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Edificações

2021

The objective of this study is to describe the principle transformations in the construction of buildings sector in Brazil that resulted from the growth cycle and internationalization that occurred in the second half of the 2000s. The focus, above all, will be on the productivity gains. Studies on this sector tend to highlight financing conditions regarding production and investment, the availability of new technologies and organizational techniques as conditions to the productivity gains. It was observed that the aggregate productivity gains in the sector during the growth cycle in the 2000s did not reach the levels expected. The aforementioned preconditions were given. It is argued that the most general conditions of accumulation at the time of globalization did not favor the productivity gains in the construction of buildings sector. Specifically, the relative distrust in relation to the continuity of demand conditions, the prevalence of Real Estate capital (internationalized) in the logic of sector accumulation and the negligence of the urban land issue are the principle motives for the delay in investment to modernize the sector.

UN ICAMP BEATRIZ FREIRE BERTASSO EDIFICACOES: IMPASSES DA MODERNIZACAO NO CICLO DE CRESCIMENTO DOS ANOS 2000 CAMPINAS, 2012 i iii B461e Bertasso, Beatriz Freire, 1969FICHAimpasses CATALOGRÁFICA ELABORADA Edificações: da modernização no ciclo dePOR crescimento dosMaria anos 2000 / BeatrizBuoro Freire Bertasso. Campinas, SP: [s.n.], Teodora Albertini– – CRB8/2142 – 2012.CEDOC/INSTITUTO DE ECONOMIA DA UNICAMP Orientador: Célio Hiratuka. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia. 1. Edificações. 2. Incorporação imobiliária. 3. Internacionalização. 4. Industrialização. I. Hiratuka, Célio, 1970-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. III. Título. 12-046-BIE Informações para Biblioteca Digital Título em Inglês: The construction of buildings sector: the barriers to modernization during the growth cycle in the 2000s Palavras-chave em inglês: Buildings sector Real estate Internacionalization Industrialization Área de Concentração: Teoria Econômica Titulação: Doutora em Ciências Econômicas Banca examinadora: Célio Hiratuka Claudio Schuller Maciel Fernando Sarti Márcia Maria de Oliveira Bezerra Rodrigo Coelho Sabbatini Data da defesa: 30-07-2012 Programa de Pós-Graduação: Ciências Econômicas iv v Agradecimentos Ao prof. Célio Hiratuka agradeço fortemente a orientação deste trabalho. O incentivo à investigação, as leituras cuidadosas e as discussões que as seguiram foram fundamentais para que a Tese chegasse a termo. Aos professores Fernando Sarti e Simone Deos pelos preciosos comentários na qualificação do estudo. Aos professores Márcia Maria Bezerra, Rodrigo Sabbatini, Claudio Maciel e Fernando Sarti o agradecimento pelas possibilidades abertas no desfecho desta etapa da minha formação. Agradeço imensamente ao NEIT ─ instituição que permitiu o resgate do espírito investigativo que por vezes esmaece na pesquisa solitária. Fernando, Célio, Rodrigo, Adriana, Marcos, Dani e Zeca foram colegas que se tornaram referência profissional e pessoal ─ são amigos. Carol, Samantha e Marcelo são queridos e atenciosos companheiros que fazem tudo se tornar mais fácil. À FACAMP agradeço não apenas pelo apoio à consecução deste trabalho, mas à oportunidade de, à certa altura da vida, me tornar professora. Foi a partir do olhar encantado de alguns alunos que voltei às perguntas que deixei de fazer quando graduanda e que encontrei sentido no ato rotineiro do trabalho. Este caminho só foi trilhado, por outro lado, pela profunda admiração pelos meus mestres. Poderia citar inúmeros, mas aqueles que ―se sentaram ao meu lado‖ merecem menção particular: Maria Carolina Souza, Mônica Baer e Rodolfo Hoffmann têm a minha gratidão e admiração eterna. À CAPES, que mais uma vez, viabilizou a minha formação. Aos professores da pós-graduação do IE, e em particular aos professores João Manuel Cardoso de Mello, Júlio Gomes de Almeida e Luiz Gonzaga Belluzzo, o agradecimento pelas respostas das perguntas há muito carregadas. Aos funcionários do IE, o meu carinho pelo apoio permanente. À amiga Carla e aos pactos que firmamos ao longo do caminho... Aos meus amados Dado, Cida, Nelson e Rafa – de onde vim e para onde vou... Obrigada! vii Resumo Este estudo tem como objetivo retratar as principais transformações do setor de Edificações brasileiro decorrentes do ciclo de crescimento e internacionalização da segunda metade dos anos 2000, focando, sobretudo, os ganhos de produtividade. Estudos setoriais tendem a destacar as condições de financiamento à produção e ao investimento, a disponibilidade de novas tecnologias e de técnicas organizacionais como condição àqueles ganhos. Observou-se que não houve, como esperado, ganhos importantes da produtividade agregada do segmento no ciclo de crescimento dos anos 2000, em que aquelas précondições estariam dadas. Argumenta-se que as condições mais gerais de acumulação no período da globalização não favoreceriam os ganhos de produtividade nas Edificações. De forma mais específica, a relativa desconfiança em relação à continuidade das condições de demanda, a prevalência do capital imobiliário (internacionalizado) na lógica de acumulação do setor e o não tratamento da questão fundiária urbana seriam os principais motivos do adiamento do investimento modernizante no segmento. Palavras-chave: Edificações, Incorporação Imobiliária, Internacionalização, Industrialização. ix Abstract The objective of this study is to describe the principle transformations in the construction of buildings sector in Brazil that resulted from the growth cycle and internationalization that occurred in the second half of the 2000s. The focus, above all, will be on the productivity gains. Studies on this sector tend to highlight financing conditions regarding production and investment, the availability of new technologies and organizational techniques as conditions to the productivity gains. It was observed that the aggregate productivity gains in the sector during the growth cycle in the 2000s did not reach the levels expected. The aforementioned pre-conditions were given. It is argued that the most general conditions of accumulation at the time of globalization did not favor the productivity gains in the construction of buildings sector. Specifically, the relative distrust in relation to the continuity of demand conditions, the prevalence of Real Estate capital (internationalized) in the logic of sector accumulation and the negligence of the urban land issue are the principle motives for the delay in investment to modernize the sector. Keywords: Buildings Sector, Real Estate, Internacionalization, Industrialization xi Lista de Abreviaturas BNH…………………………………………………………………………..…..Banco Nacional da Habitação CDI………………………………………………………………………Certificado de Depósito Interbancário CEF…………………………………………..………………………………………..Caixa Econômica Federal CNAE…...…………………………………..………………Classificação Nacional de Atividades Econômicas COHAB………….……………….................................................................................Companhia de Habitação CPC……………………………………...…..…………………………………...Central Product Classification CRI……………………………………………………………………..Certificados de Recebíveis Imobiliários FATS …………………………………………………………………………….…Foreign Affiliates Statistics FCVS……………………………………………………….…. Fundo de Compensação de Variações Salariais FGTS………………………………………………………………....Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FIPE……………………………………………………………....Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas IDE…………………………………………………………………………..…..Investimento direto estrangeiro IFC……………………………………………………………………………International Finance Corporation ILO……………………………………………...……………………………..……International Labour Office ISIC……………………………..…International Standard Industrial Classification of All Economic Activities MSITS……………………………….…………………Manual on Statistics of International Trade in Services MTE……………………………….………………..……………….…..…..Ministério do Trabalho e Emprego OCDE…………………………………………..Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONU………………………………………..……………………………...…..Organização das Nações Unidas PAIC………………………………………….……………………Pesquisa Anual da Indústria da Construção RAIS……………………………………………………….……………Relação Anual de Informações Sociais SCN…………………………………..……………………………………………Sistema de Contas Nacionais SFH……………………………………………………………………………Sistema Financeiro da Habitação SFI……………………………………………………………..……………Sistema Financianceiro Imobiliário SNA…………………………………………………………………………….…System of National Accounts SINAPI………………………………...Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil SPE………………………………………………………………………..…Sociedade de Propósito Específico UN………………………………………………………………………….…………………….United Nations UNCTAD……………………………………………...United Nations Conference on Trade and Development UNDESASD…………………United Nations Department of Economic and Social Affairs Statistics Division UNECE…………………………………………………..…United Nations Economic Commission for Europe VGV……………………………………………………………………………………...Valor Geral de Vendas Lista de Tabelas Tabela 1. Número estimado e taxa de crescimento do número de domicílios em determinadas regiões ......... 36 Tabela 2. Exportações Mundiais de serviços da Construção (US$ bilhões e %) ............................................ 64 Tabela 3. Evolução dos financiamentos habitacionais concedidos – Brasil 1964/84...................................... 97 Tabela 4. Proporção (%) de Planos Diretores segundo tipos de estudos específicos realizados .................... 112 xiii Tabela 5. Influxos de Investimento Direto Estrangeiro no segmento de Construção de edifícios — 2001a 2009 (US$ milhões) .......................................................................................................................................... 126 Tabela 6. Investimento Estrangeiro Direto1 e Renda de investimento direto — lucros e dividendos remetidos. 2006 a 2011, em US$ milhões................................................................................................................... 128 Tabela 7. Variação dos preços medianos (R$) de materiais e serviços da Construção no Estado de São Paulo. Média do período em relação à média do mesmo período do ano anterior. 2007 a 2011. Em % .................. 143 Tabela 8. Proporção (%) das remunerações dos fatores de produção no Valor Agregado da Construção. 2000 a 2009. ........................................................................................................................................................ 147 Tabela 9. Estrutura de emprego formal e rendimento médio (R$) em empresas incorporadoras e construtoras no ano de 2009. ........................................................................................................................................ 158 Tabela 10. Número de empresas formalmente estabelecidas no setor de Construção de Edifícios, por tamanho, com ao menos um empregado. 2006 e 2010. ............................................................................................. 160 Tabela 11. Valor total das obras e/ou serviços do setor de edificações, das empresas com 30 ou mais ocupados, por tipo de obra ou serviço (R$ milhões de 2009*). 2003 a 2007. .............................................. 165 Tabela 12. Valor total das obras e/ou serviços de Incorporação e de produtos do setor de Construção de Edifícios, das empresas com 30 ou mais ocupados (R$ milhões de 2009*). 2007 a 2009. ........................... 166 Tabela 13. Valor Adicionado, Gastos com Pessoal e Excedente Operacional Bruto da divisão Construção de Edifícios e seus grupos (R$ milhões de 2009*). 2007 a 2009. .................................................................... 167 Tabela 14. Estrutura de Custos do grupo Construção de Edifícios (empresas Construtoras e de Incorporação Imobiliária). 2007 a 2009. ......................................................................................................................... 169 Tabela 15. Proporção (%) das faixas salariais (medidas em Salários Mínimos) na massa salarial do segmento formal de Construção de Edifícios. 2006 e 2010. ....................................................................................... 170 Tabela 16. Estrutura dos investimentos brutos e líquidos das empresas da divisão Construção de Edifícios segundo a variação do ativo imobilizado. 2007 a 2009. ............................................................................. 172 Tabela 17. Empresas da Construção, segundo a posição entre as 1000 maiores empresas brasileiras em 2010. ................................................................................................................................................................ 182 Tabela 18. Variação anual nominal do Ibovespa e do Imob em dólares (final de período). 2001 a 2011. ..... 184 Tabela 19. Empresas da Construção, listadas na BM&FBOVESPA ........................................................... 196 Tabela 20. Composição acionária (para participações de 5% ou mais no total de ações ordinárias) das empresas da Construção, com atuação na Edificação Residencial, listadas na BM&FBovespa. Setembro de 2011. ........................................................................................................................................................ 203 Tabela 21. Investimentos ―de Portfólio‖ da PDG e suas principais características. 2007. ............................ 219 Lista de Figuras Figura 1. Distribuição do produto e do emprego da construção mundial, em 1998. ....................................... 31 Figura 2 Esquema das formas de obtenção de lucros na construção civil ...................................................... 43 Lista de Gráficos Gráfico 1. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura da França (1971:100; 1971–2008) .............................................................................................................................. 26 Gráfico 2. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura do Reino Unido (1971:100; 1971–2008) .................................................................................................................... 26 Gráfico 3. Produtividade do na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura dos Japão (1970:100; 1970–2008) .............................................................................................................................. 27 Gráfico 4. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura dos EUA (1977:100; 1977–2008) .............................................................................................................................. 27 xiv Gráfico 5. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura da Espanha (1980:100; 1980–2008) .............................................................................................................................. 28 Gráfico 6. Evolução do custo do trabalho na Construção em relação ao observado na Indústria de Transformação. 1980 a 2008. ...................................................................................................................... 29 Gráfico 7. Valor adicionado pela construção em economias desenvolvidas e em desenvolvimento (valores correntes). Número índice. 1980 a 2008. ..................................................................................................... 62 Gráfico 8. Exportação de serviços em geral e de serviços da Construção (valores constantes). Número índice. 1980 a 2009. ............................................................................................................................................... 63 Gráfico 9. Fluxos de IDE dos Países da OCDE no setor da Construção (US$ milhões). 1990 a 2009. ........... 65 Gráfico 10. Estoque líquido de investimentos da OCDE, no setor da Construção, no resto do mundo (valores correntes). 1990 a 2008............................................................................................................................... 66 Gráfico 11. Número de países-membro da OCDE com afluxo negativo de IDEs. 1990 a 2008. .................... 66 Gráfico 12. Unidades financiadas pelo SFH – 1970 a 2006. ....................................................................... 109 Gráfico 13. Unidades financiadas pelo FGTS – 1995 a 2010...................................................................... 115 Gráfico 14. Proporção de imóveis novos nas unidades financiadas pelo FGTS – 1995 a 2010. ................... 116 Gráfico 15. Taxa de crescimento real da Construção no Brasil e na França. 1950-1990. ............................. 119 Gráfico 16. Participação (%) dos BRIC na importação mundial de serviços da Construção. 2000 a 2010. ... 130 Gráfico 17. Proporção (%) das pequenas e grandes empresas no setor da Construção formal. Brasil, 1985 a 2010. ........................................................................................................................................................ 132 Gráfico 18. Proporção (%) do emprego gerado pelas pequenas e grandes empresas no setor da Construção formal. Brasil, 1985 a 2010. ...................................................................................................................... 132 Gráfico 19. Proporção (%) do emprego formal, na Construção, na Indústria de Transformação e no conjunto de atividades econômicas, segundo e o Grau de Instrução. Brasil, 1985 e 2010. ......................................... 134 Gráfico 20. Proporção (%) de empregados (formais) na Construção, na Indústria de Transformação e no conjunto de atividades econômicas, segundo a faixa etária. Brasil, 1985 e 2010. ........................................ 136 Gráfico 21. Salário dos trabalhadores da Construção, em relação à remuneração analfabetos. Brasil, 1985 e 2010. ........................................................................................................................................................ 137 Gráfico 22. Valor Adicionado da Construção Civil. Média móvel (4 trimestres) da série encadeada do índice trimestral (Base: média 1995 = 100). IV/1995 a IV/2011. .......................................................................... 138 Gráfico 23. Investimento Público – Formação Bruta de Capital Fixo como proporção do PIB. 1995 a 2009. ................................................................................................................................................................ 139 Gráfico 24. Produção física de insumos típicos da construção civil. 2000 a 2011. ...................................... 140 Gráfico 25. Relação entre o custo médio (R$) do componente mão de obra (SINAPI) e o salário mínimo nominal brasileiro (R$). Abril/2006 a Janeiro/2012. .................................................................................. 141 Gráfico 26. Proporção (%) de empregados (formais) na Construção e na Indústria de Transformação, segundo o tempo no emprego. Brasil, 1985 e 2010. ................................................................................................. 144 Gráfico 27. Índices SINAPI (Estado de São Paulo) e Fipe Zap (cidade de São Paulo) –custos da construção e valorização imobiliária. Fev/2008 a mar/2012 (fev/2008:100) ................................................................... 146 Gráfico 28. Massa de rendimentos brutos da Construção (R$ milhões de 2009*), de 2000 a 2009. ............. 148 Gráfico 29. Produção física de bens de capital para a Construção. jan/2000 a dez/2011. ............................. 150 Gráfico 30. Produtividade na Construção. 2000 a 2009 (R$ de 2009*)....................................................... 151 Gráfico 31. Contribuição (%) das empresas, por número de ocupados, ao crescimento do valor adicionado pela construção de edifícios e obras de engenharia civil (empresas com 5 ou mais ocupados). 2003 a 2007. 161 Gráfico 32. Contribuição (%) das empresas (com 5 ou mais ocupados), por número de ocupados, ao crescimento do valor adicionado do grupo ―Construção de Edifícios‖, segundo o tamanho. 2008 e 2009. ... 162 Gráfico 33. Proporção de recursos estrangeiros nas Ofertas Públicas de Ações – BMF&Bovespa. .............. 198 xv Lista de Quadros Quadro 1. A Construção e as Atividades Imobiliárias segundo a ISIC Rev.3.1 e a CNAE 1.0 ....................... 48 Quadro 2. A Construção e as Atividades Imobiliárias segundo a ISIC Rev.4 e a CNAE 2.0 .......................... 49 Quadro 3. Ofertas Públicas de Ações – BMF&Bovespa. ............................................................................ 176 Quadro 4. Estratégias para o crescimento das empresas da Construção, segundo os Prospectos de Oferta Pública de Ações Primárias e Secundárias definitivos. Empresas selecionadas. .......................................... 223 xvi Sumário Introdução.......................................................................................................................... 1 Capítulo 1. A Edificação no período da globalização .......................................................... 5 1.1.Edificações e Industrialização da Construção ...................................................................................................................................... 6 1.1.1. O período da globalização e o padrão de valorização do capital em escala internacional............................................................................................................... 7 1.1.2. Valorização do capital no segmento de Edificações e a industrialização da construção................................................................................................................ 16 1.1.3. Edificação residencial, mudança do papel do Estado e dos padrões de financiamento........................................................................................................... 31 1.2. O segmento de Edificação e suas transformações................................................... 38 1.2.1. Caracterização geral........................................................................................ 39 1.2.2. Internacionalização da Construção .................................................................. 53 1.2.2.1. Formas de internacionalização e barreiras ao capital internacional de edificações ............................................................................................................... 57 1.2.2.2. A internacionalização, segundo os dados agregados ..................................... 61 1.2.2.3. O capital promotor da internacionalização ................................................... 67 1.3. Considerações finais .............................................................................................. 71 Capítulo 2. Industrialização da Construção e demanda habitacional no Brasil .................. 75 2.1. Industrialização da construção no Brasil ................................................................ 76 2.2. A habitação no Brasil e as pré-condições da retomada de negócios nos anos 2000 . 91 2.3. Considerações finais ............................................................................................ 117 Capítulo 3. Edificações no Brasil - Estrutura e desempenho nos anos 2000 .................... 123 3.1. O capital que aportou no Brasil............................................................................ 124 3.2. A Construção – estrutura e desempenho .............................................................. 130 3.3. Edificações – estrutura e desempenho .................................................................. 152 3.4. As Incorporadoras com ações negociadas em Bolsa ............................................. 174 3.4.1. Conjuntura, consolidação e produtos do ciclo de expansão............................ 175 3.4.2. A composição do capital ............................................................................... 195 3.4.3. Estratégias declaradas e a ―modernização‖ .................................................... 210 3.4.3.1. Histórico e vantagens competitivas ........................................................ 211 3.4.3.2. Estratégias de crescimento ..................................................................... 221 3.5. Considerações finais ............................................................................................ 225 Capítulo 4. Considerações Finais ................................................................................... 233 Referências Bibliográficas ............................................................................................. 239 Anexo ............................................................................................................................ 251 xvii Introdução A Edificação é um segmento da Construção Civil, que também abrange a Construção Pesada. Este estudo busca analisar as transformações ocorridas na Edificação brasileira, incluindo o segmento imobiliário, no ciclo de crescimento e internacionalização ocorrido na segunda metade dos anos 2000. Mais especificamente, busca-se avaliar o potencial de ganhos produtivos que este ciclo pode produzir, tendo como referência o processo que se convencionou chamar industrialização da construção − um processo de racionalização do segmento que se deu na reconstrução europeia do pós-guerra, no período conhecido por ―era keynesiana‖, que teria aproximado a organização da atividade construtiva à da produção industrial, controlando melhor os custos, gerando importantes ganhos de produtividade ao setor. Trata-se assim da avaliação dos possíveis ganhos de eficiência setoriais e não dos ganhos de produtividade das unidades produtivas individuais. Nas avaliações setoriais, o recente ciclo de crescimento das atividades do segmento conteria os elementos essenciais para a modernização do segmento no Brasil: um grande volume de demanda habitacional de baixa renda, que exigiria escala de produção, um farto volume de financiamento à produção e ao investimento, com importante participação de estrangeiros, pretensos portadores de tecnologia e modelos de gestão modernos. Buscou-se então, a partir de políticas setoriais, adequar as condições de oferta para que esta conjuntura possibilitasse a industrialização da construção local: promover a qualificação da mão de obra, a normalização de materiais, a redução de tributos, a inovação. Este estudo, ao invés de avaliar as tradicionais ―condicionantes do lado da oferta‖, privilegia a análise das condições mais gerais que levariam a ações microeconômicas em direção à industrialização, gerando os resultados agregados esperados a partir do estabelecimento de elos mais próximos entre os agentes da cadeia produtiva e entre as grandes e pequenas unidades produtivas, de forma que os ganhos de eficiência das empresas mais dinâmicas do segmeto estivessem associados ao salto qualitativo do fornecimento de insumos e de serviços. A hipótese assumida é que tais condições não estariam postas no período da globalização, em geral, e nas condições específicas de desenvolvimento do mercado imobiliário brasileiro. 1 O avanço da análise em direção ao segmento imobiliário se dá porque a maior ou menor disposição/possibilidade do empresário da Edificação em modernizar a atividade construtiva está intimamente ligada à relação, mediada pelo Estado, entre a Edificação, em sentido estrito, e o negócio imobiliário, e notou-se que essa relação foi fortemente afetada na passagem da era keynesiana ao período da globalização. A problemática do investimento na Edificação é bastante particular. Em primeiro lugar, os investimentos modernizantes podem concorrer em termos de recursos com a aquisição de ―terrenos urbanizados‖, uma parcela incontrolável e imprescindível das despesas da Edificação. Em termos capitalistas, o ―terreno‖ viabiliza um empreendimento imobiliário e, dependendo ―das condições de mercado‖, potencializa ganhos ao capital que superam o lucro operacional (geram lucro imobiliário). Assim o ―terreno‖ é ao mesmo tempo uma parcela não controlável dos custos (que pode anular eventuais ganhos com a modernização) e uma fonte de lucros extra-operacionais da Edificação, sendo um gasto prioritário aos empresários do segmento. Em segundo lugar, o longo tempo de produção e o alto valor unitário do imóvel também problematizam o investimento nas Edificações por tornar o segmento muito vulnerável às reversões cíclicas de forma geral, e ao ciclo de crédito à produção e comercialização, em específico. Produtores podem começar suas obras em um ambiente de crescimento econômico e terminar em conjuntura de crise, vendo suas expectativas de vendas frustradas, o que também os faz resistir, temer fortemente, à imobilização de capital em investimentos modernizantes. Desta forma, mercados que apresentam forte instabilidade econômica/creditícia e importante oscilação de preços dos ativos imobiliários não ensejariam investimentos no segmento em volume e extensão necessária a que se desencadeasse a industrialização da construção. No pós-guerra europeu, as condições de formação dos preços dos terrenos urbanos foram ―controladas‖ com o uso da função social da terra e com a promoção de infraestrutura urbana pelos Estados, assim como os preços dos imóveis, sobretudo residenciais, eram relativamente estáveis devido ao fluxo continuado de produção e comercialização com base na demanda estatal de habitações de interesse social e no crédito intermediado, regulado, para as famílias de classes intermediárias de renda. O controle do movimento internacional de capitais fazia desse um mercado estritamente nacional, subordinando o avanço do financiamento às condições e regras locais. 2 A contenção dos preços dos terrenos trouxe previsibilidade aos custos de produção da Edificação e a estabilidade dos ganhos ―imobiliários‖ reforçou a importância do lucro operacional, incentivando o investimento modernizante, numa conjuntura de baixa oferta de mão de obra. O cenário de crescimento econômico persistente corroborou aquelas condições e então se deu a industrialização da construção. Essas condições não se colocariam mais no período da globalização. Os ciclos econômicos se tornaram mais curtos e acentuados a partir da dissolução da ordem internacional estabelecida em Bretton Woods. A liberalização financeira favoreceu um crescente movimento internacional de capitais, que inclusive passou a explorar os ciclos imobiliários nacionais, acentuando-os e abreviando-os, favorecendo escaladas de preços que carregariam consigo a própria reversão cíclica, já que a alta dos preços dos imóveis limitaria a faixa da população apta a adquiri-los. A política habitacional, inclusive no aspecto creditício, mudou de natureza. O investimento modernizante voltou a ser muito arriscado no segmento, ao mesmo tempo em que os ganhos com a possível redução de custos nas obras ficaram diminutos frente ao lucro imobiliário potencial. Para empreender a análise partiu-se então da observação das condições históricas da industrialização da construção europeia, e do atual modus operandi do segmento nas economias Industrializadas. Questionou-se se as condições para a industrialização da construção ainda estariam postas no período da globalização. Só então observou-se o debate e a prática da modernização do segmento no Brasil e os impactos do ciclo recente sobre a sua estrutura. Dentro desta perspectiva, o estudo compreende três capítulos e uma seção com considerações finais. No primeiro capítulo é descrito o setor da Construção em geral, e o segmento da Edificação, em específico, contextualizado na transição do Regime keynesiano ao da globalização, destacando suas mudanças fundamentais e as novas bases de internacionalização do capital. No segundo capítulo, explora-se, para período semelhante, as condições de demanda habitacional no Brasil e a sua relação com a Industrialização da Construção local. No terceiro capítulo, a fim de verificar a hipótese do estudo, avaliam-se as mudanças estruturais ocorridas no período recente, no mercado brasileiro, e a potencialidade de transformação produtiva que carregaram. As Considerações Finais se atêm às conclusões mais gerais do trabalho. 3 Constatou-se que, do ponto de vista acima apontado, abstraindo-se as condições de oferta mais estritas, os condicionantes europeus à industrialização da construção nunca teriam se colocado no Brasil. A instabilidade típica de economias periféricas e a ―não intervenção‖ do Estado brasileiro sobre a formação do preço da propriedade imobiliária seriam, por si só, fortes empecilhos àquele movimento; o que se manifesta nas décadas de 1970 e de 2000, ainda que de formas diferentes. É importante ressaltar que a unidade de análise explorada é o setor − todas as referências a produtores ou investidores em específico são para marcar o comportamento típico observado, e não uma proposta de análise microeconômica. Também salienta-se a grande dificuldade de destacar o comportamento específico do segmento de Edificações do da Construção, seja nas estatísticas, seja em parte significativa das referências bibliográficas − o que levou, em alguns momentos, à generalização do comportamento do setor como um todo (a Construção) ao seu segmento (a Edificação). 4 Capítulo 1. A Edificação no período da globalização O objetivo último deste estudo é avaliar as transformações ocorridas no segmento produtor de Edificações brasileiro decorrente da aceleração do nível de atividade e do novo padrão de negócios trazido por estrangeiros para o mercado local, com ênfase nas transformações produtivas. Para tanto, julga-se necessária a compreensão mais geral do atual padrão de acumulação da parcela ―globalizada‖ do segmento – objeto do presente capítulo. Para vários agentes, a entrada de capital estrangeiro no segmento de Edificações brasileiro, e mesmo a disciplina exigida pelo mercado de capitais às empresas locais, potencializaria uma revolução no modo de produzir no Brasil. A referência de modernização produtiva foi recorrentemente a “industrialização da construção”, um processo de incorporação de métodos de produção padronizados, típicos da indústria, que se deu na reconstrução europeia do pós-guerra, ―onde os países destruídos pela guerra exigiram uma produção em larga escala e com um ritmo acelerado‖ ( BANHAM, R. apud CAETANO, 2001), que teria garantido ganhos importantes de produtividade. Tal situação seria semelhante à que se verificaria no Brasil, ao enfrentar a questão do grande déficit habitacional e de infraestrutura, acumulados ao longo de 25 anos de baixo crescimento entre as décadas de 1980 e a de 2000. O intuito do capítulo é reproduzir, em grandes linhas, o ambiente em que se deu a industrialização da construção europeia e contrastá-lo com o padrão atual de negócios da Edificação, indagando se o capital internacional que estaria aportando no Brasil seria, de fato, portador da modernização produtiva que em geral lhe atribuem. Com este objetivo, o capítulo foi organizado em três subseções. A primeira procura recuperar os aspectos mais gerais da transição do regime de Bretton Woods, em que se deu a industrialização da construção, para o atual, vulgarmente apresentado como ―globalização‖, dando especial atenção às mudanças de padrão de internacionalização do capital; assim como articular este quadro ao de acumulação específica do segmento de Edificação ─ quando se enfatiza a Edificação residencial, que seria a parcela mais afeita à baixa produtividade e à informalidade, rebaixando a produtividade do setor como um todo. A segunda subseção procura caracterizar de forma mais detalhada o setor da Construção e 5 sua internacionalização (com ênfase no segmento de Edificações), destacando as mudanças ocorridas no processo de globalização, procurando identificar o perfil médio do capital internacionalizado, tanto através de estatísticas agregadas, como pela análise do discurso dos agentes que estariam promovendo esse processo. Na terceira subseção articula-se alguns comentários gerais sobre o tema. Algumas opções tomadas em relação à organização do texto merecem ser explicitadas. Ainda que exija algum esforço de articulação de conhecimento prévio do leitor, a opção de apresentar as características da lógica de acumulação do segmento (tomo 1.1.) antes de expor a sua estrutura (tomo 1.2.), justifica-se por compreender que aquelas seriam fundamentais para explicar as transformações estruturais que ocorreram no segmento analisado. Em relação ao conteúdo, três considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar, julga-se importante salientar que, embora se reconheça a importância do segmento produtor de insumos para as transformações na atividade de edificar, optou-se por observar o setor a partir da demanda do segmento imobiliário, e não o contrário, o que justifica a ausência de um maior detalhamento da indústria de componentes e de serviços para a Construção. Em segundo lugar, considera-se igualmente relevante destacar que, embora a referência do processo de modernização se dirija ao caso europeu, que se deu em condições de demanda concentrada no tempo como a que ocorreria no caso brasileiro, atribui-se ao capital de edificações internacionalizado em geral, e não somente ao europeu, essa função modernizadora. Finalmente, há que se registrar, ainda, a dificuldade de desmembramento de dados e mesmo de referências a respeito da Construção e da Edificação ─ o que levou a que em alguns momentos se recorresse à descrição do setor como um todo para tecer inferências sobre o segmento de interesse. 1.1. Edificações e Industrialização da Construção Acredita-se que ideias como a da transposição das condições da ―industrialização da construção”, um fenômeno historicamente localizado, para a atualidade, assim como da capacidade de capitais estrangeiros carregarem consigo tecnologias e métodos organizacionais em um processo de internacionalização, necessitem de maior investigação. 6 Neste sentido, esta seção procura desvendar as características do padrão de acumulação mais geral vigente, e o específico da Edificação, com especial atenção às condições de demanda habitacional, referência para a industrialização da construção europeia. 1.1.1. O período da globalização e o padrão de valorização do capital em escala internacional Entende-se por globalização, um período da história do capitalismo de forte aprofundamento da internacionalização das economias, com crescente liberalização econômica e progressivo predomínio dos mercados de capitais como fonte de financiamento à produção e ao investimento (sob liderança da economia norte-americana). Este movimento se deu a partir da dissolução do regime precedente, que teria base nos acordos firmados em Bretton Woods, que ficou conhecido por ―anos dourados do crescimento capitalista‖ ou ―era keynesiana‖ a despeito de o arranjo institucional acordado em Bretton Woods ter fugido ao idealizado pelo próprio Keynes, representante Inglês nas negociações que firmaram os pilares da ordem econômica internacional do pós-guerra1. A principal dissonância do arranjo acordado ao idealizado por Keynes foi a adoção do dólar como moeda internacional. Keynes solicitava a adoção de uma moeda internacional que exercesse apenas a função de Unidade de Conta (ativo que possibilitaria estabelecer preços relativos das mercadorias), e não de Reserva de Valor, passível de entesouramento (PRATES e CINTRA, 2008), o que não se deu. Ainda que se tenha adotado a proposição de câmbio fixo, reajustável, sob os cuidados do Fundo Monetário Internacional (FMI), e a possibilidade de imposição de controles cambiais pelas economias nacionais, o que postergou os eventos especulativos que Keynes previa naquela arquitetura, as tensões do sistema começaram a aparecer no final dos anos 1960. Até então se deu um período de forte crescimento conjunto das economias capitalistas. O desenho institucional da nova ordem econômica internacional foi suficiente 1 Segundo Braga e Cintra (2004) a nova ordem monetária internacional, que se estabeleceu em 1944 a partir do papel hegemônico dos EUA fundou-se em 4 pilares: i. regime de cambio fixo, ajustável; ii. o ouro como ativo de reserva internacional (base material que limitava a expansão monetária); i. livre conversibilidade entre as moedas nacionais, garantindo a plena mobilidade de capitais, com possibilidade de exercício de controles dos fluxo de capitais de curto prazo; iv. instituição do FMI e do Banco Mundial para auxiliar no controle dos fluxos e evitar problemas cambiais mais sérios. 7 para estabelecer um ambiente de estabilidade internacional, ―liberando‖ as políticas econômicas do compromisso com o ajuste dos Balanços de Pagamentos, em favor do desenvolvimento, da industrialização e do progresso social (BELLUZZO, 1995, p.12). Os preços macroeconômicos, o câmbio e o juro, puderam, assim, ser arbitrados conforme estratégias de controle da renda e do emprego. Aos Estados coube o papel de estimular o crescimento econômico, prevenir os movimentos cíclicos acentuados, corrigir os desequilíbrios sociais em âmbito nacional (BELLUZZO, 1995, p.12). À economia hegemônica, que resguardou a si o poder de sua moeda e os ganhos de senhoriagem, cabia atuar como regulador das condições de liquidez do sistema econômico internacional, com o Banco Central norte-americano exercendo, inclusive, a função de emprestador de última instância 2, assim como de fonte autônoma de demanda efetiva (BELLUZZO, 1995). A dissolução desse arranjo virtuoso, segundo Belluzzo (1995) decorreria do seu próprio sucesso. A reconstituição do parque produtivo das economias ―parceiras/competidoras‖ (Alemanha e Japão, sobretudo), sob bases técnicas e organizacionais mais eficientes que a existente nos Estados Unidos, se materializou em déficits comerciais recorrentes da economia norte-americana e em um forte acirramento da concorrência intercapitalista. O excesso de liquidez em dólares no mercado internacional despertou desconfiança em relação à paridade-ouro daquela moeda, rompida em 1971, e o dólar passou a flutuar, numa trajetória de desvalorização contínua, desde 1973 (BELLUZZO, 1998). Nesse movimento, fica clara a problematização do dólar como padrão mais geral de medida da riqueza. No contexto de crise do sistema de regulação de Bretton Woods (BELLUZZO, 1995, p.15), foi sendo organizado um circuito financeiro internacionalizado, desregulamentado, reforçado pelos ―petrodólares‖ ─ o euromercado e os paraísos fiscais ─ que gerou, segundo Belluzzo (1998), uma etapa da internacionalização financeira que resultou no primeiro ciclo de endividamento da periferia no pós-guerra (BELLUZZO, 1998, p.103), ainda com base no crédito bancário. Em 1979, com uma forte elevação da taxa de juros, os Estados Unidos reafirmam o poder da sua moeda, detonando uma séria crise de liquidez internacional, implicando nas 2 com auxílio do FMI, segundo Cintra e Prates (2008). 8 importantes crises de Balanços de Pagamentos da Periferia ao longo dos anos 1980 e na reestruturação bancária no Centro. A supremacia do dólar como moeda-reserva se recompôs, em bases financeiras, e o Sistema Financeiro e Bancário norte-americano recuperou sua centralidade, com feições mudadas pela crescente desintermediação bancária (ampliação da securitização). A contraparte destes movimentos foi a ampliação da flutuação das taxas de câmbio e o uso de políticas monetárias para controlá-las, ou seja, a instabilidade internacional volta a impor a sujeição dos preços macroeconômicos ao ajuste dos Balanços de Pagamentos. A liberalização financeira que se seguiu ratificou a globalização financeira, acentuou os ciclos de crédito, ampliou a volatilidade do preço dos ativos, encurtou os ciclos econômicos, enfim, se deu o desmonte do arranjo de Bretton Woods. Os desenvolvimentos posteriores à retomada da hegemonia financeira norteamericana, que fortaleceram a finança direta, teriam levado assim a uma segunda etapa da internacionalização financeira, ou nas palavras de Belluzzo (1995), a uma ―segunda etapa da globalização‖ (p.104), com ―a generalização e a supremacia dos mercados de capitais em substituição à dominância anterior do sistema de crédito comandado pelos bancos‖ (BELLUZZO, 1998, p.104). Os Estados potencializaram a expansão internacional dos capitais, desta maneira, minimizando, no âmbito regulatório, a discriminação do capital quanto a sua origem. Carvalho at alli (2007) assinalam que enquanto a internacionalização anteriormente praticada limitava-se a abrir as economias nacionais à penetração de capitais estrangeiros, no período da globalização haveria o movimento adicional de redução de barreiras de natureza legal e institucional entre elas. Este movimento implicaria na equalização de condições de operação do capital e, com isso, a tendência à unificação de mercados (CARVALHO at alli, 2007, p.298). Esse novo padrão de internacionalização, por outro lado, teria chegado à periferia de forma quase que imperativa. Como colocou Chesnais (1996), o atual padrão de internacionalização, vulgarmente conhecido por globalização, com origem nos anos 197080, seria antes de tudo o resultado da imposição de um modelo liberal, o neoliberalismo, por algumas economias, e o aceite de outras. Este aceite, por outro lado, representou na periferia, ―em todos os países em que as oligarquias agrárias e financeiras nunca foram 9 desenraizadas‖, a ampliação da capacidade dessas oligarquias de centralizar e concentrar o capital (Chesnais, 2005), reafirmando as condições de subdesenvolvimento, em que é possível combinar novas tecnologias e métodos de gerenciamento, ―com as formas de exploração mais retrogradas da força de trabalho e do meio ambiente‖ (Chesnais, 2005, p.22). Nessa realidade, as tensões econômicas internacionais estariam cada vez menos se caracterizando por uma rivalidade ―Norte-Sul‖ e mais por exprimir ―rivalidades entre frações diferentes de um mesmo capital concentrado e internacionalizado‖ (Chesnais, 2005, p.22), como a manifesta nos impasses da OMC em relação aos capitais agroindustriais, por exemplo. O capital, assim, vai se distinguindo cada vez menos por sua nacionalidade, assim como também vai perdendo cada vez mais os vínculos com as suas formas particulares (produtivo/financeiro), já que o mercado de capitais permite a sua ―transmutação‖ de ―formas‖ cada vez mais fácil, na sua busca incessante por gerar mais valor. No campo da internacionalização do capital, desde meados do século XX (no pósguerra, portanto) procurou-se desvendar as diferentes motivações que o levaria para a ―aventura‖ em outras nações, desdobrando a discussão entre a internacionalização do capital líquido, os investimentos ―de portfólio‖, e a dos ―capitais produtivos‖, associada à expansão da grande empresa transnacional (GONÇALVES, 1991 e 2002). Em grandes linhas, enquanto o capital líquido teria no diferencial de rentabilidade e na diversificação geográfica de riscos seu principal móvel, a internacionalização produtiva se daria em função, sobretudo, do crescimento da firma e do enfrentamento da concorrência. Na ―moderna teoria da internacionalização da produção3‖, o Investimento Estrangeiro Direto (IDE), o Comércio Internacional e as Relações Contratuais, geralmente associadas aos licenciamentos (GONÇALVEs, 2002), seriam formas alternativas de as empresas produtivas exporem a sua mercadoria a não-residentes, configurando o processo de internacionalização. No período da globalização a forma mais comum de praticar IDEs foi a de fusões e aquisições, em detrimento dos investimentos de tipo greenfield – um retrato do intenso 3 Para Gonçalves (2002) a internacionalização da produção ocorreria sempre que residentes tivessem acesso a bens e serviços com origem em não residentes. 10 processo de concorrência no segmento produtivo e da forma patrimonialista que os investimentos assumiram. Esse movimento, segundo Carneiro (2007), estaria associado à centralização de capitais, à interpenetração patrimonial e à ―diversificação da propriedade como leitmotiv principal do IDE‖ no período (p.21) – quando se formaram grandes grupos que passaram a atuar em mais de um segmento econômico. Além disso, quando se tratam de IDEs em direção à periferia, em busca de mercados consumidores (investimentos de tipo market-seeking), a aquisição de ativos produtivos já existentes, em detrimento da construção de novos, poderia significar que o capital entrante não necessariamente carregaria consigo novas tecnologias de produto ou processo, como se lhe preveria (CARNEIRO, 2007). Sarti & Hiratuka (2010), por sua vez, lembram que o IDE com base em fusões e aquisições reforçam ―(…) a importância da capacidade financeira das empresas e as condições de financiamento para o processo de internacionalização‖ (p.5) reforçando a sua dependência dos mercados financeiros. Não por menos Chesnais (1998) assinala que a expansão financeira foi fundamental para o avanço do padrão de internacionalização produtiva que se colocou. Parte importante das Relações Contratuais, por sua vez, estaria relacionada, neste período, a ―novas formas de investimento”, que para Chesnais (1996) caracterizariam formas rentistas de investimento produtivo. Seriam parcerias, joint-ventures, participações minoritárias, em que a grande empresa transnacional apenas disponibilizaria seu ―conhecimento‖, seu ativo intangível, sem necessariamente realizar um aporte de capital, em troca de participação no faturamento ou nos lucros. Esses investimentos, além de gerarem renda, o lucro, mesmo que na forma rentista para o cedente do ativo intangível, não descartam a possibilidade de renegociações contratuais e mesmo a venda futura do ativo e geração de ganhos patrimoniais. Na dimensão financeira, a crescente liberalização dos fluxos de capitais e a permissão para atuação de instituições financeiras estrangeiras nas diferentes praças nacionais teriam conformado o ―sistema financeiro global‖ (SICSÚ, 2006). Chesnais (1998) qualifica tal Sistema como um conjunto de sistemas financeiros nacionais, imperfeitamente interligados, hierarquizado − tendo a praça nova-yorquina no topo da 11 hierarquia4−, sem a existência de instituições supranacionais que regulem ou supervisionem as operações em curso, e cuja unidade, o elemento central de interligação entre as praças, é dada por um pequeno conjunto de operadores financeiros. Nas palavras do autor: […] o efetivo contexto dessa interligação decorre, de maneira concreta, das decisões tomadas e das operações efetuadas pelos gestores das carteiras mais importantes e mais internacionalizadas. […] são os operadores que delimitam os traços da mundialização financeira e que decidem quais os agentes econômicos, de quais países e para quais tipos de transação, que participarão desta. (p. 12-13) É neste sentido que Chesnais (1996) afirma que a globalização seria uma fase específica do processo de internacionalização do capital e de sua valorização, à escala do conjunto das regiões do mundo onde existiriam recursos ou mercados, e só a elas (p.32). Os operadores a que Chesnais (1998) se refere são os gestores dos grandes fundos de pensão e mútuos (Investidores Institucionais), ou tesoureiros de grandes bancos, que movem volumosas massas de capital líquido ―dentro das‖ e ―entre as‖ economias em que visualizam potenciais ganhos. Uma das características deste período, aliás, seria a aceleração dos fluxos internacionais de capital na forma líquida – ou ―quase-líquida‖, seja em títulos de curto prazo, seja de prazo relativamente mais alongado, mas facilmente conversíveis em poder de compra imediato em mercados secundários plenamente desenvolvidos e integrados. O movimento destes capitais, entretanto, estaria longe de ser neutro em relação à esfera real. A título de exemplo, cita-se Belluzzo (1999), que mostra como a alocação desses capitais foi importante para a formação da bolha que precedeu a crise asiática, de 1997: No caso das economias da Ásia era ampla a oferta de ações, projetos imobiliários e industriais que prometiam alta rentabilidade, localizados em economias com programas ambiciosos de modernização urbana e com tradição de elevadas taxas de crescimento e prolongados períodos de expansão econômica. A isso deve-se adicionar a convicção, disseminada entre os investidores e entre agências de avaliação de risco (e confirmada pelas análises dos organismos multilaterais), quanto à sólida situação macroeconômica dos países da região. Essas ‗convenções‘ otimistas exacerbaram o ‗choque de demanda‘ sobre o conjunto de ativos, provocando o surgimento de fenômenos inter-relacionados: 4 posição garantida sobretudo pelo papel central da moeda norte-americana no sistema de pagamentos internacional e dos títulos do Tesouro norte-americano como ativos de reserva internacional. 12 sobreinvestimento nas áreas consideradas mais ‗dinâmicas‘, explosão de preços de ativos de oferta inelástica, sobrevalorização de moedas, déficits crescentes em transações correntes, endividamento em moeda estrangeira e, finalmente, fragilidade financeira. (p.109) Ou seja, a lógica microeconômica de alocação de capital, no ritmo acelerado do mercado de capitais, pode gerar sobre-acumulação (e crise). A nova face do investimento produtivo e do seu financiamento constituída neste período muda mesmo a natureza dos investimentos. Chesnais (1998), comparando as operações de investimento produtivo em escala internacional do início do século XX (quando também preponderava o liberalismo, ainda que de outra composição) e o atual, aponta para o caráter relativamente volátil que essa operação assumiu: Em termos reais, os investimentos diretos permanecem em níveis talvez inferiores aos que haviam atingido no começo do século (Dunning, 1993: Bairoch, 1996). Mas esses investimentos estão bem mais concentrados do que naquela época, e também muito mais propensos a se desvencilharem rapidamente. Em inglês, diz-se que eles têm foot-loose, ‗pé solto‘ (p.13) No período da globalização, com a expansão das operações dos mercados de capitais, poder-se-ia dizer então que as características do ―investimento produtivo‖ se aproximaram em alguma proporção, e mais em alguns setores do que em outros, à dos ―investimentos em portfólio‖, uma vez que os mercados de ações permitem aos capitalistas individuais se descomprometerem, desmobilizarem os investimentos realizados. Neste sentido, a crescente liberalização teria permitido não apenas a ampliação dos fluxos de bens, serviços e capitais, como promovido a formação de mercados mais amplos e profundos para os diversos ativos existentes, dando aos detentores de riqueza a capacidade mais desejada – a de converter ativos que por natureza seriam ilíquidos (e o são para a sociedade), em dinheiro, possibilitando a valorização do capital não apenas pelos fluxos de renda que gera, mas também, e cada vez mais, pelos ganhos patrimoniais que a oscilação dos preços dos ativos pode produzir (CHESNAIS, 1996). Chesnais (2005), no prefácio à edição brasileira do livro que organizou sob o título ―A finança mundializada‖, faz uma revisão crítica da sua compreensão sobre a natureza da internacionalização do capital então vista. Sua interpretação inicial (em A mundialização do capital, de 1996) ligava a mundialização do capital à internacionalização do grande grupo 13 industrial transnacional, com indicação de crescente importância do capital líquido no direcionamento desse processo ─ idéia que consolidou no texto de 1998, quando a liderança financeira já se mostra absoluta. Na sua interpretação mais recente, coloca que o desafio decisivo para a compreensão da mundialização seria apreender ―o movimento da acumulação como um todo, assim como os novos espaços da polarização da riqueza em certos pólos do sistema mundial e de miséria em tantos outros.‖ (Chesnais, 2005, p. 18). Ou seja, ao capital interessa apenas a sua transformação em mais valor, independentemente da forma particular que assume, o que não é verdade para a sociedade, que se vê ―enriquecida‖ ou ―empobrecida‖, segundo as determinações do capital que se move com plena liberdade. Nos ―trinta anos gloriosos‖, na ―era keynesiana‖, a regulação privilegiou a distinção das formas particulares do capital em ―produtivo‖ e ―bancário-financeiro‖, para pô-los a serviço da geração de renda e emprego, o que se manifestou até mesmo nas interpretações teóricas a respeito de seus padrões de acumulação em âmbito internacional, como se viu. No profundo movimento de liberalização, promovido pelos Estados, essas barreiras foram fortemente atenuadas, permitindo ao capital a fluidez que o permite se valorizar ―transmutando-se‖ na forma que melhor se lhe aprouver a cada momento. Para Braga (1998, p.195), a lógica de valorização da riqueza no período da globalização seria a da financeirização, em que os capitais buscam valorizar-se simultaneamente através do processo de geração de renda, através dos lucros operacionais, vinculados diretamente à produção, e de capitalização, em que a variação dos preços dos ativos garante aos seus detentores ganhos ou perdas patrimoniais – com predominância crescente da última parcela. Sendo a financeirização uma lógica que invade todas as esferas de valorização da riqueza, ela atinge o processo de internacionalização econômica em geral. Assim, o mercado de capitais mundialmente integrado, com seus diversos títulos e moedas, seria o espaço em que o padrão de riqueza financeirizada se manifestaria (BRAGA, 1998). Indo em direção ao empirismo, os sistemas estatísticos existentes, por outro lado, pouco auxiliam na avaliação dessas proposições. Se estão longe de permitir a avaliação da constante mutação de formas do capital, também têm poder explicativo pequeno sobre os movimentos do capital nas formas particulares. Nos tradicionais sistemas estatísticos, privilegia-se a observação dos dados de movimentação de capitais produtivos e pouco é esclarecido a respeito do direcionamento 14 setorial dos capitais líquidos cuja avaliação exige um esforço investigativo primário importante. Mesmo na avaliação dos movimentos do capital produtivo, os resultados podem ser enganosos. Sobre as estatísticas de fluxos de IDEs, por exemplo, que seguem as recomendações do FMI, que considera uma operação de IDE aquela em que um estrangeiro adquire 10%, ou mais, das ações ordinárias ou do direito de voto de uma empresa local, o novo padrão de financiamento e mesmo de estrutura de capital das empresas, pode distorcer a interpretação dos dados disponíveis. Para Chesnais (1996) o novo ―tamanho‖ das empresas e o formato de financiamento ao investimento, levam a que as estatísticas de IDE tenham um poder explicativo cada vez menor para a internacionalização que se pretende avaliar, podendo não revelar o ―interesse duradouro‖ que o IDE pressuporia, assim como também pode ser imprecisa de outras formas: i. a contabilidade dos fluxos nos Balanços de Pagamentos desconsidera as relações de investimento que não envolvem fluxos monetários. Existem investimentos, por exemplo, que são financiados através do mercado de capitais do país receptor – o que não será captado nos registros do Balanço de Pagamentos5. ii. outra situação, não incomum, é que mesmo com uma parcela menor de 10% das ações, o investidor estrangeiro é o controlador da firma. iii. a própria destinação dos recursos da operação nominada IDE pode ser outra, que não a esperada pela teoria. Ou seja, os dados dos Balanços de Pagamentos devem ser utilizados como indicadores de nível e tendência das operações de Investimento Estrangeiro, mas não exaurem a análise (CHESNAIS, 1996, p.55-57). É neste quadro que se discute a internacionalização do segmento de Edificações e seus efeitos na esfera produtiva brasileira. Julga-se que o segmento é especialmente afeito ao atual padrão de valorização do capital, o que justifica o crescimento das operações internacionais no seu ―entorno‖. 5 Esse exemplo se aplica à criação de uma grande Incorporadora no Brasil, à partir a fusão de outras três, em troca, sobretudo, de assunção de dívidas. Se houve o ingresso de capital, foi de pequena monta, e o registro pode nem mesmo ter ocorrido na forma de IDE. 15 1.1.2. Valorização do capital no segmento de Edificações e a industrialização da construção Muitos estudos setoriais no Brasil salientam o ―atraso‖ do setor da Construção local e em geral buscam a origem de tal atraso nas condições de oferta, como na ―qualidade‖ e quantidade de mão de obra disponível, no setor produtor de insumos, na tributação, no padrão de gestão do capital da Edificação. O financiamento também é apontado como um limite à expansão e modernização desse capital. Esses argumentos, como melhor explorado adiante, coincidem com o diagnóstico de organismos internacionais de que as empresas da Construção das economias industrializadas seriam superiores às dos países em desenvolvimento em termos técnicos e financeiros, sendo que a parceria entre elas fortaleceria as últimas (UNCTAD, 2000, p. 6-7). Nota-se entretanto, que existem condicionantes ao investimento neste segmento que não são comuns aos setores industriais típicos, que devem ser explicitados ao se avaliar o movimento ―modernizante‖ na Construção/Edificação em cada economia. O setor da Construção, e em específico o das Edificações comerciais e residenciais, é considerado ―atrasado‖ inclusive nas economias industrializadas, onde também apresentaria um padrão de acumulação mais próximo ao da manufatura que da indústria (paradigma fordista/taylorista), de forma que o ―atraso‖ brasileiro seria, então, apenas relativo. Há, assim, em maior ou menor grau, um certo domínio da mão de obra sobre o ritmo da Construção, que teria sido ultrapassado na Indústria. Farah (1996) faz uma revisão da literatura a respeito, transitando entre o caso geral e o brasileiro. A autora chama atenção para os limites da própria Construção (com ênfase na edificação habitacional) à racionalização das atividades: trata-se de um setor que convive permanentemente com a variabilidade, e que, por suposto, não seria afeito à mecanização e padronização prevista no sistema industrial ─ cada obra tem suas características técnicas, dado o tipo de empreendimento (vertical/horizontal, de muitas ou poucas unidades, com acabamento ―padrão‖ ou de luxo, etc), e localização (topografia, posicionamento do terreno, proximidade a fornecedores, mão de obra, etc), de forma que há limites objetivos à racionalização das obras. Além dessas características objetivas da Construção, que limitam a sua racionalização, Farah (1996) aponta para outras que restringiriam o movimento 16 microeconômico em direção à modernização, que derivam da dinâmica mais geral de acumulação do setor. Ganhos “externos” à Construção desviariam os esforços em direção à eficiência produtiva, pois constituiriam “desestímulos” à incorporação de progresso técnico e organizacional de forma autônoma pelas empresas de Edificações: i. a apropriação privada da terra (a propriedade fundiária urbana), que subtrai da atividade de edificar a possibilidade de gerar lucros previsíveis com a mecanização e a organização da produção. A autora esclarece o argumento com um exemplo: se uma construtora promove um investimento em equipamentos ou em remodelação organizacional, poderá incorrer em maior lucratividade momentânea (abstraindo o custo do investimento), o que não necessariamente se repetirá nas obras seguintes. Se a aquisição de um novo terreno significar um maior desembolso, parte do ―lucro‖ trazido pela inovação seria incorporada pelo capital imobiliário, e não pelo produtor – o que diminuiria o incentivo ao investimento. É possível até mesmo supor que um alto investimento pró-eficiência pode fragilizar a empresa diante da concorrência, que não incorreu em gastos adicionais e pode suportar melhor eventuais elevações do custo dos terrenos, ou mesmo comprar terrenos melhor localizados. O ―terreno‖ urbano privado seria desta forma uma parcela “incontrolável” dos custos da Edificação, e uma decorrência da sua existência seria que os lucros no segmento seriam muito inconstantes. Assim sendo, os ganhos de produtividade dificilmente seriam repassados aos preços do produto, inviabilizando a formação de algo semelhante a um mercado de massas para a Edificação – donde viria a necessidade de participação Estatal para “estabilizar” as flutuações de preços da terra urbanizada, especialmente no caso da habitação de interesse social, que teria limitação de preço final importante. Essa presença do Estado regulando o preço da terra e dos imóveis através de impostos e do uso social da terra/imóvel, por exemplo, é típico do Estado de bem estarsocial da era de ouro do capitalismo, mas não do padrão de Estado liberal vigente. 