que a 。セャAlNi[VLッ、IjイオZョゥウMエ・アᆳ tMa e eventualmente explic,'l4.íL..:oot:...JI..W.lL{ll:Ó.prio.§ termos•. [ュャセオZMj￴、ゥヲGウ↑イ ··i­iiífiji(d.ii, ..como..pl'etendem­os....ll.ll.tr.o.P111oWl. favoráveis a uma visão utilitarista da eultum, nem a fatorés' 'genetic,(ís­'(õü"'ã ョャIゥs。M■ ̄エオイセLサ・￵ .. Aセ@ !l­ fatore§. externos, .como' a idéia de nature7,3 conceoida como mundo real;­éiterlot .!,Qfu..ウオ。Nセゥq|l .NゥセA@ 'Comõ­­jã havia demólliitrà(io" Durkheim, o social é 。AァqNュjセZャ|LH⦅@ uma forma de.. 」ッョウイゥ↑ZiINセ[ᆰーGAヲエ@ セNᆰLウッャI￧ゥHェ ... セ ..!!ma môdaJidade de ser não­automática e sobredetarminada. Por outro lado, um fatO so」ゥ。イLMu■セ¬ャウエヲッGュ ̄[@ uma classificação de um pedaço do mundo, implica em determinações múltiplas, sobre outras instituições, fatos e sobre o próprio mundo. De fato, eu não posso ter uma classificação dos animais, por exemplo, peia metade; ou melhor, abrindo mão de certos animais e apenas classificando um terço da minha fauna, Se eu classifico dois mamíferos, já classifiquei residualmente todos os outros, embora não tenha realizado isso de modo explicito. Trata­se, neste caso, da classificação pelo silêncio ou pelo vazio que os estudiosos de semâ:htica reconhecem como tão importante, pois que às vezes o «clamor do silêncio» é bem maior e mais eloqüente que os gritos de quem discursa. Como ponto básico, podemos dizer, numa formulação que será a.mpliadá nos próximos capítulos, que o 80ciaJ, (e cultural) セLZエケNァjI。Aャlアオ・@ jオNᄎセーョ、・。⦅ャエヲZ@ (geャQZ←NエAセ ..º))._quadro'genético) .9U externa:. (fato:t:es....ambi!\ll.tais, naturais). ᄎャiNセェ。L⦅エッ、ウアオ・MAョ ̄ーァュイ@ razoavelmente resolY.idos__ .por ..・ウセ ..セAャェ[qlLN・ョ、Mュ。Zゥウ@ セ`Nエ・ ...tXl\cI;'l4º!l._quando são estudados uns ・セ@ aos outros. Se tal formlilaçaõnãõTaeffííitiva, deixando em ...........­,_...­­­­,..... 45 aberto muitos problemas, ela pelo menos tem a enorme vantagem de situar, à maneira de Durkheim, um campo (ou um objeto) dentro do qual podemos trabalhar com essa realidade que estamos tomando como sociológico e que é o nosso alvo deslindar. Ela também expõe claramente a ー・イウセ」エゥᆳ va a meU ver.. critica, de acordõ.. com.a qual o mundo sôciãI é­um fenômeno c!Yletivo"gIobalizante,. múltiplo e dependente para sua compreensão correta, de uma abordagem capaz. de percebê­lo e estudá­lo nestes termos. O social n.ão decor­re dE) um. impuLw natural. (como o chàmââo .instinto gregário; i; 'de urna resposta a um estímulo externo (como um terremoto), nem de urna reação à condição básica. de. que os homens têm uma existência individual. Ele.Ill!:o. é .... ll.tIiAestrada de mão única, com diretrizes bem traçalW!_El dôíiilnlos 'bem demarcados, exceto na nossa cabeça" ョYNᄃウャMセᆳ temas de classificação e ,nas nossas. teorias. qNAセャ。Lj・ウエ@ perspecj;iva,­é ,muito mais um caminho.. amp!Q" com muitas 、ゥセ@ e zQnas.,,9,e encontrQ' e" espaços.de . choque, eçQnflito:' E . aqui" poderia, sem nenhuma dúvida, lembrar uma elaboração de Marx freqüentemente esquecida nestes dias de sequiosa busca de certezas, quando uma visão totalitária do mundo social é marcante: .Os homens fazem sua. própria história, mas não a fazem como qúerem; .não a"fazem ,sob circunstâncias de sua escolha. e .sim sob aquelas com qUE) se defrontam, diretamente .legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime comó Um pesadelo o cérebro. dos vivos. E justamente ­ continua básica ':=' ql:!arido pareceiíi empeMurx 'IlUma outra pセァN nhadOS,,1lIll revolucionar­se a" aLe às coisas, em 'criar l!lgQ que jamais ・クゥウエオセ@ precisamente ョセウエ・@ penodos de éÍ:­ise revolucionária, os holl1e\ls conjuram. aasiQSamente em seu emprestado os auxilio os espíritos do passado, .. エッュセ・ウL nomes, os gritos de guerra e as roupagens,,,,a ..fim de apresentar­se nessa linguagem .. ・ューイウエ。、ᄏセ@ (cf. Marx, 1974: 334). Neste estudo, que deveria ser lido por todos quantos se interessam por urna visão realmente 8aciológwa e generosa da vida social, Marx simplesmente revela que a conspiração e a revolução ­ ou seja, os momentos em que a açãQ determinada, planificada e dlreta seria possível ­ não são absolutamente momentos vazios, mas situações altamente dramáticas, em que o passado e o presente se c011fundem e homens nem g i I i i 46 e valores são, muitas vezes, trocados, realizando precisamente o inverso daquilo que intentavam fazer. Esta visão da totalidade social como drama;, ponto fundamental deste estudo genial de Marx, informa esta minha visão do social como um plano capaz de formar­se a si próprio, tendo suas próprias regras e, por tudo isso, possulndo um dinamismo especial que é vantajoso para o observador interpretar e compreender nos termos de suas múltiplas determinações e ambigüidades. 6. O Social e o Cultural Até agora estive considerando o social e o cultural como categorias que reve1am uma parcela semelhante da condição humana. Ê tempo de buscar indicar suas diferenças, embora a tarefa carregue consigo. o risco da visão 'parcial ­ê"ã:'ConIsso, porém, seqüentê'"diicordância de. ッオセイョウNL・ー」ゥャAC↑Q@ não 'deve' nós 'deslludirVlsto que é possível indlcar cami· nhos parcials, práticos e teóricos, pelos quais o estudante posas refletir sobre a realidade social humana de forma fecunda. Iniciemos nossa visão das diferenças entre socied!:tde e AZオャエセMN、イ。ョjゥッ⦅LGケェウ ̄ . e clética, segundo..セZ[|NアA。lッウ :,doi8' .. NィAャQュセ@ fenômegQs"são parte de urna mesma coisa, a, イ・セャゥ、。YNA セL⦅ウオ。@ 、ゥヲ・イョ￧。ウ⦅ッ」セ .. Aャカ・エセL@ 」ッュセ@ se tudo. 、↑ー・ョ ̄s[ゥMiᅳャ{。LNセ`￧F\A⦅lェyウエqッイ@ Ê clàro qúe'ã­ IíõsíÇão B、ッゥョカセエN。AQZイLャ`・il@ mas, sõ'ft penã'aeÍiicorrermõS'iium'ゥ、セャョAl ー。イセNオ、q@ nela não resolve "rióSSQS"'p'roblemas, 0_ ヲ。セ .. ,cQ!ll;l'.eto.,é._qru;l eiiste, no pllino mesmo' 、。セーゥG£u」@ antroPológica erudita .ou Ingênua, uma noção destas diferenciações. Um exemplo simples'" tornará mais claro o que diiO: 'posso ver urna sociedade de formigas em funcionamento. Mas formigas não falam e não produzem obras de arte que marquem diferenças entre formigueiros específicos. Em outras palavras, embora a ação das formigas modifique o ambiente ­ sabemos que elas são, em muitos casos, urna pra;a ­ esse ambiente é modificado sempre do mesmo modo e com o uso das mesmas matérias químicas, caso se trate de uma mesma espécie de formigas. Essa constância e uniformização 47 fi ,I セ@ II H li セ@ i, セA@ l セ@ í I diante do tempo permite que se explicite um primeiro postulado importante: entre (UI formigas (e outros animais 8oeÚ!i8) existe sociedade, mas niW existe eultura. Ou sej a, existe uma totalidade ordenada de indivíduos que atuam como coletividade. Exíste também uma divisão de trabalho, de sexos e idades. Pode haver uma direção coletiva e uma orientação especial em caso de acidentes e perigos ­ tudo isso que sabemos ser essencial nas definições de sociedade. Mas não há cultura porque não existe uma tradição vivo-, conscientemente elaborada que passe de geração para geração, que permita individualizar ou tornar singular e única uma dada comunidade relativamente às outras (constituídas de pessoas da mesma espécie). sェャョlオュ。NエjZ、■￧ ̄qアᆰMAセ coletivídade セ⦅カゥ・[ZNRd。@ 、。ャANj[キセュウMョ ̄ッエ・ᄋ」■↑ゥl\|ァQ⦅cIG ..E­fér consciência é poder ser socializado, isto é, é se situar diante de uma lógica de inclusões necessárias e exclusões fundamentsis, num exaustivo e muitas vezes dramático diálogo entre o que 1WS SQ1IWS (ou queremos ser) e aquilo que os outros são e, logicamente, nós não devemos ser. A consciência de regras e normas é, pois, uma forma de presença social, sempre dada num dialogar com posições bem marcadas pejo grupo. Quando eu tenho consciência de que devo escrever ou dar minha opinião sobre um determinado assunto, estou sempre realizando a ação depois de um diálogo com minha consciência. E minha consciência é um «armazém» de paradigmas e regras de ação, todas colocadas ali pelo meu grupo e minha biografia neste grupo. Jlroo é pois, por acaso, que a consciência é sempre materializada entre nós como uma zona de diálogos, onde constantemente se digladíam um Anjo Bom e um Demônio. _Q0'.'.l0 ヲAqQャNセアmwᆰMァゥ|キ⦅jェエイ￧ッ@ LカゥケセN@ e .セ@ 」ッョャセ⦅↑ゥ[| ウセlNオ「・ュキi|Ajャゥェ、。@ E responsabilidade significa excluir possibilidades e isso diz respeito a formas de escolhas eI\tre muitos modos de pensar, perceber, classificar, ordenar e praticar uma ação sobre o real. Uma tradição AᅪNyiZLセ⦅ッゥウ@ um conjunto 、セウ」ッャョNw_⦅ァオ・@ neeessari.ãi'[email protected] excluem formas de realizar tarefãS·­e de_cIRssifiêal'­.o..mundo. Dançamós désiem(;(fõ­­e­iíãO­­daqueíê; tomamos a colheita do milho e não o final do inverno como ponto crítico para demarcar o tempo; assumimos o incesto como o pecado mais 48 セ@ r l infernal que alguém possa cometer, deixando de lado o adultério; tomamos a mulher como elemento de mediação entre homens e deuses. enquanto que nossos vízinhos· escolheram a criança para a mesma função; não comemos animais de saI\gue quente na sexta­feira, mas comemos porco em todos os outros dias não santificados ­ e a lista de exclusões (e inclusões) seria verdadeiramente infinita.. _ !er エイセ@ セゥイオィ⦅j_YlqL@ mais do que viver ッイセ・AI。、ュャ⦅ e certas イセ。ウ@ plena:me:gte estabelll!lidas. ..§!ieAヲゥaNェャセ@ sim,_':ivjlnciar as イ・ュl、NMdッセョウ」ゥエャjQZA@ (e responsável), cqiAャエjセl、・ョNZHェLオュ。 .io:rma.. qualqq.er_)'le. エ・ューッセャェj[mN@ Quando nós vivemos regras sobre as quais sentimos que não temos nenhum controle, pois são normas inflexíveis, classificamos a situação de modo especial: OU estamos jogando ou estamos vivendo um contexto dramãtico, como o aprisionamento numa cela. Realmente, nestas condições, são as regras que nos vivem e somos nós quem por elas passamos, sem nenhuma condição de modificá­las. Um bom jogador é aquele que é capaz de atualizar com precisão as regras do jogo que joga. E um prisioneiro passa pela prisão sem poder devolver ao sistema suas vívencias mais básicas, pois a punição numa sociedade histórica é precisamente colocar aiguém diante do inferno de uma situação cujas no.rmas não estão no tempo, sendo imutãveis. Mas no caso {las tradições culturais autênticas, o proN」・ウセ@ é 、■。ャセエゥ」ッ・⦅iNlIAョ¬MZュサ[イG￧pᄃjwqー ̄B@ entrp regras e o grupo quea,s realiza.. nasua prática__ ウoci。ャNセ@ ·Pois· se·­as.