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Janeiro-Junho 2021
Facebook: https://www.facebook.com/revistaposfauusp/
ISSN: 1518-9554
Site: https://www.revistas.usp.br/posfau
Email:
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CHÃO SUPRIMIDO: DO TRAPICHE AO PORTO VERTICAL DE SANTOS
DHIEGO TORRANO
ROSANA HELENA MIRANDA
Universidade de São Paulo – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design
(Doutorando – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Rua
do Lago, 876 – Butantã, São Paulo (SP) – 05508-080
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2081-1188
[email protected]
Universidade de São Paulo – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design
(Docente do Departamento de Projeto. Orientadora no Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Rua do Lago, 876 – Butantã, São
Paulo (SP) – 05508-080
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2583-0321
[email protected]
LUCIENE RIBEIRO DOS SANTOS
Universidade de São Paulo – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design
(Mestra – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Rua do
Lago, 876 – Butantã, São Paulo (SP) – 05508-080
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4183-8355
[email protected]
Recebido: 18/ 01/ 2024
Aprovado: 19/ 09/2024
RESUMO
ABSTRACT
Este artigo explora a interação entre o regime hidrológico e a população
na região insular de Santos (SP, Brasil), por meio de projeto de infraestrutura e suas fontes primárias. Investigamos como a convivência com
as águas, numa tentativa de domesticá-las, apoia o planejamento do
solo no Porto de Santos, destacando os movimentos centrípetos e centrífugos dentro do contexto do Antropoceno. Analisamos o patrimônio
histórico e cultural e os elementos naturais e antrópicos das regiões costeiras tropicais, aplicando uma abordagem teórico-metodológica que
esclarece essas dinâmicas. Propusemos três cenários prospectivos baseados nos movimentos identificados: O primeiro cenário, centrípeto,
foca nas técnicas históricas para a domesticação das águas e a integração
dessas práticas ao planejamento urbano atual. O segundo, centrífugo,
reflete um distanciamento estratégico, visando transformar o chão portuário em áreas como parques naturais e espaços de “urbanismo comum”. O terceiro cenário, marcado pelo desaparecimento do chão logístico projetado, apresenta o “cais anfíbio binário”, uma infraestrutura
que opera em harmonia com o mar, inspirado em estudos históricos
sobre o aumento do nível do mar e projeções climáticas. O conceito de
“supressão” abrange tanto elementos físicos, como trapiches e muros
do cais, quanto aspectos naturais dos estuários e sociais, culturais e políticos agora obsoletos. Este artigo apresenta o argumento de que a construção de grandes infraestruturas deve considerar sua integração com
o ambiente, utilizando uma arquitetura que dialoga com diversos campos do conhecimento para prevenir desastres e melhorar a vida urbana.
Por meio deste ensaio, propomos o “Porto Vertical”: um projeto que
questiona paradigmas ao minimizar o uso do solo e maximizar o uso
do espaço aéreo, indagando um equilíbrio ecológico e revitalizando os
“chãos suprimidos” na região portuária de Santos. Este projeto, em fase
de investigação, busca desafiar as normas existentes e engajar a comunidade em um diálogo sobre futuros portuários urbanos sustentáveis.
This article explores the interaction between the hydrological regime and
the population in the insular region of Santos (São Paulo, Brazil) by means of an infrastructure project and its primary sources. We investigate
how coexistence with the waters, in an attempt to domesticate them,
supports land planning at the Port of Santos, highlighting the centripetal
and centrifugal movements within the Anthropocene. We analyze the
historical and cultural heritage and the natural and anthropic elements of
tropical coastal regions, applying a theoretical-methodological approach
that clarifies these dynamics. We propose three prospective scenarios based on the identified movements: the first scenario, centripetal, focuses
on historical techniques for water domestication and integrating these
practices into current urban planning. The second, centrifugal, reflects a
strategic distancing aiming to transform the port ground into areas such
as natural parks and spaces of “common urbanism.” The third scenario,
marked by the disappearance of the planned logistic ground, introduces
the “binary amphibious quay,” an infrastructure that operates in harmony with the sea, inspired by historical studies on sea-level rise and
climate projections. The concept of “suppressing” encompasses both
physical elements, such as docks and quay walls, and now obsolete natural, social, cultural, and political aspects of estuaries. We argue that the
construction of large infrastructures must consider their integration with
the environment, using architecture that dialogues with various fields
of knowledge to prevent disasters and improve urban life. In this essay we propose the “Vertical Port,” a project that challenges paradigms
by minimizing land use and maximizing the use of airspace, promoting
ecological balance, and revitalizing the “suppressed grounds” in the port
area of Santos. This project, in the investigation phase, seeks to challenge
existing norms and engage.
Keywords: Infrastructure. Port. Trapiches. Quay. Ground. Design as
Research
Palavras-chaves: Infraestrutura. Porto. Trapiches. Cais. Chão. Projeto
como Pesquisa.
http://dx.doi.org/10.11606/inss.2317-2762.posfau.2020.181845
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2317-2762.posfauusp.2024.215061
Pos FAUUSP, São Paulo, v. 31, n. 59, e215061, jul-dez 2024
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PRECEDER
(…) eu tenho a impressão que a construção em si, a
transformação que se opera nas instalações humanas e
que vai desde a arrumação do próprio território (saneamento, configuração, estabilização) (…), por exemplo,
territórios alagadiços que se transformam em territórios habitáveis (…), é a essência da arquitetura (…)
(MENDES DA ROCHA, 2001, p. 57).
Durante o Holoceno, nosso planeta apresentou relativa estabilidade geológica e climática, de acordo com
análises retrospectivas empreendidas sobre o período (LATOUR, 2018; 2020; Veiga, 2013; 2019). Essas
análises, de certa maneira, permitem identificar claramente a influência e as ações dos seres humanos sobre
o meio ambiente – especialmente com o aumento da
agricultura, urbanização e, mais recentemente, a industrialização. Em contraste, o conceito de Antropoceno
(LATOUR, 2020) propõe uma nova era geológica que
reflete o profundo impacto das atividades humanas,
em que essas assumem o papel de forças transformadoras dominantes na cena geológica, capazes de moldar o ambiente terrestre e fragilizar diversos aspectos
da anterior estabilidade.
Nesse contexto, o termo “preceder” adquire um novo
significado, relacionando-se com a ideia do Antropoceno ao descrever um olhar retrospectivo que também
serve como análise sistemática para influenciar o futuro. De acordo com Costa (2024), projetar no Antropoceno exige uma nova abordagem para entender e
interagir com o ambiente. Isso envolve uma reflexão
profunda sobre como as práticas de desenvolvimento
urbano e infraestrutural podem ser adaptadas para minimizar impactos ambientais negativos e favorecer a
resiliência e a sustentabilidade. A arquitetura e o urbanismo, nesse sentido, são vistos como um meio de antecipação, que visa evitar a repetição de padrões passados e promover práticas que se almeja tornar virtuosas.
As grandes infraestruturas, especialmente aquelas que
lidam com a gestão de recursos hídricos, deveriam ser
projetadas visando não somente atender às necessidades humanas imediatas, mas também com o olhar de
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proteger e preservar o meio ambiente para as gerações
futuras (ONU, 1987). Sob essa perspectiva, atenta-se
para as seguintes infraestruturas-chave na Região Metropolitana da Baixada Santista (SP): a Hidrelétrica de
Itatinga, que provê energia ao centro; e o Cais do Porto
de Santos, que constrói o centro. Ressalta-se a oportunidade de futuros estudos sobre o Farol da Moela, que
comunica com o centro; e o Sistema de Drenagem e
Saneamento de Santos, que atende e abastece o centro.
Analisando a ambiência dessas estruturas no contexto
da Baixada Santista, revelam-se as dinâmicas de atração e dispersão nessa região, caracterizadas pelos movimentos centrípetos e centrífugos, evidentes ao longo
das rotas que historicamente conectaram o planalto e
o estuário (Figura 1). Nesse contexto, os movimentos
centrífugos referem-se à dispersão de riquezas e fluxos
da Baixada para o interior, enquanto os centrípetos dizem respeito ao fluxo inverso, em direção à Baixada
Santista e ao centro da cidade de Santos (TORRANO,
2023). As rotas das canoas e o Caminho Velho facilitavam o transporte de mercadorias, refletindo uma
dispersão centrífuga das riquezas da costa para o interior. Por outro lado, o Caminho do Padre Anchieta e a
Calçada do Lorena exemplificam o movimento centrípeto, trazendo recursos do interior para o litoral, fortalecendo o centro urbano de Santos. Esses caminhos
históricos moldaram o fluxo econômico e populacional da Baixada Santista, além de influenciar as relações
socioculturais com diferentes regiões.
Na perspectiva de o homem habitar a natureza, e sobretudo dominar a hidrografia (navegar) e o território
(desbravar), ocorreram diversos movimentos centrípetos e
centrífugos a partir do litoral sudeste, reportando aqui as
grandes navegações históricas, além da “primeira viagem
de automóvel São Paulo-Santos” (Netto, 1967, p. 45),
e projetos rodoviários no âmbito nacional, bem como visitas de expedições cientificas internacionais e nacionais
à nossa costa brasileira, para citar alguns exemplos.
Neste breve esboço de recorte histórico temporal, existe uma contribuição enorme que permite entrever como
se deu a fundação das cidades a partir da evolução dos
projetos de infraestrutura (TORRANO, 2023, p. 14).
