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Amigóide: Autômato em Busca de Amizade

Resumo: O presente artigo tem como objetivo discutir o processo de criação e desenvolvimento do projeto "Amigóide, Autômato em Busca de Amizade", selecionado em 2009 no prêmio "Itaú Cultural Rumos Arte Cibernética". O Amigóide é um artefato cilíndrico de 37 cm de altura por 19 cm de diâmetro, contendo em seu interior dispositivos eletrônicos e mecânicos projetados de maneira customizada, sendo que o fluxo de suas ações é coordenado por um micro controlador Arduino. O autômato busca relacionar-se com seres humanos em um ambiente controlado em formato circular. Este relacionamento se dá por seleção randômica, efetivando-se por movimentos, falas sintetizadas e demonstrações do que podemos caracterizar como sentimentos digitais por parte da criatura robótica. Ao selecionar seu par o autômato passa a segui-lo pelo ambiente, com a intenção de travar uma relação de amizade personificada na figura de "Fábio", um ser humano idealizado pela mente robótica. Assim ao aproximar-se de um eminente amigo, o autômato lança perguntas como: "Fábio, quer ser meu amigo?", "Fábio, há quanto tempo" e "Fábio, que tal um chopp?", entre outras. Ao buscar no ambiente controlado por um amigo e não encontrá-lo após um determinado tempo, é emitida a frase, em tom melancólico, "Fábio, cadê você?". Estas frases são acompanhadas por sinais visuais emitidos pelo corpo do autômato, cujo funcionamento é completamente automático e independente de ações humanas. Estes relacionamentos evidenciam a efemeridade que caracteriza muitas das relações contemporâneas e a busca desesperada por amizade, verificável através da proliferação de redes sociais telemáticas, onde a quantidade de relacionamentos acaba por constituir um símbolo de status. Com este projeto pretendemos discutir as novas relações interpessoais que são construídas por meio de mediações simbólicas realizadas por aparelhos computacionais. Palavras-chave: Arte robótica, efemeridade, amizade, mediações simbólicas

1 AMIGÓIDE: AUTÔMATO EM BUSCA DE AMIZADE1 Fabrizio Augusto Poltronieri (Centro Universitário SENAC)2 e Nicolau Centola (Unesp)3 Resumo: O presente artigo tem como objetivo discutir o processo de criação e desenvolvimento do projeto A ig ide, Aut ato e Bus a de A izade , sele io ado e 2009 o p io Itaú Cultural Rumos Arte Ci e ti a . O Amigóide é um artefato cilíndrico de 37 cm de altura por 19 cm de diâmetro, contendo em seu interior dispositivos eletrônicos e mecânicos projetados de maneira customizada, sendo que o fluxo de suas ações é coordenado por um micro controlador Arduino. O autômato busca relacionar-se com seres humanos em um ambiente controlado em formato circular. Este relacionamento se dá por seleção randômica, efetivando-se por movimentos, falas sintetizadas e demonstrações do que podemos caracterizar como sentimentos digitais por parte da criatura robótica. Ao selecionar seu par o autômato passa a segui-lo pelo ambiente, com a intenção de travar uma relação de amizade personificada na figu a de Fá io , u se hu a o idealizado pela e te o ti a. Assi ao ap oxi a -se de um e i e te a igo, o aut ato la ça pe gu tas o o: Fá io, ue se eu a igo? , Fá io, há ua to te po e Fá io, ue tal u hopp? , e t e out as. Ao us a o a ie te o t olado po u a igo e não encontrá-lo ap s u dete i ado te po, e itida a f ase, e to ela li o, Fá io, ad vo ? . Estas f ases são a o pa hadas po si ais visuais e itidos pelo o po do aut ato, cujo funcionamento é completamente automático e independente de ações humanas. Estes relacionamentos evidenciam a efemeridade que caracteriza muitas das relações contemporâneas e a busca desesperada por amizade, verificável através da proliferação de redes sociais telemáticas, onde a quantidade de relacionamentos acaba por constituir um símbolo