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As Preferências dos brasileiros sobre a federação

2023, IPEA eBooks

Título do capítulo CAPÍTULO 4 AS PREFERÊNCIAS DOS BRASILEIROS SOBRE A FEDERAÇÃO Autor(es) Rogerio Schlegel Diogo Ferrari Marta Arretche DOI DOI: http://dx.doi.org/10.38116/9786556350509cap4 Título do livro E os Estados? Federalismo, relações intergovernamentais e políticas públicas no Brasil contemporâneo Pedro Palotti Elaine Cristina Licio Organizadores(as) Sandra Gomes Catarina Ianni Segatto André Luis Nogueira da Silva Volume 1 Série - Cidade Rio de Janeiro Editora Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Ano 2023 Edição 1a ISBN 9786556350509 DOI DOI: http://dx.doi.org/10.38116/9786556350509 © Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2023 As publicações do Ipea estão disponíveis para download gratuito nos formatos PDF (todas) e EPUB (livros e periódicos). Acesse: http://www.ipea.gov.br/portal/publicacoes As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou do Ministério do Planejamento e Orçamento. É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas. CAPÍTULO 4 AS PREFERÊNCIAS DOS BRASILEIROS SOBRE A FEDERAÇÃO1 Rogerio Schlegel2 Diogo Ferrari3 Marta Arretche4 1 INTRODUÇÃO Pergunte a um brasileiro como entende sua identidade em termos territoriais, e a resposta mais provável será que ele se considera tão ligado ao Brasil quanto a seu estado. Em contraste com outros países regionalizados, esta identidade dual é predominante no país. No entanto, ao longo da década de 2010, a identificação com o estado de moradia cresceu de maneira acentuada, possivelmente um efeito colateral dos solavancos na política federal, envolvendo a Operação Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff (2011-2014; 2015-2016), para não mencionar a crise econômica, fenômeno pelo qual não raro é responsabilizado o presidente. A ligação afetiva com os estados aumentou em todas as regiões do país no período que analisamos, mas isso não se refletiu em preferência pela ampliação do poder político desta esfera da Federação. Uma maioria simples do eleitorado não se declara contrária à distribuição vertical da autoridade no Brasil – uma Federação fundamentalmente centralizada tanto na visão dos cidadãos5 quanto na de analistas (a exemplo de Arretche, 2009). Fundamentalmente, não encontramos suporte para uma mudança na Federação brasileira, em direção à descentralização. Esse retrato emerge da análise de dois surveys com representatividade nacional conduzidos pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM). O primeiro foi realizado em 1. Projeto financiado com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Processo no 2013/07616-7. 2. Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM). A participação deste autor na pesquisa foi financiada com recursos da Fapesp, Processo no 2021/08773-5. E-mail: <[email protected]>. 3. Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade da Califórnia, em Riverside; pesquisador do CEM; e diretor associado do Graduate Quantitative Methods Center, da Universidade da Califórnia. 4. Professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP); e pesquisadora do CEM. 5. Em 2013, 52,8% dos entrevistados em um de nossos surveys, cujos detalhes apresentamos neste capítulo, responderam que o governo federal toma as decisões mais importantes, contra 22,1% que disseram ser o governo municipal e 15,9% que apontaram o governo estadual. Em 2018, 60,6% responderam ser o governo federal, contra 17,7% que apontaram a esfera estadual e 16,3%, a municipal. Nas duas ondas, a taxa de não respostas foi de apenas 2%. Na pergunta sobre quais são as eleições mais importantes, a tendência foi semelhante: 61,1%, em 2013, e 64,5%, em 2018, responderam que são as do nível federal. 114 | E os Estados? Federalismo, relações intergovernamentais e políticas públicas no Brasil contemporâneo 2013, antes das manifestações de junho, que anunciariam anos de efervescência na política nacional; o segundo, no primeiro semestre de 2018, com Michel Temer na Presidência, e antes que os candidatos a sua sucessão fossem oficialmente definidos. A consistência dos achados é uma de suas fortalezas, mas há mudanças sensíveis neste intervalo de tempo – que, vale registrar, não contempla o governo de Jair Bolsonaro e a pandemia de covid-19. Neste capítulo, apresentamos as orientações que se mostraram estáveis e as que mudaram de forma pronunciada, além de sugerirmos hipóteses que podem ajudar a entender estes movimentos. Além da preferência pela manutenção da distribuição de competências, o estudo revela outras tendências claras, como a ampla preferência pela padronização nacional nas políticas públicas. Em diferentes áreas de atuação do Estado, ao menos dois terços defendem que as políticas sejam as mesmas em todo o país. Observamos atitudes dos cidadãos com variações relevantes em termos territoriais, a exemplo das preferências envolvendo o desenho da Federação. O Nordeste deixou de ser a macrorregião com a maior proporção de centralistas, em 2013, e se tornou a área com a maior parcela de defensores de