0
Capa de Belmiro Gonçalves, 2024.
ÍNDICE
Índice ……………………………………………………………………
1
Introdução ……………………………………………………………...
3
1. «É comparar o olho do cu com a feira de Castro» ………………
4
2. A Quinta dos Espadeiros, Almada: Resgate dos Cativos ………...
6
3. Alfeizerão e a Sua Região: História e Toponímia e Salir do Porto ..
14
4. São Martinho do Porto: Lenda e História ………………………...
26
5. Nossa Senhora de Asse Dasse (Folgozinho da Serra) ………….
33
6. Covide – Terras de Bouro: Santa Eufémia ……………………..
35
7. Pinhel: Brasão e Toponímia ……………………………………
39
8. Nossa Senhora de Alcamé: Uma Lenda da Serpente …………
43
9. Viana do Alentejo: O Brasão e a Senhora D’Aires …………….
47
10. O Palácio Real e a Vila de Vendas Novas: Razões de uma Construção.
56
11. A Freira e o Diabo: as Irmãs do Mosteiro de Odivelas ………...
72
12. Igreja Matriz de Bucelas: Nª Srª da Purificação e o Anjo Custódio .
89
13. Liturgia Católica Dominical : Simbolismo do Número Três …….
101
14. Amato Lusitano: o Homem, o Médico Renascentista e as IST …
112
15. Amadora: Estudos para a Sua História ………………………
118
15.1. Pedro Franco Pedro dos coelhos Segundo Eça de Queirós…….
118
15.2. Quinta do Assentista: Organização Agrícola Voltada para o Mercado. 119
15.3. Portas de Benfica: Construção e Simbolismo ……………………
121
15.4. Cemitério: a Org, do Espaço dos Mortos Segundo os Vivos ……
125
15.5. A Festa da Árvore na 1ª República: Rito Cívico, Culto Pagão …
129
15.6. Nª Srª da Lapa: Sex. de num Culto Antigo. Toponímia e Religião.
142
15.7. Toponímia da Amadora: a Língua Fenícia na Região ….………
169
1
16. Alcoutim: Concelho e Região …………………………………….
191
16. Terras Portuguesas com Nomes Curiosos ………………………
201
17. Satan no Livro de Job ou a Solução Judia para o Sofrimento ……..
206
Fontes e Referências Bibliográficas ……………………………………
229
2
INTRODUÇÃO
Durante uma trintena de anos, investiguei e escrevi. Este livro é a compilação de
algumas dessas investigações e escritos no período de 1993 a 2024.
Estes estudos, entre outros objectivos, pretendem explicar a origem dos nomes,
que é fenícia, como já escrevi noutros livros e artigos, explicar factos, usos e costumes
e, simultaneamente, mostrar que a historiografia oficial portuguesa omite, esconde e
mente, porque é pró-romana e pró-católica.
A linguagem popular, na esmagadora maioria dos vocábulos, deriva do
fenício/hebraico/cananita e, mais tarde, também do cartaginês, que passo a designar
apenas por fenício, e que era a língua falada pelos Lusitanos.
Igualmente dezenas de expressões populares e da linguagem dos marinheiros,
como bem mostrou Santo (1988, 1989, 1993, 2004).
Mais tarde, a partir do século XII, o latim incute-se na linguagem, mas nunca
abandonando o seu carácter restrito e os grupos clericais e intelectuais, passando a ser a
língua oficial das Universidades.
Assim, temos muitas palavras em duplicado: uma de origem fenícia, mais
popular; outra, de origem latina, mais intelectual e muito mais tardia. É o caso de
cara/face; sapata/pé; casa/lar ou habitação; ir de cana/ser preso; patranha/mentira;
chanfrado/delirante; que vêm do fenício/ latim, respectivamente.
Outro caso, para exemplificar: monte e herdade. Monte, no significado de
elevação, colina, vem do latim mons, montis, cujo acusativo é montem; cai o m, como é
vulgar, e fica monte. Monte, no sentido de organização agrícola, tipo monte alentejano,
não vem de montem, mas sim do fenício mnt, que pode ler-se montu e significa «parte
que coube em herança». O latim trouxe a palavra hereditas, hereditatis, cujo acusativo é
heriditatem e deu herdade, que significa «parte que coube por herança».
Exemplo de expressão popular é «sopa d’urso»/ «molhou a sopa», que significa
alguém que entrou numa briga e bateu forte no outro. Sopa vem do fenício swpe, que
pode ler-se sope, e significa «esmagar».
Nota final: as fotos são do autor, quando não identificada a sua proveniência.
3
1 . «É COMPARAR O OLHO DO CU COM A FEIRA DE CASTRO»
O Significado de uma Expressão
Feira de Castro virá do fenício/ cartaginês:
Feira < phr (acordo, coluio, assembleia, reunião).
Castro < khs (negar, abandonar), khs (partir, desaparecer rapidamente) + trh
(casar-se, pagar o preço pela mulher, coabitar). Castro significa: negar o casamento,
negar a coabitação, negar pagar o preço pela mulher; desaparecer rapidamente do
casamento, partir do casamento.
Feira do Castro significa: assembleia onde se nega o casamento, assembleia
onde o casamento desaparece rapidamente. Significa feira ou assembleia onde são
permitidos à vista de todos, os actos homossexuais entre homens. Assembleia ou feira
onde dominam os actos homossexuais à vista de todos sem receio, vergonha ou pudor.
Não se deve dizer, porque errado, feira de Castro Verde, visto a feira do castro
ser um acto não localizado ou datado. É como dizer feira de gado, feira da cebola, feira
da cereja …
As quadras, retiradas de https://terraruim.wordpress.com/2010/01/20/o-olho-docu-e-a-feira-de-castro/, comprovam a ideia que apresento. Quadras que confirmei serem
conhecidas por todos os alentejanos mais velhos, e menos velhos:
«Adeus oh feira de Castro
«Adeus oh feira de Castro
Nunca mais te vou esquecer
que já te vou conhecendo
Levo a ponta do pau gasto
levo a ponta do pau gasto
e as bordas do cu a arder»
e as bordas do cu ardendo».
Assim, a expressão «é comparar o olho do cu com a feira de castro» não
significa comparar o pequeno com o enorme, nem faz sentido comparar cu com uma
feira; se fosse comparar tenda com feira ou mercado com feira, faria sentido; trata-se, de
comparar um acto homossexual, de quando em vez, com a frequência, o excesso
orgiástico, um excesso sodomita. Como se pode ler no Gènesis: «Ainda não tinham ido
deitar-se, quando todos os homens de toda parte da cidade de Sodoma, dos mais jovens
aos mais velhos, cercaram a casa. Chamaram Ló e lhe disseram: “Onde estão os
4
homens que vieram à sua casa esta noite? Traga-os para nós aqui fora para que
tenhamos relações com eles”.
Ló saiu da casa, fechou a porta atrás de si e lhes disse: “Não, meus amigos! Não
façam essa perversidade! Olhem, tenho duas filhas que ainda são virgens. Vou trazê-las
para que vocês façam com elas o que bem entenderem. Mas não façam nada a estes
homens, porque se acham debaixo da proteção do meu teto”. “Saia da frente!”,
gritaram. E disseram: “Este homem chegou aqui como estrangeiro, e agora quer ser o
juiz! Faremos a você pior do que a eles”. Então empurraram Ló com violência e
avançaram para arrombar a porta. Nisso, os dois visitantes agarraram Ló, puxaram-no
para dentro e fecharam a porta. Depois feriram de cegueira os homens que estavam à
porta da casa, dos mais jovens aos mais velhos, de maneira que não conseguiam
encontrar a porta». (Gn 19, 4 – 11).
5
2. A QUINTA DOS ESPADEIROS, ALMADA
O Resgate dos Cativos
Visitei a Quinta dos Espadeiros em Junho de 2021.
Começo por analisar quatro factos:
1.
Qualquer aluno do 7º ano, como qualquer português, sabe que os cristãos
foram barbaramente perseguidos e mortos, do imperador Nero (54 d.C.) ao Imperador
Constantino (306), que deu liberdade de culto aos cristãos (313). Contudo, poucos
saberão, ou terão em conta, que os cristãos, logo após o imperador Teodósio ter
declarado o cristianismo a religião oficial do Império, pelo Édito de Tessalónica (380),
começaram a perseguir e a matar os fiéis das outras religiões, bem como a queimar e
destruir os seus templos e bibliotecas, caso da de Alexandria. Esta perseguição e morte
continuou até ao fim da Inquisição. Até 1821, milhares de homens e mulheres foram
perseguidos e mortos, quase sempre queimados vivos, por professarem outra religião,
lerem livros proibidos, realizarem rituais não católicos ou acusadas de bruxas.
Dando
crédito
a
Lea
(1908),
entre
1540
e
1794,
os
tribunais
de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora queimaram 1.175 pessoas vivas. Ainda, porque as
vítimas haviam morrido, queimaram a efígie de 633 pessoas; castigaram e torturaram
quase 30.000 pessoas. Há que não esquecer o número de processos desaparecidos, pela
mão do tempo e do homem, bem como os que morreram nos cárceres da Inquisição
devido a vários factores como doenças e maus tratos.
2.
Como qualquer religião nova, o cristianismo pretendeu apagar tudo o que
pudesse lembrar as antigas religiões. Por um lado, chama estas religiões,
pejorativamente, de «religiões pagãs» e aos seus rituais de «superstições». Por outro,
substitui a toponímia antiga por termos latinos. Ainda, constrói sobre antigos templos e
sobre antigas lendas, ao mesmo tempo que substitui deusas e deuses por santas e santas,
cujo nome e funções são semelhantes aos dos deuses, e por Maria, Nossa Senhora. É
por isso que o catolicismo tem dezenas de santos e santas e Maria, diz Reis (1967), tem
1.315 invocações, e o deus do gado Aton passa a santo Antão, santo dos gados.
3.
O significado actual de uma palavra pode não ser, e quase sempre não é,
o significado original. Fiz as minhas investigações académicas, maioritariamente, na
Beira Interior e, daqui retiro um exemplo: Pedrógão Grande e Pedrógão Pequeno.
Segundo os historiadores, a fundação das povoações deve-se a um alto dignatário
romano, o que está dentro da cultura mediterrânica, que coloca sempre um alto
6
dignatário, o herói, o rei ou o deus na sua fundação bem como coloca este acto, quase
sempre, ab initio, desde o início dos tempos, do nada, como se duma criação divina se
tratasse: «no princípio, criou deus o céu e a terra» (Gn 1,1). Este alto dignatário
chamava-se Petronius; será, então, Petronius grande e Petronius pequeno; em latim,
Petronius magnus e Petronius parvus. Vejo raiva na cara dos habitantes de Pedrógão
Pequeno. Mas a verdade é que parvus significava pequeno no tamanho físico e, agora,
por evolução semântica, significa pequeno no intelecto.
Os monges da Ordem Militar de Santiago da Espada eram chamados espadários.
Não por a espada ser um símbolo do seu escudo, mas porque espadário, lê-se no
dicionário da Língua Portuguesa, significa «gladiador, soldado do rei de Bizâncio».
Bizâncio foi Constantinopla e é Istambul.
Contudo, não acho difícil que espadários possa ter dado espadeiros; embora os
gregos e, mais tarde, os latinos, tenham fixado as vogais, o mecanismo da leitura
permanece cananita: escrevemos vizinho, mas dizemos vezinho e arrastando o «z».
Durante séculos, os mouros do norte de África, como os portugueses e como outros
povos, assaltavam navios, atacavam cidades para saquear, fazer prisioneiros para
escravos e alguns prisioneiros eram poupados à escravatura, e até a maus tratos, para
poderem ser reféns e os donos receberem o resgate. Basta lembrar, para o caso
português, os desastres de Tânger e Alcácer-Quibir.
É fácil, pois, de compreender a alta importância que tinha a função de resgate
dos cativos. Com esta quase exclusiva função foi fundada, por um espanhol, a Ordem da
Santíssima Trindade ou Trinitários. Esta ordem teve papel muito activo no século XIII.
Contudo, a sua função é esvaziada pelo rei Afonso V, falecido em 1485, que tomou em
suas mãos esta função.
É também fácil de compreender que o rei não tomou esta função para si próprio,
antes a terá atribuído, delegado, a um alto dignatário da sua confiança.
1. Análise dos Nomes
Pego agora nos nomes.
a) Quinta dos Espadeiros
Quinta « kin nht, que pode ler-se quineta e significa fixar residência, fixar o trono, local
de repouso.
7
Espadeiros « ês/ is (onde, para onde) + padu (poupar, redimir) e/ou pdh (resgatar,
libertar) + rôw (vontade, decisão) e/ ou roh (apascentar, guiar, liderar). Quinta dos
Espadeiros significa: onde fixou residência o líder que redime; onde fixou residência
quem lidera o resgate, quem lidera a libertação.
b) A capela tem o orago de Nossa Senhora do Vale.
Vale não tem a ver com o vale geográfico, ainda que possa, às vezes, coincidir.
Se fosse esse o seu significado, o Alentejo teria centenas de Senhora do Vale e mesmo o
Minho e Trás-os-Montes teriam dezenas. Como não é o caso, outro é o seu significado.
Vale vem de bal, baal, bel e significa senhor (grande proprietário, juiz, príncipe,
rei, deus); o senhor das nossas aldeias. Na aldeia, há o ti Jaquim e o senhor Jaquim ou
senhor Joaquim. O primeiro é um aldeão igual a todos; o segundo é rico ou grande
proprietário, ou o senhor padre, ou o senhor professor, ou o senhor juiz, ou o príncipe
ou o rei, ou deus, Senhor Jesus, Nosso Senhor, Nossa Senhora. Nossa Senhora do Vale
é Nossa Senhora do Senhor. Uma tentativa de cristianização.
A propósito, o alfabeto fenício não tem vogais e apenas 22 consoantes. O V é
substituído pelo B, como no Minho, vaca é baca e, no castelhano, Ivan lê-se Iban.
Também não tem o F, que é substituído pelo P ou PH, como em português, era
Pharmacia, e ainda o é em muitas línguas ocidentais.
c) Vale de Mourelos
De vale, ficou dito atrás.
Os romanos designavam os fenícios por fenícios e os cartagineses por fenícios ou por
púnicos. Mas utilizavam o termo mouros, com carácter pejorativo. A cultura é milenar,
pelo que não é por acaso, embora o próprio não o saiba, que Pinto da Costa, pelo menos,
desde que é presidente do F. C. do Porto, designe os do Sul por mouros.
Mourelos « moros (fenícios, cartagineses) + los (falar língua estrangeira). Vale dos
Mourelos significa: onde mora o senhor dos fenícios/ cartagineses, povo que fala uma
língua estrangeira.
Mourelos poderá também vir de mhr (guerreiro, soldado; dote, preço pago pela mulher)
+ la (ser forte; força, vencer). Significará: o senhor forte guerreiro.
Juntando os três significados próximos, Vale de Mourelos significa: onde habita o
senhor do povo fenício, senhor que é um forte guerreiro.
8
d) Caramujo
Caramujo é o local onde estava construída a fábrica de cerâmica do Dr. José Elvas, a
norte da quinta.
Poderá vir de karmu (maninho, terra cultivada) + si (ruína, desolação; poço, pântano).
Significa: terra em ruína, em desolação.
Porém, se o local é abaixo da quinta, o local parece-me que tem, teve muita água.
Assim, retiro o radical MU, e coloquei palavras semelhantes:
corujais vem de krs ara/ qrasr (fonte que fala, fonte que insidia augúrios).
corujeira vem de krs/ qr sr (casa de adivinhação, fonte de adivinhação).
Introduzo o radical MU, que significa água, logo, reforça os significados anteriores.
Concluindo: caramujo vem de krs mu ara e significará: local da água que fala, local da
fonte/poço cuja água fala. O que concorda com o atrás referido si, poço, pântano.
Lembro que, quando se queria abrir um poço, pedia-se a um homem, com o «dom», que
pegava numa vara e onde essa dobrava, havia água, e abria-se o poço. Eram os vedores.
Vedor < bd/ bad (haste, varal, ramo) + rhs (estar agitada). Significa: aqueles que
confiam no ramo que se agita.
Lembro ainda que, na Beira Interior, pelo menos, Caruja significa chuva miúda: «está a
carujar».
2. Proprietários
Mendes (2016) escreve que o proprietário da quinta, em 1488, sete anos depois
da morte de Afonso V, é João Fernandes de Sousa. Sousa tem o brasão:
Foto
1:
Brasão
da
https://pt.wikipedia.org/
família
Sousa.
Tirado
de
Um escudo com quatro quartos crescentes, ou pétalas,
encaixados em flor, brancos em fundo vermelho.
José Matoso diz que a família Sousa, nos nobiliários
medievais, é a família com mais prestígio. O seu nome
vem
de
SwS
(sôse)
e
significa
resplandecer,
desabrochar, brotar (flores e sementes). «Equivale ao
quadrifólio, símbolo heráldico vulgar, mas este é mais imaginativo». (Santo, 1997, p.
217).
9
No final do século XVI, continua o autor, é proprietário Manuel Vaz Rebelo. O
brasão da família Rebelo é:
Foto 2: brasão da família Rebelo. Retirado de https://pt.wikipedia.org/.
Um escudo com quatro barras azuis e 3 amarelas e,
nas barras amarelas, três flores-de-liz vermelhas dispostas
em diagonal, da esquerda para a direita.
Continuando, Mendes diz que lhe sucede o seu
filho, nos inícios do século XVII, Francisco Rebelo
Caminha. O brasão da família Caminha é:
Foto 3: brasão da família
Caminha.
Retirado
de
https://pt.wikipedia.org/
Escudo vermelho com três barras brancas em
diagonal, da direita para a esquerda. Das pontas das
barras brancas, e do seu centro, saem três flores-delis douradas. A do meio é uma fechadura ou tranca.
Santo diz que Caminha vem do hebraico:
KaMu INH (kamina): agarra, colhe, liga; oprime,
aperta.
K-MNO (kaminoi): assim retém, segura, e mantem afastado.
QaM INH (kamina): exterior, adversário, aperta.
KaM M-INu (kammino): agarra, liga, colhe, pelo olho.
KaM Ina/INH/INu (kamina/o): agarra, liga, quando, mediante, e de fora/ aperta, olho.
K-MI Ina/INH/INu (kamina/o): de facto qualquer um, de fora/ aperta, olho.
Notem-se os homófonos:
INA – de fora, e quando, e mediante
INH – aperta, oprime
INu – olho
(1997, p. 136).
Sucede o outro filho de Rebelo, em 1656, Gonçalo Rebelo
da Silva. O brasão da família Silva é:
Foto 4: brasão da família Silva. Retirado de https://pt.wikipedia.org/
10
Escudo branco/ cinzento com um leão vermelho voltada para a esquerda.
José Matoso escreve que «os Silvas radicam na região de Braga e Lanhoso mas, em
meados do século XII um deles é alcaide de Santa Eulália, na Beira». (Santo, 1997, p.
213).
Santo escreve a sua origem hebraica:
Se LB’ (xeleba): o que é, leão.
Si LB’ (xileba): dádiva, presente, do leão.
Si LBi (xilebia): dádiva, presente, da leoa.
Si LBu (xilebo): o que é, recto.
Si LBH (xileba): o que é, chama, fulgor, raiva.
Muitos são os brasões que ostentam um leão. Leão, escreve Santo, nome de
cidade e do reino nortenho, é a tradução de Silva ou o inverso; pode o nome Silva ter
origem no conteúdo do «escudo do leão» uniforme de Cavalaria lido em hebraico e/ ou
ser o «leão» de origem totémica». (1997, p. 214).
Sucede, escreve Mendes (2016), outro filho de Manuel Vaz Rebelo, Francisco
Borges Coelho. O brasão da família Coelho é:
Foto 5: brasão da família Coelho. Retirado de
https://pt.wikipedia.org/
Um escudo com rebordo a azul com cinco
coelhos brancos; um leão vermelho, voltado à
esquerda,
mas
com
quadrados
azuis
e
dourados.
Este brasão já não segue os antigos. Perdeu-se
o significado intrínseco ao brasão, pois o nome
da família Coelho tem coelhos no brasão.
Conclusão
Entre 1438 e 1481, o seu reinado, D. Afonso V nomeou um nobre da sua
confiança para conduzir os processos de resgate dos reféns portugueses feitos por
11
muitos, mas, principalmente, pelos «piratas» do norte de África, uma das razões que
levaram à conquista de Ceuta.
Este alto dignatário é João Fernandes de Sousa que tem casa em Lisboa, mas
terá, igualmente, a Quinta dos Espadeiros. Esta quinta tem, com certeza, algumas casas
ou cabanas, onde morariam os caseiros e outros empregados.
Fernandes é filho de Fernando; es tem em junior o seu equivalente latino.
Em 1488, sete anos após a morte de D. Afonso V, João Fernandes de Sousa, por
não se sentir bem em Lisboa e na Corte, ou por outra razão, muda-se para a sua Quinta
dos Espadeiros. Para que esta seja digna de si e da sua família, procede a obras de fundo
dando-lhe a o aspecto actual, ou próximo.
Sousa é o nome familiar mais importante na Idade Média. Sousa significa, como
disse, resplandecer, qual sol; e desabrochar, dar vida, a flores e a sementes. Há pois uma
ligação simbólica à força divina na figura do sol e da criação.
Depois de Manuel Vaz Rebelo, segue-se Francisco Rebelo Caminha, também
filho do primeiro proprietário, referido.
Caminha significa aquele que agarra, segura, aperta, oprime, alguém guerreiro,
senhor de si e de sua força e poder.
Sucede outro filho, Gonçalo Rebelo da Silva.
Na linha dos seus antecessores, este Silva tem a força e a coragem do leão, e da
leoa,
que,
sabido,
é
é
ela
que caça. Além
da coragem e
força,
tem
a
rectidão no seu
carácter.
Foto 6: Azulejo
com Santa Ana e
São Joaquim, pais
de Maria, e Maria.
«Sta Ana Socorrei
os
Misaraves».
Foto do autor.
2021.
Pelos
brasões, ligados à cultura hebraica, e pelos nomes, ligados à cultura fenícia, ambos
12
cananitas, estes nobres teriam ligações à comunidade judaica, geralmente, rica e culta. E
saberiam bem o porquê dos nomes Vale de Mourelos, Quinta dos Espadeiros e Nossa
Senhora do Vale. Isto é, a quinta é a residência do senhor dos resgates dos reféns,
localizada numa região de povoamento fenício, e onde, desde há séculos, governava um
senhor, alto dignatário, grande guerreiro, como no século XV e seguintes.
Mais, o azulejo, em tons de amarelo por cima da porta, foto 6, é, nitidamente, de
influência judaica. Para fugirem a castigos e prisões, os judeus, mais tarde, cristãosnovos, inventavam defesas. Uma delas era colocar quadros, azulejos … com
personagens cristãs, mas, simultaneamente, judias. Outras vezes, apenas Ana, Maria e
Jesus. Este facto em nada ofende a religião e cultura judaica, pois, em ambos os caos,
são três judeus. Outras vezes são painéis e quadros com imagens do Antigo Testamento.
Os anjinhos não são de origem cristã, mas muito mais antigos. Contudo, poderá
dizer-se, que a pomba do Espírito Santo, que lança raios protectores sobre Ana e Maria,
principalmente, é figura cristã. Sim, mas não só. O manto protector da Senhora da
Misericórdia, por exemplo, é Shekina, a face protectora e feminina de Javé, o que, aqui,
é simbolizado numa pomba. Pomba foi a ave que trouxe o ramo de oliveira a Noé.
Miseráveis não eram apenas os pobres e outros, mas também os judeus assim se
consideravam, pois eram constantemente perseguidos, presos e expoliados.
13
3. ALFEIZARÃO E A SUA REGIÃO
História e Toponímia
Já o escrevi em alguns estudos, pelo que, aqui, apenas reafirmo que a
esmagadora maioria das palavras da linguagem popular, bem como centenas de
expressões populares e, igualmente, dezenas de expressões marinheiras (gíria dos
marujos), vem do cananita (fenício, hebraico, ugarítico, acádico), que, por facilidade,
designo por origem fenícia.
Apresento o nome das povoações, origem e significado do nome.
De seguida, apresento algumas ruas, que ajudarão a esclarecer e a confirmar o
significado das ruas, como da povoação.
Por fim, uma conclusão.
Quando não referenciado o livro, foi usado o Dicionário Fenício-Português, de
M. E. Santo, de 1993.
1. Toponímia de Alfeizarão
Escrevo Alfeizarão e não Alfeizerão, como actualmente. Na parede da igreja
matriz e à saída, na direção das Caldas, estão dois azulejos com o nome da povoação:
Alfeizarão. Serão do século XIX e este será o nome popular da povoação.
Experimente-se pronunciar, com atenção, Alfeizerão e Alfeizarão; este nome é bem
mais fácil de pronunciar; o primeiro exige mais músculos bocais.
Foto 7: Alfeizarão, parede da Igreja
Matriz, foto do autor, 2022
O topónimo é sempre
de uso local e num processo
de referência único, como diz
Santo (2014). O Al no nome
das povoações nada tem a ver
com o al árabe, antes é um
prefixo cananita e significa castelo, quinta, vila, palácio, mansão.
Continuando com o autor referido,
Hzr aw > gazarao, fazarão (castelo, reduto do mar, mansão do mar).
14
Hsr aw > ghasarao (área cercada pelo mar, pátio do mar).
Assim, Alfeizarão significa o castelo cercado pelo mar.
Proponho a minha interpretação, que não colide com a de M. E. Santo:
Alfeizarão vem de al (povoação, parentela) + phz (aventureiro, atrevido) e/ ou +
pês (Júpiter) + rhm (Júpiter, donzela). Significa: povoação, parentela, de Júpiter, o
aventureiro; e/ povoação, parentela, que distribui compaixão, que distribui orgulho.
Alfeizarão também poderá vir de alp (aprender, ensinar) + eseru (desenhar,
gravar). Significa: onde se aprende e ensina a gravar, a desenhar, a escrever. Uma
escola.
Alfeizarão seria uma povoação orgulhosa da sua ascendência Jupiteriana e que
tinha uma famosa escola.
Algumas ruas de Alfeizarão:
Rua dos Arneiros « ar (luz, brihar) + nêru (matar). Significa: rua onde o brilho,
a luz, mata, de brilho intenso, ou rua que esconde a luz e o brilho.
Rua do Relego « ahl (ovelha) + hgh/ ègè (gemido): rua dos gemidos das
ovelhas, rua dos bardos de recolha das ovelhas.
Rua das Ramalheiras « ramu (desfazer-se) + laru (ramificações, bifurcações):
Rua que se desfaz em
ramificações.
Foto 8: Capela de Santo
Amaro, Alfeizarão, 2022.
Azinhaga
do
Rio « az (apertado) +
nhh (caminho);
Travessa
Sousas
dos
«sws
(florescer, brotar) ou
swsh (égua). Significa
algo relacionado com o brotar, a fertilidade) da terra ou fecundidade dos animas.
Rua Nova « nb (profetas, adivinhos). Rua dos profetas, Rua dos adivinhos.
2. Outros Topónimos Próximos da Alfeizarão
Casal é o mesmo que catraia, significando pena povoação, povoação miserável.
15
Macarga «mhqr (profundezas) + ga (voz). Onde se ouve a voz das profundezas;
seria um oráculo?
Casal do Sol Posto, primitivamente, seria Alto do Sol« Sulam» soleima ou
salema ou Balsemão «balseiman (Senhor do Céu, Senhor do Sol). Pequena povoação
onde mora o Senhor do Céu.
Sapateira «sapattu (lua-cheia) ou spt (juiz. Governante) + ra (sopro, vento).
Significa: onde sopra a lua-cheia; onde sopra, faz ouvir a sua voz, o juiz.
Quinta dos Casais «kin nht (fixar residência, lugar de repouso, trono).
Significa: onde fixaram residência pequenas povoações.
Casais do Norte «nrt (campo de labor); nor (libertar-se) + th (ordenar).
Pequenas povoações do (muito) trabalho; pequenas povoações onde foi ordenada a
libertação.
Quinta dos Carrascos «qrs (morada, fortaleza, pavilhão) + ka/ ki (teu, tua).
Onde tem assento o teu pavilhão.
Casal do Pinhão « pu (lei, boca, palavra) + nh (suspirar) ou nhh (conduzir,
guiar). Pequena povoação dirigida, conduzida, pela lei; onde se suspira pela lei.
Vale da Palha «bal (senhor) + pl, pal ou pilel ou pal’ l (juiz). Significa: onde
habita o senhor juiz (das ordálias). O Tejo desagua no Mar da Palha.
Casal da Macalhona «mkll/ mikelol (perfeição, beleza) + nunu (pesca, peixe).
Significará: pequena povoação da pesca perfeita.
Lombeiro «lwn (seguidor, discípulo) + biru (adivinho, jovem touro). O seguidor
do jovem touro.
Casal do Pardo «phr (acordo, assembleia), + dh (enfermo, doente); do
(conhecimento). Significa: pequena povoação da assembleia sobre os doentes, uma
espécie de hospital; pequena povoação da assembleia do conhecimento, do saber. A
pequena povoação onde funcionaria uma espécie de faculdade de medicina.
Casal da Fonte da Figueira e Casal das Figueiras «pgr (cansados): pequena
povoação da fonte dos cansados.
Cadassoeira «qadasu (purificar) + hr (concepção, parir; monte, montanha;
caverna); qds (santo, santuário) + eru (gravidez). Significa: santuário da gravidez,
monte da purificação, caverna da purificação.
Ramalhiça «rm (alto, excelso) + lis (leão). Lugar do excelso leão. Sendo o leão
uma hipóstase de Júpiter, é possível ser o lugar do excelso Júpiter.
16
Vale da Hoste «bal (senhor) + hôs (o que está fora) + ths (delfim). Significará:
o senhor delfim atento.
Casal do Aguiar «agr (recolher, armazenar). Pequena povoação do armazém,
do celeiro.
Mosgueiros «mhs (destroçar, esmagar) + geru (estrangeiro, inimigo). Significa:
ode o inimigo foi destroçado.
Casal da Venda «bnd (adivinhos, sacerdotes, augúrios). Pequena povoação
onde habitam os sacerdote, adivinhos e /ou augúrios.
Mestras «mhs (destroçar, esmagar) + tr (arrojar). Local onde se arrojaram e
esmagaram.
Casal da Malhada «ml ht (sítio de águas e alimentos). Pequena povoação onde
há água e alimentos para os pastores.
Casal Novo «nb, i (profeta). Pequena povoação onde habita o profeta.
Casal da Cabana «Ka (teu, tua) + banu (progenitor, criador). Pequena
povoação onde habita o progenitor, o criador da tribo.
Vale da Quinta «bal + hi nht: pequena povoação onde o senhor vive, tem o seu
trono.
Malinha « maliim (doenças). Significará, próxima de outros nomes, local onde
eram expostos os doentes?
Casal Velho «bel (senhor). Pequena povoação onde mora (outro) senhor.
Sapeiros – sapal «spl (lugar baixo, lugar fundo).
Carrasqueiros «krs (morada, acampamento, pavilhão) + keru (jardim, forno).
Significará lugar do pomar, lugar do forno.
Charnais «zwr (esmagar) + nas/ is (ultrajar, intolerável). Onde o ultraje foi
esmagado.
Ribeira do Marete «marêtu (apascentar). Lugar maior das pastagens.
Calmeiro «kalmaeru (machado) ?
Peso «phz (aventureiro, atrevido, leviano). Alguma relação com o Júpiter
avetureiro de Alfeizarão.
Santana «smt (cornalina) + ana (para, até). Até à cornalina, pedra semipreciosa. Terá existido aqui uma mina.
Casal da Ladeira «ldh (dar à luz, parto) + rh (sopro, alento). Significa:
povoação pequena do bom parto.
17
Cruzes «qrs (morada, fortaleza, pavilhão). Semelhante a outras já referidas,
local de acampamento de soldados.
Salir de Matos «sa (de quem se diz) + matu/ metu (morrer) ou mtw (doença,
enfermidade. Local de que se diz que cura as doenças.
Tornada, rio Tornada «tôr (touro) + na’ adu (louvar, elevar): onde se eleva,
onde se louva o touro.
Valado De Santa Quitéria
Valado é baladu,, pois o alfabeto fenício não tem o «v», que é substituído pelo
«b». Balado, seguindo Santo (1989), significa circunscrição administrativa. Ainda hoje,
na Beira Interior, um valado é um muro de terra, feito através de contínuas lavouras, ao
longo dos anos, tombando a terra, com a aiveca, para a mesma linha.. Este valado divide
os terrenos.
Santa Quitéria é a cristianização da antiga deusa cananita Kythèria, Kiteria,
Kuteria que, diz Santo (1989), significa vermelha. Kitéria, continua o autor, é o título
dado pelos fenícios a Astarté, divindade guerreira, associada a krt, a senhora do berit/
parazu. Cabelo vermelho ou ruivo é a cor dos guerreiros, dos líderes. Kiterie está
associada ao hebraico Qatar, que significa cortar de alto a baixo.
Quitéria foi uma das nove gémeas que a mulher de um alto funcionário romano
deu à luz. Descontente por ter dado à luz tão numerosa prole, mandou a criada afogá-las
no rio. Porém, esta optou por entregar as bébés a
nove famílias, para que as criassem, uma cada.
Analisando este facto numa perpectiva históricocronológica, não faz sentido. O pai saberia da
gravidez e do parto; em segundo lugar, é
impensável que uma criada tomasse tal decisão
por si mesma.
Foto 9: Imagem de Santa Quitéria, uns 40 cm. Valado de
Santa Quitéria, foto do autor, 2021.
Numa perspectiva lendária, onírica, estes
factos ganham coerência. Começando pelo
número, nove representa o conceito gnóstico da perfeição; é o período da gestação no
útero feminino: é a Santíssima Trindade a triplicar: 3 x 3, 3+3+3.
18
As nove filhas/ santas são, segundo Santo (1989), Quitéria (Eumélia ou
Eufémia), Liberata (ou Virgeforte), Gema (ou Marinha), Margarida, Genebra, Germana,
Basilissa, Márcia e Vitória. O autor escreve que as oito irmãs de Quitéria não passam de
«adjectivos que se repetem: Liberata, a livre ou libertadora, ou Virgem forte; Marinha,
Gema, Margarida, a que está no mar; Germana, irmã ou par da divindade masculina;
Basilissa, a santa; Márcia, a guerreira; Vitória, a vitoriosa». (1989, p. 188).
Em Felgueiras, as nove santas estão dispostas em triângulo, começando no
vértice com Quitéria, Germaa e Liberata, Genera, Basília, Marinha, Eufémia, Victória e
Marciana.
O nome das ruas de Valado de Santa Quitéria confirmam o que escrevi.
A rua que dá acesso à povoação é Rua da Moira. É a zona mais verdejante do
Valado. Moira, escreve Santo (1989), vem do fenício môrh e significa gruta; de mwr,
transformar-se, encantar-se; de m’rh, aparição, visão. Algo muito generalizado em
Portugal: a moura encantada. Esta moura nada tem a ver com os mouros da nossa
História. É a mãe iniciadora, é Astarte, é Shequina, a face amável e feminina de Javé.
Rua do Porto Carro terá sido, originalmente, Rua Fonte do Carro. Carro,
continuo com o mesmo autor, vem do fenício qar e significa fonte. Acontece aqui algo
frequente na toponímia de origem fenícia/cananita, que é o nome original e a sua
tradução: Rua da Fonte Fonte. Se o original é Porto Carro, porto é termo latino que
significa porto (ancoradouro) e porto de abrigo. O que seria a Rua da Fonte de Abrigo.
A esta fonte acorriam os viandantes e quem procurasse adivinhos e esconjuros, porque a
rua conduz à povoação Casal da Venda. Casal, é o mesmo catraia, e significa povoação
pequena, povoação sem importância; venda vem do fenício vnd e significa casa dos
adivinhos, casa dos sacerdotes, casa dos esconjuros.
Rua do Frade não tem a ver com qualquer frade antes vem de prh (ser frutífero,
florescer, propagar-se) e/ ou pr (fruta) + di/ dei (o suficiente, o necessário). Rua do
Frade é a rua onde floresce o suficiente. Algo ligado ao nascer, e florescer da natureza.
Algo diretamente ligado a Astarte e Santa Quitéria.
Rua do Santo vem de smt (destruir, destroçar, aniquilar), o que liga diretamente
à Santa e Astarte, «cortar de alto abaixo. Vem de samtu (cornalina). Rua da Cornalina.
Cornalina é uma pedra semi-preciosa de cor vermelha. Vermelha é Kiteria.
Rua do Vale Simão é mais uma ligação direta a Quitéria e Rua do Frade: vem
de bal (senhor) + smh (germinar) e/ ou smh/ sèmah (renovo, rebento, crescimento).
19
Outras ruas. Rua da Corredoura não é a rua onde se corre, mas a rua que serve
de corredor, o principal, e às vezes, único acesso à povoação.
Rua da Arneira, já explicámos atrás.
Rua do Poço da Caseira « kasiru (tecelão). Será a Rua do Poço do Tecelão.
SALIR DO PORTO
Lê-se em http://porcaminhosdecister.blogspot.com/2010/04/salir-do-porto-suahistoria.html: «O seu toponímico “Salir”, além de significar “saimento” significa
também em Português arcaico, “morrer”. E, de facto, ainda hoje, ali “morrem” as
ribeiras de Alfeizerão e de Tornada, que se juntam para formar o rio Salir». Não! O
significado da palavra não é o significado actual, na maioria esmagadora dos casos; tem
de se procurar o significado da palavra quando ela foi inventada. Salir não é sair ou
morrer; se assim fosse, metade das fozes dos rios portugueses seriam salir e a outra
metade seriam entrar.
A origem deste topónimo, como de quase todos entre o Douro e o Tejo, é
fenícia, hebraica, ugarítica, cananita; fenícia, por facilidade de expressão. Salir < Sa (de
quem se diz) + lir/ lim (onde se pernoita, onde se descansa). Significa: onde se diz que
se pernoita. A confirmar este significado, vem o topónimo porto, de origem latina, mais
tardio, que significa o mesmo: porto, apoio, abrigo, descanso. Será interessante verificar
se
abaixo
e
acima, +- 40
km. Há outros
abrigos, pois os
fenícios faziam
esta diária.
Foto 10: Capela
de Santa Ana;
foto do autor,
2022.
O
mesmo blogue
diz: «Salir do Porto está situado no “sopé” de uma colina que se destaca das restantes.
O nome popular desta colina é Castelo, pois no seu topo, de fácil acesso, existem
algumas ruínas de uma antiga fortificação». Não! Castelo, primitivamente, não
20
designava a fortificação; esta apropriou-se do topónimo castelo, que significava e
significa a parte mais alta da povoação. No concelho de Idanha-a-Nova, Zebreira e
Segura têm rua com o nome Castelo, mas ambas nunca tiveram qualquer fortificação.
Em https://www.tornadaesalirdoporto.pt/freguesia/heraldica, lê-se: «Escudo
de prata, uma bandeira quadrada de azul com haste de ouro, carregada de uma estrela
de cinco pontas de prata e acompanhada em chefe à dextra de um camaroeiro de
vermelho e à sinistra de um livro de prata realçado de vermelho. Coroa mural de
quatro torres de prata. Listel branco, com a legenda a negro, em maiúsculas: “SALIR
DO PORTO”. Para além dos escusados latinismos dextra (direita) e sinistra
(esquerda), a estrela de cinco pontas é a estrela de David; quanto ao livro, poderá ser
a Thora, ainda que esta seja em forma de rolo.
A capela de Santa Ana vem confirmar o que escrevemos. Santa Ana é uma
mulher judia, mãe de Maria, judia também. Santa Ana, como acontece com santos e
santas católicos, é a cristianização de antigos deuses e antigas deusas. Os cristãos
escolheram o santo cujo nome mais se aproxima da sonoridade do nome do deus e
fica com a sua função. As placas em madeira que, ao longo do caminho até à capela,
indicam a direção a seguir, têm escrito «Capela Nª Srª Sant´Ana». Para que não
fiquem dúvidas quanto à santidade, aproximam-na de Nossa Senhora (Nª Srª), a
maior santa,
mãe de Jesus.
Foto 11: Ruinas
da Alfândega,
2023.
Santa
Ana
é
a
cristianização
da
deusa
cananita
Anat/ Anatu, a deusa da guerra, mas também da paz; é apresentada como deusa sexual e
fértil, aquela que gera descendência (o que a aproxima de Santa Ana e Maria) mau
grado, Anat continue a ser chamada de virgem e donzela, o que a aproxima de Maria.
Salir do Porto teve Alfândega.
21
Em
https://www.tornadaesalirdoporto.pt/freguesia/locais-a-visitar/10-
pode
ler-se: «aqui funcionou uma Alfândega que servia todo o concelho e na qual eram
reparados e construídos barcos, com madeiras provenientes do Pinhal de Leiria.
Rezam as lendas que aqui terão sido construídos alguns dos barcos que participaram
na Campanha das Índias de Vasco da Gama e onde foi construída e abençoada a Nau
São Gabriel».
As Juntas de Freguesia, tal como as Paróquias, não devem publicar textos
sobre a sua história sem que passem por um consultor científico. É claro e
imediatamente visível não haver espaço para a construção naval na zona da
Alfândega. A terra ergue-se em colina imediatamente depois do mar. O que aqui se
escreve sobre a construção naval pertencerá à história de Alfeizarão e não à de Salir
do Porto.
Jaime Cortesão, um historiador dos Descobrimentos Portugueses muito
conceituado, escreveu que, durante o século XV havia, na foz do rio de Alfeizarão,
uma intensa construção naval. E. no século XVI, seguindo uma testemunha da época,
citada por M. Alzira Marques, o porto era capaz de acolher 80 navios de alto bordo.
Com o recuo do mar, 4/ 5 km., poderá ter passado o porto para São Martinho do
Porto, e talvez a construção naval, mas não vislumbro em que local se situaria.
O site atrás citado diz que a Alfândega é do século XVIII; o site
http://www.aguas.ics.ul.pt/leiria_avelha.html diz que é do século XVI. A Torre do
Tombo, em https://digitarq.arquivos.pt/details?id=8031244, aponta o primeiro
documento escrito em 1846. Atenção, é apenas isso, é o primeiro documento escrito
encontrado e seleccionado.
A propósito da igreja matriz de Salir do PortoO SIPA – Sistema de Informação
para o Património Arquitectónico coloca a fundação da Igreja de Nossa Senhora da
Conceição nos séculos 18/19 e faz a descrição da Igreja, interior e exterior.
Da igreja, escrevo apenas do sol radiante, no topo do altar-mor, e da imagem de
Nossa Senhora da Conceição, o orago da paróquia. Conceição, palavra portuguesa;
concepción, castelhana; conceptio, latina, significa aquela que concebe, aquela que está
grávida e dará à luz.
Parece haver vergonha de falar, e mostrar Nossa Senhora grávida, vergonha que
não existiu durante séculos, mas não há qualquer hipótese de Maria não ter estado
22
grávida em Nazaré. Alguém pode imaginar uma mulher dar à luz sem ter estado grávida
numa pequena cidade, numa cultura
rural, em tudo semelhante à nossa
aldeia?
Nossa Senhora da Conceição é
antecedida por Nossa Senhora do Ó,
Nossa Senhora da Expectação e estas
por antigas deusas-mãe, caso da muito
cultuada deusa Cibele, que tem na
Grécia a sua sucessora Afrodite.
Foto 12: Nossa Senhora da Conceição,
2022.
A Senhora veste túnica branca,
a cor da pureza, e manto azul, a cor do
céu. Se olharmos Nossa Senhora de
lado, como mostra a foto, é claramente visível o estado de gravidez. O mesmo acontece,
como disse, com Nossa Senhora do Ó e Nossa Senhora da Expectação: conheço,
respectivamente, na capela do Castelo de Montemor-o-Velho e altar–mor da Igreja
Matriz do Ladoeiro (Idanha-a-Nova), sendo seu orago.
Encima o altar, em dourado, um sol radiante constituído por 16 raios, que
brotam de um círculo, tendo um triângulo equilátero, lados e ângulos iguais (60º cada),
como mostra a foto.
Dezasseis é o quadrado de 4, pelo que contém toda a força deste e representa o
poder das forças materiais. Por ser o dobro de 8, é, duplamente, o equilíbrio cósmico,
símbolo do
equilíbrio e da justiça.
Foto 13: Sol radiante no altar-mor,
2022.
O círculo será o olho de
Hórus, ainda visível nalguns
barcos na Nazaré e Aveiro. Deus está presente, tudo vê, e protege. O triângulo poderá
ser a Santíssima Trindade, mas o Cristianismo/ Catolicismo tem dois mil anos e muitas
23
trindades houve antes desta, sendo Osíris, Ísis e Hórus a mais conhecida. Mas o que me
parece mais ser é o triângulo da Maçonaria, do Maçon, do construtor de catedrais.
Quem desenhou esta pequena escultura tina isto em mente? Não, certamente,
Mas quando homem constrói algo, individual ou colectivamente, constrói obedecendo a
modelos/ arquétipos multi-seculares recebidos da cultura como que por osmose e sonho.
Por fim, o sol radiante, vulgar em muitas igrejas e capelas portuguesas, é de
origem mitraica, tal como o hissope. Mitra foi a religião que rivalizou com o
Cristianismo até ao imperador Constantino.
À esquerda da Igreja, para quem entra, ergue-se uma capela particular. Às
pessoas a quem
perguntei
o
orago não me
souberam dizer.
Foto 14: Capela do
Calvário, 2022.
Contudo,
apresento
duas
hipóteses
assentes
no
desenho central que parecem ser três cravos saindo de uma corroa. Será a capela do
Calvário, pois são os três cravos com que cravaram pés e mãos de Cristo à cruz e a
coroa de espinhos. Acrescento que a capela do calvário, ou o Calvário, está no ponto
(mais) elevado da povoação, como aqui.
Se forem três setas, será a Capela de São Sebastião, que, ao que me disseram,
tem imagem dentro da capela. Inclino-me para a primeira hipótese porque, das muitas
capelas de São Sebastião que conheço, as setas desenhadas são claramente setas e, aqui,
são claramente, cravos.
Conclusão
O Senhor (senhor rei, senhor príncipe, senhor grande proprietário, senhor juiz,
senhor governador, senhor deus) mora no Casal Velho; no Vale da Quinta fixou
residência, este ou outro senhor; um senhor, especialmente atencioso e preocupado com
os seus súbditos, certamente, mora no Vale das Hoste; o senhor Sol, ou senhor Céu, é
24
adorado, e vive, no Casal do Sol Posto; igualmente na Ramalhiça, onde se adora o
excelso leão, animal solar; o senhor das ordálias, o senhor juiz, mora no Vale da Palha.
Mas o principal senhor viveria no valado de Santa Quitéria, onde haveria o culto da
germinação das sementes, da flora e de Astarté.
O exército, a fortaleza ou o pavilhão está nas Cruzes e Quinta das Carrascas.
Os profetas, adivinhos e sacerdotes augúrios vivem no Casal da Venda, Casal
Novo e Gaio; no Gaio também repousariam os peregrinos. Peregrinos que se dirigiriam
a Salir de Matos, onde pernoitavam para saber da sua doença e cura; ligada à doença
está Malinha; e/ ou no Casal da Ladeira, para virem a ter, aqui ou em casa, um bom
parto; e/ ou no santuário (caverna ou monte) da Cadassoeira para purificação depois do
parto ou para ajudar a engravidar; talvez também a Macarga, para ouvirem a voz das
profundezas, um oráculo, possivelmente.
Há dois deuses em evidência: Júpiter e o touro. Talvez mesmo um só, sendo o
touro uma hipóstase animal de Júpiter. No Lombeiro habitam os discípulos do jovem
touro, de Júpiter jovem. O touro é igualmente adorado na Tornada, e no Rio. Peso
também está ligado a Júpiter. Alfeizerão, ou Alfeizarão, é a povoação de Júpiter, o
aventureiro, certamente, um Don Juan. Também Calmeiro se encontra ligado a Júpiter
(e a Démeter) pois significa «machado» e este é o símbolo do raio e da chuva, ligado à
fertilidade. Sapateira também estava ligada a Démeter.
Alfeizarão, mais fácil de pronunciar que Alfeizerão, e é o que está escrito nos
painéis da entrada e saída da povoação, além de tempo central de Júpiter, seria também
uma escola famosa onde se aprendia/ensinava a desenhar, a gravar.
Povoações ligadas ao saber e à lei são Casal do Pinhão e Casal do Pardo.
O celeiro da região seria em Casal do Aguiar. E o local de recolha e abrigo dos
pastores e do gado seria em Casal da Malhada. As melhores pastagens seriam das do
Casal do Marete.
Santana teria mina de cornalina, pedra semipreciosa, tal como Vale de Santa
Quitéria.
Salir do Porto é o abrigo principal dos mareantes.
Por fim, há povoações ligadas a duríssimas batalhas ou conflitos: Casais do
Norte, Mosgueiros, Charnais e Mestras.
25
4 . SÃO MARTINHO DO PORTO E À SUA VOLTA
Lenda e História
A primeira questão a colocar é «que são Martinho» é este? São Martinho de
Tours ou São Martinho do Dume? São Martinho de Tours foi bispo de Tours e viveu
entre 316 e 397. São Martinho de Dume, ou de Braga, terá nascido a 518 e falecido a
579. Foi bispo de Braga a partir de 569; converteu os Suevos; traduziu várias obras,
fundou alguns mosteiros e deu os actuais nomes aos dias da semana. As festividades
acontecem no dia 11 de Novembro e a 20 de Março, respectivamente.
1. São Martinho
Em https://paroquiadesaomartinhodoporto.pt/, pode ler-se: no interior da igreja
matriz, o elemento mais relevante é a pintura a óleo com a imagem de São Martinho. A
tela com dez metros quadrados representando São Martinho a dar metade da sua capa a
um pobre, é uma reprodução do quadro de El Grego, executada pelos pintores Martim
Avilez e António Mendes de Oliveira,
durante as últimas obras de 1968. Está
colocada no antigo Trono da CapelaMor, ladeada por talha dourada, que
contem dois nichos com as imagens de
São Martinho e de São Pedro Apostolo,
encimando o altar com sacrário, também
de talha dourada». Assim, oficialmente,
a paróquia é de são Martinho (de Tours)
do Porto. Contudo, há casas com
azulejos de «São Martinho», bispo, com
Mitra e Báculo, de Tours ou de Dume?
Foto 15: São Martinho de Tours, Igreja Matriz;
foto do autor, 2022.
A paróquia diz que é São Martinho de
Tour e, na religião popular não há santos
intelectuais. Há santos mártires ou
sofredores, ou velhos de barbas sexualmente inofensivos, casos de Santa Catarina de
Alexandria, São Francisco de Assis e Santo Antão e, mesmo, são José
26
No respeitante a «Porto», designa, certamente, o porto de mar. Contudo, há
séculos, o porto de mar, ainda no século XIV, era em Alfeizarão. Por isto, «Porto» será
um acrescento mais recente.
A propósito, o limite de São Martinho seria, a norte, o miradouro do Facho, pois
Facho < patu fronteira, borda); < pâtu (território, distrito, região); o outro limite poderia
ter sido Valado de Santa Quitéria, pois valado < baladu (limite administrativo). Valado,
na Beira Interior e no Algarve, pelo menos, são divisórias dos terrenos.
Apresento a lenda como é vulgarmente conhecida, isto é, São Martinho encontra
um pobre a quem dá metade da sua capa, que cortara com a espada. Contudo, dar
metade da sua capa e não toda, não parece ser comportamento de um santo, ou présanto. Para justificar este comportamento, há várias histórias e Rita Cipriano (2014), faz
uma adenda à lenda, a pedido, isto é, apresenta o segundo mendigo à entrada da cidade,
assim justificando a metade da capa anteriormente dada ao mendigo:
« Num dia frio e chuvoso de inverno, Martinho seguia montado a cavalo quando
encontrou um mendigo. Vendo o pedinte a tremer de frio e sem nada que lhe
pudesse dar, pegou na espada e cortou o manto ao meio, cobrindo-o com uma
das partes. Mais à frente, voltou a encontrar outro mendigo, com quem partilhou
a outra metade da capa. Sem nada que o protegesse do frio, Martinho continuou
viagem. Diz a lenda que, nesse momento, as nuvens negras desapareceram e o
sol surgiu. O bom tempo prolongou-se por três dias».
Na noite seguinte, continua a autora, Cristo apareceu a Martinho num sonho.
Usando o manto do mendigo, voltou-se para a multidão de anjos que o acompanhavam
e disse em voz alta: “Martinho, ainda catecúmeno [que não foi batizado], cobriu-me
com esta veste”. Nitidamente, esta história está mal contada e, por isso, a autora
contradiz-se pois Cristo deveria aparecer com as duas metades da capa.
Elisabeth Hallam (1998), escreve que os emblemas do santo são o globo de fogo
e os gansos.
Sulpício Severo, aristocrata romano, culto e rico, e contemporâneo, fica
fascinado com o comportamento pouco comum de Martinho e escreve, entre 394 e 397
a biografia, daquele que ficaria conhecido por São Martinho de Tours.
2. Análise do Nome Martinho e da Lenda
Seguindo Moisés E. Santo, (1989):
Martinho vem de mhrthm e significa dote pago/ dote contractado/ contactado.
Martinela, mhrthm’l, dote de fiança de parente.
27
Martinhais, mhrthm’l, dote combinado.
Martinho significará aquele que pagou o dote combinado. Talvez, aquele que
pagou a fiança/ resgate de um parente.
Consultando M. E. Santo, Dicionário Fenício-Português …, 1993:
Martinho poderá vir de m’r/m’ôr/maurh, que significa lugar luminoso, corpo luminoso,
luzeiro (sol, lua); lâmpada, + tnh, cantar, celebrar.
Assim, Martinho significará aquele que celebrou o sol.
Martinho poderá ter em mrtim a sua abreviatura, e significa obstinado, rebelde, o
que está de acordo com o que pensou o seu biógrafo Suplício Severo. Martinho
significará aquele que é obstinado, que é rebelde.
Continuando com o mesmo autor, Martinho poderá vir de:
Mhr/ mohor, que significa dia seguinte, amanhã, futuro + tnh, que significa cantar,
celebrar. Martinho significará aquele que canta o dia seguinte.
M’r, que significa doloroso, dorido, maligno+ thnh, que significa perdão, misericórdia.
Martinho significará aquele que concede um doloroso perdão.
3. Simbolismos
São Martinho de Tours foi enterrado três dias depois da sua morte e o sol brilhou
três dias depois de ter cortado a capa e ter dado metade ao pobre. Assinalou-se a negro
no texto três dias. O número três é a pedra angular sobre a qual se constrói a obra. A
obra final não existe sem que tenha havido o três. Por isso é que este acto bondoso,
referenciado pelo próprio Cristo, é realizado antes do baptismo, pois é a pedra angular
sobre a qual vai assentar o templo, o baptismo que o tornará cristão.
O Fogo, consultando o Dicionário de Símbolos, de Chevalier e Gheerbrant
(1982), segundo os hindus, corresponde ao Sul, ao vermelho, ao Verão e ao coração.
São Martinho, dizem os autores, escreveu que o homem é fogo. O fogo, continuam os
autores, é a melhor imagem de deus.
O Ganso selvagem é o mensageiro entre o céu e a terra. No Egipto, o faraó era
identificado com o sol e a sua alma em forma de ganso. O ganso, dizem os autores, «é o
sol saído do ovo primordial». Assim, com o fogo e com o ganso, se explica o «Verão de
São Martinho».
28
4. Conclusão
Rescrevo a lenda de São Martinho: um soldado romano, certamente um
centurião, tinha um familiar refém de um dote ou dívida, ou até refém de algum pirata
ou corsário, que não podia pagar, pois era muito pobre, miserável mesmo. Martinho,
que servira 30 anos na legião romana, tinha algum dinheiro amealhado e com ele pagou
a dívida do seu familiar. Mais, não quis que o familiar lhe ficasse a dever fosse o que
fosse. Radiantes com este gesto, o Céu se abriu, o Sol sorriu e, por três dias, o Inverno
se escondeu.
5. Igreja Matriz de São Martinho do Porto
A igreja matriz (mater, matris: mãe) ou igreja paroquial (paróquia) é do século
XVIII, diz o site paroquial. A torre sineira foi edificada em 1878 e tem nela inscrito,
com algumas letras danificadas:
O relógio foi colocado em 18 de Junho de 1908 e vendido por A. C. dos Santos,
Lisboa.
A torre sineira tem um catavento encimado por um galo e este por uma cruz
latina. Interessante a análise
simbólica masculino/ feminino.
Foto 16: torre sineira.
Igreja matriz, como disse,
é mãe/ feminino; um etnólogo
das
religiões
vê
a
missa
dominical como o reentrar no
ventre materno e tornar a sair,
num processo de anamnese, de
renovação
física,
metal
e
psicológica; a torre sineira é
feminina e masculino é o sino e
o galo que marcam o dia e a
hora; o feminino é mãe, que
abraça, que acolhe no seu colo, o masculino é pai disciplinador.
Abaixo da torre sineira, à sua direita, uma placa rectangular com a seguinte
inscrição: ~
29
«FOI EDIFICADA A TORRE EM 1878
COM PARTE DO LEGADO DEIXADO Á CONFRARIA
PELO EX.MO [EXCELENTÍSSIMO] S.NR [SENHOR] JOSÉ BENTO DA SILVA
NATURAL DD’ESTA FREGUESIA»
6. Cemitério de São Martinho
Jazigos e mausoléus ricos. Exemplo é os dois Jazigos no início, lado direito, do
percurso até à capela: família Avellar. Um mausoléu de uma criança, que transcrevo:
A MINHA QUERIDA FILHA
LAURA ALICE D’ AVELLAR SILVA
NASCEU EM 1 DE MAIO DE 1885
FALLECEU EM 19 DE AGOSTO DE 1888
Destes dois jazigos, o primeiro tem placa indicando «MANUEL MATIAS DE
AVELLAR, HERDEIROS, ANO 1898; o segundo, por cima da porta, EDIFICADO
EM -- 98 --- 902» E F. C. D’ AVE[LLAR].
Foto 17: símbolo na porta de um jazigo.
O maior jazigo, salvo erro, é o do
comendador José Bento da Silva que, à
semelhança dos outros, foi construído
com pedra facilmente deteriorável. A sua
localização diz bem da importância social
deste comendador: próximo da capela, o
lugar central de um cemitério, e à sua
direita, o lugar mais importante. Não é
sem razão que a direita é positiva e a esquerda é negativa; até teve lugar a uma
evolução semântica: do latim sinistra (esquerda), para a sinistra portuguesa que
significa funesto, desgraçado, medonho.Os desenhos espalhados por jazigos e
outros são semelhantes a todos os cemitérios: o tempo voa, diz a ampulheta, que
30
marca o tempo, encimada por duas asas; a morte é esqueleto, é caveira, é a tocha
invertida, pois, erguida é fogo, é vida; a morte á a gadanha, não a foice, isto
porque, ceifar com foice é possível selecionar o que se ceifa, mas não com a
gadanha, por isso se diz que a morte leva todos a eito, sem distinção de idade,
classe ou riqueza.
A estes símbolos se junto imagens de santos, Maria e Jesus a par de anjos.
Como exemplo da Teologia do Além (popular), transcrevo o texto de um
mausoléu:
AQUI JAZ
JOAQUIM PEREIRA
N(ASCIDO) EM MILHEIRADO
FREGUESIA DE MAFRA
A 17 – 6 – 1878
F(ALECIDO) EM S(ÃO) MARTINHO DO PORTO
A 5 – 12 – 1935
ETERMA E SAUDOSA RECORDAÇÃO
DE SUA ESPOSA
MARIA JOSÉ PEREIRA
«Aqui jaz Joaquim Pereira é um erro no ponto de vista da Teologia do
Além eclesiástica, mas não da popular. Se o Homem é corpo e alma, o correcto seria
aqui jaz o corpo de Joaquim Pereira. No dia do Juízo Final, os mortos se erguerão em
corpo e alma.
Outro aspecto típico da cultura/ religião popular portuguesa é expresso na
linguagem tipo «já lá está», «até nem era má pessoa». E a esposa, ou filhos, que lhe
escreve o epitáfio a mensagem deste é sempre elogiosa, quer para o defunto, quer para
quem o escreve: «eterna e saudosa», mesmo que a esposa suspire de alívio por o não ter
mais em casa e ainda acrescente que a saudade é eterna, como se ela fosse viver por
toda a eternidade.
31
7. Origens. Análise Toponímica.
A propósito, o limite de São Martinho, melhor, Vale Paraíso/ Alfeizarão,
seria, a norte, o miradouro do Facho, pois Facho < patu fronteira, borda); < pâtu
(território, distrito, região); < patu (bordo). A sul/ sudeste, seria valado de Santa
Quitéria. Valado < baladu ( circunscrição administrativa). Santa Quitéria, segundo
Santo 1989, que seguimos, < krt ( a que corta). Quitéria, diz o autor, é a Astarté
guerreira dos fenícios associada a krt, a senhora do berit/ parazu (1989, p. 258). Ao
centro e central, estaria Vale Paraíso. Raramente Vale está ligado ao vale geográfico.
Vale < bal, bel, baal (senhor; o senhor da aldeia, grande proprietério, professor,
sacerdore, príncipe, rei, deus). Paraíso que, repito está ligado a berit/ parazu (aliança/
contrato, paraíso) < parazu (convocação, acordo). Vale Paraíso seria a morada do
senhor que convocava e dirigia a assembleia.
A norte fica Famalicão < gamali kan ( exercício do direito). Mais a Norte,
Venda Nova < bnt (casa, pessoa)/ bent (estrutura, gente). Nova < nawe/ nab (pastagens,
adivinhos). Assim, casa, povoação onde moram e actuam os adivinhos.A norte,
também, a serra dos Mangues < mn (espécie animal) + gos (bramir): serra onde vivem
os animais que bramem. Mas mangues também pode < man/ mn (quem) + qs ( fatia,
extrema borda). Assim, Serra das Mangues seria o limite nordeste.
32
5. NOSSA SENHORA DA ASSEDASSE
(Folgosinho da Serra)
Nossa Senhora de Assedasse é um nome raro para Nossa Senhora, a Senhora dos
mais de mil nomes. Todos estes nomes e estes nomes raros e pouco compreensíveis se
devem ao processo de cristianização que pretendeu tapar, esconder, antigos deuses e
antigos cultos.
A Capela fica próxima de Covão da Ponte e a festa anual ou romaria realiza-se a
8 de Setembro. Até há algumas dezenas de anos atrás, vinham muitos pastores e os seus
rebanhos eram benzidos.
Utilizando Santo (1993), AsseDasse virá de ash/ aisa (mulher, esposa, fêmea) +
ds’ (reverdescer, brotar). Significa: a mulher do reverdescer. A deusa da Primavera, a
deusa da fertilidade.
Poderá
ser
continuidade
a
das
deusas
Cibele
ou
Astarte,
deusas
da
fertilidade.
Foto 18: capela de Nossa
Senhora de AsseDasse,
2017, foto de Isabel
Saraiva.
Segundo as
placas presentes, fora
e dentro da capela,
esta data do século XII
e é gerida pela Irmandade das Almas de Folgozinho.
Foi restaurada em 1965 e 2005.
RESRAURADA PELO S(ENH)O(R)
JOÃO TADEU
E PELA IRMANDADE
EM 1965
CAPELA ROMÂNICA DO SÉC(ULO) XII
DEDICADA À SANTA MÃE DE DEUS
SOB A INVOCAÇÃO:
NOSSA SENHORA DA ASSEDASSE
Mantendo a traça original sofreu
vários restauros ao longo dos anos
Administrada pela Irmandade das
Almas de Folgosinho foi ela
restaurada em 2005.
O primeiro restauro teve a ajuda
33
de João Tadeu, presidente da Câmara Municipal de Gouveia.
Ligada a Nossa Senhora de AsseDasse, com bandeira na procissão de 09 de
Agosto de 2013, aparece Nossa Senhora da Sardaça, também designada de Nossa
Senhora de Sardacha, em 1265. Tem escrito na bandeira «padroeira dos agricultores.
Utilizando Santo (1993), Sardaça ou Sardacha virá de sr/sar (cantar, assediar; príncipe;
banda, grupo) + ds’/ dèsèa (relva tenra, erva nova). Significa: cantar a erva nova, cantar
a relva tenra; o príncipe da erva nova, o príncipe da relva tenra. Um nome próximo da
Senhora DasseDasse. Este príncipe poderia ser Adónis, o símbolo da vegetação que
morre no Inverno (permanecendo com Perséfone, no mundo inferior) e regressa à terra
na Primavera (onde fica com Afrodite).
Outros nomes:
VALE DO ROSSIM: ros (tremer, abalar-se, sacudir-se, ser abundante) + imm (fontes
termais, víboras) ou ym (dia, mar, Yammu- deus do mar). Significa: vale abundante em
fontes termais, vale abundante em águas. Relaciona-se com os anteriores.
VIDEMONTE: bi (por favor, com permissão) + di/ dei (o suficiente, o necessário, de
acordo com, quanto possível) + montu (parte que cabe em herança). Significa: herança
de acordo com a permissão.
