CONHECIMENTOS TRADICIONAIS NA PESCA ARTESANAL
SAVOIRS TRADITIONNELS DANS LA PÊCHE ARTISANALE
TRADITIONAL KNOWLEDGE IN ARTISAN FISHING
Sérgio Cardoso de Moraes
Sociólogo, Doutor em Educação
Núcleo de Meio Ambiente / Universidade Federal do Pará
Programa de Pós-graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia/
PPGEDAM
Programa de Pós-graduação em Geografia / PPGEO
E-mail:
[email protected]
Resumo
O artigo apresenta e discute saberes pautados pela tradição – compreendidos como
saberes construídos ao longo das gerações, transmitidos a partir da oralidade e das
experiências do cotidiano - frutos de um conhecimento não-científico que tem por base a
observação e as orientações das gerações mais experientes. O ícone de referência usado
para tecer a discussão é a pesca. Ressaltamos os conhecimentos que permitem ao
pescador, entre outros domínios: descobrir os hábitos alimentares dos peixes e de outros
animais; orientar-se através dos astros durante a navegação noturna e conhecer o fluxo
das marés orientadas pelo ciclo lunar. A pesquisa foi organizada a partir de um
levantamento bibliográfico e pesquisa de campo sobre diversas formas de pescarias nas
regiões Norte e Nordeste. A ênfase nos saberes tradicionais faz um paralelo com os
conhecimentos científicos a fim de deixar em evidência que é possível no mundo
moderno uma complementaridade entre ciência e tradição.
Palavras-chave: Conhecimentos tradicionais, pesca artesanal, técnica e educação.
Résumé
L'article présente et discute les savoirs réglés par la tradition -y compris comme des
savoirs accumulés au fil des générations, transmis a partir de l’ oralité et des expériences
de la vie quotidienne - fruits d'un savoir non scientifique basé sur l'observation et les
orientations de générations avec plus d'expérience . La référence icône utilisée pour tisser
la discussion est la pêche. Nous insistons sur les compétences qui permettent aux
pêcheurs, entre d’autres domaines: découvrir les habitudes alimentaires des poissons et
des autres animaux , être guidés par les étoiles au cours de la navigation nocturne et
apprendre sur le flux des marées guidées par le cycle lunaire. L'enquête a été organisée à
partir d'un relèvement bibliographique et d’une recherche sur le terrain sur plusieurs
formes de pêche dans le Nord et le Nord-est. L'accent mis sur les savoirs traditionnels fait
un parallèle avec les savoirs scientifiques afin de faire comprendre qu'il est possible dans
le monde moderne une complémentarité entre la science et la tradition.
Mots-clés: savoirs traditionnels, pêche artisanale, technique et éducation.
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Abstract
This essay presents e discusses the knowledge based on traditon - understood as the
knowledge constructed over the generations, transmitted through oral means and
everyday experiences - as a result of a non-scientifical knowledge based on the
observation e guiding of the more experient ancestors. The reference icon used in order to
proceed the debate is the fishing activity. We emphasize the knowledge which allows the
fishermen, among other abilities, discover the food habits of fish and other animals; guide
by the stars during night navigation and learn the tide flows guided by the moon. This
work was organized based on a bibliographic study and a field research about the several
ways of fishing in the Northern and Northeastern regions of Brazil. The emphasis on the
traditional knowledge compares fishing to scientifical knowledge in order to show that it
is possible a relation of complementarity between science and tradition in the modern
world.
Key-words: Tradition knowledge, fishing, artisan fishing, technique and education.
Introdução
A sistematização de produção da ciência remete ao século XVII, porém num
período anterior, outras formas de produção de conhecimento se faziam presente nas
sociedades. A construção e sistematização de conhecimentos se dispersam por vários
segmentos da sociedade e, se expressa através de variadas formas. Uma dessas formas diz
respeito aos saberes não científicos, em especial o que chamamos aqui de saberes da
tradição, conforme Almeida (2001). Enfatizamos aqueles saberes que são repassados de
geração a geração pela oralidade e experimentação. “Trata-se de saberes que, respaldados
por quadros de referência distintos, estabelecem estratégias distintas de leitura do mundo”
(ALMEIDA, 2001, p. 53). Esta forma de compreensão diz respeito a saberes
“desenvolvidos às margens do conhecimento escolar e da ciência, esses saberes da
tradição são, ao longo da história, repassados de pai para filho de forma oral e
experimental” (ALMEIDA, 2002, p. 2).
Dentre as numerosas populações que se valem dessa maneira de compreensão e
comunicação, destacamos os pescadores artesanais e nos reportamos, em especial, às
populações situadas na Amazônia e no nordeste brasileiro.
Aqui a pesca é caracterizada mais do que uma singular atividade humana entre
tantas outras. Destacamos a complexidade de relações envolvendo homens, peixes, ciclos
lunares, astros, mitos e outros fenômenos que podem influenciar nas pescarias, enfocando
o meio onde os pescadores realizam suas atividades cotidianas.