mais poder para os estados. A preferência individual nesta dimensão passou a mostrar maior associação com variáveis políticas no survey mais recente, controlados outros fatores relevantes. O capítulo tem cinco seções, além desta breve introdução. Na segunda seção, apresentam-se enquadramentos teóricos que apontam a relevância das preferências individuais para as dinâmicas federativas, e também se descrevem os métodos empregados nas duas ondas do survey. A terceira seção trata da identidade territorial, explorando especialmente uma mudança expressiva em favor da ligação com o estado, conforme mensurada nos dois surveys. A quarta seção relata a percepção dos cidadãos sobre a importância das esferas da Federação e suas preferências em termos de distribuição vertical da autoridade. A quinta seção trata dos níveis de homogeneidade territorial desejada para diferentes áreas de políticas. Breves considerações finais, na sexta seção, fecham o capítulo. 2 POR QUE AS ATITUDES DO CIDADÃO DIANTE DA FEDERAÇÃO IMPORTAM? Arranjos federativos guardam uma complexa relação com questões redistributivas e de desigualdade. Estas questões ganham uma dimensão territorial porque governos subnacionais têm capacidades desiguais de planejamento e implementação de políticas (Obinger, Leibfried e Castles, 2005), e preferências redistributivas muitas vezes interagem com a desigualdade territorial. Trabalhos influentes consideram que preferências redistributivas afetam atitudes sobre a distribuição vertical da autoridade fiscal (Bolton e Roland, 1997; Beramendi, 2012), e evidências nesta direção foram encontradas para o caso brasileiro (Ferrari, 2013). Atitudes dos cidadãos sobre redistribuição e políticas sociais se entrelaçam com questões federativas, com potencial As Preferências dos Brasileiros sobre a Federação | 115 impacto no comportamento do eleitor e, por consequência, de seus representantes (Dinan e Heckelman, 2020). Por exemplo, se o cidadão entende que os governos subnacionais não têm capacidade de ofertar serviços e, portanto, não devem ser responsáveis por eles, isto pode resultar em demandas por mais ação do governo central em detrimento de estados e municípios. Esta relação também pode ocorrer em sentido oposto e aumentar a responsabilização de governos locais, se estes são entendidos como responsáveis pelas políticas, ou gerar demanda para que passem a ser, caso os eleitores percebam que estes entes possuem pouca autoridade política. Ademais, estudos indicam que questões federativas podem ativar políticas identitárias e vice-versa, gerando pressões por devolução de poder ou secessão, em especial quando questões de identidade regional somam-se às desigualdades territoriais (Henderson, Jeffery e Wincott, 2014). A iniciativa pela independência da Catalunha sugere que questões econômicas e de identidade se entrelaçam em movimentos autonomistas (Della Porta e Portos, 2020). É uma questão empírica definir quão informados são os cidadãos a respeito da distribuição de competências em uma Federação e até que ponto compreendem seu funcionamento. Como em outras dimensões da política, pode-se esperar que os indivíduos tenham percepções pouco estruturadas e compensem a falta ou incompletude de informações por meio de atalhos heurísticos (Lupia e McCubbins, 1999; Popkin, 1994; Kuklinski, 2001). Além disso, avaliações duradouras e conjunturais podem se influenciar reciprocamente; as preferências sobre a alocação vertical da autoridade variam ao longo do tempo e podem estar associadas com a confiança depositada nos governos em exercício. Também a identificação partidária e a avaliação do desempenho em políticas específicas têm potencial para impactar a percepção sobre as dinâmicas federativas (Citrin e Luks, 2001; Chagley, Rudolph e Rahn, 2000; Wlezien e Soroka, 2011; Hetherington e Husser, 2012). Surveys com foco nas percepções do cidadão sobre a Federação são raros em países como os Estados Unidos (Dinan e Heckelman, 2020) e ainda mais raros no Brasil. Diante disso, o CEM criou o projeto Imagens da Federação, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e coordenação dos autores deste capítulo. A primeira onda da pesquisa, aplicada em março de 2013, entrevistou 2.285 eleitores poucos meses antes das históricas manifestações de junho. Foi empregado o método de entrevista por telefone assistida por computador (computer-assisted telephone interview – Cati) e a amostragem por cotas de sexo, idade e escolaridade, espelhando o Censo de 2010. Na segunda onda, entre abril e junho de 2018, foram entrevistados 2.534 eleitores, a maioria pelo método Cati, mas com parcela residual em 116 | E os Estados? Federalismo, relações intergovernamentais e políticas públicas no Brasil contemporâneo sistema face a face, em pontos de afluxo de público e com uso de tablets, de forma a completar cotas nas mesmas dimensões. As amostras foram estratificadas para representar as cinco macrorregiões brasileiras definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul – e permitir interpretação independente de três estados selecionados a partir da distribuição de renda: o estado mais rico, São Paulo; um estado pobre e mais desigual, a Bahia; e um estado pobre e menos desigual, o Ceará, conforme apurado em outro trabalho (Arretche, Schlegel e Ferrari, 2016). Cada área constitui estrato independente, com margem de erro de até 5%. 