PORTELA DE FOLGOSINHO: portela, escreve Almeida, existe em mil lugares em
Portugal e é um dos casos em que há junção de um termo semita e outro latino. Vem de
pr + tl (ugarítico) e significa romper colina, romper outeiro, por + tel (hebraico antigo)
e significa abrir colina, escancarar colina; paru + têlu (acádico e assírio-babilónico) e
significa trespassar colina, cortar colina, dividir colina; porta (latim) e significa
passagem, saída, desfiladeiro, garganta. (2009, p. 28).
CASAIS DE FOLGOZINHO: casal é o mesmo que catraia e significa povoação
pequena.
34
6. COVIDE, TERRAS DE BOURO
Santa Eufémia
Este artigo foi criado durante o período da quarentena por causa do Covid 19,
Abril de 2020.
Covide tem perto de 300 habitantes e fica no Parque Nacional Peneda-Gerês.
Se Covide vem do fenício-cartaginês, a língua falada pelos nossos Lusitanos, poderá
vir:
Covide « kbd (honrar, ser glorificado; ser duro, ser insensível). e/ou de
Covide « kbd /kobed (pesado, opressivo, cruel). e/ou de
Covide «kbd/ kôbèd (peso, fardo).
Foto 19: brasão de Covide, retirado de Google, 2020.
As línguas cananitas não têm vogais: a
leitura e o significado variam conforme as
sonoridades vocálicas introduzidas, mas sempre
significados próximos; e o v e o f não existem. O
F é p ou ph, tal como a pharmacia portuguesa,
até ao acordo de 1911, como centenas de
palavras do francês e outras línguaseuropeias; o
V é b, tal como no Minho, onde vaca é baca; tal como no castelhano, onde Ivan é Iban,
como já escrvi. Tal como em mais de trinta palavras portuguesas em que o adjectivo é,
por exemplo, sustentável e o substantivo é sustentabilidade.
Assim, Covide significará o insensível/ o cruel e glorificado. Parece apontar
para a glorificação do sagrado negativo, vulgo, o maligno, o demónio. Não esquecendo
que a diabolização do diabo é eclesiástica, dogmática. O diabo dos contos populares é
um bom homem. É compadre de muitos camponeses pobres e cheios de filhos e,
coitado, é sempre enganado pelas mulheres.
Para finalizar este estudo, seria necessário passar uns dias em Covide, percorrer
caminhos e montes e falar com pessoas.
O Site da Câmara Municipal diz: «A veiga da Santa, em Covide, clareia entre o
casario de muitas gerações e a sombra de bosquetes de carvalhal sobrevivente.
Recordam-nos estes sítios as memórias piedosas do dealbar do cristianismo,
cristalizadas aqui no martírio e no milagre da Santa Eufémia.
35
A Matriz, com orago de Santa Marinha, é uma construção com cerca de 4
séculos que apresenta um altar de estilo renascentista.
Do conjunto de nichos religiosos sobressai a capela do Calvário, construída no
ano de 1887, dedicada ao Senhor dos Desamparados e à Senhora das Angústias. A
capela de Santa Eufémia, provavelmente edificada no século XVII, apresenta um altar
de estilo renascentista. Existe, ainda, a capela de S.
Silvestre, em Freitas e Nossa Senhora dos Remédios
pertencente à propriedade da chamada “Casa da
Venda”.
No enquadramento do património histórico fazse referência ao cruzeiro do Outeiro do Rei, ao
Penedo de Santa Eufémia, ao Cruzeiro de Sá, à
Casa do Passadiço e à Casa do Latim.» (O negro é
meu).
Foto 20: Santa Eufêmia. por Mantegna, século XV, no Museo e
Gallerie Nazionali di Capodimonte, em Nápolis. De: wikipedia
2021.
Peguemos nos santos, que continuam deuses e
deusas antigos. Lembrem que quando Cristo veio ao
mundo já a religião egípcia, por exemplo, tinha 3.000
anos!
Eufémia viveu no século III d.C. Desde a sua
infância que consagrou a sua virgindade a Cristo. Fui torturada na roda para renegar a
sua fé e veio a morrer na arena atacada por um urso ou um leão, como mostra o quadro.
Tem uma espada cravada no peito, sinal de suplício; na mão direita, a palma do
martírio; na esquerda, a açucena, branca, da pureza, da virgindade. Noutras imagens, o
leão aparece ao seu lado direito, o positivo, como nesta e como se fosse um animal de
companhia. Aliás, mesmo mordendo, este leão não parece querer decepar o braço da
santa! Assim, vamos por outro caminho.
O leão a hipóstase animal do evangelista São Marcos. Os leões são um símbolo
de realeza e eram representados montados por heróis, reis e deuses, ou junto aos seus
tronos. O carro da deusa-mãe Cibele era puxado por leões. (Ver filme Crónica de
Nárnia). Assim, o leão dá a santa Eufémia o estatuto de deusa-mãe, da poderosa,
daquela que pode ser colocada ao lado de Maria, mãe de Cristo.
36
Em
451
reuniu-se
o concílio
de
Calcedónia,
o
quarto concílio
ecuménico da Igreja Católica, na catedral dedicada à santa. O Concílio repudiou a
doutrina eutiquiana do monofisismo. Eutiques, fundador do monofisismo, negava que,
depois da encarnação, Cristo tivesse duas naturezas, humana e divina; antes, uma só, a
divina. A santa, no seu túmulo fez o milagre, provando que o Concílio tinha razão: duas
naturezas. Há aqui a clara diabolização da «seita» monofisista, uma das muitas dezenas
nos primeiros dez séculos de Cristianismo e Catolicismo. Não esquecendo que os
seguidores das «seitas» saídas do Catolicismo eram perseguidos e mortos. Isto é,
durante séculos os católicos fizeram aos outros o que lhes havia sido feito a eles.
A diabolização de quem não se gosta é milenar e cultural. Permanece a
expressão «é o diabo em forma de gente».
Santa Marinha ou santa Marina foi a santa que foi combater, e bem, pelo seu pai.
História bem explorada por Disney, em Mulan, igualmente virgem. Aqui, luta contra o
demónio. Não há homem por aqui? Não. Desde quando uma deusa precisa de homem
para procriar?! Mais, sendo o demónio o único homem, podemos avaliar a importância
que as santas lhe atribuem, ao homem. O mesmo que as abelhas ao zangão ou algumas
espécies de aranha
Senhor dos Desamparados faz lembrar o Senhor a quem recorrem os perdidos,
mas arrependidos, isto é, que andam ou andaram por outras religiões, menosprezadas
pelos cristãos com o nome de «seitas». A Senhora das Angústias completa este cenário,
ao lado do seu filho.
E quem seriam estes desamparados estes que, lembrem Covide, glorificam o
sagrado negativo? São os que viviam na Casa da Venda. Casa, ou casal, e mesmo
catraia, significam povoação pequena, povoação sem importância, mas onde vivem
famílias com parentesco próximo. Venda, nada tem a ver com venda, taberna, e muito
menos com estalagem como querem os de Vendas Novas, pois ter origem numa taberna
não é coisa apreciada! Santo escreve que Vendas Novas vem do fenício. Venda vem de
bnt (casa, pessoa). Há aqui uma repetição, comum nas línguas cananitas: o original e a
sua tradução: casa-casa, como acontece, por exemplo, porta da ravessa, porta-porta;
porto de mós: porto-porto.
Continuando com Santo (1989), Vendas Novas poderá vir de bent nab (casa dos
profetas ou juízes; local da profecia ou dos oráculos). Ora, Casa da Venda seria o local
37
onde viviam algumas famílias dedicada à profecia, aos oráculos, coisas diabolizadas
pelos cristãos. Não admira que os considerassem desamparados.
Continuando. As antigas religiões, diabolizadas pelos católicos com o nome de
«pagãs», cultuavam deus, como muitos judeus o fizeram, a começar por Abrão ou
Moisés, nos lugares altos e nas grandes rochas. Ora, para fazer esquecer antigos cultos
nada melhor que cristianiza-los, os cultos e os lugares: outeiro do rei, não é monte do
rei, é monte do senhor, monte de Baal, que é o senhor, o senhor deus, o senhor grande
juiz, o senhor grande sacerdote, o senhor grande proprietário. Algo que permanece na
cultura portuguesa e mediterrânea visível nas formas de tratamento: quem são os
senhores na aldeia?
O penedo de santa Eufémia está explicado. Lembro que da rocha brota a água,
como fez Moisés, água que mata a sede do corpo, mas também a sede de conhecimento.
Um cruzeiro cristianiza um lugar sagrado, há muito: um centro, uma encruzilhada, o
lugar onde alguém morreu (assassinado, fulminado por um raio…); hoje, colocam um
ramo de flores no local onde alguém morreu atropelado ou por acidente auto. Sá vem s/
sa/ sè (que, do qual se diz que). Assim, o cruzeiro do qual se fala, o lugar do qual se
fala. Continuamos, pois, com referência repetida a um lugar pequeno, onde há oráculos,
feitiçarias. Casa do Passadiço e casa do Latim: casa já foi dito; Latim poderá vir de ltn
(Latanu, monstro ou demónio do mar), pequeno lugar do demónio do mar, pequeno
lugar das famílias do monstro, do demónio. Com menor certeza, passadiço virá de pasu
(moer, derreter) + dis (pisar, destruir). Pequeno lugar onde se destrói, onde se derrete.
Concluindo, Covide significará o insensível/ o cruel e glorificado. Pequeno
lugar de famílias próximas, pelo parentesco e profissão, onde um deus cananita é
adorado e onde são feitos oráculos e profecias, e mesmo danças orgiásticas, e onde
havia sacerdotes que passavam o seu saber a iniciados. O deus seria Lotanu, demónio
dos mares é fácil de diabolizar por parte dos cristãos. Contra este deus e todos os seus
adoradores se ergueram, lutaram e venceram Santa Eufémia e Santa Marinha.
38
7. PINHEL
Brasão e Toponímia
Lê-se em https://pt.wikipedia.org/wiki/Pinhel que o nome de Pinhel se deve aos
muitos pinheiros que existem, ou existiam, na região. Hoje, poucos são os que aceitam
esta explicação. De facto, a ser verdade, Leiria seria Pinhel, a partir do século XII. E o
que dizer da zona do pinhal do distrito de Castelo Branco? Oleiros, Sertã e Proença-aNova seriam Pinhel, Pinhel e Pinhel.
Pinhel virá de bin (compreender, saber, considerar) + hl (eis aqui): Significaria:
eis o local onde se é considerado, eis o local onde se é compreendido. Ou de pu
(embocadura, lei, conteúdo de um escrito) + nhl (dirigir, conduzir, guiar
cuidadosamente, abastecer, suprir). Significaria: conduz à embocadura; ou local onde se
dirige de acordo com a lei, de acordo com o que está escrito. Este significado relacionase com o primeiro, onde se é compreendido.
Santo (1988) escreve que Pinhel vem de pinah (juntura, encruzilhada). Pinhel é a
encruzilhada. Nesse caso, terá mais a ver com embocadura.
1. O Brasão
O brasão mais antigo de Pinhel era constituído por um pinheiro, uma lebre a seus
pés,
e
um
falcão
em
cima
dele.
Em
http://www.ointerior.pt/noticia.asp?idEdicao=809&id=47308&idSeccao=11383&Actio
n=noticia lê-se a lenda que o explica: «Corria o ano de 1385, os castelhanos batiam em
retirada após a derrota em Aljubarrota, quando os corajosos pinhelenses capturaram o
falcão de estimação do rei invasor, D. Juan. O gesto mereceu elogios de D. João I, o
Mestre de Aviz, que descreveu a cidade como “Pinhel Falcão, Guarda-mor de
Portugal”. Luciano Monteiro, o diretor do Museu Municipal, continua a ler-se, «não
compro esta história: kisso é claramente uma lenda, porque se eles tivessem capturado o
falcão o mais provável era terem-no comido”, afirma, sorrindo».
Na verdade, é uma lenda, mas a lenda não é uma mentira. A lenda é uma
verdade real no campo do mitológico, simbólico, onírico, no tempo litúrgico e na
geografia sagrada. Enquanto o que chamamos História é uma verdade real no campo do
tempo cronológico e da geografia científica.
39
Mas o que mais surpreende nesta lenda é a discrepância entre o pequeno acto de
capturar um falcão e a valiosa recompensa de tornar Pinhel a «Guarda-Mor de
Portugal». Em linguagem popular, «não dá a neta
com a pataneta». Voltemos ao brasão.
Foto
21:
de
http://kliqueseolhares.blogspot.pt/2010/03/brasao-com-asarmas-de-pinhel.html.
O autor da foto 21 escreve no seu blogue que
em Pinhel Falcão, de Ilídio da Silva Marta, o coelho
está do lado esquerdo.
Chevalier e Gheerbrant (1982) escrevem que
o falcão era, no Antigo Egipto, o rei das aves, devido
à sua beleza. Simbolizava o princípio celeste. Era a
encarnação de Horus. Era o sol. O falcão é um
símbolo solar, uraniano, masculino e diurno.
A lebre – coelho, dizem Chevalier e Gheerbrant, porque dorme de dia e cabriola
de noite, é lunar. A lebre, continuam, «é muitas vezes considerada como cratofania da
lua […] Quando não é a própria lua, o coelho ou lebre é seu cúmplice ou um seu
familiar próximo». Mas tudo o que está ligado à ideia de abundância e multiplicação
dos seres e bens transporta igualmente a ideia de «incontinência, de desperdício, de
luxúria, de desmedida». (1982, pp.402-403). Na Idade Média, continuam os autores, o
falcão, por vezes, era representado a despedaçar lebres.
Em heráldica, lê-se em http://portugaldelesales.pt/pinhel-cidade-falcao-lendahistoria-se-cruzam/, pinheiro é protecção. O pinheiro é símbolo da imortalidade, o que
se explica quer pela folha persistente, quer pela resina, que é incorruptível. Os imortais
taoistas, escrevem Chevalier e Gheerbrant, «alimentam-se das sementes das agulhas e
da resina». É o seu único alimento e torna-os leves e capazes de voar. (1982, p. 527).
Face ao exposto, o que se vê neste brasão é a vitória do princípio masculino,
solar e diurno sobre o princípio feminino, lunar e nocturno para todo o sempre. Porém,
se houve necessidade de esculpir esta victória, sinal é que sucedeu a um domínio do
feminino, a uma época matriarcal.
Se a lebre - coelho estava do lado esquerdo e está no lado direito quer isto dizer
que estava no lado negativo e está agora no lado positivo do positivo.
40
Contudo, a lenda diz que apanharam o falcão do rei João de Castela. Ora, falcão
vem do fenício-cartaginês, a língua falada pelos nossos Lusitanos. Segundo Santo
(1989) falcão < pl kan, falakan (juiz das leis, juiz das regras). E se os corajosos
pinhelenses tivessem antes resgatado um João das Regras?! E se, em Pinhel, houvesse
uma comunidade taoista que, acreditava-se, tal como o falcão, e porque comiam as
sementes das agulhas e a resina dos pinheiros, tinham a capacidade de voar?!
2. Ribeira da Pega e Ribeira das Cabras
Estas duas ribeirras limitam Pinhel. A pega é sinónimo de tagarela e de ladra.
Chevalier e Gheerbrant escrevem que se sacrificavam pegas ao deus Baco a fim de que,
com ajuda do vinho, «as línguas se soltassem e se revelassem os segredos». (1982, p.
515). Na Índia, a cabra é a mãe do mundo. Os autores referem que a ideia de associar a
cabra à manifestação de deus é muito antiga.
Nem pega tem a ver com prostituta, nem cabras com cabras, outro nome de
prostituta ou mulher de cama incerta. Utilizando o Dicionário Fenício-Português, de
Santo (1993), cabras poderá vir de kbr (multiplicar) ou de qabru (sepulcro) ou qbr
(sepultura). No primeiro caso, será a ribeira dos múltiplos afluentes e de muita água e,
por este facto, se multiplica a riqueza agrícola; no segundo, a mais aceitável, ribeira
junto à qual se sepultam, há cemitérios. Seriam sepulturas escavadas na rocha e/ou no
chão.
A ribeira das Cabras nasce próximo da povoação Rapoula. Rapoula, utilizando o
dicionário de Santo (1993), vem de rhp (tremer, estremecer, pairar) + oli/ olai (superior,
altíssimo). Significa: onde paira o altíssimo. Será um local alto e onde o(s) deus(es)
eram venereados.
Desagua junto ao local denominado Santa Maria de Porto de Vide. Reis (1967)
não refere esta invocação de Nossa Senhora nas 1.300 invocações apresentadas. Os
cristãos e católicos utilizaram os nomes de Nossa Senhora e dos santos para
cristianização de certos lugares, cultos e deuses que apelidaram, pejorativamente, de
pagãos. Vide, utilizando Santo (1993), virá de pid (coração, sentimento, bondade;
decadência, destruição, infortúnio). Significa; porto da bondade; ou porto do infortúnio.
Entenda-se porto no sentido específico de porto marítimo ou fluvial; ou, no sentido
geral, abrigo, apoio.
41
Seguindo Almeida (2013), pega, no sentido de pegar, vem de pahu ou pehu, que
se lêem pague e pegue e significam fechar, aprisionar. Seria a ribeira fechada,
aprisionada; teria muros?!
Rio Côa, seguindo Santo (1993), vem de kh/ kôh (força, poder, capacidade,
habilidade, recursos). Significa: rio da força, rio do poder, rio poderoso. Rio Massueime
virá de massu (príncipe) + hmh (fazer ruído, bramir, gemer, inquietar-se). Significará:
príncipe que brame, príncipe que faz ruído, príncipe que afirma a sua autoridade em tom
forte.
42
8. NOSSA SENHORA DE ALCAMÉ
Uma Lenda da Serpente
A Ermida de Nossa Senhora Alcamé (Porto Alto – Vila Franca de Xira) foi mandada
construir em 1746 pelo 1º Patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida. Iniciada em 1746, terá
terminada a construção por volta de 1796.
A
igreja
é
dedicada
a
Nossa
Senhora
da
Conceição,
lê-se
em
https://amateriadotempo.blogspot.com/2011/06/padroeira-dos-campinos.html, «mas o povo deulhe o nome de Nossa Senhora de Alcamé. Este nome Alcamé é de origem árabe (como é uso nos
hidtoriadores !) e significa "trigo". Nossa Senhora de Alcamé é a padroeira dos campinos do
Ribatejo e a ela está associada uma lenda, que reza assim:
Em tempos, um pastor encontrou uma pequena cobra e dedicou-se a criá-la,
alimentando-a com o leite das ovelhas. A certa altura terá adoecido, ficando vários meses sem ir
ao campo. Quando lá voltou, foi ao mouchão e assobiou pelo réptil, como costumava fazer. A
cobra apareceu, mas não o reconhecendo, atacou-o de goelas abertas. Aflito, o homem invocou
a protecção da Virgem, que apareceu em sua glória, e lançou para a boca da serpente uma maçã.
Engasgada e sufocada, a cobra morreu e o pastor salvou-se.
Esta lenda é de uma tal simplicidade que ela afirma a sua veracidade. Veracidade no
campo do onírico, que não no campo do real, como todas as lendas. Contudo, relata também um
processo de cristianização de um culto bem mais antigo.
Coloquem-se algumas questões: nem cão algum, nem cobra alguma esqueceria o seu
criador ao fim de alguns meses, como provam dezenas de cães fiéis. E a prova está na lenda: o
pastor assobiou e a serpente reconheceu o assobio e veio ter com o pastor. Isto contradiz que
não o reconheceu, como contradiz que o atacou. A virgem atirou-lhe uma maçã à boca e a cobra
morreu sufocada. Pouco provável este facto, pois é do conhecimento geral a capacidade das
cobras engolirem volumes muito superiores à capacidade da sua boca. Em terceiro lugar, atirou
uma maçã e não uma pera, um figo ou outro fruto.
Sigo os Contos Populares Portugueses, (1977) volumes 2 e 3 e Carvalho (2007).
Segundo um conto popular, está uma moira encantada na torre-de-dona-chama. Essa moira é
mulher da cintura para cima e serpente da cintura para baixo. Um dia, passou por lá um homem
e ela disse-lhe que não tivesse medo quando a visse totalmente, de alto-a-baixo, pois lhe daria
muito dinheiro. Ele prometeu, mas, ao vê-la, teve medo e atirou-lhe o casaco. «Ah! Que me
dobraste o encanto», disse a moira. Lá continua encantada e conta-se que, na manhã de São
João, se ouve um tear a trabalhar. Um outro, conta que um rei tinha três filhos e o mais novo,
conta o conto «A Linha Azul e a Linha Branca», era o mais esperto. Um dia, num castelo,
matou uma enorme serpente, cortando-lhe a cabeça. Era a serpente que ameaçava o rei, sua
43
esposa e suas três filhas. Como paga, os três irmãos casaram com as três filhas do rei, cabendo a
mais nova ao mais novo, «pois que era esta quem recebera do príncipe o beijo». Um beijo que o
príncipe lhe havia dado na noite anterior, quando ela estava adormecida, antes de matar a
serpente.
A serpente do conto «A Princesa Encantada em Cobra» é uma princesa. Um dia, um
rapaz muito pobre, que andava a arranjar lenha, viu-a e esta pediu-lhe para que a levasse ao colo
e a passa-se para lá do ribeiro. Mais tarde, terminado o encantamento, enamoraram-se e
casaram.
A tradição popular também apresenta a serpente como uma mãe protectora e uma terna
namorada. Conta Eliano, historiador antigo, que um doce rapaz da Arcádia se criou juntamente
com uma terna serpente, dormindo juntos. À medida que iam crescendo, a serpente tornou-se
enorme e familiares e amigos do rapaz, temendo o pior, levaram a serpente para muito longe,
para um lugar semi-deserto, aí a abandonando. Passados anos, passou por aí o rapaz e foi
assaltado por ladrões. Ferido, gritou por ajuda. A serpente reconheceu a voz e silvou. Correu a
ajudar o seu amigo, matando e afugentando os ladrões. Esta serpente, passados que foram tantos
anos, não só reconheceu a voz do seu amigo como esqueceu que fora abandonada ao
esquecimento.
Interessante é igualmente a história de um bonito rapaz da comarca egípcia criado por
Hércules. Este rapaz, escreve Eliano (1989), guardava gansos e apaixonou-se por uma áspide
fêmea. Esta correspondeu-lhe e foi de tal modo a sua relação que a serpente, através de sonhos,
avisava o seu amado das tramas que seu marido, áspide macho, urdia para o matar.
A serpente é, sem qualquer dúvida, a Grande Mãe e a senhora do subsolo. Fazer-lhe mal
é fazer mal à própria Mãe e isto paga-se caro. Um certo lavrador, conta Eliano, estava a fazer
uma cova na sua vinha. Sem querer, cortou ao meio uma serpente que se ocultava debaixo da
terra. Metade da serpente ficou ali, mas a metade com a cabeça, sangrando, fugiu. O lavrador
enlouqueceu. Ao fim de algum tempo de loucura, os familiares levaram-no ao templo de Serápis
que, condoído, o curou. Contudo, a serpente havia-se vingado. Outra história refere uma mulher
que comeu ovos de serpente. Em virtude de tal ficou corroída de dores e a toda a hora se
esperava a sua morte. Uma vez mais, Serápis, condoído, salvou-a. Não deixa de ser interessante
que, pelo menos em português, Serápis é palavra próxima de serpente.
Donde veio este culto da serpente. Originário da Frígia, escreve Alvar (1995), tal como
Cibele e aparentada com ela veio Sabazio, um deus bem conhecido no mundo grego no século
IV a.C. Nos ritos deste deus «a serpente desempenha um papel fundamental, pois simboliza a
própria divindade, na sua dimensão ctónica e sexual, pois o contacto do iniciado com o animal
divino sugere um contacto hierogâmico». Por esta razão, Sabazio afirma-se como o deus da
44
fertilidade e da reprodução. Diodoro da Sicília menciona ritos nocturnos, «pois o comércio
carnal não deve realizar-se à luz do dia,» que culminavam em íntimas relações sexuais.
A cobra ou a serpente possuem hoje aquele misto de repulsa e atracção, antagonismo já
existente na Antiguidade Clássica, onde é possível observar claramente a coexistência destes
dois sentimentos. Por um lado, a serpente é tida por um animal perverso. Tão perverso que
nasce do tutano, da espinal-medula, do cadáver humano à medida que entra em putrefacção. É o
que dizem Plínio e Eliano (1989), acrescentando este que, sendo a serpente tão perversa, só
pode nascer de cadáver de homem perverso. A serpente é o animal de mais aguda visão e
ouvido, o que ajuda a esta perversidade. Daqui e desta opinião se entende já o Gênesis. Serpente
é o mesmo que dragão. Para além de o dragão morto pelo Arcanjo Gabriel ser a serpente do
Gênesis, isto é, o Diabo, é vulgar a mesma lenda ter ora uma serpente ora um dragão. É o caso
da lenda do grego Cadmo. A serpente da fonte onde fundou Tebas é, em Apolodoro (1985), um
dragão.
Face ao exposto, parece correcto, finaliza Carvalho (2007), afirmar que há ligação entre
a Serpente, a Grande Mãe e a Moira, sendo as três a mesma iniciadora, e que a noite orgiástica
de São João é hoje a sublimação de muito antigos cultos. A noite de São João é a porta da
sexualidade, da noite, da Lua e dos seus segredos.
Assim, a virgem atira uma maçã à boca da serpente por ser (tradicionalmente) a maçã a
fruta descrita no Gênesis (3, 1-6): «Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do
campo que o Senhor Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não
comereis de toda a árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do
jardim comeremos. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não
comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais. Então a serpente disse à mulher:
Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os
vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E viu a mulher que aquela árvore era
boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do
seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela».
Claramente, não se refere qual o fruto, ainda que o começo da garganta humana seja
denominado «a maçã-de-Adão». É bem provável que o fruto fosse o figo, pois que se lê em Gn
3,7: «Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas
de figueira, e fizeram para si aventais». Ambos estariam debaixo de uma figueira e não de uma
macieira. A colocação da maçã tem a ver com a mudança do fruto símbolo da sexualidade que
foi durante milénios, e ainda o é, o figo. É o catolicismo que introduz a mação como símbolo da
sexualidade e também da tentação. Assim, a virgem atirar uma maçã à cobra é um acto de dupla
diabolização: da cobra (a grande das religiões antigas) e da maçã (o fruto da tenção e da
introdução do pecado no mundo pela mulher).
45
Prova final, e fruto do processo de cristianização, várias vezes aqui referido, é o orago
da capela: Nossa Senhora da Conceição. Conceição é a que concebe, anda grávida e dá à luz. É
a continuação cristã da Grande Mãe. Por isso tem o crescente lunar sob os seus pés, continuando
Cibele; mas é apresentada com os pés sobre a serpente, isto é, a diabolização desta e daquela e a
consequente cristianização de milenar rito, crença e divindade.
Dir-se-á que a capela é apenas do século XVIII, muito séculos depois de Cibele. A
construção de uma capela é executada sobre um outro templo ou lugar de culto e um acto de
cristianização, o que diz do lugar sagrado e do culto prestado.
O blogue atrás citado diz que Alcamé é árabe e significa «trigo». Dois reparos: Al ser
árabe não passa de um cliché, como escreve Santo (1993). Al é fenício e significa povoação,
castelo; parentela; segundo, que palavra árabe? No entanto, fico com o significado trigo.
Utilizando o Dicionário Fenício-Português, Santo (1993), Alcamé virá de alu
(povoação, castelo, mansão; parentela, gente da mesma linhagem) + qmh/ quèmah (farinha) ou
+ qemu (moer, farinha em pó). Significará: a parentela da farinha. Isto quer dizer que toda
aquela vasta área era semeada de trigo. Agora, não se vislumbra trigo, antes tomate, melão e
pimentos. Mas até à década de 1970, todos estes campos eram semeados, maioritariamente, de
trigo e esta seria a cultura predominante durante séculos. Ainda em 1943 e 1944, escreve
Madaleno (2006), a Companhia das Lezírias colheu, entre a produção própria e a dos rendeiros,
1.270.000 kg e 908.985 kg, respectivamente.
O significado «parentela da farinha», hoje, poderia chamar-se «confraria da farinha»,
compreende-se perfeitamente se se ler Chevalier e Gheerbrant: «a farinha designa um alimento
homogéneo, material, intelectual, afectivo, de que se alimentam certos grupos e que torna os
seus membros semelhantes, como se ouve dizer «são farinha do mesmo saco». (1982, p.
317). Assim, teria lugar neste lugar da capela de Nossa Senhora de Alcamé a reunião destes
confrades num repasto alimentar-social-religioso à base de farinha. É bem da lembrança dos
mais velhos a alimentação à base do pão, seja em pão, em biscoitos, doces ou farinha que era
diluída em água quente, como sopa, e à qual se juntava, ou não, um pouco de açúcar.
Concluindo, Nossa Senhora de Alcamé é a cristianização do que hoje se chamaria Confraria da
Farinha.
46
9. VIANA DO ALENTEJO
O Brasão e a Senhora D’Aires
1. O Brasão
O Brasão de Viana do Alentejo, lê-se no portal da Câmara Municipal,
http://www.cm-vianadoalentejo.pt/pt/site-municipio/cmunicipal/Paginas/Brasao.aspx, é
composto por «um escudo com um leão acompanhado lateralmente por dois escudetes
carregados cada um, pela Cruz de São Jorge ou pela Cruz de Cristo. O escudo central é
ainda acompanhado em cima e em baixo por uma estrela formada por dois triângulos
com seis RAIOS». Ora, são de facto duas Cruz de Cristo e as estrelas são estrela de
David,
o
símbolo
mais
conhecido
de
Israel,
como
bem
diz
http://www.ngw.nl/heraldrywiki/index.php?title=Viana_do_Alentejo_(city): «Escudo de
negro, em abismo um escudete de vermelho, carregado de um leão de ouro e
acompanhado nos flancos de dois escudetes de prata, carregado cada um de uma cruz
pátea de púrpura e em chefe e em contra-chefe de duas estrelas de David, de ouro.
Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco com os dizeres a negro : " VIANA
DO ALENTEJO ".
Contudo, o brasão colocado na fachada da actual Repartição de Finanças e que
foi, certamente, Casa da Câmara e sede da Câmara Municipal é bem mais sugestivo. Ao
centro, um leão; de lado, duas Cruzes de Cristo; alto e baixo, duas Estrelas de David. A
de baixo tem o ano 1683,
com dois dígitos de cada
lado. A mesma data mais em
baixo. A legenda diz: « o
DEA
ENTEIO
o
CONCELHO
DO
DE
VYIANNA ».
Foto 22: brasão de Viana do
Alentejo, 2017.
Interpreto
da
seguinte forma:
(i)
há
influência
judia no município, e a dupla Estrela de David confirma tal facto. Além disso, na
47
toponímia de Viana, há a Rua do Adro dos Judeus, segundo o Google. Rua do Adro,
largo do Adro. No início, escreve Carvalho, «o Adro seria apenas o lajeado frente à
porta da entrada principal da igreja matriz. Durante séculos, era já lugar sagrado, ou présagrado. Quem tivesse praticado crime e aí se refugiasse, não poderia aí ser preso. Mais
tarde, o Adro ter-se-á alargado a todo o espaço à volta da igreja e, depois, ao largo onde
se localiza a igreja matriz. Este é o Adro, Largo do Adro, Largo da Igreja».
Almeida (2013), continua o autor, escreve que Adro não vem do latim atriu,
que significa sala de entrada, o nosso átrio, mas do fenício adr (ader), que significa
cerca, cercado. Adro será um cercado de árvores grandes. E/ou será um cercado de
parede com ou sem árvores como acontece em Alcafozes, Rosmaninhal e Ladoeiro».
(2017). Assim, Adro seria o local privilegiado de reunião ou encontro dos judeus de
Viana.
Contudo, investigando no local, observei que é Rua A dos Judeus e Largo A
dos Judeus, ainda que, a meio da rua, esteja a placa com rua Adro dos Judeus. É natural
que, pronunciando «A dos», se ouça «Adro», principalmente quando não se conhece o
significado de «A», que é frequente em Portugal: A dos Cunhados, A dos Melros, A dos
Francos, A da Beja,… «A» significa comunidade, aldeia. Assim, Rua e Largo A dos
Judeus é Rua e Largo da comunidade judaica.Será interessante investigar se, antes de
ser hospital da Misericórdia de Viana, século XVI, não terá sido sinagoga.
Mais, se ROIZ é nome de origem hebraica, quatro estão sepultados na igreja
matriz de Viana. Lado esquerdo da porta de entrada: «S.D.Dº. Roiz E D S.M.»; lado
direito: «S.D.D. ROIZ»; lado esquerdo da capela-mor: «S.D. LOPO ROIZ DE
CASCONSELOS FIDALGO DE COTA DARMAS E SEVS ERDºs»; lado direito:
«S.D. DºI ROIZ RABELO PROVEDOR Õ FOI DA FAZ da DE REI E D. SEVS E D.
FALECEO DOMINGO DO ANNO D 1569 E DE Mª DES OBITO MAIOR E DO
SOCEPES DA PELA ÕI EM NSTE RVIDOP».
(ii)
A legenda, DEA ENTEIO é latim aporteguesado. Dea é o nominativo
(sujeito) de Dea, deae (a deusa); Enteio é a palavra portuguesa do adjectivo Entheus,
Enthea, Entheum que, por sua vez, vem do grego, e significa (inspirado por uma
divindade, cheio de entusiasmo); a expressão mater entheia significa (a deusa que
inspira, Cibele). Proponho para dea (deusa) significado próximo a mater (mãe).
Proponho as traduções: a deusa que inspira, a deusa cheia de entusiasmo. Chamando a
deusa pelo seu nome, proponho: Cibele inspira, sob inspiração de Cibele. Assim, lendo
48
toda a legenda: «a deusa Cibele inspira o concelho de Viana», «a deusa Cibele é a
inspiradora do Concelho de Viana».
Quem foi Cibele? Chevalier e Gheerbrant escrevem que Cibele é esposa de
Saturno e mãe de Júpiter, Juno, Neptuno e Plutão, os deuses dos quatro elementos,
«simboliza a energia encerrada na terra». É a fonte de toda a fecundidade. Este facto
liga-a à lenda da Senhora d’Aires, como à frente se diz. «O seu carro é puxado por
leões; o que significa que ela domina, ordena e dirige a força vital».(1989, p. 80). O leão
do brasão de Viana do Alentejo é o animal de Cibele, é a sua hipóstase animal.
O seu culto foi trazido da Frígia para a Grécia e daqui para Roma no século III
a.C. Cibele é a Deusa Mãe, a Magna Mater. Na época da decadência do império,
«Cibele será associada ao culto de Átis, o deus morto e ressuscitado periodicamente,
num culto dominado pelos estranhos amores da deusa por ritos de castração e pelos
sacrifícios sangrentos no taurobólio». (1982, p. 193). Cibele não aparece no Antigo
Testamento, mas aparece Astarte que, na Fenícia, escreve Feraudy (1995), era a
encarnação de Cibele. Aparece com o nome de Asterot. Aparece em Jz 2,13; 3,7; 10,6; 1
Sm 7,3-4; 12,10; 31,10; 1 Rs 11,5; 2 Rs 23,13; 23,4. Ambas são deusas da fertilidade e
ambas têm na torre um símbolo. Cibele tem uma coroa na forma de duas torres, é a
guardadora das torres e, segundo http://teolovida.blogspot.pt/2015/10/semiramisastarte-e-cibele-evolucao.html, Astarte significa «a mulher que faz torres». A Igreja
Cristã, repito, cristianizou este culto com Santa Bárbara que é a santa da torre. Viveu
numa torre, conforme imposição do pai, para proteger a sua virgindade. O que se
compreende, pois a torre, sem porta, é o símbolo da virgindade. Mas não se
compreende, por nada o indicar, que seja protetora contra raios e trovoadas.
Compreender-se-á, porém, se Santa Bárbara continuar, que continua, Cibele e Astarte,
pois as divindades do trovão são as divindades da chuva e da vegetação, isto é, da
fertilidade. Por esta razão, se pode ligar Cibele aos judeus, no brasão de Viana.
Debaixo do brasão a placa seguinte:
49
O CONCELHO DE VIANNA DO ALENTEJO
CUJO PRIMEIRO FORAL DATA DE 1255
SUPRIMIDO EM 12 DE JULHO DE 1895 FOI RES
TAURADO EM 13 DE JANEIRO DE 1898, GRAÇAS AO
MOVIMENTO MUNICIPALISTA POR ELLE INICIADO.
EM MEMORIA DE TÃO FAUSTOSO SUCESSO,
O POVO VIANNENSE MANDOU COLOCAR
ESTE PADRÃO, AOS 17 DE MAIO DE 1898
Dois reparos. Primeiro, a rapidez como foi conseguida a anulação da lei que
extinguiu o Concelho, 2 anos, 6 meses e 1 dia. Sabendo do peso da burocracia em
Portugal, foi mesmo rápido. Segundo, a força do movimento municipalista. O que
permite afirmar que havia, ao tempo, pessoas com poder, dinheiro e influência na
capital do império. Um deles terá sido o primeiro presidente da Câmara Municipal,13 de
Janeiro de 1895, AntónioIsidoro de Sousa (1843- 1914). Assim se compreende a
vaidade («faustoso sucesso») de quem o conseguiu e o mandou escrever.
2. Senhora D’Aires.
Lê-se em http://roteirocva.blogspot.pt/ que andava «um agricultor de nome
Martim Vaqueira a lavrar a sua terra, a relha do arado levantou uma caixa que
continha a imagem da Senhora. Ficou o lavrador muito impressionado, pois já
anteriormente sonhara com aquela mesma imagem, e logo decidiu construir no local
uma ermida onde o precioso achado ficasse exposto à veneração dos fiéis. Esta tradição
harmoniza-se, aliás, com uma inscrição latina gravada na pedra existente sobre a porta
principal da actual igreja».
Em complemento a esta versão, Quintas (2003) escreve que «o aparecimento da
imagem da Senhora d’Aires também tem uma lenda, e encontra-se expressa numa
inscrição na portada do Santuário. É um verso em latim, que relata que após a expulsão
dos mouros destas terras, um lavrador arava o campo quando encontrou dentro de um
pote de barro a imagem que se vê no altar. Sobre esta lenda, diz-se que a imagem foi
descoberta por Martim Vaqueiro quando este lavrava o campo».
Deduzo que ambos não leram a inscrição, pois são três frases em seis linhas.
50
Quintas (2003) escreve em http://www.pontosdevista.net/expoi.php?id=108 que
há duas lendas que o povo conta. «Naquela herdade, chamada dos Vaqueiros, morava
um lavrador rico, supõe-se que Martim Vaqueiro, que possuía uma manada de bois.
Foto 23: placa sobre a porta de entrada da capela de Senhora D’Aires, 2017.
Na herdade existia um curral onde todas as noites os bois eram recolhidos. A
certa altura os empregados do lavrador repararam que durante a noite os bois saiam do
curral para irem pastar, mas que no outro dia de manhã estavam todos lá dentro, com a
porta fechada. Foram então contar o mistério ao patrão que se dispôs a ir dormir uma
noite à porta do curral. Nessa noite apareceu-lhe em sonhos Nossa Senhora, que lhe
disse que era Ela que abria a porta aos bois e que era de Sua vontade que fizessem
naquele local uma casa de Deus e que para isso Ela própria o ajudaria. O lavrador tratou
logo de juntar os materiais necessários para dar início à igreja e como era preciso muito
dinheiro vendeu alguns dos seus bois. Porém, quando os voltou a contar, após a venda,
tinha na manada a mesma conta, tendo sido um milagre de Nossa Senhora». O negro é
meu. Peguem-se as lendas que não podem ser analisadas pelas lentes do cronológico,
mas pelas do mito; não da história, mas do onírico.
Em ambas as lendas a Senhora não aparece a Martim Vaqueiro/a. É Martim
Vaqueira que sonha com a Senhora. Isto é, a Senhora prefere aparecer, manifestar-se
corporalmente, a crianças, que são inocentes, puras, e não a adultos, que são pecadores,
sujos. Assim, Martim Vaqueira sonha com a Senhora. Lendo ao contrário, a Senhora
aparece em sonhos a Martim Vaqueira.
Vaqueira ou Vaqueiro? O local chama-se Vaqueira e só o facto de ser homem
leva à tendência para chamar Vaqueiro. Creio que Vaqueira será mais correcto. Aliás, a
51
primeira lenda pode ser a mais antiga/ original pela simples razão de ser mais pequena,
concisa e simples, e diz Vaqueira.
A relha do arado levantou uma caixa, ou um pote de barro, que continha a
imagem da Senhora D’Aires, que está no altar. A imagem medirá uns 30 cm. Tanto o
tamanho, como o facto de ter sido desenterrada, me faz pensar tratar-se de uma virgem
negra, embora hoje não o seja. As virgens negras eram enterradas para que a sua força
vivificadora da fertilidade fizesse, qual cornucópia, reproduzir as searas. Arrancada pela
relha do seio da terra, a senhora é «a energia arrancada da terra». A senhora desta
energia é Cibele, como atrás referi.
Achada a imagem, Martim Vaqueira logo aí decidiu construir um templo.
Numa outra versão, lê-se que Martim Vaqueira logo aí «reivindicou» construir um
templo. Se o seu nome estivesse ligado ao gado, seria mais correcto ser Martim Boieiro,
pois a lenda fala em bois e não em vacas. Utilizando o dicionário Fenício-Português de
Santo (1993), Vaqueira, aliás baqueira, que as línguas cananitas não têm o «v», que é
«b», tal como, no Minho, a vaca é baca, virá de baqâru (reclamar, reivindicar,
pretender). Que ele pretendeu, reclamou, reivindicou, decidiu, aí construir um templo. O
que está de acordo com as lendas.
Mas a placa, escrita em latim, colocada sobre a porta de entrada da capela, que
alguns referem, mas não a apresentam, não fala em Martim Vaqueira, mas em Mauro.
Ora, Mauro, diz o dicionário de Latim-Português, significa Mouro da Mauritânia. Pelo
que, depois de expulsos os mouros, alguns cá terão ficado e com reconhecida
importância na sociedade.
Transcrição da placa:
52
HICMAVROEXPULSOPROSCISSUSVOMERECAMPUS
VIRGINISEFFIGIEMQUAMTENETARADEDIT
QUAETRAHITACCELOCOGNOMENTERRASALVBRI
UTDARETEFFIGIEMVIRGINISAPTAFVIT
OFELIXTELLUSFAECVNDIOROMNIBUSUNUS
PLUSTIBIDATSVLCVSQUAMSEGESULLADEDIT
Separação das palavras:
HIC MAVRO EXPULSO PROSCISSUS VOMERE CAMPUS
VIRGINIS EFFIGIEM QUAM TENETA RADEDIT
QUAE TRAHITA CCELO COGNOMEN TERRA SALVBRI
UT DARET EFFIGIEM VIRGINIS APTA FVIT
O FELIX TELLUS FAECVNDIOR OMNIBUS UNUS
PLUS TIBI DAT SVLCVS QUAM SEGES ULLA DEDIT
Tradução, um pouco livre, onde os parêntesis, meus, ajudam à compreensão do texto:
ESTE MAURO (MOURO) ARRANCOU, COM A RELHA, COM FORÇA, NO CAMPO DE ALQUEIVE,
A IMAGEM DA VIRGEM QUE, DELICADAMENTE, RESPLANDECEU.
A QUAL TRAZIDA DO CÉU (COM O) COGNOME TERRA (SENHORA) DA SAUDE,
A IMAGEM DA VIRGEM FOI COLOCADA ASSIM (TAL) COMO (FOI) DADA (APARECIDA).
O’ FELIZ TERRA FECUNDA ONDE UM (SO’) SULCO DÁ MAIS A TI, A TODOS E CADA UM
DO QUE SEARA ALGUMA (JAMAIS DEU).
Quanto à origem do nome Aires, Quintas (2003) diz que haveria no local, ou
próximo, uma povoação romana chamada «Arês» ou «Ares». Antigamente, escreve a
autora, «quando se fazia referência à Santa, escrevia-se Ares («ares de Santíssima
Maria», etimologicamente) em vez de Aires. O nome atribuído à Santa, conclui, «pode
53
ser consequência da localização do Santuário no local dessa possível povoação antiga
designada «Arês».
É sabido a submissão que a historiografia e historiadores portugueses têm pelos
romanos. Como se antes dos romanos nada houvesse ou o que havia era bárbaro, sem
importância. Ares, aris é palavra latina e significa o deus grego Ares, que os romanos
baptizaram de Marte.
Sabe-se que, no processo de cristianização, a Igreja baptizou os antigos deuses e
deusas colocando-lhes santos e santas e Nossa Senhora com nomes de sonoridade
próximos. Utilizando Santo (1993), D’Aires virá de dhr (correr, galopar, galope) + ês
(onde, para onde). Significará: para onde galopam, para onde correm. Aires virá de ay
(qualquer, todo) + resu/rws (ajuda,
aliado) ou + rws (correr, mensageiro)
ou + rws (ser pobre). Assim, é
possível
semelhantes
retirar
e
significados
complementares:
qualquer/ toda a ajuda; qualquer/
todos correm; todos os que são
pobres. Assim, a Senhora d’Aires é a
Senhora a quem todos acorrem, todos
pedem ajuda, o santuário para onde
galopam, para onde vão a correr.
Foto 24: «Cruzeiro» da Senhora D’Aires,
2017.
Parece-me possível que o
santuário da Senhora D’Aires tenha
sido construído sobre um bem mais antigo dedicado à deusa Cibele.
Quanto ao nome Viana, poderá vir, repito, poderá vir de bi (por favor, com
permissão) + ana/ na a (por, mediante). Significará: por permissão, mediante favor.
Povoação construída por permissão, mediante favor. Poderá ser povoação construída
por permissão, por favor, da deusa Cibele. O que prova e é provado pela legenda do
brasão de Viana: «por inspiração de Cibele».
O seu crescimento,
lê-se
em
https://www.infopedia.pt/$viana-do-alentejo,
«deve-se ao facto de se localizar sobre a via romana que
54
unia Évora a Beja. Seria denominada
Viana de Fosin ( Fosen ou Fochem )
e Viana de Alvito». A infopédia não dá a tradução para português. Também não são
palavras latinas. Se vier do fenício, consultando Santo (1993), virá de po (fala, dizer,
conteúdo de uma lei, lei) + sin (ovelha, gado lanígero); sênu(s’n) – (gado miúdo,
carneiro, ovelha). Significaria: lei do gado lanígero, lei das ovelhas. Este significado faz
supor que Viana seria sede de alguma confederação de criadoresde gado.
55
10. O PALÁCIO REAL E A VILA DE VENDAS NOVAS
Razões de uma Construção
O actual quartel da Escola Prática de Artilharia, de Vendas Novas, foi um
palácio mandado construir pelo rei D. João V, em 1728, para nele repousarem,
descansarem, as princesas de Espanha e Portugal, Maria Anna de Bourbon e Maria
Bárbara, e suas comitivas, nas deslocações, em sentido oposto, com troca em Caia, para
casamento com o príncipe do Brasil, futuro Rei D. José I, e com o príncipe das Astúrias,
respectivamente. Esta é a versão histórica actual e bastamente copiada, reproduzida e
divulgada.
Contudo, coloquem-se cinco questões: (i) Como foi possível esta planificação a
curto prazo, num povo tão pouco habituado a planificações? Planear «em cima do
joelho» é uma expressão portuguesa. (ii) Como foi possível tão rápida construção? É
que, a par da planificação em «cima do joelho», os portugueses são considerados como
trabalhadores de baixa produtividade. (iii) Era necessário tamanha construção para
descanso de duas princesas e respectivas comitivas, uma de cada vez, mesmo sabendo o
gosto esbanjador do Rei D. João V? Afinal, D. Dinis, dependurou a sua espada num
freixo e descansou à sua sombra, dando origem ao nome da povoação Freixo de Espada
à Cinta; e Isaac Newton descansava à sombra de uma macieira, quando descobriu a lei
da gravidade. (iv) Se não foi esta a verdadeira razão, exclusiva ou parcial, da construção
do Palácio Real de Vendas Novas, qual foi? É que a história portuguesa, do convento de
Mafra ao porto de Sines, tem vários casos de megalomanias ou «elefantes brancos». (v)
Porquê Vendas Novas e não Pegões, onde o Rei, escrevem Coelho e Marques (1991),
mandou construir uma casa para o almoço seu e de sua comitiva; e não Montemor-oNovo, mais a meio caminho, mais racional, ou Elvas, já com Badajoz à vista? Em
resumo, uma razão racional, emocional ou satisfação do pedido de alguém influente?
Com a justificação de construir habitação para o repouso de duas princesas se
satisfaz o ego narcísico e esbanjador do rei D. João V e, por motivo ainda desconhecido
– da parte do rei ou de outro – se construiu em Vendas Novas e não noutra povoação.
Através do estudo no terreno, Vendas Novas e Montemor-o-Novo, pesquisa
bibliográfica e cartográfica em bibliotecas e arquivos, pretende-se questionar e apurar as
razões e a própria construção do Palácio Real de Vendas Novas e, «à boleia», a origem
56
do nome de Vendas Novas. Isto porque não há Vendas Velhas e vendas serem tabernas
e não estalagens.
1. História do Palácio Real e de Vendas Novas: Dúvidas e Interpretações.
O Palácio de Vendas Novas foi expressamente construído por ordem de D. João
V, em 1728, afirma o portal da Escola Prática de Artilharia (2013), por ocasião do duplo
casamento do Príncipe do Brasil, futuro D. José I, com a Infanta de Espanha, D. Maria
Anna de Bourbon; e de D. Fernand, Príncipe das Astúrias, com a Infanta de Portugal, D.
Maria Bárbara, «servindo para nele pernoitar e descansar a família real e mais comitiva,
quando se dirigiam a fim de realizar a troca das princesas e, depois de efectuados os
casamentos, no regresso a Lisboa». Pelo escrito entende-se que cada uma das princesas
dormiu por sua vez: a portuguesa, antes de sair de Portugal; a espanhola, depois de
entrar.
O Rio Guadiana percorre a Meseta Ibérica Sul, na direcção este-oeste e, perto da
cidade espanhola de Badajoz, toma o sul até à foz. O Rio faz fronteira entre Portugal e
Espanha, desde o Rio Chanca até à foz. Entre o Rio Caia e a Ribeira de Cuncos, ver
Ilustração 1, a fronteira não está demarcada, devido ao antigo litígio entre os dois países
referente a Olivença. Um litígio que hoje se mantém e a par de um outro, o conflito
inglês – espanhol, a propósito de Gibraltar.
O portal da Câmara Municipal escreve a mesma história, e escreve-a em jeito de
conto popular ou de fadas, transportando a criação de Vendas Novas, ou o seu
desenvolvimento, ou a saída do desconhecimento e a sua transação para o consciente
histórico, como num sonho: "Vendas Novas viveu duzentos anos uma vida apagada
quase sem história. Até que um dia, como num conto de fadas, um rei, dito Magnânimo,
mandou erguer, na charneca, quase deserta, um palácio real...» […] Uma certa princesa,
continua, ajudou a decidir da sua existência. Uma princesa que, em razão do seu
casamento com um príncipe espanhol, desencadeou a decisão de seu pai, o rei D. João
V, de mandar construir neste local um Palácio Real para que nele pernoitassem, de cá
para lá e de lá para cá, a caminho de Lisboa. Duas princesas: D. João V foi levar D.
Bárbara, noiva de D. Fernando VI de Espanha, e receber D. Mariana Vitória, noiva do
futuro rei D. José I». (2013b). Para comemorar a existência deste arquétipo a que deve a
sua existência (grande mãe, moura, princesa), os autocarros de azul celeste de Vendas
57
Novas trazem escrito nas laterais: «era uma vez uma princesa …» Certamente, dizemos
nós, uma princesa de sangue azul!
Estaríamos perante uma construção real, divina, como se fosse uma construção
no início dos tempos, uma construção ab initio. A ideia a transmitir, e desejada, é a de
uma criação a partir do nada, cujo arquétipo existe em todos os livros e tradições
sagrados, caso da Bíblia: «no princípio, criou deus o céu e terra». (Gn 1,1).
O significado de magnânimo, cognome do rei, é generoso, «mãos largas», em
linguagem popular; mas, face ao que a História diz, será mais correcto chamar-lhe
esbanjador; esbanjador de toneladas de ouro e prata vindos do Brasil. A construção do
Palácio Real de Vendas Novas, escreve o portal da Câmara Muncipal (2013a), lembra
«o milagre das mil e uma noites». O que se compreende. Foi ano em que choveu ouro
na região, quando D. João V decidiu aqui construir um palácio.
A construção do Palácio Real, mais tarde designado Palácio das Passagens, mas
conservando ambos os nomes, aconteceu, como se disse, no ano de 1728. A sua
construção encontra-se ligada a Custódio Vieira, arquitecto e engenheiro militar que,
segundo a Infopédia, www.infopedia.pt/, foi arquiteto das Ordens militares de Santiago
e S. Bento de Avis. Colaborou, no respeitante à engenharia, na edificação do Convento
de Mafra. Dirigiu os trabalhos do Aqueduto das Águas Livres, numa das suas fases,
planeando os grandes arcos das Amoreiras e o traçado desde o Monte das Três Cruzes
até Lisboa. Em Fevereiro de 1728, foi destacado para o sítio de Vendas Novas, escrevese no portal do IGESPAR (2008), com a missão de assistir na edificação do palácio real,
juntamente com o Coronel J. da Silva Pais.
Mandaram-se vir, escreve-se no portal do Geocaching (2013), grande número de
oficiais de Lisboa e de toda a província do Alentejo. Mestres-de-obras, oficiais de
carpinteiro e pedreiro, pintores, ferreiros, entalhadores (gravadores em madeira) e
ensembladores (carpinteiros?). Ao todo, continua o autor, um número superior a 1.300
trabalhadores: mais de 400 oficiais, 500 serventes e 400 infantes. Dos 127 acidentados e
que deram entrada no hospital de Montemor-o-Novo, escreve Chinita (2006), 111 têm
indicação da naturalidade: 55% são dos bispados de Braga e do Porto; da região de
Montemor-o-Novo, apenas 3%. Extrapolando, o número de trabalhadores originário da
região seria ínfimo.
Trabalhava-se de dia e de noite, escreve Geocaching (2013), e chegaram a ser
gastos mais de dez mil archotes. Iniciada a construção em Fevereiro de 1728, deu-se por
58
concluída a obra em Dezembro do mesmo ano, e nele se gastou cerca de 1 milhão de
cruzados, o mesmo que 400.000 escudos. O palácio media, de frente, 1720 palmos e
740 de fundo. No frontispício abria-se uma porta monumental». É isto o que dizem, mas
não aceitamos este relato, assim, sem mais. Várias dúvidas podem ser colocadas.
Retirem-se os números e façam-se algumas observações.
Mais de 1.300 trabalhadores, que trabalhavam dia e noite. O site da Câmara
Municipal (2013b) fala em 2.000, e Pais (1985) fala em mais de 2.000, todos,
certamente, no desejo de engrandecimento da obra, através do número de operários
utilizados, e do engrandecimento de Vendas Novas por meio do engrandecimento da
obra. Algo semelhante se passa com o enorme número de 10.000 archotes gastos nas
noites de trabalho. No entanto, este número logo perde o seu fulgor, dividindo esta
quantidade por todas as noites, o que dá 56 archotes por noite. Um número pequenino!
Algo semelhante se passou com Heródoto e a construção da pirâmide de Gisé,
salvaguardadas as devidas proporções. Diz Heródoto:
consumiram-se dez anos na construção da calçada por onde deviam ser
arrastadas as pedras. […] Aos dez anos gastos para construí-la, convém
acrescentar o tempo empregado nas obras da colina sobre a qual se elevam as
pirâmides, e nas construções subterrâneas destinadas a servir de sepultura e
realizadas numa ilha cortada por um canal e formada pelas águas do Nilo. A
pirâmide, em si, consumiu vinte anos de labuta […]. Utilizavam-se, de três em
três meses, cem mil nesse trabalho. (2006, 2, 124).
Para ter tal número de homens a trabalhar em exclusivo, o Egipto necessitaria de ter o
dobro da população que teria na altura, uns 5 milhões.
Voltando ao Palácio Real, e fazendo dois turnos, estariam, permanentemente a
trabalhar, 650 homens. Que espaço é necessário para trabalharem 650 homens? Quantas
pessoas, e onde viviam e onde semeavam e constituíam a logística de apoio alimentar,
dormida e transporte de pedra e outros materiais? Segundo o portal da Câmara
Municipal (2013a), 29 anos antes da construção, em 1699, a freguesia de Santo António
tinha 224 pessoas e 4 estalagens. Pouca população auctótone que pudesse proporcionar
os alimentos necessários. Muito espaço também seria exigido para nele trabalharem, em
simultâneo, 630 homens, o que tornaria a logística de apoio deficitária face à extensão
deste espaço.
As pedras seriam aparadas no local, o mais natural, cada pedreiro necessitaria
mais do que 6 m2, o que daria, no mínimo, 1.200 m2. Transportando as pedras até junto
do palácio e retransportá-las até ao pedreiro, duplica o movimento e a logística, bem
59
como o espaço e homens necessários. Donde vieram as pedras e como vieram? Frei José
da Natavidade (1752, citado por Coelho e Marques, 1991), escreve que a alvanaria
vinha de mais de três léguas de distância [15 km.] e «andavam para cima de quinhentas
carretas, não falando de outros singeleiros, ocupados no transporte de cal, vigas,
tablados, cantarias, tijolo, telha, cavilhas, ferragens e todos os outros misteres, em que
também se ocupavam para cima de duzentas bestas. Conduziam-se todos estes materiais
de dez, doze e quinze léguas [50 a 75 km.] de distância». (p. 20).
Foto
25:
Fachada
principal
do
palácio. 2013.
Ora, um carro de bois,
principalmente
de
Inverno,
demoraria 2 horas a fazer uma
légua. Três léguas, 6 horas. Ir e
vir, 12 horas: 1 dia. Fazia um
carro uma viagem diária. Todo
este movimento de pessoas, bestas e materiais exigiriam um movimento e um espaço
difícil de entender numa gestão de eficácia de construção. Para que mais de 2.000
pessoas trabalhassem no palácio, seriam necessários 200.000 por detrás da construção:
culturas, comida, continuidade económica e social …
Escreve o mesmo Frei José da Natavidade que, a uns 2,5 km, corria «uma bica
de mais de uma telha de água de beber, e ali havia um tanque tão espaçoso que nele
podiam beber de um jacto, sem algum estorvo, sessenta cavalgaduras». (1991, p. 20).
Dando um metro a cada cavalgadura, seria um bebedouro de uns 60 metros de perímetro
de três lados. Tudo em grande, demasiado em grande para ser possível uma gestão
eficaz, mesmo sabendo que o arquitecto desta obra foi Custódio Vieira, o mesmo do
palácio de Mafra.
Onde fica(va) este chafariz? Na rua principal de Vendas Novas, e estrada
nacional, está uma placa indicando «chafariz real», no sentido Sul. Uma placa junto às
escolas diz «chafariz municipal». Este chafariz fica atrás das escolas e tem uma placa
onde se lê: «PVN-1901»; certamente, povo de Vendas Novas, 1901. Fica a 1,5 km. Do
Palácio. Embora seja um grande chafariz, podendo ser o chafariz real, não o é.
60
A construção do Palácio demorou 10/11 meses, de Fevereiro a Dezembro. Dez
meses são 334 dias. Retirando o Domingo, que descansariam, serão 290 dias de trabalho
contínuo, 6.960 horas. Pelo menos 6 destes dez meses são chuvosos, o que diminuiria a
produtividade. Acrescentem-se as enormes dificuldades colocadas pela chuva e lama à
circulação de homens, animais e veículos. Mais, a duração da noite é maior nestes seis
meses e o trabalho nocturno, por mais archotes que ardam, é de menor produtividade
que o diurno. Aliás, 56 archotes por noite, não parece um número suficiente para
iluminar o espaço onde trabalhavam 630 homens. Mas Pais (1985) afirma que a
construção, e o prazo dela marcado pelo rei, foi de 9 meses. O que coloca a construção
do Palácio Real de Vendas Novas na lista dos milagres.
A capela, por seu lado, do palácio terá sido construída na mesma data e dedicada
a Nossa Senhora da Conceição. É um orago ligada à fecundidade feminina e cuja
imagem se reproduz na foto 18. A riqueza de pormenor exigiu trabalho qualificado e ao
longo de largo tempo. O seu espaço reduzido e a exigência profissional do trabalho não
colocaria nela mais que um mestre e, talvez, dois outros profissionais. Tanto e
meticuloso trabalho executado em dez meses, ou apenas nove, é, no mínimo, notável.
A construção do palácio exigiu a construção de apoios, como escreve Pais
(1985), «temporários». Isto é, antes da construção iniciada, foram gastos dias na
construção as obras de apoio.
Outro tema, quase nunca abordado, mas bem referido por Pais que escreve: «não
se torna difícil de imaginar que estes milhares de pessoas, mal instaladas, sem hábitos
de higiene e com poucos recursos médicos, as numerosas doenças que deviam ter
surgido e os acidentes de trabalho […] devia ser elevada a mortalidade». (1985, p. 23).
Assim, além de muitos dias gastos na construção dos apoios, vários trabalhadores
teriam de ser substituídos. Chinita (2006) afirma que entraram 127 homens no hospital
de Montemor-oNovo, durante a construção, sendo o pico nos meses de Julho a
Setembro.
Concluindo, há uma inflação dos números envolvidos e deflação do tempo gasto
na construção. Como escreve Pais (1985), desde o início que se sabia que os nove meses
eram apertados para esta construção, devido a duas razões: aos limites da técnica de
então e o facto de ser necessário tudo transportar, dos materiais aos trabalhadores, para
o meio da charneca.
61
As dimensões do palácio eram 1720 por 740 palmos. Considerando o palmo com
22 cm., tem-se 378,4 metros de cumprimento e 162,8 metros de fundo, respectivamente.
As medidas são as de hoje, aproximadamente.
2. Razões da construção.
Para melhor se compreender estas observações e a sua pertinência, analisem-se
as razões apontadas para a construção do Palácio. A razão da construção tão
monumental dever-se-á, escreve Geocaching (2013), ao desejo de D. João V querer
impressionar a corte portuguesa e espanhola. Acrescente-se que também terá sido por
gosto narcísico deste rei. O que não custa aceitar de quem construiu o Palácio de Mafra
ou o Aqueduto das Águas Livres e que, atrás ficou escrito, recebia (e esbanjava)
toneladas de ouro e prata do Brasil, em igrejas, capelas, palácios, corte faustosa e
outros. Como afirma Chinita, esta construção foi prova mais que evidente «dessa
vaidosa magnificência, desse fausto estéril». (2006, p. 57).
Contudo, este esbanjamento por algumas noites de descanso, talvez duas, talvez
quatro, supera tudo o que seria de esperar, mesmo de D. João V. Ou, talvez não, pois o
esbanjamento, tido como investimento, é algo biológico na cultura portuguesa. Basta
observar os gastos dos festeiros nas festas populares, a compra de carros, relógios e
vivendas por parte dos jogadores de futebol, como falam títulos de jornais, caso o de
Jorge Mendes, o super-empresário de futebol, que, em Maio de 2013, «investiu» numa
vivenda de 3 milhões de euros. Se fosse um hotel, entendia-se «investimento», mas
numa vivenda para a família, embora terminando em «mento», não é «investimento»,
mas «esbanjamento».
Desejo de impressionar e satisfação do seu ego narcísico, terão sido as razões da
construção do palácio Real de Vendas Novas por D. João V. Razões complementares e
verdadeiras, sendo que a razão dada e dita foi a de proporcionar descanso às princesas
portuguesa e espanhola. Razões estas que se confirmam com o que diz, em jeito de
bajulação, de Frei José da Natividade (1572, citado por Coelho e Marques, 1991), a
propósito da construção do Palácio Real: «jamais ficou a arquitectura mais gloriosa.
Entre os sete milagres que admirou o mundo, envergonhara-se ele de falar no Palácio de
Ciro, se tivesse estoutro à vista». (p. 20). Refere-se este frade às sete maravilhas do
mundo antigo, segundo Heródoto. Não é palácio de Ciro, mas mausoléu. E, das sete, só
se conhecem, e conheciam, as Pirâmides de Gisé. As restantes, como seriam, é pura
62
imaginação. Não nos admiremos, pois, que os números da construção do palácio Real
de Vendas Novas, que têm os relatos deste frade como base, estejam inflacionados.
Parece claro que o cronista de ontem e alguns historiadores de hoje escondem
falhas quando falam do Palácio Real. Pais afirma que, apesar de todo o esforço e
investimento, a obra ficou incompleta, pelo que, «para receber os reais hóspedes e
respectivas comitivas, tiveram de ser feitas em madeira – por ser mais rápida a
construção- algumas das dependências do palácio». (1985, p. 23). Porém, o desejo de
glorificar Vendas Novas, pela divinização desta obra, o mesmo autor cita e escreve:
Como testemunho da admiração e surpresa dos espanhóis, consta que terá
escrito um cronista deste país da comitiva da princesa: «que espécie de magia
tem este homem extraordinário que faz surgir num deserto um verdadeiro
palácio encantado»? O homem extraordinário [continua Pais] era, por certo, D.
João V, e a frase do maravilhado cronista espanhol demonstra bem os intentos
do rei magnânimo de impressionar todos os que o acompanhavam naquele duplo
casamento de príncipes foram plenamente atingidos. (1985, p. 26).
O historiador não refere donde tira a citação, colocando um consta, aqui a negro,
para, no passo seguinte, a achar verdadeira a fim de potenciar o espanto e o milagre da
execução de tal obra.