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O princípio metodológico da pesquisa tem como ponto de partida e de chegada
técnicas de pesca desenvolvidas por populações tradicionais. Tais técnicas funcionam
como operadores cognitivos num processo de construção de conhecimento no âmbito
dessas populações. A partir dessas técnicas, analisamos os saberes que os pescadores
utilizam para modificar, comparar, diluir e reatualizar seus conhecimentos a fim de obter
êxito nas pescarias, ou seja, discutimos como é pensada e processada a arte de capturar
peixes.
A realização da pesquisa obedeceu a várias etapas. Num primeiro momento,
realizamos um levantamento bibliográfico sobre a pesca, percorrendo uma vasta literatura
que trata dos mais variados enfoques sobre esta atividade. Valemo-nos de livros, teses,
dissertações e monografias que descrevem diversos tipos de pescarias em espaços
distintos.
Nessa investida, nossos principais interlocutores não foram eleitos ao acaso.
Pescadores de duas regiões, distantes e distintas, que têm nas águas suas semelhanças e
proximidades, foram também nossos parceiros de outra pesquisa desenvolvida em nível
de mestrado (MORAES, S., 2002). Nossa familiaridade, tanto com as pessoas quanto
com os distintos lugares, foi fator de extrema importância para o bom desempenho do
estudo. Esta aproximação facilitou nossa inserção junto às comunidades de pescadores
sem maiores impedimentos, onde muitas vezes os pescadores que já conhecíamos
atuaram como facilitadores para nosso acesso em outras localidades.
Atemo-nos nesse artigo aos saberes que dizem respeito à arte da captura de
peixes e procuramos uma aproximação entre as duas regiões citadas, que localmente
possuem especificidades, mas no contexto mais geral do conhecimento apresentam
similaridades em relação ao comportamento humano diante da natureza. O percurso
teórico-metodológico traçado nos argumentos deste artigo, advoga por uma
complementaridade entre conhecimentos científicos e conhecimentos não-científcos,
tratados aqui como saberes da tradição.
As pescarias e os saberes
Só é possível a realização das pescarias devido à sistematização de técnicas. As
técnicas, no grego techné, tanto na Antigüidade como também na Idade Média,
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compreendem ars = “arte”, “habilidade”, toda a realização de coisas sensorialmente
perceptíveis a serviço de uma necessidade ou de uma idéia que denota, por conseguinte,
a habilidade ou a destreza, tanto para o necessário, quanto para o belo - tornar visível
uma idéia.
O desenvolvimento das técnicas é uma confluência entre aquelas manuseadas
por nossos antepassados e outras que foram surgindo ao longo da História. Nenhuma
delas deve ser deixada de lado.
As mais humildes técnicas dos chamados primitivos fazem apelo a operações
manuais e intelectuais de uma grande complexidade que é preciso ter
compreendido e aprendido e que, de cada vez que se executam, reclamam
inteligência, iniciativa e gosto. Não é qualquer árvore que é própria para fazer
um arco, nem mesmo qualquer parte da árvore; a exposição do tronco, o
momento do ano ou do mês em que a abatem tão-pouco são indiferentes.
(LÉVI-STRAUSS, 1986, p. 383)
As afirmações de Lévi-Strauss permitem-nos discutir as atividades humanas
realizadas hoje, tendo como parâmetros os conhecimentos acerca da natureza e seu
comportamento diante do homem. Dentre as atividades humanas, a pesca como uma
daquelas em que há uma relação muito próxima com a natureza, uma vez que,
... quanto mais ajustado é o pescador ao seu ambiente, mais condições
cognitivas tem ele para desvendar e se apropriar da natureza. É por aí que ele
tem acesso objetivo ao conhecimento das relações existentes entre sua
atividade e as faunas aquática e terrestre; a flora; os ventos e os mares; as
nuvens e a chuva, e assim por diante, cujos sinais são decodificados com
sabedoria. (FURTADO, 1993, p. 206).
Esta assertiva de Furtado acerca do ajuste do pescador ao meio ambiente
remete à compreensão de um conhecimento que tem como base de pensamento os
saberes da tradição (ALMEIDA, 2001).
Em meio às várias técnicas e grande diversificação de instrumentos utilizados
na pesca, tomamos como referencial na Amazônia, a pesca com o “espinhel”. Trata-se
de um instrumento que se constitui de uma linha principal à qual são conectados
inúmeros anzóis que pode ser posicionado na posição horizontal ou vertical com a
coluna d’água. A distância dos anzóis varia em torno de um metro entre eles. Veremos
alguns deles.
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Num primeiro tipo de espinhel, uma corda é amarrada entre duas árvores na
várzea ou entre duas varas num lago. A linha é mantida esticada entre 20 e 30
centímetros acima do nível d’água, de modo que os anzóis ficam pendurados logo
abaixo da superfície do rio. Pequenos sapos, abundantes nas áreas de vegetação
flutuante, são utilizados como iscas, presos aos anzóis de aproximadamente quatro
centímetros.
Este tipo de pescaria se destina a captura de espécies como aruanã
(OskoglossumBicirrhosum), carauaçu (Dioscorea alata), matrinxã (Brycon sp), e
piranha caju (Serrassalmus nattereri).