de status. Com este projeto pretendemos discutir as novas relações interpessoais que são construídas por meio de mediações simbólicas realizadas por aparelhos computacionais. Palavras-chave: Arte robótica, efemeridade, amizade, mediações simbólicas Este artigo busca descrever o desenvolvimento do Amigóide, Autômato em Busca de Amizade, projeto selecionado para o programa Rumos Arte Cibernética do Itaú Cultural em setembro de 2009. Devido aos trâmites legais envolvendo a assinatura do contrato o trabalho efetivo para o desenvolvimento do projeto foi iniciado em janeiro do ano seguinte, tendo durado cerca de um ano. Inicialmente o trabalho foi concentrado na definição do ferramental de hardware e software necessários para a conclusão do projeto. Investigamos a viabilidade de uma combinação de Processing4 com Wiring5, linguagens pensadas como a espinha dorsal do projeto Amigóide, já que a ideia inicial era contar com uma câmera posicionada no centralmente no topo do 1 Artigo apresentado no #11.ART - Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, Brasília, outubro de 2012 Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP com Pós-Doutorado no Royal College of Art, Londres, vem realizando pesquisas sobre o papel do acaso na Arte Computacional. Contato: www.maiszero.org 3 Engenheiro eletrônico graduado pela Unicamp e mestre em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde estudou a instalação Poème Électronique, de Edgard Varèse, Iannis Xenakis e Le Corbusier. Atualmente é doutorando em Artes na Unesp, estudando o acaso na Arte e é professor universitário no curso de graduação em Design de Mídias Digitais na Faculdade Impacta de Tecnologia e na pósgraduação lato sensu Estéticas Tecnológicas na PUC/SP. Contato: www.maiszero.org 4 http://www.processing.org/ 5 http://wiring.org.co/ 2 2 ambiente, ligada a um computador responsável pela análise da imagem, identificação dos interatores no ambiente e movimentação do autômato através de um sistema de comunicação sem fio através de placas XBee6. Essa configuração porém foi logo descartada pois além de envolver uma complexa logística acabaria por descaracterizar o projeto, pensado para a criação de uma estrutura móvel realmente autônoma. Partimos então para o uso do microcontrolador Arduino7, um hardware livre, formado basicamente por um microcontrolador, interface de entrada e saída e programação em linguagem C, com funções baseadas em Wiring. Por ter baixo custo, tamanho reduzido e facilidade de utilização, este tipo de microcontrolador foi selecionado para gerenciar todas as atividades do Amigóide. Por fim, nos ocupamos do complexo método de sensoriamento e decisão sobre a movimentação do autômato. Iniciamos estudos para escolha do método de identificação e mapeamento dos movimentos no ambiente controlado. Tal sistema é fundamental para o sucesso do projeto Amigóide, pois permite ao autômato escolher o interator e a partir daí iniciar os procedimentos de aproximação e interação. Em seguida o foco foi a definição da estrutura física do autômato. O estudo se debruçou em todas as possibilidades de posicionamento espacial para tornar o Amigóide o mais otimizado e autossuficiente possível, considerando três grandes pilares: os componentes físicos, a mobilidade (principalmente a questão do peso total) e a autonomia. Partiu-se do pressuposto que o artefato deve ter necessariamente uma forma cilíndrica, em princípio com 37 cm de altura e no máximo 19 cm de diâmetro. A estrutura externa, montada em uma carapaça de plástico injetado preto, se encaixa, inserindo-se pela sua extremidade inferior, em um endoesqueleto de alumínio. Este endoesqueleto tem a função de sustentação e interligação dos diversos módulos do Amigóide. Definiu-se a seguinte estrutura modular para o Amigóide: 1. Módulo de Deslocamento (MD) – responsável pela movimentação do autômato, ele é formado pelo conjunto de rodas, motor, eixos e engrenagens que permitem o deslocamento em todas as direções no plano horizontal, bem como os sensores de movimento. 