Pos FAUUSP, São Paulo, v. 31, n. 59, e215061, jul-ago 2024
Os princípios que pretendemos analisar com os movimentos mencionados podem ser interpretados como
forças que moldam a relação entre infraestrutura,
meio ambiente e desenvolvimento urbano/portuário.
A pesquisa, nesse campo, pode contribuir para a compreensão das dinâmicas de concentração e dispersão
nos territórios, propondo soluções que equilibrem
a eficiência logística com a preservação ambiental, a
fruição e a equidade social. Desse modo, a arquitetura
da infraestrutura pode ser tanto um instrumento de
integração quanto de fragmentação, dependendo de
como essas forças são manejadas no processo de planejamento e desenvolvimento. Os movimentos centrípetos referem-se às forças que atraem, concentram
e canalizam elementos materiais e imateriais para um
ponto central, podendo ser interpretados como um
processo de integração e consolidação de infraestruturas e funções urbanas em um único núcleo de atividades. No contexto deste artigo, esses movimentos
se referem à convergência da infraestrutura urbana e
portuária, à recuperação e à valorização do patrimônio
natural, e à integração social e urbana. Os movimentos centrífugos, por sua vez, são forças que dispersam,
afastam ou espalham elementos para fora de um ponto
central. No contexto da infraestrutura e do urbanismo, eles refletem o processo de expansão, dispersão
de funções e fragmentação do território. No conjunto
do texto, esses movimentos são interpretados como
uma análise de impacto urbano, proposição de novos
modelos e investigação histórica e prospectiva.
Adicionalmente, a publicação O Porto de Santos e a
História do Brasil (POMPÉIA; SERVA, 2010) oferece
uma perspectiva arqueológica ao reconstruir a paisagem da Baixada Santista há 5 mil anos, no século III
a.C., destacando a ocorrência de uma estrutura intrigante – um Porto Submerso: “o mar estava quatro metros acima do nível atual” (SANTOS BRASIL, 2010,
p. 8). Além de ilustrar uma grande transformação na
geografia física, esse fato molda a compreensão sobre
as forças centrípetas e centrífugas que influenciaram o
desenvolvimento urbano e portuário da região. A baixa do nível do mar atuou como uma força centrífuga
poderosa, facilitando a ocupação e o desenvolvimento
territorial da região. À medida que as águas recuavam,
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novas terras se tornavam disponíveis para a exploração e o uso, permitindo a expansão das infraestruturas
urbana e portuária. Esse movimento de expansão e
dispersão de território reflete a essência de uma força
centrífuga: espalhar e abrir espaço para novas possibilidades de uso e ocupação.
Por outro lado, esse mesmo recuo do mar serviu
como uma força centrípeta para as rotas comerciais
que começavam a se consolidar na região. O gradual
surgimento de terras antes submersas permitiu a construção de infraestruturas que se tornariam fundamentais para o estabelecimento de Santos como um porto
central para o comércio. A centralização das atividades
comerciais em Santos transformou a cidade em um
núcleo de atividade econômica, concentrando recursos, pessoas e mercadorias e, ao mesmo tempo, fortalecendo sua posição como um hub essencial para as
redes comerciais marítimas e terrestres.
A Figura 1 ilustra uma simulação que contempla a elevação do nível do mar em 4m em relação ao nível atual
na Baixada Santista, possibilitando examinar as implicações dessas mudanças em termos de sobreposição
das rotas entre o litoral e o planalto, refletindo sobre a
dinâmica histórica e sobre os possíveis cenários futuros da região em relação ao desenvolvimento urbano e
ao planejamento de infraestruturas.
A representação gráfica propõe uma reconstituição em
que rotas históricas e contemporâneas de transporte
terrestre e aquático seriam afetadas pelo aumento do
nível do mar. Essa elevação poderia ter diversas implicações para a região. Primeiro, o deslocamento de
infraestruturas, como estradas e caminhos –por exemplo, o Caminho Velho e o Caminho Padre Anchieta – poderia resultar em áreas submersas, impactando
as conexões diretas entre o litoral e o planalto. Isso
exigiria a reavaliação e a possível realocação das vias
de transporte. Além disso, a infraestrutura portuária,
incluindo portos como o Piaçaguera, poderia enfrentar
sérios desafios, como a necessidade de reconstrução ou
adaptação para lidar com a nova realidade de um nível
marinho mais alto. A continuidade operacional poderia ser ameaçada pela maior exposição a inundações e
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3
Figura 1. Baixada Santista: sobreposição de rotas entre o litoral e o planalto e o aumento do nível do mar para 4 m acima do nível atual.
Fonte: Elaborado pelos autores, com base em Santos Brasil (2010).
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tempestades. O planejamento urbano e social também
seria afetado, com áreas urbanas e comunidades na
margem em risco, surgindo a necessidade de estratégias
proativas para o planejamento urbano e a gestão de desastres. O aumento do nível do mar poderia redefinir
zonas habitacionais e comerciais, impulsionando mudanças significativas na organização espacial da região.
Por fim, no documento Uma nova ligação entre litoral e
planalto, no setor paulista do eixo Rio-São Paulo (Ab’Sáber,
1989), são abordadas questões fundamentais sobre a
barreira da Serra do Mar, a limitação dos sítios portuários e a necessidade de uma conexão eficiente entre
o planalto e o litoral. O documento destaca as reações
dos grupos ambientalistas em relação aos projetos de
infraestrutura propostos, enfatizando as preocupações
com as agressões aos ecossistemas das matas atlânticas, que são fundamentais para a biodiversidade e para
o equilíbrio ambiental da região. Ademais, a publicação
ressalta a importância do fator tempo na construção de
uma nova rodovia, considerando não apenas a urgência de atender à demanda por transporte e mobilidade,
mas também a necessidade de implementar soluções
que respeitem e integrem as características naturais e
sociais do território. Nesse contexto, a reflexão sobre
as implicações das mudanças climáticas e a elevação do
nível do mar, conforme discutido anteriormente, torna-se ainda mais pertinente, uma vez que a construção
de novas infraestruturas deve ser planejada de forma
adaptativa, buscando mitigar impactos e promover a
resiliência das comunidades e dos ecossistemas locais.
Nesse ponto, é fundamental integrar alguns conceitos
teóricos e uma reflexão dialógica sobre o projeto. A
compreensão e a problematização entre teoria e prática aproximam este trabalho ao pensamento antropogeográfico, ao conceito de domesticação das águas e à
arquitetura da infraestrutura.
Inicialmente, o conceito de antropogeografia, empregado pelo arquiteto Vittorio Gregotti (1975), descreve
o ambiente como modificado pelo trabalho ou pela
presença humana. Essa perspectiva aprofunda a ótica particular do projeto e da experimentação, a partir
da estruturação intencional do espaço físico habitado
pelo ser humano – que, ao habitar a terra, confere sentido e funcionalidade às infraestruturas selecionadas.
Em um diálogo de projeto com o professor Dr. José
Maria de Macedo Filho, surgiu a proposta de intitular um segmento do estudo como “domesticar as águas”.
Esse conceito se refere ao processo histórico pelo qual
as infraestruturas têm buscado controlar e gerenciar
o regime hídrico da região para diversos fins, como o
abastecimento de água potável, a irrigação agrícola, a
produção de energia, a navegação, o controle de enchentes e o uso industrial. Essa noção engloba uma
série de técnicas e tecnologias que abrangem estes eixos temáticos: prover o centro, construir o centro, comunicar para o centro, e atender e abastecer o centro.
Por uma infraestrutura da arquitetura, invoca-se a
amplitude teórica e conceitual posta por Giulio Carlo
Argan, naquela ocasião refletindo sobre o urbanismo:
“todavia não se decidiu se o urbanismo é arte, ou ciência, sociologia, economia, política, tecnologia” (ARGAN, 1998, p.
225). Essa reflexão é oportuna para enfatizar a interdisciplinaridade necessária para o desenvolvimento de
infraestruturas de grande porte – que, justamente por
se tratar de infraestruturas de abastecimento, exigem
o trabalho de equipes que não devem se limitar a uma
formação técnica e instrumentalizada, como disciplina
isolada, mas sim englobar o pensamento crítico e sistêmico de diversas áreas do conhecimento1.
1
1
Este artigo teve como ponto de partida o projeto Porto Vertical, desenvolvido originalmente pelo arquiteto Dhiego Torrano com a colaboração da arquiteta Talita Fernandes para
um concurso de projeto de arranha-céus em dezembro de 2021. Além disso, o tema também subsidiou o projeto de pesquisa orientado pela professora Anália Maria Marinho de
Carvalho Amorim para um projeto de pesquisa apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da Universidade de São Paulo (FAUUSP), sob o título “Conectar
o litoral ao planalto: movimentos centrípetos e centrífugos”. A pesquisa também contou com a colaboração técnica de José Maria de Macedo Filho, que teceu sugestões e críticas
que fortaleceram o desenvolvimento do projeto; e Patrick Jacques C. L. Aerts, com sua experiência prática como capitão, trouxe uma visão técnica sobre a operação portuária e
questões logísticas fundamentais para adequar o projeto às demandas reais do setor marítimo.
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INTRODUÇÃO
A técnica, como poder de manejo do mundo físico, atuou
como mais um argumento a favor da veracidade da ciência, contribuindo para a consolidação de sua hegemonia
epistêmica, cultural e até mesmo política (SEVERINO, 2013, p. 111).