O segundo tipo de pesca com o espinhel acondiciona anzóis maiores, com
cerca de seis centímetros e tem como atrativo para os peixes não mais sapos, mas frutos,
especialmente
de
árvores
cuprea,Sapotaceae),
araçá
de
várzea,
(Myrcia
tais
como
abiurana
fallax,Myrtaceae),
(Neolobatia
seringa
(Havea
brasiliensis,Euphorbiaceae) ou socoró (Mouriria cf.ulei, Melastomaceae). Este tipo de
espinhel iscado com frutas é usado para capturar tambaqui (Colossoma macropomum)
durante a enchente de março a agosto na Amazônia. O espinhel de tambaqui é colocado
comumente perto da borda da mata de várzea e cada extremidade é amarrada a um feixe
de capim flutuante.
O terceiro tipo destina-se a captura de tracajá (Podocnemis unifilis), um
quelônio, semelhante a uma pequena tartaruga. O espinhel fica suspenso à superfície da
água de modo que os anzóis toquem sobre ela. Desta vez a isca utilizada é o fruto do
caiembé (Sorocea duckei, Moraceae). Essa fruta, preto-azulada, além do tracajá atrai
outros peixes. Finalmente, o quarto tipo de utilização do espinhel é destinado à captura
do pirarucu. (Sudis gigas, Vastres gigas). Consiste em um único e grande anzol de
aproximadamente 12 centímetros, preso na extremidade por uma forte corda amarrada
em um galho na mata de várzea. O anzol, que fica logo abaixo da superfície, é iscado
com jiju (Ageneiosus brevifilis) ou tamuatá (Calichthys calichthys) vivos, os quais são
capturados com caniço ou tarrafa. O anzol é inserido na região dorsal do peixe para
evitar danos aos órgãos vitais. Desta forma, o peixe permanece vivo e móvel durante
várias horas, tornando-se assim mais atrativo ao pirarucu (SMITH, 1979, p. 60-63).
As diversas formas de utilização de um mesmo instrumento denotam que o
conhecimento construído ao longo das gerações sistematiza um conjunto de saberes
sobre o modo de vida animal, vegetal e o meio ambiente. Talvez se possa falar de uma
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zoologia, uma botânica e uma ecologia da tradição. Isso porque o uso de sapos e frutos
na condição de iscas para capturar determinados peixes, revela um prévio conhecimento
acerca dos hábitos alimentares das espécies. Os pescadores da Amazônia sabem que o
tambaqui (Colossoma macropomum) e a Pirapitinga (Colossoma bidens), comem
sementes de palmeiras com casca dura. Os Aracus (Leporinus spp) têm no seu cardápio
folhas e raízes de vegetação aquática, enquanto outras espécies sugam o limo composto
de fungos, algas e pequenos animais, como o Jaraqui (Semaprochilodus spp) e o
Curimatá (Prochilodus nigricaus).
Tais conhecimentos têm como base de pensamento o que o antropólogo LéviStrauss (2002, p.24) denomina de “pensamento selvagem”, ou seja, não um pensamento
do selvagem, mas uma estratégia de conhecimento em estado selvagem, livre das
categorizações do conhecimento científico, que para o autor, é o conhecimento
domesticado. O conhecimento em estado selvagem está pautado numa ordem que
“constitui a base do pensamento que denominamos primitivo” (Idem, p. 25). Ora, seu
objeto primeiro não se reduz a uma ordem prática, mas efetivamente à exigência
intelectual que transcende qualquer plano prático. Dessa forma, as classificações
obedecem a um estilo de vida e a uma compreensão da natureza pelas populações
tradicionais. Segundo Almeida (2002, p. 4), “a originalidade do conhecimento da
tradição se enraíza em modelos mais holísticos de pensar, não sendo esses modelos
inferiores ou superiores aos da ciência”. Trata-se de estratégias de pensamento que
dispõem de referenciais próprios de leitura do mundo. Essas leituras operam em
consonância com o estilo de vida dessas populações.
Na Amazônia, Furtado (1993) apresenta uma das maneiras de como os
pescadores se empenham na busca de novos pontos piscosos na região, uma vez que o
esforço de pesca aumenta diretamente em relação à diminuição do estoque pesqueiro.
Para descobrir um novo ponto de pesca em seu circuito de trabalho, o
pescador precisa ter um aguçado senso de observação a fim de notar alguns
sinais que denunciam a presença de peixes em determinados locais, que
recebem este nome. Tais sinais, que se conjugam na mente do indivíduo para
denunciar a presença de fauna ictiológica, capaz de proporcionar um
considerado nível de captura para os fins desejados, podem estar associados à
água e/ou a terra, ou as duas, ao mesmo tempo. (FURTADO, 1993, p. 206).