­regrnS­·vIvem···o grupo, o grupo também vive as regras. :e precisamente esse duplo vivenciar e conceber que permite a singularização, valorização e preenchlmento do tempo, tornando­­o visivel, significativo e, muitas vezes, precioso. Ocasiões sociaimente valorizadas pelo grupo fazem com que sua duração (seu tempo) se torne rara, «passe depressa demais», transforme­se em ouro puro qUllJldo um artista o preenche com seu vírtuosismo e o attllJlca das periodizaçôes diárias. Situações socialmente negativas inventam durações temporais ambíguas, onde o tempo fica paralisado e horas parecem dias. A tradição, assim, torna as regras passlveis de serem vívenciadas, abrigadas e possuídas pelo grupo que as inventou e adotou, de tal modo que, numa sociedade hu.."llana, seus 49 i'I " "II,,; セ@ ;' ­f membros acabsm por perceber sua tradição como algo inventado especialmente para eles, como uma coisa que lhes pertence. Assim dizem: «fazemos, deste modo porque assim diz noS8!L tradição" e a «n:ôssatradição» é uma realidade (e Uííia realização) dinâmica. Que está dentro e fora do grupo; que pertence aos­ãncéstrais e espíritos; que a legitimam e a nós mesmos (pobres mortais), que a atualizamos e honramos no espaço atual, no momento presente. Sociedades sem tradição são sistemas coletivos sem cultura. Mas além de estarem submetidas a leis e normas universais, impermeáveis à passagem do tempo e das gerações, as sociedades de formigas e abelhas nada deixam que as individualize. Quando desaparecem, sobra apenas sua ação mais violenta sobre um dado ambiente natural. Mas, destas sobras, é impossível reconstruir o comportamento de seus indivíduos e dos seus grupos. Em outras palavras, formigas e outros animais sociais estão sujeitos a uma apreensão sincrônica do seu comportamento. Caso a sociedade desapareça no tempo, sua reconstrução é impossível ­ ficando o animal representado individualmente, como os dinossauros que nunca são representados em grupo. Os animais não deixam nada comparável a uma tradição quando desaparecem. Sua sociedade é um conjunto de mecanismos dados numa estrutura genética, contidos na própria espécie, não se destacando dela e, por isso mesmo, jamais permitindo inovações que poderiam consagrar espaços especiais para diferenciações de quaisquer tipos. Podemos allSim dizer que sociedades sem cultura apenas acontecem no caso das «animais sociais» (uma expressão,' sem dúvida, contraditória). No caso do homem, a cada sociedade corresponde uma tradição cultural que se assenta no tempo e se projeta no espaço. Daí o seguinte postulado básico: dado o fato de que a cultura pode ser reificada no tempo e no espaço (através de sua projeção e materialização em objetos), ela pode sobreviver à sociedade que a atualiza num conj unto de práticas concretas e visíveis. Assim, pode /uI/ver cultura Bem sociedade, embora não possa e:CÚltir uma sociedade sem cultura. Em outras palavras, posso ter resíduos daquilo que foi a sociedade do Egito Antigo na forma de restos de monumentos arquitetônicos, estátuas, campos de cultivo, decretos reais, 50 i;, selos comemorativos, obras de arte e tratados científicos c filosóficos, embora a sociedade do Antigo Egito tenha desaparecido diante dos ­meus olhos. Dito de outro modo, não tenho mais um sistema de ação entre grupos, categorias, classes s0ciais, estamentos e individuos que fiseram a coletividade do Egito Antigo e atualizaram um certo conjunto de valores, expressivos de uma dada tradição. Apenas tenho certas cristalizações (ou materializaçóes) deste sistema de ação, objetificações que são tantO um reflexo direto deste sistema de práticas concretas, quant) esse prnprio sistema. Mas tudo isso dado através de uma forma indireta de suas repre,sentações. Vale dizer: por meio de um espelho que é a cultura ou a tradição reificada. Mas como nem tudo que pertence a uma tradição poce ser reificado ou o grupo deseja ver reificado em coisas materiais, sabemoE que é impossível ter todo o sistema de ação social reproduzido em objetos, do mesmo modo que nem todos os valores são igualmente concretizados. Daí tamlltm" a .. disti!1ção ・ョエイNウqcゥ、。Lセ@ cl!ltura como dois 'segmentos imPortinf.1l!> 、ᅦャNL[イ・。ゥAセィオュョZ@ UABーイゥュ・ッNョ、セᆰHI」ェオエウ@ 、・LNiAᅦᆰHャー。YイqwコjセlI⦅@ gundo .espressando va.llireS'e·.idii;Qlogiasquefazem .Parteda. outra ponta daJ.®lidade..sociaL..(a,.cultUl:a). Uma se reflete n1if­ óu:tra;­uma é o espelho da outra, mas nunca uma pode reproduzir integralmente a outra. Dai. novamente, a implicação de que o germe da mudança, da transição e da pr6pria morta. já escondido :10 vasto espaço existente entre as práticas (com sua lógica organizatória) e teoria com suas asas de anjo e idealizações que permitem E,nxergar o mundo transformado. De fato, se a sociedade do Antigo Egito fosse uma reprodução exata dos valores e ideologias do Antigo Egito (vale dizer: de sua cultura), seria impossível aos seus membros distinguir e atribuir valores a pedaços de suas ações sociais. Porque nem tudo no Antigo Egito foi feito de pedra ou de ouro; e nem tudo foi cercado de objetos materiais indicativos do seu valor excepcional e de sua pompa verdadeiramente sagrada. É pela cristalização material que, muitas vezes, nós podemos separar, distinguir e atribuir significado às nossas ações. O domínio do sag?ado (e do poder que, em muitos 'sistemas, se mistura com ele) é freqüentemente uma esfera interdita, segregada, secreta, próxima da morte que, como nos diz Thomas Mann, inspira respeito 51 e nos faz andar na ponta dos pés. Aqui nestas regiões, as ações sociais concretas e que devem obedecer às constrições da força da gravidade, da lógica da comunicação, das restrições especiais e dos mecanismos grupais, são cercadas de uma parafernália material que Ibes transforma e empresta poder. É precisamente essa moldura material ao redor de conjuntos de ações humanas que as distingue de outros conjuntos. O que resta de uma sociedade é, pois, em geral, aquilo que era sagrado e altamente significativo, transformador, precioso. Mas, além disso, é preciso indicar que a realidade cultural remete a um plano especulativo, ideal e idealizado, sempre resistente a uma atualização perfeita e integral em termos de ações humanas e de personagens humanos. Eu me pergunto secretamente quantos sacerdotes egípcios não teriam ficado decepcionados com o porte de seu Faraó, distante das suas representações ideais do que deveria ser o . deus-homem. A cultura, portanto, trabalha sempre com formas puras, perfeitas, que se ajustam ou não à sua reprodução concreta no mundo da sociedade, o mundo expressivo das realizações e realidades concretas. Devo observar, entretanto, que isso não significa de modo algum que estou endossando uma visão conhecida entre nós, segundo a qual o ideal é melhor do que o real. Não! O que cada sociedade faz desta distinção é um problema social significativo. Eu apenas afirmo que a distinção deve ser universal e importante. Mas não sei como cada grupo humano situa o real e o ideal em seus esquemas conceituais. Temos sociedades, como a nossa, onde o ideal é básico, tomado como o mais importante. Às vezes como a verdadeira realidade. Temos soeiedades como a Apinayé (cf. Da Matta, 1976), onde o real é considerado como muito mais «forte" e melhor do que o ideal. E temos também grupos onde real e ideal formam uma só «realidade», sendo impossível distinguir a prática da teoria. Isso, porém, não invalida a distinção que estamos buscando estabelecer entre sociedade e cultura, posto que ela tem uma vigência. fundamental em muitos sistemas e, pela comparação, pode ser colocada sob foco analítico e relativizada. Desta posição vemos que não há possibilidade de uma entre o domínio da cultura e o reprodução de ᆱオュMー。イセ@ domínio da sociedade. Eles buscam se reproduzir, é certo, mas de um modo complexo, imperfeito, sobrando sempre muitas esferas sem encaixe perfeito e muitos resíduos que devem depois ser aproveitados pela totalidade. Essa distância - que, na nôssa sociedade, é, de fato, a distância entre o céu e a terra. - é um foco poderoso de mudança social e de transformação. Por causa disso, é sempre bom usar - quando buscamos essa distinção - a comparação com o teatro para expressar claramente a diferenciação entre sociedade e cultura. Reaimente, no teatro temos sempre um problema fundamental de ajustamento interpretativo entre um twtQ, digamos, Romeu e J'IJlieta, de Shakespeare, e um sistema de ações concretamente dados num dado local (o palco e o teatro). Ou seja, estão aqui colocados os ingredientes básicos do fenômeno social: temos valores e idéias que devem ser vistos e ouvidos (e não lidos) e o prOblema de como atualizá-los em um conjunto de ações dramáticas, práticas. Sabemos que raras vezes poderemos atualizar perfeitamente um texto tão rico e complexo como o de Romeu e Julie-..a de modo perfeito. A busca dos atores já é algo difícil. Sua interpretação é outro problema. A discussão de suas roupas, ambientação histórica e a própria consideração de tudo issQ, constituem nova dificuldade. Por que não realizar um Romeu e Julieta moderno? Mas, aiém de todas essas questões, temos uma dicotomia fundamenta: entre um texto escrito numa outra era (mas que faz parte de nossa tradição cultural) e um sistema de ações concretas, visíveis, que se deseja montar. Creio que o texto serve bem como uma metáfora da cultura, tal como estou apresentando aqui; ao passo que a sociedade é o plano representado pelo espetáculo teatrai na sua prática dramática e cênica. Um não vive sem o outro, embora o texto possa sobreviver às várias interpretações do drama. Mas o texto por si só é como a cultura do Egito Antigo. Transforma-se em mero objeto deslocado, virando peça de museus e coleções. É uma espécie de fantasma, entidade sem corpo, em busca de um grupo de pessoas imperfeitas, mas reais e capazes de lhe restituir a vida. Texto e dramatização têm sua realidade e oferecem seus problemas. Um deles é que a dramatização do texto põe problemas concretos. Ê preciso um local, um cenário, uma divisão de trabalho por ::a:refas, por sexos, por idades. É necessário 52 53 I' I11' j, I I I " i I 'l I I I セャ@ li 'i li J ,. J\II um maquilador que ajude a disfarçar as distâncias entre as exigências do texto e a realidade física dos atores. A presença de um ordenador de conflitos e de ações é crítica, pois o diretor serve de ponte entre ações individuais e o texto que coletiviza e sistematiza tudo coerentemente numa históría etc. Tal como ocorre no plano social, a peça cria suas necessidades próprias, dentro de uma lógica do concreto que lhe diz respeito e, ao mesmo tempo, faz restrições ao texto. Algumas são passíveis de superação; outras não. A síntese de tudo isso é o espetáculo e permite também - pela comparação sistemática dizer qual a representação de Romeu e Julieta que foi mais feliz ou mais sincera ... A sociedade, portanto, traz problemas de ordem concretos, práticos. Ela conduz quase que mecanicamente ao conjunto, à totalidade, pois uma ação individual remete a outra e um grupo de pessoas se liga a outro. Por outro lado, ações requerem necessariamente espaços e instrumentos e tudo isso implica em mobilizar, esmagar, controlar e colocar pessoas lado a lado. Enquanto o texto pode iguorar elos pessoais e sociais concretos, processos emocionais formados ao longo dos ensaios da peça, a. sua representação não pode deixar de presenciar essas formas de relações entre atores e seus papéis; os personagens entre si, dentro do texto da peça; entre os atores como pessoas uns com os outros; e, ainda, entre atores e personagens e todas as pessoas encarregadas em «dirigirem» o show. Isso apresenta um paradoxo, pois para termos um sistema implementado é preciso criarmos posições fora dele; gente que ficará situada ao longo e mesmo fora da peça, mas que vigia sua representação. E isso ocorre nas sociedades concretas, na figura das pessoas que controlam o poder e têm a obrigação de situar os desviantes e os criminosos - os que, no drama da vida - não querem ou não podem desempenhar os seus papéis ... 1\Jle!specj;Lv.3:A!I]eilJÜlllde..humana. a .partir.-da noção de セッN」ゥ[。ᆰ、・@ . reinete iI\evitavelmente a. uma. oríentaçÍio.:siil:!:tJlnlca, integrada, sistêmica e concreta de pessoas, grupos, papéis e ações sociais que são muitas vezes .. YÍstosCOIllQ' üIn organismo-ou-üma'-in-ãquiiiã. eャ。M」￵ュセ@ que conduz a Gセ[。 "visão da vida humana como" algo que acontece aqui e agora, diante dos nossos olhos. Daí, certamente, ter sido o con- iail 54 "c. " ",r, ' ceito de sociedade o último a surgir no campo das ciências sociais e da antropologia social, pois não é fácil ter-se uma perspectiva do universo humano como constituído de categorias e grupos necessariamente relacionados, todos tendo relações com todos num jogo complexo que constitui a dinâmica da vida coletiva. Durkheim e sua «escola sociológica» desenvolveram esta posição, mas, corno veremos com mais vagar na próxima parte, os inventores da AntropOlogia Social, gente como Tylor, por exemplo, preferiu elaborar suas teorías ao redor da noção de cultura, pois era mais fácil perceber a realidade humana corno feita de camadas estáticas, isoladas entre si, do que coisas dinâmicas, interligadas nUm sistema. Assim, na definição de Tylor (de 1871), a cultura é privilegiada corno um conceito fundamental da AntropOlOgia, mas dentro de urna visão voltada para «traços», «itens», «complexos», «objetos» e «costumes» percebidos e estudados corno elementos isolados, individualizados. Esse ponto de vista da realidade humana corno um conjunto de elementos isolados persiste na antropologia americana, e até teóricos importantes corno Robert H. Lowie oscilavam entre perceber o social corno um sistema de relações ou um conjunto confuso de coisas individuais de sentido duvidoso. Corno urna «colcha de retalhos», como ele mesmo colocou. 