3. Vendas Novas no Mapa de Estradas Nacional.
O desenvolvimento de Vendas Novas, escreve o portal da Câmara Municipal
(2013b), deve-se a três factos e todos eles ligados às estradas e aos transportes. A
criação da Posta Sul através da charneca, por ordem de D. João III, em 1526,
estabelecendo-se uma estação e uma sede da Posta em Aldeia Galega (Montijo).
O segundo facto, continua o autor, foi a ordem de Luís Afonso, Correio-Mor do
Reino, residente em Lisboa, com licença do rei, mandar abrir um caminho da Aldeia
Galega (Montijo) a Montemor-o-Novo, «que atravessava uma vasta charneca que o rei
utilizava para as suas caçadas reais, de maneira a diminuir o percurso e o tempo das
viagens. Nesse caminho, o rei mandou construir uma estalagem, no sítio que hoje é
Vendas Novas».
Até esta data, e com referências escritas do século XIV e XV, escrevem Coelho
e Marques (1991), o ponto de passagem obrigatório para Évora, Beja e Espanha era
Landeira, aldeia do SW de Vendas Novas e hoje freguesia deste concelho. D. João I, a
10 de Abril e 1391, concede privilégio a Landeira; e, segundo Rui de Pina, D. João II
passou por aqui, alterando o seu percurso, quando foi avisado que o Duque de Viseu se
63
preparava para o matar. No século XVII, continuam Coelho e Marques, embora
continue ponto de passagem, Landeiro perdera já a sua importância para Vendas Novas.
Em Dezembro de 1668, Cosme de Médicis passou por lá e, segundo os seus cronistas,
Landeira estava reduzida a «poucas e miseráveis casas». (1991, p. 12).
O terceiro facto é a construção, por ordem do Duque D. Teodósio I, em1540, de
duas pousadas, uma em Evoramonte e outra nas Vendas Novas, perto das duas estações,
para melhor se deslocar de Lisboa a Vila Viçosa. Baseados em documentos do século
XVI, e seguintes, que referem os nomes de estalajadeiros e suas estalagens, Coelho e
Marques não detectaram esta estalagem, pelo que «parece-nos destituído de fundamento
as afirmações de que ao Duque de Bragança, D. Teodósio, deveria Vendas Novas a sua
origem». (1991, p. 13).
Foto 26: Palácio Real visto de Este,
2013.
Três factos que têm
tanto
a
ver
com
desenvolvimento
economia
portuguesas
e
o
da
comunicações
e
regionais,
como com a satisfação do ego
de três personagens com poder. Três construções para deleite dos que puderam mandar
construir. Dizemos três, embora sejam duas, apenas. Isto porque a vontade e o desejo de
ter uma origem nobre leva a acumular dons e 3, na cultura popular, é um número mais
perfeito que 2. É o número «que Deus fez». Seja como for, Vendas Novas desenvolveuse graças a estas obras, embora tarde a ganhar importância regional, ou a vê-la
reconhecida; em linguagem popular, tarda a «estar no mapa». E Vendas Novas, não
aparece no mapa, tão cedo.
O «boom» sócio-económico-populacional provocado, ou iniciado pela
construção do Palácio Real, embora tenha contribuído de forma decisiva, para o
desenvolvimento de Vendas Novas, mais não deixou que algumas bases para o seu
desenvolvimento sustentado, sim, mas lento. Em 1768, passados 40 anos da construção,
Vendas Novas tem apenas 55 fogos e uns 220-250 habitantes.
No Mapa das Comunicações Postais de Portugal, de 1818, apresentado por
Pacheco (2004), a ligação Lisboa - Elvas, passa por Aldeia Galega (Montijo),
64
Montemor, Arraiolos e Estremoz. Vendas Novas não é referenciada. Mesmo que
económica e socialmente mais importante, é tida em segundo plano por quem determina
e tem poder. Em 1843 e 1848, nos mapas das estradas previstas para o país, e
apresentadas por Pacheco (2004), também não é referenciada, mesmo que por lá passe a
estrada, e mesmo sabendo que em 1845 teve lugar a primeira viagem da Mala Posta
entre a Aldeia Galega (Montijo) e Badajoz; ao contrário, nomeiam-se Estremoz,
Portalegre, Elvas, Évora e Mourão. Ora, se a estrada passa por Vendas Novas e ela não
aparece no mapa é porque há consciente intenção de minorizar a povoação. Talvez por
influência de Montemor-o-Novo, freguesia sede de concelho que aglutina Vendas
Novas.
Contudo é um princípio do investigador do Social que o facto de não existirem
documentos ou registos de uma povoação não quer tal dizer que não existisse, ou sequer
que os seus habitantes se preocupassem que fosse conhecida nacional e
internacionalmente. A sua existência não poderia estar dependente da pena de qualquer
intelectual que por lá passasse e por ela se interessasse, ou desinteressasse, gostasse ou
odiasse. Os homens e mulheres choraram e amaram, trabalharam e tiveram filhos
independentemente de quem escrevesse.
Mas Vendas Novas aparece em outros documentos escritos oficiais. A Fundação
Portuguesa de Comunicações (2013) tem no seu portal 42 documentos que referem
Vendas Novas como ponto da Mala-Posta. Um refere o pagamento ao Mestre da Posta
(1800); outro, o mau estado da estrada de Aldeia Galega a Vendas Novas (1858); outro,
o mau estado e necessidade de reparação do telhado da arrecadação do Palácio de
vendas Novas, da Companhia das Mensagerias e Mala-Posta do Alentejo (1858). A
passagem do Palácio para o Ministério dos Negócios da Guerra é ordenada em 30 de
Agosto de 1852.
Porém, a construção do Palácio real, mais tarde, escola Prática de Artilharia, foi
e é, em Vendas Novas, se não de importância determinante, pelo menos de importância
relevante. Tome-se pois o ano de 1728 como o primeiro de Vendas Novas. O passo
segundo, de igual importância, é a passagem a Junta de Paróquia, em 1847; elevada a
vila, em 1913; e, principalmente, a Concelho, em 1962. Quando uma povoação de um
Concelho ameaça a importância da sede concelhia, esta, naturalmente e universalmente,
reage de forma opressiva e esmagadora, por mais que tente camuflar ou esconder as
65
suas acções. Assim, a passagem a Concelho é a afirmação da autonomia e adultice,
fugindo à tutela castradora da anterior sede concelhia.
Vendas Novas muito deve a sua existência e afirmação regional e nacional ao
Palácio Real. Tem de ser colocada uma dupla questão a juntar a todas as outras atrás
enunciadas: porquê a escolha de Vendas Novas por D. João V, e não Elvas, ou
Montemor-o-Novo? Seria o caminho alentejano o mais próximo da capital espanhola,
Madrid? Não seria pela fronteira de Segura (Castelo Branco)?
A distância, em linha recta, entre Lisboa e Segura (200 Km.) é maior que a de
Lisboa a Elvas (173,18 km.). O melhor e mais rápido percurso, bem mais plano, é pelo
Alentejo, mesmo sendo o Rio Tejo navegável, pelo menos, até Abrantes: Vendas
Novas, Montemor-o-Novo, Elvas, Caia, Badajoz, Mérida, Talavera de la Reina,
Fuenlabrada e Madrid. A distância, em linha recta, entre Lisboa e Vendas Novas é
exactamente metade (86,1 Km.). Esta terá sido uma excelente razão da escolha de
Vendas Novas. Contudo, face aos inúmeros exemplos que a História fornece, não
seriam mais 25 km que impediriam a escolha de Montemor-o-Novo, que fica bem mais
a meio caminho da fronteira que Vendas Novas? Que razões, pois, para a opção
tomada? Parece-nos que terá havido alguém, com poder, ou influência, cujo parecer
pesou na balança. Ou, então, perfeito acaso. Ou qualquer gosto pessoal do rei, mas não
conhecido.
4. Capela real e Igreja Matriz de Vendas Novas
A actual Capela da Escola Prática de Artilharia, escreve o seu portal (2013), é de
invocação a Nossa Senhora da Conceição e foi, entre 1843 e 1969, igreja matriz da Vila
de Vendas Novas. Em 1969, esta passou a ser dedicada a Santo António.
A capela, continua o autor (2013), foi mandada edificar pelo Rei D. João V,
como Capela Real do Palácio das Passagens, para aí terem conforto espiritual os
hóspedes palacianos, provavelmente em 1728, no mesmo ano da construção do palácio.
Esta capela terá herdado o património e recheio da capela-oratório, escreve o portal da
E.P.A. (2013), dedicada igualmente a Santo António, e que existiu na Estalagem Real,
mandada edificar por D. João III, em 1526.
Para se perceber a importância da capela na construção da identidade de Vendas
Novas, e a sua inclusão nestre trabalho, é necessário perceber o significado do santo
orago de uma igreja e o significado de (uma) igreja Matriz. Matriz é Mãe. A igreja Mãe
66
recebe todos os seus filhos, pelo menos, ao Domingo, dia do Senhor (dominus). Os
filhos entram nela, como entrassem no seu seio e saem renascidos. É como se de uma
viagem ao ventre materno se tratasse. O filho renasce com um corpo e um espírito reanima-dos.
Neste caso, sendo orago nossa Senhora da Conceição, mais se afirma este acto e
simbolismo. Nossa Senhora, Maria, mãe de Cristo, é uma Senhora de muitas centenas
de nomes. Reis (1967) apontou 1.037 nomes. Muitos deles, de Nossa Senhora da
Conceição e Nossa Senhora do Bom Parto a Nossa Senhora da Expectação ou Senhora
do Ó, encontram-se ligados à fecundidade. E, escreve Carvalho (2011), mesmo quando
o nome parece não ter ligação a este atributo, o culto não mente. E compreende-se,
quando, durante milénios, a alimentação, a fecundidade de homens e animais e a
fertilidade dos campos constituíam a maior
preocupação do Homem, pois significavam mesa
farta ou fome e morte.
Foto 27: imagem de Nossa senhora da Conceição,
capela do Palácio real. Cremos ser esta a imagem original
da capela do Palácio. Atributos de Nª Srª da Conceição:
quarto crescente, serpente, coloca os pés num Globo, ou
semelhante… anjinhos. O peso da coroa faz pender a
cabeça da Senhora para a esquerda. O lado do coração?
2013.
Conceição significa, não a imaculada, mas
sim a que concebeu, ficou grávida e deu à luz,
como qualquer mulher. Acrescente-se que,
continua Carvalho (2011), Nossa Senhora do Ó,
ao contrário do que se dizia, e ainda diz Almeida
(2004), não vem das 7 Antifonias do Advento (17 a 23 de Dezembro), em que Deus, do
Antigo Testamento, é chamado por sete nomes diferentes: Ó Sapientia, Ó Adonai, Ó
Radix, Ó Clavis, Ó Oriens, Ó Rex, Ó Emmannuel; em português, sabedoria, supremo
senhor (cananita), raiz, chave, estrela do oriente, rei e emmanuel; vem sim do aspecto da
sua barriga. Aliás, o autor atrás referido, Almeida, acaba por escrever que «a forma
arredondada do ventre da Senhora nas imagens reforçam e corroboram o designativo
popular de Nossa Senhora do Ó». (2004, p. 167). Senhora da Conceição sucede a Nossa
Senhora do Ó e da Expectação, como estas sucedem a Cibele e antigas deusas- mãe da
fecundidade.
67
O site da Câmara Municipal (2013) reconhece esta importância afirmando que
«a escolha da Capela Real ou Palatina para logo institucional do Concelho deve-se à
mesma lógica de argumentos atrás exposta, [isto é, ser frequentada por reis e princesas]
a Capela Real foi, desde então e durante muitos anos (até 1969), a Igreja Matriz, sendo
portanto local de culto, não só da família real, mas de toda a população». Isto é, pela
ligação à família real, ao sangue azul, Vendas Novas torna-se real e de sangue azul-ado.
Por isso, continua o portal da Câmara Municipal (2013), «é facto fundamental para a
unidade da aldeia de Vendas Novas, em Janeiro de 1844 dá-se a transferência da Matriz
da Igreja de Santo António para a Capela Real».
Esta ligação, esta dependência de reis e princesas é de tal ordem que se entra,
queira-se ou não, num ambiente de contos de fadas e o portal da Câmara Municipal
(2103) afirma que «...podemos pois até sonhar se Vendas Novas não será, ela própria,
essa jovem princesa que decerto ajoelhou na Capela Real e viu o largo terreiro, então
ainda deserto, onde hoje se situa o edifício da Câmara Municipal, o centro da vida
política e social do concelho... » Até o edifício da Câmara Municipal foi profetizado!
D. Maria II (1834-1853) cede a capela a Vendas Novas, em meados do século
XIX. Eis uma data que pode ser reconhecida como da autonomia ou adultice de Vendas
Novas. A igreja Matriz da povoação é sua e Vendas Novas começa a valer por si mesma
e não já pelos reis que fundaram e geriram o palácio e a capela.
5. Vendas Novas: Origens de um Nome
A toponímia é a ciência dos nomes. A procura da nascença ou criação nobre,
divina ou heróica tem levado a erros e afirmações loucas, umas; ridículas, outras.
Carvalho (2013) dá vários exemplos na sua tese de doutoramento, que retomou, mais
tarde, num artigo.
Pedrógão de São Pedro e outros dois Pedrógãos, Grande e Pequeno, devem os
seus nomes aos fundadores romanos Petronius Grande e Petronius Pequeno. Há mesmo
historiadores que confirmam a história de uma família de Petronius. Ora, em Latim,
petronius pequeno seria Petronius Parvus, o que, certamente, não agradará aos seus
habitantes ter um parvo na origem.
Outro exemplo é Gafanha da Nazaré. O historiador Rezende recusa que Gafanha
tenha nascido de uma povoação fundada por quatro criminosos. Afirma, o autor, de
forma radical, que «muita gente é de opinião que nunca houve degredados na Gafanha,
68
ponhamos portanto de parte, pontos de divagação». Igualmente, o mesmo autor elimina
a hipótese de Gafanha vir de gafaria, melhor, que gafaria signifique leprosaria.
Significa, isso sim, local árido e estéril. Verifica-se que a submissão ao princípio de
uma bela e heróica origem é de tamanho tal que até o próprio processo científico aceite
pelo autor é negado, porque o mesmo não conduz ao pretendido. (1944, pp. 13, 42).
Um terceiro é Ourentã que, escreve Marques (1992) tem na formação a palavra
ouro (aurum). Contudo, escreve o autor, não há registo de ouro na região. Assim,
continua, Ourentã deve o seu nome ao Sol que ilumina a povoação como ouro. Se isto é
verdade, ou o Sol português se esqueceu do Alentejo ou os latinistas do aurum se
esqueceram de metade do País.
O nome de Vendas Novas, lê-se no portal da Câmara Municipal, terá
provavelmente origem nas construções - "Estalagens" ou "Vendas", que por serem de
recente construção, eram novas, denominadas pelos viajantes como "as Vendas Novas".
(2013b, p. 1). Vendas Novas são duas palavras justapostas: Vendas e Novas; novas é
novas, porque haveria alguma, ou algumas, velhas. Acontecendo aqui o que acontece
por todo o país: Montemor-o-Novo e o Velho; Idanha-a-Nova e a Velha; Proença-aNova ou a Velha; ou, semelhante, Escalos de Baixo e de Cima; Pedrógão Grande e
Pequeno; ou, a nível macro, York e New York. Onde se situavam as Vendas Velhas?
Em segundo lugar, vendas é vendas, tabernas, não estalagens como alguns, caso
da Câmara Municipal (2013b), querem fazer crer, talvez porque achem estalagem algo
mais digno de seus avós que taberna. Na verdade, embora não conhecendo todo o país,
não conhecemos região em que vendas seja, ou tenha sido, sinónimo de estalagem. É
sinónimo, sim, de taberna. Ainda que não custe aceitar que, sendo o serviço e a sala
principal da estalagem a taberna, ou venda, tenha ficado este nome como designativo do
todo.
A taberna medieval e, com certeza também a moderna, seria um multiusos. A
taberna medieval, escreve Campos,
Foi apresentada na literatura – nas canções e poemas dos goliardos, nas Canções
de Gesta e, também nos Fabliaux – como um espaço de prazer. Esse espaço
voltado principalmente para o consumo de bebidas – cerveja, vinho e sidra –
acompanhada por porções de comidas simples como pães, carnes salgadas e
sopas, existiu não somente como lugar de prazer e lazer, mas também, foi um
local seguro para o descanso de comerciantes, viajantes e peregrinos oferecendo
pouso, comida, bebida e diversão. (2013, p. 1).
69
A taberna, em resumo, seria local de bebida e, nalguns casos, comida e dormida,
também; a estalagem seria a designação da casa que, no essencial, fornecia dormida.
Conclusão.
A construção do Palácio Real de Vendas Novas teve como objectivo, afirmado e
justificável, receber as princesas, portuguesa e espanhola, nos percursos em direcção ao
casamento com os príncipes de Espanha e de Portugal, respectivamente. Foi construído
em 9/ 11 meses, conforme os historiadores consultados.
Os relatos existentes, antigos e modernos, embora procurem afirmar a verdade
histórica, não conseguem esconder uma faceta bajuladora do poder seja do poder real de
setecentos, seja do poder autárquico do século XX e XXI. Com esta posição pretendem,
consciente
ou
inconscientemente,
engrandecer
Vendas
Novas
através
do
engrandecimento do Palácio e da sua construção. Estes relatos inflacionam os números
envolvidos na construção e deflacionam o tempo nela gasto, colocando a obra no rol dos
milagres. O palácio demorou bem mais que um ano a construir e vários foram os
pavilhões construídos, apressadamente, em madeira, para a «inauguração».
Mas a razão principal da construção do palácio e do seu tamanho terá a ver com
a necessidade de construir uma base de apoio e passagem para Vila Viçosa à comitiva
real, que excedia sempre as 100 pessoas, o que se mistura com o narcisismo real,
aproveitando-se o momento, a conjuntura, de dar pousada a duas princesas. Contudo,
não se consegue vislumbrar o porquê da construção em Vendas Novas e não noutra
povoação, casos de Montemor-o-Novo, Pegões ou outra. Isto é, o quê ou o quem terá
pesado na decisão real da construção do palácio em Vendas Novas.
No respeitante à toponímia, Vendas Novas não deve o seu nome a estalagens
novas. Vendas não é sinónimo de estalagens, mas de tabernas. E, sendo Vendas Novas,
onde se situam ou situavam as velhas? Donde vem o nome de Vendas Novas?
Santo escreve que Vendas Novas vem do fenício. Vendas vem de bnt (casa,
pessoa) + Novas que vem de nab (sacerdotes, iniciados). Assim, Vendas Novas foram a
casa dos sacerdotes, a casa dos iniciados. Continuando com Santo (1989) Vendas Novas
poderá vir de bent nab (casa dos profetas ou juízes; local da profecia ou dos oráculos).
Nb significa vazio, insuflado pelo vento, saltar em danças extáticas. Nab significa
acesso estático; naby significa profeta, iniciado; nebia significa profetiza; nebua
70
significa palavra profética. (1989, pp. 260 e 284). Esta variedade de vocábulos prova o
significado original de Vendas Novas.
Também topónimos próximos tem origem fenícia. Landeira, segundo Carvalho
(2017), vem de lâm (antes, primeiro) + dr (família, geração). Significa: a primeira
família, a primeira geração. Vidigal, escreve Santo (1989), vem de berit g’eul e
significa aliança da reunião, aliança do pagamento. Piçarras vem de, seguindo o
mesmo autor, pi ssaru e significa voz do rei, voz do juiz, voz do governador.
71
11. A FREIRA E O DIABO
As Irmãs do Mosteiro de Odivelas
A «Tadição», revista de Serpa, publicou um artigo acerca de Madre Teresa
Maria de São José, abadessa do Mosteiro de São Denis e São Bernardo, de Odivelas,
assinado por P. Azevedo (1904 a, b). O artigo tem uma «epístola em presopopeia»
escrita pela abadessa. Pelo seu conteúdo (a relação da abadessa com o diabo) pensamos
ser, no todo ou em parte, o que confessou, ou que foi obrigada a confessar, no Tribunal
do Santo Ofício.
Por outro lado, uma das lendas da nome-ação de Odivelas, nomeação que se
confunde com a fundação, cabe ao par régio D. Dinis e Dª Isabel (de Aragão), Rainha
Santa, mais tarde. Certa noite, o rei ia, uma vez mais, com uma pequena comitiva, ao
mosteiro, para se encontrar com as freiras ou uma delas, em especial. Nessa noite, a
rainha atravessou-se-lhe no caminho, de surpresa, e ter-lhe-á dito: «ides vê-las»? De
«Ides vê-las» a «Odivelas» uma pequeno percurso na evolução fonética através da
oralidade temperada por alguns séculos. A permanência deste fenómeno liguístico e
cultural, que indica a verdade e a universalidade, é visível na publicidade a uma das
marcas de cerveja nacional num out-door no IC 17, junto à cidade: «odibelas».
Em terceiro lugar, é do conhecimento geral que, durante séculos, os mosteiros,
masculinos e femininos, tinham muitos e muitas residentes sem vocação, mas por
obrigação, isto é, sem outra alternativa. Basta saber que com a persistência do
morgadio, o filho masculino primogénito era o único herdeiro da família. Aos irmãos,
restava ser militar ou frade. Às irmãs, se não casavam, restava o mosteiro.
Pretendemos neste trabalho, através de uma pesquisa bibliográfica e de arquivo e
de uma investigação no local, com visita ao mosteiro, perceber o que se passaria no
mosteiro e as razões culturais que o expliquem.
1. O Mosteiro de Odivelas: Narcisismo Dionisiano
A carta de doação do mosteiro foi assinada pelo rei D. Dinis a 27 de Fevereiro
de 1295. Eram presentes o Bispo de Lisboa, D. João Martins de Soalhães; Pedro
Remígio, chantre da Sé; D. Frei Domingos, Abade de Alcobaça. A carta, continua
Francisco Brandão (citado por Vaz, 2000), foi assinada pelo rei e pela primeira
abadessa, Dª. Elvira Fernandes.
72
O rei fundou o Mosteiro de Odivelas, escreve Brandão (citado por Vaz), «para
testemunho de sua grandeza». A autora afirma que a afirmação de Brandão, monge de
Cister, «pode parecer-nos exagerada hoje, atendendo ao que nos resta da obra». Mas é
possível que o mosteiro tivesse o dobro do tamanho, continua a autora, pois tem dois
claustros. (2000, p. 64).
Para além de uma razão narcísica, devem existir outras razões. J. M. Cordeiro de
Sousa (citado por Vaz), escreve que o rei mandou construir este mosteiro também em
honra de S. Luís, Bispo de Toloza, que o terá salvado de morrer às mãos de um urso,
numa caçada perto de Beja. Grato, continua o autor, mandou o rei construir uma capela
a São Luís, no mosteiro de S. Francisco de Beja. Uma
decisão compreensível pois se constrói no local da
manifestação do sagrado, positivo ou negativo, a exemplo de
dezenas de outros factos semelhantes. Como escreve
Carvalho (2008), constrói-se uma cruz onde apareceu um
santo; constrói-se uma cruz onde alguém morreu cortado por
um relâmpago; constrói-se o santuário de Fátima porque lá
apareceu Nossa Senhora; coloca-se um ramo de flores atado
a um poste de luz, onde bateu e morreu um motociclista.
Foto
28:
São
Denis.
Imagem
do
século
XIV.
De:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Le_Moiturier_%28circle%29_Saint_Denis.jpg,
2014.
Será este urso e a imagem de um bispo que estão
esculpidos no túmulo do rei. De seguida, porém, Brandão,
citado por Vaz, afirma que «a imagem do bispo é do glorioso São Dionísio, de cuja
invocação é o convento e, por devoção do qual, o rei o edificou como ele declara na
carta de doação». (2000, p. 71). Há aqui uma explicação enrolada e nada clara. Isto
porque o autor tenta justificar a construção do mosteiro por um milagre realizado a
centenas de quilómetros, e noutro tempo, o que só se compreende por tentar lavar a
imagem narcísica do rei. Isto mais se confirma pelo facto do rei, escreve Simas (1943),
ter marcado, ele mesmo, o lugar do seu túmulo, a meio da igreja, no coro, que era no
rés-do-chão. Foi mudado de lugar, duas vezes. A primeira, porque as freiras não
conseguiam ver o celebrante.
73
Se é um louvor a São Luís, esculpir este bispo no seu túmulo é fraco pagamento
do milagre. Até será humilhação pela diminuta visibilidade a um bispo e santo. Depois,
o mosteiro não é dedicado a São Luís. Por fim, Brandão afirma que a referida imagem
de bispo esculpida no túmulo do rei é, presumivelmente, de São Luís, para logo dizer
que é do glorioso São Dionísio. São Denis e Dionísio existe no universo católico, mas
Dionísio é deus greco-romano, que continua deuses mais antigos, mas sempre ligados a
actos orgiásticos, sendo a nomeação de santos com o nome de Dionísio não mais que
uma cristianização de um nome.
Na carta de doação, diz Vaz, o rei escreve «em honra e louvor de São Dinis e
São Bernardo…» (2000, p. 71). Dinis, ou Dionísio, não é um santo corrente em
Portugal, ao contrário do que era em França, onde é padroeiro de Paris, a par de Santa
Genoveva. A partir do reinado de Dagoberto (622-638), na França, os monges
beneditinos divulgaram a veneração a São Denis. Fruto deste culto foi a construção da
catedral em sua honra no local, onde terá sido martirizado.
Quanto a Dionísio, era filho de Semele, princesa de Tebas, filha de Cadmo e
Harmonia. No final da sua vida conseguiu lugar entre os deuses, no monte Olimpo. Em
sua memória eram realizadas várias
festas: Léneias, Dionísias urbanas e
rurais,
e
as
Anestérias.
A
característica comum a estas festas
é
o
carácter
orgiástico
que
contavam com um grande número
de mulheres.
Foto 29: Túmulo de D. Dinis: o urso da
lenda, 2014.
Dionísio, escrevem Chevalier e Gheerbrant, é um personagem complexo: é
príncipe da fecundidade animal e humana; é o falo da procissão dos falos; «simboliza a
ruptura das inibições, das repressões, dos recalcamentos […] Dionísio simbolizaria a
regressão em direcção às formas caóticas e primordiais da vida, que provocam as orgias;
um submergir da consciência no magma do inconsciente». (1982, p. 267). Tanto mais
que, segundo Mestiça (1993), Dionísio não só ensinou a viticultura ao homem, como
desceu ao inferno buscar sua mãe e elevá-la ao Olimpo. O nome assentaria bem ao sexto
rei português. Simas, que abriu o túmulo do rei, em 1939, afirma que tinha barba e
74
cabelo ruivos. Embora falecido com 62 anos, bem mais que a esperança de vida para a
época, o rei tinha todos os dentes e todos bem conservados. D. Dinis, além de rei, seria
uma figura bem atraente junto do sexo feminino. Além disso, a dupla dedicação deste
mosteiro, São Denis e São Bernardo, não é vulgar e, tratando-se de um mosteiro
cisterciense, era natural ser dedicado, apenas, a São Bernardo. Não restam dúvidas que a
construção e nomeação do mosteiro satisfaz o narcisismo real, como satisfaz a ideia de
relação orgiástica entre o rei Dionísio e as mulheres.
As freiras entraram no mosteiro no dia de ano novo, 1 de Março de 1296. Até
1536, o ano iniciava-se a 1 de Março, o mês da primavera. Residual e prova são os
últimos quatros meses do ano actual (Setembro a Dezembro), cuja raiz diz Sete, Oito,
Nove e Dez, respectivamente. A construção terá durado 10 anos. Bernardina da
Encarnação Correia foi a última abadessa, falecida em 1886; a última freira foi Carolina
Augusta de Castro e Silva.
2. Madre Teresa Maria de São José e o Diabo das Freiras
Madre Teresa nasceu em Vila Ruiva, arcepispado de Évora, escreve Azevedo.
Filha de Pedro Domingos de Moura. Pertenceu à seita de Molina, continua o autor, que
afirmava a validade e licitude das más acções, quando os fins eram espirituais. Por esta
razão, foi submetida ao Tribunal do Santo Ofício e participou no auto de fé que se
realizou, em Lisboa, no dia 6 de Julho de 1732. A Madre Teresa, escreve Azevedo,
viveu no tempo do «freirático D. João V, ao qual se seguiu a reacção purificadora do
Marquês de Pombal». (1904a, p. 71).
Consultando os autos no Arquivo Nacional, Azevedo afirma que Madre Teresa,
confessou na Inquisição, e cita, «que todas as coisas extraordinárias que fez no decurso
da sua vida foram obras do demónio, e que só no Santo Ofício viera neste conhecimento
pela muita miudeza e clareza com que lhe falava». (1904a, p. 71). Por tudo, escreve
Azevedo, Madre Teresa «foi declarada por convicta, confessa no crime de fingir
virtudes e favores especiais de Deus, Nossa Senhora», bem como de seguidora de
Molina. Foi condenada a reclusão no cárcere do Santo Ofício e degredada 10 anos na
ilha de São Tomé. (1904a, p. 72).
Pela análise das quadras, Madre Teresa confessa que enganou as irmãs e
aproveita para chamar a atenção paras as freiras falsas, alcoviteiras e outras putas;
75
igualmente para as irmãs falsas beatas, pois a verdadeira virtude está escondida e não se
proclama. Aquela que diz que é boa, não o é. (Quadras nº 17, 37, 73, 77-89 e 93).
Não se escusa a referir-se à Inquisição. Os seus processos são obscuros e os
clérigos inquisitores têm má aparência. Certamente que não se referiria apenas à
aparência externa, ao aspecto físico, mas também ao moral. Torturam no preguiceiro.
(Quadras nº 141-145, 197, 233, 249-257, 409). Vaticina a sua morte na fogueira.
(Quadras nº 417, 421).
Confessa ter tido trato e pacto com o diabo e ter sido seu instrumento no
convento. Por amor de outro frade é acusada de feiticeira e alcoviteira. Teve, ainda,
comportamentos de ditadora e dominadora, fazendo o que queria no seu mosteiro.
(Quadras nº 313-321, 277, 325).
Este diabo, de que nos fala Madre Teresa, nunca foi colocado em causa pelos
inquisidores, bem como a sua maligna influência. O diabo, afirma Azevedo, era o feitio
corporal que tomava a maldade […] Os nossos antepassados tinham larga experiência
das acções demoníacas. As nossas crónicas contam
numerosos episódios em que o diabo é a figura
principal, o que denota a crença incontestada na
existência dos espíritos infernais tão amantes das
almas como os missionários de prosélitos». (1904a,
p. 71). Contudo, este diabo (eclesiástico) é de criação
recente, não podendo ser colocado antes do século
XII, e muito diferente do diabo dos contos populares,
que até é bom homem.
Foto 30: Pegada ao campanário, seria a torre de Dª
Paula. Resta a parede de pedra, ainda visível, 2014.
Satan só aparece no Livro de Job, século V
a.C., com o artigo definido, ElSatan, o Adversário. O pelagismo, é condenado pelo
concílio de Cartago, em 412. Inocêncio I condena-o em 416, muito a pedido de Santo
Agostinho. O bispo de Hipona, escreve Carvalho, «segue de perto São Paulo e afirma
que negar o pecado original é negar a salvação de Cristo. Face à perigosa conjuntura na
Igreja Católica, Santo Agostinho vai sistematizar e dramatizar este ponto, já que nem a
teologia judaica teve o pecado de Adão como uma catástrofe, nem os cristãos do
Oriente têm este pecado numa categoria maior». (2011, p. 20). Doravante, continua o
76
autor, a estratégia da Igreja Católica, nesta longa guerra contra as «religiões pagãs»,
passa por conotar as suas crenças com os demónios. É o que claramente transparece do
De Corretione Rusticorum (572), de São Martinho do Dume, citado por Silva (1993).
Satanás, que já estava integrado na visão cristã do além, passa agora a estar integrado na
vida quotidiana.
A imagem deste diabo é eclesiástico e o romancista de ficção científica, Barbet
apresenta-o de forma ímpar. Barbet, desenvolve um enredo à volta do ídolo Baphomet,
conutado aos Templários, na sua obra, cujo título original é Baphomet’s Meteor:
Preparado para tudo, Hugues levou a mão ao punhal fixo ao cinto. Os cães,
enraivecidos, ladraram, mostrando as presas, mas mantiveram-se a uma distância
respeitosa como se compreendessem que não tinham o tamanho bastante para
enfrentarem o perigo desconhecido que aquela abertura representava […] Depois
uma estranha silhueta, não claramente visível no pálido luar, saiu da esfera […]
Não, não estava a sonhar. A alguns passos na sua frente estava uma criatura
deformada, barbada, com um crânio liso, calvo, do qual saíam dois chifres
curtos. Dedos semelhantes a garras ainda estavam fechados sobre os contornos
metálicos da abertura. Era evidente que o anão monstruoso estava
completamente nu. Dois seios de mulher sobressaíam do seu peito. Asas curtas
saíam-lhe das costas […] Não temas, miserável criatura, pregada a este planeta
atrasado. Não sou Satanás. (1972, pp. 9-10).
O diabo, na cultura popular portuguesa, aparece como uma boa pessoa e até
como bom advogado, bem melhor que outros seres a quem habitualmente se reza. Como
escreve Santo (2000), o diabo popular é «um personagem simpático e habilidoso». O
diabo do conto «O Preço dos Ovos» salvou um embarcadiço de ser condenado em
tribunal. No conto «O Diabo e o Pintor», salva o pintor dos desvarios da mulher. O
diabo é boa pessoa e as pessoas gostam dele. Veja-se por exemplo, o caso do Diabo e da
Diaba de Amarante, que são um exemplo do culto erótico e a devoção popular pelo
diabo.
O diabo que ensina a hierarquia eclesiástica foi pois formado e formatado pela
Igreja Católica e pelo Santo Ofício. Não podendo culpar o rei e não ficando bem a uma
freira entregar-se a práticas lascivas, culpa-se o diabo, que não pode defender-se, aqui
servindo como saco de pancada.
Outras freiras e madres serviram cama a reis e aristocratas. Muito conhecida
ficou Paula Teresa da Silva (1701-1768), madre Paula, que teve direito a aposentos
especiais, designados por «Torre de Madre Paula», mandados erguer por D. João V.
77
Não seria uma torre, mas a designação ficou pois nenhuma palavra melhor designaria a
intocabilidade e a inacessibilidade de Madre Paula que ficar numa «torre», qual princesa
dos contos de fadas. Quanto à família de Madre Teresa (a família fica sempre a
ganhar!), D. João V, escreve Saraiva, «família de poucos teres, cumulou-a de tenças e
mercês». (s.d., p. 43). Madre Paula teve, pelo menos, um filho, um dos «meninos de
Palhavã», D. José, que chegou a Inquisidor Mor do Reino.
As freiras Feliciana e Ana de Moura disputavam o leito de D. Afonso VI e
trocavam décimas de ciúme: «que ainda soberana, tão endiozada está, Ana feliz será,
mas nunca Feliciana». E, «ver que esta vossa afeição, motivo tem que a desdoura, pois
adorais uma Moura, sendo vós um rei cristão». Cabem aqui algumas palavras acerca da
moura e das mouras que são referenciadas em todo o país e Europa.
A moira portuguesa nada tem a ver com as suas primas europeias. A Moira das
aldeias, diz Santo, é uma deusa-mãe […] o mito sacraliza a terra e o trabalho agrário
recorda a memória dos antepassados, revela o poder da mulher na agricultura e sugere
representações da mãe que procura seduzir os filhos e praticar o incesto». (1984, pp. 3844). O dia e a hora primordial de aparecimento da
Moura é a Noite de São João, à Meia-Noite. Nesta
noite, a serpente, a moira, a grande mãe, que são
uma e a mesma coisa, liberta-se da autoridade do
pai, diz o mesmo autor. Liberta-se e acontece a noite
de maior sensualidade de todo o calendário agroreligioso rural.
Foto 31: estátua da moura, claustro da moura. A moura, de
forma delicada, e algo provocante, parece querer passar um
riacho, levantando o vestido. Juntando moura e água …
Interessante que a moura, em local cristão, tenha resistido ao
terramoto. 2014.
Sobre a água e a fonte e as suas relações
com as moiras, Carvalho descreve a 3ª e decisiva visão da curandeira do Pego
(Abrantes), Maria Arminda. Diz ela, «eu passava por um ribeiro que se chamava Vale
do Gato. Chegava ao ribeiro onde estava uma rocha, que ainda existe, onde a água
corria, e às vezes bebia pelas mãos. Foi aí que me apareceu uma moira. Essa moira
ainda lá vive encantada» A água brotando da rocha é regeneração e é conhecimento.
Brota das entranhas da terra mãe onde vive a moira, que é ela própria. Santo (1984)
78
afirma que a água é um produto materno. Quanto aos mouros, são os primeiros
habitantes da terra. São autóctones, isto é, diz Cabral, terão «emergido literalmente da
terra». (1989, p. 280).
Às portas, e dentro, do mosteiro realizavam-se os «outeiros». «Outeiros» eram
improvisos que os poetas realizavam perante os motes que as freiras enviavam das
janelas. Realizavam-se pelo São João, o que se compreende, pelo atrás escrito acerca
deste santo. São João é uma festa ligada a antigos cultos orgiásticos. Eram
acontecimentos muito concorridos, escreve Vaz (1997), e que proporcionavam vários
escândalos.
Na apreciação histórico-moralista à conduta das freiras do mosteiro de Odivelas,
do dedo acusador à descupabilização, há posições extremadas. Saraiva escreve que
«Borges de Figueiredo, como quase todos os escritores da sua geração, foi cruel para as
pobres filhas de S. Bernardo, aceitando como boa quanta ignóbil historieta corria em
seu desprimor». Continua a autora que a tão falada Madre Paula sobreviveu 18 anos ao
rei D. João VI e já havia renunciado aos seus privilegiados aposentos, «para viver numa
cela em recolhimento e modéstia». (s.d., p. 43). A Crónica de Cister, citada por Vaz,
afirma que Violante de Sousa foi abadessa durante 28 anos e «era honestíssima em suas
palavras e tão modesta em tudo que nunca se viu olhar para homem algum com a vista
direita». (1997, p. 33).
Os séculos XVII e XVIII, escreve Vaz, «permitiam uma certa liberdade de
comportamento que se estendeu a estes mosteiros e alguns reis e nobres apreciavam o
convívio e a companhia de donas amorosas e cultas, como eram estas senhoras». (1997,
p. 81). Algo que se compreende, lembrando o que já aqui ficou escrito, que à maioria
das nobres não restava saída que não fosse o convento, não tendo pois a ver com
vocação a tomada de hábito. Não admira, assim, que estas senhoras, que tinham grande
ascendente na corte, escreve Vaz, «nunca os abades de Alcobaça, seus superiores
hierárquicos, se conseguiram fazer obedecer, nos aspectos mais rigorosos da disciplina
cistercense». (1997, p. 85). Além disso, o convento era um mundo: freiras e servidoras,
escreve Vaz, eram mais de 400; 9 frades e muitos servidores de fora; o coro da capela
tem 70 mulheres e tocam vários instrumentos musicais.
Haveria, de certo, um número de freiras que se opunha a este ambiente e a esta
conduta. Num antigo manuscrito, citado por Vaz, escrito em verso e endereçado ao Rei,
lê-se: «se vemos da nossa igreja os frades bernardos lá fora, louvaremos toda a hora o
79
vosso nome; a injúria tão atroa, de nos ir quebrar as portas, nem até depois de mortas
perdoamos». (1997, p. 39). Doze padres cistercienses viviam em casa próprias próximo
do convento. Este facto não parece abonar a castidade das freiras, frades e padres.
Contudo, este era o ambiente e a conjuntura. Se quisessem ser castos poderiam sê-lo; se
quisessem ser o que transparece, podê-lo-iam ser. Certo é que os exageros são
evidentes. Não sabemos se seriam generalizados ou se a sua visibilidade daria mais nas
vistas do que a sua substância. Contudo, este era o ambiente do século, esta era a
conjuntura religiosa.
3. Outros Factos, Outros Símbolos, Outros Significados
O mosteiro teve visitas importantes que, verdadeiras ou falsas, servem para
elevar a sua grandeza. A mais célebre visita ao mosteiro, escreve Vaz, foi a de D. Filipa
de Lencastre que aqui permaneceu alguns dias, com os seus filhos. Achando-se à beira
da morte, fruto da peste que assolara Lisboa e arredores, a rainha, sabendo que os filhos
iriam ser armados cavaleiros em Ceuta, pediu três espadas deu-as aos três filhos, Duarte,
Pedro e Henrique, e a cada um especial conselho e pedido de dedicação ao Reino. Frei
Bernardo de Brito, citado por Vaz, afirma que D. Filipa esteve 15 meses enterrada em
Odivelas, sendo transladada para o mosteiro da Batalha.
Realidade histórica eram as pestes quer na sua repetição quase anual, quer na
mortandade que provocavam, quer na saída dos nobres para as regiões vizinhas de
Lisboa, mais airosas. Quanto ao gesto e discurso heróico de D. Filipa de Lencastre é
executado posteriormente, pois o infeliz D. Fernando, também filho da rainha, já é
morto antes de ser.
A neta de D. João I, filha de D. Pedro e D. Isabel, entrou no convento com 12
anos de idade, depois da infeliz derrota de seu pai na batalha de Alfarrobeira. Viveu
santamente, diz Brandão, citado por Vaz (1997), embora nunca tenha tomado votos.
Também santa Joana, filha de Afonso V, iniciou a sua clausura neste mosteiro, antes de
entrar no Convento de Jesus, em Aveiro.
80
Na igreja do mosteiro, está o túmulo de uma filha bastarda de D. Dinis, Maria
Afonso, segundo Borges de Figueiredo, citado por Vaz (1998), assassinada ainda
criança. A arca tem dois escudos iguais, um de cada lado. O escudo está dividido em
quatro partes: no primeiro quartel, um leão rompendo para a esquerda; segundo e
terceiro quartéis, as quinas; quarto quartel, castelo de três torres. Segundo Vaz, as
quinas provam que quem ali repousa tem sangue real; castelo é símbolo generalizado da
nobreza portuguesa; o leão é o leão de família Valadares, indicando que a mãe seria D.
Branca Lourenço, filha de D. Lourenço Soares, de Valadares, e indicaria bastardia. O
estranho, diz também a autora, é a direcção do leão. De facto, o
primeiro ergue-se para a direita;
o
segundo
ergue-se
para
a
Foto 32: brasão de D. Maria
Afonso (Valadares). 2014.
Foto 33: Brasão
de
esquerda.
Valadares.
Ambos
de
www.geneologias.org
Por
fim,
no
memorial de Odivelas. O
memorial de Odivelas, e os
memoriais,
escreve
Carvalho
(2002), insere-se na tradição universal de demarcação
humana do espaço, que é heterogénio: nosso/ outro; positivo/ negativo. Uma tradição,
que é um arquétipo, e na qual cabem cruzes e cruzeiros, nichos e alminhas, e mesmo
ermidas e capelas. A legitimação da sua construção é feita pelo nobre, que é o elemento
mais próximo do deus, o que lhe confere um carácter sagrado. Terá sido construído para
nele, ou por nele, ter poisado o caixão com os restos mortais de D. Dinis e/ ou de D.
João I, a caminho da Batalha. Todos estes factos, históricos e lendários, do reino do
cronológico ou do reino do onírico, mas ambos verdadeiros, contribuem para a grandeza
do mosteiro, e de Odivelas, o local onde ambos se encontram.
Conclusão
O mosteiro de Odivelas, dedicado a São Dinis e São Bernardo de Claraval foi
construído para satisfação narcisista do rei D. Dinis e perpectuação da sua memória.
Face à sua figura, D. Dinis deveria ser muito caro no público feminino.
81
A maioria das freiras, de ascendência nobre e com influência na Corte, ao longo
de séculos, tinham uma vida mundana, rodeadas de homens, frades, padres e criados.
Não se deve lavar a imagem, por força de uma falsa pureza e modéstia. Era o que era.
O memorial de Odivelas, construído ou não na mesma altura do mosteiro marca
um limite da povoação e entra na história como local de pausa/ repouso de cortejo
fúnebre real.
82
ANEXO
A FREIRA E O DIABO
Epístola em Presopopeia da Madre Theresa para Odivelas
1.Minhas Beatas
que as luzes belas,
lá de Odivelas,
escureceis,
25. Mostrai agora
os bons juízos,
aos meus avisos
não respingueis.
49. Eu fui beata
e já está visto,
fui tudo isto,
que o confessei.
5. Deixai que brilhem
sem tais vapores
os resplendores,
que todos têm.
29. Crede a verdade
sem raiva e iras.
já que as mentiras
quiseste crer.
53. E as que comigo
comunicaram,
tudo isto andarão
pé ante pé.
9. Negar não posso
nesta mudança
uma lembrança,
que me deveis.
33. Se vires gente
com a moquenquisse
da beatisse,
não vos fieis.
57. Pois toda aquela,
fraca ou robusta,
que santa e justa
vos parecer;
13. Não foi possível,
isto é constantes
pois foi bastante
por me esquecer.
37. Crede são p - - - e alcoviteiras
e feiticeiras
e o mais que eu sei.
6 1. Se em sinais mostra
de que é beata,
é patarata;
e isto é, o que é.
17. Eu fiz vos tolas
neste processo,
porque confesso
vos enganei.
41. Que este juízo
será falsário
e temerário,
dirá alguém.
65. Crede o que eu digo :
esse toucado
de mim aprovado
é Frei Manoel.
21. . Mais avisadas
sede, é preciso
que eu vos aviso,
procedais bem.
45. Mas eu afirmo,
que isto é o certo,
e que é acerto
tudo isto crer.
69. Foi um Demónio,
o que me disse,
que o aplaudisse
por vos perder.
83
73. Tende entendido
que a que se jacta
de ser beata,
que essa o não é.
97. Ao bom capelo
que confessastes,
e que o devastes
ide outra vez.
121. Primeirarnente
quis o tinhozo,
que o Vimiozo
me foi prender.
77. Porque o letreiro
que isso publica,
só nos indica
ser má mulher.
101. Porque reforma
com tão má capa,
sem ser do Papa
de m.... é.
125. Não disse nada,
de que me peza
nem à Marqueza
nem ao Marquez.
81. He a virtude
que mais avulta,
a que se oculta
e não se vê.
105. O gibão novo,
à terca feira,
vesti na feira
posto ao revez.
l29. Crêem que eu fui preza
denunciada,
mas que culpada
isso não crêem.
85. A que se mostra
com seus primores,
pesa os amores
é um desdém.
109. Leve castigo
disso seria
que eu merecia
em fogo arder.
133. Para que os prodígios
que obrei com eles,
não são daqueles
que hão-de esquecer.
89. Vossa virtude
em vós caiba,
só Deus a saiba
e mais ninguém.
113. Estai me atentas,
ouvi-me agora,
sequer meia hora
o que passei.
137. Fornos andando
eu, mais. o Conde,
e não sei d'onde .
me foi meter.
93. Mas toalhinha
que diz: «sou boa»
Isto mal soa,
nunca o sereis.
117. Na prisão dura,
terrível, forte,
aonde a morte
cara me fez.
141. Mas depois soube
que era chiton,
de Inquisiçon,1
e não falei .
1
É provérbio bem conhecido.
84
145. Lá me fecharam
numa casinha ,
triste e mesquinha
não sei porquê.
169. Diz: «para que coma
não é o convite,
para que vomite
será talvez».
193. Eu fui andando
sem dar mais fala
e numa sala
escura entrei.
149. Estava lá aquilo
tão mudo e quedo,
que me fez medo
de só me ver.
173. E eu respondi-lhe :
«Isso assim enjoa,
que cousa boa
certo não é».
197. Clérigos tristes
vi com más peles;
diante deles
ajoelhei.
153. Ao outro dia
abrem-me a porta,
com a alma torta
então fiquei.
177. Diz: «mas será
para que cante
«com voz galante
um minuete.»
201. Fui perguntada
com vós que espanta,
se eu era santa,
não lho neguei.
157. Disse o Porteiro:
«Madre Thereza
chamam-na à mesa
venha você »
181. «Não sei cantar»,
disse enfadada ;
e ele «não é nada
cantará bem.»
205. Dei por testigo
sem mais medulas,
vendia bulas
por dois vintens.
161. Eu respondi-lhe,
como quem chora:
«não estou agora
para, comer».
185. «Um tal compasso
lá lhe levantam
«que todos cantão
sol, fá, mi, ré.»
209. Disse o milagre
do enforcado
tão celebrado
como entremez.
161. O tal Porteiro
rio de vontade
eu na verdade
não sei de quê.
189. «Madre Thereza
aparelhar,
que há-de cantar,
em que lhe peze.
213. Só na garganta
tinha o baraço
feito num laço
e eu lho cortei.
85
217. De uma senhora,
que enviuvara
e que ignorara
sua prenhez.
241. Neste trabalho,
o que vos toca.,
por coisa pouca
só vos direi.
265. E que a soberba
eu a ensinava
e a aconselhava
como de Lei.
221. Disse que eu fora,
quem lho dissera
e que a tal era
Dona Isabel.
245. Por que é bem saibam
as criaturas
as diabruras
que eu sei fazer.
269. Que is de capelo
as desprezasse
e que as trajasse
com altivez.
225. Outro milagres,
que são patentes,
e as mais das gentes
sabem mui bem.
249. Que de sete anos,
disse sem gabo,
vira o Diabo
num bode em pé.
273. Disse da freira,
de que as formigas
eram inimigas
e eu desterrei.
229. Relatei todos
porém os clérigos,
como galegos,
não querem crer.
253. E de então tive
com ele trato,
mas não com pacto,
por que o neguei.
277. Pois quando eu mando
tudo obedece
e não se esquece
de obedecer.
233. Ao preguiceiro,
logo me ataram
e me apertaram
bem os cordéis.
257. Disse que eu fora
nesse Convento
o instrumento
de Lúcifer.
281. Mas as baratas,
que há do Capelo,
eu com desvelo
deixar fiquei.
237. Tal cordalejo2
ali me deram,
que me fizeram
esmorecer.
261. Porque a vós todas
as beatinhas,
com toalhinhas
vos enganei.
285. Também lá disse
e esta pirraça
tem sua graça
e um certo quê.
2
Repreensão áspera, forte, desabrida.
86
289. Disse que eu fora,
quem por travessa
a uma abadessa
a morte dei.
313. Disse que a um frade,
Que é mui garrido,
mui presumido,
queria eu bem.
337. Um dos meus dentes,
que um relicário .
num santuário
guardava bem.
293. E outra matava,
sem piedade,
se falta o frade
de Sacavém
317. E amara a outro,
que prevenia
na sacristia
um certo quê.
341. Lança um Ministro
com confiança, .
onde se lança
o descomer.
297. Que à Portugal
de alguma sorte
à sua morte
cooperei.
321. Disto inferiram,
que feiticeira
e alcoviteira
eu vinha a ser.
345. Sempre me lembra,
que o sentira,,
se isto hoje vira
Frei Manoel,
301. A oposicão
que ela fazia,
ao que eu dizia,
tudo isto fez.
325. Mas os feitiços
que eu os fizera
nem que eu os dera,
não o neguei.
349. De Deus era ele
isto dizemos
e não sabemos
de quem hoje é.
305. Disse que eu sempre
patrocinara
a quem amara
Luís Quifel.
329. A um dos frades
que o meu retrato
com bom recato,
quis esconder,
353. Ele me honrava
com grave intento,
que mandamento
era da lei.
309. Que eu fora a capa
de seus amores
e outras piores
se podem ler.
333. Clérigos tristes
lho apanharam
e lho queimarão,
não sei porquê.
357. Deves-me tudo
em boa hora,
que se eu não fora
ele não é.
87
361. Do feito, e dito
desse convento,
com mau intento
me retratei.
385. Fez dar-rne tratos
de tão boa sorte,
que hera urna morte
cada cordel.
409. Não disse o pacto,
que tenho feito
dentro em meu peito
com Lucífer.
365. Mas o retrato
tende entendido,
que é parecido
a Lúcifer.
389. Fez dar-me açoites,
que por apostas .
atrás das costas
sempre os deitei.
413. Alegrão novo
raro e jucundo
darei ao mundo
daqui a um mês.
369. Nossas manicas (?)
quu e eu do pecado,
tinha livrado
por comprazer.
391. Mas o que sinto
com mais fadiga,
é a cantiga
que se me fez.
417. Qual borboleta
que o fogo corre
e nele morre,
eu hei-de ser.
373. Basta de graça,
porque os senhores
Inquisidores
em tal crêem.
397. Dá-me esta pena
um tal cornudo,
que só o agudo
os cornos tem.
421- Se eu adivinho
ou se eu me engano,
dentro de um ano
vos o vereis.
377. Traçado tinha
Ser ainda agora
reformadora
dessa lista.
401. Eu quero a trunfa
da carapinha,
porque à carinha
me há-de estar bem.
381. Mas S. Bernardo
assim castiga
uma inimiga
de sua fé!
405. E que ma ponham
o ponto está,
antes que eu vá
a S. Tomé.
Da Revista «Tradição», Serpa.
Arquivo Nacional, Lod. 1048, p. 14
Pedro A. D’Azevedo
88
12. IGREJA MATRIZ DE BUCELAS
Nossa Senhora da Purificação e o Anjo Custódio
Falemos da Igreja Matriz e das duas principais imagens que contém: Nossa
Senhora da Purificação e Anjo Custódio de Portugal.
Do lado esquerdo do altar-mor, o lado da Epístola, ergue-se uma imagem do
Anjo Custódio de Portugal, em tamanho quase natural. De tamanho praticamente
natural se pensarmos na altura média dos homens de quinhentos. E surge um
pensamento: uma pequena povoação tem uma imagem em tamanho natural do Anjo
Custódio de Portugal. Simultaneamente, o nome Custódio não é um nome,
propriamente dito, antes uma função; é aquele que exerce a custódia sobre alguém, a
tutoria, a responsabilidade individualizada.
1. Nossa Senhora da Purificação a Fundadora de Bucelas
A Igreja Matriz de Bucelas tem Nossa Senhora da Purificação com orago.
Peguemos nas palavras. Igreja é um colectivo (de crentes) e a matriz é a sede mãe.
Igreja matriz significa sede, o centro no qual se
juntam os fiéis, os irmãos na fé. Entrar e sair da
Igreja Matriz é, simbolicamente, o re-entar e o sair
(de) novo do ventre materno. Percebe-se, assim, a
importância religiosa, social e cultural da igreja
matriz de uma paróquia ou freguesia. Neste caso, a
importância da igreja matriz de Nossa Senhora da
Purificação na fundação e afirmação de Bucelas.
Foto 34: Nossa Senhora da Purificação, 2012.
Nossa Senhora é a santa dos mil nomes.
Reis (1967) Apresenta 1.037 invocações à mãe de
Cristo. Purificação não significa a que é pura, mas
a que se purifica depois do parto. Há cinquenta anos, na aldeia, ainda eram os padrinhos
que levavam o afilhado à pia baptismal. A mãe ficava em casa. Algo muito antigo (e
que ainda aconteceu com o autor deste artigo). As mulheres, no judaísmo, eram
consideradas impuras após o parto. Por isso, eram afastadas durante alguns dias do
89
convívio social e das actividades religiosas no Templo. Passado o tempo de resguardo, a
mãe e a criança iam ao Templo. A mãe para ser purificada, conforme a Lei, a criança
para ser apresentada a Javeh. Pode-se ler: «quando uma mulher der à luz um menino,
será impura durante sete dias, como nos dias da sua menstruação. No oitavo dia far-se-á
a circuncisão do menino. Ela ficará aina trinta e três dias no sangue de sua purificação;
não tocará coisa alguma santa e não irá ao
santuário até que se acabem os dias de sua
purificação». (Lv 12, 2-4). No caso e dar à luz
uma menina, seria o dobro. (A ditadura do
masculino sobre o feminino!) Ainda: concluídos
os dias da sua purificação, segundo a lei e Moisés,
levaram-no a Jerusalém para o apresentar ao
Senhor». (Lc 2,22).
Foto 35: Anjo Custódio. Igreja Matriz de Bucelas, 2012.
Nossa Senhora da Purificação aparece
associada a outros nomes, casos de Nossa Senhora
da Luz, Nossa Senhora da Candelária, Nossa
Senhora das Candeias e Nossa Senhora da Apresentação. Nossa Senhora da Luz tinha
festas e romarias por todo o país, escreve Reis (1967), a 8 de Setembro, o dia da
natividade de Nossa Senhora. Dizia-se, continua o autor, que era neste dia que a
azeitona começava a ganhar azeite; daqui, porque o azeite era o corburente das
candeias, seria Nª Srª da Luz. Ligar Nossa Senhora da Luz à luz, ganha mais certeza
sabendo-se que, afirma Reis (2012), os crentes de Nossa Senhora das Luzes, para os
lados de Rio Zêzere, lhe ofereciam olhos de cera como ex-votos. É uma invocação que
o autor apenas coloca nesta região, mas que ajuda a demonstrar que Luz tem a ver com
luzes, velas, candeias, archotes e não com olhos.
Nossa Senhora da Candelária é o mesmo que Nossa Senhora das Candeias. Esta
tem grande expressão no Continente, aquela nas antigas províncias ultramarinas. Nossa
Senhora das Candeias tem uma origem bem antiga. Segundo Santo, esta festa teve
origem em Antioquia; «ora, festa das Luminárias no princípio da Primavera, era como
se chamava a festa da deusa Síria Iasura, de Luciano, no qual os fiéis organizavam uma
procissão com archotes no adro do templo de Hierápoles». Luciano, historiador romano
90
do século II, falecido em 195, escreve, em A Deusa Síria: «de todas as festas que vi, a
mais importante é a que se celebra no começo da Primavera. Uns chamam-lhe A Festa
das Fogueiras; outros, A Festa dos Archotes ou das Lâmpadas. Eis o sacrifício que se
pratica nesse momento: cortam-se grandes árvores e erguem-se no pático; depois trazem
cabras, ovelhas e outros animais vivos que suspendem das árvores. Põem também ali
aves, roupas e objectos de ouro e prata. […] Lançam fogo ao montão e tudo arde
imediatamente». (1993, pp. 135, 46-47). É uma das 27 festividades anuais inseridas na
Regra dos Templários. Percebe-se a importância, desta procissão na religião popular e
eclesiástica pois foi absorvida pela procissão das velas, na Cova de Iria, como se fosse
coisa própria de Fátima.
Reis escreve que Candeias é o nome «que vulgarmente se dá a Nossa Senhora da
Purificação, cuja festa litúrgica é celebrada no dia 2 de Fevereiro». Esta festa é das mais
antigas, «senão a mais antiga co calendário Eclesiástico. Faz-se neste dia a benção
litúrgica das velas e a sua consequente procissão – a única procissão das velas
determinada pela Liturgia. Por este facto, dá-se à Senhora da Purificação o título de
Senhora das Candeias». (1967, pp. 133, 488).
A Senhora da Apresentação tem a sua festa a 21 de Novembro. Segundo a
tradição cristã, escreve Reis (1967), foi neste dia que Joaquim e Ana, pais de Maria, a
apresentaram no Templo para se dedicar ao serviço de deus. Esta festa, continua o autor,
era celebrada no oriente, já no século VI; no ocidente, só a partir de 1562.
Sem dúvida que a Senhora da Purificação se encontra ligada à luz, às velas, às
candeias. Diz a lenda, que uma imagem de Nossa Senhora apareceu numa mata de
carvalhos, onde hoje está a igreja matriz. A imagem manifestou-se através de uma luz
intensa. Segundo Pinho Leal (1873), «a Senhora apareceu com uma tocha na mão». O
que aproxima esta santa à antiga Festa das Candeias, atrás descrita.
Considerando que o local adequado à imagem era a ermida de São Roque, Vila
de Rei, para lá a levaram. De noite, a imagem fugiu para a mata de carvalhos,
reaparecendo no dia seguinte. Repetiram-se as cenas de levar e fuga. Até que, como
acontece em dezenas de lendas semelhantes, (o que a torna verdadeira) decidiram erguer
um templo, ali mesmo, e dedicá-lo à Senhora da Purificação ou Nossa Senhora do
Carvalho.
Esta lenda é verdadeira. Não na verdade histórico-cronológica, mas na verdade
do tempo circular-litúrgico e do mito. Em primeiro lugar, assemelha-se a dezenas de
91
lendas de aparecimento de Nossa Senhora e outras santas espalhadas pelo país. Em
segundo, como se referiu, é visível a continuidade milenar de antigos cultos. Em
terceiro lugar, este aparecimento e teimosia em ficar no local pretende justificar, através
da manifestação do divino, a criação de uma igreja matriz, e de uma nova freguesia,
neste local. Pela lenda, parece que a
ermida de São Roque, datada de
1460, e o lugar de Vila de Rei se
sobrepõem,
em
importância
regional, a este povoado que já
existiria no local da mata de
carvalhos.
Foto 36: Capela de São Roque, Bucelas,
2012.
Assim, deus determinou, por mão de Nossa Senhora, que este povoado tivesse
indubitável existência. É como se fosse criado ab initio por deus e Nossa Senhora.
Porque a Igreja Matriz é construída em 1522, tentando fundir os dois calendários,
poder-se-á concluir que terá sido por volta deste ano que a aparição se concretizou.
Porém, não se devem misturar os dois tempos, circular-litúrgico e cronológico,
pois lidaremos com uma impossibilidade: não se constrói um templo num local, seja ele
qual for, sem que o divino se manifeste, pois é esta manifestação que sacraliza o local e,
por isto, se coloca, em cima dele, um templo; então, onde esteve a imagem durante a
construção? Em São Roque, é possível, pois Pinho Leal (1873) diz que São Roque foi a
primeira matriz. A lenda foi-se construindo, à medida que se construía o povoado,
futura Bucelas (e cuja importância regional era patente em 1522), e se construiu um
pequeno oratório ou uma pequena capela. Ou, até se pode ter aproveitado ruínas de um
monumento sagrado pré-existente, como um templo «pagão». O exemplo de Fátima
pode ajudar a compreender. Uma pequenina capela, chamada das aparições, é
construída depois da manifestação do divino, ou sagrado. Mais tarde, o santuário, que
hoje se conhece. Ao princípio, porém, o local sagrado foi localizado com uma simples
baliza de três paus. As lendas devem ser interpretadas num universo simbólico, onírico
e num tempo cíclico-litúrgico. E que se diz das lendas se diz também da análise dos
símbolos de brasões e bandeiras.
92
A título de exemplo, a bandeira da freguesia. Segundo a Junta de Freguesia de
Bucelas (2012), é «esquartelada de azul e amarelo; cordões e borlas de ouro e azul». Os
seus elementos, continua o autor, têm o significado simbólico:
A falcata celta – Símbolo de uma antiquíssima civilização.
O gládio romano – Símbolo da dispersão das hostes romanas por esta região.
A águia – Símbolo do desejo de progresso.
A folha de videira – Símbolo da característica vitivinícola, então dominante nesta
região».
Coloquem-se algumas perguntas: (i) se a região é antiquíssima, porque não um
machado de pedra? (ii) Se o gládio é romano, até pode ser lusitano, porque não antes a
águia, símbolo romano espalhado pelo mundo e símbolo precioso da legião? Porquê um
gládio romano se não constitui individualidade, pois os romanos estiveram em toda a
Península e num imenso território? (iii) Águia símbolo de progresso? Segundo
Chevalier e Gheerbrant (1994), a águia é um dos símbolos mais poderosos da liberdade
e da expansão da consciência. Dado que designa um ser que voa, é a forma privilegiada
de exprimir, a relação entre o céu e a terra, entre o espírito e a matéria, entre o plano
horizontal e o plano vertical. A águia simbolizava o poder divino.
Outro exemplo de interpretação descuidada. Lê-se em Assunção: «a presença do
sol encimando o trono, numa clara alusão à luz divina, é a invocação do templo, Nossa
Senhora da Purificação, relembra e reafirma a dedicação deste altar à Mãe de Deus,
intercessora e advogada das preces dos crentes» (201, p. 18). E de que é advogada
Nossa Senhora da Purificação? Que preces? Que crentes? Em segundo lugar, o sol
radiante não e símbolo da Senhora, mas sim do deus masculino, de Cristo. Trata-se de
um processo e cristianização de uma imagem mitraica. O sol radiante que aparece em
muitas igrejas, capelas e até na custódia sagrada, representava o deus Mitra, na sua
hipóstase de luz divina criadora.
Voltando à lenda, um facto nela narrado na lenda parece(ia) inexplicável: Nossa
Senhora apareceu numa mata de carvalhos. Ora, a mãe de Cristo costuma aparecer em
árvore/ arbusto feminino e de bom fruto, pois a quase totalidade das árvores
portuguesas, da azinheira à silva, de bom fruto, são femininas. Contudo, na Beira
Interior - concelhos de Idanha-a-Nova, Penamacor, Castelo Branco, Proença-a-Nova –
região que mais estudámos ao longo de duas dezena de anos – dá-se o nome de carvalho
a um carvalho de grande porte, geralmente isolado ou na companhia de outro, e
93
carvalhas a uma mata de carvalhos pequenos, com, pouco mais de 2 metros, muito
juntos uns aos outros, como rebentos. Poderá haver uma versão da lenda que fale em
mata de carvalhas e que o erudito, porque não conheceria carvalhas, recolheu carvalhos.
