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Artefatos culturais

2023, Projética

ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano RESUMO: Este artigo apresenta um levantamento iconográfico da figura de São Francisco de Assis-santo da religião católica, que protagonizou uma revolução na maneira de sentir e de representar o mundo exterior, sugerindo um novo jogo de emblemas e atributos figurativos para representar a religião cristã. O levantamento atuou como suporte para a discussão do design e da história da arte, para reconhecer os sentidos atribuídos no estabelecimento da configuração dos artefatos sacros e culturais.

1 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano CULTURAL ARTIFACTS: the narrative of the franciscan vocabulary Laís Soares Pereira Simon UEL | UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA UDESC [email protected] Célio Teodorico dos Santos UDESC [email protected] Alexandre Amorim dos Santos UDESC [email protected] COMO CITAR ESTE ARTIGO: SIMON, Laís Soares Pereira, SANTOS, Célio Teodórico dos, SANTOS, Alexandre Amorim dos. ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano. Projética, Londrina, v. 14, n. 2 2023. DOI: 10.5433/2236-2207.2023.v14.n2.48376 Submissão: 07-06-2023 Aceite: 09-08-2023 Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 2 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano RESUMO: Este artigo apresenta um levantamento iconográfico da figura de São Francisco de Assis – santo da religião católica, que protagonizou uma revolução na maneira de sentir e de representar o mundo exterior, sugerindo um novo jogo de emblemas e atributos figurativos para representar a religião cristã. O levantamento atuou como suporte para a discussão do design e da história da arte, para reconhecer os sentidos atribuídos no estabelecimento da configuração dos PROJÉTICA artefatos sacros e culturais. Palavras-chave: vocabulário; simbolismo; franciscano; semântica. ABSTRACT: This article presents an iconographic survey of the figure of Saint Francis of Assisi – a saint of the Catholic religion, who led a revolution in the way of feeling and representing the outside world, suggesting a new game of emblems and figurative attributes to represent the Christian religion. The survey acted as a support for the discussion of design and art history, to recognize the meanings attributed to the establishment of the configuration of sacred and cultural artifacts. REVISTA Keywords: vocabulary; symbolism; Franciscan and semantics. 1 INTRODUÇÃO Desde o período paleolítico, cerca de 40 mil anos a.C, o ser humano utiliza artifícios para transmitir características de sua cultura e sociedade, seja por intermédio de pinturas, esculturas, utensílios, histórias e outros. Além disso, cada cultura foi desenvolvendo suas próprias técnicas e estilos de representação, assim, remetendo a distintas épocas, lugares e fatos. Neste contexto, entende-se cultura como uma rede de significados desenvolvida pelas pessoas na sociedade, na qual desenvolvem seus pensamentos, valores e ações. Um fenômeno capaz de representar, reproduzir e transformar elementos que conformam o sistema social e a vida, influenciando e sendo influenciada pelas práticas econômicas e relações simbólicas (Ono, 2006). Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 SIMON, L. S. P., SANTOS, C. T. dos, SANTOS, A. A. dos 3 A partir desta compreensão de cultura e identidade, o campo do design com sua natureza interdisciplinar, confere uma importante dimensão antropológica cultural, visto que o design envolve planejamento, seleção de conceitos e valores, sendo assim, é corresponsável pelas relações que estabelece entre os artefatos e as pessoas e suas implicações na sociedade. Portanto, o desenvolvimento de artefatos são um reflexo da história cultural, política e econômica de uma sociedade, exercendo um papel fundamental para o desenvolvimento e compreensão das relações e signos de uma coletividade. dinâmica, no processo de construção material e simbólica do mundo, e, sob este prisma, considera-se que o designer, como um dos mediadores de tal processo, necessita conjugar a sua atitude criativa na complexa teia de funções e significados, na qual as percepções, ações e relações se entrelaçam, buscando a adequação dos artefatos às necessidades e anseios das pessoas e a melhoria da qualidade de vida da sociedade (Ono, 2006, p. 2). Com base nestas considerações, este artigo propõe levantar um repertório iconográfico da figura de São Francisco de Assis – santo da religião católica, que protagonizou uma revolução