2. Módulo de Força (MF) – compreende as baterias recarregáveis de lítio, responsáveis pela alimentação dos diversos componentes do autômato. 3. Módulo de Processamento (MP) – o centro nervoso do Amigóide, formado por um Arduino, responsável pelo controle entre os diversos sistemas e as interfaces de conexão entre os módulos do endoesqueleto. 4. Módulo de Interface (MI) – responsável pelos diversos sistemas de interface humanomáquina: circuito integrado de armazenamento de vozes pré-gravadas, amplificação, alto-falante e LEDs. A relação entre os diferentes módulos do Amigóide pode ser vista no Diagrama 1. 6 http://www.digi.com/products/wireless-wired-embedded-solutions/zigbee-rf-modules/point-multipointrfmodules/xbee-series1-module#overview 7 http://www.arduino.cc/ 3 Diagrama 1: estrutura modular do Amigóide, Autômato em Busca de Amizade O primeiro a ser desenvolvido foi o Módulo de Deslocamento (MD). Por ser fundamental não só para a movimentação do autômato mas também para o sensoriamento de movimento e de cor, pesquisamos módulo robóticos que pudessem embarcar todas as necessidades, chegando a alguns modelos de kits robóticos dedicados a este fim. Fizemos o levantamento dos melhores fornecedores para os componentes eletrônicos necessários, bem como uma análise comparativa das características de cada um. Este levantamento foi feito tanto com distribuidores nacionais quanto com lojas on-line de outros países. Por fim, escolhemos o Robotics Kit - POP-BOT (ATmega168)8, por apresentar uma boa relação custo x benefício e conter no mesmo kit todos os sensores necessários. Complementarmente adquirimos sensores de cor, para obtermos uma resposta mais precisa e acurada do movimento do autômato. Selecionamos, como fornecedor principal para o projeto Amigóide, a loja on-line especializada em produtos eletroeletrônicos Sparkfun9. Mesmo com a taxa de envio e imposto de importação (60% do valor da nota), o distribuidor oferece, além de uma gama bem mais variada de produtos, também preços mais baixos que os praticados no mercado nacional. O envio por Fedex proporcionou uma entrega rápida e eficiente. Ainda no Módulo de Deslocamento (MD), uma questão central foi relacionada ao sensoriamento do ambiente. Inicialmente foi considerada a possibilidade de uso de sensores de ultrassom. Posteriormente pensamos em quatro sensores infravermelhos de proximidade 8 9 http://robosavvy.com/store/product_info.php/products_id/546 http://www.sparkfun.com/ 4 inseridos na base do Amigóide, o que permitiria uma varredura de 360o do ambiente, porém este sistema mostrou-se ineficiente devido às características dos sensores, que acarretavam em pontos cegos não cobertos. Outro problema observado foi o alcance da maioria dos sensores infravermelhos encontrados no mercado, pequeno demais para a demanda necessária. Por fim optamos por um conjunto de servomotor e um sensor infravermelho de proximidade de longo alcance, Sharp modelo GP2Y0A02YK0F10, que efetua varredura de 20 cm até 150 cm. O conjunto, montado na parte superior do Amigóide, possibilita o sensoriamento contínuo de 180o do ambiente controlado, ideal para nossos propósitos. Para evitar colisões com os interatores, definimos uma distância mínima a partir do qual o sensoriamento deixa de ser efetuado e a interação se inicia. Outro ponto a se considerar foi a questão da colisão e/ou possíveis interações com as paredes do espaço controlado. Tal problema foi resolvido com a inserção de dois sensores de cor na parte inferior do autômato e a aplicação de um anel circular preto de 60 cm no espaço expositivo. Ao identificar o preto, o que significa proximidade com a parede, o