Artigo publicado em: 02/07/2012
Subvertendo a cartografia escolar no Brasil
Subverting the cartography school in Brazil
Subvertir la cartografía escolar en Brasil
Jörn Seemann
Doutor em Geografia
Departamento de Geociências
Universidade Regional do Cariri
e-mail:
[email protected]
Resumo
O presente artigo apresenta idéias sobre como repensar a cartografia para a escola. Aportes filosóficos
e teóricos para uma cartografia crítica na prática são propostos. O exemplo da arte com mapas é usado como ponto de partida para refletir sobre novos caminhos na disciplina. Essa abordagem alternativa
do estudo de mapas é ilustrado através de diversos exemplos da sala de aula (exercícios com mapas
mentais, imagens na internet e a leitura crítica de livros didáticos de geografia). Argumenta-se que a
cartografia não serve apenas para fazer a guerra, mas também para formar cidadãos.
Palavras-chave: cartografia crítica; mapas na arte; cartografia na sala de aula.
Revista Geografares, n°12, p.138-174, Julho, 2012
ISSN 2175 -370
Subvertendo a cartografia escolar no Brasil
Seemann, J.
Abstract
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This article presents ideas about how to rethink cartography in school settings. Philosophical and
theoretical principles for a critical cartography in practice are proposed. The example of map art is
used as a starting point to reflect on new directions in the field. This alternative approach for the
study of maps is illustrated by several examples from the classroom (exercises with mental maps,
internet images, and the critical reading of geography textbooks). The main argument is that cartography does not only serve to make war, but also to form citizens.
Keywords: critical cartography; map art; cartography in the classroom.
Resumen
Este artículo presenta algunas ideas acerca de cómo repensar la cartografía en el medio escolar. Los
principios filosóficos y teóricos para una cartografía crítica, en la práctica se proponen. El ejemplo de
mapa en la arte se utiliza como punto de partida para reflejar en nuevas direcciones en el campo.
Este enfoque alternativo para el estudio de los mapas se ilustra con varios ejemplos de la sala de aula
(ejercicios con mapas mentales, imágenes de Internet y la lectura crítica de los manuales de geografía). El principal argumento es que la cartografía no sólo sirve para hacer la guerra, sino también para
formar ciudadanos.
Palabras clave: cartografía crítica; mapa en la arte; la cartografía en la sala de aula.
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do poder utilizavam para classificar o compor-
Introdução
tamento não-conformista dos que deveriam
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O que são “cartografias subversivas”? No Bra-
seguir as regras e leis do governo autoritário.
sil, o termo “subversão” tem uma conotação
No contexto da cartografia, subversão
extremamente política e é frequentemente as-
implica uma ideia crítica sobre o modelo nor-
sociado ao regime militar que – de acordo com
mativo da disciplina que é geralmente consi-
o Ato Institucional Número Cinco (AI-5) de 13
derada como uma ciência exata baseada em
de dezembro de 1968 – não media forças “no
fatos objetivos, cálculos, medições e conven-
combate à subversão e às ideologias contrá-
ções (Harley, 1989). A produção de mapas se
rias às tradições de nosso povo, na luta contra
realiza de acordo com essas regras que defi-
a corrupção”. No Michaelis Moderno Dicionário
nem procedimentos, métodos e práticas. Nes-
da Língua Portuguesa, “subversão” é definida
te sentido, subverter a cartografia significa
como “ato ou efeito de destruir ou perturbar;
questionar e desafiar a visão (pre)dominante
insubordinação, revolta contra a autoridade ou
(e às vezes excludente) sobre o fazer carto-
contra as instituições” ou até como “perversão
grafia e procurar formas alternativas de repre-
moral”
sentar espaços, lugares e territórios.
(http://michaelis.uol.com.br/moder-
no/portugues/index.php). Na sua essência, a
O geógrafo britânico David Pinder (1996)
palavra tem um sentido negativo no Brasil de
afirma que essa abordagem não se preocupa
hoje e não representa o ponto de vista dos
com convenções cartográficas ou como ma-
que são “subversivos”, mas das autoridades
pas têm sido utilizados estrategicamente para
que visam suprimir “atividades subversivas”.
o exercício de poder e o controle sobre o es-
Em outras palavras, é um termo que os donos
paço, mas representa uma postura contra a
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cartografia “oficial”, literalmente para “contra-
produzir outros mapas e formas subversivas
riar” as maneiras tradicionais de fazer, ver e
da cartografia” (Pinder, 1996, p.406, tradução
ler mapas. Para Pinder, existem basicamente
minha). Para enfatizar a pluralidade de pen-
duas estratégias de se opor às representações
samentos nesse debate, usarei a forma “car-
cartográficas dominantes. A primeira é a rejei-
tografias subversivas” e não a expressão no
ção total de qualquer tipo de mapa ou produto
singular.
cartográfico o que resultará na criação de ou-
Sob essa premissa, este artigo tem como
tras formas de ver e experimentar o espaço
objetivo refletir sobre possíveis “cartografias
nas quais os mapas são excluídos. O segundo
subversivas” no ambiente escolar. A pergun-
caminho é a utilização dos próprios métodos,
ta central das minhas reflexões é como sub-
recursos e práticas empregados na cartografia
verter as convenções cartográficas e estimular
para pensar como mapas existentes poderiam
projetos alternativos e criativos para profes-
ser “re-usados, refeitos, (re)virados ou rom-
sores escolares e seus alunos. Para essa fina-
pidos para abrir novas possibilidades sociais
lidade, dividi o texto em três partes. Primeiro,
e políticas” (Pinder, 1996, p.406). Trata-se de
apresento algumas idéias fundamentais e ba-
uma busca por formas diferentes de mapea-
ses filosóficas e epistemológicas que norteiam
mento que se baseiam em valores, desejos
essa crítica da razão cartográfica. Em seguida,
e necessidades diferentes e que desafiam o
discuto o uso de elementos cartográficos em
status quo da disciplina. Em outras palavras,
obras de arte como exemplo de subversão. Na
“subverter a cartografia (...) implica não ape-
última parte, utilizo essas informações para
nas tentativas de subverter mapas e conven-
apresentar sugestões para estratégias subver-
ções cartográficas existentes, mas também de
sivas na sala de aula.