17 ii. o longo período de rotação do capital, tanto produtivo, como de comercialização, que exige financiamentos de longo curso, seria outro desestímulo ao investimento modernizante no segmento. Do lado da produção, a necessidade de imobilização de grande volume de capital, por um longo período, deixa o produtor muito exposto às reversões cíclicas, de forma que o risco de construir é muito alto, diminuindo os incentivos à adoção de inovações. Segundo Farah (1996) a exigência do financiamento de longo prazo e a resistência da queda do preço do imóvel devido àquela parcela incontrolável dos custos (o terreno) teriam justificado a existência de políticas habitacionais. O setor de Edificações, deixado às suas próprias forças, então, não estaria apto a solucionar o problema de moradia das famílias de baixa e de média-baixa renda. Em relação aos segmentos mais altos de renda, ou da edificação comercial, da combinação das características i e ii das Edificações, teria surgido o ―capital de promoção‖, que viabiliza os negócios imobiliários: A propriedade fundiária e o longo período de rotação do capital requerem a intervenção, na produção habitacional, de um capital de promoção, que coordene todo o processo, desde a aquisição do terreno e a obtenção de financiamento até a comercialização das habitações, passando pela construção propriamente dita. Na produção de mercado, o capital de promoção procura apropriar-se da renda da terra, ‗criando‘ novos espaços urbanos em áreas que adquira previamente […] Os lucros obtidos com atividades não produtivas acabam por subordinar o capital produtivo ao capital promocional, desestimulando a busca de ganhos de produtividade, através de inovações tecnológicas ou da racionalização do trabalho, o que vem a reforçar a tendência de manutenção da base técnica manufatureira, mão de obra intensiva, no setor‖ (FARAH, 1996. p.110, grifo nosso) Mais uma vez o encurtamento dos ciclos econômicos, a alta volatilidade do preço dos ativos, o aprofundamento dos ciclos de crédito observado no período da globalização apenas reforçam o temor dos empresários do segmento em imobilizar seu capital em investimentos modernizantes e serem surpreendidos com reversões nas expectativas que mudem (às vezes radicalmente) as condições de financiamento e da demanda. 18 iii. a interferência do setor público, que geraria lucros extra-produção para determinados produtores, não incentivando os ganhos de produtividade. Farah (1996) contesta esse último argumento como definitivo, usando a experiência brasileira como contra-argumento. Em primeiro lugar, como deve ocorrer na maior parte das economias, o relacionamento entre o Estado e as empresas da Construção no Brasil é mais intenso no segmento de infraestrutura, que é considerado a porção mais eficiente da Construção brasileira, negando, empiricamente que essa relação se traduza inevitavelmente em ―atraso”; em segundo lugar, porque houve no desenvolvimento do setor produtor habitacional brasileiro programas de incentivos governamentais à industrialização da construção, descaracterizando apenas o lado negativo dessa relação entre o Estado, como demandante, e as empresas. O que houve no caso brasileiro, segundo Farah (1996), foi uma descontinuidade, com redefinições constantes de muitos programas estatais para a modernização do segmento (nas três esferas administrativas), decorrentes inclusive da própria inconstância conjuntural, que teriam quebrado a confiança dos produtores. O distanciamento técnico e organizacional entre as Empreiteiras (Infraestrutura) e as Construtoras (Edificações) brasileiras derivaria de outros motivos: do porte e da complexidade das obras; das exigências de desempenho e do grau de ―cientifização‖ do produto; da importância dos prazos da construção; da gênese das empresas da construção pesada, que contou com parcerias com empresas estrangeiras que trouxeram consigo inovações tecnológicas; da busca de competitividade no mercado externo (FARAH, 1996). Chaves (1985) qualifica a relação entre as empresas locais e estrangeiras de construção pesada, rapidamente citada por Farah (1996): nas obras de infraestrutura e industriais encomendadas pelo Estado brasileiro, exigiu-se a transferência tecnológica das contratadas estrangeiras às empresas locais. Assim, a natureza da produção de Edificações (sobretudo residenciais) seria manufatureira e as características do mercado imobiliário, do crédito e da intervenção estatal influenciam os avanços (e retrocessos) da sua organização. Maricato (1998) indica que nesta conformação capitalista das Edificações, a questão da moradia teria como eixos centrais a terra (considerando sua localização e infraestrutura) 19 e o financiamento, que condicionariam mesmo o patamar tecnológico da Construção deixando em posição subordinada os conflitos no mercado de trabalho, apontado pelo mainstream como o principal detonador dos processos de racionalização. O processo de industrialização da construção, fenômeno ligado especialmente à construção habitacional do pós-guerra, contou com uma situação particular (paradigma keynesiano), sobretudo na Europa, que combinou um grande volume de demanda a ser suprida e o forte prestígio do planejamento e gasto estatal. Foi o período de implantação dos conjuntos habitacionais, com técnicas de pré-fabricação. Nessas circunstâncias o Estado pôde diminuir a variabilidade do produto e da produção, ―através da concentração da atividade produtiva num espaço relativamente homogêneo e da uniformização do produto‖ (FARAH, 1996, p.128) – o que coube na Europa, por condições políticas, até meados dos anos 1970. Segundo Stam et al (2008), por trás dos grandes conjuntos habitacionais havia a ideia de produção em massa utilizada na linha de produção industrial: os arquitetos modernos consideravam que a construção de unidades habitacionais em grande número baratearia a moradia, gerando ganhos de escala da mesma forma que a produção em série fez com os bens de consumo industrializados. O ambiente institucional em que esse processo se deu é descrito por Maricato (1998): […] o Estado fordista/keynesiano promoveu algumas reformas nos países capitalistas centrais: garantiu através da regulação estatal a função social da propriedade e expandiu os investimentos em infraestrutura urbana. A propriedade fundiária teve limitada a apropriação privada da renda fundiária ou imobiliária. A terra foi submetida ao circuito do capital produtivo. As atividades especulativas foram reprimidas. O planejamento urbano regulador e centralizador cumpriu aí seu papel. Além disso, o Estado garantiu financiamento subsidiado e assegurou incentivos ao aumento da produtividade na construção. (p.2, grifo nosso) Este processo, por outro lado, foi bastante longo. Segundo Prost (1992), por exemplo, entre 1953 e 1968 houve um rápido processo de urbanização na França e a construção habitacional teria criado bairros inteiros, no formato dos grandes conjuntos habitacionais, e que o setor privado somente voltou a se sentir incentivado a participar desse mercado, sem os fortes incentivos governamentais, a partir de 1960 (PROST, 1992, p.69). Foram 15 anos de intenso crescimento. 20 A construção de grandes conjuntos habitacionais passou a ser referência, inclusive, para as economias de industrialização e urbanização rápida, na periferia capitalista, em que a construção de habitações para a população de baixa renda se tornou premente, e em grande escala ─ o que, como se verá com o caso brasileiro, não se converteu no processo de organização setorial como visto na Europa. Assim, a demanda estatal, a padronização do produto, o uso da função social da terra e dos impostos progressivos, a forte regulação bancária, típica da era Keynesiana, além das políticas industriais, e a perspectiva de crescimento longevo conformaram o cenário da industrialização da construção. Os ganhos iniciais dessa industrialização, segundo a experiência europeia, vieram especialmente da redução dos índices de retrabalho e de desperdício: Em uma situação normal, todo edifício é um projeto singular. Nele, os construtores cometem erros, que vão se repetir em um outro projeto singular. Em um processo de produção industrial, alguém − no caso, a fábrica − está olhando para o sistema e aprendendo, adaptando. Erros são cometidos apenas uma vez. Em um ambiente industrial é possível obter também uma precisão muito maior, reduzir o desperdício de materiais, projetar melhor etc. Estou convencido de que há um salto de qualidade e a prática mostra isso. (FARIA (2008), entrevistando Wim Bakens, arquiteto holandês) A industrialização da construção na Europa esteve associada, em um primeiro momento, segundo Farah (1996), ao uso de ―estruturas pré-fabricadas”, conceito que foi evoluindo em direção a uma concepção mais flexível, de ―montagem de componentes industriais” – de forma que a indústria de insumos sempre foi central para a modernização do segmento. A Edificação foi se transformando, então, em uma atividade cada vez mais de montagem de componentes produzidos por fabricantes, segundo processos industrializados (FARAH, 1996, p.129). O avanço da industrialização das atividades de Edificação, neste sentido, caminharia numa crescente apropriação de atividades desenvolvidas no canteiro de obras pela indústria de insumos (FARAH, 1996, p.183). Essa apropriação poderia ocorrer de duas maneiras: na introdução de inovações pela indústria de insumos e na transferência de atividades do canteiro de obras para a indústria (a pré-fabricação de estruturas ou componentes). 21 Na primeira forma, ocorreria o desenvolvimento de novos produtos, criando um novo mercado para a indústria de insumos e uma substituição de atividades na Edificação – implicando em obsolescência do saber dos operários e sua substituição por ―um saber científico‖ da referida indústria, ampliando a ―industrialização da Construção‖, em um certo sentido. A introdução de novos insumos não necessariamente significaria, entretanto, um rompimento com a necessidade da integração entre o saber tradicional e empírico do trabalhador com o saber técnico incorporado ao novo componente – o domínio do trabalho na obra, ainda que mais segmentado, poderia continuar. Quando não há introdução de novos produtos, há a própria transferência de atividade do canteiro para a indústria (exemplo: concreto pré-misturado). Essa modalidade de avanço da indústria sobre a Edificação também moderniza o segmento até mesmo com menor mecanização das obras, já que certa etapa que exigiria mais equipamentos na obra estaria sendo desenvolvida pelo fornecedor, alterando a organização das atividades na obra, segmentando e especializando ainda mais as atividades dos trabalhadores e eliminando crescentemente a necessidade do conhecimento empírico nos canteiros (FARAH, 1996, p.184-186) – o que avançaria no sentido do “domínio científico” das obras. Maricato (2009), pensando na questão da moradia em geral, destaca que pouco se sabe sobre os impactos do avanço do neoliberalismo sobre os processos produtivos do segmento de Edificações residenciais até mesmo na Europa e nos Estados Unidos – o que seria, a seu ver, central para reavaliar as políticas habitacionais. Segundo a autora, a pesquisa em torno da questão habitacional estaria truncada, apresentaria lacunas essenciais para a compreensão mais profunda do atual padrão produtivo da edificação habitacional: O estudo da técnica e da tecnologia da construção frequentemente ignora a organização e o processo de trabalho, como se estes fossem irrelevantes para o nível de produtividade. Nos estudos sobre tecnologia da construção ignora-se, frequentemente, o papel da terra e da renda fundiária na determinação do atraso na construção civil. Faz parte do senso comum a ideia mistificada, também presente em grande parte da produção acadêmica, de que materiais de construção ―milagrosos‖ tornarão a construção de casas muito mais barata e eficiente. […] As forças produtivas não incluem apenas máquinas, equipamentos, novas fontes de energia, novos materiais, novos processos químicos ou eletrônicos, mas também a organização do trabalho. (p.37 e 38) A partir da lógica descrita por Farah (1996) e Maricato (2009) e do avanço da globalização, tal como descrito, em grandes linhas em 1.1., poder-se-ia inferir que, a 22 despeito do provável progresso na indústria de insumos nos últimos 30 anos, existiriam forças que estariam contendo o avanço da racionalização na Construção que reduzisse ainda mais o seu custo, até mesmo nas economias desenvolvidas. As informações de elevação da subcontratação na Construção europeia, assim como as de importância relativa maior dos lucros imobiliários frente aos operacionais nos últimos anos, a serem melhor desenvolvidos nas seções subsequentes, focada na Edificação residencial, induziriam àquela inferência. A produtividade do trabalho é comumente utilizada como ―medida síntese‖ deste avanço, e os Gráficos de 1 a 5 ilustram a evolução do indicador na Construção, na Indústria de Transformação e na Agricultura de algumas economias industrializadas – determinados pelo quociente entre o Valor Adicionado pela Atividade Econômica (em volume) e o número de ocupados na mesma, em períodos variáveis, segundo a disponibilidade de dados. Por outro lado, julga-se relevante tecer algumas considerações a respeito deste indicador e sua interpretação. A utilização de índices de produtividade é bastante polêmica, já que dados de fontes diferentes podem levar a que os indicadores apresentem até mesmo tendências divergentes (ABDEL-WAHAB et al, 2006), e dados históricos podem embutir ajustes metodológicos na coleta de números e confecção de indicadores não evidentes aos analistas. No caso da Construção, a variabilidade das obras é um outro agravante importante – mesmo no caso de empresas que produzam aparentemente o mesmo produto (no âmbito microeconômico, portanto), como empresas de edificações residenciais, por exemplo, em que as obras podem ser muito diferentes, como a construção de um prédio para a baixa e outro para a alta renda, implicando em diferentes técnicas e produtividade do trabalho (BRITTO e FARIAS FILHO, 1998). Em termos agregados, o mix de obras em cada economia também muda ao longo do tempo. Existem períodos onde há concentração das obras infraestruturais, outros de obras de edificações e mesmo o tipo dessas obras pode variar. Allen (1985), por exemplo, creditou parte importante da queda da produtividade do trabalho observada na Construção nos Estados Unidos, entre 1968 e 1978, ao crescimento do número de edificações residenciais unifamiliares em relação ao de obras comerciais e industriais, que eram a maioria no período anterior. O novo padrão de obras utilizaria mão 23 de obra menos qualificada, não exploraria ganhos de escala e teria uma remuneração diferenciada ao capital, que levaria a piores índices de produtividade do trabalho. A queda na razão capital/trabalho, na quantidade de trabalhadores sindicalizados e a utilização de diferentes deflatores, em um período em que a inflação se acelerava, foi outro conjunto de elementos que teria influenciado no declínio da produtividade média apurada com base em estatísticas. Na Europa ocidental, por outro lado, diz-se que há maior concentração de serviços de manutenção e adaptação de prédios erigidos que de edificação de novas moradias propriamente ditas, o que traz impactos no cálculo de produtividade média. Neste sentido, Carassus (2004) identifica um setor da Construção nos países desenvolvidos dos anos 1990 totalmente diverso ao existente no pós-guerra, até os anos 1970, que seria a referência da industrialização da construção e dos fortes ganhos de produtividade ainda hoje apontados como alvo para as economias em desenvolvimento: […] While during the 1950-1970 period, the goal of construction was to massively build all the works necessary to meet the needs of the economy, since the nineties, is the emphasis not placed on the management of the service rendered by such works all along their life cycle? The requirements of sustainable development, which focus on the need to increasingly master medium and long-term consequences, not only regarding production, but also management of the works during their whole life cycle have strengthened this change of role within the economy. This focus on the service rendered by the works calls for a new approach for the construction industry. Economic analysis has to take into account such recent evolution and all the participants involved in the life cycle of building structures (not only order, design, production but also operation, maintenance, refurbishment, demolition). Most of the time, construction industry analysis, on mesoeconomic or sector level, deals with only the construction firms. Some researches include professionals and the materials industry but not the service aspects and the stock management firms. (p.6) Ou seja, ainda que existam proposições de classificação internacional de atividades econômicas e de produtos que procuram representar estruturas médias dos setores econômicos pelo ―mundo‖, a distância entre as realidades nacionais pode escapar, de forma importante, aos resultados que as estatísticas mostram. No caso dos dados da OCDE, em que se mede o valor adicionado em volume por ocupado na atividade, a terceirização de alguns serviços e mesmo a transferência de 24 partes das obras (componentes) para a indústria podem se refletir na simples perda de valor adicionado do setor o que antes era agregado ―dentro‖ da obra, passa a ser por uma empresa prestadora de serviço (que pode não constar como empresa da Construção nos sistemas estatísticos) ou fornecedora de componentes, como uma das possibilidades de evolução da industrialização apontada por Farah (1996). Assim, a baixa evolução do Valor Adicionado, acompanhada por uma contratação de mão de obra igualmente pequena, mas positiva, pode ser uma das explicações da perda de fôlego dos índices de produtividade abaixo assinalados. Por outro lado, a subcontratação espúria, de empresas pouco eficientes também parece ser fato na trajetória europeia. Voltando aos números, os Gráficos de 1 a 5 trazem dados da economia francesa, de 1970 a 2008; do Reino Unido, de 1971 a 2008; do Japão de 1970 a 2008; dos Estados Unidos, de 1977 a 2008; e, da Espanha, de 1980 a 2008. De 1970 a 1992 a produtividade da Construção na França acompanhou, em alguma proporção os ganhos verificados na indústria local (cerca de 70% em 22 anos, ou 2,4% ao ano) – o que não ocorre em nenhum outro país. De 1970 a 1986 a produtividade na Construção do Reino Unido ficou praticamente estagnada, seguindo numa trajetória ascendente de 1986 até 2003 (cerca de 41,3% em 17 anos, ou 1,6% ao ano), quando voltou a declinar ligeiramente. A estagnação da produtividade do trabalho da Construção no Japão tem uma pequena interrupção apenas na segunda metade dos anos 1980, com o indicador da segunda metade dos anos 2000 abaixo do observado no início da década de 1970. O caso da Construção na economia norte-americana é o mais emblemático: o nível mais alto do indicador é o do ano em que a série se inicia (1977), sendo o valor adicionado por trabalhador de 2008 apenas 65% ao observado 30 anos antes, mesmo tendo corrido períodos de intensa atividade do setor no interregno analisado. Na Espanha, onde só existem dados desde os anos 1980, há um ganho de produtividade nos primeiros 5 anos daquela década (27%, ou 4,9% ao ano entre 1980 e 1985, em média) e posterior estagnação – sendo que em praticamente todo o período manteve-se uma trajetória de atividade crescente da Construção, o que não ocorre nos demais países apontados. Em comum, todas as economias apresentam um crescimento da produtividade do trabalho na indústria e na agricultura muito maior que na Construção, assim como a tendência de estabilização, 25 quando não de queda, da produtividade do trabalho da Construção desde os anos 1990, e especialmente nos anos 2000. Gráfico 1. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura da França (1971:100; 1971–2008) 700 600 1971:100 500 400 300 200 100 0 Agricultura e extrativismo Indústria de Transformação Construção Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OECD.Stat Extracts (STAN database for industrial analysis maio de 2011). dados extraídos em Gráfico 2. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura do Reino Unido (1971:100; 1971–2008) 350 300 1971:100 250 200 150 100 50 0 Agricultura e extrativismo Indústria de Transformação Construção Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OECD.Stat Extracts (STAN database for industrial analysis maio de 2011. dados extraídos em 26 Gráfico 3. Produtividade do na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura dos Japão (1970:100; 1970–2008) 400 350 300 1970:100 250 200 150 100 50 0 Agricultura e extrativismo Indústria de Transformação Construção Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OECD.Stat Extracts (STAN database for industrial analysis maio de 2011. dados extraídos em Gráfico 4. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura dos EUA (1977:100; 1977–2008) 450 400 350 1977:100 300 250 200 150 100 50 0 Agricultura e extrativismo Indústria de Transformação Construção Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OECD.Stat Extracts (STAN database for industrial analysis maio de 2011. dados extraídos em 27 Gráfico 5. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura da Espanha (1980:100; 1980–2008) 350 300 1980:100 250 200 150 100 50 0 Agricultura e extrativismo Indústria de Transformação Construção Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OECD.Stat Extracts (STAN database for industrial analysis maio de 2011. dados extraídos em Fiesp (2008) confirma o quadro de deterioração da qualidade do trabalho na construção europeia, assinalando a tendência à terceirização, ao uso de emprego temporário e utilização de autônomos (dada a flexibilização das leis trabalhistas – em especial na Grãbretanha e na Espanha), assim como a elevação do uso de trabalho feminino e de imigrantes (p.32). Nos Estados Unidos a constatação se repete, com uma legislação trabalhista ainda mais permissiva e queda importante na taxa de sindicalização dos trabalhadores da construção (de 42% em 1970, para cerca de 18,5% em 1996 ─ FIESP, 2008, p.36). No caso norte-americano, o incremento da mecanização e do uso de componentes industrializados seria a resposta ao crescente desinteresse dos jovens em trabalhar no segmento ─ o que teria limite, pois não há como prescindir da mão de obra e, por outro lado, exige um trabalhador ainda melhor qualificado, que manipule os novos componentes (FIESP, 2008, p.36). O Gráfico 6 traz dados da OCDE de crescimento dos custos do trabalho no setor da Construção, em relação aos observados na Indústria de Transformação 6 ─ de 1980 a 2008, 6 Calculado de acordo com o custo médio real do trabalho por unidade de produto (conforme: http://stats.oecd.org/OECDStat_Metadata/ShowMetadata.ashx?Dataset=ULC_ANN&ShowOnWeb=true&Lang=en; acessado em junho de 2011) 28 Fiesp (2008) assinala uma mudança estrutural de suma importância para o setor, pouco explorada pelos autores. Há mudanças na gestão do ―grande capital‖ do setor que deve ser apreendido: O crescimento da terceirização tem levado as grandes empresas europeias de Construção Civil a se distanciarem do trabalho físico da construção e se fixarem nas funções de gerenciamento do empreendimento. Além disto, as grandes empresas de engenharia penetraram nos mercados internacionais através de fusões e aquisições (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2001). (FIESP, 2008, p.32) Seja como for, o debate em torno da produtividade comparada do trabalho na Construção ainda está por ser construído, assim como as informações levam a inferir que o tipo de organização setorial da Construção nas economias que são apontadas como referência para metas de produtividade do setor no Brasil, apresentaram mudanças importantes entre o período em que teria se dado a industrialização da construção (1950-1970) e os anos 2000 que não devem ser desprezadas. Vale destacar ainda que um abismo separa a Construção das economias desenvolvidas das demais. A partir da Figura 2, a International Labour Organzation (ILO) mostra a distribuição do produto e do emprego da Construção entre países de alta e baixa renda em 1998. Observa-se ali que os países de alta renda concentravam 77% do produto mundial da Construção e 26% do emprego, donde se conclui que a Construção é inequivocamente mão de obra intensiva nos países de baixa renda. Se por um lado a figura mostra o ―atraso‖ do segmento na periferia, onde certamente haveria um baixo domínio do capital sobre o ritmo de acumulação do segmento, em termos de desenvolvimento econômico, por sua vez, a absorção de um contingente de trabalhadores pouco qualificados num sistema produtivo semi-artesanal, muitas vezes é um movimento natural e é por isso que o setor tem sido protegido por seus governos. 30 Figura 1. Distribuição do produto e do emprego da construção mundial, em 1998. Fonte: Elaboração da autora, com base em dados de ILO (2001). 1.1.3. Edificação residencial, mudança do papel do Estado e dos padrões de financiamento A habitação é de especial interesse para este estudo, por diversas razões. A primeira é a importância do segmento de Edificações residenciais para a modernização da Edificação como um todo nas economias nacionais, já que ele é considerado o menos produtivo e o mais afeito à informalidade do conjunto, sendo fulcral para o estudo que se pretende empreender. A segunda é que este foi o segmento que acabou por desencadear um importante movimento de entrada de capitais estrangeiros no mercado brasileiro, chamando atenção para o seu processo de internacionalização mais geral. A terceira motivação, e objeto desta seção, é que ele foi o segmento das Edificações mais afetado pela mudança de papel do Estado e de padrão de financiamento observado no período da globalização. A mudança de padrão de financiamento da produção da Edificação residencial, aliás, é que permite supor um processo longevo de internacionalização do segmento. Observa-se que há uma massa de capitais à busca de oportunidades no mercado imobiliário ao ―redor do globo‖ que teria encontrado nos déficits habitacionais, constituídos no período da globalização, a demanda de recursos de que precisa para se valorizar7. 7 É importante notar que este raciocínio diverge fundamentalmente do senso comum: a Edificação nacional periférica, carente de recursos para se desenvolver, encontrou no Sistema Financeiro Internacional, na poupança externa, meios de fazê-lo. 31 No pós-guerra a habitação se tornou um direito social no welfare state dos países Centrais. Na periferia, sob o ponto de vista das cidades, o desenvolvimento desigual formou ―ilhas de primeiro mundo‖ entre os relativamente ricos e o restante da sociedade formou a periferia, os aglomerados desorganizados das favelas 8 (MARICATO, 2008). O crescente desmantelamento do welfare state, por sua vez, teria formado bolsões de pobreza e de habitações em condições socialmente precárias em todas as partes do globo onde penetrou. Vilain (2009) descreve, por exemplo, a desestruturação do sistema habitacional construído na França do pós-guerra a partir dos anos 1970, que redundou não apenas na insuficiência de novas habitações para os relativamente pobres, gerando um déficit habitacional relevante para essa classe de renda, mas também na deterioração das habitações populares já existentes, que em alguns locais logo foram convertidas em terrenos a serem explorados pela indústria imobiliária, redefinindo a ―periferia‖. Em Portugal, a situação, dadas as condições mais gerais da economia, é ainda mais próxima à encontrada na periferia. Uma socióloga explica a leniência do poder público em relação ao avanço das favelas, que se instalaram de forma aberta desde os anos 1960-1970, em um processo de urbanização desordenada: Com um mercado legal de moradias muito especulativo, pois os terrenos para construção são raros, e com uma política de habitação social enfraquecida, as construções de barracos são uma resposta ‗espontânea‘ para as necessidades de alojamento dos trabalhadores. Não tendo eles que pagar aluguéis, as pressões para aumento de salário são reduzidas. O que garante sempre uma mão de obra competitiva. (VAILLANT, 2006) Assim, em ambas as experiências verifica-se não apenas o recuo do Estado na questão habitacional, como também o trato pouco adequado, do ponto de vista social, da exploração do solo urbano e da propriedade. IPEA (2010) apresenta essa mudança de mentalidade nos países desenvolvidos, propulsores da globalização: Em geral, observou-se uma mudança no papel do Estado no campo da habitação nesses países, que passou de um papel de provedor para o de facilitador […]. Dessa maneira, reduziu-se extraordinariamente a construção de moradias adequadas para os grupos pobres – e mais vulneráveis –, ao mesmo tempo em que se reduziram os orçamentos nacionais e recursos públicos disponíveis para este fim. Em lugar disso, os Estados privilegiaram sua função de promotores e criadores de um contexto propício destinado a atrair capital e investimento 8 Maricato cita em diversos textos o percentual da população que teria acesso à propriedade legal: 30% dos brasileiros, contra 70% dos Canadenses, por exemplo. 32 estrangeiro para operações imobiliárias. Esse novo papel está muito longe de ser passivo; trata-se de um papel ativo, que provocou a criação de condições, instituições e regulamentações destinadas a apoiar atividades financeiras […]. (p. 344, grifo nosso). No período da globalização, o enfrentamento da questão habitacional foi ficando, então, cada vez mais a cargo ―do mercado‖ e, resguardadas as proporções, déficits habitacionais foram se abrindo mesmo nas economias desenvolvidas. Na verdade, com especificidades locais, é claro, pode-se dizer que em grande proporção creditou-se às conjunturas de crescimento econômico, junto aos incentivos governamentais, a possibilidade de alargar (ou estreitar) a camada da população que teria acesso à ―casa própria‖, por meio da propriedade imobiliária. Nos moldes atuais, os governos promoveriam reformas microeconômicas, dando maior segurança jurídica aos contratos, incentivos fiscais às aplicações imobiliárias 9, etc, com vistas a auxiliar o alargamento da dita faixa econômica do mercado habitacional (parcela da população que, através do financiamento, pode adquirir a casa própria), o que é potencializado em momentos de políticas monetárias frouxas. Nos períodos de retomada do crescimento econômico a queda dos juros, a elevação da massa salarial, a disposição dos agentes financeiros (―globais‖) em conceder crédito a prazos mais largos, a clientes com menores credenciais, permitem os ―booms‖ imobiliários, favorecidos pelo estoque de demanda reprimida. São movimentos intensos, tão longevos quanto se mantiverem as condições de demanda e de liquidez. Essa concepção de participação restrita do Estado, de ―deixar a questão habitacional a cargo do mercado‖, também carrega a idéia de que ―a propriedade do imóvel é a melhor opção para todos‖ (IPEA, 2010, p.346, grifo nosso), desconsiderando outros padrões de moradia, como o aluguel social (de prédios públicos), por exemplo. Este movimento que é acompanhado pelo conceito de que a propriedade é importante para o ―desenvolvimento econômico‖, uma vez que a habitação é um ativo cuja posse dá acesso ao trabalho formal e a recursos líquidos, potencializando o investimento e o consumo ─ dando espaço, inclusive, ao endividamento das famílias, típico do pós-guerra e que se renova na globalização (GUTTMANN E PLIHON, 2008). 9 Como, a título de exemplo – já que devem existir muitos outros -, no caso dos REITs (Real Estate Investment Trusts) nos EUA e em alguns países Europeus, ou das aplicações em Letras Hipotecárias, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) ou fundos imobiliários no Brasil. 33 Essa opção, de favorecer a propriedade imobiliária, tem implicações importantes para o mundo das finanças. Por ser um ativo que vai muito além da renda anual das pessoas comuns, a habitação precisa ser financiada, gerando, em mercados financeiros desintermediados, através da securitização, ativos financeiros comercializáveis – desdobrando o ativo imóvel em títulos mobiliários, negociáveis, dotados de uma liquidez que o ativo original não tem. Cabe à regulação financeira conter os excessos a que esse processo pode levar. Uma ilustração do tratamento e da importância de todas essas questões se dá no debate em torno da ―construção‖ da propriedade privada de residências nas economias em transição, que derivam da dissolução da antiga União Soviética, assim como da organização de um sistema de financiamento à habitação naquela região. Em meados da década de 1990, os ―problemas‖ estavam sendo debatidos no âmbito do Banco Mundial como se fossem praticamente um. A questão colocada pela agência era a de engendrar um sistema de financiamento à habitação – que antes de qualquer coisa pressupunha a propriedade privada das frações de terra e dos prédios, com um sistema de formação de preços típico de mercado – com vistas ao desenvolvimento econômico local (Renaud, 1996). Esse ponto de vista é expresso no texto abaixo, de 2003, da Comissão Econômica para a Europa da ONU (United Nations Economic Commission for Europe - UNECE): It is a well-recognized fact that land property can be a source of wealth. The ability to secure investment against land that is facilitated by operational cadastre and registry systems is a distinct feature of developed economies. Reintroduction of private property rights in land in countries of Central and Eastern Europe and the CIS countries perused the goal of making these economies more efficient. Realization of this policy is only possible when mortgage-financing mechanisms are put in place and countries demonstrate to be very keen about introduction of such mechanisms. Immense priory is given to security of rights of mortgage lending institutions that opens up the opportunity for investments and economic development. In every country that has responded to the questionnaire with one exception the law permits an owner to raise money by mortgaging land and real property. (UNECE, 2003, p14). Uma das economias que primaram no modelo de sociedade proprietária, sem dúvida, é a norte-americana. Lá o patrimônio imobiliário residencial é há muito explorado e foi desenvolvido o padrão de financiamento ora vigente, baseado na securitização e no mercado de capitais. Chesnais (2007) descreve em breves linhas (com base em Jorion) a 34 importância histórica do imóvel residencial nas finanças das famílias daquela economia, chegando ao período mais recente, indicando que em 2001 houve uma opção deliberada do Banco Central Norte Americano (junto ao Governo daquele país) em mais uma vez favorecer as condições do financiamento imobiliário para distanciar a economia da recessão aberta pela crise da ―nova economia‖ e dos escândalos corporativos. Essa decisão teria como base a avaliação de que 60% do enriquecimento patrimonial das famílias daquele país viria dos ganhos obtidos na compra e revenda das residências individuais, enquanto os ganhos com a bolsa representariam apenas 20%. Ou seja, havia ali uma base importante para ampliar o consumo das famílias, sem necessariamente passar pela elevação da renda pessoal/familiar. Esses foram os ingredientes encontrados no ciclo de crescimento mundial de 2004 a 2008. Belkaïd (2008) descreve a participação desse novo Estado no boom residencial recente nos EUA, na França e na China – mas também poderia enumerar os governos da Espanha, da Irlanda, do Brasil e outros: Como explica um gerente de fundos parisiense que prefere manter o anonimato, a bolha especulativa teve origem na convergência de dois movimentos de capitais: o primeiro é o desejo, espontâneo ou não, por parte das famílias de adquirir uma propriedade; o segundo é aquele da indústria financeira cuja estratégia consiste, nesses últimos anos, em reciclar uma parte de sua liquidez com empréstimos bastante rentáveis destinados a particulares. Para convencer os primeiros, as empresas imobiliárias e os lobbies financeiros encorajaram os poderes políticos a sustentar um discurso favorável ao acesso à propriedade. Esse foi o caso, por exemplo, dos Estados Unidos na época das campanhas presidenciais de 2000 e 2004. Na campanha que precedeu sua reeleição, George W. Bush defendia uma sociedade de proprietários (ownership society). O argumento foi retomado por Nicolas Sarkozy, presidente da França, em setembro de 2006: ‗Nosso projeto é tornar possível o acesso à propriedade para todos‘, afirmou em discurso. Na China, as autoridades aprovaram leis no final da década de 1990 para permitir que a população adquirisse empréstimos hipotecários. Com isso, a parcela das famílias que utilizou tais créditos passou de 1% em 1998 para 13% em 2006 - e a previsão é que chegue a 24% em 2015. (grifo nosso) Com relação à demanda de habitações, na faixa econômica do mercado habitacional, Belkaïd (2008) mostra que ela é real e que deve continuar por algum tempo, 35 seja pelo forte crescimento da classe média (sobretudo nos países emergentes), seja pelo crescimento dos domicílios ocupados por apenas um morador, ou outros arranjos familiares nos países desenvolvidos, com número cada vez mais reduzido de componentes (na América do Norte, na Europa ocidental e no Japão), seja pelas exigências derivadas da modernização e da adequação às novas normas ambientais. Ou seja, o que há de novo no movimento de expansão internacional do capital imobiliário, é a perspectiva de gastos no mercado residencial. A Tabela 1, abaixo, aponta as estimativas do número de domicílios a serem erigidos em regiões ―mais‖ e ―menos desenvolvidas‖ do globo até 2030, realizadas pela divisão de estatísticas da ONU. Essas estatísticas partem de cálculos essencialmente demográficos, com diversas aproximações para a sua consecução (UNDESASD, 2001), não levando em consideração a qualidade das habitações – ou seja, parte significativa delas pode ser erigida sem a participação de empresas de edificações formalmente constituídas, assim como pode prescindir, em alguma proporção, de infraestrutura, mas é inegável a tendência de um crescimento de mercado substancialmente maior nas regiões menos desenvolvidas – seja de habitações, seja de infraestrutura urbana, o que não escapa à observação do capital imobiliário já internacionalizado. Tabela 1. Número estimado e taxa de crescimento do número de domicílios em determinadas regiões Região Número de Domicílios (milhões) 1985 Mundo Regiões mais desenvolvidas Regiões menos desenvolvidas 2000 2015 2030 1.119 1.575 2.124 2.656 382 467 541 582 737 1.108 1.583 2.074 Taxa de crescimento Incremento em 5 anos Anual (%) (milhões) 1985- 2000- 2015- 2000- 2005- 2010- 20152000 2015 2030 2005 2010 2015 2020 2,3 2,0 1,5 176 190 183 181 1,3 1,0 0,5 27 26 21 17 2,8 2,4 1,8 148 164 162 164 Fonte: Elaborado pela autora com base em UNDESASD (2001) Há, ainda, algo importante a se notar nessa expansão dos capitais internacionais em direção aos mercados locais que se mostrem receptivos a ele. Eles favorecem a intensificação do nível de atividade do segmento, que estimula a alta de preço dos imóveis os booms imobiliários. Neste processo, sem algum tipo de instrumento que contenha a valorização da terra urbana disponível à Edificação (os ―terrenos‖ em áreas urbanizadas), o custo da edificação pode subir substancialmente, diminuindo o número de famílias, a depender das condições de crédito, aptas à aquisição do imóvel. Ou seja, ciclos de crédito 36 intensos, concentrados no tempo, já que “os mercados” tendem a exacerbar esses movimentos, carregam consigo movimentos igualmente intensos de preços dos imóveis, o que pode significar o próprio limite à expansão dos negócios do segmento. IPEA (2010) – baseado em um relatório de Raquel Rolnik ao Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), de março de 2009 explica o ciclo de preço das terras urbanas nos ciclos imobiliários: A escalada de preços da moradia e do aluguel é a reação normal do mercado aos desequilíbrios entre a oferta e a demanda. Em teoria, o mercado deveria se ajustar, aumentando a oferta e, consequentemente, diminuindo os preços. Infelizmente, há uma enorme distância entre a teoria e a realidade. Quando há crédito disponível e aumenta o capital financeiro em busca de oportunidades de investimento, cresce a concorrência por terras urbanas e seu preço, de maneira que somente as famílias de maior renda possuem condições de compra. (p.348, grifo nosso) Ou seja, a elevação do preço da terra urbana significa um ―novo‖ limite à abrangência da ―faixa econômica‖ do mercado habitacional, porque o custo da Edificação se eleva e uma parcela menor do conjunto de famílias poderá ter acesso à habitação, mesmo que pela via do crédito. Enquanto as condições de liquidez se mantiverem favoráveis, com quedas nas taxas de juros e alargamento dos prazos de financiamento, o ciclo ascendente continua se desenvolvendo, mas com limites cada vez mais estreitos pela questão imobiliária. Neste contexto, percebe-se que aqueles elementos externos à Construção que Farah (1996) apontava como limitantes ao ímpeto modernizador dos empresários do setor ─ o custo da terra urbana privada e os ciclos de crédito, foram liberados no período da globalização, tornando a meta da industrialização da construção um objetivo, de certa forma, extemporâneo. Então, é possível qualificar melhor os “booms” imobiliários, descritos de forma breve acima: são movimentos intensos, favorecidos pelo estoque de demanda habitacional reprimida, tão longevos quanto permitirem as condições de demanda, de liquidez e de preços da terra urbanizada. Trata-se de um período de intensa atividade, gerado pelo grande volume de liquidez que propicia o boom, mas de horizonte relativamente curto, seja pela reversão (previsível) da gestão monetária no período da 37 globalização, seja pelo limite do lado da oferta que o preço da terra representa. Cenário diverso daquele em que teria se dado a industrialização da construção, com forte regulação bancária, restrições à mobilidade de capitais, e de uso da função social da terra. 1.2. O segmento de Edificação e suas transformações Para avaliar as mudanças ocorridas no setor de Edificações no período recente, cumpre caracterizar o setor da Construção de forma mais geral, já que a atividade de Edificar, objeto último de análise, é um braço do setor da Construção como um todo, que abrange também as obras de Infraestrutura, ou as ―obras de engenharia civil‖, e, como já salientado, muitas vezes é impossível dissociar os resultados do segmento do setor como um todo tanto nas referências bibliográficas, como nas estatísticas disponíveis. Delimitar um setor em termos genéricos é uma tarefa de difícil consecução, especialmente quando se pretende fazê-lo em âmbito internacional. Na verdade, as atividades podem ser organizadas de forma particular em cada espaço econômico – o que implica em diferentes delimitações. Um dos recortes possíveis para delimitar um setor econômico, como feito no parágrafo anterior, é partir do seu produto final 10, semelhante em algum grau, nos diferentes espaços nacionais. No caso da Construção, são dois então os produtos finais típicos: as Obras de Engeharia Civil ou Infraestruturais (estradas, ferrovias, saneamento, pontes, redes elétricas, etc) e as Edificações (residenciais, comerciais, 10 De uma forma mais ampla, e remetendo aos sistemas de classificações de atividades, IBGE (2003) discorre sobre os critérios de agregação de unidades produtivas: As classificações de atividades econômicas são construídas para organizar as informações das unidades de produção, com o objetivo de produzir estatísticas dos fenômenos derivados da participação destas unidades no processo econômico. Servem para classificar as unidades de produção de acordo com a atividade que desenvolvem, em categorias definidas como segmentos homogêneos quanto à similaridade de funções produtivas (insumos, tecnologia, processos), características dos bens e serviços, finalidade de uso, etc. (Introdução, sem número). Em IBGE (2007), adota-se a seguinte definição: ―A atividade econômica das unidades de produção deve ser entendida como um processo, isto é, uma combinação de ações que resulta em certos tipos de produtos ou, ainda, uma combinação de recursos que gera bens e serviços específicos. Logo, uma atividade é caracterizada pela entrada de recursos, um processo de produção e uma saída de produtos (bens e serviços).‖ (Introdução, sem número). Há uma intrincada discussão sobre sistemáticas de agregação de unidades produtivas em setores de atividade – aquelas que tomam a similaridade do processo produtivo estariam privilegiando ―o lado da oferta‖, aquelas que tomam a similaridade do bem ou serviço final, privilegiariam o ―lado da demanda‖ – apresentada em ―Economic Classification Policy Comitee. Issues Paper N°1‖, disponível em http://www.census.gov/eos/www/naics/history/docs/issue_paper_1.pdf (acessado em fevereiro de 2011). 38 industriais, etc.) – e para chegar a eles diversas atividades econômicas são desenvolvidas: terraplanagem, demolição, implantação de canteiros de obra, etc11. A extensão da análise para a dinâmica imobiliária, justifica-se no caso das Edificações, neste estudo, pelo destaque crescente dessas atividades na bibliografia e mesmo na classificação setorial internacional – em que se adotou a associação do setor produtor de edificações ao de desenvolvimento do negócio imobiliário, inspirando uma ligação mais forte entre os dois sub-segmentos. Aqui atribui-se o crescimento de importância do desenvolvimento dos empreendimentos imobiliários ao padrão de financiamento à produção que vem se estabelecendo internacionalmente, dentro da lógica financeirizada de acumulação. A possibilidade de obtenção de lucros não apenas operacionais, mas também imobiliários (ganhos a partir da variação de preços dos imóveis, sem relação ao seu custo de produção), faz do setor de edificações especialmente afeito à lógica da financeirização da riqueza, o que seria, junto ao movimento de desregulamentação dos mercados imobiliários (físicos e financeiros), um incentivo à intensificação da internacionalização do segmento. Assim, a internacionalização do capital da Edificação, por sua vez, teria se desenvolvido tardiamente em relação ao capital da Construção Pesada, ligada às obras de Infraestrutura, não apenas pela liberalização mais específica em relação ao segmento, mas também pela liberalização financeira e ao interesse, apontado acima, de capitais centralizados nas economias industrializadas em valorizar-se com as operações imobiliárias mundo afora. 1.2.1. Caracterização geral A Construção é reconhecida como um setor produtor tradicional, já que seja qual for o grau de desenvolvimento das economias, elas contam com técnicas, mais ou menos modernas, para abrir estradas, estabelecer comunicações, construir habitações e prédios comunitários, etc. 11 Cada uma dessas atividades geram uma ―parte‖ de uma obra/edificação, ou seja, têm os seus próprios produtos. 39 Quando constituída em bases capitalistas, como um segmento que produz obras para o mercado, sua principal característica é a heterogeneidade. Os produtos finais das Edificações e da Infraestrutura são muito diferentes, têm demandantes distintos, exigem técnicas de construção específicas, assim como a própria gestão do negócio é particular, mas não raro, quando há uma conjuntura de expansão da demanda de edificações, as ―empreiteiras‖, empresas típicas da área de construção pesada, podem derivar seus negócios para aproveitar a oportunidade no segmento de construção de edifícios (FARAH, 1996)12– o que pode ocorrer também a partir de outros capitais, uma vez que há baixa barreira à entrada no segmento de Edificações, o que não ocorre para o segmento de infraestrutura. Entre as empresas de Edificações também há forte disparidade entre os produtos finais, exigências técnicas e financeiras. As edificações industriais, por exemplo, exigem uma complexidade de projeto13 e implementação que dificilmente será exigida em edificações residenciais. As novas tecnologias de informação e a evolução dos ―prédios inteligentes‖ também trouxeram uma complexidade adicional para a construção de alguns dos edifícios voltados ao setor de serviços, distanciando em alguma proporção da produção relativamente simples dos empreendimentos residenciais comuns – que não por acaso são tidos como o segmento das Edificações mais afeito à baixa produtividade e à informalidade, como indicam FIESP14 (2008) e Monteiro Filha et al (2010), por exemplo. Em economias com relativa escassez de mão de obra haveria a tendência de desenvolvimento de técnicas capital-intensivas de edificações e o desenvolvimento da indústria de materiais em direção à modernização. Neste sentido ressalta-se uma especificidade técnica do setor: cada obra pode ser única (não se replicar em outro lugar) e ter instalações produtivas igualmente únicas (os canteiros de obras). Ou seja, embora o setor seja comumente classificado como industrial, 12 Pelo porte das obras, das exigências técnicas e financeiras envolvidas, as empresas ligadas ao segmento de infraestrutura, ainda que se utilize uma ampla rede de subcontratação, são de maior porte que as de Edificações – o que lhes confere maior mobilidade inter-setorial (FARAH, 1996, p.62). 13 A cargo do setor de Engenharia e Arquitetura, muitas vezes contratados a outras empresas que não a construtora. 14 Na delimitação do objeto de estudo, FIESP (2008) aponta: É importante destacar que o foco deste trabalho é o sub-setor de edificações, que, dentre os sub-setores básicos da construção, edificações e construção pesada, é o que apresenta a maior diferença de produtividade, face aos EUA e UE. Na produção habitacional, o sub-setor de edificações sofre a concorrência forte da informalidade e sua conseqüente baixa qualidade, nas faixas de renda mais inferiores, apresentando um enorme déficit, visto que a produção é ainda insuficiente, sequer, para atender ao crescimento vegetativo da população. A única forma de reverter estes dois aspectos críticos é uma forte política de modernização, capaz de elevar a produtividade e reduzir os custos da produção, de modo a tornar a informalidade pouco atrativa. (p.12) 40 seu produto em geral é diferenciado e não prevê uma estrutura fixa de produção em que se estabeleça um processo ―ótimo‖ de produção. Tanto uma empresa pode trabalhar com estruturas pré-definidas de canteiros, com uma racionalidade pró-eficiência, tendo inclusive fornecedores de insumos pré-estabelecidos, com padrões dos insumos e tempos de entrega de materiais já detalhados a cada projeto, em uma produção próxima ao que se entende por industrial, como pode ser menos organizada e o ato de construir ser muito próximo ao de um sistema artesanal de produção – com os ―tempos‖ mal calculados, altos índices de perda de materiais e refacção de partes da obra. Em geral, onde há a predominância de sistemas mais artesanais de produção, o grau de informalidade tende a ser maior. A despeito disso, a situação mais comum, mesmo em economias desenvolvidas, é de heterogeneidade – tanto no sentido de haver convivência de empresas com organizações complexas, usando conteúdos tecnológicos e gerenciais avançados, com outras, pouco produtivas; como no da convivência de grandes e pequenas empresas, em que as primeiras, em pequeno número, teriam maior capacidade técnicofinanceira e se dedicariam às maiores obras, obtendo ganhos de escala, e as últimas, muitas, iriam de pequenas prestadoras de serviços, especializadas, com estratégias de nicho, a, e em maior número, empresas pouco organizadas, que muitas vezes atuariam de forma dependente, como subcontratadas. A flexibilidade de atuação entre os subsegmentos das Edificações também estaria associada ao tamanho das estruturas produtivas, e as pequenas empresas estariam vinculadas, sobretudo, à Edificação residencial: As grandes empresas de edificações são, portanto, capazes de atuar em vários dos segmentos deste subsetor, tendendo as pequenas empresas a se restringirem a obras de pequeno porte, que não requerem grande complexidade tecnológica e organizacional ou padrões elevados de qualidade. Tais obras tendem a se concentrar, como apontado anteriormente, na construção habitacional e em obras públicas, como creches, postos de saúde, etc. (FARAH, 1996, p. 68-69) De forma semelhante, Chaves (1985) aponta: A especialização dentro desse segmento parece não se orientar, propriamente, pela finalidade ou tipo de obra (edifícios comerciais ou residenciais) mas sim pelo porte dessa: grandes empresas que têm condições de executar qualquer tipo de obra, orientam-se ao longo de suas vidas por razões de mercado; as pequenas ficam, normalmente com as 41 edificações unifamiliares e reformas. Tem-se observado, todavia, que as construções modulares horizontais (conjuntos habitacionais) e, principalmente, as construções industriais se apresentam como atividade própria de grupos específicos de empresas. A atuação em outros subsetores não é típica desse segmento, embora possa ser observada a nível de algumas grandes empresas. (p.20-21) Como já aludido, também é característico das Edificações, sobretudo das residenciais e comerciais, o desdobramento dos lucros dos empreendimentos entre produtivos e imobiliários. Monteiro Filha et al (2010) apresentam esses conceitos com o auxílio da Figura 1, reproduzida abaixo. O lucro produtivo seria aquele que se realiza na atividade de edificar, strictu sensu, e pode ser ampliado pelos ganhos de produtividade na obra. O lucro imobiliário, por sua vez, estaria ligado a uma lógica em princípio externa à Construção, como explica Monteiro Filha et al (2010): O lucro imobiliário, por seu turno, está relacionado a condicionantes externos que atuam sobre o valor do imóvel, como localização e status da área, uma vez que o insumo básico para o processo construtivo nesse subsetor é a ‗terra urbana‘ (parcelas do território incluídas em área urbana), com níveis distintos de acesso à infraestrutura e a equipamentos urbanos, bem como limitações do direito de propriedade baseados em um conjunto de condicionantes estabelecidos nas distintas esferas de governo, tais como normas de manutenção de percentuais de área verde e limite de andares nos prédios, que irão influir diretamente na formação de seu valor (―efeito localização‖). Além disso, a terra é considerada um ativo, cuja lógica de valorização é externa ao segmento, já que está sujeita a práticas especulativas e a processos de valorização que não têm relação direta com o investimento produtivo. Portanto, após o processo de edificação (a construção do empreendimento propriamente dita), a terra realiza seu ‗valor potencial‘, por meio da transformação efetiva de uso propiciada pela construção. No entanto, esse valor gerado pela construção é apenas uma parcela do valor do produto final (o imóvel), que só irá materializar seu valor total após sua venda no mercado. (p.359-360) Havendo a possibilidade de subcontratação, não necessariamente uma única empresa organizará e erigirá os prédios de um empreendimento, podendo haver agentes especializados ─ uns operando com vistas ao lucro produtivo, outros ao lucro imobiliário ─ como o caso europeu (apontado na seção 1.1.2.), em que ―O crescimento da terceirização tem levado as grandes empresas europeias de Construção Civil a se distanciarem do 42 trabalho físico da construção e se fixarem nas funções de gerenciamento do empreendimento‖ (FIESP, 2008, p.32). Figura 2 Esquema das formas de obtenção de lucros na construção civil Lucro Imobiliário Externalidades Terra Produção de Valor do Edificações Imóvel Regulação Lucro Produtivo Fonte: Elaboração da autora, com base em Monteiro Filha et al (2010). Até a década de 1970, além das características mais gerais já citadas, assinalava-se a reduzida abertura do segmento ao capital estrangeiro, a baixa importação de insumos, e a forte influência do setor Governamental sobre a Construção (WERNECK, 1978). Os Estados podiam influenciar o segmento de diversas formas: como demandantes diretos de obras e edifícios, como reguladores da exploração do solo e das propriedades, como formuladores de normas técnicas e trabalhistas, de currículos mínimos para as escolas técnicas, como responsáveis pela organização do sistema de financiamento. Ainda hoje, todas as características acima arroladas aparecem na maioria dos estudos sobre o segmento como típicas do setor, e a industrialização é apresentada como um desfecho esperado das relações no mercado de trabalho (relacionadas à demografia e à qualificação). A principal distinção dos estudos setoriais atuais parece ser a menor ênfase na importância do Estado como demandante e regulador das condições creditícias e fundiárias – e, nessa literatura, essa ausência parece não exercer mudança significativa sobre o produto e o modo de produzir do setor. Defende-se aqui que a mudança do “padrão mais geral de acumulação”, do paradigma keynesiano, vigente entre o pós-guerra até os anos 1970, para o da globalização, que preponderou na sequência, pode ter alterado características importantes do segmento, com impactos no seu grau de “modernização”. 43 No segundo período, o barateamento dos transportes, o avanço das comunicações e as sucessivas rodadas de liberalização favoreceram não apenas o comércio internacional de insumos da Construção (ainda que em escala inferior ao de outros segmentos), mas mesmo o de serviços da Construção, os investimentos estrangeiros e relações contratuais entre residentes e não-residentes, assim como os financiamentos das mais variadas modalidades na área. Os movimentos de regionalização, complementares ao da globalização (COUTINHO, 1995), também tiveram impactos substantivos na mobilidade do capital e, no caso da União Europeia, do trabalho, alterando tendências que pareciam unívocas em direção à industrialização da Construção na parcela desenvolvida da Europa. Nota-se na bibliografia uma forte preocupação europeia com a evolução das subcontratações e terceirizações no segmento, cada vez mais associadas à precarização das condições de trabalho na Construção das economias mais desenvolvidas da região, que acabaram por desencadear movimentos políticos em favor da ―equalização‖ das condições trabalhistas coadunando com as evidências apresentadas na seção 1.2.2., de uma regressão na organização do setor, que pode ser uma das explicações para a perda de ímpeto, senão de regressão, dos ganhos de produtividade do setor local. A discussão em torno de um salário mínimo, da seguridade social e de contribuições e impostos sobre salários em âmbito regional viriam para evitar o que se denominou dumping social na região (HOUWERZIJL, M, PETERS, S. 2008, p.2). Ou seja, tendências unidirecionais, trazidas pelo avanço demográfico, técnico e de gestão, foram alteradas a partir da liberalização, que permitiu ao capital se reorganizar arbitrando custos do trabalho e legislação trabalhista. A Construção, aliás, é conhecida pelo largo uso de mão de obra imigrante (ILO, 2009), e a pressão para nivelar o jogo no tocante ao mercado de trabalho é uma das formas de conter, quando conveniente, esse movimento. Quando não há permissão legal para a mobilidade da mão de obra entre países, verifica-se certa condescendência com a imigração ilegal nos ciclos ascendentes e ―programas‖ de repatriação nas crises ─ movimentos tipicamente ―extra-mercado‖. Outra característica que foi fortemente alterada no período da globalização foi, como já explorado, o padrão de financiamento. São dois os fenômenos observados: a 44 perda de importância do financiamento estatal e a crescente importância do financiamento privado desintermediado (via mercado de capitais). A emergência do ―Estado Mínimo‖ como Estado ideal, limitou tanto a sua capacidade financeira como de planejamento – restringindo sua atuação sobre a demanda de obras, seu poder regulador sobre o crédito voltado ao segmento e mesmo sobre a consecução de políticas setoriais, voltadas à Construção. Assim, na infraestrutura, foram estabelecidos novos arranjos de financiamento, como as privatizações e as parcerias público-privadas, por exemplo. No campo das Edificações, em que os longos ciclos de produção exigem financiamento de maior risco, assim como o alto valor unitário do produto final exige financiamento de prazo ainda mais longo à comercialização, o mercado de capitais vem sendo cada vez mais importante para o fluxo dos negócios. Para a produção de edifícios mais e mais as construtoras vêem na abertura de capital e nos títulos de dívida uma forma de obter financiamento para a produção e o investimento, e mesmo ―nas boas relações com o mercado‖ um meio de acesso ao crédito bancário tradicional (de curto prazo). Para a comercialização de edifícios, a securitização vem se estabelecendo como forma complementar ao crédito bancário tradicional, assim como a indústria de ―fundos‖ garante liquidez aos títulos imobiliários – os créditos securitizados. Há inovações financeiras como as de alguns fundos imobiliários, que financiam empreendimentos e depois exploram tanto as suas rendas (aluguel, leasing), como os ganhos patrimoniais que gerarão na venda dos imóveis, em um momento oportuno. Sem dúvida, nas Edificações, a parcela mais afetada pela limitação das funções do Estado foi a da moradia para a baixa renda, que, pelas condições de risco, sem garantias e subsídios estatais, pouco interessa ao capital bancário-financeiro. O maior avanço do segmento imobiliário sobre o de Edificações, do ponto de vista aqui adotado, decorreria da dinâmica apontada de recuo, em certo sentido, do Estado sobre a questão habitacional, e de avanço dos mercados financeiros, que no caso da produção, financiam a Edificação com vistas ao ganho imobiliário, em uma lógica financeirizada. Em uma lógica em que os ganhos de renda se subordinam aos ganhos patrimoniais, é plausível supor que a Incorporação Imobiliária esteja liderando as operações da Edificação, stricto sensu. As grandes empresas do segmento cada vez mais procuram explorar os lucros imobiliários para valorizar seu próprio patrimônio, gerar valor aos 45 seus acionistas, e assim criar maior potencial de financiamento – uma vantagem competitiva determinante no segmento. No bojo desse movimento, mais uma vez se reforça a tendência à terceirização, já que cresce o número de empresas cuja atividade principal é organizar o negócio imobiliário, sem necessariamente se envolver com a atividade construtiva em si. Uma referência para a importância relativa do capital imobiliário nas Edificações foi encontrada na evolução das classificações internacionais de atividades. Acredita-se que a evolução dessas estruturas deve revelar, mais que o desenho médio do setor no mundo, o estado da arte – ou seja, tendem a descrever estruturas mais próximas à existente nos países industrializados, aquilo que se entende por uma estrutura ―desenvolvida‖ do setor, referência para os estudos setoriais nos países em desenvolvimento. A ISIC é uma classificação de atividades econômicas, elaborada pela divisão de estatísticas da ONU, com base em discussões de âmbito internacional, que é referência para os sistemas estatísticos nacionais. Desde a sua primeira versão, de 1948, já passou por 4 revisões e a sistemática atual é de revisões quinquenais 15. A CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) é a versão brasileira desse esforço internacional de sistematização de estatísticas e foi implantada no país apenas na segunda metade dos anos 1990, em meio ao avanço da conversão do sistema estatístico nacional de censitário para amostral (GARCIA, 2006), a exemplo do que se desenvolveu nos países desenvolvidos. Os Quadros 1 e 2 (abaixo) trazem a composição tanto do setor da Construção como do de Atividades Imobiliárias segundo as duas últimas versões das classificações internacional e local (ISIC Rev. 3.1, de maio de 2002, e a CNAE 1.0, de 2003, no Quadro 1 e a ISIC Rev. 4, de 2007, publicada oficialmente em 2008, e a CNAE 2.0, de 2007, no Quadro 2). A CNAE, tal como recomenda a ONU (UN, 2003, p.6), se compromete a manter os dados das atividades agregadas a dois dígitos idênticos aos da ISIC (no nível das divisões), de forma que, para as atividades aqui exploradas, que não contemplam exceções, serão 15 As recomendações internacionais também abrangem métodos de mensuração da atividade informal – que é bastante comum no segmento da Construção. Em ISIC (2008, p. 280) destaca-se a dificuldade de mensurar essa parcela das atividades em nível desagregado. Em geral os dados são captados em pesquisas domiciliares ou específicas, e no caso da Construção, ainda que não se desagregue os dados por segmento, naturalmente a informalidade estará associada especialmente ao segmento de Edificação. Essas atividades não serão tratadas, ao menos em profundidade, no presente estudo. 