Os conhecimentos sobre os sinais que indicam a presença de peixes são
resultados de uma intensa e obstinada observação do comportamento da natureza. Trata-
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se de um aprendizado contínuo que populações tradicionais desenvolvem desde
crianças. “Fomos ensinados a prestar atenção a tudo o que vemos”, assim registra um
pensador indígena a A. C. Fletcher, citado por Lévi-Strauss (2002, p .25). Para este
autor, o conhecimento não denota somente utilidade prática, ou seja, conhecer somente
em função de uma finalidade, mas, sobretudo, o conhecimento transcende a
instrumentalização, conhece-se pelo puro prazer em conhecer. Desse modo é possível
compreender que “espécies animais e vegetais não são conhecidas porque são úteis; elas
são consideradas úteis ou interessantes porque são primeiro conhecidas”. (Idem, p. 26)
Na múltipla observação acerca do comportamento da natureza, os seres das
águas, assim como os do ar podem ser indicadores para a localização de cardumes. Ao
observar o vôo de aves, que geralmente fazem em bando, o pescador é alertado da
presença de peixes. São aves que capturam peixes próximos à superfície da água ou
mesmo mergulhando, como é o caso dos mergulhões (Mergus octosenceus) e mauaris
(Couratari Lecythida). O sobrevôo delas sobre certos lagos, rios ou paranás, ou a
simples passagem pelas margens dos cursos d’água, denunciam a presença de peixe. Por
outro lado, “o conhecimento que os pescadores têm dos hábitos alimentares dessas aves
e, que em seu cardápio entram alguns peixes é o bastante para avaliarem a qualidade
(espécie) de peixes que ocorrem naquelas paragens ou pesqueiro” (FURTADO, 1993, p.
209).
O conhecimento do meio ambiente e a habilidade para utilizar esse meio, na
medida em que vão sendo transmitidos e absorvidos pelas gerações transformam
práticas, hábitos de vida, modos de apreensão da natureza pelo contato íntimo com a
água, a floresta, e a terra. Edgar Morin (1999) ao tratar do processo de construção dos
conhecimentos apresenta as múltiplas faces enfatizando que o conhecimento é
multidimensional:
O conhecimento não é insular, mas peninsular, e , para conhecê-lo, temos de
ligá-lo ao continente do qual faz parte. O ato de conhecimento, ao mesmo
tempo biológico, cerebral, espiritual, lógico, linguístico, cultural, social,
histórico, faz com que o conhecimento não possa ser dissociado da vida
humana e da relação social. Os fenômenos cognitivos dependem de processos
infracognitivos e exercem efeitos e influências metacognitivos. (MORIN,
1999, p. 29)
Trata-se de uma rede de domínios que emerge em todos os aspectos
relacionados à vida e ao trabalho na pesca.
O conhecimento condensado e
modificado pelo pescador é uma síntese desse processo que ao mesmo tempo ele está
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em construção. Somente a experiência adquirida ao longo de sua vida possibilita a
construção cotidiana, uma vez que:
A cultura favorece ao pensamento as suas condições de formação, de
concepção, de conceptualização [sic]. Ela impregna, modela, e eventualmente
dirige os conhecimentos individuais. Trata-se aqui, não tanto de um
determinismo sociológico exterior, mas sim de uma estruturação interna. a
cultura e, via cultura, a sociedade, estão no interior do conhecimento humano
(...) O conhecimento está na cultura, e a cultura está no conhecimento. Um
ato cognitivo individual é, ipso facto, um fenômeno cultural e todos os
elementos do complexo cultural coletivo se atualizam num ato cognitivo
individual (MORIN, 1991, p, 20).
A cultura enquanto conhecimento e, o conhecimento enquanto cultura são a
dialética que movimenta, interage e dá sentido a vida e as práticas na pesca, que por sua
vez reflete-se em saberes que permitem ao pescador se relacionar com o meio onde
estão inseridos de maneira íntima, proporcionando a criatividade e a sabedoria. “Temos,
pois, de considerar a cultura como um sistema que faz comunicar – dialetizando – uma
experiência existencial e um saber construído” (MORIN, 1998, p, 126).
Este conhecimento cultural ultrapassa a observação, permite uma interação
entre as populações tradicionais com o meio ambiente. Assim exemplifica Furtado:
O ronco do peixe é outro fato curioso que, só quem vive num cotidiano
íntimo, pode reconhecer o ruído, entre outros que se pode ouvir, quando se
está num lago, rio ou igarapé. Certos peixes fazem ruídos característicos
quando vêm à superfície, para buscar oxigênio ou para pegar alimentos
(frutos, insetos, folhas). O som característico que produzem nessa hora alerta
o pescador para a existência de grande ou pequena quantidade de peixe e/ou
dos que o acompanham. (FURTADO, 1993, p . 211).
Ao observar os sinais do peixe, ocorre uma associação entre o comportamento
e a classificação das espécies, “peixe que pula fora d’água, peixe que nada na beira
d’água, peixe que ronca, peixe que vem buscar comida em cima d’água, peixe que anda
pelo fundo, peixe que anda pelo meio do rio, peixe que se esconde nas tronqueiras,
peixe que come fruta, peixe que come inseto, peixe que come flor” (FURTADO, 1993,
p, 212).