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Vale salientar que essas cartografias
óricas da disciplina que definem o que é um
subversivas não devem ser vistas como um
mapa e que não é e uma reflexão sobre o “fa-
novo paradigma para a “ciência e arte de fa-
zer cartografia” que diz respeito às práticas
zer mapas”, mas como maneiras alternativas e
cartográficas.
complementares de repensar representações
Inicialmente, deve-se perguntar em que
cartográficas (Dodge, Perkins e Kitchin, 2009).
consiste uma atitude crítica. O geógrafo Jere-
Ao discutir essas práticas, minha intenção não
my Crampton (2009, p.16) menciona pelo me-
é atacar, sabotear e corromper a cartografia
nos quatro princípios que fazem parte dessa
oficial e criar uma “guerrilha cartográfica”,
crítica cartográfica. Primeiro, é preciso ques-
mas mostrar essa “aventura cartográfica” (Se-
tionar as bases dos conhecimentos e saberes
emann, 2006a) como construção sociocultural
cartográficos que determinam a produção e o
pluralista e multivocal. Também não posso ne-
uso de mapas e que frequentemente são da-
gar que essas ideias estão implicitamente re-
dos como fatos consumados que não precisam
lacionadas com as minhas próprias pesquisas
ser analisados. Segundo, qualquer conheci-
como geógrafo cultural, formador de professo-
mento sobre a cartografia deve ser situado
res de geografia e docente na área de carto-
no contexto da sociedade e do tempo em que
grafia.
foi concebido e aplicado. Por exemplo, mapas medievais só podem ser completamente
compreendidos quando são inseridos no pen-
Cartografia Crítica
samento místico-religioso daquela época, enUma crítica à cartografia engloba pelo menos
quanto cartas náuticas espanholas da Era dos
duas dimensões: uma revisão das bases te-
Descobrimentos devem ser lidas no contexto
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das políticas de sigilo da coroa hispânica. As-
filósofo francês Michel Foucault (2008), essa
sim, como terceiro princípio, as relações entre
crítica pode ser considerada uma “arqueologia
poder e conhecimento precisam ser reveladas.
do saber”, na qual o propósito não é dizer que
Isso inclui perguntas sobre a autoria e a pro-
os conhecimentos cartográficos “não são ver-
dução dos mapas e os motivos para a inclusão
dades, mas que a verdade do conhecimento se
ou exclusão de informações. O quarto e último
estabelece sob condições que tem muito a ver
aspecto diz respeito ao questionamento das
com o poder. Por isso, crítica é uma política do
concepções da disciplina e dos mapas. A aná-
conhecimento” (Crampton, 2009, p. 16, tradu-
lise crítica das nossas próprias práticas carto-
ção minha, ênfase no original).
gráficas pode resultar em uma reformulação
Seria uma tentação estabelecer paralelos entre a cartografia crítica e a trajetória da
dos nossos princípios.
Desta maneira, a crítica cartográfica não
geografia crítica no Brasil. Portanto, isso exigi-
visa deflagrar mapas “ruins” ou fazer propostas
ria uma análise minuciosa do movimento crí-
para mapas “melhores”, mas procura descons-
tico na disciplina desde a década de 60 para
truir os pressupostos da cartografia como ci-
poder gerar um retrato das relações entre os
ência, disciplina acadêmica e área profissional
geógrafos brasileiros e os mapas. Um estudo
(Wood, 2010, p.120). Trata-se de uma releitura
que abordaria esse tema ainda está a ser feito.
dos conceitos e princípios cartográficos (esca-
O geógrafo francês Yves Lacoste (1997)
la, projeção e simbologia) e como essas ideias
é frequentemente citado como porta-voz des-
e categorias surgiram e se consolidaram, com
sa atitude cautelosa acerca dos mapas e seus
o intuito de pensar em possibilidades alterna-
“defeitos”. Para Lacoste, mapas “são as repre-
tivas (Crampton e Krygier, 2006). Aludindo ao
sentações geográficas por excelência, mas não
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é possível considerar que elas [as cartas] são o
panfletário, que pouco auxiliou para a cons-
reflexo, o espelho ou a fotografia da realidade”
trução de um cidadão pleno” (Katuta, 2002,
(Lacoste, 1997, p.211-212). Mapas represen-
p.137).
tam a realidade, mas eles não são a realidade.
Parecia que o mapa era um assunto tão
No Brasil, os geógrafos críticos marxistas des-
“quente” que os geógrafos preferiam descartar
confiavam dos mapas como instrumentos de
o seu uso no exercício da sua militância, por-
controle e poder das autoridades nas configu-
que eles o associavam às autoridades e o iden-
rações do estado-nação. Eles acusavam a fun-
tificavam como símbolo ou emblema naciona-
ção ideológica e manipuladora dos mapas que
lista. Havia uma preocupação com os mapas,
se tornavam o símbolo da geografia tradicional
mas os geógrafos não sabiam como utilizá-los
ultrapassada. Portanto, a crítica se limitava à
nos seus projetos. Milton Santos, um dos ge-
rejeição da cartografia como um instrumento
ógrafos brasileiros mais importantes do século
de controle e opressão. As máscaras dos ma-
XX, estava consciente da ambiguidade da car-
pas como distorções ou falsificações da reali-
tografia e chegou à conclusão de que
dade foram desvendadas, mas não havia contrapropostas de como utilizar os mapas como
recursos de protesto, subversão e resistência.