46 encontradas diferenças entre a classificação local e a internacional apenas a partir do terceiro nível de agregação. Segundo o IBGE (2003), o maior detalhamento da classificação local (no nível dos grupos e das classes) decorre da necessidade de identificação de segmentos importantes na caracterização da estrutura produtiva do País e da demanda de usuários e produtores de informações. Observando os quadros, verifica-se que nas versões mais recentes a atividade de edificar saiu do quarto para o segundo nível de agregação, com resultados ―isolados‖ dos das obras de engenharia civil, o que contribui para acompanhar os resultados específicos do segmento. A classificação do início da década (a Rev. 3.1) se orientava pelos estágios das obras (ISIC Rev.4, p. 290), e, com o destaque das ―Atividades Especializadas de Construção‖, a divisão 43 da nova classificação, a ISIC passou a separar as demais atividades segundo o produto final (edificações e obras infraestruturais) 16. A mudança mais relevante, entretanto, é que a atividade de Incorporar, na classificação CNAE, foi transferida dos ―Serviços Imobiliários‖, junto às atividades de compra e venda de imóveis, para a ―Construção de edifícios‖ – configurando o grupo ―Incorporação de empreendimentos imobiliários‖ (411), com atividade destacada da ―Construção de edifícios‖ (412 - grupo com mesmo nome da divisão), retratando a reclassificação em âmbito internacional e confirmando a crescente importância da atividade de Incorporar para a condução dos negócios do segmento de Edificações. 16 Essa mudança ocorre em conjunto à implementada na classificação internacional de produtos em que dos ―Serviços da Construção‖ (CPC Ver. 1.1) passa-se à seção ―Construção e serviços da Construção‖ (CPC Ver. 2), que compreende os ―Edifícios‖, as ―Obras de Engenharia Civil‖ e os ―Serviços da Construção‖. 47 more than just paper subdivisions. The activities to move would be instances where the land is actually improved by the addition of basic infrastructure (e.g., water, sewer, utility access) as part of the development and subdivision process. (UN, 2003, p.13). E mesmo na versão final da Classificação Internacional, essa atividade aparece de forma genérica, na definição da seção (F: Construção), sendo então aplicável a todas as divisões: This section also includes the development of building projects for buildings or civil engineering works by bringing together financial, technical and physical means to realize the construction projects for later sale. If these activities are carried out not for later sale of the construction projects, but for their operation (e.g. renting of space in these buildings, manufacturing activities in these plants), the unit would not be classified here, but according to its operational activity, i.e. real estate, manufacturing etc. (ISIC Rev 4, 2008, p. 172). A atividade de incorporação é prevista em lei no Brasil – e talvez por isso, pela existência de uma pessoa jurídica específica, haja o destaque da atividade na classificação local. Pela Lei 4.951/1964, que regulamenta a Incorporação no Brasil, ela seria a atividade: […] exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial (antes da conclusão das obras), de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, sob o regime de condomínio. O incorporador vende frações ideais do terreno, vinculadas às unidades autônomas (apartamentos, salas, conjuntos etc.), em construção ou a serem construídas, obtendo, assim, os recursos necessários para a edificação. Pode também alienar as unidades já construídas. E, neste sentido, o incorporador é […] a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que, embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceita propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, em certo prazo, a preço e em determinadas condições, das obras concluídas. 50 Estende-se a condição de incorporador aos proprietários e titulares de direitos aquisitivos que contratem a construção de edifícios que se destinem à constituição em condomínio, sempre que iniciarem as alienações antes da conclusão das obras. Seja como for, mais do que uma diferenciação técnica, em que ao se fracionar propriedades também se provê serviços típicos da Construção, como sugerido pela ONU (2003), acredita-se, como já ressaltado, que a aproximação da Edificação 17 à Incorporação deriva do padrão de financiamento crescentemente baseado no mercado de capitais, que privilegiaria as empresas que além do ganho produtivo poderiam se beneficiar dos ganhos patrimoniais ligados à valorização imobiliária, e à correlata perda de importância do Estado como promotor de políticas habitacionais, regulador das condições de crédito, ordenador da questão fundiária urbana. É interessante notar que a classificação de atividades econômicas norte-americana NAICS (North American Industry Classification System) já trazia uma atividade próxima à da Incorporação brasileira junto ao segmento da Construção desde 2002, quando substituiu a classificação anterior (SIC – Standard Industrial Classification). A citação abaixo apresenta as funções do segmento da Construção (divisão 23) naquela nomenclatura que compreende atividades de divisão de terrenos em unidades autônomas, de gerenciamento da construção e venda dos imóveis – tal como a função de incorporar: The construction sector comprises establishments primarily engaged in the construction of buildings or engineering projects (e.g., highways and utility systems). Establishments primarily engaged in the preparation of sites for new construction and establishments primarily engaged in subdividing land for sale as building sites also are included in this sector. […] Establishments primarily engaged in activities to construct buildings to be sold on sites that they own are known as operative builders, but also may be known as speculative builders or merchant builders. Operative builders produce buildings in a manner similar to general contractors, but their production processes also include site acquisition and securing of financial backing. Operative builders are most often associated with the construction of residential buildings. Like general 17 É importante adiantar que para a classificação das unidades produtoras (empresas) nos sistemas estatísticos, em geral o que vale é sua atividade principal – ou seja, os estabelecimentos podem desenvolver mais de uma atividade, mas será a atividade central da empresa, que determina a maior parte do valor adicionado, que determinará sua classificação (IBGE, 2007). Não raro e especialmente entre as grandes empresas Brasileiras, como se verá no capítulo 3 deste estudo, as Incorporadoras têm suas próprias Construtoras e/ou escritórios de engenharia – como empresas independentes ou ―subordinadas‖, tidas como atividades secundárias. 51 contractors, they may subcontract all or part of the actual construction work on their buildings.18 Os ―New Housing Operative Builders‖ (236117) construiriam, tal como os incorporadores, com o intuito de venda das edificações: This U.S. industry comprises operative builders primarily responsible for the entire construction of new houses and other residential buildings, single-family and multifamily, on their own account for sale. Operative builders are also known as speculative or merchant builders. Esses ―especuladores da Construção‖, no caso, do segmento imobiliário residencial, teriam como alvo a obtenção de ―lucros imobiliários‖, na acepção de Monteiro Filha et al (2010). A demarcação entre as atividades da Construção e Imobiliárias ―puras‖, então, para as classificações aqui exploradas, seria a Edificação direcionada à venda do imóvel. Todas as demais atividades de construção com vistas à exploração do imóvel, seja para o uso próprio ou para obter rendas (aluguel, leasing), são tidas como atividades puramente imobiliárias. Na literatura em geral pouco se fala sobre essa demarcação – talvez porque no próprio mundo dos negócios exista um emaranhado de atividades, envolvendo diferentes pessoas jurídicas atreladas a um mesmo empreendimento, que não justifique a clivagem – mas que para o objetivo aqui traçado é muito importante. Sobretudo na literatura estrangeira, ou mesmo local, que cada vez mais faz uso de estrangeirismos, a designação ―Real Estate‖ pode englobar tanto negócios da Construção – nos moldes das Incorporações – como da atividade imobiliária, stricto sensu. Na verdade, pode-se dizer que o Real Estate19, se atém à atividade ―real‖, de criação do bem imóvel, com vistas ao lucro imobiliário, e aos ativos criados a partir do imóvel – o próprio imóvel, as hipotecas, os certificados de recebíveis, etc –, gerenciados por uma parte relevante do mercado de capitais. Belkaïd (2008), de forma livre, descreve a larga “esfera de influência” da indústria imobiliária residencial. Ela envolveria: 18 disponível em http://www.census.gov/cgi-bin/sssd/naics/naicsrch?code=23&search=2002 NAICS Search. Acesso em fevereiro de 2011. 19 Para uma interessante discussão a respeito dos limites dessas designações, ver Royer (2009, p.40-42). 52 […] a atividade econômica ‗real‘, o crédito, o consumo doméstico e o uso que as famílias fazem de suas poupanças com vistas a constituir um patrimônio. Segundo as avaliações mais freqüentes, essa área - que agrupa de um lado as agências, os financiadores, a corretagem, e, de outro, as construtoras – é o oitavo empregador do mundo. Cerca de 80% dos postos de trabalho estão no campo da edificação.‖ 1.2.2. Internacionalização da Construção A internacionalização do segmento de infraestrutura é um movimento de longa data, e o de Edificações, especialmente do segmento residencial, é um fenômeno mais recente. Os produtos da Construção são não comercializáveis e por isso, em nível internacional, o aproveitamento da demanda externa se dá pela venda (exportação) de serviços da construção, pelo investimento direto estrangeiro (IDE), ou por outros arranjos contratuais com produtores locais. Sendo assim, o principal móvel da internacionalização da Construção seria a busca de mercados. A internacionalização das empresas da Construção, por sua vez, é particularmente justificável pela forte ciclicidade a que estão submetidas nas economias nacionais. A demanda por obras infraestruturais e de edificações é relativamente concentrada no tempo e sujeita a picos, de forma que a diversificação geográfica de riscos é uma motivação bastante forte para a internacionalização da Construção. O processo de internacionalização produtiva e financeira do segmento também foi afetado pela nova sistemática de financiamento e valorização da riqueza. No pós-guerra, enquanto o segmento produtivo de Edificações era alvo de proteção, sobretudo por ser fortemente empregador e apresentar grande efeito multiplicador, as grandes empreiteiras (empresas produtoras de obras de infraestrutura) continuaram no seu processo de internacionalização sob o patrocínio do financiamento das agências internacionais de financiamento – notadamente o Banco Mundial – que, ao exigir especificações técnicas nos contratos de financiamento, acabavam por favorecer as empresas dos países desenvolvidos (UNCTAD, 2000b). No período recente, por sua vez, dado o avanço da liberalização no setor de serviços, a queda de algumas das barreiras aos fluxos de capital, e mesmo à nova inserção econômica do Estado, o mercado financeiro estaria propiciando o avanço da internacionalização das Edificações, também com base nas condições de financiamento. 53 A capacidade financeira das empresas vindas do Centro, conferida por seus sistemas financeiros nacionais, favoreceria a sua internacionalização, seja na versão produtiva, seja na financeira. À heterogeneidade típica do setor, somar-se-ia então o agigantamento das estruturas internacionalizadas. Na citação abaixo, UNCTAD (2000) apresenta a heterogeneidade em escala nacional e destaca a atuação das grandes empresas da Construção dos países industrializados no mercado internacional. Seriam essas as estruturas que estariam investindo e atuando, com parcela importante do faturamento, no mercado internacional: Physical construction services are those required for the physical creation of investment projects. They bring together labor, material and equipment in order to translate the techno-economic specifications produced by the architectural, engineering and design services into concrete physical entities such as industrial plants, infrastructure projects and the like. While construction services require general and specialized engineering and managerial skills, they also make considerable use of unskilled and semiskilled labor. Construction firms can be private or state-owned, sectoral or multisectoral, specialized in certain types of engineering design and construction services or highly diversified. The market structure is characterized by a large number of small firms active in limited geographical areas, and a relatively small number of large firms, which compete in the world market for large-scale projects, from which they obtain at least 35% of their total billings. At present in developed countries, for example, large companies are making increasing investments, while small firms are able to succeed only by offering very low bids. Such uneven performance in the industry itself was also found in developing countries (p. 7, grifo nosso). É com base em todas essas transformações no modus operandi da Construção que se acredita que o móvel da internacionalização da produção de edificações é antes de tudo o “negócio imobiliário”, aquele que incorpora o lucro imobiliário na acepção de Monteiro Filha et al (2011). Tradicionalmente, tinha-se que alguns elementos como os padrões técnicos, climáticos, culturais, constituíam uma barreira natural à internacionalização das atividades no segmento de Edificações. Neste sentido, a edificação residencial seria a última fronteira de valorização do capital no segmento da Construção que havia se mantido relativamente intacta ao capital internacional – o que estaria se alterando. Se para a própria indústria de transformação são poucos os exemplos de produtos verdadeiramente globais (OHMAE, 54 1998), a idéia de padronização das edificações residenciais fica ainda mais distante. O processo de internacionalização das Edificações não vem se dando no sentido de expor a mercados locais um produto internacionalizado, mas de capitais internacionalizados que se associam a empresas locais, a fim de aproveitar o crescimento dos negócios no mercado local ou regional. UNCTAD (2000) verificou uma forte aceleração da internacionalização produtiva da Construção com os descensos econômicos do início e do final da década de 1990: With the economic slowdown, which occurred at the beginning of the 1990s, companies in developed and developing countries, alike faced increased domestic competition. Companies in developed countries started looking more actively for the opportunities abroad and were quite successful in this strategy. In the aftermath of the Asian financial crises, the regional construction service market was facing structural problems of overcapacity, including in materials, and falling private and public spending. Tightening credit conditions and debt accumulated by many of the companies have put the whole sector at risk, forcing companies – as in developed countries - to look for opportunities outside their domestic market. (p.6) O setor se reorganizou em novas bases, em que a terceirização e as relações contratuais tornaram-se um elemento importantíssimo para o avanço da internacionalização, com uma certa divisão de trabalho com as empresas dos países em desenvolvimento: Subcontracting has proved to be an entry point to the international market for small and medium-sized construction firms from developing countries and also transition economies. This appears to be because developing country firms seem to have inadequate capacities for executing overall management of large construction projects and are usually subcontracted for other specialized services. However, recent trends have also produced formal long-term agreements involving knowledge sharing in the design and execution phase of investment projects. Unfortunately, weak domestic banking systems have limited the credits available to construction companies in developing countries. To overcome this shortcoming, companies have been choosing to seek strategic partnerships or equity buyouts. However, finding potential investors – both, domestic and foreign – has proved to be a complicated task. (UNCTAD, 2000, p. 6-7) Nota-se nas citações que as principais vantagens atribuídas às transnacionais originárias de economias desenvolvidas são a qualificação técnica e a capacidade 55 financeira. Destaca-se a insuficiência de fundos a que estão submetidas as empresas dos países em desenvolvimento para o aproveitamento do ―mercado global‖ – o que vinha sendo contornado, ao menos em parte, pelo Sistema Financeiro Internacional. Para as empresas de Edificações dos países em desenvolvimento que não estão disputando espaço no mercado internacional, mas que querem se expandir em seu mercado local, a associação com estrangeiros pode ser uma alternativa interessante, sobretudo pela capacidade financeira que aqueles carregam. A observação diz que nas Edificações comerciais e residenciais, mais que em outros segmentos, a internacionalização produtiva e financeira caminham muito próximas, já que os arranjos entre estrangeiros e produtores locais são muito comuns e a disponibilidade de capital, ou o simples acesso a ele, é a principal vantagem do negócio para o produtor local, uma vez que a densidade técnica da edificação comercial e residencial minimiza o peso da vantagem tecnológica do produtor internacional. Caminham próximas também porque alguns agentes que exploram os ―ativos produtivos‖ das Edificações (associações com produtores locais) também exploram ―ativos financeiros‖, derivados da propriedade imobiliária ─ atuam de ―forma ampla‖ no segmento de Real Estate. Assim, no caso das Edificações, na globalização, o crescimento dos negócios em uma economia combinaria tanto a internacionalização produtiva, como a financeira, já que a expansão da produção de edificações, em si, potencializa, a depender da regulamentação local, a expansão do mercado de ativos financeiros que se desenvolvem a partir do imóvel. Aquele capital, que busca a valorização transitando entre suas diversas formas particulares, apontado por Chesnais (2005) e Braga (1998), encontra um espaço de valorização extremamente profícuo no segmento. A associação de empresas locais da Edificação a capitais estrangeiros pode significar, neste sentido, um salto no nível de atividade local e essa ―associação‖ pode se dar tanto no nível operacional, como no financeiro. Como colocado por Chesnais (1998), alguns gerentes de fundos globalizados têm tal confiança ―do mercado‖, que os recursos que eles injetam nos negócios inicialmente é somente uma parcela pequena do que podem atrair – tanto em termos de capital líquido, como mesmo de produtivo, pois com suas ―aplicações‖ chancelam a perspectiva de crescimento dos negócios na economia e no setor onde estão apostando. Neste contexto, as operações financeiras correm em paralelo aos 56 IDEs, que podem assumir a forma de participação acionária relevante em empresas locais (ao menos 10%, como assinalado), ou de arranjos contratuais típicos do setor, como as Sociedades de Propósito Específico (SPEs), por exemplo, que configuram um IDEs com a vinculação a um único empreendimento específico, ou outras formas contratuais. A prevalência das associações entre o capital local e o estrangeiro, sobretudo pela capacidade financeira que o último carrega, pode corroborar o desenvolvimento teórico de Carneiro (2007) de que parte dos IDEs na globalização não redundam em mudança de padrão técnico. Neste sentido, o salto do nível de atividade que a entrada de estrangeiros promoveria pode não significar um salto no nível de produtividade ─ tal como tem sido observado no caso brasileiro, retratado no capítulo 3 deste estudo. 1.2.2.1. Formas de internacionalização e barreiras ao capital internacional de edificações Para vários segmentos dos serviços o IDE, ou mesmo o estabelecimento de Relações Contratuais com produtores locais, são as opções mais razoáveis de internacionalização que o comércio (UNCTAD, 2004). No caso da Construção, em que muitos contratos são de longo curso, ou mesmo em que se exige a presença comercial do prestador de serviço para que os contratos sejam estabelecidos, o IDE ou o estabelecimento de alguma Relação Contratual com produtores locais pode se tornar uma imposição (MSITS, 2010 e UNCTAD, 2010). Para a internacionalização dos serviços nos segmentos onde a produção e o consumo se dão de forma simultânea, como a Construção, pode-se dizer que os IDEs têm como motivação a busca de mercado, e a barreira por excelência à internacionalização seria a imposição de restrições à operação de firmas estrangeiras sob a forma de ―presença comercial‖, assim como no caso da prestação de serviço com ―presença de pessoas naturais‖, as restrições à mobilidade do fator trabalho significariam a impossibilidade da internacionalização. No caso da restrição a firmas não-residentes, são poucas as economias que ainda impõem barreiras explícitas ao IDE. Para a presença de pessoas naturais, a situação é diversa – já que existem processos legais intrincados para que se consiga vistos de trabalho em diversas economias, e para a prestação de serviços técnicos são feitas 57 exigências como o reconhecimento de diplomas para a habilitação profissional local, entre outras. A mobilidade do capital ainda é muito superior à do trabalho. UNCTAD (2006) procurou mensurar as barreiras aos IDEs em serviços nos países em desenvolvimento e nas Economias em Transição, identificados no ano de 2004, construindo um índice que variava de 0 a 1 – indo da total liberdade de atuação do capital estrangeiro na economia local ao simples impedimento da entrada. Foram consideradas para a construção do índice as restrições diretas à propriedade de empresas por estrangeiros (tendo peso inclusive o percentual de participação no capital), a necessidade de registro e aprovação da operação de estrangeiros e as restrições pós-investimento. A primeira restrição é considerada a mais relevante, já que determina a possibilidade de atuação, ou não, de estrangeiros no mercado local. A segunda é a que está mais sujeita às idiossincrasias locais, já que o registro e aprovação das operações das empresas estrangeiras podem ser deliberadamente postergados ou mesmo negados, em nome do interesse nacional. Entendeu-se como restrição pós-entrada, restrições operacionais – aquelas ligadas à movimentação de pessoas, como discriminação de nacionalidade de gerentes, membros do conselho ou trabalhadores. O resultado geral da análise foi que as barreiras ao investimento externo em serviços são relativamente baixas – sendo a América Latina e os países do Leste Europeu relativamente mais abertos que os países em desenvolvimento da Ásia. Especificamente para os serviços da Construção, constatou-se que o segmento é um dos mais liberalizados entre os serviços em geral, sendo menos aberto apenas comparado aos serviços relacionados ao meio ambiente – um segmento relativamente novo para as economias. Em uma lista de 50 países, cinco limitavam a participação de estrangeiros no capital de empresas da Construção a até 49,9% das ações (Egito, Indonésia, México, Qatar, Thailandia), seis limitavam aquela participação a algo entre 50% e 99% (Ghana, Índia, Kenya, Paraguai, Filipinas, Arábia Saudita) e os demais (entre eles o Brasil), não tinham legislação limitando a participação estrangeira no capital de empresas locais. Os autores salientam, por sua vez, que os resultados encontrados são consequência do processo de liberalização ao Comércio e ao IDE de serviços, observado desde a década de 1990 – um processo ainda em curso. Em março de 2005, por exemplo, a Índia promoveu uma ampla 58 reforma dos regulamentos em torno dos IDEs no segmento de Real Estate, impactando sobre o segmento da Construção, não captada por UNCTAD (2006). O esforço de UNCTAD (2006) dá uma primeira aproximação das dificuldades do capital estrangeiro em aproveitar o crescimento dos negócios de outras economias que não a sua de origem, mas outras barreiras devem ser avaliadas. Segundo MSITS (2010), as limitações mais frequentes ao tratamento nacional das empresas da Construção seriam a elegibilidade de ofertantes estrangeiros a subsídios locais e a restrição à posse de terras por estrangeiros. UNCTAD (2000) também coloca as compras governamentais como uma fonte de discriminação do capital estrangeiro. O acesso à terra e à propriedade e a possibilidade de subdivisão de glebas é essencial no negócio imobiliário e, como alerta UNECE (2003), vai além das questões meramente econômicas: Restrictions of rights in land and real properties are a highly sensitive issue. It is subject to cultural legal and historic traditions that develop in countries over centuries. Thus countries demonstrate different views on what can be considered a restriction of rights in land and real property. A restriction in one country may not be treated or considered as such in another. (p.4) UNECE (2003) coloca o direito à propriedade como um importante elemento para a atração de IDEs, nos mais variados segmentos, e que é comum haver restrições ao acesso à propriedade de ―terras‖ por estrangeiros segundo o local (áreas de referência para a segurança nacional, de valor histórico/cultural, etc), o ―tipo‖ de terra – agricultável ou não, e o tamanho de gleba. Afora à questão da aquisição de terras, para MDIC (2002), as maiores dificuldades impostas aos estrangeiros no segmento da Construção estariam nas normas e legislações domésticas que em geral não os discrimina explicitamente, mas que impõem a eles uma dificuldade maior de operação que ao capital nacional. As próprias associações patronais locais sugerem normas técnicas específicas que dificultam a concorrência para estrangeiros. As barreiras não-tarifárias vão desde padrões técnicos, culturais, de meio ambiente ao de registro profissional. UNCTAD (2000 e 2000b) procuram levantar as principais dificuldades dos países em desenvolvimento de se beneficiarem da internacionalização dos serviços da Construção e 59 apontam, de forma mais detalhadas as questões apontadas por MDIC (2002) – referente ao aparato regulatório local e a mobilidade de mão de obra. A referência para acordos internacionais de transações no setor de serviços é o GATS (General Agreement on Trade in Services), um dos acordos sob a OMC, fixado a partir da Rodada do Uruguai – o primeiro conjunto de disciplinas e regras no nível multilateral para cobrir o comércio internacional de serviços (MSITS, 2010). O GATS, válido desde 1995, teria como objetivo, além de promover a liberalização do comércio de serviços, que se justificaria pelo maior crescimento econômico que desencadearia, elevar a participação dos países em desenvolvimento no comércio internacional de serviços. UNCTAD (2000), levando em consideração o desenvolvimento dos mercados e os acordos firmados no GATS, aponta como grandes fragilidades das empresas da Construção de países em desenvolvimento, mais uma vez, a qualificação técnica (e o acesso e/ou desenvolvimento de tecnologia) e o acesso ao financiamento. Para superar o ―atraso‖ técnico UNCTAD (2000) e UNCTAD (2000b) sugerem que aquelas firmas deveriam procurar desenvolver parcerias com empresas dos países desenvolvidos – seja nos mercados locais, seja nos próprios países desenvolvidos, para adquirir o expertise necessário para atuar no âmbito internacional. Isso poderia ser exigido por governos locais e/ou por organismos internacionais de financiamento, como o Banco Mundial – que já exigiria a participação de Construtoras locais nas obras erigidas nos próprios países em desenvolvimento, financiadas pela instituição. A atuação do Banco Mundial, por sua vez, tem ido além do financiamento a grandes obras de infraestrutura – como o fez desde a sua criação. Especialmente através do seu braço privado – o IFC (International Finance Corporation) – o Banco tem patrocinado o modelo de securitização de créditos imobiliários desenvolvido nos EUA, tornando-se sócio de empresas securitizadoras em alguns países em desenvolvimento no intento de dar maior confiança e liquidez aos mercados daqueles papéis. Sua motivação, em princípio, seria ampliar as possibilidades do financiamento imobiliário, inclusive residencial, potencializando o desenvolvimento das economias receptoras de recursos. Esta sistemática já foi aplicada no México e no Brasil. No âmbito do financiamento, a IFC vem apoiando o desenvolvimento da securitização no Brasil. Em 2004 tornou-se sócia da CIBRASEC – Companhia Brasileira 60 de Securitização – adquirindo aproximadamente 10% do seu capital; e em 2006 concedeu R$ 50 milhões (o equivalente a aproximadamente US$22 milhões) em um financiamento de cinco anos para a Rio Bravo Securitizadora S.A. – recursos que deveriam ser direcionados para o financiamento imobiliário. O IFC, por outro lado, também vem atuando ―no lado da oferta‖, como se verificará no terceiro capítulo do estudo, se associando a uma incorporadora local, mas de capital estrangeiro, para erigir empreendimentos habitacionais para a baixa renda. O avanço na liberalização financeira no período da globalização sem dúvida foi maior que a própria liberalização do comércio e do investimento direto, gerando fluxos intensos de capitais de difícil discriminação setorial. Há poucas estatísticas formalizadas sobre a que setores produtivos o capital líquido entrante nos países se destina, o que seria importantíssimo para verificar a possível formação sobreinvestimentos, como Belluzzo (1999) identificou na crise asiática de 1997. 1.2.2.2. A internacionalização, segundo os dados agregados Grande parte dos fluxos de capital estrangeiro em torno do setor da Construção se movimenta dentro do circuito seleto dos países desenvolvidos, já o volume de negócios naquelas regiões ainda é muito maior que nos países em desenvolvimento. Em 2008 o valor adicionado pela construção nas economias desenvolvidas foi de US$ 2,25 trilhões, enquanto no conjunto de economias em desenvolvimento o valor gerado foi de US$ 911 bilhões. O que ocorre, por outro lado é um crescimento da atividade nos países em desenvolvimento superior à observada nos países desenvolvidos – como mostra o Gráfico 7. O crescimento do valor agregado pela Construção, em dólares, nas economias em desenvolvimento foi de 450% entre 1980 e 2008 e nas economias desenvolvidas, de 327%. Os tipos de serviços que economias em desenvolvimento e desenvolvidas absorvem também são diferenciados. UNCTAD (2006) dimensiona o mercado mundial em US$ 3,2 trilhões e especifica: The world construction market is estimated at US$ 3.200 billion. Over the last two decades, up to 70 percent of construction business opportunities in international markets, as measured by the size of contracts, were found in developing countries, primarily in infrastructure projects; in developed 61 countries, up to 40 percent of similar work was devoted to repair and maintenance. (p.4) Gráfico 7. Valor adicionado pela construção em economias desenvolvidas e em desenvolvimento (valores correntes). Número índice. 1980 a 2008. 600 500 400 300 200 100 0 Economias desenvolvidas Economias em desenvolvimento Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da UNCTAD. A hipótese de que parte da demanda local tenha sido atendida pelo fornecimento internacional de serviços vem das estatísticas do setor. O Gráfico 8 (abaixo), apresenta a evolução real do comércio de serviços, em geral, e a do comércio de serviços da Construção, em específico – ou seja, de serviços relativos às obras desenvolvidas por não residentes, excluídos os serviços de engenharia e arquitetura. Observa-se um crescimento substancial da venda internacional de serviços da construção, que em dois momentos chega a ultrapassar a dos serviços em geral. Esses dois momentos coincidem com períodos em que há crescimento simultâneo da atividade econômica em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Em meados de 1990, como observável no Gráfico 7 (acima) houve a aceleração do crescimento da Construção nos países em desenvolvimento, em uma conjuntura de bom desempenho do setor também nos países desenvolvidos. Este movimento, junto aos avanços do GATS (General Agreement on Trade in Services) devem justificar o forte crescimento observado. Nos anos 2000 o dinamismo apontado tanto por Belkaïd (2008) como pelo próprio Gráfico 7, que mostra o crescimento da construção em forte aceleração especialmente na periferia, justificam o pico de vendas internacionais de serviços da construção, em 2008. A queda de 62 vendas de serviços da construção em 2009 deve ter correspondência aos dados de atividade econômica, ainda não disponíveis pelo atraso relativo de apuração das Contas Nacionais frente à consolidação dos dados de fluxo de comércio. Assim, seja no ciclo de crescimento de meados dos anos 1990, seja no deflagrado a partir de 2004, tal como apontado em UNCTAD (2000), há um aprofundamento da internacionalização da Construção na ótica do comércio internacional de serviços da Construção. Gráfico 8. Exportação de serviços em geral e de serviços da Construção (valores constantes). Número índice. 1980 a 2009. 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 Serviços de Construção Serviços em geral Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da UNCTAD. A Tabela 2 apresenta as exportações mundiais de serviços da construção em 2006, segundo alguns grupos de países, e o crescimento ao longo dos anos 2000. Foi identificado um crescimento nominal médio das exportações de serviços da construção de 11% ao ano ente 2000 e 2006, muito acima do identificado para o valor agregado mundial – ou seja, o ritmo de crescimento da exportação de serviços da construção supera, e muito, o próprio crescimento do setor em escala mundial. O ritmo de vendas desses serviços, entretanto, difere muito entre as regiões. A América do Norte, crescendo mais que a média das demais regiões, ampliou em 1% sua participação no comércio internacional de serviços da construção entre 2000 e 2006. O conjunto de países da Comunidade dos Estados Independentes (CIS), saltou de 1% das vendas mundiais daqueles serviços para 6% - o deve estar relacionado às facilidades do 63 Gráfico 9. Fluxos de IDE dos Países da OCDE no setor da Construção (US$ milhões). 1990 a 2009. 12.000 10.000 8.000 6.000 4.000 2.000 0 Construção Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OCDE. Os dados de estoque líquido de investimentos da OCDE no resto do mundo, resultado da diferença do estoque de IDEs de origem da OCDE no resto do mundo e o recebido pela região, por sua vez, parecem descrever melhor a natureza dessas operações. O Gráfico 10 mostra que esse estoque líquido tende a ser muito pequeno, apresentando crescimento no ciclo expansivo dos anos 2000, com um pico em 2006, logo refluindo no momento da crise. Ou seja, há um rápido ―descomprometimento‖ com as estruturas produtivas locais, que leva a esses capitais uma aparência mais próxima dos investimentos em carteira que à de tradicionais operações de IDEs, que constituiriam interesses duradouros nas economias em que aportassem. 65 Gráfico 10. Estoque líquido de investimentos da OCDE, no setor da Construção, no resto do mundo (valores correntes). 1990 a 2008. 50.000 40.000 30.000 20.000 10.000 0 -10.000 -20.000 Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OCDE. Essa mesma característica dos IDEs da Construção pode ser observada nos afluxos de capital da OCDE. O Gráfico 11 traz o número de países da organização que apresentam saídas de IDEs, no setor da Construção, negativos – ou seja, quando há retorno líquido desses capitais do ―resto do mundo‖. Observa-se ali uma trajetória crescente, mesmo em anos com bom desempenho da construção no mundo, como nos anos 2000, o que pode ser considerado mais uma indicação de um caráter relativamente líquido desses investimentos. Gráfico 11. Número de países-membro da OCDE com afluxo negativo de IDEs. 1990 a 2008. 8 7 6 5 4 3 2 1 0 Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OCDE. 66 A internacionalização da Construção deve prosseguir segundo um conjunto de hipóteses bastante factíveis: i. o Crescimento econômico mundial deve ser proporcionalmente maior na parcela dos países em desenvolvimento. O avanço da internacionalização da construção segue as tendências nesse quadro mais geral, com destaque para o tipo de demanda diferenciado nos países em desenvolvimento: enquanto nos países desenvolvidos grande parte da demanda se atém às reformas, nos países em desenvolvimento haverá expansão da infraestrutura básica e das edificações no processo de urbanização e industrialização. ii. há a disposição do capital ―globalizado‖ de aproveitar mais essa oportunidade de valorização – seja na internacionalização do capital líquido, financiando a Construção, seja na internacionalização produtiva, em que os estrangeiros se ―comprometeriam‖ com o encaminhamento das Incorporações e/ou participariam da produção de edificações; e, iii. em terceiro lugar, mas não menos importante, do avanço do processo de desregulamentação. Infelizmente, como já apontado, não há disponibilidade de estatísticas agregadas de financiamento por setor de atividade econômica. Infere-se, por informações qualitativas, que o volume de recursos nesse formato é bastante significativo. 1.2.2.3. O capital promotor da internacionalização Resta avaliar as motivações que os grandes gestores de recursos especializados em edificações (incluindo a gestão de empreendimentos imobiliários) têm para internacionalizar seu capital, potencializando, como já aludido, booms imobiliários ―pelo globo‖. Conforme Chesnais (1998), acredita-se alguns agentes são capazes de direcionar os movimentos globais de investimentos. Para identificar as motivações à internacionalização no segmento, utilizou-se documentos disponibilizados pela Wharton School21, escola de MBA ligada à Universidade 21 Disponível em http://www.wharton.universia.net/index.cfm. Acesso em fevereiro de 2011. 67 da Pensilvânia (EUA), sob o tema ―Real Estate‖ para destacar as vantagens locacionais que os estrategistas do segmento têm apresentado como relevantes para eleger as regiões do mundo como aptas, ou não, a receber recursos. São transcrições de palestras, entrevistas de algumas personalidades do ―mercado imobiliário global‖ e artigos de professores, que auxiliam no entendimento das motivações daquele capital – cujos títulos seguem no Anexo 1. Outros artigos, de origem semelhante – de ―formadores de opinião‖ – poderiam ser utilizados, mas o conteúdo fundamental identificado é o mesmo. É importante ressaltar que parte relevante desses gestores aplica recursos na esfera produtiva, independentemente da rubrica que suas operações levarão nos Balanços de Pagamentos – ou seja, estabelecem operações que configuram IDEs ou Investimentos em Carteira, conforme a participação acionária nas empresas locais, ou outros tipos arranjos com Incorporadoras/Construtoras locais. Nos documentos analisados observou-se que desde antes da crise de 2008 empresas imobiliárias espanholas já estavam aportando na América Latina por três razões principais: pelo esgotamento da expansão do mercado residencial espanhol; pelo volume de recursos líquidos acumulados pelas empresas com aqueles negócios, na Espanha; pela estabilidade econômica e potencial demográfico dos países da região latino-americana. Ou seja, o esgotamento do boom imobiliário espanhol deixou alguns produtores e negociantes com liquidez suficiente para buscar novos mercados – tal como ocorreu no início e final dos anos 1990, com a crise asiática, que acabou por acelerar o processo de internacionalização da construção descrito em UNCTAD (2000). A América Latina foi ―escolhida‖ como mercado a ser explorado pelas condições de demanda amplamente favoráveis e pela estabilidade econômica. A existência de um volume mínimo de negócios, ligado à economia e à demografia (demanda), marca a decisão de explorar um determinado mercado – sendo que a participação da dita economia em áreas de livre comércio (ou outros acordos do gênero) amplia o mercado e dá maior segurança aos investidores 22. Semelhanças culturais23 e econômicas abririam espaço à possibilidade de replicação de projetos, o que traria grande vantagem de custos aos investidores internacionais. 22 Essa vantagem foi citada mais de uma vez em relação ao México, que ao participar do NAFTA dava uma perspectiva de mercado mais amplo, de segurança jurídica, de controle de custos mais favorável. 23 Vantagem que favoreceu o investimento espanhol no México. 68 A estabilidade econômica a que os investidores se referem fundamenta-se em elementos que vão além do desempenho econômico de curto prazo que normalmente está no discurso jornalístico. Os investidores procuram, antes de tudo, espaços com estabilidade política e que apresentem “segurança jurídica” aos contratos. O relato de experiências traumatizantes com a nacionalização de propriedades na Venezuela, a corrupção na Rússia e na Índia são usados para demonstrar como a ―estabilidade‖ almejada tem, antes de tudo, profunda relação com o amparo legal aos contratos firmados. A ―estabilidade‖ também remete ao comportamento dos preços – que se desdobra em três elementos: i. à estabilidade do senso comum: níveis controlados de inflação, que permitem um gerenciamento mais fácil das atividades empresariais; ii. à “livre” formação de preços no mercado imobiliário – que garante a possibilidade da valorização imobiliária em moeda local; e iii. à ampla liberdade de conversão dos valores auferidos em moeda local em moedas “fortes”. O horizonte dessa ―estabilidade‖ macroeconômica e dos marcos regulatórios deve ser de ao menos 3 a 4 anos – período mínimo que se prevê para realizar o potencial de um mercado. Neste sentido, pressupondo a existência de terrenos a baixos preços e acessíveis ao capital estrangeiro, a condição ideal de exploração de um mercado é chegar no período em que se inicia a aceleração do volume de negócios, já que se conseguirá aproveitar tanto dos fortes ganhos imobiliários em moeda local, como, no caso de Regime de câmbio flexível, da potencial valorização cambial que a seguirá, com a chegada de mais investidores. Assim, os primeiros capitais a aportarem serão os que assumirão os maiores riscos, mas também as maiores recompensas, se de fato houver o boom, na sequência. Também é uma pré-condição à recepção de capitais a existência de um mercado de trabalho compatível com o crescimento dos negócios – que vai da disponibilidade desde executivos qualificados (seja na área de Edificação, Imobiliária ou mesmo na área financeira) à mão de obra desqualificada a ―bons preços‖24 para a edificação, e de um sistema financeiro local compatível com as operações internacionalizadas, já que se pretende ter, além da viabilização da demanda e da oferta de Edificações, o benefício de explorar os ativos financeiros derivados dos imóveis, o que pressuporia um mercado de capitais local com certo grau de desenvolvimento. 24 Vantagens identificadas no México e no Brasil. 69 A existência de um mercado de capitais local organizado à semelhança dos observados em economias desenvolvidas cumpriria, assim, duas funções: determinar as condições de liquidez dos ativos adquiridos e estender as possibilidades de exploração dos ativos financeiros derivados dos imóveis. Essa última observação corrobora a idéia de que a internacionalização produtiva, neste segmento, caminha junto com a financeira podendo ser determinada, inclusive, pelos mesmos agentes. Cita-se como vantagem locacional, ainda, a disponibilidade de ―recursos naturais ilimitados‖, o que se lê como uma indústria local de insumos que suporte o crescimento da Construção, dada a ainda baixa movimentação desses bens em âmbito internacional. Os governos locais influenciariam nas decisões de investimentos não só pela garantia de ―estabilidade‖ macroeconômica, pela permissão de compra de terrenos e atuação do capital estrangeiro, mas também pelas vantagens fiscais cedidas ao setor de edificações e imobiliário (obviamente extensível ao capital estrangeiro), pela cessão de subsídios à habitação de interesse social25, que amplia a faixa da população apta a adquirir uma residência e pela execução de investimentos em infraestrutura 26, que viabiliza e valoriza os imóveis – conforme Monteiro Filha (2010). As barreiras ao investimento, como de certa forma já colocadas, seriam o risco político27, a burocracia28 e a corrupção29 nos mercados em desenvolvimento. A síntese de um encontro realizado em dezembro de 2008, nominado ―Real Estate in Emerging Markets: Opportunities and Risks‖, foi: Dar atenção aos países onde é forte o crescimento da classe média – por exemplo, China ou Brasil. Concentrar-se principalmente no setor de moradia e varejo, e priorizar operações de longo prazo. Não tentar coisa alguma sem a participação de um parceiro local. Esse era o consenso entre os incorporadores, investidores, especialistas em finanças e executivos em palestras proferidas em recente Fórum sobre Bens Imóveis em Mercados Emergentes da Wharton. Com a economia em queda e a demanda minguando nos EUA e na Europa Ocidental, não é de espantar que os investidores em bens imóveis se sintam, mais do que nunca antes, atraídos pelos mercados emergentes (Grifo nosso). 25 caso do México e do Brasil. Vantagem fortemente ressaltada na China, em que o governo chega a gastar volumes iguais aos dos empreendimentos imobiliários, feitos por empresas que muitas vezes são jointventures entre o capital público chinês e o capital privado internacional, na infraestrutura urbana para viabilizá-los. 27 Quando cita-se as nacionalizações venezuelanas. 28 Com destaque à Índia. 29 Característica destacada do mercado na Rússia, Índia e de países da América Central. 26 70 De especial interesse a esse estudo, é praticamente consensual entre os investidores que a forma ideal de penetração em ―novos‖ mercados seria a de estabelecimento de parcerias com produtores locais. Isso facilitaria a entrada, sobretudo por os parceiros locais ―terem contato com as autoridades locais e que conhecerem as regras do jogo‖, e mesmo a saída, quando é aberta a possibilidade da venda de participação. Essa venda pode gerar bons lucros no auge cíclico ou menores perdas na reversão de mercado, quando a opção é abandonar os ativos fixos adquiridos no mercado local. Essa preferência também pode revelar, por outro lado, um poder de mudanças no padrão técnico e organizacional limitado, já que o móvel desse capital é antes a valorização patrimonial que as rendas operacionais auferidas em prazos mais longos – o que pode significar que se levará ao limite as possibilidades técnicas locais já existentes. É digno de nota, ainda, no mesmo material, que além de observar os mercados emergentes como mercados aptos à valorização do capital que gerenciam, os estrategistas dos fundos e demais empresas do segmento imobiliário também viam naqueles países, em meio à crise, uma fonte de recursos líquidos para a sua operação. Os Fundos Soberanos de Cingapura, da Rússia e dos Emirados Árabes, por exemplo, eram cortejados como possíveis financiadores de operações imobiliárias. Um incorporador francês que havia estabelecido uma joint-venture na China, há alguns anos, mostrou sua ambição de participar do projeto de internacionalização da Construção do Governo Chinês, citando a importância dos recursos do fundo soberano daquele país. 1.3. Considerações finais Este capítulo se ateve à compreensão mais geral da natureza do setor da Construção, com ênfase nas Edificações, assim como do atual padrão de negócios da parcela globalizada do segmento. Verificou-se que por suas características estruturais, o setor de Edificações é tipicamente manufatureiro, de difícil imposição do ritmo do capital ao trabalho. Muito se fala sobre a ―industrialização da construção‖, um processo que teria se desenvolvido na Europa, no período conhecido como keynesiano (1950–1960), de crescente organização e mecanização das atividades do setor, levando aos canteiros de obra uma organização próxima à industrial, garantindo, inclusive, ganhos importantes de produtividade agregada. 71 Dados do período posterior apontam, pelo contrário, uma estagnação relativa dos ganhos de produtividade do segmento em relação à indústria e à agricultura 30. Admitindo que o progresso da indústria de materiais e do mercado de trabalho (escassez e educação da mão de obra) teriam contribuído pela melhoria, e não para a estagnação da produtividade do setor, creditou-se esse retrocesso a fatores ―externos‖ à simples capacidade de oferta. Isso induz à conclusão de que a industrialização da construção se deu sob condições competitivas muito particulares, que não estão postas no período da globalização. O processo de modernização da Construção teria ocorrido em um período em que o Estado teve a possibilidade de controlar/intervir na formação de preços e no ritmo de oferta do setor ─ atuando como um agente organizador das condições de crédito à produção e comercialização dos imóveis; um demandante em última instância de moradias para as famílias de baixa renda; um regulador dos ganhos imobiliários, manejando o que se conhece por função social da propriedade e o avanço da infraestrutura urbana; promotor de políticas industriais. Deixada às ―regras de mercado‖ a Edificação, sobretudo a residencial, dificilmente sofreria transformações radicais no modo de produzir em um curto espaço de tempo, já que os capitalistas do segmento têm que se submeter aos ciclos de crédito e de valorização imobiliária. No período subsequente, vulgarmente nominado globalização, o papel organizador do Estado foi fortemente diminuído e o novo modus operandi do capital de Edificações prevê, para os capitais mais ―preparados‖, a incorporação dos ganhos imobiliários e financeiros, deixando em segundo plano o desafio de organizar a atividade produtiva mais estrita. A internacionalização do capital da Edificação, neste padrão, segue em busca de mercados com boas perspectivas de ganho imobiliário, e a forma mais comum é de associação com o capital local para superar as barreiras culturais, técnicas e sobretudo, potencializar os ganhos com agentes que conhecem as especificidades do mercado imobiliário local. 30 Os dados apontados na verdade se referem à Construção como um todo, mas considera-se possível a associação da tendência observada. 72 Os dados setoriais de IDE, por sua vez, apontam para investimentos de caráter prócíclico e de comportamento relativamente volátil (altos fluxos de retorno de IDE aos seus mercados de origem, mesmo em períodos de crescimento da atividade construtiva no mercado que havia recebido os recursos), indicando um potencial ―descomprometimento‖ com as estruturas produtivas locais. Neste sentido a tendência mais geral de financeirização, entendida como um processo em que os capitais procuram alçar ganhos, independentemente da forma específica que assumam, típica do período da globalização, encontrou nas Edificações um espaço interessante de valorização, impulsionando um processo de internacionalização relativamente tardio do setor. Há fortes indícios de formação de uma massa de capitais especializada na busca de ganhos com esse segmento ─ capitais que dificilmente poderiam ser classificados como ―produtivos‖ ou ―especulativos‖, já que buscam resultados em ambas as esferas. Neste estudo, infere-se que o modus operandi do capital internacionalizado que ingressa no país acaba por reorganizar (se não reforçar) a estrutura de valorização do capital local, com base na lógica imobiliária, com limitada capacidade de transformação produtiva, o que procurar-se-á identificar, dadas as especificidades brasileiras, nos próximos capítulos. 73 Capítulo 2. Industrialização da Construção e demanda habitacional no Brasil O segmento de Edificações brasileiro, sobretudo a parcela residencial, viveu em semi-estagnação por cerca de 25 anos, entre o início dos anos 1980 e meados dos anos 2000. Com a retomada dos negócios, um tema bastante recorrente tem sido o “atraso”, a baixa eficiência do setor no Brasil, que seria inclusive, um limite à própria expansão dos negócios. Este capítulo tem como objetivo identificar as principais características do desenvolvimento da ―modernização‖ do segmento produtor no Brasil, desde o pós-guerra aos anos 2000, relacionados, em grande medida, à intervenção estatal no campo da habitação. Diferentemente do caso europeu, o Estado brasileiro não interveio nas condições de formação de preços da terra urbana e o seu papel como ―estabilizador das condições de demanda‖ foi limitado até mesmo pela dinâmica macroeconômica mais frágil da periferia comparada às economias industrializadas. Associa-se, desta forma, as mudanças na estrutura produtiva do segmento, como descrito no capítulo precedente, não apenas aos avanços tecnológicos e organizacionais microeconômicos, mas ao contexto maior de acumulação a que os produtores estão submetidos. Como Farah (1996) já assinalava, para a compreensão do desenvolvimento do setor, a análise deve estar subordinada, antes de tudo, à observação da forma mais geral de acumulação do segmento, junto à consideração dos fatores extra-produção que a condicionam, como as características do mercado de trabalho, do mercado de produto e a intervenção do Estado (p.38). De forma mais geral, ao olhar para o passado da Construção brasileira e ao saber do atual modus operandi do capital, pretende-se qualificar os limites ―revolucionários‖ do boom imobiliário da segunda metade dos anos 2000 sobre o segmento de Edificações local − o que se avaliará, inclusive, no terceiro capítulo do estudo. Traçadas as metas gerais, o capítulo compreenderá três seções. A primeira reconstituirá o encaminhamento do alegado ―atraso” da Edificação brasileira, tendo como referência o processo europeu. A segunda se aterá à questão habitacional no Brasil e a última traz alguns comentários finais sobre o tema. 75 2.1. Industrialização da construção no Brasil Encontra-se comumente referências na bibliografia sobre o ―atraso‖ da Construção brasileira. Faz-se menção tanto à baixa utilização da organização taylorista/fordista na produção de edificações, como à defasagem dos índices de produtividade da Construção brasileira frente aos apresentados nos países centrais. Também é comum na bibliografia associar esse atraso especialmente ao segmento produtor de imóveis residenciais (FIESP, 2008; MELLO E AMORIM, 2009 – entre outros), já que ele seria o mais afeito à baixa eficiência e à informalidade. A modernização das Edificações residenciais elevaria a produtividade média do setor como um todo, reduziria os custos da produção e tornaria a informalidade pouco atrativa (FIESP, 2008, p.12). A produção de Edificações (construção) compreenderia a ―produção própria e a preço de custo‖, a ―produção privada imobiliária‖, a ―produção e gestão estatal‖ e a ―autoconstrução‖ (FIESP, 2008, p.15). No caso da Edificação residencial, a ―produção própria e a preço de custo‖ atenderia a população de alta renda31 com produtos, em grande proporção, diferenciados; a ―produção privada imobiliária” edificaria na forma de condomínios e incorporação para famílias de média-alta renda32, com produtos mais padronizados, com construção e venda a preço fechado, no mercado imobiliário; a ―produção e gestão estatal‖ e a ―autoconstrução‖ se dedicariam à edificação para as classes de renda inferiores (média-baixa33 e baixa renda34), sendo que na primeira ―o estado é o gestor da produção, do financiamento à produção ou da aquisição com objetivo social‖, e a segunda desenvolveria ―edificações individuais, atendidas pelo mercado formal ou informal‖ (FIESP, 2008, p.25). Ainda que se identificasse, em meados da década de 2000, um alto grau de informalidade da mão de obra, a utilização de terceirização com vistas ao rebaixamento de custos, a falta de normalização técnica (dificultando o desenvolvimento de ganhos conjuntos entre o setor fornecedor de insumos e serviços e o da Edificação mais estrita) e o baixo uso de sistemas de gestão da qualidade em todos os subsegmentos, era na ―autogestão‖ que se observava o menor grau de organização da produção, a preponderância 31 Segundo Fiesp (2008), famílias com rendimento médio mensal de 20 salários mínimos, ou mais. famílias com rendimento médio mensal entre 10 e 20 salários mínimos (idem). 33 famílias com rendimento médio mensal de 5 a 10 salários mínimos(ibidem). 34 famílias com rendimento médio mensal menor que 5 salários mínimos(ibidem). 32 76 da informalidade, e a principal fonte de compressão da produtividade média do segmento (FIESP, 2008). Era a autoconstrução, inclusive, que além de compreender empresas/mão de obra não legalizada, que edificava a habitação sem regularização fundiária, sem observância das normas de edificação, etc. Para elevar a produtividade média do segmento, além de ultrapassar as dificuldades gerais encontradas em todos os subsegmentos da Edificação, seria importante acabar com a informalidade fortemente centrada na autoconstrução – fosse rebaixando os custos da produção privada imobiliária, criando condição para que ela absorvesse parte da produção do outro segmento, fosse transformando a autoconstrução ―formal‖, enfrentando seus problemas críticos que seriam a ―não conformidade‖ em relação às normas de Edificação, a ―baixa qualidade‖ e a ―informalidade da mão de obra‖ (FIESP, 2008, p. 30). Esse diagnóstico não diverge muito do encontrado há muito no Brasil. Farah (1996), fazendo uma revisão sobre a Construção no Brasil, indica que pouco se estudou propriamente sobre o setor até a década de 1970, mas fosse qual fosse a abordagem, o elemento que sempre se destacou foi o seu ―atraso‖. O setor era contemplado, como tema secundário, na análise de duas outras áreas: a habitacional e a do emprego. A ―habitação‖ tornou-se um tema crescentemente relevante à medida que foi ficando evidente o problema da moradia urbana no país. Nos estudos em torno da questão, entendia-se que as carências habitacionais não seriam passíveis de atendimento ―pelo mercado‖, já que se concentravam nas classes de renda relativamente baixas e as construtoras não produziriam ao custo necessário para essa camada da população (FARAH, 1996, p.19). Neste contexto, a Construção, mais especificamente a Edificação residencial, era mencionada na literatura pela baixa produtividade e altos custos, que impossibilitavam o atendimento da demanda existente. Na questão do emprego, a Construção era apontada, e mesmo contemplada em Planos Econômicos, por ser uma grande absorvedora de mão de obra, sobretudo a pouco qualificada, o que reforçava a posição do ―atraso‖. Um exemplo citado por Farah (1996, p.25) é o do I PND (1969/1974), que justificava os incentivos à Construção e ao segmento produtor de insumos pelo volume de emprego que geraria. 77 A absorção de mão de obra não qualificada, em meio a um sistema de produção em que há divisão do trabalho, mas em que a habilidade (e definição de ―tempos‖) de alguns trabalhadores qualificados ―continua sendo o ‗centro motor‘ da atividade produtiva‖, tal como na Construção habitacional brasileira, qualificaria um sistema produtivo manufatureiro, e não industrial, segundo Farah (1986, p.82-83) – o que, como já se notou, é uma tendência do segmento, independentemente da economia de que se trata. A Construção teria passado a ser objeto específico de análise no Brasil nos anos 1970, pela mudança de dinâmica do setor, dada especialmente pela construção dos grandes conjuntos habitacionais na segunda metade da década, quando o Estado estimulou a introdução de inovações tecnológicas na atividade de construção (sobretudo de sistemas de pré-fabricação). Uma modernização induzida, que em grande proporção teria se circunscrito àquele padrão de edificação (a alguns conjuntos habitacionais, erigidos entre 1973 e 1982) já que muito deixou de ser utilizado no período posterior35. É interessante notar, entretanto, que um movimento em direção à racionalização das obras já tinha se dado ao se aprovar normas para a Coordenação Modular no Brasil, em 1950 – nem mesmo apercebido, como se viu, na avaliação setorial. O Sistema de Coordenação Modular, um dos princípios básicos de racionalização do segmento, visa a padronização das medidas dos componentes da construção civil, facilitando o processo de fabricação de materiais, elaboração de projetos da construção, de compras, de aplicação dos materiais, reduzindo significativamente o desperdício de tempo e de material nas obras ao acabar, em boa proporção, com os ―recortes‖ feitos in loco. Nas palavras de Greven e Baldauf (2007), adotar a Coordenação Modular é seguir ―um sistema de medidas que ordene a construção desde a fabricação dos componentes, passando pelo projeto, chegando à execução da obra e, ainda, mais tarde, à manutenção‖ (p.12). A primeira norma de coordenação do Brasil datou de 1950, depois de adotada em apenas outros 6 países: França, Estados Unidos, Bélgica, Finlândia, Itália e Polônia. Nos anos de maior dinamismo da Edificação a norma de coordenação modular voltou a chamar atenção, mas até o início do recente ciclo de crescimento havia sido ―esquecida‖: 35 Para uma interessante apresentação dos movimentos em torno da industrialização, nesse período, pode-se ter como referência a entrevista com o arquiteto João Filgueiras Lima, o ―Lelé‖, de dezembro de 2009, em http://www.entre.arq.br/?p=1017 (acesso em 22/05/2011). 78 O Brasil foi um dos primeiros países, em âmbito mundial, a aprovar uma norma de Coordenação Modular, a NB-25R, em 1950. Além disso, teve os anos 70 e início dos 80 tomados pelos conceitos e estudos a respeito, promovidos, principalmente, pelo Banco Nacional da Habitação (BNH), por Universidades e pelo Centro Brasileiro da Construção Bouwcentrum (CBC). No entanto, mesmo com tantos esforços para a promoção da Coordenação Modular, verifica-se hoje que ela não está sendo utilizada, tanto pela interrupção abrupta de bibliografia a partir do início da década de 80 e pela lacuna de estudos que, a partir de então, se formou, quanto pelo caos dimensional de grande parte dos componentes construtivos.