3 O SENTIDO DE PERTENCIMENTO DO BRASILEIRO A observação da identidade do brasileiro em termos territoriais sugere um movimento marcante entre a véspera das manifestações de junho de 2013 e o primeiro semestre de 2018, após a posse do presidente Michel Temer – filiado ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – e ainda antes das convenções que apontariam Jair Bolsonaro, então filiado ao Partido Social Liberal (PSL), e Fernando Haddad, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), como candidatos à Presidência. Caiu acentuadamente a proporção dos que se identificam tanto como brasileiros quanto como cidadãos de seu estado (identidade dual), e cresceu especialmente a proporção dos que se consideram mais ligados a seu estado. Neste quesito, o questionário pedia ao respondente que escolhesse entre as cinco afirmações a seguir. 1) Eu me sinto [gentílico do estado de moradia, como “pernambucano”], mas não brasileiro. 2) Eu me sinto mais [gentílico do estado] do que brasileiro. 3) Eu me sinto igualmente [gentílico do estado] e brasileiro. 4) Eu me sinto mais brasileiro do que [gentílico do estado]. 5) Eu me sinto brasileiro, mas não [gentílico do estado]. As alternativas 1 e 2 foram consideradas identidade estadual; a resposta 3, identidade dual; e as respostas 4 e 5, identidade nacional. O gráfico 1 sintetiza os achados. A tendência de fundo, considerados os dois pontos no tempo, é que a identidade dual predomine, sendo declarada por cerca da metade dos entrevistados. Algumas comparações permitem localizar a especificidade deste achado: na Catalunha, 32,9% manifestavam identidade dual e 58,1% declaravam identidade regional, no início da década passada (Guinjoan e Rodon, 2016); na Inglaterra, 34% se consideravam tão ingleses quanto britânicos e 40% manifestavam identidade inglesa (Jones et al., 2012); e, na Bélgica, ao redor de 42% dos entrevistados | 117 As Preferências dos Brasileiros sobre a Federação de Flandres e Valônia manifestaram identidade dual, mas na primeira região a identidade nacional atingiu 31% e na segunda, 48% (Deschouwer et al., 2015). O Ceará em 2018 foi o único estrato em que a identidade estadual (gráfico 1B) alcançou a dual (gráfico 1A), considerando o intervalo de confiança (entre 43% e 53%). O crescimento da identidade estadual (gráfico 1B) a levou a superar a nacional (gráfico 1C) como segunda mais frequente em outras quatro divisões territoriais em 2018: no estado da Bahia (35% de identificação estadual contra 12% de nacional) e nas regiões Nordeste (28% contra 18%), Norte (31% contra 16%) e Sul (36% contra 12%). GRÁFICO 1 Identidade territorial (2013 e 2018) (Em %) 1A – Identidade dual 75 60 45 30 15 0 Bahia Ceará Centro-Oeste Nordeste Norte 2013 2018 Centro-Oeste Nordeste Norte 2013 2018 Sudeste São Paulo Sul Sudeste São Paulo Sul 1B – Identidade estadual 75 60 45 30 15 0 Bahia Ceará E os Estados? Federalismo, relações intergovernamentais e políticas públicas no Brasil contemporâneo 118 | 1C – Identidade nacional 75 60 45 30 15 0 Bahia Ceará Centro-Oeste Nordeste Norte 2013 2018 Sudeste São Paulo Sul Fonte: Survey Imagens da Federação (ondas de 2013 e 2018). Elaboração dos autores. GRÁFICO 2 Variação na identidade territorial (2013-2018) (Em p.p.) 20 22,27 10 21,05 11,5 6,54 0 -0,49 -10 -5,32 12,19 3,8 2,69 13,96 9,0 -3,01 -0,77 -5,77 -11,01 10,24 -14,04 0,27 -4,23 -14,88 -4,77 -14,23 Sudeste São Paulo Sul -18,03 -16,95 -20 Bahia Ceará Centro-Oeste Nordeste Identidade dual Norte Identidade nacional Identidade regional Fonte: Survey Imagens da Federação (ondas de 2013 e 2018). Elaboração dos autores. Obs.: p.p. – pontos percentuais. O claro trânsito da identidade dual para a estadual entre 2013 e 2018 está retratado no gráfico 2. Em todas as macrorregiões, houve queda na identidade dual, em benefício sobretudo da identidade estadual. No Norte, a ligação | 119 As Preferências dos Brasileiros sobre a Federação predominante ou exclusiva com o estado cresceu 21 p.p.; no Nordeste, 10,2 p.p.; no Ceará, 22,3 p.p. São Paulo acompanhou a tendência geral, mas com singularidades: houve diminuição residual da identidade dual e marcada queda na identificação preponderante com a nação. Considerados os intervalos de confiança descritos no gráfico 1, houve crescimento substantivo na identidade estadual em todos os estratos, exceto o Centro-Oeste. Este estudo não autoriza oferecer explicações causais, quer para a mudança, quer para a estabilidade dessas identificações. No entanto, permite explorar com alguma segurança, com base em modelos de regressão logística, apresentados na tabela 1, em quais segmentos populacionais ou territoriais estas preferências estão mais fortemente concentradas. Nestas regressões, a variável dependente é um indicador da identidade territorial. Por exemplo, na última coluna da tabela 1, a variável dependente foi codificada como 1, caso o entrevistado