Talvez seja ousado demais dizer que a geografia brasileira nos anos 70 se tornou “uma disciplina cuja preocupação maior era de militância
de alguns partidos políticos da esquerda, contribuindo para a proliferação de um discurso
[A] cartografia é uma representação. Então há a
possibilidade de uma escolha. Num livrinho, meu
ilustrador pôs o mundo de cabeça para baixo, sugerindo que era o Sul que estava em cima. E o
editor, sem desejar perturbar, desobedecer à sugestão do arquiteto que bolou a ideia, pôs a representação costumeira. Porque a cartografia
tem essa ideia de criar um costume, um hábito
de viver que tem consequências políticas (Santos,
1998, p.2).
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Na geografia brasileira dos anos 70 e 80,
como Michel Foucault, Jacques Derrida e Gilles
havia uma base filosófica e teórica consolidada
Deleuze. Eles conceberam mapas como tex-
para deflagrar a injustiça social e transformar
tos que precisavam ser lidos nos contextos da
o espaço geográfico no país, mas não para re-
sociedade em que foram produzidos para ler
pensar e subverter mapas. Com o surgimen-
entre as “linhas” das suas imagens e encontrar
to de diversos “ismos” com o prefixo “pós”
“ambivalências inerentes, agendas escondidas
(pós-modernismo,
pós-
e visões de mundo contrastantes” (Harley,
-marxismo e pós-colonismos entre outros) e
1990, p.4). Para esses geógrafos, mapas não
o fortalecimento de teorias feministas, queer
reproduziam, mas construíam mundos, mas-
e étnicas foi criada uma plataforma teórica di-
caravam os interesses atrás deles e naturali-
versificada que permitiu a reaproximação en-
zavam a realidade (Wood, 1992).
pós-estruturalismo,
tre o mapa e a geografia. Essa nova situação
Sob essa perspectiva, o mapa se tornou
abriu o caminho para fazer o segundo passo
uma espécie de chave de acesso para estu-
na crítica cartográfica que ainda está faltando
dar “enredos” cartográficos e revelar contex-
na geografia brasileira: a elaboração de prá-
tos econômicos, políticos e socioculturais im-
ticas que mostrariam essa “nova cartografia”
portantes atrás da representação no papel.
em ação.
Desta maneira, o estudo dos mapas pode ser
Nos anos 80 surgiram propostas para re-
considerado um campo das ciências sociais,
pensar a cartografia à luz de teorias sociais
enquanto a cartografia seria vista como um
críticas. Foram os geógrafos que começaram a
conjunto complexo de elementos culturais ou
analisar a disciplina cartográfica, os mapas e
como “tradições cartográficas” em uma deter-
os cartógrafos sob a ótica de filósofos críticos
minada sociedade em um determinado perío-
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do. Neste contexto, vários autores dessa “nova
Para ter uma ideia mais concreta dessa
cartografia” (Harley, 1991) se apropriaram do
abordagem cultural sobre a cartografia, Dod-
conceito de genealogia do filósofo francês Mi-
ge, Perkins e Kitchin (2009) elaboraram um
chel Foucault. Originalmente, o termo era usa-
“manifesto para o estudo de mapas” que se
do para descrever o estudo de traçar a árvore
baseia em três aspectos: modos, métodos e
genealógica de uma família do passado lon-
momentos. “Modos” se referem às formas al-
gínquo até o presente. Aplicando-se essa ideia
ternativas de pensamento através da história
à cartografia, trata-se de uma “genealogia do
da cartografia e das práticas contemporâneas
mapa e seu papel social” (Pickles, 2004, p.19)
e englobam mapas nas telas de computado-
que visa investigar as “maneiras em que ma-
res, a inserção da cartografia no contexto de
peamentos e o olhar cartográfico têm codifica-
cultura visual em geral, as questões de autoria
do sujeitos e produzido identidades” (p.12) e
e as infraestruturas institucionais na produção
como categorias e princípios cartográficos se
de mapas. O termo “métodos” diz respeito à
estabeleceram no discurso científico, nas insti-
criação de estratégias de pesquisa para estu-
tuições e no saber popular. Há uma tendência
dar práticas e contextos na cartografia como
de questionar a ideia do mapa como uma mera
as diferenças entre mapas virtuais/digitais e
representação do espaço. Longe de serem es-
materiais, a economia política da produção de
pelhos da realidade, mapas podem ser propó-
mapas e os aspectos emocionais e etnográ-
sitos (Wood e Fels, 2008), inscrições (Pickles,
ficos de mapeamentos. Finalmente, “momen-
2004) ou processos em criação constante que
tos” são eventos, incidentes ou acidentes que
resultam de práticas culturais (Kitchin e Dod-
contribuíram para a compreensão de práticas
ge, 2007).
de mapeamento e que precisam ser estuda-
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dos em detalhe. Essas “histórias” podem ser
gares, bairros e cidades (Perkins, 2007), atlas
momentos de fracasso (por exemplo, quando
indígenas (Harrington e Stevenson, 2005),
algo deu errado durante a produção de ma-
SIGs participativos (Elwood, 2006) e projetos
pas), mudança, memória ou criatividade.