Acrescenta-se ainda que:
os peixes predadores como a piranha (Serrasalmus ssp) e, sobretudo todos os
bagres indicam ao pescador a presença de outros peixes que são comidos por
estas espécies. O pescador conhece quais são os peixes preferidos por elas.
Piranhas e candirus (Vandellia), na concepção regional, atacam não só peixes
como gente também.(FURTADO, 1993, p . 209).
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É a sensibilidade aguçada e direcionada para a pesca que permite ao pescador
identificar o cardume, um dos saberes importante na arte de pescar. Também os
pescadores da Lagoa Piató, no Rio Grande do Norte, identificam o ronco dos peixes
quando se encontram em cardume. Assim descreve o pescador Antônio Carvalho,
conhecido como “Galo” na Comunidade de Areia Branca, localizada às margens da
Lagoa do Piató: “A pescada, que a gente chama aqui, aquela pequenina, quanto tem, a
gente escuta o roncado dela. Agora não tem aqui ela, mas perto da barragem, tem um
cabra que mergulha bem no meio do lago. Se tiver peixe lá, ele sabe...”
Além da audição apurada para identificar sons provenientes de peixes, os
pescadores da Lagoa do Piató se valem de outro sentido, desta vez o olfato. Segundo o
pescador José Lucas: “a sardinha tem um cheiro de melancia verde. Quando você corta
uma melancia verde, ela tem aquele cheirinho. Quando você põe os olhos dentro d’água
e sentir aquele cheiro de melancia verde, já sabe que ali tem sardinha”.
Um conhecimento apurado sobre os elementos da natureza, num complexo que
envolve águas, animais, astros e ventos, permite aos saberes da tradição ter a mesma
eficiência que o conhecimento científico, ainda que este possa não reconhecê-lo como
confiável, ou mesmo depreciá-lo com menor importância, uma vez que:
Esses povos que consideramos estarem dominados pela necessidade de não
morrerem de fome, de se manterem num nível mínimo de subsistência, em
condições materiais muito brutas, são perfeitamente capazes de pensamento
desinteressado; ou seja, são movidos por uma necessidade ou um desejo de
compreender o mundo que os envolve, sua natureza e a sociedade em que
vivem. Por outro lado, para atingir esse objetivo, agem por meios intelectuais
exactamente [sic] como faz um filósofo ou até, em certa medida, como pode
fazer e fará um cientista (LÉVI-STRAUSS, 1987, p. 31).
É o saber desinteressado, a que se refere Lévi-Strauss que permite aos
pescadores classificar, ordenar e diferenciar os variados tipos de pescarias e de
instrumentos,
pois
eles têm características
próprias,
geridas
num
contexto
multidimensional que, proporciona a partir da criação e recriação, novas técnicas, novas
ordenações, novos saberes, uma vez que
...aprender não é somente reconhecer o que, virtualmente, já era conhecido;
não é apenas transformar o desconhecido em conhecimento. É a conjunção
do reconhecimento e da descoberta. Aprender comporta a união do conhecido
e do desconhecido (MORIN, 1999, p. 77)
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Formas descontínuas de aprendizagem não somente em função da finalidade
prática, mas principalmente pelo prazer em conhecer são também aguçadas pela
curiosidade. O pescador Chico Lucas, da Lagoa do Piató, no Rio Grande do Norte,
relata com detalhes como foi a introdução de peixes de outras regiões no semi-árido
nordestino:
De todos os peixes que temos hoje aqui na lagoa, o tucunaré foi o primeiro
que apareceu aqui. Ele veio do açude Itans lá de Caicó, lá começaram a fazer
um criatório e colocaram o tucunaré. Quando o açude sangrou pro rio, veio
essa produção pra lagoa. Era um peixe estranho pra gente, a gente não
conhecia na época, mas depois a gente se adaptou e, eu sei que pra melhor
dizer, fazem quarenta anos que eu conheço o tucunaré aqui na lagoa do Piató.
E outra coisa, é o melhor peixe comercial da região.
Os pescadores do Piató, ao se depararem com uma espécie nunca vista
anteriormente, o tucunaré, que por diversos motivos foi introduzido naquela região e
espalhou-se por vários rios e lagoas, provocou uma reação de desconhecimento que ao
mesmo tempo projeta uma busca em saber, uma resposta de como funciona, de onde
vem, pois refere-se a um peixe “estranho” àquele ecossistema e aos pescadores. A
reação de Chico Lucas quando afirma que: “depois a gente se adaptou ..”, ou seja, a
capacidade de condensar ensinamentos que são processados e repassados de geração a
geração, são características de populações que têm na tradição estilos de se relacionar
com a natureza.
Estes conhecimentos permitem que na Amazônia os pescadores utilizem
estratégias de localização de peixes. Segundo Furtado (1993, p. 213), na região do
Baixo-Amazonas do Estado do Pará, quando os pescadores encontram cardumes,
utilizam o método da “triangulação visual”, isto é, o pescador, ao detectar um pesqueiro,
escolhe ou marca logo algum sinal ou acidente físico ao qual possa associar a presença
do pesqueiro.
