Academia.eduAcademia.edu

Al-Mutamid

2020, CULTUR - Revista de Cultura e Turismo

Al-Mutamid é uma personagem mítica na história do al-Andalus cuja vida despertou o interesse de especialistas e do público em geral. Viveu em Portugal, Espanha e Marrocos, onde acabou por morrer no exílio imposto pela poderosa dinastia Almorávida.  A rota al-Mutamid estende-se de Lisboa a Granada, passando por Huelva e Sevilha. É uma das estradas mais ricas do al-Andalus, uma vez que a herança monumental da Andaluzia é adicionada à de Portugal do período muçulmano. Esta rota, com dois ramos, abrange o canto sudoeste da Península Ibérica fazendo um percurso pelas terras portuguesas até a capital da Andaluzia. Portugal muçulmano era uma parte consubstancial do al-Andalus. As fronteiras entre a Espanha muçulmana e os reinos cristãos do norte mudaram ao longo dos séculos. Durante o califado chegaram ao Douro, mas no período Almoada já estavam a sul do Tejo. Nada separava as áreas do al-Andalus que mais tarde se tornaram parte de Portugal. A rota estrutura uma narrativa baseada numa hera...

CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas AL-MUTAMID: de Rei-Poeta, a Rota Turística e Cultural ALEXANDRA RODRIGUES GONÇALVES1 Recebido em 31.07.2019 Aprovado em 30.09.2019 Resumo Al-Mutamid é uma personagem mítica na história do al-Andalus cuja vida despertou o interesse de especialistas e do público em geral. Viveu em Portugal, Espanha e Marrocos, onde acabou por morrer no exílio imposto pela poderosa dinastia Almorávida. A rota alMutamid estende-se de Lisboa a Granada, passando por Huelva e Sevilha. É uma das estradas mais ricas do al-Andalus, uma vez que a herança monumental da Andaluzia é adicionada à de Portugal do período muçulmano. Esta rota, com dois ramos, abrange o canto sudoeste da Península Ibérica fazendo um percurso pelas terras portuguesas até à capital da Andaluzia. Portugal muçulmano era uma parte consubstancial do al-Andalus. As fronteiras entre a Espanha muçulmana e os reinos cristãos do norte mudaram ao longo dos séculos. Durante o califado chegaram ao Douro, mas no período Almoada já estavam a sul do Tejo. Nada separava as áreas do al-Andalus que mais tarde se tornaram parte de Portugal. A rota estrutura uma narrativa baseada numa herança cultural comum a Portugal e Espanha, tendo na sua origem a convicção de que as rotas culturais são um elemento fundamental na construção de uma relação de benefícios mútuos entre cultura e turismo. Este trabalho resulta de uma estreita colaboração com a Fundação Pública Andaluza- El Legado Andaluzi, no período de 2013 a 2018 , e discute boas práticas com vista ao desenvolvimento de rotas turísticas e culturais. Palavras-chave: Rota Cultural. Rota Turística. Rota de al-Mutamid. Turismo Cultural. Universidade do Algarve, Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo. Centro de Estudos Comparatistas da Universidade do Algarve, [email protected] 1 78 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas Introdução “Al-Mutamid is so fascinating that sometimes we do not know well where legend and myth end and the real man begins.” Adalberto Alves, 1999. Em 1987, o Conselho da Europa iniciou a programação de um conjunto de rotas culturais com o objetivo principal de demonstrar como as raízes da identidade europeia podem estar na base da fundação de uma visão de cidadania partilhada. Este programa tem hoje mais de 30 rotas certificadas que promovem a diversidade e a identidade cultural da Europa. Entre as rotas do Legado Andalusi está a rota Al-Mutamid, apontada como um estudo de caso de boas práticas. São muitos quilómetros que ligam os dois países, locais, cidades e bens culturais (tangíveis e intangíveis) sob temas comuns. É uma rota cultural transfronteiriça, que une dois países a partir da diversidade de um legado de origem árabe. O presente trabalho estrutura-se em quatro pontos principais e estabelece uma relação estreita com a história comum entre o património de origem árabe nas regiões do Algarve e da Andaluzia, aborda a importância dos valores do Conselho da Europa e do reconhecimento desta Rota Cultural neste âmbito. Os valores patrimoniais e a cultura comum são amplamente refletidos na personagem do rei-poeta Al-Mutamid, que nasceu em Beja em 1040 e morreu em Agma (Marrocos) em 1095, tendo sido designado governador de Silves com apenas 12 anos de idade. Adalberto Alves, um dos mais consagrados arabistas portugueses, apelidou Al-Mutamid como o poeta do destino. É uma personagem tão fascinante que algumas vezes se torna difícil definir os limites entre o que será a realidade e o mito (Alves, 1996 e 1999). 