na maneira de sentir e de representar o mundo exterior, sugerindo um novo jogo de emblemas e atributos figurativos que representou a religião cristã. Esse levantamento atuou como suporte para a discussão do design e da história da arte, para reconhecer os sentidos atribuídos no estabelecimento da configuração dos artefatos sacros e culturais. Desse modo, como foram construídos os parâmetros estéticos e simbólicos para o desenvolvimento do vocabulário eclesiástico franciscano? O presente artigo foi fundamentado no estudo de dois historiadores no campo da iconologia, Aby Warburg e Erwin Panofsky. Vale salientar que Warburg foi professor de Panofsky, influenciando o início dos seus estudos da iconologia Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 UEL | UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA Os objetos e a sociedade moldam-se e influenciam-se em uma relação 4 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano – “ramo da história da arte que trata do tema ou mensagens das obras de arte em contraposição à sua forma” (Panofsky, 2007, p. 47). Já a iconografia tem como método a descrição e a classificação das imagens, esse tratamento auxilia o estabelecimento de datas, origens, autenticidade e fornece as bases necessárias para as interpretações e significados ulteriores (Panofsky, 2007). As escolhas das imagens que fazem parte do presente artigo utilizaram a PROJÉTICA referência de Aby Warburg, com o estudo das imagens por sua força representacional. Para Warburg o que importava era o sentido e o pensamento da imagem, ou seja, uma imagem que aparece em eco, em diferentes épocas e culturas, mas possui semelhante valor simbólico. Portanto, o seu método de unir imagens diversas traz um momento anacrônico de deslocar semelhanças (Santos, 2019). Já a descrição e análise das imagens selecionadas para o artigo, utilizouse os conceitos de Panofsky, que são divididos em três níveis de compreensão. O primeiro é o primário ou natural, não são utilizados conhecimentos e nem domínios culturais aprofundados. O segundo nível – secundário ou convencional, requer um conhecimento iconográfico, com a interpretação da mensagem e do seu significado. REVISTA Por fim, o terciário ou intrínseco interpreta a imagem sob o ponto de vista histórico, social e cultural, assim, ampliando o seu significado (Panofsky, 2007). Em suma, na sistematização dos níveis de compreensão de Panofsky os elementos formais que correspondem as cores, linhas, texturas, são conectados a conceitos e assuntos que passam a ser denominados de imagens, personificações ou símbolos, logo essas composições se transformam em alegorias ou estórias (Coelho, 2008). Portanto, a história dos artefatos sobrevive através da relação arte e cultura no estudo das imagens, principalmente por fundamentar a imagem em um campo de saber aberto, turbilhante e centrífugo, que requer todas as dimensões antropológicas do ser e do tempo para a sua interpretação (Michaud, 2013). É, Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 SIMON, L. S. P., SANTOS, C. T. dos, SANTOS, A. A. dos 5 portanto, na reflexão interpretativa sobre o que a imagem comunica, que o estudo entre design e história da arte se baseou, ancorando as imagens entre o real e o fantasmático, por possibilitar contactar as memórias, comparações e a imaginação. Outra perspectiva que auxiliou na leitura das imagens, foi o ponto de vista da arte cristã, que utilizava a imagem para finalidades específicas de pedagogia e registro de ideias ou mensagens. Ou seja, o poder da oikonomia das instâncias clericais, tira as imagens do ostracismo e adquirem uma finalidade bem eficaz para a construção de um vocabulário e, portanto, um discurso visual (Agamben, 2011). problema investigado foi dividido em duas partes, na primeira foram levantadas representações visuais franciscanas como fonte de investigação. Após a escolha das imagens, as interpretações foram apontadas para reconhecer os sentidos atribuídos. SÃO FRANCISCO DE ASSIS São Francisco foi um religioso italiano que nasceu em Assis, em 1182. Era filho de Pica Bourlemont e Pedro Bernardone Maricone, um casal de comerciantes de tecidos abastados. Na sua juventude conheceu as adversidades da guerra com a cidade vizinha de Perugia, na qual enfrentou uma batalha, que o deixou enfermo e prisioneiro por quase um ano. Sua personalidade alegre o ajudou a passar pelos momentos difíceis do cárcere, e tal vivência o fez repensar seu modo de ver e articular a vida (Bagnoregio, 2016). De volta às suas atividades rotineiras de trabalho na loja dos pais, começou a