É que Assunção escreve: «o altar colateral do lado do Evangelho […] e uma escultura
(finais do séc. XVI ?) evocativa da Senhora do Carvalho ou Carvalha». (2011, p. 40).
Segundo Chevalier e Gheerbrant (1994), o carvalho é sagrado em várias tradições e
«investido dos privilégios da divindade suprema do céu»; é símbolo da força física e
moral; é eixo do mundo. Foi junto a um carvalho que Abraão recebeu a revelação de
Javeh. (1994, p. 165). Para os mesmos autores, bolota ou glande significa a abundância,
prosperidade e fecundidade; designa a potência do espírito e a virtude enriquecedora da
verdade, essa verdade que vem de duas fontes: a natureza e a revelação». (1994, p. 354).
Estamos, pois, perante uma mata de árvores sagradas, eixo do mundo e local sagrado
onde a verdade foi revelada.
Santo (1989) escreve que carvalho(a) vem do fenício qrb’l (clã, parentela), ou de
qrb bal (perto do senhor). É o mesmo que Paços, que vem de pastum e significa distrito.
Assim, o local do aparecimento da Senhora é o local onde vive o clã, perto do senhor
(rei, juiz) é está dentro dos limites da terra do clã.
A fundação de Bucelas não pertence a D. Dinis, como Odivelas, nem a D.
Afonso Henriques, como Freixo de Espada à Cinta, nem a outro rei ou fidalgo. Foi acto
de Nossa Senhora da Purificação que (re)criou Bucelas à semelhança do que fez com os
tremoços ou com a teia de aranha, como contam os contos populares, geralmente,
aquando da fuga da sagrada família para o Egipto.
2. O Anjo Custódio de Portugal
Este é o anjo guarda de Portugal correspondente aos anjos de guarda individuais,
cuja estampa está(va) generalizada pelo país. O culto do Anjo da Guarda, escreve
Gandra, «radica na crença primeva e universal de que todos os seres humanos são
assistidos pessoal e vitaliciamente por daimones ou génios protectores (equivalentes aos
jinn corânicos), o mesmo sendo admissível dos lugares, bem como das nações». (2012,
p. 1). O que se sabe dos Anjos?
A palavra anjo vem do termo grego angelos que significa "Mensageiro". A
palavra hebraica para anjo é Malakl, que, igualmente, significa "Mensageiro". Os
egípcios terão explicado amplamente e com detalhes os anjos, mas tudo terá sido
94
perdido numa das fogueiras da biblioteca de Alexandria, uma delas por parte dos
cristãos.
Referências aos anjos aparecem tanto no Antigo como no Novo Testamento e
sempre como mensageiros e guardas. Exemplo de guarda, depois do pecado de Adão e
Eva, Deus «colocou ao oriente do jardim do Éden Querubins armados de uma espada
flamejante para guardar o caminho da árvore da vida». (Gn, 3, 24). De guarda/
protecção, « o Anjo do Senhor encontrando-a no deserto junto de uma fonte que está no
caminho de Sur, disse-lhe: Agar […] multiplicarei a tua posteridade de tal forma, que se
não poderá contar». (Gn 16, 7-10). Um anjo, um homem: «Na ressurreição, os homens
não terão mulheres, nem as mulheres maridos; mas serão como os anjos de Deus no
céu». (Mt, 22, 30).
No Auto da Alma, Gil Vicente coloca na boca da Alma, acompanhada do Anjo
Custódio: «Anjo que sois minha guarda, olhai por minha fraqueza terreal! de toda a
parte haja resguarda, que não arda a minha preciosa riqueza principal. Cercai-me
sempre ò redor porque vou mui temerosa de contenda. Ó precioso defensor meu favor!
Vossa espada lumiosa me defenda! Tende sempre mão em mim, porque hei medo de
empeçar, e de cair». (2012).
Mas a relação entre anjos e humanos terá sido bem mais profunda, o que explica
a permanência, do que dizem os livros canónicos. Lê-se que «os filhos de deus viram
que as filhas dos homens eram belas e escolheram esposas entre elas». (Gn 6, 2). Estes
filhos de Deus são anjos: «E quando os anjos, os filhos do Céu, as virem, por elas se
apaixonarão e dirão uns aos outros: escolhamos mulheres da espécie dos homens e
tenhamos com elas filhos […] E ensinaram-lhes a feitiçaria, os encantamentos e as
propriedades das raízes e das árvores». (Henoch 7, 2; 10).
A auréola, que circunda a cabeça dos anjos é de origem oriental e, no Egipto foi
atributo de Rá; na Grécia, de Apolo. Em 787 dogmatizou-se a existência dos arcanjos
Miguel, Uriel, Gabriel e Rafael. No Livro de Henoch, (19, 1-7), os anjos que velam
pelos humanos, cada qual com seu atributo, como os santos, são Uriel, Rafael, Raguel,
Miguel, Sarakiel e Gabriel.
Custódio/ Guarda é o nome (função) do anjo que, colocado à cabeceira do quase
defunto, esgrime argumentos com o Diabo para salvar a alma do paciente. São as
célebres e universais, pelo menos, na Península Ibérica, as 12 ou 13 (de acordo com as
95
versões) palavras ditas e (re)tornadas. Só podiam ser ditas na situação prevista. Seria
diabólico, desafiador do divino, com o consequente
castigo, utilizá-las noutra situação.
Figura 37: Anjo da guarda, da custódia, da protecção; junto a um
abismo protege duas crianças que, inocentes, apanham flores
(ela) e borboletas (ele). O par é apresentado por referência
cultural a ter filhos de ambos os sexos e por haver diferenciação
cultural sexual quer nos gostos de brincadeiras e brinquedos,
quer nos trabalhos e vestuário. O anjo da guarda é individual.
Além da protecção ao longo da vida, responde connosco no final
dela. Pagela retirada do Google.pt, 2012.
Eis uma versão recolhida na Beira Interior:
«Custódio, amigo meu. Custódio, sim; amigo não».
− Diz-me as treze palavras ditas e tornadas.
− Digo.
− Diz-me a primeira.
− A primeira é a Casa Santa de Jerusalém, onde Cristo, Senhor Nosso, morreu
por nós. Amém!
− Custódio, amigo meu.
− Custódio sim, amigo não!
− Diz-me as treze palavras ditas e tornadas.
− Digo.
− Diz-me as duas.
− As duas: são as duas tabuinhas de Moisés, onde Cristo, Senhor Nosso, pôs os
seus divinos pés. E a primeira é a Casa Santa de Jerusalém onde Cristo, Senhor Nosso,
morreu por nós. Amém!
− Custódio, amigo meu!
− Custódio sim, mas teu amigo não!
− Diz-me as treze palavras ditas e tornadas.
− Digo.
− Então, diz-me as três.
− As três: são as três pessoas da Santíssima Trindade; e as duas, são as duas
tabuinhas de Moisés onde Cristo, Senhor Nosso, pôs os seus divinos pés; e a primeira, é
a Casa Santa de Jerusalém, onde Cristo, Senhor Nosso, morreu por nós. Amém!
96
− Custódio, amigo meu!
Foto 38: Cartaz das festas em honra do Anjo Custódio,
Bucelas, 2012.
− Custódio sim, mas teu amigo não!
− Diz-me as treze palavras ditas e tornadas.
− Digo.
− Diz-me as quatro. […] Diz-me as doze.
− As doze: as doze são os doze são os doze
apóstolos; as onze são as onze mil virgens; os dez, são
os dez mandamentos; os nove, são os meses que o
Menino Jesus andou dentro do ventre da sua mãe
Maria Santíssima; os oito, são os oito guardiões; os
sete, são os sete sacramentos; os seis, são os seis sarabentos; as cinco, são as cinco
chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo; os quatro, são os quatro evangelistas; as três são
as três pessoas da Santíssima Trindade; as duas, são as duas tabuinhas de Moisés onde
Cristo, Senhor Nosso, pôs os seus divinos pés; e a primeira, é a Casa Santa de
Jerusalém, onde Cristo, Senhor Nosso, morreu por nós. Amém!
− Custódio, amigo meu!
− Custódio o sim, mas teu amigo não!
− Dizes-me as treze palavras ditas e tornadas?
− Digo.
− Então, diz-me Diz-me as treze!
− As treze?! São sete com o Sol e seis com Lua, arrebenta pecado infernal, que
esta alma não é tua! É de Deus e da Virgem Pura! Aleluia! Aleluia! Aleluia!
A respeito do nome Custódio, lembramos que a função precede o nome. Mais
tarde, fundem-se ambos. Exemplo é «Satanás». Até ao século VI a.C., à redacção do
Livro de Job, escreve Carvalho, «Satan aparece com o artigo, O Hassatan (o
Adversário), no sentido de acusador e, dentre de todos os filhos de Deus, ele é o fiscal
das acções humanas e o distribuidor do mal». (2011, p. 20). Também os personagens
centrais dos contos de fadas não têm nome individualizado, antes uma função ou
situação: Branca de Neve, Gata Borralheira, Rapunzel …
A pedido do rei Dom Manuel e dos bispos portugueses, escrevem AAVV
(2012), o Papa Leão X instituiu em 1504 a festa do «Anjo Custódio do Reino» cujo
97
culto há muito existia em Portugal. Aliás, só existindo há muito e muita Assistência se
compreende o pedido de legalização eclesiástica. Oficializada a celebração tradicional,
continuam os autores, Dom Manuel expediu alvarás às Câmaras Municipais a
determinar que essas festas em honra do Anjo da Guarda de Portugal fossem celebradas
com a maior solenidade. Nesta festa deveriam participar as autoridades e instituições
das cidades e vilas, além de todo o povo, muito à semelhança da (talvez) maior festa
institucional, portuguesa, o Corpo de Deus. É isto mesmo que as Ordenações
Manuelinas determinam. A celebração do Anjo Custódio de Portugal manteve o seu
esplendor durante os séculos XVI, XVII e XVIII.
A festa em honra do Anjo Custódio de Portugal, em Bucelas, Escreve Gomes é a
mais importante da região, depois da festa em honra de Nossa Senhora de Vila de Rei.
Realiza-se no 3º domingo de Julho, continua, desde 1566, altura em que a «igreja da
vila foi sagrada pelo futuro bispo de Viseu, D. Jorge de Ataíde». (2012, p. 3). A ser
verdade, isto supõe que este clérigo teve desempenho relevante neste caso e que a
imagem e culto contribuíram para a afirmação e Bucelas no contexto regional.
Noutros tempos, seria um indicador importante da hierarquia social e da
sociabilidade de Bucelas. Há mais de um século atrás, escreve Gomes, os recémcasados eram mordomos do Anjo Custódio, no primeiro ano; da Comissão de Festas, no
segundo; no terceiro ano, «ingressavam na Irmandade [ou confraria?] do Santíssimo. O
título de irmão do Santíssimo obtinha-se depois de um serviço de três anos seguidos ao
Anjo Custódio». (2012, p. 4). O facto de, como afirma o autor, os irmãos terem lugar de
honra na procissão e um toque de finados especial, demonstra a importância socialreligiosa do lugar detido nesta hierarquia. Comparando com as Irmandades da
Misericórdia da Beira Interior, aqui, revela-se determinante a entrada para irmão o facto
de ter tratamento diferenciado no funeral.
Por fim, o anjo Custódio, tal como os anjos da guarda e os santos jovens, é
apresentado com espada e armadura, como se fosse um guerreiro. Contudo, o seu ar
angelical não assusta ninguém, o que contradiz a representação iconográfica. Aliás, anjo
ou anjinho ainda hoje significa inocente ou mesmo papalvo.
De acordo com o testemunho dos Pastorinhos de Fátima, em 1915 e 1916 o Anjo
de Portugal apareceu por diversas vezes a anunciar as aparições de Nossa Senhora.
Contudo, no interrogatório oficial, a 8 de Julho de 1924, Lúcia não foi interrogada sobre
98
as visões do “vulto branco”, nem sobre as aparições do Anjo de Portugal, em 1916.
Nem ela disse algo acerca do assunto.
Se o facto tivesse acontecido, teria sido abordado. Ninguém se pronunciou sobre
este assunto, nem sequer, lê-se em http://www.fatima2017.org/pt/menu-topo/textos-edocumentos/historia/as-aparicoes-do-anjo-em-1915-e-1916-pelo-p-luciano-cristino,
donde é retirada a foto 5, no relatório final do processo canónico diocesano, redigido
pelo Dr. Formigão, aprovado pela comissão, a 14 de Abril de 1930, e entregue ao Bispo
de Leria, que nele se baseou, para redigir a carta pastoral de 13 de Outubro do mesmo
ano. Só nas Memórias 2, Lúcia refere o episódio. Lúcia que foi colocada no mosteiro,
logo após a última aparição, sem nunca ser entrevistada por alguém fora da alça
apertada da hierarquia católica. Como escreve Santo, os primeiros escritos são de uma
«impressionante singeleza». A segunda fase dos escritos sobre Fátima, inicia-se em
1927, com a aceitação das aparições por parte da Igreja Católica e são textos de
«conteúdo muito diferente, de elaboração eclesiástica». (1995, p. 20). Estaremos perante
uma formatação religiosa e política realizada a posteriori, que pretende centralizar em
Fátima (Cova de Iria) um culto católico popular muito profundo e universal: Maria e
Anjo Custódio (de Portugal).
Conclusão
Bucelas, à semelhança de centenas de outras povoações, afirma-se única ou, no
mínimo, a melhor. Este facto é uma necessidade natural e doença seria não pensar
assim. Trata-se de um natural endémico. É o usual amor à «nossa terra», que se
assemelha e conotua com o «amor de mãe». Mas, para além de ser a «capital do
Arinto», a casta de uva branca dominante na região e que torna o vinho branco de
Bucelas tão apreciado, é de admirar o trabalho de restauro da Igreja Matriz e a presença
das imagens e dos cultos de Nossa Senhora da Purificação e do Anjo Custódio. Por
outro lado, o século XVI é determinante para Bucelas: construção da Igreja Matriz, a
lenda e o Anjo Custódio.
Nossa Senhora da Purificação, analisando a lenda, é a (re)fundadora de Bucelas,
concedendo à povoação – em contraponto a Vila de Rei- a justificação divina da sua
afirmação no domínio regional. Tal como a Senhora, Jesus e José, a caminho do Egipto
vai (re)criando como se de um ab initio se tratasse. Isto é permitido, isto é natural, pois
Jesus Cristo, como todo o filho, nada nega a sua mãe.
99
O Ajo Custódio, entendendo custódio como uma função de custódia, de guarda,
de tutoria e não como nome próprio, apresenta-se como um jovem imperbe, de
expressão cândida, onde a armadura e a arma não são mais que elementos decorativos.
É a imagem universal dos santos portugueses que não são barbudos e velhos. Em ambos
os casos, inofensivos face à mulher/ mãe. Contudo, ter a imagem do Anjo Custódio de
Portugal, quase de tamanho natural, na Igreja Matriz, a par da festa anual, que é «de
arromba», confere a Bucelas o direito natural de se considerar sacrário do anjo protector
de Portugal. Tanto mais que, repetimos, como reza a lenda, a mãe de Cristo, Nossa
Senhora da Purificação, se assume como a criadora de Bucelas, acto este que só um ser
divino, ou alguém por deus enviado, pode ter realizado.
100
13. LITURGIA CATÓLICA DOMINICAL
Simbolismo do Número Três
O número 3, a par do 5, 7 e 12, é o mais utilizado na cultura popular portuguesa
e em muitas outras culturas e escritos, a começar pela liturgia dominical católica. E
compreende-se, pois o número cinco é a apropriação total do espaço horizontal: Norte,
Sul, Este, Oeste e Centro. O número sete é a totalidade, a repetição até ao infinito; é a
totalidade espacial, como escreve Cassirer (1953): Norte, Sul, Este, Oeste, Centro, Alto
e Baixo.
Quanto ao doze, diz Braga (1994), é o número e a nomeação completa dos
deuses e dos demónios. Por isso é que o número 13 é considerado o número do azar:
inicia, sem terminar, uma série. Foi por ter colocado a sua estátua ao lado das estátuas
dos doze deuses que Filipe da Macedónia morreu.
Doze são as «palavras ditas e tornadas», que só se podiam dizer à beira da cama
do quase defunto, que não podiam ser interrompidas e que tinham de ser ditas e reditas:
«Custódio, amigo meu. Custódio sim, amigo não. Das doze palavras ditas e tornadas,
diz-me a primeira. A primeira é a Santa Casa de Jerusalém, onde Jesus Cristo nasceu
para nos salvar, amém. Custódio, amigo meu. Custódio sim, amigo não. Das doze
palavras ditas e tornadas, diz-me a segunda. A segunda são as duas tabuinhas de Moisés
onde Jesus Cristo colocou os seus divinos pés. A primeira é a Santa Casa de Jerusalém,
onde Jesus Cristo nasceu para nos salvar, amém.» Seguem as restantes: as três são as
três pessoas da Santíssima Trindade; as quatro, os quatro Evangelistas; as cinco, as
cinco chagas de Nosso Senhor; as seis, os seis círios bentos com que se alumia o
Santíssimo Sacramento; os sete, os sete Sacramentos; os oito, os oito coros dos Anjos;
os nove, os nove meses que a Virgem trouxe Nosso Senhor; os dez, os dez
mandamentos da lei de Deus; as onze, as onze mil virgens; as doze, os doze apóstolos.
Algumas versões, caso da recolha no Concelho de Idanha-a-Nova e as recolhidas em
Serpa, por Nunes (1899), apresentam o 13º pedido, e Custódio responde ao Diabo: treze
raios tem o Sol; treze raios tem a lua; rebenta pecado infernal que esta alminha é de
Deus e não é tua. Os nomes dos doze deuses, continua Braga (1994), eram ditos na
ordem crescente e os demónios na ordem decrescente, pois os demónios agem e
movem-se em sentido contrário ao dos astros, como se acreditava na antiga Caldeia.
101
Carvalho (1993) escreve que, no Ladoeiro (Idanha-a-Nova), há a procissão dos
homens, realizada nas sextas-feiras da Quaresma; o que ainda hoje acontece nesta e
noutras freguesias da Beira Interior. É uma procissão semelhante à os penitentes,
realizada no Paúl e Lavacolhos (Fundão), embora menos dramática. Mas, aquando de
anos de fome, realizava-se a procissão das trevas. Esta, era às quintas-feiras da
Quaresma e em sentido contrário à das outras procissões e feita a correr, sem olhar para
trás. As procissões saem da Igreja Matriz e voltam à direita; esta, saía da Igreja Matriz e
voltava à esquerda, pelo mesmo percurso.
É sabido que, na Caldeia e Suméria, e em muitos outros povos da Antiguidade,
caso dos Judeus, o nome dos deuses não podiam ser pronunciados, pois saber o nome de
alguém era tomar posse sobre esse alguém. Por isso Javé nunca revelou o seu nome.
Mesmo a Moisés, no Sinai, disse: «eu sou aquele que sou». (Ex 3,14). Eram os
padrinhos portugueses, até há cinquenta anos, escolhiam o nome do afilhado e o
levavam à pia baptismal. Era um tomar posse do filho por parte de segundos pais, os
padres(inhos), isto é, pais(inhos). E o nome completo obedecia a regras não escritas mas
aceites. Por princípio, os padrinhos eram os avós paternos ou maternos, conforme fosse
menina ou menino. O primeiro nome era o da madrinha ou padrinho, conforme o sexo
do baptizado; o segundo, do outro. O terceiro e o quarto eram os nomes das famílias da
mãe e do pai.
Não esquecendo que o número, mais até do que a palavra, constitui-se como
uma ideia e uma força actuantes, coloque-se a hipótese, que se pretende demonstrar, em
duas partes. Uma, o número três é um número perfeito e totalizante, mas não um
número da realização final da obra, no sentido de que, com ele, a obra fica perfeita,
total e para sempre. O número três é antes o número da obra perfeita e realizada, mas
que, qual fermento, nela e a partir dela se realizará a obra perfeita e que durará para
sempre. Diz Carvalho (1999, 2003), que o número três é a pedra angular sobre a qual
assenta a grande obra arquitectónica. «Tirar os três» é o acto perfeito sobre o qual
assenta a grande obra da criação humana, o filho. Três em um, um que são três, é o
desenho triangular da Trindade, base da obra teológica de muitas religiões, do Antigo
Egipto ao Cristianismo. Na liturgia católica, a segunda hipótese, o número três, que se
apresenta repetido até à exaustão, é utilizado como elemento de submissão, louvor e de
bajulação a Deus com o objectivo de obtenção de três graças, sem grandes trabalhos,
por parte do crente: pão, perdão e salvação eterna. Para compreender esta visão
102
simbólica do número e o seu poder, lembra-se Silva: «os processos simbólicos não
asseguram apenas o controlo afectivo e intelectual do mundo. As descontinuidades que
introduzimos num espaço e num tempo contínuos […] operam imbricadamente como
distinções, entre o normal e o normal, o legítimo e o ilegítimo, nós e os outros». (1994,
p. 24). A utilização simbólica do número é, em suma, uma forma de domínio do mundo.
Para este estudo, além da análise dos escritos litúrgicos, assistiu-se a missas e
recordaram-se outras missas de tempos mais recuados, ainda quando a missa era em
Latim. As igrejas frequentadas pertencem a paróquias do Concelho de Idanha-a-Nova,
Castelo Branco e Amadora, procurando uma perspectiva rural e interior e urbana e
litoral, pois que, embora a missa seja igual em toda as igrejas não o é, na verdade, pois
os públicos, para além das igrejas e meio-ambiente, e dos próprios padres, não são os
mesmos. Contudo, embora a religião e a missa possam não ter o peso social que teriam
há cinquenta anos, é certo que continua a ser um acto central e congregador. Assim,
partiu-se do princípio enunciado por Pina Cabral a propósito da missa: «a missa é uma
afirmação da unidade sagrada que ocorre no centro simbólico». (1989, p. 163).
Metodologicamente, seguiu-se a etnometodologia, como a definem Lessard-Hébert,
Goyette e Boutin: «dá relevo às práticas discursivas na esfera do social, isto é, na
utilização da linguagem». Analisando o conteúdo é possível compreender «a
racionalização das práticas quotidianas através de determinados tipos de enunciados da
linguagem comum». (p. 58). Entenda-se que linguagem é palavra, é número, é gesto e,
como diz O’Dea (1966), a liturgia é uma expressão de atitudes.
Igualmente, tomaram-se como verdades-base duas afirmações de etnólogos e
antropólogos das religiões. A de que a religião popular não é de louvor gratuito, ante é
interesseira. E a de que a repetição até «às mil vezes» permite a obtenção da graça.
(Santo, 1984, 1995, Pina-Cabral, 1989). O que é visível em várias religiões,
nomeadamente as que rezam o terço, o rosário ou semelhante. O terço católico, por
exemplo, tem 53 contas e há quem o reze cinco vezes ao dia; os muçulmanos rezam um
rosário de 99 contas dividido em 3 terços de 33 contas
1. O Número Três na Prosa e na Poesia.
Muitos são os livros, laicos e religiosos, que utilizam simbolicamente o número
com valor significante e actuante. Apresenmtam-se lguns exemplos. Os Evangelhos
Apócrifos (1991, 1992) dizem que Maria fez 3 anos, os pais levaram-na ao templo para
103
que todos verificassem que estava sem mácula. Ana sentou-a no 3º degrau do altar.
Maria engravidou e foi visitar a prima Isabel. Ficou lá 3 meses. Zacarias, o sacerdote,
foi assassinado: «todas as tribos do povo se lamentaram e guardaram luto durante três
dias e três noites». É o que contam os Evangelhos Apócrifos, que permanecem envoltos
daquela frescura que possuem os contos tradicionais. Quanto a Lucas, um dos quatro
evangelhos canónicos, conta-nos que Jesus, Maria e José que são três e a trindade
familiar, foram a Jerusalém. Na volta, Jesus ficou para trás e eles foram procurá-lo.
Descobriram-no, ao 3º dia, sentado no Templo, no meio dos doutores.
Nos contos Populares Portugueses (1974), três são as pingas de sangue que se
tiram do dedo para assinar o pacto com o diabo. Três é o número mais corrente de filhos
que os casais dos contos populares têm, quando se quer referenciar um, o terceiro, como
o mais esperto, belo ou com mais expediente. Três será o número mais frequente nos
Contos de Fadas e Contos Tradicionais. A título de exemplo (Philip, 1997), são três as
laranjas de Ouro; três são os anos que o chinês Urashima e a princesa dragão vivem,
felizes, no fundo do mar; três meses, três semanas, três horas e três minutos era o tempo
que a princesa deveria velar o príncipe que dormia como se estivesse morto.
Exemplo da utilização do número 3 na medicina popular é «tirar o acidente». Se
o azeite se espalhar pelo prato é porque o «acidente não ficou tirado. Há que voltar a
fazer o mesmo 3 vezes e três dias a fio. Se continuar a não ficar tirado o «acidente»,
fazer 3 vezes, 6 dias a fio; se permanecer, 9 dias a fio, sendo que 6 e 9 são múltiplos de
3… Na medicina convencional é predominante a receita médica de tomar o remédio
«três vezes ao dia». E não se pense que se toma três vezes ao dia, porque três são as
refeições diárias. Toma-se três vezes ao dia e são três as refeições diárias, porque três é
o número a partir do qual se realiza o trabalho total. Isto é, não é a refeição que sacraliza
o número, é o número que sacraliza a refeição e o dia. O três, dizem Chevalier e
Cheebrant (1982), está igualmente ligado ao ritual de tirar à sorte, através de lançar três
flechas adivinhatórias; a terceira designava o local eleito, o tesouro. Freud, e outros
psicanalistas, vêem no três um símbolo sexual. A própria divindade é concebida, pelo
menos numa determinada fase, como uma tríade.
Exemplo moderno e literário do «3» é o poema «Mostrengo», de Fernando
Pessoa (1929), que nutria um grande apreço pela simbologia. O número três é aqui
utilizado até à exaustão, como se resume no Quadro 1. Três são, desde logo, o número
das estrofes. Três são os personagens (Mostrengo, homem do leme e D. João II); três
104
são as intervenções ou nomeações de cada um dos três personagens; três vezes o
mostrengo roda à volta do navio e três perguntas faz; três respostas obtém do homem do
leme, que treme três vezes e, por três vezes, as mãos coloca e tira do leme.
Quadro 1: o número três no poema «Mostrengo».
Mostrengo
«À roda da nau voou
três x »; «rodou três
x » e disse três x :
«quem…?»
Homem do Leme
El Rei D. João II
«Três vezes do leme «O homem do leme disse
as mãos ergueu, três tremendo [3 x]: «El-Rei
x
ao
leme
as D. João II».
reprendeu e disse no
fim de tremer três x».
Passada está esta prova dos três, passado está o Cabo das Tormentas, a
obra perfeita, não final, mas necessária para que se chegue à obra final: a
Índia.
O número três, resume Cassirer (1953), «é, universalmente, um número
fundamental [...] É o acabamento da manifestação: o homem, filho do Céu e da Terra
completa a Grande Tríade». Para os cristãos, é a unidade divinal e Deus é um só em três
pessoas. Sendo o número fim da série numérica primitiva (um, dois, três), o três é «a
expressão perfeita» e a «totalidade pura e simples». Assim se compreende que, repetese, para a primeira relação sexual, se diga «tirar os três» e não os quatro os trinta ou os
quarenta e três. Três, por alguma profunda razão, é o único «número que Deus fez».
105
2. O Número Três na Liturgia da Missa Católica.
Incidindo na Missa católica dominical, a saudação inicial, tal como os ritos de
conclusão, são primeiro e derradeiro exemplo de uma utilização exaustiva do número 3
na liturgia missal, como se esquematiza
na Figura 1. Começa pela Trindade (Pai,
Filho e Espírito Santo) atribuindo a ela e
a eles a razão do acto que se inicia.
Foto 39: Ladoeiro (Idanha-a-Nova): a Trindade
Católica (Pai, Filho, Espírito Santo) em um-a só
imagem, o Divino Espírito santo, 2013.
E não se pense que assim
começa porque no centro da teologia
católica está a Trindade. O contrário é
que é verdade: o centro é a Trindade, porque a Trindade (ou o número 3) é o centro, a
base, o ponto central a partir do qual a grande obra, neste caso a Missa, se realizará.
Trindade, que são três e um só, e necessitou de um dogma para se afirmar no
catolicismo. A religião popular, escreve Carvalho (2008), há muito que tinha o
problema resolvido com a imagem do Espírito Santo, espalhada por todo o país, e que
são três em um: Pai, Filho e Espírito Santo na imagem do Divino Espírito Santo ou
apenas «o Divino», como também é designado. Conhecidas na religião popular. Alias,
«o Divino», «o Mártir» e «a Santa» são as três designações individualizadas conhecidas
na religião popular, respectivamente, para o Espírito Santo, São Sebastião e Santa Maria
Madalena. O triângulo de três ângulos iguais é a base geométrica da imagem do Espírito
Santo.
Quanto à conclusão, o padre lança a bênção final em três frases que suportam
três mensagens: Deus está connosco, é todo-poderoso e acompanha-nos. Os fiéis, quais
Servos perante o Senhor (Dominus) medieval, respondem «Bendito» e «Amén», isto é,
Assim Seja.
Segue-se o acto penitencial, rezando a «confissão», também ela suportada pelo
número três: eu confesso a Deus e a «vós irmãos»; e eu peço à Virgem (anjos e santos) e
a «vós irmãos». A Confissão mostra bem o salto a partir do três, que cai no quatro, a
intenção ou a razão do três. Analise-se na primeira pessoa: eu peço perdão, porque
pequei e peço a todos que rezem por mim. Os diálogos que se seguem mais confirmam
106
esta afirmação: «Deus todo-poderoso tenha compaixão de nós (1), perdoe os nossos
pecados (2) e nos conduza á vida eterna (3)»; depois, o Kirié: Senhor (1), Cristo (2),
Senhor tende piedade de nós (3). Pede-se a Deus, que é todo-poderoso que nos dê,
perdoe e salve, não porque sejamos bons ou nos esforcemos, mas porque Ele tem todo o
poder para o fazer. Podendo, qual deus ex-machina, intervir e mudar o rumo das nossas
vidas, se e quando o desejar.
Resume-se na Figura 1 o início e conclusão da Missa e o penitencial, onde Deus,
todo-poderoso, cheio de compaixão, perdoa e conduz o fiel à salvação e à vida eterna:
Figura 1: Saudação Inicial e Conclusão da Missa Assente na Trindade.
PAI
Amor,
DEUS : todo
poderoso
(ex-machina)
TRINDADE
3/1/3:
FILHO
A Graça,
é poder, vive
e acompanha
os seus fiéis.
ESPÍRITO SANTO
Comunhão, Vida Eterna.
Salvação e
Vida
Eterna
Depois da humildade/humilhação do Servo perante o Senhor, segue-se a
glorificação, que, bem dentro da cultura portuguesa, se pode apelidar de bajulação.
Segue-se a Liturgia da Palavra, que são duas Cartas e o Evangelho: três que são a
prancha para a palavra do padre, o representante de Cristo no acto. Depois, o «Credo», a
107
chamada «profissão de fé», um dos pontos centrais da Missa. E o católico acredita na
Trindade que é um: um só Deus, um só Senhor Jesus Cristo e o Espírito Santo. Mas tem
mais quatro fés: Igreja una, um só Baptismo, a Ressurreição dos mortos e a Vida Eterna.
Ao todo, sete fés. E eis a obra perfeita, caminhando do 3 ao 7. Sete que é a totalidade
espacial, segundo Cassirer (1953), já referida: Norte, Sul, Este, Oeste; Centro, Cimo e
Baixo.
A Preparação das oferendas é constituída por três diálogos entre o celebrante e
os fiéis. E o Santo, Santo, Santo é triplo. Disto, o rito da Comunhão não destoa e o PaiNosso é exemplar, como mostra a figura 2, onde o Pai-Nosso vem em itálico.
Figura 2: o Credo e o Pai-Nosso, o pedido e a bajulação.
GLÓRIA A DEUS NO CÉU
Senhor Deus, Rei dos
Céus, Deus Pai Todo
Poderoso.
Cristo, Filho
Unigénito, Senhor
Deus, Cordeiro de
Deus, Filho de Deus
Pai.
1.Dai-nos o pão,
3
1.Santificado vosso
nome,
2.Venha a nós o
vosso reino,
3.Seja feita a vossa
vontade.
2.Perdoai-nos,
Vós, Vós, Vós que...
3.Fazei-nos bons
de forma a
ganharmos a vida
Só Vós, Vós, Vós…
PAZ AOS HOMENS NA TERRA
Legenda:
Bajulação:
Acrescente-se que o actor central da Missa é o padre. Nele se focam todos os
olhos presentes na igreja A sua figura de padre-pastor, referida por Silva (1998), e que
ainda se mantém, mesmo na cidade, ainda que num círculo mais pequeno que na aldeia
108
– ao mesmo tempo que administra os bens da alma e difunde uma doutrina,
hierarquiza(va) os espaços sociais e religiosos. O padre, continua o autor, dispõe «de
instrumentos materiais e simbólicos poderosos e eficazes». (1998, pp. 326, 349). É isto
que torna a figura do padre em alguém poderoso, único e capaz de usar o número como
instrumento actuante.
3. O Número Três e a Bajulação na Cultura.
Não está presente na Missa, mas a oração à maior santa do panteão católico,
Nossa Senhora, é perceptível e apresenta o mesmo uso do número três e a mesma
bajulação com o fim de obter o perdão e a salvação. A sua oração serve como
complemento do que aqui se afirma: «Avé Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco.
Bendita sois vós entre as mulheres. Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus». Eatá aqui
claramente presente o louvor a Maria através do número três: três personagens (Maria,
Deus-Senhor e Jesus) e de três laudações (é bendita e única entre as mulheres, tem junto
a si o Senhor e, dentro de si, Jesus). Louvores que se repetem na segunda parte da
oração, instituída, crê-se, por Pio IX: «Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós
pecadores, agora e na hora da nossa morte, amén». Louva-se Maria de forma tão
elevada que até se comete uma heresia, dizendo-a Mãe de Deus, que não é, nem pode
ser, sob pena de Deus não ser
Deus, pois Deus não tem mãe.
Foto 40: Calvário, Segura (Idanha-aNova). Três cruzes. 2004.
Este louvor justifica-se,
e justificado está, pelo favor
que se vai pedir: orai por nós,
que somos desgraçados, agora
e, principalmente, na hora da
morte, pois que, embora com uma longa vida de pecado, Deus poder-me-á sempre
salvar, mesmo que seja no último sopro de vida. Supremo laxismo cultural este que tudo
desculpa, que compreende, acha possível, desejável e justa a salvação, assim Deus o
queira, quando o mais justo seria a condenação. Uma vez mais, o número três da Avé
Maria se apresenta como plataforma para o principal, que é o pedido de salvação eterna.
109
Este laudatório bajulante é característico da cultura e religião popular e da
própria linguagem o demonstra. Os portugueses (e os católicos) dizem «Mãe de Deus»,
dizem «Festa do Corpo de Deus», o que é impossível e herético, pois Deus não tem
corpo, nem mãe; mas, se vão pedir e meter uma «cunha», têm de louvar antes. Dizem
«capela de São Salvador do Mundo» (Monsanto) ou o «Senhor Santo Cristo» (Açores),
como se fosse necessário dizer mais que Salvador e Cristo. A verdade, porém, é que o
número três (três nomes) é a indispensável plataforma para o pedido fundamental e a
bajulação exige que se coloque no nome mais que este, que se coloquem qualidades ou
títulos, qual rei D. Manuel, rei de Portugal e dos Algarves, d’aquém e d’além mar em
África …, ou se trate com educação, eufemismo de bajulação, tipo Vossa Excelência,
Vossa Eminência, Vossa Mercê…, ou se trate qualquer licenciado por senhor doutor, ou
se refira de forma diferente o mesmo, consoante a pessoa, tipo reformado, o operário;
aposentado, o funcionário público; jubilado, o professor catedrático.
É claro que toda a característica cultural tem duas faces. A contra-face da
bajulação é a inveja e maledicência, principalmente quando o pedido não é satisfeito.
Isto é demonstrado no dia a dia, quando se pede um favor a alguém e se ouve o que diz,
na frente e por detrás, quem pede. Com Deus, porém, é perigoso dizer mal, pois ele
ouve. Como fazer para obviar este perigo? Simples, como tudo o que é cultura. Primeiro
e por hábito, não se reza a Deus. Reza-se e pedese a um seu intermediário: Jesus, um santo ou
santa com quem mais se identifique e melhor trate
por tu ou à santa das santas, Maria. Se a bajulação
não resultar e o pedido não for satisfeito, muda-se
de oração ou de santo.
Foto 41: Santa Ana, Maria e Cristo, outra trindade; capela
do castelo de Montemor-o-Velho, 2004.
Voltando à Missa, não se pode mudar de
santo, pois que esta é a comemoração do facto
principal do Catolicismo, o sacrifício de Cristo,
facto este bem expresso no principal ícone
católico, o crucifixo. Assim, Cristo é o principal e
único intermediário neste acto, recaindo sobre ele
todo o louvor e toda a bajulação para que, através dele, Deus conceda o que lhe é
110
pedido: o perdão e, com este, a salvação. Verdade e que sua mãe não passa despercebia.
Até há uma trintena de anos era possível observar senhoras rezando o terço durante a
missa dominical.
Conclusão.
A dificuldade em aceitar as afirmações feitas neste texto prender-se-á com o
domínio secular do catolicismo na educação em Portugal, mas também terá a ver com a
perda do significado dos gestos e dos números e, como escreve Carénini, «no
enfraquecimento do seu poder intrínseco». Ao contrário, nas sociedades tradicionais,
continua o autor, «toma-se o gesto coactivo». (1990, p. 115).
Contudo, face ao exposto, parece inegável a utilização propositada, ainda que
devido a algo presente no inconsciente cultural, do número três na missa católica (e na
cultura popular), ainda que tal, repete-se, seja inconsciente. O que, em termos culturais,
quer dizer que é verdade, pois o inconsciente colectivo funciona um pouco como o
inconsciente individual, trazendo às claras as verdades profundas do «nós». Nesta
utilização milenar, o número três tem servido como plataforma para alcançar o objecto
maior que, no Catolicismo, é a Salvação Eterna. Ainda se pode concluir que, dentro das
características da cultura portuguesa, que é laxista e desculpabilizante, sempre
aguardando um D. Sebastião ou um Messias salvador, pretende-se alcançar este
objectivo, mesmo sem o merecer, como menor esforço possível, mesmo que seja breves
instantes antes do último suspiro, pois, diz o povo, «a Deus nada é impossível».
111
14. AMATO LUSITANO
O Homem, o Médico Renascentista e as IST
Sífilis é uma das ISD – Infecções Sexualmente Transmissíveis, e transmite-se
por uma espiroqueta chamada Treponema pallidum, que evolui lentamente em três
estágios e se caracteriza por lesões da pele e mucosas. Pode ser transmitida por contacto
sexual e transmissão de mãe para filho.
Figura 42: Treponema pallidum; de
www.google.pt., 2020.
A sífilis também é conhecida como
lues (palavra latina que significa praga),
cancro duro, avariose, doença-do-mundo,
mal-de-franga, mal-de-nápoles, mal-desanta-eufêmia e pudendagra, entre outros. Amato Lusitano, além de Sífilis, chama-lhe
morbus galicus, sarna gálica, lerpa gálica e úlcera serpentina.
Originalmente, não havia nenhum tratamento efectivo para sífilis. O comum era
tratar com guáiaco e mercúrio. No século XX surgiu o tratamento para a sífilis. Os
tratamentos antigos ficaram obsoletos e esquecidos após a descoberta da penicilina, e
sua difusão depois da Segunda Guerra Mundial, o que permitiu aos médicos, pela
primeira vez, curar a sífilis efectivamente. Em 17 de Julho de 1998, na revista científica
Science, um grupo de biólogos reportou a sequência exacta do genoma do Treponema
pallidum.
O seu nome, Sífilis, vem do poema Syphillis sive morbus gallicus, do médico de
Verona, Fracastor, de 1530.
1. História
A sífilis surgiu, repentinamente, no século XVI, e os europeus não apresentavam
resistência contra ela, morrendo em números consideráveis e apresentando sintomas
abruptos e floridos completamente diferentes dos observados hoje. Tudo terá começado
deste modo.
Em 1494-1495, eclodiu uma terrível peste no seio do exército que Carlos VIII,
rei de França, levara até Nápoles. Graças à guerra, a doença espalha-se pela Itália, passa
112
à França, Suíça e Alemanha. Esta doença é propagada, escrevem Moulin e Delort,
«pelas mulheres que, no campo, distraíam os soldados». (1991, p. 299). A sua
transmissão entre soldados de vários exércitos, cursando com lesões de pele, fez com
que surgissem outros nomes para a sífilis, "mal espanhol", "mal italiano", "mal
polonês".
A partir de 1495, houve uma vasta pandemia no Ocidente, da qual a sífilis, no
mínimo, era uma das componentes. Após 10 anos, pára e deixa de matar. O sifilítico
junta-se ao leproso, sarnoso e outras vítimas de doenças contagiosas que vagueiam
pelos reinos de então. Sífilo era um pastor que ficou doente devido aos seus «amores
porcos».
Duas teorias explicam a eclosão de uma doença até aí, possivelmente,
desconhecida. Uma defende que é uma doença americana trazida por Colombo, ou seus
sucessores, da América para a Europa. A outra teoria é que a Sífilis é uma doença antiga
do Velho Mundo que sofreu mutações que a tornaram mais virulenta no século XVI.
O Ocidente conhecia, muito antes de Cristóvão Colombo, doenças sexualmente
transmissíveis semelhantes à Sífilis e, face à pouca idade como esperança de vida, para
a época, dizem Moulin e Delort (1991), haveria todas as hipóteses de morrerem de
qualquer doença sem se ter declarado o estádio terciário da sífilis. Assim, continuam os
autores, não há nos documentos escritos algo que contraria «a presença endémica da
sífilis, na sua forma actual, no Ocidente medieval. Mas também nada nos dá uma
certeza a tal respeito». (1991, p. 303). A hipótese americana servirá à Igreja Católica,
segundo Moulin e Delort (1991), para lembrarem os males que poderiam vir do fascínio
pelo Novo Mundo que a viagem de Colombo trouxe ao Ocidente. Isto porque é pouco
natural esta doença não ter sido detectada antes da chegada dos marinheiros a Sevilha,
tanto mais que a homossexualidade era praticada nos navios. Assim, é plausível,
escrevem escrevem os autores, que os marinheiros tenham trazido a pinta e o pian.
Pinta é uma doença cutânea própria dos Índios. Depois de passar à Ásia e África, devido
ao clima quente e húmido, terá dado o pian, uma treponemose mais mutilante da pele e
dos ossos que sua mãe.
2. Sífilis nas Centúrias.
Várias são as curas que falam da doença. Salvo erro ou omissão, são 20, assim
distribuídas:
113
Centúria 1, 26
Cura
5,22
1,49
1,50
1,54
2,54
3,4
4,15
4,55 4,59
5,25
5,49
5,56
5,60
5,72
6,22
6,43 6,45
6,48
6,85
Um homem anão foi atacado de doença Gálica «e tinha na perna um tumor
cirroso». O remédio da cura foi: «vinho de passas branco, amoníaco, goma arábica,
sumo de sagapeno, an. [em?] partes iguais; azougue vivo extinto uma dracma. Misture,
faça-se um ceroto para o tamanho e forma do membro». (1,26). Um outro, atacado de
morbo gálico, ficou curado, segundo os médicos. Passado algum tempo, casou. A sua
mulher, que era casta, deu à luz gémeos e, passados sete anos, deu à luz um outro
infectado pela doença. Ela própria, antes de parir, tinha, «perto do nariz, em direcção
aos lábios» duas chagasitas. Depois do parto, as mamas foram infectadas de uns
grumos, que a impediram de dar mama. A criança foi entregue a uma ama, que ficou
infectada; que infectou o marido, após ter relações sexuais com ele. A ama deu de
mamar a duas crianças mais, que ficaram infectadas, bem como suas mães. Num mês,
escreve Amato, «ficaram contagiados disto nove». (1,49). Aqui, aplicou um unguento
constituído por substâncias aromáticas e mercúrio. Um outro homem foi também
atacado por morbo gálico e ficou curado. Contudo, passados 15 anos, a esposa, «mulher
honesta e robusta, deu à luz uma menina infectada de exantemas gálicos». (1, 50). Um
homem, que sofria de morbo gálico, «estava cheio de líquenes, isto é, erupções
cutâneas». (1, 54).
Um rapaz, de 11 anos, tinha uma chaga «que lhe consumia a garganta».
Chamaram uma curandeira que rasgou a garganta e foi possível ver tratar-se de úlcera
galacana, «visto que seu pai sofria dessa doença». Contudo, escreve Amato, a mulher ao
ver aquilo, ficou apavorada e perdida, pois estas mulheres «não sabem indicar senão
uma destas coisas, ou ter o doente a espinhela descida ou torta, de cima para baixo, ou
estar o cóccix situado fora do seu lugar». (1, 74). Um rapaz, de vinte anos de idade, teve
relações com uma mulher «conspurcada de sarna gállica, foi atacado de dois bubons na
região inguinal». Esta doença ataca o fígado, diz Amato e os órgãos naturais. (2, 60).
Por fim, um fâmulo (criado de serviço doméstico) do cardeal Farnésio, «forte rapaz»,
aparece «coberto de antigas chagas apanhadas com o morbo gálico. Estava a recuperar
114
com o remédio preparado por Amato Lusitano, quando, às escondidas, bebia vinho, o
que fazia reaparecer as chagas. (3, 4).
Amato Lusitano descreve o remédio que recomendou a uma mulher atacada de
sífilis, da qual já, em tempos, sofrera: meia libra de pó de pau de guáiaco, 3 onças de
polipódio quercirino recente e esmagado, onça e meia de sene, meia onça de cascas de
mirabólanos da Índia e québulos; 3 onças de passas de Corinto, meia onça de sementes
de cártamo, duas mãos cheias de sementes de raízes de buglosa, meia onça de sementes
de funcho. «Faça-se uma decocção em dez libras de água segundo a arte, a meias.
Depois de coada, junte-se meia libra de açúcar fino e ferva-se novamente, um pouco, ao
lume. Deste decocto beberá todos os dias, em jejum,
pela manhã, oito onças de cada vez». (4,15).
Foto 43: Estátua deAmato Lusitano em Castelo Branco,
2020.
3. Análise.
Temos como princípio, ético e de investigação,
que a verdade é universal. Universal no espaço e no
tempo. Isto é, apesar de ser impossível eliminar todas
as linhas que a prendem ao seu tempo, a verdade
abrange as coordenadas geográficas (norte, sul, este e oeste), bem como se torna
atemporal ou, como diz o título do congresso, é intemporal. É isto que pensamos de
João Rodrigues Castelo Branco.
Amato Lusitano demonstra conhecer bem os sintomas da doença, o que revela
um conhecimento de experiência feito, para além de excelente capacidade de dedução,
porquanto compara e das comparações retira ilações e ensinamentos. Por exemplo,
escreve que uma outra mulher tinha uma chaga maligna no joelho, resultante da doença.
(4,55). Um rapaz, «estava desfeado por várias pústulas». (5, 22). Um jovem, tinha
vários tumores nas pernas e nos braços e, na testa, tinha chagas que lhe chegavam ao
nariz. (5, 25). Nesta cura, Amato retira o osso do nariz, para que a cura seja plena: «se
primeiramente não tivéssemos retirado os ossículos delas [narinas], nunca chegaríamos
a curá-los». (5, 25). Outro rapaz, trazia chagas do umbigo às partes podendas. Nesta
cura, Amato mostra conhecer e diferenciar a Sífilis da Gonorreia: «sofria também de
115
gonorreia, que já lhe era familiar há muito tempo». (5, 56). Por fim, um jovem tinha
papulas no queixo e na face e úlceras nas partes genitais. (6, 22).
Por outro lado, conhece os benefícios da purgação ou evacuação, seja por urina
ou fezes, seja pelo escarro. É o caso do rapaz «que evacuou muita coisa, mas a purgação
por escarro foi pequena». (5,22). Não encontrámos evacuação pelo suor. Contudo,
continuam presentes certas superstições, pois, na mesma cura, escreve que «de igual
modo tratamos, com a Lua em posição, doenças rebeldes e as que têm humores difíceis
de erradicar». Mas, quando a superstições, médico que não as tenha, ainda hoje, que
atire a primeira pedra!
Não parece que Amato Lusitano tenha licenciatura em nutrição, mas é
permanente a sua preocupação em aliar o remédio à exigência de um regime alimentar
adequado. Nalgumas curas há exemplos deste regime que apresenta como «um óptimo e
sóbrio regime alimentar» (6, 85): «água ou decocto da raiz-dos-chinas», pão náutico;
meio frango assado para o almoço com a referida água; uma mão cheia de passas de
uvas e algumas amêndoas branqueadas, sem casca, para o jantar. (6, 22). Outro
exemplo: meia galinha assada, ao almoço; ao jantar, galinha cozida, num segundo
decocto; passas de uvas de Corinto, pão náutico embebido em segundo decocto de pauguaico. (6, 43).
Em quarto lugar, não existe o conceito-palavra endémico, mas Amato Lusitano
tem dele perfeita consciência, apresentando-o com a clareza e a simplicidade dos sábios,
como atrás referimos a propósito da cura 1, 49: num mês, escreve Amato, «ficaram
contagiados disto nove».
Em quinto, este médico evita emitir juízos de valor sobre os pacientes e suas
acções, salvo quando estão em causa os mais desfavorecidos da sorte, caso do anão,
referido em 1, 26. Além disso, a humildade atravessa transversalmente os seus
comentários, lembrando aquela célebre afirmação atribuída a Isaac Newton: «sou
grande, porque estou aos ombros de gigantes».
Em sexto, compreende perfeitamente o processo e a facilidade de contaminação
da doença. Por isso, exige ao casal, esposo e esposa, «que fizessem esforços
excepcionais para ambos ficarem completamente imunes à doença. De facto se, curando
um o outro não fosse também restituído devidamente à saúde, seria o mesmo que o
médico não ter feito nada, pois deixar-se-ia ocasião para o contágio». Mais, embora
116
casal, devem ter tratamento diferente, pois cada doente é um caso, escreve Amato que
«o tratamento, porém, teve regime diferente». (6, 48).
Em sétimo, é notório o esforço em analisar a doença e suas causas sob um olhar
científico, próprio do Renascimento. Não atribui as pestes à ira divina, ainda que não a
exclua totalmente: «agora não nos referiremos a Deus nem aos céus com os seus astros»
de que tanto os livros divinos com os astrólogos atestam que a peste depende, pois
estamos a tratar de prescrutar as coisas naturais. De qualquer forma que a peste surja, é
preciso que os ares se infeccionem, para que uma causa comum da peste seja o ar que
inspiramos, pela ira divina ou circunstâncias ocasionais e seus aspectos, quer por
imundices de animais selvagens, ou abundância de cadáveres…». (7, 27). Amato
Lusitano não parece conhecer a contaminação através de toalhas e lençóis de água.
Conclusão
Para além do humanismo e de uma cultura científica, o Renascimento traz uma
revolução sexual, escreve Pettit-Skinner, introduzindo o nu na arte, «o princípio de
intangibilidade do corpo humano é abolido na ciência. Os amantes munem-se de filtros
para terem êxito no amor, as crianças ilegítimas são às chusmas, o sentimento de
culpabilidade sexual diminui». (1990, p. 248). O século XVII, pelo menos a nível das
classes mais privilegiadas, diz o autor, trouxe mais liberdade sexual. É nesta conjuntura
de renovação da ciência e da moral que vive e cura Amato Lusitano: inovador,
possuidor de saberes intemporais, mas ainda com algumas dependências supersticiosas,
que são da idade do Homem.
Quanto à origem da Sífilis, se europeia se americana, Amato Lusitano não se
pronuncia. Por esta razão, será partidário de uma doença europeia endémica. Ou,
simplesmente, trata-se de uma polémica de historiadores contemporâneos.
Sem qualquer polémica é que Amato Lusitano foi homem e médico destacado e
que muito nos honra a nós, filhos da Beira.
117
15. AMADORA: ESTUDOS PARA A SUA HISTÓRIA
15.1.
PEDRO FRANCO: Pedro dos Coelhos Segundo Eça de Queirós
«O break rodava na estrada de Benfica: iam passando muros enramados de
quintas, casarões tristonhos de vidraças quebradas, vendas com o seu maço de cigarros à
porta dependurado de uma guita: e a menor árvore, qualquer bocado de relva com
papoulas, um fugitivo longe de colina verde, encantavam Cruges. Há que tempos ele
não via o campo! Pouco a pouco o Sol elevara-se. O maestro desembaraçou-se do seu
grande cache-nez. Depois, encalmado, despiu o paletó — e declarou-se morto de fome.
Felizmente estavam chegando à
Porcalhota.
Foto 44: Rua Elias Garcia, 148A-158A,
local onde se localizava a casa de pasto de
Pedro Franco, 2015.
O seu vivo desejo seria
comer o famoso coelho guisado —
mas como era cedo para esse
acepipe, decidiu-se, depois de pensar
muito, por uma bela pratada de ovos
com chouriço. Era uma coisa que
não provava havia anos e que lhe
daria a sensação de estar na aldeia...
Quando o patrão, com um ar
importante e como fazendo um favor, pousou sobre a mesa sem toalha a enorme
travessa com o petisco, Cruges esfregou as mãos, achando aquilo deliciosamente
campestre. — A gente em Lisboa estraga a saúde! — disse ele, puxando para o prato
uma montanha de ovo e chouriço. — Tu não tomas nada?...» (2006, pp. 220-221).
Em 1873, escreve Calisto (1987), já a fama da casa tinha ultrapassado os limites
do lugar. Num bom Domingo guisa 80 coelhos Faleceu por volta de 1906. A casa estava
de pé em 1959. Em 1968, a casa está em ruinas. Acaba por ser deitada abaixo.
O toldo verde, na foto 1 esconde os números polícia: antes, estão os números
146, 148 e 148A; daqui, salta para o número 158A e 158. Dez números em falta. Fica
frente à Taberna Tia Rita, 87 e 87A, Rua Elias Garcia.
118
15.2.
QUINTA DO ASSENTISTA
Uma Organização Agrícola Virada para o Mercado
Até finais do século XIX, escreve Correia (1991), a Amadora era povoada de
quintas de repouso e veraneio das famílias ricas e aristocratas de Lisboa, bem como por
casais agrícolas que produziam para Lisboa, nomeadamente o pão, quer em cereal, quer
em pão.
A Quinta do Assentista é uma Quinta do Século XVIII (1746) que em tempos foi
também conhecida como
Quinta dos Intendentes.
Segundo o Dicionário on
line
de
o
Português,
Assentista é o fornecedor
de mantimentos para as
tropas, mediante quantia
assentada.
Foto 45: Quinta do Assentista,
tanque do sistema de rega,
2015.
O Intendente é a pessoa que tem a seu cargo a direcção ou administração de
alguma coisa. Funcionário que superintende em certos estabelecimentos públicos.
Funcionário de serviço militar de intendência. São pois duas funções semelhantes. Do
seu conjunto, destaca-se a entrada preciosa e monumental. Está ornada por uma pequena
cartela onde se pode ler a data de 1746 e, por cima, um frontão barroco. No centro
encontra-se um nicho com uma estátua de Nossa Senhora da Saúde, enfeitada com uma
grinalda de anjos e no alto ergue-se uma cruz sobre um monte Gólgota em miniatura,
onde se pode ver a porta do Santo Sepulcro.
A Quinta do Assentista conserva, ainda, os tanques de rega, uma aerobomba,
fontes e bancos de repouso, bem como o edifício da capela particular. Possui um
excelente sistema de rega, por infiltração, com caleiras e tanques, muito bem planeado.
119
Tem oliveiras e laranjeiras em grande número. As oliveiras parecem-me com
mais de trezentos anos, pelo que a quinta seria uma
exploração mais antiga que o edifício.
A organização do espaço agrícola/hortícola
e a produção para o mercado revelam uma
mentalidade capitalista rara em Portugal, para a
época.
Foto 46: Nicho sobre a porta de entrada da Quinta do
Assentista, Nossa Senhora da Saúde rodeada de anos, 2015.
Seguindo
o
portal
http://www.cm-
amadora.pt/patrimonio-cultura/309-outrosmonumentos/542-quinta-do-assentista, a quinta, no
fim do Século XIX, foi leiloada por Manuel
Junqueira Patrone, por nove contos e adjudicada a António Wenceslau da Silva. Em
1920, foi arrendada a uma das figuras mais marcantes da Amadora na época, o médico e
político, professor João de Azevedo Neves.
Em 2017 pertence a João Megre.
Em 2022 é pertença da Câmara Municipal da Amadora.
120
15.3.
PORTAS DE BENFICA
Construção e Simbolismo
El-rei D. Manuel I, em 1498, a pedido dos povos de Elvas, lançou o impostoReal
d’Água, para o concerto dum poço que abastecia de água aquela cidade. Imposto incidia
sobre o consumo da carne, bebidas alcoólicas e fermentadas, arroz descascado, vinagre
e azeite expostos à venda. Primitivamente, o Real d’Água foi lançado exclusivamente
sobre o vinho, mais tarde, sobre a carne e outros produtos, ao mesmo tempo que era
lançado
por
todo
o
país,
sendo
este
tributo,
lê-se
em
http://www.arqnet.pt/dicionario/realagua.html, «de um real por cada canada, arrátel ou
outra unidade, com destino ao
arranjo
de
canos,
fontes,
aquedutos, para abastecimento
de água das povoações, se
ficou
chamando real
de
água».
Foto 47: Portas de Benfica, 2015.
As Portas de Benfica,
lê-se
em
http://www.cm-
amadora.pt/pqs-e-jardins/638-portas-de-benfica «integravam um sistema de controlo
das entradas de mercadorias na Cidade e de cobrança do imposto designado por Real da
Água e dos direitos de consumo sobre os géneros alimentares vendidos na Capital
fazendo parte da Alfândega Municipal, criada em Lisboa, em 1852, para fiscalizar os
direitos de trânsito para a Cidade. O designado “imposto de barreiras” era aplicado a
todas as viaturas, mercadorias e pessoas». As Portas de Benfica a par dos muros
existentes em Vale Forno e Calçada do Carriche, continua o autor, «constituem os
únicos sobreviventes das antigas barreiras fiscais e Estrada de Circunvalação
construídas em torno da cidade de Lisboa, na sequência da reforma administrativa de
1885, que alargou substancialmente os limites da capital». Ao todo, no século XIX,
eram 26 entradas em Lisboa.
121
Por curiosidade, Carriche é de origem fenícia (karhse) e significa calçada.
Temos a repetição do nome: o original e a sua tradução. Comos vários outros casos,
apontados por Santo (1993): Fonte dos Carros (qar), fonte - fonte; Cabo Raso (rasu),
cabo cabo; Monte do Sameiro (smr), monte – monte, elevado.
As Portas de Benfica foram construídas de 1886 a 1903, isto é, 7 anos durou a
sua construção. São constituídas por dois blocos rectangulares com 4 torres cada. Cada
bloco tem 3 portas de cada lado maior do rectângulo, sendo a porta central encimada por
um frontão. Ao todo, 2 blocos, 8 torres e 12 portas. Estudemos o simbolismo quer dos
números, quer do topónimo porta, quer do estabelecimento de limites, neste caso, de
Lisboa, pois que,
como
escreve
Carvalho,
«o
homem
espacializa-se de
acordo com a sua
matriz
cultural,
materializando
esta no espaço.
Foto 48: Portas de
Benfica, 2023.
Os valores que
induzem à organização do espaço ficam inscritos nele. O espaço vira, assim, uma matriz
da existência». (2007, p. 19).
Ao princípio, eram sulcos de arado e simples valas, como ilustra a lenda da
fundação de Roma, quando Rómulo marca os limites da sua futura cidade com um
arado puxado por uma junta de bois; estes terão precedido vedações, muros e muralhas
e estes, igualmente no princípio, terão surgido mais para protecção face aos espíritos
que face aos homens de quem, efectivamente, não protegiam. É que colocar um muro
ou outra protecção dum espaço só tem valor na medida em que é percebido como tal. E,
ao princípio, é percebido como uma defesa mágica, como indicador de que é perigoso
passar além. Com a afirmação do Estado e do Direito, século XIX, continua Carvalho,
«emerge o camponês como ser individual. O muro perde o seu significado mágico e
passar a ser simples limite de propriedade. A propriedade é já uma instituição
económica e política, “através da mediação do jurídico e do ideológico.»
122
Os atraentes portões, os muros esbeltos, as lindas construções distarão do
simples sulco, ou até da inexistência física de qualquer traço, tanto quanto a afirmação
de posse da propriedade individual e de status e poder social, distarão da propriedade
colectiva e da dissolução do individual no colectivo.
Assim, quando se fala em porta, pode esta nunca ter materialmente existido, mas
todos saberem ser aquela a entrada e, por isso, lhe chamam porta. Mais tarde, como aqui
aconteceu, construíram portas. As Portas de Benfica mostram outro caso cultural:
serviram para cobrar o imposto aos que entram na cidade de Lisboa. Embora as portas
sirvam para entrar e sair, a imagem primeira e dominante, quando pensamos a porta é a
sua função de deixar entrar. Na verdade, como Carvalho (2008) afirma na sua tese, o
rural organiza o seu espaço segundo uma estratégia guerreira, mais de defesa que de
ataque. Para que o inimigo não penetre na cidade seja pelas muralhas, seja pelas portas,
eram feitos sacrifícios humanos para as tornar vivas e impenetráveis: «no tempo de
Acab, Hiel de Betel reconstruiu Jericó. Lançou-lhe os alicerces ao preço de Abirão, seu
primogénito, e pôs-lhe as
portas ao preço de Segub,
seu último filho». (1Rs
16, 34).
Foto 49: muro na Calçada da
Carriche, 2023.
Assim, as portas
são 2, porque, escrevem
Chevalier e Gheerbrant
(1982), dois é o símbolo
da oposição e do conflito;
simboliza o dualismo e a
primeira e mais radical das divisões: criador e criado, branco e preto, masculino e
feminino…As portas de Benfica separam dois mundos antagónicos, opostos.
Para este conflito e esta oposição, 8 torres, sendo que o número oito, escrevem
Chevalier e Gheerbrant (1982), é o número do equilíbrio cósmico. Sendo que o quatro, e
oito é o seu dobro, e cada bloco tem quatro torres, é o símbolo do «sólido, do tangível,
do sensível». (1982, p.554). Assim, as torres de Benfica pretendem-se sólidas e
tangíveis.
123
Doze são as portas e o número 12 é a totalidade. Como dizem escrevem
Chevalier e Gheerbrant, é a «combinação do quatro do mundo espacial e do três do
tempo sagrado medindo a criação-recriação dá o número doze, que é o mundo
acabado». (1982, p.272). Esta totalidade sela e impede o desastre que é, poderia ser, o
seis. Seis é o número, dizem Chevalier e Gheerbrant, da «oposição da criatura ao
criador num equilíbrio indefinido». (1982, p. 591). Assim, as Portas de Benfica, bem
dentro da simbologia e do mundo do antigo sagrado, são e marcam a solidez e a
segurança entre dois mundos antagónicos.
124
15.4.
CEMITÉRIO
A Organização do Espaço dos Mortos Feito pelos Vivos
O cemitério da Amadora foi construído entre 1928 e 1929 numa área de um
hectar (10.000 m2). Foi alvo de obras de ampliação nas décadas de 60, 80, 90 e em
2005, para responder às necessidades do concelho, que tinha, em 2001, a maior
densidade populacional do país: 7.393 habitantes por quilómetro quadrado. Sofre outra
ampliação
em
2009.
Actualmente
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=278852,
(2015),
possui
5113
escreve
sepulturas
tradicionais, 1184 perpétuas e 400 aeróbias, sistema que acelera a decomposição
orgânica dos restos mortais por acção do oxigénio.
Embora recente, o cemitério obedece a um arquétipo/modelo de construção
secular e que Carvalho
(2007)
resume
na
expressão o cemitério é
a aldeia dos mortos
segundo os vivos.
Foto 50: A capela como o
centro
da
organização
espacial do cemitério.
Perguntar-se-á o
que tem o cemitério a
ver com a aldeia ou
povoado maior? O cemitério não é a «aldeia dos mortos», como é costume ouvir-se e
ler-se. O cemitério é a aldeia dos mortos, segundo os vivos. É o local onde as lutas e as
relações dos vivos assumem uma existência mais clara e onde o monumental é
construído para a eternidade. As classes dominantes costumam inscrever na pedra a sua
posição económica, social e política.
Para lá do portão do cemitério, como se organizará então o mundo e o espaço
dos mortos? Façamos uma viagem aos primórdios dos modernos cemitérios e utilizemos
um contemporâneo, Júlio Dinis: «imagine-se um campo plano e raso, onde vegetavam
algumas roseiras de toda a estação, e a murta e a alfazema, vivendo a custo naquele solo
ingrato, que havia pouco alimentava apenas urzes, tojeiras e pinheirais. No centro deste
espaço elevava-se, singelo mas elegante, o túmulo da família do Mosteiro [...] e nos
125
cantos principiavam a erguer-se, como obeliscos funerários, quatro jovens cipestres
pontiagudos». (2005, p. 57).