de arte com mapas (Harmon, 2009) são ape-
Todas essas abordagens têm um aspec-
nas alguns exemplos de como os mapas po-
to em comum: eles não concebem os mapas
deriam ser empregados no cotidiano urbano,
como produtos, mas como processos (Runds-
como protesto político ou como expressão de
trom, 1989; Seemann, 2002), algo em mo-
emoções. Essa visão alternativa da cartografia
vimento, dinâmico, quase vivo, contestado e
abre espaço para uma nova agenda de pesqui-
disputado. Desta maneira, o mapa pode se li-
sa que não se restringe ao ambiente acadêmi-
vrar da sua imagem como produto estático e
co, mas que também permeia o cotidiano.
imutável. Mapas se tornam mapeamentos que
são processos políticos nos quais tomadas de
decisões não se realizam exclusivamente de
cima para baixo. Essas ações também podem
partir da comunidade de base e garantir a democratização dos recursos cartográficos, o empowerment (fortalecimento e emancipação) de
grupos marginalizados e mapeamentos alternativos da realidade que desafiam a “solução
única” frequentemente proposta pelos mapas
“oficiais”. Projetos comunitários de mapear lu-
A arte de subverter mapas
A arte é um campo de subversão cartográfica
aplicada por excelência porque não se baseia
em convenções nem obedece a um rigor de
formas e conteúdos. Os artistas não precisam
seguir regras para produzir suas obras e expressar suas ideias. Fazer arte com mapas é
um ato criativo mais descontraído, subjetivo
e ousado de representar o mundo sem muita
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preocupação com os aspectos formais.
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artografia”? O geógrafo americano Denis Wood
Com as suas obras, os artistas não pro-
(2006b) elaborou uma lista de mais do que
curam rejeitar os mapas, mas a sua autorida-
200 nomes de artistas que incluem elementos
de como maneira verdadeira, exata e única de
cartográficos nas suas obras ou usam o espaço
representar a realidade (Wood, 2006a, p.10).
como cenário da sua produção, enquanto Ka-
É um ato de subversão, porque os artistas
therine Harmon (2009) compilou um catálogo
intencionalmente ignoram os limites que os
com 350 obras de arte cartográfica de mais
cartógrafos estabeleceram para distinguir os
do que 130 artistas para mostrar que o mapa
seus modos de comunicação visual de outras
se tornou um tema preferido na arte. Não há
formas gráficas. A arte cartográfica aponta
limites para a criatividade, forma de expres-
para mundos que são diferentes daqueles ma-
são ou escolha de tema. Os artistas expres-
peados pela cartografia oficial (Wood, 2006a,
sam as suas ideias como earth art (também
p.10). Em outras palavras,
chamado de land art – uma forma de arte na
“[e]xiste um motivo tão maleável, tão rico para
ser apropriado como os mapas? Eles [os mapas]
podem servir como atalhos para metáforas prontas: procurando localidades e experimentando
deslocamento, trazendo ordem ao caos, explorando relações de escala, mapeando novos terrenos.
Mapas agem como pano de fundo para declarações sobre fronteiras politicamente impostas, territorialidades e outras ideias de poder e projeção”
(Harmon, 2009, p.9, tradução minha).
qual o ambiente ou a paisagem local são in-
Como fazer cartografia com arte ou “(c)
visuais dos mapas para estabelecer conexões
tegrados na obra artística), arte conceptual,
arte de instalação, performances artísticas,
videoarte, ciberarte e muitos outros modos.
Basicamente, existem três diferentes categorias de impulso cartográfico no mundo artístico (D’Ignacio, 2009, p.190-191): os “sabotadores de símbolos” que usam os aspectos
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com lugares pessoais, fictícios ou metafóricos,
mais do que uma tonelada e meia de petecas
os “agentes e atores” que produzem mapas
de vidro espalhadas no chão para mostrar a
e participam de atividades para desafiar as
“instabilidade da geografia mundial”, inclusive
condições vigentes ou para mudar o mundo
das suas fronteiras (Wood, 2006b, p.63). Alfre-
e os “mapeadores de dados invisíveis” que
do Jaar, um artista chileno radicado em Nova
utilizam metáforas cartográficas para visuali-
Iorque, montou uma instalação de arte que
zar “territórios informacionais” como a bolsa
documentou um acidente químico com barris
de valores, a internet ou o genoma humano.
de lixo tóxico deixado por petroleiros italianos
Essa “carto-arte” pode consistir em cola-
em uma cidade pequena na costa da Nigéria
gens, pinturas, manipulações digitais no com-
no final dos anos 80. Jaar intitulou a sua obra
putador, mapas estampados em luvas, dese-
de Geography = War, indicando que a geogra-
nhos pintados em cima do couro de uma vaca
fia serve em primeiro lugar para fazer a guerra
ou poemas em forma de mapas, só para men-
(Lacoste, 1997). A instalação consistia em 55
cionar algumas das técnicas utilizadas. Uma
barris de metal cheios de água sobre os quais
exposição de arte pode se tornar um mapa por
caixas iluminadas com fotos dos moradores da
si mesmo. Portanto, nem sempre a mensagem
cidade nigeriana foram penduradas. Os visi-
principal fica obvia à primeira vista. Quantas
tantes da obra podiam simultaneamente ver
vezes, ficamos em frente de um quadro ou
essas imagens e os seus próprios retratos re-
de uma instalação fazendo cara de inteligente
fletidos pela água nos barris (Drake, 1991). A
sem entender nada?
artista americana kanarinka, por sua vez, pro-
Por exemplo, a artista libanesa Mona
duziu uma série de gráficos (“Doze polegadas
Hatoum produziu um mapa-múndi a partir de
de tempo”, http://www.ikatun.com/kanarinka)
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nos quais registrou a perspiração do corpo hu-
publicado em 1929 na revista belga Varieté é
mano em dias quentes (Harmon, 2009, p.121-
um mapa mental do mundo que omite e dis-
122). Ela coletou o suor do seu corpo em uma
torce determinados países e lugares (Figura
folha de papel quando fazia cooper e traçou à
1, http://bigthink.com/ideas/21308). O mapa
mão os contornos e marcas do líquido em pa-
está centrado no Oceano Pacífico de modo que
pel de computador para mostrar que o corpo
Alaska e o leste da Rússia literalmente se bei-
humano também poderia criar o seu próprio
jam. O restante do território estadunidense
“tempo”.