questionar-se a respeito da distribuição desiqual da riquesa. Tendo em vista que Francisco viveu em um período de muitas mudanças sociais, como: incremento das transações monetárias, a prática da usura com empréstimos a juros, a cidade Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 UEL | UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA Assim, apoiada neste status científico da análise iconográfica o 6 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano como fonte de poder, êxodo rural crescente, acarretando o empobrecimento da população proletariada (Campos, 2011). Tal processo social, unido à sua revelação espiritual através de um sonho, o fez converter-se para viver os ensinamentos de Cristo e de seus apóstolos, despojando-se de todos os seus bens materiais para, em peregrinação, pregar o Evangelho. Aos poucos, Francisco foi consolidando seus ideais e pedia que lhe PROJÉTICA fosse concedido a permissão de sentir na pele as dores de Cristo, o que culminou na criação das regras pelas quais seus futuros seguidores se guiariam e toda a iconografia da mística franciscana (Campos, 2011). ICONOGRAFIA RELIGIOSA FRANCISCANA As fontes não escritas ampliam as possibilidades de investigação histórica, por auxiliar na confirmação de teses e conceitos, como testemunhos da história. Neste contexto, a utilização de representações visuais como fontes de investigação contribuiu para a formação de um arcabouço de imagens que formam o vocabulário REVISTA do decoro e da fábrica artística eclesiástica dos franciscanos. São Francisco protagonizou uma revolução na maneira de sentir e de representar o mundo exterior, sugerindo um novo jogo de emblemas e atributos figurativos que representou a religião cristã. Ele teria difundido a prática dos exempla, ou seja, o gosto pela narração anedótica e a pesquisa de uma referência permanente à vida corrente na iconografia (Francastel, 1982). Com isso, a figura de São Francisco de Assis com sua relevância histórica e espiritual, sempre foi um objeto de vasto culto e representações, devido ao entendimento que os franciscanos tiveram sobre o poder das imagens na difusão da sua hagiografia e dos seus milagres, possibilitando estudos em diferentes campos do saber. Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 SIMON, L. S. P., SANTOS, C. T. dos, SANTOS, A. A. dos 7 Sua hagiografia despertou o carisma e sensibilidade de muitos artistas, o que fez muitos pintores contar a sua história. Os frades seguidores do jovem de Assis foram os primeiros artistas a representá-lo, sem nenhuma preocupação em retratar uma fisionomia específica, mas sim, procuravam dar as representações de São Francisco um retrato espiritual (Morello; Papetti, 2018). A primeira fonte de inspiração para as biografias de São Francisco, possivelmente, foi escrita por Tomás de Celano, frade católico medieval da Ordem dos Franciscanos, por encomenda do papa Gregório IX, sendo a inspiração dos A arte deste período é conhecida pelo estilo românico, com um conjunto de referências provenientes da arte egípcia, persa, insular, bárbara, bizantina, grega e turca. A pintura desse momento se manifestava principalmente através da pintura mural e nas iluminuras. Apresentavam características naturalistas, assim, as figuras eram simplificadas para facilitar a compreensão do fiel, causando a deformação na proporção das figuras, com uma anatomia estranha e pouco realista. Os ornamentos e as esculturas do estilo românico complementavam o caráter didático da pintura mural. As obras se espalhavam por todas as igrejas e tinham muito mais a intenção de doutrinar os fiéis ou demonstrar a superioridade divina do que criar um ambiente aconchegante e agradável visualmente (Gombrich, 2013). Com isso, os pintores franciscanos do século XIII, tinham a preocupação em trabalhar uma imagem muito precisa de São Francisco, ou seja, uma figura franzina, devido as privações da vida que havia escolhido seguir, dedicada aos pobres e o amor pela natureza, mas com uma grande força espiritual. Para contar a história de São Francisco, ao lado do Santo eram ilustrados os seus milagres e as revelações a ele atribuídos em uma série de painéis históricos e didáticos, que foram amplamente difundidos, conforme as imagens 01 e 02 (Morello; Papetti, 2018). Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 UEL | UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA artistas durante boa parte do século XIII. 8 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano Figura 1 - São Francisco, Berlinghieri, Figura 2 - Coppo de Marcovaldo. Retábulo de São Francisco, 1235. Pescia, Retábulo de São Francisco, datação Igreja de São Francisco. aproximadamente de 1240. Igreja de REVISTA PROJÉTICA Santa Croce, capela Bardi, Florença. Fonte: Morello e Papetti (2018). Fonte: luoghidellinfinito.it, 2023. A importância deste extenso aparato iconográfico consiste em um grande corpo doutrinário que utiliza as imagens agentes, essas que tem a finalidade de carregar um conjunto de ideias, que respondem como uma pedagogia visual da Igreja Católica. Para Yates (2007) a memória possui duas funções ligadas à ética. A primeira, a memória compõe a Prudência, que serve para lembrar o cristão do caminho correto, tratando-se de uma pedagogia para ensinar ideias, conceitos e concepções com o auxílio das imagens representadas nas capelas e igrejas nas diversas pinturas sacras. A segunda função, compreende em servir como apoio aos oradores, como técnica mnemônica. Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 SIMON, L. S. P., SANTOS, C. T. dos, SANTOS, A. A. dos 9 O regime mimético de produção das artes e do aparato doutrinário das imagens agentes atuam fora das noções de autoria e plágio, como entendemos atualmente. Imitar era um procedimento válido e recomendado, pois deveriam seguir os modelos autorizados pelo costume. Tendo isso em vista: Os pintores franciscanos do século XIII transmitiam uma imagem muito precisa com base nas referências hagiográficas, porém na cena artística da época, dois artistas fugiram da representação com a série de painéis históricos e didáticos em torno da imagem do santo, foram eles: Margheritone d’Arezzo e Cenni Di Petro Cimabué, os dois retornam-se na representação isolada de São Francisco, com o livro numa das mãos e, às vezes, também com uma cruz na outra (figuras 03 e 04). Rompendo ainda esse contexto foi Giotto di Bondone, que revolucionou a tradição iconográfico do santo (Morello; Papetti, 2018). Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 UEL | UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA Assim, em todas as artes, na ética e na política, a regra era primar pelo adequado, conforme gênero da obra, o assunto, o lugar, a ocasião, a recepção, etc. Isso era orientado pelo preceito de decoro ou da decência, que regulava a busca pelo adequado e conveniente, uma das doutrinas mais importantes desde a Antiguidade até o século XVIII (Bastos, 2011, p. 164). 10 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano Figura 3 - Margaritona d`Arezzo. São Figura 4 - Cenni Di Petro Cimabué. Francisco de Assis. Século XIII. Museu São Francisco, 1280 - 1290. Têmpera, Arezzo. madeira e ouro. 123 cm x 41 cm. Museo REVISTA PROJÉTICA della Porziunda. Fonte: francescoilsanto.it, 2023. Fonte: pt.wikipedia.org, 2023. Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 SIMON, L. S. P., SANTOS, C. T. dos, SANTOS, A. A. dos 11 A representação iconográfica de São Francisco sofre uma grande ruptura com os afrescos da Basílica Superior de Assis, atribuídos ao pintor e arquiteto Giotto di Bondone e seu ateliê (1267 - 1337), a obra é datada a partir de do ano de 1288. Ao ateliê de Giotto coube a execução das pinturas parietais da zona intermediária das paredes, com 28 cenas da vida de São Francisco, que constituem como a primeira série de imagens monumentais sobre a vida do santo, possivelmente, o primeiro conjunto tão considerável é dedicado a apenas um personagem santificado, figura 05 (Francastel, 1982). afrescos de Giotto dedicados a São Francisco, afrescos, 1288. Fonte: https://enfaseemhistoriadaarte.wordpress, 2023. No fim da Idade Média a pintura gótica que representava o pré-renascimento, trouxe um movimento de libertação dos códigos rígidos e geométricos. Os pintores dessa época passaram a pesquisar as antigas soluções visuais dos gregos e romanos Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 UEL | UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA Figura 5 - Basílica de São Francisco de Assis, onde se situa o primeiro ciclo de 12 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano para a elaboração de suas obras. Essa pesquisa trouxe de volta o realismo para a representação pictórica (Gombrich, 2013). Para romper com as antigas representações, Giotto adota uma representação mais humana, isto significava deixar os santos com aparências comuns de seres humanos. Além disso, o pintor utiliza representações em perspectiva trazendo ilusionismo ao criar espaços arquitetônicos, volume nos personagens, aspectos o panejamento, olhares e gestos específicos, conforme figura 06. Figura 6 - Detalhes do afresco da Basílica Superior de