O nosso cemitério modelo tem o portão voltado para o caminho que conduz
directamente ao povoado, como não poderia deixar de ser. O espaço interior está
organizado segundo um polígono quadrilátero, antes dos aumentos e alterações das duas
últimas duas décadas, e tem a rua principal ao centro, numa linha recta que vai do
portão até ao centro do muro fundeiro. Aqui situa-se a capela, construída logo nos
primeiros tempos, ou colocada lá bem posteriormente ou, não existindo capela, foi
colocada uma cruz em cima do muro. Se o cemitério não pertence a uma muito pequena
aldeia, foi feita uma outra rua fazendo cruz latina com a principal. Mais tarde, fez-se
uma rua a toda a volta da parte interior do
muro
e
fizeram-se
ruas
secundárias,
cruzadas, paralelas ou perpendiculares às
duas primeiras.
Fotos 51 e 52: Tal como uma casa da aldeia, tal como uma janela dessa casa, o que prova: a organização
espacial da aldeia dos mortos é em tudo semelhante à da aldeia dos vivos e a morte não é senão a
continuidade da vida. Mesmo o céu é imaginado como uma cópia da aldeia.
As sepulturas, jazigos e mausoléus dos mais ricos, poderosos ou figuras
proeminentes colocam-se à direita, começando por ocupar o centro da distância que vai
do portão de entrada ao muro fundeiro. Porém, se o ficar à direita é o importante, a
direita tanto pode ser considerada a de quem sobe como a de quem desce, isto é,
considerar a direita do portão ou a direita da cruz que encima o centro do muro
fundeiro, tanto mais que, para fortalecer este centro, se contrói aqui a capela cemiterial.
126
Para além da referência direita e o fundo do cemitério (sítio onde se constrói a
capela do cemitério, antes das ampliações) como locais preferenciais para a construção
da «ultima morada», há que ter em mente duas outras referências: centro geométrico do
espaço cemiterial, tendo em conta o centro da rua principal ou o centro da encruzilhada
(tenham elas existência física ou não) e o «dar logo de caras com ela» mal se entra no
cemitério.
No fim de contas, passa-se na aldeia dos mortos o que se passa na aldeia dos
vivos: as famílias mais poderosas e influentes têm as suas capelas particulares, que
podem abrir ao público. Constroem capelas, reconstroem umas e apoiam outras. De
muitas formas, procuram criar um centro, um seu centro, a ele chamando um público
que constitui a sua clientela e é garantia da
existência efectiva do seu poder e status.
Fotos 53 e 54: aspectos da cultura e religião popular. O
valor e a veneração da mãe é de tal ordem que é santa. Na ressurreição final, o defunto vai erguer-se
corpo e alma. Na campa «jaz fulano de tal». Seguindo os ensinamentos da religião eclesiástica, deveria
estar escrito «aqui jaz o corpo de fulano de tal».
O cemitério não é, de forma alguma, o «campo da igualdade», como alguns
ostentam. Será o «campo da paz», da paz dos mortos, mas, mesmo aqui, há
desigualdades. Para além das diferenças quanto à riqueza e localização das sepulturas,
havia espaços especiais onde eram enterradas pessoas não normais ou marginais. Logo
à entrada, à esquerda, poderia ficar o espaço não benzido, dedicado aos suicidas. Aqui
eram igualmente enterrados os que viviam «fora da lei de Deus», os que viviam
«juntos». Ter lugar no cemitério, de forma normal e plena, é um direito ao mérito.
Lugar especial têm os bébés, os Bombeiros e os Combatentes, tudo dependendo do
espaço disponível e da importância das Corporações de Bombeiros e dos militares na
povoação.
127
O cemitério da Amadora tem o talhão da Liga dos Combatentes, naturalmente,
no lado direito, o principal, da capela.
128
15.5.
A FESTA DA ÁRVORE NA PRIMEIRA REPÚBLICA
Rito Cívico, Culto Pagão
As forças vegetativas são uma epifania da vida cósmica». (Eliade, 1992, p. 404).
A festa da árvore é introduzida em Portugal nos tempos finais da Monarquia,
seguindo o exemplo da Revolução Francesa. Aliás, Portugal e os republicanos
portugueses são muito influenciados pela cultura francesa. Basta lembrar que a
«Portuguesa» é muito semelhante à «Marselhesa». É também possível que o exemplo
norte-americano tenha exercido alguma influência. O Arbor Day, referem Vieira (2010)
e Sanches (2003) foi um dia dedicado à plantação de árvores no Estado do Nebraska.
Iniciado em 10 de Abril de 1872, é considerado feriado nacional do Estado, a partir de
1885.
Introdução
A primeira festa da árvore, diz Vieira (2010), foi no Seixal, em 26 de Maio de
1907, promovida pela Liga Nacional de Instrução, onde se destacavam ilustres maçons,
casos de António Augusto Louro e Manuel Borges Grainha. Também em 1907, a 19 de
Dezembro, realiza-se a primeira festa da árvore, em Lisboa, com o apoio da Câmara
Municipal de Lisboa e com a participação dos estudantes das principais escolas da
capital. A Partir de 1908, é a Liga Nacional de Instrução, presidida por Bernardino
Machado, membro da Maçonaria, quem organiza a festa. Até 1912, a Liga será a
dinamizadora da festa da árvore. Vieira (2010) escreve que, de 1908 a 1912, realizaramse festas da árvore por todo o País: Lisboa, Porto, Coimbra, Leiria, Aveiro, Santarém,
Castelo Branco, Évora, Alcáçovas, Alcobaça, Lourinhã, Barreiro Seixal, Moita, Fundão,
Almodôvar, Lousã, Montemor-o-Novo, Amadora, entre outras. A partir de 1912, «O
Século Agrícola» lidera as Comemorações fazendo uma campanha a nível nacional.
Desta época chegaram até nós árvores de excelente porte, como é o caso do choupo de
Portalegre, plantado a sul do principal jardim da cidade e que é considerada a árvore de
maior copa em Portugal.
129
O período auge da festa da árvore decorreu de 1912 a 1915. O seu ano de
eleição, diz Vieira (2010), foi 1913. Com a entrada de Portugal no cenário da Primeira
Grande Guerra, caiu em declínio e interrompeu-se mesmo a festa da árvore. Depois da
Guerra, houve várias tentativas para recolocar a festa da árvore no calendário cívico
português. Em 1923, o Ministro da Instrução
Pública tentou ressuscitá-la, mas sem resultado.
Com a entrada do Estado Novo, veio o fim
definitivo da festa.
Foto 55: cartaz da 1º festa da árvore na Amadora, 1909
(retirado de Vieira, 2010).
Chegado o ano de 1970, comemorou-se o
ano Europeu da Conservação da Natureza e várias
instituições manifestam-se no sentido de se
celebrar o dia mundial da árvore e da floresta, o
que vem a acontecer. Hoje, um pouco por todo o
país, plantam-se árvores neste dia. Uma forma de fazer a festa da árvore que, por razões
culturais, o dia é 21 de Março, o início da Primavera. Também aqui resiste um ritual
pagão. Era o início do ano rural e agrícola nas sociedades antigas. Algo ainda visível na
designação dos meses actuais: (Sete)mbro, (Out)ubro, (Nove)mbro e (Dez)embro,
meses sete, oito, nove e dez, contados a partir de Março.
1. Festa da Árvore e a República
A festa da árvore foi introduzida em Portugal pelos Republicanos e, alguns deles
pertenciam à Maçonaria. Esta festa inspira-se na festa das «Árvores da Liberdade»,
símbolo da Revolução Francesa (historia8). A influência francesa pode ser igualmente
vista nos barretes, que o menino do cartaz de 1910 e o velho do cartaz de 1909
envergam, faz lembrar o barrete frígio adoptado pelos revolucionários franceses.
A Convenção Francesa de 23 de Janeiro de 1794 oficializou o acto e decretou
que todos os Concelhos plantassem uma árvore com raízes. Com raízes, como vai
acontecer em Portugal, e não de estaca. Na verdade, são as raízes que ligam à terra e a
seguram (e alimentam) permitindo que ela cresça para o céu. Mais, se raízes são
símbolo feminino, estaca é símbolo masculino, como facilmente se percebe. As raízes
130
são a procura de alimento e alimentam a árvore tal como a mãe faz a seus filhos. Estaca
é o falo.
A festa da árvore insere-se num movimento de recuperação de certas
festividades dando-lhes um cunho cívico, em vez de religioso, melhor, em vez de
católico. Os primeiros governos republicanos, diz Leal (2009), «vão investir quer na
politização do monopólio da força física [criação da G.N.R.] quer na politização do
capital simbólico», casos dos símbolos nacionais. O meio escolar foi um campo
privilegiado para a realização desta festa da árvore, diz Pintassilgo (2005), a par do
culto de heróis nacionais, da bandeira e do hino nacional, a Portuguesa, que são os
referidos símbolos nacionais. A prová-lo, a festa
de1913, na Amadora, teve como finalidade,
escreve AAVV (1987), a protecção e conservação
da natureza. Contou com a presença do Presidente
da República, Manuel Arriaga, houve um bodo
para 50 pobres e merendas para 400 crianças.
Paralelamente, foi inaugurada a escola primária da
Mina.
Foto 56: cartaz da 2ª Festa da Árvore na Amadora (retirado
de Vieira, 2010).
Mas a festa da árvore criou inimizades,
principalmente no campo católico, que via nele um culto pagão e uma exploração de
inocentes crianças. Há tentativas de boicote da festa, escreve Vieira (2010), campanhas
na imprensa e arranque de árvores plantadas. O Jornal «democracia» da Covilhã, em
1914, ergue-se contra o que diz ser uma festa simpática das crianças explorada pela
Maçonaria. Na verdade, a esmagadora maioria dos portugueses era católica e clamava,
segundo o jornal, contra este abuso contra a liberdade de consciência. E havia razão
nesta acusação. Em primeiro lugar, era uma festa pagã, na sua milenar origem, e porque
não tinha padre que, em certa medida, funciona e é visto, nos dias de hoje, como o
demiurgo ou feiticeiro das sociedades tradicionais. Em segundo lugar, a festa tinha as
crianças das escolas como principais agentes e elas eram filhas de uma maioria católica
contrária a este movimento republicano.
131
Contudo, esta luta parece ter serenado com o bom senso demonstrado por
algumas pessoas. Na sessão do Parlamento, a 5 de Fevereiro de 1913, escreve
Pintassilgo (2005), o orador Sá Oliveira demonstra já uma posição de consenso: louva a
iniciativa, mas coloca algumas reservas, pretendendo a diminuição do papel das bandas
militares, discursos reduzidos, devendo evitar-se questões político-religiosas.
2. Festa da Árvore: Culto Pagão
A festa da árvore, na Primeira República, como as árvores da liberdade, na
Revolução Francesa, é a continuidade de um culto pagão. E o que é o pagão e a sua
subsidiária superstição?
O Cristianismo/ Catolicismo, no processo designado por cristianização,
apropriava-se do que não conseguia eliminar. Onde, por exemplo, havia deusa-mãe, de
Cibele a Astarte, colocou Maria; onde havia lugar sagrado ou templo famoso, colocou
templo cristão. Quanto a cultos, rituais e religiões milenares a quem estes deuses e
lugares pertenciam, denominou de pagãs colocando neste termo uma carga diabólica,
que, nos dias de hoje, permanece, pelo menos, com uma carga pejorativa ou de
inferioridade. Quanto à superstição, o Catolicismo, que se apropriou do latim como
língua sua, colocou o termo latino superstitio a significar uma fé contrária à fé católica.
Ora, superstição não é mais do que diz o seu significado etimológico: «sobrevivente». A
sobrevivência de antiquíssimos ritos e costumes e crenças. O historiador, o etnólogo ou
qualquer outro cientista do social, deve observar os antigos cultos e religiões sem juízos
de valor. Todas as religiões se situam num mesmo plano. E como as antigas religiões
consideravam a árvore?
A árvore é um cosmos vivo em perpétua renovação. Símbolo da vida. Mas a
árvore não é objecto de culto. Não se pode falar de um «culto da árvores», diz Eliade
(1992). É a figuração simbólica de uma entidade, esta sim, objecto de culto. Debaixo da
figuração-árvore esconde-se sempre uma entidade espiritual, esta sim, objecto de culto.
Porque a árvore manifesta uma realidade extra-humana, continua Eliade (1992),
apresentando-se ao homem sempre da mesma forma, regenerando-se periodicamente,
por causa deste poder, a árvore é o cosmos inteiro, nas sociedades tradicionais.
A árvore, dizem Chevalier e Gheerbrant (1994), mantém em comunicação os
três níveis do cosmos: o subterrâneo, a superfície da terra e as alturas, respectivamente,
com as suas raízes, tronco e primeiros ramos e copa. Paralelamente, a árvore reúne os
quatro elementos primordiais: a água, que circula por ela; a terra, que se integra nela
132
pelas raízes; o ar, pelas folhas; o fogo, que brota ao esfregarmos dois ramos. Pelo facto
de as raízes se enterrarem no solo e os seus ramos e folhas subirem ao céu, continuam
os autores, a árvore é um símbolo das relações que se estabelecem entre o céu e a terra.
Neste sentido, a árvore é um centro do mundo, é um eixo do mundo. Assim se
compreende que a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal
estivessem no meio, ao centro, do Éden: «a árvore da vida no meio do jardim e a árvore
da ciência do bem e do mal». (Gn 2, 9b ).
«O que é essencial nas festas da vegetação, tal como se observa nas tradições
europeias, diz Eliade, não é só a exposição cerimonial de uma árvore, mas também a
bênção de um novo ano que começa». (1992: 394) O aparecimento da vegetação
inaugurava um novo ciclo temporal. Por isso o ano começava com o equinócio de
Março, com a Primavera. Assim se compreende que Setembro, Outubro, Novembro e
Dezembro mantenham a designação do mês sete, oito, nove e dez, e não os actuais
nove, dez, onze e doze, que são.
O santuário semita, escreve Eliade (1992), era sempre num local alto ou sob um
frondosa árvore. Algo que permaneceu e permanece. Maria vem aparecendo, ao longo
dos séculos, ou numa gruta, ou dentro do tronco de uma árvore, ou sobre uma árvore.
Em todo o caso, sempre num símbolo da Deusa Mãe. Gruta e tronco aberto, símbolos
do útero materno; árvore, símbolo da mãe, tanto mais que é sempre árvore feminina e de
bom fruto: oliveira, silva ou azinheira, como na Cova de Iria. E como mãe que é, prefere
crianças, que são puras. Às crianças cabem(iam) os principais papéis nas festas da
Primavera, como era o caso do «Maios» ou «Maias».
E as «Maias» eram festejadas por todo o país, como referem Braga (1994) e
Oliveira (1984). Diz este autor que, as «Maias» se comemoram em todo o território
nacional de duas formas: com manjares cerimoniais e com consagrações florais, «pela
aposição de certas flores nas portas, janelas, aldrabas, das casas e currais, nas cancelas,
carros, animais e barcos, hoje mesmo em camionetas e locomotivas». (1984: 110). Estas
festas são, como diz Peixoto (1990), vestígios do velho mito solar, onde o Sol,
derrotando o Inverno, permitia o deflagrar da natureza.
Exemplar é a festa da Santa Cruz que pode ser observada, entre outros locais, em
Monsanto (Idanha-a-Nova). Mas a festa da Santa Cruz é uma festa generalizada. «Os
povos de muitas nações, escreve Baroja demonstram a sua alegria e regozijo no mês de
Maio, desde a Festa de Santa Cruz e a Aparição de São Miguel, com bailes, adornos de
133
flores naturais [...] transportam árvores para dentro das povoações, enramam portas e
janelas...» (1985: 32). Este costume milenar pagão foi cristianizado e não foi difícil. A
Senhora Mãe é apresentada como a grande árvore de ramos, de largo manto, braços
abertos, todos acolhendo no seu seio. O atributo mais frequente da Virgem é uma árvore
e é nela, ou num arbusto envolvente (que possui igual significado), que ela costuma
aparecer... a crianças. Pelo contrário, ao masculino, a cruz onde Cristo morreu, não
chamam árvore, mas santo lenho, madeiro. A árvore é vida. O madeiro vai para o fogo.
Baroja refere vários autores, do século XVII ao XX, que referenciam a Festa da
Santa Cruz. Exemplar é a do sevilhano Blanco White (1860): no processo de
cristianização, os sacerdotes cristãos, não conseguindo desenraizar o costume de colocar
a árvore de Maio, começaram a santificar as pequenas cruzes com que «os meninos se
adornam com flores e transportam mesas com velas, tantas quantas podem comprar e
pedir aos amigos». (1985: 86). Em Monsanto, diz Dias, até os meninos permanecem: «a
garotada (rapazes e raparigas), de menos de dez anos, vai nos dias 1 a 3 de Maio ao
Castelo (de Monsanto) com as suas bonecas de trapos e ali dá vivas à Maia do Castelo».
(1966: 272).
Foto 57: Desfile da festa da
árvore, na Amadora de: Foto:
de www.skyscrapercity.com,
2013.
Nestas
festas,
a
chegada de Maio, diz
Eliade
(1992),
era
figurada por uma árvore e
por
figuras
antropomórficas
enfeitadas com ramos de árvores e folhagem e flores. Todas estas festas terminavam
com dança de presentes. Estas figuras percorriam a aldeia e recolhiam presentes à porta
de todas as casas: ovos, frutos secos, bolos, etc. Os que recusavam dar presentes eram
alvo de chacota. Noutras regiões, o mês de Maio trazia os concursos para «rei» e
«rainha», premiando o par mais bonito ou mais vigoroso. O cristianismo/ catolicismo,
no processo de cristianização, como foi referido, não podendo acabar com determinados
cultos e ritos, apropriou-se deles e cristianizou-os. Neste caso, como escreve Braga «a
Igreja misturou com as Maias o mês de Maria». (1994: 199). O mês de Maio está
134
dedicado a Nossa Senhora e as crianças ofereciam-lhe flores. Com cestos cheios de
pétalas, grupos de duas crianças, um de cada sexo, iniciavam um percurso que ia da
porta de entrada da igreja matriz (igreja mãe) até ao altar da Virgem entoando «aceitai
estas florinhas…»
Na festa da árvore, em Tavarede, em 1916, planaram duas árvores e, perante
muitos adultos e crianças, a professora recitou poesia; o mesmo fizeram a menina Maria
Ribeiro e o menino Manuel Nogueira. A segunda parte iniciou-se com o Hino das
Árvores. Na festa da árvore de 1910, Amadora, Delfim Guimarães recitou um pequeno
poema em honra da árvore. (CNCCR, 1910). A estas manifestações de poesia, teatro e
declamação chamavam-se jogos florais e realizavam-se em todas as escolas e liceus do
país, durante o Estado Novo e até depois do 25 de Abril de 1974. Exemplo são os jogos
florais realizados na Amadora, em 1986, integrados na festa da árvore. Há clara ligação
linguística, e a língua é uma expressão da cultura, entre jogos florais, flores, floresta.
Em síntese, o que se designa por «cultos da vegetação», diz Eliade, é algo mais
complexo do que parece: «através da vegetação, é a vida inteira, é a natureza que se
regenera por múltiplos ritmos, que é honrada, promovida, solicitada. As forças
vegetativas são uma epifania da vida cósmica». (1992: 404).
3. Festa da Árvore: Os Cartazes.
A primeira festa da árvore da Amadora, foi a
28 de Março de 1909. Para estas festas, produziramse lindos cartazes. O de 1913, o ano de eleição da
festa da árvore, vai servir para uma análise do
significado profundo desta festa e o milenar
arquétipo que contém e transporta.
Foto 58: cartaz da Festa da Árvore da Amadora, 1913 (retirado
de Vieira, 2010).
O Cosmos, diz Eliade, é visto como uma
árvore gigante. «A epifania de uma divindade numa
árvore é motivo corrente na arte plástica paleooriental […] a maior parte das vezes a cena
representa a teofania de uma divindade da fecundidade». (1992: 350). Como foi dito, os
principais papéis nas festas da Primavera, cabem às crianças. Confirma-se o princípio
135
implícito na hierogamia, diz Eliade, «na união primaveril dos pares jovens sobre a terra,
nas corridas e nos concursos que estimulavam as forças vegetativas no decurso de certas
festas da Primavera e do Verão, no Rei e Rainha de Maio, etc». (1992: 393).
A árvore é um símbolo do feminino. Mas é, igualmente, símbolo da androginia.
Se a copa e as raízes são femininas, o tronco é masculino. O tronco é verticalidade, é
verga, é erecção. Assim, a árvore contém os dois princípios. Um pouco à maneira das
antigas divindades, que eram masculinas um dia e femininas no dia seguinte, a árvore é
andrógina e, também por isto, ela representa o cosmos por inteiro. Como diz Eliade, «o
cosmos é visto sob a forma de uma árvore gigante». (1992, p. 335). E esta árvore do
cartaz é uma grande árvore. Mas, mais que o tamanho, esta árvore é uma cornucópia de
alimentos. Verdejante, esplendorosa e, simultaneamente, carregada de frutos. Em ambos
os casos, a representação da mãe. Uma representação fortalecida pelo círculo de
anjinhos. Anjinhos que são crianças, sem género, filhos dedicados da mãe.
Os dois meninos do cartaz têm o (habitual) ar angelical próprio da candura e da
inocência das crianças, que não têm género, são andróginos, como a própria palavra
criança parece indicar. Criança não é masculino, nem feminino, é estar «debaixo das
saias da mãe», uma forma de dizer, não só estarem ainda como que no ventre materno,
como que, sob uma capa patriarcal e machista, é o matriarcado domina nesta cultura. O
rapaz tem um sacho na mão. O sacho é um instrumento masculino. A pá, feminino.
Estes instrumentos, sacho e pá, mais do que identificadores do género, que até nem é
necessário, são um louvor ao trabalho e, talvez mais significativamente, a participação
dos filhos na regeneração da mãe. Mãe natureza, que se regenera; mãe árvore, que,
igualmente, se regenera. Por fim, o par é a representação da hierogamia, o casamento
entre deuses criadores, o casamento entre o céu e a terra, que a árvore une.
Os outros dois cartazes, figuras 1 e 2, confirmam o até aqui afirmado. O cartaz
de 1910 apresenta a grande árvore protectora e cornucópia e o par de crianças. O
primeiro, o de 1909, apresenta uma dança à volta de uma pequena árvore, mas próxima
de uma grande árvore protectora, como se da mãe zeladora se tratasse. As crianças
dançam de roda seguindo a mestra. Não se vislumbra o «pai». Na verdade, numa
sociedade e cultura matriarcal como a portuguesa, gineocrática, empregando o
eufemismo de Santo (1984), a mãe, com filhos, não necessita (mais) do pai. No canto
inferior direito, parece haver um par de velhinhos. Este facto mais confirma a afirmação
136
anterior, pois o velho é sexualmente inofensivo. Em velho se volta a criança, diz o povo,
com razão e (também) por esta razão.
O festa da árvore da 1ª República Portuguesa não passa de um culto pagão
milenar envolto em roupagem cívica republicana. Uma festa que, através da árvore,
revitaliza o mais dominante e universal arquétipo, o da deusa mãe.
Arquétipo é originário do grego (arche= primeiro + tipo=padrão). Arquétipos
serão os primeiros padrões que constituem a base da «impressão da personalidade
humana». (Ylimaki (2006: 627). Para Jung, os arquétipos são complexos vividos ou
vivenciados que comparecem a modo de destino e Freud chamava-lhes «resíduos
arcaicos», «formas mentais cuja presença não encontra justificação alguma na vida do
indivíduo e que parecem antes formas primitivas e inatas representando uma herança do
espírito humano». Jung chama-lhes arquétipos ou imagens primordiais. (1987: 67). Para
este autor, há imagens semelhantes nos sonhos dos indivíduos humanos e as mitologias
espalhadas por todo o mundo, pelo que, na opinião de Ylimaki (2006), as formas ou
padrões arquétipos são colectivos, uma parte do psíquicos de todos, pelo que universais.
Seguindo Jung, Santo diz que «na mitologia, na religião e muitas vezes na vida corrente,
uma coisa material é a sombra de uma outra que não se consegue definir nem exprimir,
é a sua imagem ou o seu símbolo». (1984: 19). Benoist considera o mito e o arquétipo
como a mesma coisa: «os mitos são uma língua figurada das origens. Em resumo, Freud
chamou-lhe complexos, Jung arquétipos e Platão denominava-os ideias.
Ora, a árvore, para Jung, escreve Santo, é o símbolo preferencial da mãe, pois
tudo o que é uma é a outra: «todos os atributos da mãe estão presentes na árvore: o
crescimento, a vida, o desabrochar da forma, o crescimento para cima e para baixo, a
protecção, a sombra, o tecto, flores, frutos, a fonte da vida, firmeza, duração,
enraizamento e também a impossibilidade de mudar de lugar». (1984, p. 43). Para
melhor se entender a relação profunda, qual hipóstase, entre a árvore e a Mãe, analisemse dois poemas e um conto, no Quadro 1. O poema é de Delfim Guimarães (1910) e,
como ficou dito, foi por ele declamado na festa da árvore, na Amadora, em 1910. O
conto é de Nuno Miguel Rodrigues (CCRG:1986), de 8 anos, e foi o vencedor dos jogos
florais de 1986, Amadora, na categoria até aos 12 anos. O Hino das Árvores, é Olavo
Bilac, publicado no Século Agrícola, de 25 de Janeiro de 2013, com música de Aboim
Foios.
137
Quadro: Dois Poemas e um Conto.
A
Árvore,
de
Delfim A Festa, de Nuno Miguel Hino das Árvores, de
Guimarães
«De um pequenino
disforme, inanimado,
Rodrigues
Olavo Bilac
grão «Era uma vez uma árvore «Quem
planta
bebé acabada de nascer.
árvore enriquece
uma
Que a terra agasalhou em seu Uma criança que ali ia
regaço […]
passar viu a árvore crescer
e resolveu fazer uma festa.
Do seio maternal, nasceu Mais tarde, a festa estava
gracioso arbusto! […]
pronta. Mais de 30
Que a terra, essa fecunda pessoas. A árvore sorria.
A terra, mãe piedosa e
boa:
A árvore traduz quanto há de
majestade,
«Crescei, crescei,
grande festa
Todas as perfeições resume
por encanto:
Da luz, do aroma e da
bondade,
Beleza,
Força,
Dedicação, Bondade,
Árvores –
floresta!
glória
da
–
vida
da
E a terra aos homens
agradece,
A mãe aos filhos
obreira […]
Todos a admiravam e a abençoa».
regavam. O amor do
menino pela árvore era tão
Ó terra, ó boa mãe, diz por grande que correu para «A árvore, alçando o
que maneira,
ela e beijou-a. A árvore colo cheio
agradeceu e começou a
Alquimista subtil cujo poder
De seiva forte e de
crescer, a crescer até ficar
espanta,
esplendor,
muito grande; deu flores e
Lograste conseguir, com arte frutos.
Deixa cair do verde seio
feiticeira, Transformar um
Aquilo sim, era uma festa! A flor e o fruto, a sombra
argueiro em soberba gigante!
e o amor».
[…]
Amor,
A altivez d’um herói e a
almazinha d’um santo. […]
Bendita sejas tu, obra-prima da
terra».
Árvores
cidade!»
na
«Crescei, crescei sobre
138
os caminhos,
Nota: O negro é do autor do
artigo.
Árvores belas, maternas,
Dando
morada
passarinhos,
aos
Dando alimento
animais».
aos
«Outros verão os vossos
pomos!
Se hoje
crianças,
sois
fracas
Nós esperanças também
somos:
Plantamos
esperanças!»
outras
«Para
o
trabalhamos:
futuro
Pois, no porvir, nossos
irmãos
Hão-de cantar sob estes
ramos,
E bem-dizer as nossas
mãos!»
A fusão entre a terra, a mãe, a natureza e a árvore é tal que, se for colocada a
mãe onde está terra ou árvore, a poesia continua a fazer todo o sentido. Há mesmo esta
identificação (terra = mãe) num verso. Nas quadras do hino, é ainda mais clara esta
ligação/ identificação da árvore à terra-mãe. No conto, a criança identifica-se com a
árvore que acabou de nascer. E corre para ela, como se corresse para os braços da mãe.
Mais tarde, a árvore, qual mãe, dará flores e fruto, uma bela imagem para a fecundidade
139
maternal. Maio é o mês de Maria e a ela são ofertadas flores, como se canta: «aceitai
estas florinhas…»
140
Conclusão
A festa da árvore na Primeira República era uma festa dedicada à árvore, mas
razões profundas se escondem por detrás da escolha deste ritual cívico para afirmação
da autoridade simbólica republicana. A festa, para além de ser um facto social total,
como lhe chamou Mauss (1993), na sua vertente ritual, é, geralmente, diz Silva,
«associada ao sagrado, à componente simbólica ou até mística da relação do homem
com o transcendente, o divino». (1998, p. 86). Por outro lado, a árvore é um símbolo
religioso muito frequente, diz Santo (1984), fazendo parte de mitos e contos de todos os
povos do mundo. A árvore será mesmo o mais antigo símbolo da Grande-Mãe. Não
admira que o culto da árvore seja universal.
Assim, este ritual festivo republicano, que envolvia a comunidade, revestia-se de
carácter sagrado, porquanto ligava o homem ao divino utilizando a árvore como o
centro e a razão da festa. Por outro lado, continuando enraizado o milenar arquétipo da
Grande Mãe, sendo a árvore o símbolo preferencial dela e sendo matriarcal o ADN a
cultura portuguesa, estava lavrada a terra para que esta semente republica frutificasse.
Não frutificou porque a esmagadora maioria do povo português não era republicano,
nem compreendia o republicanismo; a República era bebé; e, embora anti-clerical, o
povo português não gosta de abdicar da presença do padre, qual feiticeiro, em rituais
importantes da vida individual e colectiva. A chegada de Salazar ao poder, em 1928, e a
sua ligação à Igreja Católica, matou o ritual. Como a melhor forma de matar o que
imortal é apropriar-se dele e substitui-lo por outro semelhante, a Igreja colocou Maria
onde estava a árvore.
141
15.6.
NOSSA SENHORA DA LAPA
Sexualidade num Culto Antigo. Ensaio de Religião e Toponímia
1. Templo e Orago.
Como designar o templo: ermida, capela e igreja? Entendemos por ermida um
pequeno templo, capela, isolado e, muitas vezes, longe da povoação, a quem esta, uma
vez por ano, faz romaria. A ermida de Nossa Senhora da Lapa estava na povoação da
Porcalhota. No entanto, em relação à igreja matriz de Benfica, da qual dependia, ficava
distante. Capela é um pequeno templo inserido na povoação. Ermida e Capela
dependem da igreja mãe, ou igreja matriz, ou igreja paroquial. Entendemos por igreja
um templo, de bem maiores dimensões que uma capela ou ermida, semelhantes no
tamanho, com o Santíssimo Sacramento e candeia em permanência. É a sede da
paróquia. Assim, tanto poderia ser denominada ermida, pelos habitantes de Benfica,
como capela, pelos habitantes da Porcalhota. Com elevação a paróquia no ano de 1986,
passa a designar-se, com propriedade, igreja paroquial da Falagueira, ou igreja matriz
(mãe) da Falagueira. Contudo, entre os populares, caso dos mais velhos da Quinta da
Laje, continua a ser designada, e muito sentimentalmente, capela de Nossa Senhora da
Lapa.
A igreja de Nossa Senhora da Lapa, é também designada de Nossa Senhora da
Conceição da Lapa. Simões (1986) designa-a por Ermida da Falagueira, mas a imagem
designa-a ora por Nossa Senhora da Lapa, ora Nossa Senhora da Conceição da Lapa.
Hormigo, citado por Simões, escreve que «a ermida da Lapa nasce da provisão de 1759
dada pelo cardeal de Lisboa, Francisco I». (1986, p. 20). Será construída entre 1759 e
1764. Depois, no mesmo texto, Hormigo chama-lhe igreja de Nossa Senhora da
Conceição da Lapa. Proença (1964) chama-lhe ermida da Porcalhota e, à imagem,
chamam-lhe Nossa Senhora da Conceição da Lapa.
A paróquia tinha como orago Nossa Senhora da Conceição da Lapa. Em 1958,
com a inauguração da igreja paroquial da Amadora, que tem como orago Nossa Senhora
da Conceição, para não haver confusão, segundo informações do Padre Fernando de
Cima, pároco da Falagueira, em 2015, passou a designar-se por paróquia de Nossa
Senhora da Lapa, o mesmo acontecendo à imagem. A mistura e indecisão é tal que o
livro de Azevedo, Hormigo e Cima (2013) tem na capa o título Igreja de Nossa Senhora
da Lapa da Falagueira, Amadora mas, na página 2, na ficha técnica, o título é Igreja de
142
Nª Sª da Conceição da Lapa da Falagueira. Hoje é, decididamente paróquia e imagem
de Nossa Senhora da Lapa. O Anuário Católico (2015) apresenta os contactos da Igreja
Católica em Portugal e o orago da paróquia da Falagueira, Vigaria de Amadora, é Nossa
Senhora da Lapa.
Porquê a confusão? Porquê a invocação de Nossa Senhora da Conceição da
Lapa, que só conhecemos na Amadora, e Nossa Senhora da Conceição da Rocha, em
Carnachide, e que Reis (1967) desconhece qualquer uma, nas mais de 1.000 invocações
que apresenta?
Pensamos que o nome Conceição, colocado entre Nossa Senhora e da Lapa,
pretende ocultar o profundo e muito antigo significado de Lapa, como o de Rocha.
Significado este que desce a cultos milenares, anteriores ao Cristianismo/ Catolicismo,
que designou, pejorativamente, de «pagãos». O culto de Nossa Senhora da Lapa, ou o
de Nossa Senhora da Rocha, assenta na descoberta de uma imagem numa gruta, entre
rochas, por crianças, seres inocentes. Nalguns casos, como o das Virgens Negras, a
Senhora dos mil nomes pode aparecer dentro do tronco de uma velha oliveira, de
significado semelhante. O templo é construído, caso de Nossa Senhora da Lapa de
Sernancelhe, dentro da própria rocha e os fiéis seguem o ritual de passar por uma
apertada
saliência
entre
duas
rochas.
Foto 59: Frente da Igreja de
Nossa Senhora da Lapa, Amadora, 2015.
Estes templos possuem o
sombrio,
a
humidade
e,
simultaneamente, a segurança da
rocha. O sombrio, a humidade e a
segurança da rocha, mas também o sombrio, a humidade e a segurança uterinas. O ritual
atrás descrito, a apertada entrada/ saída do ventre materno, prova-o. Santo apresenta
vários casos semelhantes e afirma que este rito «é a simulação do renascimento». (1988,
p. 5). Eliade escreve que as fontes, as minas e cavernas são assimiladas ao útero da
Terra-Mãe; por isso, «tudo o que jaz no «ventre» da Terra está vivo, ainda que em
estado de gestação». (1987, p. 35).
Principalmente no Norte, escreve Santo, existem «penedos do casamento» e o
culto das pedras está relacionado com «a procriação e o aleitamento». (1990, p. 33). As
143
culturas, continua Molyneaux (2002), encaram a Terra como progenitora, sendo as
grutas e outras cavidades no solo vistas como «vaginas, úteros ou outras aberturas para
se penetrar na Mãe-terra». As rochas são residência de seres sobrenaturais e, às vezes,
mesmo dotadas de propriedades sagradas. A pedra é imagem de um arquétipo, escreve
Eliade, exprimindo a realidade absoluta, a vida e o sagrado. Muitos são os mitos dos
deuses, continua o autor, «nascidos de petra genitrix, assimilada à Grande Deusa, a
matrix mundi». (1987, p. 37). Santo afirma que «a gruta é um complemento das rochas.
Simboliza o mundo iniciático, à saída do qual aparece a luz». (1988,p.9).
Pretende-se, pois, esconder este antigo culto e esta antiga crença, que se
apresentam a seus olhos como algo lascivo e pecaminoso, utilizando o seu oposto, o
culto e crença da Imaculada Conceição. Segundo este dogma, Nossa Senhora concebeu
sem pecado e sem pecado original. Esta crença faz crer e parecer que Maria não andou
grávida e não deu à luz, como qualquer mulher. Maria-mãe, como qualquer mulhermãe, embaraça os partidários da absoluta pureza. O cristianismo, afirma Molyneaux,
opôs «a terrena, carnal, e sedutora Eva à irrepreensível Maria, para quem o nascimento
é um processo extra-natural». (2002, p. 20). Contudo, é impensável que Maria não tenha
andado grávida e dado à luz como qualquer mulher de Nazaré.
A Senhora da Conceição popular, afirma Santo, não é a mesma que a Imaculada
Conceição, dogma de 1854, do papa Pio IX. «Um simples equívoco linguístico»,
continua. Não têm nenhuma relação entre si. Até são símbolos opostos». (2004, p. 88).
A presença do crescente lunar na Senhora da Conceição, escreve Santo, «denuncia que
esta sucedeu ao culto da Lua», que rege a vida dos homens e dos animais, bem como os
ritmos naturais. Este culto dura até ao século XX. Santo escreve, ainda que, se as
primeiras imagens de Maria são do século XII, quem adoravam os portugueses até este
século? «Até então, o povo venerava directamente a Lua». (2004, p. 109). Também
Bishop escreve que, «no culto popular, Maria pode perder o seu estatuto virginal. Dãose-lhe frequentemente atributos da deusa-mãe pagã que a precedeu». (1997, p. 88).
Maria, Nossa Senhora e mãe de Cristo é uma Senhora de muitos nomes. Reis
(1967) apontou 1.035 nomes. Muitos deles, talvez a maioria, de Nossa Senhora da
Conceição, Nossa Senhora da Lapa e Nossa Senhora do Bom Parto a Nossa Senhora da
Expectação ou Senhora do Ó, encontram-se ligados à maternidade e à fecundidade.
Nesta qualidade e com este atributo Nossa Senhora é orago de muitas paróquias. E
compreende-se, pois que, durante milénios, a vida ou a morte de aldeias inteiras
144
estavam dependentes de uma boa ou má colheita, quando a única certeza que tinha o
camponês era a incerteza do tempo e da colheita.
Paralelamente, as religiões vão actualizando, modernizando, os seus deuses ou
santos, num processo que vai do mais bárbaro ao mais civilizado, como do sacrifício
humano ao pagamento em moeda, do santo feio e pesado ao santo lindo e leve. Assim,
escreve Carvalho,
de Nossa Senhora do Ó ou da Expectação, apresentada claramente grávida, a
Nossa Senhora da Conceição que não apresenta gravidez, mas cujo nome não
engana: Conceição = concepção. Acrescente-se que Nossa Senhora do Ó, ao
contrário do que se dizia, e ainda diz Almeida (2004), não vem das 7 Antifonias
do Advento (17 a 23 de Dezembro), em que Deus, do Antigo Testamento, é
chamado por sete nomes diferentes: Ó Sapientia, Ó Adonai, Ó Radix, Ó Clavis,
Ó Oriens, Ó Rex, Ó Emmannuel; em português, sabedoria, supremo senhor
(cananita), raiz, chave, estrela do oriente, rei e emmanuel; o seu nome vem sim
do aspecto da sua barriga. (2011, p. 11).
Reis escreve que Nossa Senhora da Lapa é muito festejada em todo o País, mas
só conhece duas freguesias que a têm como orago: a freguesia da Lapa (Estrela, Lisboa)
e a freguesia da Amadora. Os pescadores da Póvoa de Varzim têm grande devoção à
Senhora da Lapa, continua o autor, e porque não? «Acaso não é a Virgem da Lapa que
lhes abençoa as redes, até estas se romperem de peixe?» (1967, p. 311) O culto da
Senhora da Lapa está(va) de tal forma espalhado pelo País que o autor pergunta: «sabem
os leitores quantas imagens de Nossa Senhora da Lapa há na Arquidiocese de Braga,
distribuídas por igrejas e capelas? 36.» (1967, p. 312). Eis Nossa Senhora da Lapa qual
Grande Mãe que alimenta os seus filhos, qual fecunda cornucópia. Que enche as redes
de peixes, qual ventre cheio de uma mulher.
Também Azevedo (2013) afirma que há muitas capelas com invocação de Nossa
Senhora da Lapa, em Penafiel, Penajóia e Vila Pouca de Aguiar. Para a referida
Arquidiocese de Braga, aponta 40 imagens desta Senhora.
São muitos os crentes que tem atraído a si. A imagem de Nossa Senhora da Lapa
é bonita, escreve Simões, «e a sua beleza mística atrai os fiéis, que a veneram com
grande e viva devoção». (1986, p. 47).
Irmãs de Nossa Senhora da Lapa são Nossa Senhora das Lapas, uma imagem
que não chega a ter um palmo, escreve Reis (1967), na freguesia de Casais, junto ao Rio
Nabão, e Nossa Senhora da Lapinha, freguesia dos Calvos, Guimarães, a quem fazem
uma grande procissão a que chamam Clamor ou Ronda.
145
Almeida, no fim, acaba por concordar ao afirmar que «a forma arredondada do
ventre da Senhora nas imagens reforçam e corroboram o designativo popular de Nossa
Senhora do Ó». (2004, p. 167). Este autor vai mais longe e afirma, a propósito de Nossa
Senhora da Expectação, que antecede Nossa Senhora da Conceição, que «se fossem
alguns homenzinhos da minha terra diriam que esta Senhora era prima da Senhora do Ó,
e comadre de Nossa Senhora Ante Natal; e os de Évora diriam que era muito amiga de
Nossa Senhora do Anjo». (2004, p. 215).
Todas estas Senhoras, do Ó, da Expectação, da Conceição, da Lapa… são
primas igualmente de Nossa Senhora da Rocha. Não faltam templos dedicados a esta
Senhora. Um deles é o de Nossa Senhora da Rocha, de Carnaxide. Comum, como ficou
dito, é igualmente a história/ lenda associada à descoberta da imagem: por acaso,
rapazinhos ou meninas encontram a imagem numa gruta.
Em conclusão, sé se entende Conceição, em Nossa Senhora da Conceição da
Lapa, para ocultar o significado profundo, milenar e «pagão» da Lapa (Laje e Rocha).
Um processo designado de cristianização, através de actos, às vezes, inconscientes.
Contudo, o lençol da cristianização não chega para tudo tapar. Puxando daqui ou dali,
observando o que deixa descoberto, é possível vislumbrar e chegar, mais facilmente
(caso do Adonai das 7 epifanias), ou mais dificilmente (caso do culto da Lapa ou da
Rocha), ao que esconde.
A confirmar a nossa afirmação quer na documentação consultada, quer na
tradição oral, afirma Hormigo, o templo aparece designado por «ermida e capela da
Falagueira, ou ermida da Porcalhota e, Ermida de Nª Sª da Lapa». (2013a, p. 19). Estas
designações, continua o autor, fazem todo o sentido pois o templo está próximo destes
lugares: Falagueira, Porcalhota e Laje.
2. Hipótese
A ermida/ capela/ igreja de Nossa Senhora da Lapa, no culto e no lugar, sucede,
através de um processo conhecido por «cristianização, a um culto dedicado à deusamãe, muitos séculos mais antigo. Neste culto, eram praticadas orgias, alimentar e
sexual, que teriam lugar nos campos ao seu redor, direccionadas à fertilidade dos
campos e à fecundidade dos gados e, principalmente, à fertilidade da mulher. O ritual
último era chamado de «Festa das Ervas» e realizar-se-ia na Quinta da Laje, na encosta
da Serra do Marco.
146
Analisando-se a toponímia dos locais próximos, bem como as festas e os cultos
dos santos e santas presentes na capela; analisando-se as festas em sua honra e outras
com claras ligações às religiões antigas, que os católicos designam de pagãs, é possível
demonstrar a nossa afirmação.
3. Demonstração
3.1.
A Pedra e a Laje.
Ficou referido no ponto 1 que a Senhora da Lapa está ligado a um culto uterino
de renascimento humano e, de uma forma mais geral, a um culto de fecundidade da
mulher e fertilidade dos campos. Enfim, ao culto da Deusa-Mãe. Este culto, com o
cristianismo, quase desapareceu, pois o cristianismo centra-se numa divindade
masculina. Mas, afirma Molyneaux, a «Mãe-Terra mantem-se viva fora da igreja,
através da religião popular e crenças tradicionais acerca do mundo natural. Já em plena
era cristã, Cibele continuava a ser adorada sob o nome de Berecíntia», como confirmou
Gregório de Tours que via os camponeses percorrerem os campos com uma imagem
desta santa. (2002, p. 18). Madrid tem a praça Cibeles. Aliás, escreve Eliade, «que os
homens são paridos pela Terra, eis uma crença universalmente espalhada». (1956, p.
149). A religião da Terra-Mãe, mesmo não sendo a mais velha religião do mundo,
pertence ao mundo das que muito dificilmente morrem. Uma vez consolidada nas
estruturas agrícolas, diz o mesmo autor, os milénios passam por ela sem a
modificarem». (1992, p. 314).
Na verdade, existe ligação directa entre a fertilidade dos campos e do homem.
Como afirma Bishop, «a fertilidade da terra está inextrinsavelmente ligada fecundidade
e, por extensão, aos costumes sexuais humanos». (1997, p. 16). No templo de Afrodite,
em Pafos, Chipre, as mulheres da cidade tinham de se prostituir uma vez, com um
estrangeiro, escreve Bishop, antes de se casar. «Mas elas eram ainda consideradas como
virgens e toda a criança nascida nestas condições era dito «nascida de uma virgem» e
levada ao templo». (1997, p.21). A prostituição sagrada estava espalhada pelo Médio
Oriente e também o templo de Jerusalém a tinha.
Por seu lado, as orgias, afirma Bishop, «permitiam o reviver do momento
primordial da criação». (1997, p. 54). E o falo é adorado, desde tempos antigos até à
actualidade, caso do Japão. Adorado somente em erecção, pois só neste caso era
fecundador e emblema da divindade. Assim aparece em pinturas rupestres; em menires
147
fálicos; em peças de argila gregas; em frescos romanos, caso do deus da fertilidade
Príapo; em bétilos fálicos estilizados colocados junto a portões e muros de casas
senhoriais agrícolas, caso da de Carnide, próximo da igreja da Luz; e do culto actual no
Butão e no Japão, já referido; em Portugal, há vestígios deste culto no culto a São
Gonçalo de Amarante e nos bonecos, e demais artigos de cerâmica, das Caldas da
Rainha. De forma mais estilizada, o culto fálico continua no culto de Santo António e,
mais claramente, no culto de São João, como provam as quadras ao santo dedicadas.
Apresentamos quatro:
«O Baptista não vem hoje
Há-de vir segunda-feira;
Há-de achar a cama feita
Coberta de erva cidreira».
«Lá naquelas ervas verdes,
Foi a minha perdição:
Perdi o meu anel de oiro
Na noite de São João».
«São João comprou um burro
Para pular as fogueiras;
E depois das pular todas,
Deu-o de presente às freiras».
«São João adormeceu
Nas escadinhas do côro.
Deram as freiras com ele
Depenicaram-no todo».
No cristianismo, escreve Bishop (1997), este culto, que sobreviveu em todas as
religiões, é desviado para Satanás, que aparece em figura de Pã.
Lembremos que as sociedades tradicionais viviam/ vivem num cosmos
sacralizado. O cosmos des-sacralizado, afirma Eliade, «é uma descoberta recente na
história do espírito humano». (1956, p. 27). O cristianismo vem contribuindo para esta
afirmação porquanto, escreve Eliade, sendo uma religião do homem moderno e do
homem histórico, assenta os seus pilares no tempo contínuo, cronológico, enquanto as
sociedades tradicionais assentavam os seus pilares no tempo cíclico e, para se
defenderem «do terror da história, dispunham de todos os mitos, ritos» e demais
comportamentos. (1969, p. 174). A razão pela qual demorou tantos séculos até esta
dessacralização é que o cristianismo mantém alguns momentos de tempo cíclico, fruto
de múltiplas influências religiosas e também porque, como diz Eliade, «os camponeses,
pelo seu próprio modo de estar no Cosmos, não eram atraídos por um cristianismo
«histórico» e moral. (1963, p. 144).
Há vários costumes que lembram cultos mais antigos e que a mãe, afirma Eliade
1957), não é mais que a representante da Grande Mãe telúrica. É o caso da
148
«escorregadela» referido por Eliade (1992) e por Santo (1990), para o norte de Portugal,
em que as jovens, para terem filhos, deixam-se escorregar por uma pedra consagrada.
Outro é a fricção, praticado principalmente pelas mulheres estéreis. Por volta de 1880,
escreve Eliade (1992), pessoas casadas que não tinham filhos, iam até um menir de
Carnac, despiam-se e a mulher corria à volta do menir como se fugisse ao marido. É o
caso do parto sobre o solo, como refere Eliade (1957), e que persiste até hoje.
Braga dá mais exemplos. Escreve o autor que «as pedras e os lameiros
pertencem ao culto ctoniano». Em São Domingos, Lamego, há a pedra comprida onde
se deitam as mulheres estéreis para que fiquem fecundas. No Minho, no Monte de Santa
Luzia, as raparigas vão ao nicho de Santo Elyseu, atiram uma pedra e dizem: «oh meu
santo Elyseu, casar quero eu». Braga estabelece relação entre este santo e Elusia, «ou
Ártemis de Éfeso, e com o epíteto de Elisa, a forte deusa, dado a Dido, hoje equiparada
a Anath-Astarte, do culto heterista». (1994, p. 87). Em Peneda, continua, próximo de
Arcos, há o penedo dos casamentos. Para pedir chuva, juntam-se nove donzelas e
revolvem pedras num lameiro virgem, em Vila Nova de Foscôa. Braga termina
afirmando que «a pedra que ainda hoje se revolve representa a pedra que simbolizava a
Deusa-Mãe Cibele, cujas festas terminavam por leva-la a mergulhar num rio; daqui o
rito popular supersticioso de levar os Santos à cerca da água». (1994, p. 88).
Para que alguém ame outro ou outra, é comum fazer uma oração especial a
Santa Marta. Martha, escreve Braga, é uma designação semita frequente para a MãeDivina. Por oposição a Madalena, diz o autor, «que representava o lado heterista desta
Deusa-Mãe, Martha representava o seu aspecto virginal». (1994, p. 89).
3.2.
A Festa da Árvore e a Festa das Ervas
Neves (1991) escreve que a «Festa da Árvore», realizada nos anos 1909, 1910 e
1913, na encosta da Serra do Marco, «mais propriamente, na Quinta da Laje (ou da
Lapa), era uma tentativa de cristianização dessa tradicional festa pagã?!» E, a propósito
das duas festas, que diz terem origem em antiquíssimas festas pagãs, escreve que «é
espantoso como certas tradições persistem na alma dos povos, apesar de invasões de
outros povos, evangelizações, revoluções, etc.» (1991, p. 83).
A «Festa das Ervas», continua Neves, realizava-se em Alfornelos e, até há bem
pouco tempo, vinham muitas gentes de Lisboa, num determinado dia, fazer piquenique,
comerem as suas merendas «e recolher os mais diversos géneros de plantas medicinais e
149
com algumas das quais ainda foi fácil falar». (1991, p. 83). Quer isto dizer que a «Festa
das Ervas» ainda se realizaria na década de 1980. Pena o autor não ter escrito o dia e o
mês. O piquenique era feito à volta e debaixo de um velho pinheiro, num determinado
dia, onde «iam prestar culto e por fim comer merendas sem se saber bem porquê».
(1991, p. 84).
Neves apresenta dados interessantes para uma explicação destas duas festas. Nos
rituais pagãos, diz, «Festa da Árvore» ou «Festa das Ervas», ornamentavam com ramos
de árvore ou com ervas. Nas «Festas de Vénus» ornamentava-se com ramos de murta.
Nas festas de Pã ou Pãa, «a ara era ornamentada com ramos de pinheiro». Aquele
pinheiro, afirma, «não estava ali por acaso». Era pinheiro manso, o que permitia mais
fácil colheita de ramos e porque tem vida mais longa que o pinheiro bravo. Interessante,
conclui, é haver uma quinta próxima chamada «Quinta da Pãa ou Paiã». (1991, p. 85).
E, como atrás ficou escrito, Pã é a diabolização do culto fálico levada a cabo pelos
católicos.
Coelho escreve que a Serra do Marco era, outrora, muito arborizada. Ali,
continua, «existia o rei desta selva, que era um maravilhoso exemplar de pinheiro
manso, redondo e bem formado, tendo a sua copa para cima de dez metros de diâmetro,
e o tronco talvez fossem precisos dois homens para o abraçar». (1982, p. 20). Um dia,
um forte vento tombou-o e lá ficou. Plantaram um outro pinheiro no local e até fizeram
uma pequena festa e colocaram placa. Passado algum tempo, tudo desapareceu.
Era na Serra do Marco, afirma Coelho (1991), que o povo dos lugares que
formam a Amadora, no século passado [XIX], fazia uma festa ou romaria no dia da
Senhora dos Prazeres. Era uma festa familiar e de trabalho, por começarem as sestas
nesse dia da Primavera. O pinheiro ficava ao centro da Serra, num local de pouco
declive, e aqui se fazia o baile. As famílias espalhavam-se pela encosta, às sombras de
árvores ou arbustos e aí comiam as merendas.
À tarde, continua Coelho, bem comidos e bem bebidos, a mocidade dançava
debaixo do pinheiro, músicos cantavam e tocavam e «alguns pimpões com um
grãozinho na asa, que às vezes rolavam pela encosta da serra». Ao Pôr-do-Sol,
regressavam a casa, em grupos, «as belas moças rindo e gargalhando com os seus
namoricos» levando um ramo de rosmaninho na mão. (1982, p.21). Esta festa continua
na Primeira República, mas, diz o autor (1982), já sem a alegria de dantes.
150
Neves (1991) estabelece bem uma relação entre a alimentação e o culto de
determinada árvore os plantas medicinais, a par de transportar as origens destes rituais a
antigos tempos, às religiões ditas pagãs. Coloca o piquenique em Alfornelos e o
pinheiro na Serra do Marco.
Coelho, nascido e criado na
Amadora, coloca o Pinheiro
a meio da Serra do Marco,
onde decorria a festa. Faz,
na verdade, mais sentido.
Foto 60: Quinta da Laje e Serra
do Marco, 2015.
Este
rolar
pela
encosta abaixo denomina-se de «rebolão» e é a continuidade residual de antigas orgias
sexuais. Um «rebolão» bem conhecido é o «rebolão do Vale Pereiro», relatado por Dias:
Os habitantes de Salvaterra do Extremo vão ao bodo de Monfortinho. A meio do
caminho, no Vale do Pereiro, paravam, desengatavam os animais, estendiam os
farnéis e comiam e bebiam; «tudo comia e bebia, conversava e galhofava» e o
vinho circulava a bem circular. Costume curioso, escreve Dias, «com cuja
explicação não atino, antes que retomassem a marcha, os maridos com as
respectivas consortes e os namorados com as namoradas, abraçavam-se e
entrelaçavam as pernas e rebolavam-se desde o cimo até ao fundo do vale.
(1948, p. 135).
Os cultos agrícolas, afirma Braga, encontram-se «ligados a práticas orgiásticas
do heterismo junto de ervas e juncos do charco; filho das ervas é o que pertence ao
regime da prostituição ou da época heterista da maternidade». No romance de Dona
Ausenda (Ausêa, Iseu ou Iseult), contido no Romanceiro de Almeida Garrett, continua o
autor, há a quadra: «À porta de Dona Asenda/ Está uma herva fadada/ Mulher que
ponha a mão nela/ Logo se sente pejada». (1994, p. 93).
No Algarve, há a canção Engeitada, escreve Braga: «Eu não tenho pai, nem
mãe,/ nem nesta terra parentes;/ Sou filha das pobres ervas,/ Neta das águas correntes».
A estes filhos chamavam-se filhos das ervas e a mulher desta sociedade, heterista, era
chamada ervoeira. Hoje, o carácter insultuoso de chamar alguém de «filho da mãe»
vem, afirma o autor, do estado de hetairismo inicial correspondente a um culto
151
estoniano ou de prostituição sagrada […] este culto celebrava-se nos vales pantanosos,
cujos templos eram in solo palustre». (1995, pp. 181, 180).
Por fim, Nossa Senhora dos Prazeres, dia da realização da «Festa das Ervas». A
sua festa é na pascoela, época de romarias por todo o País. Realiza-se no Domingo
depois da Páscoa. É a Primavera e o renascer da natureza. Nestas romarias come-se a
merenda e há baile e a pressão social sobre os costumes é mais leve.
O culto de Nossa Senhora dos Prazeres foi introduzido em Portugal nos finais do
século XVI, depois do aparecimento de uma sua imagem, em Alcântara, Lisboa, em
1590. Reis (1967) não dá explicação para a invocação. A Igreja diz que Maria teve sete
prazeres na sua vida, daí o nome: a anunciação, a saudação a sua prima Isabel, o
nascimento de Cristo, a adoração dos magos, o encontro de Cristo entre os doutores e a
ressurreição de Cristo. O número 7 significa é a ocupação total do espaço, o final da
obra e assim se compreende a escolha de sete; certamente que haveria oito ou seis
apenas, assim se quisesse. Prazeres é a cristianização de um ritual de muitos séculos dos
prazeres alimentar e sexual. Daqui a invocação de Nossa Senhora dos Prazeres.
3.3.
Toponímia
Dedica-se um capítulo à toponímia da Amadora. Aqui, abordam-se alguns
topónimos, os necessários à demonstração e prova da nossa hipótese.
Ficou atrás escrito que Laje, Lapa, Rocha e Gruta são sinónimos e significam a
humidade e o sombrio, a par da segurança, uterinos; que Conceição significa conceber,
engravidar e dar à luz; também, que Prazeres é invocação cristianizada da orgia
alimentar e sexual de antigos cultos denominados pagãos. Analisemos outros topónimos
próximos da Quinta da Laje.
Alves Silva escreveu dezenas de artigos sobre a história da Amadora, no «Jornal
da Amadora», e muitos deles são dedicados à toponímia da cidade. Lendo estes artigos
é possível observar como não se deve e deve fazer o estudo da toponímia. Silva (2000a)
escreve que os mouros estiveram na Amadora, como atestam os nomes árabes
Alfornelos e Alfragide. Isto é, toda a palavra começada por al é de origem árabe. Um
erro. Já Magro (1946), na sua tese de licenciatura em História, apontava o erro. Santo
afirma que al é um prefixo caldaico e hebreu. O que encontramos em muitas povoações
é o fenício alu, que significa «povoação», «castelo», «mansão» e «parentela», «gente da
mesma linhagem», por vezes, em duplicado, caso de Alcaria = «mansão», «povoação».
152
(1998, p. 69). Cinco anos depois, Alfragide, ou Alfarragide, afirma Silva (2005d), que
não será de origem árabe, mas romana.
Montinel, escreve Silva (2006a) seria um monte pequeno. Ora o significado do
topónimo hoje pode não ser o de há séculos ou há milénios. Segundo erro. Deve-se
procurar o significado da palavra quando esta foi inventada.
Terceiro erro é colocar alguém nobre ou importante a dar nome a povoação ou
rua. Pode ser e pode não ser. A-da-Beja é um nome que remonta ao século XVI e
significará, escreve Silva, «quinta da Madre que veio de Beja». (2006b, p. 3). Ora, «A»
significa «pequena comunidade», «pequena aldeia»: A dos Namorados, A dos Judeus…
Um quarto erro é fazer vir todas as palavras do latim, mesmo as que nunca
existiram no original.
Contudo, este autor faz análises e interpretações inteligentes. Silva escreve, a
propósito de Nossa Senhora da Lapa, que «a santa com ermida, hoje igreja da
Falagueira imagem a respeito da qual alguns historiadores dizem ter aparecido debaixo
de um penedo no sítio onde foi erguido o templo […] Não terá sido este o caso, isto no
nosso ponto de vista. A existência, ali perto, da Quinta da Laje estará [?] relacionada
com a Senhora da Lapa». (1997, p. 5 ?) Colocam-se as duas interrogações por a folha do
jornal consultado estar danificada.
Quinta da Laje deve o seu nome, escreve Silva (2005b), ao facto de ter aí existido
uma pedreira aquando da construção do Aqueduto das Águas Livres, «relativamente
perto da capelinha de Nossa Senhora da Conceição da Lapa». Amadora teve muitas
pedreiras. Logo, não está correcta a interpretação. O nome tem de individualizar. Se não
individualiza a interpretação está errada, porque o nome perde a função para a qual foi
criado. Porém, Silva parece fazer a aproximação entre Laje e Lapa, entre Quinta da Laje
e Nossa Senhora da Lapa, como julgamos correcto.
Hormigo escreve que «a Igreja de Nª Sª da Conceição da Lapa sobressai no
centro de um adro, cercado por muro de pedra, e tem duas entradas: Estrada da
Falagueira, e Travessa da Mãe d’Água». (20013a, p. 19). Mãe ou Mães d’Água designa
o local onde se construiu a Escola Secundária Mães d’Água e proximidade, pegando
com a Quinta da Laje. Não oferece dúvidas a designação: a água é mãe, é vida, que
brota da rocha. Mais, o local escolhido para a construção do templo, afirma Hormigo,
«foi o sítio da Lapa, mesmo ao lado da clarabóia homónima que já existia». (2013a, p.
21). Uma das parcelas de terra adquiridas pela comissão da construção da capela da
153
Falagueira, escreve AAVV (2000b), com o dinheiro de sobra, chamava-se «Varginha»,
pequena várzea, terra com muita água. Ficava próxima da capela. Há pois, uma vez
mais, a cristianização de um lugar e de um nome através da construção de um templo
cristão no local. O templo passa a ser sagrado por absorção da sacralidade do lugar.
Uma pergunta se coloca: porquê a construção neste local? A actuação, os
comportamentos individuais e colectivos obedecem a determinados arquétipos.
Arquétipo é originário do grego (arche= primeiro + tipo=padrão). Arquétipos, diz
Ylimaki, serão os primeiros padrões que constituem a base da «impressão da
personalidade humana». (2006, p. 627). Freud chama-lhes «resíduos arcaicos», «formas
mentais cuja presença não encontra justificação alguma na vida do indivíduo e que
parecem antes formas primitivas e inatas representando uma herança do espírito
humano». Para Jung, os arquétipos são complexos vividos ou vivenciados que
comparecem a modo de destino. Chama-lhes arquétipos ou imagens primordiais. (1987,
p. 67). Há imagens semelhantes nos sonhos dos indivíduos humanos e as mitologias
espalhadas por todo o mundo, pelo que, na opinião de Ylimaki (2006), as formas ou
padrões arquétipos são colectivos, uma parte do psíquico de todos, pelo que universais.
Seguindo Jung, Santo diz que «na mitologia, na religião e muitas vezes na vida corrente,
uma coisa material é a sombra de uma outra que não se consegue definir nem exprimir,
é a sua imagem ou o seu símbolo». (1987, p. 19). Em resumo Freud chamou-lhes
complexos, Jung arquétipos e Platão denominava-os ideias. Santo e Ylimaki seguem
Jung. Assim, a capela é construída num determinado local por determinação
arquetipícia.
Porcalhota deve o seu nome, diz Silva (2005e), ao sobrenome de Sebastina, filha
de certo Leitão, irmã de Isabel Leitoa, segundo documento de casamento e herança do
Morgado da Falagueira, datado de 29 de Julho de 1636. Neves (1991) partilha a tradição
oral que diz que Porcalhota é uma aldeia muito suja, em que todos faziam os despejos
para a rua, como o autor observou por diversas vezes. A ser verdade, quase todas as
aldeias de Portugal teriam nome de Porcalhota, ou semelhante, pois o costume esteve
generalizado bem dentro do século XX. Se o nome não individualiza, não é esta a
explicação. Verdade é que ninguém gosta que a sua terra tenha o nome de um animal
conotado com a sujidade e a porcaria. Por isso, o nome vem do apelido de alguém
ilustre, Porcalho, ou faz-se como Simões, dá-se a volta à palavra: «a Porcalhota é, sem
embargo, uma povoação singularmente lavada de ares, e estes, no dizer dos mais
154
conspícuos higienistas, são os melhores, os mais autênticos colaboradores da higiene e
da salubridade de uma povoação». (1982, p. 26).
Por isso, também, é que se apressam a desfazer a ideia de Porcalhota e
Amadora serem a mesma povoação. Havia três povoados: Amadora, Porcalhota e
Venteira. A 28 de Outubro de 1907, o «Diário do Governo», nº 248, traz o Despacho de
João Franco que, respondendo ao pedido dos moradores destes três povos, une todos na
povoação de Amadora.
Façamos a distinção entre porco e porca, tendo em conta o género e o
simbolismo. O porco, afirmam Chevalier e Gheerbrant (1982), simboliza, de forma
quase universal, a sofreguidão e a voracidade, aparecendo igualmente ligado às
tendências obscuras, à ignorância, à luxúria, ao egoísmo e à impureza. A porca, em
contrapartida, rivalizava com a vaca como símbolo deificado da fecundidade e da
abundância. A deusa egípcia Nut era representada tanto como uma vaca, como uma
porca. Divindade Selénica, continuam os autores, «a porca é a mãe de todos os astros
que ela engole e cospe, alternadamente, conforme sejam diurnos ou nocturnos, para os
deixar viajar pelo céu». (1982, p. 537). O mealheiro tinha a forma, generalizada de
porco(a), não havendo qualquer conotação com a sujidade. Pensamos que Porcalhota foi
local com templo, ou dedicação, à Deusa-Mãe, na hipóstase de porca. Porcalhota tem,
assim, a Deusa-Mãe no seu nome e num culto local. Desenvolvemos esta matéria mais
adiante.
