Universidade de São Paulo
Faculdade de Saúde Pública
VO LU M E 33
N Ú M ERO 2
ABRIL 1999
p. 180-6
Revista de Saúde Pública
Journal of Public Health
33
Agressão física e classe social*
Physical aggression and social class
Reinaldo J. Gianini, Julio Litvoc e José Eluf N eto
Departamento de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Sorocaba, SP - Brasil (RJG), Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. São Paulo, SP - Brasil (JL, JEN)
GIANINI Reinaldo J., Julio Litvoc e José Eluf Neto Agressão física e classe social* Rev. Saúde Pública, 33 (2): 180-6,
1999 www.fsp.usp.br/~rsp
© Copyright Faculdade de Saúde Pública da USP. Proibida a reprodução mesmo que parcial sem a devida autorização do Editor Científico.
Proibida a utilização de matérias para fins comerciais. All rights reserved.
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Rev. Saúde Pública, 33 (2): 180-6, 1999
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Agressão física e classe social*
Physical aggression and social class
Reinaldo J. Gianini, Julio Litvoc e José Eluf N eto
Departamento de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. Sorocaba, SP - Brasil (RJG), Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP - Brasil (JL, JEN)
D escritores
Classe Social.
Violência doméstica.
Estudos de casos e controles.
Resumo
Objetivo
Considerando-se o aumento da violência e a escassez de informações sobre a
relação classe social e vitimização por agressão física, realizou-se estudo com o
objetivo de investigar esta associação.
Métodos
Foi adotado o estudo de caso-controle. Foram incluídos 191 casos de agressão
física e 222 controles selecionados entre os indivíduos com queixas clínicocirúrgicas não violentas, pareados por freqüência aos casos segundo sexo e idade, todos recrutados no período de 1/10/93 a 19/1/95, em pronto-socorro de
Sorocaba, SP, Brasil. Foi aplicado questionário para obtenção de informações
sobre classe social, cor, situação conjugal, hábito de fumar, ingestão de álcool e
uso de drogas ilícitas.
Resultados
Ajustando-se os resultados por sexo, idade e os outros fatores estudados encontrou-se um risco de vitimização por agressão física significantemente maior
para o subproletariado, com “Odds ratio” igual a 3,28 e Intervalo de Confiança
de 95% igual a 1,42-7,59.
Conclusão
Classe social é um fator importante no fenômeno da vitimização por agressão
física, devendo o subproletariado receber atenção especial nas estratégias de
intervenção para o problema.
Keyworks
Social class.
Domestic violence.
Case-control studies.
Abstract
Objective
Considering the increase of violence and the scarcity of informations about the
relation between social class and victimization by physical aggression, a study
was conducted to investigate this association.
Methods
A hospital-based case-control study. Cases and controls were recruited at a hospital, first-aid clinic, from 1/10/93 to 19/1/95. The study included 191 cases and 222
controls selected from among patients with non-violent clinical-surgical com-
Correspondência para/Correspondence to:
Reinaldo J. Gianini- Condomínio Saint James
Rodovia João Leme dos Santos, Km 107,
18052-760 Sorocaba, SP - Brasil
E-mail:
[email protected].
* Baseado na tese de doutorado apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, em 1996. Financiado pelo CENEPI (Centro Nacional de Epidemiologia) da Fundação
Nacional de Saúde e pelo CEPE (Comissão de Ensino, Pesquisa e Extensão da PUC/SP).
Edição subvencionada pela FAPESP (Processo nº 98/13915-5). Recebido em 18.2.1998.
Reapresentado em 21.8.1998. Aprovado em 10.11.1998.
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Agressão física e classe social
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plaints, frequency-matched to cases by sex and age. Using a standardized questionnaire applied by trained interviewers, information obtained included social
class, skin color, marital status, smoking habits, alcohol consumption and illicit
drug use.
Results
Adjusting for sex and age, the risk of victimization by physical aggression was
significantly higher for the subproletariat, Odds Ratio (OR) 4.20, 95% Confidence Interval (95% CI) 1.99-8.84; single (OR=2.10) or informal union
(OR=2.62) as marital status (reference group = married); smokers of more than
10 cigarettes/day (OR=2.75); alcohol consumption (OR=2.08 for # 240 grams/
week and OR=24.05 for >240 grams/week); and illicit drug users (OR=3.07).
