UN ICAMP
BEATRIZ FREIRE BERTASSO
EDIFICACOES: IMPASSES DA MODERNIZACAO NO CICLO
DE CRESCIMENTO DOS ANOS 2000
CAMPINAS, 2012
i
iii
B461e
Bertasso, Beatriz Freire, 1969FICHAimpasses
CATALOGRÁFICA
ELABORADA
Edificações:
da modernização
no ciclo dePOR
crescimento
dosMaria
anos 2000
/ BeatrizBuoro
Freire Bertasso.
Campinas,
SP: [s.n.],
Teodora
Albertini– –
CRB8/2142
–
2012.CEDOC/INSTITUTO DE ECONOMIA DA UNICAMP
Orientador: Célio Hiratuka.
Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Economia.
1. Edificações. 2. Incorporação imobiliária. 3. Internacionalização.
4. Industrialização. I. Hiratuka, Célio, 1970-. II. Universidade Estadual
de Campinas. Instituto de Economia. III. Título.
12-046-BIE
Informações para Biblioteca Digital
Título em Inglês: The construction of buildings sector: the barriers to modernization during the
growth cycle in the 2000s
Palavras-chave em inglês:
Buildings sector
Real estate
Internacionalization
Industrialization
Área de Concentração: Teoria Econômica
Titulação: Doutora em Ciências Econômicas
Banca examinadora:
Célio Hiratuka
Claudio Schuller Maciel
Fernando Sarti
Márcia Maria de Oliveira Bezerra
Rodrigo Coelho Sabbatini
Data da defesa: 30-07-2012
Programa de Pós-Graduação: Ciências Econômicas
iv
v
Agradecimentos
Ao prof. Célio Hiratuka agradeço fortemente a orientação deste trabalho. O
incentivo à investigação, as leituras cuidadosas e as discussões que as seguiram foram
fundamentais para que a Tese chegasse a termo. Aos professores Fernando Sarti e Simone
Deos pelos preciosos comentários na qualificação do estudo. Aos professores Márcia Maria
Bezerra, Rodrigo Sabbatini, Claudio Maciel e Fernando Sarti o agradecimento pelas
possibilidades abertas no desfecho desta etapa da minha formação.
Agradeço imensamente ao NEIT ─ instituição que permitiu o resgate do espírito
investigativo que por vezes esmaece na pesquisa solitária. Fernando, Célio, Rodrigo,
Adriana, Marcos, Dani e Zeca foram colegas que se tornaram referência profissional e
pessoal ─ são amigos. Carol, Samantha e Marcelo são queridos e atenciosos companheiros
que fazem tudo se tornar mais fácil.
À FACAMP agradeço não apenas pelo apoio à consecução deste trabalho, mas à
oportunidade de, à certa altura da vida, me tornar professora. Foi a partir do olhar
encantado de alguns alunos que voltei às perguntas que deixei de fazer quando graduanda e
que encontrei sentido no ato rotineiro do trabalho. Este caminho só foi trilhado, por outro
lado, pela profunda admiração pelos meus mestres. Poderia citar inúmeros, mas aqueles que
―se sentaram ao meu lado‖ merecem menção particular: Maria Carolina Souza, Mônica
Baer e Rodolfo Hoffmann têm a minha gratidão e admiração eterna.
À CAPES, que mais uma vez, viabilizou a minha formação.
Aos professores da pós-graduação do IE, e em particular aos professores João
Manuel Cardoso de Mello, Júlio Gomes de Almeida e Luiz Gonzaga Belluzzo, o
agradecimento pelas respostas das perguntas há muito carregadas. Aos funcionários do IE,
o meu carinho pelo apoio permanente.
À amiga Carla e aos pactos que firmamos ao longo do caminho...
Aos meus amados Dado, Cida, Nelson e Rafa – de onde vim e para onde vou...
Obrigada!
vii
Resumo
Este estudo tem como objetivo retratar as principais transformações do setor de
Edificações brasileiro decorrentes do ciclo de crescimento e internacionalização da segunda
metade dos anos 2000, focando, sobretudo, os ganhos de produtividade. Estudos setoriais
tendem a destacar as condições de financiamento à produção e ao investimento, a
disponibilidade de novas tecnologias e de técnicas organizacionais como condição àqueles
ganhos. Observou-se que não houve, como esperado, ganhos importantes da produtividade
agregada do segmento no ciclo de crescimento dos anos 2000, em que aquelas précondições estariam dadas.
Argumenta-se que as condições mais gerais de acumulação no período da
globalização não favoreceriam os ganhos de produtividade nas Edificações. De forma mais
específica, a relativa desconfiança em relação à continuidade das condições de demanda, a
prevalência do capital imobiliário (internacionalizado) na lógica de acumulação do setor e o
não tratamento da questão fundiária urbana seriam os principais motivos do adiamento do
investimento modernizante no segmento.
Palavras-chave:
Edificações,
Incorporação
Imobiliária,
Internacionalização,
Industrialização.
ix
Abstract
The objective of this study is to describe the principle transformations in the
construction of buildings sector in Brazil that resulted from the growth cycle and
internationalization that occurred in the second half of the 2000s. The focus, above all, will
be on the productivity gains. Studies on this sector tend to highlight financing conditions
regarding production and investment, the availability of new technologies and
organizational techniques as conditions to the productivity gains. It was observed that the
aggregate productivity gains in the sector during the growth cycle in the 2000s did not
reach the levels expected. The aforementioned pre-conditions were given.
It is argued that the most general conditions of accumulation at the time of
globalization did not favor the productivity gains in the construction of buildings sector.
Specifically, the relative distrust in relation to the continuity of demand conditions, the
prevalence of Real Estate capital (internationalized) in the logic of sector accumulation and
the negligence of the urban land issue are the principle motives for the delay in investment
to modernize the sector.
Keywords: Buildings Sector, Real Estate, Internacionalization, Industrialization
xi
Lista de Abreviaturas
BNH…………………………………………………………………………..…..Banco Nacional da Habitação
CDI………………………………………………………………………Certificado de Depósito Interbancário
CEF…………………………………………..………………………………………..Caixa Econômica Federal
CNAE…...…………………………………..………………Classificação Nacional de Atividades Econômicas
COHAB………….……………….................................................................................Companhia de Habitação
CPC……………………………………...…..…………………………………...Central Product Classification
CRI……………………………………………………………………..Certificados de Recebíveis Imobiliários
FATS …………………………………………………………………………….…Foreign Affiliates Statistics
FCVS……………………………………………………….…. Fundo de Compensação de Variações Salariais
FGTS………………………………………………………………....Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FIPE……………………………………………………………....Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
IDE…………………………………………………………………………..…..Investimento direto estrangeiro
IFC……………………………………………………………………………International Finance Corporation
ILO……………………………………………...……………………………..……International Labour Office
ISIC……………………………..…International Standard Industrial Classification of All Economic Activities
MSITS……………………………….…………………Manual on Statistics of International Trade in Services
MTE……………………………….………………..……………….…..…..Ministério do Trabalho e Emprego
OCDE…………………………………………..Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONU………………………………………..……………………………...…..Organização das Nações Unidas
PAIC………………………………………….……………………Pesquisa Anual da Indústria da Construção
RAIS……………………………………………………….……………Relação Anual de Informações Sociais
SCN…………………………………..……………………………………………Sistema de Contas Nacionais
SFH……………………………………………………………………………Sistema Financeiro da Habitação
SFI……………………………………………………………..……………Sistema Financianceiro Imobiliário
SNA…………………………………………………………………………….…System of National Accounts
SINAPI………………………………...Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil
SPE………………………………………………………………………..…Sociedade de Propósito Específico
UN………………………………………………………………………….…………………….United Nations
UNCTAD……………………………………………...United Nations Conference on Trade and Development
UNDESASD…………………United Nations Department of Economic and Social Affairs Statistics Division
UNECE…………………………………………………..…United Nations Economic Commission for Europe
VGV……………………………………………………………………………………...Valor Geral de Vendas
Lista de Tabelas
Tabela 1. Número estimado e taxa de crescimento do número de domicílios em determinadas regiões ......... 36
Tabela 2. Exportações Mundiais de serviços da Construção (US$ bilhões e %) ............................................ 64
Tabela 3. Evolução dos financiamentos habitacionais concedidos – Brasil 1964/84...................................... 97
Tabela 4. Proporção (%) de Planos Diretores segundo tipos de estudos específicos realizados .................... 112
xiii
Tabela 5. Influxos de Investimento Direto Estrangeiro no segmento de Construção de edifícios — 2001a 2009
(US$ milhões) .......................................................................................................................................... 126
Tabela 6. Investimento Estrangeiro Direto1 e Renda de investimento direto — lucros e dividendos remetidos.
2006 a 2011, em US$ milhões................................................................................................................... 128
Tabela 7. Variação dos preços medianos (R$) de materiais e serviços da Construção no Estado de São Paulo.
Média do período em relação à média do mesmo período do ano anterior. 2007 a 2011. Em % .................. 143
Tabela 8. Proporção (%) das remunerações dos fatores de produção no Valor Agregado da Construção. 2000 a
2009. ........................................................................................................................................................ 147
Tabela 9. Estrutura de emprego formal e rendimento médio (R$) em empresas incorporadoras e construtoras
no ano de 2009. ........................................................................................................................................ 158
Tabela 10. Número de empresas formalmente estabelecidas no setor de Construção de Edifícios, por tamanho,
com ao menos um empregado. 2006 e 2010. ............................................................................................. 160
Tabela 11. Valor total das obras e/ou serviços do setor de edificações, das empresas com 30 ou mais
ocupados, por tipo de obra ou serviço (R$ milhões de 2009*). 2003 a 2007. .............................................. 165
Tabela 12. Valor total das obras e/ou serviços de Incorporação e de produtos do setor de Construção de
Edifícios, das empresas com 30 ou mais ocupados (R$ milhões de 2009*). 2007 a 2009. ........................... 166
Tabela 13. Valor Adicionado, Gastos com Pessoal e Excedente Operacional Bruto da divisão Construção de
Edifícios e seus grupos (R$ milhões de 2009*). 2007 a 2009. .................................................................... 167
Tabela 14. Estrutura de Custos do grupo Construção de Edifícios (empresas Construtoras e de Incorporação
Imobiliária). 2007 a 2009. ......................................................................................................................... 169
Tabela 15. Proporção (%) das faixas salariais (medidas em Salários Mínimos) na massa salarial do segmento
formal de Construção de Edifícios. 2006 e 2010. ....................................................................................... 170
Tabela 16. Estrutura dos investimentos brutos e líquidos das empresas da divisão Construção de Edifícios
segundo a variação do ativo imobilizado. 2007 a 2009. ............................................................................. 172
Tabela 17. Empresas da Construção, segundo a posição entre as 1000 maiores empresas brasileiras em 2010.
................................................................................................................................................................ 182
Tabela 18. Variação anual nominal do Ibovespa e do Imob em dólares (final de período). 2001 a 2011. ..... 184
Tabela 19. Empresas da Construção, listadas na BM&FBOVESPA ........................................................... 196
Tabela 20. Composição acionária (para participações de 5% ou mais no total de ações ordinárias) das
empresas da Construção, com atuação na Edificação Residencial, listadas na BM&FBovespa. Setembro de
2011. ........................................................................................................................................................ 203
Tabela 21. Investimentos ―de Portfólio‖ da PDG e suas principais características. 2007. ............................ 219
Lista de Figuras
Figura 1. Distribuição do produto e do emprego da construção mundial, em 1998. ....................................... 31
Figura 2 Esquema das formas de obtenção de lucros na construção civil ...................................................... 43
Lista de Gráficos
Gráfico 1. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura da França
(1971:100; 1971–2008) .............................................................................................................................. 26
Gráfico 2. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura do Reino
Unido (1971:100; 1971–2008) .................................................................................................................... 26
Gráfico 3. Produtividade do na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura dos Japão
(1970:100; 1970–2008) .............................................................................................................................. 27
Gráfico 4. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura dos EUA
(1977:100; 1977–2008) .............................................................................................................................. 27
xiv
Gráfico 5. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura da Espanha
(1980:100; 1980–2008) .............................................................................................................................. 28
Gráfico 6. Evolução do custo do trabalho na Construção em relação ao observado na Indústria de
Transformação. 1980 a 2008. ...................................................................................................................... 29
Gráfico 7. Valor adicionado pela construção em economias desenvolvidas e em desenvolvimento (valores
correntes). Número índice. 1980 a 2008. ..................................................................................................... 62
Gráfico 8. Exportação de serviços em geral e de serviços da Construção (valores constantes). Número índice.
1980 a 2009. ............................................................................................................................................... 63
Gráfico 9. Fluxos de IDE dos Países da OCDE no setor da Construção (US$ milhões). 1990 a 2009. ........... 65
Gráfico 10. Estoque líquido de investimentos da OCDE, no setor da Construção, no resto do mundo (valores
correntes). 1990 a 2008............................................................................................................................... 66
Gráfico 11. Número de países-membro da OCDE com afluxo negativo de IDEs. 1990 a 2008. .................... 66
Gráfico 12. Unidades financiadas pelo SFH – 1970 a 2006. ....................................................................... 109
Gráfico 13. Unidades financiadas pelo FGTS – 1995 a 2010...................................................................... 115
Gráfico 14. Proporção de imóveis novos nas unidades financiadas pelo FGTS – 1995 a 2010. ................... 116
Gráfico 15. Taxa de crescimento real da Construção no Brasil e na França. 1950-1990. ............................. 119
Gráfico 16. Participação (%) dos BRIC na importação mundial de serviços da Construção. 2000 a 2010. ... 130
Gráfico 17. Proporção (%) das pequenas e grandes empresas no setor da Construção formal. Brasil, 1985 a
2010. ........................................................................................................................................................ 132
Gráfico 18. Proporção (%) do emprego gerado pelas pequenas e grandes empresas no setor da Construção
formal. Brasil, 1985 a 2010. ...................................................................................................................... 132
Gráfico 19. Proporção (%) do emprego formal, na Construção, na Indústria de Transformação e no conjunto
de atividades econômicas, segundo e o Grau de Instrução. Brasil, 1985 e 2010. ......................................... 134
Gráfico 20. Proporção (%) de empregados (formais) na Construção, na Indústria de Transformação e no
conjunto de atividades econômicas, segundo a faixa etária. Brasil, 1985 e 2010. ........................................ 136
Gráfico 21. Salário dos trabalhadores da Construção, em relação à remuneração analfabetos. Brasil, 1985 e
2010. ........................................................................................................................................................ 137
Gráfico 22. Valor Adicionado da Construção Civil. Média móvel (4 trimestres) da série encadeada do índice
trimestral (Base: média 1995 = 100). IV/1995 a IV/2011. .......................................................................... 138
Gráfico 23. Investimento Público – Formação Bruta de Capital Fixo como proporção do PIB. 1995 a 2009.
................................................................................................................................................................ 139
Gráfico 24. Produção física de insumos típicos da construção civil. 2000 a 2011. ...................................... 140
Gráfico 25. Relação entre o custo médio (R$) do componente mão de obra (SINAPI) e o salário mínimo
nominal brasileiro (R$). Abril/2006 a Janeiro/2012. .................................................................................. 141
Gráfico 26. Proporção (%) de empregados (formais) na Construção e na Indústria de Transformação, segundo
o tempo no emprego. Brasil, 1985 e 2010. ................................................................................................. 144
Gráfico 27. Índices SINAPI (Estado de São Paulo) e Fipe Zap (cidade de São Paulo) –custos da construção e
valorização imobiliária. Fev/2008 a mar/2012 (fev/2008:100) ................................................................... 146
Gráfico 28. Massa de rendimentos brutos da Construção (R$ milhões de 2009*), de 2000 a 2009. ............. 148
Gráfico 29. Produção física de bens de capital para a Construção. jan/2000 a dez/2011. ............................. 150
Gráfico 30. Produtividade na Construção. 2000 a 2009 (R$ de 2009*)....................................................... 151
Gráfico 31. Contribuição (%) das empresas, por número de ocupados, ao crescimento do valor adicionado
pela construção de edifícios e obras de engenharia civil (empresas com 5 ou mais ocupados). 2003 a 2007. 161
Gráfico 32. Contribuição (%) das empresas (com 5 ou mais ocupados), por número de ocupados, ao
crescimento do valor adicionado do grupo ―Construção de Edifícios‖, segundo o tamanho. 2008 e 2009. ... 162
Gráfico 33. Proporção de recursos estrangeiros nas Ofertas Públicas de Ações – BMF&Bovespa. .............. 198
xv
Lista de Quadros
Quadro 1. A Construção e as Atividades Imobiliárias segundo a ISIC Rev.3.1 e a CNAE 1.0 ....................... 48
Quadro 2. A Construção e as Atividades Imobiliárias segundo a ISIC Rev.4 e a CNAE 2.0 .......................... 49
Quadro 3. Ofertas Públicas de Ações – BMF&Bovespa. ............................................................................ 176
Quadro 4. Estratégias para o crescimento das empresas da Construção, segundo os Prospectos de Oferta
Pública de Ações Primárias e Secundárias definitivos. Empresas selecionadas. .......................................... 223
xvi
Sumário
Introdução.......................................................................................................................... 1
Capítulo 1. A Edificação no período da globalização .......................................................... 5
1.1.Edificações
e
Industrialização
da
Construção
...................................................................................................................................... 6
1.1.1. O período da globalização e o padrão de valorização do capital em escala
internacional............................................................................................................... 7
1.1.2. Valorização do capital no segmento de Edificações e a industrialização da
construção................................................................................................................ 16
1.1.3. Edificação residencial, mudança do papel do Estado e dos padrões de
financiamento........................................................................................................... 31
1.2. O segmento de Edificação e suas transformações................................................... 38
1.2.1. Caracterização geral........................................................................................ 39
1.2.2. Internacionalização da Construção .................................................................. 53
1.2.2.1. Formas de internacionalização e barreiras ao capital internacional de
edificações ............................................................................................................... 57
1.2.2.2. A internacionalização, segundo os dados agregados ..................................... 61
1.2.2.3. O capital promotor da internacionalização ................................................... 67
1.3. Considerações finais .............................................................................................. 71
Capítulo 2. Industrialização da Construção e demanda habitacional no Brasil .................. 75
2.1. Industrialização da construção no Brasil ................................................................ 76
2.2. A habitação no Brasil e as pré-condições da retomada de negócios nos anos 2000 . 91
2.3. Considerações finais ............................................................................................ 117
Capítulo 3. Edificações no Brasil - Estrutura e desempenho nos anos 2000 .................... 123
3.1. O capital que aportou no Brasil............................................................................ 124
3.2. A Construção – estrutura e desempenho .............................................................. 130
3.3. Edificações – estrutura e desempenho .................................................................. 152
3.4. As Incorporadoras com ações negociadas em Bolsa ............................................. 174
3.4.1. Conjuntura, consolidação e produtos do ciclo de expansão............................ 175
3.4.2. A composição do capital ............................................................................... 195
3.4.3. Estratégias declaradas e a ―modernização‖ .................................................... 210
3.4.3.1. Histórico e vantagens competitivas ........................................................ 211
3.4.3.2. Estratégias de crescimento ..................................................................... 221
3.5. Considerações finais ............................................................................................ 225
Capítulo 4. Considerações Finais ................................................................................... 233
Referências Bibliográficas ............................................................................................. 239
Anexo ............................................................................................................................ 251
xvii
Introdução
A Edificação é um segmento da Construção Civil, que também abrange a
Construção Pesada. Este estudo busca analisar as transformações ocorridas na Edificação
brasileira, incluindo o segmento imobiliário, no ciclo de crescimento e internacionalização
ocorrido na segunda metade dos anos 2000. Mais especificamente, busca-se avaliar o
potencial de ganhos produtivos que este ciclo pode produzir, tendo como referência o
processo que se convencionou chamar industrialização da construção − um processo de
racionalização do segmento que se deu na reconstrução europeia do pós-guerra, no período
conhecido por ―era keynesiana‖, que teria aproximado a organização da atividade
construtiva à da produção industrial, controlando melhor os custos, gerando importantes
ganhos de produtividade ao setor. Trata-se assim da avaliação dos possíveis ganhos de
eficiência setoriais e não dos ganhos de produtividade das unidades produtivas individuais.