Falagueira, escreve Silva (2005c), vem de dois vocábulos: «fala» e «geira».
Geira é o nome romano dado aos seus caminhos e estradas; Falo é um dos deuses
romanos, continua o autor (2005c), que simbolizava «a força reprodutiva da natureza».
Ainda hoje, continua, há a Nossa Senhora dos Caminhos [mais uma cristianização], com
toponímia na Amadora. «Assim sendo, partimos, sem certezas absolutas, para a
combinação da palavra Fala (deusa) gueira (estrada). Ou seja: Deusa da Estrada. Mas
também poderá referir-se à Deusa da Fecundidade, considerando a Falagueira como um
dos espaços agrícolas privilegiados pela natureza». (2005c, p.1). Concordamos, mas
Fala não é deusa, sim deus. Falo é o nome do pénis, no campo do sagrado. Pelo que
Falagueira será a estrada que conduz ao local do culto do Falo, o culto de Pã (Quinta da
Laje), culto que se encontra interligado com o da Deusa-Mãe. Culto que existe para a
fertilidade dos campos e não porque o local do culto é (ou não) fértil.
155
4. O Culto de Santo António e de São Sebastião
Proença (1964) apresenta o inventário de 7 imagens na capela, referente ao ano
de 1810: três imagens de Cristo crucificado, uma de Nossa Senhora da Conceição da
Lapa e mais 3: de São Sebastião, Santo António e São Francisco. Além das imagens o
inventário refere setas para a imagem de São Sebastião; dois cintos para a mesma, um
para os dias vulgares e outro,
«guarnecido de renda de prata fina,
para os dias mais solenes». (1986,
p.120).
Foto 61: Capela-Mor da Igreja de Sª da
Lapa, 2015: Nª Sª da Lapa ao centro; à sua
direita, Santo António; à sua esquerda,
São Sebastião.
No inventário de 1912,
Simões
(1986)
apresenta
5
imagens: duas da Senhora da Lapa, uma grande e uma pequena; São Francisco, Santo
Antão e São Sebastião. O mesmo autor, em 1986, refere três imagens: Nossa Senhora,
grande; Santo António e São Sebastião. Simões escreve que são «muito antigas e já
figuravam no inventário de 1810». (1986, p.46). A estas imagens, continua, duas novas
se acrescentam: Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora de Fátima.
Falemos do culto dos dois santos, pois a escolha de uns santos e não de outros
diz da cultura de um povo. Porque um facto religioso puro, afirma Eliade (1969), é
coisa que não existe. Um facto religioso é também, e sempre, um facto sociológico,
histórico, cultural e psicológico, entre outros. Um mito vivo, escreve o mesmo autor,
«está sempre ligado a um culto, que inspira e justifica um comportamento religioso».
(1969, p. 94). E falemos das suas festas, porque a festa religiosa pode ser vista como a
reactualização de um acontecimento primordial. Como diz Eliade (1956), a festa é uma
história sagrada em que os actores são os deuses ou os seres semidivinos; neste caso, os
santos.
4.1.
Santo António
Santo António, de Lisboa ou de Pádua, pouco ou nada tem a ver com o Santo
António da adoração popular. Este é um santo casamenteiro e malandreco, que se mete
com as moças, como contam as quadras recolhidas por Gomes e Santos (2007, p. 12):
156
“Oh! Meu santo Antoninho,
Vou rezar o teu responso;
Eu perdi o meu amor
Que se chamava Afonso».
“Santo António bailador
o perdido faz achar;
eu perdi o meu amor
outro amor hei-de encontrar».
“Santo António me acenou
de cima do seu altar.
Olha o maroto do santo
que também quer namorar».
“Minha avó tem lá em casa
Um Santo António velhinho;
Em as moças não me q’rendo
Dou pancadas no Santinho».
É também o santo invocado para achar objectos perdidos. A sua imagem de “
jovem efeminado”, como diz Santo, é apresentado com o menino ao colo, encontra-se
nas igrejas, em encruzilhadas, em oratórios particulares e em azulejos sobre a porta de
entrada de muitas casas. Este santo lembra de facto o deus greco-romano HermesMercúrio, protector de salteadores e assaltados, “encarnação de tudo o que requer
astúcia e manhas”. (1990, p. 124).
Embora com culto reduzido no geral do País, face a São João, outro «santo
popular», em Lisboa, Santo António tem um culto de séculos, como referem viajantes
estrangeiros. Estudemos Santo António através dos santos que se lhe assemelham.
Um santo semelhante, tem o mesmo nome, é o de António, o Grande, eremita
conhecido pela sua renúncia aos bens terrestres. Outro que se apresenta de hábito
semelhante ao de santo António é Santo Antão. Santo (1990) afirma que o Santo
António beirão é Santo Antão, protector do gado, que tem capelas nas “barradas”, em
pequenas elevações, junto a caminhos onde passam os gados.
Santo António será um santo mais novo e para ele terá passado um culto mais
antigo, de santos mais velhos e de desenho masculino mais bruto. Acontecerá que,
como refere Braudeau, «os santos mais gloriosos sobressaem mais, e encontramos
muitas vezes a séculos de distância o eco do seu nome transmitido por outrem e
brilhando com novo fulgor». (2004, p. 24). A adaptação e a versatilidade da figura do
santo tem-lhe permitido que perdure no imaginário religioso popular.
4.2. São Sebastião
São Sebastião é o advogado das pestes, das doenças e das pragas, seja nas searas
e animais, seja nos homens. A força do santo foi de tal intensidade e permanência que,
157
já sem funcionalidade (pelo menos aparentemente), continua a sair nas grandes
procissões, em quase todo o País.
A procissão em honra especial de São Sebastião era um acto bastante frequente,
ainda que não banal. Peste que caísse na aldeia e deitasse à cama novos e velhos era
procissão realizada. Com a chegada do Estado de Previdência, das Casas do Povo e da
Segurança Social, escreve Carvalho (2008), acompanhadas de uma melhoria
generalizada das condições de vida, o santo foi perdendo funcionalidade. Uma perda
não radical, porque surgiu a Guerra Colonial em África e, a guerra é «peste», tal como
«peste» são a fome e a doença, a peste propriamente dita. São Sebastião passa a santo
patrono dos soldados, principalmente nas freguesias onde a capela subsiste de pé.
Residual da protecção contra pestes e maleitas é a fita vermelha que cruza o
peito e as costas do santo. Quem quisesse curar-se ou não vir a ter estas doenças,
colocava um cinto vermelho no seu dorso. Era para este ritual que serviam os dois
cintos enumerados no inventário, atrás referido.
São Sebastião é representado atado a uma árvore, setado e de tanga. Cristo
crucificado é também apresentado com as cinco chagas e de tanga. Carvalho (2008)
apresenta semelhanças e diferenças entre as representações de Cristo e São Sebastião.
Cristo é apresentado como um adulto, principalmente na figuração de Senhor dos
Passos, mas igualmente de barbas. Para além disso, a sua face, em ambas as imagens, é
de sofrimento. São Sebastião apresenta-se como semelhante e diferente face a Cristo e,
afirma Carvalho «na busca do arquétipo que se esconde debaixo de um santo, é
fundamental ver estas semelhanças e diferenças. Semelhantes no sacrifício no tronco,
um no lenho, outro na árvore; diferente na expressão facial. São Sebastião não sofre.
São Sebastião tem uma face juvenil e serena» e, às vezes, até alegre.
Neste aspecto, este santo é único e tal é estranho. Como pode não ter dor quando
Cristo a teve e até, num momento de suprema dor, tentou afastar de si o cálice: «Pai,
afasta de mim este cálice». (Lc 22, 42). Carvalho (2008) afirma que, enquanto Cristo se
sacrificou pelo Deus Pai e mostra dor, São Sebastião sacrificou-se pela Deusa-Mãe,
castrou-se, e mostra a face juvenil, serena e até sorridente. São Sebastião castrou-se tal
como os galli, em honra da Deusa-Mãe, em Hierápolis, Síria. Como o fez Orígenes.
Castravam-se no santuário da deusa, na Festa das Fogueiras, como se podiam castrar
agarrados a uma árvore fazendo força e contraindo os músculos. O galo e o porco são os
animais identificados a São Sebastião e ambos são (ou podem ser), geralmente, capados.
158
Cristo sofre e paga pelos homens, num misto de dedicação e dever. São
Sebastião dedica-se de livre e alegre vontade à Grande Deusa Mãe. Assim, nem é
homem, nem é mulher. Volta a criança. Regressa ao seio da mãe. É retomado por ela.
Cristo sofre porque se sacrifica pelo Pai e não pela Mãe. Cristo tem disto perfeito
conhecimento e consciência. É por isso que Cristo, continua Carvalho (2008), sabendo
chegada a sua hora, de joelhos, no Jardim das Oliveiras, o Filho do Pai pede, por três
vezes e nos três Evangelhos: “meu Pai, se é possível passe de mim este cálice. Todavia,
não seja como e Eu quero, mas como tu queres”. Meses antes havia assim tratado Sua
Mãe: “ quem é Minha Mãe e quem são os Meus irmãos?”. Instantes antes de expirar, na
cruz, exclamou: “meu Deus, Meu Deus, porque me abandonaste?”
Jesus conhecia bem a sua época e as tradições religiosas antigas, a crer no que
disse: «Há eunucos que nasceram assim do seio materno, há os que se tornaram eunucos
pela interferência dos homens, e há os que se fizeram eunucos a si mesmos por amor do
reino dos céus”. (Mt 26,39-44, Mc 14,36-41, Lc 22,42; Mt 12, 48; Mt 19, 11-12).
Carvalho (2008) conclui que há nestes dois cultos reminiscências das lutas entre
matriarcado e patriarcado, melhor, entre o poder da mãe e o poder do pai, entre o culto
da Deusa Mãe e o culto introduzido pelo Judaísmo e Cristianismo do Deus Pai. Assim
se explicaria, continua o autor, que Cristo sacrificando-se pelo Pai e morre
dolorosamente e adulto; Sebastião sacrificando-se pela Mãe, alegremente, e apresentase com um rosto de criança/ jovem.
Em conclusão, o culto de Santo António e de São Sebastião estão ligados a
antigos cultos da fertilidade, que tinham na figura da Deusa-Mãe o seu centro. A par
disto, o culto destes dois santos afirma e confirma a centralidade da Mãe na cultura e
religião popular portuguesa.
4.3.
Festas e Capelas
É possível que Santo António e São Sebastião tivessem capela, algures no tempo
ido. Geralmente, as imagens antigas existentes nas igrejas matriz, muitas vezes no altarmor, e que até possuem referência toponímica, tiveram capela. Foram colocadas na
igreja matriz depois do desaparecimento destas.
159
Foto 62:
Festa
de
São
Sebastião.
Ilustração
Portuguesa
de 28 de
Agosto de
1905.
São Sebastião tem a praceta com o seu nome, junto à igreja, mas não há
conhecimento de ter havido capela sua. Ao contrário, Santo António não tem referência
toponímica, próxima da igreja, tem rua que vem dar do Sul à igreja matriz da Amadora,
mas teve capela, até ao século XVIII e, diz Hormigo (2013a), era um pequeníssimo
templo, dentro da Quinta do Bosque, que pertencia à família Mexia Falcão.
Quanto às festas, a de Nossa Senhora da Conceição da Lapa, escreve Proença
(1964), era no primeiro Domingo de Agosto; a do Mártir São Sebastião, no segundo
Domingo de Agosto; e a de Santo António, no terceiro Domingo de Agosto. Hormigo
(2013c) dá conta de uma festa em honra de São Sebastião, realizada de 9 a12 de
Setembro de 1899. A Ilustração Portuguesa de 28 de Agosto de 1905 testemunha o
brilho da festa, em honra do Mártir, realizada de 20 a 22 de Agosto de 1905.
5. Os 12 Painéis de Azulejo da Igreja de Nossa Senhora da Lapa
Na nave central da igreja estão 12 painéis de azulejo com representações
simbólicas. No lado direito do altar-mor, a palmeira, o cedro, o poço de Jacob, o
girassol, o cipestre e a rosa mística; do lado esquerdo, a oliveira, a porta do céu, o
espelho da justiça, a estrela da manhã, a Lua e o Sol. Hormigo (2013b) enumera-os e
apresenta alguns excertos bíblicos que os referem, mas torna-se necessário maior
aprofundamento e ligação a significados e cultos mais antigos e mais universais, bem
como procurar no Antigo Testamento pois, como afirma Eliade, o cristianismo é uma
religião histórica que tem as suas raízes na religião judaica, outra religião histórica. Por
esta razão, para «para compreender certos sacramentos ou certos simbolismos, basta
procurar as suas figuras no Antigo Testamento». (1952, pp. 156-157). Além disso, é
160
necessário uma explicação para o número de painéis, que são 12, 6 de cada lado, bem
como a sucessão e o lado direito e o esquerdo onde foram colocados.
A palmeira era considerada como o símbolo da árvore da vida, bem como da
victória. As palmas, como mostram as palmas do Dia de Ramos, prefiguram a
ressurreição de Cristo, o seu triunfo sobre a morte. O mesmo significado, afirmam
Chevalier e Gheerbrant (1982), tem a palma que os santos mártires seguram numa das
mãos. «O justo florescerá como a palmeira e crescerá como o cedro do Líbano». (Sl,
92,12). No Antigo Testamento, Jericó é chamada de «Cidade das Palmeiras» e a
profetiza Débora, juiz de Israel, julgava debaixo de uma palmeira. (Jz 3, 13; 4, 5).
O cedro mais famoso é o do Líbano. Aparece em vários versículos bíblicos caso
da construção do templo de Jerusalém: Salomão «edificou a casa da floresta do
Líbano»; «revestiu o interior dos muros do edifício com placas de cedro, do pavimento
ao tecto». (1Rs 7,2; 6,15) Os Egípcios, escrevem Chevalier e Gheerbrant (1982),
utilizavam a madeira de cedro na construção de embarcações, estátuas e ataúdes. Os
Egípcios tinham também boas relações com os fenícios. As referências ao cedro do
Líbano, continuam Chevalier e Gheerbrant (1982), fazem dele um exemplo de grandeza
e de força e, como todas as árvores coníferas, caso do cipreste, que conservam a
folhagem verde no Inverno, é símbolo da incorruptibilidade. Lê-se: «A que hei-de
comparar a tua grandeza? Eis a um cedro do Líbano de belas ramagens, de folhagem
espessa, de alta estatura, cujo cima se eleva por entre as nuvens». (Ez 31,3). Cristo,
terminam Chevalier e Gheerbrant (1982), é representado, por vezes, no centro de um
cedro, representando a sua vitória face à morte.
O poço tem um carácter sagrado em todas as tradições. Chevalier e Gheerbrant
afirmam que o poço «realiza como que uma síntese das três ordens cósmicas: céu, terra,
infernos; dos três elementos: a água, a terra e o ar; é um meio vital de comunicação».
(1982, p. 532). Para os povos em que a água é quase um milagre, caso dos Hebreus, o
poço simboliza a abundância e a fonte da vida. O poço de Jacob, onde se encontraram
Cristo e a Samaritana, continuam os autores, significa a água viva e que jorra e, por tal,
é fonte de vida e de conhecimento. Jacob chegou à terra dos filhos do oriente. «Olhando
em redor, viu um campo ao lado de um poço junto do qual estavam deitados três
rebanhos». (Gn 29, 1-2).
161
O girassol, na China, dizem Chevalier e Gheerbrant (1982), é o alimento da
imortalidade e o seu nome, gira-sol, diz bem do seu carácter solar. O girassol representa
o Sol quer pelo nome, quer pelo formato e cor (dourado e castanho) da sua flor.
O cipreste é uma árvore sagrada para muitos povos, devido à verdura persistente
de seus ramos e folhas, como o cedro, atrás referido. É a árvore dos cemitérios em todo
o Mediterrâneo, escrevem Chevalier e Gheerbrant (1982), por força da sua resina
incorruptível. Por isto e pela folhagem persistente evoca a imortalidade e a ressurreição.
Orígenes, continuam os autores, escreveu que o cipreste tem um cheiro muito bom, o
cheiro da santidade. As sociedades secretas da China, «colocam-no à entrada da Cidade
dos Salgueiros ou do Círculo do Céu e da
Terra». (1982, p. 201). O templo de Jerusalém
tinha revestido «com madeira de cedro todo o
interior e [Salomão] cobriu o pavimento com
tábuas de cipreste». (1Rs 6,15).
Foto 63: o girassol. Painel de azulejo, igreja de Nª Sª da
Lapa. 2015.
A rosa é famosa em todo o Ocidente pelo
seu perfume, forma e beleza. É a flor feminina
por excelência e terá sido por esta razão que
Umberto Eco chamou ao seu romance «O Nome
da Rosa». No conjunto, dizem Chevalier e
Gheerbrant (1982), corresponde à flor lótus na
Ásia e ambas se aproximam do simbolismo da
roda. Na iconografia cristã, continuam os autores, «a rosa é quer o cálice que recolhe o
sangue de Cristo, quer a transfiguração das gotas de sangue, quer o símbolo das chagas
de Cristo». A rosa mística, continuam, «evoca, quer o Graal, quer o orvalho celeste da
Redenção». (1982, p. 575). A rosa, branca ou vermelha, é uma das flores preferidas dos
alquimistas.
Também na Bíblia: «Eu sou a rosa de Saron, uma açucena dos vales». (Ct 2,1).
A oliveira tem significado semelhante em todos os países orientais e europeus.
Tem uma enorme força simbólica, afirmam Chevalier e Gheerbrant: «paz, fecundidade,
purificação, força, vitória e recompensa». (1982, p. 486). No Japão, seguindo estes
autores, a oliveira simboliza a amabilidade; no Islão, é a árvore central, o eixo do
162
mundo. Na idade Média, era o símbolo do amor e do ouro. Segundo uma lenda antiga,
dizem Chevalier e Gheerbrant (1982), a cruz de Cristo era de madeira de oliveira e de
cedro.
Não se pode desligar da oliveira o simbolismo do azeite, fruto do seu fruto. Em
toda a sociedade tradicional, pelo menos católica, o azeite possuía um carácter sagrado
por alumiar, permanentemente, o Santíssimo Sacramento, numa lâmpada pendente do
centro do arco do altar-mor das igrejas. Para além de constituir um indicador de riqueza.
Família que tivesse azeite para todo o ano era considerada família rica. Como se lê:
«certo dia, as árvores puseram-se a caminho para ungir um rei que reinasse sobre elas.
Disseram à oliveira: reina sobre nós. A oliveira respondeu; achais que vou deixar o meu
azeite, que honra deuses e homens, para ficar balançando sobre as árvores»? (Jz 9,8).
A porta abre-se para o desconhecido, para o mistério. A porta, escrevem
Chevalier e Gheerbrant, é o lugar de passagem entre dois mundos em oposição:
conhecido, desconhecido; luz, trevas. Estes autores afirmam que «a passagem da terra
ao céu efectua-se pela Porta do Sol, que significa a saída do cosmos, para além das
limitações da condição individual». (1982, p. 538). Assim, porta do céu será a porta que
convida à passagem do domínio do profano para o domínio do sagrado, para a entrada
no céu. É o que acontece, escrevem Chevalier e Gheerbrant, com o portal das catedrais,
dos torana hindus, das portas dos templos ou cidades khmeres, dos torii japoneses,
etc.». (1982, p. 537). Na construção da Torre de Babel, Javé disse: «vamos descer e
confundir a língua deles…»; «Assim disse Javé: o céu é o meu trono e a terra é o apoio
para os meus pés». (Gn 11,9; Is 66,1). No recinto sagrado existe sempre uma porta, diz
Eliade (1956), que serve para os homens subirem ao céu e aos deuses descer dele. Por
seu lado, Humphrey e Vitebsky (1998) afirmam que portões e aberturas indicam a
passagem entre uma e outra espécie de espaço.
Analisemos o espelho da justiça através das duas palavras que o compõem:
espelho e justiça. O espelho, afirmam Chevalier e Gheerbrant (1982), reflecte a verdade
e a sinceridade, o conteúdo do coração e da consciência. Como diz a expressão popular:
«os olhos são o espelho da alma». O espelho, continuam os autores, é «símbolo da
manifestação que reflecte a inteligência criadora; é também o do intelecto divino que
reflecte a manifestação, criando-a, como tal, à sua imagem». (1982, p. 301). Por reflectir
a inteligência divina, o espelho á apresentado, também, como símbolo solar e lunar. Tal
163
como a superfície da água, o espelho é utilizado na adivinhação, como mostra o espelho
da madrasta do conto «Branca de Neves e os Sete Anões».
A justiça, escrevem Chevalier e Gheerbrant (1982), representa a vida eterna;
ainda, «o equilíbrio das forças desencadeadas, as correntes antagonistas, o resultado dos
actos, o direito e o haver». (1982, p. 392). O seu símbolo é o número 8 (oito) que,
deitado, é o infinito. Como afirmam estes autores, o oito é, universalmente, o número do
equilíbrio cósmico. Assim, o espelho da justiça representará a inteligência criadora
divina que colocou ordem no caos inicial dos tempos, o que se pode ler em Gn 1,1ss:
«no princípio criou deus o céu e a terra».
A estrela de manhã, estrela dos pastores e estrela d’alva, é o planeta Vénus, um
planeta muito importante nas civilizações meso-ameríndias, nomeadamente entre os
Maias e os Astecas. Vénus segue o percurso diurno do Sol, precedendo-o, pelo que é
considerado a mensageira do Sol e, por este facto, escrevem Chevalier e Gheerbrant
(1982), considerado um intercessor entre o Sol e os Homens. Já para os Sumérios,
continuam os autores, «Vénus era aquela que mostra o caminho às estrelas. Deusa da
tarde, favorecia o amor e a volúpia; deusa da manhã, presidia aos actos de guerra e de
massacre […] É o astro da arte e da acuidade sensorial, do prazer e do divertimento […]
Está ligado aos afectos de atracção voluptuosa e do amor, que nascem da apetência
orgânica do lactente ao contacto com sua mãe, e prolongam-se até ao altruísmo
sentimental». (1982, pp. 681-682). Esbatido este carácter voluptuoso, a estrela da
manhã, stella matutina é Maria, aquela que é guia até ao seu filho-deus. É a mãe
amorosa, da harmonia e da doçura.
Na Bíblia lê-se: «como é que caíste do céu, estrela da manhã, filho da aurora?
Como é que foste derrubado, agressor das nações»; «enquanto os astros da manhã
aclamavam…» (Is 14,12; Job 38, 7).
A Lua tem o seu simbolismo ligado ao Sol; a sua manifestação apenas acontece
em correlação com o Sol. Por um lado, porque é privada de luz, sendo reflexo da luz
solar; por outro, porque tem fases diferentes, quatro – Lua Nova, Quarto Crescente, Lua
Cheia, Quarto Minguante - e mudar de forma. Por estas razões, dizem Chevalier e
Gheerbrant, a Lua simboliza a dependência e o princípio feminino, «bem como a
periocidade e a renovação». (1982, p. 418). Os israelitas, que seguiam um calendário
lunar, no primeiro dia de cada mês ofereciam a Javé «dois bezerros, um carneiro e sete
cordeiros de um ano, todos perfeitos». (Nm 28, 11-14).
164
A Lua é símbolo, continuam os autores, do tempo que passa, o primeiro morto e
fonte e símbolo da fecundidade. Paralelamente, a Lua é simboliza todos os cultos
ligados à Grande Mãe. Ainda, a Lua, afirmam Chevalier e Gheerbrant, «é também o
símbolo do sonho e do inconsciente, bem como
dos valores nocturnos». (1982, p. 421). A lua
nova aparece no A.T.: «o pórtico do pátio
interno, que dá para o Oriente, ficará fechado
nos seis dias de trabalho, mas ficará aberto no
sábado e no dia da lua nova»; «David
respondeu: amanhã é lua nova, e eu deveria
jantar com o rei». Ainda, «a Lua para governar
a noite, porque o seu amor é para sempre». (Ez
46, 1; 1Sm 20,5; Sl 136, 9).
Foto 64: Sol, painel de azulejo da Igreja de Nª Sª da
Lapa. 2105.
O Sol é uma manifestação da divindade
e, escrevem Chevalier e Gheerbrant, pode ser concebido como filho do Deus supremo e
irmão do arco-íris […] Os seus raios representam as influências celestes – ou espirituais
– recebidas pela terra». (1982, p. 610). O Sol é fonte de a luz que ilumina, aquece e dá
vida. O Sol é a própria vida. David escreveu: «Ele manifestará a tua justiça e o teu
direito como o meio-dia». E «o Sol para governar o dia, porque o seu amor é para
sempre». (Sl 37,6; 136,8).
Em resumo, a palmeira é símbolo da árvore da vida e da victória. O cedro é
símbolo de incorruptibilidade e foi uma das madeiras da cruz de Cristo. O poço de
Jacob significa a água viva e que jorra e, por tal, é fonte de vida e de conhecimento. O
girassol representa o Sol. Uma hipóstase vegetal do deus. O cipreste, da imortalidade,
da ressurreição e da santidade. A rosa mística, além de simbolizar o feminino, é o cálice
do sangue redentor de Cristo.
Ainda, A oliveira simboliza a paz, a fecundidade, força, vitória, recompensa e
uma das madeiras da cruz de Cristo. A porta do céu simboliza a passagem do domínio
do profano para o domínio do sagrado, do místico. O espelho da Justiça simboliza a
inteligência criadora e dominadora divina que criou ordem no caos. A Estrela da manhã
é o planeta Vénus. No catolicismo, Vénus é Maria, que se apresenta como a mãe
165
amorosa e doce, que mostra aos homens o caminho até ao seu filho. A Lua é símbolo
dos valores do feminino, da fecundidade e nocturnos. O Sol é o filho de Deus, que a
tudo e a todos dá a vida e por todos deu a vida.
Quadro : os 12 painéis de azulejos da Igreja de Nª Sª da Lapa.
Direita
Esquerda
Palmeira
Oliveira
Cedro
Porta do Céu
Poço de Jacob
Espelho da Justiça
Girassol
Estrela da manhã
Cipreste
Lua
Rosa Mística
Sol
Domínio do elemento terra.
Correspondência
Bom futo, bom óleo. Sombras
refrescantes.
Ramos de alegria (Domingo de
Ramos).
A madeira do cedro é eterna. A
porta do Céu é, com certeza, de
madeira de cedro.
Ambos são espelho: a água do
poço e o espelho.
Ligados ao Sol e ao dia. A flor
do Sol e a sua anunciadora.
Ligados à noite e à morte
(cemitério).
A rosa é o cálice do Graal. O Sol
é o símbolo maior de Cristo.
Domínio do elemento ar/ céu.
Correspondência
Analisemos sentido e número dos painéis de azulejos. A direita aparece, quase
sempre, com conotação positiva, enquanto a esquerda, com conotação negativa. Cremos
que houve uma evolução semântica, com o catolicismo, que usou o termo latino
sinistra, significando esquerda, para o tornar sinónimo de algo obscuro, perigoso,
diabólico. Na Bíblia, o defensor coloca-se à direita. No Juízo Final, para a direita irão os
Eleitos, enquanto os condenados irão para a esquerda.
Na Idade Média, e com a carga negativa colocada na mulher, a introdutora do
pecado no Mundo, o lado esquerdo, dizem Chevalier e Gheerbrant (1982), seria o lado
feminino e o direito, masculino. A esquerda seria, pois, feminina, nocturna e satânica,
por oposição à direita, masculina, diurna e divina. No Ocidente cristão, continuam os
autores, a direita tem um sentido activo e significa o futuro, enquanto a esquerda é
passiva e significa o passado. Por tudo isto, na aldeia portuguesa, até há bem pouco
tempo, os filhos com tendência a usar a mão esquerda, eram educados levando fortes
palmadas nessa mão e braço.
São doze os painéis, divididos em duas séries de seis. O número 6, no
Apocalipse, é o número do pecado. Mas, nos contos de fadas, escrevem Chevalier e
166
Gheerbrant, o número 6 «é o homem físico sem o seu elemento salvador», não podendo,
por isso entrar em contacto com o divino. Na Antiguidade, o número 6, continuam, «era
dedicado a Vénus-Afrodite, deusa do amor físico». Seis foram os dias da Criação. O
número 6 exprime-se na estrela (de seis pontas) de Salomão. Para os sucessores dos
Maias, seis é um número feminino e sete, masculino. (1982, p. 591). Face ao significado
do número 6, o construtor pretenderá a utilização do 12 (6 + 6).
O número 12, afirmam Chevalier e Gheerbrant, «simboliza o Universo na sua
evolução cíclica espaço-temporal […] e o Universo na sua complexidade interna». O
doze é o produto dos 4 pontos cardeais pelos 3 planos do mundo. Em definitivo,
terminam os autores, o 12 é «o número de uma realização, de um ciclo que se fecha».
(1982, p. 272). Por isso é que o número 13 é o do azar, pois inicia, abre, um ciclo, não o
fechando.
Antes de tudo, há repetição do significado dos símbolos escolhidos, o que indica
da intencionalidade da escolha, bem como do local de colocação. São 4 árvores: duas
com bom fruto e óleo, duas sem fruto, mas de boa madeira para a construção; duas do
masculino e duas do feminino. São 2 flores: uma do feminino, outra do masculino.
Somam 6 elementos vegetais. Há 1 elemento água, que é masculino (poço) e feminino
(água); mas, sendo poço de Jacob, predominará o masculino. Espelho do Céu é
masculino, mas costuma aparecer associado a Maria. Porta do Céu é feminino e também
associado a Maria. São 3 astros: dois do feminino e um do masculino; a noite, o dia, e a
aurora. Se tomarmos os 2 «céu» e os 3 astros, somam 5 elementos ar. Predomina o
elemento vegetal, que é feminino, que é a terra, que é a Deusa-Mãe.
Há correspondência do símbolo da direita com o correspondente da esquerda,
como indicamos no quadro. Também correspondência parece haver em cada grupo de
seis. Tendo em conta cada grupo de seis, estar-se-á perante a hierogamia (casamento
divino) entre a terra e o céu/ar.
Dir-se-á que é tudo coincidência. A coincidência é um propósito, não um acaso.
Coincidência e acaso são faces visíveis do arquétipo. Arquétipo é, como atrás se
explicou, um modelo cultural, de séculos, que impõe um comportamento individual e
colectivo, sem se perceber bem porquê, pois é algo que condiciona o inconsciente.
167
6. Conclusão
A ermida/ capela/ igreja de Nossa Senhora da Lapa, no culto e no lugar, sucede,
a um culto dedicado à deusa-mãe, muitos séculos mais antigo. Neste culto, eram
praticadas orgias, alimentar e sexual, como o culto de Pã, que tinham lugar nos campos
ao seu redor. Estes cultos pretendiam conseguir fertilidade dos campos e a fecundidade
dos gados e, principalmente, a fecundidade da mulher. O ritual último era chamado de
«Festa das Ervas» e realizar-se-ia na Quinta da Laje e na encosta da Serra do Marco.
Esta festa, as festas e cultos de Santo António e São Sebastião, a par dos topónimos
envolventes a esta zona, casos de Falagueira, Mães d’Água, Praceta da Conceição, são a
prova.
168
15.7.
TOPONÍMIA DA AMADORA
A Língua Fenícia, Cartaginesa e Lusitana na Região
«Em 2014, uma escavação em Lisboa encontrou a prova definitiva: escreveu-se em fenício na fachada
atlântica da Europa durante a Idade do Ferro».
Gonçalo Pereira, National Geographic, Junho de 2016, p. 49.
1. Toponímia
A toponímia é o estudo dos nomes na sua origem e significado. Santo (1988,
1989, 1993, 2004) tem dedicado muitos estudos ao tema, apostando na origem cananitafenício-cartaginesa-lusitana de centenas de nomes espalhados pelo território
português.«A primeira língua da Hespanha foi o caldaico», afirma Maria L. C. Buescu e
o espanhol Jose Ramon Onega afirma um passado hebreu para a Galiza, ambos citados
por Santo. (199, p. 42). Almeida (2013) afirma que o primeiro povo da Península
Ibérica, os Iberos seriam hebreus, pois eibri, em hebraico antigo, significa hebreu. A
tese oficial é a de que os Lusitanos esqueceram a sua língua e Santo afirma que tal só
poderia ter acontecido se, por castigo de Deus, os Lusitanos fossem alvo «de uma
paralisia cerebral colectiva». (1993: 56). Por seu lado, Costa cita J. M. Piel que afirma:
Embora evidentemente não se possa precisar o período exacto em que o latim
falado na antiga Lusitânia atingiria tal grau de transformação que merecesse a
denominação de português, não há dúvida que, pelo menos, dois séculos antes
do
ano 1100 o idioma do futuro Condado Portugalense apresentava fonética
e
lexicalmente maiores afinidades com o português de hoje do que com o
latim falado no tempo da colonização romana. (in Biblos, XXII, 1946: 371372). (s.d., p. 2).
É possível ter havido uma língua única, pelo menos numa vasta região, como se
pode deduzir do episódio «Torre de Babel»:
e era toda a terra de uma mesma língua e de uma mesma fala. […] E o Senhor
disse: Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma língua; e isto é o que
começam a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem
fazer. Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a
língua do outro. (Gn 11, 1-7).
Esta possibilidade torna-se mais provável se se pensar que a diferenciação/
maldição lançada por Javé pode ter sido apenas o diferente sibilar das diferentes línguas
orientais, como acontece em Portugal e refere Almeida (2013): sacho, xaxo, txatxo, para
Lisboa, Guarda e Mangualde. Algo visível na Bíblia, como escreve o autor:
169
porque tomaram os gileaditas aos efraimitas os vaus do Jordão; e sucedeu que,
quando algum dos fugitivos de Efraim dizia: Deixai-me passar; então os
gileaditas perguntavam: És tu efraimita? E dizendo ele: Não, Então lhe diziam:
Dize, pois, Chibolete; porém ele dizia: Sibolete; porque não o podia pronunciar
bem; então pegavam dele, e o degolavam nos vaus do Jordão; e caíram de
Efraim naquele tempo quarenta e dois mil. (Jz 12, 5-6).
Contrariando o método filológico clássico, que considera uma fraude, tal como
Almeida (2013), Santo (1993, 2004), propõe o método etnológico de Victor Berard, por
ser um método do terreno, ao qual acrescenta a regra da constelação de nomes. O
método etnológico exige obediência a três sistemas: sistema verbal (correspondência
fonética); sistema local ou geográfico (o nome refere o relevo, os cursos de água …) e o
sistema histórico ou lendário (referências históricas ou míticas).
Embora este seja um método «inovador e rigoroso», continua Santo, há muitos
nomes que escapam a este método, pois muitos nomes há que se referem a uma
«actividade social, religiosa … sem relação com a geografia, e sem ter deixado rastos
históricos ou mitológicos». Por isso, acrescenta, a regra da constelação de nomes: «a
significação do nome estará garantida quando ela tiver relação com a significação dos
nomes em volta». (2004, p. 352). Uma constelação pode comparar-se com outras de
outras regiões, pois os topónimos são repetitivos.
Por fim, Santo alerta para algumas ideias a ter em conta:
(i) «A nomeação dos sítios tem origem na oralidade […] há que interpretá-los
dentro dos respectivos contextos».
(ii) «Os nomes dos sítios são tão estáveis como as sociedades que os utilizam, e
insubstituíveis porque são referências indispensáveis à vida quotidiana».
(iii)
Os nomes são transmitidos de geração em geração. «São imorredouros».
(iv) «Para interpretar a origem do nome, a pronúncia local deve prevalecer sobre a
expressão escrita, mesmo que esta conste em antigos documentos».
(v) «Os nomes dos sítios são como os das pessoas: não mudam ao sabor das modas
linguísticas, económicas ou políticas». Isto só veio a acontecer recentemente.
Embora o Marquês de Pombal tenha dado o nome de Praça do Comércio, continua
a ser chamado de Terreiro do Paço; quanto ao Rossio poucos o conhecem por Praça
de D. Pedro IV, e o Areeiro não é conhecido por Praça Francisco Sá Carneiro.
170
(vi) Particularmente, «o caminho teórico de partida foi o Etno-História das Religiões
porque as tradições religiosas locais são o que há de mais estável nas culturas».
(2004, pp. 352-355).
Por seu lado, Almeida afirma que a origem fenícia de centenas de vocábulos
portugueses prova-se pela etimologia, «pela análise da toponímia, pela decifração da
escrita do sudoeste e pela compreensão das lendas que por vezes parecem absurdas».
(2013: 9). No que respeita à toponímia, Santo e Almeida têm as mesmas ideias, mas
com uma pequena diferença, a que diz respeito à fitotoponímia. Santos escreve que os
rurais, os inventores da toponímia não urbana, não baptizam os locais pela vegetação,
que não individualiza, mas por um nome que a possa individualizar. Figueira, pereira,
rosmaninho não individualizam, pois são plantas e árvores generalizadas pelo país e
Ocidente; logo, se o nome não individualiza, tem de ser outra a explicação para ele.
Almeida considera haver excepções na fitoponímica. Não são, no entanto, escreve o
autor, «e por via de regra, topónimos que designem regiões vastas, rios, serras, etc. […]
correspondem à designação de pequenos acidentes». São nomes efémeros e não
sobrevivem ao abate da planta. (2009, p. 14).Quando não expressa, a fonte utilizada,
para apresentar o significado do nome, é Santo (1993), Dicionário Fenício-Português.
2. Topónimos da Amadora
A Carta Topográfica de Portugal, 7 (1930), Amadora, apresenta 202 topónimos.
Destes, «Quinta» aparece 60 vezes (24%), «Casal» (16,%), «Moinho» (6%).
BAIRRO: vem de b ary ou b ary ay (barrio, barraio), escreve Santo, significando nos
parentes, na vizinhança, entre vizinhos de todos/ de qualquer um. Isto é, «lugar de
habitação do povo», «lugar de habitação da parentela». (1989, p. 255).
CASA: vem de ksu (casu), escreve Santo (1989), e significa «trono, estrado, dossel».
Ksy, significa cobrir-se. Kasah, significa «cobertura», sendo sinónimo de quinta e
tapada.
CASAL: casal é o mesmo que catraia: este é utilizado na Beira, aquele, a Sul. Catraia,
escreve Santo (1989), vem de kryt aya e significa povoação, povoação vulgar, lugarejo.
171
QUINTA: vem de kin nht (quineta), diz Santo (1989), e significa fixar residência, trono,
lugar de repouso. Próximos são kínetu, local fechado; qym nth, inimigos afastados; kin
tat, fixar as ovelhas. Almeida (2013) escreve que vem de kinu (kine), significa jardim,
horta + t’h (têâ), significa demarcar, linha de separação. Quinta vem pois de kinut’h
(quinetêâ), jardim/ horta delimitado/a. Utilizando Santo (1993) é possível ver ligação
entre quinta e família. Ver casa.
RUA: não vem do latim ruga, que significa ruga. Almeida (2013) escreve que rua, como
rossio, deve vir de rwh, que significa espaço, desafogo. Contudo, continua o autor, rwh
(rô) é próximo de arh e arhu (arre), que significam caminho. Ao princípio, estaria
apenas ligada à ideia de espaço exterior, como hoje, quando se diz a alguém: «rua»,
«põe-te a caminho».
2.1. Quinta da Laje, um/o Centro
A Quinta da Laje deve o seu nome, escreve Silva (2005b), ao facto de ter aí
existido uma pedreira aquando da construção do Aqueduto das Águas Livres,
«relativamente perto da capelinha de Nossa Senhora da Conceição da Lapa». A
Amadora teve várias pedreiras, tem mais do que uma Laje, mas não há modo de ligar
laje a pedreira. Laje, segundo Santo (1989), vem de lh e significa «mensagem, lei».
Local onde eram afixadas, lugar onde eram lidas as mensagens ou leis.
Quinta da Laje, como ficou escrito no capítulo anterior, foi local de culto da
Deusa-Mãe, culto que tinha o seu centro na orgia alimentar e sexual de antigos cultos
denominados pagãos. Este culto realizava-se no vale e na encosta da Serra do Marco.
Neste local realizou-se até finais do século XIX, talvez até inícios do século XX, a
«Festa das Ervas», que tinha residuais desta orgia, casos do comer e beber à tripa forra,
cantar e bailar e fazer o rebolão. Quinta vem de kin nht (quineta), e significa trono.
Marco vem de makum (lugar, povoação). Ambos reforçam a nossa afirmação.
Nossa Senhora da Lapa, a par da Senhora dos Prazeres é uma cristianização
deste culto pagão. Laje, Lapa, Rocha e Gruta são sinónimos e significam a humidade e o
sombrio, a par da segurança, uterinos. Fazendo da Quinta da Laje e de Nossa Senhora
da Lapa o centro desta análise, estudemos os topónimos próximos que, a estarem em
constelação, confirmam Quinta da Laje e Nossa Senhora da Lapa, enquanto se interconfirmam.
172
Falagueira, não pode ser uma «terra amena, aprazível, agradável, serena», como
escreve Neves (1991, p. 23), pois centenas de locais semelhantes haverá e não se
denominam de Falagueira. Não há individualização, logo, terá de ser outra a explicação.
Falagueira, escreve Silva (2005c), vem de dois vocábulos: «fala» e «geira».
Geira é o nome romano dado aos seus caminhos e estradas. Falo é um dos deuses
romanos, continua o autor, que simbolizava «a força reprodutiva da natureza».
Falagueira seria o caminho para o falo, para o local do culto do falo. Falo que seria um
menir de granito como ainda hoje é fácil de encontrar à porta de grandes casas
senhoriais agrícolas, caso da de Carnide, que tem 12 pequenos menires fálicos ao longo
de toda a frente. Seria o culto de Pã, que é, como se disse, a diabolização cristã do culto
do falo. Certo é que existe o local Paiã, na Pontinha.
Mães-de-Água significa o local de abundância de água. Local onde a água
nasce. Mãe da Água é a mãe que mata a sede aos seus filhos. Este local húmido,
lameiro, confunde-se com a Quinta da Laje e com o vale da Serra do Marco.
Humidade que tem a ver com o matar a sede e, igualmente, como ficou dito, com a
humidade uterina. Marco, escreve Santo (1988), vem de makom, que significa lugar, o
lugar, povoação. Há pois a delimitação e a individualização do lugar, o que lhe confere
destaque e importância.
Porcalhota aparece na litografia de Luiz (1841). Tem uma ribeira, com ponte
com o seu nome, a Oriente. A Norte, segue a estrada de Belas; a Ocidente, a estrada de
Sintra. Para além da Porcalhota, há casas no Monte da Venteira, no Casal dos Álamos e
na Quinta das Quintelas. A Ribeira das Quintelas separa o que será Amadora de Queluz.
Foto 65: a Porcalhota
segundo Pinho Leal, p.
202.
Porcalhota,
diz Silva (2005e),
deve o seu nome ao
sobrenome
de
Sebastina, filha de certo Leitão, irmã de Isabel Leitoa, segundo documento de
casamento e herança do Morgado da Falagueira, datado de 29 de Julho de 1636. De
Leitoa, o povo começou a apelidá-la de Porcalhota. Uma mudança difícil de aceitar,
pois Leitão e Leitoa é apelido antigo e actual.
173
Para Neves (1991), Porcalhota significa lugar, aldeia muito suja. Um significado
actual, mas milhares de aldeias portuguesas eram sujas. Simões afirma que Porcalhota
quer dizer povoação «lavada de ares». (1982, p. 26). O facto de queremos que nossa
terra tenha origem nobre e lavada, a
qualquer preço, conduz a esta
interpretação. Por seu lado, Gomes
(2000) afirma que Porcalhota vem
do apelido do proprietário destas
terras, que era Vasco Porcalho,
século XV, e da sua filha herdeira,
de alcunha Porcalhota.
Foto 66: Bordalo Pinheiro: a política, a
grande porca. «A Paródia». De
www.google.pt.
O porco, afirmam Chevalier
e Gheerbrant (1982), simboliza, de
forma
quase
universal,
a
sofreguidão e a voracidade, mas a
porca, rivalizava com a vaca como
símbolo deificado da fecundidade e
da abundância. A deusa egípcia
Nut, deusa do céu, era irmã e esposa de Geb, deus da terra. Foi mãe de Osíris, Seth, Ísis
e Néftis. Era filha de Shu (deus do ar) e de Tefnut (deusa da humidade). Era
representada tanto como uma vaca, como uma porca. Permaneceu mais a forma de vaca
e mulher, certamente pela evolução semântica de porca que, de mãe alimentadora,
passou a símbolo de sujidade. Divindade Selénica, continuam Chevalier e Gheerbrant
(1982), «a porca é a mãe de todos os astros que ela engole e cospe, alternadamente,
conforme sejam diurnos ou nocturnos, para os deixar viajar pelo céu». (1982, p. 537).
Bordalo Pinheiro desenha a porca da política que todos alimenta. O mealheiro tinha a
forma, generalizada, de porco(a), não havendo qualquer conotação com a sujidade,
antes com a poupança, um dos mais altos valores aldeões.
Santo (1988, 1989) analisou centenas de nomes e «constelações» de nomes de origem
fenício-cananita e apresentou os seus significados. Alguns destes topónimos
174
aproximam-se dos que aqui tratamos. Afirma o autor (1989) que Laje significa
«mensagem, sentença, lei»; Venda do Porco, bnt pârak, gente/ coisa/ lugar sagrado;
Porqueira, prk ary, santuário da povoação; Serra do Porco, parok, objecto/ lugar
sagrado; Vale do Porco, bal paroku, senhor do santuário; Marco, lugar/ o sítio
(povoação). Face ao exposto, pensamos que Porcalhota foi local com templo e/ou
dedicação, à Deusa-Mãe, Nut, na hipóstase de porca. Porcalhota tem, assim, a DeusaMãe no seu nome e num culto local.
Foto 67: deusa Nut, cerca de 600 a. C., de:
http://www.ebah.pt/content/ABAAAAmIgAF/
mitologias?part=10
3. Outros Topónimos
A-da-Beja é um nome que
remonta ao século XVI e significará,
escreve Silva, «quinta da Madre que
veio de Beja». (2006b, p. 3). A significa «pequena comunidade», «pequena aldeia»,
pelo que A-da-Beja significa a aldeia/ comunidade de Beja. Beja, seguindo Santo
(1993), virá de besh (lama, lodo, lodaçal). Assim, A-da-Beja é a Aldeia no lodo, no
lodaçal; pequena aldeia do lodaçal.
A-da-Maia: poderá ser A-Damaia. Virá de dm’, que significa «derramar
lágrimas, chorar»; ou de dm/ dam, que significa «sangue, crime, homicídio». Significa:
a aldeia, o povoado onde se chora o deus Adónis. Adónis é o deus que todos os anos
morre com a vegetação e com ela ressuscita. Ver Damaia.
Adaiões (Borel), para Silva (2006g), era terra de um certo Deão, cabido da Sé.
Se Adaiões for o mesmo que Adães, Santo (1988) escreve que vem de aham (gentes).
Significa o local onde moravam os gentios, os indígenas; ou o local onde se morou. No
século XI, continua o autor, pronunciava-se adalanes. Adaiões significará o local onde
moraram os autóctones.
Alfornelos significa, escreve Neves (1991), terra de abundância de ervilhaca.
Silva (2000a) escreve que os mouros estiveram na Amadora, como atestam os nomes
árabes Alfornelos e Alfragide. Alfornelos, afirma Silva (2007d), é de origem árabe, terra
de fornos e forneiros. Segundo a wikipedia (2015), Alfornelos vem do árabe Al-Forner,
que significa forneiro. Ora, Santo (1993) afirma que dizer que al vem do árabe não
passa de um cliché. Como se escreveu, al é alu (povoação, castelo, mansão; parentela,
175
gente da mesma linhagem). Al (povoação, castelo, mansão; parentela, gente da mesma
linhagem) + phr (acordo, conluio, assembleia, reunião) + nhlh (propriedade, herança,
possesso. Significa: parentela cuja herança foi decretada em assembleia.
Alfragide, ou Alfarragide, escreve Silva (2005d), não será árabe, como disse em
(2000a), mas de origem romana. A infopédia (2015), informa que Alfragide é um
topónimo que parece vir do latim moçárabe alfragitus, com o possível significado de
«rochoso». Utilizando o dicionário de Santo (1993), Al significa «castelo, povoação,
parentela»; pr’, «banhar-se, primeiro ramo, primícia, prosperar, frutificar»; gd,
«coriandro, açafrão». Propomos para Alfragide o significado de povoação, pequena
comunidade onde há «banhos em água com coriandro». Talvez termas. O coriandro é
recomendado para ajudar a digestão, ajudar ao sistema hepático e à expulsão de gases
do aparelho digestivo, o que, por si só, justifica a existência de umas termas.
Alto da Cabreira: cabra, escreve Santo (1989), vem de krb (carba) e significa
cântaro, recipiente. Almeida (2009) escreve que cabra vem de qabru (sepulcro), qbr
(sepulcro), qbr (sepultar), qebêru (sepultar). Significa: colina das sepulturas.
Alto Maduro não tem a ver com o facto de o trigo nascer mais cedo, afirma
Silva (1996a), mas por aí ter existido uma capela, mandada construir no século XVII
pelo padre João Maduro, que a abria ao povo e aparecendo a expressão «vou à missa ao
Alto Maduro». E antes de haver missa e capela? Seguindo Santo (1993), Maduro pode
vir de Maduru, que significa abrir regos. Possivelmente, abrir regos adequados a uma
diminuição dos estragos causados por chuva torrencial. Poderá vir, também, de alt
(suporte, peanha) + madu (numeroso, muito; multidão) + tu (isso, aquilo, fórmula de
esconjuros, encantamento). Significará: lugar onde são numerosos os encantamentos, os
esconjuros.
Amadora, escreve Silva (2007f), significa o homem amigo do campo. Neves
(1991) escreve que significa terra digna de ser amada. Quem escolheu o nome foi José
Cardoso Lopes. Escreve Lopes que pediu a amigos do partido franquista para que o
nome de Porcalhota fosse mudado. Estes disseram-lhe para escolher um nome. Diz
ainda que «Amadora, nome bastante agradável e que eu fui buscar nos conhecimentos
que tinha da Quinta de Santo António da Amadora, no local da estação e do prédio
Simões Carneiro. Assim apresentei este nome que foi bem aceite e com o qual se fez o
requerimento». (1989, p. 47).
176
Utilizando Santo (1993), am significa «mãe, madrasta», avó; dr, «família,
geração»; dr’, «braço, semear, disseminar». Propomos para Amadora o significado «da
família da mãe» ou «disseminaram a partir da mãe», «o braço que vem da família da
mãe». O que nos leva ao tempo do matriarcado, isto é, antes do Neolítico (10.000 a.C.).
Arneiro, escreve Barros (2010), era a parte do pátio onde se descarregava o
milho e se fazia a desfolhada. Continuando com Santo (1993), vem de ar (luz, brilhar,
iluminar) + nhr (rio, deus Naharu, Jorrar, brilhar). Lugar onde brilha o deus Naharu.
Bairro das Fontainhas foi construído, afirma Silva (1996b), nos finais do
século XIX, princípios do século XX. Segundo Santo (1988), Fontainha é de origem
fenício-cananita, pnt’ ny, e significa «lugar de suplícios ou de ordálias». A ordália era
um julgamento que não visava apurar o culpado, antes servir de exemplo. Significa:
lugar de morada do povo das ordálias; lugar onde são feitas as ordálias.
Bairro de Santa Filomena, escreve Silva (1994b), existiu uma fábrica, que
mudou para lar. A capelinha aí existente tinha o orago de Imaculado Coração de Maria.
Bairro do Bosque, escreve Silva (1998, 2000c), deve o seu nome o ter sido
levantado onde era a quinta do Bosque. Existia já em1758-1766, quando foi edificada a
capela de Santo António. Almeida (2013) escreve que vem de b’sq’l, caindo o l final
(bosque bravio, bosque danhinho). Lugar do bosque bravio, do bosque daninho.
Bairro do Burrel, Burel, Borel, escreve Silva (1994b) significa roupas de pano
de lã grossa, que ali seriam confeccionadas. Hoje, Borel tem este significado. Para
Santo, Borel, Burrel vem do fenício «bôr ely», que significa «buraco, fundo». Bairro,
como se escreveu atrás, vem de b ary ou b ary ay (barrio, barraio), escreve Santo,
significando nos parentes, na vizinhança, entre vizinhos de todos/ de qualquer um. Isto
é, «lugar de habitação do povo». (1989, p. 255).
Buraca já existe no século XVIII, com o nome de Quinta das Buracas, escreve
Silva e pode significar casas pequenas e pobres. Derivará do latim «forage» ou
«foramen», que significa «buraca, cova, abertura». Buraca significará, então, «povoação
construída num baixio […] onde, em tempos, terão existidos minas ou pedreiras».
(2006g, p. 3). Buraca não pode derivar do latim, porque buraca é português, e não há
possível evolução de forage para buraca. Buraca, se for vocábulo de origem feníciocananita, Santo (1989) propõe o significado de «Luz», «Ressurreição». Em 1988, o
autor diz que buraco é decalque do hebraico bouhac (brilhar no escuro, isto é,
177
ressurreição). Assim, as covas e aberturas não seriam casas, mas sepulturas escavadas
na terra ou na rocha. Assim, Buraca significa lugar das sepulturas.
Carenque, também Caraque, segundo Silva (2005f), provém de Ca (lugar) +
ara (sacrifícios) + que (dos). Um nome latino. Significa: lugar dos sacrifícios.
Casal da Boba não tem a ver com bobos, escreve Silva (2006h), mas por ser
local de boa produção de abóboras, popularmente, «abobra». Por corruptela, continua,
«cai o r de Abobra, tendo passado a pronunciar apenas Aboba e depois Boba. Mas só
haveria abóboras neste local? Mais, a abóbora, do semear ao colher, dura três meses,
tempo irrisório na toponímia.
Casal do Capucho: Almeida escreve que vem de côbo (capacete) ou mais
provável de kubsu (chapéu, turbante).
Casal do Castelo: Santo (1989) escreve que vem de kt’ly (estrado, assento).
Casal da Charca: Barros (2010) escreve que charca é um charco de água
estagnada. Santo (1989) diz que vem de skr (falar).
Casal do Costa: Almeida (2013) diz que vem de qsh t’h (traçar uma linha,
demarcar extremidade, fim, limite, margem, borda, beira, lado).
Casal da Freira: Santo (1988) diz que significa ferreiros, fenraria.
Casal da Gaga: Barros (2010) diz que gaga é uma pega. Seguindo Santo (1993),
vem de gagu (convento, claustro).
Casal do Jamor: seguindo Santo (1993), vem de smr (guardar, proteger, cuidar;
observar, vigiar, reverenciar).
Casal do Jogo: seguindo Santo (1993), vem de sêgu (raivoso) ou de swhh (cova,
buraco).
Casal do Mesquita: seguindo Santo (1993), vem de mhs (destroçar, moer,
quebrar, esmagar, ferir; ferida, chaga) + kitu ou qito (linho, corda) Onde se esmaga e
moi o linho.
Casal do Neves: Almeida (2009) escreve que vem de. nvi’(profeta), nvi’h
(profetiza), nv’ (estar em transe profético, profetizar).
Casal do Nico: seguindo Santo (1993), vem de niku
(libação, oferenda,
sacrifício).
Casal Oliveira: segundo Santo (1989), vem de ‘ly b’r (pessoas consagradas).
Casal da Marta: Santo escreve que vem de mhr, mhr thm (dote, dote de fiança,
dote contratado/contactado).
178
Casal da Pimenteira: seguindo Santo (1993), vem de pu (boca, palavra,
embocadura; lei; feixe de palha) + mnt (herança, porção) + rh (sopro, alento, vento).
Casal Quintelas: Almeida (2013) escreve que quintal vem de kinu + t’h (jardim,
horta + demarcar, linha de separação). Significa jardim, horta delimitada.
Casal do Sanas: seguindo Santo (1993), vem de sa (que, do qual se diz; pois,
porque) + nas/ nis (ultrajar, detratar, desaparecer).
Casal de São Brás: Santo (2004) escreve que São Brás foi um deus sol fenício.
Face à sua relação com o fogo. O nome original, continua, é Blás (latinizado para
Blasius). Vem do fenício b’r ash, (beirás), que acende o fogo ou baru ash (barás), que
guarda o fogo. (2004, p. 252).
Casal da Serra: Almeida (2013) diz que serra vem de sêru (serre) e significa
alto, elevado, cabeço. O mesmo o nosso serro ou cerro.
Casal da Loba: lobo, escreve Santo (1989), vem de lb (justiça). Casal é um
lugarejo. Assim, casal da Loba é o lugarejo onde se aplica a justiça.
Casal do Brandão, e Brandoa, diz Neves (1991), deve o nome à família
proprietária do local, nomeadamente a Jerónimo Vaz Brandão, falecido em 1595.
Branda, sonoramente próxima de Brandão e Brandoa, no Noroeste de Portugal,
escreve Almeida (2013), refere povoações de montanha apenas ocupadas na Primavera
e no Verão. Virá de bôr ou br (brô), que significam queimar, arrotear, engordar, pastar.
Corresponde, continua o autor, a áreas queimadas para renovação de pastagens. A parte
final da palavra poderá vir de omd (âmde), que significa lugar, posto, refúgio; de nadu
(nade), que significa fundar, estabelecer habitação; m’d (môde), que significa reunião,
ponto de encontro. Assim, Branda significa habitação das pastagens, ponto de encontro
das pastagens, lugar/ refúgio das pastagens. Com algumas reservas, o mesmo
significarão Brandão e Brandoa.
Casal do Capucho: Almeida (2013) diz que capuz, capucho, capucha têm
origem na palavra côbo (côbô), que significa capacete. Mas é mais provável que venha
de kubsu que significa chapéu, turbante.
Casal do Neves: Almeida (2009) escreve, a propósito de Malpica do Tejo e
Nossa Senhora das Neves, que Neves tem a ver com nvi’ (profecta), nvi’h (profetiza),
nv’ (estar em transe profético, profetizar) e nav (cimo). Casal do Neves significa
pequeno povoado, no alto, onde se profetiza. Prova disto é que, diz o autor, estes locais
começaram, a partir de certa data e pelos cristãos, a ser ligados à bruxaria.
179
Cascalheira, para Neves (1991), é terra paupérrima, que a água da chuva
deixava ver o cascalho. Para nós, e se cascalheira for lugar alto, seguimos Santo (1993),
e cascalheira virá de kos/ kaos (problema, ira) + kalu (tudo, barragem, aguentar) + rh
(sopro, vento). Significa: barragem para o problema do vento.
Cova da Moura (Silva 2006g), terá sido a cova originária de uma pedreira que
pertenceu a um certo de Moura. Ou, escreve Silva (1999), devido à existência de moura
encantada ou famílias agrícolas mouras. Pedroso escreve que as moiras portuguesas
serão «génios femininos das águas», irmãs das germânicas «nixen», das inglesas «lacladies», das russas «rusalki», das sérvias «vilas», das escandinavas «elfen» e das gregas
«naiadas». (1988, pp. 217-219). Seguindo o mesmo autor, a par de serem génios
femininos das águas, as moiras aparecem como génios maléficos que perseguem o
homem, como fiandeiras e construtoras de monumentos e como guardadoras de
tesouros encantados.
Como Pedroso (1988) pensavam e pensam vários autores, mas não é verdade. A
moira portuguesa nada tem a ver com as suas primas europeias. A moira das aldeias, diz
Santo, «é uma deusa-mãe […] o mito sacraliza a terra e o trabalho agrário recorda a
memória dos antepassados, revela o poder da mulher na agricultura e sugere
representações da mãe que procura seduzir os filhos e praticar o incesto» (1984, pp. 3844). O dia e a hora primordial de aparecimento da Moura é a Noite de São João, à MeiaNoite. Nesta noite, a serpente, a moira, a grande mãe, que são uma e a mesma coisa,
liberta-se da autoridade do pai, diz o mesmo autor. Liberta-se e acontece a noite de
maior sensualidade de todo o calendário agro-religioso rural, a noite de S. João. Sobre a
água e a fonte e as suas relações com as moiras, cita-se um pequeno texto que tem por
base a 3ª e decisiva visão da curandeira do Pego (Abrantes), Maria Arminda. Diz ela,
em entrevista dada a Carvalho: «eu passava por um ribeiro que se chamava Vale do
Gato. Chegava ao ribeiro onde estava uma rocha, que ainda existe, onde a água corria, e
às vezes bebia pelas mãos. Foi aí que me apareceu uma moira. Essa moira ainda lá vive
encantada» A água brotando da rocha é regeneração e é conhecimento. Brota das
entranhas da terra mãe onde vive a moira, que é ela própria. A água é um produto
materno. (Santo, 1984). Quanto aos mouros, são os primeiros habitantes da terra. São
autóctones, isto é, diz Cabral, terão «emergido literalmente da terra». (1989, p. 280). A
Moura popular das aldeias, escreve Santo, «é Astarté cananita e a Shequina de Javé. Ilit,
feminino de Ilu, e Atiratu são nomes que nos mitos de Ugarit se dão a Astarté». (1989),
180
p. 291). Cova/ Poço/ Fonte da Moura será o local a Grande Mãe, na sua hipóstase de
moura encantada, aguarda a passagens de seus filhos para os iniciar na adultice.
Santo escreve que moura vem de m’wwra (maora) e significa luzeiro, sol, lua;
mowrh (mauora), cova, caverna; mr’h (marea), visão, aparição; mowrh (maoura), nudez;
mwr (mre), mudar-se, transformar-se, entre outras. Assim, é possível contar uma
história ou uma lenda. (2004, p. 79).
Cruz, Cruzes. A maior parte das antigas designações desapareceram, escreve
Silva (1004a), mas ficaram algumas, caso da Travessa da Cruz. Junto ao Rangel,
próximo da Quinta São Miguel, está uma cruz, quase frente à Travessa da Cruz,
continua o autor (1994a), que antes estava no outro lado da rua. Terá aí morrido alguém
ou acontecido algum acidente mortal, tipo raio de trovoada? Ou apenas para servir, de
paragem obrigatória dos enterros para ali se rezar o «responso», a caminho do cemitério
de Benfica e, antes do cemitério [1869] no adro da igreja. Esta cruz, continua Silva
(1994a), também servia para marcar o retorno da procissão ao Mártir São Sebastião e de
Nossa Senhora da Conceição da Lapa. A cruz serviria para todas as opções apontadas
por Silva.
Como escreve Carvalho (2008), é costume desenhar ou construir cruz onde o
sagrado, positivo ou negativo se manifesta. Hoje, colocam-se flores amarradas a um
poste da luz onde alguém morreu de acidente. Também serviam, segundo o mesmo
autor, para marcar o local de paragem do cortejo fúnebre, a «meio caminho» entre o
povoado e o cemitério. Função semelhante aos Memoriais, caso o de Odivelas. Serviam,
ainda, continua Carvalho (2008) para a procissão dar «meia volta». Mesmo que erguida
a cruz por um motivo exclusivo, poderia servir para todos os actos apresentados.
Importa aqui salientar o isolamento espacial desta cruz, o que lhe vale a importância da
individualização e lhe permite dar nome a uma Rua ou uma Travessa. Mas existe
também o Bairro das Cruzes ou Cruz. Talvez tenham existido algumas cruzes e não só
uma. Coelho (1982) escreve que o Bairro da Cruz tem uma cruz de pedra antiga maior
que um homem, a meio de um largo. O Bairro das Cruzes tinha uma cruz, afirma Silva
(1996b), quase destruída, situada quase em frente ao Rangel, do seu lado. Curiosamente,
Santo (1989) atribui a Cruz, que vem de krs, o significado de «augúrios». Poderia ter
sido local onde eram praticados os augúrios e a cruz não passa de uma cristianização do
local.
181
Damaia, escreve Neves (1991), foi quinta pertencente a alguém de apelido «da
Maia». Menos provável, continua, é que ali se praticasse culto à deusa da fecundidade
«Maia». Determinado senhor dar nome a local, não aceitamos. Pode, na verdade, ser
local de culto da Maia, mas era tão vulgar este culto, que não pode (ou pode) explicar
um nome. Maia é uma deusa grega, cujo nome significa «pequena mãe» - nome dado à
avó, parteira, mulher idosa, ama-de-leite – uma das sete filhas de Atlas, que Zeus
transformou nas Plêiades, da constelação do Touro. Da sua relação com Zeus teve
Hermes. Na mitologia romana, Maia é a deusa da fertilidade, da Primavera e da energia
vital. Continuando com Santo (1993), Damaia virá de dm’, que significa «derramar
lágrimas, chorar»; ou de dm/ dam, que significa «sangue, crime, homicídio». Damaia foi
local de célebre homicídio, que provocou fortes choros e lágrimas. Hoje, ainda, se
marcam locais onde o sagrado negativo (morte por acidente, trovão, homicídio), e o
sagrado positivo (aparecimento de santo/santa), se manifestam. Contudo, não nos parece
que se trate de um homicídio humano, prática generalizada, mas divino. Serão lágrimas
derramadas pelo deus que morre, os prantos a Adónis, deus da vegetação. Neste caso, ao
deus Thamuje. Ver A-da-Maia.
Elias Garcia, Rua, era a Rua Direita, diz Silva (2008), e deve o seu nome ao
facto de ligar «as portas da cidade às várias localidades vizinhas». A Rua Direita, às
vezes, Rua da Porta, de Mação à Covilhã e Coimbra, do Funchal a Ponta Delgada, está
generalizada pelo País. Como escreve Carvalho (2008), «direita» nada tem a ver com o
piso ou as curvas. É sim a rua que vai direita da porta de entrada até ao largo central da
povoação, onde se localiza o pelourinho, a Casa da Câmara, a Sé ou outro edifício ou
símbolo central do povoado.