‖ (Greven e Baldauf, 2007, p11) Alega-se que existiam entraves objetivos à disseminação das normas pela indústria de insumos e sua adoção pela Construção, como os sistemas de comunicação e logístico precários, que teriam acabado por constituir indústrias regionais de insumos da Construção, o que dificultava a disseminação do sistema ( Greven e Baldauf, 2007). Faz-se pensar, por outro lado, que se o Estado via na Construção uma atividade funcional ao combate do desemprego estrutural, tendo em mente sobretudo o desemprego da mão de obra pouco qualificada, pouco se fez para estimular a modernização do segmento – ambigüidade típica de economias periféricas. Segundo Farah (1996), a indústria de insumos brasileira se mostrou inovadora a partir da aceleração da atividade da Construção no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970, mas não convergiu, até a elaboração do seu estudo, a um padrão métrico. Na verdade, existe uma controvérsia importante sobre a introdução de inovações nas Edificações – se ela parte da indústria de componentes ou da Edificação. Amorim (1996) sugere que a indústria de insumos seria a principal disseminadora de inovações nas Edificações, e em poucas situações se daria o contrário. Farah (1996), mesmo admitindo que parte relevante da literatura aponte neste sentido, lembra que o papel da demanda é fundamental no processo inovativo. A autora diz: Embora o centro dinâmico do processo de mudança esteja situado, em boa parte dos casos, na indústria de materiais e componentes, as inovações não devem ser vistas como mera imposição dos fabricantes, como algo estranho à lógica do processo de construção. Pelo contrário, as ‗necessidades‘ da atividade de construção é que definem, em última instância, a viabilidade de determinada inovação. Tais ‗necessidades‘ não são estáticas, sofrendo transformações ao longo do desenvolvimento do setor. Por outro lado, elas dizem respeito não apenas à fase de execução, ao canteiro de obras – envolvendo aspectos 79 como simplificação de execução, incremento de produtividade, entre outros – mas também à fase de comercialização. (p.184) Ou seja, ainda que a indústria de componentes seja uma ―disseminadora de inovações‖, novos produtos e serviços apenas serão adotados se considerados interessantes pelo segmento de Edificações, o que, por seu turno, depende das características da demanda final do produto do setor (o imóvel). Deste ponto de vista, nos anos 1980 e 1990, a disseminação do sistema modular não encontrava motivação nem mesmo pelo padrão de demanda existente: concentrado em um mercado reduzido (e altamente competitivo) de edificações industriais e comerciais, e na construção residencial, com obras de baixa escala. Havia um mercado de edificações residenciais formal, voltado essencialmente para a média e alta renda, mais afeito à diferenciação que à escala, e no segmento de rendas mais baixas a autoconstrução, que não justificava investimentos na indústria de componentes em direção à padronização de produtos36. Do lado governamental, a gestão da crise macroeconômica suplantava a preocupação com o segmento. O tema do ―atraso‖, da baixa eficiência, e mesmo de soluções como o Sistema Modular para as Edificações voltam a ter importância nos anos 2000 – inicialmente nos estudos setoriais, e na sequência na mídia em geral. A subida de um governo popular ao poder inspirava uma volta ao tratamento da habitação popular, e a melhora das contas externas permitiu taxas de crescimento maiores, criando condições para a dinamização da Construção. O ―atraso‖ da Construção nos estudos setoriais tem sido ilustrado sobretudo através do diferencial de produtividade entre a Construção local e a de economias desenvolvidas. Dados como o da consultora McKinsey, explorados por Fiesp (2004), apontavam para uma produtividade média do trabalhador norte-americano no segmento de construção residencial cerca de 2,9 vezes superior à do trabalhador brasileiro no início da década – mesmo considerando que grande parte da mão de obra do setor da Construção norte-americano é mexicana, com baixo nível de escolaridade formal, tal como no Brasil (Fiesp, 2004). As economias da Europa Ocidental teriam uma produtividade média de 2,0 a 2,8 vezes maior que a brasileira, a da Coréia do Sul, 1,97 vezes; e, a produtividade da Construção brasileira 36 Vale lembrar que a adoção de novas medidas de produtos poderia implicar até mesmo na troca de máquinas e equipamentos pela indústria de componentes. 80 superaria, entre os países analisados, a dos países do Leste Europeu, como Polônia (0,71 do indicador brasileiro) e Rússia (0,57), e a da Índia (0,23). O diferencial na produtividade da mão de obra na indústria de construção civil (incluindo aí o setor fornecedor de insumos e serviços) entre países em desenvolvimento e desenvolvidos se deveria à existência de ―imperfeições nos mercados‖ de produtos (processos construtivos), capitais (financiamento) e de fornecedores (materiais e serviços) dos países em desenvolvimento. Já as diferenças observadas entre países desenvolvidos derivariam dos problemas de normalização dos materiais e de escala da indústria (FIESP, 2004). No caso do mercado residencial brasileiro e norte americano, os principais pontos que distanciariam a produtividade do trabalho nos setores locais seriam: i. Projeto: produção a baixo custo, a partir da utilização de materiais modulados, pré-fabricados e com layout otimizado, de forma a reduzir obstruções entre as diferentes fases da construção. Este fator explicaria cerca de 40% do diferencial de produtividade entre Brasil e Estados Unidos. ii. Organização: organização dos processos construtivos, da elaboração do projeto ao gerenciamento das tarefas, e uso de subempreiteiras (subcontratação e terceirização). (FIESP, 2004. p.38) A Fiesp (2008) também empreendeu um amplo estudo que visava observar as diferenças entre a produtividade brasileira, norte-americana e europeia, observando as condições de oferta: a indústria de insumos, o quadro regulatório e de tributação, a mão de obra disponível. Aponta-se uma forte discrepância entre o valor adicionado médio por trabalhador da Construção brasileira (US$ 6.177,76 por trabalhador), europeia (US$ 31.247,44) e norte-americana (US$ 41.528,00). Esses dados de produtividade foram calculados/obtidos por Fiesp (2008) em publicações que vão de 2005 a 2008, com metodologias de apuração não explicitadas – sendo questionável a sua comparabilidade, portanto. Do ponto de vista microeconômico, o diferencial (a menor) de produtividade da Construção brasileira estaria associado a fatores como: a existência de trabalhadores com baixa qualificação; o pouco interesse das pequenas e médias empresas em melhorar o nível de qualificação dos empregados; o baixo investimento das empresas em pesquisa e desenvolvimento; a ausência de investimentos e conhecimento das empresas em técnicas de pré-fabricação, modularização, gerenciamento e implantação de sistemas e ferramentas de 81 TI; a pouca utilização de sistemas de planejamento do trabalho; as altas taxas de desperdício de materiais e retrabalho (FIESP, 2008, p.40). Em termos sistêmicos, a grande burocracia, envolvendo prazos e custos de aprovação de projetos e dos licenciamentos; a pouca e antiquada malha de normas; assim como o entorno das obrigações tributárias justificariam também parte da ineficiência. Cita-se a questão fundiária urbana e da política habitacional como ―questões anteriores ao ciclo de vida da habitação‖ (p. 72), importantíssimas no caso da Edificação da habitação de interesse social, mas que se trataria ―de uma discussão bastante ampla‖, cuja abordagem não caberia naquele trabalho (FIESP, 2008, p.73) Os homens de negócio do setor, por sua vez, explicam o atraso relativo brasileiro, pela simples lógica de custos: haveria um arbítrio constante entre custo (e risco) tecnológico e o do uso intensivo da mão de obra (OGGI, 2008). O grande contingente de trabalhadores mal qualificados e remunerados sempre seria utilizado para substituir os investimentos em tecnologia nos descensos econômicos, bloqueando o progresso do setor como um todo. É a lógica do subdesenvolvimento que Chesnais (2005) afirma se recolocar na expansão internacional recente, em que se combinam, na periferia, novas tecnologias e métodos de gerenciamento com “as formas de exploração mais retrogradas da força de trabalho e do meio ambiente” (p.22). Em MDIC (2003), apontava-se alguns fatores, no início da década de 2000 que, além da baixa produtividade, dificultariam o crescimento sustentado da Construção no Brasil, lançando algum olhar a características da demanda: - a ocorrência de graves problemas de qualidade de produtos intermediários e final da cadeia produtiva e os elevados custos de correções e manutenção pós-entrega; - o desestímulo ao uso mais intensivo de componentes industrializados devido à alta incidência de impostos e consequente encarecimento dos mesmos; - a falta de conhecimento do mercado consumidor, no que diz respeito às suas necessidades em termos de produto a ser ofertado; - a falta de capacitação técnica dos agentes da cadeia produtiva para gerenciar a produção com base em conceitos e ferramentas que incorporassem as novas exigências de qualidade, competitividade e custos; 82 - a incapacidade dos agentes em avaliar corretamente as tendências de mercado, cenários econômicos futuros e identificação de novas oportunidades de crescimento. Enfim, tratar-se-ia de um segmento que, a despeito de operar em condições capitalistas, seria pouco profissionalizado em seus vários aspectos: baixo conhecimento técnico, mercadológico, baixa integração da cadeia produtiva, e pouca conformidade dos materiais. Esse quadro, entretanto, mostrava um mercado em processo de mudança. A mudança decorria, é claro, da demanda – daquela existente nos anos 1980/90, e do tratamento da habitação da baixa renda que estava por vir nos anos 2000. Sabbatini (1998) falava, no final dos anos 1990, da necessidade de o setor de edificações residenciais se ―modernizar‖ por haver ―mudanças comportamentais permanentes dos clientes‖ (p.4), e que à modernização ―óbvia‖, que economiza custos, dever-se-ia acrescentar aquela que trazia qualidade aos imóveis. O autor deveria estar se referindo aos clientes típicos das empresas da construção dos anos 1980/90 – famílias de média alta e alta renda, que exigiam diferenciação e qualidade do produto. Neste sentido, a aprovação do Código de Direito do Consumidor brasileiro, em 1990, ao qual a incorporação imobiliária teve que se submeter, deve ter representado não apenas a materialização de um conjunto de reivindicações que uma parcela da sociedade se mobilizou para garantir, mas especialmente a consolidação de uma nova percepção do conjunto de consumidores quanto ao respeito aos prazos contratuais, à qualidade descrita nos memoriais descritivos dos empreendimentos, tornando as incorporadoras juridicamente vulneráveis à sua ineficiência e mesmo à redução de custos à custa de perda de qualidade do produto37. Farah (1996) mostra que o pouco avanço na produtividade do segmento não se deu pelo baixo apreço do produtor à economia, mas à contenção de custos com base na diminuição da área construída, do estilo de acabamento das obras, e, finalmente, à qualidade dos materiais. Classificando o mercado de edificações nos anos 1990 como altamente competitivo, Sabbatini (1998) destaca como premente a organização da produção no segmento de 37 Em FIESP (2008), ressalta-se que vários autores apontam (contestados por outros) que a aprovação do Código de Defesa do Consumidor (1990) teria convertido as normas técnicas (ABNT) de ―referência para uso voluntário‖ em normas de ―aplicação compulsória‖ pela Edificação. O Código do Consumidor preveria a sanção ao produtor de Edificações que não satisfizesse às normas técnicas, e em caso de vício ou defeito na construção (p.93). 83 Edificações residenciais brasileiro, até mais que a adoção de novas tecnologias. Para ele a modernização deveria […] ocorrer não só com a utilização de novos métodos e processos construtivos, novas técnicas e novos materiais mas, principalmente, com o incremento progressivo do nível de organização da atividade de construção civil em todas as suas fases, do projeto ao uso do produto fabricado pela indústria‖ (p.3, grifo nosso) Solicitava-se a racionalização da obra por completo: detalhamento de projetos construtivos e de produção, implantação de canteiros “racionalizados”, com um sistema de logística adequado, o uso mais intensivo de equipamentos, etc, que para Sabbatini (1998) traria o domínio das obras à engenharia. Farah (1996) em seu estudo, já havia apontado o domínio da mão de obra na Construção tradicional de habitações no Brasil. Remontando à formação do setor produtor de edificações residenciais em termos capitalistas no Brasil (a construção ―para o mercado‖), a autora mostra como no processo de ―cientifização‖ da atividade houve um processo de crescente divisão do trabalho 38, sem que tivessem sido desenvolvidos “mecanismos de coordenação das partes que se dissociavam” (p.159-160), o que manteria o poder do trabalhador no âmbito das obras. Ainda nos anos 1980, a formação dos novos trabalhadores se fazia na obra (on the job), sob o comando dos ―mais experientes‖ e o engenheiro dependeria do mestre de obras para saber ―das coisas práticas‖ da obra. Em um quadro como o descrito por Farah (1996), caberia especialmente a observação de Sabbatini (1998): Em outras palavras: a industrialização não é um processo associado a saltos tecnológicos ou a mudanças operacionais radicais. Ela é essencialmente um processo contínuo de organização da atividade produtiva. (p. 3) Para o autor, o paradigma produtivo de parte importante do segmento da edificação residencial formal brasileira às portas do século XXI poderia ser ilustrado pela máxima: ―é possível construir um edifício sem engenheiro, mas não dá sem um bom mestre‖. Farah 38 O operário perdeu parte do seu saber, ao se especializar em segmentos da atividade de edificar, foram abertas firmas especializadas em etapas da edificação, e o engenheiro/arquiteto se concentrou nas atividades de concepção (―cientifica‖, por suposto) e administração das obras, excessivamente distanciado da prática, da execução (p.158). 84 (1996), sobre o mesmo fenômeno, fala da convivência possível entre “o novo” e o “velho” em uma mesma obra: Embora haja cientifização da produção, embutida no projeto arquitetônico e nos projetos complementares (estrutura, fundações e instalações) e em alguns componentes industrializados, os trabalhadores intervêm com sua experiência prática, de um lado, traduzindo e adaptando os projetos na fase de execução e, de outro, recorrendo a conhecimentos tradicionais na utilização e aplicação dos materiais e componentes. A apropriação do saber fazer pelo capital e seu desdobramento sob a forma de prescrição de modos operatórios é, na verdade, algo pouco desenvolvido na atividade de construção (p.84) Farah (1996) identificou na Construção Habitacional brasileira, no final dos anos 1980, um padrão de desenvolvimento heterogêneo entre as unidades produtivas, conjugando segmentos que adotavam práticas de gestão e tecnologias mais ―modernas‖ e outros que persistiam no mesmo ―modo de fazer‖ tradicional, em que a mão de obra mantinha grande domínio sobre o processo produtivo o que persistiu ao longo dos anos 1990. A modernização observada nos anos 1960 e, sobretudo, 1970, se deu especialmente pela demanda estatal e pelo avanço no uso de técnicas de préfabricação, o que em parte se perdeu com o mercado retraído dos anos 1980 e 1990. Ainda assim, foi erigido um núcleo de empresas diferenciadas no setor de Edificações, mais aptas à sobrevivência por seu desenvolvimento financeiro e técnico. Em termos genéricos, era possível afirmar que ainda que se tivesse à disposição projetos e insumos industrializados, a sua utilização não era eficiente, e o ritmo da produção ainda se dava segundo a mão de obra operacional, e não da engenharia. Sabbatini (1998), deste ponto de vista, salienta a necessidade de elaboração e implementação de projetos de produção, em que se previsse etapas, tarefas e tempos de execução das obras, o que praticamente inexistia no final dos anos 1990. Naquele contexto, já existiam inclusive ferramentas ligadas à informática e às tecnologias de informação que poderiam auxiliar no avanço tanto na elaboração de projetos como na sua implementação, se não desconsideradas, subutilizadas pelo segmento. Ao observar a experiência europeia é possível inferir que a passagem do paradigma de industrialização da construção de estruturas pré-fabricadas para o de componentes racionalizados traria uma possibilidade maior de ganhos generalizados de eficiência para o segmento, respaldando a melhoria dos coeficientes de produtividade agregados. As 85 estruturas pré-fabricadas em geral se associam a grandes obras, erigidas por um conjunto pequeno de (grandes) produtores, enquanto os componentes industrializados podem se generalizar por todos os tipos de edificações, e mesmo permitir uma diferenciação do produto (o edifício) que satisfaz tanto os produtores como os consumidores. Cabe observar, entretanto, a apropriação desses materiais no conjunto das obras ─ para que a industrialização se verifique, a ênfase nos projetos, no controle da logística e dos tempos de produção é essencial. Sabbatini (1998) dizia no final da década de 1990, talvez com base na crescente terceirização observável nos países desenvolvidos, que veria nas empresas da Edificação brasileira ―a vocação para integradoras de sistemas complexos‖. A incorporadora/construtora seria, nessa concepção, ―uma compradora de subsistemas projetados por ela, mas construídos ou montados no seu canteiro por parceiros especialistas na produção dos mesmos. Em um mercado em que todas as empresas concorrentes adotassem posturas semelhantes, o que diferenciaria as empresas, definindo seu nível de competitividade, seria então a sua capacidade de projetar, planejar e gerir a produção do bem” (p.7). O que se verificava no Brasil de até então era um amplo sistema de subcontratações, mas não orquestrado de forma eficiente, assim como as prestadoras de serviços estariam longe de ser qualificadas, em um sistema que se buscava reduzir custos às expensas da qualidade (SABBATINI, 1998). A informática e as novas tecnologias de informação possibilitaram à Construção dos países que já haviam conseguido implantar o Sistema Modular no mercado local, por exemplo, o avanço na idéia de interconectividade, como apontado por Greven e Baldauf (2007), que alia a racionalização da produção à diversificação do produto, em uma aproximação entre a Construção e a indústria de insumos, explorada até mesmo na formação universitária: Os países industrializados – da Europa e da América do Norte –, que adotaram efetivamente a Coordenação Modular nas décadas de 50 e 60, atualmente seguem utilizando-a no dia-a-dia da construção civil, desde o projeto dos componentes, passando pela formação dos profissionais nas Universidades e chegando aos canteiros de obras. A evolução da Coordenação Modular nesses países chegou ao que se chama de conectividade, que utiliza os recursos de informática e informatização conjuntamente com os equipamentos industriais informatizados. Isso permite a produção de componentes dimensionados 86 de acordo com as necessidades de cada projeto e/ou cliente, desde que a conectividade entre eles esteja perfeitamente resolvida. (p.65) Para respeitar a diferenciação de produtos exigida pelo mercado brasileiro, típico dos anos 1980/90, com dinamismo centrado na média alta e alta renda, ter-se-ia que partir já para a flexibilidade admitida pela interconectividade, por exemplo – o que implicaria em uma modernização radical no parque produtivo de insumos e uma ―cientifização‖ da edificação não compatível com o mercado local, pequeno e instável. As condições que o ciclo de crescimento que se abriu por volta de 2005, entretanto, seriam outras. Com o assunto da ―modernização‖ de volta ao cenário, e uma configuração da demanda em direção à baixa renda, Faria (2008) indaga a um renomado engenheiro holandês sobre o processo de industrialização na Holanda e as perspectivas no Brasil: Faria: Qual o caminho seguido pelos países desenvolvidos para industrializar o setor da construção? Wim Bakens: Na Holanda, nós temos um sistema no qual casas são construídas por empresas públicas de construção. Elas detêm a propriedade dos imóveis e os alugam para os interessados. No passado, mais de 90% do mercado de construção residencial tinha a participação dessas empresas, que eram reguladas pelo governo. O estímulo ao uso de sistemas industrializados vinha da agência governamental, que assegurava novas obras a essas construtoras caso passassem a utilizar essas soluções. Surgia um mercado grande e promissor, que atraiu as empresas de construção. Garantia-se a elas que, nos anos seguintes, haveria obras suficientes para viabilizar o uso das novas tecnologias. No entanto, trata-se de um mercado protegido. Duas ou três décadas depois da Segunda Guerra Mundial, os governos estimularam a industrialização, investiram em pesquisa e desenvolvimento. E tinham que fazê-lo, porque as empresas não possuíam condições de assumir essa responsabilidade. Faria: Essa industrialização aconteceu sob certo protecionismo. Ela pode ocorrer em um sistema de livre iniciativa? Wim Bakens: A industrialização na Construção é quase impossível em um mercado livre. Porque o risco fica todo por conta dos construtores. Em alguns casos, isso pode acontecer. Veja o exemplo de algumas grandes empresas de construção japonesas, que investiram bilhões de dólares em tecnologias construtivas industrializadas. Elas supõem que vão construir no Sudeste Asiático e desenvolvem sistemas construtivos rápidos para executá-los de forma seriada. Mas é um risco assumido pelo mercado. Investe-se em um produto se há a certeza de que ele será usado tão repetidamente que possibilitará geração de lucro. Faria: Como fazer isso acontecer no Brasil? 87 Wim Bakens: É fácil dizer que existe uma responsabilidade do governo nisso. Mas o segmento da construção também deve fazer sua parte, forçando a criação de regulamentações, reivindicando subsídios, uma política efetiva [de industrialização do setor]. E, se há um momento ideal para que isso ocorra, é agora, que o mercado brasileiro da Construção está vivenciando um boom. Daqui a dois anos ninguém mais se interessará por isso, pois todos terão muito trabalho, estarão lucrando muito. Agora é o momento para implementar esse tipo de mudanças. (grifo nosso) Ou seja, o processo de industrialização da construção estaria associado à visibilidade das condições de demanda e ao incentivo (se não condicionamento) Estatal. Como explorado no capítulo precedente, na Europa o processo de industrialização adveio da forte intervenção estatal – se as normas qualificam os insumos e processos a serem utilizados nas obras, as condições macroeconômicas mais gerais, a regulação financeira e o poder de compra do Estado que asseguraram à Construção e ao fornecedor de componentes o tempo necessário para a maturação dos investimentos. No Japão, o investimento espontâneo em modernização se deu por alguns empresários afeitos ao risco, que viam na demanda externa a possibilidade de realizar os custos dos investimentos ─ o que pode ocorrer sem acarretar um ―salto sistêmico‖ na produção local, que compreenderia a ideia de industrialização vista na Europa39. Segundo Greven e Baldauf (2007) a Holanda publicou sua primeira norma sobre Coordenação Modular em 1965, enquanto o Brasil o fez em 1950, mas ainda não avançou na implementação. Isso reforça o argumento de que se a normatização/regulação é considerada uma condição necessária para o avanço da industrialização do setor, não é suficiente para mudar o padrão produtivo. No Brasil, a preocupação com o atraso da Edificação e o desgaste que ele poderia causar ao ciclo de crescimento que estava se colocando, fizeram o segmento ser alvo da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) do governo Lula, divulgada em junho de 2008. Foi fixada como meta para o setor da Construção Civil a elevação da produtividade e a redução das perdas em 50% até o ano de 2010 (em 2 anos!) – meta posteriormente postergada para o ano de 2015. 39 Isso pode ser suposto inclusive pelos baixos ganhos de produtividade agregada observados no setor da Construção japonês, observável no gráfico 3, à página 27 deste estudo. 88 A política industrial40 para o segmento visava criar condições para que o ciclo de crescimento já observado se mantivesse. O diagnóstico conjuntural era de que havia um mercado em forte expansão; com empresas da Construção entrando no mercado de capitais, ou seja, com uma crescente ―solução de mercado‖ para o financiamento da produção; com presença significativa de mão de obra informal e de baixa qualificação; e de um grande déficit habitacional para famílias de média e baixa renda a ser ultrapassado. Os desafios que se colocavam no tempo eram41: - Promover a construção industrializada Os instrumentos disponíveis para tanto seriam: i. dar acesso a máquinas e equipamentos (BNDES: Finame), ii. incentivar a intensificação tecnológica e a inovação (FINEP/MCT: Habitare), iii. incentivar a exportação (MCT/MDIC: PROGEX), iv. reativar o fórum de competitividade (MDIC), v. utilizar o apoio do sistema S (SENAI, SENAC, SEBRAE); - Desenvolver e disseminar a TIB (Tecnologia Industrial Básica - Metrologia, Normalização Técnica e Avaliação da Conformidade), com apoio financeiro da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil; do Fórum de Competitividade (Ministério das Cidades, MDIC) e do INMETRO (Metrologia e Certificação)42. - Desenvolver mecanismos de financiamento sustentáveis; As instituições envolvidas nessa meta seriam a Caixa Econômica Federal (CEF), o BNDES, o Banco do Brasil, o Fórum de Competitividade e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários. - Capacitar a mão de obra; com auxílio do sistema S e do Ministério do Trabalho e Emprego. Ou seja, o segmento voltou a ser alvo de medidas do setor público 43, tal como nos anos 1970, e a observar as metas traçadas, havia uma expectativa em torno de uma 40 Informações disponíveis em: http://www.mdic.gov.br/pdp/index.php/politica/setores/construcaoCivil/157. Acesso em março de 2011. 41 Informações disponíveis em http://www.mdic.gov.br/pdp/index.php/politica/setores/construcaoCivil/157 (acesso em março de 2011). 42 Duas novas normas entraram em vigor em 2010: a Norma Brasileira de Desempenho de Edifícios (NBR 15.575), e a nova Norma de Coordenação Modular para Edificações (NBR 15.873). 43 BNDES (2010) descreve, com detalhes, o esforço do setor público, que avança à PDP, no auxílio à meta de industrialização da construção brasileira. 89 revolução na produção que o setor privado poderia estar por desenvolver, a partir do grande volume de demanda que estava por começar a se viabilizar (em direção a obras de maior escala), de captação de recursos relativamente baratos no mercado de capitais para a produção e o investimento nas empresas de edificações, da participação estrangeira, que deveria trazer consigo um ―novo modo de produzir‖ aos canteiros de obra local, podendo até mesmo acelerar o processo de modernização do setor produtor de insumos. É possível imaginar que se esperasse que os produtores estrangeiros carregassem consigo toda a bagagem de industrialização vivida na Europa e de um modo de produção diferenciado nos EUA – o conhecimento e as exigências quanto aos insumos, à prestação de serviços, às técnicas de gestão e de domínio sobre a atividade de edificar. Esse quadro, por outro lado, pouco combina com o observado nas próprias economias da OCDE, apontados no Capítulo 1, em que se verifica no período da globalização a ampliação das relações de terceirização e subcontratação na Construção, podendo significar tanto uma maior especialização das empresas, como uma busca pela simples redução de custos e precarização das condições de trabalho. Observou-se mesmo que há indícios de que o grande capital da Edificação europeu parece, em alguns casos, se distanciar da produção tendo em vista os ganhos imobiliários, subcontratando segundo o menor custo. O agravamento da crise internacional, alguns meses mais tarde, interrompeu o curso ―natural‖ tanto dos negócios como das estratégias governamentais ─ o que, ao invés de ser negativo ao segmento, abriu novas possibilidades de intervenção estatal. A crise acabou por legitimar políticas fiscais expansionistas, e o Estado brasileiro pode avançar na demanda de Edificações residenciais, consolidar alguns benefícios fiscais ao segmento e continuar perseguindo metas microeconômicas. A despeito dessas medidas, de foco de curto prazo, foi reforçada a aposta na atração de capital estrangeiro para dar continuidade ao ciclo e a questão fundiária continuou a ser “ignorada". Em um fato inédito, a então presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Ramos Coelho, foi a Nova York, junto com empresários brasileiros, apresentar o Programa ―Minha casa, minha vida‖ aos investidores internacionais (D‘Ambrosio, 16 de setembro de 2009). 90 Para finalizar a apresentação da evolução do tema da industrialização da construção no Brasil, julga-se interessante a avaliação de um executivo do segmento, reportada a Oliveira (2008). Ela teria sido “irresponsável” nos anos 1970/80, quando os construtores trouxeram novos materiais e métodos do exterior e os aplicaram sem critérios, o que teria elevado a produtividade, mas resultado em “patologias” nos imóveis; entre meados dos 1980 e 1990 não teria avançado44 e; ela teria sido uma "industrialização sutil" entre 1996 e o início dos 2000, quando foram adotados, de forma mais generalizada pelo setor (não se restringindo às grandes empresas, portanto), componentes modernos como o drywall, as fachadas pré-fabricadas, itens como portas e banheiros prontos, o fornecimento de aço cortado e dobrado, e o uso de fôrmas prontas, para fabricação de prémoldados nos canteiros apenas pelas grandes construtoras. Com a desaceleração do setor, no início dos anos 2000, parte relevante do uso dessas tecnologias teria se dissipado. Na opinião do executivo que presenciou essas fases, o ciclo de crescimento que estaria se consolidando em meados dos 2000 precisaria se manter por uns 15 anos para que a Construção Civil consolidasse o uso desses novos materiais e técnicas (só então seriam satisfatoriamente testados, normalizados e adotados pelo conjunto do setor) ou seja, seria necessário a ―constância de demanda‖ para sustentar esse movimento. Na mesma reportagem, um professor da Poli/USP afirmava: "Temos que sair dessa realidade imediatista, de procurar sistemas só quando temos empreendimentos no gatilho" (OLIVEIRA, 2008). 2.2. A habitação no Brasil e as pré-condições da retomada de negócios nos anos 2000 Como já explorado, a moradia, quando associada à propriedade, é um bem de alto custo em relação à renda dos demandantes – o que limita, e muito, o acesso a ela. Desde que entendida como necessária para a reprodução da força de trabalho, e mais recentemente, como um direito do cidadão, a habitação tem sido alvo de políticas que focam a moradia de interesse social (para as famílias de baixa renda), e para a classe média, que mediante condições adequadas de financiamento pode adquirir a ―casa própria‖ sem, 44 Tal como apresentado por Farah (1996), neste período as construtoras teriam procurado racionalizar os custos com base na redução de área útil dos imóveis e busca de materiais baratos. 91 ou com pouco auxílio governamental (leia-se ―subsídios‖). Assim, no caso da classe média, a política habitacional e o financiamento à habitação são temas muito próximos. Os governos têm relação com o segmento produtor de edificações, ainda, por outros canais. O nível de atividade econômica, regulado em alguma proporção pelas políticas macroeconômicas influencia e é influenciado pelas condições de negócios no setor de Edificações, dado o alto efeito multiplicador associado ao segmento. Por ser relativamente bem organizado, e por o seu produto configurar um investimento aos demais segmentos produtivos, o setor produtor de edificações detém um poder político não desprezível, que reforça as suas relações com o Estado. As condições de formação de preços imobiliários por sua vez, longe de refletirem a simples escassez do fator terra, se dão conforme a regulação estatal em torno do acesso e do uso do solo, ao conjunto de investimentos em infraestrutura social e urbana e às estratégias de valorização imobiliárias. O capital imobiliário, em geral associado ao poder público, ―promove‖ certas áreas, criando uma diferenciação artificial no mercado de terras urbanas, gerando ―valor fictício‖, incorporado ao preço dos terrenos e imóveis. Assim, os ciclos de negócios da habitação têm seu desempenho atrelado não apenas ao rimo ―natural‖ dos negócios privados, mas às políticas macroeconômicas; às políticas habitacionais (no sentido estrito de determinar as condições de acesso à moradia das classes médias e pobres); às políticas industriais, que podem alterar os custos de edificar; às políticas fundiárias e de planejamento urbano mais geral, em que se prevê a expansão da infraestrutura social e urbana, que influenciam na formação de preços da terra e da propriedade. Conforme já explorado, no período da globalização, os Estados procuraram retirarse cada vez mais da tarefa de solucionar diretamente a questão habitacional para ―organizar‖ e garantir que parcelas cada vez maiores da população tivessem acesso à moradia por meio do financiamento habitacional, ―de mercado‖, em um contexto em que as políticas em torno da habitação de interesse social ficariam subordinadas ao equilíbrio fiscal do ―Estado Mínimo‖. O déficit habitacional brasileiro em 2007, segundo a Fundação João Pinheiro (2009), era de cerca de 6,3 milhões de moradias. Ele teria crescido mais de 35% desde 1991 e 82% dele se remeteria ao déficit habitacional urbano. Deste, 95,9% se referiria às famílias 92 de 0 a 5 salários mínimos, sendo 89,4% entre as famílias de 0 a 3 salários mínimos e 6,5% entre as famílias de 3 a 5 salários mínimos. Uma parcela deste estoque, entretanto, se referiria a habitações inadequadas45 – ou seja, que poderiam, com alguma adaptação, especialmente em termos de infraestrutura, ser recuperadas. A despeito da discussão metodológica em torno da apuração desse déficit e seu resultado ―exato‖, a solução para contornar o problema habitacional passa apenas em parte pelo setor formal de edificações – parcela que será tão maior quanto o desejo do Estado de que assim o seja, materializado em políticas, e do sistema bancáriofinanceiro de financiar produtores e sobretudo consumidores, com perfis cada vez mais arriscados (caminhando em direção ao mercado de baixa renda). O paroxismo desse avanço do sistema financeiro foi o recente desenvolvimento do mercado sub-prime norte americano, em que Em vez de se orientarem pela capacidade dos mutuários de honrarem seus compromissos e assim negarem certas solicitações de crédito, os credores e os investidores utilizaram incentivos artificiais para ―qualificar‖ mutuários e viabilizar a tomada de empréstimos. (IPEA, 2010, p.339) Na equação governamental devem ser tratados, então: i. a adequação do sistema de financiamento (à produção e à comercialização de edificações) e do volume de subsídios à baixa renda (no caso brasileiro, sobretudo às famílias de 0 a 3 salários mínimos); ii. os incentivos à produtividade do setor de edificações; iii. as políticas fundiária e de infraestrutura urbana, já que o acesso aos terrenos urbanizados pode constituir um primeiro empecilho para que as obras sejam iniciadas. A formação daquele déficit no Brasil decorreu do trato inadequado desse conjunto de políticas – ao menos na intensidade exigida pelo intenso movimento demográfico que significou a urbanização brasileira, desde os anos 1940. Idealmente, se havia um projeto de industrialização da economia local, o planejamento urbano deveria estar contido naquele. 45 Biancareli e Lodi (2009) destacam a importância da definição de ―déficit habitacional‖, que deveria ser diferenciada de ―necessidade habitacional‖, um conceito mais amplo, englobando além do déficit habitacional, as moradias inadequadas com falhas de infra-estrutura básica e adensamento habitacional elevado, além das moradias alugadas que comprometem uma parte muito grande da renda familiar. 93 Para os urbanistas e sociólogos a autoconstrução, antes de ser o calcanhares-deaquiles da Construção, foi funcional ao desenvolvimento capitalista das economias periféricas. No caso Brasileiro o sociólogo Francisco de Oliveira (Oliveira, 2006, p.) afirma: Eu diria que a industrialização brasileira foi sustentada por duas fortes vertentes. A primeira foi a vertente estatal, pela qual o Estado transferia renda de certos setores e subsidiava a implantação industrial. E a segunda eram os recursos da própria classe trabalhadora, que autoconstruía sua habitação e com isso rebaixava o custo de reprodução. Isso não é um argumento só teórico. É um argumento que se encontra e se ancora na prática com a qual se fazem os inquéritos e as pesquisas sobre o custo de vida. Nas pesquisas sobre custo de vida, hoje bastante amplas (...), o item habitação quase desaparece. Isso vai se refletir diretamente na avaliação do custo de sobrevivência. É assim que a lei define: salário mínimo é a cesta de bens necessária para a reprodução de uma família clássica, de tipo nuclear. Quando os governos, para orientar a política econômica, calculam o salário mínimo, o custo da habitação desaparece e influencia na fixação do valor. É isso que tem o efeito de rebaixar o salário. O principal arcabouço institucional em torno da habitação no Brasil, foi idealizado e implementado em meados dos anos 1960, e focalizou, de forma limitada, a questão do sistema de financiamento e dos subsídios à baixa renda. A modernização da produção de edificações, como já explorado, foi deixada em segunda dimensão, dada a primazia ao problema do emprego, e, a questão fundiária, em geral à cargo das municipalidades, também não teve o trato adequado. A guinada política do golpe militar de 1964 interrompeu um intenso debate em torno das reformas urbanas do pré-golpe. Pode-se dizer que a ascensão dos militares ao poder, significou, no campo da habitação, assumir o paradigma de propriedade imobiliária privada das residências. Adotou-se um modelo de ―Estado de bem-estar social‖ restrito a uma parcela da população ─ as classes médias, ampliando as diferenças sociais internas (MARICATO, 2008). Afora o gasto fiscal propriamente dito, o principal instrumento de política habitacional estabelecido foi o creditício, a partir do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), instituído dentro da reforma do Sistema Financeiro Brasileiro de 1964. Como assinala Bonduky (2008), a instituição de uma política habitacional naquele momento tinha função não apenas de resolver o problema social e urbanístico real, mas também de legitimar o regime militar, que havia então tomado o poder. Como ilustração da 94 importância da questão, Bonduky (2008) lembra da afirmação de uma dirigente do Banco Nacional de Habitação (BNH), então instituído: ―‗a casa própria faz do trabalhador um conservador que defende o direito de propriedade‘‖ (p.73). Na sua origem o SFH previa fontes de financiamento e regras para a cessão de crédito, numa estrutura conhecida por crédito direcionado – mantida até os dias atuais, ainda que sob severas críticas do setor bancário privado46. Eram dois os instrumentos de captação de recursos previstos no Sistema: a caderneta de poupança, no âmbito do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), e o FGTS, um fundo de poupança compulsória que direcionaria recursos para o financiamento à habitação, e numa segunda etapa, ao saneamento e à infra-estrutura urbana. O BNH seria o órgão responsável por toda a política habitacional, controlador e ―emprestador de última instância‖ do SBPE, gestor do FGTS (SANTOS, 1999). Santos (1999) apresenta a divisão de tarefas dentro do SFH: o subsistema SBPE, com recursos captados à partir das cadernetas de poupança e dos demais títulos imobiliários, dirigia-se ao financiamento de ―investimentos habitacionais propostos por empreendedores ou construtoras‖, dirigidos às classes de renda média e alta, que ao adquirirem os imóveis assumiam a dívida, tornando-se mutuários do Sistema (o empreendedor, portanto, após a venda do imóvel, repassava sua dívida com as instituições financeiras para os mutuários); o subsistema BNH-FGTS destinava os recursos para a construção de conjunto populares (casas de interesse social) que eram desenvolvidos por empresas de Edificações supervisionadas pelas COHABs (Companhias de Habitação). Santos (1999) ressalta que a atuação do BNH, não se limitava à esfera financeira já que também tinha os objetivos de ―atenuar os desníveis regionais‖, o ―ímpeto migratório para as metrópole‖, eliminar as favelas e aumentar “o investimento nas indústrias de construção civil, de materiais de construção e bens de consumo duráveis” (p.11-12, grifo nosso). Fix (2011), apresenta essa formulação como um resultado, também, das reivindicações do próprio segmento de Edificações brasileiro. O desempenho do SFH foi satisfatório apenas até o fim da década de 1970, quando entrou em crise. A alta inflação e o baixo crescimento econômico dos anos 1980 e início dos 1990 dificultaram a captação de recursos no âmbito do SFH e seu repasse porque: 46 os bancos não aprovam a modalidade de crédito direcionado porque, segundo seu ponto de vista, ela ―enrigece‖ as operações bancárias e causa ―distorção alocativa‖ no sistema de crédito. Ver Costa e Nakane (2005). 95 i. tanto a fonte de captação voluntária (caderneta de poupança) como a compulsória (FGTS) tinham um forte componente cíclico, sendo instrumentos de captação ineficazes em conjunturas recessivas – como o que se colocou no período; ii. para a parcela ―econômica‖ do mercado habitacional ─ aquela que teve acesso à ―casa própria‖ com o esquemas de financiamento do SFH ─ a correção monetária, que viabilizou o sistema nos anos 1960 e 1970, levou, com o recrudescimento inflacionário, a um forte descasamento entre o reajuste das prestações (indexadas à variação do salário mínimo) e dos saldos devedores (corrigidos por taxas de mercado), gerando enormes saldos residuais ao final o período contratado (CARNEIRO E VALPASSOS, 2003), gerando problemas aos mutuários e afugentando tanto Bancos como novos demandantes de créditos habitacionais (com base no SFH)47. O crescimento da atividade de edificar, mesmo naquele período, não foi linear no tempo, nem mesmo homogênea em termos dos esforços em direção à edificação de cunho popular ou à voltada classe média (FARAH, 1996, p. 179-79). Entre 1964 e 1967 deram-se as mudanças institucionais e boa parte da atividade foi direcionada à baixa-renda, capitaneada pelo Estado. Entre 1967 e 1973, período do ―milagre brasileiro‖, houve forte crescimento da produção, com importante participação da produção imobiliária privada, voltada à classe média. Após o 1º choque do petróleo e os primeiros sinais de esgotamento do modelo de crescimento adotado, o investimento público em ―conjuntos habitacionais‖ ganhou novo ímpeto, o que se manteve até 1982. Com os dados da Tabela 3, Farah (1996) ilustra os movimentos descritos com base nos financiamentos do SFH. De 1964 a 1984 foram financiadas cerca de 4,2 milhões de moradias, com apenas 53% delas sendo de interesse social. Considerando que o valor médio de uma habitação para a classe média é bastante superior ao despendido em uma residência para a baixa renda, não é difícil inferir que o volume de recursos direcionados no âmbito do SFH foi muito maior para a classe média que para a baixa renda. 47 O setor público criou instrumentos (FCVS) para sanar o estoque de saldos avolumados que se mostraram insuficientes para gerar um clima de confiança seja do demandante, seja do ofertante de recursos. 96 grande número não significava que todas as unidades devessem ser iguais, mas foi esse o modelo largamente adotado. Os equipamentos coletivos, como escolas e postos de saúde, foram deixados de lado ou implementados em número insuficiente para a demanda. […] A partir dos anos da ditadura, ‗conjunto habitacional‘ passou a ser sinônimo de gente empilhada – com freqüência, bem longe do centro consolidado das cidades. Para o pesquisador, Cidade Tiradentes é exemplo da ênfase equivocada do Sistema Financeiro de Habitação, que concebia moradia não como desenvolvimento urbano, mas como mera produção de unidades habitacionais. Muitos outros conjuntos habitacionais construídos nas últimas décadas têm relação oposta à esperada com a cidade: em lugar de representarem a integração de novas moradias e espaços, são construídos de forma que facilita a segregação de quem mora ali. ‗Em muitos casos não se pensou na localização dos empregos, na identidade dos espaços, em um transporte de massa eficiente‘, relembra Bonduki. (STAM et al, 2008, grifo nosso) Uma das causas apontadas para essa crescente descaracterização do programa de habitação popular no Brasil, seria a própria incapacidade de financiar as obras no ritmo e qualidade necessária: […], as limitações de financiamento são responsáveis em grande medida pela deterioração da qualidade dos projetos de conjuntos habitacionais, na avaliação de Bonduki. Para viabilizar um custo compatível com a capacidade de financiamento de imóveis para baixa renda, que não eram priorizados nas décadas passadas, os custos foram reduzidos a ponto de comprometer a qualidade mínima dessa forma de habitação. (STAM et al, 2008). Ou seja, a degradação da qualidade construtiva foi consentida a fim de estender o ciclo da construção. Como visto, a modernização então observada é reconhecida por empresários da construção como ―irresponsável‖, já que os novos materiais e métodos trazidos do exterior foram aplicados sem critérios, gerando economias na edificação dos prédios, mas patologias nos imóveis. Uma causa pouco perceptível, ou pouco explorada, para essa majoração de custos foi o “não tratamento” da questão fundiária. A dinâmica imobiliária dificultou a compra de terrenos pelas COHABs, que mesmo recorrendo à compra de terrenos em áreas rurais, sem infraestrutura, com grande declividade e toda sorte de dificuldades que barateasse o acesso à terra (Fix, 2011, p.102), chegou ao limite de custo viável ao sistema. Especificamente para o interregno de 1969 a 1974, mas para uma problemática que se recoloca a cada ciclo de crescimento da produção, a autora afirma: 98 O aumento do crédito e da escala de produção, no caso da habitação, pode gerar a elevação do custo unitário, diferentemente de outros setores. O encarecimento dos terrenos dificultou a aquisição de terras com condições mínimas de aproveitamento. A estrutura de custos inviabilizava a produção, segundo o então presidente da Cohab. Os financiamentos do SFH passaram a privilegiar as obras urbanas e a produção de edifícios de apartamentos para população de renda média alta. (Fix, 2011, p.101) O crescente desemprego e a crise financeira do Estado levaram a cortes nos programas voltados para a habitação de interesse social, que dependiam mais fortemente de subvenção estatal, assim como o próprio SBPE também encolheu frente à crise econômica. Havia problemas então tanto de oferta (ciclo imobiliário) como de demanda de novas habitações (contração econômica, aperto monetário). Como contraparte, movimentos populares foram se formando em torno da questão da moradia. Em 1981 houve a invasão das terras na Fazenda Itupu, no Estado de São Paulo, que é considerado o marco inicial da luta pela moradia no Brasil – seja na área urbana, seja na rural (GOHN, 2008). Em 1984, foi organizado o ―Movimento dos Mutuários do Banco Nacional de Habitação‖, que reunia não os sem-moradia, mas as ―vítimas‖ dos descompassos do SFH (GOHN, 2008). Os movimentos sociais autóctones, junto às críticas mais gerais que se avolumavam em âmbito internacional ao antigo modelo de construção habitacional popular, de grandes conjuntos habitacionais, vão conformando novas propostas de política habitacional no país. Ainda que em um momento político intenso, Bonduki (2008) assinala a paralisia do SFH, em meio ao vácuo de novas políticas para o segmento: Na redemocratização, ao invés de uma transformação, ocorreu um esvaziamento e pode-se dizer que deixou propriamente de existir uma política nacional de habitação. Entre a extinção do BNH (1986) e a criação do Ministério das Cidades (2003), o setor do governo federal responsável pela gestão da política habitacional esteve subordinado a sete ministérios ou estruturas administrativas diferentes, caracterizando descontinuidade e ausência de estratégia para enfrentar o problema. (p.75) A incorporação do BNH à Caixa Econômica Federal, em 1986, refletiu a grande crise (inclusive institucional) por que passava a política habitacional brasileira. A Caixa Econômica Federal (CEF), um banco sem qualquer tradição na gestão de programas habitacionais, passou a gerir os recursos do SFH. Na segunda metade dos anos 1980 foram 99 desenvolvidos programas alternativos ao SFH48, direcionados à baixa renda, que teriam promovido ―o desmanche da área social do SFH‖, que teve desempenho muito limitado no período (SANTOS, 1999). As COHAB, que erigiam habitações de baixa renda com recursos do FGTS, mediante o SFH, tiveram seus financiamentos restringidos pelo governo central, passando de ―agentes promotores (i.e, tomadores de empréstimos do FGTS e executores de obras) a meros órgãos assessores, diminuindo assim a capacidade de atuação dos estados e municípios na questão habitacional‖ (SANTOS, 1999, p.20). A paralisia do SFH teve seu auge após denúncias de utilização fraudulenta de recursos do FGTS no governo Collor, na entrada dos anos 1990. O agravamento da situação habitacional, por sua vez, exigiu o esforço de Estados e Municípios em soluções locais – que encontraram amparo na Constituição de 1988, que havia tornado a habitação uma atribuição dos três níveis federativos: […] no momento em que deixou de existir uma estratégia nacional para enfrentar a questão da habitação, vazio que foi ocupado de forma fragmentária, mas criativa, por Municípios e Estados. (BONDUKI, 2008, p.77) Essa saída foi insuficiente tanto para solucionar o problema da demanda habitacional, como fragmentou, em alguma proporção, os esforços financeiros, as concepções tecnológicas e mesmo ideológicas em torno da habitação social. Com um olhar a posteriori, Bonduki (2008) verifica que o grande déficit habitacional aberto no Brasil não decorreu especialmente da crise do SFH, mas também da visão estreita de planejamento urbano e habitacional até então construída: Não seria razoável exigir que o Sistema Financeiro da Habitação pudesse financiar a construção de unidades prontas na dimensão necessária. Mas uma análise crítica mostra que um dos grandes equívocos foi voltar todos os recursos para a produção da casa própria, construída pelo sistema formal da construção civil, sem ter estruturado qualquer ação significativa para apoiar, do ponto de vista técnico, financeiro, urbano e administrativo, a produção de moradia ou urbanização por processos alternativos, que incorporasse o esforço próprio e capacidade organizativa das comunidades. Em conseqüência, ocorreu um intenso processo de urbanização informal e selvagem, onde a grande maioria da população, sem qualquer apoio governamental, não teve alternativa senão auto-empreender, em etapas, a casa própria em assentamentos urbanos precários, como loteamentos clandestinos e irregulares, vilas, favelas, alagados etc., em geral distantes das áreas urbanizadas e mal 48 PROFILURB, PRÓ-MORAR e João de Barro, Programa Nacional de Mutirões Comunitários. 100 servidos de infra-estrutura e equipamentos sociais. (BONDUKI, 2008, p.73-74, grifo nosso) De forma semelhante, Santos (1999) afirma que entre 1985 e 1992, a ―ausência de um diagnóstico claro sobre a questão habitacional‖ e a ―dificuldade de se evitarem práticas clientelistas em um contexto de instituições democráticas pouco amadurecidas‖ teriam contribuído para a crise da política habitacional brasileira ao longo do período (p.17). Desta forma, a crise dos anos 1980 e a redemocratização deixaram marcas sobre a política habitacional brasileira. Ainda que a Constituição de 1988 tenha delegado a responsabilidade da provisão de moradias às 3 esferas governamentais, a regulação das condições de financiamento da habitação e gestão de fundos ainda ficou a cargo do Governo Federal (IPEA, 2007) – o que deu um peso diferenciado a essa instância governamental. Em 1995, no governo FHC, ainda no período que Bonduki (2008) considera como de ―apagão‖ da política habitacional, houve a retomada dos financiamentos da habitação e saneamento com base nos recursos do FGTS e procurou-se desenvolver uma concepção mais atualizada de política habitacional, incluindo ―princípios como flexibilidade, descentralização, diversidade, reconhecimento da cidade real 49, entre outros‖, que na acepção de Bonduki (2008) era compatível com o ambiente e o debate nacional e internacional que, de uma forma bastante generalizada, passou a rejeitar os programas convencionais, baseados no financiamento direto à produção de grandes conjuntos habitacionais e em processos centralizados de gestão (p.78). O governo federal, ―em um reconhecimento à incapacidade de lidar sozinho com a questão‖, segundo Santos (1999), lançou programas de parcerias com Estados e Municípios, focado na urbanização de áreas precárias, para a população de renda familiar de até 5 salários mínimos ─ os programas Pró-Moradia (financiado com recursos do FGTS) e Habitar-Brasil (financiado com recursos do Orçamento Geral da União) que não necessariamente implicavam em construção de novas habitações. Foram criados, também, no âmbito do SFH, programas de financiamento voltados ao beneficiário final, (Carta de Crédito, individual e associativa), que passaram a absorver a maior parte dos recursos do FGTS. As modalidades de utilização da Carta de Crédito 49 Termo correlato ao ―Cidade ilegal‖ – a parcela das propriedades urbanas informais, sem título de propriedade. 101 individual envolviam o financiamento de material de construção e a aquisição de imóveis usados, e a Carta de Crédito Associativa, segundo Bonduki (2008), se tornou uma espécie de válvula de escape para o setor privado captar recursos do FGTS para a produção de moradias prontas50 (p. 79). O deslocamento do financiamento “ao produtor” para o “ao consumidor” viria a incorporar a maior autonomia dos consumidores na idealização de sua habitação, assim como diluir os riscos do agente financiador, já que o crédito deixava de estar associado a um empreendimento/empreendedor, para ser pulverizado entre diversos consumidores. O público-alvo do programa de ―carta de crédito‖ seria o de famílias de rendimento de até 12 salários mínimos, e houve a preocupação em permitir a participação de famílias com rendimentos informais, e mesmo de cessão de recursos para melhorias de moradias não legalizadas (o que faz parte do ―reconhecimento da cidade real‖). Biancareli e Lodi (2009) citam a importância do mercado de imóveis usados para impulsionar a Construção, já que se financiar imóveis usados não atinge diretamente o setor de Edificações, ele pode ser uma pré-condição para a retomada dos negócios do segmento, uma vez que não raro os recursos da venda do imóvel são utilizados como parte do desembolso na compra de um novo. Teria sido criado, ainda sob o SFH, um programa voltado para o setor privado (Apoio à Produção, ao setor formal de Edificações), que teria tido um desempenho pífio (BONDUKI, 2008). Ou seja, pouco dessas reformas se reverteram em atividade do setor de Edificações. Em 1997, foi formalizado o Sistema de Financiamento Imobiliário (o SFI) – um arcabouço legal alternativo que instituiu a securitização dos créditos imobiliários, que no segmento residencial poderia ampliar o volume de financiamento à classe média brasileira, em paralelo ao SFH. Segundo Santos (1999), este sistema poderia utilizar ―como recursos a poupança privada livre, inclusive externa, e apresenta grande flexibilidade de aplicação desses recursos, ao possibilitar financiamentos imobiliários com fins habitacionais ou não‖ (p.26, grifo nosso). Neste sentido, é interessante lembrar que o governo FHC promoveu ampla liberalização financeira, acreditando, inclusive, que a participação de instituições financeiras internacionais no mercado local poderia desenvolver produtos e práticas 50 Os recursos se destinaram, neste período, mais à aquisição de moradias usadas que à construção de novas, segundo Fix (2011). 102 financeiras que finalmente romperiam com o ―atraso‖ do sistema de financiamento local, sobretudo o de médio e longo prazo51. Em 1999, no âmbito do SFH foi criado, ainda, o Programa de Arrendamento Residencial – PAR –, programa inovador voltado à produção de unidades novas para arrendamento que utiliza um mix de recursos formado pelo FGTS e recursos de origem fiscal, utilizado inclusive no Programa de Aceleração Econômica (PAC), lançado em 2007, no governo Lula. Em julho de 2001, foi instituído o Estatuto das Cidades (Lei no 10.257), considerado um marco para a política habitacional/urbanística, por introduzir uma visão mais ampla ao tratar a habitação como parte integrante do desenvolvimento das cidades, estabelecendo o conceito de função social da propriedade, reconhecendo seu uso ligado ao interesse coletivo (IPEA, 2007; BONDUKI, 2008). Para os urbanistas, reconhecer a função social da propriedade criaria condições para facilitar e baratear o acesso à terra urbanizada, fosse combatendo a especulação com imóveis ociosos, fosse criando mecanismos para a regularização fundiária, fosse estabelecendo zonas especiais de interesse social capazes de preservar da valorização imobiliária, terrenos adequados à produção de moradia digna.‖ (BONDUKI, 2008, p.95) Para que a lei tivesse plena força, entretanto, ela teria que ser prevista nos Planos Diretores Participativos dos municípios, elaborados pelas prefeituras e aprovados pelos legislativos locais52 (BONDUKI, 2008, p. 87-88). Se a aprovação do Estatuto das Cidades, previsto na Constituição de 1988, levou 13 anos para ser aprovado no Congresso Nacional Brasileiro, previu-se uma data em lei para que os Planos Diretores Participativos fossem implementados nas municipalidades ─ outubro de 2006. A instituição local do Plano Diretor Participativo criaria instrumentos para liberar terrenos urbanos retidos pela especulação imobiliária, para regularizar áreas a muito ocupadas, entre outros. 53 51 Royer (2009) assinala que a despeito do desempenho pífio do SFI em termos de expansão do financiamento à habitação, seu modelo ainda seria apontado como o ideal pelo ―mercado‖. 52 o Plano Diretor, exigência para todos os municípios com mais de 20 mil habitantes, deveria ser elaborado pelo setor executivo municipal, com participação do setor privado e aprovado pelas respectivas câmaras municipais (IPEA, 2007). 53 Alguns instrumentos para estes fins, ainda sob aprovação dos municípios podem ser citados: ―o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios do solo urbano não edificado e não utilizado; o IPTU progressivo no tempo e a subseqüente desapropriação com títulos públicos de imóveis sem uso a mais de 5 anos; o direito de preempção, que dá ao Poder Público prioridade na compra de qualquer imóvel urbano; a confirmação da possibilidade de criação de Zonas Especiais de Interesse Social, que se destinam à provisão, sob legislação especial, de habitações populares. Vários instrumentos dizem respeito à regulamentação de áreas ocupadas ilegalmente, como o usucapião de imóvel urbano ou a 103 Os governos FHC (1995-2002), desta maneira, foram profícuos no que tange às mudanças institucionais no âmbito da política habitacional. O que assinala Bonduki (2008), entretanto, é que ainda que com proposições renovadas, a política habitacional de FHC teria sido implementada de forma equivocada. Na parcela ―de mercado‖ atinente ao SFH, o grande agente financeiro da habitação, a Caixa Econômica Federal (CEF), sob gestão Federal, deu prioridade a uma estratégia financeira de baixo risco, privilegiando as operações seguras, que no caso da habitação seria o financiamento do imóvel usado, para as famílias de renda média superior a 5 salários mínimos mensais. Na liberação de recursos para a compra de materiais não houve iniciativa para assessorar a autoconstrução, agravando a questão urbanística de construções de baixa qualidade técnica. Na ―parcela pública‖, os recursos foram cortados em meio ao ambiente de ―austeridade fiscal‖ que retirou dos Estados e Municípios o acesso a recursos– o Pró-Moradia foi paralisado em 1998, quando se limitou o financiamento para o setor público. O SFI, que atenderia à média-alta e alta renda não teve impacto relevante sobre o mercado imobiliário – sobretudo o residencial. Vale lembrar que a implantação do Real, em 1994, visava o controle de preços e também vislumbrava e crescimento econômico, decorrente, inclusive, da estabilidade monetária alcançada. O segundo objetivo falhou. A restrição externa se impôs e as políticas conjunturais do tipo stop and go não criaram um ambiente favorável o suficiente para a retomada da construção habitacional, seja pelo baixo crescimento da massa de rendimentos, seja pelas condições creditícias totalmente adversas, seja pela forte restrição fiscal que se impôs a todas as esferas de governo, até como condição ao acesso ao financiamento externo. Segundo Bonduki (2008), o resultado da conjuntura, junto ao tratamento da questão habitacional dado no período, fez com que não apenas o déficit habitacional se ampliasse, mas que isso se desse de forma assimétrica entre as faixas de renda – ampliando mais que proporcionalmente o déficit habitacional dos relativamente pobres. O autor apresenta a realidade em números: O acelerado crescimento das favelas na última década é um indicador importante do agravamento do problema habitacional no país. Entre 1991 e 2000, a população favelada cresceu 84%, enquanto a população geral teve uma elevação de apenas 15,7%. (p.89) concessão de uso especial para fins de moradia. Destaque-se ainda a exigência de Estudos de Impacto Ambiental ou de Vizinhança, que visam controlar os grandes empreendimentos imobiliários.‖ Maricato e Ferreira: ―Estatuto da Cidade: essa lei vai pegar?‖. Disponível em: http://www.fau.usp.br/depprojeto/labhab/biblioteca/; acesso em abril de 2011. 104 Maricato (1998), assinalando que mais uma vez os recursos públicos teriam se dirigido prioritariamente ao financiamento da habitação da classe média, sugere que os interesses do capital financeiro e imobiliário teriam sido melhor atendidos que os do próprio capital produtor de edificações no governo FHC. Houve pronto esforço em aprovar a criação do SFI, quando pouco se fez para a aprovação do Estatuto da Cidade e mesmo não foi considerada a proposta da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), para a implementação de um plano de construção de habitações para a baixa renda, inspirada na experiência chilena, que previa ―um mix de recursos onerosos e a fundo perdido, de modo a subsidiar as faixas da população de baixa renda onde se concentra o déficit habitacional‖ (p.8). No mesmo sentido, a câmara setorial da Construção (assim como as demais) teria sido extinta em 1995. O atendimento ao capital imobiliário mais estrito já estaria contido no direcionamento equivocado dos recursos do SFH, mas como cita Maricato (1998), outras benesses ainda foram concedidas: […] uma especial sensibilidade para as demandas do mercado imobiliário, evidenciada pelas medidas tomadas a 5 meses das eleições, com a flexibilização nos financiamentos (aumento dos tetos de financiamento e faixas de renda, extinção do critério de faixas de renda para o direcionamento dos investimentos, unificação da taxa de juros em 8%, alteração do critério de remanejamento orçamentário entre unidades da federação, modificações nos planos de reajuste das prestações, mudanças na garantia hipotecária entre outros).‖(p.10). Ao capital bancário-financeiro, já bastante internacionalizado ao final do período FHC, o crédito habitacional não era considerado uma alternativa desejável de valorização do capital – o que se verifica, inclusive, pelo franco fracasso do SFI. Com a situação habitacional cada vez mais caótica, a luta em torno da moradia teria se transformado em uma das mais organizadas no panorama social da entrada dos anos 2000 (GOHN, 2008), e acabou por se traduzir em propostas políticas, que teriam permeado as idéias do governo federal que assumiu em 2003 (BONDUKI, 2008). A estrutura dos programas de financiamento do SFH do governo FHC foi mantida no governo Lula, mas buscou-se reforçar os instrumentos de financiamento de mercado para viabilizar a demanda da classe média e liberar os recursos subsidiados, com base no FGTS, para as ações voltadas para a baixa renda (MARICATO, 2005; BONDUKI, 2008); 105 assim como houve esforço, não muito bem sucedido, na direção de liberar recursos fiscais para encaminhar o problema da habitação para a baixa renda (caso do Fundo nacional de Habitação de Interesse Social, o FNHIS - FAGNANI, 2011). Maricato, em diversos textos, reafirma a posição (política) de que para ampliar as operações habitacionais para a baixa renda, a demanda da classe média teria que ser satisfeita54. Assim, enquanto procurava-se viabilizar aquela, os recursos fiscais voltados para o segmento de baixa renda também foram majorados, mas sempre de forma subordinada às restrições fiscais impostas pelas metas de superávit primário. As amarras do modelo de inserção externa brasileira permaneceram e limitaram a ousadia das políticas sociais, assim como o jogo político interno também restringia a transposição das propostas “da oposição”, para o então governo. Dois elementos foram essenciais para o crescimento da atividade do segmento imobiliário residencial: as mudanças jurídico-institucionais promovidas pelo governo Lula, ampliando o volume de recursos disponíveis ao segmento, e a conjuntura fortemente favorável. As reformas jurídico-institucionais asseguravam a demandantes, produtores e financiadores, um ambiente mais estável. A lei 10.931, de agosto de 2004, por exemplo, teria introduzido algumas modificações que ampliariam a ―visibilidade‖ de riscos do setor (FGV, 2007): i. instituiu o patrimônio de afetação, que é um instrumento que permitiu a criação de um patrimônio próprio para cada empreendimento, que passou a ter a sua própria contabilidade, separada das operações do incorporador-construtor – minimizando o risco de ocorrerem fraudes do tipo ―ENCOL‖ (explorada nas páginas 154 e 155 do estudo), protegendo os interesses tanto dos investidores como dos compradores dos imóveis; - estendeu a alienação fiduciária, antes disponível ao SFI, aos contratos do SFH; - instituiu o ―Incontroverso‖: regra que determina que o mutuário deve manter o pagamento do principal da dívida (parcelas, exclusive juros ou correção monetária), mesmo quando ele entra com ação na Justiça para discutir valores do financiamento; 54 Maricato (2011) afirma que se o mercado residencial privado não for funcional à classe média, dificilmente a população pobre conseguirá reter a moradia, um ―bem escasso e valioso‖ (p.130). 