79 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 1. Breve enquadramento conceptual Perante uma massificação da atividade turística, com o seu apogeu na segunda metade do século XX, associada ao turismo balnear, que se caracterizou nos países do Mediterrâneo pela monocultura, pela degradação do meio ambiente, pela sazonalidade da procura e pela associada banalização do produto, surgiu a necessidade de proteção do património natural e cultural (Gonçalves, 2005). É deste período a Carta Internacional do Turismo Cultural (ICOMOS, 1976). Com a produção deste documento, o International Council of Monuments and Sites vem determinar a importância de associar benefícios para as comunidades, resultantes do desenvolvimento do turismo cultural. O desenvolvimento sustentado da atividade turística relacionada com a cultura e o património está diretamente associado à cooperação entre os diferentes agentes e atores da comunidade (ICOMOS, 1976). De facto, o património cultural e o turismo têm vindo a transformar o seu inter-relacionamento, assistindo-se à emergência da preocupação em assegurar que o turismo seja respeitador das culturas e do ambiente, e que a receita gerada seja utilizada para a preservação dos recursos patrimoniais, e para o reforço do desenvolvimento cultural. O desenvolvimento de rotas e itinerários é um dos princípios recomendados também na Carta Internacional do Turismo Cultural. Uma breve nota para reconhecer que a criação e o desenvolvimento de rotas turísticas e culturais é uma das formas mais adequadas para fazer circular os fluxos turísticos pelo território e conduzir os visitantes (nacionais e estrangeiros) a visitar lugares menos reconhecidos internacionalmente, contribuindo assim para um desenvolvimento equilibrado e sustentado do turismo nos territórios. As rotas culturais do Conselho da Europa enquadram-se nas tendências de desenvolvimento do turismo cultural: […] alcançaram um impacto e progresso notáveis nas últimas duas décadas e mostraram um enorme potencial para a geração, o agrupamento, a criação de redes (diálogo intercultural) e a promoção da imagem do Conselho da Europa e da Europa em geral. As Rotas Culturais incentivam a ampla participação da comunidade em atividades culturais, sensibilizando para um património cultural comum. Estabelecidas em princípios culturais e sociais, as Rotas Culturais representam um recurso para a inovação, a criatividade, a 80 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas criação de pequenas empresas e o desenvolvimento de produtos e serviços de turismo cultural. (Conselho da Europa e Comissão Europeia, 2011, p. 6) Estima-se que quatro em cada dez turistas escolhem o seu destino com base na sua oferta cultural: "O turismo cultural foi recentemente reafirmado pela UNWTO como um elemento importante do consumo turístico internacional, representando mais de 39% das chegadas turísticas " (Richards, 2018, p. 12). Também outros estudos têm revelado que o turismo cultural é importante para reduzir a sazonalidade, como é o caso do de Cisneros-Martinez e Fernández-Morales (2015), sobre a Andaluzia. Os recursos patrimoniais possuem uma forte ligação com o território, que emerge como espaço em que se desenvolveu a atividade humana ao longo dos tempos (Martos e Santos, 2004). A proteção e a dinamização destes recursos têm conduzido à procura de soluções que possibilitem um desenvolvimento sustentado do potencial destes recursos. Num relatório de 2009, a OCDE reconhecia, sobre os impactos da cultura no turismo, que tem havido um uso excessivo da cultura para afirmar distintivamente alguns destinos e que o surgimento de uma “economia simbólica” pode trazer novos impulsos de criatividade e uma renovação da competitividade que emerge sobretudo como oportunidade para destinos sem património cultural construído relevante ou monumental. No planeamento estratégico, em turismo, as recomendações são diversas, incluindo: estruturar e desenvolver itinerários experienciais; desenvolver ações de sensibilização; garantir um sistema eficaz de sinalização das principais atrações; manter uma boa rede de informações turísticas; melhorar as condições do turismo acessível em termos de infraestruturas, equipamentos e serviços; estruturar e divulgar um calendário de eventos regionais (Jamal & Getz, 1995). O rápido crescimento a que o turismo cultural assiste impõe que se verifique o seu planeamento de forma integrada e inclusiva, para que se possa alcançar os desejados resultados positivos. Os itinerários culturais possibilitam ao Homem a partilha de conhecimento, a concretização de emoções e a procura de uma dimensão transcendente nas suas vidas (Trono & Oliva, 2017). O sucesso das rotas e itinerários culturais não tem a ver com o facto isolado de existirem monumentos, museus e outros elementos patrimoniais, mas envolve cooperação, trabalho em rede entre os diferentes atores da cultura e do 81 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas turismo (Pattanaro & Pistocchi, 2016).Para o Conselho da Europa uma rota cultural é: “um projeto de cooperação cultural, educacional e de turismo, visando o desenvolvimento e a promoção de um itinerário ou de uma série de itinerários com base numa rota histórica, num conceito cultural, numa figura ou fenómeno com importância e significado transnacional para a compreensão e o respeito de valores europeus comuns” (Conselho da Europa, 2013, p. 3, Appendix to Resolution CM/Res(2013)66). Os critérios que determinam a certificação de uma rota pelo Conselho da Europa estão estabelecidos na mesma resolução e incluem: 1) o tema ter que ser representativo dos valores comuns a pelo menos 3 países da Europa; 2) o