Na busca por objetos que pudessem sintetizar o projeto
como instrumento de produção do conhecimento, destaca-se a obra Metodologia do Trabalho Científico, de Antônio Joaquim Severino (2013). No capítulo “O método
como caminho do conhecimento científico”, o autor
aborda a prática científica como um processo preciso
em função do método. Este, por sua vez, deve estar
fundamentado nos problemas que se relacionam com o
conhecimento humano, refletindo sobre a sua natureza.
O objetivo deste artigo é explorar, sobre o ponto de
vista literário e ideológico, os “territórios alagadiços que se
transformam em territórios habitáveis” (MENDES DA ROCHA, 2001, p. 57), após a análise de fontes primárias
digitalizadas por instituições como o Arquivo Nacional
em Brasília-DF, o Arquivo Público do Estado de São
Paulo e a Docas S/A em Santos-SP. Trata-se de dois
projetos infraestruturais (a Hidrelétrica de Itatinga e o
Cais do Porto de Santos), pelos quais, por meio do desenho2, buscará descrever a produção de conhecimento ali contida. Serão analisadas as ideias conceituais,
as circunstâncias históricas e as técnicas construtivas
de duas abordagens do fazer projetual, que exerceram
e exercem influência na área insular do município de
Santos-SP. Mais especificamente, pretende-se apresentar as técnicas construtivas empreendidas em cada
projeto para aplicar, aprimorar ou refutar premissas
projetuais ao conceito de porto vertical.
A principal indagação para a primeira parte deste artigo é: como tais feitos humanos, reunindo o conhecimento existente em sua época, dialogam com as águas,
na tentativa de domesticá-las e dar suporte ao desígnio
urbano?
O ensaio sobre “Chãos suprimidos” dedica-se aos movimentos históricos que envolvem a técnica, buscando
esclarecer os feitos humanos que desapareceram ao
longo do tempo. Por meio de pinturas e desenhos das
fontes primárias, nossa intenção é elucidar as soluções
e as relações estabelecidas para a coexistência do regime hídrico e da população na região insular da cidade
de Santos. Trata-se de uma indagação sobre como tais
feitos humanos, reunindo o conhecimento existente
na época, dialogavam com as águas na tentativa de domesticá-las e dar suporte ao desígnio para constituição
do chão do Porto de Santos (Figura 2).
De fato, o Porto de Santos consolidou-se como uma
das principais portas de entrada e saída de produtos do Brasil, sendo fundamental para a economia
do país e para o comércio internacional. No entanto, é importante ressaltar a relevância e a valorização da história e da cultura presentes na região portuária. A compreensão do passado é fundamental
para a construção participativa de um futuro – especialmente sob a ótica do chão portuário, que gradativamente se apodera do chão da cidade, negando a
relação coletiva com a água. Além disso, essa compreensão é essencial para a criação de identidade da
região costeira e portuária, bem como para a educação e a conscientização sobre a importância do porto.
Nesse contexto, é evidente a necessidade de um raciocínio em torno das disciplinas próprias da arquitetura
e do urbanismo, estudando o campo das decisões informadas pelo projeto. Este trabalho busca expor o
pressuposto de multiplicação do chão portuário, ocupando o mínimo do solo e o máximo do espaço aéreo,
com perspectiva em torno do futuro portuário e novas
possibilidades, distintas do modelo vigente. O modelo
atual de espraiamento dos chãos portuários, no plano
horizontal das cidades, resulta na negação da biodiversidade e gera um fenômeno que podemos descrever
como “entropia no tecido urbano”3.
3
2
2
De acordo com o autor, desenho é forma de conhecimento na relação entre arte e técnica. Ver Artigas (1984)
3
Ver mais sobre o processo de entropia no Porto de Santos em Macedo Filho (2008).
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Ademais, a compreensão da interação e dos movimentos entre fatores naturais e antrópicos é fundamental
para entender a dinâmica das regiões costeiras e as
condições que influenciam o surgimento de fenômenos como inundações e enchentes. Os fatores naturais
apontados por Souza (2005) como climático-meteorológicos, geológico-geomorfológicos, flúvio-hidrológicos e oceanográficos são de extrema importância para
entender a dinâmica de regiões costeiras, já que esses
fatores influenciam a movimentação dos sedimentos,
a erosão e a sedimentação das praias e a alteração dos
níveis do mar, para citar poucos exemplos.
Porém, é importante considerar também as condicionantes antrópicas, ou seja, aquelas resultantes das intervenções humanas, como a retirada de terra de jazidas
para aterramento e a construção do Porto de Santos.
Essas intervenções alteraram significativamente todo
um ecossistema e aceleram a erosão costeira, modificando a distribuição de sedimentos e até mesmo contribuindo para o aumento do nível do mar devido às
emissões de gases de efeito estufa. Portanto, é fundamental considerar tanto os fatores naturais quanto os
antrópicos ao planejar e gerenciar as regiões costeiras,
buscando minimizar os impactos negativos e promover
a sustentabilidade das atividades humanas na região.
Dessa forma, a compreensão dos movimentos centrípeto e centrífugo, aliada à análise do patrimônio histórico e cultural e à compreensão dos fatores naturais e
antrópicos, pode contribuir para uma abordagem mais
ampla e completa da história e da cultura das regiões
costeiras tropicais, valorizando e preservando seu patrimônio histórico e cultural. A reflexão em torno de
“chãos suprimidos” pode sugerir uma abordagem mais
ampla, que busque reconstituir um passado perdido ou
obscurecido com o tempo. Nesse sentido, a noção de
“desaparecimento” pode se referir tanto a elementos
físicos (como trapiche e muralha de cais) quanto naturais (como a fauna presente nos manguezais), além de
aspectos sociais, culturais e políticos que se tornaram
obsoletos ou foram suprimidos.
Breve Descrição Histórica
Ao mencionar o “trapiche” e a “muralha de cais”,
indica-se a delimitação espacial de um território que
foi objeto de transformações significativas ao longo do tempo. A imagem visual que esses termos
evocam sugere um ambiente de movimento, fluxo e troca – em consonância com Severino (2013).
Na história mundial, o transporte marítimo foi, e ainda
é, o modal mais utilizado na cadeia logística do co-
Figura 2. Docas de Santos, julho de 1894. Projeto para relongamento do cais, de Paquetá aos Outeirinhos (perfil transversal da muralha, escala 1:100).
Fonte: Fotografia de Dhiego Torrano, em visita ao Complexo Cultural do Porto de Santos (2020).
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mércio internacional, sendo os portos responsáveis
por interligações rodoviárias e ferroviárias aos meios
navegáveis, organizando o recebimento, o embarque e
o armazenamento de mercadorias em todo o mundo
desde a Antiguidade.
De início rudimentares, as instalações portuárias passaram por profundas transformações, acompanhando
o desenvolvimento crescente das embarcações e suas
atividades econômicas mundiais, criando a necessidade de guindastes e máquinas cada vez maiores e mais
potentes para dar suporte à cadeia de suprimentos internacional.
Com o crescimento exponencial dessa demanda, os
portos têm se adaptado e se reinventado para aumentar seu espaço, tanto no armazenamento quanto no
embarque e desembarque, de maneira ágil e organizada. No entanto, essas mudanças têm gerado consequências negativas, resultando na degradação das áreas
costeiras das cidades e de seu ecossistema, negando a
relação da cidade e a permanência na escala do pedestre com a água. Diante desse contexto, surge a pergunta: qual será o futuro dos portos e das paisagens em
que estão inseridos? E mais: como projetar infraestruturas e equipamentos, como elevadores e guindastes,
que equilibrem a necessidade operacional com a preservação ambiental e promovam uma conexão mais
harmoniosa entre o litoral e o planalto, em casos como
a relação entre Santos e São Paulo?
Dez anos antes da inauguração do Porto de Santos,
o pintor Benedito Calixto retratou o porto original
em uma de suas obras, que se tornou uma importante
fonte para estudiosos da história do porto e da região.
Na obra Praia e Rampa do Consulado, retratada em 1882
pelo pintor Benedito Calixto (Figura 3), é possível ver
a movimentação dos trabalhadores nos trapiches. Os
trapiches representaram um importante elemento da
infraestrutura portuária, sendo utilizados para embarque e desembarque de mercadorias, bem como de
passageiros. Acredita-se que foram uma das primeiras
formas de acesso ao comércio marítimo em todo o
mundo. Por meio dos traços elegantes e realistas do
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pintor, é possível perceber que os trapiches foram
construídos com troncos de madeira, apoiados em estacas cravadas no solo marinho e tábuas em um plano
horizontal inclinado, criando um chão de fluxos com
largura que condiz com a resistência do material observado. Tinham como objetivo solucionar as variações
das marés que impediam a atracação das embarcações
próximas ao território insular, no qual está o canal de
curso d’água suficientemente profundo para o calado
das embarcações.
Assim, nos trapiches, o artífice tem a habilidade de
constituir um chão de fluxos que tinham a função de
proporcionar o “andar sobre as águas”, comunicar e
transpor o chão da lâmina d’água rasa do leito maior
para escoar produtos e mercadorias que por ali chegavam. Além disso, essas estruturas também funcionavam como atracadores para pequenas embarcações que
traziam tripulantes e objetos de pequeno porte. Os trapiches representaram um importante esforço humano,
considerando a tecnologia disponível naquela época,
para superar as dificuldades impostas pelas variações
das marés (baixa e alta) e acesso ao chão da orla de
terra – que, naquele período, já sinalizava para a necessidade da organização de forma lógica e operacional.