tenha respondido (1) ou (2) na pergunta de identificação territorial em 2018, e codificaram-se como 0 as outras respostas. A variável dependente das outras colunas foi construída de forma análoga. TABELA 1 Regressão logística das identidades territoriais (2013 e 2018) Identidade nacional (2013) Identidade nacional (2018) Identidade dual (2013) Identidade dual (2018) Identidade estadual (2013) Identidade estadual (2018) (Intercepto) -1,96*** (0,28) -2,59*** (0,34) 0,87*** (0,23) 0,34 (0,24) -1,74*** (0,33) -0,56* (0,27) PIB per capita da UF (est.) 0,33** (0,11) 0,56*** (0,12) -0,32** (0,10) -0,14 (0,10) 0,11 (0,12) -0,26* (0,11) Coeficiente de Gini da renda da UF (est.) -0,17* (0,08) -0,29* (0,12) 0,06 (0,06) 0,03 (0,09) 0,05 (0,08) 0,13 (0,10) Região Nordeste 0,26 (0,33) 1,11* (0,46) -0,50 . (0,27) -0,53 (0,34) 0,60 (0,38) -0,09 (0,37) Região Norte 0,38 (0,38) 1,01* (0,47) 0,02 (0,32) -0,41 (0,36) -0,43 (0,47) -0,23 (0,40) Região Sudeste 0,07 (0,25) 0,54* (0,27) -0,15 (0,21) -0,38 . (0,21) 0,32 (0,31) 0,16 (0,24) Região Sul -0,86** (0,31) -0,62* (0,29) 0,18 (0,24) -0,17 (0,21) 0,65 . (0,34) 0,61** (0,23) Renda domiciliar per capita (est.) -0,21 (0,30) 0,22 (0,17) 0,72* (0,31) -0,06 (0,16) -1,45* (0,67) -0,11 (0,21) Baixa escolaridade 0,62*** (0,16) 0,41** (0,15) -0,38** (0,12) -0,11 (0,11) -0,03 (0,15) -0,13 (0,12) Média escolaridade 0,30 . (0,17) 0,21 (0,18) -0,13 (0,13) -0,13 (0,13) -0,06 (0,16) 0,02 (0,14) Mulher 0,02 (0,13) 0,17 (0,12) 0,16 (0,10) 0,29** (0,09) -0,25* (0,12) -0,45*** (0,10) (Continua) E os Estados? Federalismo, relações intergovernamentais e políticas públicas no Brasil contemporâneo 120 | (Continuação) Identidade nacional (2013) Identidade nacional (2018) Identidade dual (2013) Identidade dual (2018) Idade (est.) -0,03 (0,07) Região Nordeste; renda domiciliar per capita (est.) Identidade estadual (2013) Identidade estadual (2018) 0,14* (0,06) 0,20*** (0,05) 0,16*** (0,05) -0,27*** (0,07) -0,28*** (0,05) 0,26 (0,32) -0,12 (0,21) -0,72* (0,32) 0,15 (0,18) 1,39* (0,67) -0,05 (0,23) Região Norte; renda domiciliar per capita (est.) 0,10 (0,46) 0,05 (0,27) -0,75 . (0,42) -0,29 (0,30) 1,69* (0,76) 0,13 (0,25) Região Sudeste; renda domiciliar per capita (est.) 0,30 (0,30) -0,17 (0,20) -0,84** (0,32) 0,10 (0,18) 1,52* (0,67) 0,04 (0,24) Região Sul; renda domiciliar per capita (est.) 0,26 (0,38) -0,13 (0,21) -1,09** (0,35) 0,03 (0,18) 1,81** (0,68) 0,10 (0,23) N 1.975 2.127 1.975 2.127 1.975 2.127 AIC 1.802,56 1.869,32 2.572,02 2.944,89 1.922,31 2.640,74 BIC 1.891,97 1.959,92 2.661,43 3.035,48 2.011,72 2.731,34 Elaboração dos autores. Obs.: 1. Todos os preditores contínuos são centrados na média e escalados em 1 desvio-padrão. 2. *** valor-p < 0,001; ** valor-p < 0,01; * valor-p < 0,05; e valor-p < 0,1. 3. UF – Unidade da Federação; est. – estandardizado; N – em números absolutos; AIC – Akaike Information Criterion; BIC – Bayesan Information Criterion. Os resultados indicam que a riqueza do estado tem alguma relação com essas preferências. Tanto em 2013 quanto em 2018, o produto interno bruto (PIB) per capita dos estados estava positivamente associado com a declaração de ser primordialmente brasileiro. Estados mais ricos concentram eleitores com maior propensão a identificar-se exclusivamente como brasileiros. Em 2013, eram os estados de menor renda que apresentavam maior concentração de declarantes com identidade dual. Mas esta associação se enfraqueceu em 2018. Como já mostrou o gráfico 2, a identidade dual retrocedeu bastante nas macrorregiões Norte e Nordeste, bem como nos estados da Bahia e do Ceará. Em contrapartida, a identidade estadual cresceu mais fortemente no Nordeste, no Ceará e na Bahia. Como mostra a tabela 1, a identificação estadual está menos presente nas regiões mais ricas. Em termos populacionais, apenas entre os mais jovens a identidade dual se manteve com forte associação entre 2013 e 2018. Ser jovem diminui a probabilidade de alguém se declarar ligado apenas ao estado. Ser mulher, por sua vez, que não apresentava nenhuma relevância com relação às identificações em 2013, passou a ser um forte preditor negativo de identificação estadual. Isto é, as mulheres, em 2018, estavam menos propensas a declarar-se mais ligadas ao estado do que os homens. | 121 As Preferências dos Brasileiros sobre a Federação 4 COMO O BRASILEIRO HIERARQUIZA ELEIÇÕES E DECISÕES Uma percepção captada pelo estudo aponta para a pouca relevância atribuída aos estados, quando os entrevistados hierarquizam as eleições e as decisões das diferentes esferas da Federação. Votações e decisões na esfera estadual são consideradas até menos importantes que as municipais. Nesta dimensão, outro achado relevante envolve possíveis efeitos das instabilidades vividas pela política brasileira na década de 2010: cresceram as parcelas da população declarando que o governo federal deveria ter menos poder e nenhuma das esferas deveria ter mais poder. A título de especulação, poderíamos levantar a hipótese de que a onda antipolítica observada em 2018 também pode ter produzido efeitos nas atitudes em relação à Federação. Nas duas edições do survey, perto