106 - aperfeiçoou a legislação que regulava a Letra de Crédito Imobiliário (principal título do SFI) e Cédula de Crédito Bancário; Em sequência, a lei 11.196, de novembro de 2005, chamada ―MP do bem‖, introduziu medidas de desoneração tributária, entre as quais a isenção de imposto de renda das aplicações de pessoas físicas em ativos do SFI e sobre ganho de capital na alienação de imóvel residencial, seguida de aquisição de novo imóvel em até 180 dias 55; assim como instituiu um regime especial de tributação para o patrimônio de afetação, com alíquota única de 7% para a incorporação imobiliária (reduzida, em 2009, para 6% no âmbito do Programa ―Minha casa, minha vida‖). A mesma lei teria consolidado índices de preços ou financeiros para corrigir contratos de compra e venda de imóveis com prazo de 36 meses ou mais ─ condições que se estenderiam aos contratos de financiamento (ROYER, 2009, p.119). Em termos exclusivos do SFH, tinha-se que 65% dos saldos captados na modalidade ―caderneta de poupança‖ deveriam ser alocados em operações de financiamento imobiliário (80% utilizados no âmbito do SFH - com taxas fixas de TR+6% aa – e 20% poderiam ser aplicados com taxas de mercado). Por ―financiamento imobiliário‖, entretanto, entendia-se não apenas a construção e aquisição de imóveis novos ou usados (e mais recentemente, aquisição de materiais), mas também a aplicação em alguns títulos representativos de operações imobiliárias, como hipotecas, entre outros. Em 2002, ainda na absorção dos títulos gerados pelo rombo do SFH na década de 1980, foi permitido às entidades constituintes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, reter as exigibilidades da Caderneta de Poupança junto ao Banco Central na forma de papéis do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), rendendo juros da dívida pública federal brasileira. A partir de 2004 essa opção foi sendo limitada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de forma a liberar os recursos para o financiamento imobiliário ―não-estéril‖. O esforço governamental ia na direção de dar a segurança jurídica aos contratos, e no da regulação financeiro-bancária de ―destravar‖ os recursos do SFH (SBPE), transformando as exigibilidades de ativos estéreis em novos financiamentos. 55 Previa-se a isenção de Impostos na venda de imóveis de até R$ 35 mil. 107 Royer (2009) identifica nessa sequência de medidas, por sua vez, também um meio de consolidar o financiamento imobiliário com base no mercado de capitais que pressupõe contratos crescentemente homogêneos e com grande segurança jurídica. A autora mostra que as intervenções normativas do CMN e do Banco Central vão mesmo consolidando os papéis do SFI (especialmente os Certificados de Recebíveis Imobiliários – os CRIs) como relevantes para o cumprimento das exigibilidades do SFH. Desta forma, o crescimento das operações do SFH teria gerado não apenas os recebíveis para a securitização, mas também, ao menos em parte, a liquidez para os papéis do SFI. Isto porque ao cumprir as exigibilidades do SFH com títulos do SFI, as instituições financeiras poderiam optar entre conceder novos financiamentos e aplicar em papéis imobiliários, ganhando com o diferencial de remuneração do capital. Royer (2009) naturalmente questiona o SFI como uma fonte alternativa de recursos ao SFH, justamente por ser possível essa arbitragem (p. 125-126). Por outro lado, o papel da conjuntura sobre as condições de financiamento não pode ser negligenciado. Além das mudanças asseguradas aos contratos e liberação de recursos, o crescimento do emprego e da renda, assim como a queda nas taxas reais de juros, foram essenciais para a retomada dos negócios. As boas condições macroeconômicas foram suficientes para: - tornar a caderneta de poupança um produto atraente56 aos aplicadores, ampliando a captação de recursos pelo SBPE; - elevar a arrecadação do FGTS; - tornar as linhas de financiamento do SFH ―relativamente lucrativas‖ aos bancos, que também passaram a valorar a fidelização do cliente como um benefício do crédito de longo prazo; - permitir a adoção de taxas pré-fixadas, parcelas fixas e prazos mais longos nos financiamentos habitacionais, potencializando a demanda. 56 A caderneta paga TR (indexador) mais 6% de juros ao ano e é isenta de Imposto de Renda, ou seja, garante ao aplicador uma taxa real de 6% ao ano. 108 Setorial, 2007), mas certamente a solução do déficit habitacional para a população de renda inferior a esse limite dependeria das ações governamentais. IPEA (2007), por sua vez, criticava a política habitacional de caráter social fortemente baseada no crédito, já que não contemplava o segmento populacional à margem do sistema financeiro-bancário58 e levava os recursos do FGTS ao limite, sendo de curto fôlego, portanto. Na verdade, acusava-se haver uma dependência demasiada dos fundos do FGTS, que também tinha recursos vinculados à expansão do saneamento básico e da infraestrutura, no âmbito do PAC (Programa de Aceleração Econômica, lançado em 2007) – ensejando um limite à expansão da política em um curto espaço de tempo 59. É interessante notar, a esse respeito, que apesar de a Caixa Econômica Federal ser a operadora do FGTS, os demais bancos que operavam no SFH poderiam financiar a habitação com as linhas de crédito vinculadas àquela fonte de recursos – linhas de crédito à baixa renda – o que não ocorreu por falta de interesse das entidades privadas (BIANCARELI e LODI, 2009). Neste mesmo sentido, estatísticas do Banco Central do Brasil mostram que o setor bancário privado (com origem do capital nacional ou estrangeira) apenas toma o crédito habitacional como uma fronteira de expansão após o segmento público ter ―asfaltado a estrada‖. Antes que as fontes de recursos impusessem limites à expansão da demanda por habitações, entretanto, a crise internacional interrompeu – mesmo de que forma breve – o ciclo de crescimento. A crise de 2008 chegou ao Brasil especialmente pelo canal do crédito. Uma pequena fuga de capitais anunciou que os bons ventos do mercado de capitais estariam mudando. A comercialização de imóveis residenciais para a baixa e média renda no Brasil, entretanto, não se ressentiu muito com a nova conjuntura já que contava com funding eminentemente nacional, e o uso dos bancos públicos na concessão de crédito habitacional compensou a aversão ao risco que se abateu sobre a banca privada. Quem mais se ressentiu da crise foi ―o lado da oferta‖ – as empresas, que acabaram por contar com o apoio estatal para o reforço do caixa. O fluxo de lançamentos de novos empreendimentos foi suspenso à espera das repercussões da crise sobre a demanda. Logo vieram as primeiras notícias de um pacote na área de habitação popular e as construtoras 58 Uma alternativa apresentada é da inserção do microcrédito no sistema. Preocupação que se amplia ao levar em consideração a relação observada por Royer (2009) ente os fundos do SFH e o mercado de títulos do SFI. 59 110 aproveitaram a manutenção das condições de crédito do SFH para comercializar as unidades já lançadas. Sob um importante movimento de consolidação, a persistência de um grau razoável de demanda junto à forte queda do número de lançamentos houve o ajuste de estoques e a melhora dos resultados das empresas. O anúncio do Programa ―Minha casa, minha vida‖, que tinha como meta a construção de 1 milhão de moradias para famílias de média-baixa e baixa renda, foi feito no final de março de 2009, e acabou sendo incorporado à própria política habitacional do Governo. A crise abriu a possibilidade, temporária, de ampliação do gasto público com fins de manejo macroeconômico, o que foi logo aproveitado pelo governo. Por outro lado, mesmo com importantes subsídios, o “Minha casa, minha vida” (com meta ampliada em maio de 2011) logo esbarrou na questão fundiária. A adaptação de projetos já existentes foi a tônica das construtoras e incorporadoras nos primeiros meses após o anúncio do programa, mas logo se deu nova corrida em busca de terrenos condizentes com a nova configuração da demanda, e a elevação dos seus preços, a um custo do produto final pré-estabelecido (imóveis para as famílias de renda de zero a 3 salários mínimos tinham preço estabelecido em contrato), logo arrefeceu os ânimos em relação aos projetos de baixa renda. Segundo empresários do segmento, os terrenos para edificar os empreendimentos para o Programa ainda teriam um custo razoável, dado o uso da terra cada vez mais distante, praticamente na área rural; mas a sua urbanização “mínima”, exigida pela Caixa Econômica Federal, estaria tornando o risco de edificar cada vez maior em uma conjuntura de alta de preço dos insumos e de serviços da Construção. Reproduz-se o modelo condenado dos grandes conjuntos habitacionais desconectados das cidades, e ainda assim com custos majorados pelo ciclo imobiliário. O maior número de lançamentos, se concentrou, novamente, na faixa superior de renda alcançada pelo Programa: moradias para famílias de 5 a 10 salários mínimos. O enfrentamento dessa lógica, no caso brasileiro, como já citado, teria como instrumento o desenvolvimento do Plano Diretor Participativo pelos municípios, o que ainda está por se provar eficaz – menos pela aprovação dos Planos e mais pelo seu conteúdo e pela ―vontade política‖ de aplicação. 111 Em 2008, Rolnick et al (2008) procuraram avaliar a implantação dos tais Planos, que teriam ganho nova dimensão após o instituto do Estatuto das Cidades: Antes utilizado majoritariamente como instrumento de definição dos investimentos setoriais necessários ou desejáveis para os municípios, o Plano Diretor transformou-se na peça básica da política urbana do município, responsável pela definição de critérios para o cumprimento da função social da propriedade. Na prática, o Plano Diretor ganhou a missão de estabelecer os conteúdos para a definição dos direitos de propriedade no município, e as sanções por seu não cumprimento. (p.11) Em uma pesquisa junto ao CONFEA (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) Rolnick et al (2008) observaram que até fevereiro de 2007, 44,62% dos municípios pesquisados já haviam aprovado seus Planos Diretores Participativos nas Câmaras Municipais e que 86,93% dos municípios pesquisados elaboraram, estavam elaborando ou revendo essa peça legislativa. Em uma primeira aproximação qualitativa, investigou-se o número de estudos prévios à elaboração dos Planos quanto à habitação, loteamentos clandestinos e irregulares, sobre o mercado imobiliário e sobre as ocupações irregulares de baixa renda, cuja média nacional consta na tabela 4. Dados os percentuais apresentados, verifica-se que o preparo do Plano Diretor ficou aquém ao esperado para um diagnóstico preciso sobre a situação habitacional e fundiária local. Tabela 4. Proporção (%) de Planos Diretores segundo tipos de estudos específicos realizados Brasil Estudo habitacional Estudo sobre loteamentos clandestinos Estudos sobre loteamentos irregulares Estudo sobre mercado imobiliário Estudo sobre ocupações irreg. de baixa renda 46,3 36,15 41,19 26,44 38,3 Fonte: Elaboração da autora, com base em dados de IPEA (2010). Verificou-se também que um alto percentual dos Planos Diretores estabeleceu ―Zonas Especiais de Interesse Social‖ (cerca de 70%), que representam ―uma destinação de parcela do território urbano para provisão de habitação popular (quando vazia) ou para regularização fundiária e urbanística (quando ocupada por assentamentos irregulares)‖ (p.21), mas os autores destacam que caberiam estudos qualitativos para discriminar qual o seu teor. O enfrentamento de interesses de proprietários, da indústria imobiliária, ou mesmo 112 da vizinhança das tais ZEIS seria de difícil manobra no âmbito municipal, e por isso pouco seria possível falar a priori sobre o que são estes zoneamentos em termos qualitativos. Apesar da obrigatoriedade de inclusão da ―Utilização, Edificação e Parcelamento Compulsórios, combinados com o IPTU Progressivo no Tempo e com a Desapropriação com Pagamentos em Títulos da Dívida Pública‖ nos Planos Diretores, apenas 53,4% dos documentos de fato arrolavam esses instrumentos que procuram induzir o cumprimento da função social da propriedade urbana – deixando para estabelecê-los em lei específica. Para IPEA (2010), a combinação das ZEIS e dessas penalidades poderia gerar um barateamento das terras urbanas, já providas de infraestrutura urbano-social, viabilizando a sua utilização para a habitação de interesse social. A esse respeito, Rolnik et al (2008) falam sobre o padrão de crescimento das cidades brasileiras, ―respeitando‖ os interesses imobiliários/patrimonialistas, que têm sido o de ―empurrar‖ a habitação de interesse social para a periferia, onde há parca infraestrutura social/urbana, o que deverá se reproduzir sem maior amadurecimento da questão fundiária: Parece haver um consenso, entre os estudiosos e formuladores de políticas habitacionais no Brasil e na esfera internacional, de que o solo urbano deva ser um dos componentes essenciais da política (habitacional) e que sua disponibilidade em quantidade e condições adequadas para a promoção de programas e projetos de moradia é condição fundamental para seu êxito. No entanto, políticas de solo voltadas para dar suporte a programas de promoção habitacional raramente escaparam do binômio desapropriação/localização periférica, muitas vezes através de operações de conversão de solo rural em urbano (Rolnik et al, 2008) Em IPEA (2010), classifica-se essa situação como de uma […] ‗escassez artificial de áreas para oferta de novas moradias, provocada, basicamente, pela retenção de terrenos mantidos desocupados ou subutilizados à espera de valorização imobiliária em espaços urbanos consolidados‘. Essa escassez de áreas bem localizadas para urbanização, elevaria o preço da terra, que faz aumentar o preço da habitação, impedindo o acesso dos relativamente pobres a essas áreas – que são empurrados para a periferia (p. 820). Essa situação decorreria da ―inadequação da legislação para regular os mecanismos econômicos de precificação do solo urbano‖ – ou seja, da dificuldade do Estado de avançar na legislação fundiária, por interesses estabelecidos em torno do valor imobiliário (IPEA, 2010, p.821). 113 Indo além, Maricato (2006) já apontava que o problema é maior que a simples falta de leis. Segundo a autora, no Brasil, como na maior parte dos países, haveria um excesso de regras sobre uma parte do solo urbano e leniência com o avanço da ―cidade ilegal‖ (favelas, assentamentos irregulares/informais), satisfazendo os interesses patrimonialistas, por um lado, e desenvolvendo uma massa de trabalhadores a ―baixo custo‖ para a indústria e os serviços por outro, de forma que apenas 30% da população urbana, ―quando muito‖, teriam acesso a moradias formalmente erigidas (MARICATO, 2006. p.213). A ciência desse conjunto de interesses, de uma cultura patrimonialista arraigada, faz com que Maricato (2006) afirme que a solução do déficit habitacional, para a baixa renda, será lento e que não ―poderá deixar de levar em conta os valores sociais e a mentalidade historicamente construídos‖. Desconstruí-los seria uma ―das tarefas da Política Nacional de Habitação e da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano‖ (MARICATO, 2006, p.214). O Ministério das Cidades disponibilizou ao público em geral cartilhas sobre a questão urbana. Uma delas, intitulada ―Como produzir moradia bem localizada com os recursos do programa Minha casa minha vida? Implementando os instrumentos do Estatuto da Cidade!‖, procura capacitar os legisladores locais, ou mesmo os cidadãos, a exigir a confecção e aplicação dos Planos Diretores em favor da habitação de interesse social 60. Trata-se de um desafio à reconstrução das mentalidades. Por enquanto, fica a preocupação com a qualidade das habitações de interesse social que voltaram a ser erigidas em maior volume. Em 2003, dentro do contexto político descrito em torno da moradia, um estudo constatou que os conjuntos habitacionais erigidos pelo CDHU – ou seja, pelo poder público do Estado de São Paulo – não perderam a característica de grandes empreendimentos sem infraestrutura urbano-social adequadas, encontrados nos anos 1970: O estudo realizado pela equipe de pesquisadores da Unicamp mostra que a concepção do projeto voltado à habitação popular não foi alterada nos últimos 10 anos. A maioria dos conjuntos é composta por residências unifamiliares ou blocos de apartamentos de até cinco andares. A disponibilidade de equipamentos urbanos segue estritamente o estabelecido na legislação federal, incluindo centro comunitário, creche e 60 http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNPU/Biblioteca/PlanelamentoUrbano/CartilhaMinhaCasaMinhaVi da.pdf 114 posto de saúde. Os conjuntos contam com áreas reservadas para as atividades comerciais, mas sem implantação efetivas de serviços essenciais. (REVISTA HABITARE, 2004) Ou seja, o próprio setor público se restringe estritamente às exigências legais para a consecução de obras dirigidas à baixa renda. De forma mais grave, notícias vão surgindo de casas entregues à população de baixa renda com problemas estruturais que exigem, ainda novas, reformas para a habitação. Afora as questões qualitativas, os dados mostram o forte avanço da edificação residencial, mesmo na vertente de interesse social. O Gráfico 13 apresenta o número de unidades financiadas com recursos do FGTS de 1995 a 2010. Verifica-se ali que após a crise de 2008 há um novo impulso à construção de habitações para a baixa renda – mesmo desconsiderando os recursos fiscais, do Orçamento Geral da União. O Gráfico 14 apresenta a proporção de imóveis novos no total de unidades financiadas pelo FGTS, entre 1995 e 2010. Nota-se que essa proporção dá um salto já em 2004, de um percentual médio de 20% a 30% para 50%, que torna a subir, chegando a 81% dos imóveis financiados em 2010. Gráfico 13. Unidades financiadas pelo FGTS – 1995 a 2010. 800 Em milhares de unidades 700 600 500 400 300 200 100 0 Fonte: Elaboração da autora, com base em dados do FGTS. (Disponível em https://webp.caixa.gov.br/Portal/Relatorio_asp/contratacoes.asp, acesso em abril de 2011) 115 Gráfico 14. Proporção de imóveis novos nas unidades financiadas pelo FGTS – 1995 a 2010. 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Fonte: Elaboração da autora, com base em dados do FGTS. (Disponível em https://webp.caixa.gov.br/Portal/Relatorio_asp/contratacoes.asp, acesso em abril de 2011) Uma importante contraparte desses números são os resultados macroeconômicos. O Brasil, inclusive pelo forte crescimento da demanda habitacional, voltou a apresentar taxas de crescimento há muito não vistas. Com base na explanação até aqui empreendida, por outro lado, e a despeito dos benefícios macroeconômicos e mesmo sociais alcançados, os limites à demanda habitacional e a persistência de um patamar elevado de atividade no segmento de Edificações residenciais, ficam claros. No segmento de mercado, abstraindo a questão da renda, a atividade se dará conforme os limites da expansão do crédito com base no SFH e de formação de um padrão de financiamento alternativo, que segundo Biancareli e Lodi (2009), é eminente: Mesmo com estas fontes alternativas de recursos ganhando força em meio a uma conjuntura favorável, o financiamento imobiliário continua dependente do SFH. Os financiamentos no âmbito deste sistema de crédito direcionado também se ampliaram no ciclo de crédito recente. Contudo, no Brasil, a participação do crédito imobiliário no PIB continua baixa, em torno de 5%. Quando esta relação atingir 10% será impossível dissociar o desenvolvimento do capital habitacional de um mercado secundário de hipotecas bem estruturado (Castelo, 2007). Com um mercado secundário líquido e profundo, a captação de recursos será enormemente facilitada e o SFH poderá deixar de ser tão preponderante neste segmento. (p.11). 116 Ademais, como já visto na década de 1970, o mercado para habitações de classe média ainda que tenha se alargado nos últimos anos será atendido mais rapidamente que o de baixa renda, que acumula um déficit habitacional significativamente maior. Neste segmento, o de habitações de interesse social, a possibilidade de continuidade de expansão das atividades estará subordinada à possibilidade de manutenção/ampliação dos gastos fiscais e do equacionamento da questão fundiária com limitações políticas importantes, tanto no nível interno, como no externo. Acredita-se que o déficit habitacional brasileiro dificilmente será equacionado (pela via da edificação residencial) sem que haja uma solução mais adequada para a questão fundiária. A menos sejam direcionados recursos fiscais cada vez maiores ao segmento, subsidiando não apenas o custo da edificação, mas também o capital imobiliário (pagando os preços ―de mercado‖ dos terrenos e da geração de infraestrutura ―mínima‖), o ciclo se encerrará antes do necessário para superar o grande déficit acumulado. Cientes disso, em alguma proporção, os empresários adiam seus investimentos, temendo imobilizar recursos que podem não se converter em ganhos em um momento posterior. Ou seja, não há um clima de confiança que desencadeie o movimento de industrialização da construção. 2.3. Considerações finais Neste capítulo recuperou-se a importante relação entre a industrialização da construção e a questão habitacional, já abordada no primeiro capítulo do estudo, assim como avançou-se no tratamento dado à questão no Brasil, desde o pós-guerra, com as primeiras tentativas de instituir a Coordenação Modular no país, assim como após a instituição do Sistema Financeiro da Habitação, na década de 1960, em que a questão do custo da produção habitacional valeu incentivos ao setor produtor ─ o que se recoloca no ciclo dos anos 2000. Verificou-se que no Brasil a modernização da Construção ocorreu de forma limitada, concentrada no tempo e num determinado estrato de produtores, que se valeu da demanda e dos incentivos estatais nos anos 1970 e início dos 1980 ─ modernização esta que um empresário denominou ―irresponsável‖, já que se tratou da 117 aplicação de novos métodos e componentes sem o preparo devido, se materializando em patologias nos edifícios. Além de ter a oportunidade de uso de técnicas mão de obra intensivas ao invés de investir, como assinalado por Oggi (2008), é possível afirmar que o empresário brasileiro defronta-se com uma instabilidade econômica que faz do investimento modernizante um movimento mais arriscado que aquele enfrentado em economias industrializadas. Levando em consideração que a política habitacional dos anos 1970-80 priorizou ora uma, ora outra faixa de renda, pode-se dizer que o ciclo de crescimento da Edificação habitacional no Brasil, por exemplo, foi relativamente curto e descontínuo, gerando uma variabilidade do produto final que também prejudica a sinalização para a modernização e padronização de insumos, treinamento de mão de obra e de adoção de novos métodos de gestão. Os dados do Gráfico 15 (abaixo) ilustram, de forma indicativa, as condições a que os produtores da Construção brasileira e francesa (única série de dados mais longa disponível no Eurostat) foram submetidos entre os anos 1950 e 1990. Na França é relativamente fácil estabelecer um patamar de crescimento médio real anual do valor agregado próximo a 5% a.a. entre 1950 e 1973 (mais de 20 anos crescendo, a um certo ritmo) e depois outro patamar se formou, com o limite mínimo de pouco menos de 2% a.a., nos 1980. No caso brasileiro, intercalam-se diversos picos de atividade com o crescimento máximo chegando a 20,9% em 1973 e o recuo mais forte, de 14,4%, em 1983. Ainda que com forte oscilação, de 1950 a 1960 houve crescimento médio da Construção brasileira de 8,5% ao ano e entre 1961 a 1967 houve um recuo, também com forte oscilação, para a média de crescimento de 4,7% a.a.. De 1968 a 1976 em que se desdobraram os efeitos da criação do SFH e dos incentivos dado à Construção (9 anos), houve um salto da taxa de crescimento médio real para 13% ao ano; com declínio e forte oscilação desde então. O Estado francês auxiliou na formação de um horizonte mais estável ao produtor de edificações, o que não ocorreu no Brasil. O encerramento prematuro do boom da Edificação brasileira dos anos 1960/70 certamente foi determinado pela instabilidade macroeconômica, mas também contou com o agravamento trazido pelo próprio ciclo de valorização imobiliária, pelo não enfrentamento da questão do uso da terra urbana como se fez na Europa, ao 118 reconhecer e utilizar a função social da terra. Ou seja, se o ambiente no Brasil é adverso ao investimento produtivo pela inconstância dos lucros operacionais, parte desse movimento também se dá porque alguns empresários do segmento no Brasil são capazes de somar aos lucros operacionais os ganhos patrimoniais vindos da valorização imobiliária. Gráfico 15. Taxa de crescimento real da Construção no Brasil e na França. 1950-1990. 25,0 20,0 15,0 % aa 10,0 5,0 0,0 -5,0 -10,0 -15,0 França Brasil 61 Fonte: Elaboração da autora com base em dados Eurostat e séries Históricas IBGE Disto resulta que mesmo no pós-guerra, não houve a industrialização da construção no Brasil seja por condições do lado da oferta, como a existência de um grande volume de mão de obra pouco educada disponível, uma indústria de insumos pouco organizada, etc; seja pela instabilidade macroeconômica típica dos países periféricos; seja ainda pelo padrão de inserção Estatal brasileiro. Não houve nível de subsídios à habitação de interesse social estável, não houve condições de financiamento estável (com a inflação obscurecendo mesmo eventuais problemas de funding), não houve contenção do ciclo imobiliário, o que limitou o poder de compra das famílias da classe média e mesmo do Estado, que precisa elevar o nível de subsídio para cobrir os crescentes custos da terra urbanizada se quisesse viabilizar a construção das habitações de interesse social. 61 http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/national_accounts/data/database. Acesso em abril de 2012. 119 No ciclo atual, é possível afirmar que os elementos fundamentais da questão se recolocam. Existiriam fatores que favoreceriam a modernização nos anos 2000. Do ―lado da oferta‖: um contingente de trabalhadores não tão grande e mais bem educado que o verificado nos anos 1970/80 (como se verá, na próxima seção); a disposição de alguns capitais estrangeiros em produzir no mercado local, dispondo de tecnologias e de técnicas de gestão diferenciada; a disponibilidade de materiais mais modernos, fornecidos seja pela indústria de insumos local, seja pela via da importação; políticas industriais favoreceriam não apenas a modernização microeconômica, mas também a sistêmica ao rever as normas de coordenação modular, de desempenho dos edifícios, de revisão dos programas de formação técnica para o segmento. Em termos institucionais, além da reorganização do crédito à comercialização (SFH), o caráter progressista da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, que reconheceu a função social da propriedade e descentralizou a concepção e a execução da política habitacional também poderia contribuir para um movimento de modernização ao propiciar uma formação mais adequada dos preços dos terrenos e imóveis, dando perspectiva mais longeva ao ciclo da Edificação, assim como um maior envolvimento do poder público local na organização e fiscalização do processo de edificar. Esses elementos, porém, parecem ser insuficientes para fazer frente à avalanche de capitais tipicamente especulativos que aceleraram o ciclo imobiliário e ao relativo descaso do poder público local (em suas três esferas) em relação à melhor utilização da terra urbana. Como apontam alguns urbanistas, não é a ausência de regulamentos que impede o avanço do processo de urbanização mais organizado e justo no país, mas o não respeito a eles. Tal como ocorreu nos anos 1970, o relativamente pequeno déficit habitacional da classe média será equacionado em não muito tempo, seja porque a demanda de parcela importante daquela população estará satisfeita, seja porque o avanço dos preços dos imóveis inviabilizará a continuidade da satisfação da demanda à medida que o ciclo imobiliário avança, mesmo que as condições favoráveis de financiamento à comercialização se renovem. Restará a demanda da baixa renda, fortemente dependente da intervenção do setor público. 120 Deste ponto de vista, dada a natureza do capital estrangeiro que vem aportando no Brasil − eminentemente imobiliário − para que se estabeleça um estado de confiança na longevidade das condições de demanda que justificasse o investimento produtivo, seria necessária a crença de que o Estado brasileiro se lançaria a um esforço financeiro colossal para financiar tanto a demanda de habitações para a baixa renda, em grande volume, por um longo período, quanto remunerar ―a contento‖ o capital imobiliário ─ atendendo o nível crescente de preço dos terrenos, fornecendo infraestrutura urbana para terrenos de cada vez pior qualidade. Este quadro é pouco crível e desejável pois combinaria uma solução ruim para a questão social e urbanística, satisfazendo os caprichos de uma parcela do capital. 121 Capítulo 3. Edificações no Brasil - Estrutura e desempenho nos anos 2000 Este capítulo tem como objetivo apresentar a estrutura e o desempenho do segmento de Edificações brasileiro, procurando evidenciar as possíveis transformações associadas ao incremento da atividade e à crescente participação de estrangeiros no período recente − movimento praticamente inexistente até então (CHAVES, 1985). Trata-se, portanto, da observação das transformações ―do lado da oferta‖, que, segundo a hipótese do estudo, seriam insuficientes para a ―revolução‖ que se previa ao segmento. Havia uma grande expectativa de que essa combinação de eventos, o crescimento do volume de negócios e a entrada de produtores/financiadores estrangeiros, redundaria em um forte incremento da produtividade do segmento, o que não se confirmou no prazo decorrido. Credita-se esse resultado pífio sobre a produtividade a características próprias do Brasil, como o tratamento insuficiente da questão fundiária e das condições da demanda (sendo o papel do Estado central para as duas questões), assim como à modalidade do capital entrante, de tipo imobiliário/financeiro, e seu modus operandi, que reforçou o padrão de ganhos patrimoniais que desde sempre se auferiu com pouca restrição no mercado local. Se existem mudanças substantivas no padrão de operação do capital de Edificações local, é mais no segmento dos negócios imobiliários que na atividade produtiva em si. Esta seção trata, assim, de aspectos do lado da oferta, em termos agregados, em cinco subseções, que retratam diferentes níveis de observação do setor. Uma primeira seção dedica-se a apresentar os números da internacionalização do mercado brasileiro. Como a possibilidade de desagregar os dados das Edificações da Construção Pesada é recente, e mais recente ainda foi o isolamento dos resultados da Incorporação, a segunda subseção qualifica algumas mudanças estruturais do setor da Construção entre os anos 1980 e 2000, assim como os desdobramentos da evolução conjuntural recente, finalizando com a apresentação dos ganhos de produtividade agregada do setor no atual ciclo de crescimento. A terceira subseção foca a estrutura e o desempenho do segmento de Edificações no ciclo recente, apresentando, quando possível, a diferenciação da dinâmica da Edificação, em 123 sentido estrito, do da Incorporação. De forma semelhante à seção anterior, finalizar-se-á a discussão com a apresentação dos ganhos de produtividade, para as Edificações, no atual ciclo de crescimento. A quarta subseção, se atém às empresas do núcleo dinâmico das Edificações, dando ênfase à atividade principal das empresas (Construtora/Incorporadora), à composição do capital (participação estrangeira) e às estratégias de crescimento ─ tendo como foco a importância dada pelas próprias empresas aos ganhos produtivos. A quinta seção procura sintetizar os resultados mais gerais do capítulo e tecer algumas considerações sobre o encaminhamento do ciclo recente. 3.1. O capital que aportou no Brasil O ingresso de capital produtivo estrangeiro no Brasil, com vistas ao mercado de Edificações e Infraestrutura não contrariou a lógica mais geral da inserção produtiva brasileira, em que o mercado local seria o principal atrativo aos estrangeiros (IDEs com orientação market-seeking). A entrada de capital no segmento de Edificações foi relativamente tardia no Brasil, tendo aportado antes no Chile e no México, por exemplo, pelo simples fato de a demanda só ter sido ativada mais tarde. Em uma entrevista, um ―mega-investidor global‖ do ―Real Estate” dizia: é a demanda, estúpido! Esta seção se atém à participação do capital estrangeiro na produção de edificações, no ciclo expansivo ora visto no Brasil. São comuns as notícias de ingresso de capital estrangeiro tanto para financiar quanto para produzir edificações, e como já salientado, o uso de estatísticas de Comércio e IDE é considerado apenas um artifício para traçar um quadro de nível e tendência da participação dos estrangeiros no mercado local. Os registros oficiais de fluxo de comércio de serviços da construção e de investimento estrangeiro direto são bastante agregados, dificultando a distinção de destino dos recursos aos segmentos da Construção — se para as Edificações, se para o setor de Infraestrutura/Construção Pesada. Como no Brasil o crescimento desses dois segmentos tem sido simultâneo, fica ainda mais difícil qualificar o direcionamento dos recursos entrantes, o que se procurará fazer, no limite dos dados disponíveis. Apontou-se, no primeiro capítulo, que um importante elemento para explicar a internacionalização das Edificações seria o papel cada vez mais importante do mercado de capitais no seu financiamento. No Brasil as formas mais noticiadas de investimento 124 produtivo estrangeiro são as parcerias com brasileiros na exploração de empreendimentos específicos (Sociedades de Propósito Específico – SPEs) e a participação acionária em empresas locais. Essa estratégia é comum no processo de internacionalização da Construção. Segundo Hall (2002), para ultrapassar as barreiras técnicas e culturais as empresas da Construção usam a associação com produtores locais para viabilizar o seu projeto internacionalização o que se confirmou na seção 1.2.2.3. Em relação às estatísticas de Investimentos Estrangeiros, o Banco Central brasileiro tem divulgado os dados de influxo por setor de atividade CNAE, o que auxilia na caracterização de tais recursos. A Tabela 5 (abaixo) traz dados de influxo de Investimento Direto Estrangeiro no segmento da Construção de Edifícios de 2001 a 2009. A reclassificação dos dados em 2007, segundo a versão 2.0 da Classificação Nacional de Atividades (CNAE), relativiza a exatidão da leitura dos dados, mas a dimensão da mudança de valores observada é inequívoca, uma vez que houve forte elevação da entrada de recursos para a Construção de Edifícios no Brasil a partir de 2005, com uma tendência, inclusive, de maior valor médio por operação. Em 2006 houve um salto na entrada de recursos no segmento de Incorporações, coincidindo com o início da temporada de abertura de capital das empresas da Edificação no Brasil. A distância entre a entrada de recursos para as Incorporadoras e para as Construtoras voltou a refluir em 2007, não por ter ocorrido uma queda dos montantes direcionados para a Incorporação, mas porque houve crescimento substancial dos influxos direcionados para a atividade de Edificação mais estrita (Construtoras). Em 2008, o recrudescimento da crise internacional acabou por interromper o fluxo de capitais para o segmento de Edificações no Brasil, o que se recupera, em menor volume em 2009, e segundo dados do Banco Central do Brasil, se mantém em 2010 e se amplia em 2011 (como observável na Tabela 6). Ou seja, esses investimentos são pró-cíclicos e em sua maioria se dirigiram ao segmento de Incorporação (não sendo possível afirmá-lo para 2010 e 2011, pela abertura mais restrita dos dados). Ao somar os recursos que entraram no país entre 2005 e 2009, verifica-se que a Incorporação recebeu três vezes mais recursos que a Construção de Edifícios. No total da divisão ―Construção de Edifícios‖ as operações de IDE foram da ordem de US$ 700 milhões a US$ 1,5 bilhão por ano — não são desprezíveis para um setor cujo 125 valor total das obras, incorporações e mesmo serviços da Construção foi de R$ 50 bilhões em 2007 a perto de R$ 80 bilhões em 2009. É importante notar que ―atrás‖ do capital nominado IDE, especialmente nas operações das bolsas de valores, há um volume grande de recursos de estrangeiros que caracterizam Investimentos em Carteira, com participação acionária inferior a 10% das ações ordinárias, que ratificam a posição administrativa dos ―empreendedores globalizados‖ da Incorporação. Tabela 5. Influxos de Investimento Direto Estrangeiro no segmento de Construção de edifícios — 2001a 2009 (US$ milhões) Período Número de Operações US$ milhões US$ mi/ Operação Edificações 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2005–2009 17 25 14 27 14 25 18 37 20 111 24 100 Construção de edifícios 1,5 1,9 1,8 2,0 5,5 4,2 26 3 26 458 1 226 17,6 0,2 8,7 99 894 9,0 Número de Operações US$ milhões US$ mi/ Operação Incorporação de imóveis (por conta própria e de terceiros) 20 118 5,9 24 128 5,3 21 74 3,5 25 100 4,0 36 198 5,5 46 1.112 24,2 Incorporação de empreendimentos imobiliários 39 1.051 26,9 7 1 0,2 39 541 13,9 167 2.903 17,4 Fonte: Elaboração própria, com base em dados do DIFIS, DESIG/BCB. O último Censo de Capital Estrangeiro com resultados disponíveis realizado pelo Banco Central do Brasil data de 2005. Os dados foram disponibilizados por atividade econômica na versão 1.0 da CNAE e estão bastante agregados. Segundo aquele levantamento haveria em 2005 um estoque de recursos estrangeiros de US$ 53,7 bilhões na Indústria brasileira, de US$ 1,4 bilhões na Construção (agregando, portanto, os Investimentos em Edificações e Infraestrutura) e de US$ 1,7 bilhões nas Atividades Imobiliárias — ou seja, o montante de capital estrangeiro na indústria era 38,3 vezes maior que na Construção e 31,6 vezes maior que nas Atividades Imobiliárias (que então englobava a Incorporação Imobiliária). A Tabela 6 (abaixo), traz dados de ingressos e retornos de capital estrangeiro na forma de Investimento Estrangeiro Direto62, segundo a CNAE 2.063, para a Indústria, Obras 62 63 Desconsiderando os empréstimos e financiamentos passíveis de conversão em investimento direto. onde a Incorporação Imobiliária está contida no setor de Edificações. 126 de Infraestrutura, Construção de Edifícios e Atividades Imobiliárias nos anos de 2006 a 2011. Trata-se de uma série de dados bastante curta, mas que qualifica o movimento de capital estrangeiro no ―boom‖ da construção dos anos 2000. Ela traz também o montante de lucros e dividendos que as empresas de capital estrangeiro, nesses segmentos, remeteram ―ao resto do mundo‖. O primeiro fato a chamar atenção é a relação entre os fluxos e estoques. No período de 2006 a 2011, a entrada líquida de recursos para a Indústria representaria 1,5 vezes o estoque apurado em 2005, e o volume de remessas de lucros e dividendos, ―turbinados‖ durante a crise, 1,4 vezes o estoque apurado naquele ano. No que se refere à Construção (somando os fluxos para o segmento de Infraestrutura e de Construção de Edifícios), o fluxo líquido desses 6 anos representaria 4,9 vezes o estoque apurado em 2005; o que indica, inclusive, que o estoque de capital estrangeiro no setor da Construção, ainda que em um montante muito menor, cresceu em relação ao acumulado na Indústria. Nota-se também que há uma relação bastante diferente entre os ingressos e retornos do capital estrangeiro, na forma de IDE, nos segmentos da Construção. Em termos médios, de 2006 a 2011, a relação entre o ―retorno‖ dos capitais e o ingresso é muito mais alta na Construção de Edifícios que na Infraestrutura — 32% no primeiro caso e 16% no segundo. Essa mesma relação, para a indústria é de 20%. Ou seja, a Construção de Edifícios, que estaria em um momento de forte acumulação, deveria ter uma baixa relação retorno/ingresso de capitais e não tem. Com base nessa constatação é que se achou por bem observar os resultados referentes ao segmento de Atividades Imobiliárias. Nessas atividades, típicas do setor de serviços e que fazem parte do ―negócio imobiliário‖, o comportamento do capital estrangeiro se diferenciou ainda mais do observado para a infraestrutura e para a indústria. O fluxo líquido de IDE no período 2006–2011 para as Atividades Imobiliárias foi cerca de 2,4 vezes o estoque de capital verificado em 2005 e a relação retorno/ingresso de 36%. Desta forma, o comportamento do capital estrangeiro no setor de Construção de Edifícios seria intermediário ao observado na Indústria e/ou no setor de infraestrutura e nas atividades imobiliárias, assumindo um perfil relativamente mais próximo ao dos serviços no negócio imobiliário. 127 Outra diferença que se faz notar, refere-se à relação entre as rendas remetidas e o ingresso de IED. Essa relação foi de 77% para a Indústria, no período observado, 37% para as empresas do segmento de infraestrutura, 21% na Construção de Edifícios e 6% nas Atividades Imobiliárias. Ainda que se possa alegar que haja retornos maiores em setores com maior estoque de IDE no país (caso da Indústria), esse tipo de comportamento pode significar que o capital entrante no segmento de Construção de Edifícios, assim como nas Atividades Imobiliárias, é mais afeito a ganhos de capital à constituição de rendas. O que se pretende com essa análise é tecer algumas inferências sobre a natureza do capital que tem se dirigido ao setor de Edificações brasileiro, que tem um peso maior nas Incorporações, como se viu até o ano de 2009, que na Construção de Edifícios. Se uma operação de IDE é assim classificada pelo ingresso de capital constituir ao menos 10% do capital votante de uma empresa (ou 20% do capital total), o tipo de capital que aportou no segmento de Construção de Edifícios pode ter feições mais ―voláteis‖ que aquele que se destinou a empresas industriais ou produtoras de obras de Infraestrutura ─ como se inferiu no primeiro capítulo do estudo. Tabela 6. Investimento Estrangeiro Direto 1 e Renda de investimento direto — lucros e dividendos remetidos. 2006 a 2011, em US$ milhões. Segmento Operação Ingresso Retorno Indústria Líquido Lucros e dividendos IDE Ingresso Retorno Obras de Líquido Infraestrutura Lucros e dividendos IDE Ingresso Retorno Construção Líquido de Edifícios Lucros e dividendos IDE Ingresso Retorno Atividades Líquido Imobiliárias Lucros e dividendos IDE 2006 8.462 1.957 6.505 5.980 213 37 176 116 613 160 453 6 890 564 326 12 2007 13.481 2.669 10.812 10.204 121 9 112 38 1.210 142 1.068 48 822 195 627 3 2008 14.013 4.245 9.768 17.179 1.721 7 1.714 262 1.386 371 1.015 137 337 109 228 9 2009 13.481 3.530 9.951 11.124 426 3 423 412 717 312 405 104 593 103 490 6 2010 21.273 5.509 15.764 14.582 209 5 203 207 664 483 181 475 1.590 803 787 71 2011 26.837 1.545 25.292 16.099 785 500 285 266 1.164 365 799 428 2.195 522 1.674 307 Período 97.546 19.455 78.092 75.169 3.474 561 2.913 1.301 5.753 1.833 3.920 1.198 6.428 2.296 4.132 408 Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Nota para a imprensa ―Setor Externo‖/BCB. 1 Participação no capital, por setor, excluídos os empréstimos intercompanhias. Inclui investimentos em bens e imóveis. No Capítulo 1, em que se busca evidências de uma lógica de internacionalização da Construção, afirmou-se que o mercado de capitais poderia ser um indutor da internacionalização produtiva do segmento de Construção de Edifícios, no sentido amplo 128 (tanto para a Edificação como para a Incorporação), porque o capital global tenderia a financiar com maior confiança produtores ―conhecidos‖, os de origem dos próprios países desenvolvidos. Observou-se também que, na tradição da própria internacionalização do segmento de Construção, a forma mais comum de expansão internacional daquelas empresas é a associação com produtores locais. Ao observar as características dos influxos de investimento direto estrangeiro no curto espaço de tempo em que vem se desenrolando o boom imobiliário brasileiro, por sua vez, notaram-se características mais voláteis dos capitais direcionados à Construção de Edifícios que os destinados para setores em que empresas de capital estrangeiro têm mais tradição no Brasil (Indústria e Infraestrutura). Com relação ao comércio, os fluxos de importação de serviços da construção são baixos no Brasil. Por ter um setor produtivo privado bem desenvolvido, organizado no período da industrialização e urbanização brasileiras, a produção de obras no Brasil, seja de infraestrutura, seja de edificações, tem sido feita basicamente por empresas radicadas no Brasil. Na década de 1990 o volume máximo de importação de serviços da construção foi de US$ 7,5 milhões, em 1998. Na de 2000, aquele montante foi superado apenas no ano de 2008, quando foram importados US$ 9,3 milhões de serviços da Construção. Nos anos de 2006, 2007 e 2009 o valor flutuou em torno de US$ 4 milhões e em 2010 foi a US$ 6,5 milhões. O Gráfico 16 (abaixo), ilustra a pequena participação do Brasil no total das importações de serviços da construção no mundo — contrastada com os resultados dos demais países do BRIC. A participação do Brasil como consumidor desses serviços nos anos 2000 é praticamente nula em contraposição à alta e crescente aquisição de serviços por parte da Rússia e da China. 129 Gráfico 16. Participação (%) dos BRIC na importação mundial de serviços da Construção. 2000 a 2010. 12,0 % das importações mundiais 10,0 8,0 6,0 4,0 2,0 0,0 2000 2001 2002 Brasil 2003 2004 China 2005 2006 India 2007 2008 2009 2010 Federação Russa Fonte: Elaboração própria, com base em dados da UNCTAD. O Brasil, na verdade, tem se especializado na venda internacional desses serviços, conquanto o saldo da venda internacional de serviços da construção é estruturalmente positivo, sendo as obras de infraestrutura as grandes responsáveis por esse resultado. Já a importação de serviços de arquitetura e engenharia tem aumentado bastante no Brasil desde meados da década de 1990. Não há como qualificar esses fluxos por meio de dados agregados, mas a compra desses serviços avançou especialmente pelas obras de infraestrutura e industriais que seguiram a abertura econômica e a privatização nos anos 1990 e, no período recente, o retorno das grandes obras públicas de infraestrutura mais geral, e os gastos públicos e privados nos projetos que cercam o pré-sal. Vale ressaltar que, tal como nos serviços da construção, o Brasil também tem apresentado saldos positivos em relação à venda internacional de serviços de arquitetura e engenharia fornecidos e recebidos do resto do mundo. 3.2. A Construção – estrutura e desempenho O setor da Construção local desenvolveu-se especialmente a do partir projeto de industrialização brasileira, onde o Estado produtor e promotor do desenvolvimento propiciou a formação de um conjunto de empresas nacionais com nível tecnológico e 130 organizacional tal que parte delas chegou mesmo a se internacionalizar como a parcela mais dinâmica das Empreiteiras, produtoras de obras infraestruturais, e alguns segmentos da indústria de insumos (Chaves, 1985). Passados os anos de forte crescimento, sobretudo na década de 1970, a crise que seguiu também trouxe mudanças importantes para a estrutura produtiva. A despeito de alguns poucos produtores dinâmicos, que conseguiram aproveitar até mesmo da demanda de serviços da Construção de outras economias, o conjunto das empresas certamente se abateu. Os Gráficos 17 e 18 mostram o número de empresas e o volume de emprego formal gerado pelas maiores e menores empresas formalmente estabelecidas no setor da Construção, com ao menos um empregado, ao longo dos 25 anos que separam o período de crise (1985) e de retomada da atividade (2005 a 2011). Nota-se que a baixa atividade econômica esteve associada a uma importância relativa maior das pequenas empresas tanto em número, como no emprego gerado, e que a aceleração reverteu, a partir de 2005, essa tendência ─ dados que são explicados não apenas pelo nível geral de atividade econômica, mas também pelo mix da demanda nos diferentes períodos. Em 1985, 68,8% das empresas do setor eram pequenas unidades (firmas com 1 a 19 empregados), que geravam 7,8% do emprego formal. Em 2010 essas proporções passaram a 82,7% e 19,9%. Ou seja, ainda que se questione a qualidade dos dados da RAIS para as pequenas empresas nos anos iniciais do levantamento, os dados são inequívocos ao mostrar que a alta atividade do período mais recente não foi suficiente para restabelecer a importância relativa das grandes unidades produtoras corroborando a ideia de uma crescente divisão do trabalho no segmento e uso da subcontratação/terceirização. É possível que parte do crescimento do emprego indicado, sobretudo nas pequenas empresas, tenha decorrido da formalização do emprego no setor, o que esses dados são incapazes de mostrar. 131 Gráfico 17. Proporção (%) das pequenas e grandes empresas no setor da Construção formal. Brasil, 1985 a 2010. 90 1,8 1,6 1,4 1,2 80 1,0 0,8 75 0,6 % das Empresas % das Empresas 85 0,4 70 0,2 65 0,0 1985 1990 1995 de 1 a 19 empregados 2000 2005 2010 de 500 ou mais empregados Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE. 30 40 25 35 20 30 15 25 10 20 5 % do Emprego % do Emprego Gráfico 18. Proporção (%) do emprego gerado pelas pequenas e grandes empresas no setor da Construção formal. Brasil, 1985 a 2010. 15 1985 1990 1995 de 1 a 19 empregados 2000 2005 2010 de 500 ou mais empregados Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE. Os Gráficos de 19 a 21 procuram qualificar, em termos agregados, a mudança do perfil do trabalho nas empresas formalmente constituídas da Construção entre 1985 e 2010. O primeiro deles (Gráfico 19) explora o grau de instrução da mão de obra formalmente empregada, segundo as categorias de escolaridade instituída em 2005 64, em todas as atividades econômicas e na Construção Civil. Seguindo a tendência verificada para 64 Analfabeto, até o 5ª ano incompleto, 5ª ano do Fundamental completo, do 6ª ao 9ª ano do Fundamental, Fundamental completo, Médio incompleto, Médio completo, Superior incompleto, Superior completo. 132 todos os brasileiros, o grau de instrução médio dos empregados na Construção com carteira assinada se elevou no período, apresentando uma distribuição bem menos acentuada em direção à baixa escolarização no segundo período. Em 1985 a categoria que apresentava maior relevância individual no volume de emprego gerado na Construção era a de trabalhadores com até o 5ª ano incompleto do Ensino Fundamental (39,6%), enquanto que para o conjunto das atividades e para a Indústria de Transformação, os trabalhadores com o 5ª ano do ensino Fundamental completo eram a maioria (21,1% dos empregados para o total das atividades e 30,4% para a Indústria de Transformação). Em 2010, além de verificar uma melhor distribuição do nível educacional dos trabalhadores da Construção, verifica-se que a categoria de grau de instrução com maior parcela relativa de empregados no setor é a mesma que para o conjunto das atividades e para a Indústria de Transformação, ainda que com um percentual bem menor – a de pessoas com o Ensino Médio completo, que para a Construção representava 27,7% dos trabalhadores, para o total de atividades 41,9%, e para a Indústria de Transformação 42,7%. Assim, a Construção ainda é um setor de grande importância para a absorção de mão de obra menos instruída formalmente, mas já tem quadros com um perfil muito melhor que o registrado antigamente, o que a tornaria mais apta a receber treinamento específico. 133 Gráfico 19. Proporção (%) do emprego formal, na Construção, na Indústria de Transformação e no conjunto de atividades econômicas, segundo e o Grau de Instrução. Brasil, 1985 e 2010. 1985 Superior Comp. Ind. de Transform. Superior Incomp. Até 5ª Incomp.; 15 Médio Comp. Médio Incomp. Construção Até 5ª Incomp.; 40 Fund. Comp. 6ª a 9ª Fund. Todas 5ª Fund. Comp. Até 5ª Incomp.; 14 - 10 20 30 % Até 5ª Incomp. 40 50 Analfabeto 2010 Médio Comp.; 43 Ind. de Transform. Superior Comp. Superior Incomp. Médio Comp. Médio Comp.; 28 Construção Médio Incomp. Fund. Comp. Médio Comp.; 42 Todas 6ª a 9ª Fund. 5ª Fund. Comp. 0 10 20 30 % 40 50 Até 5ª Incomp. Analfabeto Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE. No Gráfico 20, apresenta-se o perfil etário dos empregados formais da Construção, da Indústria de Transformação e em todas as atividades econômicas, em 1985 e 2010. Notase o envelhecimento do conjunto dos empregados no Brasil, com uma difícil discriminação de comportamento. O processo de formalização das relações trabalhistas, mais acentuada na Construção que em outros setores, faz dos números do Ministério do Trabalho relativamente pobres para esta análise. 134 O ―envelhecimento‖ dos empregados da Construção é o esperado. Tal como ocorre nos Estados Unidos e na Europa (FIESP, 2008), as informações recorrentes são de um crescente desinteresse dos jovens em trabalhar em obras construtivas. Por outro lado, como destacou Farah (1996), o fluxo de aprendizado, feito preponderantemente no canteiro de obras, foi fortemente prejudicado pelo baixo nível de atividade nos anos que separam as estatísticas, de forma que os trabalhadores experientes, necessariamente são em média mais velhos em 2010 que em 1985. Neste sentido verifica-se que se a Construção já empregava uma proporção maior de pessoas de faixa etária mais avançada que a Indústria de Transformação em 1985 (25,7% dos empregados formais na Construção tinham mais de 40 anos, contra 19% na Indústria de Transformação), em 2010 isso se amplia ligeiramente (36,1% na Construção tinham mais de 40 anos, contra 28,5% na Indústria de Transformação). O emprego de pessoas mais velhas poderia indicar maior experiência se as condições de empregabilidade tivessem se mantido no tempo, o que não ocorreu, mas sem dúvida corroboram a dificuldade de contratação do pessoal jovem. 135 Gráfico 20. Proporção (%) de empregados (formais) na Construção, na Indústria de Transformação e no conjunto de atividades econômicas, segundo a faixa etária. Brasil, 1985 e 2010. 1985 Ind. de Transform. 65 ou mais 28,4 50 a 64 40 a 49 Construção 31,8 30 a 39 25 a 29 Todas 18 a 24 29,3 Até 17 0 5 10 15 20 25 30 35 % 2010 Ind. de Transform. 29,8 65 ou mais 50 a 64 40 a 49 Construção 29,1 30 a 39 25 a 29 Todas 18 a 24 29,0 Até 17 0 5 10 15 20 25 30 35 % Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE. Como provável decorrência dos fatores até aqui apresentados, observa-se no Gráfico 21, uma melhor distribuição dos rendimentos do trabalho na Construção no período recente. Tomando o salário dos analfabetos como referência (medido em número de salários mínimos), verifica-se que a cada nível de educação formal alcançado, os trabalhadores obtinham um ganho relativo maior em 1985 que em 2010; ou seja, em 1985 havia uma dispersão maior dos salários em relação ao grau de instrução do trabalhador que em 2010, revelando a provável escassez de mão de obra experiente na Construção, mas não necessariamente com grau elevado de ensino formal. 136 Gráfico 21. Salário dos trabalhadores da Construção, em relação à remuneração analfabetos. Brasil, 1985 e 2010. Educação Superior Completa Educação Superior Incompleta Ensino Médio Completo Ensino Médio Incompleto 2010 Ensino Fundamental Completo 1985 Do 6ª ao 9ª ano Incompleto do Ensino … 5ª ano Completo do Ensino … Até o 5ª ano Incompleto do Ensino … 0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE. Em relação ao ciclo de crescimento recente, a trajetória ascendente da demanda de obras pesadas e de edificações começou em 2004, conforme aponta o Gráfico 22, passando a ser um importante vetor de crescimento da economia brasileira no período subsequente. Observa-se no Gráfico 22 que em meados de 2006 o nível de atividade do segmento rompeu com o máximo alcançado na segunda metade da década de 1990 e foi instaurado um movimento de crescimento persistente até o penúltimo trimestre de 2008, quando o recrudescimento da crise internacional explicitou a fragilidade de algumas empresas e o ajuste necessário da oferta à demanda, diminuindo o ritmo de atividade do setor. O crescimento acumulado em quatro trimestres retomou a trajetória ascendente apenas no penúltimo trimestre de 2009. Tal foi a retomada dos negócios que já no primeiro trimestre de 2010 o valor agregado pelo setor ultrapassava o pico de 2008. Há uma certa acomodação do crescimento em 2011 frente a 2010, em que a atividade cresceu muito fortemente em relação a 2009. 137 Gráfico 22. Valor Adicionado da Construção Civil. Média móvel (4 trimestres) da série encadeada do índice trimestral (Base: média 1995 = 100). IV/1995 a IV/2011. Média Móvel (4 trimestres, 1995:100) 165 IV 11 155 145 135 125 115 105 95 Fonte: Elaboração da autora, com base em dados das Contas nacionais Trimestrais/IBGE. Esse desempenho, sem dúvida, passou pelas políticas públicas no âmbito da infraestrutura e da habitação, que ganharam destaque no ―gerenciamento‖ da crise. O Gráfico 23 traz dados da Formação Bruta de Capital Fixo do setor público, sem e com os dispêndios das Empresas Estatais Federais (IPEA, 2010a). Como pode ser observado, o investimento público cresceu fortemente em 2008 e 2009, uma conseqüência da aceleração dos desembolsos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007 e mesmo dos gastos da União com o programa ―Minha casa, minha vida‖, de abril de 2009, ultrapassando o pico de 1998. O avanço do investimento público, especialmente em situações críticas, como a que se colocou a partir de setembro de 2008, foi um dos elementos que conteve a deterioração das expectativas dos agentes, limitando o movimento de descenso e, num segundo momento, propiciando taxas de crescimento em geral. As expectativas quanto à expansão das atividades era das melhores no período, como assinalava IPEA (2010b): A progressiva melhora no ambiente econômico também tem impulsionado a expansão da construção civil. A ação do governo, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e de programas habitacionais, como Minha Casa Minha Vida, tem contribuído para o crescimento do setor que, além da melhora nas condições de crédito, conta também com o incentivo da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para materiais de construção, com validade até 31 de dezembro deste ano. Tendo em vista o alto déficit habitacional ainda existente no Brasil, as grandes deficiências em termos de infraestrutura, e a futura realização de 138 eventos esportivos de grande vulto, as perspectivas desenvolvimento do setor continuam bastante otimistas. (p. 10) para o Gráfico 23. Investimento Público – Formação Bruta de Capital Fixo como proporção do PIB. 1995 a 2009. 5,0 4,5 4,0 % do PIB 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 FBCF da Administração Pública FBCF do Setor Público Fonte: Elaboração própria, com base em dados de IPEA (2010). 1 Administração Pública: União, Estados e Municípios 2 Setor Público: Administração Pública e Estatais Federais O bom desempenho da Construção, por outro lado, começou a encontrar alguns estrangulamentos no fornecimento de insumos e na disponibilidade de mão de obra. A trajetória do índice especial de produção física de insumos típicos da construção civil, do IBGE, observável no Gráfico 24, mostra o crescimento firme da produção de insumos desde 2004, com uma rápida interrupção entre o final de 2008 e início de 2009. Em agosto de 2010 o nível de produção do segmento ultrapassou o pico de setembro de 2008, assim como a média móvel 12 meses mostra que o profundo vale do imediato ―pós crise‖ foi suficiente apenas para fazer com que o nível médio de produção retrocedesse para o observado entre o final de 2007 e início de 2008 dados que corroboravam a preocupação com a capacidade de oferta dos fornecedores locais da construção, no caso de prosseguimento da conjuntura favorável ao setor. 139 Gráfico 24. Produção física de insumos típicos da construção civil. 2000 a 2011. 150 140 130 dez/11 120 110 100 90 80 Insumos típicos da construção civil 12 por Média Móvel (Insumos típicos da construção civil) Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PIM-PF/IBGE. Quanto aos preços, é verdade que o setor vinha sofrendo uma certa pressão de custos, seja por parte dos preços dos insumos, seja por parte da remuneração do trabalho, mas pouco se sabia da trajetória dos preços de comercialização dos imóveis. O IBGE faz um levantamento mensal de preços da construção – focado em edificações habitacionais, saneamento e infraestrutura. Com base nos dados daquele levantamento para o Estado de São Paulo, o crescimento do custo médio da mão de obra, superou o dos materiais em 2007, 2010 e em 2011. Em 2008 e 2009, período em que a crise afetou o emprego, o custo com material é que cresceu relativamente mais. A pressão média dos custos de mão de obra se mostrou mais importante no biênio 2010/2011, quando, como mostra o Gráfico 24, o custo médio da mão de obra da Construção apresentou tendência de ganhos em relação ao Salário Mínimo. Entre 2006 e 2009 os reajustes médios na Construção sequer estavam acompanhando os ganhos reais do Salário Mínimo brasileiro, o que levaria a inferir que, desconsideradas as diferenças regionais e de categorias de serviço, o mercado de trabalho não teria se mostrado um forte empecilho ao prosseguimento dos negócios da Construção até então. 140 O crescimento real do custo médio da mão de obra da Construção entre maio de 200665 e 2011, deflacionado pelo IPCA do IBGE, foi de 17%, o de material 5% e o do salário mínimo 18%. Gráfico 25. Relação entre o custo médio (R$) do componente mão de obra (SINAPI) e o salário mínimo nominal brasileiro (R$). Abril/2006 a Janeiro/2012. 0,71 0,69 0,67 0,65 0,63 0,61 jan/12 0,59 abr/06 abr/07 abr/08 Custo médio construção (mão de obra)/ salário mínimo abr/09 abr/10 abr/11 12 por Média Móvel (Custo médio construção (mão de obra)/ salário mínimo) Fonte: Elaboração da autora, com base em dados de SINAPI/IBGE e BCB. Desagregando os dados, é possível identificar pressões mais específicas tanto no custo da mão de obra, como no de materiais. A Tabela 7 traz a variação de preços de alguns itens de consumo e de especialidades da mão de obra da construção, no Estado de São Paulo, que o IBGE disponibiliza. Observa-se ali variações bastante discrepantes e, se as variações mais acentuadas de preços forem tomadas como sinal de escassez, de fato poderiam estar ocorrendo dificuldades no andamento de algumas obras. Alguns itens como os agregados (areia, pedra brita), tijolos e alguns materiais de acabamento mostravam uma variação acentuada de preços. Por outro lado, vários grandes fabricantes de insumos estariam anunciado investimentos para a expansão da produção: produtores de cimento, de vidro plano, de tubulação, de fios e cabos, de louças e metais vinham estabelecendo planos de expansão levando em consideração, inclusive, a nova geografia da demanda (VALOR SETORIAL, 65 Maio foi o mês de correção do salário mínimo em 2006. 