tema ter que ser investigado e desenvolvido por grupos de especialistas de natureza multidisciplinar de diferentes regiões da Europa para assegurar que as atividades e os projetos possuem o consenso dos parceiros; 3) o tema dever ser ilustrativo da memória, história e património da Europa e contribuir para uma interpretação da diversidade da Europa atual; 4) o tema dever proporcionar intercâmbios culturais e educacionais para jovens e, portanto, estar em consonância com as ideias e preocupações do Conselho da Europa nestes campos; 5) o tema dever permitir o desenvolvimento de iniciativas e projetos exemplares e inovadores no campo do turismo cultural e do desenvolvimento cultural sustentável; 6) o tema dever possibilitar o desenvolvimento de produtos turísticos em parceria com agências e operadores turísticos que trabalham diferentes públicos, incluindo grupos escolares.(ver Conselho da Europa, 2013, p. 9, Appendix to Resolution CM/Res(2013)66). As rotas culturais assumem-se assim como plataformas de inovação e desenvolvimento de turismo sustentado. No Algarve, num estudo sobre o turismo cultural desenvolvido para a Região de Turismo do Algarve, a Rota do Rei Al-Mutamid é referida como um dos recursos ou produtos identificados como sustentando a identidade da região (RTA, 2014). 82 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas Tabela 1- Recursos e produtos culturais que sustentam a identidade da região do Algarve Categoria Património histórico Gastronomia e Vinhos Rotas Usos e costumes Subcategoria Fortaleza de Sagres /Promontório de Sagres Ruínas de Milreu Monumentos megalíticos de Alcalar Centros históricos urbanos Fortificações e castelos Património religioso Cataplana Peixe fresco Xerém Doçaria diversa Dieta Mediterrânica Pedestres (via Algarviana, Rota Vicentina) Rota dos Descobrimentos Rota de Al-Mutamid Rota da Cortiça Folclore Artesanato Tradições Fonte: Adaptado de RTA, 2014, p.191. 2. Investigação e metodologia Foi utilizado o método de pesquisa descritiva com a finalidade de analisar os valores culturais e patrimoniais do legado histórico associado ao rei al-Mutamid em ambas as regiões - Algarve e Andaluzia. Para o efeito verificou-se um estudo profundo de documentos e obras de natureza histórica e literária, com o apoio de técnicos especialistas em património, história da herança árabe e turismo, partindo de uma revisão bibliográfica composta pelos principais arabistas e estudiosos destas temáticas. A finalidade foi estabelecer um “padrão” que possibilitasse a aplicação junto aos objetos empíricos. Como objeto empírico, ficou definida a rota al-Mutamid e os locais incluídos no itinerário da região do Algarve. Esta rota foi escolhida por estar enquadrada como itinerário cultural do Conselho da Europa e merecer ampla referência no setor turístico, pelo passado comum entre as duas regiões, e por possuir um reconhecido potencial de desenvolvimento. 83 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas Partindo dos conceitos apresentados pelos historiadores e técnicos de património, bem como da literatura disponível, o trabalho analisa assim o desenvolvimento destes objetos empíricos, abrangendo o potencial e a importância que estas rotas assumem para o crescimento do mercado de turismo cultural na Bacia do Mediterrâneo. O estudo terá caráter essencialmente qualitativo, com ênfase na observação e estudo documental, ao mesmo tempo que será necessário o cruzamento dos levantamentos com toda a pesquisa bibliográfica já feita. Existem diferentes caminhos para se fazer uma pesquisa qualitativa, todavia, uma vez que fomos parte no desenvolvimento do projeto, o acesso ao objeto de pesquisa e aos dados secundários demonstrou-se facilitado. A metodologia utilizou indicadores determinados pelo Conselho da Europa e Comissão Europeia (2011, 2013), mas também outros estudos de caso existentes (Pattanaro & Pistocchi, 2016). 3. História e inventário de recursos Al-Mutamid, ou Muhammad Ibn Abbad, foi filho e sucessor do rei de Sevilha al-Mutadid. Para a História, ficou conhecido como rei-poeta, pelo seu amor à poesia. Os seus versos chegaram até nós e neles podemos apreciar a capacidade dos sevilhanos para rimar. Nomeado governador de Silves com apenas doze anos, teve uma cuidadosa educação que incluía tanto as artes guerreiras quanto as belas artes. Em Silves, passou talvez os seus melhores anos. Em 1069 ascendeu ao trono de Sevilha, o reino mais forte entre os que surgiram no al-Andalus após a queda do califado de Córdoba. Excelente poeta, al-Mutamid cercou-se em Sevilha dos melhores escritores da época e afirmava-se que seria na corte sevilhana de al-Mutamid onde era preciso procurar os “melhores engenhos” do mundo árabe ocidental, de acordo com o arabista Juan Vernet (1958). No entanto, a sua estrela terminou rapidamente com um convulsivo e frágil al-Andalus. Em 1088, foi destronado pelos almorávidas e teve de se exilar em Agmat, a sul de Marrakesh, sorte que compartilhou com AbdAllah, o último rei zirí de Granada, outro homem de letras. 