Nas avaliações setoriais, o recente ciclo de crescimento das atividades do segmento
conteria os elementos essenciais para a modernização do segmento no Brasil: um grande
volume de demanda habitacional de baixa renda, que exigiria escala de produção, um farto
volume de financiamento à produção e ao investimento, com importante participação de
estrangeiros, pretensos portadores de tecnologia e modelos de gestão modernos. Buscou-se
então, a partir de políticas setoriais, adequar as condições de oferta para que esta conjuntura
possibilitasse a industrialização da construção local: promover a qualificação da mão de
obra, a normalização de materiais, a redução de tributos, a inovação. Este estudo, ao invés
de avaliar as tradicionais ―condicionantes do lado da oferta‖, privilegia a análise das
condições mais gerais que levariam a ações microeconômicas em direção à
industrialização, gerando os resultados agregados esperados a partir do estabelecimento de
elos mais próximos entre os agentes da cadeia produtiva e entre as grandes e pequenas
unidades produtivas, de forma que os ganhos de eficiência das empresas mais dinâmicas do
segmeto estivessem associados ao salto qualitativo do fornecimento de insumos e de
serviços. A hipótese assumida é que tais condições não estariam postas no período da
globalização, em geral, e nas condições específicas de desenvolvimento do mercado
imobiliário brasileiro.
1
O avanço da análise em direção ao segmento imobiliário se dá porque a maior ou
menor disposição/possibilidade do empresário da Edificação em modernizar a atividade
construtiva está intimamente ligada à relação, mediada pelo Estado, entre a Edificação,
em sentido estrito, e o negócio imobiliário, e notou-se que essa relação foi fortemente
afetada na passagem da era keynesiana ao período da globalização.
A problemática do investimento na Edificação é bastante particular. Em primeiro
lugar, os investimentos modernizantes podem concorrer em termos de recursos com a
aquisição de ―terrenos urbanizados‖, uma parcela incontrolável e imprescindível das
despesas da Edificação. Em termos capitalistas, o ―terreno‖ viabiliza um empreendimento
imobiliário e, dependendo ―das condições de mercado‖, potencializa ganhos ao capital que
superam o lucro operacional (geram lucro imobiliário). Assim o ―terreno‖ é ao mesmo
tempo uma parcela não controlável dos custos (que pode anular eventuais ganhos com a
modernização) e uma fonte de lucros extra-operacionais da Edificação, sendo um gasto
prioritário aos empresários do segmento. Em segundo lugar, o longo tempo de produção e o
alto valor unitário do imóvel também problematizam o investimento nas Edificações por
tornar o segmento muito vulnerável às reversões cíclicas de forma geral, e ao ciclo de
crédito à produção e comercialização, em específico. Produtores podem começar suas obras
em um ambiente de crescimento econômico e terminar em conjuntura de crise, vendo suas
expectativas de vendas frustradas, o que também os faz resistir, temer fortemente, à
imobilização de capital em investimentos modernizantes. Desta forma, mercados que
apresentam forte instabilidade econômica/creditícia e importante oscilação de preços dos
ativos imobiliários não ensejariam investimentos no segmento em volume e extensão
necessária a que se desencadeasse a industrialização da construção.
No pós-guerra europeu, as condições de formação dos preços dos terrenos urbanos
foram ―controladas‖ com o uso da função social da terra e com a promoção de
infraestrutura urbana pelos Estados, assim como os preços dos imóveis, sobretudo
residenciais, eram relativamente estáveis devido ao fluxo continuado de produção e
comercialização com base na demanda estatal de habitações de interesse social e no crédito
intermediado, regulado, para as famílias de classes intermediárias de renda. O controle do
movimento internacional de capitais fazia desse um mercado estritamente nacional,
subordinando o avanço do financiamento às condições e regras locais.
2
A contenção dos preços dos terrenos trouxe previsibilidade aos custos de produção
da Edificação e a estabilidade dos ganhos ―imobiliários‖ reforçou a importância do lucro
operacional, incentivando o investimento modernizante, numa conjuntura de baixa oferta de
mão de obra. O cenário de crescimento econômico persistente corroborou aquelas
condições e então se deu a industrialização da construção. Essas condições não se
colocariam mais no período da globalização.
Os ciclos econômicos se tornaram mais curtos e acentuados a partir da dissolução da
ordem internacional estabelecida em Bretton Woods. A liberalização financeira favoreceu
um crescente movimento internacional de capitais, que inclusive passou a explorar os ciclos
imobiliários nacionais, acentuando-os e abreviando-os, favorecendo escaladas de preços
que carregariam consigo a própria reversão cíclica, já que a alta dos preços dos imóveis
limitaria a faixa da população apta a adquiri-los. A política habitacional, inclusive no
aspecto creditício, mudou de natureza. O investimento modernizante voltou a ser muito
arriscado no segmento, ao mesmo tempo em que os ganhos com a possível redução de
custos nas obras ficaram diminutos frente ao lucro imobiliário potencial.
Para empreender a análise partiu-se então da observação das condições históricas da
industrialização da construção europeia, e do atual modus operandi do segmento nas
economias Industrializadas. Questionou-se se as condições para a industrialização da
construção ainda estariam postas no período da globalização. Só então observou-se o
debate e a prática da modernização do segmento no Brasil e os impactos do ciclo recente
sobre a sua estrutura.
Dentro desta perspectiva, o estudo compreende três capítulos e uma seção com
considerações finais. No primeiro capítulo é descrito o setor da Construção em geral, e o
segmento da Edificação, em específico, contextualizado na transição do Regime keynesiano
ao da globalização, destacando suas mudanças fundamentais e as novas bases de
internacionalização do capital. No segundo capítulo, explora-se, para período semelhante,
as condições de demanda habitacional no Brasil e a sua relação com a Industrialização da
Construção local. No terceiro capítulo, a fim de verificar a hipótese do estudo, avaliam-se
as mudanças estruturais ocorridas no período recente, no mercado brasileiro, e a
potencialidade de transformação produtiva que carregaram. As Considerações Finais se
atêm às conclusões mais gerais do trabalho.
3
Constatou-se que, do ponto de vista acima apontado, abstraindo-se as condições de
oferta mais estritas, os condicionantes europeus à industrialização da construção nunca
teriam se colocado no Brasil. A instabilidade típica de economias periféricas e a ―não
intervenção‖ do Estado brasileiro sobre a formação do preço da propriedade imobiliária
seriam, por si só, fortes empecilhos àquele movimento; o que se manifesta nas décadas de
1970 e de 2000, ainda que de formas diferentes.
É importante ressaltar que a unidade de análise explorada é o setor − todas as
referências a produtores ou investidores em específico são para marcar o comportamento
típico observado, e não uma proposta de análise microeconômica. Também salienta-se a
grande dificuldade de destacar o comportamento específico do segmento de Edificações do
da Construção, seja nas estatísticas, seja em parte significativa das referências
bibliográficas − o que levou, em alguns momentos, à generalização do comportamento do
setor como um todo (a Construção) ao seu segmento (a Edificação).
4
Capítulo 1. A Edificação no período da globalização
O objetivo último deste estudo é avaliar as transformações ocorridas no segmento
produtor de Edificações brasileiro decorrente da aceleração do nível de atividade e do novo
padrão de negócios trazido por estrangeiros para o mercado local, com ênfase nas
transformações produtivas. Para tanto, julga-se necessária a compreensão mais geral do
atual padrão de acumulação da parcela ―globalizada‖ do segmento – objeto do presente
capítulo.
Para vários agentes, a entrada de capital estrangeiro no segmento de Edificações
brasileiro, e mesmo a disciplina exigida pelo mercado de capitais às empresas locais,
potencializaria uma revolução no modo de produzir no Brasil. A referência de
modernização produtiva foi recorrentemente a “industrialização da construção”,
um
processo de incorporação de métodos de produção padronizados, típicos da indústria,
que se deu na reconstrução europeia do pós-guerra, ―onde os países destruídos pela
guerra exigiram uma produção em larga escala e com um ritmo acelerado‖ ( BANHAM, R.
apud CAETANO, 2001), que teria garantido ganhos importantes de produtividade. Tal
situação seria semelhante à que se verificaria no Brasil, ao enfrentar a questão do grande
déficit habitacional e de infraestrutura, acumulados ao longo de 25 anos de baixo
crescimento entre as décadas de 1980 e a de 2000.
O intuito do capítulo é reproduzir, em grandes linhas, o ambiente em que se deu a
industrialização da construção europeia e contrastá-lo com o padrão atual de negócios da
Edificação, indagando se o capital internacional que estaria aportando no Brasil seria, de
fato, portador da modernização produtiva que em geral lhe atribuem.
Com este objetivo, o capítulo foi organizado em três subseções. A primeira procura
recuperar os aspectos mais gerais da transição do regime de Bretton Woods, em que se deu
a industrialização da construção, para o atual, vulgarmente apresentado como
―globalização‖, dando especial atenção às mudanças de padrão de internacionalização do
capital; assim como articular este quadro ao de acumulação específica do segmento de
Edificação ─ quando se enfatiza a Edificação residencial, que seria a parcela mais afeita à
baixa produtividade e à informalidade, rebaixando a produtividade do setor como um todo.
A segunda subseção procura caracterizar de forma mais detalhada o setor da Construção e
5
sua internacionalização (com ênfase no segmento de Edificações), destacando as mudanças
ocorridas no processo de globalização, procurando identificar o perfil médio do capital
internacionalizado, tanto através de estatísticas agregadas, como pela análise do discurso
dos agentes que estariam promovendo esse processo. Na terceira subseção articula-se
alguns comentários gerais sobre o tema.
Algumas opções tomadas em relação à organização do texto merecem ser
explicitadas. Ainda que exija algum esforço de articulação de conhecimento prévio do
leitor, a opção de apresentar as características da lógica de acumulação do segmento (tomo
1.1.) antes de expor a sua estrutura (tomo 1.2.), justifica-se por compreender que aquelas
seriam fundamentais para explicar as transformações estruturais que ocorreram no
segmento analisado.
Em relação ao conteúdo, três considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar,
julga-se importante salientar que, embora se reconheça a importância do segmento produtor
de insumos para as transformações na atividade de edificar, optou-se por observar o setor a
partir da demanda do segmento imobiliário, e não o contrário, o que justifica a ausência de
um maior detalhamento da indústria de componentes e de serviços para a Construção. Em
segundo lugar, considera-se igualmente relevante destacar que, embora a referência do
processo de modernização se dirija ao caso europeu, que se deu em condições de demanda
concentrada no tempo como a que ocorreria no caso brasileiro, atribui-se ao capital de
edificações internacionalizado em geral, e não somente ao europeu, essa função
modernizadora. Finalmente, há que se registrar, ainda, a dificuldade de desmembramento
de dados e mesmo de referências a respeito da Construção e da Edificação ─ o que levou a
que em alguns momentos se recorresse à descrição do setor como um todo para tecer
inferências sobre o segmento de interesse.
1.1.
Edificações e Industrialização da Construção
Acredita-se que ideias como a da transposição das condições da ―industrialização
da construção”, um fenômeno historicamente localizado, para a atualidade, assim como da
capacidade de capitais estrangeiros carregarem consigo tecnologias e métodos
organizacionais em um processo de internacionalização, necessitem de maior investigação.
6
Neste sentido, esta seção procura desvendar as características do padrão de acumulação
mais geral vigente, e o específico da Edificação, com especial atenção às condições de
demanda habitacional, referência para a industrialização da construção europeia.
1.1.1. O período da globalização e o padrão de valorização do capital em
escala internacional
Entende-se por globalização, um período da história do capitalismo de forte
aprofundamento da internacionalização das economias, com crescente liberalização
econômica e progressivo predomínio dos mercados de capitais como fonte de
financiamento à produção e ao investimento (sob liderança da economia norte-americana).
Este movimento se deu a partir da dissolução do regime precedente, que teria base
nos acordos firmados em Bretton Woods, que ficou conhecido por ―anos dourados do
crescimento capitalista‖ ou ―era keynesiana‖ a despeito de o arranjo institucional acordado
em Bretton Woods ter fugido ao idealizado pelo próprio Keynes, representante Inglês nas
negociações que firmaram os pilares da ordem econômica internacional do pós-guerra1.
A principal dissonância do arranjo acordado ao idealizado por Keynes foi a adoção
do dólar como moeda internacional. Keynes solicitava a adoção de uma moeda
internacional que exercesse apenas a função de Unidade de Conta (ativo que possibilitaria
estabelecer preços relativos das mercadorias), e não de Reserva de Valor, passível de
entesouramento (PRATES e CINTRA, 2008), o que não se deu. Ainda que se tenha
adotado a proposição de câmbio fixo, reajustável, sob os cuidados do Fundo Monetário
Internacional (FMI), e a possibilidade de imposição de controles cambiais pelas economias
nacionais, o que postergou os eventos especulativos que Keynes previa naquela arquitetura,
as tensões do sistema começaram a aparecer no final dos anos 1960.
Até então se deu um período de forte crescimento conjunto das economias
capitalistas. O desenho institucional da nova ordem econômica internacional foi suficiente
1
Segundo Braga e Cintra (2004) a nova ordem monetária internacional, que se estabeleceu em 1944 a partir do papel
hegemônico dos EUA fundou-se em 4 pilares: i. regime de cambio fixo, ajustável; ii. o ouro como ativo de reserva
internacional (base material que limitava a expansão monetária); i. livre conversibilidade entre as moedas nacionais,
garantindo a plena mobilidade de capitais, com possibilidade de exercício de controles dos fluxo de capitais de curto
prazo; iv. instituição do FMI e do Banco Mundial para auxiliar no controle dos fluxos e evitar problemas cambiais mais
sérios.
7
para estabelecer um ambiente de estabilidade internacional, ―liberando‖ as políticas
econômicas do compromisso com o ajuste dos Balanços de Pagamentos, em favor do
desenvolvimento, da industrialização e do progresso social (BELLUZZO, 1995, p.12). Os
preços macroeconômicos, o câmbio e o juro, puderam, assim, ser arbitrados conforme
estratégias de controle da renda e do emprego.
Aos Estados coube o papel de estimular o crescimento econômico, prevenir os
movimentos cíclicos acentuados, corrigir os desequilíbrios sociais em âmbito nacional
(BELLUZZO, 1995, p.12). À economia hegemônica, que resguardou a si o poder de sua
moeda e os ganhos de senhoriagem, cabia atuar como regulador das condições de liquidez
do sistema econômico internacional, com o Banco Central norte-americano exercendo,
inclusive, a função de emprestador de última instância 2, assim como de fonte autônoma de
demanda efetiva (BELLUZZO, 1995).
A dissolução desse arranjo virtuoso, segundo Belluzzo (1995) decorreria do seu
próprio
sucesso.
A
reconstituição
do
parque
produtivo
das
economias
―parceiras/competidoras‖ (Alemanha e Japão, sobretudo), sob bases técnicas e
organizacionais mais eficientes que a existente nos Estados Unidos, se materializou em
déficits comerciais recorrentes da economia norte-americana e em um forte acirramento da
concorrência intercapitalista. O excesso de liquidez em dólares no mercado internacional
despertou desconfiança em relação à paridade-ouro daquela moeda, rompida em 1971, e o
dólar passou a flutuar, numa trajetória de desvalorização contínua, desde 1973
(BELLUZZO, 1998). Nesse movimento, fica clara a problematização do dólar como padrão
mais geral de medida da riqueza.
No contexto de crise do sistema de regulação de Bretton Woods (BELLUZZO,
1995,
p.15),
foi
sendo
organizado
um
circuito
financeiro
internacionalizado,
desregulamentado, reforçado pelos ―petrodólares‖ ─ o euromercado e os paraísos fiscais ─
que gerou, segundo Belluzzo (1998), uma etapa da internacionalização financeira que
resultou no primeiro ciclo de endividamento da periferia no pós-guerra (BELLUZZO,
1998, p.103), ainda com base no crédito bancário.
Em 1979, com uma forte elevação da taxa de juros, os Estados Unidos reafirmam o
poder da sua moeda, detonando uma séria crise de liquidez internacional, implicando nas
2
com auxílio do FMI, segundo Cintra e Prates (2008).
8
importantes crises de Balanços de Pagamentos da Periferia ao longo dos anos 1980 e na
reestruturação bancária no Centro. A supremacia do dólar como moeda-reserva se
recompôs, em bases financeiras, e o Sistema Financeiro e Bancário norte-americano
recuperou sua centralidade, com feições mudadas pela crescente desintermediação bancária
(ampliação da securitização). A contraparte destes movimentos foi a ampliação da
flutuação das taxas de câmbio e o uso de políticas monetárias para controlá-las, ou seja, a
instabilidade internacional volta a impor a sujeição dos preços macroeconômicos ao ajuste
dos Balanços de Pagamentos. A liberalização financeira que se seguiu ratificou a
globalização financeira, acentuou os ciclos de crédito, ampliou a volatilidade do preço dos
ativos, encurtou os ciclos econômicos, enfim, se deu o desmonte do arranjo de Bretton
Woods.
Os desenvolvimentos posteriores à retomada da hegemonia financeira norteamericana, que fortaleceram a finança direta, teriam levado assim a uma segunda etapa da
internacionalização financeira, ou nas palavras de Belluzzo (1995), a uma ―segunda etapa
da globalização‖ (p.104), com ―a generalização e a supremacia dos mercados de capitais
em substituição à dominância anterior do sistema de crédito comandado pelos bancos‖
(BELLUZZO, 1998, p.104).