de dois terços da amostra consideraram as eleições federais mais importantes: 61,1% em 2013 e 64,5% em 2018, excluindo as não respostas (cerca de 2% nos dois surveys para esta questão). O resultado menos previsível envolveu o ranqueamento dos outros dois níveis: as eleições locais são percebidas como tão ou mais importantes do que as estaduais. Em 2013, 18,8% declararam que as eleições municipais são mais importantes, contra 11,3% que mencionaram as estaduais. No survey recente, esta diferença foi de 15,9% contra 11,2% (gráfico 3). GRÁFICO 3 Esfera da Federação com decisões e eleições mais importantes (2013 e 2018) (Em %) 3A – Decisões mais importantes 60,6 (N = 1.495) 60 52,8 (N = 1.181) 50 40 30 15,9 (N = 356) 20 10 9,1 (N = 204) 17,7 (N = 438) 22,1 (N = 494) 16,3 (N = 402) 5,4 (N = 133) 0 Todos Governo estadual 2013 Governo municipal 2018 Governo federal E os Estados? Federalismo, relações intergovernamentais e políticas públicas no Brasil contemporâneo 122 | 3B – Eleições mais importantes 61,1 64,5 (N = 1.368) (N = 1.567) 60 50 40 30 18,8 (N = 420) 20 10 8,9 8,3 (N = 199) (N = 202) 11,3 11,2 (N = 253) (N = 272) 15,9 (N = 387) 0 Todos Governo estadual 2013 Governo municipal Governo federal 2018 Fonte: Survey Imagens da Federação (ondas de 2013 e 2018). Elaboração dos autores. Em matéria de decisões mais importantes, a maioria dos entrevistados indicou o governo federal como a principal esfera: 52,8% em 2013 e 60,6% em 2018. Decisões locais e estaduais ocuparam o segundo e o terceiro lugar respectivamente, bem atrás. Em 2013, as decisões municipais foram consideradas mais importantes para 22,1% da amostra, e a esfera estadual foi mencionada por 15,9%. No survey de 2018, os estados bateram os municípios por 17,7% a 16,3% – um empate técnico, considerando as margens de erro. Apesar de alguma flutuação, estes rankings sugerem uma avaliação relativamente estável da relevância de cada esfera. Investigaram-se, também, as preferências dos cidadãos pela alocação de autoridade entre os níveis de governo. Usaram-se duas questões separadamente. A primeira perguntava quem deveria ter menos poder e a segunda, quem deveria ter mais poder. O movimento claro foi o aumento do segmento disposto a reduzir a autoridade do governo federal. A tabela 2 apresenta as preferências sobre níveis de governo que deveriam ter mais ou menos poder na avaliação dos entrevistados. Entre 2013 e 2018, cresceu de 10,5% para 22,6% o grupo que daria menos poder à União. Isso não foi combinado com uma aposta em aumentar o poder de estados e municípios, que experimentou queda de 2,4 p.p. e 4,7 p.p., respectivamente. Ao mesmo tempo, cresceu de 36,8% para 48,9% a parcela defendendo que nenhum ente tenha mais poder. Estes dados sugerem que o descontentamento com os governos em 2018 estava concentrado no governo federal, visto que a disposição de retirar poder estava concentrada neste nível de governo. De toda forma, os dados indicam o | 123 As Preferências dos Brasileiros sobre a Federação status quo (nenhum nível de governo com mais ou menos poder) como a atitude mais recorrente nos dois modelos da questão. Este estudo não permite afirmar se a categoria status quo expressa apoio ao arranjo atual, indiferença em relação ao desenho da polity ou mesmo descrédito na política. O fato é que a queda no apoio a mais centralização não se converteu em uma preferência pró-descentralização. TABELA 2 Percepções sobre quem deveria ter mais ou menos poder (2013 e 2018) (Em %) Menos poder Mais poder Governo federal Governo estadual Governo municipal Resposta múltipla Todos Nenhum 2013 10,5 14,0 17,4 0,6 3,2 46,9 2018 22,6 10,9 17,2 1,2 7,0 36,5 2013 19,6 13,7 20,5 2,7 3,4 36,8 2018 13,4 11,3 15,8 3,4 4,2 48,9 Fonte: Survey Imagens da Federação (ondas de 2013 e 2018). Elaboração dos autores. A título de comparação, nas últimas décadas, o público dos Estados Unidos tem manifestado preferência por transferir mais poder aos estados, em detrimento do governo federal. Pesquisa do Instituto Gallup encontrou 55% da amostra nacional a favor de concentrar poder nos estados, contra 37% a favor da União, em 2016. A ordem é a mesma de 35 anos atrás – 56% a 28%, em 1981 (McCarthy, 2016). Nem sempre foi assim. O New Deal marcou uma escalada do apoio popular à ação do governo federal em detrimento dos estados que atingiu seu ápice em meados dos anos 1960, sugerindo que instituições podem influenciar atitudes e vice-versa (Hetherington e Nugent, 2001). Em outras federações americanas, na primeira década do século XXI, os grupos que consideravam que o governo federal tinha poder demais tendiam a ser maioria. No Canadá, variavam entre 47,7% (2007) e 56,2% (2003) e, no México, de 54,9% (2009) a 65,4% (2003). Para os canadenses, os governos locais deveriam ter seu poder ampliado, enquanto para os mexicanos os estados deveriam ter mais poder (Kincaid e Cole, 2011). Para avaliar melhor o padrão de respostas aos surveys brasileiros, combinamos as questões sobre mais e menos poder para criar quatro perfis atitudinais.6 O objetivo foi captar a direção da mudança que o entrevistado apoiaria, independentemente de como ele percebe a distribuição atual. As categorias resultantes estão descritas a seguir. 