Elias Garcia, Rua, escreve Silva (1994a), com 3 km de extensão, foi o
«Caminho Velho», remontando ao tempo de Afonso III. Mais tarde, passou a «Estrada
Velha» e a «Estrada Real». Antes de «Estrada Real», escreve Silva (200b), foi «Estrada
Direita». Hoje, tem, continua o autor, 10 Pracetas,31 Ruas, 4 Avenidas, 1 Estrada, 1
Pátio, 1 Praça, 1 Largo. Teve sempre o seu início nas Portas de Benfica. O seu actual
nome aparece no primeiro quartel do século XX. José Elias Garcia foi Grão Mestre da
Maçonaria Portuguesa e Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Fez-se um desvio,
continua o autor, por causa do caminho-de-ferro, chamado «Estrada do Desvio», hoje
Salvador Allende. Velho e actual hábito de mudar o nome das ruas e locais para que a
sua importância passa para o novo possuidor como que por osmose.
182
Estrada dos Salgados deve o seu nome, escreve Silva (2006a), ao caminho que
vinha da Quinta do Salgado, hoje estação do Metro. Salgados, seguimos Santo (1993),
poderá vir de Salgu, que significa neve, ou Slg, que significa «neve, nevar, saboeira».
Ferrã, para Silva (2005a), é terra de cevada que era semeada mal chegavam as
chuvas de Setembro e era ceivada ainda verde para alimento dos animais. Barros (2010)
escreve que eram todas as ervas cortadas a foice para o gado. Para Santo (1988), poderá
vir de Ferrel/ Ferrós, que significa «ferraria, ferreiros».
Ilha do Pico: Almeida (2013) escreve que ilha vem de aihwl (aiêôle), que
significa rodeado de litoral.
Linda-a-Velha: lin (passar a noite, pernoitar, permanecer, morar) + da (que,
quem, o/a que, porque) + bêlu/ baal
(senhor, proprietário, mestre, marido,
reinar). Significa: onde o mestre pernoita,
onde o grande senhor mora, onde o rei
pernoita, mora.
Foto 68: Capela de Nossa Senhora da Lapa, junto
ao aqueduto. Foto de Joshua Benoliel - 1912 Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de
Lisboa.
Mina, afirma Neves (1991), era a
mina de entre várias existentes na Amadora. Parece-nos que, face à denominação da
freguesia da Mina, esta seria especial e individualizada. No dicionário FenícioPortuguês (1993), mina poderá vir de Min, que significa «espécie, género». E?????
Moinho da Atalaia: aldeia, escreve Santo (1988), vem de ataleia (escala, rota
para o interior). Ora, sonoridade próxima entre ataleia e ataleia, pelo que terá o mesmo
significado. Significa moinho onde se faz escala para o interior.
Moinhos do Cascalho: kos/ kas (problema, ira, provocação) + kalu (tudo;
barragem, aguentar). Significa: barragem contra problema.
Moinho do Pé do Chão: Chão, diz Almeida (2013), vem de swh (chââ), que
significa planície, nivelar.
Moinho da Peça: Almeida (2013) diz que vem de pso (pessâ) e significa pedaço.
Moinho das Soirãs: Barros (2010) escreve que soirinho é soito. Virá de sor/ soir
(cabeludo, bode, demónio em forma de bode) + as/es (fogo, pouco, insignificante).
183
Moinhos da Tenenta: tn (dois, dobro) + entu (sacerdotiza). Significa: moinhos
das duas sacerdotisas.
Moinhos do Tojal: Santo (1988) escreve que Tojal vem de té’ ala (canal, rego,
fonte). Significa: moinhos da fonte, moinhos do canal.
Monte do Carrascal: Barros (2010) diz que carrascal é uma mata de carrascos,
azinheiras pequenas. Poderá vir de kar (cordeiro, ariete, pastagem, alforge) + as (fogo,
pouco) + ka (teu, tua). Significa: a tua terra tem pouca pastagem.
Monte da Galega, afirma Silva (2005a), era terra pouco fértil. O nome poderia
indicar o Monte daquela que veio da Galiza. Barros (2010) diz que é terra boa para
sementeira. Seguindo Santo (1993), monte será mnt, que significa «porção, herança».
Galega será o local dos Galécios, dos Gálatas, escreve Santo (1988). Logo, Monte da
Galega significa a parte, o local, a herança que pertence aos Gálatas. Contudo, Santo
(2004) escreve que galega vem de galghlh (galguêla) significa círculo de pedras. Monte
da Galega era um santuário fenício norio que, para o século XII a.C., é referido: «
levantou Josué também doze pedras no meio do Jordão, no lugar onde estiveram
parados os pés dos sacerdotes, que levavam a arca da aliança; e ali estão até ao dia de
hoje». Jos 4,9. Significa: herança onde está o santuário das pedras no rio.
Montinel, atrás referido, significa, diz Silva (2006 a), monte pequeno.
com a proximidade sonora de Montinel
Jogando
e Martinel, utilizando Santo (1989),
afirmaremos, com reservas, que Martinel vem de mhr thm’l, significa «dote de fiança de
parente»; Martinho, vem de mhrthm, «dote pago»; Martinhais, de mhr thm’l, «dote
combinado». Assim, Montinel será o lugar onde se combinavam e pagavam os dotes.
Olival: seguindo Santo (1988), vem de olé bal (alto do Belus).
Paiã: ver atrás.
Ponte Pedrinha: ver atrás.
Praceta da Carranca porque, escreve Silva (2006f), houve aí um chafariz cuja
bica era uma boca em forma de carranca. Almeida escreve (2013) que vem de qrh mwq
(qarâmãqa), que significa cara + escarnecer, ridicularizar. Assim, carranca é cara
ridícula, cara de escarnecer.
Quinta do Álamo, que aparece no mapa de 1841, penso que, e seguindo Santo
(1988), álamo é o mesmo que almas. Virá de ‘lm (olmo, antepassados, espíritos). É
traduzido por carvalho, escreve o autor. Oque faz sentido, pois as seculares árvores são,
normalmente, carvalhos. Assim, Quinta do Álamo será a família dos antepassados.
184
Quinta da Bolacha, escreve Silva (2005c), é a mais antiga e datará dos
romanos, séculos II-IV. Seguindo Santo (1993), Bolacha poderá vir Bol/ Baal, que
significa «exercer autoridade; senhor, dono, proprietário». Quinta da Bolacha poderá
significar «família do senhor que exerce o poder neste local». Barros (2010) escreve que
bolacha é o mesmo que bofetada. Na verdade, ainda se ouve «levas uma bolacha». Dar
bofetadas seria uma forma de mostrar a autoridade sobre alguém.
Quinta dos Afonsos:
Quinta da Bonita: vem de ben/bn (filho, neto, membro de grupo, tribo, povo) +
it (há, está, tem, aqui está, aqui tem). Significa: aqui está a família da tribo.
Quinta da Canastreira: Barros (2010) escreve que canastreira é um cesto
grande, um espigueiro. Santo (2004) escreve que canastreiros será gente dos canastros
ou silos, uma tradução de hlk eidan (parceiros do silo). Significa: assento dos parceiros
do silo.
Quinta do Lameiro: Barros (2010) escreve que Lameiro é terra alagadiça,
menos que Lameira, que dá bom pasto.
Quinta de Monsanto e Monsanto (226 m.):
Quinta das Osgas: Barros (2010) diz que osgas significa raiva, aversão.
Quinta do Pau: seguindo Santo (1993), vem de kimtu (família) + pahu (fechar,
emprisionar).
Quinta das Quintelas, seguindo Santo (1993), virá de Kimtu («família») +
Kimtu («família») + La («força, vigor, ser forte»). Significará «a família muito forte». A
duplicação do nome sugere este carácter de força, de poder. Quinta dos Álamos virá de
Al, que significa «certamente, sem dúvida» + Moôz, «lugar de refúgio, baluarte,
fortaleza». Significará, com reservas, «uma fortaleza, sem dúvida».
Quinta do Serrado da Bica: Serro, escreve Almeida, vem, entre outros, de
serru (acampamento), seru (habitar, principiar), srr (pequeno acampamento, sítio, certo,
seguro), zeru (terra arável, semear). Diz o autor que o nosso serro é a designação de
monte, como monte alentejano, e, mais antiga, a herdade latina. Santo (1988) diz que
bica bem de bika (vale, depressão). Santo 82004) escreve que serrada vem de surh atta
(surata) e significa muro de sustentação, da costa, da borda. Significa: local do muro
que sustenta o vale.
185
Rascoeira ou Rasqueira, escreve Silva (2006e), deve o seu nome por haver aí
fontes de fraco caudal. Utilizando Santo (1993), Rascoeira pode vir de Rasqu, que
significa «vazio, vácuo, oculto, esconder».
Reboleira, para Neves (1991), significa terra muito boa para cereais, terra onde
a seara é mais forte. Para Silva (2007a), a parte mais densa do bosque, sendo que o
Bairro do Bosque e Reboleira seriam a mesma propriedade e pertença a um certo
senhor, Vasco Martins Rebolo, que fez testamento em 1299, foi proprietário do Casal da
Falagueira. Este facto, afirma Hormigo, «gerou na toponímia local o nascimento do
termo Reboleira». O termo, contudo, continua o mesmo, só aparece em 1391, num
«emprazamento». Seguindo Hormigo, o termo Rebolo, «segundo alguns genealogistas,
é apelido parece tomado de algum sítio chamado se não foi alcunha que se pôs ao
primeiro em razão de ser grosso de corpo e baixo. Vilas-Boas refere que neste Reino há
muitos sítios chamados Rebolos principalmente nas entradas de muitas terras onde os
moradores fazem jogo de bola e que de algum deste se tomaria o apelido…» (1983,
p.11). Assim, não se apresenta verosímil que o nobre Rebolo desse o seu nome à
Reboleira. O desejo natural de a «nossa terra» ou a «nossa rua» ter nome ilustre não
pode impedir de ver com clareza. Alguns genealogistas dizem que foi apelido tomado
de algum lugar, isto é, é o lugar a
dar nome ao nobre e não o nobre
a dar nome ao lugar.
Foto 69: Largo do Jogo da Bola e casa
senhorial à direita, em Carnide, 2018.
Em segundo, Rebolo pode
vir da constituição física do
visado. Popularmente, ainda hoje ,
se diz de alguém muito gordo,
«parece um barril com pernas», que, deitado no chão, rebola. Condiz com Barros (2010)
que diz que rebolo é uma pessoa gorda e baixa ou a pedra redonda que os sapateiros
usam para bater a sola. Ainda, poderia vir do «jogo da bola». Em Carnide, uns 2 km a
nascente, frente a uma grande casa agrícola do século XVIII-XIX, fica o «Largo do
Jogo da Bola».
Santo (1989), para Raboal e Rabeleira propõe o significado de «grande (chefe)».
O mesmo autor (1993) apresenta rabu (rb’l) = «grande, engrandecer». Sabendo que as
186
línguas cananitas não têm vogais e face à semelhança sonora entre Raboal, Rabeleira e
Reboleira, propomos, com algumas reservas, para Reboleira o significado de local onde
vive um «grande chefe», um «grande senhor». Tanto mais que, para Rebordões, rab
âdrun, Santo (1993), propõe «mestre senhor esconjurador/ curador». Assim, Reboleira
era o local onde vivia o chefe governante/ o senhor esconjurador, o grande chefe, o
grande senhor.
São Domingos: Santos (1988) escreve que vem de Domusus, Domugus
(domuzi).
Seara de Trigo, Rua: Santo (1989) diz que vem de sahra (desolação). Significa:
Rua da Desolação. Mas poderá vir, diz o autor, de sr ara (o príncipe fala). Significa:
lugar onde o príncipe fala. Trigo foi um acrescento feito por alguém para dar este
significado à seara.
Serrado da Bica: ver atrás.
Sorãns (Borel), afirma Silva (2006g), deve o seu nome às irmãs (sorores) que se
dedicavam à confecção do Borel. Ver atrás.
Venda Nova deve o seu nome, escreve Neves (1991), a venda, loja da aldeia
onde se vende de tudo, principalmente vinho. Haveria uma «velha» na Porcalhota. Para
Coelho (1982) seria um estabelecimento comercial, talvez um grande armazém de
vinhos. Silva (2007b) afirma que era uma taberna [venda], casa de pasto, estalagem aí
existente, já em 1703, tendo havido, antes, uma venda velha. Esta venda velha é referida
por oposição à nova, nunca se referindo o local, e porque só se pode falar de uma nova
se houver uma velha. Há Proença-a-Nova e Velha; há Idanha-a-Nova e Velha; há
Montemor-o-Novo e Velho, tal como há New-York e York. Porém, não se conhece a
venda velha, nem se pode afirmar a sua existência.
Semelhante é o caso de Vendas Novas. O portal da Câmara Municipal afirma
que Vendas Novas deve o seu nome a «Vendas», «Estalagens» novas, que sucederam a
umas velhas. Não há localização da velha, nem uma venda é uma estalagem.
Santo (1989) para o topónimo Venda da Costa, bent agzt, dá o significado de
«estrutura/ gente dos desposórios». Contudo, todos os topónimos, tem de ser analisado
no seu conjunto, como escreve o autor, em «constelação». Santo (1989) escreve que
venda nova vem de ben nab (criaturas proféticas, filhos profetas); de bintu nab, bent
nab (sítio/ prédio das profecias ou dos oráculos); de nb (vazio, insuflado pelo vento,
insuflado pelo espírito, saldar ou dançar extaticamente); nab’ (acesso extático); naby
187
(profeta, iniciado); nebia (profetiza); nebua (palavra profética). Assim, Venda Nova é o
local dos profetas, dos oráculos, onde se dançam as danças extáticas.
Venteira aparece na litografia de Luiz (1841) denominada «Monte da Vinteira».
É um aglomerado de casas, tal como Porcalhota, a Ocidente; e Casal dos Álamos e
Quinta das Quintelas, a Ocidente, junto à linha limítrofe do actual concelho da
Amadora.
Venteira, diz (Neves 1991), é terra de ventos brandos. Simões (1969, 1982) e
Coelho (1982) afirmam que significa terra de ventos fortes. Venteira, escreve Silva
(2007e), terá uma qualquer relação com o vento ou significando terra alta ou planície
aberta. Terra de ventos fortes é toda a Amadora norte. Terra alta ou planície aberta são
várias. O nome, não individualiza. A explicação terá de ser outra. Venteira é uma peça
de madeira em forma de meia-lua que se coloca na boca dos bezerros para os desmamar.
Mas não parece que seja esta a explicação. Mas ser bezerro ou touro, ajuda. O «V», nas
línguas cananitas não existe; é substituído pelo «B», como no Minho, onde Vaca é
«Baca».
Venteira seria Benteira. Utilizando o dicionário de Santo (1993), propomos
Banu («formar, criar, procriar») + TR (touro) ou Bn/ Ben (filho, neto, membro de um
grupo, tribo ou povo) + TR (touro). Venteira terá sido o local inicial, de origem, do
patriarca dos povoadores destes lugares. Se utilizarmos as Eras, a era do Touro é
colocada entre 4.000 e 2000 a.C., data de origem d(est)a Venteira.
Zambujal, do Bairro de Zambujal, escreve (Santo 1989), é de origem neolatim e
significa «região do povo de Thamuje». «Depois me levou à entrada da porta da casa do
Senhor, que olha para o norte; e eis que estavam ali mulheres assentadas chorando por
Tamuz». (Ez 8, 14). Thammuze ou Dommuzi (Adónis). O Tmauz que aparece em
Ezequiel um deus sumérios conhecido como Dumuzi e, pelos egípcios, como Hórus.
Tamuz tinha como companheira Astarte, deusa rainha do céu, conhecida como Ishtar na
Acádia, e por Ísis, no Egipto. Mais tarde, será Afrodite, para os gregos, e Inanna, para os
sumérios. Tamuz é um ser humano que se tornou num deus e está associado à
vegetação e à agricultura, porque morreu jovem e ressuscitou no ano seguinte, o mesmo
acontece com a vegetação, que morre e renasce ano a ano.
188
Conclusão
Contemos uma história. Era uma vez…. Era uma vez uma deusa. Deusa esbelta.
Deusa serena. Deusa-mãe. A deusa-mãe instalou-se no santuário na Quinta da Laje, no
local do Vale do Marco, sítio das Mães de Água. Água é humidade. Água é vida.
Humidade é uterina. Água e humidade são geradoras de vida.
Mãe é mãe, não necessitando de nome. Importante mesmo é a sua função e, por
esta, se afirma. Contudo, a mãe também tem nome e a nossa deusa-mãe também o teria.
Qual seria o seu nome? É que esta deusa é como a Senhora católica, é senhora de muitos
nomes. Seria Astarte, seria Cibele? Hoje é Senhora da Conceição. Ontem, era Senhora
do Ó. É provável ter sido Nut. Nut foi a deusa egípcia do céu, ou da terra, fazendo par
com o marido, Geb. Era representada, na sua hipóstase animal, sobre a forma de vaca ou
porca.
Este culto terá sido introduzido pelos fenícios, a quem os egípcios chamavam
«irmãos», e que realizavam o comércio externo egípcio. Assim, a deusa-mãe teve o seu
santuário na Porcalhota, desde o século VII a. C. Séculos mais tarde, mudou-se para a
Quinta da Laje, com outro nome, certamente.
Não há deusa-mãe sem deus-pai, desde há alguns milénios. Ainda que, há mais
milénios atrás, nos tempos do matriarcado, o pai não fosse conhecido ou reconhecido.
Ainda que, há muitos mais milénios atrás, os deuses fossem andróginos.
Se o útero é símbolo do feminino, o falo é um símbolo do masculino. Por isso, o
templo a deus-pai, o fecundador, era na Falagueira, bem próximo à Quinta da Laje. E, se
a deusa-mãe veio da Porcalhota, o deus-pai veio da Venteira, onde, na hipóstase de
touro, tinha o seu santuário desde tempos próximos de 4.000/ 2.000 a.C.
Detrás da quinta do Assentista passa a Rua Terras da Eira que iria dar nas Mães
d’Água. Eira não é a eira para a debulha. Eira vem do fenício Eretz e significa pátria,
colónia. O que confirma que Mães d’Agua foi o povoado primeiro.
Nestes tempos, a agricultura, e a criação de gado, era a principal actividade
económica. Alguns ferreiros e ferradores, alguns albardeiros, alguns oleiros, alguns
comerciantes, mas todos estes eram muito poucos. Até haveria alguém que se dedicava
à saúde, através da exploração de termas de água de coriandro, muito boas para o
aparelho digestivo e gazes, em Alfragide.
Porque a agricultura é a principal actividade económica e ocupa a maioria dos
braços, e o pão é o principal alimento, a natureza vegetativa assume um papel
189
primordial. O Inverno mata. A Primavera ressuscita. O deus Thamuje morre jovem e
provoca prantos colectivos no Bairro do Zambujal e Damaia. Mas todos os anos
ressuscita, reflorece. Brota a alegria e a promessa de fartura.
Um dia, porém, chegaram os romanos com o seu exército, com o seu direito e
com o seu latim. Durante duzentos anos, tiveram a oposição dos lusitanos, aliados aos
cartagineses, filhos dos fenícios. E vieram os cristãos com a sua religião. Os romanos
odeiam os cartagineses e os lusitanos. Os cristãos odeiam os seguidores das religiões
antigas, que denigrem sob o nome de «pagãs», e odeiam os judeus. Os dois se aliam,
naturalmente.
Trezentos e tal anos depois de Cristo nascido, e da mensagem de paz e amor, a
deusa-mãe, seus pais e maridos, seus irmãos e irmãs, seus filhos e filhas são
perseguidos, mortos, ocultados ou substituídos. É a romanização; é a cristianização.
Tudo o que era foi coberto de negro manto. Felizmente, o manto não consegue tudo
tapar e tal facto permite-nos descobrir. E descobrimos deuses antigos, religiões antigas,
santuários antigos e até silêncios antigos. Por fim, quem escolheu o nome Amadora
talvez não soubesse que significa «da família da mãe», o que nos remete para o domínio
da deusa-mãe e do matriarcado. Os nomes chegaram até nós. É apenas necessário
procurá-los com a firme convicção de que os vamos encontrar e saber explicar.
190
16. ALCOUTIM: CONCELHO E REGIÃO
A história de Portugal está cheia de enganos e falsidades às quais não escapa a
toponímia, o estudo da origem e significado dos nomes das povoações, lugares e
regiões. A culpa é da historiografia e historiadores portugueses que são pró-católicos e
pró-romanos. Povos como os judeus e os fenícios, que influenciaram profundamente o
território que é hoje Portugal, são banidos e esquecidos. O que se escreve sobre a
história de Alcoutim é um destes casos. Começo pelos romanos.
1 – Fundação de Alcoutim.
Lê-se em https://www.infopedia.pt/artigos/$alcoutim que, nos inícios do século
II a. C., Alcoutim foi ocupada pelos Romanos, responsáveis pelo seu nome original .
Esteve ainda sob domínio dos Alanos (415), Visigodos (século VI), Bizantinos (552625) e Mouros (século VIII), responsáveis pela fortificação da povoação».
O nome de Alcoutim é original romano? Isto quer dizer que Alcoutim não
existia antes dos romanos ou, se existia, não tinha nome. Ora, os romanos foram
grandes soldados, engenheiros civis e grandes homens de direito, mas não foram deuses
criadores; em nada se assemelharam a Javé que, como está escrito no Génesis, «no
princípio, criou deus o céu e a terra». (Gn 1,1).
Assim, três perguntas, tomando como verdadeiro o nome e os seus inventores:
1. Qual
o nome
antes
de
significado
de
Alcoutinium?
2. Qual
o
Alcoutinium?
Foto 70: Vista de Alcoutim, 2024
3.
Foram os romanos a dar
o nome? Que nome tinha Alcoutim no
Calcolítico,
pois
historiadores,
191
https://priscovero.blogs.sapo.pt/historia-de-alcoutim-7327, fazem recuar a história da
povoação a estes tempos? O Calcolítico [Calco, cobre] + [Lítico, pedra] – utilização de
instrumentos de pedra e de cobre, anda à volta de 3.300 a.C.
4.
Consultando os dicionários não discurtino Alcoutim.
Esta hipótese toponímica apresenta-se forçada, muito pela força do referido
poder da historiografia pró-romana. Usa um método frequente dos latinistas: pega-se no
nome actual e latiniza-se; volta-se atrás e traz-se à frente.
Por outro lado, em https://pt.wikipedia.org/wiki/Alcoutim lê-se que, «quando D.
João I estava a decidir qual o Governador de Ceuta, depois da conquista da cidade, em 2
de setembro de 1415 (comemorado no Dia de Ceuta), o jovem Pedro estava por perto,
jogando distraidamente "choca" (uma espécie de hóquei medieval) com um taco de
zambujeiro ou Aleo (oliveira silvestre) […] se aproximou do Rei com seu taco de jogo
(aleo) na mão e lhe disse que, com apenas esse taco, ele poderia defender Ceuta de todo
o poder do Marrocos».
Colocam-se várias perguntas e negações:
1. Que descaramento do jovem Pedro que se diverte a jogar perante o seu rei
muito preocupado com uma decisão vital; impossível tal acontecimento; o
rei chamar-lhe-ia à atenção e, no mínimo, repreendê-lo-ia, se é verdade que
ele teve a coragem de estar jogando.
2. Em dezenas de anos de investigação, nunca ouvi falar de tal jogo, «choca», e
muito duvido da sua existência.
3. Aleo é uma palavra latina, Aleo, aleonis (nominativo e genitivo,
respectivamente) e significa, não zambujeiro ou oliveira silvestre, mas:
a) Segundo o dicionário Latim –Português da Porto Editora: «o jogador».
b) Segundo o dicionário da Lello Editora: «o jogador de dados, o jogador
profissional».
c) É atribuída a Júlio César uma célebre frase, quando atravessou o Rio
Rubicão, durante a guerra civil que manteve com Marco António e
Octávio. Este rio fica bem a norte de Roma e era o limite a partir do qual
não poderiam descer as legiões romanas, sob pena de considerarem um
ataque à cidade. Julis Caesar atravessou-o e terá exclamado: «Alea Jacta
Est», que quer dizer, «a sorte está lançada», os dados estão lançados».
Assim, Aleo é um jogador (profissional) de dados.
192
Ter no centro do seu brasão algo referente a um jogador de dados é indigno seja
para que povoação for; igualmente um taco, por mais famosa que fosse a mão que o
segurou. O brasão de uma povoação não é o emblema de um clube de hóquei ou de
criquet.
Uma vez mais, inventa-se, chegando a falsificar o significado verdadeiro das
palavras latinas.
Em complemento, oliveira é oliva, em latim, e Cícero usa também a palavra
olea. Zambujeiro, por seu lado, é oleaster, oleastri.
Por fim, seguindo o mesmo site, e segundo Adalberto Alves, no seu Dicionário
de Arabismos da Língua Portuguesa, a origem do topónimo Alcoutim é a
expressão árabe al-quṭamî, «o falcão real».
A submissão ao magíster dixit, o professor tem sempre razão, é humilhante e
conduz à estupidez. Antes de nos referirmos ao prefixo AL, coloquem-se cinco
questões:
1. Falcão real quer dizer que pertencia ao rei. Que rei forreta era este que só tinha
um único facão? Não teria dois ou três?
2. Que rei foi este? D. Afonso, D. Dinis, D. Manuel?
3. Reis, em Portugal, só a partir do século XII; antes dos reis, Alcoutim não tinha
nome? Que nome tinha?
4. Se o rei e o seu falcão, muito pouco provável, estiveram em Alcoutim no
período da Corte itinerante, como poderia Alcoutim sustentar uma corte durante
meses? A Corte era o rei e a rainha, príncipes e princesas, aios, criados e muito
mais; algumas famílias de nobres e uma guarda pessoal do monarca; isto é,
nunca menos de 150 pessoas. Alcoutim não teria possibilidades de sustentar uma
Corte durante meses.
5. Mas, o mais decisivo, é que um falcão vive 20 anos, talvez 40 anos. Isto é
irrisório em termos de toponímia; os nomes duram séculos e até milénios. E uma
povoação dever o seu nome a um falcão, por mais real que seja, não é nada
dignificante.
Tudo isto é ridículo e tudo isto é afirmado, e mentira, por motivo de uma
afirmação há muito repetida, que se tornou aceite como verdade, que é o AL ser prefixo
árabe e todas as palavras portuguesas começadas por Al serem de origem árabe.
193
Que algumas palavras começadas por Al sejam de origem árabe, aceita-se, mas
não topónimos. Desde 1993, que Moisés Espírito Santo, no seu Dicionário Fenício
Português, afirma que o prefixo Al/ Alu é de origem ugarítica/ fenícia e significa
povoação, fortaleza, parentela. Mesmo o radical ALC é fenício e está ligado a
caminhos, caso de Alcaide.
Proponho: Alcoutim < Al (povoação, fortaleza, parentela) + Ktma/ Kètèm (ouro)
/ qtn/ qatôn (pequeno). Alcoutim significa: povoação/ fortaleza/ parentela do ouro;
povoação/ fortaleza/ parentela pequena; pequena povoação do ouro.
Estrabão (63 a.C. – 24) afirmou que todos os rios da Península Ibérica eram
auríferos, ricos em ouro.
Resumindo, Alcoutim é a pequena povoação do ouro.
Alcoutim tem castelos e Brasão.
Castelo – Castelo, primitivamente, era o local elevado da povoação; mais tarde,
com a construção do castelo, este tomou o nome do local. O mesmo se passa com os
santuários, caso do santuário de Nª Srª de Fátima. O santuário é «santo», «sagrado»,
porque foi construído em cima do local onde o sagrado se manifestou.
As povoações de Zebreira e Segura, Idanha-a-Nova, por
exemplo, têm Rua do Castelo, mas nunca tiveram castelo.
Fotos 71, 72 e 73:
Brasões.
https://www.google.com/search?q=bras%C3%A3o+de+alcoutim&oq.
https://www.google.com/search?q=bras%C3%A3o+de+tavira
https://www.google.com/search?q=bras%C3%A3o+de+Castro+Marim&oq=bras%C3%A3o
194
Brasão – Em https://www.heraldicacivica.pt/act.html#gsc.tab=0 lê-se: «Armas Escudo vermelho, com o grifo «ALEO» em letras de ouro circundado por ramos de
oliveira frutados, de sua cor. Em chefe um castelo de prata acompanhado de 2 cabeças,
a da dextra de carnação branca com barbas e coroada de ouro e a da sinistra de carnação
negra com barba e turbante de prata. Coroa mural de 4 torres de prata. Listel branco
com as letras a negro «Vila de Alcoutim». Dextra e Sinistra são duas palavras latinas
que significam Direita e Esquerda.
Não sendo um sábio da heráldica, o que eu vejo é um chefe/ rei mouro e outro
português. O mesmo que no brasão de Tavira (1932). O mesmo que o brasão de Castro
Marim (1927). O brasão de Alcoutim é de 1927/9. Os três são da autoria de Affonso de
Dornellas.
Quanto ao grifo «ALEO», já referi que significa jogador, jogador profissional,
jogador de dados. O autor joga com a ignorância latina dos leitores. É uma palavra
latina, mas, é minha convicção, de origem fenícia/ cananita. Assim, ALEO < Alh/ Alôh
(divindade); Alh/ Êla (Deus); Alh/ Eloh (árvore majestosa, árvore imponente).
ALEO significa pois a divindade, deus e a árvore majestosa e imponente sob a
qual se realizavam cultos e rituais das religiões antigas, que os profetas do Antigo
Testamento tantas vezes condenaram e que eram dedicados ao deus. Como aqui: «
devereis destruir totalmente todos os lugares nos quais as nações pagãs que estais
desalojando costumam adorar seus deuses,
tanto nos altos montes como nas colinas e
à
sombra
de
toda
árvore
frondosa. Derrubai seus altares, despedaçai
suas estelas, colunas sagradas, e queimai
seus postes à deusa Aserá [Astarte]; triturai
todos os ídolos e imagens dedicados a seus
demais deuses, e eliminai por completo
todos os nomes deles daqueles lugares».
(Dt 12, 2-3).
Foto 74: Murta, 2024.
Mas os brasões pouco dizem desde
há séculos. D. Manuel I publicou uma lei
195
em 1512 pela qual o brasão assumido, como escreve Santo, foi banido. «A heráldica
passou para o controle dum corpo de oficiais com sede no Paço e a ser regulamentada
por normas rígidas; os transgressores seriam banidos para as novas colónias». (1997, p.
30).
Face ao exposto, Alcoutim é a pequena povoação do ouro e, será [poderá ser]
também, da árvore majestosa e imponente.
2. Toponímia do Concelho/ Região.
Na região de Alcoutim há três nomes que se destacam pela sua repetição;
Corte, salvo erro, em número de sete; Zambujal, três; e Alcaria, duas. Corte, segundo
Santo (1989) que seguimos nos três casos, < Kort (pacto); Zambujal, Zambujo,
Azambuja < Thamouse, o deus Tamujo, chamado, a sul do Mondego, de Tamujo. A este
deus se faziam os prantos rituais, quando morria, no Inverno, ressuscitando com a
Primavera; do prefixo Al, repito, Al/ alu é um prefixo fenício que significa povoação,
castelo e parentela, gente da mesma linhagem. Por vezes, aparece em duplicado, Alu
Caria (mansão povoação). A duplicação acontece muitas vezes, como escreve Santo,
aparecendo o original e a sua tradução. Alguns exemplos: Caria, Alcaria – povoação
povoação; Cabo Raso – rasu (cabeço, topo); Encosta de Salema – slm (encosta, subida);
Monte do Sameiro – smr (eriçado, elevado); Encosta das Olaias – olah (altura). (1993,
pp. 75-76). Uma outra, de Lisboa: Calçada de Carriche – car + vich (calçada).
ÁLAMO: Álamo é o mesmo que Almas, diz Santo, e < alm (carvalho) e < ilm
(espíritos) «e a um carvalho (almo) remete-nos geralmente para o culto dos mortos e
para os augúrios relacionados com os almos ou olmos». (1989, p. 307). Álamo fica a 12
km. de Alcoutim, por estrada. Tendo em conta o que escrevi sobre «Aleo» do brasão de
Alcoutim, poderia estar aqui a tal, ou outra, frondosa e majestosa.
ALCARIA COVA DE BAIXO: cova < kbd (agasalho, parceiros ?). Será a
povoação, na parte baixa, que dá agasalho.
ALCARIA QUEIMADA: Almeida escreve que queimar/ queimada < qamu
[qame] e significa queimar, flamejar. Os termos cremar e crematório virão do latim,
«mas a comida queimada é popular e fenício». (2013, p. 294). A comida queimada era a
que era sacrificada ao deus e manducada pelo deus e pelos ofertantes. Assim, Alcaria
Queimada era a povoação onde eram oferecidas carnes assadas/ sacrificadas ao deus.
196
Interessante que Barros (2010) escreva que Queimada era a panela de azeite cobrada, tio
poia, em cada moedura para pagar a lenha gasta/ queimada no fabrico de azeite.
BESTEIROS: A ocidente do concelho há dois Besteiros. Besteiros não tem a ver
com os utilizadores das armas chamadas bestas; são muitas as povoações besteiros.
Seguindo Santo (1988), Besteiros < Bel – Ishtar (a Senhora, a deusa Ishtar, deusa da
sexualidade e da guerra; conforme a cultura, era chamada Astarte, Inana e Afrodite,
pelos Gregos.
CABEÇA GORDA: cabeça < qabas (comunidade); gorda < gdr > godera >
goreda (muralha). Cabeça Gorda significa, segundo Almeida (2013), a muralha da
comunidade, do clã. Segundo Santo (1989), Cabeça < Kbs (clã, povoação) + Gorda <
gorendha (eira, terraço); assim, significará o clã da eira.
CACHOPOS: Santo escreve que Cachopos < Qs ‘opp [qas opp], sendo qs (copo,
cálice) + ‘pp (propiciar, conjurar). Cachopos foi local de adivinhação «por meio de
água, um processo conhecido de todos os aprendizes de sábios da Caldeia». (1989, p.
338).
CASAS DE BAIXO: Santo (1989) diz que casa < Kasu (casa, assento); Almeida
diz que Baixo < Bes que se lê bech ou bej, e significa lama, lodo, lamaçal, charco.
Assim, Casas de Baixo serão as casas/ os assentos na lama. Deste radical bej veio a
palavra mais conhecida, Beja, e os famosos barros de Beja. (2013, p. 107). A
designação mais vulgar é CASAS NOVAS; novas < nab; neste caso seria casa dos
profetas ou dos juízes. Ver Corte Nova.
CERRO DA VINHA: Almeida (2021) diz que Cerro < seru/saru/ siru (alto,
elevado). Se não for local elevado < serru (pequeno acampamento). Alto dasVinhas é
um topónimo vulgar, caso do Ladoeiro, Idanha-a-Nova.
CORTE DAS DONAS: < kart + dw (doente, enfermo) + nhs (praticar
adivinhação. Feitiço, encantamento). Significa: pacto na povoação onde se fazem
feitiços e encantamentos para cura dos doentes.
CORTE NOVA: Nova < nab (profetas, juízes) ou nawe (pastagens). Povoação
do pacto entre profectas, entre juízes; pacto sobre as pastagens. (Santo, 1989).
CORTE SERRANOS: Serranos são habitantes da serra; serra < sêru (serra), tal
como o serro ou cerro, diz Almeida (2013).
197
CORTES DA SEDA: Seda < sd (violência, devastação, demónio). Talvez < sht (
desolação). Significa a povoação que fez pacto contra a devastação, , contra a
devastação, contra o demónio.
CORTES TABELIÃO: < tbl/ tebel (confusão, abominação, mundo continente) +
ion (por causa de ). Significa: pacto por causa do mundo, da abominação.
CORTES: Santo afirma que se lê córtes e não côrtes. (2004, p. 396). Almeida
escreve que Corte(s) aparece 546 vezes nas Cartas Topográficas do Exército. (2009, p.
15). Kort significa pacto.
GIÕES: plural de Gião, certamente. Gião é São Gião, que os intelectuais e
eclesiásticos passaram a São Julião. São Julião tem como atributos, escreve Santo,
vagabundo, vingativo e azarento; por outro lado, salva náufragos. Tais atributos,
continua, retiram-se do nome Gião:
São Gião precede Neptuno.
Sh’h yam (tempestade, desgraça, ruina do mar;
Shi yaw, shi yam (desgraça do mar);
Txui l-yam (o que dá ordens ao mar). (2004, pp. 303-304).
Txui yam (o chefe do mar);
MARIM: Santo (22-09-2021) informa-me que Marim é plural de Mar
(guerreiro). Marim é guerreiros; Castro Marim é Castro dos Guerreiros.
MARTIM LONGO: < mrtim (obstinado, rebelde) + ln (dormir, pernoitar,
hospedar-se) + gôr (povo, nação) + gw/ gwi/ goi (costas, comunidade); se for longro, em
vez de longo, < lg gr (cântaro dos peregrinos. Significa: Comunidade, povo, nação
obstinada e rebelde onde se pernoita, hospedar-se; e/ ou comunidade, povo, nação do
cântaro dos peregrinos. Martim Longo seria local de passagem e paragem dos
peregrinos na direcção de um santuário.
MONCHIQUE: Almeida (2021) afirma que Monchique < masqèh e significa
abundante em água.
MONTINHO DAS LARANJEIRAS: Montinho será um pequeno monte. A villa,
ae romana era uma organização semelhante ao nosso monte alentejano, também a
organização herdade. Na verdade, monte, significando elevação, vem do latim mons,
montis. O acusativo é montem, cai o m e fica monte. O monte, organização agrícola,
vem do fenício MNT, que se poderá ler MONTU, e que significa «parte que coube em
herança». Do latim virá e afirmar-se-á, a palavra herdade, que significa o mesmo,
198
herança, e que vem de Heriditas, heriditatis, cujo acusativo é Heriditatem e dará
Herdade. Mas só a partir do século XII, com as Universidades, pois o Latim nunca
ultrapassou a elite intelectual universitária e clerical. Segundo Santo (1989), Laranjeiras
< lehraxim (esconjuro). Assim, Montinho das Laranjeiras será monte dos esconjuros.
TAIPAS: taipas, diz Santo (1989), < atapa (represa, subida, depósito). A
povoação que tem a represa. Tal como o actual taipal dos carros de bois ou muares.
ZAMBUJAL, FONTE ZAMBUJO, FONTE ZAMBUJO DE BAIXO: deus
Thamuse, fonte do deus Thamuse, fonte do deus que fica no lamaçal.
ZORRINHO: A Zorra Berradeira, escreve Almeida, e um animal mítico que
aterroriza homens e mulheres das serras do Alentejo e do Algarve. De longe, «parece
uma cabra, de mais perto uma imunda ave, de enormes dimensões, com as asas
manchadas e sujas […] Exala de si um vapor imundo e nojento». O autor afirma
tratar-se de uma lenda fenícia. Como se prova pela análise do nome,
ZORRA vem de Sor ou Soir [Zour ou Zouir] significa bode, cabeludo, demónio em
forma de bode e horrorizar-se, tempestuoso; temos, tempestade. Por outro lado, Zwr
[Zuór] significa feder, ser intolerável.
BERRADEIRA vem de Brd + Hr [bêrrêdeir] significa animal manchado da
serra. O Brd é um pequeno animal do sul chamado Escalabardo. Escalabardo é Skl +
Brd e significa proceder mal, ser insensato + animal manchado. Na Aldeia de São Luís,
continua, é conhecida por Zorra Magra. Magra < Magôr ou Mgr s significam espanto e
horror, deitar por terra, derrubar para baixo. (2015, pp. 49-50). Assim Zorrinho será a
povoação onde se costuma avistar a Zorra Berradeira, talvez uma pequena Zorra.
RIBEIRA DE CADAVAIS: < khd (ser destruído, estar oculto) + bws (esmagar,
profanar, sentir vergonha). Significa: Rio, Ribeira que provoca a ruína.
RIBEIRA DA FOUPANA: < po (fala, lei) + pan/ panu (tempo anterior,
primeiro, antes). Significa: Rio, Ribeira que o primeiro, ante de tudo.
RIBEIRA DE ODELEITE: < uad (rio) + lht (força vital). Rio, ribeira que é uma
força vital. Nota: uad é radical árabe.
MENIRES DO LAVAJO; não sei a explicação que dão para o nome, mas
Lavajo < Labajo e significa demónio. A Senhora do Almurtão, Idanha-a-Nova, tem a
sua ermida no Lavajo e ela venceu o demónio num combate sem derramamento de
sangue. Por esta vitória recebeu uma coroa de murta, murta onde a sua imagem foi
encontrada.
199
Por fim, TAVIRA, cidade a que Alcoutim se encontra muito ligada. Tavira <
tb/tab (ouro puro) + rw/ rew (aparência); < tb (bom, suave, agradável) + biru (jovem
touro); ti (charco) + birh (cidadela, castelo, templo). Tavira é a povoação que tem a
aparência do ouro puro, povoação do jovem e agradável touro (hipóstase de um deus,
por exemplo, Javé), cidadela no charco.
200
17. TERRAS PORTUGUESAS COMO NOMES CURIOSOS
Antes de tudo, uma nota: a análise toponómica exige um estudo no local; face à
impossibilidade de estar presente em tantos locais, fica esta nota de limitação.
A
Aroeira. Santo (1988) diz que vem de aro’ er (floresta). Santo (2004) diz que vem de
eru yera e significa concebida da lua. Porque florestas há muitas, prefiro este
significado.
A-da-Gorda (Mafra): estes A significam comunidade, lugar + gôrnah/ gôr’ enda que,
escreve Santo (1988), significa eira, terreiro de terra batida. Significa: a comunidade da
eira, o lugar da eira.
Aguçadoura (Póvoa de Varzim): Almeida (2013) diz que aguda vem de ahd [agade] e
significa um, só, solitário, o primeiro.
Além (Póvoa de Lanhoso). Santo (1988, 1989) escreve que vem de alia, al e significa
subida, encosta. Significa: povoação da encosta.
Alcaide: diz Santo (1989) que vem de alc (caminhos). Povoação que fica junto a
caminhos. Talvez encruzilhada de caminhos.
Amor, Leiria: talvez amar (ver ou ter visões).
B
Bicha (Gondomar). Almeida (2013) escreve que vem de bisu [bichu] = mau, fétido; bs
(cheirar mal, tornar-se o dioso). Significa: lugar com mau cheiro.
Bicho (Santo Tirso): Almeida (2013) escreve que vem de bisu [bichu] = mau, fétido; bs
(cheirar mal, tornar-se o dioso).
Bexiga (Tomar): bes/ besh (lama, lodo, lodaçal) + ygh (ser proeminente). Significa:
povoação onde predomina o lodaçal.
Buraca (Amadora). Buraca já existe no século XVIII, com o nome de Quinta das
Buracas, escreve Silva e pode significar casas pequenas e pobres. Derivará do latim
«forage» ou «foramen», que significa «buraca, cova, abertura». Buraca significará,
então, «povoação construída num baixio […] onde, em tempos, terão existidos minas ou
pedreiras». (2006g, p. 3). Buraca não pode derivar do latim, porque buraca é português,
201
e não há possível evolução de forage para buraca. Buraca, se for vocábulo de origem
fenício-cananita, Santo (1989) propõe o significado de «Luz», «Ressurreição». Em
1988, o autor diz que buraco é decalque do hebraico bouhac (brilhar no escuro, isto é,
ressurreição). Assim, as covas e aberturas não seriam casas, mas sepulturas escavadas
na terra ou na rocha. Assim, Buraca significa lugar das sepulturas.
Burro. Santo (1988) escreve que vem de bor (depressão). Significa: povoação na
depressão.
C
Cabeça Gorda (Beja). Gôrnah/ gôr’ enda, escreve Santo (1988), significa eira, terreiro
de terra batida. Cabeça, escreve Santo (1989) vem de qbl, qabas (clã, apresentação do
clã, apresentação ao clã). Significa: povoação da eira do clã.
Cabeçudos (Marvão): Santo (1989) escreve que vem de kbs udu (clã do santuário, clã
da assembleia, clã do testemunho, clã dos companheiros, clã dos aliados). Significa: clã
dos companheiros, clã do santuário, clã dos companheiros do santuário.
Cabra: Almeida (2009) diz que vem de cabru (sepulcro); Qbr (sepulcro, sepultar);
Qebrêm (enterrar). Significa: povoação do cemitério, povoação dos sepulcros.
Cabrão: (Ponte de Lima). Kabru (espesso, grosso); Qabru (sepulcro).
Cabeço de Cabra, escreve Almeida (2015), vem de cabru (sepulcro); Qbr (sepulcro,
sepultar); Qebrêm (enterrar).
Cabrão (Rio) - Loriga. Santo (1989) escreve que vem de kabrum (sacrifício). Será o rio
dos sacrifícios. Tem ligações a Rio Cabril. Significa: rio dos sacrifícios.
Cabrões (Santo Tirso). Como as povoações anteriores, tem a ver com sepulcros.
Carne Assada (Sintra). Cabra assada, escreve Almeida (2015), vem de qbr asad
(encosta das sepulturas);9 cabra figa significa sepulturas de inceneração.
Casais da Besteira (Santarém). Casal é o mesmo que Catraia (pequeno povoado,
aldeola). Besteira nada tem a ver com besta ou asneira. Santo escreve que besteira vem
de Bel-Ishtar. Significa: pequena povoação de Bel-Ishtar.
Casal Mil Homens (Leiria). Santo (1989) afirma que mil homens vem de ml Adon [ml
hom] e significa rio de Adon; de ml ‘m [mil âme] e significa rio dos antepassados.
Significa: pequeno povoado onde correo rio dos antepassados.
202
Catraia do Buraco (Belmonte). Catraia vem de, diz Santo (1988), krytaya (aldeia
pequena, lugarejo). No sul é substituído pelo termo casal. Buraco pode vir, conrinua, de
buhac (luz, ressurreição?). Ver Buraca.
Coito (Várias): Santo (1989) escreve que vem de kt/ kutu (estrado) de altar, de mesa?
Colo do Pito (Castro d’Aire): Santo (1989) escreve que colo vem de K-ol (local elevado
e habitado, talvez sede de poder local). Pito vem de pt/ pitah e significa sedução.
Significa: povoação em local elevado e sedutor/ de sedução.
Coxo (Vila da Praia da Vitória, Oliveira de Azeméis e Felgueiras). Santo (1988) escreve
que Coxos virá de kukh e significa forno, fornalha, cadinho.
M
Malhou (Alcanena) se for o mesmo que malhada ou malhão, Almeida (2009) escreve
que vem de malon (acampamento, pousada, cabana).
Mal Lavado (Odemira). Almeida (2009) escreve que vem de malavad e significa poço
de águas subterrâneas que transbordam.
Mil Homens. Santo (1989) afirma que vem de ml Adon [ml hom] e significa rio de
Adon; de ml ‘m [mil âme] e significa rio dos antepassados. Significa: povoação onde
corre o rio dos antepassados.
Mulher Morta (Ourém). Santo (1989) escreve que vem de mhmrt (mohamorte) e
significa sorvedouro; foi despenhadeiro ou precipício. Significa: povoação do
precipício, do sorvedouro.
P
Pito. Santo (1989) diz que vem de Pt [pitah] e significa sedução.
Ponta (Lajes das Flores e Porto Santo). Ponta, utilizando Santo (1993), vem de pnt e
significa artelho, junção. Perto do Barreiro há a Ponta dos Corvos. Virá de pnt (artelho,
junção) + qrb (encontro, culto, cercanias). Significa: onde se juntam as cercanias, onde
se juntam os cultos.
Porca (Ponte de Lima). Porqueira, diz Santo (1989) vem de parakku/ peroket, e aparece
ligada a quinta da laje, rabelal e costa, significa mensagem, ou lei, pelo mestre, local de
encontros e festas.
Punhete (Valongo): vem de pu (embocadura) + nêta(reviravolta). Significa: povoação
que fica na volta da embocadura.
203
Q
Quartos (Vila Verde e Loulé). O mesmo que quarta?
Quarta, escreve Santo (1989), vem de korta (pacto). Significa: povoação do pacto.
Quinta de Comichão (Guarda). Quinta, afirma Almeida (2013), vem de kinut ‘h
[qinetêâ] e significa horta ou jardim delimitado.
R
Rabo de Porco (Penela). Rabo, diz Almeida (2009), vem de rob/ raab (fome, faminto,
passar fome, estar faminto). Até se diz «ter fome de rabo».
Rabo de Peixe. Rabo, diz Almeida (2009), vem de rob/ raab (fome, faminto, passar
fome, estar faminto). Até se diz «ter fome de rabo».
Rata. Diz Santo (1989) que vem de rht, ratu (canal, conduta de água, tanque).
Rato (Barcelos). O mesmo que rata.
S
Santiago dos Besteiros. Santo (1989) escreve que besteiros são gente de Bal – Ishtar.
Ver atrás.
V
Vale da Rata (Viana do Alentejo). Rata, diz Santo (1989) que vem de rht, ratu (canal,
conduta de água, tanque).
Vale do Porco (Mogadouro): Santo (1989) afirma que porco vem de prk (senhor do
santuário) + bal (senhor). Significa: povoação do senhor do santuário.
Venda da Porca (Estremoz). Santo (1989) diz que vem de bal prk (senhor do santuário);
prk (lugar ou objecto sagrado). Venda vem de bent (casa ou gente do santuário). Assim,
Venda da Porca significa casa do senhor do santuário, casa ou gente do santuário.
Venda do Porco (Lourosa). Santo (1989) escreve venda do porco vem de bent prk (casa
ou gente do santuário).
Venda das Raparigas (Alcobaça): Almeida (2013) escreve que rapariga vem de rbh
(criar filho) + rk (delicado, terno, tímido, suave). Na origem, pronunciar-se-ia
«rapareg». Venda das Raparigas significa casa onde se criam filhos delicados.
204
Vergas (Vagos). Se for Vargas, vem de (diz Santo (1989) yagrus » vagrus (Yagrus,
nome de arma mágica, «o que expulsa, expele, abate).
Vila Nova do Coito (Santarém): utilizando Santo (1993), coito virá de kt (estrado,
tarima, recipiente, forjar, objecto forjado), qt (arrastar, pequeno).
Vilar dos Prazeres (Ourém). Prazeres Santo (1989) escreve que vem de yispr (colher,
recolher, reunir colheitas) ou (lugar de banquetes). Significa: lugar onde o senhor
recolhe as colheitas, talvez onde estejam silos onde se recolhem todas as colheitas ou o
cereais dados para pagamento de impostos. Poderá significar lugar dos banquetes.
Ambos são prazeres.
205
18. SATAN NO LIVRO DE JOB OU A SOLUÇÃO JUDAICA PARA O
«SOFRIMENTO IMERECIDO»
1. Introdução Histórica e Apresentação do Livro
Se não todo o Livro, pelo menos o rascunho do Livro de Job foi executado no
Cativeiro e trazido de lá, por volta de 538 a.C. Ao que tudo indica, o Livro de Job terá
sido composto no Século V a.C. e sujeito a várias alterações posteriores. Lévêque
apresenta as principais:
(i) Relato Popular Primitivo: Job 1,1-1,5; 1,13-22; 42,11- 42,15.
(ii) Primeira Adição: Job 2,11-2,13; 42,7-42,10. (2,13 = Discurso tentador ao jeito
da mulher de Job; só assim se compreende 42,7-9); (42,7 é um acidente posterior
ao texto).
(iii)
Segunda Adição: Job 1,6-1,12; 2,1-2,8.
(iv) Terceira Adição: Job 2,9-2,10.
(v) Quarta Adição -P-: 42,16-42,17.
(vi) Quinta Adição: «Diálogo», já com todo o «Relato» escrito: Job 3-42. (1970,
pp. 128-129).
Essas muitas alterações têm a ver com a tentativa de melhor ordenar os discursos com o
fim último de apresentar uma mais correcta afirmação teórica. Para além disso, contém
muitas incertezas quanto ao seu significado conjuntural. (Ver Job 6,14; 9,35; 11,12;
16,7; 17,2; 19,26; 30,11; 38,36; 39,13).
Num tempo e num espaço indeterminado, a acção é narrada em modelo oriental
com diálogos extensos e com a intervenção directa de Deus. Apresento algumas
semelhanças entre o Livro de Job e livros sapienciais do Egipto e da Mesopotâmea:
ANII : Um representante da faixa etária mais jovem em discordândia com a
ortodoxia, ao contrário de Sofar, mas ao contrário deste sábio. Mudança e instabilidade
na vida: «one man is rich, another is poor [...] man does not have a single way, the lord
of life confounds him». (Ls. 5-10)
AMENEMOPE: Dogma: «Do the good and you will prosper» (cap. 15). «Man
is clay ans straw, the god is his bilder» (cap. 25).
deus transcendente (quase) e primordial (depois de Amarna): «He gives it to whom he
wishes» (cap. 20). «The words men say are one thing, the deeds of the god are another»
(cap. 18).
206
Desígnios divinos impenetráveis: «Indeed you do not know the plans of god»
(cap. 22).
MERIKARÉ: Perenidade da vida: «Life on earth is not long» (l. 41).
Maior transcendentalização e humanização do deus: «God who knows characters is
hiddenn one can not oppose the lord of the land, he reaches all that the eyes can see» (ls.
124-125).
Além destas, há as semelhanças do «Pequeno Génesis» (ls. 131-133), comparado
com Job 3,8; 9-13; 40,2¸41,25.
«JOB SUMÉRIO»: estrutura semelhante, exceptuando o diálogo de Job.
A partilha do sofrimento: «distribuiste-me sempre sofrimento […] Os quinhões
são distribuídos por todos, o quinhão que me cabe é o sofrimento» (Comp. Job 7,3).
Criação do homem: «Meu deus, tu que és meu pai» (Comp. Job 10,8s).
Impureza humana: «Eles dizem- valorosos sábios […] nunca existiu de um velho».
(Comp. Job 14,4).
A contradição apresentada pelo sofredor sumério nas linhas 26-27 e seguintes é
semelhante a Job 12,3; 13,1-2. Deus fica contente com as palavras do sofredor. A
revolta de Job contra os sábios não existe no «Job Sumério». Este tom de revolta de Job
deriva do debate. Será ele originário da adição do monólogo do «Job Sumério» com a
literatura suméria de debate?
LUDLUL BEL NEMEQUI: Tal como em Job, o sofredor é um homem
importante e rico (Tábua I, 60-63). Na tábua II, as origens do sofrimento são, em última
causa, instâncias sobrenaturais. Também Job diz que Deus é que lhe deu o mal. Os
deuses são impenetráveis (II, 23-16).
Semelhante mesmo é II, 119-120 a Job 19,25.
Limites à razão humana (II, 33-38).
Brevidade da vida humana (II, 39-47).
Incompreensível parece ser que Deus esteja contente com Job pois este, ao
contrário do sofredor de Ludlul Bel Nemequi, não acha blasfémia tratar a problemática,
ao contrário dos amigos de Job. Há em ambos um desejo principal de apresentar um
caso paradigmático?
Será contudo mais humano Job que Ludlul Bel Nemequi? É que não há hino de
louvor inicial e final em Job, tal como o não há no «Job Sumério».
207
TEODICEIA: Essencialmente diferente. Não caminho para a luz. Job foge dos
intelectuais e dirige-se essencialmente a Deus.
O Livro de Job é, talvez, a primeira tentativa para a compreensão da existência
do mal no mundo; uma tentativa de conciliar o Deus todo-poderoso e bom com a
existência do mal e as vantagens que, geralmente, os maus possuem, neste mundo, face
aos bons. Pela primeira vez, aparece nítida a identificação do mal com o anjo Satanás =
Satan = o adversário. O original traz o artigo definido «o», ficando assim definido o
mal, conotando-o com um anjo, santo, filho de Deus. Algo semelhante: «E ele mostroume o sumo-sacerdote Josué, o qual estava diante do anjo do SENHOR, e Satanás estava
à sua mão direita, para se lhe opor. Mas o Senhor disse a Satanás: O Senhor te
repreenda, ó Satanás, sim, o Senhor, que escolheu Jerusalém, te repreenda; não é este
um tição tirado do fogo. (Zc 3,1-2)
2. Introdução à Problemática Central
2.1. Constatacões e Deduções:
1ª Constatação: o mal existe no mundo e, regra geral, são os maus quem tem o
mundo nas mãos. É a eles que tudo corre bem e são eles quem prospera. Ao contrário, é
aos justos que cabe o sofrimento. Isto é assim mesmo, mau grado, se olharmos para trás,
possamos ver que Deus não desampara os que lhe são fiéis. (Job 21,8-9; 1,5-6; 8,8-9;
8,20; 20,5; 15,20; 15,34).
2ª Constatação: o mal tem de ser lançado por alguém, pois não brota da terra,
nem sai do pó. (Job 5,6).
Dedução: os maus têm o mundo e se não é Deus -o Todo Poderoso- quem o
permite quem é? Deus parece sentir prazer em lançar os justos às mãos dos perversos.
Só Deus pode infligir o sofrimento ao homem. Deus dirige todo o universo com suma
inteligência. (Job 9,24; 10,3; 1O,16s; 16,11; 16,18; 19,6; 19,22).
Conclusão lógica: não achando resposta conveniente, o justo tem de lançar a
culpa da existência do mal a Deus e pergunta para que servirá não pecar. (Job 32,3;
33,9-10; 35,3).
Explicação para a existência do mal: Deus fala de muitos modos para afastar o
homem do mal e também se serve da dor e do sofrimento para ensinar o homem. O
sofrimento humano existe porque Deus lhe deu sabedoria e inteligência. (Job 33,14-19;
39,16-17).
208
2.2. Conclusão
A problemática que tem a ver com a explicação da existência do mal na Terra,
sendo Deus bom e não tendo culpa o homem de nascer com o mal, é sempre uma
problemática actual, ainda que, como em tudo, sujeita aos valores da moda em
investigação.
O Livro de Job oferece (já) uma nítida separação entre os anjos e Deus ao lado
de hassatan num estado de pré-Queda. Toda esta problemática é apresentada numa
moldura de temática tradicional oriental do «justo sofredor». Por fim, porque nos
apresenta o sofrimento como ensinamento e soluções condizentes ao amor
desinteressado e à recompensa post-mortem, o Livro de Job apresenta-se-nos como o
livro charneira entre a literatura sapiencial e angeológica Vetero Testamentária e a Neo
Testamentária.
3. Donde Vêm os Anjos?
Os anjos, designação globalizante de seres espirituais da corte celeste,
designação essa originária do latim angelus, do grego de LXX (ἄγγελος), mensageiro,
que, por sua vez, é a tradução de uma função hebraica mal’ak, percorrem o caminho
entre Deus e os homens como mensageiros da vontade divina. Os seres humanos
conceptualizaram para os anjos um outro caminho construído, diacronicamente, do
Genesis ao Apocalipse.
Se, no princípio, não se faz sentir a necessidade de distinção na teofania, uma
cada vez maior transcendentalização de Deus e uma paralela busca de compreensão para
o destino humano, leva não só ao aparecimento dos anjos, como à total diferenciação
entre eles e Deus e ainda ao afastamento de um dentre eles para administar o mal. No
seguimento desta administração, faz-se a construção teológica da Queda e a
consequente formação de duas cortes que, se não existem em antagonismo, guerreiamse permanentemente. Tudo isto dentro de uma inabalável afirmação de monoteísmo, em
que a existência e o poder de Satan não são a negação, antes a afirmação de poder e de
vontade por parte de Deus (e dos homens).
209
Acompanhando esta evolução histórica ao longo do Velho Testamento, observase que, paralela a uma identificação de ambos (Gn 16,7; 18,13; 22,11-12), existe uma
nítida separação (Gn 24,7; 48,16; Ex 23,20; Nm 20,16) e já uma definitiva separação na
produção intertestamentária, como no
Livro de Henoch.
Foto 75: São Miguel e o Diabo, Sé, Castelo
Branco, 1993. «Diabo Negro» como diz o
povo.
Por outro lado, é nítida a intenção da
substanciação
do
mal
num
ser
plenamente individualizado. Podemos
observar que de «o espírito mau de
Deus» ou «um espírito mau de Deus»
(1Sm 16,23; 16,14) se atinje Satan
(1Cr 21,1), não sem se passar por 1Re
22,19-23 e Job 1,6-7. Mais tarde, Satan
será senhor do Mundo (Mt 4,8-9) e, por fim, surge a dogmatização da Queda no IV
Concílio de Latrão, em 1215. Aqui termina e se resolve (?) todo um problema
provocado pela conciliação impossível entre o dualismo persa (uma excelente realização
intelectual para uma evidente constatação de oposição na realidade positiva) e o
monoteísmo judaico-cristão.
4. O Sofrimento Imerecido: Explicações
4.1. Satan, a Explicação da Prosa
Do verbo significando acusar, «Satan» é substantivado e usado no episódio da
Balãao (Nm 22,22) como significando impedidor ou obstáculo. Nm 22,22 parece em
contradição com Nm 22,20. Tratar-se-á de uma inclusão de I ?
Podia igualmente ser usado no sentido de acusador legal ou processador (Sl
109,6; Zc 3,1-2) e que se posicionava à direita para exercer a sua função, enquanto a
sessão de justiça era presidida pelo anjo de Javé (Zacarias). Também os acusadores de
Job se colocaram à sua direita (Job 30,12-16).
No Livro de Job (1,6-12; 2,1-6), Satan aparece com o artigo, = Hassatan, no
sentido de acusador e, dentre de todos os filhos de Deus, ele é o fiscal das acções
humanas (1,7-8; 2,2-3) e o distribuidor do mal (1,12; 2,6). É o único anjo a ser nomeado
210
individualmente e continuará a sê-lo por muito tempo ainda. Nomeado com o artigo,
aparece igualmente em Zacarias 3,1-2 e inserido na corte celeste. São casos únicos, mas
só em 1Cr 21,1 Satan se tornará num nome próprio. Quanto à ideia de uma rebelião
contra Deus só na época intertestamentária se imporá em Israel, em grande parte, devido
ao Livro de Daniel e ao Livro de Henoch. Possivelmente, devido ao contacto com a
demonologia persa, a batalha transcendental entre Deus e Satan foi introduzida no
judaísmo tardio e a serpente de Gn 3 será identificada com Satan em Sb 2,24 e, talvez,
em Si 21,27. Esta batalha, descrita no Livro de Henoch, (cap. 10) mostra grandes
afinidades com a luta grega entre Zeus e os Titãs.
Em Job temos somente a substantivação de um a função adjectiva. Como refere
Lévêque (1985), numa tentativa de atenuar a responsabilidade de Deus nos males que
afectam o justo, atenuação de que não havia necessidade numa época mais primitiva,
em que os judeus não tinham qualquer escrúpulo em fazer intervir Deus e a ele atribuir
o mal, por mais terrível que este se manifestasse, se desenvolve uma busca teológica
tentando uma maior transcendentalização divina e, deste modo, embora dando a Deus o
mesmo domínio sobre os homens, tornar esse domínio menos perceptível. É visível esta
evolução na solução com Jz 9,23; 1Sm 16,14; 1Re 22,19-23; Zc 3,1-2 e em 2Sm 24,1
(e no seu paralelo 1Cr 21,1) é perfeitamente notória uma redacção de comprimisso: de
«a cólera de Javé se inflamou contra Israel e excitou David...» a « levantou-se Satan
contra Israel e excitou David...» Uma justificação para esta causa reside na estranha
coincidência das passagens referirem males mesmo terríveis: em Zacarias, é Josué
representando os pecados tão graves que levaram ao Exílio e que vai ser restaurada; em
Job, é toda uma secular tradição dogmática que está a ser posta em causa; em Crónicas,
é algo que os povos nómadas odeiam por ir contra a sua tão preciosa liberdade - o
recenseamento.
Porém, a solução só aparentemente resolve a questão e isto pela simples razão
que esta é insolúvel no quadro da religião judaica e religiões vizinhas. Por um lado, a
retribuição é terrestre; por outro, a religião judaica tem um só princípio, ao contrário da
persa. Como a ortodoxia hebraica nem ao de leve toca na grandeza ou unicidade do seu
Deus tem de fazer intervir Javé no seio da tempestade (Job 37,5; 38,1; 40.1) como um
deus ex machina, tal como no caso dos justos sofredores da Mesopotâmia -no Job
Sumério e no Ludlul Bel Nemequi.
211
4.2. Novas Explicações
Para o Job que nos apresenta o poema, Deus parece ter prazer em esmagar os
bons e premiar os maus (9,24; 10,3), mas claro que isto é desespero. Job, na sua fé em
Javé e na sua experiência, sabe que não é assim e a razão do seu sofrimento espiritual é
derivado desta certeza. Job parece apostar na diferença de ritmo temporal humano e
divino para justificar o atraso do cumprimento dogmático (10,5).
Continuando, Job 39,16-17 dá-nos a explicação do sofrimento e tão mais cabal
quanto é o próprio Deus, em toda a sua majestade e poder quem a fornece. O homem
sofre porque roubou a inteligência e a sabedoria no Éden através de Adão, o ancestral da
raça humana (Gn 3,5; 3,22). Ao colocar os Querubins armados à porta do paraíso, Deus
parece recear que o homem coma da árvore da vida e igual a ele fique (Gn 3,22ss).