After adjusting for all factors studied a significant risk remained for the
subproletariat (OR=3.28, 95% CI 1.42-7.59); single as marital status
(OR=2.05, 95% CI 1.09-3.88); and alcohol consumption (OR=2.01, 95% IC
1.07-3.77 for # 240 and OR=15.93, 95% CI 5.09-49.8 for >240 grams/week).
Conclusion
Social class is an important factor in the phenomenon of victimization by physical aggression, with the subproletariat deserving special attention in the strategies of intervention regarding this problem.
IN TRO D U ÇÃO
M ÉTO D O S
A vitimização por agressão física constitui sério
problema social e de saúde pública e vem aumentando em freqüência e gravidade17. Define-se agressão
como qualquer atitude que tem por intenção ferir ou
ofender outro ser humano que está motivado (decidido) a evitar tal tratamento. Pode ser classificada
mediante três aspectos: física ou verbal, ativa ou passiva, direta ou indireta1.
Realizou-se um estudo caso-controle em Sorocaba,
Brasil. Os casos foram as vítimas de agressão física atendidas no pronto socorro do município. Os controles foram
pacientes atendidos pelo mesmo serviço e pela mesma equipe médica, cujo motivo de atendimento era o acometimento por patologias clínico-cirúrgicas não violentas. Não eram
elegíveis como controles pacientes atendidos por síndrome
da imunodeficiência adquirida, deficiências nutricionais
devido ao alcoolismo, psicose alcoólica, síndrome da dependência do álcool, cirrose, psicose por drogas, dependência ou abuso de drogas ilícitas, causas externas acidentais
ou de natureza ignorada e auto-agressões.
Para cada caso de homicídio estimam-se 100 casos de agressão7. Em inúmeros países e no Brasil os
homicídios têm representado significativa proporção
dos óbitos e têm sido a primeira causa de anos potenciais de vida perdidos23.
Investigações epidemiológicas têm verificado a
associação entre classe social e problemas de saúde22.
O subproletariado, em particular, é apontado como
grupo de risco para a maioria dos problemas de saúde, em especial os materno-infantis, a desnutrição e
doenças infectoparasitárias. Além disso, esses indivíduos são mais expostos a vários fatores de risco, tais
como ingestão de álcool e hábito de fumar9.
A relação entre classe social e violência tem sido
muito investigada no que se refere à mortalidade4,
mas pouco no que se refere à morbidade. Considerando-se o aumento da violência e a escassez de informações sobre a relação entre classe social e vitimização por agressão física, realizou-se o presente
estudo com o objetivo de investigar esta associação.
Os controles foram pareados aos casos por freqüência
segundo sexo e idade (grupos etários com intervalo de 10
anos). Procurou-se incluir como controle o paciente elegível atendido com menor intervalo de tempo após o caso.
Não foram incluídos os casos ou controles que resultaram
em óbito antes do atendimento médico. As reincidências
de casos ou controles também não foram incluídas.
Nos casos e controles foi aplicado um questionário que,
além de classe social, incluiu informações sobre cor, situação conjugal, hábito de fumar, ingestão de álcool e uso de
drogas ilícitas (maconha, cocaína, heroína e “crack”). As
entrevistas foram realizadas por profissionais especialmente
treinados, imediatamente após o atendimento médico, no
pronto-socorro. Estes profissionais entrevistaram proporções semelhantes de casos e de controles. O questionário
era aplicado aos pacientes que estivessem conscientes e
aceitassem participar após informados dos objetivos da pesquisa. Os pacientes eram cientificados de que em hipótese
alguma a polícia teria acesso às informações prestadas por
eles ao entrevistador. Para os pacientes inconscientes, ou
em estado confusional, o entrevistador tentava obter os dados a partir de familiares ou acompanhantes.
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Como o estudo foi desenvolvido em um serviço público de saúde, com clientela predominantemente proletária,
casos e controles foram recrutados apenas no período noturno, nos fins de semana e nos feriados. Nessas ocasiões,
outras opções de assistência médica são mais escassas. Com
este procedimento procurou-se aumentar o número de indivíduos pertencentes a outras classes ou frações.