não aparece, enquanto a Ilha de Páscoa é de-
Fazer arte com cartografia não é uma
senhada em proporções gigantescas. O con-
atividade tão recente. Na história da arte en-
tinente africano, Austrália e a América do Sul
contram-se diversos exemplos de artistas que
“encolheram”. A Terra do Fogo é representada
já tinham utilizado mapas nas suas obras na
como ilha separada do continente sul-america-
primeira metade do século XX. Por exemplo, a
no.
Alegoria de Gênero (1943) do artista surrea-
O “Mapa Invertido da América do Sul”
lista francês Marcel Duchamp foi feita de uma
(1943) do artista uruguaio Joaquin Torres-Gar-
mistura de tinta de iodo e óleo, papelão, gaze,
cía é um simples desenho dos contornos do
pregos e estrelas de metal douradas para re-
continente de “cabeça para baixo” (Figura 2,
presentar o território dos Estados Unidos na
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Joaquín_
forma da cabeça do seu primeiro presidente,
Torres_García_-_América_Invertida.jpg).
George Washington (http://en.wahooart.com/
autor usou o desenho como lembrete para os
A55A04/w.nsf/Opra/BRUE-8EWLEE). O mapa
artistas sul-americanos de que a América do
surrealista do mundo (autor desconhecido)
Sul tinha o seu próprio estilo de arte e não
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precisava seguir as modas ditadas pela van-
meos siameses territoriais. No projeto Mapas
guarda parisiense, porque “en realidad, nues-
de Musgo (1992), Katchadourian fotografou
tro norte es el sur. No debe haber norte, para
rochas com cobertura musgosa e identificou
nosotros, sino por oposición a nuestro Sur”
contornos de lugares como Austrália e o arqui-
(Torres-García, 1941).
pélago de Havaí. No começo dos anos 1990,
Frequentemente, um artista inicia uma
Joyce Kozloff escolheu o mapa como meio pre-
obra a partir de um mapa pré-existente que
ferido de expressar as suas ideias sobre o pa-
é modificado, refeito, redesenhado, distorcido
pel da cartografia para o conhecimento huma-
digitalmente ou virado de cabeça para baixo.
no e como instrumento de imposição para o
Por exemplo, Nina Katchadourian recorta, cola
imperialismo (Earenfight, 2009). Kozloff tem
e combina mapas com diversos outros ma-
experimentado com uma vasta gama de técni-
teriais
(http://www.ninakatchadourian.com/
cas desde mapas, globos, pinturas e colagens
maps/index.php). No seu primeiro projeto com
até esculturas, afrescos em muros e mosai-
mapas em 1989, ela literalmente dissecou um
cos de piso (http://www.joycekozloff.net). Em
mapa do mundo e montou um “frankenstein
1991, Kim Dingle coletou mapas mentais dos
cartográfico” ao colar determinados lugares e
Estados Unidos de adolescentes de Las Vegas
territórios em lugares “errados”: a bota da Itá-
e desenhou os contornos dos desenhos com
lia na costa oeste da África ou a Groenlândia
tinta de óleo sobre uma superfície de madei-
como anexo terrestre no extremo sul da Amé-
ra. As dezenas de mapas mentais no quadro
rica do Norte. Nas suas Patologias Geográfi-
intitulado United Shapes of America (“Formas
cas (1996), ela fundiu dois mapas idênticos
Unidas da América”) pareciam mais como um
de continentes e países como se fossem gê-
rebanho de vacas do que um conjunto de ma-
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pas (http://bigthink.com/ideas/21110). Lilla
de lazer e todos os seus demais motivos para a
LoCurto e Bill Outcault usaram diversos sof-
locomoção e ação” para se levarem “pela atra-
twares e hardwares para escanear seus cor-
ção do terreno e os encontros que acharam
pos em 3D e projetá-los em uma superfície
por aí” (Debord, 1956, tradução minha). Es-
bi-dimensional com coordenadas igual a um
sas experiências foram registradas em “mapas
mapa
psicogeográficos” que indicavam “atmosferas
(http://www.locurto-outcault.com/pa-
ges/ selfportrait.map.html).
psíquicas distintas, o caminho de menor re-
Entre 1957 e 1972, a Internacional Si-
sistência que é automaticamente seguido em
tuacionista atuava como um movimento po-
um passeio sem rumo (...), o caráter atraente
lítico, revolucionário e artístico para se opor
ou repugnante de determinados lugares” (De-
à sociedade consumista e capitalista. O nome
bord, 1955, tradução minha).
do grupo encetado pelo pensador francês Guy
No projeto dos situacionistas, há dois as-
Debord e outros intelectuais da época é de-
pectos que merecem a atenção e que transfor-
rivado de uma das características principais
mam a cartografia em uma arte de performan-
do movimento que era a construção de “si-
ce: o mapeamento em movimento e o registro
tuações”: isto é, criar ambientes, cenários ou
de emoções. O primeiro ponto diz respeito à
percursos para experimentar o cotidiano e re-
captação de movimentos, trajetórias e fluxos
velar as emoções e os desejos dos indivíduos.
produzidos pelos seres humanos. Os mapas li-
Através de uma técnica chamada de dérive,
teralmente se fazem ao andar, enquanto o cor-
os situacionistas vagavam ou flanavam pelo
po humano e os cinco sentidos servem como
espaço urbano e deixavam de lado “seus re-
catalisador desse “conhecimento corporifica-
lacionamentos, seu trabalho e suas atividades
do” (Perkins, 2009). Um exemplo dessa prá-
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tica são os artistas britânicos Richard Long e
phen Walter criou mapas narrativos de Londres
Hamish Fulton que não apenas inseriram suas
e Liverpool nos quais o leitor podia encontrar
caminhadas em mapas, mas também criaram
inúmeros comentários sobre ruas, praças, ca-
obras de arte para serem caminhadas (http://
sas, moradores, incidentes etc. (http://www.
www.richardlong.org; http://www.hamish-ful-
stephenwalter.co.uk/home.php).