Os Estados potencializaram a expansão internacional dos capitais, desta maneira,
minimizando, no âmbito regulatório, a discriminação do capital quanto a sua origem.
Carvalho at alli (2007) assinalam que enquanto a internacionalização anteriormente
praticada limitava-se a abrir as economias nacionais à penetração de capitais estrangeiros,
no período da globalização haveria o movimento adicional de redução de barreiras de
natureza legal e institucional entre elas. Este movimento implicaria na equalização de
condições de operação do capital e, com isso, a tendência à unificação de mercados
(CARVALHO at alli, 2007, p.298).
Esse novo padrão de internacionalização, por outro lado, teria chegado à periferia de
forma quase que imperativa. Como colocou Chesnais (1996), o atual padrão de
internacionalização, vulgarmente conhecido por globalização, com origem nos anos 197080, seria antes de tudo o resultado da imposição de um modelo liberal, o neoliberalismo,
por algumas economias, e o aceite de outras. Este aceite, por outro lado, representou na
periferia, ―em todos os países em que as oligarquias agrárias e financeiras nunca foram
9
desenraizadas‖, a ampliação da capacidade dessas oligarquias de centralizar e concentrar o
capital (Chesnais, 2005), reafirmando as condições de subdesenvolvimento, em que é
possível combinar novas tecnologias e métodos de gerenciamento, ―com as formas de
exploração mais retrogradas da força de trabalho e do meio ambiente‖ (Chesnais, 2005,
p.22).
Nessa realidade, as tensões econômicas internacionais estariam cada vez menos se
caracterizando por uma rivalidade ―Norte-Sul‖ e mais por exprimir ―rivalidades entre
frações diferentes de um mesmo capital concentrado e internacionalizado‖ (Chesnais, 2005,
p.22), como a manifesta nos impasses da OMC em relação aos capitais agroindustriais, por
exemplo.
O capital, assim, vai se distinguindo cada vez menos por sua nacionalidade, assim
como também vai perdendo cada vez mais os vínculos com as suas formas particulares
(produtivo/financeiro), já que o mercado de capitais permite a sua ―transmutação‖ de
―formas‖ cada vez mais fácil, na sua busca incessante por gerar mais valor.
No campo da internacionalização do capital, desde meados do século XX (no pósguerra, portanto) procurou-se desvendar as diferentes motivações que o levaria para a
―aventura‖ em outras nações, desdobrando a discussão entre a internacionalização do
capital líquido, os investimentos ―de portfólio‖, e a dos ―capitais produtivos‖, associada à
expansão da grande empresa transnacional (GONÇALVES, 1991 e 2002). Em grandes
linhas, enquanto o capital líquido teria no diferencial de rentabilidade e na diversificação
geográfica de riscos seu principal móvel, a internacionalização produtiva se daria em
função, sobretudo, do crescimento da firma e do enfrentamento da concorrência.
Na ―moderna teoria da internacionalização da produção3‖, o Investimento
Estrangeiro Direto (IDE), o Comércio Internacional e as Relações Contratuais,
geralmente associadas aos licenciamentos (GONÇALVEs, 2002), seriam formas
alternativas de as empresas produtivas exporem a sua mercadoria a não-residentes,
configurando o processo de internacionalização.
No período da globalização a forma mais comum de praticar IDEs foi a de fusões e
aquisições, em detrimento dos investimentos de tipo greenfield – um retrato do intenso
3
Para Gonçalves (2002) a internacionalização da produção ocorreria sempre que residentes tivessem acesso a bens e
serviços com origem em não residentes.
10
processo de concorrência no segmento produtivo e da forma patrimonialista que os
investimentos assumiram. Esse movimento, segundo Carneiro (2007), estaria associado à
centralização de capitais, à interpenetração patrimonial e à ―diversificação da propriedade
como leitmotiv principal do IDE‖ no período (p.21) – quando se formaram grandes grupos
que passaram a atuar em mais de um segmento econômico. Além disso, quando se tratam
de IDEs em direção à periferia, em busca de mercados consumidores (investimentos de tipo
market-seeking), a aquisição de ativos produtivos já existentes, em detrimento da
construção de novos, poderia significar que o capital entrante não necessariamente
carregaria consigo novas tecnologias de produto ou processo, como se lhe preveria
(CARNEIRO, 2007).
Sarti & Hiratuka (2010), por sua vez, lembram que o IDE com base em fusões e
aquisições reforçam ―(…) a importância da capacidade financeira das empresas e as
condições de financiamento para o processo de internacionalização‖ (p.5) reforçando a sua
dependência dos mercados financeiros. Não por menos Chesnais (1998) assinala que a
expansão financeira foi fundamental para o avanço do padrão de internacionalização
produtiva que se colocou.
Parte importante das Relações Contratuais, por sua vez, estaria relacionada, neste
período, a ―novas formas de investimento”, que para Chesnais (1996) caracterizariam
formas rentistas de investimento produtivo. Seriam parcerias, joint-ventures, participações
minoritárias, em que a grande empresa transnacional apenas disponibilizaria seu
―conhecimento‖, seu ativo intangível, sem necessariamente realizar um aporte de capital,
em troca de participação no faturamento ou nos lucros. Esses investimentos, além de
gerarem renda, o lucro, mesmo que na forma rentista para o cedente do ativo intangível,
não descartam a possibilidade de renegociações contratuais e mesmo a venda futura do
ativo e geração de ganhos patrimoniais.
Na dimensão financeira, a crescente liberalização dos fluxos de capitais e a
permissão para atuação de instituições financeiras estrangeiras nas diferentes praças
nacionais teriam conformado o ―sistema financeiro global‖ (SICSÚ, 2006). Chesnais
(1998) qualifica tal Sistema como um conjunto de sistemas financeiros nacionais,
imperfeitamente interligados, hierarquizado − tendo a praça nova-yorquina no topo da
11
hierarquia4−, sem a existência de instituições supranacionais que regulem ou
supervisionem as operações em curso, e cuja unidade, o elemento central de interligação
entre as praças, é dada por um pequeno conjunto de operadores financeiros. Nas
palavras do autor:
[…] o efetivo contexto dessa interligação decorre, de maneira concreta,
das decisões tomadas e das operações efetuadas pelos gestores das
carteiras mais importantes e mais internacionalizadas.
[…] são os operadores que delimitam os traços da mundialização
financeira e que decidem quais os agentes econômicos, de quais países e
para quais tipos de transação, que participarão desta. (p. 12-13)
É neste sentido que Chesnais (1996) afirma que a globalização seria uma fase
específica do processo de internacionalização do capital e de sua valorização, à escala do
conjunto das regiões do mundo onde existiriam recursos ou mercados, e só a elas (p.32).
Os operadores a que Chesnais (1998) se refere são os gestores dos grandes fundos de
pensão e mútuos (Investidores Institucionais), ou tesoureiros de grandes bancos, que
movem volumosas massas de capital líquido ―dentro das‖ e ―entre as‖ economias em que
visualizam potenciais ganhos.
Uma das características deste período, aliás, seria a aceleração dos fluxos
internacionais de capital na forma líquida – ou ―quase-líquida‖, seja em títulos de curto
prazo, seja de prazo relativamente mais alongado, mas facilmente conversíveis em poder de
compra imediato em mercados secundários plenamente desenvolvidos e integrados. O
movimento destes capitais, entretanto, estaria longe de ser neutro em relação à esfera real.
A título de exemplo, cita-se Belluzzo (1999), que mostra como a alocação desses capitais
foi importante para a formação da bolha que precedeu a crise asiática, de 1997:
No caso das economias da Ásia era ampla a oferta de ações, projetos
imobiliários e industriais que prometiam alta rentabilidade, localizados em
economias com programas ambiciosos de modernização urbana e com
tradição de elevadas taxas de crescimento e prolongados períodos de
expansão econômica. A isso deve-se adicionar a convicção, disseminada
entre os investidores e entre agências de avaliação de risco (e confirmada
pelas análises dos organismos multilaterais), quanto à sólida situação
macroeconômica dos países da região. Essas ‗convenções‘ otimistas
exacerbaram o ‗choque de demanda‘ sobre o conjunto de ativos,
provocando o surgimento de fenômenos inter-relacionados:
4
posição garantida sobretudo pelo papel central da moeda norte-americana no sistema de pagamentos internacional e dos
títulos do Tesouro norte-americano como ativos de reserva internacional.
12
sobreinvestimento nas áreas consideradas mais ‗dinâmicas‘, explosão de
preços de ativos de oferta inelástica, sobrevalorização de moedas, déficits
crescentes em transações correntes, endividamento em moeda estrangeira
e, finalmente, fragilidade financeira. (p.109)
Ou seja, a lógica microeconômica de alocação de capital, no ritmo acelerado do
mercado de capitais, pode gerar sobre-acumulação (e crise).
A nova face do investimento produtivo e do seu financiamento constituída neste
período muda mesmo a natureza dos investimentos. Chesnais (1998), comparando as
operações de investimento produtivo em escala internacional do início do século XX
(quando também preponderava o liberalismo, ainda que de outra composição) e o atual,
aponta para o caráter relativamente volátil que essa operação assumiu:
Em termos reais, os investimentos diretos permanecem em níveis talvez
inferiores aos que haviam atingido no começo do século (Dunning, 1993:
Bairoch, 1996). Mas esses investimentos estão bem mais concentrados do
que naquela época, e também muito mais propensos a se desvencilharem
rapidamente. Em inglês, diz-se que eles têm foot-loose, ‗pé solto‘ (p.13)
No período da globalização, com a expansão das operações dos mercados de
capitais, poder-se-ia dizer então que as características do ―investimento produtivo‖ se
aproximaram em alguma proporção, e mais em alguns setores do que em outros, à dos
―investimentos em portfólio‖, uma vez que os mercados de ações permitem aos capitalistas
individuais se descomprometerem, desmobilizarem os investimentos realizados. Neste
sentido, a crescente liberalização teria permitido não apenas a ampliação dos fluxos de
bens, serviços e capitais, como promovido a formação de mercados mais amplos e
profundos para os diversos ativos existentes, dando aos detentores de riqueza a capacidade
mais desejada – a de converter ativos que por natureza seriam ilíquidos (e o são para a
sociedade), em dinheiro, possibilitando a valorização do capital não apenas pelos
fluxos de renda que gera, mas também, e cada vez mais, pelos ganhos patrimoniais
que a oscilação dos preços dos ativos pode produzir (CHESNAIS, 1996).
Chesnais (2005), no prefácio à edição brasileira do livro que organizou sob o título
―A finança mundializada‖, faz uma revisão crítica da sua compreensão sobre a natureza da
internacionalização do capital então vista. Sua interpretação inicial (em A mundialização do
capital, de 1996) ligava a mundialização do capital à internacionalização do grande grupo
13
industrial transnacional, com indicação de crescente importância do capital líquido no
direcionamento desse processo ─ idéia que consolidou no texto de 1998, quando a
liderança financeira já se mostra absoluta. Na sua interpretação mais recente, coloca que o
desafio decisivo para a compreensão da mundialização seria apreender ―o movimento da
acumulação como um todo, assim como os novos espaços da polarização da riqueza em
certos pólos do sistema mundial e de miséria em tantos outros.‖ (Chesnais, 2005, p. 18). Ou
seja, ao capital interessa apenas a sua transformação em mais valor, independentemente da
forma particular que assume, o que não é verdade para a sociedade, que se vê ―enriquecida‖
ou ―empobrecida‖, segundo as determinações do capital que se move com plena liberdade.
Nos ―trinta anos gloriosos‖, na ―era keynesiana‖, a regulação privilegiou a distinção
das formas particulares do capital em ―produtivo‖ e ―bancário-financeiro‖, para pô-los a
serviço da geração de renda e emprego, o que se manifestou até mesmo nas interpretações
teóricas a respeito de seus padrões de acumulação em âmbito internacional, como se viu.
No profundo movimento de liberalização, promovido pelos Estados, essas barreiras foram
fortemente atenuadas, permitindo ao capital a fluidez que o permite se valorizar
―transmutando-se‖ na forma que melhor se lhe aprouver a cada momento.
Para Braga (1998, p.195), a lógica de valorização da riqueza no período da
globalização seria a da financeirização, em que os capitais buscam valorizar-se
simultaneamente através do processo de geração de renda, através dos lucros operacionais,
vinculados diretamente à produção, e de capitalização, em que a variação dos preços dos
ativos garante aos seus detentores ganhos ou perdas patrimoniais – com predominância
crescente da última parcela. Sendo a financeirização uma lógica que invade todas as esferas
de valorização da riqueza, ela atinge o processo de internacionalização econômica em geral.
Assim, o mercado de capitais mundialmente integrado, com seus diversos títulos e moedas,
seria o espaço em que o padrão de riqueza financeirizada se manifestaria (BRAGA, 1998).
Indo em direção ao empirismo, os sistemas estatísticos existentes, por outro lado,
pouco auxiliam na avaliação dessas proposições. Se estão longe de permitir a avaliação da
constante mutação de formas do capital, também têm poder explicativo pequeno sobre os
movimentos do capital nas formas particulares.
Nos tradicionais sistemas estatísticos, privilegia-se a observação dos dados de
movimentação de capitais produtivos e pouco é esclarecido a respeito do direcionamento
14
setorial dos capitais líquidos
cuja avaliação exige um esforço investigativo primário
importante.
Mesmo na avaliação dos movimentos do capital produtivo, os resultados podem ser
enganosos. Sobre as estatísticas de fluxos de IDEs, por exemplo, que seguem as
recomendações do FMI, que considera uma operação de IDE aquela em que um estrangeiro
adquire 10%, ou mais, das ações ordinárias ou do direito de voto de uma empresa local, o
novo padrão de financiamento e mesmo de estrutura de capital das empresas, pode distorcer
a interpretação dos dados disponíveis. Para Chesnais (1996) o novo ―tamanho‖ das
empresas e o formato de financiamento ao investimento, levam a que as estatísticas de IDE
tenham um poder explicativo cada vez menor para a internacionalização que se pretende
avaliar, podendo não revelar o ―interesse duradouro‖ que o IDE pressuporia, assim como
também pode ser imprecisa de outras formas:
i.
a contabilidade dos fluxos nos Balanços de Pagamentos desconsidera as
relações de investimento que não envolvem fluxos monetários. Existem
investimentos, por exemplo, que são financiados através do mercado de
capitais do país receptor – o que não será captado nos registros do Balanço
de Pagamentos5.
ii.
outra situação, não incomum, é que mesmo com uma parcela menor de 10%
das ações, o investidor estrangeiro é o controlador da firma.
iii.
a própria destinação dos recursos da operação nominada IDE pode ser outra,
que não a esperada pela teoria.
Ou seja, os dados dos Balanços de Pagamentos devem ser utilizados como
indicadores de nível e tendência das operações de Investimento Estrangeiro, mas não
exaurem a análise (CHESNAIS, 1996, p.55-57).
É neste quadro que se discute a internacionalização do segmento de Edificações e
seus efeitos na esfera produtiva brasileira. Julga-se que o segmento é especialmente afeito
ao atual padrão de valorização do capital, o que justifica o crescimento das operações
internacionais no seu ―entorno‖.
5
Esse exemplo se aplica à criação de uma grande Incorporadora no Brasil, à partir a fusão de outras três, em troca,
sobretudo, de assunção de dívidas. Se houve o ingresso de capital, foi de pequena monta, e o registro pode nem mesmo ter
ocorrido na forma de IDE.
15
1.1.2. Valorização do capital no segmento de Edificações e a
industrialização da construção
Muitos estudos setoriais no Brasil salientam o ―atraso‖ do setor da Construção local
e em geral buscam a origem de tal atraso nas condições de oferta, como na ―qualidade‖ e
quantidade de mão de obra disponível, no setor produtor de insumos, na tributação, no
padrão de gestão do capital da Edificação. O financiamento também é apontado como um
limite à expansão e modernização desse capital.
Esses argumentos, como melhor explorado adiante, coincidem com o diagnóstico de
organismos internacionais de que as empresas da Construção das economias
industrializadas seriam superiores às dos países em desenvolvimento em termos técnicos e
financeiros, sendo que a parceria entre elas fortaleceria as últimas (UNCTAD, 2000, p. 6-7).
Nota-se entretanto, que existem condicionantes ao investimento neste segmento que
não são comuns aos setores industriais típicos, que devem ser explicitados ao se avaliar o
movimento ―modernizante‖ na Construção/Edificação em cada economia. O setor da
Construção, e em específico o das Edificações comerciais e residenciais, é considerado
―atrasado‖ inclusive nas economias industrializadas, onde também apresentaria um padrão
de acumulação mais próximo ao da manufatura que da indústria (paradigma
fordista/taylorista), de forma que o ―atraso‖ brasileiro seria, então, apenas relativo. Há,
assim, em maior ou menor grau, um certo domínio da mão de obra sobre o ritmo da
Construção, que teria sido ultrapassado na Indústria.
Farah (1996) faz uma revisão da literatura a respeito, transitando entre o caso geral e
o brasileiro. A autora chama atenção para os limites da própria Construção (com ênfase na
edificação habitacional) à racionalização das atividades: trata-se de um setor que convive
permanentemente com a variabilidade, e que, por suposto, não seria afeito à mecanização e
padronização prevista no sistema industrial ─ cada obra tem suas características técnicas,
dado o tipo de empreendimento (vertical/horizontal, de muitas ou poucas unidades, com
acabamento ―padrão‖ ou de luxo, etc), e localização (topografia, posicionamento do
terreno, proximidade a fornecedores, mão de obra, etc), de forma que há limites objetivos
à racionalização das obras.
Além dessas características objetivas da Construção, que limitam a sua
racionalização, Farah (1996) aponta para outras que restringiriam o movimento
16
microeconômico em direção à modernização, que derivam da dinâmica mais geral de
acumulação do setor. Ganhos “externos” à Construção desviariam os esforços em
direção à eficiência produtiva, pois constituiriam “desestímulos” à incorporação de
progresso técnico e organizacional de forma autônoma pelas empresas de Edificações:
i. a apropriação privada da terra (a propriedade fundiária urbana), que subtrai da
atividade de edificar a possibilidade de gerar lucros previsíveis com a mecanização e
a organização da produção.
A autora esclarece o argumento com um exemplo: se uma construtora promove um
investimento em equipamentos ou em remodelação organizacional, poderá incorrer em
maior lucratividade momentânea (abstraindo o custo do investimento), o que não
necessariamente se repetirá nas obras seguintes. Se a aquisição de um novo terreno
significar um maior desembolso, parte do ―lucro‖ trazido pela inovação seria incorporada
pelo capital imobiliário, e não pelo produtor – o que diminuiria o incentivo ao investimento.
É possível até mesmo supor que um alto investimento pró-eficiência pode fragilizar a
empresa diante da concorrência, que não incorreu em gastos adicionais e pode suportar
melhor eventuais elevações do custo dos terrenos, ou mesmo comprar terrenos melhor
localizados.