Amigóide automaticamente gira 180o e retoma o movimento. O Módulo de Processamento (MP), como definido desde o início, foi formado por uma placa de de Arduíno Uno, o último modelo lançado à época. Ele possibilita todas as conexões necessárias entre os outros módulos, bem como o processamento das rotinas de programação. Para compor o Módulo de Interface (MI), responsável pelos sistemas de interface humanomáquina, pensou-se em um sistema de armazenamento e seleção de vozes pré-gravadas, responsável pela atribuição aleatória da fala do Amigóide, a partir de uma biblioteca de frases de interação previamente desenvolvidas e armazenadas em um cartão do tipo miniSD. O circuito por trás das vozes do Amigóide é uma placa MP3 Trigger v2 WIG-0971511, que possibilita o armazenamento e execução de arquivos de áudio no formato MP3. As frases de interação foram gravadas com um software de conversão text to speech a partir de um banco de frases. Para o estágio de amplificação, interligando o circuito de fala ao falante do Amigóide, foi escolhido um módulo de amplificação STA54012, com potência de 38W por canal. Apesar da potência acima do necessário e um tamanho maior que outros circuitos semelhantes, optamos por este modelo pela qualidade sonora e imunidade a ruídos transientes, o que tornou a fala muito mais inteligível e potente. Os LEDs de sinalização foram compostos por cinco anéis, cada um com oito LEDs brancos de alto brilho, dispostos horizontalmente no corpo do Amigóide. Esta grade de luz foi projetada para acender em sincronia com as vozes do autômato. Por fim, o Módulo de Força (MF) consumiu grande parte do trabalho. Tentamos diferentes baterias de íon de Lítio (LiPo), porém obtivemos diversos problemas, principalmente em relação à autonomia do autômato e a ruídos transientes observados entre a relação de movimentação dos motores e o amplificador de áudio. Decidimos então utilizar duas fontes 10 http://www.sparkfun.com/products/8958 http://www.sparkfun.com/products/9715 12 http://www.st.com/internet/imag_video/product/178859.jsp 11 5 LiPo 3S 11.1V 2200mah independentes, uma para os módulos de deslocamento e processamento, e outra para o módulo de interface. Finalmente, após um ano de trabalho intenso, obtivemos o protótipo final do Amigóide, Autômato em Busca de Amizade, que pode ser visto na Figura 1. Figura 1: Amigóide, Autômato em Busca de Amizade em seu ambiente controlado A montagem no espaço expositivo da mostra Rumos Arte Cibernética do Itaú Cultural seguiu as orientações da curadoria do evento, que reservou uma área circular de aproximadamente 32 m2 no segundo subsolo para a instalação (Diagrama 2). Composta por um teto rebaixado com iluminação adequada, a área possuía cerca de 180o de parede rebaixada de aproximadamente 50 cm, o que permitia a visualização por pessoas que estivessem fora do espaço controlado. 6 Diagrama 2: Planta baixa da instalação Amigóide, Autômato em Busca de Amizade Complementarmente à instalação, foi criado um perfil no Facebook (Amigóide Pollard), e foi desenvolvido um aplicativo que, automaticamente, a cada duas horas publicava aleatoriamente no mural do perfil uma das frases de interação. Do mesmo modo, a cada quatro horas o software sorteava um dos amigos e publicava no mural dele, também aleatoriamente, uma das frases de interação. Durante a exposição Rumos Arte Cibernética do Itaú Cultural, ocorrida de 30 de junho a 4 de setembro de 2011, o sucesso do Amigóide, Autômato em Busca de Amizade foi imediato. Principalmente entre as crianças e adolescentes, em uma faixa de idade onde o jogar despretensioso com o artefato tecnológico ainda se dá de uma maneira inocente. As reações foram as mais diversas, de estranhamento à complexidade, passando por diversas formas de tentativa de diálogos mais elaborados do que os previsto inicialmente no projeto.