Para operacionalizar a variável classe social, utilizou-se a classificação de Bronfman e Tuíran6 , que empregam o conceito de classe social atendo-se à instância
econômica, considerando quatro dimensões: a posição
que o indivíduo ocupa em um sistema de produção historicamente determinado, sua relação com os meios de
produção, seu papel na organização social do trabalho e
a magnitude e a forma de apropriar-se da parte da riqueza social de que dispõe. Assim, têm-se duas classes fundamentais, burguesia e proletariado, e suas frações, pequena burguesia tradicional, nova pequena burguesia,
proletariado típico e não típico, e subproletariado 10. O
subproletariado é representado por agentes sociais que
desempenham uma atividade predominantemente não
assalariada, em geral instável, com a qual são obtidos
rendimentos inferiores ao custo mínimo da reprodução
da força de trabalho15. Os indivíduos foram classificados
segundo as características do principal responsável econômico pelo núcleo familiar.
Os menores de 13 anos não foram classificados no que
se referia ao hábito de fumar, ingestão de álcool e uso de
drogas ilícitas, e os menores de 18 anos no que se referia à
situação conjugal. Quanto ao hábito de fumar, os indivíduos foram classificados em três categorias (não fumante,
fumante de até 10 cigarros/dia, e fumante de mais de 10
cigarros/dia). Os ex-fumantes foram incluídos na categoria
de não-fumantes. Quanto à ingestão de álcool, os indivíduos foram classificados segundo a quantidade em gramas
de álcool contida nas bebidas ingeridas por semana (até 240
gramas, mais de 240 gramas e não-consumidores).
Os dados coletados eram recolhidos mensalmente e
realizada uma revisão junto aos entrevistadores, com a
verificação da consistência e da taxa de sem resposta de
cada questionário. Os dados levantados eram passados para
uma planilha codificada e a seguir digitados duas vezes,
criando-se dois bancos de dados independentes, os quais
posteriormente foram comparados para eliminar os erros
de digitação.
Para estimar os riscos de vitimização por agressão física associados com os fatores estudados, foram calculados os “Odds ratios” (OR) e intervalos de confiança de
95% (IC 95%), considerando-se a vitimização por agressão física como variável dependente e os diversos fatores
como variáveis independentes. A análise estatística utilizada foi a regressão logística não condicional5 . Calculouse o OR e o IC 95% de vitimização por agressão física
para cada fator ajustando-se primeiramente por sexo e idade. Posteriormente foram incluídos todos os outros fatores estudados para avaliar o efeito independente de cada
variável.
RESULTADOS
Inicialmente foram recrutados 195 casos e 237
controles, entre 1/10/93 e 19/1/95. Duas reincidências de casos e uma reincidência de controle não foram incluídas. Dos casos elegíveis, quatro se recusaram a participar; dos controles considerados elegíveis, 10 foram identificados posteriormente como
efeitos tardios de lesões acidentais (portanto não elegíveis) e cinco se recusaram a participar da pesquisa. Foram portanto incluídos no estudo 191 casos e
222 controles. Entre os casos predominaram ferimentos na cabeça, pescoço ou tronco, nos membros superiores e lesões superficiais. Entre os controles predominaram pacientes com diagnóstico de doenças
do aparelho respiratório (70); sintomas, sinais e
afecções maldefinidas (54); doenças do aparelho
genito-urinário (21); doenças do aparelho digestivo
(20); doenças do aparelho circulatório (20) e doenças infecciosas e parasitárias (12). Em 32 casos e 30
controles os entrevistadores obtiveram os dados a
partir de familiares ou acompanhantes.
Tabela 1 - Distribuição de casos e controles segundo cor e situação conjugal e “ Odds ratios” (OR) associado de vitimização
por agressão física.