O ―terreno‖ urbano privado seria desta forma uma parcela “incontrolável” dos
custos da Edificação, e uma decorrência da sua existência seria que os lucros no segmento
seriam muito inconstantes. Assim sendo, os ganhos de produtividade dificilmente seriam
repassados aos preços do produto, inviabilizando a formação de algo semelhante a um
mercado de massas para a Edificação – donde viria a necessidade de participação Estatal
para “estabilizar” as flutuações de preços da terra urbanizada, especialmente no caso
da habitação de interesse social, que teria limitação de preço final importante.
Essa presença do Estado regulando o preço da terra e dos imóveis através de
impostos e do uso social da terra/imóvel, por exemplo, é típico do Estado de bem estarsocial da era de ouro do capitalismo, mas não do padrão de Estado liberal vigente.
17
ii.
o longo período de rotação do capital, tanto produtivo, como de
comercialização, que exige financiamentos de longo curso, seria outro desestímulo ao
investimento modernizante no segmento.
Do lado da produção, a necessidade de imobilização de grande volume de capital,
por um longo período, deixa o produtor muito exposto às reversões cíclicas, de forma
que o risco de construir é muito alto, diminuindo os incentivos à adoção de inovações.
Segundo Farah (1996) a exigência do financiamento de longo prazo e a resistência
da queda do preço do imóvel devido àquela parcela incontrolável dos custos (o terreno)
teriam justificado a existência de políticas habitacionais. O setor de Edificações, deixado às
suas próprias forças, então, não estaria apto a solucionar o problema de moradia das
famílias de baixa e de média-baixa renda.
Em relação aos segmentos mais altos de renda, ou da edificação comercial, da
combinação das características i e ii das Edificações, teria surgido o ―capital de
promoção‖, que viabiliza os negócios imobiliários:
A propriedade fundiária e o longo período de rotação do capital requerem
a intervenção, na produção habitacional, de um capital de promoção, que
coordene todo o processo, desde a aquisição do terreno e a obtenção de
financiamento até a comercialização das habitações, passando pela
construção propriamente dita. Na produção de mercado, o capital de
promoção procura apropriar-se da renda da terra, ‗criando‘ novos espaços
urbanos em áreas que adquira previamente […]
Os lucros obtidos com atividades não produtivas acabam por
subordinar o capital produtivo ao capital promocional,
desestimulando a busca de ganhos de produtividade, através de inovações
tecnológicas ou da racionalização do trabalho, o que vem a reforçar a
tendência de manutenção da base técnica manufatureira, mão de obra
intensiva, no setor‖ (FARAH, 1996. p.110, grifo nosso)
Mais uma vez o encurtamento dos ciclos econômicos, a alta volatilidade do preço
dos ativos, o aprofundamento dos ciclos de crédito observado no período da globalização
apenas reforçam o temor dos empresários do segmento em imobilizar seu capital em
investimentos modernizantes e serem surpreendidos com reversões nas expectativas que
mudem (às vezes radicalmente) as condições de financiamento e da demanda.
18
iii. a interferência do setor público, que geraria lucros extra-produção para
determinados produtores, não incentivando os ganhos de produtividade.
Farah (1996) contesta esse último argumento como definitivo, usando a experiência
brasileira como contra-argumento. Em primeiro lugar, como deve ocorrer na maior parte
das economias, o relacionamento entre o Estado e as empresas da Construção no Brasil é
mais intenso no segmento de infraestrutura, que é considerado a porção mais eficiente da
Construção brasileira, negando, empiricamente que essa relação se traduza inevitavelmente
em ―atraso”; em segundo lugar, porque houve no desenvolvimento do setor produtor
habitacional brasileiro programas de incentivos governamentais à industrialização da
construção, descaracterizando apenas o lado negativo dessa relação entre o Estado, como
demandante, e as empresas.
O que houve no caso brasileiro, segundo Farah (1996), foi uma descontinuidade,
com redefinições constantes de muitos programas estatais para a modernização do
segmento (nas três esferas administrativas), decorrentes inclusive da própria inconstância
conjuntural, que teriam quebrado a confiança dos produtores.
O distanciamento técnico e organizacional entre as Empreiteiras (Infraestrutura) e as
Construtoras (Edificações) brasileiras derivaria de outros motivos: do porte e da
complexidade das obras; das exigências de desempenho e do grau de ―cientifização‖ do
produto; da importância dos prazos da construção; da gênese das empresas da construção
pesada, que contou com parcerias com empresas estrangeiras que trouxeram consigo
inovações tecnológicas; da busca de competitividade no mercado externo (FARAH, 1996).
Chaves (1985) qualifica a relação entre as empresas locais e estrangeiras de
construção pesada, rapidamente citada por Farah (1996): nas obras de infraestrutura e
industriais encomendadas pelo Estado brasileiro, exigiu-se a transferência tecnológica das
contratadas estrangeiras às empresas locais.
Assim, a natureza da produção de Edificações (sobretudo residenciais) seria
manufatureira e as características do mercado imobiliário, do crédito e da
intervenção estatal influenciam os avanços (e retrocessos) da sua organização.
Maricato (1998) indica que nesta conformação capitalista das Edificações, a questão
da moradia teria como eixos centrais a terra (considerando sua localização e infraestrutura)
19
e o financiamento, que condicionariam mesmo o patamar tecnológico da Construção
deixando em posição subordinada os conflitos no mercado de trabalho, apontado pelo
mainstream como o principal detonador dos processos de racionalização.
O processo de industrialização da construção, fenômeno ligado especialmente à
construção habitacional do pós-guerra, contou com uma situação particular (paradigma
keynesiano), sobretudo na Europa, que combinou um grande volume de demanda a ser
suprida e o forte prestígio do planejamento e gasto estatal. Foi o período de
implantação dos conjuntos habitacionais, com técnicas de pré-fabricação. Nessas
circunstâncias o Estado pôde diminuir a variabilidade do produto e da produção,
―através da concentração da atividade produtiva num espaço relativamente homogêneo e da
uniformização do produto‖ (FARAH, 1996, p.128) – o que coube na Europa, por condições
políticas, até meados dos anos 1970.
Segundo Stam et al (2008), por trás dos grandes conjuntos habitacionais havia a ideia
de produção em massa utilizada na linha de produção industrial: os arquitetos modernos
consideravam que a construção de unidades habitacionais em grande número baratearia a
moradia, gerando ganhos de escala da mesma forma que a produção em série fez com os
bens de consumo industrializados. O ambiente institucional em que esse processo se deu é
descrito por Maricato (1998):
[…] o Estado fordista/keynesiano promoveu algumas reformas nos países
capitalistas centrais: garantiu através da regulação estatal a função social
da propriedade e expandiu os investimentos em infraestrutura
urbana. A propriedade fundiária teve limitada a apropriação privada
da renda fundiária ou imobiliária. A terra foi submetida ao circuito do
capital produtivo. As atividades especulativas foram reprimidas. O
planejamento urbano regulador e centralizador cumpriu aí seu papel.
Além disso, o Estado garantiu financiamento subsidiado e assegurou
incentivos ao aumento da produtividade na construção. (p.2, grifo
nosso)
Este processo, por outro lado, foi bastante longo. Segundo Prost (1992), por
exemplo, entre 1953 e 1968 houve um rápido processo de urbanização na França e a
construção habitacional teria criado bairros inteiros, no formato dos grandes conjuntos
habitacionais, e que o setor privado somente voltou a se sentir incentivado a participar
desse mercado, sem os fortes incentivos governamentais, a partir de 1960 (PROST, 1992,
p.69). Foram 15 anos de intenso crescimento.
20
A construção de grandes conjuntos habitacionais passou a ser referência, inclusive,
para as economias de industrialização e urbanização rápida, na periferia capitalista, em que
a construção de habitações para a população de baixa renda se tornou premente, e em
grande escala ─ o que, como se verá com o caso brasileiro, não se converteu no processo de
organização setorial como visto na Europa.
Assim, a demanda estatal, a padronização do produto, o uso da função social da
terra e dos impostos progressivos, a forte regulação bancária, típica da era Keynesiana,
além das políticas industriais, e a perspectiva de crescimento longevo conformaram o
cenário da industrialização da construção.
Os ganhos iniciais dessa industrialização, segundo a experiência europeia, vieram
especialmente da redução dos índices de retrabalho e de desperdício:
Em uma situação normal, todo edifício é um projeto singular. Nele, os
construtores cometem erros, que vão se repetir em um outro projeto
singular. Em um processo de produção industrial, alguém − no caso, a
fábrica − está olhando para o sistema e aprendendo, adaptando. Erros são
cometidos apenas uma vez. Em um ambiente industrial é possível obter
também uma precisão muito maior, reduzir o desperdício de materiais,
projetar melhor etc. Estou convencido de que há um salto de qualidade e a
prática mostra isso. (FARIA (2008), entrevistando Wim Bakens, arquiteto
holandês)
A industrialização da construção na Europa esteve associada, em um primeiro
momento, segundo Farah (1996), ao uso de ―estruturas pré-fabricadas”, conceito que foi
evoluindo em direção a uma concepção mais flexível, de ―montagem de componentes
industriais” – de forma que a indústria de insumos sempre foi central para a modernização
do segmento. A Edificação foi se transformando, então, em uma atividade cada vez mais de
montagem de componentes produzidos por fabricantes, segundo processos industrializados
(FARAH, 1996, p.129).
O avanço da industrialização das atividades de Edificação, neste sentido,
caminharia numa crescente apropriação de atividades desenvolvidas no canteiro de obras
pela indústria de insumos (FARAH, 1996, p.183). Essa apropriação poderia ocorrer de duas
maneiras: na introdução de inovações pela indústria de insumos e na transferência de
atividades do canteiro de obras para a indústria (a pré-fabricação de estruturas ou
componentes).
21
Na primeira forma, ocorreria o desenvolvimento de novos produtos, criando um
novo mercado para a indústria de insumos e uma substituição de atividades na Edificação –
implicando em obsolescência do saber dos operários e sua substituição por ―um saber
científico‖ da referida indústria, ampliando a ―industrialização da Construção‖, em um
certo sentido. A introdução de novos insumos não necessariamente significaria, entretanto,
um rompimento com a necessidade da integração entre o saber tradicional e empírico do
trabalhador com o saber técnico incorporado ao novo componente – o domínio do trabalho
na obra, ainda que mais segmentado, poderia continuar.
Quando não há introdução de novos produtos, há a própria transferência de
atividade do canteiro para a indústria (exemplo: concreto pré-misturado). Essa modalidade
de avanço da indústria sobre a Edificação também moderniza o segmento até mesmo com
menor mecanização das obras, já que certa etapa que exigiria mais equipamentos na obra
estaria sendo desenvolvida pelo fornecedor, alterando a organização das atividades na obra,
segmentando e especializando ainda mais as atividades dos trabalhadores e eliminando
crescentemente a necessidade do conhecimento empírico nos canteiros (FARAH, 1996,
p.184-186) – o que avançaria no sentido do “domínio científico” das obras.
Maricato (2009), pensando na questão da moradia em geral, destaca que pouco se
sabe sobre os impactos do avanço do neoliberalismo sobre os processos produtivos do
segmento de Edificações residenciais até mesmo na Europa e nos Estados Unidos – o que
seria, a seu ver, central para reavaliar as políticas habitacionais. Segundo a autora, a
pesquisa em torno da questão habitacional estaria truncada, apresentaria lacunas essenciais
para a compreensão mais profunda do atual padrão produtivo da edificação habitacional:
O estudo da técnica e da tecnologia da construção frequentemente ignora
a organização e o processo de trabalho, como se estes fossem irrelevantes
para o nível de produtividade. Nos estudos sobre tecnologia da construção
ignora-se, frequentemente, o papel da terra e da renda fundiária na
determinação do atraso na construção civil.
Faz parte do senso comum a ideia mistificada, também presente em
grande parte da produção acadêmica, de que materiais de construção
―milagrosos‖ tornarão a construção de casas muito mais barata e eficiente.
[…] As forças produtivas não incluem apenas máquinas, equipamentos,
novas fontes de energia, novos materiais, novos processos químicos ou
eletrônicos, mas também a organização do trabalho. (p.37 e 38)
A partir da lógica descrita por Farah (1996) e Maricato (2009) e do avanço da
globalização, tal como descrito, em grandes linhas em 1.1., poder-se-ia inferir que, a
22
despeito do provável progresso na indústria de insumos nos últimos 30 anos,
existiriam forças que estariam contendo o avanço da racionalização na Construção
que reduzisse ainda mais o seu custo, até mesmo nas economias desenvolvidas. As
informações de elevação da subcontratação na Construção europeia, assim como as de
importância relativa maior dos lucros imobiliários frente aos operacionais nos últimos anos,
a serem melhor desenvolvidos nas seções subsequentes, focada na Edificação residencial,
induziriam àquela inferência.
A produtividade do trabalho é comumente utilizada como ―medida síntese‖ deste
avanço, e os Gráficos de 1 a 5 ilustram a evolução do indicador na Construção, na Indústria
de Transformação e na Agricultura de algumas economias industrializadas – determinados
pelo quociente entre o Valor Adicionado pela Atividade Econômica (em volume) e o
número de ocupados na mesma, em períodos variáveis, segundo a disponibilidade de dados.
Por outro lado, julga-se relevante tecer algumas considerações a respeito deste
indicador e sua interpretação. A utilização de índices de produtividade é bastante polêmica,
já que dados de fontes diferentes podem levar a que os indicadores apresentem até mesmo
tendências divergentes (ABDEL-WAHAB et al, 2006), e dados históricos podem embutir
ajustes metodológicos na coleta de números e confecção de indicadores não evidentes aos
analistas.
No caso da Construção, a variabilidade das obras é um outro agravante importante
– mesmo no caso de empresas que produzam aparentemente o mesmo produto (no âmbito
microeconômico, portanto), como empresas de edificações residenciais, por exemplo, em
que as obras podem ser muito diferentes, como a construção de um prédio para a baixa e
outro para a alta renda, implicando em diferentes técnicas e produtividade do trabalho
(BRITTO e FARIAS FILHO, 1998). Em termos agregados, o mix de obras em cada
economia também muda ao longo do tempo. Existem períodos onde há concentração das
obras infraestruturais, outros de obras de edificações e mesmo o tipo dessas obras pode
variar.
Allen (1985), por exemplo, creditou parte importante da queda da produtividade do
trabalho observada na Construção nos Estados Unidos, entre 1968 e 1978, ao crescimento
do número de edificações residenciais unifamiliares em relação ao de obras comerciais e
industriais, que eram a maioria no período anterior. O novo padrão de obras utilizaria mão
23
de obra menos qualificada, não exploraria ganhos de escala e teria uma remuneração
diferenciada ao capital, que levaria a piores índices de produtividade do trabalho. A queda
na razão capital/trabalho, na quantidade de trabalhadores sindicalizados e a utilização de
diferentes deflatores, em um período em que a inflação se acelerava, foi outro conjunto de
elementos que teria influenciado no declínio da produtividade média apurada com base em
estatísticas.
Na Europa ocidental, por outro lado, diz-se que há maior concentração de serviços
de manutenção e adaptação de prédios erigidos que de edificação de novas moradias
propriamente ditas, o que traz impactos no cálculo de produtividade média. Neste sentido,
Carassus (2004) identifica um setor da Construção nos países desenvolvidos dos anos 1990
totalmente diverso ao existente no pós-guerra, até os anos 1970, que seria a referência da
industrialização da construção e dos fortes ganhos de produtividade ainda hoje apontados
como alvo para as economias em desenvolvimento:
[…] While during the 1950-1970 period, the goal of construction was to
massively build all the works necessary to meet the needs of the economy,
since the nineties, is the emphasis not placed on the management of the
service rendered by such works all along their life cycle?
The requirements of sustainable development, which focus on the need to
increasingly master medium and long-term consequences, not only
regarding production, but also management of the works during their
whole life cycle have strengthened this change of role within the
economy. This focus on the service rendered by the works calls for a new
approach for the construction industry.
Economic analysis has to take into account such recent evolution and all
the participants involved in the life cycle of building structures (not only
order, design, production but also operation, maintenance, refurbishment,
demolition). Most of the time, construction industry analysis, on
mesoeconomic or sector level, deals with only the construction firms.
Some researches include professionals and the materials industry but not
the service aspects and the stock management firms. (p.6)
Ou seja, ainda que existam proposições de classificação internacional de atividades
econômicas e de produtos que procuram representar estruturas médias dos setores
econômicos pelo ―mundo‖, a distância entre as realidades nacionais pode escapar, de forma
importante, aos resultados que as estatísticas mostram.
No caso dos dados da OCDE, em que se mede o valor adicionado em volume por
ocupado na atividade, a terceirização de alguns serviços e mesmo a transferência de
24
partes das obras (componentes) para a indústria podem se refletir na simples perda de
valor adicionado do setor o que antes era agregado ―dentro‖ da obra, passa a ser por uma
empresa prestadora de serviço (que pode não constar como empresa da Construção nos
sistemas estatísticos) ou fornecedora de componentes, como uma das possibilidades de
evolução da industrialização apontada por Farah (1996). Assim, a baixa evolução do Valor
Adicionado, acompanhada por uma contratação de mão de obra igualmente pequena, mas
positiva, pode ser uma das explicações da perda de fôlego dos índices de produtividade
abaixo assinalados. Por outro lado, a subcontratação espúria, de empresas pouco eficientes
também parece ser fato na trajetória europeia.
Voltando aos números, os Gráficos de 1 a 5 trazem dados da economia francesa, de
1970 a 2008; do Reino Unido, de 1971 a 2008; do Japão de 1970 a 2008; dos Estados
Unidos, de 1977 a 2008; e, da Espanha, de 1980 a 2008.
De 1970 a 1992 a produtividade da Construção na França acompanhou, em alguma
proporção os ganhos verificados na indústria local (cerca de 70% em 22 anos, ou 2,4% ao
ano) – o que não ocorre em nenhum outro país. De 1970 a 1986 a produtividade na
Construção do Reino Unido ficou praticamente estagnada, seguindo numa trajetória
ascendente de 1986 até 2003 (cerca de 41,3% em 17 anos, ou 1,6% ao ano), quando voltou
a declinar ligeiramente. A estagnação da produtividade do trabalho da Construção no
Japão tem uma pequena interrupção apenas na segunda metade dos anos 1980, com o
indicador da segunda metade dos anos 2000 abaixo do observado no início da década de
1970. O caso da Construção na economia norte-americana é o mais emblemático: o nível
mais alto do indicador é o do ano em que a série se inicia (1977), sendo o valor adicionado
por trabalhador de 2008 apenas 65% ao observado 30 anos antes, mesmo tendo corrido
períodos de intensa atividade do setor no interregno analisado. Na Espanha, onde só
existem dados desde os anos 1980, há um ganho de produtividade nos primeiros 5 anos
daquela década (27%, ou 4,9% ao ano entre 1980 e 1985, em média) e posterior estagnação
– sendo que em praticamente todo o período manteve-se uma trajetória de atividade
crescente da Construção, o que não ocorre nos demais países apontados. Em comum, todas
as economias apresentam um crescimento da produtividade do trabalho na indústria e na
agricultura muito maior que na Construção, assim como a tendência de estabilização,
25
quando não de queda, da produtividade do trabalho da Construção desde os anos 1990, e
especialmente nos anos 2000.