2 O conceito de sociedade (e de sociál) parece prestar-se ュ。ゥウZLセャー←イN」↑p￧B ̄￵Mᄋョ・¬@ do ..mundo humimÓ;-'pois rue' põe claramente problemas de inter-relação entre grú-. p1;s,.s"gmentQS,,'pessoas,. papéis ウッセゥ。@ etc., j セ@ que é v.ir-. tilalmente impossível estudar urna sociedade concreta, em pleno funcionamento, sem buscar interUga,r seus. domínios e ウセeャGN|エqs ,entre. si. São, pois, abundantes, os trabalhos que funcionais» se orientam para a esPeculação dos «requisitos ' ­ .. -..... da§-,?,Ç;i!l.9ade humana, ou seja: dos traços ou mecanismos. que urna coletividade humana deve necessariamente criar e desenvolver para tranforÍnar-se numa sociedade. eセャNゥョ@ sàlfios;'cóinõ"'fizeram' 'tais teóricos, em termos de totalidad.es 'F"r!jlãçõéiÇ'riãõ sérá difícil perceber que urna sociedade requer"úrn"palco (um ambiente geográfico), um ..texto (valores é-"paj)éis" 'sociais fixos), urna .linguagem eomu!p".ª...セL。エqBェャウ@ dramaturgos e espectadores», formas 'diversas de dividir o セGMN " - - __ .,,," -"-, 0'.- • • '_ _ 2. Para uma visão anaUtica do eoneeito de cultura.. veja-se Velho e VIveIros de Castro, 1978. Este trabalho é uma introdução às tnmsformações sofrIdas pelo conceito de cultura e sugere BUa aplicação para o estudo de "sociedadee complexas". 55 lT! セi@ I trabalho e as tarefas requeridas pela peça que deseja encenar, domínios que assegurem sua reprodução e sua produção, estruturas de dominação que assegurem o controle das disputas e as zOnas de ambigüidade que o drama por ele encarnado possa engendrar; além de especialistas que possam escrever e reescrever suas peças. A perspectiva da peça, com seus requisitos e mecanismos institucionais, não é todo O drama, pois esse mesmo conjunto pode exprimir dramas diversos e nós asbemos como um mesmo texto tem interpretações distintas. Assim, na 、ゥウ」オャAN ̄lYエLセjZ。・@ humana, o conceito de sociooadê'devitsêF"sempre çomplementado 'Pela ウ ̄￵オエイMゥc↑LWャッ￧￴、」i。セ⦅Hxュ・ォZN r I na visão «sociológica» do mundo. Mas essa Vlsao não consegue explicar o conteúdo destes papéis sociais que variam enormemente de 'grupo para grupo, de sociedade para sociedade. Esse conteúdo que é dado pelas ideologias e valores contidos nas relações sociais observáveis de um dado grupo e são eles que irão nos ajudar a compor aquilo que é coberto pela noção de cultura. Não existe, pois, coletividade humana que não se utilize substantivamente de uma noção de sociedade ou de cultura para exp!imir partes de sua realidade social. Assim, muitas vezes um costume é justificado dentro de uma moldura social; <:fazemos isso porque é mais econômico», «temos aquilo porque existe uma ligação entre X, Y e Z», «o chefe mandou realizar aquela tarefa porque estava com raiva de X. etc. Mas também utilizamos a moldura cultural para exprimir e englobar condutas, racionalizando­as e legitimando­as. Quando, por exemplo, falamas; ,,0 rei mandou matar porque isso faz parte de nossa concepção de realeza»; «comemoramos o carnaval porque isso 'faz parte de nossa tradição», «rezamcs a Deus porque é Ele quem informa todos os nossos costumes>. Num caso, o apelo é para uma lógica direta, externa, aparentemente visível. No outro, a sugestão é a de que a conduta é legitimada pelos valores e conjuntos de idéias que o grupo atualiza, honra e que, por isso mesmo, serVEm para distingui­lo como uma singularidade exclusiva. Na perspectiva em que estamos situando a realidade social e a realidade cultural, pode­se dizer que o arque6logo tem a cultura e, por meio do seu estudo detalhado, espera chegar à sociedade. LセqMNー。ウ`⦅@ ,Ilt!e. J).JI,l!tr.opólogo. socialj;em. AGBセゥウォュ。Lー￧Nl@ (ou . a ,sociedade)" e, .observando­,o.e"enten­ , e .aos v'àlores アゥ・MZ。ッA↑ョエ、¬￳セ@ sistema concreto de !lcç2oo sociais vislveílL.e, percebidos ... pelo pesquisador. A noção dé , cultura permíte descobrir uma série de dimensões internas " , 'I ligadas ao modo como cada papel é vivenciado, além de indi,,', í car as «escolhas» que revelam como este grupo difere daquele na sua atualização como uma coletividade viva. Em \" ';!iI' • ,\0 ­, outras palavras, não basta só dizer que toda a sociedade tem uma infra­estrutura que diz respeito às relações dos homens com a natureza e instrumentos destinados a explorela e modificá­la (os meios de produção); e uma superestrutura que engloba as relações dos homens com os homens e dos homens com as idéIas, espíritos e deuses, Pretender ]I (. descrever uma coletividade humana utilizando desta visão é o mesmo que objetivar estudar uma peça de teatro, dizendo que o teatro tem que necessariamente ter uma platéia co· nivente e passiva, que assiste e um grupo de atores 'num palco, ativos e atuantes, A colocação nada tem de errada. ' Ê apenas insuficiente, já que ela jamais poderá exprimir \ por que alguns espetáculos são bem sucedidos e outros não. Do mesmo modo que ela não poderá venetrar na razão do ­" teatro como algo dinâmico, vivo, onde o que existe de defi termínativo são relações, elos, interligações. Como já foi dito anteriormente, o problema não é só explicar um conjunto .I no seu plano formal, mas também dar conta de como estas instituições são vividas e concebidas pelas pessoas que as li: inventaram, que as sustentam e que as reproduzem. Não há sociedade humana sem uma noção de paternidade e de maternidade, sem idéias a respeito da filiação e do comportaii mento ideal das suas crianças. Esse é o fator formal, dado t, il· li セL@ ;" I I L_・ョ、G⦅peBュセ 、AlセイQカェウLGャN@ ,e, 」ッョカ・イウBNa⦅スiQHI[ゥZvᆰMᅦ■Aャjセ@ o sustenta!!.!.. eADェャセヲNBp、・イZィァ。@ aos seus. Lカ。ャgZA・ウB⦅ェ、ッセN Jiill'!a,8. Há., pois, entre os especialistas qUI? não percebem bem , ' essa peculiaridade da existência humana uma tendência a \,: reduzir o ul!iverso social exclusivamente a cultura ou a sis'.; D>. エ・セ@ de ações ッ「セ・イカ£ゥウN@ Assim, os arç:ue6logos (e os his(M)' tOl'1adores da SOCIedade e da cultura) tendem a enxergar セNGZ|@ tudo numa ー・イウNセエゥケ。@ diacrônica, como s? a _8. ociedad? não ',,' !h' fosse realmente baslca com suas determmaçoes funClonalエセャ@ estruturais. Já os "antropólogos.,.so.ciais,,, que_obsen!anl­­siste"" セLェG@ ''\ ョZエセ⦅、・L@ .ᆰ￧￵N\[|ᄃL」ャョセイ・エ⦅G@ Q\L.Pl'l'\tic;lS カエャゥ、。ウNinL⦅ュrjAセ@ .:1..· ':" j" Bセ@ 56 " rjF',rh •.,; ". セN@ • i " Lセiv@ 'f \, , " \ '('" \ セ@ セLNGZ r."' ',' ゥセ@ ()I. "­ íI '. J Lセ , 57 ,I! I :!; , ":1" Termino esta parte com uma digressão para revelar ao leitor como a perspectiva sociológica encontra resistências no cenário social brasileiro. De fato, ela tem sido sistematicamente relegada a um plano secundário, dado que são as doutrinas deterministas que sempre lhe tomam a frente. Destas, vale destacar o nosso racismo contido na «fábula das três raças» que, do final do século passado até os nossos dias, floresceu tanto no campo erudito (das chamadas teorias científicas), quanto no campo popular, Mas o nosso pendor para determinismos não se esgota nisso, pois logo depois do .racismo» abraçamos o determinismo dado pelas teorias positivistas de Augusto Comte, teorias básicas para muitos movimentos sociais abraçados por nossas elites, enquanto que modernamente assistimos ao surgimento do marxismo vulgar como a moldura pela qual se pode orientar muito da vida social, pol!tica e cultural do pais. Estamos, pois, novamente às voltas com um outro determinismo, agora fundado numa definição abrangente do «econômico» e das «forças produtivas», e temos outra vez a possibilidade de totalizar o mundo e a vida social num' tempo que não é o da vontade e consciência dos agentes históricos, mas em forças e energias que se nutrem em outras esferas, incontroladas pela vontade e desejos humanos. Num certo sentido, retornamos a um começo, recusando a discussão aberta e generosa de nossa realidade enquanto um fato social e histórico específico. Nesta digressão, pois, apresento o caso do «racismo li brasileira. como prova desta dificuldade de pensar socialmente o Brasil e ainda como uma tentativa de especular sobre as razões que motivam as relações profundas entre credos científicos supostamente eruditos e divorciados da realidade social e' as ideologias vasadas na experiência concreta do dia-a-dia. Observo, então, nesta parte, como o nosso sistema hierarquizado está plenamente de acordo com os determinismos que acabam por apresentar o todo como algo concreto, fornecendo um lugar para cada coisa e colocando, complementarmente, cada coisa em seu lugar. Mas é preciso começar do começo. E o começo aqui é a perspectiva de senso comum relativamente à Antropologia. Tomando tal posição como ponto de partida, assinalo minha convicção segundo a qual é sempre menor do que supomos a famosa distância que deve separar as teorias eruditas (ou científicas) da ideologia e valores difundidos pelo corpo sociai, idéias que, como sabemos, formam o que podemos denominar de «ideologia abrangente. porque estão dísseminadas por todas as camadas, permeando os seus espaços sociais. Por tudo isso, gostaria de começar rememorando uma experiência social corriqueira para o profissional de Antropologia. qNセjャxA\ZッL。ァオ←ュ@ ,descobre, que SOlllOS «antropólogos» e os セ amigos, observo, dizem isso pronunciando a palavra,,"como se eia fosse uma fórmula, posto que é, na maioria das ve.;es, desconhecida, supondo uma atividade misteriosa - JLPrimeiゥG ̄Mセiァ[Zュエ。lウ・ーイ↑、@ .ao nosso trabalho com- ossos,frllnios, túmulos e esqueletos fósseis. Outra indaJ?:llçãg セ@ qUentépoâé:'igiialmenté surgir no conjunto de perguntas sobre as «raças formadoras do Brasil», com todas aquelas )iídagâÇÕeil'já 'conhecidás desde o tempo da eii!COlª-primária, mas que misteriosamente persistem no nossó 'cenário--jdeol&: giCO, perguntas que dizem' respeito a オZイョ。」ッヲゥᅪャi■￧ ̄￳NML・セ@ tíficadlL,ill..regÚiçado indiô», [ュ・ャ£イᅪセゥ。@ do negro. e a «cupidez» e estlÍpídei"'dô--bÍ'anco' lusitano,degredado e<l!lgradado, Tais seriam ainda hoje os fatores responsáveis, nesta visão tão errônea quanto popular, pelo nosso atraso econômico-social, por nossa indigência cultural e da nossa necessidade de autoritarismo político, fator corretivo básico neste universo social que, entregue a si mesmo, s6 poderia degenerar-se. Ouvindo tais opiniões tantas vezes, eu sempre me pergunto se o racismo do famoso Conde de Gobineau está realmente morto: 58 59 grupo num certo período de tempo, tendem a minimizar O papel dos objetos materiais que o grupo cristaliza em sua trajetória, objetos que concretizam sua história e--o'modo pelo qual ele pode se perpetuar enquanto coletividade. Dai, cómo estamos vendo, a importância dos dois conceitos que, tudo indica, exprimem aspectos fundamentais da vida social das coletividades humanas e nos ajudam a perceber sua especificidade. j 1 7. Digressão: A Fábula das Três Raças, ou o Problema do Racismo à Brasileira :1 n ゥセZ@i: ", ,J .il I, I iセ@ [ii \ 1 I f r lセi@ i 11 melhor das hipóteses, estaríamos tratando da pré-história, ou seja: de um tempo sitnado antes do mundo social, no seu limiar. Um tempo que marca justamente o surgimento da sociedade, da cultura e da história. Essa é, numa penada, a posição onde somos sempre colocsdos. O fato social (e ideológico) fundamental, que precisa ser discutido e denunciado, é que, na consciência social brasileira, o antropólogo surge na sua vers,ií.o. acabada ,de . cientista natural,. Como tal, tem suas unidades de estudo bem deterininãdàs: são as raças. E o fio que deve conduzir o seu pensamento: é o plano de evolução destas raças. Tem também o domínio no qual se faz o drama brasileiro: é o modo pelo qual tais .raças» entram em relaçãO para criar um povo ambíguo no seu caráter. Nesta visão de mundo e de ciência nada há que os homens e os grupos aos quais pertençam possam' realizar concretamente. Tudo é uma questão de «tempo biológico», nunca de tempo social e historicamente determinado. Assim, o «tempo biológico» tem suas razões que o tempo dos homens concretos e históricos desconhece, de nada valendo qualquer rebelião contra ele. Como um cientista na,tural desumanizado o antropólogo social fica, nesta postura, preso e sujeito ao estudo das coisas dadas, j amais daquilo que é realizado .pelo homem em sociedade. Sua «estória», assim, sempre corre o risco de ser ordenadamente pessimista e indisfarçadamente elítista, embora surja mascarada em tantos livros como um grito de libertação. De fato, não é uma narrativa de possibilidades e alternativas, atitude que sempre faz nascer o otimismo, mas de derrotas e fechamentos, num universo onde a vontade e o espaço para a esperança é muito reduzido. Mas nem sempre o antropólogo surge na consciência popular como cientista natural preocupado com medidas de ossos e com a biologia do homem como espécie animal.' J;a:mbém surge .cllllI!l uma espécie de_ec.Qnomista, prodJizinセオイウッ@ onde 」ッョLM・セャANjZ£ウゥ@ CPD10 «modo de prqilJi..