141 2010). As importações, antes praticamente nulas, estariam auxiliando a contornar alguns pontos de estrangulamento. No tocante à mão de obra, os profissionais com atividades de maior qualificação seriam os que mais estariam tendo poder de barganha e ganhos de remuneração, como os mestres de obra, eletricistas e ladrilheiros. Esse quadro condiz com a realidade de um setor que durante os anos seguidos de estagnação deixou de formar trabalhadores especializados, como já explorado. Fiesp (2008) ratifica a pouca disponibilidade de cursos técnicos e profissionalizantes no segmento, o que deixaria o segmento vulnerável à formação “na obra” e dificultaria a disseminação de novos materiais, métodos, etc – realidade compatível com o longo período de estagnação vivido. A falta de engenheiros civis foi uma queixa recorrente entre os empresários das Edificações, mas como afirmava um membro do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (SENGE-RJ), existiria um grande número de engenheiros formados que não trabalhavam mais na área e que supririam a demanda se fossem realocados no setor (LIMA, 2010). O tempo e o custo para a reciclagem desses profissionais afastavam o interesse das empresas da Construção, que começaram, no limite da regulação, a considerar a possibilidade de ―importação de profissionais‖ − em um momento em que existiriam muitos desocupados nas economias que tiveram piores impactos da crise (LIMA, 2010). 142 Tabela 7. Variação dos preços medianos (R$) de materiais e serviços da Construção no Estado de São Paulo. Média do período em relação à média do mesmo período do ano anterior. 2007 a 2011. Em % 2007 2008 2009 2010 2011 Material Areia grossa lavada para concreto - m³ Pedra britada nº 2 - m³ Cimento Portland composto (CP II E-32) - saco de 50 kg Barra de aço (vergalhão) CA-50 16,00 mm – kg Tijolo cerâmico furado de 10 x 20 x 20 cm – milheiro Tubo de PVC para água, roscável, de 3/4" - 6 m Fio de cobre 1,5 mm2, com capeamento - rolo 100 m Janela de madeira de correr, de 1,20 x 1,20 m – unidade Cerâmica esmaltada para piso, cor lisa, de 20 x 20 cm-m² Vaso sanitário de louça branca, autosifonado – unid Vidro liso incolor, E=3 mm, colocado-m² Tinta PVA, interior-exterior - gl 3,6 l Mão de obra: referência salário/hora Mestre-de-obras Pedreiro Servente Armador Carpinteiro de formas Bombeiro hidráulico Eletricista Carpinteiro de esquadrias Ladrilheiro Pintor 14,8 21,9 14,2 14,9 2,0 29,3 -4,3 27,8 6,7 -10,1 22,9 23,5 23,2 10,2 12,7 -3,8 -0,6 1,9 5,4 -15,7 -11,3 1,8 1,9 18,2 -1,5 4,3 6,5 1,0 2,6 5,7 8,0 3,6 7,3 -3,8 -0,6 1,9 3,4 5,7 5,8 5,7 5,7 7,8 2,2 9,3 3,4 5,7 14,1 7,5 7,4 7,5 7,5 10,6 7,2 8,3 14,1 7,5 7,0 8,0 7,7 8,0 8,0 11,6 5,0 7,3 7,0 8,0 20,0 3,6 20,6 -0,3 -4,5 4,5 -5,8 -14,0 15,3 15,2 17,9 3,9 12,3 7,7 13,7 11,8 -0,7 -1,4 10,5 8,0 14,4 -3,7 17,9 3,9 11,2 7,9 7,8 7,9 7,9 9,6 14,2 7,0 11,2 7,9 12,9 9,2 9,2 9,2 9,2 6,7 9,1 7,2 12,9 9,2 No Período 98,8 82,2 30,2 10,5 103,3 19,3 -4,8 55,8 7,2 30,8 32,2 19,3 58,5 44,5 44,2 44,5 44,5 55,7 43,4 45,6 58,5 44,6 Fonte: Elaboração da autora, com base em dados do SINAPI/IBGE. É importante ressaltar que a rotatividade da mão de obra, ou seja, a troca de ―emprego‖ entre os trabalhadores da construção é assinalada como um dos desestímulos ao treinamento dos trabalhadores pelas empresas da Construção (FIESP, 2008). Sem questionar a causalidade apontada, o Gráfico 26 corrobora a ideia de que a permanência média do empregado da Construção no emprego é menor que na Indústria de Transformação. O que chama a atenção, por outro lado, é que esse tempo de permanência diminuiu na própria indústria, entre 1985 e 2010, assinalando essa prática como uma tendência generalizada, o que torna ainda mais importante o debate em torno da qualificação da mão de obra e sua exposição a novos insumos/métodos de produção e organização do trabalho. 143 Gráfico 26. Proporção (%) de empregados (formais) na Construção e na Indústria de Transformação, segundo o tempo no emprego. Brasil, 1985 e 2010. 1985 10 ou mais Anos 5,0 a 9,9 Anos Construção 3,0 a 4,9 Anos 2,0 a 2,9 Anos 1,0 a 1,9 Anos 6,0 a 11,9 Meses Indústria de Transformação 3,0 a 5,9 Meses 0,0 a 2,9 Meses 0,0 10,0 20,0 30,0 2010 10 ou mais Anos 5,0 a 9,9 Anos Construção 3,0 a 4,9 Anos 2,0 a 2,9 Anos 1,0 a 1,9 Anos 6,0 a 11,9 Meses Indústria de Transformação 3,0 a 5,9 Meses 0,0 a 2,9 Meses 0,0 10,0 20,0 30,0 Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE. É importante para a análise de desempenho do setor avaliar, diante desse quadro, a lucratividade das empresas. Esta variável é central tanto para as decisões de produção, como, e especialmente, para as decisões de investimento das firmas. Para os contratos com valor da obra fixo, caso da maior parte das obras de infraestrutura e das habitações voltadas para a baixa renda, no programa ―Minha Casa, Minha Vida‖, seria possível que a pressão de custos estivesse comprimindo a lucratividade das empresas, o que só poderia ser contornado com ganhos de produtividade, encurtamento 144 dos prazos de entrega da obra e redução dos desperdícios – elementos que em geral passam pela modernização e pelos ganhos de escala das obras. Para a situação de obras cujos preços se faziam ―no mercado‖, de outra forma, a lucratividade poderia estar sendo garantida pela valorização imobiliária. Deste ponto de vista, diversos agentes que acompanhavam o desempenho do segmento de Edificações começaram a solicitar levantamentos, metodologicamente adequados, de preços dos imóveis, já que se existiam dados de custos das edificações, não havia estatísticas que mostrassem a evolução dos preços médios das unidades prontas, ou seja, não havia parâmetros confiáveis para avaliar a valorização imobiliária e a rentabilidade das Incorporadoras. A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) passou a apurar um índice de preços de imóveis em parceria com um sítio de classificados da Web (Índice FIPE ZAP de Preços de Imóveis Anunciados) que, a despeito de não revelar exatamente o ocorrido com o mercado de imóveis novos, uma vez que retrata a evolução dos preços dos imóveis anunciados em geral (GOEKING, 2011), constituiu o melhor indicativo disponível da valorização imobiliária. Segundo esse índice, conforme o gráfico 27 (abaixo), de fevereiro de 2008 a março de 2012 os imóveis na cidade de São Paulo teriam tido seu preço médio majorado em cerca de 133% ─ substancialmente mais que o Custo Médio da Construção apurado pelo SINAPI (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil, que acompanha os preços de materiais e mão de obra) para o Estado de São Paulo, que cresceu perto de 33% no período, indicando um crescimento importante do lucro imobiliário (afora o preço dos terrenos). 145 Gráfico 27. Índices SINAPI (Estado de São Paulo) e Fipe Zap (cidade de São Paulo) – custos da construção e valorização imobiliária. Fev/2008 a mar/2012 (fev/2008:100) 2,4 2,2 2,0 1,8 1,6 1,4 1,2 1,0 0,8 Fipe Zap Custo médio m² SINAPI Fonte: SINAPI/IBGE e Fipe Zap 66 Na Tabela 8 observa-se a participação das rendas do trabalho e do capital no Valor Adicionado do setor da Construção − segundo o Sistema de Contas Nacionais, que inclui a informalidade. Até o ano de 2007 verificava-se que o Excedente Operacional Bruto, variável proxy da remuneração do capital, não perdia posição relativa no valor adicionado no setor, o que se modifica em 2008 e 2009, quando há queda relativa da remuneração do capital. A elevação da participação das ―Remunerações‖, que representa a renda do trabalho, vinha sendo a contraparte da queda do ―Rendimento Misto Bruto‖, que corresponde à remuneração das famílias na atividade da Construção, a maior parte constituindo mão de obra autônoma, com baixa qualificação e remuneração, sob relações informais de trabalho. Em 2008 e 2009 a queda de participação da remuneração da mão de obra ―informal‖ não foi integralmente compensada pela elevação da massa de remuneração dos trabalhadores formais. Ou seja, há indícios de compressão dos lucros em relação à remuneração do trabalho, o que merece atenção. 66 http://www.zap.com.br/imoveis/fipe-zap/?gclid=CIbq84f_pa8CFZFR7AodzwJaZg. Acesso em abril/2012. 146 Tabela 8. Proporção (%) das remunerações dos fatores de produção no Valor Agregado da Construção. 2000 a 2009. Valor Agregado Remunerações Rendimento Misto Bruto Excedente Operacional Bruto 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 28 30 30 31 30 32 30 32 36 43 25 24 26 25 21 23 24 21 21 18 47 45 42 43 47 44 46 47 42 38 Fonte: Elaboração da autora, com base em dados das TRUs - SCN/IBGE O Gráfico 28 (abaixo) mostra a mesma tendência em termos de massa de rendimentos. Até 2007 verificava-se uma tendência de elevação tanto das rendas do trabalho ―formal‖ como do capital da Construção. O rendimento do capital, entretanto, apresenta queda no ano de 2008, refletindo, provavelmente, a queda de atividade do último trimestre daquele ano, que se materializou, no segmento imobiliário, na forma de adiamento de lançamentos, dispensa de mão de obra e um ritmo mais lento das obras em curso. Em 2009, ano de retomada dos negócios, a queda da massa de lucros se repete, em contraposição à forte elevação da massa de rendimentos dos assalariados, que cresce acentuadamente desde 2007. Esse movimento pode refletir: i. o próprio ciclo produtivo da Construção, em que o longo ciclo de produção retarda parte dos ganhos do capital; ii. a pressão do mercado de trabalho e de custos em geral; ou iii. o padrão de demanda que se seguiu à crise, com peso maior das Edificações, e nela um maior lançamentos de imóveis residenciais para a baixa e média-baixa renda, que em geral garante margens mais apertadas ao capital. Seja como for, a compressão da remuneração do capital, se não for momentânea, constitui um mau sinalizador aos investimentos. 147 Gráfico 28. Massa de rendimentos brutos da Construção (R$ milhões de 2009*), de 2000 a 2009. 12,0 10,0 8,0 6,0 4,0 2,0 0,0 2000 2001 2002 Brasil 2003 2004 China 2005 2006 India 2007 2008 2009 2010 Federação Russa Fonte: Elaboração da autora, com base em dados das TRUs - SCN/IBGE * Deflator do SCN Os dados mais gerais de desempenho da Construção e seus sub-segmentos são organizados pela PAIC/IBGE (Pesquisa Anual da Indústria da Construção), que a partir de 2010 passou a divulgar seus resultados segundo a versão 2.0 da CNAE (ano de referência 2008, com os dados retroagindo a 2007, na mesma nomenclatura), descontinuando as estatísticas, não apenas de segmentos de atividade, mas também de produtos. Observando a estrutura de custos do conjunto de empresas formalmente estabelecidas da Construção (incluindo, portanto, as empresas da Construção Pesada), verifica-se pelos resultados da PAIC 2007 e 2009 que os itens que apresentaram elevação na participação no custo médio do setor foram: i.Obras e/ou serviços contratados a terceiros, com elevação de 0,8% nos custos totais ─ ou seja, cresceu a terceirização e a contratação de trabalhadores autônomos (incluindo os gastos com os trabalhadores sem vínculo, não considerados como assalariados); ii. os custos e despesas com terrenos, com peso majorado em 0,8% dos custos totais ─ sendo contabilizada apenas a parte do terreno apropriada no ano; iii. Gastos de pessoal, com peso majorado em 1,8% ─ que engloba além dos gastos com salários, as retiradas e outras remunerações; as contribuições para previdência pública e privada, o FGTS, as indenizações trabalhistas e por dispensas incentivadas e benefícios concedidos aos empregados; iv. Aluguéis e arrendamentos, com peso majorado em 0,6% dos custos totais – incluindo despesas com imóveis, 148 máquinas, equipamentos e veículos; v. Variações monetárias passivas e despesas financeiras, com peso majorado em 0,7% – as primeiras referem-se a perdas de câmbio, correção monetária e outras atualizações não prefixadas de contratos, as segundas são relativas aos juros, aos descontos de títulos de créditos, ao deságio na colocação de debêntures ou outros títulos. Assim, o gasto de pessoal se firma, então, como uma importante pressão de custos, mas já incluindo a remuneração dos executivos (inclusive os bônus) e as retiradas de sócios, avançando 1,8% no custo total. A terceirização/subcontratação, os custos com terrenos e financeiros, juntos, avançaram 2,4% na estrutura de custos do período. O consumo de materiais, assim como os impostos e taxas67, não oneraram as empresas além da média ─ pelo contrário, tiveram sua participação no custo total diminuída no período. É verdade que a evolução do emprego no setor, sem dúvida mostra mudanças qualitativas importantes em relação ao custo do trabalho. Houve não apenas um forte crescimento do número de ocupados, mas uma crescente formalização desses vínculos ao longo dos anos 200068, o que certamente significou um avanço das contribuições sociais pagas no custo total das empresas mas, conforme os dados do Gráfico 25, os ganhos reais dos salários dos trabalhadores da Construção não constituíram uma pressão importante ─ com algum destaque apenas a partir de 2010. A queda da rentabilidade pode estar se materializando em maior conservadorismo em relação aos investimentos. Ao tomar como proxy do investimento no segmento a produção de bens de capital para a Construção, medida pelo IBGE, e desconsiderando o comércio internacional desses equipamentos (as exportações e importações), verifica-se que se o nível médio de produção de insumos para a Construção em 2011 estava 24% acima da média de 2006 (Gráfico 24, acima), no caso dos bens de capital, em 2011 produziu-se em média 36% mais bens de capital para a construção que em 2006 (Gráfico 29, abaixo). Ou seja, reconhecida as limitações de interpretação desses dados, poder-se-ia dizer que houve sim um processo de mecanização importante no período que retrocedeu a partir de meados de 2011. 67 Na PAIC os impostos e taxas se referem aos gastos com IPTU, ITR, IPVA, etc. Não incluem os impostos constantes das deduções da receita bruta (IPI, ISS, COFINS, etc.), nem a despesa com provisão para o Imposto de Renda (IBGE, 2011). 68 O Sistema de Conta Nacionais aponta que se no início da década (ano 2000), 18,0% dos ocupados tinham suas vagas legalmente estabelecidas no setor da Construção, em 2009 essa proporção subiu para 30,1%. Essa melhora, entretanto, ainda não leva o setor à situação média do país ¬ onde a proporção média de vínculos formais 2009 era de 47%, e na Indústria de Transformação, 61,7%. 149 Os bens de capital arrolados no índice especial do IBGE são os tratores (exclusive agrícolas e florestais), as carregadoras-transportadoras, as máquinas compactadoras (inclusive rolos compressores), as escavadeiras, as máquinas e aparelhos. automotrizes p/espalhar e calcar pavimentos betuminosos e os motoniveladores – o seja, compreendem tanto os equipamentos usados nas obras de infraestrutura como nas etapas brutas das obras de edificação, restringindo-se a bens de produção tradicionais, cujo crescimento do uso deve estar associado sem dúvida ao crescimento do nível de atividade, e, em alguma proporção, à melhor organização dos canteiros de obra. Os investimentos em modernização, nas Edificações, ficam a ser comprovados qualitativamente. Gráfico 29. Produção física de bens de capital para a Construção. jan/2000 a dez/2011. 350 300 250 200 dez/11 150 100 50 0 Bens de ca pita l pa ra construçã o 12 por Média Móvel (Bens de ca pita l pa ra construçã o) Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da PIM-PF/IBGE. A despeito de todas as mudanças estruturais e conjunturais apontadas, o Gráfico 30 mostra que no período recente houve uma pequena elevação da produtividade agregada do trabalho do setor da Construção brasileiro. Segundo o quociente resultante do valor agregado do segmento, a preços de 2009, e a ocupação, não é acentuada a tendência de geração de mais valor por ocupado, já que a evolução positiva do nível de atividade foi seguida pelo crescimento da ocupação, de forma que o quociente entre as variáveis pouco mudou (especialmente frente às metas estabelecidas). Ponta a ponta, a variação do valor agregado por ocupado entre 2006 e 2009 foi de 6,8%, (2,2% ao ano) e, na comparação da média dos cinco anos que se encerram naqueles anos, o crescimento teria sido de 0,7% (ou 0,2% ao ano). 150 Gráfico 30. Produtividade na Construção. 2000 a 2009 (R$ de 2009*) 22.000 R$/Ocupado 21.500 21.000 20.500 20.000 19.500 19.000 2000 2001 2002 VA por Ocupado (R$) 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 5 por Média Móvel (VA por Ocupado (R$)) Fonte: Elaboração da autora, com base em dados das TRUs - SCN/IBGE * Deflator do SCN Uma razão cabível para o ―atraso‖ dos bons resultados em termos de produtividade ao longo deste ciclo seria a mudança no mix de obras. Sem dúvida uma parcela crescente das obras edificadas nos anos recentes foi de empreendimentos imobiliários residenciais, que, se se admite o segmento menos produtivo da Construção, poderia conter o avanço médio do indicador. Outro argumento possível é que a formalização do emprego comprometeu o indicador já que os ―mesmos‖ ocupados, em termos de produtividade física, passaram a custar mais para as empresas, devido a formalização das relações trabalhistas. Para checar este argumento é possível somar ao valor agregado da Construção as Contribuições Sociais Efetivas pagas pela empresas, ou seja, eliminar o ―custo‖ da formalização das relações trabalhistas do valor gerado pelo setor. Assim fazendo, há pouca melhora de desempenho do índice: entre 2006 e 2009 a produtividade, nessa formulação, cresceria ponta a ponta 10,1% (3,3% ao ano), e segundo a média dos cinco anos encerrados naquelas datas 1% (ou 0,3% ao ano). Um terceiro argumento, que também tem fundamento e que carece de dimensionamento, é que a expansão dos negócios se deu em direção a regiões do país em que a eficiência produtiva naturalmente é menor, pela distância dos centros produtores de matéria-prima e pela indisponibilidade de mão de obra experiente, comprometendo o resultado médio do país. De fato, como se verá no item 3.4. as grandes 151 empresas da Edificação do país, por suposto as mais eficientes e que concentram boa parte da mão de obra mais experiente, mantinham suas operações preferencialmente na Região Centro-Sul do país (e em especial nas Regiões Metropolitanas), padrão regional que mudou bastante no ciclo recente. Segundo dados da RAIS/MTE de emprego formal, o Sudeste, região que emprega o maior contingente da Construção Civil brasileira69, apresentou um crescimento do emprego relativo à média do país negativo (-11,4%) entre 1985 e 2010. Para o mesmo período, o crescimento observado no Nordeste foi 9,4% maior que a média nacional, no Sul, 13%, no Centro-Oeste 19,5% e na Região Norte, 28,8%. Esse movimento de desconcentração regional e de queda de produtividade média por integrar essas novas áreas, entretanto, deveria ser o esperado, pela configuração do déficit habitacional brasileiro e pelo modus operandi do capital neste setor, que faz da parceria com produtores locais sua forma primeira de expansão ─ padrão que se reforçou no período da globalização. 3.3. Edificações – estrutura e desempenho O segmento produtor de Edificações brasileiro, tal como hoje conhecido, se conformou no bojo dos projetos desenvolvimentistas, e se consolidou, em grande proporção, com a organização e execução do SFH. Trata-se de um segmento heterogêneo, com poucas grandes empresas, que se destacam pelos conhecimentos técnicos e capacidade financeira, frente a uma massa de pequenas unidades, na maior parte pouco especializadas, que muitas vezes trabalham em torno das maiores, em sistema de subcontratação (Chaves, 1985; Farah, 1996). Esse padrão heterogêneo é típico do segmento, encontrado igualmente nos Estados Unidos, ou Europa (FIESP, 2008). Como já explorado, trata-se de um segmento produtor com características manufatureiras que, a despeito de ter incorporado materiais e mesmo algumas práticas de gestão relativamente modernas, não tem apresentado ganhos de eficiência relevantes. Farah (1996), que descarta a possibilidade de o segmento produtivo ser indiferente à lucratividade operacional, afirma que a compressão de custos na Edificação residencial brasileira vinha sendo garantida pela ―via mais fácil‖ até os anos 1980 − pela diminuição da área útil dos empreendimentos, pela queda da qualidade dos insumos e 69 55,2% do emprego formal total do setor em 1985, segundo a RAIS/MTE. 152 pela elevação da subcontratação, com crescente precarização das condições de trabalho. Sabbatini (1998) sugere um quadro semelhante para a década seguinte, mas alerta para a crescente exigência dos consumidores − que à época se restringiam especialmente às famílias de média-alta e alta renda. Farah (1996) apontou, ainda, que a construção habitacional para a baixa renda teria sido a parcela das Edificações no Brasil que mais teria incorporado novos insumos nos anos 1970 e mesmo nos 1980, mas que sem assumir mudanças organizacionais, a modernização tornou-se praticamente episódica, não definitiva. A modernização teria se dado sobretudo no uso de pré-fabricados para obras específicas, dos grandes conjuntos habitacionais, cuja fabricação findou com o fim dos grandes projetos e pouco afetou o modo de produzir tradicional do setor. Como apresentado na seção 2.1., classificou-se o fenômeno ali contido de industrialização da construção irresponsável, já que resultou em prédios residenciais com patologias que foram se mostrando com o tempo. Por outro lado, o quadro geral dos anos 1980 e 1990 ─ a alta inflação, a inexistência de esquemas de financiamento adequados (seja à produção, seja à comercialização de imóveis), o perfil da demanda ─ levou a uma importância cada vez maior dos departamentos administrativo-financeiros nas empresas de Edificações. Através de inovações financeiras, as incorporadoras iam contornando as restrições da demanda, como, por exemplo, o ―Plano 100‖, da Rossi, em que a incorporadora financiava o imóvel em 100 parcelas ao cliente que não dispunha de alternativas de crédito. Esse modus operandi certamente afetou o perfil das empresas e dos profissionais envolvidos no negócio da Edificação e chegou mesmo a afetar a formação nas escolas de Engenharia Civil, que acabava por reservar na grade curricular um espaço maior para o ensino de técnicas administrativo-financeiras. Vasconcelos e Cândido (1996) falam sobre o período: Uma das resultantes do encolhimento do sistema formal de financiamento de imóveis foi uma enorme desintermediação financeira do setor. As construtoras e incorporadoras não tiveram outra escolha se não o oferecimento de financiamentos diretos aos seus compradores, por meio de parcelamento do preço de venda dos imóveis ou modelos de autofinanciamento baseados em consórcios. Tais soluções nasceram tímidas e desacreditadas pelo mercado, mas com o passar do tempo e com a criatividade dos empresários da construção civil, passaram efetivamente a ocupar o espaço deixado pelo sistema financeiro. (p.18, grifo nosso) 153 Assim tanto o esforço financeiro para atender a demanda, quanto o controle monetário dos custos, em que a administração das compras de insumos na alta inflação poderia representar ganhos ou perdas significativos para quem edificava, desviavam o foco da eficiência produtiva na obra, de forma mais estrita. Atividades como a compra de materiais, a gestão dos pagamentos dos clientes, etc., em uma situação de alta inflação, teriam impacto mais relevante na rentabilidade das empresas que o controle do desperdício nos canteiros, por exemplo. De outro modo, também é bastante razoável afirmar que a mobilização do caixa para financiar os clientes para além do prazo da construção, já bastante longo, tornaria ainda mais distante a possibilidade do investimento modernizante no próprio segmento. A estabilização monetária, com o Plano Real, deste ponto de vista, representou uma mudança de padrão de operação importantíssima ao segmento. Um dos eventos mais marcantes do período no setor foi o desgaste e a falência da Encol, a maior incorporadora brasileira à época (em 1999). Seu ex-dono credita parte importante das causas dessa falência à transição que o Plano impôs às empresas do setor, que aliou a queda abrupta da inflação e a manutenção de altíssimas taxas de juros reais (ROCHA, 2010). Seja como for, nesse período as empresas procuraram se atualizar tecnologicamente o que se classificou por "industrialização sutil" (1996-2000), em que se generalizou o uso de alguns componentes modernos na Edificação. A quebra da Encol foi um marco para o setor, já que paralisou os negócios, que se não contava com um sistema de crédito oficial funcional, deixou de contar com o esquema de financiamento das grandes incorporadoras, já que foi aberto um período de grande desconfiança entre os demandantes e as construtoras, entre os fornecedores de insumos e serviços e as construtoras, entre o sistema bancário e o segmento da Edificação. Parte das reformas institucionais da primeira metade dos anos 2000 também teve esse evento como ponto de partida (entre elas a instituição do Patrimônio de Afetação). Acredita-se que hipertrofia financeira das empresas da Edificação brasileira, por sua vez, longe de ser mal vista pelo capital internacional, com as características exploradas no primeiro capítulo do estudo, pode ter sido um dos atrativos ao mercado local. As incorporadoras brasileiras já teriam uma tradição como gestoras financeiras do negócio imobiliário, o que se repõe no ciclo de crescimento recente não pela lógica da 154 inflação e da ausência do crédito à comercialização dos imóveis, mas pelo novo modus operandi do capital. Para explorar a diferença de operação das Construtoras e Incorporadoras no período recente, é possível se valer da estrutura ocupacional média de uma e outra empresa, apresentada pela RAIS. Segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (versão 2.0), utilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego naquele levantamento, as empresas que têm como atividade principal a ―Construção de Edifícios‖ constroem prédios residenciais, comerciais e industriais de qualquer tipo e a construção de edifícios destinados a outros usos específicos, fazem as reformas e manutenções correntes de edifícios já existentes e a montagem de edifícios e casas pré-moldadas ou pré-fabricadas de qualquer material, quando não realizadas pelo próprio fabricante. Já as Incorporadoras promovem a realização de empreendimentos imobiliários, residenciais ou não, provendo recursos financeiros, técnicos e materiais para a sua execução e posterior venda, não compreendendo a construção de edifícios, a compra e venda de imóveis por conta própria e os serviços de arquitetura e de engenharia. É importante salientar que a classificação das unidades produtoras nos levantamentos aqui explorados remete à atividade principal das empresas, mas não raro as incorporadoras têm suas próprias construtoras e/ou escritórios de engenharia, como empresas independentes ou ―subordinadas‖, como atividades secundárias  algo que se confirmará na próxima seção. A Tabela 9 traz as 15 principais categorias profissionais registradas pelas Incorporadoras e Construtoras em dezembro de 2009, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (2002) – período em que a retomada de negócios, ao menos no segmento residencial, já era firme. Tanto as incorporadoras como as construtoras tinham como categorias de ocupação com maior contingente os ―trabalhadores da construção civil e obras públicas‖ e os ―ajudantes de obras‖70 – sendo que nas construtoras os primeiros apresentavam um peso 3,4% maior que nas incorporadoras no emprego gerado e os segundos 7,1%. Ou seja, a mão de obra típica da etapa de edificação era menos importante para as Incorporadoras que para as Construtoras, como esperado. 70 Vale lembrar que a RAIS contabiliza apenas o emprego formal. 155 Somando às categorias de ocupação acima arroladas os ―trabalhadores de acabamento de obras‖ e os ―supervisores da extração mineral e da construção civil‖ e tomando esse conjunto como o de trabalhadores que melhor representam a atividade de edificação mais estrita (de consecução da obra), esses trabalhadores representavam 60,1% do emprego nas Incorporadoras (38,5% da massa salarial) e 71,9% nas Construtoras (59,1% da massa salarial). As ―atividades de engenharia e arquitetura‖, por outro lado, representam 2,1% do emprego nas Incorporadoras (8,3% da massa salarial) e 1,6% nas Construtoras (6,6% da massa salarial). Tomando as categorias ―escriturários em geral, agentes, assistentes e auxiliares administrativos‖, ―Trabalhadores nos serviços de administração, conservação e manutenção de edifícios e logradouros‖, ―Profissionais de organização e administração de empresas e afins‖ e ―Trabalhadores de informações ao público‖ como representantes da estrutura ―burocrática‖ da empresa, esse conjunto de empregados representava 15,9% dos ocupados nas Incorporadoras (19,6% da massa salarial) e 7,8% nas Construtoras (7,5% da massa salarial). Ou seja, nas Incorporadoras, tal como a sua função primeira exige, há um peso maior de pessoal voltado à estrutura burocrática, e mesmo técnica, de nível superior, que nas Construtoras, que têm como atividade principal erigir prédios. Quanto aos salários médios, nota-se que as Incorporadoras apresentam um nível de remuneração superior à paga pelas Construtoras. Para o pessoal ocupado diretamente na construção, o nível médio de remuneração 71 é 9,1% maior nas incorporadoras, no corpo burocrático de menor especialização, 7,6%. Em relação aos engenheiros e arquitetos esse desnível vai a 36,3% e na alta gerência cresce ainda mais. Compondo a diretoria pelos profissionais classificados como ―Diretores de produção e operações‖, ―Diretores gerais‖, ―Diretores de áreas de apoio‖ e ―Diretores e gerentes em empresa de serviços de saúde, de educação, ou de serviços culturais, sociais ou pessoais‖, nas Incorporadoras esse conjunto de profissionais representava 0,35% do emprego, 3,59% da massa salarial e a remuneração média paga em dezembro de 2009 foi 71 Dado pela divisão da massa salarial pelo número de empregados. 156 de R$ 14.146,39. Nas Construtoras esses valores eram de 0,10% do emprego, 0,72% da massa salarial e a remuneração média foi de R$ 7.437,7 – ou seja, o corpo diretor das Incorporadoras apresentou uma remuneração média 90% maior que o outro grupo. Vale ainda, e com o mesmo objetivo de diferenciar o negócio da Incorporação do da Construção, destacar a relevância dos advogados72 para um e outro grupo de empresas: nas Incorporadoras aqueles profissionais representavam 0,38% do emprego, 1,43% da massa de remunerações e auferiam uma renda média de R$ 5.237,54; nas Construtoras eles eram 0,07% do emprego, 0,23% da massa salarial e o salário médio era de R$ 3.360,57. Assim, os advogados das Incorporadoras tiveram uma remuneração média 55% maior que os das Construtoras. Esses dados revelam uma estrutura diferenciada de atividade e de remuneração, corroborando uma estrutura mais técnica e possivelmente mais agressiva nos negócios nas Incorporadoras que nas Construtoras. 72 Advogados, procuradores, tabeliães e afins. 157 Tabela 9. Estrutura de emprego formal e rendimento médio (R$) em empresas incorporadoras e construtoras no ano de 2009. Subgrupo Ocupacional Emprego em 31/12 % do Total Rendimento médio (R$) GRUPO 411 - Incorporação de empreendimentos imobiliários Trabalhadores da construção civil e obras públicas Ajudantes de obras Escriturários em geral, agentes, assistentes e auxiliares administrativos Supervisores da extração mineral e da construção civil Trabalhadores nos serviços de proteção e segurança Trab nos serviços de administração, conservação e manutenção de edifícios e logradouros Engenheiros, arquitetos e afins Profissionais de organização e administração de empresas e afins Condutores de veículos e operadores de equipamentos de elevação e de movimentação de cargas Gerentes de áreas de apoio Trabalhadores de acabamento de obras Escriturários de controle de materiais e de apoio à produção Trabalhadores de informações ao público Trab de montagem de tubulações, estruturas metálicas e de compósitos Supervisores de serviços administrativos (exceto de atendimento ao público Demais Empregos Total 26.143 23.307 9.247 29,4 26,2 10,4 969,93 635,19 1.658,33 2.643 2.113 1.861 3 2,4 2,1 2.205,43 865,13 678,05 1.840 1.805 2,1 2 5.508,92 3.567,50 1.660 1,9 1.235,96 1.563 1.341 1.264 1.244 1.173 1,8 1,5 1,4 1,4 1,3 5.261,12 922 1.161 794 1.029 920 1 3.448 10.842 88.966 12,2 100 GRUPO 412 - Construção de edifícios Ajudantes de obras Trabalhadores da construção civil e obras públicas Escriturários em geral, agentes, assistentes e auxiliares administrativos Supervisores da extração mineral e da construção civil Trab nos serviços de administração, conservação e manutenção de edifícios e logradouros Condutores de veículos e operadores de equipamentos de elevação e de movimentação de cargas Trab de montagem de tubulações, estruturas metálicas e de compósitos Trabalhadores de acabamento de obras Trabalhadores nos serviços de proteção e segurança Engenheiros, arquitetos e afins Escriturários de controle de materiais e de apoio À produção Técnicos em construção civil, de edificações e obras de infraestrutura Trabalhadores elementares da manutenção Técnicos das ciências administrativas Gerentes de áreas de apoio Demais Empregos Total 289.360 284.822 33,3 32,8 622,79 883,79 37.621 4,3 1.103,02 32.214 3,7 1.792,07 22.026 2,5 624,56 20.188 2,3 1.059,55 18.962 2,2 1.107,00 18.072 14.711 14.028 12.855 2,1 1,7 1,6 1,5 903,87 817,18 4.042,71 1.021 7.555 0,9 1.787 6.500 6.409 5.060 77.708 868.091 0,7 0,7 0,6 9 100 764 2.390 3.190 Fonte: Elaboração própria, com base em dados da RAIS/MTE. Os dados de número de empresas e de emprego ao longo do tempo apontam para um maior dinamismo no segmento das Incorporadoras neste ciclo de crescimento. 158 Na Tabela 10 consta o número de empresas, por número de empregados formalmente contratados, nos anos de 2006 e 2010, segundo a RAIS. Ainda que o período seja curto, o recorte temporal se deve à disponibilidade de dados na mesma versão CNAE 73, que acabou por coincidir com o período de maior dinamismo do segmento e, por suposto, de maiores transformações no setor – não havendo perdas significativas à análise, portanto. De dezembro de 2006 a dezembro de 2010 houve um crescimento de 55% no número de empresas e de 90% no número de empregados da divisão ―Construção de Edifícios‖, reflexo do bom nível de atividade do segmento. Como pode ser observado nos dados da Tabela 10, ainda que o número de Incorporadoras em 2010 representasse 14,8% do total de Construtoras, o maior crescimento se concentrou entre aquelas empresas – sendo que o volume de emprego nas Incorporadoras quase triplicou entre 2006 e 2010. Outra relação que chama atenção é a de crescimento do número de empresas por faixa de número de empregados. A forte presença de empresas de até 49 empregados em ambos os segmentos, não condiz com a ideia de um setor concentrado, mas é inegável que as empresas de maior porte foram as que mais estão cresceram. Em 2006 não existiam Incorporadoras com 1000 empregados ou mais, e em 2010 havia uma empresa com esse número de empregados. Da mesma forma, era uma empresa de 500 a 999 empregados em 2006 e, em 2010, elas passaram a ser quinze. Entre as Construtoras, de 2006 e 2010 registrou-se mais vinte e nove empresas com 1000 empregados ou mais (crescimento de 240%), e quarenta e quatro com de 500 a 999 empregados (crescimento de 80%). Esses dados condizem tanto com o processo de consolidação que se observou no mercado (explorado em termos microeconômicos na próxima seção), como com as necessidades geradas pela viabilização da demanda habitacional que, ao caminhar no sentido de suprir a demanda da população de baixa renda, dispersa geograficamente pelo Brasil, exige escala na produção. Segundo o Cadastro Central de Empresas, do IBGE, as 12 maiores Incorporadoras empregavam 5,8% da mão de obra ocupada no segmento em 2006 e em 2009 passaram a representar 18,2% ─ triplicando o percentual do emprego gerado, em apenas três anos. No 73 Na versão 1.0 da CNAE não seria possível distinguir o desempenho das incorporadoras. 159 mesmo período a importância das maiores Construtoras para a geração de ocupações cresceu de forma mais modesta de 4,8% para 6,03%. Dado o maior peso das Construtoras, a concentração da ocupação nas 12 maiores empresas em ambos os segmentos se elevou em 1,17%, o que não é desprezível, já que na Indústria de Transformação o peso das 12 maiores empresas na geração de ocupações aumentou apenas 0,38% no período. Tabela 10. Número de empresas formalmente estabelecidas no setor de Construção de Edifícios, por tamanho, com ao menos um empregado. 2006 e 2010. Período 2006 2010 Variação (%) no período Tamanho do Estabelecimento Até 49 de 50 A 99 de 100 A 249 de 250 A 499 de 500 A 999 1000 ou mais Total Até 49 de 50 A 99 de 100 A 249 de 250 A 499 de 500 A 999 1000 ou mais Total Até 49 de 50 A 99 de 100 A 249 de 250 A 499 de 500 A 999 1000 ou mais Total Grupo 411 - Incorporação de Grupo 412 - Construção de Edifícios Empreendimentos Imobiliários EstabeleEmpreTamanho EstabeleEmpreTamanho cimentos gados Médio cimentos gados Médio 5.400 29.153 5 38.129 283.633 7 99 6.777 68 1.329 91.470 69 28 4.101 146 665 99.375 149 13 4.578 352 173 57.295 331 1 658 658 55 36.280 660 12 17.090 1.424 5.541 45.267 8,2 40.363 585.143 14,5 8.640 56.702 7 57.535 446.888 8 279 19.534 70 2.351 162.036 69 171 25.312 148 1410 211.260 150 35 11.283 322 345 117.525 341 15 10.056 670 99 67.042 677 1 1865 1.865 41 67.646 1.650 9.141 124.752 14 61.781 1.072.39 17 60,0 94,5 31,3 50,9 57,6 11,0 181,8 188,2 3,0 76,9 77,1 -0,1 510,7 517,2 1,4 112,0 112,6 0,6 169,2 146,5 -8,4 99,4 105,1 2,9 1.400,0 1.428,3 1,9 80,0 84,8 2,6 241,7 295,8 15,9 65,0 175,6 66,4 53,1 83,3 19,7 Fonte: Elaboração própria, com base em dados da RAIS/MTE. O Gráfico 31 traz a evolução da contribuição ao valor agregado das empresas do grupo ―Construção de edifícios e obras de engenharia civil‖, por número de ocupados, que na versão 1.0 da CNAE agregava aos resultados das Construtoras o de empresas que produziam algumas obras de engenharia (obras viárias, de montagem, etc). Aqueles dados mostram uma crescente contribuição das grandes empresas para a geração de valor no segmento. As empresas de 500 ou mais ocupados contribuíram com 23% do valor agregado pela ―Construção de edifícios e obras de engenharia civil‖ em 2000 e 41% em 2007, o que contrasta com a queda de contribuição de praticamente todos os outros grupos de empresas. 160 Gráfico 32. Contribuição (%) das empresas (com 5 ou mais ocupados), por número de ocupados, ao crescimento do valor adicionado do grupo ―Construção de Edifícios‖, segundo o tamanho. 2008 e 2009. 100% 90% 80% 17,8 12,1 70% 60% 24,9 10,7 250 a 499 18,6 17,2 50% 40% 30% 15,0 10,8 15,2 100 a 249 50 a 99 30 a 49 10,6 5 a 29 20% 10% 500 e mais 25,7 21,3 2008 2009 0% Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PAIC/IBGE. Informações como a queda de importância do Rendimento Misto Bruto nas rendas geradas pelo setor (Tabela 8), de elevação da formalização dos empregos e de crescimento de importância das grandes empresas no valor agregado do segmento de edificações levam a inferir que haja um movimento de crescente formalização e profissionalização do setor. Ou seja, parte das obras antes empreendidas na forma de “autoconstrução”, informal, deve estar sendo erigida por empresas formalmente estabelecidas – movimento não livre, ainda, de regressão. As Tabelas 11 e 12 trazem os diversos tipos de obras e/ou serviços executados pelas empresas de Construção (os produtos das edificações), de 30 ou mais ocupados, que podem ser utilizados como uma proxy da demanda de edificações. A Tabela 11 traz dados na CNAE versão 1.0 e a Tabela 12 na versão 2.0. Segundo IBGE (2010), na estrutura 1.0 da CNAE, para a Construção como um todo, 54 produtos da construção eram explorados em seis grupos de atividades74; e na da CNAE 2.0 passou-se a relacionar 84 produtos da construção, agregados em três divisões que compreendem nove grupos de atividade (p.35). 74 Segundo a classificação PRODILIST, em (http://www.ibge.gov.br/concla/prodlistconstrucao/PRODLIST_CONSTRUCAO_Rev2.xls). 162 Na Tabela 11 consta o valor real das obras de 7 produtos das edificações e na Tabela 12, além dos resultados das Incorporadoras, 9 produtos do grupo ―Construção de Edifícios‖ (Construtoras). O valor real do serviço de Incorporação de Empreendimentos Imobiliários, executado exclusivamente por terceiros, acumulou uma queda entre 2007 e 2009, indicando, possivelmente, que o crescimento da atividade de Incorporar está se dando por empresas Construtoras (verticalizadas), que possuem a atividade de Incorporar como secundária75. A Construção de Edifícios, por sua vez, apresentou um crescimento contínuo e substancial desde 2006. Entre os produtos, nota-se que as edificações residenciais compreendem a maior parte do valor da produção do segmento. Tanto na versão antiga, como na nova classificação de produtos (PRODLIST Construção), as edificações residenciais constituem cerca de 45% do valor das obras, com participação crescente no resultado geral das Edificações dos últimos anos. De acordo com as Tabelas 11 e 12 observa-se que o valor real das obras residenciais em 2007 voltou ao nível de 2004 e que, em 2009, aquele valor cresceu mais de 50% em relação a 2007, de forma que a edificação residencial representou 23,9% do crescimento da ―Construção de edifícios‖ no período 2007-2009. O valor das obras de cunho comercial, por sua vez, tem crescido de forma tão acentuada que embora envolva um montante muito menor que o das edificações residenciais, tem contribuído de forma relevante para o desempenho do grupo. A sua contribuição ao crescimento, seja ao segmento de Edificações (CNAE 1.0), seja ao de Construção de Edifícios (CNAE 2.0), superou o da própria construção residencial até 2007 e o valor total das obras comerciais tem batido, nos últimos anos, o valor das obras para fins industriais, ampliando a sua importância relativa ano a ano. Passando aos serviços prestados por empresas do segmento, o desdobramento dos produtos da construção civil, adotado junto à CNAE 2.0, irá permitir o acompanhamento da evolução tanto do valor dos serviços de montagem de edificações residenciais e não75 Faz-se notar o menor número de empresas classificadas como Incorporadoras pela PAIC que pela RAIS. Em 2009 eram contabilizadas 330 incorporadoras com 50 ou mais empregados na RAIS contra 132 na PAIC (com 30 ocupados ou mais), que considera não apenas a auto-classificação da atividade principal da empresa, mas também a proporção do valor agregado na atividade específica de incorporar, em relação ao total, para fins de classificação. 163 residenciais como do das reformas e manutenção daqueles dois tipos de edificações. O acompanhamento do valor desses serviços auxiliará na avaliação tanto da utilização de préfabricados nas edificações brasileiras como da profissionalização do segmento de reformas e manutenção predial, que em geral aceita-se como fortemente informal. Como é observável nos dados, o valor real das obras de todos esses serviços cresceu substancialmente entre 2007 e 2009 – 100% nos ―Serviços de Montagem de Edifícios Nãoresidenciais Pré-fabricados‖, 189,5% nos de ―Montagem de Edifícios Residenciais Préfabricados‖, 18,2% nos serviços de ―Reforma ou Manutenção de Edifícios Nãoresidenciais‖ e 109,8% nos de ―Reforma ou Manutenção de Edifícios Residenciais‖. A contribuição mais relevante ao crescimento do grupo ―Construção de Edifícios‖, se deu, entretanto, apenas pelos ―Serviços de Reforma e Manutenção de Edifícios Nãoresidenciais‖, que por envolver um volume maior de recursos, contribui mais aos resultados do segmento. Vale observar, finalmente, que ainda que a CNAE versão 2.0 tenha desdobrado tanto o número de sub-setores de atividade da Construção, como o número de produtos a serem objeto de observação, a soma dos resultados parciais na versão 2.0 não leva aos resultados da classificação anterior. Na correspondência entre a CNAE 2.0 e a 1.0, IBGE (2010) indica como principal diferenciação a exclusão dos resultados da ―Construção de Instalações Esportivas e Recreativas‖ ao ar livre e a administração de obras na versão mais nova – o que não deve corresponder integralmente à diferença de montante observado. 164 Tabela 11. Valor total das obras e/ou serviços do setor de edificações, das empresas com 30 ou mais ocupados, por tipo de obra ou serviço (R$ milhões de 2009*). 2003 a 2007. 2005 2006 2007 Edificações 44.913 49.211 48.490 Edificações residenciais 22.897 25.905 22.744 Edificações industriais 7.019 7.750 7.765 Edificações comerciais 4.831 4.439 7.041 Outras edificações não-residenciais 7.690 9.823 9.598 Partes de edificações 864 471 578 Instalações desportivas 321 400 370 Montagem de edificações pré-fabricadas 1.291 423 393 Participação no valor total das obras e/ou serviços Edificações 100,0 100,0 100,0 Edificações residenciais 51,0 52,6 46,9 Edificações industriais 15,6 15,7 16,0 Edificações comerciais 10,8 9,0 14,5 Outras edificações não-residenciais 17,1 20,0 19,8 Partes de edificações 1,9 1,0 1,2 Instalações desportivas 0,7 0,8 0,8 Montagem de edificações pré-fabricadas 2,9 0,9 0,8 Composição do crescimento (em %) das Edificações Edificações -5,1 9,6 -1,5 Edificações residenciais -4,9 6,7 -6,4 Edificações industriais -0,3 1,6 0,0 Edificações comerciais 2,3 -0,9 5,3 Outras edificações não-residenciais -2,9 4,7 -0,5 Partes de edificações 1,1 -0,9 0,2 Instalações desportivas -0,4 0,2 -0,1 Montagem de edificações pré-fabricadas -0,1 -1,9 -0,1 2003 2004 48.917 22.628 8.603 4.268 11.922 617 525 354 55.881 25.702 7.685 8.954 12.860 96 228 356 100,0 46,3 17,6 8,7 24,4 1,3 1,1 0,7 100,0 46,0 13,8 16,0 23,0 0,2 0,4 0,6 0,9 -0,2 1,7 -5,7 4,8 0,1 0,3 -0,1 14,2 6,3 -1,9 9,6 1,9 -1,1 -0,6 0,0 Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PAIC/IBGE. *Deflator: SINAPI/IBGE 165 Tabela 12. Valor total das obras e/ou serviços de Incorporação e de produtos do setor de Construção de Edifícios, das empresas com 30 ou mais ocupados (R$ milhões de 2009*). 2007 a 2009. Incorporação de empreendimentos imobiliários executados por terceiros Construção de edifícios Edifícios comerciais (shoppings, supermercados, lojas, etc) Edifícios industriais (fábricas, oficinas, galpões industriais, etc) Edifícios não-residenciais não especificados anteriormente (hospitais, escolas, hotéis, garagens, estádios, etc.) Edifícios residenciais Estações de embarque e desembarque (rodoviárias,aeroportos, portos, estações de metrô e trens, etc.) Serviços de montagem de edifícios não-residenciais pré-fabricados Serviços de montagem de edifícios residenciais pré-fabricados Serviços de reforma ou manutenção de edifícios não-residenciais Serviços de reforma ou manutenção de edifícios residenciais 2007 2008 2009 3.363 39.328 6.067 6.579 4.329 2.041 46.068 8.043 7.691 4.474 2.954 59.280 10.409 8.959 6.724 18.247 260 20.351 1.187 27.630 419 182 81 3.251 332 271 109 3.579 364 364 235 3.842 697 Participação no valor total das obras e/ou serviços Incorporação de empreendimentos imobiliários executados por terceiros Construção de edifícios 100,0 100,0 100,0 Edifícios comerciais 15,4 17,5 17,6 Edifícios industriais 16,7 16,7 15,1 Edifícios não-residenciais não especificados 11,0 9,7 11,3 Edifícios residenciais 46,4 44,2 46,6 Estações de embarque e desembarque 0,7 2,6 0,7 Serviços de montagem de edifícios não-residenciais pré-fabricados 0,5 0,6 0,6 Serviços de montagem de edifícios residenciais pré-fabricados 0,2 0,2 0,4 Serviços de reforma ou manutenção de edifícios não-residenciais 8,3 7,8 6,5 Serviços de reforma ou manutenção de edifícios residenciais 0,8 0,8 1,2 Crescimento das Incorporações e Composição do crescimento (em %) da Construção de Edifícios Incorporação de empreendimentos imobiliários executados por terceiros -39,3 44,7 Construção de edifícios 17,1 28,7 Edifícios comerciais 5,0 5,1 Edifícios industriais 2,8 2,8 Edifícios não-residenciais não especificados anteriormente 0,4 4,9 Edifícios residenciais 5,3 15,8 Estações de embarque e desembarque 2,4 -1,7 Serviços de montagem de edifícios não-residenciais pré-fabricados 0,2 0,2 Serviços de montagem de edifícios residenciais pré-fabricados 0,1 0,3 Serviços de reforma ou manutenção de edifícios não-residenciais 0,8 0,6 Serviços de reforma ou manutenção de edifícios residenciais 0,1 0,7 Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PAIC/IBGE. *Deflator: SINAPI/IBGE Na busca de dados de lucratividade, a Tabela 13 traz informações sobre o valor adicionado, os Gastos com pessoal e, por diferença entre os primeiros 76, o Excedente Operacional Bruto da divisão ―Construção de Edifícios‖ e seus grupos, por tamanho de empresa, segundo a PAIC. Trata-se de uma aproximação grosseira, já que os Gastos com 76 O Excedente Operacional Bruto foi calculado pela diferença entre o valor adicionado e o gasto com pessoal, conforme a ótica da renda, em que se avalia o produto segundo a remuneração do trabalho e do capital. 166 pessoal da PAIC, como já explorado, também incluem parte da remuneração do capital (―retiradas e outras remunerações‖). Observa-se que o ano de 2008, marcado pela intensificação da crise, foi muito duro para as empresas que se dedicaram exclusivamente à Incorporação. A recuperação em 2009 não foi suficiente para o EOB retornar ao nível de 2007, porque o próprio valor adicionado refluiu. As Construtoras, por sua vez, apresentaram uma ampliação da remuneração do capital (após as “retiradas e outras remunerações”) em ambos os tamanhos de empresas e, mais uma vez, o conjunto de maiores empresas teve resultado superior ao das menores. Para as empresas de 5 a 29 ocupados, o avanço do valor adicionado em 21,5% e dos Gastos com pessoal em 16,6%, resultou numa elevação, real, de 24,7% do Excedente Operacional Bruto. Para as empresas de 30 ou mais ocupados, esses percentuais vão para 52%, 55,9% e 48,3% ou seja, ainda que tenha ocorrido um avanço proporcionalmente maior dos Gastos com pessoal, a massa de lucros das maiores empresas se elevou praticamente duas vezes ao verificado para as pequenas empresas. O desempenho relativo mostra, então, como também apontado em outras estatísticas, que as maiores empresas apresentaram melhores resultados para o capital entre 2007 e 2009. Tabela 13. Valor Adicionado, Gastos com Pessoal e Excedente Operacional Bruto da divisão Construção de Edifícios e seus grupos (R$ milhões de 2009*). 2007 a 2009. Valor adicionado Gastos com Pessoal Excedente Operacional Bruto 2007 2.008 2009 2007 2008 2009 2007 2008 2009 29.024 29.636 37.631 11.589 13.243 16.442 17.435 16.393 21.189 2.609 2.138 2.846 444 461 450 2.166 1.677 2.395 8.089 2.002 6.087 7.802 741 7.061 8.027 631 7.396 2.621 244 2.376 2.495 117 2.378 2.922 152 2.770 5.469 1.758 3.711 5.307 624 4.683 5.104 478 4.626 18.325 19.696 26.758 1.445 734 1.101 16.881 18.962 25.657 Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PAIC/IBGE. *Deflator: SINAPI/IBGE 8.525 353 8.172 10.287 245 10.042 13.069 326 12.743 9.800 1.091 8.709 9.409 489 8.920 13.689 775 12.914 Todas as empresas Construção de edifícios – total 1 a 4 Pessoas Ocupadas Construção de edifícios – total 5 a 29 Pessoas Ocupadas Construção de edifícios – total Incorporação e empr. Imob. Construção de edifícios 30 ou mais Pessoas Ocupadas Construção de edifícios – total Incorporação e empr. Imob. Construção de edifícios 167 A estrutura de custos do conjunto de Construtoras e Incorporadoras pode elucidar mais sobre a organização da produção. Na Tabela 14 (abaixo), verifica-se que no período de 2007 a 2009 as parcelas dos custos operacionais das empresas de 30 ou mais ocupados que mais ganharam peso foram as referentes às despesas com terrenos e à utilização de serviços de terceiros e de autônomos. A elevação dos gastos com terrenos deve derivar tanto do mix de obras, uma vez que a localização é fundamental os empreendimentos residenciais e comerciais que ganharam espaço no período, como do próprio ciclo imobiliário, em que os preços da terra urbana também se elevam. As empresas menores, com 5 a 29 ocupados, também tiveram ganho de peso da terceirização nos custos, mas não dos gastos com terrenos, já que em grande proporção elas próprias devem ser ―terceiras‖. No período, os materiais de construção e combustíveis e lubrificantes contribuíram para a contenção do crescimento dos custos, e não o contrário. Faz-se notar, entretanto, o peso dos materiais na composição de custos da Edificação ─ cerca de um terço do total. Esta alta participação mostra que inovações nos insumos e nas relações construtorfornecedor de materiais podem render ganhos relevantes de eficiência ao setor. As incorporadoras exclusivas (que tem terceiros edificando seus empreendimentos) com 30 ou mais ocupados tiveram variação negativa dos custos reais, e as menores positivas. As empresas de 5 a 29 ocupados apresentarem custos crescentes com as terceirizações, o uso de empresas de serviços de engenharia e arquitetura e com os terrenos ─ o que combina com as informações prévias de pior aproveitamento do ciclo pelas pequenas Incorporadoras. Mais uma vez o custo de materiais perde importância frente aos demais, para ambos os tamanhos de empresas. Os gastos com pessoal, a despeito de terem pressionado os custos de ambos os tipos de empresas, pesam mais em média e tiveram um crescimento mais acentuado na estrutura de custos das pequenas empresas, o que pode estar associado ao processo de formalização. Entre as ―outras despesas‖, destacou-se os gastos financeiros (somado às despesas monetárias passivas), mostrando que embora as notícias sejam de maior endividamento das firmas, ao menos até 2009, as condições particularmente favoráveis ao setor e as novas formas de financiamento permitiram que aquelas despesas não crescessem na estrutura mais geral de custos das empresas ─ maiores, ou menores. 168 Nota-se que uma proporção muito grande da massa salarial concentra-se nos baixos salários mais de 75% da massa salarial do segmento referir-se-ia a pagamentos de trabalhadores que receberiam até 5 salários mínimos. Os altos salários – acima de 10 salários mínimos ─ representariam apenas 12% da massa salarial em 2010, mas o que ocorre é que enquanto os trabalhadores pior remunerados apresentaram um ganho de participação na massa salarial do segmento de 0,18%, os de altos salários tiveram sua participação majorada em 1,21%. Essa elevação da participação ―dos extremos‖ se deu em contrapartida à queda de participação dos salários intermediários (de 5,01 a 10 salários mínimos). É importante lembrar que os maiores rendimentos aqui apresentados não contemplam os bônus anuais, as retiradas e a remuneração dos membros do Conselho Administrativo o que é captado parcialmente nos ―Gastos com pessoal‖ da PAIC, assim como ambos os dados não captam a informalidade. Tabela 15. Proporção (%) das faixas salariais (medidas em Salários Mínimos) na massa salarial do segmento formal de Construção de Edifícios. 2006 e 2010. Faixas salariais, segundo o Salário Mínimo Até 1 de 1,01 a 1,50 de 1,51 a 2,00 de 2,01 a 3,00 de 3,01 a 4,00 de 4,01 a 5,00 de 5,01 a 7,00 de 7,01 a 10,00 de 10,01 a 15,00 de 15,01 a 20,00 Mais de 20,00 2006 1,69 16,93 21,23 23,28 8,45 4,71 6,39 6,60 4,52 2,16 4,05 2010 Variação no período 1,90 0,21 19,74 2,81 23,84 2,61 19,08 -4,20 7,55 -0,89 4,36 -0,35 5,79 -0,60 5,80 -0,80 4,77 0,25 2,40 0,24 4,77 0,72 Fonte: Elaboração da autora, com base em RAIS/MTE. Ainda com dados da PAIC, dos anos de 2007 a 2009, as aquisições de ativos imobilizados pelo segmento de Construção de Edifícios (Incorporadoras e Construtoras) 77, um indicativo de investimento bruto apresentado na Tabela 16 (abaixo), ficaram em torno de 5,5% do Valor Agregado para as empresas relativamente maiores, e perto de 7% para as empresas de 5 a 29 ocupados. A aquisição de terrenos e edificações recuou no total de aquisições das empresas de maior porte, mas não no caso das menores. O nível 77 Contabilizados pela aquisição líquida de ativos (aquisições diminuídas das baixas) registrados na PAIC. 170 proporcional de gastos com estes ativos pelas menores empresas, aliás, é proporcionalmente muito maior que para as maiores, corroborando a ideia de que os terrenos comprometem fortemente a capacidade de investimento dessas empresas. A contraparte do comportamento dos gastos com terrenos é a aquisição de máquinas e equipamentos, meios de transporte e outros. As grandes empresas voltaram parcelas crescentes dos recursos à aquisição daqueles ativos, possivelmente refletindo o próprio ciclo de produção, o que não se verifica com as menores empresas. Entre as grandes empresas, como se verá, deu-se uma intensa corrida para a aquisição de terrenos entre 2006 e 2007 para gerar ―Valor Geral de Vendas‖ (VGV), um indicador de ―metros quadrados a serem construídos‖, a partir de um banco de terrenos, muito valorizado pelo mercado financeiro, por dimensionar a possibilidade de crescimento dos negócios. Nos anos seguintes, embora a compra de terrenos tenha se mantido como um importante gasto das empresas (o que se reflete na crescente participação nos custos da produção, observados na Tabela 14, acima), o andamento das obras também comprometeu capital para a sua execução, na forma de aquisição de máquinas, equipamentos e meios de transporte. Os dados de investimento líquido, em contraposição ao investimento bruto, mudam a intensidade dos gastos, sem mudar substancialmente o seu perfil. Por haver um gasto substancial em ―melhorias‖ dos ativos, especialmente entre as maiores empresas, nos terrenos e sobretudo nas máquinas e equipamentos, o investimento líquido se eleva como proporção do valor adicionado em 0,8% entre as empresas relativamente maiores e em 0,7% entre as empresas de 5 a 29 ocupados. 171 Tabela 16. Estrutura dos investimentos brutos e líquidos das empresas da divisão Construção de Edifícios segundo a variação do ativo imobilizado. 2007 a 2009. Empresas com 30 ou mais ocupados 2007 2008 2009 2007 2008 2009 Investimento bruto: aquisição de ativos imobilizados % do Valor Adicionado 6,5 7,0 7,0 5,4 5,9 5,2 % do total de aquisições 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Terrenos e edificações 72,5 71,8 76,4 57,5 49,7 47,3 Máquinas e equipamentos 10,0 8,6 8,4 15,4 22,4 25,1 Meios de transporte 12,3 13,9 11,8 15,4 16,9 16,5 Outras aquisições 5,2 5,7 3,4 11,7 11,0 11,1 Investimento líquido: aquisição + melhorias - baixas do ativo imobilizado % do Valor Adicionado 5,2 6,4 5,9 3,8 4,4 4,6 % do total de aquisições 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Terrenos e edificações 72,3 71,0 74,8 50,9 43,4 43,3 Máquinas e equipamentos 11,0 8,7 8,9 19,3 27,4 33,0 Meios de transporte 10,5 14,3 12,5 15,8 17,8 14,0 Outras aquisições 6,2 6,0 3,8 14,0 11,4 9,7 Empresas de 5 a 29 ocupados Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PAIC/IBGE. A produtividade nas obras, medida a partir do pessoal ocupado assalariado ligado à construção nas Construtoras (não levando em consideração a atividade das incorporadoras de atuação exclusiva), por sua vez, pouco evoluiu entre 2007 e 2009. Houve o crescimento de 1% no valor adicionado por ocupado no caso das empresas de 5 a 29 ocupados (ou 0,52% ao ano), e 1,9% no caso das empresas com mais de 30 ocupados (0,94% ao ano). Em 2007, engenheiros do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) em entrevista a Mendes et al (2007) diagnosticavam, mais uma vez, que o mal da Edificação local não era o difícil acesso à tecnologia, mas a sua aplicação inadequada: Mitidieri – Querer reduzir prazo e custo é salutar, desde que se mantenha o foco na qualidade. A questão tecnológica está bem resolvida, temos muitas opções. Falta, sim, qualificação para aplicar bem esse produto na obra. Há uma dissociação entre a tecnologia disponível e a capacitação de quem aplica, usa esses materiais. Não é só instalador, mestre e oficiais. Os engenheiros também precisam ser capacitados para usar as alternativas tecnológicas dentro dos parâmetros desse tripé. Thomaz – O domínio da tecnologia está com o fornecedor. O construtor perdeu esse domínio. As obras não estão mais no controle das construtoras, foi tudo terceirizado. Há 200, 300 pessoas no canteiro e só quatro ou cinco são da construtora. Até o empreiteiro tem os seus terceirizados. As construtoras não se deram conta de que estão perdendo know-how. As construtoras estão se tornando meras atravessadoras na arte de construir. (grifo nosso) 172 Além de fazer utilização da terceirização espúria, que já se viu pertinente ao atual padrão de acumulação mesmo nos países desenvolvidos, acredita-se que há uma sinalização negativa em relação à remuneração dos profissionais aptos a industrializar a construção, transformando os canteiros de obra em algo mais próximo a uma linha de montagem. O diferencial de salários dos engenheiros que trabalhavam em Construtoras e Incorporadoras, já apresentado, com base nos dados da RAIS 2009 (mais de 35% em favor dos últimos, segundo a Tabela 9), mostra que “os sinais de mercado” vão em direção à atuação na consecução do negócio imobiliário e não na área técnica, nas obras. Assim, ter uma indústria de insumos que traz inovações ao segmento de Edificações é necessário, mas não suficiente, para promover a industrialização da Construção. Se materiais modernos forem incorporados nas obras sem o planejamento, a racionalização da logística interna e externa à obra, como assinalavam Farah (1996) e Sabbatini (1998), ou mesmo para o empresário que assinalou que a industrialização dos anos 1970 teria sido ―irresponsável‖, ela não ocorrerá. A este respeito, a situação da virada dos anos 2010 guarda alguma semelhança à modernização descrita como irresponsável, dos anos 1970. Os brasileiros vêm registrando inúmeras reclamações a respeito da qualidade dos imóveis que vêm recebendo ─ que são entregues com diversos tipos de patologias, que vão desde o revestimento das fachadas caindo, a rachaduras e infiltrações que podem comprometer a estrutura dos prédios (ROCHA, 2012). Alguns profissionais apontam regressão na qualidade das edificações erigidas: a demanda crescente de serviços de assistência técnica das incorporadoras contrastaria com os ―bons‖ índices obtidos na década anterior (1990), decorrentes da implantação de programas de gestão da qualidade à época (ROCHA, 2012). É importante ressaltar, ainda, que tal como já observado em outros segmentos, um sócio de um escritório de arquitetura português que estaria se instalando no Brasil, no final da década de 2000, dizia que estava se adaptando às condições de produção local, utilizando as tecnologias já difundidas, para poder compatibilizar os seus custos ao da concorrência. Ou seja, a modernização esperada pela participação de estrangeiros no 173 mercado local é enganosa, pois em certa proporção, os estrangeiros se adaptam à forma de acumulação local, e não o contrário. 3.4. As Incorporadoras com ações negociadas em Bolsa O texto que segue trata das grandes empresas do setor de Edificações brasileiro que têm ações negociadas na BM&FBovespa, e que na verdade em geral são grupos verticalizados, que exploram tanto a Incorporação quanto a Construção. O objetivo da seção é captar a natureza do capital que tem reorganizado o setor e o seu potencial transformador em termos produtivos, segundo as suas estratégias de crescimento. O propósito da análise é menos discutir a trajetória individual das empresas e mais de verificar o potencial transformador que essas estruturas teriam sobre o setor. Para tanto, são apresentadas três subseções. A primeira trata da conjuntura enfrentada por essas empresas, entre 2005 e 2011, marcando três momentos importantes: a definição dos grandes players pelo mercado de capitais; a crise de 2008 e seus desdobramentos, que envolve um primeiro movimento de consolidação do setor e o lançamento do Programa ―Minha casa, minha vida‖; e, a entrega do primeiro conjunto de ―produtos‖ do ciclo – momento que reflete a pouca organicidade do crescimento dos negócios, materializada em produtos de baixa qualidade e na queda de rentabilidade das empresas devido o pouco controle sobre o processo de expansão dos negócios; cabendo algumas notas, inclusive, a respeito do papel das pequenas e médias empresas na evolução dos negócios. Na segunda subseção, observa-se as empresas de Edificações listadas na BM&FBovespa ao final de 2011, sua importância relativa na economia brasileira e a composição do capital naquele momento, recuperando alguns movimentos passados, de forma a captar, sobretudo, o movimento de alguns estrategistas de fundos internacionais que favoreceram o desenvolvimento dessa nova fonte de financiamento para as empresas locais e seus desdobramentos. A terceira subseção dedica-se a observar, de forma breve, o histórico de cinco daquelas empresas, as vantagens competitivas e as estratégias declaradas para o enfrentamento da concorrência, de forma a identificar a importância atribuída, por elas próprias, à modernização gerencial/produtiva no seu processo de crescimento. 