Gráfico 1. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na
Agricultura da França (1971:100; 1971–2008)
700
600
1971:100
500
400
300
200
100
0
Agricultura e extrativismo
Indústria de Transformação
Construção
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OECD.Stat Extracts (STAN database for industrial analysis
maio de 2011).
dados extraídos em
Gráfico 2. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na
Agricultura do Reino Unido (1971:100; 1971–2008)
350
300
1971:100
250
200
150
100
50
0
Agricultura e extrativismo
Indústria de Transformação
Construção
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OECD.Stat Extracts (STAN database for industrial analysis
maio de 2011.
dados extraídos em
26
Gráfico 3. Produtividade do na Construção, Indústria de Transformação e na Agricultura
dos Japão (1970:100; 1970–2008)
400
350
300
1970:100
250
200
150
100
50
0
Agricultura e extrativismo
Indústria de Transformação
Construção
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OECD.Stat Extracts (STAN database for industrial analysis
maio de 2011.
dados extraídos em
Gráfico 4. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na
Agricultura dos EUA (1977:100; 1977–2008)
450
400
350
1977:100
300
250
200
150
100
50
0
Agricultura e extrativismo
Indústria de Transformação
Construção
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OECD.Stat Extracts (STAN database for industrial analysis
maio de 2011.
dados extraídos em
27
Gráfico 5. Produtividade do trabalho na Construção, Indústria de Transformação e na
Agricultura da Espanha (1980:100; 1980–2008)
350
300
1980:100
250
200
150
100
50
0
Agricultura e extrativismo
Indústria de Transformação
Construção
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OECD.Stat Extracts (STAN database for industrial analysis
maio de 2011.
dados extraídos em
Fiesp (2008) confirma o quadro de deterioração da qualidade do trabalho na
construção europeia, assinalando a tendência à terceirização, ao uso de emprego temporário
e utilização de autônomos (dada a flexibilização das leis trabalhistas – em especial na Grãbretanha e na Espanha), assim como a elevação do uso de trabalho feminino e de imigrantes
(p.32). Nos Estados Unidos a constatação se repete, com uma legislação trabalhista ainda
mais permissiva e queda importante na taxa de sindicalização dos trabalhadores da
construção (de 42% em 1970, para cerca de 18,5% em 1996 ─ FIESP, 2008, p.36).
No caso norte-americano, o incremento da mecanização e do uso de componentes
industrializados seria a resposta ao crescente desinteresse dos jovens em trabalhar no
segmento ─ o que teria limite, pois não há como prescindir da mão de obra e, por outro
lado, exige um trabalhador ainda melhor qualificado, que manipule os novos componentes
(FIESP, 2008, p.36).
O Gráfico 6 traz dados da OCDE de crescimento dos custos do trabalho no setor da
Construção, em relação aos observados na Indústria de Transformação 6 ─ de 1980 a 2008,
6
Calculado de acordo com o custo médio real do trabalho por unidade de produto (conforme:
http://stats.oecd.org/OECDStat_Metadata/ShowMetadata.ashx?Dataset=ULC_ANN&ShowOnWeb=true&Lang=en;
acessado em junho de 2011)
28
Fiesp (2008) assinala uma mudança estrutural de suma importância para o setor,
pouco explorada pelos autores. Há mudanças na gestão do ―grande capital‖ do setor que
deve ser apreendido:
O crescimento da terceirização tem levado as grandes empresas
europeias de Construção Civil a se distanciarem do trabalho físico
da construção e se fixarem nas funções de gerenciamento do
empreendimento. Além disto, as grandes empresas de engenharia
penetraram nos mercados internacionais através de fusões e
aquisições (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION,
2001). (FIESP, 2008, p.32)
Seja como for, o debate em torno da produtividade comparada do trabalho na
Construção ainda está por ser construído, assim como as informações levam a inferir que o
tipo de organização setorial da Construção nas economias que são apontadas como
referência para metas de produtividade do setor no Brasil, apresentaram mudanças
importantes entre o período em que teria se dado a industrialização da construção
(1950-1970) e os anos 2000 que não devem ser desprezadas.
Vale destacar ainda que um abismo separa a Construção das economias
desenvolvidas das demais. A partir da Figura 2, a International Labour Organzation (ILO)
mostra a distribuição do produto e do emprego da Construção entre países de alta e baixa
renda em 1998. Observa-se ali que os países de alta renda concentravam 77% do produto
mundial da Construção e 26% do emprego, donde se conclui que a Construção é
inequivocamente mão de obra intensiva nos países de baixa renda. Se por um lado a figura
mostra o ―atraso‖ do segmento na periferia, onde certamente haveria um baixo domínio do
capital sobre o ritmo de acumulação do segmento, em termos de desenvolvimento
econômico, por sua vez, a absorção de um contingente de trabalhadores pouco qualificados
num sistema produtivo semi-artesanal, muitas vezes é um movimento natural e é por isso
que o setor tem sido protegido por seus governos.
30
Figura 1. Distribuição do produto e do emprego da construção mundial, em 1998.
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados de ILO (2001).
1.1.3. Edificação residencial, mudança do papel do Estado e dos padrões
de financiamento
A habitação é de especial interesse para este estudo, por diversas razões. A primeira
é a importância do segmento de Edificações residenciais para a modernização da
Edificação como um todo nas economias nacionais, já que ele é considerado o menos
produtivo e o mais afeito à informalidade do conjunto, sendo fulcral para o estudo que se
pretende empreender. A segunda é que este foi o segmento que acabou por desencadear um
importante movimento de entrada de capitais estrangeiros no mercado brasileiro, chamando
atenção para o seu processo de internacionalização mais geral. A terceira motivação, e
objeto desta seção, é que ele foi o segmento das Edificações mais afetado pela mudança de
papel do Estado e de padrão de financiamento observado no período da globalização.
A mudança de padrão de financiamento da produção da Edificação residencial,
aliás, é que permite supor um processo longevo de internacionalização do segmento.
Observa-se que há uma massa de capitais à busca de oportunidades no mercado imobiliário
ao ―redor do globo‖ que teria encontrado nos déficits habitacionais, constituídos no período
da globalização, a demanda de recursos de que precisa para se valorizar7.
7
É importante notar que este raciocínio diverge fundamentalmente do senso comum: a Edificação nacional periférica,
carente de recursos para se desenvolver, encontrou no Sistema Financeiro Internacional, na poupança externa, meios de
fazê-lo.
31
No pós-guerra a habitação se tornou um direito social no welfare state dos países
Centrais. Na periferia, sob o ponto de vista das cidades, o desenvolvimento desigual formou
―ilhas de primeiro mundo‖ entre os relativamente ricos e o restante da sociedade formou a
periferia, os aglomerados desorganizados das favelas 8 (MARICATO, 2008). O crescente
desmantelamento do welfare state, por sua vez, teria formado bolsões de pobreza e de
habitações em condições socialmente precárias em todas as partes do globo onde penetrou.
Vilain (2009) descreve, por exemplo, a desestruturação do sistema habitacional
construído na França do pós-guerra a partir dos anos 1970, que redundou não apenas na
insuficiência de novas habitações para os relativamente pobres, gerando um déficit
habitacional relevante para essa classe de renda, mas também na deterioração das
habitações populares já existentes, que em alguns locais logo foram convertidas em
terrenos a serem explorados pela indústria imobiliária, redefinindo a ―periferia‖.
Em Portugal, a situação, dadas as condições mais gerais da economia, é ainda mais
próxima à encontrada na periferia. Uma socióloga explica a leniência do poder público em
relação ao avanço das favelas, que se instalaram de forma aberta desde os anos 1960-1970,
em um processo de urbanização desordenada:
Com um mercado legal de moradias muito especulativo, pois os terrenos
para construção são raros, e com uma política de habitação social
enfraquecida, as construções de barracos são uma resposta ‗espontânea‘
para as necessidades de alojamento dos trabalhadores. Não tendo eles que
pagar aluguéis, as pressões para aumento de salário são reduzidas. O que
garante sempre uma mão de obra competitiva. (VAILLANT, 2006)
Assim, em ambas as experiências verifica-se não apenas o recuo do Estado na
questão habitacional, como também o trato pouco adequado, do ponto de vista social, da
exploração do solo urbano e da propriedade. IPEA (2010) apresenta essa mudança de
mentalidade nos países desenvolvidos, propulsores da globalização:
Em geral, observou-se uma mudança no papel do Estado no campo da
habitação nesses países, que passou de um papel de provedor para o de
facilitador […]. Dessa maneira, reduziu-se extraordinariamente a
construção de moradias adequadas para os grupos pobres – e mais
vulneráveis –, ao mesmo tempo em que se reduziram os orçamentos
nacionais e recursos públicos disponíveis para este fim. Em lugar disso, os
Estados privilegiaram sua função de promotores e criadores de um
contexto propício destinado a atrair capital e investimento
8
Maricato cita em diversos textos o percentual da população que teria acesso à propriedade legal: 30% dos brasileiros,
contra 70% dos Canadenses, por exemplo.
32
estrangeiro para operações imobiliárias. Esse novo papel está muito
longe de ser passivo; trata-se de um papel ativo, que provocou a
criação de condições, instituições e regulamentações destinadas a
apoiar atividades financeiras […]. (p. 344, grifo nosso).
No período da globalização, o enfrentamento da questão habitacional foi ficando,
então, cada vez mais a cargo ―do mercado‖ e, resguardadas as proporções, déficits
habitacionais foram se abrindo mesmo nas economias desenvolvidas. Na verdade, com
especificidades locais, é claro, pode-se dizer que em grande proporção creditou-se às
conjunturas de crescimento econômico, junto aos incentivos governamentais, a
possibilidade de alargar (ou estreitar) a camada da população que teria acesso à ―casa
própria‖, por meio da propriedade imobiliária.
Nos moldes atuais, os governos promoveriam reformas microeconômicas, dando
maior segurança jurídica aos contratos, incentivos fiscais às aplicações imobiliárias 9, etc,
com vistas a auxiliar o alargamento da dita faixa econômica do mercado habitacional
(parcela da população que, através do financiamento, pode adquirir a casa própria), o
que é potencializado em momentos de políticas monetárias frouxas. Nos períodos de
retomada do crescimento econômico a queda dos juros, a elevação da massa salarial, a
disposição dos agentes financeiros (―globais‖) em conceder crédito a prazos mais largos, a
clientes com menores credenciais, permitem os ―booms‖ imobiliários, favorecidos pelo
estoque de demanda reprimida. São movimentos intensos, tão longevos quanto se
mantiverem as condições de demanda e de liquidez.
Essa concepção de participação restrita do Estado, de ―deixar a questão habitacional
a cargo do mercado‖, também carrega a idéia de que ―a propriedade do imóvel é a
melhor opção para todos‖ (IPEA, 2010, p.346, grifo nosso), desconsiderando outros
padrões de moradia, como o aluguel social (de prédios públicos), por exemplo. Este
movimento que é acompanhado pelo conceito de que a propriedade é importante para o
―desenvolvimento econômico‖, uma vez que a habitação é um ativo cuja posse dá acesso ao
trabalho formal e a recursos líquidos, potencializando o investimento e o consumo ─ dando
espaço, inclusive, ao endividamento das famílias, típico do pós-guerra e que se renova na
globalização (GUTTMANN E PLIHON, 2008).
9
Como, a título de exemplo – já que devem existir muitos outros -, no caso dos REITs (Real Estate Investment Trusts)
nos EUA e em alguns países Europeus, ou das aplicações em Letras Hipotecárias, Certificados de Recebíveis Imobiliários
(CRIs) ou fundos imobiliários no Brasil.
33
Essa opção, de favorecer a propriedade imobiliária, tem implicações importantes
para o mundo das finanças. Por ser um ativo que vai muito além da renda anual das pessoas
comuns, a habitação precisa ser financiada, gerando, em mercados financeiros
desintermediados, através da securitização, ativos financeiros comercializáveis –
desdobrando o ativo imóvel em títulos mobiliários, negociáveis, dotados de uma liquidez
que o ativo original não tem. Cabe à regulação financeira conter os excessos a que esse
processo pode levar.
Uma ilustração do tratamento e da importância de todas essas questões se dá no
debate em torno da ―construção‖ da propriedade privada de residências nas economias em
transição, que derivam da dissolução da antiga União Soviética, assim como da organização
de um sistema de financiamento à habitação naquela região. Em meados da década de
1990, os ―problemas‖ estavam sendo debatidos no âmbito do Banco Mundial como se
fossem praticamente um. A questão colocada pela agência era a de engendrar um sistema
de financiamento à habitação – que antes de qualquer coisa pressupunha a propriedade
privada das frações de terra e dos prédios, com um sistema de formação de preços típico de
mercado – com vistas ao desenvolvimento econômico local (Renaud, 1996). Esse ponto de
vista é expresso no texto abaixo, de 2003, da Comissão Econômica para a Europa da ONU
(United Nations Economic Commission for Europe - UNECE):
It is a well-recognized fact that land property can be a source of wealth.
The ability to secure investment against land that is facilitated by
operational cadastre and registry systems is a distinct feature of developed
economies. Reintroduction of private property rights in land in countries
of Central and Eastern Europe and the CIS countries perused the goal of
making these economies more efficient.
Realization of this policy is only possible when mortgage-financing
mechanisms are put in place and countries demonstrate to be very keen
about introduction of such mechanisms. Immense priory is given to
security of rights of mortgage lending institutions that opens up the
opportunity for investments and economic development. In every country
that has responded to the questionnaire with one exception the law permits
an owner to raise money by mortgaging land and real property. (UNECE,
2003, p14).
Uma das economias que primaram no modelo de sociedade proprietária, sem
dúvida, é a norte-americana. Lá o patrimônio imobiliário residencial é há muito explorado e
foi desenvolvido o padrão de financiamento ora vigente, baseado na securitização e no
mercado de capitais. Chesnais (2007) descreve em breves linhas (com base em Jorion) a
34
importância histórica do imóvel residencial nas finanças das famílias daquela economia,
chegando ao período mais recente, indicando que em 2001 houve uma opção deliberada do
Banco Central Norte Americano (junto ao Governo daquele país) em mais uma vez
favorecer as condições do financiamento imobiliário para distanciar a economia da recessão
aberta pela crise da ―nova economia‖ e dos escândalos corporativos. Essa decisão teria
como base a avaliação de que 60% do enriquecimento patrimonial das famílias daquele
país viria dos ganhos obtidos na compra e revenda das residências individuais,
enquanto os ganhos com a bolsa representariam apenas 20%. Ou seja, havia ali uma
base importante para ampliar o consumo das famílias, sem necessariamente passar pela
elevação da renda pessoal/familiar.
Esses foram os ingredientes encontrados no ciclo de crescimento mundial de 2004 a
2008. Belkaïd (2008) descreve a participação desse novo Estado no boom residencial
recente nos EUA, na França e na China – mas também poderia enumerar os governos da
Espanha, da Irlanda, do Brasil e outros:
Como explica um gerente de fundos parisiense que prefere manter o
anonimato, a bolha especulativa teve origem na convergência de dois
movimentos de capitais: o primeiro é o desejo, espontâneo ou não, por
parte das famílias de adquirir uma propriedade; o segundo é aquele da
indústria financeira cuja estratégia consiste, nesses últimos anos, em
reciclar uma parte de sua liquidez com empréstimos bastante
rentáveis destinados a particulares.
Para convencer os primeiros, as empresas imobiliárias e os lobbies
financeiros encorajaram os poderes políticos a sustentar um discurso
favorável ao acesso à propriedade. Esse foi o caso, por exemplo, dos
Estados Unidos na época das campanhas presidenciais de 2000 e 2004. Na
campanha que precedeu sua reeleição, George W. Bush defendia uma
sociedade de proprietários (ownership society). O argumento foi retomado
por Nicolas Sarkozy, presidente da França, em setembro de 2006: ‗Nosso
projeto é tornar possível o acesso à propriedade para todos‘, afirmou em
discurso. Na China, as autoridades aprovaram leis no final da década de
1990 para permitir que a população adquirisse empréstimos hipotecários.
Com isso, a parcela das famílias que utilizou tais créditos passou de 1%
em 1998 para 13% em 2006 - e a previsão é que chegue a 24% em 2015.
(grifo nosso)
Com relação à demanda de habitações, na faixa econômica do mercado
habitacional, Belkaïd (2008) mostra que ela é real e que deve continuar por algum tempo,
35
seja pelo forte crescimento da classe média (sobretudo nos países emergentes), seja pelo
crescimento dos domicílios ocupados por apenas um morador, ou outros arranjos familiares
nos países desenvolvidos, com número cada vez mais reduzido de componentes (na
América do Norte, na Europa ocidental e no Japão), seja pelas exigências derivadas da
modernização e da adequação às novas normas ambientais. Ou seja, o que há de novo no
movimento de expansão internacional do capital imobiliário, é a perspectiva de gastos
no mercado residencial.
A Tabela 1, abaixo, aponta as estimativas do número de domicílios a serem erigidos
em regiões ―mais‖ e ―menos desenvolvidas‖ do globo até 2030, realizadas pela divisão de
estatísticas da ONU. Essas estatísticas partem de cálculos essencialmente demográficos,
com diversas aproximações para a sua consecução (UNDESASD, 2001), não levando em
consideração a qualidade das habitações – ou seja, parte significativa delas pode ser erigida
sem a participação de empresas de edificações formalmente constituídas, assim como pode
prescindir, em alguma proporção, de infraestrutura, mas é inegável a tendência de um
crescimento de mercado substancialmente maior nas regiões menos desenvolvidas – seja de
habitações, seja de infraestrutura urbana, o que não escapa à observação do capital
imobiliário já internacionalizado.
Tabela 1. Número estimado e taxa de crescimento do número de domicílios em
determinadas regiões
Região
Número de Domicílios
(milhões)
1985
Mundo
Regiões mais desenvolvidas
Regiões menos desenvolvidas
2000
2015
2030
1.119 1.575 2.124 2.656
382
467
541
582
737 1.108 1.583 2.074
Taxa de crescimento
Incremento em 5 anos
Anual (%)
(milhões)
1985- 2000- 2015- 2000- 2005- 2010- 20152000 2015 2030 2005 2010 2015 2020
2,3
2,0
1,5
176
190
183
181
1,3
1,0
0,5
27
26
21
17
2,8
2,4
1,8
148
164
162
164
Fonte: Elaborado pela autora com base em UNDESASD (2001)
Há, ainda, algo importante a se notar nessa expansão dos capitais internacionais em
direção aos mercados locais que se mostrem receptivos a ele. Eles favorecem a
intensificação do nível de atividade do segmento, que estimula a alta de preço dos imóveis os booms imobiliários. Neste processo, sem algum tipo de instrumento que contenha a
valorização da terra urbana disponível à Edificação (os ―terrenos‖ em áreas urbanizadas), o
custo da edificação pode subir substancialmente, diminuindo o número de famílias, a
depender das condições de crédito, aptas à aquisição do imóvel. Ou seja, ciclos de crédito
36
intensos, concentrados no tempo, já que “os mercados” tendem a exacerbar esses
movimentos, carregam consigo movimentos igualmente intensos de preços dos
imóveis, o que pode significar o próprio limite à expansão dos negócios do segmento.