ÇllÕ», «sobre-t.rabaJho», .«..unidade--PJ::udyj;jva», etc. são relevantes, num conjunto quase sempre mais preocupado com a forma do que com a substância mesma destas relações que os conceitos implicam diretamente. Questões tais como: de que mooo se desenvolve o capitalismo no Brasil; como se dão concretamente as relações de produção e trabalho entre A resposta. de que somos..antropólogos· sociais. (ou culturais) , e que estamos interessados nQ estudQ da .vi<ia social ge dos grupos humanos .. ou, como .é. o. meu caso, em ■ゥセAN￳j@ verdade, faz o ゥiャエセN■QZᅦHIイ@ .Ç!ll.ar.;"seou então prQvoca o, ent!j!rri> do assunto com o comentáriQ de que QS índios estãQ sendo destruídos e perde!l.do. suas terras. Mas a essa altura temos rima cooversa séria, aproxiniandQ o leigo de certos problemas políticos e econômicos atuais, questões das quais ele deseja ardentemente fugir, Q que conduz à decepção final de que o antrQp6lQgo social é mais um desses especialistas em problemas contemporâneos. Não é aquele senhor grisalho e de roupas cáqui que com seus óculQS finQS e capacete de explQrador, descobre esqueletus datados de três mil anos antes de Cristo em algum lugar do mundo, provavelmente no AntigQ Egito. Do mesmo mooo, ele não é também o 'sagaz, contadQr de casos, capaz de alinhavar histQrietas de negrQS escravos, lendas de índios idealizados ou episódios históricos de damas, duques e príncipes portugueses. na nossa graciosa fábula das três raças. Disto tudo, fica a imagem do antropólQgQ social como um ·medidor de crânios, um confirmador de teorias sobre as raças humanas ou um arqueólogo clássico, romanticamente perdido nas misteriosas discussões das crenças iniciáticas egípcias, arena privilegiada onde se encontram todas as nossas crenças na reencarnação, no Carma indiano e nas curas mágicas. Traços que se ligam às nossas mesas do alto espiritismo kardecista, aos terreiros poeirentos de Umbanda e às teorias «científicas» da Parapsicologia. E tudo isso, como sabemos bem, faz parte do mundo ideológico brasileiro dominante, generalizado e abrangente. Ou seja, nos nossos valores, o lugar do antropólogo é sempre junto à Biologia (medindo caveiras ou discutindo raças) ou com a Arqueologia Pré-Histórica, perdido na madrugada dos tempos. Ora estamos na História do Brasil vista, a meu ver, pelo seu prisma mais reacionário: como uma .história de raças» e não de homens; ora estamos fora do mundo conhecido: no Antigo Egito, na velha Grécia ou junto com os homens das cavernas. Em todo o caso, oblServo novamente, sempre com o conhecimento social sendo reduzido a algo natural como .raças», .miscigenação» e traços biologicamente dados que tais .raças» seriam portadoras. Na 60 61 \ i \ i. nós; como todo esse edifício é percebido pelos que nele estão envolvidos e muitas outras são raramente realizadas. Responder a essas questões seria fundamental para perceber aquilo que Marx denominou de «éter» das relações soeiais; ou sej a: os valores e as motivaçõe8 que ­ como cultura e ideologia ­ emolduram e dão sentido às próprias relações sociais e de produção. Deste modo, quando deixamos de perceber quando as idéias passam a ser atores em certas situaçõelJ sociais, seja porque atuam para desencadear a ação, seja para impedir certas condutas, deixamos de penetrar no mundo social propriamente dito e, assim fazendo, corremos o risco de cair na postura teórico­formal e, com ela, no plano abstrato das determinações. Sejam as de caráter biológico, sejam as de caráter econômico que hoj e tendem a substituir essas determinações mais antigas, fornecendo o quadro que permite encontrar novamente uma totalidade abrangente e superior que tudo submete e explica, enquanto esconde as possibilidades de resgatar o humano dentro do social, já que ele jamais pode ser contido em deis», «fórmulas», «regras» ou determinações, a menos que o jogo das forças sociais assim o deseje. O ponto destas reflexões é fundamental e terei que retomá­lo mais adiante, sob pena de ser acusado de superficialidade ou ignorância. Agora, porém, é preciso prosseguir na especulação do sentido' psicológico da nossa fábula das três raças e de suas implicações para uma a,ntropologia brasileira que se deseja reaimente libertadora. Tomemos esse plano como ponto focal de nossas indagações. Essa ヲ£「オャセ@ é impjmrnte porque, `Nヲオ^iャセェsゥ|ウL@ ela ー・イiQAᅪNMゥャZエ。ウッョォ、セオ@ e do ・Q。「ッセ、@ (ou eruditõ), essas duas pontas de nossa cultura. Ela também permite espoouliir, por outro lado, sohre llIiJ:elações entre o VlV1jlO (queeIl'eqüentemellte o que chamamos  ̄・p￵uゥセッ@ que nele está contido) セッ￧ᄎAi」・「ゥ、@ (o erudito ou o científico ­ aquilo アAャ・⦅ェュー￵Niゥ|jᆰエ■ョセM@ ゥョセ。￧￵・ウIN@ !É impressIonante também observar a profundidade histórica desta fábula das três raças. Que os três elementos sociais ­ branco, negro e indígena ­ tenham sido importantes entre nós é óbvio, constituindo­se sua afirmativa ou descoberta quase que numa banalidade empirica. :1íJ claro que foram! Mas há uma distância significativa entre a presença empírica dos elementos e seu uso como recursos ideológicos na construção da identidade social, como foi o caso brasileiro. Mas, devo lembrar, não foi o caso norte­americano, mexicano e de muitos outros paíSes da América do Sul e Central, onde sabemos bem ­ branco coloniz.ador, índio e negro formavam elementos visíveis empiricamente. Mas em muitas outras sociedades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, o recorte social da realidade empiricamente dada foi inteiramente diverso, com negros e índios sendo situados nos pólos inferiores de uma espécie de linha social perpendicular, a qual sempre situava 03 brancos acima. Naquele pais, como tem demonstrado sistematicamente muitos especialistas, não há escalas entre elementos étnicos: ou você é índio ou negro ou não é! O sistema não admite gradações que possam pôr em risco aqueles que têm o pleno direito à igualdade. Em outras palavras, nos Estados Unidos não temos um «triânJrnl<Lde raças. Hlセ・」Mウオュ。iAャエゥ[qイョェ@ considexár ⦅セPQAャ@ ・ウj^Nlエイゥ¬ョァーャHッMュ。、」セ@ fundamental na compreensão do Brasil ..neIoJ'L.b:J:a.Sileiros:Eí maiB;CQmo ・ウ。Mエイゥ£ᅪャァオ￧ ̄￵←dセーᄋ■@ qual se arma geometricamente a fábula das três raças, tornou­se uma ideologia dominante, abrangente, capaz de permear a visão do povo, dos intelectuais, dos políticos e dos acadêmicos de esquerda e de direita, uns e outros gritando pela mestiçagem e se utilizando do «branco», do «negro» e do «indio» como as unidades hãsicas através das quais se realiza a exploração ou a redenção das massas. セoNjャゥ・@ parece ter ocorrido no ca!!Q brasileiro foi uma i.llJ?·.Çl!o ェァセᄎi」。N「£ウゥ・オォャ[@ J!ID.§jstema hierarquizado real, N|ZAョ」イ・エqセィゥウッ。ュ@ dado !'L.ll_sua.­legít.i.lllilção ideolójセゥ」ョオュ@ plano muito profundo. Observo que as hierarquias sociais do «antigo reginlEl», isto é, o regime anterior à Revolução Francesa, eram ideologicamente fundadas nas leis de Deus e da Igreja. Era o fato de Deus ter armado uma pirâmide social com os nobres lá em cima e com o Imperador e o Papa legitimando seus poderes no plano temporal e espiritual que respondia às questões neste sistema. No caso brasileiro, a justificativa fundada na Igreja e num Catolieismo formalista, que chegou aqui com a colonização portugnesa, foi o que deu direito à exploração da terra e à escravização de índios e negros. No nosso caso, tal legitimação ・ウエセLQA@ jZAャᆰ」。⦅セ@ ーッNセ・AIオョ￧ ̄@ de ゥョエセウ・@ l'i!lig'!lr- 62 63 セN sos, políticos e comerciais, numa ligadura que era ao mesmo tempo' moral;-'oooriôi:ilicíÇpolítica e social e que tendia a mexer-se como uma totalidade. Não temos companhias particulares explorando a terra com o olho apenas na atividade produtiva e com leis individualizadru;, semi­independentes da Coroa, como aconteceu nos Estados Unidos. Mas, ao contrário, era a Coroa portuguesa que, legitimada pela religião, pela política e pelos seus interesses econômicos, explorava soberanamente o nosso território com sua gente, fauna e flora. O jogo político estava submetido ao comercial ­ mas até um certo ponto, pois no fundo era básico que o Rei tivesse todo o controle moral sobre os empreendimentos coloniais e tal «controle moral:. era o motor que impulsionava a consciência da colonização portuguesa, estando motivado pela religião e pela polftica civilizatória. Em outras palavras, as atividades comerciais logo dominavam o mundo colonial português e estavam por trás de sua arrancada colonizadora, _mas._ o...8Uporle..·consciente­­deste· ­empreendimento­­era...a.JIL e __que..Eortugal. encontrava­­a .mol:o império. Era ョ⦅。セ・ャゥァ ̄ッ@ dura 。エイカセM、XN@ qual pQiiia justificar .o .. ウ・オ⦅NュッセAャョエ@ expansionlsm. Tais favores, que podem ser lidos com o vagar que merecem na obra de RaY!Dundo Faoro (1975) e de Vitorino Magalhães Godinho (1971), entre outros, fortaleceram aqui o sistema vigente em Portugal, realizando um perfeito transplante de ideologias de classificação social, técnicas jurídicas e administrativas de modo a tornar a colônia exatamente igual em estrutura à Metrópole. Deste modo, em que petJe as especulações sobre nossa formação social (tingida, como desejam os nossos ide6logos, pelo sangue negro e indlgena), o fato social critico e socialmente significativo é que era Portugal quem nos dominava, abrltngia e totalizava. Em outras palavras, セャjLNュZゥAX。Qiョ」@ foi Jlm ca!l).po para. ・Z」ーNeャイゥ↑Aiヲウ\^セ⦅HIオjQRq。ェdOカ￵L■@ pu、・ウセid ..jュ[ャQN・Aセ .. a.l')I!)(l9. .!!iflll'enças...radicais e .indjyjg)laliilad,es. Muito peIo COI\tr.ário,. apesar das:. !iiferenças_,regionais, .de clima, !le desenvolyimento econô!!Ú.co e experiência ヲッイエセ・ョォᆳ política, 'todo o nosso território ヲ￳ゥセーイ・@ tralizado e governado por meio de decretos e leis. univerSalizantes, ditadas na sede do Governo. Nosso modo de expresSãO como.,. sooiedade, como­ümâ" .. ... ' . tofalidade socialmente セBNG@ セa⦅LN@ セN@ 64 I, si!PJ:ific.a:tiYª.JLliife.rJt!!ciªªl!­...NAャュGセッjM」ゥq ...、セ . . leis.. a1!;l'mente generalizadoras, dentro do formalismo ェオイセ、|cャ^ ....que....é a pedra de toque" das sociedades hierarquizadas:­modernas. Em outras palavras, o nl>SSO sistema colonial estava funsセjl」オェIウ@ pés eram O dado .D1!!ll/1 «hierarquia ュッ、・イョ。セ@ comércio mundial, oaJ:lraços eram as lei& e. uAャ。⦅、ュセ@ セッ@ colonial baseada nllID!\ ャ。イァAuxpN・ゥ↑ョMュオ、■セ@ ュZセjゥNMsッ」・、。@ ideologicament.Lmuito_bem estruturada ゥョエ・イュセj⦅Nq\ャ@ seus ⦅セエZ。jゥqOuAN」ウL@ e a cabeca erlLO jGエセN@ Aliás, vale ­a,­­péíia abrir um parênteí;ls' para mostrar como as hierarquias sociais se davam em Portugal, sobretudo porque temos uma imagem de Portugal como um país imaginário, atrasado, onde não existe uma sociedade. Na realidade, porém, a sociedade portuguesa à época da colonização do Brasil é um todo social altamente hierarquizado, com muitas cà!nadas ou ..estados» sociais diferenciados e complementares. Tão hierarquizada que até as formas no!!