Fator
Cor
Branco
Negro/mestiço com negro
Situação conjugal**
Casado
Viúvo
União informal
Separado
Solteiro
Casos
Controles
Or*
IC 95%
144
47
183
39
1,00
1,53
0,94-2,48
50
2
30
8
79
84
3
22
12
73
1,00
0,94
2,62
1,12
2,10
0,15-5,93
1,33-5,18
0,43-2,94
1,21-3,64
* Ajustado por categorias de sexo e idade.
** Não classificados 21 casos e 28 controles menores de 18 anos e dado ignorado para 1 caso.
IC - Intervalo de confiança.
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Tabela 2 - Distribuição de casos e controles segundo hábito de fumar, ingestão de álcool e uso de drogas ilícitas e “ Odds
ratio” associado de vitimização por agressão física*.
Fator
Hábito de fumar***
Não-fumantes
Fumante até 10 cig./dia
Fumante mais de 10 cig./dia
Ingestão de álcool****
Não consome
Até 240 g/semana
Mais de 240 g/semana
Uso de drogas ilícitas*****
Não-usuário
Usuário
*
**
***
****
*****
Casos
Controles
OR**
IC 95%
78
34
68
123
40
41
1,00
1,33
2,75
0,77-2,30
1,67-4,52
33
104
33
74
124
4
1,00
2,08
24,05
1,24-3,51
8,41-68,8
155
23
193
9
1,00
3,07
1,37-6,88
Não classificados 4 casos e 16 controles menores de 13 anos.
Ajustado por categorias de sexo e idade.
Dados ignorados para 7 casos e 2 controles.
Dados ignorados para 17 casos e 4 controles.
Dados ignorados para 9 casos e 4 controles.
A média e a mediana de idade dos casos (28,8 e
26,0 anos, respectivamente) e dos controles (29,0 e
27,0 anos, respectivamente) foram semelhantes. A
proporção de indivíduos do sexo masculino entre os
casos (74%) foi similar à dos controles (71%).
Não se verificou associação significante de vitimização por agressão física com a cor (Tabela 1).
Comparados a indivíduos casados, indivíduos com
uniões informais (OR 2,62, IC 95% 1,33-5,18) e solteiros (OR 2,10, IC 95% 1,21-3,64), ambos com resultados ajustados por sexo e idade, apresentaram risco aumentado de vitimização por agressão física (Tabela 1).
No que se refere ao tabagismo, os fumantes de
mais de 10 cigarros por dia apresentaram maior risco de vitimização por agressão física, OR 2,75, IC
95% 1,67-4,52 (Tabela 2).
A ingestão de álcool também esteve associada
significantemente com a vitimização por agressão
física, com risco crescente segundo a quantidade
ingerida por semana. Os indivíduos que relataram
consumo superior a 240 g/semana apresentaram risco especialmente elevado (OR ajustado por sexo e
idade 24,05, IC 95% 8,41-68,8) (Tabela 2).
Relataram uso de drogas ilícitas 23 (12,9%) casos e nove (4,5%) controles, tendo predominado o
uso de maconha. Isto resultou em um risco aumentado de vitimização por agressão física (Tabela 2).
Quanto à classe social e suas frações, nenhum
dos indivíduos incluídos no estudo pertencia à burguesia. Como apenas cinco casos e nove controles
eram pertencentes à nova pequena burguesia, esses
indivíduos e aqueles de pequena burguesia tradicional foram agrupados na categoria pequena burguesia. Portanto, na análise mostrada na Tabela 3, os
participantes foram classificados em quatro categorias: pequena burguesia, proletariado não típico,
proletariado típico e subproletariado. Quando comparados à pequena burguesia, o proletariado não típico e o típico não apresentaram riscos estatisticamente significantes. Já o subproletariado apresentou risco aumentado de vitimização por agressão
física (OR ajustado por sexo e idade 4,20, IC 95%
1,99-8,84).
Para avaliar a contribuição independente de cada
variável, todos os fatores analisados anteriormente,
além de sexo e idade, foram incluídos no modelo
final (Tabela 4).
Tabela 3 - Distribuição de casos e controles segundo classe social e frações e “ Odds ratio” associado de vitimização por
agressão física.
Classe social e frações*
Casos
Controles
OR**
IC 95%
Pequena burguesia***
Proletariado não típico
Proletariado típico
Subproletariado
22
47
60
54
36
93
66
22
1,00
0,81
1,47
4,20
0,43-1,55
0,77-2,80
1,99-8,84
* Dados ignorados para 8 casos e 5 controles.