IPEA (2010) – baseado em um relatório de Raquel Rolnik ao Conselho de Direitos
Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), de março de 2009 explica o
ciclo de preço das terras urbanas nos ciclos imobiliários:
A escalada de preços da moradia e do aluguel é a reação normal do
mercado aos desequilíbrios entre a oferta e a demanda. Em teoria, o
mercado deveria se ajustar, aumentando a oferta e, consequentemente,
diminuindo os preços.
Infelizmente, há uma enorme distância entre a teoria e a realidade.
Quando há crédito disponível e aumenta o capital financeiro em
busca de oportunidades de investimento, cresce a concorrência por
terras urbanas e seu preço, de maneira que somente as famílias de
maior renda possuem condições de compra. (p.348, grifo nosso)
Ou seja, a elevação do preço da terra urbana significa um ―novo‖ limite à
abrangência da ―faixa econômica‖ do mercado habitacional, porque o custo da Edificação
se eleva e uma parcela menor do conjunto de famílias poderá ter acesso à habitação, mesmo
que pela via do crédito. Enquanto as condições de liquidez se mantiverem favoráveis, com
quedas nas taxas de juros e alargamento dos prazos de financiamento, o ciclo ascendente
continua se desenvolvendo, mas com limites cada vez mais estreitos pela questão
imobiliária.
Neste contexto, percebe-se que aqueles elementos externos à Construção que
Farah (1996) apontava como limitantes ao ímpeto modernizador dos empresários do
setor ─ o custo da terra urbana privada e os ciclos de crédito, foram liberados no
período da globalização, tornando a meta da industrialização da construção um
objetivo, de certa forma, extemporâneo.
Então, é possível qualificar melhor os “booms” imobiliários, descritos de forma
breve acima: são movimentos intensos, favorecidos pelo estoque de demanda
habitacional reprimida, tão longevos quanto permitirem as condições de demanda, de
liquidez e de preços da terra urbanizada. Trata-se de um período de intensa atividade,
gerado pelo grande volume de liquidez que propicia o boom, mas de horizonte
relativamente curto, seja pela reversão (previsível) da gestão monetária no período da
37
globalização, seja pelo limite do lado da oferta que o preço da terra representa. Cenário
diverso daquele em que teria se dado a industrialização da construção, com forte
regulação bancária, restrições à mobilidade de capitais, e de uso da função social da
terra.
1.2. O segmento de Edificação e suas transformações
Para avaliar as mudanças ocorridas no setor de Edificações no período recente,
cumpre caracterizar o setor da Construção de forma mais geral, já que a atividade de
Edificar, objeto último de análise, é um braço do setor da Construção como um todo, que
abrange também as obras de Infraestrutura, ou as ―obras de engenharia civil‖, e, como já
salientado, muitas vezes é impossível dissociar os resultados do segmento do setor como
um todo tanto nas referências bibliográficas, como nas estatísticas disponíveis.
Delimitar um setor em termos genéricos é uma tarefa de difícil consecução,
especialmente quando se pretende fazê-lo em âmbito internacional. Na verdade, as
atividades podem ser organizadas de forma particular em cada espaço econômico – o que
implica em diferentes delimitações. Um dos recortes possíveis para delimitar um setor
econômico, como feito no parágrafo anterior, é partir do seu produto final 10, semelhante em
algum grau, nos diferentes espaços nacionais. No caso da Construção, são dois então os
produtos finais típicos: as Obras de Engeharia Civil ou Infraestruturais (estradas, ferrovias,
saneamento, pontes, redes elétricas, etc) e as Edificações (residenciais, comerciais,
10
De uma forma mais ampla, e remetendo aos sistemas de classificações de atividades, IBGE (2003) discorre sobre os
critérios de agregação de unidades produtivas:
As classificações de atividades econômicas são construídas para organizar as informações das unidades de produção, com o
objetivo de produzir estatísticas dos fenômenos derivados da participação destas unidades no processo econômico. Servem para
classificar as unidades de produção de acordo com a atividade que desenvolvem, em categorias definidas como segmentos
homogêneos quanto à similaridade de funções produtivas (insumos, tecnologia, processos), características dos bens e serviços,
finalidade de uso, etc. (Introdução, sem número).
Em IBGE (2007), adota-se a seguinte definição:
―A atividade econômica das unidades de produção deve ser entendida como um processo, isto é, uma combinação de
ações que resulta em certos tipos de produtos ou, ainda, uma combinação de recursos que gera bens e serviços específicos.
Logo, uma atividade é caracterizada pela entrada de recursos, um processo de produção e uma saída de produtos (bens e
serviços).‖ (Introdução, sem número).
Há uma intrincada discussão sobre sistemáticas de agregação de unidades produtivas em setores de atividade – aquelas
que tomam a similaridade do processo produtivo estariam privilegiando ―o lado da oferta‖, aquelas que tomam a
similaridade do bem ou serviço final, privilegiariam o ―lado da demanda‖ – apresentada em ―Economic Classification
Policy Comitee. Issues Paper N°1‖, disponível em http://www.census.gov/eos/www/naics/history/docs/issue_paper_1.pdf
(acessado em fevereiro de 2011).
38
industriais, etc.) – e para chegar a eles diversas atividades econômicas são desenvolvidas:
terraplanagem, demolição, implantação de canteiros de obra, etc11.
A extensão da análise para a dinâmica imobiliária, justifica-se no caso das
Edificações, neste estudo, pelo destaque crescente dessas atividades na bibliografia e
mesmo na classificação setorial internacional – em que se adotou a associação do setor
produtor de edificações ao de desenvolvimento do negócio imobiliário, inspirando uma
ligação mais forte entre os dois sub-segmentos. Aqui atribui-se o crescimento de
importância do desenvolvimento dos empreendimentos imobiliários ao padrão de
financiamento à produção que vem se estabelecendo internacionalmente, dentro da lógica
financeirizada de acumulação. A possibilidade de obtenção de lucros não apenas
operacionais, mas também imobiliários (ganhos a partir da variação de preços dos imóveis,
sem relação ao seu custo de produção), faz do setor de edificações especialmente afeito à
lógica da financeirização da riqueza, o que seria, junto ao movimento de
desregulamentação dos mercados imobiliários (físicos e financeiros), um incentivo à
intensificação da internacionalização do segmento.
Assim, a internacionalização do capital da Edificação, por sua vez, teria se
desenvolvido tardiamente em relação ao capital da Construção Pesada, ligada às obras de
Infraestrutura, não apenas pela liberalização mais específica em relação ao segmento, mas
também pela liberalização financeira e ao interesse, apontado acima, de capitais
centralizados nas economias industrializadas em valorizar-se com as operações imobiliárias
mundo afora.
1.2.1. Caracterização geral
A Construção é reconhecida como um setor produtor tradicional, já que seja qual
for o grau de desenvolvimento das economias, elas contam com técnicas, mais ou menos
modernas, para abrir estradas, estabelecer comunicações, construir habitações e prédios
comunitários, etc.
11
Cada uma dessas atividades geram uma ―parte‖ de uma obra/edificação, ou seja, têm os seus próprios produtos.
39
Quando constituída em bases capitalistas, como um segmento que produz obras para
o mercado, sua principal característica é a heterogeneidade. Os produtos finais das
Edificações e da Infraestrutura são muito diferentes, têm demandantes distintos, exigem
técnicas de construção específicas, assim como a própria gestão do negócio é particular,
mas não raro, quando há uma conjuntura de expansão da demanda de edificações, as
―empreiteiras‖, empresas típicas da área de construção pesada, podem derivar seus
negócios para aproveitar a oportunidade no segmento de construção de edifícios (FARAH,
1996)12– o que pode ocorrer também a partir de outros capitais, uma vez que há baixa
barreira à entrada no segmento de Edificações, o que não ocorre para o segmento de
infraestrutura.
Entre as empresas de Edificações também há forte disparidade entre os produtos
finais, exigências técnicas e financeiras. As edificações industriais, por exemplo, exigem
uma complexidade de projeto13 e implementação que dificilmente será exigida em
edificações residenciais. As novas tecnologias de informação e a evolução dos ―prédios
inteligentes‖ também trouxeram uma complexidade adicional para a construção de alguns
dos edifícios voltados ao setor de serviços, distanciando em alguma proporção da produção
relativamente simples dos empreendimentos residenciais comuns – que não por acaso são
tidos como o segmento das Edificações mais afeito à baixa produtividade e à
informalidade, como indicam FIESP14 (2008) e Monteiro Filha et al (2010), por exemplo.
Em economias com relativa escassez de mão de obra haveria a tendência de
desenvolvimento de técnicas capital-intensivas de edificações e o desenvolvimento da
indústria de materiais em direção à modernização.
Neste sentido ressalta-se uma especificidade técnica do setor: cada obra pode ser
única (não se replicar em outro lugar) e ter instalações produtivas igualmente únicas (os
canteiros de obras). Ou seja, embora o setor seja comumente classificado como industrial,
12
Pelo porte das obras, das exigências técnicas e financeiras envolvidas, as empresas ligadas ao segmento de
infraestrutura, ainda que se utilize uma ampla rede de subcontratação, são de maior porte que as de Edificações – o que
lhes confere maior mobilidade inter-setorial (FARAH, 1996, p.62).
13
A cargo do setor de Engenharia e Arquitetura, muitas vezes contratados a outras empresas que não a construtora.
14
Na delimitação do objeto de estudo, FIESP (2008) aponta:
É importante destacar que o foco deste trabalho é o sub-setor de edificações, que, dentre os sub-setores básicos da
construção, edificações e construção pesada, é o que apresenta a maior diferença de produtividade, face aos EUA e UE.
Na produção habitacional, o sub-setor de edificações sofre a concorrência forte da informalidade e sua conseqüente
baixa qualidade, nas faixas de renda mais inferiores, apresentando um enorme déficit, visto que a produção é ainda
insuficiente, sequer, para atender ao crescimento vegetativo da população. A única forma de reverter estes dois aspectos
críticos é uma forte política de modernização, capaz de elevar a produtividade e reduzir os custos da produção, de modo
a tornar a informalidade pouco atrativa. (p.12)
40
seu produto em geral é diferenciado e não prevê uma estrutura fixa de produção em que se
estabeleça um processo ―ótimo‖ de produção. Tanto uma empresa pode trabalhar com
estruturas pré-definidas de canteiros, com uma racionalidade pró-eficiência, tendo inclusive
fornecedores de insumos pré-estabelecidos, com padrões dos insumos e tempos de entrega
de materiais já detalhados a cada projeto, em uma produção próxima ao que se entende por
industrial, como pode ser menos organizada e o ato de construir ser muito próximo ao de
um sistema artesanal de produção – com os ―tempos‖ mal calculados, altos índices de
perda de materiais e refacção de partes da obra.
Em geral, onde há a predominância de sistemas mais artesanais de produção, o grau
de informalidade tende a ser maior. A despeito disso, a situação mais comum, mesmo em
economias desenvolvidas, é de heterogeneidade – tanto no sentido de haver convivência
de empresas com organizações complexas, usando conteúdos tecnológicos e gerenciais
avançados, com outras, pouco produtivas; como no da convivência de grandes e pequenas
empresas, em que as primeiras, em pequeno número, teriam maior capacidade técnicofinanceira e se dedicariam às maiores obras, obtendo ganhos de escala, e as últimas, muitas,
iriam de pequenas prestadoras de serviços, especializadas, com estratégias de nicho, a, e em
maior número, empresas pouco organizadas, que muitas vezes atuariam de forma
dependente, como subcontratadas.
A flexibilidade de atuação entre os subsegmentos das Edificações também estaria
associada ao tamanho das estruturas produtivas, e as pequenas empresas estariam
vinculadas, sobretudo, à Edificação residencial:
As grandes empresas de edificações são, portanto, capazes de atuar em
vários dos segmentos deste subsetor, tendendo as pequenas empresas a se
restringirem a obras de pequeno porte, que não requerem grande
complexidade tecnológica e organizacional ou padrões elevados de
qualidade. Tais obras tendem a se concentrar, como apontado
anteriormente, na construção habitacional e em obras públicas, como
creches, postos de saúde, etc. (FARAH, 1996, p. 68-69)
De forma semelhante, Chaves (1985) aponta:
A especialização dentro desse segmento parece não se orientar,
propriamente, pela finalidade ou tipo de obra (edifícios comerciais ou
residenciais) mas sim pelo porte dessa: grandes empresas que têm
condições de executar qualquer tipo de obra, orientam-se ao longo de suas
vidas por razões de mercado; as pequenas ficam, normalmente com as
41
edificações unifamiliares e reformas. Tem-se observado, todavia, que as
construções modulares horizontais (conjuntos habitacionais) e,
principalmente, as construções industriais se apresentam como atividade
própria de grupos específicos de empresas.
A atuação em outros subsetores não é típica desse segmento, embora
possa ser observada a nível de algumas grandes empresas. (p.20-21)
Como já aludido, também é característico das Edificações, sobretudo das
residenciais e comerciais, o desdobramento dos lucros dos empreendimentos entre
produtivos e imobiliários. Monteiro Filha et al (2010) apresentam esses conceitos com o
auxílio da Figura 1, reproduzida abaixo. O lucro produtivo seria aquele que se realiza na
atividade de edificar, strictu sensu, e pode ser ampliado pelos ganhos de produtividade na
obra. O lucro imobiliário, por sua vez, estaria ligado a uma lógica em princípio externa à
Construção, como explica Monteiro Filha et al (2010):
O lucro imobiliário, por seu turno, está relacionado a condicionantes
externos que atuam sobre o valor do imóvel, como localização e status da
área, uma vez que o insumo básico para o processo construtivo nesse
subsetor é a ‗terra urbana‘ (parcelas do território incluídas em área
urbana), com níveis distintos de acesso à infraestrutura e a equipamentos
urbanos, bem como limitações do direito de propriedade baseados em um
conjunto de condicionantes estabelecidos nas distintas esferas de governo,
tais como normas de manutenção de percentuais de área verde e limite de
andares nos prédios, que irão influir diretamente na formação de seu valor
(―efeito localização‖).
Além disso, a terra é considerada um ativo, cuja lógica de valorização é
externa ao segmento, já que está sujeita a práticas especulativas e a
processos de valorização que não têm relação direta com o investimento
produtivo. Portanto, após o processo de edificação (a construção do
empreendimento propriamente dita), a terra realiza seu ‗valor potencial‘,
por meio da transformação efetiva de uso propiciada pela construção. No
entanto, esse valor gerado pela construção é apenas uma parcela do valor
do produto final (o imóvel), que só irá materializar seu valor total após
sua venda no mercado. (p.359-360)
Havendo a possibilidade de subcontratação, não necessariamente uma única
empresa organizará e erigirá os prédios de um empreendimento, podendo haver agentes
especializados ─ uns operando com vistas ao lucro produtivo, outros ao lucro imobiliário ─
como o caso europeu (apontado na seção 1.1.2.), em que ―O crescimento da terceirização
tem levado as grandes empresas europeias de Construção Civil a se distanciarem do
42
trabalho físico da construção e se fixarem nas funções de gerenciamento do
empreendimento‖ (FIESP, 2008, p.32).
Figura 2 Esquema das formas de obtenção de lucros na construção civil
Lucro Imobiliário
Externalidades
Terra
Produção de
Valor do
Edificações
Imóvel
Regulação
Lucro Produtivo
Fonte: Elaboração da autora, com base em Monteiro Filha et al (2010).
Até a década de 1970, além das características mais gerais já citadas, assinalava-se a
reduzida abertura do segmento ao capital estrangeiro, a baixa importação de insumos,
e a forte influência do setor Governamental sobre a Construção (WERNECK, 1978). Os
Estados podiam influenciar o segmento de diversas formas: como demandantes diretos de
obras e edifícios, como reguladores da exploração do solo e das propriedades, como
formuladores de normas técnicas e trabalhistas, de currículos mínimos para as escolas
técnicas, como responsáveis pela organização do sistema de financiamento.
Ainda hoje, todas as características acima arroladas aparecem na maioria dos
estudos sobre o segmento como típicas do setor, e a industrialização é apresentada como
um desfecho esperado das relações no mercado de trabalho (relacionadas à demografia e à
qualificação). A principal distinção dos estudos setoriais atuais parece ser a menor ênfase
na importância do Estado como demandante e regulador das condições creditícias e
fundiárias – e, nessa literatura, essa ausência parece não exercer mudança significativa
sobre o produto e o modo de produzir do setor.
Defende-se aqui que a mudança do “padrão mais geral de acumulação”, do
paradigma keynesiano, vigente entre o pós-guerra até os anos 1970, para o da
globalização, que preponderou na sequência, pode ter alterado características
importantes do segmento, com impactos no seu grau de “modernização”.
43
No segundo período, o barateamento dos transportes, o avanço das comunicações e
as sucessivas rodadas de liberalização favoreceram não apenas o comércio internacional de
insumos da Construção (ainda que em escala inferior ao de outros segmentos), mas mesmo
o de serviços da Construção, os investimentos estrangeiros e relações contratuais entre
residentes e não-residentes, assim como os financiamentos das mais variadas modalidades
na área.
Os movimentos de regionalização, complementares ao da globalização
(COUTINHO, 1995), também tiveram impactos substantivos na mobilidade do capital e, no
caso da União Europeia, do trabalho, alterando tendências que pareciam unívocas em
direção à industrialização da Construção na parcela desenvolvida da Europa.
Nota-se na bibliografia uma forte preocupação europeia com a evolução das
subcontratações e terceirizações no segmento, cada vez mais associadas à precarização
das condições de trabalho na Construção das economias mais desenvolvidas da região, que
acabaram por desencadear movimentos políticos em favor da ―equalização‖ das condições
trabalhistas coadunando com as evidências apresentadas na seção 1.2.2., de uma regressão
na organização do setor, que pode ser uma das explicações para a perda de ímpeto,
senão de regressão, dos ganhos de produtividade do setor local. A discussão em torno
de um salário mínimo, da seguridade social e de contribuições e impostos sobre salários em
âmbito regional viriam para evitar o que se denominou dumping social na região
(HOUWERZIJL, M, PETERS, S. 2008, p.2). Ou seja, tendências unidirecionais, trazidas
pelo avanço demográfico, técnico e de gestão, foram alteradas a partir da liberalização, que
permitiu ao capital se reorganizar arbitrando custos do trabalho e legislação trabalhista. A
Construção, aliás, é conhecida pelo largo uso de mão de obra imigrante (ILO, 2009), e a
pressão para nivelar o jogo no tocante ao mercado de trabalho é uma das formas de conter,
quando conveniente, esse movimento.