Assis, Giotto di Bandone, afresco, 1288. REVISTA PROJÉTICA teatrais que possibilita transmitir o vocabulário cristão, dando muito destaque para Fonte: Morello e Papetti (2018). Giotto modificou a representação de São Francisco transmitindo a forma de pensar da sociedade em que vivia, rompendo com a tradição bizantina e lançando bases para a arte renascentista. Dessa forma, Giotto produzia a partir dos anseios presentes no seu tempo, não apenas seguindo as tradições predominantes Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 SIMON, L. S. P., SANTOS, C. T. dos, SANTOS, A. A. dos 13 da época. Neste período do pré-renascimento – século XIII, intelectuais, poetas e artistas fundamentaram uma nova forma de entender o mundo, a partir do conceito do antropocentrismo, período marcado pelas disputas políticas e crise na Igreja. Sob esse contexto, Giotto não era apenas mais um artesão que opera a serviço dos poderes religiosos e políticos, mas sim, um personagem histórico que modifica a concepção da arte, exercendo uma profunda influência sobre a cultura do seu tempo. Neste breve levantamento da representação iconográfico/a de São de regimes históricos e culturais. A imagem de São Francisco ao centro, em posição ereta, usando hábito escuro com uma certa rigidez que remete a arte bizantina, acompanhado por uma seleção de cenas de sua vida. Foram substituídos, por um movimento que utiliza os conhecimentos populares provenientes do pensamento franciscano, para criar um São Francisco cheio de dignidade, e que marca a história. AS REPRESENTAÇÕES DE SÃO FRANCISCO Como visto anteriormente, as representações de Giotto abriram muitos caminhos para a produção iconográfica das representações pictóricas de São Francisco, condicionando os pintores posteriores a seguir esses protótipos. Novas representações do santo franciscano, começaram a aparecer só depois de dois séculos. Representações essas que serão apresentadas a seguir, com o intuito de demonstrar a construção de uma linguagem a partir de parâmetros estéticos e simbólicos, ou seja, a união entre design e artes visuais para reconhecer os sentidos atribuídos para a construção dos artefatos sacros e culturais. Antes de trazer as representações da imagem de São Francisco, é importante pontuar que na Europa, inicialmente na Itália, e posteriormente na Espanha e Portugal, a ocorrência de conflitos, entre os séculos XVI e XVII, de ordem Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 UEL | UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA Francisco de Assis, foi possível observar as mudanças estilistas de representação e 14 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano social, política e econômica, especialmente religiosa, abalaram a estrutura medieval da Igreja. Nesse período ocorreram os seguintes fatos: o surgimento do movimento em oposição ao Cristianismo, a Reforma Protestante ou Luterana, liderada por Calvino e Lutero, ocasionando a divisão da Igreja, que divergiam quanto às questões éticas, morais e sociais (Faraco; Moura, 1997). Acrescenta-se a esses marcos, dentre a Reforma Protestante e a PROJÉTICA Contrarreforma, a Revolução Comercial, resultante do ciclo das grandes navegações, que modificou os sistemas econômicos até então vigentes e favoreceu a descoberta de novas terras na América, África e Ásia. Verifica-se a ascensão da burguesia e a fundação das colônias expansionistas (Makowiecky; Bay, 1992). Esse movimento - Contrarreforma organizado pela igreja católica caracterizou-se, principalmente na Espanha e Portugal, pela grande reação à questão antropocêntrica, em que o homem seria a medida e o centro do universo. Dessa tensão em que o homem tenta conciliar os dois valores – antropocentrismo e teocentrismo (Deus o universo) – no qual lança a angústia e em suas ideias as concepções e manifestações artísticas; a esse novo movimento deu-se o nome REVISTA de Barroco. A origem da palavra é desconhecida, mas existe a ideia que mais se apropria: a de irregularidade, excessos e dramaticidade (Souza, 1973). Devido ao contexto supracitado, é importante pontuar que na segunda metade do século XVI, os artistas precisaram cumprir algumas determinações instituídas sobre a arte sacra pelo Concílio de Trento (1545-1563), em meio ao processo de reforma da Igreja Católica contra o protestantismo (Santos, 2013). O Concílio de Trento, sancionou o que convinha ser pintado, do que era adequado representar, em outras palavras, apontava a maneira decorosa de pintar as matérias religiosas. Esse cuidado dos padres conciliares em relação ao cumprimento das normas de