Únais de tratamento, isto é, o modo de uma pessoa se dirigir a outra, estavam reguladas em lei desde 1597 e foram reguladas novamente em lei de 1739. Como nos diz Magalhães Godinho, «proibia­se não só dar o tratamento, como mesmo aceitá­lo, às pessoas a que não era devido •. Ou seja, a igualdade estilo rigorosamente proibida. E continua Godinho: "o alvará de 29 de ja.neiro de 1739 reserva a Excelência aos Grandes, tanto eclesiásticos como seculares, ao Senado de Lisboa e às damas do Paço; a Senhoria pertence aos bispos e cônegos, aos viscondes e barões, aos gentis­homens de Câmara e moços fidalgos do Paço, abaixo, há só direito a Vossa Mercê» (Godinho, 1971: 73). Tais formas de tratamento altamente reguladas dão­nos uma idéia dos «estados» sociais de um corpo social altamen.te complexo, sociedade onde «as pessoas inscrevem­se imediatamente em categorias que as distinguem pelo nome, pela forma de tratamento, pelo traje e pelas penas a que estão sujeitas» (cf. Godinho, 1971: 74). E continua nosso Autor, agora especificando as divisões internas de Portugal: «Da Crônica de D. João I enumeram­se quatro estados do reino: prelados, fidalgos, letrados, cidadãos ­ abaixo dos cidadãos, ou povo no sentido político (homens bons), há a grande massa, sem representação em cortes. O Rei, quando se dirige às· categorias sociais­jurídicas, escreve por ordem: juizes e oficlais (é a categoria dos letrados), fidalgos, cava- 65 c Ô.};'\ ( leiros, escudeiros, homens bons e, por derradeiro, o ーッカセ@ (Godinho, 1971: 74·75). Do mesmo modo, há uma ordem rígida de aparecimento nos rituais ou cerimoniais, onde em primeiro lugar surgem os prelados (que emolduram e totalízam a festividade ligitimando a ocasião perante a ordem Divina), depois os «grandes senhores de título» que são seguidos de outros fidalgos que, por sua vez, antecedem os cidadãos e o povo em último lugar. A cada uma dessas categorias sociais correspondem direitos e deveres bem marcados, inclusive direitos de terem punição diferenciada para seus crimes. Nesta sociedade, cujo modelo nos é familiar, ninguém é mesmo igual perante a lei!' Temos em Portugal uma sociedade complexa, ou melhor, complicada. Sua economia é mercantilista e portanto moderna. Estava fundada num mercado e em trocas comerciais. Mas toda ela era controlada por leis e decretos que rigidamente impediam que o «econômico» se estabelecesse como atividade dominante. No dizer de Godinho, tínhamos em portugal um Estado mercantil ­ com uma economia moderna operando em escala mundial, mas sem as suas instituições concomitantes: uma burguesia comercial com individualidade e interesses próprios (cf. Godinho, 1971: 93). Ao contrário, em Portugal havia um sistema onde imperava o mercantilismo, mas sem uma mentalidade burguesa, isto é, sem uma classe comercial com idéias igualitárias, individualistas e acreditando no poder definidor total do mercado e do dinheiro. Temos, pois, uma sociedade singular neste Portugal moderno. Um sistema onde as hierarquias tradicionais são mantidas, o todo sempre prevalece (na forma da Coroa, dt> Catolicismo, da Igrej a e do Rei) sobre as partes, e é o próprio Rei que é o principal capitalista. Se o Rei não controla totalmente o comércio, ele ­ ppr outro lado ­ também não deixa que o grupo que tem nesta atividade sua principal meta desenvolva um plano de valores a ela adequado. Deste modo, o comerciante português em vez de ope3, EJa1lorei este menmo ponto, embora partindo de outros dom1nio9 aoclais qnando n:llallBei a ex})resaão brlUlUetra. "Voe@ sabe com quem atA falando 'r', no meu Carnavais, Matand,oa " Herdis, Rio: Zah&r. 1979. Neste oon,te:úo. vale recordar que Portugal eonhecia multo bem a inBtl.Wição da élCt'IWldlo negra e mourll., eomo o tu'Ova uma eltaçlL:J de Clenardo. referida por WIlaon Martins na lua. monUmental HilÚ6ria d4 ャヲエセ@ BraaildTe. il: conveniente citar o tato em pauta: "Os escravos pululrun. diz Olenardo. por todu a parte. Todo o scmço é feito por negros セ@ mouros cativos. Portugal está fi. abarrotar com: et!C.a raça de gente. Estou quase a. crer que Só em 1.100011 há mala e&eraV06 e esÇ):'avaa do que J)Ot'tugueeea Uvt'eS de condição..... (d. MlU'tlnlJ. 1976: 19 vol,: 81). 66 セ@ ( ." \.' / ,,'2. ( セ@ rar numa classe social horizontalizada, com forte consciência de sua individualidade (consciência de elasse, no sentiセ@ do clássico que Màrx empresta a este termo) e' interesses vis-à-vis o Rei e a nobreza do­na da terra. e de outros pri( vilégios tradicionais, funciona como uma categoria soeial. ゥセ@ . Como uma camada complementar aos nobres e ao­ Rei, inte1 , grada nas hierarquias sociais do sistema. Temos, pois, em ,•I Portugal (e, diriamos, também no Brasil), a figura ímpar , y do aristocrata­comerciante ou fidalgo­burguês, ー・イセッョ。ァュ@ de um drama social e polltico ambíguo, cujo sist(lll1a de r,セ@ \@セ セ@ vida sempre esteve fundado nos ideals da hierarquia e da J igualdade, na espada e no dinheiro . ,( Nesta sociedade dominada pelas hierarquias ウッ」ゥ。ェセ@ abranセ@ gentes tudo tem um lugar. A categorização social é geral, incluindo obviamente grupos étnicos diferenciados, sobretudo mouros e judeus. Não se sustenta a tese de Gilberto Freyre (apresentada sistematicamente em Casa; GrandiJ & Senzala). segundo a qual o contato com o mouro (e com a mulher moura) havia predisposto o «caráter nacional» do lusitano a uma interação aberta e igua:itária com índios e negros. Muito ao contrário, o que se sabe de comunidades mouras e judias em Portugal, permite dizer que o controle social e polítiCO de etnias alienígenas era agudo, senão brutal, como foi o caso dos judeus. Temos aqui uma socier , dade já familiarizada com formas de segregação social, cuja \ legitimidade seria marcada, na expressão de Godinr_o­, pela origem «rácica» e religiosa. Fica, assim, demonstrado que o "', 1' português colonizador não chegou ao Brasil como um indivíduo ,degredado e degradado. Como um elo solto de uma eorf rente que ele próprio era incapaz de reco­nstruir. Muito ao contrário, as engrenagens do Império Colonial Português eram muito complexas e se mexiam com extrema eficiência, considerando sua extensão, diversidade e dificuldades de transporte. Reconstruiu­se aqui, obedecendo­se naturalmente às características históricas dos povos indígenas que habitavam nossas praias, a sociedade portuguesa original. E tal reconstrução foi 1:&nto mais fácil, quanto maior e mais abrangente foi o comando dos colonizadores relativamente aos nativos. Assim" a colonizaçã.o.!lo Brasil ョセN@ !o­L uijャQlNAュpセ⦅@ realizada por meros' criminosos, ゥョ、カ■オqウLセB・イ。ャᅳZᆰN@ ou ideologia social. Se ela não foi obra de grupos altamenセL@ ::. I . セ@ ,J .... ヲONセ@ 1 67 '1I!j:'. te religiosos, coesos e determinados, como foi o caso da América do Norte, ela também não se constituiu numa empresa algo sem alvo, ou método.' l!l impossível demarcar com precisão as origens do credo racial brasileiro, mas é possível assinalar seu carâter profundamente hierarquizado, como uma ideologia destinada a substituir a rigidez hierârquica que aqui se mantinha desde o descobrimento, quando nossas estruturas soCiais começaram a se abalar a partir das guerras de Independência. O movimento de Independência provocou toda uma reorientação dos sistemas de hierarquia vigentes no Brasil, fazendo com que a estrutura de poder tivesse como ponto final a Corte do Rio de Janeiro, em vez de se prolongar para o além­mar, na direção de Lisboa, ponto do qual, anteriormente, partiam todas as ordens e todos os favores. Mesmo considerando que 'nossa Independência foi obra dos estratos dominantes e não um movimento de baixo para cima, não tendo por isso mesmo o mérito de ser uma alavanca para transformações sociais mais profundas, ela foi básica na medida em que apresentou à elite nacional e local a necessidade de criar suas próprias ideologias e mecanismos de 1'acionalização para as diferenças internas do país. De fato, é impossível separar e. tornar­se independente, sem a conseqüente busca de uma identidade ­ vale dizer, de uma busca no sentido de justificar, racionalizar e legitimar diferenças internas. S.Iil, 。ーセL⦅・NAゥエャ\_ilHIッ」ᆰェ[q、@ peso dos erros, e das injustiças, sobreo"Rei"e, a .cor.oa.l'ortuguesa em Lisboa, a partir da, iャ、・ーL|Gエセョ」ゥᆰB@ eSse peso tinha que ser carregado aqui mesmo, pela camada"superior 'dÍil:;i:,ruerarquias sociais. Onde foi ,nossa elite buscar tal ideologia? ,Creio que ,ela veio ,na forma da ,fábuia,,das..h:ês raças e no ᆱイ。」ゥウャAHIBL⦅_セ・Z^@ セBゥ、・￵ャッァ。@ que permite con" ç"i'llSr uma, série de impulsos, cOl;\1;raditóriOi! 、・セョ￵sウ。Z￳@ dade, sem que se crie, um plano. para suatr:lniifºrmàÇão profunda. Neste sentido, vale a pena observar, OOlIt Thomas Skidmore (1976), que o marco histórico das doutrinas raciais brasileiras é o período que antecede a Prociamação da República e a Abolição da Escravatura, momento de crise nacional profunda, quando se abalam as hierarquias sociais. 4. Neste aentiélQ. reeomendo fortemente R. 19'79. l 68 Jelt:ura de Boxer. 1969. e de Schwartz, A crise que deveria ter chegado com a Independência que, de fato, ela acabou adiando, mas que se realizou afinal no Movimento Abolicionista e da Proclamação da República, esses,Jtois,momentoscritieos, parte e parcela de um só drama Sõêial altamente "cOntraditÓrio já que"li Abolição é progressivà"e abortá ­ propugnando pela igualdade e エイ。ョウヲッュセᅦ ̄@ das hierarquias'; ao passo que a República é um 、・ウヲセィッ@ feéhado e reacionái­ró;­jit)Stinado a manter o poder dos !'lonos dif 'terra," conforme revela, "mtre outros, Richard Grahall), (1979). O fato de a Abolição se constituir num movimento concreto é uma terrível ameaça ao edifício econômiéo e social do país, Deste modo, se a ideologia católica e o formalismo jurídico que veio com Portugal não eram mais suficientes para sustentar o sistema hierárquico, era preciso uma nova ideologia. 'Essa ideologia, ao lado das cadeias de relações sociais dadas pela patronagem e que se mantiveram aparentemente intactas, foi dada com o racismg. Mas é preciso notar como essa ideologia suiíiiü'ãé""módÕ complexo, no bojo de dois impulsos contraditórios típicos aliás das grandes セウ・@ de abertura sociaL Um deles, caracterizado pelo projeto reacionário de manter o status quo, libertando o escravo juridicamente, mas deixando­o sem condições de libertarse sociaLe cientifiez.mente; o outro é muito diferente: tratase de perceber como o racismo foi uma motivação podeross para investigar a realidade brasileira. Pode­se, pois, dizer que a «fábula das três raças. se constitui nIC mais poderosa força cultural do Brasil, permitindo pensar o pais, integrar idealmente sua sociedade e individualizar sua cultura. Essa fábula hoje tem a força e o estatuto de uma ゥjヲセNqャZァMQA@ セゥZmNGQャ\エ・@ ,um sistema totalizado do. .idéias" que intelJl:e.netra a maioria dos doniJ'nios'expliclÍtivos da cultura. Duran.te muitós"anos Bヲッイョ・」セG@ e 。