No entanto, com o passar do tempo, as embarcações
foram passando por um processo de modernização
nos padrões tecnológicos e volumétricos dos perfis
navais, especialmente nos espaços para armazenamento. Consequentemente, passaram a acomodar volumes de carga com pesos, dimensões e proporções
cada vez maiores – uma transição notável em relação
a itens mais leves e menores, como as antigas sacas de
grão de café. Isso conduziu, por sua vez, à necessidade
de substituir o trabalho manual pelo mecanizado e à
transformação do chão da orla de terra em chão portuário logístico. Essa nova estrutura envolve uma série
de operações complexas para o movimento de cargas
entre os navios e a área terrestre, contando com o auxílio de diversos equipamentos – tais como guindastes,
empilhadeiras, tratores, carretas, esteiras transportadoras, armazéns e a infraestrutura rodoferroviária para o
transporte de contêineres.
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A Hidrelétrica de Itatinga e a Remoção da Pedra
De Teffé
A construção da Usina Hidrelétrica de Itatinga (1910) veio
de encontro à necessidade de controlar os recursos naturais
hídricos, visando à geração de energia elétrica. Trabalhadores e engenheiros se desdobraram naquela região inóspita e
desafiadora, realizando cálculos e projetos e desenvolvendo
técnicas para atender essa demanda. Essa construção foi
fundamental para substituir a pesada maquinaria a vapor
e suas imensas caldeiras no porto de Santos, contribuindo
de maneira decisiva para que conquistasse o título de maior
porto brasileiro (LISBOA, 1940, p. 96).
No entanto, para alcançar esse feito, foi necessário superar
dois obstáculos que o projeto buscou solucionar. Primeiramente, havia a necessidade de construir toda uma sequência
do planalto até o litoral: represa, barragem, canal coberto,
câmara d’água, tubulações que chegavam à Usina e, por fim,
a Casa de Força. Em um segundo momento, na Casa de
Força, foram instaladas linhas de transmissão com torres
que se conectavam de forma aérea, chegando a impressionantes 90m de altura. Isso permitia a passagem de navios
no Estuário do Canal do Porto de Santos, atravessando um
vão livre de 520m. Com isso, percebe-se que existe todo
um percurso do complexo hidrelétrico, desde a represa até
a transmissão da energia para o Porto de Santos (Figura 4).
O aproveitamento da vazão do rio Itatinga é o que forma a represa, onde a energia é potencial. A água desce
por gravidade pelo canal, por 3 quilômetros e em um
desnível de 110 metros, ainda como energia potencial
(CASTILHO, 2010, p. 65).
De modo concomitante, ocorre mais uma missão com
relevância histórica, para que tais ações mencionadas
pudessem se efetivar e, sobretudo, operar de maneira
a assegurar a ideia de um funcionamento logístico –
o qual, ainda no início do recorte temporal proposto, sendo rudimentar, buscava afetar beneficamente o
trânsito das embarcações no estuário de água salobra
e tudo o que estava implícito na antecipação de possíveis problemáticas. Dessa maneira, foi necessária uma
intervenção drástica: o rebaixamento do chão marinho
natural na entrada do canal do Porto de Santos, conhecido como Pedra de Teffé.
Em uma pesquisa no Arquivo Nacional (BRASIL,
2023), podemos subir a bordo do vapor de guerra Lamego no ano de 1876 com Antônio Luiz Von Hoonholtz, o barão de Teffé, e seus mergulhadores, que
empregam a técnica do sino hidráulico para realizar o
Figura 3. Benedito Calixto, Praia e Rampa do Consulado (1882). Porto de Santos em 1882, com veleiros ancorados. Vê-se ao fundo, à esquerda, o Largo da
Banca, onde acabava de ser inaugurado o Mercado Provisório, no Largo dos Gusmões (atual trecho da Rua Dr. Antônio Prado).
Fonte: Acervo da Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, Santos (SP, Brasil).
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Figura 4. Docas de Santos, novembro de 1943. Projeto linha de transmissão da Hidrelétrica de Itatinga.
Fonte: Acervo Docas S/A – Fotografia de Dhiego Torrano, em visita ao Complexo Cultural do Porto de Santos (2020).
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perfil batimétrico e definir o volume a ser retirado para
a melhoria da profundidade do canal de entrada do
Porto de Santos (Figura 5). Essa medida seria benéfica
para o calado das embarcações, que como dito antes,
passavam por transformações de engenharia naval. O
“pico” da rocha submersa ficava a menos de 3m do nível da água na maré baixa. Apesar de teoricamente não
atingir a maior parte das embarcações, era um risco
considerável numa vazante maior.
O trabalho para destruir a laje submersa foi bastante
delicado e difícil. Os mergulhadores chegaram a perfurar 93m de rochas, instalando 98 minas explosivas.
O total de explosões gerou um deslocamento de 74
toneladas de rocha bruta. A laje foi rebaixada para a
linha de 8m abaixo da maré vazante, valor considerado
seguro para a navegação.
Após a demolição da pedra de Teffé e o rebaixamento do chão marinho natural, iniciou-se, no ano
de 1900, a construção da muralha de cais do Porto de Santos, entre os bairros de Paquetá e Outeirinhos, a fim de melhorar a segurança e a eficiência do
chão portuário e oferecer proteção contra o impacto
de navios e cargas. O material utilizado para a construção da muralha foi proveniente da demolição dos
morros dos Outeirinhos e da pedreira do Jabaquara.
O último grande bloco foi assentado em dezembro de
1909, concluindo a muralha que percorre toda a extensão do cais. Ou seja, 4.726 m, subdivididos em 2.200
m do Valongo ao Paquetá, e 2.526 m do Paquetá aos
Outeirinhos. Na edição de 26 de dezembro de 1909,
o jornal The Times de Londres relatou a construção
desse grande empreendimento:
Hoje, há uma muralha de cais que se estende desde
a estação da São Paulo Railway, até os Outeirinhos,
numa extensão de 4.800 metros, com espaço amplo para
os grandes transatlânticos que partem da Europa com
destino à América do Sul. O belo cais de granito está
aparelhado com os últimos e melhores guindastes hidráulicos. O navio, trazendo ou levando 12.000 toneladas
de carga, pode ser despachado em dez dias. A cidade
de Santos, que em 1892 não passava de vestígio insalubre dos tempos coloniais, transformou-se com as obras
do cais em conhecido porto de saúde, com belas ruas e
avenidas, bonitos edifícios e trens elétricos (THE TIMES, 1909 apud PORTO DE SANTOS, 2019).
Figura 5. Perfil batimétrico da grande laje dos Outeirinhos – Porto de Santos, 1876.
Fonte: Imagem do Arquivo Nacional (BRASIL, 2023).
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Figura 6. Cia. Docas de Santos – Vista geral do estaleiro de blocos. Construção do primeiro chão e do muro de cais do Porto de Santos, c. 1901.
Fonte: Foto de autoria não identificada. Acervo Instituto Moreira Salles (SP, Brasil).
Figura 7. Desenho de muro de cais para o Porto de Santos (1886).
Fonte: Arquivo Nacional (BRASIL, 2023).
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Figura 8. Trecho do Valongo ao Paquetá: chão logístico (1886).
Fonte: Arquivo Nacional (BRASIL, 2023).
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A muralha foi construída na última curva de nível,
junto à margem da lâmina d’água rasa do leito maior,
protegendo a área costeira adjacente dos níveis maregráficos (preamar). Devido aos movimentos da maré,
foi necessário domesticar as águas por meio de aterros
e drenagem. Essa ação construtiva se reflete em uma
muralha que geometriza a ilha, encontram-na qual estão os cabeços de amarração para atracar as embarcações (Figura 6).
Segundo relatórios elaborados pela Companhia Docas
do Estado de São Paulo (Codesp-Portobrás) em 1983 e
1988 (quando se iniciaram as obras de aterro da antiga
linha de cais Valongo-Paquetá4), o consumo de areia
para o aterramento da área geometrizada foi proveniente das jazidas dos sítios Quituê e Samaritá. Em termos de viabilidade financeira e técnica dessas jazidas,
os principais aspectos eram a qualidade, a quantidade
e o transporte. Novamente, justifica-se a analogia dos
movimentos centrípeto e centrífugo, haja vista a distância do transporte por caminhões ou chão ferroviário.
Nesse sentido, a construção da muralha de cais foi fundamental para a constituição do primeiro chão portuário
que, de certa maneira, foi o modelo pioneiro do Porto
de Santos (Figura 7 e Figura 8). Ressalta-se que as fontes primárias dos projetos mencionados não necessariamente foram as dos projetos executados; no entanto,
o que é pertinente são as técnicas empreendidas do conhecimento da época, dando lugar ao desígnio e ao enfretamento do tema para a resolução de um problema.
Questionamentos para o futuro portuário
Com a cidade de Santos se tornando cada vez mais
conhecida como a principal cidade portuária da América do Sul, há uma crescente demanda por melhorias
na organização logística para aproveitar ao máximo
suas vantagens naturais. A paisagem se transforma a
cada dia; formações naturais e antigas estruturas desaparecem para dar lugar a novas facilidades, a fim
de garantir a eficiência no transporte de cargas. Esse
cenário em constante mudança levanta importantes
questões sobre o impacto ambiental das operações
logísticas – incluindo danos aos ecossistemas locais,
poluição da água e do ar, e alterações nas paisagens
costeiras devido à erosão e à sedimentação. Ademais,
a sustentabilidade dessas operações torna-se um foco
vital, destacando a necessidade de gerenciar recursos
de maneira eficiente, reduzir a pegada ecológica e implementar práticas que equilibrem o crescimento econômico com o cuidado ambiental e a equidade social.