representar narrativas e imagens sacras, marcaram profundamente os modelos iconográficos, que estavam ligados principalmente Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 SIMON, L. S. P., SANTOS, C. T. dos, SANTOS, A. A. dos 15 à instrução dos fiéis, portanto, era imprescindível que a mensagem cristã fosse transmitida sem erros e de forma a não fomentar heresias nos devotos. As representações escolhidas a respeito de São Francisco, são modelos tradicionais que levam em conta a tratadística do concílio, com detalhes iconográficos que facilmente permitiam aos devotos reconhecer, entre outros santos os seus atributos. O conjunto de obras escolhidas para representar a imagem de São Francisco, são divididas entre obras que referenciam a sua imagem (quadros 01 e 02) e os seus estigmas (quadro 03). Fonte: Simon, Santos e Santos (2023). Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 UEL | UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA Quadro 1 - Representações de São Francisco – modelo 01. 16 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano REVISTA PROJÉTICA Quadro 2 - Representações de São Francisco - modelo 02 Fonte: Simon, Santos e Santos (2023) As oito imagens apresentadas nos quadros 01 e 02 formam um grande glossário da doutrina franciscana, mostram uma fisionomia doce e humilde de Francisco, realçado pelo gesto da mão direita sobre o peito, que recorda a zombaria de Cristo no Salão Comum, episódio em que ele levou um tapa no rosto, além de deixar visível as marcas dos estigmas. Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 SIMON, L. S. P., SANTOS, C. T. dos, SANTOS, A. A. dos 17 As obras presentes no quadro 01, evidenciam o olhar extasiado em direção ao céu, ou seja, em direção a Cristo, definindo-o como modelo a ser imitado, no qual se condensa toda a força da mensagem franciscana. Já o quadro 02, o grupo de obras tem o olhar baixo e contemplativo para demonstrar a atmosfera íntima de devoção, acentuada pelo grande contraste de claro e escuro. As imagens retratam o humilde hábito rústico e grosseiro usado pelo santo, que apresenta uma trama áspera, com consertos e remendos do pano, mostrando rasgos e dilacerações no tecido, em concordância com as indicações do Concílio de fiéis a pouca atenção do santo pelos aspectos efêmeros da vida (Morello; Papetti, 2018). Outro destaque em relação a sua vestimenta é o uso do capuz comprido e de ponta afilada. O capuz tornara-se símbolo de fidelidade às origens, de adesão à escolha de vida de Francisco, que se fez pobre com os pobres, os quais, para se proteger das intempéries, costumavam enfiar na cabeça um saco de pano dobrado que, assim, terminava em ponta, ao passo que o capuz redondo, inversamente, remetia à vontade de diminuir a radicalidade da experiência franciscana (Morello; Papetti, 2018, p. 13). Outros símbolos também são encontrados nas representações, sendo elas: a cruz, o rosário, o crânio e o livro, esse conjunto de emblemas na espiritualidade franciscana ressaltam atributos que expressam a solução para a salvação da alma. A cruz é o símbolo de Cristo, por se tratar do instrumento de suplício em que Jesus Cristo foi sacrificado, além de lembrar a necessidade da penitência. O rosário remete a devoção a virgem Maria e mostra a necessidade da oração contínua. Já a figura do crânio, é um símbolo da natureza transitória da vida, portanto, a lembrança da morte, muito comum ser visto como atributos de santos penitentes, assim como São Francisco. O último objeto, o livro, representa a vaidade do conhecimento (Ferguson, 1966). Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 UEL | UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA Trento sobre os conceitos do pauperismo, pois esses detalhes, demonstravam aos 18 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano Dando continuidade às representações referente a São Francisco, o quadro 03 destaca obras que apresentam os seus estigmas. REVISTA PROJÉTICA Quadro 3 - Representações de São Francisco recebendo os estigmas. Fonte: Simon, Santos e Santos (2023) As cinco figuras do quadro 03 representam a manifestação dos sinais da crucificação no corpo de São Francisco, que ocorreu em 1224, dois anos antes de sua morte. As figuras exibem Francisco com as pernas semiflexionadas ou até mesmo Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 SIMON, L. S. P., SANTOS, C. T. dos, SANTOS, A. A. dos 19 ajoelhado, com as mãos abertas, com o rosto voltado para o Cristo que aparece em cima em volto de nuvens e luz luminosas e ardentes. Segundo a Legenda maior de São Boaventura de