Até desenhos efêmeros como rabiscos
ton.com).
O segundo aspecto se refere à expres-
num guardanapo que são usados para dar di-
são de atitudes, preferências e afetos para os
reções ou descrever um lugar merecem olha-
quais normalmente não há espaço nos mapas.
res mais prolongados dos artistas “mapófilos”.
Dando um exemplo, o artista e designer Chris-
Em 2008, Kris Harzinski fundou a “Associação
tian Nold (2009) usou equipamentos técnicos
de Mapas Desenhados a Mão” (Hand Drawn
como computadores e aparelhos GPS para
Map Association, http://www.handmaps.org)
criar cartografias emocionais de cidades. Os
e chamou a atenção pela complexidade desses
participantes dos projetos registraram suas
desenhos acidentais:
observações en route e os dados foram baixados em um computador para elaborar respectivos “mapas emocionais”. Esses mapeamentos
também podem ser feitos sem tecnologia. Por
exemplo, nos anos 70, o artista sueco-brasileiro Öyvind Fahlström produziu vários mapas-múndi nos quais inseriu textos sobre eventos
políticos e históricos. Mais recentemente, Ste-
“Queria que as pessoas vissem como esses pedacinhos de papel aparentemente insignificantes
representavam histórias individuais nas vidas das
pessoas e como esses desenhos simples de um lugar específico não continham apenas informações
factuais, mas também personalidade” (Harzinski,
2010, p.8, tradução minha).
A arte cartográfica também pode ir mais
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longe e servir como uma forma de crítica po-
nal do Mercosul em Porto Alegre, mais do que
lítica como no caso do artista argentino Mi-
50 artistas da América do Sul expuseram as
guel Angel Rios que combina técnicas de arte,
suas obras na categoria “Geopoéticas” (http://
dança e vídeo para cartograficamente denun-
www.bienalmercosul.art.br/componentes/6).
ciar as consequências devastadoras do “Des-
Como já mencionei no início dessa se-
cobrimento” para as populações indígenas da
ção, a arte é um recurso por excelência para
América Latina e do Caribe. Elin O’hara Sla-
superar as barreiras impostas pelo rigor cien-
vick (2007), por sua vez, pintou mais do que
tífico da cartografia oficial. Portanto, vale lem-
50 quadros abstratos para deflagrar a “car-
brar que a arte não é domínio exclusivo dos
tografia violenta” dos Estados Unidos, isto é,
artistas. Geógrafos, cartógrafos, professores
os lugares que já foram bombardeados pelas
universitários e escolares e os seus alunos
forças armadas daquele país (http://www.
também são artistas em potencial. Para muitos
unc.edu/~eoslavic/projects/bombsites/index.
dos exemplos de arte com mapas que mencio-
html).
nei acima, acrescentei um link para as obras
A lista de artistas que se envolvem com
para estimular o uso dessas fontes que pos-
mapas é quase infinita e não há limites para
sam servir como material didático na sala de
a criatividade. Geograficamente, a produção
aula. Não apresentei “respostas corretas” ou
artística com a cartografia não se restringe
“interpretações certas” desses trabalhos. Cabe
aos Estados Unidos. Recentemente, artistas
aos professores e alunos descobrir sentidos
latino-americanos começaram a incluir cada
e significados nessas representações carto-
vez mais mapas e elementos cartográficos nas
-artísticas, não apenas dentro do contexto das
suas obras e ações (Leirias, 2011). Na 8ª Bie-
sociedades que as produziram (“O que o autor
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quer dizer com isso?”), mas também dentro
subversão da cartografia na sala de aula, tam-
do contexto da nossa própria realidade.
bém para salientar que a linguagem (carto)
Cartografias Subversivas na sala de aula
A cartografia na arte serve como incentivo e
ponto de partida para desenvolver projetos
subversivos no ambiente escolar. Essas atividades não são limitadas às aulas de educação
e arte, mas também poderiam permear qualquer outra área. Portanto, antes de realizar
essa subversão, os professores e alunos precisam ter um conhecimento básico dos princípios e convenções da cartografia. Como poderiam inverter, reverter ou subverter mapas
quando não compreendem como a cartografia
funciona e que mecanismos de abstração (escala, projeção, simbologia) operam por baixo
da sua fachada? A crítica cartográfica começa
com o questionamento das bases.
Gostaria de dar alguns exemplos práticos para indicar possíveis caminhos para a
gráfica possui um potencial imenso para os
alunos e professores. Eles poderiam utilizar e
fazer mapas para expressar suas ideias sobre
o que acontece no mundo, no país, no bairro
ou na própria escola de uma forma quase lúdica.