A referência escolhida pelos pescadores pode ser um igarapé, uma ilha, uma
árvore, uma pedra, uma enseada, cuja localização permita, sem erro, orientá-lo em
futuras excursões. Os pescadores em geral procuram manter em segredo, só revelando
em casos especiais ou de interesses comerciais exclusivistas. Trata-se de olhares
angulares acerca do comportamento do ambiente. O primeiro olhar angular refere-se ao
local de partida (primeiro vértice). O segundo olhar angular diz respeito ao local do
pesqueiro, ou seja, o acidente físico anunciado por uma determinada marca (segundo
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vértice). O terceiro olhar angular comporta as diferentes posições em que o próprio
pescador se encontra. Ele procura se deslocar até encontrar o vértice marcado pelo
acidente físico (FURTADO, Op. cit. p, 13).
Esses olhares angulares sempre foram utilizados na navegação de rios e mares
em toda a tradição marítima para localizar e marcar os canais de rios; os bancos de
areia, os corais e outros obstáculos fixos da navegação. Os faróis foram construídos para
favorecer a memorização desses mapas mentais. O comportamento dos pescadores
mediante à localização dos pontos de pesca assemelha-se ao bricoleur, metáfora criada
por Claude Lévi-Strauss que expressa um estilo de pensamento que se faz valer do
material existente à sua volta para rearranjá-lo numa nova configuração. Para LéviStrauss:
O bricoleur está apto a executar grande número de tarefas diferentes; mas,
diferentemente do engenheiro, ele não subordina cada uma delas à obtenção
de matérias-primas e de ferramentas, concebidas e procuradas na medida de
seu projeto: seu universo instrumental é fechado e a regra de seu jogo é a de
arranjar-se sempre com os meios-limites, isto é, um conjunto, continuamente
restrito, de utensílios e de materiais, heteróclitos, além do mais, porque a
composição do conjunto não está em relação com o projeto do momento,
nem, aliás, com qualquer, mas é o resultado contingente de todas as ocasiões
que se apresentam para renovar e enriquecer o estoque, ou para conservá-lo,
com os resíduos de construções e de destruições anteriores” (LÉVISTRAUSS, 2002, p. 38).
Ao agir como um bricoleur, os pescadores se valem de conhecimentos que
fazem parte do seu cotidiano, diferentemente do conhecimento do “engenheiro”,
imagem oposta ao bricoleur para Lévi-Strauss, uma vez que o “engenheiro” prefigura
um modelo mental que projeta sua obra e necessita, para executá-la, de peças
predefinidas e especificamente construídas para o projeto. Os “meios-limites” de que se
valem para localizar pontos piscosos, tanto no mar quanto nos rios, são oriundos de sua
meticulosa observação do contexto em que vivem e trabalham; não se valem de bússola
ou de outros equipamentos que pudessem orientá-los nas suas pescarias.
Os mapas mentais e esquemas matemáticos apresentados para as marcações
dos pontos de pesca revelam que o conhecimento empírico e seus métodos de
localização só são possíveis graças a uma associação de elementos de ordem da
natureza que fazem parte do meio em que vivem e de onde os pescadores também são
partes integrantes. Segundo Morin, essa operação ocorre porque:
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O cérebro dispõe de uma memória hereditária, bem como de princípios inatos
organizadores do conhecimento. Mas, desde as primeiras experiências do
mundo, o espírito/cérebro adquire uma memória pessoal e integra em si
princípios sócio-culturais de organização do conhecimento. Desde o seu
nascimento, o ser humano conhece por si, para si, em função de si, mas
também pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade,
para elas, em função delas (MORIN, 1991, p. 18).
São
essas
aptidões
mentais
que
proporcionam
aos
pescadores
o
desenvolvimento da criatividade no âmbito de suas pescarias. No litoral paraense
quando os pescadores chegam a um ponto tido como ideal para lançar as redes, realizam
uma operação para identificar a profundidade e o tipo de solo. Os pescadores lançam na
água o prumo (fio com um peso na extremidade). Tal medida é importante porque não
só constitui um dos indicadores da presença provável de espécies, como também em
função da segurança da rede na água, passível de se engatar em pedras porventura
existentes no leito. Na utilização da rede de fundo, a profundidade determina a altura
das cordas de bóia. Com o prumo, os pescadores fazem uma “sondagem” pela qual
adquirem progressivamente o conhecimento do relevo e da constituição do fundo do
mar. Com efeito, o tipo de atrito do prumo identifica a sua composição, que pode ser de
pedra, de areia, de cascalho, de barro ou de outro tipo. Esta informação é importante
para os pescadores, tanto no que tange à segurança da rede, como também porque
determinadas espécies se encontram mais freqüentemente em determinados tipos de
fundo (MANESCHY, 1995, p. 78).
Uma descrição minuciosa dessa técnica foi feita por Alex Fiúza de Mello, no
município de Vigia, localizado na região banhada pelo oceano Atlântico, na costa do
Estado do Pará.