** Ajustado por categorias de sexo e idade.
*** Nova pequena burguesia e pequena burguesia tradicional.
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Tabela 4 - Distribuição de casos e controles segundo os fatores estudados e “ Odds ratio” associado de vitimização por
agressão física (modelo final).
Fator*
Classe social
Pequena burguesia***
Proletariado não típico
Proletariado típico
Subproletariado
Situação conjugal
Casado
Viúvo
União informal
Separado
Solteiro
Cor
Branco
Negro ou mestiço com negro
Hábito de fumar
Não-fumante
Fumante de até 10 cigarros/dia
Fumante de mais de 10 cigarros/dia
Ingestão de álcool
Não consome
Até 240 gramas/semana
Mais de 240 gramas/semana
Uso de drogas ilícitas
Não-usuário
Usuário
Casos
Controles
OR**
IC 95%
19
38
56
47
29
83
55
20
1,00
0,79
1,70
3,28
0,38-1,66
0,81-3,57
1,42-7,59
48
2
29
8
73
80
3
22
12
70
1,00
0,70
2,03
0,68
2,05
0,00-6,82
0,95-4,36
0,23-2,04
1,09-3,88
122
38
155
32
1,00
0,90
0,48-1,66
64
31
65
107
40
40
1,00
0,96
1,65
0,52-1,77
0,93-2,93
23
97
40
61
121
5
1,00
2,01
15,93
1,07-3,77
5,09-49,8
140
20
179
8
1,00
1,69
0,67-4,28
* 31 casos e 35 controles não incluídos por não terem sido classificados ou por apresentarem dados ignorados para uma ou mais variáveis.
** Ajustado por sexo, idade e os outros fatores mostrados na Tabela.
*** Nova pequena burguesia e pequena burguesia tradicional.
Os OR associados ao uso de drogas ilícitas e ao
consumo superior a 10 cigarros/dia diminuíram e não
foram mais estatisticamente significantes. Quanto à
situação conjugal, somente os indivíduos solteiros
continuaram com risco significante (OR 2,05, IC 95%
1,09-3,88). As duas categorias de ingestão de álcool
permaneceram com risco aumentado. Apesar da redução, a associação com ingestão superior a 240 g/
semana persistiu intensa (OR 15,93, IC 95% 5,0949,8). Após controlar por diversas variáveis, os indivíduos do subproletariado apresentaram risco de vitimização superior a três (OR 3,28, IC 95% 1,427,59). Os riscos do proletariado típico e não típico
continuaram não diferindo de modo significante daquele da pequena burguesia.
Analisando o modelo final, as variáveis que mais
contribuíram para a redução do OR de união informal, hábito de fumar e uso de drogas ilícitas foram
classe social e ingestão de álcool. A associação entre estas duas variáveis explica em grande parte a
redução observada no risco do subproletariado e dos
indivíduos que ingeriam mais de 240 g de álcool por
semana.
D ISCU SSÃO
Os resultados obtidos mostram risco aumentado
de vitimização por agressão física nos indivíduos
pertencentes ao subproletariado. Esse risco manteve-se significante mesmo após controle por diversas
variáveis. A redução observada no OR do subproletariado foi devida principalmente a confundimento
pela variável ingestão de álcool. Black et al. 4 também relataram maior consumo de álcool em indivíduos com ocupações menos qualificadas.
Os resultados sobre ingestão de álcool são consistentes com a literatura no que se refere à vitimização por agressão física8,14 . Segundo Cherpitel e
Kosovsky8, esse risco aumentado ocorre também em
bebedores moderados ou eventuais, e não somente
em bebedores abusivos ou regulares. A explicação
largamente aceita e conhecida para o fenômeno é a
ação farmacológica do álcool sobre o sistema nervoso central.
Quanto à cor, o fato de não se ter encontrado associação reforça a hipótese de que a questão é econômica e não racial. Cesare et al. 7 encontram risco
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maior nos negros, porém ajustando por classe social
a diferença não se mantém.