Em 2003, organizei um concurso de mapas-múndi feitos por crianças e adolescentes
no sul do Ceará. O tema geral era “salvar o
mundo” e os alunos participantes tiveram que
desenhar mapas que mostravam características cartográficas, possuíam uma certa estética e passavam uma mensagem sobre como
resolver os problemas do nosso planeta. Coletei 200 mapas dos quais uma comissão julgadora selecionou os cinco melhores desenhos
a serem mandados para o comitê organizador
nacional. Essa comissão, por sua vez, escolheu os cinco melhores mapas do Brasil para
o concurso internacional Barbara Petchenik,
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organizado pela Associação Internacional de
http://children.library.carleton.ca/images/uni-
Cartografia (ICA). De antemão, visitei escolas
cefcard.jpg) ou em coletâneas de livros (An-
das cidades de Crato e Juazeiro do Norte para
derson et al., 2005; Bandrova et al., 2010).
divulgar as regras do concurso e usava como
Olhando nos mapas que obtive no Cariri
referência o volumoso banco de dados da ICA
cearense, não encontrei a mesma atitude po-
com centenas de mapas infantis dos concursos
sitiva. Alguns alunos me forneceram soluções
anteriores desde 1993 (http://children.library.
“radicais”, não para salvar o mundo, mas para
carleton.ca). No site, o “internauta” pode fazer
acabar com ele: o globo terrestre com uma
uma busca por país, ano ou tema e visualizar e
arma na mão prestes a cometer suicídio, o
baixar os respectivos mapas. Na maioria, são
mundo em um caixão, jogado no lixo ou como
mapas coloridos e alegres que enfatizam vir-
cenário de guerras, violência ou poluição (Fi-
tudes como solidariedade, paz e tolerância. Os
gura 4).
desenhos mostram crianças de raças diferen-
Ao analisar os resultados (Seemann,
tes cercando o globo terrestre de mãos dadas,
2006b), descobri que as crianças e adoles-
soluções bem humoradas como o “tapamento”
centes não separavam o mundo “lá fora” da
do buraco de ozônio com um pedaço de espa-
sua própria realidade. Os desenhos incluíam
radrapo ou o globo terrestre estampado por
a escala local e global ao mesmo tempo e ex-
inúmeras bandeiras de países sob a proteção
pressavam emoções, preocupações e opiniões
de uma pomba branca, símbolo da paz. Mui-
que as crianças dificilmente poderiam descre-
tos desses desenhos radiam com esperança e
ver através de palavras. Infelizmente, não foi
otimismo e alguns foram posteriormente pu-
possível finalizar esse estudo. Devido a diver-
blicados como postais da UNICEF (Figura 3;
sos contratempos pessoais e acadêmicos, não
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Figura 3
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Figura 4
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pude fazer o último e mais importante passo:
(Pinheiro, 1998) que se baseavam em deter-
falar com os fazedores de mapas e perguntar
minados mapas-chave como o planisfério na
a eles por que desenharam os seus mapas em
projeção de Mercator ao qual somos expostos
tal maneira.
com frequência. Alguns “erros” cartográficos
Mais recentemente, usei procedimen-
se repetiam: A América do Norte e a América
tos similares para dar aulas sobre projeções
do Sul ficavam enfileiradas na mesma longitu-
cartográficas nas minhas turmas de gradua-
de; o território da Groenlândia era do tamanho
ção (o exercício pode ser feito em qualquer
do Brasil ou maior; o continente africano pa-
sala escolar a partir da quinta série). Cada
recia como um país porque havia poucas fron-
aluno recebeu uma folha de papel em bran-
teiras e nomes nos desenhos, para mencionar
co para desenhar um mapa mental do mundo.
apenas algumas características e estereótipos.
Alguns alunos ficaram inquietos e começaram
A discussão com os alunos visava perguntar
a copiar dos seus colegas ou colar clandesti-
pelos por quês dos desenhos. O que levou os
namente do mapa-múndi que se encontrava
alunos a desenhar os seus mapas de tal ma-
na sua agenda, enquanto outros preenchiam
neira? Por que quase todos os alunos centra-
o papel com contornos, fronteiras e nomes de
vam o mapa no primeiro meridiano? Por que o
países. Em seguida, os mapas foram prega-
conhecimento sobre a África era muito parca?
dos na parede da sala e a turma iniciava uma
Por que alguns países e territórios ficaram ex-
discussão sobre os resultados. A conversa so-
tremamente distorcidos? Todas essas pergun-
bre os mapas revelou muito sobre como con-
tas já são material suficiente para duas ou três
cebemos o mundo. Na maioria, esses mapas
aulas, e o professor/a professora até poderia
mentais eram re-representações do mundo
gravar as conversas para analisar os conteú-
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dos e os argumentos posteriormente.
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identidades regionais.
Esse tipo de exercício não se restringe à
Esses estudos culturais sobre a carto-
escala global. Em 2009, realizei uma pesquisa
grafia mostram que o mapa não é necessaria-
sobre mapas mentais em escala regional. Co-
mente uma mera representação, mas também
letei mais do que 300 mapas do sul do Ceará,
pode servir como discurso, argumento ou vi-
desenhados por alunos do curso de geografia
são de mundo. Essa ressignificação dos mapas
da Universidade Regional do Cariri (Seemann,
fica mais óbvia no ambiente da internet. Ma-
2010). Como limites regionais são na maioria
pas digitais podem ser facilmente editados, al-
menos definidos do que fronteiras internacio-
terados ou distorcidos. Um simples clique com
nais, muitos dos mapas mentais não mostra-
o mouse manda essas representações para
vam contornos claros e definitivos. Alguns se
uma rede internacional com bilhões de usu-
restringiam a um mapa com divisas adminis-
ários. Muitas vezes, os autores e as fontes fi-
trativas, enquanto outros representavam uma
cam no anonimato. Por exemplo, em 2002, um
narrativa espacial completa da região. Através
“mapa do mundo de acordo com os Estados
de uma análise minuciosa dos polígonos, li-
Unidos” começou a circular na internet (Figu-
nhas, pontos e textos nos mapas, cheguei à
ra 5, http://flatrock.org.nz/topics/money_po-
conclusão de que “traçar uma linha em um de-
litics_law/ americas_world.htm).