A medição da profundidade é feita através de uma corda à prumo. Ao longo
dessa corda existem ‘nós’ cujos segmentos intervalares correspondem a um
determinado número de ‘braças’ [cada ‘braça’ (...) é equivalente ao tamanho
de dois braços abertos], medida tradicionalmente usada pelas comunidades
pesqueiras. A profundidade pode ser, por exemplo, de 6 ou 7 ‘braças’, ou
seja, a metragem correspondente a seis ou sete vezes o tamanho de dois
braços abertos. O primeiro ‘nó’ geralmente equivale a não menos que 5 ou 6
‘braças’; enquanto a água não atingir o mesmo significa que a profundidade é
inferior à metragem representada pelo nó. Já o segundo nó pode equivaler a
10 ‘braças’; assim, o intervalo compreendido entre 6 a 10 ‘braças’ é
calculado aproximativamente pelo pescador, de acordo com o local até onde
a corda foi molhada. Confirmada a profundidade desejada, resta ancorar o
barco e lançar a rede (MELLO, 1985, p, 114)
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A descrição desta técnica apresenta, principalmente, elementos de ordem
métrica, que adaptados à prática de pesca oferecem condições de aferição em águas
piscosas na busca de boas pescarias. O conhecimento humano é, na origem e nos
desenvolvimentos, inseparável da ação; como todo conhecimento cerebral, elabora e
utiliza estratégias para resolver os problemas postos pela incerteza e pela falta de
completude do saber (MORIN, 1999, p. 248).
Nessa perspectiva, identificamos conhecimentos que proporcionam a
navegação noturna, seja ela destinada a pescarias como também para viagens de outra
natureza. A observação dos astros serve de referencial de orientação. Segundo Furtado
(1993), durante a navegação noturna os astros têm um lugar especial no esquema de
orientação. Nesse caso, as estrelas têm importância maior que a lua pelo fato de serem
mais presentes no cotidiano, dada à periodicidade e fases da lua em suas aparições. De
um ponto qualquer em que o pescador esteja mirando uma estrela ou uma constelação
conhecida, ele associa a posição de seu destino. Então, ele poderá viajar no sentido
norte e sul, leste ou oeste da estrela e chegará ao lugar desejado, considerando com
referência sua própria posição em relação à estrela pela qual está se orientando.
Em região distinta, Oliveira Júnior (2003) descreve a prática de orientação
espacial aplicada por pescadores do estado do Ceará:
Mirando o céu e o brilho das estrelas, os pescadores traçam o caminho da
terra. O olhar atento persegue o Cruzeiro do Sul, enquanto o movimento dos
ventos é cuidadosamente observado durante todo o percurso. Controlando o
leme e tentando manter a vela sempre na mesma posição, percebem quando
as forças eólicas mudam de direção e impulsionam a embarcação para longe
de sua rota (OLIVEIRA JÚNIOR, 2003, p. 91).
As orientações pelos astros se ampliam para outros domínios além da
navegação noturna. Nesta ótica, Barros (2004) descreve como as populações indígenas
da tribo Tembé-Tenetehara na Amazônia observam o comportamento dos astros:
As constelações, compostas por grupos de estrelas e/ou partes claras escuras
da Via-Láctea, em geral, representam figuras da fauna que está relacionada a
cada ciclo sazonal. Os fenômenos celestes passam, assim, a estarem
associados às atividades cotidianas, sendo perpetuados por meio de
transmissão oral, mitologia, incorporando-se às tradições dos TembéTenetehara. Assim, seria possível saber qual o melhor período de plantio ou
de colheita, assim como para as festividades de iniciação dos jovens e
cerimoniais religiosos (BARROS, 2004, p. 12).
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Os fenômenos físicos e outros comportamentos da natureza constituem-se na
base de conhecimentos entre os índios Desâna no alto rio Negro, no Estado do
Amazonas. Segundo Ribeiro (1991, p. 94), pelo modo de entender desses índios, as
constelações determinam a intermitência de períodos de chuvas e estiagens. A
derrubada e queima das roças, as piracemas, a periodicidade da subida de cardumes e as
safras de certos frutos associam-se estritamente a essas mudanças climáticas.
Nas idas e vindas em embarcações à vela, e, portanto propulsionada à força
eólica, é indispensável aos pescadores um bom grau de familiaridade com esse
fenômeno, o qual determinará inclusive a maior ou menor intensidade de trabalho
pesqueiro ao longo do ciclo anual, pois:
Os pescadores sabem precisar com relativa precisão a direção dos ventos.
Consideram durante o ano mais propícios aos ventos “leste” e “nordeste”,
chamados assim pelos pescadores ou também pelo termo largo (“o largo está
soprando”). Em seguida, os ventos “sul” ou “suleste” também chamado “o
terral”. Os mais “desconfortáveis” e por eles temidos são os ventos
“noroeste”, “norte” e “sudoeste” (MENDES-CHAVES, 1975, p. 18)
A observação cuidadosa dos astros, dos fenômenos físicos e do comportamento
dos peixes faz parte de uma maneira de se relacionar com a natureza que é própria de
determinadas populações. Dessa maneira, a destreza com a natureza permite ao
pescador identificar os cardumes, assim exemplifica Furtado:
O ronco do peixe é outro fato curioso que só quem vive num cotidiano íntimo
pode reconhecer o ruído, entre outros que se podem ouvir, quando se está
num lago, rio ou igarapé. Certos peixes fazem ruídos característicos quando
vêm à superfície, para buscar oxigênio ou para pegar alimentos (frutos,
insetos, folhas). O som característico que produzem nessa hora alerta o
pescador para a existência de grande ou pequena quantidade de peixe e/ou
dos que o acompanham. (FURTADO, 1993, p . 211).