ゥセ、@ ィッェセBゥイョZM[ュエ@ das três raças, as bases de :Im projeto político e soc:sl para o brasileiro (através da tese do «branqueamento. como alvo a ser buscado); permite ao homem comum, ao sábio e ao ideólogo conceber uma sociedade altamente dividida por hierarquizações como uma totalidade integrada por laços humanos dados com o sexo e 08 atributos «raciais» complementares; e, finalmente, é essa fábula que possibilita visualizar nossa sociedade como algo singular ­ especificidade que nos é 69 I presenteada pelo encontro harmonioso das três «raças». Se no plano social e político o Brasil é rasgado por hierarquizações e motivações conflituosas, o mito das três «raças. une a sociedade num plano «biológico» e <maturai», domínio unitário, prolongado nos ritos de Umbanda, na cordialidade, no carnaval, na comida, na beleza da mulher (e da mulata) e na música ... Mas é preciso falar um pouco sobre as fontes eruditas deste racismo brasileiro. Sabemos que ele nasceu na Europa no século XVIII, na crise da Revolução Francesa, mas só veio dominar o cenário intelectual europeu no século seguinte, na forma das teorias evolucionistas cientificamente respeitadas. No século XVIII, sua apresentação carecia de força ideológica, pois era apenas ­ de acordo com Hannab Arendt (1976: capo 2) ­ uma doutrina que trabalhava uma história heróica do povo francês, numa concepção segundo a qual os nobres formavam uma parcela alienígena forte e, assim, destinada pelo nascimento e origem ao poder. No século XIX, entretanto, o racismo aparece na sua forma acabada, como um instrumento do imperialismo e como uma justificativa <natural» para a supremacia dos povos da Europa Ocidental sobre o resto do mu­ndo. Foi esse tipo de «racismo» que a elite intelectual brasill!ira bebeu sofregamente, tomando­o como doutrina explicativa acabada para a realidade que existia no pais. Do mesmo modo que ocorre ainda hoje, as teorias racistas produzidas por norte­americanos como Agassiz; ou por europeus como BuekJ.e, Gobineau e Cou1;y, para ficarmos com os que foram os mais influentes no Brasil, são amplamente adotadas, tendo­se grande preocupação ­ como イ・カセャ。@ Skidmore (1976: capo 2) ­ com as idéias daqueles estudiosos, como BuekJ.e, Gobineau e Agassiz que fizeram referências expressas ao Brasil. Nelas, õbviamente, nosso futuro surgia como altamente duvidoso, já que a sociedade brasileira se caracterizava por se constituir numa arena de ce)lljunções raciais entre negros, brancos e índios, uniões que eram totalmente condenadas. Assim dizia, por exemplo, o Conde de Gobineau que levaria «menos de duzentos anos ... o fim dos descendentes de Costa­Cabral (Brasil) e dos emigrantes que os seguiram» (cf. Skidmore, 1976; 46). Ou seja, Gobineau colocava a tese de que a sociedade brasileira era inviável porque possuía enorme população «mestiça», produ- to indesejado e híbrido do «cruzamento» de brancos, negros e índios, tomados por esses «cientistas» como espécies diferenciadas. Apesar .da diversidade das teorias «racistas. esposadas pelos vários especialistas, eles partiam de pressupostos simples; simplicidade, aliás, que se constituía, como já chamei atenção, numa da mais poderosas razões de seu atrativo intelectual e político. Mas quais eram esses pressupostos? Um deles é o de que cada raça ocupa um certo lugar na hístória da humanidade. Não importa aqui considerar se a proposição tinha um ponto de partida segundo o qual todas as raças saíram de um mesmo t1'01lco comum ou de Adão e Eva (como foi de fato teorizado nos séculos XVI e XVII) ou se elas haviam sido criadas de modo diferenciado desde o começo, o fato é que, tanto na hipótese monogenista quanto na poligenista, elas eram tomadas como espécies altamente diferenciadas, seja no tempo, seja ­no espaço, Oll em ambas as dimensões. Daí a ilação de que as diferenças entre as sociedades e nações expressavam as posições bioIógicas diferenciadas de cada uma numa escala evolutiva. Louis Agassiz, por exemplo, que foi provavelmente o maior dos poligenistss dos Estados Unidos, não hesitava em situar a «raça branca­» como superior e, após sua famosa visita ao Brasil, escrever em seu livro o que seria uma opinião discutidissima sobre a nossa sociedade. Dizia o célebre zoólogo de Harvard: «Que qualquer'um que duvida dos males desta mistura de raças, e se inclina, por mal entendida filantropia, a botar abaixo todas as barreiras que as separam, venha ao Brasil. Não poderá negar a deterioração decorrente do amálgama de raças, mais geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio, deixando um tipo indefinido, hibrido, deficiente em energia física e mentab (citado por Skidmore, 1976: 47­48). Como se observa, o diagnóstico não é muito diferente do de Gobineau. Um outro ponto também essencial nas doutrinas racistas é () determinismo. Isso significa que as diferenciaçÕes ­bit>. 'í6giêâil ­são vistâã como tipos acabados e que cada tipo está determinado em seu comportamento e mentalidade pelos fatores intrínsecos ao seu componente biológico. Gobineau elaborou bem esse ponto, valendo a pena reproduzir aqui o seu esquema das «raças humanas., pois para esse autor há 70 71 uma perfeita equação entre traços biológicos, psicológicos e posição histórica. Uma espécie de totemismo às avessas. Eis o esquema racial de Gobineau, tirado do seu A Diversidade Moral e Intelectual das Raças: o esquema põe a nu não só a questão da diversidade, como também a concepção da superioridade das chamadas «raças brancas», traço 4l.lle a história confirmava amplamente na teoria de Gobineau. Além disso, cada «raça» tem uma determinada tendência, havendo na base uma equação entre RAÇA CULTURA = NAÇÃO = TRffiO. Deste modo, 08 fenícios eram mercadores; os gregos, «professores das futuras gerações» e os romanos, modeladores de governo e leis. Acrescenta ainda Gobineau, explicitando um pouco mais sua visão determinista: «Estes poderes e os instintos ou aspirações que surgem deles nunca mudam enquanto a raça permanece pura. Eles progridem e se desenvolvem, mas nunca alteram sua natureza» (1856: 76). Estamos diante de um verdadeiro código natural e diante de realidades que jamais pOdem mudar pelo ato puro e simples da vontade. Ao contrário, nesta perspectiva, as qualidades positivas e negativas são dadas de uma vez por todas ­ sendo depois o destino da «raça» atualizado numa mera questão de combinações. Se as «propensões animais» são fortes e não contrabalançadas por «manifestações morais», a «raça» estaria condenada a ter uma vida coletiva deficiente e desorganizada. Do mesmo modo e pela mesma lógica, quando as «propensidades animais» são fortos e o <<intelecto» é vigoroso, como ocorre com as ᆱイ。セウ@ brancas., o resultado é uma «grande expansão do sentido moral, com uma compl.exa e variada organização política emergindo» (cf. Gobineau, 1856; 96). Neste modelo, cuja simplicidade, determinismo e pobreza nos faz hoje imaginar como foi possível levá­lo a sério há menos de cem anos atrás, as civilizações decaíam, arruinavam­se, eram conquistadas, não se desenvolviam ou simplesmente desapareciam porque sua «história raciai. conduzia a misturas infelizes dos traços contidos em cada unidade racial. Daí, certamente, a fantástica preocupação do Conde de Gobineau com o Brasil, onde ele serviu como Embaixador. Diante de uma realidade física de mulatos, cafusos e mamelucos, diante de uma sociedade altamente variada em termos de cor, Gobineau não teve outra alternativa senão expressar seu pessimismo diante do futuro do pais j á que, pelas suas teorias, aqui o branco estava perdendo suas qualidades para o índio e, sobretudo, para a «raça negra». Com o imenso prestígio que circunda tudo o que vem de fora, sobretudo da Europa e dos Estados Unidos, esta teoria que gerou o «arianismo» e permitiu relacionar a BiolOgia e a História com li> moralidade foi logo aceita no Brasil. De fato, nada mais fácil para servir de «modelo cientifico> a nossa realidade, dando­­lhe uma forma totalizada e acabada, do que essa síntese arianista, nascida das idéias de Gobineau. Mas isso não ocorreu ao acaso, ou por uma percepção empírica da experiência histórica brasileira. li; claro, como indica Skidmore (1976), que a experiência histórica é básica para a adoção das teses «racistas», mas a meu ver essa experiência não é tudo. Existem, como estou procurando mostrar, fatores mais ,profundos relacionados à formação social, cultural e histórica do Brasil que pel'mitem especular sobre a adoçã!) e a permanência do <racismo» como ideologia e como tema de reflexão científica, de Sílvio Romero até os nossos dias, Consideremos sumariamente tais fatores:., O primeiro ponto a ser considerado é que nem todas as formas de· determinismo foram aceitas para discllssão no melo sóciill, polÍtico e'Cííiturª,brasilelro. Em outras paJàViáS; ir"discilssãõ'­das­teSes­do";determ­Ílíismo geográfico:> são cer- 72 73 RAÇAS HUMANAS Negra Amarela Intelecto Débil Propensões animaiJJ Muito fortes Moderadas Medíocre Manifeetações Parcialmente Comparativamente moraiJJ latentes desenvolvidas Branca Vigoroso Fortes Altamente cultivadas (De acordo com. Gobineau, 1856: 95, 96) li セ B@ " I 1 ·., 11, tamente menos estudadas e debatidas do que as oferecidas pelos «determinismos raciais», segundo os quais a unidade determinativa dos fatos sociais e políticos, o agente de causalidade não é o solo, a chuva, o clima, a temperatura ou o regime dos rios, mas fatores biológicos internos. A preferência indica claramente a relação profunda existente entre o meio social brasileiro e as doutrinas racistas de gente como Gobineau, Lapouge, Inginieros, Couty e outros. Existe, pois, uma relação profunda, socialmente determinada, entre as doutrinas racistas de tipo histórico (chamadas de «arianistas»), em seu apelo explicativo para uma sociedade concretamente dividida em segmentos, cujo poder e prestigio diferencial e hierarquizado correspondia, grosso modo, a _diferenças de tip<!s, físicos e origens sociais., .. セM " , O segjUldo é que o racismo à 'la Gobineau tinha­­º, mérito de inàugurar uma reflexão sobre, a dfnâmica das ­_«raças», abrindo a discussão das dinâmicas sociais. Podia­se, com isso, deixar de louvar os tipos puros (sobretudo o .branco ariano»), passando para a especulação dos resultados dos «cruzamentos» entre as «raças». Isso correspondia à situação histórica e social do Brasil, onde a escravidão estava contida num sistema político antiindividualista e antiigualitário; um sistema totalizante. e abrangente, dominado por uma modalidade muito bem articu'lada e antiga de formalismo jurídico ­ legado da colonização portuguesa. O fato de termos constituído até o final do século passado uma sociedade de nobres, com uma ideologia aristocrática e antiigualitária; dominada pela ética do familismo, da patronagem e das relações pessoais, tudo isso emoldurado por um sistema jurídico formalista e totalizante, que sempre privilegia o todo e não as partes (os indivíduos e os casos concretos), deu às nossas relações sociais um clíráter especial. Fez, por exemplo, que o regime de escravidão fosse aceito como algo normal pela maior parte dos membros de nossas elites, tornando­se um sistema universal pelo fim do século XIX. Em outras palavras, a...escravidão bra.sileira não:fQLum...fenôtAN・QG_セP\ᅪャ@ rel!'ÍSlJ!J'Il.. セエ。Zュ・ョ@ Mio」セャゥ、qAッ⦅GQ・オ ..co'w os Estados Unidos, mas ­ .. pelo c,ontrário.,...,. tllt:I\PJl.::se uma forma doÍnhiáríte de exploração do trabalho. Como diz skiilw:ote, Nセーッイ@ volta do xr5( toda イ・ァゥ ̄ッM、[Gュ。セ@ im: portância geográfica tinha percentagem signifil:1ifiy;;' de es- cravos em sua._popu:ação.Em 1819, segundo uma estimativa õfiCial;­riéiiiiuma região tinha menos de 27% de escravos na população total» tcf. Skidmore, 1976: 59). E isso não poderia ser de outro modo, dado que o sistema era governado por meio de uma estrutura política autoritária, centralizante, onde o político e a moralidade sempre controlavam e demarcavam de cima os impulsos econômicos. Em outras palavras, numa sociedade fortemente hierarquizada, onde as pessoas se ligam entre si e essas ligações são consideradas como fundamentais (valendo mais, na verdade, do que as leis universalizantes que governam as instituições e as coisas), as relações entre senhores e escravos podiam se realizar com muito mais 'intimidnite, confiança e consideragão. Aqui, o senhor não se sente ameaçado ou culpado por estar submetendo um outro homem ao trabalho escravo, mas, muito pelo contrário, ele vê o negro como seu complemento natural, como um outro que se dedica ao trabalho duro, mas complementar as suas próprias atividades que são as do espírito. Assim a lógica do sistema de relações sociais no Brasil é a de que pode haver intimidade entre senhores e escravos, superiores e inferiores, R9Xlllle ..0 mjl:n<:l(l,.,e;!j;íi.