Considerando a situação conjugal, riscos maiores têm sido encontrados para homens solteiros e
separados, e para mulheres com uniões informais. O
risco aumentado nos solteiros tem sido atribuído a
maior freqüência de saídas noturnas e hábitos solitários, enquanto o risco aumentado nas uniões informais está no fato de serem muitas vezes conflituosas
e instáveis3,20.
Em relação ao hábito de fumar, apesar de Garrison
et al.11 relatarem maior risco para os fumantes, a associação é fraca. A ação simpaticomimética da nicotina e a associação de classe social com o hábito de
fumar têm sido apontadas como possíveis razões.
Para as drogas ilícitas, Valois et al.24 descrevem
riscos maiores nos usuários. Hall et al.12 defendem
que isto decorre principalmente das condições socioeconômicas. A ação farmacológica sobre o sistema
nervoso central exercida pela maconha é mais fraca
do que pela cocaína ou heroína12. Além disso, as ações
são diferentes. O pequeno número de indivíduos com
história de uso de drogas ilícitas, na presente investigação, impediu a avaliação do risco associado ao
uso específico de cada droga.
A técnica de entrevistar casos e controles no pronto-socorro, imediatamente após o atendimento médico, tem sido recomendada por ser mais sensível,
favorecer a confidencialidade e permitir informações
mais confiáveis do que as fichas policiais16.
As reduzidas taxas de recusa e de sem resposta
no presente estudo fortalecem a validade dos resultados encontrados. Além disso, os entrevistadores
receberam treinamento adequado antes do início da
coleta e participaram durante todo o período do trabalho de campo.
Por se tratar de um estudo caso-controle de base
hospitalar, sabe-se que os resultados podem ser expressão do que ocorre na clientela do serviço, e não
necessariamente do que ocorre na população. Assim, no que se refere à classe social, mesmo restringindo o recrutamento ao período noturno, fins
de semana e feriados, não se observou entre casos e
controles nenhum indivíduo da burguesia propriamente dita, quando na literatura consultada varia
de 0 a 2%2,6,9,10,15.
Os resultados obtidos quanto à classe social são
consistentes com a literatura. Diversos autores têm
encontrado risco aumentado de mortalidade por homicídio para indivíduos de grupos sociais de menor renda21, com ocupações não qualificadas 13, residentes em áreas de piores condições socioeconômicas19, e risco aumentado de agressões físicas em
desempregados7. O fato de esse risco aumentado ter
sido encontrado apenas no subproletariado reforça
e mostra mais uma faceta de sua situação extremamente crítica em nossa sociedade: vende sua força
de trabalho braçal, não qualificada e pouco valorizada; freqüentemente é alijado do sistema produtivo ficando desempregado; trabalha em setores não
fundamentais; raramente recebe o suficiente para
sobreviver e se reproduzir; depende de políticas
públicas; freqüentemente é excluído do processo
social; tem ocupações de fácil substituição; tem vínculo empregatício instável e representa o exército
de reserva da força de trabalho10,15 . Emocionalmente é submetido a uma condição de vida que o afeta
quanto à auto-estima que muitas vezes pode produzir depressão, estresse e ansiedade. Cognitivamente
ignora sua vulnerabilidade e a gravidade de determinadas atitudes de risco, assim como as medidas
de prevenção. Tudo isto resulta em autonomia limitada, nível de responsabilidade diminuído, autocontrole precário e maior exposição a diversos fatores de risco18.
Em conclusão, os resultados mostraram associação entre classe social e o risco de vitimização por
agressão física mesmo após controlar por diversas
variáveis potencialmente confundidoras. O risco aumentado restringiu-se ao subproletariado, indicando
que os indivíduos pertencentes a esta fração de classe deveriam receber especial atenção nas estratégias
de intervenção para o problema.
AGRADECIMENTOS
Aos professores Guilherme R. Silva e Moisés
Goldbaum, da Faculdade de Medicina da USP;
Chester L. G. Cesar, da Faculdade de Saúde Pública
da USP; Rita C. B. Barata, da Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo, e Edith S. Silva, da Fundação Getúlio Vargas, pelos comentários
e sugestões.
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