84 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas Figura 1 – Mapa da Rota de Al-Mutamid Fonte: http://rutadealmutamid.com/pt-pt/ 3.1 A rota em Portugal Lisboa (Figura 1) é o ponto de partida desta rota. As paisagens vigorosas da foz do rio Tejo, na costa atlântica, abrigam a grande cidade de Lisboa. Os seus alargamentos e estreitos fundem-se no estuário do Tejo. As montanhas têm vista para o mar, as planícies proliferam e as margens são densamente povoadas. Apesar das dimensões da grande cidade que hoje é, Lisboanão pode esconder o seu passado. Na direção leste, fica Évora, nas planícies do Alto Alentejo, onde predominam planícies pontilhadas de azinheiras e sobreiros, campos de trigo e colinas cobertas de mato e montanhas mediterrâneas. A cidade universitária de Évora tem uma longa história. Na estrada para o sul, Beja aparecerá pela primeira vez nas planícies alentejanas. Nos tempos islâmicos, Beja, que antes era romana, era uma das cidades mais importantes de 85 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas Garb al-Andalus, principalmente durante os primeiros séculos. Al-Mutamid nasceu aqui, quando a cidade dependia do reino de Sevilha. No entanto, o símbolo representativo de Beja não lembra o rei-poeta, mas o rei cristão Dom Dinis, cuja torre do Tributo construiu e permaneceu como emblema da cidade. Aqui existem abundantes planícies de culturas de cereais, olivais e pastagens que se expandem em direção à costa atlântica, até ao curso do rio Sado, junto ao qual está localizada Alcácer do Sal, no distrito de Setúbal. O estuário possui a classificação de reserva natural devido aos seus valores ambientais. Esta é uma população que tem uma conversa extraordinária e incessantemente com o rio Sado. Mais ao sul, no Baixo Alentejo, fica Mértola. Para chegar à cidade não há nada melhor do que ir de barco, navegando rio acima pelo Guadiana. Após uma confortável navegação a 70 quilómetros do mar, esta localização privilegiada como porto de exportação de produtos agrícolas e de mineração do interior do al-Andalus permite ao viajante ver a cidade estendida do castelo até a margem do rio, o que a torna compreensível a forma como a sua alma foi moldada e a sua história determinada. Para nós, a cidade foi tomada pelos Abades de Sevilha nos dias de al-Mutadid (século XI), pai do al-Mutamid a que é dedicada a rota. A seção que estamos interessados em comentar agora, e que foi marcada, liga a região do Algarve português, o al-Garb dos árabes, à província de Huelva. A povoação de Aljezur deve ter sido nos tempos muçulmanos quase uma ilha cercada por uma lagoa marítima, pois corre ao longo da costa portuguesa na direção leste. A região do Algarve tinha características especiais nos tempos islâmicos que a diferenciavam resto de al-Andalus. De certa forma, teve um caráter levantino desde os primeiros momentos da chegada dos árabes à Península Ibérica, talvez também devido à sua localização geográfica. Existem três cidades que o geógrafo al-Idrisi destaca nessa região: Silves, Santa Maria do Algarve (Faro) e Mértola. Aljezur foi fundada pelos árabes que ocupavam a área mais ocidental de al-Andalus. Chamavam-lhe al-Yazira (a ilha) no século X. Foi a cidade que permaneceu mais tempo nas mãos árabes, e cuja influência regional cai no século XIII com o avanço cristão. Desde então evidencia-se o Castelo de Aljezur, que foi o último reduto árabe conquistado pelos cristãos em 1249. Um passeio pelas ruas sinuosas e labirínticas da cidade, algumas ainda com uma estrada medieval, transporta o visitante para os tempos distantes da medina árabe. 86 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas A cidade de Sagres está localizada no canto sudoeste da Europa, onde a Serra do Espinhaço de Cão delimita o leste do Algarve e separa o resto da região, cujas encostas marítimas, cortadas por falésias, terminam na Ponta da Piedade para o sudeste, e na Ponta da Carrapateira para o noroeste. O seu vértice sudoeste bifurca-se em várias cabos, como Cabo São Vicente, Ponta de Sagres e Ponta de Atalaia. É conveniente saber que o Infante Dom Henrique obteve a permissão real para fundar uma cidade na ponta de Sagres no ano de 1443. Aqui o Navegador viveu os seus últimos dias. Da sua Vila do Infante, podia ver as águas selvagens do Atlântico, provavelmente sonhando com uma última viagem. Al-Idrisi, sempre preciso na descrição das cidades andaluzas, conta que Madinat Xilb (Silves) possuía uma grande muralha que a protegia, importantes infraestruturas e que sua economia se baseava no comércio de madeira. Isso no século XII. O nosso protagonista, al-Mutamid, foi nomeado governador de Silves ainda criança. Nesta cidade, descobriu a poesia com Abu Bakribn Ammar, que acabou por se tornar o favorito do jovem príncipe. Esta cidade é um marco na biografia do “nosso” rei e uma paragem obrigatória na rota. Albufeira, Paderne e Loulé, são os pontos seguintes de paragem. A primeira é uma cidade costeira conhecida, um destino tradicional para portugueses e estrangeiros durante o verão. Nas terras do interior, Paderne aparece como património e tesouro natural. Esta localidade faz parte desse Algarve secreto e único que às vezes passa despercebido ao visitante. A atual localização de Paderne remonta ao século XVI, quando o