senho espacial parece muito com a narração
O desenho mostra um mapa esque-
de uma história (Ingold, 2008, p.90). É preciso
mático com poucas divisas internacionais no
ler “entre as linhas” desses mapas e estabele-
qual diversos rótulos foram associados a de-
cer uma ligação entre produtos e processos e
terminados países e continentes. O norte da
os mapeadores e seus conhecimentos e suas
África é descrito como “areia”, as suas regi-
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ões equatoriais como “floresta” e o sul como
brasileiros na internet, inclusive um mapa do
“diamantes”. O território estadunidense tem
nosso país de acordo com a presidente Dilma
um discreto pano de fundo nas cores da ban-
(http://osqueridoes.blogspot.com/2010/08/
deira do país, enquanto as únicas localidades
mapa-do-brasil-na-visao-da-dilma.html). En-
mencionadas nas suas terras são Nova Iorque
quanto alguns desses mapas subversivos são
e Hollywood. A América do Sul foi reduzida a
usados como piadas, outros não escondem seu
“café” e “floresta”. A Colômbia foi representa-
discurso político.
da como símbolo de “drogas diabólicas”, Cuba
A subversão também pode ter outra face.
como “comunistas diabólicos” e México como
No dia 24 de junho de 2011, o site do Instituto
“tequila”. Seguindo as constelações das políti-
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi
cas globais no começo do novo milênio, o mapa
invadido por hackers que bloquearam o acesso
mostrou os “amigos”, os “novos amigos” e os
às informações da instituição. Na página prin-
“ex-inimigos” dos Estados Unidos, o lugar de
cipal do site figurava uma imagem com um
permanência de Osama bin-Laden e os luga-
olho humano nas cores da bandeira do Brasil,
res bombardeados pela força aérea america-
seguida de uma mensagem de protesto “de
na. Não mencionei todos os detalhes do mapa
um grupo que deseja fazer do Brasil um país
que poderia ser assunto para uma discussão
melhor” (Figura 6 (reprodução da imagem;
sobre estereótipos nacionais e as consequên-
http://www1.folha.uol.com.br/poder/934354-
cias dessa visão limitada. Esse mapa “político”
-site-do-ibge-e-invadido-por-hackers.shtml).
pode ser feito por qualquer pessoa. Há inúme-
O último assunto nas minhas reflexões
ros outros mapas estereotipados e paródias
diz respeito à leitura crítica de mapas e a sub-
sobre a América do Sul, Brasil e os estados
versão “involuntária” da cartografia. Recente-
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Figura 5
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mente, havia pelo menos dois escândalos so-
uma série de questionamentos: Como é o con-
bre livros didáticos de geografia no Brasil. Em
trole de qualidade dos mapas nos livros didá-
março de 2009, muitos jornais brasileiros rela-
ticos de geografia? Como esses erros podem
taram o caso de um livro didático da sexta sé-
passar despercebidos? Quem tem vez ou voz
rie do ensino fundamental na rede pública do
para criticar esses mapas e sugerir alternati-
Estado de São Paulo que incluía um mapa inti-
vas melhores? Quantos professores sequer re-
tulado “fronteiras permeáveis” no qual o Para-
pararam essas falhas? Como eles trabalharam
guai estava localizado no Uruguai e vice-versa,
com os respectivos mapas em sala de aula? Ao
além de também aparecer na área geográfica
responder a essas perguntas certamente vão
da Bolívia. Professores escolares alertaram so-
surgir novas cartografias subversivas para a
bre esse erro gravíssimo de editoração, e a
educação cartográfica no Brasil.
Secretaria Estadual de Educação e a editora
responsável pela publicação disponibilizaram
Considerações finais
as erratas on-line. Em maio de 2011, um livro didático de geografia da Editora Moderna,
Esse artigo tem como objetivo apresentar al-
que foi aprovado pelo Ministério da Educação
gumas facetas do fascinante mundo dos ma-
(MEC) e adotado pelo Programa Nacional do
pas além da rotina do mundo austero da carto-
Livro Didático, continha um mapa que mostra-
grafia oficial. Essas formas subversivas tratam
va o Rio São Francisco banhando a cidade de
representações cartográficas de uma manei-
Maceió. Mais uma vez, professores escolares
ra mais lúdica, talvez irônica, mas não menos
tiveram que avisar as autoridades e a edito-
séria. A linguagem (carto)gráfica é uma fer-
ra sobre a falha. Esses dois episódio levam a
ramenta poderosa para democratizar o aces-
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so a mapas e estimular mapeamentos, sob a
recurso essencial para a construção da cidada-
premissa de que a educação cartográfica não
nia.
deve ser um ensino de cima para baixo, mas
uma prática social integrada nas nossas vidas.
Portanto, para trilhar novos caminhos
na cartografia é preciso entender como a cartografia com a sua lógica e suas regras influenciam e moldam nossos modos de pensar e agir, antes de criticar seus fundamentos
e produzir “contra-cartografias”. Ao mesmo
tempo, também há a necessidade de estudos
que documentem esses processos de mapeamento no Brasil para compreender melhor a
nossa “cultura cartográfica” (Seemann, 2011).
Ler e fazer mapas – oficiais ou subversivos,
imaginários ou reais, materiais ou digitais, do
bairro ou do mundo inteiro – são atividades
imprescindíveis para transformar a educação
cartográfica em um projeto pluralista. Em última instância, precisamos ter a consciência de
que a cartografia não serve apenas “para fazer
a guerra”, mas que ela também pode ser um
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