O futuro portuário de Santos é um questionamento
de extrema importância, que exige uma atenção minuciosa. De acordo com o estabelecido no art. 225 da
Constituição Federal (BRASIL, 1988), todos têm o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, que
seja um bem de uso comum do povo e essencial para
uma qualidade de vida saudável. Diante disso, cabe ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as gerações presentes e futuras. Essa é
uma responsabilidade que deve ser encarada de maneira séria e extremamente cuidadosa, pois está em jogo a
proteção do meio ambiente e o bem-estar da sociedade.
Dessa forma, nos questionamos: como garantir a eficiência no transporte de cargas e, ao mesmo tempo,
preservar a paisagem e os recursos naturais da região?
Como equilibrar as necessidades de investimento em
infraestrutura com a preservação ambiental? Além disso, como melhorar a relação entre o porto e a cidade,
criando oportunidades para uma população local invisibilizada, situada às margens do porto? É necessário
assegurar que o Porto de Santos mantenha sua posição
como uma das principais infraestruturas de logística
global, ao mesmo tempo em que fornece suporte para
o desenvolvimento local.
O chão portuário tem sido organizado com finalidades
logísticas, frequentemente de forma monofuncional,
ou seja, desprovidas de uma visão sistêmica e integra-
4
4
“Na mesma época, foi iniciada, pelo aterramento de uma faixa de 190 metros de largura, a recuperação da antiga linha de cais Valongo-Paquetá para o recebimento de navios
Ro-Ro” (SALES, 1999, p. 100).
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da. Essa abordagem tem levantado uma série de problemas que, por meio de um processo de planejamento informado, podem ser potencialmente revertidos de
maneira benéfica, à luz das fontes históricas.
Primeiramente, destaca-se a problemática do aterro do
território insular – território este que é frequentemente
negado como herança cultural e natural valiosa, e que
poderia ser um elemento central do “urbanismo do
comum” (MONTANER; MUXÍ, 2021), da paisagem
e da relação de estar ou mirar as águas. O escopo atual
envolve a extração significativa de terra de jazidas, o
que resulta na perda de importantes elementos naturais e paisagísticos, incluindo o desaparecimento do
chão da orla de terra e a consequente erosão costeira.
Ademais, a técnica tradicional da muralha de cais está
sendo superada e desaparece do centro da paisagem
para ceder espaço à constituição de um novo chão
portuário (Figura 9). Essa mudança envolve o uso de
estacas, tabuleiros e áreas de acostagem, que, embora
necessárias, distanciam cada vez mais a população da
paisagem natural e prejudicam a relação visual e física
com as águas, reduzindo a acessibilidade na escala do
pedestre e fragmentando a conexão urbana com áreas
circunvizinhas.
Diante desse cenário, surgem algumas questões: é possível domesticar a água no cenário de uma cidade completamente imersa? Quais infraestruturas transcendem
o contexto atual e se alinham com o terceiro cenário
proposto? Como poderia ser viabilizado o escoamento de cargas entre o planalto e o litoral, considerando a simulação de uma infraestrutura rodoferroviária
imersa? Além disso, a verticalidade das construções
permite efetivamente habitar territórios imersos? Por
último, a cidade está fragmentada e desconectada em
relação às práticas e à lógica do desenvolvimento do
chão logístico portuário. Isso nos leva a questionar:
como o processo de expansão portuária pode evoluir
para estabelecer uma relação mais integrada e transparente com a paisagem urbana, buscando não apenas a
funcionalidade logística, mas também a humanização
das cidades?
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Desafios
Devido às altas exigências dos portos em cadeias de
abastecimento mundiais em relação a custos, eficiência, segurança e sustentabilidade, a inovação digital das
futuras cidades inteligentes é essencial para que elas
se mantenham competitivas. Mais do que isso, manter
a modernização poderá atender às futuras demandas
nas próximas décadas, especialmente diante de desafios climáticos como o aumento do nível do mar, que
ameaça as áreas costeiras; bem como prevenir novos e
possíveis desdobramentos decorrentes de crises sanitárias mundiais, como a recente pandemia, que levou
os portos a congestionamentos históricos e escassez
de espaço de armazenamento para contêineres, resultando em uma crise sem precedentes:
China e Estados Unidos, dentre outros países, enfrentam problemas de proporções gigantes com fechamentos e
congestionamentos de portos – efeitos colaterais da pandemia. Isso levou à escassez de contêineres e aos altos valores logísticos para transportar mercadorias. (…) a crise
desencadeada pela pandemia do Covid-19, que sucedeu
ao fechamento de portos e insuficiência de contêineres,
ocasionou escassez de produtos e aumento do frete. Obstáculos enfrentados em diversos países, porém mais aparente nos Estados Unidos, Ásia e Europa, já refletindo
no Brasil (REIS; FERNANDO, 2022, p. 110).
O desenvolvimento dos portos e a expansão de suas
áreas construídas apresentaram uma série de questões
urbanísticas e ambientais. Entre os principais problemas, destaca-se a necessidade de construir muros de
cais e realizar aterramentos para criar pátios de contêineres, o que resulta em grandes extensões de terreno
cercadas e subutilizadas pela cidade. Isso degrada a
transição entre a área urbana e a geografia local, afetando negativamente elementos ambientais, como os
ecossistemas de manguezais típicos dessas regiões.
Nesse contexto, ao reunir descrições históricas de
maneira otimizada, esboça-se um cenário prospectivo
para o futuro dos portos e, assim, propõe-se a verticalização do espaço logístico portuário da área ante o
estuário, em contraponto à tradicional expansão do chão
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horizontal. Essa estratégia envolve a construção de
pátios de contêineres empilhados verticalmente, maximizando o uso do espaço e permitindo uma gestão
mais eficiente das cargas. Dessa forma, tal abordagem
poderia restaurar a geografia natural como um local de
patrimônio comum, eliminando barreiras ou fragmentações que restringem o livre acesso às áreas costeiras,
e promovendo novos espaços de permanência e contemplação junto ao mar e aos estuários.
Ademais, aplica-se aqui o conceito de superposição –
termo relevante no século XX tanto como ferramenta
de composição artística (musical e cinematográfica)
quanto como uma ferramenta de composição arquitetônica. Influenciado pelo discurso teórico e prático do
arquiteto Rem Koolhaas (2008), esse conceito facilita
expressar a interconexão entre diferentes elementos e
camadas urbanas. Para este projeto, a superposição envolve a integração de diversas técnicas voltadas para a
autossuficiência energética, como a membrana bioplástica (SPIER et al., 2020), os filtros atmosféricos e de
carbono, além dos sistemas maremotrizes5. A resistência das raízes dos manguezais às forças hídricas também
seria valorizada como uma barreira natural, contribuindo para a estabilidade e sustentabilidade do projeto.
5
Cenário Prospectivo: O Porto Vertical
O elevador é a grande profecia que se autorrealiza: quanto
mais alto ele vai, mais indesejáveis são as circunstâncias
que deixa para trás. (KOOLHAAS, 2008, p. 106)
O arquiteto Koolhaas (2008) reflete sobre o elevador como uma invenção tecnológica que simboliza a
busca pela ascensão e pelo progresso, suscitando em
nós a seguinte questão: seria o elevador o elemento
simbólico ideal para prospectar cenários e antecipar
desafios? Pois, conforme ele ascende, torna acessíveis não apenas novos níveis físicos, mas também,
metaforicamente, deixa para trás o que é considerado indesejável ou obsoleto. Por outro lado, a citação
também pode ser interpretada como uma crítica à
maneira como o conceito de progresso tecnológico,
bem como o avanço da sociedade na busca por novos
horizontes, frequentemente resulta em consequências
indesejáveis – como, no contexto desta pesquisa, o
espraiamento horizontal dos portos logísticos, exacerbando questões de segregação espacial e impacto
ambiental. Esse fenômeno revela uma dissonância
entre o desenvolvimento tecnológico e a responsabilidade ecológica e social, em que a expansão física
muitas vezes ocorre sem uma consideração adequada pelas comunidades locais ou pelo meio ambiente.
Figura 9. Antiga muralha de cais e
ampliação do chão portuário de Santos, com estacas-pranchas e tablado.
Fonte: Acervo Docas S/A Fotografia de Dhiego Torrano em visita ao
Complexo Cultural do Porto de Santos (2020).
5
Os sistemas maremotrizes aproveitam a energia gerada pelo fluxo e refluxo das marés para produzir eletricidade. Essa abordagem de geração de energia é considerada uma forma renovável e sustentável, pois não emite gases poluentes e tem um impacto ambiental relativamente baixo, se comparado a outras fontes de energia. Além de ser previsível e
consistente, a energia maremotriz auxilia na diversificação da matriz energética e pode ser particularmente eficaz em áreas costeiras com grande amplitude de marés. (BORGES;
OLIVEIRA; LEITE NETO, 2022).