castelo que deu origem à cidade no século XII foi abandonado. O Castelo de Paderne, outra paragem obrigatória, ainda pode ser visitado a dois quilómetros ao sul da cidade. Para fechar o triângulo, o passeio termina em Loulé, al-UIya, de acordo com as crónicas árabes. Esta cidade teve que emergir numa fase tardia do domínio islâmico e teve o seu tempo de esplendor na era Almohad, um período ao qual pertencem a maioria dos restos arqueológicos encontrados na cidade. O recinto amuralhado de Loulé tem cerca de 5 hectares e abrangeu a Alcazaba desaparecida. O Algarve tem uma antiga tradição comercial marítima que remonta à era fenícia. A cidade de Tavira era um importante enclave fenício, localizado ao redor do rio Gilão. A importância do centro populacional tornou necessária a construção de um muro fenício no final do século VII a.C. e no início do século III a. C. a colina de Tavira foi abandonada por razões que até hoje desconhecemos. Vários séculos se passaram antes de Tavira recuperar o seu 87 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas papel passado no comércio marítimo. Com a chegada dos árabes ao Ocidente islâmico, que era o Algarve para seus novos habitantes, o pequeno centro urbano existente acabou por se tornar uma cidade de maior projeção, especialmente desde o século XI. No seu lado português, o itinerário distingue-se por uma orografia, na costa, pontilhada de cavernas e pequenas grutas, além das suas muitas praias, como a Falésia ou as da Ria Formosa, na cidade de Tavira. A região é protegida ao norte pelas montanhas de Monchique e Caldeirão, para que a costa do Algarve desfrute de um clima tipicamente mediterrâneo, com baixas chuvas ao longo do ano e temperaturas bastante amenas no inverno. Na parte oriental, o Algarve inclui o Parque Natural da Ria Formosa, com mais de 18.000 hectares e uma das zonas húmidas mais importantes da Europa. 3.2 A rota em Espanha A seção espanhola começa em Huelva, ainda sob a influência atlântica, e sobe em direção ao interior da província de Huelva, parando em Niebla e Almonaster la Real até chegar a Cortegana. O contraste entre a costa de Huelva, a confluência dos rios Tinto e Odiel, a depressão bética e o interior não pode ser mais claro. Na subida para norte, continuamos em Niebla, nas margens do rio Tinto, através das terras planas da província de Huelva. O mar, como saída dos recursos de mineração através de Huelva, foi uma atração para a instalação em suas terras de civilizações como os fenícios, gregos, púnicos e romanos e, acima de tudo, a ascensão do reino de Tartesos, que deixou uma marca indelével no chão de toda a cidade e cujos restos podem ser vistos no Museu de Huelva. Mas Huelva também ganhou destaque na descoberta da América em 1492. Porém, não foi até os tempos contemporâneos, com a venda das minas de Rio Tinto para os ingleses, que determinaram a visão que ainda podemos contemplar hoje desta cidade tranquila. Huelva é marcada por um grande número de edifícios, religiosos e civis, que merecem uma visita tranquila. A Igreja de San Pedro é a mais antiga da capital Huelva, construída sobre os restos de uma mesquita primitiva em estilo gótico mudéjar. A Catedral de Nossa Senhora da Misericórdia, do século XVII, é uma sede episcopal e, como curiosidade, é preciso dizer que está originalmente associada à mansão da casa de Medina-Sidonia, a família nobre mais rica e 88 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas poderosa da Europa. O bairro Reina Victoria é um bom exemplo da influência inglesa na cidade. Construído para abrigar os trabalhadores da Companhia Rio Tinto, ocupa um total de oito hectares em uma pequena elevação. É uma caminhada pitoresca que nos faz sentir em outro mundo e em outra época. O outro marco monumental do passado “minerador” da cidade é o cais da empresa Rio Tinto. A sua presença imponente ergue-se em frente ao mar e essa estrutura de metal pesado não passa despercebida. Inaugurado em 1876, foi realizado pelo engenheiro George Barclay Bruce. Todas as estradas conduzem ao mar, e a gastronomia não poderia ser melhor, por isso não poderíamos deixar a cidade sem provar os seus frutos do mar e peixes. Graças à sua posição privilegiada nas margens do rio Tinto e sua proximidade com o Atlântico, Ilipla (hoje Niebla), consolidou-se na época romana e ganhou importância ao tornar-se numa sede episcopal e um dos principais núcleos visigodos da região. Mas é claro que os poderosos habitantes de Tartesos e Cartagineses já haviam passado por aqui, certamente atraídos pela riqueza mineradora da área e sua proximidade com o mar. A conquista muçulmana em 712 não fez nada além de reforçar o papel da cidade. Chamado Labla, abrigava linhagens árabes aristocráticas e tornou-se na capital de uma província cuja superfície cobria uma grande parte do Garb al-Andalus. Em 1262, foi para a coroa de Castela do rei Afonso X após um longo cerco. A cidade de Niebla é uma das poucas cidades da Andaluzia que preservou o seu recinto amuralhado, praticamente intacto. Poucos enclaves urbanos oferecem uma aparência geral tão surpreendente. Dentro do recinto amuralhado, destaca-se o Castelo dos Guzmanes, do