Bagnoregio (2016), quando Francisco estava na ermida de Alverne recolhido, pois o mesmo quis passar quarenta dias de jejum em silêncio e solidão em honra ao Arcanjo Miguel, nesse retiro Francisco viu a aparição de Cristo no céu sob a forma de serafim de asas multicoloridas. Porém nas representações do Cristo nas figuras do quadro 03, exibem formas diferentes de representar essa passagem de Cristo, segundo a inventividade artística de cada pintor. dos estigmas protagonizado por Francisco, mostram uma variada visão do evento, escapando da descrição com referência a legenda maior, assumindo um caráter de autenticidade, pois as obras apresentam o rosto do santo marcado pelos jejuns e privações, porém seu corpo é animado por um impulso místico advindos de um halo luminoso que vem do céu envolto de nuvens, que o ajuda a suportar a dor causada pelos estigmas. Além disso, o Cristo Seráfico aparece estilizado envolto por uma luz vibrante que clareia a escuridão da noite, possivelmente teve referência na primeira bibliografia de Francisco por Tomás de Celano, com a figura que desce do céu não nítida, mas de longe parece um Serafim e de perto revelar-se-ia como Cristo na cruz, e do aspecto angélico conserva as asas. Por fim, algumas figuras apresentam a participação de uma figura masculina - Frei Leone, com uma expressão de surpresa e assombro, suspendendo a sua leitura, para assumir o papel de coparticipante como espectador do evento milagroso. O recebimento dos estigmas de São Francisco se tornou a partir do século XIII um dos temas mais significativos da Ordem Franciscana, pois os estigmas eram testemunhos do próprio Deus e assim afirmavam a fé, esperança e caridade (Morello; Papetti, 2018). Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 UEL | UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA As imagens, apesar de representarem a mesma passagem do recebimento 20 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano Os modelos de representação de São Francisco, mudaram de acordo com as necessidades de promoção das várias famílias franciscanas. Com as representações escolhidas, foi possível notar a mudança no modo de representar tanto a sua imagem como a cena mais importante, que seria o recebimento dos estigmas, que em determinado momento deixam de ser pequenos cortes e se transformam em ferimentos sangrentos, precisamente porque era de interesse dos franciscanos evidenciar, através da pintura, a proximidade da dor de Francisco PROJÉTICA àquela vivida por Jesus na cruz (Morello; Papetti, 2018). Apesar da repetição dos sujeitos e temas, a sucessão das pinturas escolhidas fornece uma visão variada e expressiva do programa iconográfico franciscano e o seu glossário, mostrando os seus preceitos fundamentais e virtudes que compunham todo o decoro do aparato da fábrica eclesiástica e artística, assim, foi possível compreender e identificar os preceitos da Ordem Franciscana e sua iconografia, possibilitando relacionar esses símbolos com os encontrados nos artefatos sacros e culturais presentes nos monumentos religiosos. REVISTA CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base no levantamento apresentado, pode-se observar que o Cristianismo utiliza a cultura como suporte e expressão, empregando a interdisciplinaridade do design e das artes visuais para construir artefatos sacros. Tendo isso em vista, essa união de matérias apresenta uma ação interpretativa, criadora, que permite diversas formas de expressão. A arte sacra, assim como o design, não produz apenas realidades materiais, os artefatos são resultados diretos ou indiretos do contexto cultural de uma determinada época e lugar, portanto, mais complexo e multifacetado (Coelho, 2008). Por isso, o design atua como um dos intermediários entre as dimensões de tempo, espaço e os diferentes protagonistas que atuam neste campo. Nessa Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 SIMON, L. S. P., SANTOS, C. T. dos, SANTOS, A. A. dos 21 lógica, no contexto desse artigo, é necessário o conhecimento em áreas especificas do saber, além do convívio e compreensão da trama cultural, para então, apontar as funções comunicativas, com o objetivo de expressar a mensagem de Cristo e simbolizar o sobrenatural, com a linguagem simbólica. Nesse sentido, o design apresenta características intangíveis como parte integrante do artefato que ele desenvolve, gerando um relacionamento emocional com o usuário (Bürdek, 2010). O design emocional refere-se à intenção de projetar com o intuito de despertar determinadas emoções nos usuários, ou seja, os artefatos assumem (Norman, 2008). Essas funções simbólicas tratam da relação dos elementos sintáticos do signo com aquilo que esses elementos têm potencial para representar, evocar, suscitar, indicar semanticamente em uma determinada cultura e contexto (Morris, 1996). Diante deste entendimento, o glossário iconográfico franciscano apresenta itens primordiais, que podem ser replicados de diferentes formas, com o intuito de transmitir a narrativa cristã e franciscana, conforme quadro 04. Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 UEL | UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA além das conotações funcionais e estéticas, uma forma social e funções simbólicas 22 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano REVISTA PROJÉTICA Quadro 4 - Quadro resumo do vocabulário franciscano. Fonte: Simon, Santos e Santos (2023). Por fim, neste trabalho, foi evidenciado a evolução formal e simbólica do vocabulário eclesiástico franciscano, identificando a ação da Igreja Católica como agente das ideologias e propagação da atividade espiritual por meio dos artefatos sacros – que propicia o envolvimento do fiel ao ato litúrgico, como forma de expressão didática, simbólica e prazer estético. As imagens selecionadas para o levantamento possibilitaram uma reflexão sobre o que essas obras comunicam, para quem, e por que, centralizando parte do que propõem os artefatos sacros. Além disso, nas observações, no pensar, o ver e o sentir, conduz a uma reflexão interpretativa que procura o alargamento das fronteiras disciplinares entre arte e design. Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 SIMON, L. S. P., SANTOS, C. T. dos, SANTOS, A. A. dos 23 REFERÊNCIAS 1. AGAMBEN, Giorgio. O reino e a glória: uma genealogia teológica da economia e do governo. São Paulo: Boitempo, 2011. 2. BAGNOREGIO, São Boaventura. Legenda maior: vida de São Francisco de Assis. São Caetano do Sul, SP: Santa Cruz, 2016. 3. BASTOS, Rodrigo. O barroco, sagrado e profano: o regime retórico das artes em Minas Gerais no século XVIII. In: STARLING, Heloisa M. M.; CARDIA, Gringo; ALMEIDA, Sandra R. G.; MARTINS, Bruno Viveiros (org.) Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 162-177. 4. BÜRDEK, Bernhard. Design: história, teoria e prática do design de produtos. São Paulo: Blucher, 2010. 5. CAMPOS, Adalgisa. Arte sacra no Brasil Colonial. Belo Horizonte: C/Arte, 2011. 6. COELHO, Luiz Antônio L. Conceitos-chave em design. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2008. 7. FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco Marto. Língua e literatura. São Paulo: Ática, 1997. 8. FERGUSON, George. Signs & symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press, 1966. 9. FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1982. 10. GOMBRICH, Ernest Hans. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2013. 11. MAKOWIECKY, Sandra; BAY, Dora. O apostolado das imagens. São Paulo: Fundação Iochpe, 1992. Material instrucional da Videoteca Arte na Escola. Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023 24 ARTEFATOS CULTURAIS: a narrativa do vocabulário franciscano 12. MICHAUD, Philippe – Alain. Aby Warburg e a imagem em movimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. 13. MORELLO, Giovanni; PAPETTI, Stefano. São Francisco na arte de mestres italianos. São Paulo: Base7 Projetos Culturais, 2018. 14. MORRIS, Charles. Fundamentos da teoria dos signos. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1996. 15. NORMAN, Donald. Design emocional: por que adoramos (ou detestamos) os objetos do dia-a-dia. Rio de Janeiro: Rocco, 2008. 16. ONO, Maristela. Design e cultura: sintonia essencial. Curitiba: Edição da autora, 2006. 17. PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2007. 18. SANTOS, Camila Geracelly Xavier Rodrigues dos. Aby Warburg, a função rememorativa das imagens e o tempo: relatos e análises de Didi-Huberman acerca da sobrevivência das imagens. Temática, Recife, PE, ano 15, n. 7, jul. 2019. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/tematica/article/ view/46744. Acesso em: 28 jul. 2023. 19. SANTOS, Luíza. O Concílio de Trento e a discussão acerca do estatuto da imagem. 2013. Monografia (Especialização em Cultura e Arte Barroca) Instituto de Filosofia, Artes e Cultura, Universidade Federal de Ouro Preto, MG, Ouro Preto, 2013. 20. SOUZA, Sara. Estudo sobre o barroco: tendências artísticas da América Colonial. Florianópolis: UFSC, 1973. 21. YATES, Frances. A arte da memória. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc)” Projética, Londrina, v. 14, n. 2, setembro. 2023