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Figura 10. Corte esquemático do Porto Vertical, projetando o cais anfíbio binário (vide ampliação na Fig. 17 – Anexos), infiltrações rodoviárias e ferroviárias,
pátios de contêineres assépticos, armazéns de grãos, armazenamento de óleo e gás, e trapiche aéreo.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
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A “profecia autorrealizável” evocada por Koolhaas (2008)
pode ser interpretada como uma implicação de que o
próprio progresso leva ao distanciamento de condições menos favoráveis aos interesses coletivos, reforçando a percepção de que o avanço guiado pelo lucro e
pela posse é sempre preferível e desejável, no contexto
da urbanização neoliberal. Nesse modelo, as dinâmicas
de mercado priorizam o consumo de espaços e a transformação de áreas em locais primariamente destinados
ao consumo, muitas vezes em detrimento da qualidade de vida ou do bem-estar comum. Essa visão crítica
questiona a sustentabilidade e a equidade desse tipo
de desenvolvimento urbano, sugerindo uma reflexão
sobre quem se beneficia e quem é marginalizado por
esses processos.
Como resposta a esses desafios e inquietações, o Porto Vertical – idealizado como um projeto experimental
em desenvolvimento – compreende o projeto como
pesquisa sobre perspectivas futuras para o espaço urbano e o portuário. Este projeto também busca contemplar os possíveis impactos climáticos, tais como o
aumento do nível do mar. Nesse contexto, o projeto
inquire se pode ser reaproveitado, sendo concebido
como um equipamento essencial para a infraestrutura
portuária e seus processos logísticos em nível global,
busca ser adaptável a diversos contextos, mesmo onde
não houver necessidade de superar barreiras geográficas naturais. A abordagem reflexiva do projeto visa
transformar o espaço portuário logístico existente, integrando-o ao ambiente por meio de parques naturais
e promovendo um “urbanismo do comum”6, com espaços destinados para permanência civil e atividades
náuticas e recreativas.
Nesse cenário prospectivo, a possibilidade do rodoferroviário e o cais anfíbio binário são considerados
como partes dos movimentos históricos centrípetos e
centrífugos – tendo em vista que o terceiro cenário
é uma perspectiva totalmente constituída pela água, e
talvez acessível apenas por navegação. Desse modo,
sugere-se um fechamento biodegradável e esteira guindaste, funcionando como um elevador – em sintonia
com o possível novo nível do espelho d’água do mar.
O sistema portuário vertical atuaria como um canalizador de força hídrica, incorporando quedas d’água,
movimentos maremotrizes, filtros atmosféricos e um
farol. O projeto nomeia pátios aéreos de contêineres
assépticos e um cais anfíbio binário para conectar infraestruturas rodoviárias e ferroviárias, por meio de
túneis imersos. Trata-se de eliminar barreiras físicas
que resultam na necessidade de obras de arte especiais,
como as passarelas, para transposições na escala do pedestre. A infraestrutura extrapola a escala dos guindastes portuários, podendo transpor barreiras geográficas
e conectar litorais a planaltos – tanto nos níveis operacional e logístico quanto no civil, conectando as cotas
da serra do mar para atividades lúdicas e de estudos.
Seu desígnio é reconstituir o chão portuário existente, devolvendo ao meio ambiente o urbano, o cortês.
Ao repensar o chão portuário com uma largura mínima necessária para o funcionamento eficiente da cadeia logística, foi ensaiado o conceito inédito de cais
anfíbio binário. Essa estrutura, implantada no ponto
mais profundo do estuário (vide Figura 23, em Anexos), tem o objetivo de melhorar o calado das embarcações (dragagem) e facilitar as operações portuárias.
O cais é considerado “anfíbio”, porque opera tanto
na água como na terra: construído como uma muralha
de cais, cria um subsolo técnico imerso – no qual são
recebidos os túneis imersos (“infiltrações”) provenientes das linhas ferroviárias e rodoviárias, permitindo um
recuo saudável da infraestrutura portuária em relação
ao ecossistema natural. Além disso, é “binário” porque possibilita o acesso das embarcações em ambos os
lados da estrutura, como se fossem as duas margens
de um rio, reduzindo o tempo de espera dos navios
nos locais externos à baía de Santos. Trata-se de uma
infraestrutura localizada no eixo da largura do estuário,
6
6
“O comum exprime uma concepção específica da vida, da natureza e do tempo, e também se exprime no espaço e no território.” (MONTANER; MUXÍ, 2021, p. 90).
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Figura 11. Implantações para três cenários, respectivamente: Construção para o transbordo ao Porto Vertical (ano 2031). Redesenho do chão logístico (ano 2121).
Porto submerso: conectar o litoral ao planalto (ano 2163). Direita inferior: diagrama em plantas.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
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com equipamentos e infraestruturas anexas – como
equipamentos maremotrizes, cabeços de amarração,
elevadores pneumáticos e dutos rodoferroviários com
raio de manobra. A estrutura conforma os chãos logísticos imerso e emerso com acesso rodoferroviário
(imerso) e atracagem das embarcações (emerso) de
ambos os lados da estrutura projetada, possibilitando
diversas saídas em relação ao contexto existente (vide
Figura 17, em Anexos).
Uma vez desembarcados no solo portuário, os contêineres são erguidos por esteiras/guindastes e elevadores7 (centrais e periféricos) que os transportam
para os pátios aéreos assépticos, com o objetivo de
reduzir ao máximo a disseminação de vírus relacionada ao tráfego internacional. Ao acomodarem a
carga, os elevadores se recolhem, descendo por um
canal, operando de forma simultânea, ágil, ininterrupta e automatizada. Cada andar – ou melhor, cada
pátio aéreo asséptico – possui guindastes que organizam o patamar e abastecem outros 12 elevadores
periféricos, os quais direcionam os contêineres para
as linhas rodoviárias e ferroviárias, tanto imersas
quanto emersas; bem como para o trapiche aéreo,
conectando a região costeira ao planalto (Figura 10).
Contexto e Autonomia
(…) Porque a arquitetura como forma de conhecimento
sabe dizer que, se não sei exatamente como fazer aquilo,
sei perfeitamente o que não deve ser feito. Um dos paradigmas da arquitetura, no sentido de ocupação do território para torná-lo habitável, é evitar o desastre. (…)
(MORAES, 2017).
Considere-se, então, um contexto alternativo: o projeto como antecipação. Para que uma infraestrutura
funcione, se adeque ou seja aceitável em seu local de
inserção, ela precisa, primeiramente, melhorar a qualidade da paisagem. Portanto, o projeto do arranha-céu
mistura a tecnologia necessária para seu funciona-
mento automatizado e sua megaestrutura com a construção de uma nova paisagem que, se não mantém o
existente, recria um ecossistema que já fora perdido.
Nesse projeto, busca-se a revitalização do manguezal
na forma de um imenso parque, ocupando áreas que
antes serviam de armazenamento de contêineres e devolvendo, à cidade e ao ambiente natural, seu maior
patrimônio: o território insular de geometria sinuosa
(vide Figura 18, em Anexos), que hoje já não existe
mais na região costeira em portos como o de Santos.
Dessa forma, a hipótese de construção do megaprojeto envolve a necessidade de reabilitação global do espaço, de tal modo que o edifício em si funcione como
um agente de transformação ecológica positiva para
seus arredores. A presença física de uma infraestrutura
de grande porte justificaria a sua relação com a natureza, por meio de ações que promoveriam a regeneração
ambiental e o fortalecimento dos ecossistemas locais.
Nesse contexto, a tecnologia não deve ser vista como
um elemento que se opõe à evolução da humanidade;
ao contrário, ela pode atuar como um meio de mediação que facilita essa relação. Ao invés de ser um mero
suporte, a tecnologia pode ser entendida como uma
extensão da natureza, contribuindo para a transformação e a melhoria do ambiente. Assim, o uso consciente
e inovador da tecnologia se torna essencial para criar
um equilíbrio harmonioso entre as necessidades humanas e a preservação ambiental, reforçando a ideia
de que o progresso deve ser sempre acompanhado de
uma responsabilidade ecológica.
Assim, investiga-se ainda, no projeto uma tecnologia
de reparação ambiental, denominada como “placenta” – caracterizada neste ensaio de projeto por uma
membrana bioplástica produzida a partir de plásticos
retirados do oceano e reciclados, tornando-se um mecanismo fotobiorreator que serviria como incubadora
de microalgas, inquirindo a possibilidade de produzir
os gêneros de algas vermelhas Bostrychia, Caloglossa
e Catenella e algas verdes Cladophoropsis, Rhizoclo-
7
7
Sabe-se que, historicamente, o elevador é um dispositivo que possibilitou novas tipologias edificáveis, até pouco tempo impraticáveis (KOOLHAAS, 2008). Essa engenhosidade
mecânica possibilitou pensar o uso desse dispositivo para melhorar, por exemplo, as condições de mobilidade em ambientes urbanos com características geográficas topográficas
acidentadas. “Esse alerta sobre a condição ‘mecânica’, da cidade e da casa foi a maneira como Paulo Mendes da Rocha definiu a sua participação no III Arte Cidade de São Paulo,
1997. Vale notar que na realização do evento seguinte, o arquiteto holandês Rem Koolhaas propôs a instalação de um elevador externo junto ao edifício São Vito, localizado no
Parque Dom Pedro, várzea do rio Tamanduateí” (BUCCI, 2005, p. 20).
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nium e Boodleopis – de forma similar ao projeto já
desenvolvido (VARGAS et al., 2018) pelo Núcleo de
P&D Energia Autossustentável (NPDEAS) da Universidade Federal do Paraná8 (UFPR, 2021). Esse dispositivo facilitaria o processo de fotossíntese natural,
filtrando o carbono e devolvendo-o ao meio ambiente
como oxigênio. Além disso, é potencialmente capaz
de gerar energia como um painel solar, reduzir a reverberação sonora dos pátios de contêineres assépticos e promover sombreamento na fachada do edifício.