Assim, com a Queda e com as portas do Éden fechadas o homem, na sua peregrinação,
procura a sabedoria total, mas não a encontra. De facto, ele possui parte dela, mas, como
a outra parte está com Deus, ele vive atormentado pela dúvida: chegará a parte que
possui? Chegará a vida que possui para encontrar a parte que falta? O homem tem de
contentar-se com uma sabedoria à sua escala por lhe faltar a vida eterna.
Assim se passa de uma sabedoria humana para uma sabedoria religiosa. É que
Deus tem a outra parte, ou seja, toda a sabedoria. E a parte do homem que é divina em
virtude da sua criação? Face à tão imperfeita (talvez seja mais correcto dizer
incompleta) natureza humana, apetece dizer como Amenemope: «If only Khnum came
to him/ The Potter to the heated man/, So as to Knead the faulty».(XII, 15-17).
Só uma nova criação, e ela acontecerá no Calvário. Aqui, no Livro de Job, só
num nível puramente especulativo se poderia chegar a esta, mas nunca claramente o
afirmar, porque uma secular tradição dogmática e transcendentalizadora de Deus
impedia o salto para uma revolucionária reafirmação do humano: «e o Verbo era Deus
[…] E o Verbo se fez carne e habitou entre nós» (Jo 1,1-14).
Segundo Terrien, «beaucoup d’interprètes considèrent le portrait de l’autruche
comme une interpolation», mas J. Lévêque diz que «en revanche aucun argument ne
nous contraint à rejeter l’authenticité du petit poème sur l’autrche». (1963, 13; 1970, 86
e 503). Se falta em LXX é devido à dificuldade de tradução, principalmente o versículo
13. O que houve foi uma mudança de lugar, pois deveria estar depois do cavalo e antes
da águia, segundo a lógica das classes de animais.
212
Aceita-se Lévêque, mas aceitamos igualmente a lógica da Terrien no terceiro
argumento. Na verdade, a «réference y est faite à Dieu à la troisième personne» e é
Deus quem fala. (1963, p. 13).
Pope afirma que a estupidez da avestruz é proverbial entre os árabes e Lévêque,
não desmentido por Foster, fala da possibilidade da influência árabe nestes versículos.
A avestruz é mesmo considerada cruel pelos hebreus (Lm 4,3). Deste modo, pelo menos
a base para a nossa especulação - a ausência de inteligência explicando a ausência de
sofrimento e vice-versa - estará correcta.
4.3. A Revolução do Poema
O facto do narrador do poema ter (re)interpretado o relato primitivo «en fonction
de sa prope problématique espirituelle», escreve Lévêque (19070, p. 131), teve a
intenção de colocar a sua obra de intelectual num relato tradicional que, nada tendo de
impessoal, mas constituindo antes uma típica experiência religiosa histórica, fazer sofrer
Job no século V a.C. e numa nova problemática, dar-lhe, e à sua solução, a verdade que
o tempo e a aceitação popular transmitem. Excepcional é o processo literário, mas a
solução continua a não existir. Tudo se teria passado como se o poeta, pegando no estilo
literário de Ludlul Bel Nemequi ou do Job Sumério (monólogos), da Teodiceia
(diálogo) e nas suas temáticas e, dando-lhe o toque pessoal (seu e da sua civilização), o
juntasse à anterior prosa para dar uma resposta sábia e ortodoxa à religião popular que
estaria dando a Satan uma herética importância pérsica.
Quem fez a inserção de Satan não pretenderia introduzir com ele mais que a
solução popular e vizinha, mas o intelectual que redigiu o poema não terá
(re)interpretado Satan numa base de amor desinteressado e acrescentando a retribuição
post-mortem?
A impenetrabilidade dos desígnios divinos (11,6-7; 22,2; 36,26;37,5), o facto das
acções humanas não atingirem Deus (22,2; 35,8), o facto de só Deus conhecer o local da
sabedoria (12,12,-13; 15,8) não demonstra o começo da dúvida de que o dogma poderá
não ser a lei certa que cristaliza a ética humana na visão divina e haveria que tentar,
ainda que a nível puramente especulativo, novas soluções que se aproximassem mais da
possível visão divina sobre o problema? Esta é, em nossa opinião, a verdadeira
novidade do poema. Novidade só possível no judaísmo em que Satan nunca servira, em
que Javé era um Deus justo, único, não possuindo oposição em si mesmo e em que os
213
sábios possuíam todo um anterior legado que podiam desenvolver a partir de um secular
monoteísmo que nunca fora henoteísmo. Assim, 1,9; 2,4 para esta dúvida, 1,21; 2,10
para o amor desinteressado e 14,13-14; 19,25-26 para a retribuição post mortem são as
colunas sustentáculo da mais bela mensagem do Livro de Job.
4.4. A Dúvida do Dogma Utilizando Satan
Há dois pontos a ter em atenção: porquê o diálogo na corte celeste e a permissão
de Javé? Satan interpela Deus e diz: «É a troco de nada que Job teme a Deus?» Como
pode aparecer alguém a falar a Deus nestes modos e a colocar a justiça das suas acções
em dúvida? Justiça que não significa equidade dogmática, pois Satan sabe e reafirma a
rectidão de Job e, daqui, a não necessidade dos discursos dos amigos de Job, mas
dúvida de que o dogma possua algum valor. Por outras palavras, é justo um Deus
transcendentalizado imiscuir-se no útil humano? (22,2; 35,8).
Se Deus mandasse calar Satan, tudo estaria certo. Mas não. Deus permite
(=ordena) que os males caiam sobre o seu servo Job. Ora Deus não necessitava de
provas para saber; o homem é que tem esse tipo de necessidades. Além disso, Deus tem
muitos modos de ensinar. Deus sabe. Então, para que mandou Deus os males? E porquê
só quando foi interpelado? Não estaria pretendendo introduzir algo de novo e prová-lo?
Provocar tão grandes males só de facto estaria à mão de um verdadeiro mau, cínico e
próximo de Deus: Satan, melhor, «hassatan».
Resumindo, a dúvida se Satan é o correspondente e o provocador celeste à
dúvida e ao provocado terrestre, Job. Não acreditavam os judeus na interligação entre os
dois mundos?! Diz Lévêque: «La destinée de l’homme sur terre est envellopée d’une
histoire aux dimensions beaucoup plus vastes, qui embrasse le ciel et les êtres
espirituels qui Dieu a crées et qu’ l’y servent». (1970, 208).
4.5. O Amor Desinteressado
A primeira resposta de Job (1,21) constitui um tema sapiencial «... qui a dû être
currant, ne se rencontre silleurs dans l’A.T. qu’en Qo 5,12-16 à propos de l’inanité de
l’esprit de lucre». O mesmo se retoma em Sl 23,4; 28,22; 30,8ss. Como a nudez de Job
nada tem a ver com lucro, este tema sapiencial só se emcontra pois em Job e, se o tema,
escreve Lévêque, «a du être courant...», foi eliminado da literatura canónica pela
ortodoxia judaica por qualquer razão que desconhecemos, mas, com certeza, teria a ver
214
com o desejo de evitar que tal pensamento intelectual passasse disto mesmo, um
problema académico. (1970, p. 199).
Para Rad, não há qualquer dúvida: «Y a-t-il une piété désintérressé (sans
récompense même dans l’extreme détresse? la reponse est positive». (1970, pp. 242243). Já para Lévêque tal não se pode afirmar tão claramente, embora fique no ar a
afirmação: «il existe donc sur la terre au moins un homme capable d’aimer Dieu por lui
même». (1970, p. 208). Ao menos um homem e ao menos num livro, acrescentaremos
nós.
4.6. Retribuição depois da Morte
Esta retribuição não significa necessidade de ressurreição, mas sim um renascer,
um descer e subir do Cheol. Observemos o ambiente circundante a Job.
A vida é perene (7,7; 7,16; 9,25...). É total a impossibilidade de escapar ao Cheol
(2,9; 2,12) e, assim, o Cheol era certo e à vista, tanto mais que a ressurreição não tinha
lugar no horizonte filosófico, mental e religioso judaico. Job sabe pois que vai
eternamente para o Cheol e sem ter gozado a recompensa pela sua rectidão. Isto é de tal
forma incongruente, anti-cultural, horrível e injusto que clama vingança de sangue
(16,18) e constituirá o cerne de todo o livro e de toda uma literatura sapiencial. Vejamos
agora Job.
Job é um intelectual, um dos maiores sábios. Para tal poder ser afirmado, é
colocado numa terra de tradição sapiencial (1,1), recebe amigos de semelhante estatura
(2,11), que dão a impressão de pertencerem ao grupo dos maiores (12,12); isto se Job
não ironiza! Job não o é menos, já que os seus amigos ouvem e consentem (12,3). Ora
bem, se Job é possuidor deste gabarito intelectual e de uma tremenda fé em Javé (1,1;
1,8), teremos de observar a razão e a fé num discurso indiviso e de choque. No resultado
deste discurso reside a heterodoxia de Job. A fé dos amigos é a fé do cumprimento
dogmático, por Deus. Uma fé que lhes convém e que provocou a justeza da provocação
de Satan, a aposta de Javé e a repreensão de Deus que lhes é feita. Deus, portanto,
apoiou o sábio heterodoxo.
Job, enquanto sábio, está em consonância com os amigos, com aquilo que está
certo, porque sempre esteve certo, pelo menos para eles (6,24; 16,1-5). Porém, surge
algo terrível, o sofrimento. Sabe-se que, para aprender, nada melhor do que
experimentar e, assim, se nos apresentam dois conhecimentos, ambos experimentais
215
(5,27; 16,4) e não contraditórios, enquanto o de Job for individual, mas logo
contraditórios quando Job apontar o mal que grassa no mundo e é recompensado com o
êxito (9,24; 21,7-9). Por mais incrível que pareça, nem aqui os amigos se dão por
vencidos. São mais teimosos e casmurros que o amigo ortodoxo da Teodiceia (XVII;
XXV-XXVI). É mesmo essa teimosia que os leva, não a pensar que poderão estar
enganados, mas a pensar e a afirmar que Job tem de ter pecados (22,23-24) e é essa
mesma teimosia que trará a repreensão divina (19,28-29).
Depois disto, e já com Job heterodoxo, este grande pensador e servo de Deus faz
então a sua proposta. Por um lado, responde afirmativamente a um amor desinteressado
proposto por Deus (1,21; 2,10). Por outro, tem de conceber a realização de um prémio
numa outra vida e isto por duas razões: a sua fé em Javé é à prova de tudo e a sua razão
não está ofuscada pelo sofrimento corporal. Assim, propõe um renascer. Deus tudo pode
e Job tem fé (14,13-14). Na verdade, para o sistema que não contempla a vida eterna,
recompensa e Cristo, mas tem recompensa terrena, tem o Cheol e uma doença que vai
inevitavelmente conduzir a este, oferece duas tremendas certezas, certeza em Javé e na
sua própria rectidão e, para além disso, não tendo conhecimento da aposta celeste, só
esta resposta poderia conduzir a lógica do seu raciocínio. Javé tinha de fazer Job voltar a
viver. Da mãe (mulher) à mãe (terra) e desta àquela.
Como entender, seja no campo da fé, seja no campo da razão, que a sorte do
pecador seja igual à do justo? Assim terá pensado Jeremias (Jr 12,1-5). O esquema actorecompensa tinha de ser mudado. Não chegara a introdução de Satan. Job 19,25-26 é o
resultado «de uma nova aquisição teológica fundamental para o Novo Testamento: os
justos serão ressuscitados pelo sopro vital de Deus (Ruah Javé)» (2Mac 7,9-36; 12,4446; 14,46). A retribuição da fidelidade a Deus é a vitória final sobre a morte (Dn 12,1-3;
Sb 5,14-16; Is 53,8-12; Sl 1,5-6; 2Mac 7-9ss). Esta vitória, prémio, é a ressurreição e a
vida eterna na presença de Deus (1Cor 15,20-23; Rom 8,18-25). Job, na discussão com
os amigos, terá intuido a necessidade de renascer. Rad afirma que os diálogos «ce ne
sont pas des controverses; l’issue en est assez claire: il s’agit d’entretiens d’un soufrant
avec ses amis». (1970, p. 243).
O assunto é bem polémico. Terrier afirma que «il pas davantage inspiré par une
spéculation philosophique sur la nécessité de la sanction morale. Il s’inspire directement
d’une perception spirituelle de l’amour de Dieu […] l’expression de l’espoir en un Dieu
que se souvient de l’homme n’est pas formulée par un penseur abstrait qui observe les
216
problàmes de l’existence. Au contraire, elle émerge d’un théologien concret dont la
pensée est le reflet d’une passion d’amant». (1963, p. 122). Ora, é impossível separar
ambos os jobs e como poderia alguém, sem toda a utensilagem e experiência intelectual
de Job, formular este pensamento? Não se estará a dar à fé deste tempo toda a razão do
nosso tempo?
Os versículos 16 e 17 dão-nos a impressão de não poderem ser englobados no
mesmo pensamento dos anteriores. Em 13 e 15, Job tem um pensamento revolucionário
e fala num plano de «se». Os versículos 16 e 17 são já a continuidade do tradicional.
Assim, não cremos que, diz Rad, «la demande de Job n’est pas la perpétuation de soi;
elle est de regagner la confiance de son Dieu». Como também não acreditamos que «
Job est ici tout prés d’admettre qu’il est un pécher. Mais il ne peut pas offrir sa
confession que dans la certitude du pardon», devido à interligação de dois factores que
não possuem, ao contrário do que pode parecer, contradição: Job é um homem recto,
mas é impuro, porque nada é puro aos olhos de Deus. (1970, p. 123) E, se concordamos
que em 19,26-27 é o próprio Job que verá Deus, já não concordamos no respeitante a
que Job «pensait à une experiénce terrestre». Como afirma Lévêque, «Job espère voir de
son vivant l’intervention de Dieu. Mais […] Job ignorait tout de la réssurection».
(1970), p. 489). Assim, a visão de Deus que Job espera é a terrestre.
Resumindo, há autores que pretender ver em Job uma recompensa extra-terrena
e outros terrena. Contudo, e tendo em conta a anterior argumentação, cremos tratar-se
de uma recompensa terrena sim, mas depois de ter pasaado pelo Cheol. Uma vida
depois da vida.
5. Conclusão
Satanás, o Adversário: este «filho de Deus» parece ser mais o advogado do
diabo das canonizações que o chefe da corte infernal. Ele é um entre os «filhos de
Deus», numa só e única corte. Não parece existir qualquer sinal de uma dualidade de
forças, de cortes ou do dualismo persa, que o autor devia conhecer. Satanás não tem,
mesmo aqui, o poder sobre o mundo que aparenta ter em Mat 4,8-9 ou Luc 4,5-6.
Parece possuir a administração do mal pelo o mundo sem ser o seu dono, pois é Deus
quem o autoriza.
Tentando colocar Satan numa cronologia, diremos que não existe até finais so
século VI a.C. Por volta de 520 a.C., Satan é substantivado e aparece «hassatan»,
217
mantendo-se até ao século IV a.C., altura em que se constituirá em nome próprio. A
partir do século II a.C. aparecerão outros nomes próprios de anjos e, talvez mais tarde,
Satan será identificado com a serpente do Genesis. Só na época inter-testamentária (I
a.C.- I d.C.) se afinarão os conceitos angeológicos proto-actuais.
No Novo Testamento, os escritores cristãos sempre traduziram Satan por Diabo,
para o grego, e sempre com o artigo definido, significando especificamente o
Adversário de Deus. Mateus chama-lhe Belzebu (Mt 5,35).
As suas primeiras representações em frescos e miniaturas, não ainda com um
aspecto diabólico, datam do século VI a.C. A Queda, se bem que afirmada com o Novo
Testamento, só será dogma no IV Concílio de Latrão, realizado em 1215.
O último narrador do Livro de Job era um intelectual e conhecia bem a literatura
hebraica. Não admira pois que tenha deixado no ar uma aposta no amor desinteressado e
na recompensa numa vida post mortem como solução para o sofrimento imerecido.
Satan não serviu, nem no plano intelectual, nem no plano religioso. Principalmente
neste, e a partir de determinada altura, constituia um grave perigo para a ortodoxia.
Talvez que a posterior inclusão de Eliú (32,19), o sofrimento como ensinamento, tenha
sido um reforço da ortodoxia evitando qualquer explicação do sofrimento a um nível
que o intelectual deixara no ar e assim se reforçasse a ancestral explicação.
Mas porquê o aparecimento de Satan no Prólogo, já que o Poema e o Epílogo
simplesmente o ignoram? Talvez porque a inovação se faça na tradição, como diz
Amenemop; talvez que, a nível popular, a narração tinha já um forte enraizamento, fruto
de uma linha que seguia Zacarias; talvez porque, se Satan não resolvia, também o
Poema não resolve; talvez porque se pretendia deixar a ideia de que a solução não
estava nem com Satan, nem com a sabedoria tradicional, mas com uma nova sabedoria e
com uma nova Israel e tais heterodoxias só podiam ser desencadeadas pel’ O
Adversário.
Porém, a sabedoria israelita havia chegado a um impasse, não conseguindo
passar à prática as duas ideias intelectualmente sugeridas por Job. Chegará mais longe
que os seus vizinhos, porque possui as suas heranças e sempre teve um Deus pessoal,
mas esbarra no mesmo muro onde estava escrito: «é preciso renascer».
Face à negação real e quotidiana daquilo que o Epílogo afirma, não admira que,
para conservar Javé, Satan seja ainda a melhor solução e se compreenda o seu
desenvolvimento até à contemporaneidade. Para ser encontrada a solução, ter-se-á de
218
esperar por Cristo. Com ele, mais que um Deus pessoal, rediniviza-se o humano e
(morrendo e ressuscitando) dá sentido ao sofrimento. No entanto, não deixa de ser
interessante que, mesmo assim, quer a nível popular, quer mesmo a nível intelectual,
Satan dê bastante jeito. Não é na luta contra ele que o homem conquista a sua
recompensa!
ANEXO
219
Plano de O Livro de Job
Prólogo
Corpo da Obra
Apresentação da corte
celeste, provações de
Job e chegada dos
amigos
Queixas de Job
1º Discurso de Elifax
Resposta de Job
1º Discurso de Bildad
Resposta de Job
1º Discurso de Sofar
Resposta de Job
2º Discurso de Elifax
Resposta de Job
2º Discurso de Bildad
Resposta de Job
2º Discurso de Sofar
Resposta de Job
3º Discurso de Elifax
Resposta de Job
Capítulos 1-2
Total de Versículos:
22+13= 35
3
4-5
6-7
8
9-10
11
12-14
15
16-17
18
19
20
21
22
23-24
26
21+27= 48
30+21= 51
22
35+22= 57
20
25+28+22= 75
35
22+16= 38
21
29
29
34
30
17+25= 42
3º Discurso de Bildad
Resposta de Job
25
26-31
6
14+23+28+25+31+40=
125
5
Apresentação de Eliú 32
feita pelo Narrador
1º Discurso de Eliú
32-33
2º Discurso de Eliú
34
3º Discurso de Eliú
35
4º Discurso de Eliú
36-37
Epílogo
1º Discurso de Javé
Resposta de Job
2º Discurso de Javé
Resposta de Job
Epílogo
38-39
39
40-41
42
42
17+33= 50
37
16
33+24= 57
41+32= 73
3
28+25= 53
6
11
NOTAS:
O 1º discurso de Elifax é o único discurso e resposta com espaço igual.
1º discurso de Bildad: Em 10, 4-5, Job pergunta a Javé se Ele é como o homem, se os
seus valores são como os dos homens. Parece-nos haver aqui uma antecipação a 2pe
3,8: «um dia diante do Senhor é como mil anos e mil anos como um dia», o que explica
uma descoordenação, chamemos-lhe assim, entre Javé e Job.
1º discurso de Sofar: Não compreendemos 14,4 contido na resposta de Job a Sofar:
«Quem fará sair o puro do impuro? Ninguém». Não compreendemos pois que, para
Santo Agostinho, deus revela maior poder retirando o mal do bem que acabando com
este.
220
Igualmente nos parecem incompreensíveis 14,13-15 contidos na resposta de Job a Sofar
e 24,19, contidos na resposta de Job ao 3º discurso de Elifaz: «Se pelo menos me
escondesse na região dos mortos, ao abrigo, até que a tua cólera tivesse passado, se me
fixasses um limite em que te lembrasses de mim! Se um homem, depois de morto,
pudesse reviver! Todo o tempo de meu combate eu esperaria até que me viessem
soerguer. Tu me chamarias e eu responderia; estenderias a tua destra para a obra de tuas
mãos» (...) «Como a seca e o calor absorvem a água das neves, assim a região dos
mortos engole os pecadores». Parece-nos haver aqui a necessidade sentida por Job de
haver uma vida pos-terrena e o o inferno ser só para os pecadores; o que implica haver
também um céu.
2º discurso de Elifax: Os versículos 15,8 e 38,4, do 2º discurso de Elifaz e do 1º de Javé
dizem: «Assististe porventura ao conselho de Deus, monopolizaste a sabedoria?»; Onde
estavas quando lancei os fundamentos da terra? fala se estiveres informado disso». Estes
versículos parecem anteceder São Paulo, Rom 9,19-20, onde o proceder divino tem
liberdade soberana: «mas quem és tu homem para contestar Deus?»
2º discurso de Bildad: A resposta de Job ao 2º discurso de elifaz contém dois versículos
que não compreendemos, 16, 19-20: «tenho já uma testemunha no céu, um defensor nas
alturas». àrece-nos haver aqui já o anjo pessoal. Esta testemunha será um anjo da guarda
sucessor do deus pessoal egípcio ou mesopotâmico?
As duas mais pequenas respostas de Job são ao 2º e 3º discursos de Bildad. Em 19,4,
«mesmo que eu tivesse verdadeiramente pecado, minha culpa só a mim diria repeito»,
fica a ideia que, em Israel, já era ideia assente que o pecado era da responsabilidade
individual.
2º discurso de Sofar: Em 18,4, Bildad afirma que, embora possa ter havido um erro na
actuação de Javé em relação a Job, não é por isso que a ordem do mundo tenha de ser
mudada.
Não existe o 3º discurso de Sofar, como tudo indicaria. Terá sido por ser o mais novo ou
por estar já derrotado ao 2º discurso?
3º discurso de Bildad: Trata-se da maior respostas de Job e do mais pequeno discurso
dos amigos.
Apresentação de Eliú feita pelo Narrador: Anexação posterior? Cremos que sim porque
não aparece 2,11 nem em 42,9; não é referido por Javé em 38,1 e o narrador tem
necessidade de gastar 5 versículos com a apresentação feita a meio dos diálogos 32, 1-5.
221
O LIVRO DE JOB E A «SABEDORIA» MESOPOTÂMICA
«Job» Sumério
Estrutura
semelhante,
exceptuando o Diálogo.
Outras semelhanças:
«Distribuiste-me sempre
sofrimento
(...)
os
quinhões são distribuídos
por todos, o quinhão que
me cabe é o sofrimento»,
como Job 7,3;
«meu deus, tu que és
meu pai», Job 10, 8-10;
«eles dizem- valorosos
os sábios... nunca existiu
dum velho», Job 14,4;
15,14;
«Deus que me mostraste
os
meus
pecados...
confessaria os meus
pecados perante ti», Job
23,3;
A
contradição
apresentada
pelo
sofredor sumério nas
linhas 26 e seguintes á
semelhante a Job 12,3;
13, 1-2. Exceptua-se a
revolta de Job contra os
sábios, que não existe no
sumério;
Deus fica contente com
as palavras pronunciadas
pelo sofredor; palavras
que são semelhantes a
Job 42,7, só que, aqui,
Deus está irritado.
Ludlul Bel Nemequi
Teodiceia
Tal como Job, o narrador Essencialmente
é um homem importante
diferente. Não caminha
e rico.
para a luz. Ao contrário,
Job foge dos intelectuais
Na tábua 2, apresentae
dirige-se
nos as origens do
essencialmente a Javé.
sofrimento
como
sobrenaturais. Também
diz que foi Deus quem
lhe deu o mal. Os deuses
são impenetráveis.
2, 119-120 é semelhante
a Job 19,25.
Tal como em Job, há
referência as limites da
razão humana, tal como
à brevidade da vida
humana.
Ao contrário dos amigos
de Job, o narrador
sumério não acha que
haja blasfémia tratar
desta problemática.
Job parece mais humano,
pois que tem hino de
louvor quer no início
quer no fim, ao contrário
do Job sumério e de
Ludlul Bel Nemequi.
222
O LIVRO DE JOB E A «SABEDORIA» EGÍPCIA
Anii
Amenemope
(Pseudo) Merikaré
Aparece
um Afirma-se o dogma de Como em Job, a vida é
representante da faixa
Job: «do the good and
perene: life on hearth, it
de uma faixa etária
you will prosper, 15,5.
is not long», 41.
mais jovem e, ao Semelhante a Job 10,9, Maior
contrário de Sofar,
quando afirma: «man is
transcendentalização e
discorda da ortodoxia.
clay and straw, the god
humanização do deus:
Contudo, também não
is his bilder», 25, 13-14.
«god
who
knows
concorda com o sábio. Aparece
characters is hidden; one
um
deus
can not oppose the lord
Afirma-se, como em
transcendente
e
Job, a mudança e a
of the land, he reaches
primordial, como se
inatabilidade na vida:
all that the eyes can
pode inferir de «he
«one man is rich,
see», 124-125.3
gives it to whom he
another is poor (...) Man
é
o
wishes», 20,6; «the Semelhante
does not have a single
words men say are one
«pequeno
gênesis»,
way, the lord of life
linhas
131-133,
thing, the deeds of the
confounds him», 5-10.
god are another», 18,
principalmente quando
fala
do
monstro
16-17.
marinho, como em Job
Também os desígnios de
3,8;9,13;40,2;41,25.4
deus são impenetráveis:
«indeed you do not
know the plans of the
god», 22, 8.
3
Será que ao pretender falar directamente com Javé, Job pretendia humanizá-lo (mais)?
NOTA GERAL: ser semelhante não significa ser cópia, tanto mais que as semelhanças se encontram
mais a nível das ideias que literal.
4
223
PLANO DO «DIÁLOGO» D’ O LIVRO DE JOB
224
Os 3 Amigos
1º de Elifaz, Job 4-5
Apresentação
do
dogma que afirma o
acto humano de
acordo
com
a
retribuição dada por
Javé..
1º de Bildad, Job 8
Ortodoxo como o
anterior. Para este
amigo, é mais que
certo que Javé não
dá a mão a malvados
e não rejeita os
íntegros. Para provar
isto (parece) dar
querer dar como
exemplo o caso dos
filhos de Job.
1º de Sofar, Job 11
Ortodoxo como os
anteriores.
Apresenta algo de
novo: os desígneos
de
Javé
são
impenetráveis.
2º de Elifaz, Job 15
Job tem de ter
pecado pois que até
os anjos são impuros
aos olhos de Javé.
Apresenta
interessante
argumentação: Job
não pode saber mais
que os outros, ou
Job
Eliú
Javé
Job 3
Apresentação
da
problemática.
O
dogma
teórico
negado
pela
experiência pessoal.
Crise da Sabedoria.
Job 6-7
A recompensa é na
terra,
assim,
«mostrai-me onde
falhei», 6,24.
Job 9-10
A realidade mostra o
contrário: os maus é
que vivem bem.
Javé é todo poderoso
e foi Ele que
distribuiu o mal.
Job clama que não
pode
justificar-se
perante Javé.
Job 12-14
Job aparce zangado.
Ele também é um
sábio e sabe tanto
quanto os outros.
Algo está errado e
só Javé, a fonte da
Sabedoria,
pode
explicar a Job o que
aconteceu
e
as
razões
do
acontecido.
Job 16-17
Palavras bonitas mas
tolas,
face
à
situação. A vida é
breve
e
a
recompença, que é
dada neste mundo,
tarda.
225
seja, não pode negar
o dogma pois não
foi conselheiro de
Javé.
2º de Bildad, Job 18
Reafirmação do já
dito. Bildad critica
mesmo Job por
querer que, paós ele,
o Dilúvio.
2º de Sofar, Job 20
Simples
reafirmação. Nada
de
novo
a
acrescentar.
3º de Elifaz, Job 22
Reafirmação
do
dogma com uma
nova argumentação:
Javé está acima das
obras humanas e,
assim, não há razão
para o dogma falhar.
Job 19
reafirmação
da
inocência e de que o
mal lhe foi dado por
Javé.
Job 21
Também
sem
novidade.
Representa a sua
triste realidade.
Job 23-24
Job concorda com o
dogma. Mas Javé
faz o que quer e,
assim,
só
um
contacto
directo
entre
ambos
resolverá
o
problema.
3º de Bildad, Job 25 Job 26-31
Reafirma-se:
Job Job defende a sua
tem de ter pecado.
inocência. Eles, os
amigos, nada podem
afirmar pois não
possuem
a
verdadeira
Sabedoria
e
Inteligência.
1º de Eliú, Job 32-33
Introduz-se o quarto
amigo
porque
nenhum dos três
conseguiu
dar
resposta
aos
argumentos de Job.
A
Sabedoria
pertence a Javé e ele
ensina de muitas
maneiras:
por
sonhos e pela dor.
Job é que não ouve.
2º de Eliú, Job, 34
Reafirma o dogma
ao mesmo tempo
226
que afirma que Job
peca ao falar contra
Javé.
3º de Eliú, Job 35
Javé está acima do
acto acto humano.
4º de Eliú, Job 36-37
Impenetrabilidade
dos discursos de
Javé. Termina com a
única
solução
possível: entregar-se
humildemente nas
mãos de Javé.
Job 39,33
Job
não
tem
resposta. A realidade
é mesmo isso.
Job 42,1-6
Job humilha-se, mas
parece ter ganho
coragem
para
interpelar Javé e
apresentar-lhe a sua
situação.
Job
acredita
porque
Javé, todo poderoso,
justiceiro
e
impenetrável, o diz.
Resumo:
Resumo:
Infabilidade
do Vida de justo e
de
dogma
acto
= recompensa
retribuição. É a injusto. Tal facto
1º de Javé, Job 3839
Javé fala de forma
cabal e o narrador
fá-lo
sair
da
tempestade,
tal
como deus de Jacob.
Job nada sabe. Javé
sabe o que faz e
mostra a Job a
perfeição do mundo.
Novidade é a razão
que Javé apresenta
para explicar o
sofrimento humano:
39, 16-17.
2º de Javé, Job 4041
Depois da maravilha
que é o mundo,
indicador de um
deus bondoso, vem
o discurso do poder
castigador de Javé.
Mesmo os animais
que mais medo
metem ao homem
são obra de Javé.
Epílogo
Cegou-se ao fim: o
dogma está certo.
Resumo:
Resumo:
Os
desígneos Javé é que sabe. Ele
divinos
são é bom, justo, logo,
impenetráveis. Javé nunca erra.
227
experiência que o
diz e o próprio Javé
o conta a Elifaz
através de sonhos.
Javé não erra, pois
só ele é puro e se
encontra acima dos
actos humanos, diz
Elifaz. Os desígneos
de
Javé
são
impenetráveis,
conclui Sofar.
A incapacidade
racional
na
explicação
conduz
um
teimosia ridícula,
porque
inadaptada.
prova,
até
à
exaustão, o erro do
dogma, que toda a
vida aceitou. As
palavras
que
o
defendem são lindas,
mas só um diálogo
directo com Javé
poderá desbloquear
a situação.
Situação
vivencial
inexplicável à luz
da
cultura
secular, donde,
surge
uma
situação
de
rebeldia
à
ortodoxia e de
dúvida face à
validade
dessa
mesma ortodoxia.
está acima dos actos Javé
fala
humanos.
É
a
tempestade.
Sabedoria e, não
comentendo erros,
Javé é a Justiça.
Deste
modo,
entregar-se nas suas
mãos é a opção
inteligente.
da
228
Fontes
Bíblia Sagrada
Estado Maior do Exército. (1930). Carta Topográfica de Portugal, 7.
La Bible de Jerusalem, Éditions du CERF
Literatura Sapiencial do Egipto e Mesopotâmia
Livro de Henoch
LUIZ, Manuel. (1841). Configuração do lanço destrada comprehendido entre o sitio da
Porcalhota e o atalho de Queluz para Bellas, com as rectificações aprovadas em
1835... (litografia). Cota: PT-GEAEM-4221-1-3A-6.
Portais da NET
http://aculpaedalingua.blogspot.com/2013/03/terras-com-nomes-estranhos-emportugal.html
http://correspondentesbras.blogs.sapo.pt/hortas-urbanas-na-amadora-24212
http://falemossinceramente.blogspot.com/2012/11/terras-portuguesas-com-nomesestranhos.html
http://kids.pplware.sapo.pt/curiosidades/30-terras-portuguesas-com-nomes-engracados/
http://porterrassefarad.blogspot.pt/2013/11/sugestao.html
http://roteirocva.blogspot.pt/
http://teolovida.blogspot.pt/2015/10/semiramis-astarte-e-cibele-evolucao.html
http://www.arqnet.pt/dicionario/realagua.html,
http://www.cm-amadora.pt/cultura/patrimonio/757-outros-monumentos-igrejamariz.html
http://www.cm-amadora.pt/patrimonio-cultura/309-outros-monumentos/542-quinta-doassentista,
http://www.cm-vianadoalentejo.pt/pt/site-municipio/cmunicipal/Paginas/Brasao.aspx
http://www.ngw.nl/heraldrywiki/index.php?title=Viana_do_Alentejo_(city)
https://amateriadotempo.blogspot.com/2011/06/padroeira-dos-campinos.html
https://pt.slideshare.net/InsMarques6/as-invases-francesas-12912591
https://pt.wikipedia.org/
https://terraruim.wordpress.com/2010/01/20/o-olho-do-cu-e-a-feira-de-castro/
https://www.academia.edu/19506579/OS_GADOS_NA_TOPON%C3%8DMIA, em
229
https://www.online24.pt/nomes-engracados-de-terras-portuguesas/
Referências Bibliográficas
AAVV, Sífilis, consultado em http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADfilis em 11 de
Agosto de 2011.
AAVV. (1905, Agosto 28). Ilustração Portuguesa, p. 675.
AAVV. (1906). Portugal e Espanha: Planta Geral da Linha de Fronteira desde a Foz
do Rio Minho até à Confluência do Rio Caia no Guadiana. Lisboa: DGARQ.
Disponível em: http://digitarq.dgarq.gov/viewer?id=4648190
AAVV. (1989, Junho 1). «A Festa no Início do Século», in .À Margem, p.2.
AAVV. (1991). Evangelhos Apócrifos. Lisboa: Editorial Estampa
AAVV. (1992). O Evangelho Segundo Tomé. Lisboa: Editorial Estampa
AaVv. (1995, Novembro 9). Pequim Distribui 280 Milhões de Toneladas de Couves,
em A Capital, p. 10.
AAVV. (2000). Amadora. História e Património. Amadora: Câmara Municipal da
Amadora.
AaVv. (2001). http://www.angelfire.com/ab/jogos/Tradicionais/ganso.html retirado a 11
de Dezembro de 2012.
AAVV. (2008). Dicionário Latim-Português. Porto: Porto Editora.
AAVV.
(2009).
Festa
da
Árvore.
Recuperado
em
http://taveredehistorias.blogspot.com/2009/12/festa-da-arvore-1916.html
AAVV. (2010). Liturgia Diária – A Missa de Cada Dia, 8, 89, Lisboa, Paulus Editora
AAVV.
(2012).
Anjo
Custódio
de
Portugal.
Retirado
de
http://portugalmisterioso.no.comunidades.net/index.php?pagina=1594777038_02
AAVV. (2015). Alfornelos. Recuperado em 04 de Junho de 2015, em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfornelos.
AaVv.
(2015).
Que
Linda
Falua.
Em
http://alfarrabio.di.uminho.pt/cancioneiro/html/107.html, retirado a 16 de Maio de 2015.
AAVV. (2015, Maio, 1). Hortas no IC19, Jornal I.
ALMEIDA, António. (2004). O Iconólogo detective: A Descoberta de aproveitamento
iconográfico na ilustração de livros… Revista da Faculdade de Letras Ciências e
Técnicas do Património. 1,3, 163-182. Recuperado em 2009, Novembro 23 em
ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4089.pdf
230
ALMEIDA, Fernando Rodrigues. (2009). O Outro Lado da História. Odemira: Câmara
ALMEIDA, Fernando Rodrigues. (2015). A Origem da Língua Portuguesa. Disponível
ALMEIDA, Fernando Rodrigues. (2015). Os Gados na Toponímia. Disponível em
ALMEIDA, Fernando. (2007). A Origem da Língua Portuguesa. Lisboa: Chiado
Editora.
ALVAR, Jaime e Outros, Cristianismo Primitivo y Religiones Mistéricas, Madrid,
Catedra, 1995.
Anuário Católico. (2015). Recuperado em 04 de Junho de 2015, em
http://www.anuariocatolicoportugal.net/ficha_paroquia_padre.asp?paroquiaid=1754
APOLODORO, Biblioteca, Madrid, Editorial Gredos, 1985.
Assírio & Alvim.
ASSUNÇÃO, Ana Paula. (Coord.). (2011). Igreja Matriz de Nossa Senhora da
Purificação de Bucelas. Templo de memórias. Bucelas: Junta de Freguesia de Bucelas.
Atienza, Juan G. (2000). Grabados para la Eternidad. Mistérios de la Arqueologia. 4,
pp .24-33.
AZEVEDO, Carlos. (2013b). Santuário da Lapa. Em AZEVEDO, Carlos, HORMIGO,
José J. e Cima, Fernando de (Org.) Igreja de Nossa Senhora da Lapa da Falagueira.
Amadora. Falagueira: Paróquia, pp. 11-13.
AZEVEDO, Pedro A. D. (1904 a). A Freira e o Diabo. A Tradição. Vol. 4, Ano 4, nº 5,
pp. 70-75
AZEVEDO, Pedro A. D. (1904 b). A Freira e o Diabo. A Tradição. Vol. 4, Ano 4, nº 6,
pp. 87-90
BARBET, Pierre. (1972). Cavaleiros do Espaço. Lisboa: Livros do Brasil.
BARNET, W.F. (1967). «Satan», in New Catholic Encyclopedia, Vol. 12, by the
Catholic University of America. New York: Mc Graw-Hill
BAROJA Julio. (1985). La Estación de Amo. Madrid, Taurus Ediciones.
BENOIST, Luc. (1975). Signos, Símbolos e Mitos. Lisboa, Edições 70.
BIGOT, L. «Livre de Job». (1925). in Dictionnaire de Théologie Catholique, Drg. A.
Vacant et E. Mangenot, Tome 8, 2e. Partie, Paris, Librairie Letouzey et Ané, 1925, Cls.
1458-1586
BISHOP, Clifford. (1997). Le Sexe et le Sacré. Paris: Albin Michel.
BRAGA, Teófilo. (1994). O Povo Português nos Seus Costumes, Crenças e Tradições.
Volume 2. Lisboa, Publicações D. Quixote.
231
BRAGA, Teófilo. (1995). O Povo Português nos Seus Costumes, Crenças e Tradições.
Vol 1. Lisboa: Publicações D. Quixote.
BRAUDEAU, Michel. (2004, 08-12). E Nicolau Tornou-se Pai Natal, em Público, pp.
24-25.
CABRAL, João Pina. (1989). Filhos de Adão. Filhas de Eva. Lisboa: Publicações D.
Quixote.
CALLIXTO, Vasco. (1987). Páginas da História da Amadora. Amadora: Câmara
Municipal da Amadora
CÂMARA MUNICIPAL DE VENDAS NOVAS. (2013a). Era Uma Vez Uma
Princesa.
Disponível
em:
http://www.cm-
vendasnovas.pt/pt/conteudos/Munic%c3%adpio/imagem%20institucional/Imagem%20I
nstitucional%20%20Era%20uma%20vez%20uma%20princesa.htm
CÂMARA MUNICIPAL DE VENDAS NOVAS. (2013b). História. Disponível em:
http://www.cm-vendasnovas.pt/pt/conteudos/o+concelho/historia/
CAMPOS, Luciana de. (2013, Abril). In Taverna Quando Sumus: A taberna medieval
como espaço de prazer e poder. História, imagem e narrativas. 16, pp. 1-20. Disponível
em ‐ http://www.historiaimagem.com.br
CARÉNINI, André. (1990). A Simbólica das mãos. Em Jean Poirier (Dirc.) História
dos costumes. O Amor, a palavra, o gesto e os modos de pensar. Lisboa: Editorial
Estampa, pp . 59-115
CARREIRA, José Nunes. (?) «Apontamentos da Universidade Católica Portuguesa
sobre o Livro de Job», Texto dactilografado.
CARREIRA, José Nunes. (1985). Estudos de Cultura Pré-Clássica. Lisboa: Editorial
Presença
CARVALHO, António Maria Romeiro (1985). «Satan no Livro de Job», Trabalho
Dactilografado. Lisboa: F.L.L.
CARVALHO, António Maria Romeiro. (1993) A Procissão dos Homens no Ladoeiro:
Espaço, Tempo e Ritos Agrários Quaresmais. Forum Sociológico, 3, pp. 30-42.
CARVALHO, António Maria Romeiro. (1999). Os Números na Cultura Popular.
Cultura Popular. Fundão: Centro de Formação Concelhio do Fundão. pp. 51-64.
CARVALHO, António Maria Romeiro. (2002). Um memorial em Odivelas. Em
Jornadas de Cultura Saloia. Câmara Municipal de Loures.
232
CARVALHO, António Maria Romeiro. (2003). Os Números na Tradição e Cultura
Mediterrânica. História, 62, 52-57.
CARVALHO, António Maria Romeiro. (2008). Aldeia e espaço simbólico. Como
Limita e apropria o rural o seu espaço. Permanências e Rupturas. (Tese de
Doutoramento Original, Universidade Nova de Lisboa).
CARVALHO, António Maria Romeiro. (2009). Fontes da Beira Interior. Segredos da
Água e da Pedra. Em (Org). Santos, João marinho e Catana, António Silveira. Memória
e História Local – Colóquio Internacional, Idanha-a-Nova, Junho de 2009. Lisboa:
Palimage
CARVALHO, António Maria Romeiro. (2011). Virgem Negra, Maria Madalena e
Nossa Senhora da Conceição. A continuidade de um Culto Pagão. Açafa on line, 2011.
Visível em www.altotejo.org
CARVALHO, António Maria Romeiro. (2013). Toponímia e Organização Espacial. A
Fundação de Povoações, Lugares e Ruas. Açafa, 6. Disponível em www.altotejo.org
CARVALHO, António Maria Romeiro. (2017). Toponímia do Concelho de Idanha-aNova. A Língua dos Fenícios, Cartagineses e Lusitanos na Região. Idanha-a-Nova:
Câmara Municipal.
CASSIRER, Ernst. (1953). La Philosophie des Formes Symboliques. Paris : Éditions du
Minuit
CHEVALIER, Jean e CHEEBRANT, Alain. (1982). Dicionário dos Símbolos. Lisboa:
Editora Teorema.
CHINITA, Filipe Jorge. (2006). Rumo ao Futuro (Volume 1). Vendas Novas. O
Caminho da Liberdade. Vendas Novas: Câmara Municipal.
Ciberdúvidas
da
Língua
Portuguesa,
(2020).
https://ciberduvidas.iscte-
iul.pt/consultorio/perguntas/ir-mandar-para-o-maneta/13060
CNCCR (2010). 29 de Maio de 1910. Festa da Árvore na Amadora. Recuperado em
http://www.centenariorepublica.pt/consteudo/29-mio-de-1910-festa-da-%C3%A1rvorena-amadora em 2010, Julho 19.
COELHO, Adolfo. (1993). Contos Populares Portugueses. Lisboa: Publicações D.
Quixote.
COELHO, António Borges e MARQUES, Gustavo. (1991). Venda Novas: História e
Património. Vendas Novas: Câmara Municipal.
233
COELHO, António dos Santos. (1982). Subsídios para a História da Amadora.
Amadora: Câmara Municipal da Amadora.
CORRAL, José Luís. (2007). El Lenguaje de las Catedrales. Historia. National
Geographic, 40, pp. 78-91.
CORREIA, Fernando Cecílio Calapez. (1991, Junho14). A Amadora antes da Grande
Explosão Demográfica. Em História, 13,141, pp. 30-55.
Custódio Vieira. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult.
2013-09-26]. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$custodio-vieira>.
de 2016.
DIAS, Jaime Lopes. (1948). Etnografia da Beira, volume 7. Lisboa: Livraria Ferin
DIAS, Jaime. (1966). Etnografia da Beira. vol. 5. Lisboa, Livraria Ferin.
DINIS, Júlio. (2005). A Morgadinha dos Canaviais. Porto: Porto Editora. (Edição
original de1868).
ELIADE, Mircea. (1952). Imagens e Símbolos. Lisboa: Arcádia Editora.
ELIADE, Mircea. (1956). O sagrado e o Profano. A Essência das Religiões. Lisboa:
Livros do Brasil.
ELIADE, Mircea. (1957). Mitos, Sonhos e Mistérios. Lisboa: Edições 70.
ELIADE, Mircea. (1960). O Mito do Eterno Retorno. Lisboa: Edições 70
ELIADE, Mircea. (1963). Aspectos do Mito. Lisboa: Edições 70
ELIADE, Mircea. (1969). Origens. História e Sentido na Religião. Lisboa: Edições 70
ELIADE, Mircea. (1987). Ferreiros e Alquimistas. Lisboa: Relógio d’Água.
ELIADE, Mircea. (1992). Tratado da História das Religiões. Porto: Edições Asa. Ed.
Original de 1949.
ELIANO, Claudio, Historia de los Animales, Madrid, Ediciones Akal, 1989.
em https://plus.google.com/u/0/111771783381888269675?cfem=1, em 2 de Outubro
ESCOLA PRÁTICA DE ARTILHARIA. (2013). Resenha Histórica. Disponível em:
http://www.exercito.pt/sites/EPA/Historial/Paginas/default.aspx
FERAUDY, Roger. (1995). Religião e Cosmos. O Mistério das Religiões e Origem do
Homem. Brasília: Thesaurus.
FOIOS, Aboim e BILAC, Olavo. (1913, Janeiro 25). Hino das Árvores, Século
Agrícola, ano 2, nº 26.
FULCANELLI. (1964). O Mistério das catedrais. Lisboa: Edições 70. (Edição original
de 1929).
234
FUNDAÇÃO PORTUGUESA DAS COMUNICAÇÕES (2013). Arquivo Histórico.
Disponível
em:
http://bh1.fpc.pt/gahd/cgi/winlib.exe?skey=89033693EFAE480687E9F49DF3EAB565
&pesq=3&pag=1&sort=4&tpp=10&cap=1%2C2%2C3%2C4%2C5%2C6%2C7%2C8
%2C9%2C10%2C11%2C12%2C13%2C14%2C15%2C16%2C17%2C18%2C19%2C2
0%2C21%2C22%2C23&var3=&var6=&var9=Vendas Novas
GANDRA, Manuel J. (2012). O Anjo Custódio de Portugal. Retirado de
http://casadofauno.wordpress.com/2012/05/29/palestra-o-anjo-custodio-de-portugal/
GEOCACHING
(2013).
Capela
Real.
Disponível
em:
http://www.geocaching.com/seek/cache_details.aspx?guid=040a93d3-2ebd-4fa7-b2df6f2658dcc172
GOMES, J. Pinharanda. (2012). O Anjo da guarda de Bucelas. Disponível em
http://www.gmrbemposta.com/osceifeirosdabemposta/content.php?page=tema&idtema
=16&seccao=2
GOMES, Mariana e SANTOS, Isabel Dâmaso. (2007). Tradição Devocional de Santo
Disponível
António.
em:
http://www.clul.ul.pt/files/mariana_gomes/TRADICAO_DEVOCIONAL_DE_SANTO
_ANTONIO.pdf
GOMES, Paulino. (2000). Amadora. Razões e Razões duma Identidade. Amadora:
Câmara Municipal da Amadora.
GRIMM, Jacob e GRIMM, Wilhelm. (1993). Contos de Grimm. Lisboa: Publicações
Europa-América.
GUIMARÃES, Delfim. (1910). A Árvore. Amadora, Liga dos Melhoramentos da
Amadora.
HALLAM, Elisabeth. (1998). Os Santos. Lisboa: Editora Livros e Livros.
HERÓDOTO.
(2006).
Histórias.
EBooksBrasil.
Disponível
em:
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/historiaherodoto.html
HORMIGO, José J. Mendes. (1983). Testamento de Vasco Martins Rebolo. Senhor do
Casal da Falagueira (Amadora) Cavaleiro Del Rei D. Afonso III. Ano de
1299.Amadora: Edições Património
HORMIGO, José J. e Cima, Fernando de (Org.) Igreja de Nossa Senhora da Lapa da
Falagueira. Amadora. Falagueira: Paróquia, pp. 15-30.
235
HORMIGO, José J. Mendes. (2013b). Aspectos Artísticos. Em AZEVEDO, Carlos,
HORMIGO, José J. e Cima, Fernando de (Org.) Igreja de Nossa Senhora da Lapa da
Falagueira. Amadora. Falagueira: Paróquia, pp. 31-54.
HORMIGO, José J. Mendes. (2013c). Festas e Feiras Públicas de Nª Sª da Conceição da
Lapa. Em AZEVEDO, Carlos, HORMIGO, José J. e Cima, Fernando de (Org.) Igreja
de Nossa Senhora da Lapa da Falagueira. Amadora. Falagueira: Paróquia, pp. 55-63.
HUMPHREY, Caroline e VITEBSKY, Piers. (1997). Arquitectura Sagrada. Lisboa:
temas e Debates.
IGESPAR. (2008). Palácio Real de D. João V. Disponível em:
http://www.igespar.pt/en/patrimonio/pesquisa/geral/patrimonioimovel/detail/10420759/
JUNG, Carl (1987). O Homem e os Seus símbolos. São Paulo, Editora Nova Fronteira.
Junta de Freguesia de Bucelas. (2012). Heráldica. Disponível em http://www.jfbucelas.pt/
LEA, Henry Charles. (1908). História da Inquisição Espanhola.
LEAL, Ernesto. (2009). Religião Civil na I República Portuguesa. Comunicação no
Colóquio Poder Espiritual/ Poder Temporal. Lisboa, Academia Portuguesa de História.
LEAL, Pinho. (1874). Portugal Antigo e Moderno…. Lisboa: Livraria Editora Matos
Moreira
e
Companhia.
Consultado
em
14
de
Junho
de
2015
em
http://archive.org/search.php?
LESSARD-HÉBERT, Michelle, GOYETTE, Gabriel e BOUTIN, Gérard. (1994).
Investigação Qualitativa. Fundamentos e Práticas. Lisboa: Instituo Piaget
LÉVÊQUE, Jean. (1985). Job et Son Dieu. Essai d’Exègèse et de Théologie Biblique, 2
Tomes, Paris: Librairie Lecoffre.
LÉVÊQUE, Jean. (1985). Job. Le Livre et le Message, Cahiers Evangile. Paris. Ed. du
CERF, 1985, pp. 62
LOPES, António Cardoso. (1989). Apontamentos para a História da Amadora.
Amadora: Câmara Municipal da Amadora.
LUSITANO, Amato. (1551-1561). Centúrias de Curas Medicinais. Crespo, Firmino.
(Trad. 1980). Lisboa: Universidade Nova de Lisboa
MADALENO, Isabel Maria. (2006). História Económica da Companhia das Lezírias,
em História Económica & História De Empresas, IX. 2, pp. 155-204.
MAGRO, Maria Alice Romão. (1946). Povoamento e Toponímia. Para o Estudo das
Suas Relações em Portugal. (Dissertação de Licenciatura). Lisboa: FLUL.
236
MANGENOT, E., «Demon». (1920). in D.T.C., Tome 4, 1.e Partie, 1920, Cls. 321-339
MARQUES, Manuel António. (1992). Monografia da Freguesia de Ourentã. Coimbra:
sem editora.
MATIAS, José Calmeiro. (1967). «O Pecado- Face Negativa da Humanidade»,
Communio, Ano 1, nº 5, Lisboa.
MAUSS, Marcel. (1993). Ensaio sobre a Dádiva. Lisboa, Edições 70.
MENDES, Rui Manuel Mesquita. (2016). Lisboa e a Grande Estremadura: História e
Património. Quinta dos Espadeiros.
MESTICA, Giuseppina Sechi. (1993). Dicionário Akal de Mitologia Universal. Madrid:
Ediciones Akal.
MICHL, J.. 1967). «Ángel», in Diccionário de Teología Bíblica, Drc. Johannes B.
Bauer. Barcelona: Ed. Herder. Cls. 76-88
MIRANDA, Jorge Augusto e VIEGAS, João Carlos. (1992). Moinhos de Vento do
Concelho de Oeiras. Oeiras: Câmara Municipal de Oeiras.
MIRANDA, Jorge Augusto. (2004). Cintura Moageira Pré-Industrial de Lisboa. Breve
Caracterização. Em ARQA. Património em Revista. Nº 1, pp. 6-15.
MOLYNEAUX, Brian Leigh. (2002). A Terra Sagrada. Espíritos da Natureza, Locais
Antigos e Sagrados, Criação e Fertilidade. Duncan: Evergreen.
MOULIN, Anne-Marie e DELORT, Robert. (1991). Sífilis – mal americano? Em (Org.)
Duby, Georges. Amor e sexualidade no ocidente. Lisboa: Terramar, pp. 295309.Municipal de Odemira.
NEVES, Vítor M. L. (1991). Amadora Grande e Desconhecida. Monografia. Edição do
Autor.
NUNES, M. Dias. (1899). As Tábuas de Moisés. A Tradição. 1,7, 107-110
O’DEA, Thomas. (1966). Sociologia da Religião. São Paulo: Livraria Pioneira Editora.
OLIVEIRA, Carlos e FERREIRA, José Gomes. (1977). Contos tradicionais
Portugueses, 4 Volumes. Porto: Iniciativas Editoriais.
OLIVEIRA, Ernesto Veiga. (1984). Festividades Cíclicas em Portugal. Lisboa,
Publicações D. Quixote.
PACHECO, Elsa. (2004). Alteração das Acessibilidades e Dinâmicas Territoriais na
Região Norte: Expectativas, Intervenções e Resultantes. (Tese de Doutoramento
original). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
237
PAIS, Artur Aleixo. (1985). Vendas Novas. Das Origens do Povoado a Sede do
Concelho. Volume 1. Vendas Novas: Edição do Autor.
PEDROSO, Consiglieri – Contribuições para uma mitologia portuguesa e outros
escritos etnográficos. Lisboa: P. D. Quixote, 1988.
PEIXOTO, Rocha. (1990). Etnografia Portuguesa. Lisboa, Publicações D. Quixote.
PESSOA, Fernando. (1929). A Mensagem. Lisboa: Publicações Europa-América
PETTIT-SKINNER, Solange. (1990). O Homem e a sexualidade. Em Poirier, Jean.
(Org.) História dos Costumes. (Vol. 5). Lisboa: Editorial Estampa, pp. 243-269.
PHILIP, Neil. (1997). Livro Ilustrado de Contos de Fadas. Porto: Livraria Civilização.
PINHO LEAL, Augusto. (1873). Portugal Antigo e Moderno… Lisboa: Livraria Editora
de
Matos
Moreira
&
Cª,
Disponível
em:
http://www.freguesias.pt/portal/lendas_freguesia.php?cod=110702
PINTASSILGO, Joaquim. (2005). A Revista de Educação Geral e Técnica no Contexto
de Portugal Republicano. O Debate sobre a Educação Cívica. Comunicação no VII
Congresso Ibero-americano de Historia da Educação Latino-americana, Quito.
POPE, Marvin H. (1965). The Anchor Bible, 15- Job. New York: Doubleday & Ce.,
PORTAL DE FÁTIMA. (2012). Retirado de http://www.fatima2017.org/pt/menutopo/textos-e-documentos/historia/as-aparicoes-do-anjo-em-1915-e-1916-pelo-pluciano-cristino
PRAGER, M. (1967). «Sátan», in D.T.B., Cls. 976-982
PROENÇA, Padre Álvaro Proença. (1964). Benfica Através dos Tempos. Lisboa:
Ulmeiro.
QUEIRÓS, Eça de. (2006). Os Maias. Porto: Porto Editora. (Edição original de1888).
QUINTAS, Sofia. (2003). Nossa Senhora d' Aires? A Lenda e a Feira.
http://www.pontosdevista.net/expoi.php?id=108
RAD, Gerhard von. 1970). Israel et la Sagesse. Genève: Ed. Labor et Fides
REIS, Filipe. (1991). Educação, Ensino e Crescimento. O Jogo Infantil e a
Aprendizagem do Cálculo Económico em Vila Ruiva. Lisboa: Escher.
REIS, Jacinto dos. (1967). Invocações de Nossa Senhora em Portugal de Aquém e
Além-Mar e seu Padroado. Lisboa: sem editora.
REZENDE, João Vieira. (1944). Monografia da Gafanha. Coimbra: sem editora.
RICHARD, (1913). «Fils de Dieu», in D.T.C., Tome 5, 2.e Partie. Cls. 2353-2475
RODRIGUES, Nuno. (1986). A Festa. Amadora, Casa da Cultura Roque Gameiro.
238
SANCHES, A. Bordalo. (2003). Isentos de Franquia em Portugal. As Correspondências
Particulares, A Filatelia Portuguesa Digital, p. 116.
SANTO, Moisés E. (1984). A Religião Popular Portuguesa. Lisboa, Assírio & Alvim.
SANTO, Moisés Espírito, (1988), Origens Orientais da Religião Popular Portuguesa
seguido de Ensaio sobre Toponímia Antiga, Lisboa: Assírio & Alvim.
SANTO, Moisés Espírito, (1989), Fontes Remotas da Cultura Portuguesa. Lisboa:
Assírio & Alvim.
SANTO, Moisés Espírito, (1993), Dicionário Fenício-Português. Lisboa: U.N.L.
SANTO, Moisés Espírito. (1988). Origens da Cultura Popular Portuguesa. Lisboa:
Assírio & Alvim
SANTO, Moisés Espírito. (1993). Dicionário Fenício-Português. Lisboa: UNL
SANTO, Moisés Espírito. (1993). Origens do cristianismo português, precedido de A
Deusa Síria de Luciano. Lisboa: UNL.
SANTO, Moisés Espírito. (1995). Os Mouros Fatimitas e as Aparições de Fátima.
Lisboa: UNL
Santo, Moisés Espírito. (1997). O Brasonário Português e a Cultura Hebraica. Lisboa:
UNL
SANTO, Moisés Espírito. (2000). Comunidade Rural a Norte do Tejo. Vinte Anos
Depois. Lisboa: UNL.
SANTO, Moisés Espírito. (2004). Cinco Mil Anos de Cultura a Oeste. Lisboa: Assírio
& Alvim.
SARAIVA, Carlota Abrantes. (s.d.). Mosteiro de S. Dinis de Odivelas. Trabalho
dactilografado.
SILVA, Alves. (1994a, 6 a 13 de Janeiro). As Descendentes da Velha Elias Garcia.
Jornal da Amadora, pp. 1-2.
SILVA, Alves. (1994b, 19 de Maio). Bairro de Santa Filomena na Amadora. Jornal da
Amadora, pp. 1-2.
SILVA, Alves. (1996a, 29 de Fevereiro). Alto Maduro, Porquê? Jornal da Amadora,
pp. 1-3.
SILVA, Alves. (1996b, 11 de Julho). O Bairro das Fontaínhas e das Cruzes. Jornal da
Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (1997, 17 de Julho). Topónimo Damaia e as Meninas Belas. Jornal da
Amadora, p. –
239
SILVA, Alves. (1998, 11 de Junho). Passear pela Elias Garcia,5. Jornal da Amadora, p.
3.
SILVA, Alves. (1999, 3 de Junho). Amadora de Outros Tempos. Cova da Moura.
Jornal da Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2000a, 20 de Julho). A História. Jornal da Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2000b, 27 de Julho). A História. Jornal da Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2000c, 23 de Março). Amadora de Outros Tempos. Bosque, Um Nome.
Jornal da Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2002, 17 de Outubro). Nomes Bem Curiosos dos Lugares Antigos e
Modernos. Jornal da Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2005a, 17 de Março). Monte da Galega. Jornal da Amadora, p. 8.
SILVA, Alves. (2005b, 17 de Março). Quantos Sítios da Laje Tem a Amadora? Jornal
da Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2005c, 29 de Setembro). Falagueira. Razão do Nome. Jornal da
Amadora, p. 1-3.
SILVA, Alves. (2005d, 13 de Outubro). Alfragide. Qual o Significado do Nome. Jornal
da Amadora, pp. 1-3.
SILVA, Alves. (2005e, 27 de Outubro). Porcalhota. Razão do Nome. Jornal da
Amadora, pp. 1 e 3.
SILVA, Alves. (2005f, 10 de Novembro). Carenque. Proveniência do Nome. Jornal da
Amadora, pp. 1 e 3.
SILVA, Alves. (2006a, 12 de Janeiro). Lugar de Montinel. Jornal da Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2006b, 9 de Março). A-da-Beja. Nome de Origem Árabe?. Jornal da
Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2006c, 1 de Junho). Origem das Palavras das Terras Amadorenses e
não Só. Jornal da Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2006d, 21 de Setembro). A-da-Beja. Quem São os Maçons das Ruas da
Amadora? Jornal da Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2006e, 12 de Outubro). Rascoeira. Proveniência do Nome. Jornal da
Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2006f, 26 de Outubro). Praceta da Carranca. Um Nome Carrancudo.
Jornal da Amadora, p. 7.
240
SILVA, Alves. (2006g, 2 de Novembro). Buraca. Proveniência do Nome. Jornal da
Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2006h, 23 de Novembro). Boba. Proveniência do Nome. Jornal da
Amadora, p. 3.
SILVA, Alves. (2007a, 24 de Maio). Proveniência do Nome Reboleira. Jornal da
Amadora, pp. 1 e 8.
SILVA, Alves. (2007b, 31 de Maio). Proveniência do Nome Venda Nova. Jornal da
Amadora, pp. 1 e 8.
SILVA, Alves. (2007c, 21 de Junho). Ribaldeira. Origem do Nome. Jornal da
Amadora, p. 8.
SILVA, Alves. (2007d, 12de Julho). Alfornelos. Terrada Cal e do Barro. Jornal da
Amadora, pp. 1 e 8.
SILVA, Alves. (2007e, 13 de Setembro). Origem do Nome Venteira. Jornal da
Amadora, p. 1 .
SILVA, Alves. (2007f, 25de Outubro). Amadora, significado do Topónimo. Jornal da
Amadora, pp. 1 e 8.
SILVA, Alves. (2008, 9 de Outubro). Onde ficava a Rua Direita na Amadora? Jornal da
Amadora, p. 8.
SILVA, Alves. (2009, 30 de Abril). Moinhos da Funcheira. Jornal da Amadora,p.3.
SILVA, Augusto. (1994). Tempos cruzados: Um Estudo interpretativo da cultura
popular. Porto: Edições Afrontamento
SILVA, J. Palminha. (1993). Uma História Breve do Diabo Português. História,
165,166,167
SILVA, Manuel. (1998). Resistir e adaptar-se: Constrangimentos e estratégias
campesinas no Noroeste de Portugal. Porto: Editora Afrontamento.
SILVA, Maria Fernanda Espinosa Gomes da. (s.d.) Monografia sobre a Vila da
Amadora. Texto Dactilografado.
SIMAS, Ferreira de. (1943). Elementos para a Biografia do Rei Lavrador. Boletim da
Sociedade de Geografia de Lisboa. Série 61ª, nºs 5-8, pp. 357-361.
SIMÕES, A. Martinho. (1969). Concelho de Oeiras e Freguesia da Amadora. Oeiras:
Câmara Municipal de Oeiras.
SIMÕES, A. Martinho. (1982). O Concelho da Amadora. Pequena História de uma
Caminhada que Chega ao Fim. Amadora: Câmara Municipal da Amadora.
241
SIMÕES, A. Martinho. (1986). A Ermida da Falagueira. Efemérides do Seu Historial.
Amadora: Edição do Autor.
SKEHAN, P.W. «Book of Job», in N.C.E., Vol. 7, pp. 999-1001
SOUSA, Francisco António de. (1992). Novo Dicionário Latino-Português. Porto: Lello
& Irmãos Editores.
TERRIEN, Samuel. (1963). Commentaire de l’Ancient Testament, 113, Job, Neuchatel:
Éditions Delachaux & Niestlé
TOUZARD, J. (1928). «Ange of Yahweh», Dictionnaire de la Bible, Supplément, Vol. 1,
Drc. Louis Pirot, Paris: Librairie, Letouzey et Ané. Cls. 242-255
Universidade Nova de Lisboa.
VACANT, A. (1923). «Ange», in D.T.C., Tome 1, 1.e Partie, Cls. 1189-1192
VAZ, Maria Máxima. (1997). Mosteiro de S. Dinis de Odivelas. Odivelas: Junta de
Freguesia.
VICENTE,
Gil.
(2012).
Auto
da
Alma.
Retirado
de
http://pt.wikisource.org/wiki/Auto_da_Alma
VIEIRA, José. (2010). O Culto da Árvore e a 1ª República. Lisboa, Ministério da
Agricultura.
YLIMAKI, R. (2006). Toward a new conception of vision in the work of educational
leaders: Cases of the visionary archetype, Educational Administration Quartely, 42,
620-651.
Recuperado
em
2009,
Março
13,
de
http://eaq.sagepub.com/cgi/content/abstract/42/4/620
242