De modo semelhante aos pescadores da Amazônia, também os da Lagoa do
Piató, no Rio Grande do Norte, identificam os peixes quando se encontram em cardume.
Segundo o pescador José Lucas:
... a sardinha tem um cheiro de melancia verde. Quando você corta uma
melancia verde, ela tem aquele cheirinho. Quando você põe os olhos dentro
d’água e sente aquele cheiro de melancia verde, já sabe que ali tem sardinha.
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Além da audição apurada para identificar sons provenientes de peixes, os
pescadores da Lagoa do Piató se valem de outro sentido, desta vez, o olfato. Somente a
experiência adquirida ao longo da vida possibilita aos pescadores uma intervenção dessa
natureza. A busca de respostas aos problemas propostos pelas circunstâncias do dia-adia envolve estratégias que são construídas em consonância com a cultura dessas
populações. Para a filósofa e matemática portuguesa Teresa Vergani:
A cultura é a expressão temporal
sobre o mundo. O homem não
capacidades cognitivas, mas
sensibilidade, do seu sentido
(VERGANI, 1995, p. 24)
de um ponto de vista singular e irredutível
vive só do seu pensamento ou das suas
também do desenvolvimento da sua
crítico, das suas faculdades criativas
Tais considerações de Vergani contribuem para melhor compreendermos a
pesca como uma atividade altamente criativa que propicia um saber, um manejo do
homem em relação à natureza, permeado por suas práticas cotidianas.
Considerações finais
A pesca é um eterno aprendizado. O mundo que rodeia os pescadores é
composto de elementos de ordens diversas. Os saberes da tradição, que são acúmulos de
experiências vividas condensadas com outras tantas que se apresentam no cotidiano
dessas populações, representam maneiras de se relacionar e de interpretar a natureza,
num processo educativo calcado pela observação e pelos ensinamentos de gerações
mais experientes. Assim, os jovens pescadores recém ingressados na atividade têm um
amplo caminho a desbravar, seja no campo produtivo da pesca quanto na sua própria
vida cotidiana.
Trata-se de uma educação não formal que Maria da Glória Gohn (1999) aborda
enquanto uma...
...forma de ensino/aprendizagem adquirida ao longo da vida dos cidadãos;
pela leitura, interpretação e assimilação dos fatos, eventos e acontecimentos
que os indivíduos fazem, de forma isolada ou em contato com grupos e
organizações. (GOHN,1999, p. 98)
Todos os modelos de pensar e produzir conhecimento podem e devem ser
utilizados pela educação formal, escolar. A abordagem dos saberes da tradição em sala
de aula, além de promover e valorizar conhecimentos das variadas culturas envolvidas
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no processo educativo, resgata a importância de saberes seculares, que muitas vezes são
eles que dão suporte para o desenvolvimento do conhecimento científico. O
compromisso com a educação deve ultrapassar as fronteiras políticas, sociais, culturais e
econômicas, trata-se de uma questão do cotidiano e de nosso futuro que envolve
relações mais amplas no contexto global da sociedade, pois:
A educação encontra-se no âmago de todas as estratégias de construção do
futuro. Trata-se de uma questão mundial, um dos desafios mais importantes
do terceiro milênio. Um processo primordial de sobrevivência, adaptação e
evolução da espécie humana que o homem deverá conduzir no respeito pelas
diversidades e liberdades (ROSNAY, 1997, p, 354).
Em sintonia com as assertivas de Rosnay, o papel social da educação é frisado
por Morin que ressalta a importância para a vida, pois:
O ensino tem de deixar de ser apenas uma função, uma especialização, uma
profissão e voltar a se tornar uma tarefa política por excelência, uma missão
de transmissão de estratégias para a vida. A transmissão necessita,
evidentemente, da competência, mas, além disso, requer uma técnica e uma
arte (MORIN et al, 2003).
Este autor refere-se ao compromisso de cada um de nós na era planetária. O
processo educativo escolar deve ultrapassar a mera mecanicidade de repasse de
conhecimentos. A técnica e arte a que se refere Morin, podem muito bem ser expressas
pelos conhecimentos locais, aplicados no âmbito escolar, num universo de saberes que
podem proporcionar melhor compreensão e consequentemente maior compromisso com
o mundo que nos rodeia. Assumir e adotar os saberes da tradição como estratégia de
conhecimento em sala de aula, introduz outros elementos que podem contribuir no
processo de ensino aprendizagem, assim como pode ampliar o conceito de educação.
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Recebido para publicação em março de 2011
Aprovado para publicação em março de 2011
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