Nesse ponto, o projeto se aproxima de Antoni Gaudí,
quando certa vez mencionou que o arquiteto do futuro deverá buscar inspiração na imitação da natureza (Figura 11), pois esse sempre será o método mais
durável, racional e eficiente de todos (GAUDÍ apud
PASK, 1969, tradução nossa).
(BRASIL, 2001), em que o processo de ordenamento e
direcionamento da expansão urbana (art.26, inciso IV)
se alinha ao papel do projeto arquitetônico como agente transformador e regenerador. Ao garantir ao Poder
Público a preferência na aquisição de áreas de interesse
ambiental, cultural ou paisagístico, torna-se possível a
implementação de projetos dessa natureza, comprometidos com a mitigação dos impactos climáticos.
Buscar inspirações por meio da autonomia do fazer
projetual da arquitetura e do urbanismo, por meio da
capacidade de integrar o desenho como uma linguagem de transformação e regeneração do espaço urbano e ambiental, levanta duas questões fundamentais.
A primeira está relacionada a como o projeto arquitetônico pode antecipar e responder a questões de contexto, evitando o “desastre” e promovendo a revitalização ambiental e cultural. Ou seja, a autonomia no
desenho do projeto não somente se adapta ao contexto, mas também recria ecossistemas perdidos (como
no caso do manguezal em questão, por meio de um
“urbanismo do comum” com a devolutiva do parque
manguezal urbano) ou cria ecossistemas construídos,
como a placenta. A segunda questão refere-se à criação de uma ambiência que se torna parte integrante do
ecossistema. Por exemplo: em que medida a tecnologia, representada pelo conceito de “placenta” e suas
aplicações com bioplásticos, se integra ao contexto geográfico natural da Serra do Mar, contribuindo para a
regeneração ecológica?
O conceito apresentado aborda a ideia de que o projeto de arquitetura, quando desenvolvido com a dupla
finalidade de alcançar um objetivo prático e, ao mesmo tempo, buscar novos conhecimentos, deve ser reconhecido como uma forma legítima de pesquisa.
Por fim, entre os questionamentos, destaca-se o direito de preempção, conforme o Estatuto da Cidade
8
Pesquisa em Projeto
Então, o projeto assim desenvolvido, isto é, que simultaneamente ao objetivo da obra, tem por finalidade a
descoberta de novos conhecimentos e enquanto processo,
(contínuo, plural etc.) em arquitetura deveria ser compreendido como uma das suas formas mais importantes e
legítimas de pesquisa (MARTINO, 1992, p. 8).
Ressalta-se que este projeto não é apenas um produto
final, uma hipótese ou uma imposição; trata-se de uma
obra aberta9, um meio pelo qual se promove um diálogo para um processo plural e contínuo. Isso se aplica
especialmente a pesquisadores interessados em temas
que envolvem a exploração de novas ideias, novos métodos e novas soluções que ampliem o conhecimento
na área, com ênfase em aspectos como as transposições
geográficas – integrando prática e teoria de maneira
sistêmica, na maioria das vezes por meio do desenho.
O desenho, por exemplo, é um processo que pode
ocorrer por meio de movimentos sensíveis do pensamento, percorrendo um processo não linear que pode
variar desde o croqui até o desenho técnico com uso
de software, e vice-versa. No entanto, o problema da
cadeia da instrumentalidade manifesta-se na tendência
de reduzir o projeto a uma vulgarização metodológica,
estabelecendo um “passo a passo” rígido para alcançar
9
8
Disponível em: https://www.npdeas.blogspot.com.br
“Obra aberta como proposta de um ‘campo’ de possibilidades interpretativas, como configuração de estímulos dotados de um substancial indeterminação, de maneira a induzir
o fruidor a uma série de ‘leituras’ sempre variáveis; estrutura, enfim, como ‘constelação’ de elementos que se prestam a diversas relações recíprocas” (ECO, 2010, p. 150).
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determinados projetos ou resultados. Essa abordagem
mecanicista contrasta com o pensamento crítico, que
propõe um caminho focado em identificar problemas
e projetar virtudes.
Em sintonia com o entendimento do professor Arnaldo Martino (1992) sobre “projeto enquanto pesquisa”,
o projeto transcende sua função de mera representação de algo que será construído, mas torna-se um processo capaz de gerar conhecimento e atuar como um
instrumento de produção cultural. O fazer projetual,
nesse contexto, carrega dois sentidos interligados: o
desígnio, ou a intenção, e a ideia de “atirar adiante”,
isto é, desenhar e lançar ensaios que possam impactar positivamente o futuro. Com isso, a pesquisa em
projeto busca reunir um conjunto de atividades que
se aproximem de possíveis novos conhecimentos, seja
no domínio científico – por isso abertos ao diálogo e
à revisão –, seja no artístico, para encontrar no projeto
uma expressão criativa. Esse percurso inclui indagação, questionamento, entendimento, escolha, proposta
e formalização das ideias enquanto expressão artística.
Embora este projeto busque se orientar com rigor metodológico e sistemático, também envolve uma grande
quantidade de dados, que revelam fatos e experiências
históricas, servindo como base para a etapa prospectiva.
Essa abordagem prospectiva e integral ao projeto ecoa
na filosofia de Ian McHarg, expressa em seu livro Design with Nature (MCHARG, 2006), em que desenvolve o conceito de “infraestrutura verde”: tudo o que
faz parte do ambiente – como pessoas, rochas, solo,
plantas, animais e ecossistemas – deve ser considerado
no planejamento de qualquer estrutura fabricada. “A
forma deve seguir mais do que apenas a função; ela
também deve respeitar o ambiente natural no qual está
inserida” (MCHARG, 2006, p. 244, tradução nossa).
Dessa forma, para ilustrar a relação entre a natureza
e o ambiente construído, o projeto do Porto Vertical
apresenta uma analogia diagramática, em que as plantas
do projeto do arranha-céu foram inspiradas na flor da
espécie Rhizophora racemosa – também conhecida como
“mangue vermelho” (Figuras 12, 13, 14, 15 e 16). As
anteras, que na natureza são responsáveis pela produção de pólen, são representadas pelos pátios assépticos
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do projeto, enfatizando a função de purificação e manutenção da qualidade ambiental. O estigma, localizado no centro da flor, sendo a área de recepção do pólen que leva à germinação, é analogamente o local onde
o elevador central de carga é posicionado, destacando
sua centralidade e importância no movimento vertical
de cargas. As pétalas, ou a corola, responsáveis por
atrair os agentes polinizadores, equivalem aos filtros
que captam o carbono e liberam oxigênio, ilustrando a
integração de sistemas que promovem a sustentabilidade ambiental. Finalmente, a sépala, que protege a flor,
é representada pela membrana periférica de algas que
rodeia o projeto, confeccionada com o plástico reciclado extraído dos mangues e oceanos – simbolizando a
proteção do meio ambiente e a reciclagem de materiais.
Diante da crescente necessidade de criar infraestruturas
autossuficientes e resilientes, o Porto Vertical se propõe a atuar como um catalisador de mudança, abrindo
espaço para discussões interdisciplinares que integrem
aspectos logísticos e ambientais. Essa proposta ressoa
com as lições aprendidas por Janssen et al. (2014), em
estudo sobre a implementação do conceito de Greening
Flood Protection (GFP), que destaca a importância do desenvolvimento do conhecimento próximo ao processo
de políticas. Assim como no projeto do dique Afsluitdijk, na Holanda, em que barreiras relacionadas ao conhecimento dificultaram a concretização dos objetivos
ambientais, o Porto Vertical também demanda uma
interação intensiva entre os campos técnico, ambiental
e político, para que seja possível alcançar soluções verdadeiramente integradas e sustentáveis. Outro ponto
abordado por Janssen et al. (2014) refere-se à necessidade de múltiplas iterações de projeto para acomodar
os desafios multifacetados da infraestrutura verde. No
contexto do Porto Vertical, essa flexibilidade é essencial, dado que as condições climáticas e as pressões
ambientais são dinâmicas e mutáveis. A abordagem de
movimentos centrípetos e centrífugos proposta pelo
projeto reflete a busca por estruturas que não apenas
resistam às adversidades, como também evoluam em
consonância com o ambiente. A adoção dessa postura iterativa contribui para que o projeto possa se
ajustar continuamente às novas realidades e desafios
emergentes, evitando, assim, a rigidez que limitou o
sucesso de outros projetos de proteção ambiental.
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Figura 12. Perspectivas ilustrativas para os três cenários prospectivos. Diagramas em planta para analogia com flor Rhizophora racemosa.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
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Figura 13. Diagramas em planta e perspectiva isométrica: fluxos.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
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Figura 14. Diagrama em planta e perspectiva isométrica: eixos estruturais.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
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Figura 15. Diagrama em planta e perspectiva isométrica: programas e prumadas técnicas.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
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Figura 16. Diagramas biofílicos em planta e perspectiva isométrica: “placenta”.