6. Para uma discussão metodológica sobre a mensuração de atitudes sobre a distribuição vertical de poder em federações, ver Arretche, Schlegel e Ferrari (2016). E os Estados? Federalismo, relações intergovernamentais e políticas públicas no Brasil contemporâneo 124 | 1) Status quo é o grupo que congrega os entrevistados que, nas duas dimensões, deixam de apontar a esfera federativa que deveria ter menos ou mais poder, ou seja, aqueles que respondem que nenhum nível deve ter nem mais nem menos poder. 2) Centralista é quem defende mais poder para a União e: i) quer limitar a autoridade das outras esferas; ou ii) avalia que nenhuma delas deve ter seu poder encolhido. 3) Estadualista é quem defende mais poder para os estados e: i) quer limitar a autoridade das outras esferas; ou ii) avalia que nenhuma delas deve ter seu poder diminuído. 4) Municipalista é quem defende mais poder para os municípios e: i) quer limitar a autoridade das outras esferas; ou ii) avalia que nenhuma delas deve ter menos poder. GRÁFICO 4 Perfis de preferência na alocação da autoridade (2013 e 2018) (Em %) Centralista Sul 21,9 (N = 51) 18,6 (N = 40) São Paulo 16,4 (N = 38) 22,6 (N = 63) Sudeste 23,1 (N = 58) 23,4 (N = 41) Norte 21,1 (N = 24) 22,6 (N = 24) Nordeste 14,8 (N = 27) 31,3 (N = 68) Ceará 17 (N = 39) 27,6 (N = 81) Bahia 20,1 (N = 55) 27,2 (N = 77) Centro-Oeste 25,9 (N = 28) 26,5 (N = 27) 0 10 20 30 40 50 60 Estadualista Municipalista 23,2 (N = 54) 31,2 (N = 67) 24,1 (N = 56) 29,4 (N = 82) 30,3 (N = 76) 21,7 (N = 38) 15,9 (N = 37) 22,8 (N = 49) 12,1(N = 28) 17,2 (N = 48) 13,9 (N = 35) 17,1 (N = 30) 19,3 (N = 22) 24,5 (N = 26) 23,7 (N = 27) 20,8 (N = 22) 18,7 (N = 34) 18 (N = 39) 20,9 (N = 38) 16,6 (N = 36) 20,9 (N = 48) 16 (N = 47) 18,3 (N = 42) 27,6 (N = 81) 30,7 (N = 84) 32,2 (N = 91) 20,1 (N = 55) 13,8 (N = 39) 15,7 (N = 17) 19,6 (N = 20) 0 10 20 30 40 50 60 2013 16,7 (N = 18) 23,5 (N = 24) 0 10 20 30 40 50 60 Status quo 39,1 (N = 91) 27,4 (N = 59) 47,4 (N = 110) 30,8 (N = 86) 10 32,7 (N = 82) 37,7 (N = 66) 36 (N = 41) 32,1 (N = 34) 45,6 (N = 83) 34,1 (N = 74) 43,9 (N = 101) 28,7 (N = 84) 29,2 (N = 80) 26,9 (N = 76) 41,7 (N = 45) 30,4 (N = 31) 0 10 20 30 40 50 60 2018 Fonte: Survey Imagens da Federação (ondas de 2013 e 2018). Elaboração dos autores. As barras do gráfico 4 representam frequências simples de cada perfil por ano e por estrato. O grupo pelo status quo representa a maioria simples em todos os contextos, exceto dois: no estado da Bahia e na macrorregião Sul, ambos com maiores proporções de localistas em 2013. Em 2018, apenas a Bahia se manteve como estrato com preponderância de municipalistas. Todos os demais territórios convergiram, com o grupo pelo status quo como o de maior proporção. A categoria status quo, entretanto, é ambígua, pois pode combinar tanto aqueles que apoiam o desenho atual da Federação quanto aqueles que tirariam poder de todos devido ao descrédito nas instituições. Assim, o comportamento desta variável deve ser analisado com cautela. | 125 As Preferências dos Brasileiros sobre a Federação O fato é que ocorreu uma diminuição de centralistas entre 2013 e 2018 em todos os estratos pesquisados, exceto na macrorregião Sul. As macrorregiões Norte, Sul e Sudeste, incluindo o estrato de São Paulo, passaram a ter os municipalistas como segundo grupo de maior proporção. O Nordeste e também o Ceará, separadamente, apresentaram os estadualistas como segundo maior segmento em 2018. A redução de centralistas em quase todos os estratos não foi acompanhada, contudo, do aumento da preferência por descentralização em favor dos estados, pois o padrão geral no survey de 2018 é que os defensores de seu empoderamento sejam o grupo minoritário. A exceção é o Nordeste, incluindo o Ceará e a Bahia isoladamente, territórios em que há perfis com expressão igual ou menor do que a dos estadualistas. GRÁFICO 5 Variação nos perfis de alocação da autoridade (2013-2018) (Em p.p.) Centralista Descentralista Sul Status quo São Paulo Nordeste Sudeste Bahia Sul Norte Sudeste Ceará Centro-Oeste Ceará Centro-Oeste São Paulo Norte Nordeste Bahia Centro-Oeste Norte Ceará São Paulo Bahia Nordeste Sul Sudeste -20 -10 0 10 -20 -10 0 10 -20 -10 0 10 Diferença percentual entre 2018 e 2013 Fonte: Survey Imagens da Federação (ondas de 2013 e 2018). Elaboração dos autores. Em resumo, o aumento saliente da identidade regional não foi acompanhado por uma mudança na mesma direção em matéria de preferências sobre a distribuição vertical de autoridade. Não encontramos uma aposta em mais poder para os estados. Os perfis de preferência pela alocação de autoridade em 2013 diferenciavam-se mais por características socioeconômicas; em 2018, a diferenciação se deu mais por questões políticas. As regressões multinomiais que aparecem na tabela 3, usando centralistas como categoria de referência para a variável dependente, indicam que sexo, idade, renda familiar e educação eram preditores com significância estatística para os perfis descentralista e a favor do status quo no primeiro survey. Na onda mais