••xealmente" hierarquizado, tal e qual o' céu da 'Igreja c。エYャゥNセL@ também repartido e totalizado em esferas, C!:í'cúlos­,' planos.. !ºº9JL,PQY\>J'!<:los,.. por". anj ッウBL。セョェ@ queruセャゥウ[M ウ。ャゥエNッセL、・jZAᅪイェq|ュクGT@ se!).do ..tudo oonsoJidado na Santíssima Trindade, todo e parte ao mesmo tempo; ilITlaldadee hiérárquiá . dados simultaneamente.. O pontoérlfi&; ire" todo­ ó nosso sistema é a sua profunda desigualdade. Ninguém é igual entre si ou perante a lei; nem senhores (diferenciados pelo sangue, nome, dinheiro, títulos, propriedades, educação, relações pessoais passíveis de manipulação etc.), nem os eseravos, criados ou subalternos, igualmente diferenciados entre si por meio de vários critérios. Esse' é, parece­me, um ponto­chave em sistemas ィゥ・イ。アオセョエウL@ pois, quando se estabelecem distinções para baixo, admite­se, pela mesma lógica, uma diferenciação para cima. Todo o universo social, então, acaba pagando o preço da sua extremada desigualdade, colocando tudo em gradações. nejNウセエ・ュ。L@ .não, há necessidade_de _segregar...o.__ mestiço, o, ュオjセエHIL@ .!), .índio, ,e BAlNョ・ァイLoセ ..ーNッイアオ・Lセ@ .,hierarquias" asseguram a superioridade do branco como grupo dominanté.Á 74 75 slÍculo' ,I' iセ@ Gセ@ inti.n:lidadfl,---a-- considerR!;ão, o favor e - a confiança, podem desenvolver como traços e valores セウHI」ゥャuァ@ _àl1ieüiJ:'éluia indiscutível que emóldlií:;': -á _soéiédade_!1_ )1'lJJca - <l91lliLSllPÕS Freyre - comotimelemento dQ 」jセイ£エN・Z@ naci.onal português. da sociedade Tal e qual na india, as Câmadas 、ゥヲセイ・ョ」。ウ@ - as castas - são vistas como rigorosamente complementares. Aqui no Brasil, o nosso racismo forneceu os elementos de uma visão semelhante, colocado no triângulo das raças quando situa o branco, o negro e fndio como formadores de um novo padrão racial. Branco, porém, diferente dos «arianos» europeus ou americanos do norte: algo tipicamente brasileiro, singular e forte como o samba e o carnaval. A falta de segregação parece ser, pois, um elemento relacionado de perto à presença de patronagem, intimidade e consideração. Numa palavra, a ausência de valores igualit4,"';08. Num meio social como o nosso, onde «cada coisa tem um lugar demarcado e, como corolário, ­ cada lugar tem sua coisa», índios e negros têm uma posição demarcada num sistema de relações sociais concretas, sistema que é orientado de modo vertical: para cima e para baixo, nunca para os lados. É um sistema assim que engendra os laços de patronagem, permitindo conciliar num plano profundo posições individuais e pessoais, com uma totalidade francamente dirigida e fortemente hierarquizada. Em sociedades assim constituídas, situações de discriminação (ou de segregação) só tendem a ocorrer quando o elemento não é conhecido socialmente; isto é, quando a pessoa em consideração não tem e não mantém relações sociais com pessoa alguma naquele' meio. A discriminação ­não é algo que se dirige apenas ao diferente", mas aO estranho, ao indívíduo desgarrado, desconhecido e solitário: ao estrangeiro o que, numa palavra, não está integrado na rede de relações pessoais altamente estruturadas que,. por definição, não pode deixar nada de fora: nem propriedade nem emoção nem relação. É claro que, nos sistemas hierarquizados, pessoas de cor sofrem discriminação com mais freqüência, mas não se pode esquecer que pessoas pobres e até mesmo visitantes ilustres podem ser discriminados pela simples razão de não terem nenhuma associação firme com alguém da sociedade local. O maior crime entre nós, ou melhor: no seio de um sistema hierarquizado, não está em ter alguma característica que permita diferenciar e assim inferiorizar, mas em não ter relações SOCIaIS. Uma vez que tais relações são estabelecidas, todos ficam dentro de um sistema totl\lizante e é sempre por meio dele que as diferenças entre os grupos são resolvidas. Mas o que ocorre em sistemas igualitários e individualizados, onde as hierarquias que sustentam o poder do todo sobre as partes foram rompidas? Ao responder a essa questão, chegamos ao centro da diferença entre o «racismo» brasileiro e norte­­americano, bem como ao cerne das diferenciações raciais doutrinárias. Sabemos que nos Estados Unidos e na Europa o «mestiço» era visto como peça indesejável do sistema de relações raciais. De fato, o foco das teorias era a especulação sobre a inferioridade básica do «mestiço», elemento híbrido, e dotado de todas as qualidades negativas daquilo que se chamava de «sub­raças». Numa palavra, todo o problema era que, muíto embora se pudesse tomar as «raças. como tendo qualidades positivas, colocando a «raça branca» como inquestionavelmente superior, o que não se podia realizar era a «mistura» ou o • cruzamento. entre elas. Aqui, a doutrina racista deixa transparecer dois pontos muito importantes que a análise sociológica não deve deixar passar: um deles é que as «raças humanas», embora situadas em escalas de atraso e progresso, tinham qualidades. Seriam até mesmo dignas de admiração, caso não fossem jamais colocadas lado a lado. O outro, é a condenação fundamental de suas relações. O mal nÍÜJ está nas diferenças entre as raça,s, diz o «racÍllmo ariam.ista», mas "!UI 8'!UtS retações. Aqui temos, obviamente, o ponto­chave dos racismos «arianistas., sobretudo na sua modalidade americana. E o que isso nos díz do ponto de vista sociológico? Diz­nos claramente que o problema JÍJ!onsiderar c!'­da_­,«rl'!Ça»em si, mas nunca estudar suas l'elacões" liLnós. ウ。「・ュッセ@ ⦅アセN@ セイャ￧ゥ Gセ・j[ャILュ」ゥ。Z⦅エイAウ、@ _iAッMᆰセNjエゥᆳ ferenciadas e hierarquizadas em sistemas fundados num credo ゥオ。ャエ£イッLセApi、_@ A elaboração do «racismo científiCo» norte­americano correspondia muito de perto à realidade social daquele país, _onde o credo ígull>litári(), o individualismo e o ideal da igualdade perante a lei criavam obstáculos insuperáveis para uniões entre pretos e brancos outros planos que não fosse o do trabalho. O fato, então, de o «mu­lato» ser tão desprezível no credo racial americano, a ponto 76 77 se ° .'" I em LセN@ dele não ter ali uma posição socialmente reconhecida, posto que é classificado como «negro», tem suas raízes, como demonstrou Myrdal (1944), na existência concreta de um credo igualitário e individualista e no peso social deste credo dentro do meio social norte­americano. 5 Realmente, após o movimento abolicionista, a massa de negros livres tornou­se um problema social serissímo noS Estados Unidos. Diferentemente do Brasil, onde havia várias categorias de negros com posições sociais diferenciadas no sistema (negros escravos recentes, negros escravos antigos, negros escravos mais longe ou mais perto das casas­grandes, negros livres há muito tempo, negros livres recentemente, crianças livres filhas de escravos etc.), naquele país, a combinação do homem livre com o negro era muito mais rara e foi conseqüência de uma sangrenta guerra civil. Como, então, manter o credo segundo o qual todos são iguais perante a lei, se existem ex­escravos competindo com brancos pobres, sobretudo num Sul derrotado? Em outras palavras, como encontrar um lugar para negros, ex­escravos, num sistema que situava (e ainda situa) o indivíduo e a igualdade corno a principal razão de sua existência social? Aqui, a única resposta possível é a discriminação violenta, na forma de segregação que, diferentemente do caso brasileiro (e de outros países com cO!'­tingente negro e predominância de estruturas sociais hierarquizantes), assumiu caracteristicamente a forma clara e inequívoca de segregação legaJ, fu'llr dada, em leis. Assumida portanto com todas as letras e em toda a sua integridade, a segregação racial deixa !le ser um paradoxo historicamente dado no sistema norte­americano. Ela de fato pode ser explicada corno um modo concretO e coerente de uma sociedade individualista resolver o problema da desigualdade e de sua manutenção num sistema onde um credo igualitário tem importância social determinativa. A expressão deste fato sociológico concreto no plano erudito das doutrinações cientificas foi a doutrina racial que desencorajava o «mulato» corno tipo físico e categoria social legitimamente reconhecida, tornando assim impossível solidificar as redes de relações pessoais efetivamente existentes I i i I,LI f " セi@ 'i, セ@ . i li I I I 6. Para. este problema, カ・ェ。セ@ melhor análise oomparnt.iv& dOIl Carl Degler, 1971. também Dumol'lt. 1974, e Do. Matta. 1979. Para. a sistemas "raciais" brasileiro e americano. セ。M・@ 78 \ entre brancos e negros no Sul, o qne certamente poderia dar seqüência. às estruturas hierarquizadas ali existentes, mas que foram .destruídas à força pela Guerra Civil que veio estabelecer a hegemonia do credo igualitário e individualista por todo o sistema americano como um plano jurídico e político socialmente básico. Esta forma de racismo que nega ou coloca o tipo mestiço como indesejável surge também como uma <solução científica» para um paradoxo social que situava brancos e negros em posições realmente diferenciadas, e um credo nacional fortemente ígualítário nO plano político­juridico. Creio que são tais fatores que explicam, no caso norteamericano, o horror dos teóricos de tais doutrinas diante da realidade brasileira, repleta de gradações e de «tipos raciais intermediários». Sociologicamente falando, a reação que' surge revestida pelo idioma biológico, dizendo que o Brasil não tinha futuro porque era um país de «mestiços» e de «mulatos», de «sub­raças híbridas e fracas», pode ser interpretada como um modo de rejeitar a hierarquia que permite, sem ameaçar as elites dominantes, todo o tipo de encontro ., e de intimidades entre pretos, índios e hrancos. Tal traço não é, como gostaria que fosse gente corno Freyre' e outros, uma característica cultural portuguesa, senão um modo de enfrentar os dilemas do trabalho escravo num sistema altamente Iiierarquizado, onde cada homem tem um lugar determinado e onde a igualdade não existe. Se o negro e o branco podiam interagir livremente no Brasil, na casa­grande e na senzala, não era porque o nosso modo de colonizar foi essencialmente mais aberto ou humanitálio, mas simplesmente porque aqui o branco e o negro tinham um lugar certo e sem ambigüidades dentro de uma totalidade hierarquizada muito bem estabelecida. Tal fato, entre outroS, deu ao «racismo» brasileiro uma forma especial, com o foco no centro do sistema. Deste modo, enquanto a leitura americana condenava a «mistura de raças., optando por uma solução radical, contida na divisão entre brancos e negros, aqui no Brasil a preocupação e a conseqüente teorização foi realizada em cima do «mestiço» e do mulato, ou seja: nos espaços intermediários e interstícios do que percebíamos como sendo o nosso «sistema racial». Nos pontos onde cada «tipo racial puro. encontrava o outro e 79 'f,' I ; ;':;, d iヲᄋセ@ I r I o diagrama deixa ver claramente como sistema americano concebe a posição dos grupos diferenciados como mais próximos ou mais distantes de uma linha de leis igualitárias, que teoricamente estão distantes de todos, não se confundindo com nenhum grupo. Éa ideologia do «todos são iguais perante a lei» que, como coloquei anteriormente, irá determinar o racismo na forma dualista, direta, legal como forma pervertida (como diz Myrdal) de superação do credo igualitário abrangente. No caso do Brasil, é a iI)te:ração entre as. peças do triângulo que,J:t:á".criar .. as leis e Hlセ。」ゥッョャN@ A ideologia é abrangente .e hierarquizada em sua ーイHIセゥ。 formulação. . '­.­'­- o esquema também torna clara aqnela outra distinção essencial, já indicada por Oracy Nogueira (1954), num trabalho clássico. Enquanto o esquema, `Nーイセョ」・ゥエッ@ racial N。ュ・イゥ」ョッjᅪ⦅セᄏL@ ,() 「イ。ウゥセ・ャGuM、l\」jZᅰ seja: o sistema americano não admIte gradações. e ­tem­­uma­Í<lJ::!l!!l de 。ーIゥ」セLᄋ、ッ■£エZオイャNv←zM que sê tenha algum «Sa!