século XV. Fora dos muros, a ponte de origem romana sobre o rio Tinto marca o caminho a seguir. No centro do Parque Natural da Serra de Aracena e dos Picos de Aroche fica Almonaster la Real. O polígrafo de Huelva al-Bakri, que viveu nos dias de al-Mutadid, pai de al-Mutamid, refere-se a esta cidade quando descreve a área. Poucas localidades na área se podem orgulhar de um património histórico tão rico e diversificado. Os primeiros vestígios de colonatos datam da Idade do Bronze, porém os mais abundantes correspondem à era romana. Quando os muçulmanos chegaram à Península Ibérica, os berberes estabeleceram-se principalmente nessa área, assim como em outras áreas montanhosas da península sul. No século IX, al-Munastir era a população mais importante da região, capital de um distrito militar e fiscal. Tinha uma cerca murada, uma medina, uma aljava e, 89 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas possivelmente, uma fortaleza da qual não havia vestígios. Dois edifícios emblemáticos lembram o passado muçulmano e cristão de Almonaster. Por um lado, a Mesquita de Almonaster, no topo da colina que coroa o Castelo, que foi erguida na época de Abd alRahman II, no século X. E, por outro, a igreja gótica mudéjar de São Martinho, que possui uma bela capa manuelina do século XVI. Cortegana, Qartasana ou Qatchana referiram-se a esta cidade montanhosa. O cronista nascido em Córdoba, al-Hayyan de Qartasana; também é citado no trabalho de al-Bakri como Qatchana; e ainda mais, o almerianoal-Udri fala dela como Yabal Qatrachana (Sierra de Cortegana). Parece que a cidade deu o seu nome às montanhas que a cercavam, ou foi o contrário? O complexo monumental de maior valor patrimonial e que representa, como nenhum outro, a cidade de Cortegana, é o castelo. Dentro deste edifício fortificado situa-se o Ermitério de Nossa Senhora da Piedade. A cidade possui inúmeros pontos para contemplar o seu complexo urbano, que parece perfeitamente integrado no ambiente natural onde a cortiça é rainha. Na província de Sevilha, a capital de Taifa, governada por al-Mutamid, é a cidade de Tocina. A cavalo entre Sevilha e Córdoba, este município é encantador. A sua localização no coração da Vega Media do Guadalquivir coloca a cidade num local privilegiado para a agricultura e indústrias derivadas. Na sua paisagem predominam as árvores frutíferas, que se tornam um espetáculo de cores e fragrâncias na primavera: podemos apreciar as grandes extensões da flor branca das laranjeiras e da flor rosada dos pessegueiros, árvore da mesma família que as amendoeiras. Tocina é a terra ideal para o cultivo, e assim tem sido ao longo da história. Portanto, não é incomum que, após a conquista muçulmana, as tribos árabes melhor colocadas na escada social se tenham ido estabelecer nessas terras férteis. Tocina, a Tussana Árabe, adquire relevância especial na rota, pois ai se estabeleceu o Banu Abbad no século VIII e por muito tempo teve a honra de ser a origem de uma nobre dinastia, o berço dos Abadíes: o “dos reis patronos e poetas”. E com Sevilha, brilhante e aberta, a amada capital de al-Mutamid encerram-se os lugares deste itinerário fascinante. A morada onde o rei produziu os seus poemas mais famosos e amou a filha de Rumiac, a última companheira Rumaikiya na sua desventura. Nesta cidade, escavações arqueológicas recentes confirmaram a localização do palácio do Abbadi no 90 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas pátio sevilhano de Banderas, o lendário Al-Qasr al-Mubarak (o Palácio da Bênção), nos restos de um palácio omíada. Não muito longe, onde hoje se encontra a Torre del Oro, AlMutamid ordenou a construção de Al-Qasr al-Zahi, um pequeno palácio frequentado por nosso protagonista e onde ele teria conhecido Itimad, que todos conheciam como Rumaikiya. 4. Análise Empírica do Desenvolvimento da Rota Cultural, recurso-base para um turismo sustentado? A criação de itinerários culturais está associada a vários benefícios na relação com o turismo, pelo que é afirmativa a resposta à questão das rotas culturais como recursos principais para um turismo sustentado. O turismo é uma atividade global que se baseia numa descoberta de novos destinos e novas experiências. Estas rotas culturais têm dado um contributo fundamental para a alteração da relação que se estabelece ao longo de toda a Europa entre a cultura, o património e o turismo. Uma reflexão importante sobre a pressão e os efeitos nefastos do turismo tem sido acompanhada de um pensamento técnico e científico sobre a conservação e a preservação do património cultural. A procura dos benefícios económicos e sociais do turismo junto das comunidades envolvidas, bem como, de uma maior disseminação por todo o território dos fluxos turísticos tem estado no centro destas rotas. Ainda que os países envolvidos possuam diferenças (culturais, religiosas, políticas, entre outras) há recursos e oportunidades partilhadas que estão a construir pontes para o seu desenvolvimento. Tendo por base a informação disponível e os nove elementos identificados para o desenvolvimento de rotas culturais (Pattanaro & Pistocchi, 2016), procedemos a uma análise empírica que nos