Quando não há permissão legal para a mobilidade da mão de obra entre países,
verifica-se certa condescendência com a imigração ilegal nos ciclos ascendentes e
―programas‖ de repatriação nas crises ─ movimentos tipicamente ―extra-mercado‖.
Outra característica que foi fortemente alterada no período da globalização foi,
como já explorado, o padrão de financiamento. São dois os fenômenos observados: a
44
perda de importância do financiamento estatal e a crescente importância do financiamento
privado desintermediado (via mercado de capitais).
A emergência do ―Estado Mínimo‖ como Estado ideal, limitou tanto a sua
capacidade financeira como de planejamento – restringindo sua atuação sobre a demanda
de obras, seu poder regulador sobre o crédito voltado ao segmento e mesmo sobre a
consecução de políticas setoriais, voltadas à Construção. Assim, na infraestrutura, foram
estabelecidos novos arranjos de financiamento, como as privatizações e as parcerias
público-privadas, por exemplo. No campo das Edificações, em que os longos ciclos de
produção exigem financiamento de maior risco, assim como o alto valor unitário do
produto final exige financiamento de prazo ainda mais longo à comercialização, o mercado
de capitais vem sendo cada vez mais importante para o fluxo dos negócios.
Para a produção de edifícios mais e mais as construtoras vêem na abertura de capital
e nos títulos de dívida uma forma de obter financiamento para a produção e o investimento,
e mesmo ―nas boas relações com o mercado‖ um meio de acesso ao crédito bancário
tradicional (de curto prazo). Para a comercialização de edifícios, a securitização vem se
estabelecendo como forma complementar ao crédito bancário tradicional, assim como a
indústria de ―fundos‖ garante liquidez aos títulos imobiliários – os créditos securitizados.
Há inovações financeiras como as de alguns fundos imobiliários, que financiam
empreendimentos e depois exploram tanto as suas rendas (aluguel, leasing), como os
ganhos patrimoniais que gerarão na venda dos imóveis, em um momento oportuno.
Sem dúvida, nas Edificações, a parcela mais afetada pela limitação das funções
do Estado foi a da moradia para a baixa renda, que, pelas condições de risco, sem
garantias e subsídios estatais, pouco interessa ao capital bancário-financeiro.
O maior avanço do segmento imobiliário sobre o de Edificações, do ponto de vista
aqui adotado, decorreria da dinâmica apontada de recuo, em certo sentido, do Estado sobre
a questão habitacional, e de avanço dos mercados financeiros, que no caso da produção,
financiam a Edificação com vistas ao ganho imobiliário, em uma lógica financeirizada.
Em uma lógica em que os ganhos de renda se subordinam aos ganhos patrimoniais, é
plausível supor que a Incorporação Imobiliária esteja liderando as operações da
Edificação, stricto sensu. As grandes empresas do segmento cada vez mais procuram
explorar os lucros imobiliários para valorizar seu próprio patrimônio, gerar valor aos
45
seus acionistas, e assim criar maior potencial de financiamento – uma vantagem
competitiva determinante no segmento. No bojo desse movimento, mais uma vez se
reforça a tendência à terceirização, já que cresce o número de empresas cuja atividade
principal é organizar o negócio imobiliário, sem necessariamente se envolver com a
atividade construtiva em si.
Uma referência para a importância relativa do capital imobiliário nas Edificações foi
encontrada na evolução das classificações internacionais de atividades. Acredita-se que a
evolução dessas estruturas deve revelar, mais que o desenho médio do setor no mundo, o
estado da arte – ou seja, tendem a descrever estruturas mais próximas à existente nos países
industrializados, aquilo que se entende por uma estrutura ―desenvolvida‖ do setor,
referência para os estudos setoriais nos países em desenvolvimento.
A ISIC é uma classificação de atividades econômicas, elaborada pela divisão de
estatísticas da ONU, com base em discussões de âmbito internacional, que é referência para
os sistemas estatísticos nacionais. Desde a sua primeira versão, de 1948, já passou por 4
revisões e a sistemática atual é de revisões quinquenais 15. A CNAE (Classificação Nacional
de Atividades Econômicas) é a versão brasileira desse esforço internacional de
sistematização de estatísticas e foi implantada no país apenas na segunda metade dos anos
1990, em meio ao avanço da conversão do sistema estatístico nacional de censitário para
amostral (GARCIA, 2006), a exemplo do que se desenvolveu nos países desenvolvidos.
Os Quadros 1 e 2 (abaixo) trazem a composição tanto do setor da Construção como
do de Atividades Imobiliárias segundo as duas últimas versões das classificações
internacional e local (ISIC Rev. 3.1, de maio de 2002, e a CNAE 1.0, de 2003, no Quadro 1
e a ISIC Rev. 4, de 2007, publicada oficialmente em 2008, e a CNAE 2.0, de 2007, no
Quadro 2).
A CNAE, tal como recomenda a ONU (UN, 2003, p.6), se compromete a manter os
dados das atividades agregadas a dois dígitos idênticos aos da ISIC (no nível das divisões),
de forma que, para as atividades aqui exploradas, que não contemplam exceções, serão
15
As recomendações internacionais também abrangem métodos de mensuração da atividade informal – que é bastante
comum no segmento da Construção. Em ISIC (2008, p. 280) destaca-se a dificuldade de mensurar essa parcela das
atividades em nível desagregado. Em geral os dados são captados em pesquisas domiciliares ou específicas, e no caso da
Construção, ainda que não se desagregue os dados por segmento, naturalmente a informalidade estará associada
especialmente ao segmento de Edificação. Essas atividades não serão tratadas, ao menos em profundidade, no presente
estudo.
46
encontradas diferenças entre a classificação local e a internacional apenas a partir do
terceiro nível de agregação. Segundo o IBGE (2003), o maior detalhamento da classificação
local (no nível dos grupos e das classes) decorre da necessidade de identificação de
segmentos importantes na caracterização da estrutura produtiva do País e da demanda de
usuários e produtores de informações.
Observando os quadros, verifica-se que nas versões mais recentes a atividade de
edificar saiu do quarto para o segundo nível de agregação, com resultados ―isolados‖ dos
das obras de engenharia civil, o que contribui para acompanhar os resultados específicos do
segmento. A classificação do início da década (a Rev. 3.1) se orientava pelos estágios das
obras (ISIC Rev.4, p. 290), e, com o destaque das ―Atividades Especializadas de
Construção‖, a divisão 43 da nova classificação, a ISIC passou a separar as demais
atividades segundo o produto final (edificações e obras infraestruturais) 16.
A mudança mais relevante, entretanto, é que a atividade de Incorporar, na
classificação CNAE, foi transferida dos ―Serviços Imobiliários‖, junto às atividades de
compra e venda de imóveis, para a ―Construção de edifícios‖ – configurando o grupo
―Incorporação de empreendimentos imobiliários‖ (411), com atividade destacada da
―Construção de edifícios‖ (412 - grupo com mesmo nome da divisão), retratando a
reclassificação em âmbito internacional e confirmando a crescente importância da atividade
de Incorporar para a condução dos negócios do segmento de Edificações.
16
Essa mudança ocorre em conjunto à implementada na classificação internacional de produtos em que dos ―Serviços da
Construção‖ (CPC Ver. 1.1) passa-se à seção ―Construção e serviços da Construção‖ (CPC Ver. 2), que compreende os
―Edifícios‖, as ―Obras de Engenharia Civil‖ e os ―Serviços da Construção‖.
47
more than just paper subdivisions. The activities to move would be
instances where the land is actually improved by the addition of basic
infrastructure (e.g., water, sewer, utility access) as part of the development
and subdivision process. (UN, 2003, p.13).
E mesmo na versão final da Classificação Internacional, essa atividade aparece de
forma genérica, na definição da seção (F: Construção), sendo então aplicável a todas as
divisões:
This section also includes the development of building projects for
buildings or civil engineering works by bringing together financial,
technical and physical means to realize the construction projects for later
sale. If these activities are carried out not for later sale of the construction
projects, but for their operation (e.g. renting of space in these buildings,
manufacturing activities in these plants), the unit would not be classified
here, but according to its operational activity, i.e. real estate,
manufacturing etc. (ISIC Rev 4, 2008, p. 172).
A atividade de incorporação é prevista em lei no Brasil – e talvez por isso, pela
existência de uma pessoa jurídica específica, haja o destaque da atividade na classificação
local. Pela Lei 4.951/1964, que regulamenta a Incorporação no Brasil, ela seria a atividade:
[…] exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para
alienação total ou parcial (antes da conclusão das obras), de edificações
ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, sob o
regime de condomínio.
O incorporador vende frações ideais do terreno, vinculadas às unidades
autônomas (apartamentos, salas, conjuntos etc.), em construção ou a
serem construídas, obtendo, assim, os recursos necessários para a
edificação. Pode também alienar as unidades já construídas.
E, neste sentido, o incorporador é
[…] a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que, embora não
efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais
de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas,
em edificações a serem construídas ou em construção sob regime
condominial, ou que meramente aceita propostas para efetivação de tais
transações, coordenando e levando a termo a incorporação e
responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, em certo prazo, a
preço e em determinadas condições, das obras concluídas.
50
Estende-se a condição de incorporador aos proprietários e titulares de
direitos aquisitivos que contratem a construção de edifícios que se
destinem à constituição em condomínio, sempre que iniciarem as
alienações antes da conclusão das obras.
Seja como for, mais do que uma diferenciação técnica, em que ao se fracionar
propriedades também se provê serviços típicos da Construção, como sugerido pela ONU
(2003), acredita-se, como já ressaltado, que a aproximação da Edificação 17 à
Incorporação deriva do padrão de financiamento crescentemente baseado no mercado
de capitais, que privilegiaria as empresas que além do ganho produtivo poderiam se
beneficiar dos ganhos patrimoniais ligados à valorização imobiliária, e à correlata perda
de importância do Estado como promotor de políticas habitacionais, regulador das
condições de crédito, ordenador da questão fundiária urbana.
É interessante notar que a classificação de atividades econômicas norte-americana
NAICS (North American Industry Classification System) já trazia uma atividade próxima à
da Incorporação brasileira junto ao segmento da Construção desde 2002, quando substituiu
a classificação anterior (SIC – Standard Industrial Classification). A citação abaixo
apresenta as funções do segmento da Construção (divisão 23) naquela nomenclatura que
compreende atividades de divisão de terrenos em unidades autônomas, de gerenciamento da
construção e venda dos imóveis – tal como a função de incorporar:
The construction sector comprises establishments primarily engaged in
the construction of buildings or engineering projects (e.g., highways and
utility systems). Establishments primarily engaged in the preparation of
sites for new construction and establishments primarily engaged in
subdividing land for sale as building sites also are included in this sector.
[…] Establishments primarily engaged in activities to construct buildings
to be sold on sites that they own are known as operative builders, but
also may be known as speculative builders or merchant builders.
Operative builders produce buildings in a manner similar to general
contractors, but their production processes also include site acquisition
and securing of financial backing. Operative builders are most often
associated with the construction of residential buildings. Like general
17
É importante adiantar que para a classificação das unidades produtoras (empresas) nos sistemas estatísticos, em geral o
que vale é sua atividade principal – ou seja, os estabelecimentos podem desenvolver mais de uma atividade, mas será a
atividade central da empresa, que determina a maior parte do valor adicionado, que determinará sua classificação (IBGE,
2007). Não raro e especialmente entre as grandes empresas Brasileiras, como se verá no capítulo 3 deste estudo, as
Incorporadoras têm suas próprias Construtoras e/ou escritórios de engenharia – como empresas independentes ou
―subordinadas‖, tidas como atividades secundárias.
51
contractors, they may subcontract all or part of the actual construction
work on their buildings.18
Os ―New Housing Operative Builders‖ (236117) construiriam, tal como os
incorporadores, com o intuito de venda das edificações:
This U.S. industry comprises operative builders primarily responsible for
the entire construction of new houses and other residential buildings,
single-family and multifamily, on their own account for sale. Operative
builders are also known as speculative or merchant builders.
Esses ―especuladores da Construção‖, no caso, do segmento imobiliário residencial,
teriam como alvo a obtenção de ―lucros imobiliários‖, na acepção de Monteiro Filha et al
(2010).
A demarcação entre as atividades da Construção e Imobiliárias ―puras‖, então,
para as classificações aqui exploradas, seria a Edificação direcionada à venda do imóvel.
Todas as demais atividades de construção com vistas à exploração do imóvel, seja para o
uso próprio ou para obter rendas (aluguel, leasing), são tidas como atividades puramente
imobiliárias.
Na literatura em geral pouco se fala sobre essa demarcação – talvez porque no
próprio mundo dos negócios exista um emaranhado de atividades, envolvendo diferentes
pessoas jurídicas atreladas a um mesmo empreendimento, que não justifique a clivagem –
mas que para o objetivo aqui traçado é muito importante. Sobretudo na literatura
estrangeira, ou mesmo local, que cada vez mais faz uso de estrangeirismos, a designação
―Real Estate‖ pode englobar tanto negócios da Construção – nos moldes das Incorporações
– como da atividade imobiliária, stricto sensu.
Na verdade, pode-se dizer que o Real Estate19, se atém à atividade ―real‖, de criação
do bem imóvel, com vistas ao lucro imobiliário, e aos ativos criados a partir do imóvel – o
próprio imóvel, as hipotecas, os certificados de recebíveis, etc –, gerenciados por uma parte
relevante do mercado de capitais.
Belkaïd (2008), de forma livre, descreve a larga “esfera de influência” da
indústria imobiliária residencial. Ela envolveria:
18
disponível em http://www.census.gov/cgi-bin/sssd/naics/naicsrch?code=23&search=2002 NAICS Search. Acesso em
fevereiro de 2011.
19
Para uma interessante discussão a respeito dos limites dessas designações, ver Royer (2009, p.40-42).
52
[…] a atividade econômica ‗real‘, o crédito, o consumo doméstico e o uso
que as famílias fazem de suas poupanças com vistas a constituir um
patrimônio. Segundo as avaliações mais freqüentes, essa área - que agrupa
de um lado as agências, os financiadores, a corretagem, e, de outro, as
construtoras – é o oitavo empregador do mundo. Cerca de 80% dos postos
de trabalho estão no campo da edificação.‖
1.2.2. Internacionalização da Construção
A internacionalização do segmento de infraestrutura é um movimento de longa data,
e o de Edificações, especialmente do segmento residencial, é um fenômeno mais recente.
Os produtos da Construção são não comercializáveis e por isso, em nível
internacional, o aproveitamento da demanda externa se dá pela venda (exportação) de
serviços da construção, pelo investimento direto estrangeiro (IDE), ou por outros arranjos
contratuais com produtores locais. Sendo assim, o principal móvel da internacionalização
da Construção seria a busca de mercados.
A internacionalização das empresas da Construção, por sua vez, é particularmente
justificável pela forte ciclicidade a que estão submetidas nas economias nacionais. A
demanda por obras infraestruturais e de edificações é relativamente concentrada no tempo e
sujeita a picos, de forma que a diversificação geográfica de riscos é uma motivação
bastante forte para a internacionalização da Construção.
O processo de internacionalização produtiva e financeira do segmento também
foi afetado pela nova sistemática de financiamento e valorização da riqueza. No pós-guerra,
enquanto o segmento produtivo de Edificações era alvo de proteção, sobretudo por ser
fortemente empregador e apresentar grande efeito multiplicador, as grandes empreiteiras
(empresas produtoras de obras de infraestrutura) continuaram no seu processo de
internacionalização sob o patrocínio do financiamento das agências internacionais de
financiamento – notadamente o Banco Mundial – que, ao exigir especificações técnicas nos
contratos de financiamento, acabavam por favorecer as empresas dos países desenvolvidos
(UNCTAD, 2000b). No período recente, por sua vez, dado o avanço da liberalização no
setor de serviços, a queda de algumas das barreiras aos fluxos de capital, e mesmo à nova
inserção econômica do Estado, o mercado financeiro estaria propiciando o avanço da
internacionalização das Edificações, também com base nas condições de financiamento.
53
A capacidade financeira das empresas vindas do Centro, conferida por seus sistemas
financeiros nacionais, favoreceria a sua internacionalização, seja na versão produtiva, seja
na financeira.
À heterogeneidade típica do setor, somar-se-ia então o agigantamento das
estruturas internacionalizadas.
Na citação abaixo, UNCTAD (2000) apresenta a heterogeneidade em escala
nacional e destaca a atuação das grandes empresas da Construção dos países
industrializados no mercado internacional. Seriam essas as estruturas que estariam
investindo e atuando, com parcela importante do faturamento, no mercado internacional:
Physical construction services are those required for the physical creation
of investment projects. They bring together labor, material and equipment
in order to translate the techno-economic specifications produced by the
architectural, engineering and design services into concrete physical
entities such as industrial plants, infrastructure projects and the like.
While construction services require general and specialized engineering
and managerial skills, they also make considerable use of unskilled and
semiskilled labor. Construction firms can be private or state-owned,
sectoral or multisectoral, specialized in certain types of engineering
design and construction services or highly diversified. The market
structure is characterized by a large number of small firms active in
limited geographical areas, and a relatively small number of large
firms, which compete in the world market for large-scale projects,
from which they obtain at least 35% of their total billings. At present
in developed countries, for example, large companies are making
increasing investments, while small firms are able to succeed only by
offering very low bids. Such uneven performance in the industry itself
was also found in developing countries (p. 7, grifo nosso).
É com base em todas essas transformações no modus operandi da Construção que se
acredita que o móvel da internacionalização da produção de edificações é antes de tudo
o “negócio imobiliário”, aquele que incorpora o lucro imobiliário na acepção de
Monteiro Filha et al (2011).
Tradicionalmente, tinha-se que alguns elementos como os padrões técnicos,
climáticos, culturais, constituíam uma barreira natural à internacionalização das atividades
no segmento de Edificações. Neste sentido, a edificação residencial seria a última fronteira
de valorização do capital no segmento da Construção que havia se mantido relativamente
intacta ao capital internacional – o que estaria se alterando. Se para a própria indústria de
transformação são poucos os exemplos de produtos verdadeiramente globais (OHMAE,
54
1998), a idéia de padronização das edificações residenciais fica ainda mais distante. O
processo de internacionalização das Edificações não vem se dando no sentido de expor
a mercados locais um produto internacionalizado, mas de capitais internacionalizados
que se associam a empresas locais, a fim de aproveitar o crescimento dos negócios no
mercado local ou regional.