\gUe ョ・セHᄏL@ (e isso é determinado culturalmente), nã<l.se pode mudar' jamais de posição. Pode­se ser tratado idealmente como um «igual perante a leh, mas ,;i"diferença do «SlWgue» ー・イZiャAjNョセ£@ para sempre. Já no nosso sistema, o ponto'cnave é a admissão de gradações e nuanças. A ᆱZイAャセ^L@ (ou à­Cor' da pele, o tipo de cabelos, de lábios, do 'próprio corpo como um todo etc.) não é o elemento exclusivc­ nac,Il!l!l!i: ficação social da' pessoa. Existem outros critérios アオ・Z[^|ャHjセイエ@ nuançar e modificar essa classificação pelas 」。イセeエi[ゥjャZcuAL@ físicas (que são definidas culturalmente). MmウjャNiセ ...por."exempIo, o dinheiro ou o poder político permitem classificar um preto como mulato ou até mesmo como branco. Como se o peso de um elemente (como o poder econômico) ー、セsZA・G@ apagar o outro fator. Temos, pois, no Brasil, sistemas múltiplos de classificação social (cf. também Da Matta, 1979: capo IV) ; ao passo que nos Estados Unidos há uma tendência nítida para a classificação única, tipo «ou tudo ou uada», direta e 、オ。ャゥウセ@ tendência que me parece estar em clara eorrelàçãlfêóriio'jjidividuaJismo, o igualitarismo e, ohviamente Gセ@ como mostro!': Weber ­ com a ética protestante (cf. Weber, 1967), Mas o ponto importante que deseja enfatizar aqui é que esses «tipos de preconceito racial» são inteiramente coerentes com as ideologias dominantes de cada uma dessas sociedades, estando diretamente correlaeionados com as formas escolhidas historicamente de recorte da realidade aocial. Deste modo, os racismos americano e europeu, que partem de uma reaiidade social mais igualitária, temem a miscigena­' ção porque com ela podem colocar em dúvida sua homogeneidade social e política, segundo a antiga noção de qlle a idéia de um povo contém em si o postulado básico da idennós, o racismo eurotidade e homogeneidade física. Já ・ョセ@ peu e americano penetra a cena intelectual, mas é transformado por meio de um cenário hierarquizado e antiigualitário. Aqui ele se orienta para os interstícios do sistema, 80 81 criava um elemento ambíguo; com supostas características dos dois. Foi com tal preocupação, correspondente à nossa maneira de resolver 08 problemas colocados concretamente por nossa sociedade, que nasceram os racismos de SlIvio Romero e Nina Rodrigues, doutrinadores fundamentais e paradigmáticos do nosso mundo intelectual. Pois se eles consideravam que o «branco ariano» era indiscutivelmente superior ao neg:i:o e ao índio, nem por causa disso deixaram de considerar o caso brasileiro como constituído de um triângulo racial. Enquanto, pois, o credo racista norte­americano situa as «raças. como sendo realidades individuais, isoladas e que correm de modo paralelo, jamais devendo se encontrar, no Brasil elas estão frente a frente, de modo complementar, como os pontos de um triângulo. Num esquema: eNG|エZ。、ッセ@ Unidos I, I T TT II I;; ,I セN@ Mセ⦅OBL セ@ " ,i: ­ SISTEMA UNIVERSAL DE LEIS ° f I I t L 1, S' i, ;:1 li :i"· "...... • . . . . . 0, "_r_ •• セN@ _., .• _ . " LN⦅セB@ j 1 i11 II ::' Ç'i I': li! local onde vivem e convivem muitas categorias sociais intermediárias, perfazendo uma totalidade triangulada. l!J precisamente isso, a meu ver, que permite integrar as «raças. num esquema altamente coerente e abrangente, formando de suas diferenças e hierarquias uma totalidade integrada. Por outro lado, essa integração permite até hoje discutir e perceber a acentuada miséria dos «negros» e «índios», sem perceber suas diferenciações especificas e, sobretudo, sem colocar em risco a posição de superioridade politica e social dos «brancos •. No nosso esquema, portanto, o branco está sempre ullÍdo e em cima, enquanto que o negro e o índio formam as duas pernas da nossa sociedade, estando sempre embaixo e sendo sistematicamente abrangidos (ou emoldurados) pelo branco. O próprio triângulo sugere suas interações, nesta teoria brasileira que reduz as diferenças concretas (sociais, políticas e econômicas) em descontinuidades abstratas em «raças. com uma definição semibiológica. Por isso sabemos que o triângulo inicial pode gerar outros, agora constituído de tipos intermediários, os «resultados» das misturas «raciais» dos tipos puros. Assim: lj Branco H セ@ 1 ;,1 Mulato < Negro / >,I' ). < ), ( , Mameluco >c ) . Indio Cafuso i: I, セ@ I Aエセ@ Sempre temos, como se observa no esquema, a possibilidade de formar triângulos. Vale dizer: de sempre intermediar, conciliar e tornar sincréticas as posições polares do sistema, pela criação de tipos intersticiais, mediadores destas posições. Num meio social hierarquizado, tais intermediações 82 triangulares (ou seja: em três e nunca em dois, o que conduziria ao dualismo. exclusivista) são parte de sua própria lógica social, pois é por meio da mediação que se pode efetivamente propor o adiamento do conflito e do confronto. Assim, o uso, ou melhor: a invenção do mulato como uma «válvula de escape» (cf. Degler, 1976), o sistema de preconceito racial de marca (em opoaição ao de origem), como colocou Nogueira; e as intimidades e redes de relações pes_ soais entre negros e brancos (como coloca Gilberto Freyre), são todas funções de um sistema abrangente de classificação social fundado na hierarquia. Um sistema de fato profundamente antiigualitário, baseado na lógica do «um lugar para cada coisa, cada coisa em seu lugar», qt::e faz parte de nossa herança portuguesa, mas que nunca foi realmente sacudido por nossas transformações sociais. De fato, um sistema tão internalizado que, entre nós, passa despercebido. Nesta sociedade há em todos os níveis essa recorrente preocupação com a intermediação e com o sincretismo, na síntese que vem ­ cedo ou tarde ­ impedir a luta aberta ou o conflito pela percepção nua e crua dos mecanismos de exploração social e política. O nosso racismo, então, especulou sobre o «mestiço., impedindo o confrollt<) do negro (ou do índio) com o branco colonizador ou explorador de modo direto. Com ele, deslocamos a ênfase e a realidade: situamos, na biOlogià e na raça, relações que eram puramente políticas e econômicas. Essa é, a meu ver, a mistificação que permitiu o nosso racismo, o que explica a sua reprodução até hoje como uma ideologia científica ou popular. Do mesmo modo, no campo político e social, também sintetizamos (ou conciliamos) sistematicamente as posições polares e antagônicas. Deste modo tivemos uma monarquia absolutista quando deveríamos proclamar a república, fomos governados por um monarca liberal diante de uma elite reacionária e conservadora, temos uma burguesia que deseja se aliar com o Estado, desde que este defenda seus lucros. E, no campo religioso, conseguimos criar religiões in!ersticiais, como a Umbanda, religiões «SÍncréticas», isto é, fundadas em elementos compostos e tirados de outros credos, tudo isso neste jogo de ideologias que se nutrem do ambíguo e da conciliação abrangente que evita a todo o custo o conflito e o confronto. 88 Aセi@ Vemos, assim, que, entre n6s, o ",racismo» não foi só uma doutrina racionalizadora da supremacia política e ec0nômica do branco europeu, e nem poderia ter sido deste modo. Aqui, o «racismo», como outras ideologias importadas foram modificadas, e nesta modificação obedeceram ao poder das forças que constituíam nossa totalidade social. Como a sociedade era hierarquizada, foi relativamente fácil refletir sobre as categorias intermediárias, intersticiais, ponto básico em sistemas onde existem gradações e se esiá sempre buscando um «lugar para cada coisa», de modo que "cada coisa fique em seu lugar». Foi isso que efetivamente ocorreu e, neste quadro ideo16gico­político geral, permitiu utilizar a noção de raça de modo intensivo e extensivo. A noção de ᆱイ。￧セ@ e o «racismo à brasileira» tem·um valor socialmente significativo até hoje ­ sobretudo entre as camadas médias de nossa população ­ porque o nosso tipo de doutrinação racial é uma variante da européia. Entre nós, O conceito passou a ser, como o sistema que o abriga, totalizante. De modo que para nós raça. é igual a etnia e cultura. É claro que essa é uma elaboração cultural,ideológica, não tendo valor cientifico. Do ponto de vista biológico, a raça é uma variação genética e adaptativa de uma mesma espécie. Mas na conceituação social elaborada no Brasil, «raça» é· algo que se confunde com etnia e assim tem uma dada «natureza». Essa ci)locação, por seu turno, permite escapulir ainda hoje de problemas muito mais complicados, como o de ter que discutir o nosso «racismo» como uma ideologia racial às avessas, antiideol6gica, que se nega a si própria, mas que é uma imagem de espelho do racismo europeu e awericano. S6 que aqui situamos questões relativas aos pontos intermediários do sistema triangnlado pelas três raças, ao mesmo tempo em que f"lZemos um elogio claro e aberto da mulataria (sobretudo no seu ângulo feminino) e ao mestiço. Não é por outra razão que continuamos a ver o estudo da Antropologia Social como dentro de um pIano traçado no século XIX, no estudo das raças; e oantrop6logo como o grande eugenista que irá, pela «mistura» apropriada do branco, do negro, do índio e de todos os tipos intermediários, criar finalmente um «tipo brasileiro».. Tipo que ·será exoticamente moreno, mas obviamente abrangido pela «raça humana»; ou então será uma «meta­raça branc1\», como co,セiゥ@ i: 84 loca delirantemente Gilberto Freyre nas suas modernas formulações do problema.' Não é precisó dizer novamente ­ pois esse· foi o ponto desta longa digressão ­ que tudo isso é socialmente siguificativo e que toda essa discussão de «raças. é uma questão de ideologias e valores. Em outras palavras, dos modos pelos quais nós recortamos nossa realidade interna para nÓS mesmos. Foi neste recorte que recriamos a hierarquia que forma o nosso esqueleto social e foi nele que abrimos mão de estudar as reku;5es entre as «raças», preferindo sempre o estudo das «raças» em ai meSmM. Isso tem atrasado nossa percepção de nós mesmos como uma sociedade defiuitivamente dotada de estrutura social singnlar e cultura específica. porque, colocando tudo em ·termos de «raças» e nunca discutindo suas reiações, reificamos um esquema o.nde o biológico se confunde com o social e o cultural, permitindo assim realizar uma permanente miopia em relação à nossa possibilidade de autoconheclmento. Num mundo social determinado por motivações biológicas, desconhecidas de nossas consciências, pouco ou quase nada há para se fazer em termos de libertação e esperança de dias melhores. Mas, como vimos, toda essa doUtrina é ideologia social. Agora que a conhecemos, podemos retomar o caminho do estudo antropológico como devotado ao entenllimento do social e o social é o histórico. Por isso mesmo, pode ser modificado e aberto ao sol do futuro e da esperança. &. E 8. seu lado Darcy Rlbelro. cuja oouClWçio de 80eicdade no fundo padece deuba li:WJ!ma visão. Asalm. para ek. 8.8 coni'igur:açóes s6eio­onlturals se rednzem. a "1'0\10&" "POVOlg;" a "matrizes étnieaa". Tais "matrizes étntcas porém. l:'lI'lda mnJs do e セ do que um 1l0lDe nQVo pa:ta I.) velho e batidD eonoeito de "raça". na Illelhor tnuilç.lio de Gobiueau, 8tlvio Romero e Nina Rodrigues. Conforme QOloca Ribeiro. nllmA セ@ Cl'itiea. onde pl'OOW'a expor a. te6e dos "Povoa testemunh08". "povos U&rlB;plant.adoll", UPO'VUS emc:rg\l'tl;tes"· e "povos novos": セGo。@ povos­nov<ra. ­orlllndn$ da. 」ッョェwャNセ@ de.euJtumt;i.o e ealdea.mento de matrize.s êtn1eaa muito drapRWi. como a JndfPllfl.. a africana 9 a européia'» (ct, Ribtdro. 1972: 12). Obe.crve o uso das eqlreea()eB biol6gicas, ·'lXU\.trizes", "caldeamento.. e o termo ·'dfspa:rea'·. B trm a idQa ­ muito dera no ehB.Rio citado ­ de que o "brane<>" é de fato superIor 80 (ndIo e ao negro. Note também n outra noção­ bãsia (9 evidentemllinte errada, rtlBA txntito velhll entre n6a) de Que lil(I pode renl.m.l,!nte :falex em Bイ。￧bXGセ@ euroJ'léiaa, afrtC$.D8l! ou lodt.e;m8l! como categor1ael e:ltplanatórias. . H 85 •