permite concluir que a Rota de Al-Mutamid carece de uma maior atenção pelas entidades locais e regionais, ainda que seja uma rota certificada pelo Conselho da Europa: 91 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 1) Tema: possui um tema bem identificado e de grande apelo, em face dos recursos patrimoniais existentes nas duas regiões e do legado também imaterial que permanece vivo nas tradições e costumes do Algarve e da Andaluzia; 2) Objetivo: reconhece que o itinerário pretende manter e promover o turismo de qualidade, baseado num desenvolvimento sustentável e que aposta forte numa história comum; 3) Destinos: estabelece pontos de passagem e de paragem que incluem paisagens e pontos de referência da gastronomia e música tradicional (no Algarve passa em 7 dos 16 concelhos que compõem a região); 4) Inventário: os recursos foram cuidadosamente identificados, mapeados e registados ao longo da rota, com a colaboração dos vários municípios; 5) Acessibilidade: na determinação do percurso não são definidos graus de dificuldade no acesso físico mas na escolha dos locais a envolver verificou-se essa preocupação. Faltará determinar com precisão para cada um dos sítios os diferentes níveis de acessibilidade; 6) Comunicação: foi desenvolvida uma imagem para a Rota e uma página de internet onde consta o folheto bilingue da Rota (Figura 2) (http://rutadealmutamid.com/pt-pt/), assim como foi produzido um guia (em Português e Espanhol). Nos municípios parceiros foram colocados painéis interpretativos da rota e desenvolvidas visitas de familiarização com profissionais do turismo, de Portugal e Espanha; 7) Suporte político: a rota envolveu parceiros como a Confederação Empresarial de Comércio da Andaluzia (CECA), a Direção Regional de Cultura do Algarve, as Câmaras Municipais de Silves e de Tavira, e a Associação de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Aljezur do lado Português; a entidade coordenadora foi a Fundação Pública Andaluza, El Legado Andaluzi. A rota transfronteiriça une Sevilha à de Washington Irving e à data era a primeira rota do legado al-Andaluz que chegava a Portugal. Não se verifica qualquer dinâmica em torno da valorização desta proposta de visita por outras entidades para além destes parceiros. No sítio da internet do visitalgarve, sítio online promocional do Turismo do Algarve, faz-se uma ligação na 92 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas divisória das rotas culturais, para a página do Rota de al-Mutamid. (https://www.visitalgarve.pt/pt/941/rota-al-mutamid.aspx); 8) Financiamento: desde o encerramento do projeto europeu (2014) não se conhece que ocorra outro tipo de financiamento à Rota, para além de apoio pontuais. Alguns eventos para evocar o poeta têm surgido associados a festivais de música islâmica, inclusive em municípios que não estiveram no desenvolvimento da rota, como é o caso de Lagos e Albufeira; 9) Monitorização: seria fundamental que se verificasse uma monitorização não só do número de visitantes associados à rota, mas de indicadores que permitissem avaliar os impactos económicos, sociais, culturais e ambientais da rota, como preconizado pelo Conselho da Europa e pela Comissão Europeia (Conselho da Europa e Comissão Europeia, 2011). Figura 2 – Folheto da Rota de Al-Mutamid 93 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas As dificuldades identificadas estão estreitamente relacionadas com as capacidades de monitorização dos impactos gerados, com a dificuldade de cooperação para desenvolver uma agenda de eventos sob o tema da rota envolvendo os seus lugares e com encontrar novos modelos de financiamento. Contudo, identificam-se também oportunidades que devem ser evidenciadas, que se traduzem: na emergência de novas narrativas (inovação); na identificação de um passado comum a conhecer e a valorizar; na interpretação do património e na sua sinalização; na criação e qualificação de novas ofertas culturais e turísticas; na criação de novas oportunidades de intercâmbio; em novas dinâmicas e investimentos, que podem resultar da rota. William Smith sugere que a interpretação “face-to-face” é a mais poderosa e efetiva, mas defende que a introdução de tecnologias deve ser bem programada, tendo em conta se é realmente necessária, bem como os custos de investimento e de manutenção que envolve (Smith, 2006).No caso de se estar perante um conjunto de atrações, de equipamentos ou locais que se estabelecem em rede (ou rota, percurso, itinerário, ou eventualmente outro tipo de articulação para promoção e comercialização do património cultural), será fundamental a conceção de um sistema de referências nos locais a visitar, para que haja consistência no projeto e nas mensagens que são passadas ao visitante (Smith, 2006). Conclusão O Conselho da Europa possui um conjunto de indicadores definidos para avaliar a sustentabilidade social, económica e ambiental, das rotas culturais que é fundamental que comecem a ser utilizados na avaliação das rotas em desenvolvimento e incluem: o grau de proteção do local; a frequência de turistas (números de visitantes); a intensidade de utilização da área, por épocas do ano; o rácio