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
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Por fim, o projeto do Porto Vertical sublinha a importância de ampliar o debate para o campo político,
especialmente no que diz respeito à formulação de políticas públicas voltadas para infraestruturas sustentáveis. Janssen et al. (2014) apontam que a integração das
soluções ambientais nos projetos de infraestrutura depende de um forte embasamento político, o que garante a sustentabilidade e a eficácia das iniciativas a longo
prazo. Assim como o projeto Afsluitdijk enfrentou dificuldades devido à ausência de coordenação entre as
áreas de conhecimento e as políticas governamentais,
o Porto Vertical também demanda um compromisso
político que assegure a implementação e o respaldo
eficazes das soluções propostas, contemplando tanto
as demandas logísticas quanto as ambientais e sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Historicamente, os feitos humanos desenvolveram
infraestruturas e caminhos que buscaram avançar na
questão da transposição da barreira geográfica da Serra
do Mar, conectando o litoral ao planalto. Tais soluções
demonstram não somente o conhecimento humano
para lidar com problemas e virtudes relacionados à
água ou à transposição, como também a capacidade de
lidar com tais complexidades. O Porto Vertical é um
ensaio em projeto no contexto contemporâneo sobre
como a arquitetura da infraestrutura pode antecipar e
talvez mitigar aspectos climáticos. Por isso, questiona-se sua viabilidade e hipótese; ou seja, não se trata de
uma verdade absoluta. Pelo contrário, desenvolve uma
questão central: como evitar o desastre quando não for
possível domesticar as águas.
É evidente que mensurar perdas imateriais e materiais
não cabe apenas à arquitetura da infraestrutura. Por
esses e outros motivos, o Porto Vertical tem como desígnio ampliar o debate, principalmente para o âmbito
político, no que diz respeito às políticas públicas para
questões de tal abrangência. Este projeto, longe de ser
utópico, destaca a urgência de tais discussões e a necessidade de ações no campo – haja vista o cenário
do Rio Grande do Sul em 2024 (COSTA, 2024), que
demonstra de forma clara os desafios impostos pelas
mudanças climáticas, bem como a falta de responsabi-
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lidade daqueles que afetaram diretamente tanto a sustentabilidade das atividades portuárias quanto o bem-estar das comunidades locais.
Acrescenta-se que, durante o fechamento deste artigo,
em setembro de 2024, o Brasil assiste à criação de uma
autoridade climática, anunciada pelo presidente Luís
Inácio Lula da Silva (BRASIL, 2024b), com o objetivo
de articular e implementar ações de combate à mudança do clima. Esse anúncio ocorre em um contexto
crítico, em que políticas públicas são guiadas pelo Plano Nacional de Enfrentamento aos Riscos Climáticos
Extremos (BRASIL, 2024a), refletindo a urgência das
discussões sobre adaptação e resiliência diante das mudanças climáticas. A iniciativa reforça a necessidade de
um diálogo aberto e interdisciplinar, bem como evidencia a responsabilidade do Governo Federal em responder às crises climáticas que afetam comunidades
por todo o país, especialmente na Amazônia.
As recentes medidas de combate à seca e aos incêndios
florestais revelam a interconexão entre infraestrutura e
política ambiental, ressaltando a importância de integrar saberes e práticas para desenvolver soluções sustentáveis. Essa nova abordagem, assim como o Porto
Vertical, busca uma tipologia de infraestrutura que não
somente atenda às demandas logísticas, como também
seja capaz de lidar com as urgências ambientais e sociais contemporâneas.
Ademais, o empilhamento e a superposição na arquitetura aproximam o diálogo aos aspectos climáticos,
outro aspecto também difícil de mensurar. Antecipa-se, como uma ferramenta que envolve outra questão:
como o conceito de tipologia (ARGAN, 2000) pode nos
ajudar a desenhar infraestruturas distintas de um modelo
pragmático e instrumental, sendo necessária uma equipe multidisciplinar para tensionamento das ideias e
abordagens, para outros contextos, com vistas a novos
horizontes para um futuro responsável e humano –
por uma arquitetura da infraestrutura desenhada com
perspectiva multidisciplinar. No contexto do Porto
Vertical, a superposição trata de um cenário climático
mutável, envolvendo a criação de um possível ecossistema de abastecimento humano que, por sua natureza,
necessita ser autossuficiente e resiliente: a placenta.
Pos FAUUSP, São Paulo, v. 31, n. 59, e215061, jul-ago 2024
O conceito de tipologia na arquitetura está profundamente ligado à adaptação e à resposta a demandas
culturais, sociais, funcionais e construídas de uma determinada época, assim como a um conjunto de exigências ideológicas, religiosas ou práticas. Nesse sentido,
o Porto Vertical propõe uma nova tipologia de infraestrutura, que não apenas atende às demandas logísticas, como também às urgências ambientais e sociais de
nosso tempo. Para que essa tipologia se aproxime de
sua eficácia ou refutação, é necessário um diálogo aberto e interdisciplinar, similar ao que ocorria na ágora da
Grécia Antiga – o centro de discussão pública no qual
diferentes perspectivas se encontravam para debater o
futuro da pólis. Sem essa ágora contemporânea, que
integre saberes e práticas com vozes no projeto como
desígnio, não será possível moldar nosso futuro de
forma a não enfraquecer diante das complexidades de
cada contexto e dos desafios que envolvem esse tema.
Essa abordagem – como uma nova tipologia e metodologia, à luz dos movimentos centrípetos e centrífugos – aproxima esse conteúdo do momento histórico
em que nos encontramos, caracterizado pela necessidade urgente de estruturas autossuficientes, resilientes
e ambientalmente integradas. Assim como a ágora,
acreditamos, como outros autores, que esse espaço de
diálogo crítico pode ser a chave para o desenvolvimento de cidades que não apenas sobrevivem, mas, sobretudo, prosperam em harmonia com o meio ambiente.
Este ensaio em projeto utiliza diagramas prospectivos para explorar didaticamente esses desafios, acreditando que tal abordagem, utilizada historicamente,
promove o diálogo sobre a viabilidade técnica e os
obstáculos a serem enfrentados. Os diagramas apenas
aproximam as questões em pauta, e incentivam a criatividade e a inovação para a produção de conhecimento, destacando a importância da pesquisa em projeto
como uma ferramenta que sintetiza contextos atuais,
rearranjo das preexistências, no redesenho urbano e
do território, na busca por uma geometria simbólica
para a fruição e equidade.
É um projeto aberto à crítica, postos os desafios e os
questionamentos conceituais e técnicos, principalmente sobre a reflexão de “evitar o desastre”. A transversaPos FAUUSP, São Paulo, v. 31, n. 59, e215061, jul-dez 2024.
lidade entre a antropogeografia e o Antropoceno é
central ao projeto. A preservação e a percepção das
memórias projetuais e o desenho como patrimônio
intelectual são fundamentais para superar modelos rígidos, e avançar no estado da arte da arquitetura e da
infraestrutura.
A contribuição da Profa. Dra. Rosana Helena Miranda
(Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da
Universidade de São Paulo – FAUUSP, Departamento de Projeto) marca outro momento relevante neste
diálogo sobre propostas urbanas. Durante a gestão da
ex-prefeita Marta Suplicy no município de São Paulo
(2021-2004), a arquiteta e urbanista atuou no projeto de uma linha do metrô que conectaria o bairro de
Itaquera ao aeroporto de Cumbica, e dali seguiria em
direção à região do ABC e ao Porto de Santos, com o
objetivo de fortalecer o comércio no Mercosul e consolidar o Complexo Viário Jacu Pêssego como eixo de
inovação tecnológica. À época, a autora já vislumbrava
o Porto de Santos como um ponto-chave (centrípeto).
Elementos do projeto atual, como o elevador central
e o trapiche aéreo, poderiam ser concebidos como
uma espécie de eclusa, trazendo novas perspectivas
de transformação territorial a partir dos cenários prospectivos. Com tais apontamentos e questionamentos,
o Porto Vertical vem sendo aperfeiçoado estrategicamente, buscando expandir essa infraestrutura e fomentar o desenvolvimento regional de forma integrada.
A imagética da metamorfose portuária proporciona
uma interpretação dinâmica e sistêmica dos movimentos centrípetos e centrífugos. Diante de possíveis
elevações do nível do mar, surge a indagação: se isso
ocorrer, como adaptar as infraestruturas à nova realidade? A pesquisa, por meio de abordagens descritivas,
analíticas e prospectivas, aborda os chãos suprimidos
– tanto aéreos quanto terrestres – sob a ótica de um
“urbanismo do comum”. Independentemente dos
possíveis desastres, persistiremos em superar obstáculos, pois, no fim, estamos constantemente transpondo
barreiras, sejam elas materiais ou imateriais. Em última
análise, o Porto Vertical constitui uma exploração de
como podemos construir um outro paradigma no espaço e tempo.
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ANEXOS
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Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
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Figura 18. Planta Geral do Caes – Porto de Santos, 1897.
Fonte: Imagem do Arquivo Nacional (BRASIL, 2023).
Figura 19. Projeto de Caes, Engenheiro Garcia Redondo – Porto de Santos, 1885.
Fonte: Imagem do Arquivo Nacional (BRASIL, 2023).
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Figura 20. Planta do Ancoradouro, Engenheiro Garcia Redondo – Porto de Santos, 1885.
Fonte: Imagem do Arquivo Nacional (BRASIL, 2023).
Figura 21. Projeto de Caes, Engenheiro Garcia Redondo – Porto de Santos, 1885.
Fonte: Imagem do Arquivo Nacional (BRASIL, 2023).
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Figura 22. Dépôt des cartes et Plans de la Marine – Porto de Santos, 1867.
Fonte: Imagem do Arquivo Público do Estado de São Paulo (BRASIL, 2023).
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Figura 23. Perfil do Canal entre o Saboó e a Ilha de Barnabé – Porto de Santos, 1885. .
Fonte: Imagem da Companhia Docas de Santos (BRASIL, 2020).
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