174 Mais uma vez, a referência a casos particulares é apresentada como uma proxy do movimento mais geral que vem reorganizando o setor. 3.4.1. Conjuntura, consolidação e produtos do ciclo de expansão A conjuntura do setor de Edificações no período aqui tratado foi marcada em grande parte pelo ânimo do ―Sistema Financeiro Internacional‖, pela política monetária local, e, com a crise de 2008, pela política fiscal adotada pelo governo brasileiro, que contemplou especificamente o setor, com incentivos que incluíram o programa ―Minha casa, minha vida‖, que ampliou fortemente os gastos já programados com a habitação em relação ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de 2007. O ―clima‖ entre 2006 e 2007 foi de euforia. Ainda que o financiamento à produção empresarial de edificações pelo SFH tivesse crescido desde 2005, o mercado de capitais, cujo acesso é limitado às grandes empresas, passou a ser uma importante fonte de liquidez ao setor. Os OPAs (Oferta Pública de Aquisição, ou IPOs, na sigla em inglês – Initial Public Offering) das empresas do setor, a emissão de debêntures, e mesmo as operações de private equity, foram novas formas de capitalização que alavancaram as possibilidades de oferta de edificações no Brasil, mas que também trouxeram às empresas uma nova preocupação: “dar respostas ao investidor”. De fato, mesmo antes da abertura de capital, as empresas do setor já se preocupavam em adquirir terrenos e gerar ―Valor Geral de Vendas‖ com vistas a uma operação de abertura, na maioria das vezes endividando-se para isso (D'AMBROSIO e TORRES, 2011). O Quadro 3 (abaixo) ilustra, ainda que parcialmente, esse estado de ânimo dos mercados, em relação à Construção, com dados das Ofertas Públicas de Ações realizadas na BMF&Bovespa, desde 2007, disponíveis no sítio da instituição. Mesmo que com números parciais, verifica-se que as empresas arrecadaram em 2007 mais de 6 bilhões e meio de Reais em emissões primárias e secundárias de ações – não chegando à mesma cifra nos anos posteriores78. Vale notar, por outro lado, que o valor médio por operação se elevou 78 Segundo reportagem no jornal Valor Econômico, a captação de recursos nas aberturas de capital do setor imobiliário entre 2006 e 2007 teria chegado a R$ 11 bilhões. Até maio de 2011, essa cifra, acumulada, chegaria aos R$ 20 bilhões (Valor Econômico, 18/05/2011). 175 construção é relativamente longo e a necessidade de crédito para o giro das operações se tornou premente para algumas empresas quando houve a retração do mercado de capitais e o setor bancário também passou a dificultar o acesso ao crédito. O aperto da liquidez seguido ao estouro da bolha do subprime foi praticamente fatal para as empresas mais alavancadas no último trimestre do ano. A este respeito é interessante apresentar a leitura da crise das Incorporadoras de Luiz Paulo Pompéia, diretor da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp). Para ele, mesmo antes da crise, os lançamentos de luxo superaram a demanda. Lembrando dos OPAs e dos inúmeros lançamentos que os seguiram, afirmou: ―A euforia deixou os empreendedores meio cegos. Agora têm problemas de liquidez, não pela crise, mas por erro de produto‖ (O Estadão de São Paulo, 09/08/2009). O ritmo acelerado de negócios exigido pelo mercado de capitais, sem dúvida, propicia enganos do lado da oferta. Lima Júnior (2007) já havia alertado para o ―consenso equivocado‖ em torno do VGV como parâmetro de crescimento dos negócios, formador de preços das ações, no mercado financeiro. A constituição de grandes bancos de terrenos por trás do VGV imobilizava recursos que poderiam ser importantes para o desenvolvimento das obras, para a melhoria técnica e organizacional da produção e poderia se revelar equivocada, inclusive, em relação ao perfil da demanda futura, gerando descasamentos como o sugerido pelo diretor da Embraesp. O professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo tentava levar a lógica produtiva a indicadores que seguiam a lógica financeira. Os formadores desse ―consenso‖, investidores ―globalizados‖, com provável observação do desempenho em outros booms imobiliários, apostavam que atrás da sua sanção ao mercado brasileiro e com o ―ressurgimento‖ do SFH, os ciclos de crédito à produção e imobiliário se instaurariam, e eles se valeriam da variação de preços dos ativos que se abriria ─ o que de fato ocorreu na sequencia, com o impulso da política fiscal que se seguiu à crise. A primeira empresa a não conseguir esconder os problemas em 2008 foi a Tenda que, ao ter seu caixa considerado insuficiente para suportar a expansão de negócios projetada, presenciou uma queda abrupta do valor das suas ações e sofreu com a negativa de financiamento dos bancos. Seu fim foi a incorporação pela Gafisa, no início de setembro de 2008, que com a aquisição acabou por reforçar as suas atividades no segmento de 177 média/baixa renda – fortalecendo a Fit Residencial, seu ―braço econômico‖79. Em situação semelhante, a Brascan, que já havia incorporado a goiana MB Construtora, adquiriu também a Company – ambas as operações envolvendo complexos esquemas de troca de ações entre as empresas. Foi um período em que as Incorporadoras e Construtoras preocupavam-se em divulgar estratégias de reequacionamento do caixa até mesmo para ter acesso a mais liquidez. Neste movimento alguns estrangeiros se posicionaram. O grupo Paladin fez um aporte de R$180 milhões no capital da Inpar, reforçando sua posição no mercado brasileiro, e o Fundo IV, da empresa Equity International Properties de um renomado expert nas finanças imobiliárias internacionais (Samuel Zell) reforçou o caixa da Gafisa em R$ 50 milhões, de quem já era associado desde 2005, aumentando a participação na Incorporadora. A consolidação do setor era um movimento esperado. Segundo Fabiana Fakhoury, diretora da consultoria Alvarez & Marsal, por época da incorporação da Company S.A. pela Brascan, haveria mais de 20 empresas do segmento imobiliário listadas na Bovespa, enquanto nos países desenvolvidos o número não passaria de 6 a 8, o que ensejaria um processo de consolidação forte e rápido (BERTASSO, 2008). O que ocorria, entretanto, é que a própria profundidade da crise dificultava o processo de consolidação – o valor dos terrenos, o valor geral de vendas dos lançamentos e a dimensão dos gastos necessários para executá-los seriam incógnitas num momento de forte oscilação de preços (FRANK, 2008). A Cyrela, então maior empresa do segmento, estava negociando a aquisição da Agra desde junho de 2008, suspendeu o negócio com as fortes oscilações de mercado em outubro daquele ano (VALOR ECONÔMICO, 07/10/2008). Mesmo o negócio entre a Brascan e a Company, anunciado no início de setembro, foi assinado apenas no final de outubro de 2008, gerando alguma expectativa no mercado. A relativa rapidez com que o governo anunciou medidas para solucionar o problema de liquidez entre as grandes Incorporadoras, criando linhas especiais de capital de giro, com novas condições de financiamento na Caixa Econômica Federal e no BNDES (com recursos do Tesouro), permitiu que as empresas mais problemáticas conseguissem uma sobrevida até que se firmassem novos negócios. O anúncio do 79 como o mercado chama os segmentos de média-baixa renda. 178 ―Minha casa, minha vida‖ em abril de 2009 reforçou o ânimo dos agentes financeiros a apostar no setor de Edificação residencial e nova rodada de fusões e aquisições se abriu – em um contexto de mudança do perfil da demanda, em direção a um mercado pouco conhecido pelas Incorporadoras mais tradicionais, que haviam sobrevivido, até então, da construção para a média e alta renda. Segundo os grandes veículos de informação, as apostas sobre o melhor aproveitamento daquele mercado iriam em direção à MRV, à Gafisa (que havia absorvido a estratégica Tenda) e à PDG Realty (através de seu braço ―econômico‖ – a Goldfarb). A Cyrela e a Rossi estariam se reposicionando para se apropriarem da nova configuração da demanda – a última com a vantagem de já ter desenvolvido, anteriormente, produtos a famílias de média e média-baixa renda. O BNDES anunciou um programa de fortalecimento do setor da Construção, apoiando o processo de consolidação do setor. A primeira operação (e não há notícia clara de outras) foi com a PDG, em que o BNDESPAR iria comprar R$ 155 milhões de debêntures, conversíveis em ações, a serem emitidas pela Incorporadora. Com os recursos captados a PDG anunciou que poderia adquirir empreendimentos imobiliários ou a participação em outras empresas do setor (VALOR ONLINE, 26/03/2009). Seguindo no movimento de consolidação entre ―as grandes‖, ainda em dezembro de 2008 começam a surgir notícias de negociações do investidor espanhol Enrique Bañuelos de Castro, que fez fortuna no segmento imobiliário espanhol, com a Agra e a Abyara (empresa com forte problema de caixa), pretendendo unir várias empresas do setor em uma holding. Bañuelos respondia processo na Espanha por manipulação de preço das ações da Astroc, empresa que lá fundou, e no Brasil havia perdido credibilidade depois de desistir da compra do Complexo da Costa do Sauípe, na Bahia, no dia da assinatura do contrato (BERTASSO, 2011). Através da sua empresa ―Veremonte Participações‖, em fevereiro de 2009, Bañuelos ficou com 70% da Abyara e os 30% restantes ficaram com a Agra (BERTASSO, 2011) – sendo o negócio condicionado à solução das dívidas de curto prazo da empresa (o que Bañuelos parecia saber tratar com destreza). A Abyara tinha um banco de terrenos apropriado para empreendimentos residenciais de baixa renda, mas por seus problemas financeiros não tinha acesso aos financiamentos da Caixa Econômica Federal – um recurso importante naquele momento. 179 Em abril de 2009, Bañuelos e a Agra comunicaram negociações para assumir o controle acionário da Klabin Segall, que também estaria em situação financeira difícil, e numa complicada operação financeira acabou surgindo, em junho de 2009 a Agre (Amazon Group Real Estate) – marca escolhida para batizar o grupo de empresas que reúnia Agra, Abyara e Klabin Segall, sob o comando de Bañuelos. A Abyara representava 20,2% do capital da Agre; a Agra, 49,2% e a Klabin Segall, 30,5%. Pelo resultado da composição acionária, a Veremonte (de Bañuelos) ficaria com cerca de 22%, a Agra com 11% e a Cyrela – que detinha participação de 21% na Agra - com 11% (D‘AMBROSIO, 2009). Pouco depois da formação da holding, entretanto, a Cyrela vendeu sua participação ao grupo (D‘AMBROSIO, 2009c). Em 2010 a Agre foi absorvida pela Incorporadora PDG, de quem então Banüelos passou a ser o maior acionista individual (ONAGA, 2010). Assim a PDG passou a ser a maior Incorporadora brasileira, ultrapassando a tradicional Cyrela. Certamente os recursos obtidos junto ao BNDESpar, e mesmo a credibilidade que aquela operação conferiu à PDG junto ao mercado de capitais e bancário, auxiliou na absorção da Agre. Do ponto de vista governamental, o apoio ao segmento privado se justificava porque a “quebra” de empresas do tamanho da Abyara ou da Klabin Segall questionaria o ciclo imobiliário que estava se desenvolvendo como a quebra da Encol, na virada do século já havia ensinado. É interessante notar que o setor público buscou uma solução de outra natureza para manter as condições do ciclo que se desenhava. Em outubro de 2008, no calor da crise, foi editada uma Medida Provisória (MP 443), que além de favorecer linhas especiais de capital de giro ao setor, já mencionadas, permitia a compra (de ações) de empresas da Construção Civil, que tivessem em situação de risco por problemas de liquidez, pela Caixa Econômica Federal (RODRIGUES, 2008). A repercussão entre os empresários foi muito ruim e logo surgiram pressões no Congresso para modificações no teor da MP. Assim, não houve estatização de empresas do setor, como os empresários sugeriram que iria ocorrer, mas ―privatização‖ de recursos públicos para que os ―ativos ruins‖ mudassem de mãos no setor privado, antes que um processo de quebra interrompesse o ímpeto de crescimento do mercado imobiliário. 180 É possível afirmar que o que houve no período foi um forte crescimento do setor, mas pouco orgânico. Previa-se que haveria consolidação, absorção das empresas mais frágeis pelas mais fortes, mas mesmo as “maiores” vêm se mostravam fragilizadas no início da década de 2010 (VALOR ECONÔMICO, 18/05/2011), com caixas apertados e quedas importantes de margens de lucro, tendo como reflexo a queda nas cotações em bolsa mais forte que nos demais mercados. Os dados de perda de ímpeto do Excedente Operacional Bruto das Incorporadoras, explorados na seção 3.3., já seriam um indício de condições de mercado mais difíceis; e a baixa qualidade do produto da Edificação, explorado na mesma seção, a materialização da desorganização produtiva. A Tabela 18 mostra o desempenho frustrante dessas empresas em 2011, retratados nas cotações médias das ações. A Tabela traz a variação anual nominal do Ibovespa e do Imob, índice especial criado para as empresas do setor imobiliário, em dólares (!), divulgada pela própria BM&FBovespa. Verifica-se que em 2008 e em 2011 o desempenho das empresas de Edificações foi pior que das empresas em geral, representadas pelo Ibovespa. O melhor ano para o segmento foi o de 2009, quando a intervenção estatal dava boas perspectivas ao segmento, se encaminhava o processo de consolidação e a paralisia do mercado em outras economias reafirmava o segmento no Brasil como um espaço importante de valorização, havendo entrada importante de estrangeiros no mercado brasileiro; o que prossegue em 2010, mas arrefece em 2011. Sendo a Edificação muito sensível às condições de financiamento, não se deve descartar os impactos, não apenas dos resultados pretéritos do próprio setor, mas da política monetária restritiva do primeiro semestre de 2011; das sinalizações de controles de capital no Brasil; da piora constante do ânimo do investidor externo como elementos que influenciaram no movimento mais geral de queda de cotações; e que podem penalizar de forma ainda mais intensa a Construção já bastante internacionalizada. Valem as ―regras‖ apresentadas pelos ―investidores‖, apresentadas na seção 1.2.2.3. do estudo. Da mesma forma, a má performance no mercado de capitais tem impactos nas estratégias das empresas, o que se avaliará nas próximas subseções. 183 Tabela 18. Variação anual nominal do Ibovespa e do Imob em dólares (final de período). 2001 a 2011. Período 2007 2008 2009 2010 2011 (*) Ibovespa 43,65 -41,22 82,66 1,04 -17,94 Imob n.d. -69,23 205,03 10,46 -27,71 Fonte: BMF&Bovespa. Acesso em janeiro de 2012. *Dados até dezembro. Na área operacional, segundo reportagem sobre o setor, em meados de 2011 colocava-se para as empresas o dilema entre continuar crescendo e sacrificar a lucratividade, ou “acelerar menos” e melhorar os resultados (VALOR ECONÔMICO, 18/05/2011) – dilema amplificado para as empresas com ações em bolsas, já que a administração das empresas se vê dia a dia pressionada pelo conjunto ―mais qualificado‖ de investidores, que se manifesta na oferta e demanda das ações a crença, ou não, na condução do negócio. A Cyrela, por exemplo, ainda que uma das mais tradicionais Incorporadoras/Construtoras brasileiras, e segunda maior em vendas em 2010, apresentou margem líquida de lucro no quarto trimestre de 2010 comparável à das empresas que foram absorvidas entre 2008 e 2009, como a Klabin Segall, Inpar ou Agra (VALOR ECONÔMICO, 30/3/2011). A MRV, mesmo tendo tradição no mercado de baixa-renda, também se mostrou surpresa diante dos estouros de orçamento das obras e decorrente compressão de margens (VALOR ECONÔMICO, 18/05/2011). As justificativas para a queda na rentabilidade estariam na pressão de custos. Ocorre, entretanto, que o mau desempenho não se deu de forma uniforme entre as empresas de Edificações − as grandes empresas foram tomadas de assalto especialmente pelo rombo dos orçamentos das obras “terceirizadas” (MOURA, 2011 b). No caso da Cyrela chegouse a avaliar que o crescimento do déficit orçamentário das obras empreendidas por parceiros foi mais que o dobro do verificado para as tocadas pela própria empresa − evidenciando, no olhar da Cyrela, a baixa eficiência dos parceiros (D‘ABROSIO e CARVALHO, 2011). Não por acaso, tal como a Cyrela, foi crescente a comunicação ao mercado de que as empresas estariam verticalizando suas operações, recuando na estratégia de terceirização. 184 Segundo Reis (2011), por outro lado, a verticalização em muitos casos, poderia ser uma ―realidade de mercado‖ porque na verdade estaria ocorrendo uma relativa escassez de empreiteiros. O dilema das empresas de edificações estaria entre o custo, ainda menor da terceirização, e o treinamento interno, que compensaria o custo mais elevado do emprego direto com ganhos de produtividade física. Haveria reivindicações do setor, inclusive, para desenvolver meios legais de instituir a remuneração variável, por produtividade, aos empregados da Construção, o que reduziria o diferencial de custos que os empreiteiros em geral obtém pela não observação das leis trabalhistas (que as contratantes ignoram) e estimularia os ganhos de produtividade física (REIS, 2011). A experiência Europeia e Norte-americana, explorada no capítulo 1, contesta a ligação direta entre flexibilidade de regras trabalhistas e ganhos de produtividade. Ressalta-se, por sua vez, que a opção pela contratação de pessoal próprio e treinamento exige tanto fôlego financeiro, até que os resultados se consumem, como a perspectiva de uma demanda duradoura, que garanta o aproveitamento deste investimento com o prosseguimento dos negócios. Além das parcerias/subcontratações com empresas menores, outro problema enfrentado pelas grandes Construtoras/Incorporadoras no período foi a integração de operações no caso das fusões e aquisições entre “pares”. O caso mais explícito foi o da incorporação da Tenda pela Gafisa, em 2008 e seus desdobramentos. A primeira era uma empresa especializada na produção de edificações para a baixa renda, considerada um ativo importante para a nova configuração da demanda, como se viu, gerando, à época, altas nas cotações da Gafisa mais expressivas que para outras Construtoras/Incorporadoras. Segundo analistas, passado certo tempo percebeu-se que além de a Tenda não representar o ―conhecimento de atuação na baixa renda‖ que se previa, carregou para a Gafisa toda sorte de problemas como um modelo de vendas desconhecido, terrenos e projetos com entraves ambientais e/ou legais, etc. (RAGAZZI, 2011 e RAGAZZI, 2011 b). Ou seja, a consolidação, em ritmo acelerado, deixou marcas. O contexto monetário de 2011, já citado, também deve ter dificultado e encarecido as captações de recursos, ampliando o custo financeiro das empresas. O crescimento acelerado dos negócios em geral se associou ao endividamento das empresas − seja para 185 dar andamento a empreendimentos específicos, seja para a aquisição de empresas (como no caso da Gafisa − RAGAZZI, 2011 e MONTEIRO e CAMBA, 2011), e o impacto das condições monetárias desfavoráveis pode ter sido mais um elemento de deterioração dos resultados individuais. Como em 2008, no primeiro semestre de 2011 o padrão de acumulação que recompensa a alavancagem no ciclo ascendente, pune fortemente o agente endividado do descenso. O que gerou algum conforto às empresas e aos ―investidores‖ foi a reversão da política monetária local no segundo semestre de 2011. Deve ser objeto de maior investigação, inclusive, essa característica da empresa da Edificação internacionalizada. O pesquisador Fernando Ferreira de Araújo Souza mostra em artigo o forte avanço do endividamento das empresas de “Real State” brasileiras no ciclo de 2007 a 2011, em relação ao padrão de outros setores (ARAÚJO SOUZA, 2012), retratando possivelmente, um padrão não específico ao caso brasileiro, mas do capital mais geral que está organizando este setor. Um custo que tem se elevado bastante, como já citado exaustivamente neste estudo, mas que raramente executivos do setor citam, a menos que para solicitar a parceria do setor público, é o dos terrenos urbanizados. Como explorado, os bancos de terrenos significam para ―o mercado‖ a base para o ―Valor Geral de Vendas‖ potencial da empresa, ou seja, um horizonte/limite ao seu crescimento e, estando os terrenos mais caros devido a valorização imobiliária, as empresas podem estar comprometendo cada vez mais recursos para mantêlos ―a gosto dos investidores‖. Essa tese é difícil de ser captada em dados, mas evidências levam a que se acredite na sua veracidade. Uma das Incorporadoras de capital aberto no Brasil, a EZTEC, divulgou em seu sítio planilhas com resultados dos empreendimentos e da empresa como um todo − numa delas apresentando o percentual que o custo do terreno representa no conjunto do empreendimento. A empresa declara 80 (como diversas outras) que o terreno é um dos principais custos da incorporação imobiliária, já que, independentemente da forma que é desembolsado, contabilmente o seu custo é considerado como incorrido desde o início do empreendimento. Os dados apresentados pela empresa, por empreendimento, são pouco conclusivos em relação à elevação do seu preço no tempo, seja porque os terrenos tiveram 80 http://www.mzweb.com.br/EZTec2009/web/conteudo_pt.asp?tipo=26870&idioma=0&conta=28. Acesso em março de 2012. 186 sua compra concentrada no tempo, seja pelas diferentes localizações, seja porque a forma de pagamento foi diferenciada (compra em dinheiro, permuta, etc.), seja porque as características dos empreendimentos foram se adaptando às condições de custo desse insumo, refletindo em alteração na sua proporção dos custos totais. Observa-se nos dados da empresa, por exemplo, clara tendência de queda da área-útil dos empreendimentos ao longo do tempo para a média e média-alta renda. Dos dados divulgados pela empresa (EZTEC) vale assinalar a participação média do custo do terreno por segmento de mercado, tomando os empreendimentos lançados de 2005 a 2011: para o segmento de alta renda, 29,3% dos custos se refeririam ao preço do terreno; para a média-alta renda, 17,8%; para a média, 12,2%; para o segmento econômico, 11,4%; para o super econômico, 3,1%. Ou seja, este custo é decrescente em relação ao padrão do público a que serve, porque a localização, a área-útil das unidades, o padrão do material muda conforme o público a que o empreendimento serve. O baixíssimo custo relativo dos terrenos dos empreendimentos voltados ao segmento ―super econômico‖ também se deve à sua baixa qualidade. Um pequeno empresário do setor diz que “o caro” nos empreendimentos do “Minha casa, minha vida”81 não seria o terreno, mas a “urbanização mínima” exigida pelo Programa, já que as áreas em que os conjuntos residenciais têm sido empreendidos estão no entorno das cidades. A forte elevação dos gastos em ―melhoria nos ativos imobilizados‖ (no caso os terrenos) identificados a partir dos dados da PAIC (na discussão da Tabela 16, acima), coincide com essa informação em termos agregados. Segundo o mesmo empresário, a alta dos serviços da Construção tem levado a custos crescentes dessa ―urbanização mínima‖ dos empreendimentos, o que estaria inviabilizado vários dos negócios do ―Minha casa, minha vida‖ em que não se estabelece parcerias com o setor público. A este respeito, é importante destacar o papel dos critérios de qualidade das habitações embutidos nos Programas públicos de subsídio como o ―Minha casa, minha vida‖ e mesmo de financiamentos com base no FGTS. Virgilio (2010) fez um estudo comparativo da política de financiamento habitacional mexicana e brasileira recente e mesmo que de certa forma enalteça, como FGV (2007), o programa mexicano, admite o descaso com a qualidade dos empreendimentos. A política habitacional local, que teria 81 foram 5 empreendimentos lançados para esse segmento no interior de São Paulo, o primeiro em outubro de 2008. 187 contemplado explicitamente a ―organização da ocupação do solo e da infraestrutura necessária‖ como forma de rebaixar os custos da habitação de interesse social, levou a um resultado questionável: Nas comunidades mexicanas, muitos são os problemas que a população enfrenta em relação ao modelo de empreendimento escolhido, qual seja, a implantação de grandes núcleos habitacionais de até 2.000 unidades, distantes dos centros urbanos. No que se refere à infraestrutura, nem sempre se observa a existência de abastecimento adequado de água e coleta de esgoto, e na maioria dos casos há grandes dificuldades de acesso, devido à inexistência de transporte público ou às enormes distâncias que a população necessita percorrer, seja no deslocamento de casa ao local de trabalho, seja dentro do próprio empreendimento, o que é bastante oneroso. Apesar de mostrar-se correto sob o ponto de vista da produção, gerando ganhos nos processos em termos de escala, de fato, esse modelo de empreendimento causou impacto negativo no que se refere à mobilidade urbana. A opção ocorreu devido à necessidade de grandes áreas para implantação, disponíveis a valores acessíveis justamente por estarem nas periferias das cidades. Por meio de legislação específica para resolver problemas fundiários, o governo mexicano conseguiu disponibilizar grande número de glebas nessas regiões periféricas para aplicação de sua política habitacional e expansão das áreas urbanas. (VIRGILIO, p. 66, grifo nosso) No caso brasileiro, os Programas mantém exigências mínimas de infraestrutura e mesmo de qualidade das unidades residenciais, mas para serem mantidas (se é que estão!), o grande capital está recorrendo às benesses do Estado. A Direcional Engenharia é uma das poucas incorporadoras que têm persistido nas obras da faixa 1 do Programa ―Minha casa, minha vida‖, que se destina à habitação de famílias de renda mensal de zero a três salários mínimos, firmando acordos com os poderes públicos municipal e estadual que minimizam o custo da terra urbanizada em conjuntos habitacionais cada vez maiores. Em uma reportagem do jornal Valor Econômico explicita-se essa relação, e a concessão do setor público em direção aos grandes conjuntos habitacionais, já tão criticados pelos urbanistas: Quando o programa foi concebido, a idéia do governo e dos empresários que participaram de sua formatação era fazer apartamentos para as famílias com até três salários dispersos pela malha urbana. Cem unidades numa quadra; 200 em outra e assim por diante. Mas as dimensões mudaram. ‗A Direcional, de alguma forma, provocou isso com o nosso projeto em Manaus com 9 mil unidades. No início, eles [no governo] se assustaram e aprovaram 3.500; há quatro meses aprovaram mais 5.500‘, 188 conta. Além do imenso "Meu Orgulho", de Manaus - empreendimento de mais de R$ 500 milhões e que se transformou na maior vitrine da habitação popular da Direcional -, outros grandes projetos tocados pela empresa estão no Rio (2.260 unidades), Neves, em Minas, (1.600), Amapá (2.200) e outro que será iniciado em Brasília, com 6.400 unidades. ‗Os Estados estão ajudando, às vezes doam terrenos, doam a infraestrutura para as unidades para fechar a conta. A conta da Caixa é praticamente para habitação e foi feita para lotes urbanos. Mas quando você faz uma cidade nova, o preço que a Caixa define é insuficiente‘, diz. Construir rede de água e esgoto, meio fio, asfalto, estação de tratamento de água e de esgoto, além de escola, postos de saúde, toda essa infraestrutura, não sai por menos do que R$ 10 mil a R$ 12 mil por unidade. No grande projeto de Manaus, o governo do Amazonas doou o terreno para as obras e ainda entrou com R$ 9 mil por unidade para a infraestrutura; em Macapá, diz Gontijo, o projeto da Direcional, o governo deu parte da infraestrutura além do terreno; no Rio, o terreno já foi entregue urbanizado pelo governo; em Belo Horizonte, a prefeitura vai ajudar com R$ 10 mil; em Porto Velho, haverá recursos públicos adicionais para a infraestrutura. ‗Os governos dos Estados estão participando junto com o governo federal, praticamente todos eles estão vendo que acabar com favela, resolver saúde, educação, é o melhor investimento que eles podem fazer e isso também tem um ganho político muito grande’, diz. (MOURA E SOUZA, 2012) Ou seja, retoma-se o padrão de expansão das cidades já tão criticado nos anos 1970, aliando interesses do capital imobiliário e do setor público, em suas diversas esferas. A este respeito, é importante notar que também é grande o movimento privado em torno da expansão das cidades. Há intensa movimentação em torno do segmento que desenvolve loteamentos, igualmente capitaneado pelo setor financeiro, para ―suprir‖ o mercado deste ―recurso escasso‖. Essa seria uma estratégia (a ser observada) privada de ampliação da longevidade do ciclo imobiliário. Uma publicação especializada no setor explicita o olhar ―do mercado‖: O problema crônico de infraestrutura nas grandes cidades, aliado à escassez de terrenos e à baixa qualidade de vida, criou o cenário ideal para o setor de loteamentos: são poucos os habitantes das metrópoles que não sonham em morar em um condomínio longe do caos urbano. As empresas de loteamentos, responsáveis pela etapa de urbanização destas áreas, vivem hoje um processo de profissionalização para acompanhar o avanço do mercado, e não devem ser as únicas personagens desta história. Outros atores pretendem explorar este nicho, como fundos de private equity e 189 incorporadoras, que veem este mercado como a próxima fronteira a ser desbravada no setor de construção brasileiro. (GÓMEZ, 2005, grifo nosso) São solicitadas mudanças legais para que o setor privado avance na organização, se não “criação de cidade inteiras”, como propõe um empresário: A gente entende que o poder público hoje não tem capacidade de planejamento da expansão urbana e nem da gestão do espaço público, então a gente acha que as comunidades planejadas, os bairros planejados, as cidades planejadas, podem ser uma solução em termos urbanísticos e de qualidade de vida para as pessoas. As comunidades planejadas são pensadas para os próximos 50 anos, então o empresário deve garantir a qualidade do espaço urbano porque é ele que vai lucrar com a valorização dessas terras. 82 É importante citar, também, como outro fator apresentado como fonte de desajuste dos caixas das empresas (sobretudo das menores), e que não teria ocorrido em 2008 por o ciclo ainda estar nas etapas iniciais de desenvolvimento, a dificuldade de repasse dos financiamentos das empresas para a Caixa Econômica Federal. Muitas vezes as construtoras financiam a obra e ao entregá-la, a Caixa Econômica Federal assume o financiamento diretamente com os adquirentes, e a Incorporadora recebe o que adiantou ao cliente − e é este repasse que tem sido mais demorado que o previsto pelas Incorporadoras. Embora reconheça-se o empenho, e relativo sucesso do banco no processo de desburocratização e a importância da criação da figura do "correspondente bancário", por época do lançamento do Programa ―Minha casa, minha vida‖, em que o banco credenciou algumas empresas do setor (as maiores, entre elas, MRV, Cyrela, Goldfarb, Rossi e Gafisa) para organizar grande parte dos processos de solicitação de financiamento, a centralização da análise de crédito na Caixa Econômica Federal estaria retardando, ou mesmo inviabilizando alguns repasses, especialmente às menores empresas (VALOR ECONÔMICO, 23/11/2011). As estratégias apresentadas para contornar o problema da baixa rentabilidade foram várias. 82 Entrevista disponível na PINIWEB : http://www.piniweb.com.br/construcao/mercado-imobiliario/especialista-acreditano-crescimento-de-supercondominios-e-propriedades-fracionadas-no-254430-1.asp, sob o título ―Especialista acredita no crescimento de supercondomínios e propriedades fracionadas no Brasil‖, realizada em 23 de Março de 2012, pela jornalista Ana Paula Rocha. Acesso em abril de 2012. 190 Em alguns casos de forma explícita, em outros, de forma velada, deu-se o recuo no avanço em direção à baixa renda, em busca de maior rentabilidade − Gafisa, Cyrela e PDG são exemplos de empresas que declararam essa mudança estratégica. A mudança de foco das incorporadoras parecia ser geral. A PDG já havia assumido que o foco de 2011 seria a classe média (imóveis acima de R$ 250 mil), que garantia maior rentabilidade que o segmento de renda mais baixa em um ambiente de inflação de custos (VALOR ECONÔMICO, 31/05/2011). Outra medida divulgada por várias empresas foi a busca de técnicas poupadoras de mão de obra (VALOR ECONÔMICO, 23/11/2011). No pacote de estratégias adotado pelas construtoras para controlar custos, aumentar a produtividade e evitar gargalos que voltassem a atropelar o crescimento dos negócios estava a compra de equipamentos, inclusive importados (QUENTÃO, 2011). MRV, Cyrela, Gafisa e Direcional estariam investindo na compra de gruas, escoras, andaimes e elevadores para não depender da disponibilidade e do preço cobrado pelas empresas de aluguel de material pesado. Também teria acentuado o uso de técnicas de pré-fabricação, como o uso de formas de alumínio. Esse tipo de declaração inspira a confiança de que uma aceleração do processo de mecanização/modernização estaria por vir (ainda que por pressões típicas de mercado), que talvez marcasse o ―salto‖ da Edificação brasileira, depois de transcorridos cinco anos de crescimento – o que pode ser relativizado. Em relação às técnicas de pré-fabricação, que têm sido anunciadas e implementadas com alguma freqüência, elas são comumente aplicáveis em grandes obras, ou em projetos replicáveis, comuns nas edificações residenciais para a baixa renda, que como se viu, está sendo questionada como negócio pela pressão de custos. Além disso, e a exemplo do que se viu na década de 1970, essas técnicas podem ser mal empregadas e marcar um processo de modernização que se exaure no tempo se não desencadearem movimentos organizacionais mais consistentes. O uso de formas de alumínio, por exemplo, não é simples. São artefatos de alto custo; variando o seu preço conforme as suas características, que refletem em maior ou menor qualidade do produto final; que só se aplicam em obras padronizadas, com escala mínima e; a mão de obra tem que ser treinada a fim de que o concreto (que tem que ter qualidade padronizada) preencha toda a forma, sem deixar bolhas, através do uso adequado 191 de vibradores, assim como para a limpeza das formas, que deve ser cuidadosa para que não reduza tanto a qualidade das operações seguintes, como a vida útil do equipamento. Não são poucas as notícias do mau uso do equipamento, que resulta em paredes com bolhas, que têm que ser regularizadas com massa depois de desenformadas, ou de fôrmas que são inutilizadas ao receber marteladas para a remoção de restos de concreto, ou outro tipo de tratamento inadequado. Além disso, o alto custo exige o uso intensivo do artefato, em mais de um empreendimento, para que o investimento seja amortizado, o que requer confiança no prosseguimento das obras – a depender da continuidade do subsídio à demanda e da viabilidade dos custos da obra ao preço pré-estabelecido das residências. Alguns empresários têm optado por locar tais formas, mas o estado de conservação pode não ser o ideal e exigir retrabalhos que minimizam os ganhos projetados pelo uso do equipamento. Uma parede cheia de bolhas, por exemplo, além de exigir o preenchimento das falhas, acaba exigindo uma camada de reboque ou de massa fina para regularizar a sua aparência, gerando perda de tempo, majorando o custo da obra. O aprofundamento do processo de mecanização, como anunciado, pode estar ocorrendo, inclusive, apenas entre as grandes empresas, como sugerem os dados da PAIC (Tabela 16). A informação de queda da produção física de máquinas para a Construção do IBGE (Gráfico 29) indica, a menos esteja sendo mais que compensada pela elevação da importação de equipamentos, uma desaceleração da demanda deste tipo de bem, e não o contrário. A visão financista de algumas Incorporadoras acaba por reforçar a idéia de que parte da modernização que está sendo promovida pode ser momentânea e mesmo que os ―anúncios‖ na grande imprensa de medidas pró-modernização podem ter um caráter propagandístico. A declaração de um diretor da Gafisa, que também declarou a compra de equipamentos em outra entrevista, enseja essa idéia: O diretor de construção da Gafisa, Mário Rocha, afirma que a empresa prefere investir no próprio negócio do que aumentar o patrimônio com equipamentos, mas estuda pontualmente a compra de determinados materiais. A Gafisa comprou 12 mil escoras metálicas da China, que tem vida útil de 15 obras e cujo custo se amortiza em uma obra e meia. A companhia também está com uma fábrica de blocos dentro do canteiro e usinas de concretos em regiões mais distantes, como Maranhão. (D‘AMBROSIO, 2010; grifo nosso) 192 Um movimento de industrialização, conforme Sabbatini (1998), somente ocorreria se espraiasse por todo o setor, alterando, inclusive, o padrão de relação entre as empresas, o que não parece ser o caso. Farah (1996) também já havia apontado para um setor nos anos 1980 em que a existência de grandes e modernas empresas não era suficiente para superar a ―ineficiência‖ média do segmento. Como as pequenas e médias empresas se apropriaram, então, deste ciclo de crescimento? Ainda que várias possam ter mantido estratégias de crescimento isolado, aparentemente, a parceria com as grandes foi uma forma importante de participação do ciclo ascendente ─ o que mostram os dados da própria PAIC, explorados na Tabela 14. Em uma reportagem sobre o setor afirma-se: Desde que as grandes empresas abriram capital, nos últimos cinco anos, e precisaram apresentar resultados, investimentos e maior volume de vendas ao mercado, as pequenas e médias construtoras buscaram mais negócios para oferecer parcerias. ‗As pequenas empresas viram ali uma oportunidade de ampliação de mercado. Como as grandes precisavam maior volume de investimentos para cumprir metas e mostrar eficiência ao mercado financeiro, construtoras menores, mas com experiência no mercado, enxergaram oportunidades de ampliar seus horizontes‘, explica Antonio Carlos Moraes Rego, diretor comercial da Comasa, uma empresa com 84 anos no mercado carioca. (MOURA, 2011) Na mesma reportagem, afirma-se ainda que embora a demanda por parcerias fosse crescente por parte das grandes empresas, as pequenas e médias abriam disputa por contratos, comprimindo os preços acordados – o que pode explicar os recentes ―rombos‖ nos orçamentos. Ou seja, as grandes privilegiavam, em geral, o baixo custo na subcontratação/parceria, o que não tem relação com um ambiente de parceria, que incentiva o ganho de produtividade para o conjunto do setor, como Sabbatini (1998) solicitava na virada dos anos 2000. O trunfo das grandes empresas, segundo um empresário do ramo, era o acesso ao financiamento, que dava margem de negociação inclusive para a aquisição do principal insumo: Quando as grandes se capitalizaram, não dava mais para competir com elas. Se você fosse disputar um terreno com uma grande, perderia porque eles tinham mais poder de negociação […] (VALOR ECONÔMICO, 25/02/2011). Outro pequeno empresário do segmento aponta a dificuldade na disputa : 193 Para Luis Vairo, um dos principais desafios das pequenas incorporadoras é comprar bons terrenos. "Em condições normais, os corretores levam os terrenos primeiro para as grandes empresas. Quando chega até nós, é porque todo mundo já recusou, por isso temos que achar caminhos alternativos pra encontrar boas áreas", afirma o executivo. Ele conta que a empresa compra um terreno a cada 100 avaliados, e muitas vezes há ainda um processo difícil de negociação depois que a área é encontrada. "Temos que convencer o dono do terreno do por que ele tem que fazer a permuta com a Sabiá, e não com uma das grandes empresas", diz. (REIS, 2012, grifo nosso) É possível inferir que as parcerias estabelecidas em mercados menos explorados (fora da região Sudeste) possam ter se dado em condições mais favoráveis ao empresário local, já que este detinha vantagens importantes a oferecer à grande incorporadora como conhecer os melhores terrenos, saber como aprovar projetos na prefeitura e conhecer as exigências do plano diretor da cidade (MENDES, 2011). Em notícias mais recentes há informações que o mercado de capitais através de fundos de investimentos, empresas de private equity, e outros estariam abrindo alternativa de financiamento a empresas de menor porte da Edificação residencial, mas muitas delas se viam desestimuladas a estabelecer essas parcerias pela ingerência dos agentes financeiros nos seus negócios e mesmo pelos altos custos que incorreriam (face o tamanho das empresas) para manter o controle financeiro das operações que esses agentes exigiriam. Há, assim, um processo de competição encarniçada em que as empresas menores teriam certa dificuldade de subsistência independente das grandes ─ estratégias de nicho, atuação regional, são saídas para a sobrevivência. Um movimento relacionado ao setor, que também poderá afetar o andamento dos negócios é a consolidação das “imobiliárias”, empresas especializadas na venda e locação de imóveis, que têm ampliado sua operação inclusive em termos regionais. No mercado diz-se que a centralização dos negócios em grandes imobiliárias (com destaque para a LPS Brasil − a ―Lopes‖ − e a Brasil Brokers, empresas com ações negociadas na BM&FBovesopa) permitirá uma avaliação mais adequada da demanda, pois as informações estarão concentradas nas mãos de poucos − o que favoreceria as pequenas e médias incorporadoras (FERREIRA, 2011). Resta saber qual o ―custo‖ destas informações e se as grandes incorporadoras, mesmo com equipes próprias de vendas, não terão acesso privilegiado a essas informações. 194 3.4.2. A composição do capital Esta seção apresenta a composição do capital das empresas do setor que tinham ações negociadas em bolsa, no final de 2011, recuperando, quando conveniente, o histórico de alguns dos ―sócios‖. A idéia central é apontar o caráter financeiro deste capital, menos afeito aos ganhos operacionais que ao ganho patrimonial mais geral − que muitas vezes nem mesmo mira o lucro imobiliário, na acepção de Monteiro Filha (2010), mas a variação dos preços das ações para satisfazer sua necessidade de valorização rápida. A Tabela 19 traz as 17 empresas com ações negociadas em bolsa em dezembro de 2011, listadas pela BM&FBovespa no setor ―Construção e Transporte‖, sub-setor ―Construção e Engenharia‖, segmento ―Construção Civil‖, com a chancela ―Novo Mercado‖83 e dedicadas, inclusive (mas não necessariamente de forma exclusiva), à Construção/Incorporação de empreendimentos residenciais. Na Tabela as empresas estão ordenadas segundo a receita líquida de vendas dos três primeiros trimestres de 2011 e têm, além de sua atividade principal declarada à BM&Bovespa, o Ativo total em setembro de 2011, a data de constituição da empresa, de registro na CVM e de início das operações com cotação unitária. A maior parte dessas empresas já foi citada na subseção anterior. Nota-se que a grande maioria das empresas, 11 delas, passou a ter registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e cotação unitária no ano de 2007, ou seja, que tiveram sua primeira oferta pública de ações (OPA) naquele ano. Seis (6) empresas com ações negociadas em 2011 não haviam realizado sua primeira OPA em 2007: Cyrela e Rossi passaram a ter ações negociadas na década de 1990 (a primeira em 1996 e a segunda em 1997); Gafisa, Brookfield Incorporações (então denominada ―Brascan‖) e Company (atualmente no grupo Brookfield) passaram a ter cotação unitária em 2006 e a Direcional passou a ter cotação individual em 2009. A abertura da Cyrela e da Rossi na década de 1990 é sintomática, já que ocorrem em um ambiente abertura financeira do país. 83 com exceção da empresa Company, que na verdade foi incorporada pela Brookfield,e passou a ser denominada Brookfield São Paulo Empreendimentos Imobiliários S.A. em julho de 2009, mantendo cotação independente, mas não no Novo Mercado. 195 Quanto à origem do capital, nos documentos apresentados na BM&FBovespa 84 todas as empresas apresentadas na Tabela 19 teriam capital de origem nacional. Na Valor 1000, como visto na Tabela 17, a Viver, que até abril de 2011 chamava-se ―Inpar”, é a única Incorporadora que a origem do capital é registrada como estrangeira – mais especificamente, norte-americana. Investigando nos documentos da BM&FBovespa, onde a Viver tem como país de origem o Brasil, verifica-se que o Paladin Prime Residential Investors (Brazil) aparece como principal acionista – com 39,96% das ações ordinárias da empresa. A Paladin Realty Partners85, 86 é uma gestora norte-americana de private equity do segmento imobiliário, constituída em 1995, com investimentos no próprio país e na America Latina, que movimentaria cerca de US$ 5 bilhões nesses mercados, e comprou o controle da Inpar no começo de 2009, quando a empresa enfrentava sérios problemas de liquidez, além de, na época, ampliar sua participação na Even. Segundo a Revista Istoé Dinheiro (MATTOS, 2009) a Paladin tinha ativos na ordem de US$ 88 bilhões em 2008 e pretendia destinar entre US$ 500 milhões e US$ 800 milhões (menos de 1% dos ativos, portanto) para os mercados do México e do Brasil – com preferência ao último. A crise nas economias desenvolvidas, os baixos preços dos ativos nos países em desenvolvimento, incentivavam os investimentos na periferia. Segundo a reportagem, o Brasil seria então o principal alvo de ―investimentos‖ nas américas: É uma questão de escolhas. O braço direito de Worms, Philip Fitzgerald, tem dito que o México já se tornou um mercado maduro demais e a Argentina está com uma oferta de negócios limitada. No Chile as margens de lucro são tão estreitas que poucos ativos despertam interesse. Na falta de adversários de peso, e pelas condições locais, o Brasil saiu na frente. Essa clara inclinação cresceu depois da crise de liquidez que congelou investimentos. Há um movimento de ajuste das tabelas, com construtoras declinando da opção de compra de terrenos por causa da falta de recursos no mercado. A Paladin quer aproveitar essa fase para ir às compras. Já adquiriu ações da InPar e Even Construtora. Com a InPar, deu uma tacada de mestre. Em dezembro, os americanos colocaram R$ 180 milhões na construtora, com vendas paradas e lançamentos adiados. Como parte do trato, o fundo se tornará controlador do grupo caso a família não exerça a opção de compra de um conjunto de 84 acesso em dezembro de 2011. http://www.paladinrp.com/about_us.php, acesso em janeiro de 2012. 86 http://www.mzweb.com.br/viver/web/mobile/conteudo_mobile.asp?idioma=0&conta=28&tipo=38487, janeiro de 2012. 85 acesso em 197 ações emitidas em 2008. Sem recursos, a família não exercerá o direito e deve perder o comando. (MATTOS, 2009; grifo nosso) Afora o Paladin, verifica-se que outros grupos tiveram o inicio das suas operações na América Latina no México, cujo boom imobiliário começou antes ao ocorrido no Brasil. Passaram a vir para o Brasil em busca de novos ativos que confeririam altos rendimentos aos investidores dos fundos que administram (abertos ou fechados). Os dados de origem do capital seja da Valor 1000, seja da própria BM&FBovespa (disponíveis no sítio da Bolsa em dezembro de 2011) instigam, assim, maior investigação, já que a imprensa divulga constantemente a participação de estrangeiros no setor, não coadunando com a realidade de apenas uma grande empresa do segmento ter origem do capital estrangeira, no caso do Valor 1000, ou nenhuma, no caso da BM&FBovespa. Reforçando a curiosidade a respeito da origem do capital dessas empresas, o Gráfico 33 apresenta a participação de recursos de estrangeiros nos OPAs apresentados na Tabela 19 (para aqueles em que havia anúncio de encerramento da oferta de capital no sítio da BM&FBovespa). A proporção média de recursos estrangeiros captados nessas ofertas foi de 63% do total ─ com uma notável queda no ano de 2010 e recuperação em 2011. Gráfico 33. Proporção de recursos estrangeiros nas Ofertas Públicas de Ações – BMF&Bovespa. 120 100 % 80 60 40 20 0 Fonte: BMF&Bovespa. Acesso em dezembro de 2011. *Dados dos anúncios de encerramento Vale, assim, investigar a composição acionária dessas empresas, o que é possível fazer a partir dos dados da Tabela 20, que traz os acionistas que detém 5%, ou mais, das 198 ações ordinárias das empresas em setembro de 2011, conforme divulgado pela BM&FBovespa. Em geral, além dos sócios pessoa-física, ou das empresas de tipo ―Ltda‖ que os representa, observa-se a importante presença de gestoras de recursos com participações minoritárias, o que não significa que tenham pouca influência nas estratégias das empresas de que detém capital, e mesmo nas demais empresas do setor, que desejam ter acesso aos seus recursos líquidos. Na Tabela 20 estão destacadas as gestoras de recursos que aparecem como acionistas em mais de uma Construtora/Incorporadora. São seis empresas – quatro de capital estrangeiro (duas norte-americanas, uma francesa e uma associada a um banco suíço) e duas brasileiras. A Blackrock Inc é conhecida como uma das maiores gestoras independentes de recursos do mundo, de origem norte-americana (com início de atividades em 1988), que gerenciava ativos que remontavam cerca de US$ 3,65 trilhões87 em março de 2011, nas mais diversas praças financeiras – entre eles, ativos imobiliários. Ela mantinha participações nas tradicionais Cyrela (5,3% das ações ordinárias) e Rossi (6,3%), assim como na PDG (7,2%). O valor total de ativos movimentado por essa gestora é tão impressionante que supera o PIB, estimado pelo FMI 88, da Alemanha, quarta maior economia do mundo em 2011, que chegaria a US$ 3,63 trilhões (superado apenas o PIB estimado para os EUA, de US$ 15,06 trilhões; China, de US$ 6,99 trilhões; e para o Japão, de US$ 5,86 trilhões). A Janus Capital Management LLC 89 é uma das gestoras de capital que fazem parte do Janus Capital Group Inc, constituído em 1969 nos EUA, e movimentava cerca de US$ 141 bilhões em setembro de 2011. A gestora possuía participação na Cyrela (5,2% das ações ON) e na MRV (5,3%) em setembro de 2011. A Carmignac Gestion é uma gestora de ativos francesa, fundada em 198990, com mais de € 45 bilhões em ativos transacionados, que detinha 7,8% do capital da Cyrela e 7,1% da Rossi. 87 http://www.blackrockinternational.com/AboutUs/Overview/index.htm?. Acesso em janeiro de 2012. http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2011/02/weodata/index.aspx; acesso em janeiro de 2012. 89 https://ww3.janus.com/institutional/jiam?command=whoWeAre&wt.svl=our_firm_top_nav. http://ir.janus.com/overview.cfm . Acesso em janeiro de 2012. 90 http://www.carmignac.co.uk/. Acesso em janeiro de 2012. 88 199 A Credit Suisse Hedging-griffo91 Corretora de Valores S.A. é uma gestora de recursos ―brasileira‖ que se formou em dezembro de 2006 da associação entre a Corretora Hedging-Griffo, formada nos anos 1980, e o banco Credit Suisse, de origem suíça − que atua em 54 praças financeiras, passou a operar no Brasil em 1990 e adquiriu um dos bancos de investimentos mais agressivos do Brasil em 1998 (o Banco Garantia). O Credit Suisse Hedging-griffo detinha 9,1% das ações ON da Tecnisa, 7,5% da Helbor, 5,3% da Viver e 10,9% da Rodobens. A Tarpon detinha 5% do capital da Cyrela e 15% da Direcional. Trata-se de uma gestora brasileira de recursos, criada em 2002, que adquire participações em empresas com ações negociadas em bolsa (abordagem de public equity) ou de capital fechado (abordagem de private equity), que teria movimentado R$ 5,5 bilhões em ativos em 2010 92. A Tarpon e a GP investimentos são as únicas gestoras ―brasileiras‖ a terem seu próprio capital negociado em bolsa (BM&FBovespa). A Polo Capital tinha participação na Trisul e na Viver – com uma proporção importante em ambos os casos, 14,4% na primeira e 10,9% na segunda. Tal como a Tarpon, é uma gestora brasileira, criada em 2002, e possuía um patrimônio sob sua gestão de cerca de R$ 2,5 bilhões93. Estas gestoras são as que detinham 5% ou mais das ações de mais de uma Construtora/Incorporadora ―brasileira‖ em setembro de 2011 – o que não exclui a possibilidade de terem participações menores em outras empresas do setor, ou que outras administradoras de recursos também participem do capital das empresas citadas, em proporção igualmente menor que 5%. Observa-se, por exemplo, que nos documentos da BM&FBovespa ao final de 2011 o grupo Paladin destacava-se como acionista apenas da Viver, e não da Even, conforme existiam informações em 2009 − ou por a participação já ter se reduzido de 2009 a 2011, ou por ter sido desde sempre inferior a 5% das ações ordinárias, parcela mínima determinada pela BM&FBovespa para que se divulgue a participação nominal. 91 https://br.credit-suisse.com/ e https://www.credit-suisse.com/global/en/. Acesso em janeiro de 2012. http://www.tarponinvest.com.br/, acesso em janeiro de 2012. 93 http://www.polocapital.com/swf/site.php, acesso em janeiro de 2012. 92 200 A justificativa mais óbvia para essas gestoras participarem em mais de uma das empresas do mesmo setor seria a diversificação de riscos em um setor que, no geral, deve apresentar resultados favoráveis. De forma mais sutil, um dos sócios da Polo Investimentos afirma que quando se espera a consolidação do setor, se posicionar em mais de uma empresa pode significar ganhos extra em função das fusões e aquisições que ocorrerão no futuro. (VALENTI, 2011). A participação das gestoras com um percentual importante de ações na administração direta, ou no conselho das empresas, influencia as suas diretrizes − são chamadas pelo mercado de ―fundos ativistas‖, que influenciam na gestão das empresas em que apostaram. Sendo esses fundos gestores de capital financeiro, é razoável supor que exijam das empresas produtivas desempenho semelhante ao de ativos financeiros de forma genérica − ou seja, mesmo no caso brasileiro, em que se pratica uma altíssima taxa de juros, a remuneração do capital em operações imobiliárias, de maior risco, requer uma rentabilidade ainda maior que aquela taxa. A importância dos fundos nas empresas produtivas brasileiras é crescente, como reporta um artigo do periódico ―ISTOÉ Dinheiro‖: O novo cenário do mercado de capitais brasileiro deve permitir uma maior participação e tornar mais atuantes os fundos ativistas nos próximos anos. Segundo dados da Bovespa, 47 empresas, entre as 125 listadas no Novo Mercado, não têm controladores definidos, o que amplia a possibilidade de ativistas assumirem um papel mais relevante, sem precisar enfrentar as resistências de acionistas majoritários (BAUTZER, 2011). Os interesses financeiros, deste ponto de vista, podem superar os propostos pela administração operacional das empresas, mesmo que esta seja, em alguns casos, majoritária. Um caso citado seria o da Rodobens, empresa da Construção, listada na BM&FBovespa: Um bom exemplo da influência dos ativistas brasileiros está na construtora paulista Rodobens Negócios Imobiliários, controlada pelo grupo Verdi, de São José do Rio Preto. No fim de 2010, a empresa enfrentava problemas graves de geração de caixa e alto endividamento. Construía empreendimentos sem antes garantir o financiamento por bancos e ficava com os imóveis na mão. Em suma: a Rodobens era o patinho feio entre as incorporadoras na bolsa. 201 O conselheiro Mauricio Levi, representante da Fama Investimentos, que detém uma participação de 11,3% na companhia, insistia com Waldemar Verdi, controlador e presidente do Conselho, para mudar as coisas. Desde dezembro, a empresa passou por uma verdadeira revolução. Praticamente toda a diretoria mudou. […] Um agressivo plano de reestruturação, que começou pela área financeira e se estendeu a todos os processos, começa a dar resultados. ‗Reavaliamos tudo o que estávamos fazendo‘, diz Borges. ‗Paralisamos algumas obras e desaceleramos os lançamentos até colocar a casa em ordem.‘ A empresa também vendeu ativos para reduzir seu endividamento, que caiu de 100% para 58% do patrimônio. O lucro triplicou no primeiro semestre, atingindo R$ 58,7 milhões (BAUTZER, 2011). Na mesma reportagem, cita-se casos em que diferentes fundos com participação no capital de determinadas empresas podem unir seus votos e exigir reestruturações importantes nos negócios, de forma que o capital financeiro, mesmo que pulverizado, pode se impor à administração da empresa. Uma referência do setor imobiliário para este tipo de ação seria a Gafisa. Um membro de uma importante gestora brasileira, com participação na Gafisa, estaria tentando convencer outros gestores de fundos a aumentarem suas participações e formarem um novo grupo controlador para a empresa de capital pulverizado (BAUTZER, 2011), com vistas a alterar o time administrativo. 202 Dos fundos já citados, a Cyrela tinha como acionistas as americanas Black Rock (5,3%) e Janus Capital Management (5,18%), a francesa Carmignac Gestion (7,81% das ações) e o brasileiro Tarpon Investimentos (5%), perfazendo 23,3% do capital na mão de administradores de fundos com participação igual ou maior que 5% das ações ordinárias em setembro de 2011. Elie Horn era então o principal acionista pessoa física, com 23,2% das ações ordinárias, que com a Eirenor S/A95 (5,18%) e alguns outros sócios, com parcela menor de ações, conformavam o ―Grupo Controlador‖, que em novembro de 2011 (conforme o sitio da empresa) perfazia 32,58% do capital da Cyrela Brazil Realty. A Gafisa tinha como maior acionista individual, em setembro de 2011, a americana Black Rock, com 5,1% do capital, além de outros investidores financeiros com menor participação, estrangeiros e nacionais, como Itaú Unibanco, BB Gestão de Recursos, Bradesco Asset, HSBC Gestão de Recursos, Schroder, JP Morgan, Polo Capital e BNP Paribas (BM&FBovespa e RAGAZZI, 2011). Como já citado, a gestora de fundos Equity International Properties, norteamericana, já teve a maior parte do capital da Gafisa nas mãos. A empresa, criada em 199996 pelo lendário Samuel Zell (“Midas” do segmento imobiliário) desfez de sua posição na Incorporadora em 2010, que foi um ano em que as empresas do setor da Construção viram o valor das suas ações “decolarem”. A Equity International chegou a ter 50% dos seus negócios no Brasil e o restante dividido entre China, Egito, Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia, atuando predominantemente (mas não de forma exclusiva) no segmento imobiliário (VALOR ECONÔMICO, 26/05/2010). No seu sitio da internet, a gestora descreve sua entrada nos mercados do México, Brasil, China, Colômbia e Oriente Médio (onde relata, brevemente, um investimento no Egito), sempre de forma muito semelhante. O caso brasileiro é assim descrito: As an example of replicating our strategy and success in new markets, we identified Brazil as a similar early-stage opportunity given its limited competition, attractive fundamentals and inefficient capital markets. Our investment in leading homebuilder Gafisa in 2005 led to a successful initial public offering on the Brazilian stock exchange in 2006 (Bovespa:GFSA3) and its listing on the New York Stock Exchange in 2007 (NYSE:GFA), the first U.S. listing by a Brazilian homebuilding company. Following our investment in Gafisa, we co-founded BRACOR 95 Segundo o Prospecto de distribuição pública de ações ordinárias da empresa de 2006, trata-se de uma companhia, constituída no Uruguai e controlada pelo acionista controlador. 96 http://www.equityinternational.com/category/nav/company/history/. Acesso em janeiro de 2012. 205 in 2006, which has become one of Brazil‘s leading corporate real estate companies. In 2006, we also invested in BR Malls, now the largest owner and operator of retail properties in Brazil for which we led successful initial and secondary public offerings on the Bovespa in 2007 (Bovespa:BRML3). 97 (grifo nosso) Ou seja, o ganho esperado por estas incursões se dá especialmente na órbita financeira, sendo a operacional, das empresas produtivas, secundária. A Equity International passou a ter participação na Gafisa em junho de 2005, quando a GP Investimentos, um agressivo fundo de private equity que opera na América Latina desde 199398, era o acionista majoritário (VALOR ECONÔMICO, 27/12/2005). Em 2006, quando foi feita a primeira OPA da empresa, o grupo norte-americano tinha 32,4% das ações da empresa, parcela que foi reduzida a 24,5% com a diluição do capital. Ou seja, tecnicamente a entrada de recursos da Equity International Properties no Brasil configurou um IDE. Quando uma parcela relevante das ações da Gafisa foi vendida pelo Equity International, em 2010, o Imob (Índice que mostra o movimento de preços das ações do setor) caiu, já que ―o mercado‖ supôs que Samuel Zell estaria antevendo algum problema na Edificação local. Seu sócio explicou: "A operação de hoje reflete simplesmente a filosofia do grupo de ter disciplina e embolsar o retorno dos investimentos." (O Estado, 2010). Este é o caráter volátil do “IDE” no período da globalização, apresentado por Chesnais (1996 e 1998). A Equity International, assim como a GP Investimentos, “gerou valor” aos seus quotistas abrindo o capital da Gafisa, incorporando a Tenda, fazendo a empresa crescer em grande parte alavancada por financiamentos “lastreados”, sobretudo, pela credibilidade que as gestoras de investimentos tinham junto ao mercado de capitais e bancário. Em 2011, como se verificou, quando a empresa mostra resultados decepcionantes, tanto a GP Investimentos, como a Equity International haviam ―embolsado o retorno dos investimentos‖. Um dos membros do Conselho Administrativo da Gafisa fala em uma reportagem da dificuldade de reunir um grupo de acionistas interessados em auxiliar estrategicamente a gestão da companhia, sem controlador definido, por os acionistas serem majoritariamente 97 98 http://www.equityinternational.com/category/nav/company/history/. Acesso em janeiro de 2012. http://www.gp-investments.com/#/the_company/history_of_success. Acesso em janeiro de 2012. 206 estrangeiros ─ a quem chama de “órfãos de Sam Zell”, já que vários nem mesmo sabiam que “aquele” quem os atraiu a aportar capital na empresa já teria deixado “o investimento” (RAGAZZI, 2012). A Gafisa é uma das empresas que estaria no rol de empresas alvo de consolidação na virada de 2011 para 2012. O montante de recursos em ativos geridos pelos grandes fundos apontados ao longo do texto (bilhões/trilhões de dólares) mostra como os poucos milhões de dólares que cada um desses sócios tem na empresa podem significar muito pouco para dispensar uma atenção especial para o seu desempenho, o que deixa a gestão da empresa bastante problematizada. A MRV Engenharia e Participações S.A. tem participação da gestora norteamericana Janus, mas é o sócio Rubens Menin Teixeira de Souza que concentra a maior parte das ações com direito a voto. Fix (2011, p.156) aponta a participação de um também ―famoso‖ gestor de fundos britânico na empresa à época do preparo da sua abertura de capital − Charles Gibbins, através do fundo ―Autonomy Capital Research LLP‖ que, como apontam os números da BM&Fovespa, já não tem mais participação relevante na incorporadora, numa operação típica de private equity. A Brookfield Incorporações tem como principal acionista a Brookfield Brasil (40,62%, em setembro de 2011), que é uma administradora de recursos, subsidiária integral da Brookfield Asset Management Inc., uma gestora global de investimentos, original do Canadá, com cerca de US$ 150 bilhões de ativos sob gestão, com foco nos setores imobiliário, de infraestrutura, energia e private equity99. Brascan até junho de 2009, a Brookfield tem como segundo maior acionista individual a Alliance Bernstein, uma gestora de ativos de origem Francesa que detinha 5,27% das ações da Incorporadora em setembro de 2011. Tanto a francesa Alliance Bernstein como a norte-americana Black Rock eram acionistas da Rossi Residencial em setembro de 2011, a primeira com 5,18% das ações ordinárias, e o segundo com 6,33%. A maior parte das ações da Rossi, entretanto, estaria nas mãos da ―Oficinalis Administração e Participações Ltda‖ (17,97%) e da ―Jopar Administração Ltda.