de turistas por habitante (considera a média e o número na época alta); a existência de mecanismos de controlo no planeamento e na intensidade de utilização; o controlo do desenvolvimento; a gestão do lixo e dos resíduos; o processo de planeamento; a monitorização da fragilidade dos ecossistemas (espécies e habitats); o grau de satisfação dos visitantes; a satisfação dos residentes e a sua qualidade de vida; o contributo do turismo para a economia local (receitas geradas pelo turismo); a capacidade de carga dos lugares; a frequência da existência de distúrbios; o nível de 94 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas interesse (avaliação da manutenção da atratividade dos lugares) (Conselho da Europa e Comissão Europeia, 2011; Pattamaro & Pistocchi, 2016, p. 88). Como recomendação chave propõe-se o desenvolvimento de estratégias de base territorial, mas que sejam definidas a partir desses recursos e dos seus responsáveis de gestão, com base em auscultação de públicos e das comunidades locais. As equipas profissionais para a gestão de projetos serão cada vez mais uma necessidade, assim como, começam a surgir em várias rotas transnacionais e regionais, a criação de associações para gerir os recursos envolvidos e potenciar um planeamento em conjunto mais eficaz (vide Conselho da Europa e Comissão Europeia, 2011). O diálogo encetado tem sido profícuo e o Conselho da Europa aponta as rotas culturais como boas práticas de desenvolvimento sustentado. Existe ainda um processo em fase de implementação que necessita de maior união de esforços entre os agentes da cultura, do património e do turismo, do sector público, do privado e do terceiro sector, convocando e envolvendo a comunidade em geral. Este esforço conjunto trará a criação de novo valor e aumento de capacidade de atração das nossas regiões, pelo que, continuaremos neste processo e a trabalhar para a sua concretização, bem como, a partilhar e a implementar novos projetos. Referências bibliográficas Alves, A. (1996). Al Mutamid. Poeta do Destino. Lisboa: Assírio & Alvim. Alves, A. (1999). Portugal. Ecos de um Passado Árabe. Cole. Lazúli: Instituto Camões. Bozic, S. & Tomic, N. (2016). Developing the Cultural Route Evaluation Model (CREM) and its application on the Trail of Roman Emperors, Serbia. Tourism Management Perspectives, 17, 26-35. Cisneros-Martínez, J.D. & Fernández-Morales, A. (2015). Cultural tourism as tourist segment for reducing seasonality in a coastal area: the case study of Andalusia. Current Issues in Tourism, 18(8), 765-784. 95 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas Conselho da Europa (2013). Revised Statute of the Enlarged Partial Agreement on Cultural Routes. Appendix to Resolution CM/Res (2013)66. Disponível em: https://www.coe.int/en/web/culture-and-heritage/cultural-routes, acedido em 12 de junho de 2019. Conselho da Europa e Comissão Europeia (2011). Impact of European Cultural on SMEs’ Innovation and competitiveness. Disponível em: https://rm.coe.int/1680706995, acedido em 12 de junho de 2019. Fundação Pública Andaluza El Legado Andalusi (2014). Rota de al-Mutamid. Programa de cooperação transfronteiriço Espanha-Portugal, cofinanciado com fundos FEDER. Gonçalves, A. (2005). Turismo Cultural, um complemento ao sol e praia. Revista de Turismo e Desenvolvimento, II (2), 45-60. ICOMOS (1976) Internatinal Charter on Cultural Tourism, availableat: http://www.icomos.org/tourism/tourism_charter.html, acedido em 13 de junho de 2016. Jamal, T.B. & Getz, D. (1995). Collaboration theory and community tourism planning. Annals of Tourism Research. 22 (1), 186-204. Martos, L. & Santos, V. (2004). Economia de la cultura, Museo y Território. Una aproximación de la realidad andaluza. Encuentro Internacional Museo y Territorio, Siena e Sevilha, 61-96. O'Connor, P. & Buhalis, D. (1999). Electronic information distribution in tourism & hospitality (2nd ed.). Oxford: CABI. OCDE (2009) The Impact of Culture on Tourism. Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD). Pattanaro, G. & Pistocchi, F. (2016). Linking Destinations Through Sustainable Cultural Routes. SYMPHONYA Emerging Issues in Management, 1, 83-96. 96 CULTUR, ano 13 - nº 02 – Jun/2019 Acesso: http://periodicos.uesc.br/ Licença Copyleft: Atribuição-Uso não Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas Richards, G. (2018). Cultural tourism: A review of recent research and trends. Journal of Hospitality and Tourism Management, 36, 12- 21.htps://doi.org/10.1016/j.jhtm.2018.03.005. RTA (Região de Turismo do Algarve) (2014). Turismo Cultural - Relatório Final. Henriques, C. (Coord.), Região de Turismo do Algarve. Smith, W. (2006). Experiential tourism around the world and at home: definitions and standards. International Journal of Services and Standards, 2 (1), 1-14. Tono, A. & Oliva, L. (2017). Cultural Tourism and Historical Routes. The way of St. Peter from Jerusalem to Rome. Methaodos, Revista de cienciassociales, 5 (1), 10-29. Vernet, J. (1958). España en la Geografia de IbnSaid al-Magribi, 307-311. Sítios na internet http://rutadealmutamid.com/pt-pt/ https://www.visitalgarve.pt/pt/941/rota-al-mutamid.aspx 97