recente, deixaram de sê-lo. E os Estados? Federalismo, relações intergovernamentais e políticas públicas no Brasil contemporâneo 126 | Essa é uma interpretação geral. Quando se analisam os fatores associados de forma consistente ao perfil descentralista – que nos modelos de regressão reúne estadualistas e municipalistas – e ao status quo, há diferenças relevantes na comparação das variáveis políticas. TABELA 3 Regressões multinomiais dos perfis de preferência por alocação de autoridade (2013 e 2018) Descentralista (2013) Descentralista (2018) Status quo (2013) Status quo (2018) Avaliação do presidente -0,193 (-0,433, 0,047) -0,355* (-0,755, 0,046) -0,309** (-0,583, -0,035) -0,280 (-0,728, 0,167) Avaliação do governador 0,078 (-0,143, 0,299) -0,089 (-0,430, 0,251) 0,172 (-0,080, 0,424) 0,065 (-0,305, 0,434) Avaliação do prefeito -0,114 (-0,328, 0,100) 0,556*** (0,218, 0,893) -0,224* (-0,469, 0,020) 0,171 (-0,203, 0,545) Confiança no governo federal -0,058 (-0,226, 0,110) -0,329*** (-0,561, -0,096) 0,215** (0,018, 0,412) -0,303** (-0,560, -0,046) PIB per capita da UF -0,018 (-0,395, 0,360) 0,100 (-0,395, 0,595) -0,070 (-0,489, 0,349) 0,558** (0,032, 1,085) Coeficiente de Gini da renda 0,042 (-0,159, 0,244) 0,127 (-0,279, 0,534) 0,131 (-0,103, 0,364) -0,168 (-0,604, 0,268) Voto no PT -0,563** (-1,078, -0,048) -0,209 (-0,783, 0,365) -0,512* (-1,085, 0,060) -0,772** (-1,368, -0,177) tid_rel 0,018 (-0,190, 0,226) 0,062 (-0,153, 0,278) 0,124 (-0,114, 0,363) -0,130 (-0,368, 0,108) Região Sul 0,437 (-0,384, 1,258) 0,811 (-0,274, 1,896) 0,021 (-0,894, 0,936) 0,916 (-0,263, 2,095) Região Sudeste -0,247 (-0,973, 0,480) 0,252 (-0,732, 1,235) -0,303 (-1,099, 0,492) 0,397 (-0,692, 1,487) Região Nordeste -0,461 (-1,338, 0,416) 0,413 (-1,146, 1,973) -0,795 (-1,765, 0,175) 1,639* (-0,078, 3,356) Região Norte -0,069 (-1,069, 0,932) 0,092 (-1,496, 1,680) -0,519 (-1,633, 0,595) 1,066 (-0,653, 2,785) Renda domiciliar per capita 0,339** (0,077, 0,600) 0,246 (-0,064, 0.556) 0,412*** (0,144, 0,681) 0,168 (-0,158, 0,495) Baixa escolaridade -0,019 (-0,408, 0,370) -0,173 (-0,651, 0,305) -0,357 (-0,800, 0,086) -0,046 (-0,573, 0,481) Média escolaridade -0,222 (-0,638, 0,193) 0,071 (-0,575, 0,717) -0,487** (-0,964, -0,009) 0,438 (-0,245, 1,122) Mulher 0,322** (0,011, 0,633) 0,307 (-0,085, 0,699) 0,327* (-0,028, 0,681) 0,284 (-0,144, 0,713) Idade -0,283*** (-0,474, -0,092) -0,101 (-0,323, 0,122) -0,249** (-0,466, -0,033) -0,171 (-0,417, 0,074) Elaboração dos autores. Obs.: 1. Todos os preditores contínuos são centrados na média e escalados em 1 desvio-padrão. 2. * valor-p < 0,1; ** valor-p < 0,05; e *** valor-p < 0,01. 3. tid_rel – identidade territorial relativa. As Preferências dos Brasileiros sobre a Federação | 127 Para o perfil descentralista, as variáveis políticas que em 2018 passaram a ter significância foram a confiança no governo federal (com sinal negativo) e as avaliações do presidente (com sinal negativo) e do prefeito (com sinal positivo). Para o status quo, houve dimensões políticas que previam este perfil em 2013 e mantiveram seu poder preditivo na pesquisa mais recente: declarar voto em Dilma em 2014 (com sinal negativo) e ter confiança no governo federal (que tinha sinal positivo e passou a ter negativo). Avaliações mais positivas do presidente e do prefeito estavam associadas à menor probabilidade de ser pelo status quo em 2013, mas deixaram de ser preditores consistentes em 2018. Duas variáveis relativas ao território também ganharam significância: PIB per capita estadual, indicando que nos estados mais ricos é maior a chance de ser pelo status quo; e morar na região Nordeste. Tudo somado, o fato de dimensões socioeconômicas perderem relevância e variáveis políticas – em particular, a confiança – se tornarem preditores melhores dos perfis entre 2013 e 2018 sugere que é promissor relacionar as mudanças nas preferências sobre distribuição de poder na Federação aos movimentos da política nacional. 5 PREFERÊNCIA POR HOMOGENEIDADE TERRITORIAL DE POLÍTICAS A maioria absoluta dos brasileiros acredita que o poder está concentrado na União e uma maioria simples não se opõe ao status quo. Em termos de políticas públicas, também há uma maioria absoluta a favor de que elas sejam homogêneas em todo o território. No survey mais recente, que contemplou a questão, oscilou em torno de 70% a proporção de entrevistados que desejam a mesma política em todo o país em diferentes setores. O gráfico 6 traz as porcentagens para oito áreas, em ordem crescente de preferência pela padronização nacional. Na transferência de renda aos pobres, foi registrado o maior desejo por desenhos estaduais de programas, com 20,2% das respostas. Também em áreas que hoje têm implementação marcada pela descentralização, como saúde e educação, a preferência é por desenhos homogêneos. A maior marca em favor de políticas nacionalizadas envolve aposentadorias: três em cada quatro brasileiros querem que sejam iguais em todo o país. Na análise dessa dimensão, não se pode descartar que as respostas tenham alguma influência de desejabilidade social (social desirability bias). Considerando a identificação