‖ (17,82%) pertencentes a Edmundo Rossi Cuppoloni e João Rossi 99 http://www.brookfieldbr.com/. Acesso em janeiro de 2012. 207 Cuppoloni, estando a administração, assim, submetida a brasileiros, fazendo sentido a declaração de capital nacional, ainda que com participação estrangeira. A100 Even, por sua vez, é uma empresa de capital pulverizado, tendo como maior acionista o ―FIP101 Genoa‖ (16,83% das ações), veículo de investimento do Spinnaker Capital Group – administradora de ativos organizada em 1999, de origem britânica, com fundos hedge que atuam em mercados emergentes102, que teria adquirido participação na Even em 2006. Destacam-se também a Bny Mellon Arx Investimentos Ltda, empresa do The Bank of New York Mellon Corporation, voltada exclusivamente para a gestão de recursos de terceiros no Brasil (que detém 5,1% das ações ordinárias da Even) e o sócio pessoa física brasileiro (Carlos Eduardo Terepins, com 5,81% das ações). O FIP Genoa, antes da oferta pública de Ações da Even, realizada em 2010 (que teve parcela primária e secundária) chegou a deter 38% das ações da Incorporadora. Em 2009 e 2010 foram vários os rumores sobre a fusão ou aquisição da Even – ora pela Brookfield, ora pela Rossi. O Spinnaker Capital Group teria interesse em vender sua participação (D'AMBROSIO e BAUTZER, 2010 e D'AMBROSIO, 2011). Esses negócios não representariam a absorção de uma empresa com problemas, como ocorreu no período mais grave da crise (2008/2009), mas uma associação estratégica tanto em termos geográfico, como de liquidez (acesso ao financiamento bancário) e de escala, já que tanto a Rossi como a Brookfield, no caso de fusão ou aquisição, se aproximariam da primeira posição do setor, disputada entre Cyrela e PDG. O acionista financeiro foca, assim, os ganhos de consolidação. A Cyrela, a MRV e a Rossi, são consideradas no setor como ―empresas de dono‖, nome dado pelo ―mercado‖ a companhias que embora tenham capital aberto, a presença do fundador ainda é forte (VALOR ECONÔMICO, 18/03/2011). 100 Grande parte das informações arroladas tem origem na grande imprensa, sobretudo do Jornal Valor Econômico. Fundo de Investimento em Participação – segundo o portal do Investidor, estes fundos também são conhecidos como Private Equity, são destinados exclusivamente a investidores qualificados e devem ser constituídos sob a forma de condomínio fechado. Seus recursos seriam destinados à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição e outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias abertas ou fechadas; que garantiriam ao fundo a participação no processo decisório da companhia investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão. (http://www.portaldoinvestidor.gov.br/Investidor/Ondeinvestir/Tiposdeinvestimentos/tabid/86/Default.aspx?controleCont eudo=viewRespConteudo&ItemID=150. Acesso em janeiro de 2012). Fundos de Participação no segmento imobiliário também podem significar a participação em projetos específicos, em SPEs. 102 http://investing.businessweek.com/research/stocks/private/snapshot.asp?privcapId=27511266. Acesso em janeiro de 2012. 101 208 A Tecnisa Construtora tem três acionistas com participação igual ou maior de 5 % – a Jar Participações Ltda.(43,0%, provavelmente associada ao sócio fundador e sua família, de sobrenome Nigri); a Credit Suisse Hedging-griffo (9,1%) e a gestora de recursos brasileira Geração Futuro (8,7% das ações – gestora de recursos brasileira). A HELBOR, a despeito de ter duas gestoras de ativos na composição do seu capital (a Credit Suisse Hedging-griffo, com 7,5%, e a brasileira Dynamo Administração de Recursos Ltda103, com 8,9%), tem controle acionário da família Borenstein. A Direcional também tem um controlador: a Holding Filadélphia Participações S.A., controlada por Ricardo Valadares Gontijo 104, que detém participação equivalente a 46,8% do capital social da Companhia. Na parcela ―financeira‖ identificável na composição do capital da empresa está a gestora de ativos brasileira Tarpon, com 15%, o banco de investimento norte-americana Ridgecrest Capital105, com 6,9% e o fundo soberano de Singapura106, com 7,2% das ações ordinárias da empresa. A CDDI (Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário) é o ―braço Imobiliário‖ do grupo Camargo Corrêa, que detém 66,1% do seu capital. O Crédit Agricole Asset Management107 é a gestora de ativos do banco francês Crédit Agricole, que detém 5,2% das ações ordinárias da CDDI. As grandes empreiteiras brasileiras chegaram a se posicionar no começo do ciclo para avançar com seus braços imobiliários, mas o processo não avançou muito. Em relação à CDDI as notícias são de acertos em torno do fechamento de capital ainda em 2012. A Trisul é o resultado da fusão de duas empresas tradicionais de São Paulo, em 2007 – a Incosul e a Tricury – que fez sua Oferta Pública de Ações inicial naquele mesmo ano. Ela é controlada pela Trisul Participações S.A., com 52,9% das ações ON, que reúne sócios pessoa-física da empresa, mas a Polo Capital detém 14,4% das suas ações. A Viver, além da importante participação acionária da norte-americana Paladin (40%), conta com posições das brasileiras Polo Capital (10,9%) e Constellation Investimentos e Participações Ltda. (7,3%), da família Parizotto, através da Isa 103 http://www.dynamo.com.br/narempr.asp. Acesso em janeiro de 1012. http://www.mzweb.com.br/direcional/web/conteudo_pt.asp?tipo=15151&idioma=0&conta=28, acesso em janeiro de 2012. 105 http://www.ridgecrestcap.com/, acesso em janeiro de 2012. 106 http://www.gic.com.sg, acesso em janeiro de 2012. 107 http://www.credit-agricole.com/en/The-Group/Our-business-lines-and-brands, acesso em janeiro de 2012. 104 209 Incorporação e Construção S.A. (6,9%) e da Credit Suisse Hedging-griffo Corretora de Valores S.A (5,3%). Assim é visível a importante participação do capital financeiro nas grandes empresas do setor tanto gerido por ―estrangeiros‖ como por operadoras ―locais‖. Fix (2011) assim define a internacionalização do setor: Os resultados da pesquisa indicam que o capital internacional ingressou por meio de fundos de investimento geridos por empresas de asset management e private equity, na terminologia empregada pelo mercado para designar as diversas modalidades de gerenciamento de recursos de terceiros. A composição desses fundos não é informação pública, o que dificulta a análise do perfil dos donos do dinheiro na ponta final. Sabemos que são compostos por investidores brasileiros e estrangeiros, institucionais e pessoas físicas, mas não é possível obter a proporção exata. Algumas das gestoras de fundos são empresas brasileiras, mas captam também recursos no exterior, como a Fama. Outras são gestoras estrangeiras, mas com escritórios no Brasil e clientes locais, caso da Legg Mason. Os resultados indicam a presença do capital internacional na propriedade das ações. A internacionalização não ocorre pela compra de empresas inteiras – como aconteceu noutros setores da economia brasileira, a partir da década de 1990 – mas em certa medida pela entrada do capital internacional na forma financeira, com maior mobilidade. (p.163) Como se inferiu ao final do primeiro capítulo do estudo, o modus operandi do capital imobiliário internacionalizado que ingressou no país acabou por reorganizar a estrutura de valorização do capital local, constituindo uma massa de capital indistinta, seguindo a lógica financeirizada, a que a dinâmica do setor está subordinada. 3.4.3. Estratégias declaradas e a “modernização” O texto que segue busca reconstituir, brevemente, o histórico, as vantagens competitivas e as estratégias apresentadas por algumas das empresas de Edificações arroladas nas seções precedentes. A maior parte das informações advém dos Prospectos de Oferta Pública Primária e Secundária de Ações das empresas assim como de seus sítios, que sempre contém um espaço para as ―relações com Investidores‖ – parte das obrigações a cumprir das empresas com os sócios financeiros. 210 São exploradas as informações de 5 empresas, que se diferenciariam pelo momento das suas Ofertas Públicas de Ações iniciais. Cyrela e Rossi, que representariam empresas brasileiras ―tradicionais‖, empresas cujo ―modelo de negócios‖ já havia se consolidado e já tinham ações negociadas em bolsa desde a década de 1990; as empresas que fizeram seus primeiros lançamentos em 2006, as ―pioneiras‖ do ciclo recente, representadas por Gafisa e Brookfield; e a PDG, que é a atual primeira colocada em vendas e que representaria a estratégia ―vencedora‖ do ―novo grupo‖ de empresas que abriu seu capital a parir de 2007. A pequena amostra cumpre seu objetivo até pelas características dos documentos analisados. Rocha Júnior (2007) os nomina “prospectos pasteurizados” pelos estruturadores das operações de oferta das ações, sendo, como se verá, de fato bastante próximos. O objetivo de exploração desses documentos neste estudo, além de identificar uma ou outra especificidade, é de observar esse modus operandi geral que vem se estabelecendo, e, junto com as informações qualitativas já apresentadas, questionar o seu potencial transformador em termos produtivos. 3.4.3.1. Histórico e vantagens competitivas As Incorporadoras/Construtoras aqui analisadas têm algumas vantagens competitivas comuns, por ser uma amostra selecionada – trata-se de grandes empresas, já vencedoras no processo de concorrência e pelo modus operandi que o setor assumiu no País. A vantagem da ―marca‖, por exemplo, é citada por todas as empresas analisadas, menos a PDG, que na verdade não tem a tradição que as demais, e como será visto, não quer se apresentar como concorrente dos seus ―pares‖. Todas as empresas avaliadas apresentam-se como estruturas verticalizadas, abarcando a Incorporação, a Construção e a venda dos seus imóveis. A despeito disso, todas estabelecem parcerias para expandir os negócios, algumas estratégicas, na forma de fusões ou aquisições, outras temporárias, na forma de coparticipação em Sociedades de Propósito Específicos (SPEs) ou simples subcontratações. Acredita-se que a verticalização aqui explorada como vantagem competitiva tem natureza diversa daquela apresentada como uma solução ao problema conjuntural de perda de controle dos custos, apresentada na seção anterior. Trata-se de empresas que querem se 211 mostrar capazes de organizar o negócio imobiliário explorando todas as etapas de produção e comercialização do imóvel, capturando o máximo das rendas e ganhos patrimoniais que esse negócio prevê. Neste sentido, até mesmo as relações com o fisco, o uso de incentivos fiscais, deve ser objeto de observação no jogo entre as diferentes pessoas jurídicas do grupo merecendo investigação futura. Verifica-se que há grande importância das contratações ―menores‖, que estruturas de fato verticalizadas não pressupõem, inclusive por as empresas destacarem a ―boa reputação‖ com clientes, fornecedores e subempreiteiras como vantagem competitiva em seus Prospectos de Oferta. Menciona-se também a “boa reputação” com proprietários de terrenos como estratégica, já que a terra urbana é um dos principais insumos do setor. A forma preferencial de aquisição de terrenos é a permuta, em que se troca terrenos por unidades edificadas ou rendas oriundas delas, depois de prontas. Como afirma um empresário do setor, “ser grande”, ter diversos negócios, garante um poder de negociação com proprietários de terrenos que as menores não têm, já que há diversos ativos a serem negociados, e, no limite, há a possibilidade de comprar ―em dinheiro‖ o terreno, com recursos de bancos e/ou do mercado de capitais, a taxas que os pequenos não têm. Isso leva a outra, e talvez à mais importante vantagem competitiva que essas empresas desfrutam em comum – o acesso a condições favoráveis de financiamento, o que lhes traz condições especiais de operação não apenas para a aquisição dos terrenos, mas para obter capital de giro, para investir e, ainda, para encaminhar melhor a questão do financiamento à comercialização do empreendimento. Ter a possibilidade de repasse do financiamento ao proprietário final, o mais rápido possível, libera recursos, como já se notou, para novos negócios, potencializando o crescimento da firma diante dos concorrentes menos favorecidos neste quesito. Neste sentido, todas as empresas citam como parte da sua gestão financeira “sólida”, o bom relacionamento com as entidades que gerenciam os recursos do SFH. Acredita-se que com isso as empresas estejam sinalizando justamente que conseguem promover os repasses de financiamento de forma relativamente rápida, procurando ter, além do bom relacionamento com os agentes financeiros, um sistema de lançamentos já nos padrões exigidos no âmbito do Sistema (o que aparentemente teria sido descuidado pela 212 Rodobens, que, como apresentado acima, foi alvo de ―punição‖ do mercado). Quanto menos tempo a incorporadora tiver que financiar diretamente o cliente, menor a sua necessidade de capital de giro, menores os seus custos financeiros, maior a margem e a liberação de recursos para novos empreendimentos. O uso do recurso da securitização se tornou mais citado nos Prospectos mais recentes. O fato das grandes empresas de Incorporação/Construção em geral atuarem como correspondentes bancários da Caixa Econômica Federal já mostra o relacionamento mais próximo que elas têm com a maior instituição do SFH ─ diferentemente das empresas menores. As empresas que apresentam os ganhos de escala como vantagem competitiva, em geral os associam ao poder de barganha junto a fornecedores, e à possibilidade de replicação de projetos, à diluição de custos fixos, como os de marketing e administrativos. O estoque de terrenos é citado como vantagem competitiva central, até porque dá uma dimensão do potencial de crescimento das empresas, como citado várias vezes ao longo do estudo. Notou-se, inclusive, que em praticamente todas as ofertas declarou-se como destino de parte relevante dos recursos a aquisição de novos terrenos − mais nas ofertas mais recentes (2009/2010) que nas primeiras (2006/2007), quando o processo de expansão das firmas estava centrado sobretudo no estabelecimento das parcerias estratégicas, que previam fusões com “pares” e aquisições de empresas “menores” do setor, que sem dúvida também carregavam consigo interessantes bancos de terrenos. A este respeito, notou-se que a destinação dos recursos obtidos através das ofertas primárias de ações também se repete para as diversas empresas: os valores destinam-se à aquisição de terrenos, à formalização de novas parcerias, à quitação de dívidas, ao fortalecimento do capital de giro. Em 2006/2007 preponderaram as quitações de dívidas, inclusive referentes às parcerias já estabelecidas, e em 2009/2010, cresceram os demais itens. Ou seja, os “Investimentos” no setor parecem sempre levar à “expansão horizontal” dos negócios, ao ganho de mercado de forma extensiva, e não à transformação produtiva, como seria o caso de declarações de gastos com P&D, ou mesmo aquisição de maquinário/equipamentos e treinamento de mão de obra. 213 De forma semelhante, a organização administrativa aparece mais vezes como vantagem competitiva que a capacitação técnica do pessoal operacional; verificando-se que são duas as formas de compreender essa ―capacidade administrativa‖: ora se referindo à administração da empresa e dos empreendimentos como um todo, fazendo referência à relação com fornecedores, trabalhadores, etc. (caso único da Cyrela); ora se referindo especificamente à administração financeira dessas instâncias. Analisando os Prospectos de Oferta Pública Primária e Secundária de Ações dos períodos 2006/2007 e 2009/2010 observa-se uma mudança praticamente generalizada de foco de produto e regional. Devido à revitalização do SFH, entre 2006/2007 as empresas estavam evidenciando seus esforços para atender a demanda de edificação residencial das famílias de renda média (―segmento econômico‖ – famílias com rendimento médio de 5 a 10 salários mínimos), em uma extensão geográfica maior. Em 2009/2010, os programas de subvenção à habitação popular levaram a um novo esforço das Incorporadoras em se orientar em direção à classe ―super econômica‖ (famílias com rendimento médio de 0 a 3 salários mínimos), à classe média baixa (3 a 5 salários mínimos). Assim as empresas apresentam a diversificação geográfica e a flexibilidade de produto como vantagens competitivas já alcançadas, reafirmando o compromisso de expandi-las ainda mais (alcançar novas regiões e ser capaz de servir ao mercado com o produto que a demanda sugerir). Como já se notou, as empresas estão tendo forte dificuldade em manter a rentabilidade nesse redirecionamento da produção. Afora esse conjunto de características semelhantes, as empresas diferenciam-se segundo o seu histórico e direcionamento de alguns esforços para o embate concorrencial. Como já mencionado, reconhece-se a Cyrela e a Rossi como empresas tradicionais da Edificação brasileira, e ambas apresentam a ―marca‖ como um de seus pontos fortes. A Cyrela Brazil Realty S.A. Empreendimentos e Participações é resultante da fusão, em 2005, da Cyrela, antiga controladora das sociedades do Grupo Cyrela, constituída em 1962 e da Brazil Realty, pioneira no desenvolvimento de fundos de investimento imobiliário no Brasil, formada na década de 1990. 214 Até 1981 a Cyrela apenas incorporava edifícios, e então resolveu verticalizar, passando a construir e vender as unidades edificadas. Sua tradição era a incorporação de edifícios residenciais voltados a clientes de alta e média-alta renda nas regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. A Brazil Realty veio a fortalecer o caráter financeiro da empresa. No prospecto definitivo da OPA de 2006 a empresa descreve, além das associações menores, as parcerias que estabeleceu com a Agra Incorporadora (empresa voltada ao médio e médio-alto padrão em São Paulo; operação cancelada em 2008), a Mac Investimentos (voltada ao mercado de médio-alto padrão, igualmente em São Paulo), a Plano & Plano Empreendimentos (com experiência no mercado de empreendimentos econômicos) a RJZ Participações (Incorporações no Rio de Janeiro), e a Goldsztein (médio-alto padrão no Rio Grande do Sul). Todas essas parcerias vinham em duas direções – diversificar a produção em termos regionais e incorporar expertise na produção de residências para a classe média. A Rossi Residencial foi fundada em 1980, por um Grupo que já exercia atividades na área desde 1961. Assim como a Cyrela é uma empresa verticalizada, tendo a sua unidade de vendas criada apenas em 2006. Diferentemente da Cyrela, entretanto, deixou de produzir imóveis somente para a alta renda a partir de 1992 e passou a fazê-lo também para a classe média. Face à escassez do crédito imobiliário, criou o ―Plano 100‖, com imóveis residenciais voltados à classe média-baixa, em que concedia o financiamento de longo prazo aos clientes (crédito de comercialização). Em 1999, lançou a linha de produtos ―Villa Flora‖, em que criava ―comunidades‖ planejadas de condomínios de residências, com infraestrutura de ruas, estação de tratamento de esgoto, praças e parques, centro comercial, capela, creche, escola, clube e posto policial, constituindo uma expertise diferenciada. Em 2002 adquiriru a América Properties, especializada na construção de imóveis residenciais e comerciais de alto padrão. A empresa diverge da Cyrela também por ter buscado ampliar sua base de atuação em termos geográficos. Desde 1993, teria montado escritórios regionais em Campinas-SP, Rio de Janeiro-RJ e Porto Alegre-SC, acelerando o movimento de expansão geográfica das atividades, com base em escritórios regionais, depois de 2006. Em 2011 estabeleceu uma 215 joint venture com a Norcon, uma empresa tradicional da região Nordeste (D'AMBROSIO e VALENTI, 2011). A Rossi e a Gafisa eram as únicas empresas neste pequeno grupo que de fato tinham experiência no segmento econômico, assim como já tinham operação fora das regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. Apresenta-se como origem da Gafisa a ―Gomes de Almeida Fernandes do Rio de Janeiro Ltda‖, empresa que atuava no mercado imobiliário do Rio de Janeiro e São Paulo desde 1954. O controlador da Gomes de Almeida, a CIMOB, e a GP Investimentos, uma das principais empresas de investimento em private equity na América Latinal, criaram em 1997 a Gafisa S.A., com a transferência das reservas de terreno, marca e empregados da velha Gomes de Almeida. Ainda que pouco tenha ficado da administração da antiga Gomes de Almeida, a Gafisa confia na marca como uma vantagem competitiva. Em 2004, entidades relacionadas à GP Investimentos teriam adquirido uma participação significativa da empresa e em 2005, a gestora de recursos norte-americana Equity International, ao injetar recursos na empresa, passou a deter cerca de 32% do seu capital. Como assinalado, em 2011 a Equity International já não possuía mais participação relevante na empresa – assim como a GP Investimentos. A GP Investimentos chegou a deter 65% do capital da Gafisa, através de seus fundos (no caso, em Fundos de Investimento em Participação), e começou a reduzir a participação a partir da OPA de 2006. Na época passou a deter cerca de 30% das ações da empresa (VALOR ECONÔMICO, 05/01/2006 e MANDL, 2006) e em 2007, quando houve a abertura de capital da empresa na Bolsa de Nova York, a GP Investimentos se retirou do negócio – ―realizando o seu lucro‖, como a Equity International fez posteriormente. As associações estratégicas feitas no período pela Gafisa, foram com a Tenda, já mencionada, e com a Alphaville, uma empresa de desenvolvimento urbano focada na venda de lotes residenciais. A Brookfield Incorporações também tem tradição no Brasil, se distinguindo das demais empresas até aqui citadas por ter capital estrangeiro desde o início das operações como Incorporadora no país, em 1978. Ela é um dos investimentos da Brookfield Asset Management, de capital canadense, no Brasil, que operou até 2008 com o nome Brascan que se restringia à Construção/Incorporação nas áreas metropolitanas do Estado do Rio de 216 Janeiro, com foco na classe média alta e classe alta. Naquele ano, congregando também os ativos das antigas BTHP (região metropolitana de São Paulo), MB Engenharia S.A. (áreas metropolitanas da região Centro-Oeste; com foco na classe média) e Company S.A. (áreas metropolitanas do Estado de São Paulo), passou a carregar o nome do grupo, reconhecido internacionalmente. Essas fusões/aquisições se deram no mesmo sentido que as parcerias estratégicas firmadas pela Cyrela e pela Gafisa: diversificação geográfica e de produtos – indo em direção à produção de imóveis residenciais para a classe média. Dois elementos chamam a atenção nos prospectos da Brascan/Brookfield. O primeiro, com especial ênfase no Prospecto de 2006, a incorporadora assinala, com veemência, a sua capacidade de lidar com os meandros legais em torno da propriedade imobiliária no país. Observou-se no item 1.2.2.3. deste estudo, a importância que os estrangeiros dão a esse tipo de ―ativo‖. O segundo elemento, apresentado no Prospecto de 2009, é o encaminhamento de uma joint venture com o IFC (International Finance Corporation), braço privado do Banco Mundial, para construção de casas populares dentro das linhas de financiamento do Programa ―Minha casa, minha vida‖ acordo que foi firmado em junho de 2010108. É interessante notar a escolha de parceria do IFC com um produtor estrangeiro, tradicional nas finanças globais. Como se notou, os organismos internacionais comumente assinalam tanto a qualificação técnica quanto o acesso ao financiamento como as principais fragilidades das empresas dos países em desenvolvimento e, se se prezasse a superação destes entraves, a escolha deveria ter sido de uma empresa de capital nacional ―de fato‖, ou ao menos uma joint venture que unisse o capital nacional e o estrangeiro, que se previsse a transferência tecnológica para o desenvolvimento da Edificação de baixa renda. O interesse do Banco Mundial na formação de um mercado de securities imobiliárias (apontado no primeiro capítulo do estudo) deve responder pela escolha de inserção ―produtiva‖ da instituição. É importante ressaltar que tanto a Gafisa, como a Bookfield destacavam a sua operação em escala internacional como uma importante vantagem competitiva nos seus Prospectos, pois teriam possibilidade de trazer ao Brasil inovações adotadas em 108 Informação disponível em: http://ri.br.brookfield.com/brookfield/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=36956. Acesso em janeiro de 2012. 217 outras partes do mundo – tanto financeiras, quanto técnicas, o que lhes garantiria potenciais de ganhos acima da média. Dada a tradição da Brascan/Brookfield no mercado local, imagina-se que a empresa já teria explorado as técnicas mais modernas que lhe conviesse no Brasil, assim como não há notícias de uma produtividade diferenciada da Gafisa, que poderia lhe ter rendido, inclusive, melhores resultados que os observados ao longo de 2011 e nos meses iniciais de 2012. A PDG, caso emblemático da “massa de capital indistinta” formada nesse ciclo de crescimento imobiliário, foi criada em 2003 como uma área focada no ramo imobiliário do banco de investimentos Pactual. Tornou-se uma unidade autônoma de negócios em 2006 e abriu capital em 2007. No prospecto da OPA de 2007, a empresa se auto-denomina uma ―companhia de investimentos com foco no mercado imobiliário‖, coadunando com a atividade principal registrada na BM&FBovespa (acesso em dezembro de 2011): ―participações em sociedades atuantes no setor imobiliário‖. A empresa explica que essas participações seguiriam dois regimes – (i) um em que a PDG estabelece atividades de ―Co-Incorporação‖, que consistiria na incorporação de empreendimentos imobiliários específicos em conjunto com diversas incorporadoras do mercado imobiliário mediante a constituição de SPEs, e outro (ii) em que se estabeleceria ―Investimentos de Portfólio‖ que seguiriam o modelo de Private Equity, onde a PDG adquiriria participações societárias relevantes em empresas dedicadas ao setor imobiliário, participando do planejamento estratégico da gestão da empresa parceira. Ou seja, a PDG ―gerenciaria‖ empresas da Edificação – declarando como vantagem competitiva a “não concorrência” direta com as demais Incorporadoras, que na verdade sempre seriam potenciais parceiras, garantindo uma ampla flexibilidade com esse modelo de negócios. Esse modus operandi está fortemente alinhado com as características de operação das empresas de Edificações no período da globalização, identificadas no primeiro capítulo do estudo, em que a capacidade de financiamento aparece como uma vantagem competitiva determinante, e o avanço das parcerias e terceirizações uma decorrência. Corrobora, igualmente a pouca importância à operacionalidade da Edificação. Os parceiros locais é que determinariam, em grande proporção, a tecnologia e o ritmo das obras. 218 uma postura ativa no desenvolvimento dos empreendimentos, focando as ―atividades de maior valor agregado‖: aquisição de terrenos, concepção do projeto, comercialização das unidades, obtenção do financiamento imobiliário e monitoramento da performance financeira do plano de negócios aprovado. No prospecto de 2009, a empresa afirma que uma de suas vantagens competitivas seria o ―desenvolvimento de forma industrial dos projetos” voltados para as classes média baixa e baixa, apresentando características e especificações técnicas padronizadas. Sendo seu foco, entretanto, puramente financeiro, acredita-se que tal como a Gafisa e a Brookfield, a PDG deve querer seguir padrões técnicos internacionalizados, que rebaixam custos circunstancialmente, já que não alteram as relações entre o capital e o trabalho, entre a edificação e os fornecedores, entre empresas de edificações no sentido de promoção de um produto mais qualificado e um meio de produção conjunta mais eficiente. Como sugerem Sabbatini (1998) e Farah (1996), é possível aplicar materiais e métodos modernos na Edificação, sem necessariamente revolucioná-la. A PDG, a Gafisa e a Brookfield, assinalam em seus Prospectos de 2009/2010 a disposição à consolidação, destacando, inclusive, recursos oriundos da oferta de ações para este fim – 20% no caso da Gafisa, 30% na Brookfield e 40% no caso da PDG (que até então não teria incorporado a Agre). As concorrentes locais, mais tradicionais, Cyrela e Rossi certamente não quereriam perder posições – como a primeira já perdeu, quando da incorporação da Agre pela PDG. Tudo indica que, o “dilema entre continuar crescendo e sacrificar a lucratividade, ou acelerar menos e melhorar os resultados”, citado na primeira subseção deste item levará a um acirramento da concorrência que dificilmente terá a opção pela melhoria técnica, do lucro a médio e longo prazo, como primeira escolha, mesmo para as empresas “mais tradicionais” brasileiras – especialmente por se notar que ao menos 23,3% do capital da Cyrela e 18,6% do da Rossi estão concentrados nas mãos de poucos grandes acionistas estrangeiros, de perfil financeiro, que em geral querem uma oportunidade de realizar lucros de forma relativamente rápida. 220 3.4.3.2. Estratégias de crescimento O Quadro 4 apresenta as estratégias de crescimento apresentadas pelas empresas da Construção/Edificação acima arroladas nos Prospectos de Oferta Pública de Ações Primárias e Secundárias definitivos, nos anos citados. Trata-se das respostas aos principais desafios que as empresas observavam na sua trajetória de crescimento e enfrentamento da concorrência. Como seria de se esperar, a percepção de entraves a serem superados coaduna com a de Vantagens Competitivas – e se não se percebe a “produção mais eficiente” como uma vantagem, ela também não constitui um entrave para a continuidade dos negócios. Manter a liderança no mercado original, ampliar o leque de produtos, atingindo todas as classes de renda, assim como aproveitar a demanda em regiões não exploradas continua sendo o móvel principal da concorrência: de forma reduzida, para crescer (e rapidamente) é necessário ir à demanda, esteja onde ela estiver. Um limite a essa expansão é a manutenção da rentabilidade, exigida pelos investidores. Procurou-se destacar as estratégias que perceberiam na estrutura organizacional/produtiva um entrave importante para o crescimento da firma. A Cyrela manteve a redução de custos como uma estratégia de crescimento em 2006 e em 2009, assim como registrou a elevação da verticalização como uma necessidade para a melhoria do desempenho da empresa ─ o que dois anos depois continuou sendo um desafio, como visto na subseção 3.4.1.. A Rossi, que tinha como estratégia ―Manter a atuação integrada, com foco na redução de custos e no aprimoramento contínuo do processo de construção‖ em 2006, deixou de elencá-la como prioridade em 2009. A Brookfield manteve a ―eficiência operacional‖, junto à financeira como estratégica para a competitividade da empresa. A PDG, que citou a utilização de técnicas de construção industrializada como vantagem comparativa, não fez menção à busca de melhorias técnicas ou organizacionais em suas estratégias. O crescimento ―orgânico‖ que se propõe como estratégico para ―intensificar as atividades no segmento de baixa renda‖ tem a seguinte descrição: Acreditamos que com a recente recuperação do mercado imobiliário, observada pelo expressivo volume de Vendas Contratadas no setor no segundo trimestre de 2009 e o anúncio em abril de 2009, pelo Governo Federal, do Programa Minha Casa, Minha Vida 221 proporcionará aumentos de nossas vendas e expansão de nossas operações. Dentro desta lógica buscaremos ampliar o nosso estoque de terrenos e volume de lançamentos em nossas cidades de atuação, além de expandir a nossa atividade para cidades que ainda não estamos presentes. Adicionalmente, contamos com um estoque de terrenos que nos permite realizar lançamentos de 56 mil unidades elegíveis ao Programa Minha Casa, Minha Vida. (PROSPECTO DEFINITIVO DE OPA, 2009, p. 34) Ou seja, há sim planos de expansão horizontal – de lançar mais empreendimentos, expandir as parcerias, fusões e aquisições, terceirização, o que não necessariamente passa pelo aperfeiçoamento técnico da produção e da gestão, o estabelecimento de parcerias com fornecedores de serviços e insumos, etc.. 222 Quadro 4. Estratégias para o crescimento das empresas da Construção, segundo os Prospectos de Oferta Pública de Ações Primárias e Secundárias definitivos. Empresas selecionadas. Cyrela 2006 Consolidar o potencial de crescimento dos mercados em que já são líderes Crescimento com expansão geográfica e em novos segmentos Manter situação financeira conservadora e aumentar o volume de financiamento aos clientes Aumentar a aquisição de terrenos e o lançamento de novos empreendimentos Continuar a reduzir custos e maximizar eficiência de construção 2009 Expandir nossa atuação e manter nossa posição de liderança. Aumentar nossa atuação nos segmentos econômico e super-econômico. Aumentar a aquisição de terrenos e o lançamento de novos Empreendimentos Manter a gestão financeira conservadora Continuar a reduzir custos e maximizar eficiência de construção Intensificar a verticalização das operações Rossi 2006 2009 Explorar oportunidades de crescimento no segmento de imóveis residenciais Acelerar nosso crescimento no segmento econômico e continuar crescendo voltados à classe média. no segmento de classe média, com manutenção ou melhora das margens. Expandir nossas regiões de atuação. Continuar a expandir geograficamente nossa atuação Manter a flexibilidade de atuação, de forma a aproveitar oportunidades de Expandir o percentual de vendas realizado por nossa equipe própria negócio em qualquer segmento. Manter a disciplina e solidez financeira e buscar fontes eficientes de financiamento Manter nossa atuação integrada, com foco na redução de custos e no aprimoramento contínuo do processo de construção Gafisa 2006 2010 Capitalizar no potencial de crescimento. Capitalizar o potencial de crescimento Continuar focando em oportunidades de alto retorno Manter forte reserva de terrenos Aumentar a aquisição de terrenos e novos desenvolvimentos Manter estrutura eficiente de capital Manter uma posição financeira conservadora. Capitalizar o potencial de crescimento do setor através de Fusões, Aquisições e Parcerias Fonte: Elaborado pela autora, com base nos Prospectos de Oferta Pública de Ações Primárias e Secundárias definitivos das empresas citadas, disponíveis nos sítios da BM&FBovespa e CVM (acesso em janeiro de 2012). 223 Quadro 4. Continuação. Brascan/Brookfield 2006 2009 Contínuo desenvolvimento de projetos residenciais destinados à classe média Capitalizar o potencial de crescimento em nossos segmentos de mercado alta e classe alta Expansão no mercado imobiliário para a classe média Avaliação de novas oportunidades de crescimento. Foco em aquisição de terrenos em áreas estratégicas Desenvolvimento de um banco de terrenos equilibrado Desenvolvimento de oportunidades de parcerias estratégicas Aproveitamento de nossa eficiência operacional e financeira. Aproveitamento de nossa eficiência operacional e financeira PDG 2007 2009 Intensificar as atividades nos segmentos do setor imobiliário e expandir Intensificar as atividades no segmento de baixa renda de forma orgânica. geograficamente Realizar ganhos de capital nos nossos investimentos de portfólio Capitalizar o potencial de crescimento do setor através de Fusões, Aquisições e Parcerias. Capitalizar o potencial de crescimento do setor através de Fusões, Aquisições Atuar na estruturação de operações financeiras relacionadas ao mercado e Parcerias imobiliário Manter estrutura eficiente de Capital Manter estrutura eficiente de capital Fonte: Elaborado pela autora, com base nos Prospectos de Oferta Pública de Ações Primárias e Secundárias definitivos das empr esas citadas, disponíveis nos sítios da BM&FBovespa e CVM (acesso em janeiro de 2012). 224 3.5. Considerações finais A Edificação brasileira passou por um intenso processo de transformações no ciclo dos anos 2000. O mercado mudou em relação ao volume, ao mix de obras e ao seu recorte geográfico. Ganhou espaço a produção de edificações residenciais, com crescente participação dos segmentos econômico e super-econômico; e ela se desconcentrou regionalmente, segundo os ganhos de participação no emprego formal gerado de 1985 a 2010, indo em direção ao Nordeste, ao Sul, ao Norte e ao Centro-Oeste. Houve também a entrada de valores nunca vistos de recursos estrangeiros para o segmento. Verificou-se valores muito maiores desses recursos direcionados para as operações de Oferta Pública de Ações na bolsa local (Quadro 3, que de forma incompleta somariam R$ 13,5 bilhões entre 2007 e 2011) que para as operações de IDE registradas pelo Banco Central do Brasil (Tabela 6 − que somaria o influxo para o grupo Construção de Edifícios de US$ 5.140 bilhões de 2007 a 2011, com a cotação mínima do dólar a R$1,53, máxima de R$ 2,50 e média de R$ 1,84 no período), o que levaria a afirmar que o investimento em carteira, de caráter mais especulativo, foi o que preponderou. Verificou-se, por outro lado, e também de forma empírica, que a natureza dos IDE para as Edificações, embora devesse seguir uma lógica de investimento produtivo, de longo prazo, assume uma feição curto prazista, mais próxima ao direcionado aos serviços imobiliários que à produção de obras infraestruturais, por exemplo ─ seja com base na observação dos dados de IDE transacionados pela OCDE (seção 1.2.2.2.), seja pela natureza dos recursos recebidos pelo setor brasileiro (seção 3.1.). Ou seja, mesmo o capital invertido internacionalmente na forma ―produtiva‖, assumiu um caráter, em termos agregados, especulativo ─ de busca de ganhos patrimoniais, e não somente de rendas. Essa observação coaduna com a interpretação de Chesnais (1995 e 1998) de que a internacionalização no período histórico vigente, em que prepondera a finança direta e os mercados desregulados, o IDE, ao menos como é mensurado, pode perder o caráter que teoricamente lhe é dado (seção 1.1.1.). Inferiu-se neste estudo que a internacionalização do segmento de Edificações seria tardia por ele ser especialmente propício à valorização do capital aos atuais moldes de acumulação. Por sua natureza, a Edificação, que hoje compreende, ou ainda melhor, é compreendida pelo setor imobiliário, consegue congregar ganhos de 225 renda (lucros operacionais) e patrimoniais (lucro imobiliário, ganho de capital em negociação de títulos de co-propriedade e de dívida); o que é muito valorizado nos mercados de capitais. O perfil de grande parte do capital que aportou na Edificação brasileira é financeiro, independentemente de ter assumindo o status de ―investimento em carteira‖ ou de IDE. Para o setor produtivo isso importa porque dá novo ritmo aos negócios. Este capital não questiona o crescimento extensivo ou intensivo da produção ─ ele “somente” exige que a produção caminhe na direção que permita alto e rápido retorno. Alguns capitais têm horizonte bastante curto, pensando na valorização das ações ou títulos de dívidas, outros assumem um horizonte um pouco mais longo, pensando no dividendo, na renda do imóvel, ou na consolidação do setor. O impacto dessa lógica nas empresas, por outro lado, não é pequeno. Elas devem constantemente gerar expectativa de maiores ganhos, nem que para isso alavanquem seu crescimento se endividando, o que às expõe sobremaneira aos ciclos de crédito. A lógica de curto prazo se transpõe às atividades operacionais, dificultando, inclusive, as decisões de investimento em modernização que comprometam os resultados de curto prazo. No caso brasileiro, privilegiou-se a compra de terrenos, a constituição de parcerias, que prenunciam o crescimento dos negócios, a investimentos modernizantes, por exemplo. O controle de custos seguiu a lógica “fácil”: diminuição da área útil das unidades residenciais, utilização da terceirização, controle de custos com material (provavelmente justificando parte da queda de qualidade das Edificações). As vantagens competitivas e estratégias declaradas pelas Construtoras/Incorporadoras observadas na seção 3.4.3. corroboram a idéia de um crescimento horizontal da produção. Comprar terrenos, ter acesso ao financiamento (inclusive à comercialização/repasses), estabelecer parcerias, abrindo novos mercados, são movimentos que não exigem a modernização da produção, que só se dará na medida do inevitável, já que o investimento, nessa lógica, pode subtrair recursos da expansão mais fácil. Se no Brasil as empresas do setor já apresentavam uma hipertrofia das operações financeiras por sobreviverem em um ambiente de mercado reduzido, de falta de 226 financiamento (tanto à produção, quanto à comercialização de imóveis) e alta inflação nos anos 1980 e início dos 1990, onde a gestão dos custos operacionais ficava ofuscada pela administração financeira dos empreendimentos, a chegada de um modelo de financiamento em que elas passam a responder aos seus financiadores diariamente por expansão dos negócios apenas reforça aquela característica. A modernização produtiva continua secundária enquanto for possível o crescimento sem ela. Este é um modelo de acirramento da concorrência que prevê a exploração de fornecedores e parceiros de forma temporária, sem estabelecer vínculos mais duradouros que acarretem sinergias, apresentando ganhos de eficiência setorial. Com relação à possível queda do ímpeto dos negócios no Brasil, em que o ritmo de crescimento do segmento passaria a apresentar taxas de crescimento mais modestas, todas as reportagens reforçam o diagnóstico de que os problemas da Edificação estariam especialmente do lado da oferta, e não da demanda – o que deve refletir as estatísticas de déficit habitacional, é claro, e não consideram a exaustão do SFH e do próprio ciclo de crescimento da economia, como um todo. Poder-se-ia dizer, assim, que o mercado imobiliário residencial brasileiro estaria em um momento particularmente interessante. Extinguiram-se, aparentemente, os ganhos mais fáceis para a Edificação. Ganhos de produtividade das Edificações teriam que se somar ao equacionamento do problema do funding à comercialização, que está por se impor, e dos preços dos terrenos urbanizados, para que se viabilizasse a continuidade do ciclo, em condições urbanísticas razoáveis. Virgilio (2010) aponta para a percepção de risco político ―pelo mercado‖ da continuidade do ciclo ao não existir uma estrutura de funding definida, inclusive dos Programas de habitação de interesse social, já que as metas do ―Minha casa, minha vida‖ vão sendo determinadas ad hoc ─ o que no caso aqui avaliado, reforça o adiamento das decisões de investir. Com relação à participação dos estrangeiros nesse processo, vale explorar a declaração do ―segundo‖ executivo do fundo International Equity, que foi um dos principais acionistas da Gafisa entre 2005 e 2010: A liquidação dos ativos da Bracor indica que, para o experiente Zell, os preços dos imóveis no Brasil estão no pico. "Decidimos vender 227 porque achamos os preços pagos excepcionais", disse McDonald. "Poderíamos esperar mais se quiséssemos porque o fundo tem tempo e flexibilidade", diz. Na opinião do executivo, o Brasil chegou a um momento parecido com o que México viveu há cerca de quatro anos. "Os preços subiram muito e começou a entrar outro tipo de capital, menos oportunista e com retornos mais modestos", diz. (VALOR ECONÔMICO, 09/02/2011; grifo nosso) A principal referência do Equity International no México foi a participação que teve na Homex, uma incorporadora que se firmou pela atuação no mercado de baixa renda, no boom daquele mercado (e que está operando, de forma independente, no Brasil). O fundo teria adquirido participação na empresa enquanto tinha capital fechado, em 2002, promoveu sua abertura de capital, e manteve participação até 2008. Foram 6 anos na Homex, e agora 5 na Gafisa. Assim, o experiente executivo (de quem também se apropriou de opiniões para compor o item 1.2.2.3. do estudo) expôs o caráter do capital estrangeiro que teria aportado no país até 2010/2011. Existirá esse capital menos oportunista? Ele traria consigo mudanças organizacionais que desenvolveriam o setor? Não. Pode existir o capital que aceite retornos relativamente menores, mas, como já salientado, a modernização dependerá de um salto do setor como um todo, já que os estrangeiros em geral se adéquam às condições de concorrência local, o que inclui os padrões técnicos em uso. Cabem ainda alguns comentários a respeito das “soluções” para contornar a queda nas margens de lucro propostas pelas empresas. A primeira seria a redução da participação dos lançamentos para a baixa-renda, que em geral trazem maior risco à rentabilidade, já que os preços finais são limitados e os custos não. Essa solução é o inverso do desejado quando se promove políticas que buscam, simultaneamente, o desenvolvimento da eficiência do setor e o encaminhamento da questão habitacional, o que parece ser o objetivo atual. Essa ―solução‖ é temporária, inclusive, porque a demanda reprimida da classe média poderá ser suprida em relativamente pouco tempo, não garantindo muitos anos de crescimento acelerado da atividade, como desejaria o capital, nem encaminharia o problema habitacional, segundo o desejo do Estado. 228 A via da edificação de conjuntos habitacionais com milhares de unidades habitacionais, em terrenos distantes dos centros urbanos, embutindo volumes crescentes de subsídios para satisfazer as ―necessidades‖ do capital imobiliário, como tem sido observado em alguns casos, não deveria se constituir uma resposta do setor público aos entraves ora colocados, inclusive porque não trarão o efeito de modernização da construção, como já observado nos anos 1970. Será mantida a estrutura setorial já conhecida: um núcleo de empresas modernizadas, com uma imensa quantidade de pequenas empresas ineficientes ao seu entorno, com pouca integração entre elas e delas com o setor fornecedor de insumos e serviços. É interessante notar, ainda, que as mudanças de padrão do produto final da Edificação podem, como assinalado no capítulo anterior, dar sinais confusos para a indústria de insumos, já que parte dela é sujeita à diferenciação segundo o tipo de obra (um exemplo óbvio é a linha de acabamentos), o que pode dificultar as decisões de investimento dos produtores de materiais. Nota-se também como o financiamento à Edificação com base no mercado de capitais acaba por influenciar no direcionamento da oferta do setor. Na década de 1970, essas mudanças de composição da ―demanda a ser atendida‖ vieram estritamente do foco da política habitacional, segundo o direcionamento dos recursos SFH; nos anos 2000, ainda que seja óbvio que a demanda seja determinante, e portanto que os critérios do crédito à comercialização (SFH) sejam o fundamental para definir o mix de obras passíveis de produção, é inegável que o mercado de capitais também esteja exercendo influência neste sentido. As empresas também sugerem o aprofundamento da verticalização para recompor as margens comprimidas. Este processo, como descrito pelos dirigentes das empresas, não deve ocorrer, e se ocorrer, será em caráter temporário, para satisfazer a demanda concentrada no tempo. É verdade que a consolidação entre as “grandes” empresas deve continuar ocorrendo, já que a expansão da demanda não deve continuar acelerada como se viu até o momento e as fusões/aquisições serão uma saída para a continuidade do processo de crescimento das firmas; mas, como visto no primeiro capítulo deste estudo, a própria natureza da concorrência no período da globalização prevê o uso das parcerias e terceirizações, sendo a verticalização radical um contra-senso. Além disso, a expansão da 229 oferta continuará se dando pelo aproveitamento dos novos mercados que estão se abrindo em regiões menos exploradas do Brasil pelas ―grandes‖, de forma que, pela própria característica do segmento de Edificações, em que a questão imobiliária local é crucial, as associações/terceirizações, mesmo que temporárias, deverão ser condição para a entrada rápida nesses mercados. Sendo assim, a verticalização tem limites claros. O que deveria ocorrer é uma aproximação técnica maior entre as grandes Construtoras/Incorporadoras, seus parceiros e fornecedores, de forma que a eficiência média dos parceiros se aproximasse à das grandes – o que se refletiria em índices de produtividade agregada crescentes, como desejado. Quanto à centralização da análise de crédito das operações do SFH na Caixa Econômica Federal, se essa prática fragiliza algumas Incorporadoras, busca garantir o crescimento equilibrado do crédito habitacional direcionado no país e a qualidade mínima da habitação – o que é fortemente defensável! Seria importante, por outro lado haver uma certa isonomia no tratamento da CEF entre os contratantes, independendo do tamanho das Construtoras/Incorporadoras, ou, mais ainda, um cuidado especial no controle das obras das ―grandes‖ − exigindo contratos em condições razoáveis com terceiros, incluindo treinamento de pessoal. Seja como for, a revolução que se esperava em termos produtivos não ocorreu – pelo contrário, há referências a perda de qualidade dos produtos e ampliação dos prazos das obras, o que naturalmente está associado a rebaixamento do nível de eficiência do segmento – quadro muito semelhante ao descrito como de “modernização irresponsável” dos anos 1970. Independentemente desse quadro, alguns gerentes de grandes fundos nacionais e internacionais, por sua vez, já realizaram grandes “lucros” na venda de ações, na entrega de empreendimentos em condições fortemente favoráveis de preços, que não “decorreram da”, nem se “reverteram para” a melhora das condições de oferta de moradias ou de qualquer outro tipo de Edificação no Brasil. Quanto ao consumidor, já há várias notícias em torno do seu descontentamento com o produto que vem recebendo – e que em alguns casos até mesmo se nega a receber. As empresas estão se mobilizando para contornar a situação temendo, inclusive, pelo ativo que mantém como vantagem competitiva: a marca. Um novo instrumento de pressão do 230 consumidor tem sido as redes sociais na internet, o que aparentemente gera maior temor às empresas da Edificação que os tradicionais canais de reclamação, como o órgão público de proteção ao consumidor (o Procon). A mudança do perfil do consumidor certamente exigirá maior cuidado por parte das Incorporadoras (como já assinalava Sabbatini, 1998). 231 Capítulo 4. Considerações Finais A Edificação brasileira, sobretudo o seu segmento mais frágil − o da Edificação residencial −, passou por um intenso processo de transformações no ciclo dos anos 2000, mas não avançou, como esperado, no processo que se compreende genericamente por industrialização da construção, que prevê a crescente organização da produção da Construção, tipicamente manufatureira, aproximando-a da organização industrial, gerando ganhos importantes de produtividade ao segmento. A despeito de existirem diversas iniciativas particulares em direção ao uso de técnicas/componentes/padrões organizacionais diferenciados, isso não resultou em uma eficiência agregada substancialmente melhor em termos de produtividade e nem mesmo de produto final – já que os relatos de patologias nas edificações cresceu mais que proporcionalmente ao crescimento do volume de obras entregues – e é possível que nem chegue a se materializar. As atuais condições ―do lado da oferta‖ seriam aparentemente propícias àquele movimento, mas o que se verificou depois de seis anos de crescimento das atividades foi um baixíssimo crescimento da produtividade do trabalho no segmento e queda de rentabilidade das grandes empresas, em pleno ciclo de expansão, o que reforça a suspeita de que há problemas para que um processo mais amplo de transformação produtiva ocorra. Com base na bibliografia, constatou-se que além de precondições tradicionais como o crescimento dos negócios, o financiamento e a disponibilidade de insumos e técnicas adequadas, a industrialização da construção pressuporia uma certa regularização dos ciclos de negócios e imobiliário para que se gerasse um ambiente pró-modernização na Edificação, e que apenas uma inserção estatal diferenciada à do atual padrão poderia garanti-lo. Isso significa que além de realizar políticas industriais, prómodernização, o Estado deveria assegurar condições de demanda que permitissem um processo de concorrência intercapitalista que favorecesse o investimento modernizador. Isto ocorre porque neste segmento o ímpeto modernizador dos empresários seria ainda menor que na indústria ordinária, pela forte imprevisibilidade de custos a que eles estão submetidos, por ter seu principal insumo suscetível a ciclos de valorização (o terreno urbanizado); e pela sua especial vulnerabilidade aos ciclos econômicos, de forma mais 233 geral, e de crédito, de forma mais específica. São essas variáveis que o Estado deveria procurar controlar para favorecer a industrialização da construção − agenda pouco factível no período da globalização. Supondo um ciclo imobiliário ascendente, em um ambiente econômico que favorecesse grandes variações de preços dos imóveis residenciais ou comerciais, afetando inclusive os preços dos terrenos na área urbana, no segmento de Edificações haveria um duplo movimento: i. alguns empresários (os incorporadores) poderiam se apropriar não apenas dos ganhos operacionais mas também da valorização imobiliária do empreendimento, minimizando a importância dos ganhos produtivos mais estritos, já que a ineficiência produtiva pode ser mais que compensada pelo ganho imobiliário; ii. o esforço financeiro para dar continuidade aos negócios é relativamente grande, pois o terreno urbanizado tem custo unitário relativamente alto, e crescente, já que está submetido ao ciclo imobiliário – o que torna arriscada a imobilização de capital com iniciativas modernizantes, já que a prioridade para o prosseguimento dos negócios seria ter recursos para a aquisição de um novo terreno, e não a modernização. Assim, em condições de alta variabilidade do preço dos imóveis, a compra de um terreno adequado às condições da demanda se torna mais importante à empresa da Edificação que imobilizar capital em materiais/técnicas/treinamento de funcionários e fornecedores que minimizem os custos das obras dali por diante até porque, se os preços da terra urbanizada estiverem em ascensão, o investimento modernizante realizado pode inviabilizar a aquisição de um novo terreno e a continuidade dos negócios em bases propícias. Nesta lógica, há prevalência do lucro imobiliário, do ganho patrimonial ao lucro operacional. É importante assinalar que a incorporadora tanto pode atuar apenas organizando o empreendimento imobiliário, estabelecendo parcerias, contratando empresas menores para erigi-lo, como pode ter seu braço construtor. Por ser um segmento com baixas barreiras técnicas, no início do ciclo tende a existir um grande número de empresas disputando contratos de terceirização, e em geral vence o melhor preço – que tanto pode ser obtido pela alta produtividade, como pela informalidade e exploração da mão de obra pouco qualificada. À medida que o ciclo avança, algumas dessas empresas terceirizadas podem querer ampliar a produtividade, até pela crescente escassez da mão de obra barata, o que 234 pode ser “catalisado” através de parcerias mais estáveis com as grandes Incorporadoras. Em relação à forte vulnerabilidade aos ciclos de crédito/de negócios, ela se justifica pelo largo prazo de produção da Edificação associado ao alto custo unitário do seu produto. As empresas da Edificação residencial, por exemplo, podem perder muito dinheiro se as condições de demanda se reverterem em meio à produção de um empreendimento, que leva, em média, 3 anos para ser erigido – havendo perda ainda maior se imobilizarem capital na aquisição de equipamentos, desenvolvendo produtos junto a fornecedores e/ou com treinamento da mão de obra ao longo do período. Neste segmento é possível um empresário encontrar um ambiente de demanda ao final de um empreendimento totalmente diverso ao existente de quando da decisão de produzir, o que torna o negócio muito arriscado, e a imobilização do capital que os investimentos modernizantes preveem, ainda mais. Os ciclos econômicos mais curtos, observados no período da globalização, deixam o capital das edificações especialmente avesso ao investimento. A industrialização da construção foi um movimento que ocorreu na Europa sob condições específicas de concorrência da “Era keynesiana” que não se colocam no ciclo brasileiro: um longo período de crescimento econômico, com forte regulamentação creditícia e com restrições à mobilidade internacional de capitais; com contenção do processo de valorização da terra urbana, pelo reconhecimento da função social da terra urbana e o fornecimento de infraestrutura; além de políticas de estímulo à eficiência setorial. Esse conjunto de ações favoreceu a industrialização da construção. Assim, para incentivar a industrialização da construção, o ambiente de negócios imobiliários teria de ser ―controlado‖, garantindo de forma mais longeva as boas condições de renda e emprego; de crédito à comercialização de habitações para as famílias de média e média-baixa renda; de financiamento público à habitação de interesse social, com a constituição de um fundo crível, duradouro, para satisfazer essa demanda; de financiamento à produção e ao investimento na Edificação (com caráter contracíclico); de contenção da valorização imobiliária excessiva, em especial dos terrenos urbanos, de forma que os investimentos modernizantes possam maturar e recompensar o risco do produtor individual. Um mercado em condições de demanda 235 mais estável poderia desencadear decisões de investimento quase que simultâneas por toda a cadeia, de forma que o investimento modernizante individual teria seu risco minimizado, por ―todos‖ os concorrentes estarem imobilizando capital para este fim praticamente ao mesmo tempo. O elemento desencadeador desse movimento poderia ser o condicionamento da demanda estatal a ações modernizadoras. No caso brasileiro dos anos 2000, o padrão de negócios assumido foi de concorrência acirrada em termos de crescimento das vendas, e de consecução das obras em grande parte com base na exploração de fornecedores e parceiros de forma temporária, sem estabelecer vínculos mais duradouros que acarretassem sinergias, enquanto o que deveria ocorrer, com vistas aos ganhos de produtividade sistêmica, é uma aproximação técnica maior entre as grandes Construtoras/Incorporadoras, seus parceiros e fornecedores, de forma que a modernização da grande empresa capacitasse os demais agentes do setor, levando ao salto esperado. Credita-se grande parte desse quadro ao alinhamento de interesses do capital imobiliário brasileiro ao do internacional, que através do financiamento relativamente barato do mercado de capitais, lançou uma corrida por participação nas vendas, patrocinando um ciclo imobiliário com crescimento da produção fortemente desorganizado. O Estado brasileiro favoreceu esse processo, não apenas permitindo a entrada do capital estrangeiro no setor, como mesmo promovendo, junto ao capital imobiliário brasileiro, o Programa ―Minha casa, minha vida‖ a investidores estrangeiros, assim como assumiu o Programa, lançado sob uma perspectiva fiscal mais restrita, como o principal elemento da política habitacional do governo federal. O ciclo na verdade havia sido inaugurado pela combinação do crescimento mais geral da economia às condições renovadas do crédito à comercialização de imóveis residenciais (pelo SFH), viabilizando a demanda da classe média, o que despertou o interesse do capital imobiliário internacional, que passou a financiar a expansão da produção e do investimento no setor, via mercado de capitais. A concentração do déficit habitacional nas menores faixas de renda ensejava a produção em larga escala, o que seria propício à industrialização da construção. A crise de 2008 reforçou essa característica com o Programa ―Minha casa, minha vida‖, que renovou o interesse dos estrangeiros, que viam pouco espaço de valorização nas economias 236 estagnadas do Centro. O crescimento das empresas e a consolidação que se seguiu ao crescimento dos negócios também favoreceriam as economias de escala, assim como ampliariam o poder de barganha da Edificação junto aos fornecedores, capacitando-a, inclusive a influenciar no desenvolvimento da indústria de insumos e dos prestadores de serviços, desenvolvendo sinergias de vital importância para a produtividade na Construção como um todo. O que ocorreu, entretanto, foi uma guerra por participação no mercado a custas de endividamento, de parcerias e subcontratações mal desenvolvidas, com alta rotatividade da mão de obra pouco experiente e raramente treinada, baixo entrosamento com fornecedores, levando a atrasos de entrega, baixa qualidade do produto final e queda de rentabilidade das principais empresas do segmento. A disponibilidade de financiamento farto e “barato” à produção e ao investimento, constantemente citada como um importante entrave ao desenvolvimento das empresas locais até então, menos que uma vantagem, sancionou o crescimento acelerado da atividade, resultando na perda de controle dos custos e alguma degradação do padrão de qualidade das construções. No primeiro semestre de 2012, o quadro não é dos mais animadores. Do lado da demanda, não há garantia de recursos à comercialização dos imóveis, cada vez mais caros, para manter as vendas em ritmo crescente. Ainda que seja prolongado o “Minha casa, minha vida”, ou que programas similares surjam, suas condições terão que ser revistas para que as incorporadoras voltem a se sentir atraídas: ou o poder público (nas suas três esferas) reafirma o instituto da função social da terra urbana, o que parece politicamente muito difícil, ou terá que ampliar a remuneração ao capital imobiliário para que ele veja lucratividade nessa operação – onerando o Erário, podendo reproduzir, inclusive as moradias de baixa qualidade, longe dos centros urbanos, dos projetos tão criticados dos anos 1970. Neste quadro, já pouco confortável, a piora do cenário internacional entre o segundo semestre de 2011 e o primeiro de 2012 inspira temor em torno da continuidade do crescimento econômico mais geral, assim como a aversão ao risco se soma às condições já ruins das grandes empresas da edificação que, endividadas, precisam de refinanciamento e de recursos para o giro das suas operações. A captação de recursos nos mercados de capitais tende a ficar problematizada, o que deve se expandir para a rede 237 bancária, podendo ocorrer uma situação semelhante à vivenciada em 2008, em que a consolidação “às pressas”, com auxílio governamental, evitou a quebra das empresas mais frágeis, estendendo o ciclo que havia acabado de se abrir. O financiamento à produção e ao investimento, tal como foi estabelecido, é fortemente pró-cíclico. Os constrangimentos vistos em 2008 estão se recolocando, com parte da demanda da classe média já satisfeita. Acredita-se que esses constrangimentos todos, por outro lado, antes de se darem a esmo, são característicos: i. do período da globalização; ii. da lógica de acumulação mais geral do capital imobiliário, a parcela determinante “do lado da oferta” neste ciclo de negócios, iii. do mercado imobiliário brasileiro. Nessas condições, o ciclo imobiliário apenas se manteria, possibilitando (mas não garantindo) a industrialização da construção, com o Estado “pagando” pela sua continuidade – sancionando o preço crescente da habitação de interesse social e dispondo de recursos públicos para favorecer a consolidação do setor, evitando que quebras importantes interrompam o ciclo. Acredita-se que a ênfase do financiamento à produção e ao investimento das empresas da Edificação no mercado de capitais, com forte participação do capital estrangeiro, fortemente suscetível aos humores dos seus mercados de origem e ávidos por resultados instantâneos, do ponto de vista da industrialização da construção, foi um equívoco. 238 Referências Bibliográficas ABDEL-WAHAB, M., DAINTY, A.R.J., INSON, S. G. How productive is the construction industry? In: BOYD, D (Ed) Procs 22nd Annual ARCOM Conference, 4-6 September 2006, Birmingham, UK, Association of Researchers in Construction Management, 11-19. ALÉM, A.C., MADEIRA, R. 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