dual preponderante, defender políticas homogêneas em todo o território nacional pode parecer aos entrevistados a resposta socialmente adequada. A solidariedade territorial e o eventual viés nas respostas são fatores a serem levados em conta em pesquisas de opinião sobre preferências redistributivas, por exemplo (Holesch, 2021). E os Estados? Federalismo, relações intergovernamentais e políticas públicas no Brasil contemporâneo 128 | GRÁFICO 6 Preferências por homogeneidade territorial das políticas (2018) (Em %) Aposentadoria 7,8 15,2 75,7 Salário mínimo 72,7 Cuidado com a saúde 72,3 Cuidado com pessoas idosas 72,2 14,6 Cuidado com a educação 71,5 17,3 10,4 Seguro-desemprego 71,0 17,6 10 Combate ao desemprego 69,5 18,9 10,9 Dar renda para os pobres 16,4 10 20 30 40 50 60 70 10,9 12,5 12,8 20,2 64,2 0 7,8 18,4 80 90 100 Deveria ser o mesmo em todo o Brasil Cada estado deveria decidir Cada cidade deveria decidir NS/NR Fonte: Survey Imagens da Federação (onda de 2018). Elaboração dos autores. Obs.: NS/NR – não sabe/não respondeu. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este capítulo utilizou surveys para tratar das percepções e das preferências dos cidadãos em relação a questões federativas no Brasil. Estabilidade e mudança emergiram da análise dos dados coletados nas ondas de 2013 e 2018. O desenho da Federação dá sinais de, em largos termos, estar em sintonia com as preferências individuais do brasileiro, conforme apurado nos surveys que analisamos. Embora haja variações por área de políticas, é possível caracterizar a Federação como um arranjo cooperativo, com implementação descentralizada e autoridade para definir prioridades e regulação concentrada na esfera federal, em setores relevantes como as políticas sociais (Arretche, 2015). Os cidadãos não indicam rejeição a este arranjo, na medida em que percebem as eleições e as decisões do governo federal como mais importantes que as dos outros níveis de governo; não há uma maioria a favor da descentralização; é majoritária a preferência por políticas homogêneas em todo o território; e, de forma geral, os brasileiros se identificam tanto com seu estado quanto com a nação. Assim, o desenho institucional e estas atitudes estão em relativa harmonia. Surveys transversais não permitem avaliar a direção da causalidade, mas é plausível que tanto as preferências dos cidadãos contribuam para conformar as instituições como o contrário. As Preferências dos Brasileiros sobre a Federação | 129 Há evidências de que essas orientações têm estabilidade no tempo, a julgar pela consistência dos resultados das pesquisas de opinião com cinco anos de separação. No entanto, conforme discutido na seção 2, a literatura sugere que fatores conjunturais como o descrédito no governo federal – neste caso, evidenciado pelo crescimento na disposição para retirar autoridade do presidente e da União – podem ter influência nas preferências sobre a alocação vertical de poder. De fato, entre 2013 e 2018, cresceu a proporção dos que preferem manter a Federação como está, reduzindo-se a taxa dos que prefeririam concentrar ainda mais autoridade no governo federal. Possivelmente, este movimento está relacionado aos terremotos verificados na política nacional, a exemplo dos escândalos de corrupção, da crise econômica e do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Evidência nesta direção é o fato de os perfis de preferência sobre a alocação da autoridade em 2018 aparecerem mais associados a preditores políticos, como a confiança no governo federal, do que às características socioeconômicas individuais. Em outras palavras, o nível de centralização ou descentralização desejado passou a depender mais da visão do cidadão sobre dimensões da política. A identidade dual, que consiste na declaração de ligação com a mesma intensidade com o Brasil e com o estado de moradia, sofreu queda relevante em favor da identificação preferencial com os estados. A defesa de mais poder para o governo federal encolheu. Cresceu a proporção dos que querem diminuir seu poder. Parcelas de centralistas passaram a defender o status quo. Até o ponto que esta investigação alcança, esses movimentos não resultaram no predomínio da defesa inequívoca de mais poder para os estados. O governo Bolsonaro, inaugurado em 2019, e a pandemia de covid-19, declarada em 2020, estão fora do alcance deste estudo, mas têm grande potencial para ter impactado as dinâmicas federativas e a percepção dos cidadãos, eventualmente viabilizando uma nova aposta nos estados. REFERÊNCIAS ARRETCHE, M. Continuidades e descontinuidades da Federação brasileira: de como 1988 facilitou 1995. Dados, v. 52, n. 2, p. 377-423, 2009. ______. Intergovernmental relations in Brazil: an unequal federation with symmetrical arrangements. In: POIRIER, J.; SAUNDERS, C.; KINCAID, J. (Ed.). Intergovernmental relations in federal systems. Don Mills: Oxford University Press Canada, 2015. p. 108-134. ARRETCHE, M.; SCHLEGEL, R.; FERRARI, D. Preferences regarding the vertical distribution of authority in Brazil: on measurement and determinants. 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