UNCTAD (2000) verificou uma forte aceleração da internacionalização produtiva
da Construção com os descensos econômicos do início e do final da década de 1990:
With the economic slowdown, which occurred at the beginning of the
1990s, companies in developed and developing countries, alike faced
increased domestic competition. Companies in developed countries
started looking more actively for the opportunities abroad and were quite
successful in this strategy. In the aftermath of the Asian financial crises,
the regional construction service market was facing structural problems of
overcapacity, including in materials, and falling private and public
spending. Tightening credit conditions and debt accumulated by many of
the companies have put the whole sector at risk, forcing companies – as in
developed countries - to look for opportunities outside their domestic
market. (p.6)
O setor se reorganizou em novas bases, em que a terceirização e as relações
contratuais
tornaram-se
um
elemento
importantíssimo
para
o
avanço
da
internacionalização, com uma certa divisão de trabalho com as empresas dos países em
desenvolvimento:
Subcontracting has proved to be an entry point to the international market
for small and medium-sized construction firms from developing countries
and also transition economies. This appears to be because developing
country firms seem to have inadequate capacities for executing overall
management of large construction projects and are usually subcontracted
for other specialized services. However, recent trends have also produced
formal long-term agreements involving knowledge sharing in the design
and execution phase of investment projects. Unfortunately, weak domestic
banking systems have limited the credits available to construction
companies in developing countries. To overcome this shortcoming,
companies have been choosing to seek strategic partnerships or equity
buyouts. However, finding potential investors – both, domestic and
foreign – has proved to be a complicated task. (UNCTAD, 2000, p. 6-7)
Nota-se nas citações que as principais vantagens atribuídas às transnacionais
originárias de economias desenvolvidas são a qualificação técnica e a capacidade
55
financeira. Destaca-se a insuficiência de fundos a que estão submetidas as empresas dos
países em desenvolvimento para o aproveitamento do ―mercado global‖ – o que vinha
sendo contornado, ao menos em parte, pelo Sistema Financeiro Internacional.
Para as empresas de Edificações dos países em desenvolvimento que não estão
disputando espaço no mercado internacional, mas que querem se expandir em seu
mercado local, a associação com estrangeiros pode ser uma alternativa interessante,
sobretudo pela capacidade financeira que aqueles carregam. A observação diz que nas
Edificações comerciais
e
residenciais,
mais que em outros
segmentos,
a
internacionalização produtiva e financeira caminham muito próximas, já que os
arranjos entre estrangeiros e produtores locais são muito comuns e a disponibilidade de
capital, ou o simples acesso a ele, é a principal vantagem do negócio para o produtor local,
uma vez que a densidade técnica da edificação comercial e residencial minimiza o peso da
vantagem tecnológica do produtor internacional. Caminham próximas também porque
alguns agentes que exploram os ―ativos produtivos‖ das Edificações (associações com
produtores locais) também exploram ―ativos financeiros‖, derivados da propriedade
imobiliária ─ atuam de ―forma ampla‖ no segmento de Real Estate.
Assim, no caso das Edificações, na globalização, o crescimento dos negócios em
uma economia combinaria tanto a internacionalização produtiva, como a financeira, já que
a expansão da produção de edificações, em si, potencializa, a depender da regulamentação
local, a expansão do mercado de ativos financeiros que se desenvolvem a partir do imóvel.
Aquele capital, que busca a valorização transitando entre suas diversas formas
particulares, apontado por Chesnais (2005) e Braga (1998), encontra um espaço de
valorização extremamente profícuo no segmento.
A associação de empresas locais da Edificação a capitais estrangeiros pode
significar, neste sentido, um salto no nível de atividade local e essa ―associação‖ pode se
dar tanto no nível operacional, como no financeiro. Como colocado por Chesnais (1998),
alguns gerentes de fundos globalizados têm tal confiança ―do mercado‖, que os recursos
que eles injetam nos negócios inicialmente é somente uma parcela pequena do que podem
atrair – tanto em termos de capital líquido, como mesmo de produtivo, pois com suas
―aplicações‖ chancelam a perspectiva de crescimento dos negócios na economia e no setor
onde estão apostando. Neste contexto, as operações financeiras correm em paralelo aos
56
IDEs, que podem assumir a forma de participação acionária relevante em empresas locais
(ao menos 10%, como assinalado), ou de arranjos contratuais típicos do setor, como as
Sociedades de Propósito Específico (SPEs), por exemplo, que configuram um IDEs com a
vinculação a um único empreendimento específico, ou outras formas contratuais.
A prevalência das associações entre o capital local e o estrangeiro, sobretudo
pela capacidade financeira que o último carrega, pode corroborar o desenvolvimento
teórico de Carneiro (2007) de que parte dos IDEs na globalização não redundam em
mudança de padrão técnico. Neste sentido, o salto do nível de atividade que a entrada de
estrangeiros promoveria pode não significar um salto no nível de produtividade ─ tal como
tem sido observado no caso brasileiro, retratado no capítulo 3 deste estudo.
1.2.2.1. Formas de internacionalização e barreiras ao capital
internacional de edificações
Para vários segmentos dos serviços o IDE, ou mesmo o estabelecimento de Relações
Contratuais com produtores locais, são as opções mais razoáveis de internacionalização
que o comércio (UNCTAD, 2004). No caso da Construção, em que muitos contratos são
de longo curso, ou mesmo em que se exige a presença comercial do prestador de serviço
para que os contratos sejam estabelecidos, o IDE ou o estabelecimento de alguma
Relação Contratual com produtores locais pode se tornar uma imposição (MSITS,
2010 e UNCTAD, 2010).
Para a internacionalização dos serviços nos segmentos onde a produção e o consumo
se dão de forma simultânea, como a Construção, pode-se dizer que os IDEs têm como
motivação a busca de mercado, e a barreira por excelência à internacionalização seria a
imposição de restrições à operação de firmas estrangeiras sob a forma de ―presença
comercial‖, assim como no caso da prestação de serviço com ―presença de pessoas
naturais‖, as restrições à mobilidade do fator trabalho significariam a impossibilidade da
internacionalização. No caso da restrição a firmas não-residentes, são poucas as economias
que ainda impõem barreiras explícitas ao IDE. Para a presença de pessoas naturais, a
situação é diversa – já que existem processos legais intrincados para que se consiga vistos
de trabalho em diversas economias, e para a prestação de serviços técnicos são feitas
57
exigências como o reconhecimento de diplomas para a habilitação profissional local,
entre outras. A mobilidade do capital ainda é muito superior à do trabalho.
UNCTAD (2006) procurou mensurar as barreiras aos IDEs em serviços nos países em
desenvolvimento e nas Economias em Transição, identificados no ano de 2004, construindo
um índice que variava de 0 a 1 – indo da total liberdade de atuação do capital estrangeiro na
economia local ao simples impedimento da entrada. Foram consideradas para a construção
do índice as restrições diretas à propriedade de empresas por estrangeiros (tendo peso
inclusive o percentual de participação no capital), a necessidade de registro e aprovação da
operação de estrangeiros e as restrições pós-investimento. A primeira restrição é
considerada a mais relevante, já que determina a possibilidade de atuação, ou não, de
estrangeiros no mercado local. A segunda é a que está mais sujeita às idiossincrasias locais,
já que o registro e aprovação das operações das empresas estrangeiras podem ser
deliberadamente postergados ou mesmo negados, em nome do interesse nacional.
Entendeu-se como restrição pós-entrada, restrições operacionais – aquelas ligadas à
movimentação de pessoas, como discriminação de nacionalidade de gerentes, membros do
conselho ou trabalhadores.
O resultado geral da análise foi que as barreiras ao investimento externo em serviços
são relativamente baixas – sendo a América Latina e os países do Leste Europeu
relativamente mais abertos que os países em desenvolvimento da Ásia.
Especificamente para os serviços da Construção, constatou-se que o segmento é um
dos mais liberalizados entre os serviços em geral, sendo menos aberto apenas comparado
aos serviços relacionados ao meio ambiente – um segmento relativamente novo para as
economias. Em uma lista de 50 países, cinco limitavam a participação de estrangeiros no
capital de empresas da Construção a até 49,9% das ações (Egito, Indonésia, México, Qatar,
Thailandia), seis limitavam aquela participação a algo entre 50% e 99% (Ghana, Índia,
Kenya, Paraguai, Filipinas, Arábia Saudita) e os demais (entre eles o Brasil), não tinham
legislação limitando a participação estrangeira no capital de empresas locais. Os autores
salientam, por sua vez, que os resultados encontrados são consequência do processo de
liberalização ao Comércio e ao IDE de serviços, observado desde a década de 1990 – um
processo ainda em curso. Em março de 2005, por exemplo, a Índia promoveu uma ampla
58
reforma dos regulamentos em torno dos IDEs no segmento de Real Estate, impactando
sobre o segmento da Construção, não captada por UNCTAD (2006).
O esforço de UNCTAD (2006) dá uma primeira aproximação das dificuldades do
capital estrangeiro em aproveitar o crescimento dos negócios de outras economias que não
a sua de origem, mas outras barreiras devem ser avaliadas.
Segundo MSITS (2010), as limitações mais frequentes ao tratamento nacional das
empresas da Construção seriam a elegibilidade de ofertantes estrangeiros a subsídios locais
e a restrição à posse de terras por estrangeiros. UNCTAD (2000) também coloca as
compras governamentais como uma fonte de discriminação do capital estrangeiro.
O acesso à terra e à propriedade e a possibilidade de subdivisão de glebas é essencial
no negócio imobiliário e, como alerta UNECE (2003), vai além das questões meramente
econômicas:
Restrictions of rights in land and real properties are a highly sensitive
issue. It is subject to cultural legal and historic traditions that develop in
countries over centuries. Thus countries demonstrate different views on
what can be considered a restriction of rights in land and real property. A
restriction in one country may not be treated or considered as such in
another. (p.4)
UNECE (2003) coloca o direito à propriedade como um importante elemento para a
atração de IDEs, nos mais variados segmentos, e que é comum haver restrições ao acesso à
propriedade de ―terras‖ por estrangeiros segundo o local (áreas de referência para a
segurança nacional, de valor histórico/cultural, etc), o ―tipo‖ de terra – agricultável ou não,
e o tamanho de gleba.
Afora à questão da aquisição de terras, para MDIC (2002), as maiores dificuldades
impostas aos estrangeiros no segmento da Construção estariam nas normas e legislações
domésticas que em geral não os discrimina explicitamente, mas que impõem a eles uma
dificuldade maior de operação que ao capital nacional. As próprias associações patronais
locais sugerem normas técnicas específicas que dificultam a concorrência para
estrangeiros. As barreiras não-tarifárias vão desde padrões técnicos, culturais, de meio
ambiente ao de registro profissional.
UNCTAD (2000 e 2000b) procuram levantar as principais dificuldades dos países em
desenvolvimento de se beneficiarem da internacionalização dos serviços da Construção e
59
apontam, de forma mais detalhadas as questões apontadas por MDIC (2002) – referente ao
aparato regulatório local e a mobilidade de mão de obra.
A referência para acordos internacionais de transações no setor de serviços é o
GATS (General Agreement on Trade in Services), um dos acordos sob a OMC, fixado a
partir da Rodada do Uruguai – o primeiro conjunto de disciplinas e regras no nível
multilateral para cobrir o comércio internacional de serviços (MSITS, 2010). O GATS,
válido desde 1995, teria como objetivo, além de promover a liberalização do comércio de
serviços, que se justificaria pelo maior crescimento econômico que desencadearia, elevar a
participação dos países em desenvolvimento no comércio internacional de serviços.
UNCTAD (2000), levando em consideração o desenvolvimento dos mercados e os
acordos firmados no GATS, aponta como grandes fragilidades das empresas da Construção
de países em desenvolvimento, mais uma vez, a qualificação técnica (e o acesso e/ou
desenvolvimento de tecnologia) e o acesso ao financiamento. Para superar o ―atraso‖
técnico UNCTAD (2000) e UNCTAD (2000b) sugerem que aquelas firmas deveriam
procurar desenvolver parcerias com empresas dos países desenvolvidos – seja nos
mercados locais, seja nos próprios países desenvolvidos, para adquirir o expertise
necessário para atuar no âmbito internacional. Isso poderia ser exigido por governos locais
e/ou por organismos internacionais de financiamento, como o Banco Mundial – que já
exigiria a participação de Construtoras locais nas obras erigidas nos próprios países em
desenvolvimento, financiadas pela instituição.
A atuação do Banco Mundial, por sua vez, tem ido além do financiamento a
grandes obras de infraestrutura – como o fez desde a sua criação. Especialmente
através do seu braço privado – o IFC (International Finance Corporation) – o Banco
tem patrocinado o modelo de securitização de créditos imobiliários desenvolvido nos
EUA, tornando-se sócio de empresas securitizadoras em alguns países em desenvolvimento
no intento de dar maior confiança e liquidez aos mercados daqueles papéis. Sua motivação,
em princípio, seria ampliar as possibilidades do financiamento imobiliário, inclusive
residencial, potencializando o desenvolvimento das economias receptoras de recursos. Esta
sistemática já foi aplicada no México e no Brasil.
No âmbito do financiamento, a IFC vem apoiando o desenvolvimento da
securitização no Brasil. Em 2004 tornou-se sócia da CIBRASEC – Companhia Brasileira
60
de Securitização – adquirindo aproximadamente 10% do seu capital; e em 2006 concedeu
R$ 50 milhões (o equivalente a aproximadamente US$22 milhões) em um financiamento de
cinco anos para a Rio Bravo Securitizadora S.A. – recursos que deveriam ser direcionados
para o financiamento imobiliário. O IFC, por outro lado, também vem atuando ―no lado da
oferta‖, como se verificará no terceiro capítulo do estudo, se associando a uma
incorporadora local, mas de capital estrangeiro, para erigir empreendimentos habitacionais
para a baixa renda.
O avanço na liberalização financeira no período da globalização sem dúvida foi
maior que a própria liberalização do comércio e do investimento direto, gerando fluxos
intensos de capitais de difícil discriminação setorial. Há poucas estatísticas formalizadas
sobre a que setores produtivos o capital líquido entrante nos países se destina, o que seria
importantíssimo para verificar a possível formação sobreinvestimentos, como Belluzzo
(1999) identificou na crise asiática de 1997.
1.2.2.2. A internacionalização, segundo os dados agregados
Grande parte dos fluxos de capital estrangeiro em torno do setor da Construção se
movimenta dentro do circuito seleto dos países desenvolvidos, já o volume de negócios
naquelas regiões ainda é muito maior que nos países em desenvolvimento. Em 2008 o valor
adicionado pela construção nas economias desenvolvidas foi de US$ 2,25 trilhões,
enquanto no conjunto de economias em desenvolvimento o valor gerado foi de US$ 911
bilhões. O que ocorre, por outro lado é um crescimento da atividade nos países em
desenvolvimento superior à observada nos países desenvolvidos – como mostra o Gráfico
7. O crescimento do valor agregado pela Construção, em dólares, nas economias em
desenvolvimento foi de 450% entre 1980 e 2008 e nas economias desenvolvidas, de 327%.
Os tipos de serviços que economias em desenvolvimento e desenvolvidas absorvem
também são diferenciados. UNCTAD (2006) dimensiona o mercado mundial em US$ 3,2
trilhões e especifica:
The world construction market is estimated at US$ 3.200 billion. Over the
last two decades, up to 70 percent of construction business opportunities
in international markets, as measured by the size of contracts, were found
in developing countries, primarily in infrastructure projects; in developed
61
countries, up to 40 percent of similar work was devoted to repair and
maintenance. (p.4)
Gráfico 7. Valor adicionado pela construção em economias desenvolvidas e em
desenvolvimento (valores correntes). Número índice. 1980 a 2008.
600
500
400
300
200
100
0
Economias desenvolvidas
Economias em desenvolvimento
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da UNCTAD.
A hipótese de que parte da demanda local tenha sido atendida pelo fornecimento
internacional de serviços vem das estatísticas do setor. O Gráfico 8 (abaixo), apresenta a
evolução real do comércio de serviços, em geral, e a do comércio de serviços da
Construção, em específico – ou seja, de serviços relativos às obras desenvolvidas por não
residentes, excluídos os serviços de engenharia e arquitetura. Observa-se um crescimento
substancial da venda internacional de serviços da construção, que em dois momentos chega
a ultrapassar a dos serviços em geral.
Esses dois momentos coincidem com períodos em que há crescimento simultâneo
da atividade econômica em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Em meados de
1990, como observável no Gráfico 7 (acima) houve a aceleração do crescimento da
Construção nos países em desenvolvimento, em uma conjuntura de bom desempenho do
setor também nos países desenvolvidos. Este movimento, junto aos avanços do GATS
(General Agreement on Trade in Services) devem justificar o forte crescimento observado.
Nos anos 2000 o dinamismo apontado tanto por Belkaïd (2008) como pelo próprio Gráfico
7, que mostra o crescimento da construção em forte aceleração especialmente na periferia,
justificam o pico de vendas internacionais de serviços da construção, em 2008. A queda de
62
vendas de serviços da construção em 2009 deve ter correspondência aos dados de atividade
econômica, ainda não disponíveis pelo atraso relativo de apuração das Contas Nacionais
frente à consolidação dos dados de fluxo de comércio. Assim, seja no ciclo de crescimento
de meados dos anos 1990, seja no deflagrado a partir de 2004, tal como apontado em
UNCTAD (2000), há um aprofundamento da internacionalização da Construção na ótica do
comércio internacional de serviços da Construção.
Gráfico 8. Exportação de serviços em geral e de serviços da Construção (valores
constantes). Número índice. 1980 a 2009.
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
Serviços de Construção
Serviços em geral
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da UNCTAD.
A Tabela 2 apresenta as exportações mundiais de serviços da construção em 2006,
segundo alguns grupos de países, e o crescimento ao longo dos anos 2000. Foi identificado
um crescimento nominal médio das exportações de serviços da construção de 11% ao ano
ente 2000 e 2006, muito acima do identificado para o valor agregado mundial – ou seja, o
ritmo de crescimento da exportação de serviços da construção supera, e muito, o próprio
crescimento do setor em escala mundial.
O ritmo de vendas desses serviços, entretanto, difere muito entre as regiões. A
América do Norte, crescendo mais que a média das demais regiões, ampliou em 1% sua
participação no comércio internacional de serviços da construção entre 2000 e 2006. O
conjunto de países da Comunidade dos Estados Independentes (CIS), saltou de 1% das
vendas mundiais daqueles serviços para 6% - o deve estar relacionado às facilidades do
63
Gráfico 9. Fluxos de IDE dos Países da OCDE no setor da Construção (US$ milhões). 1990
a 2009.
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
Construção
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OCDE.
Os dados de estoque líquido de investimentos da OCDE no resto do mundo,
resultado da diferença do estoque de IDEs de origem da OCDE no resto do mundo e o
recebido pela região, por sua vez, parecem descrever melhor a natureza dessas operações.
O Gráfico 10 mostra que esse estoque líquido tende a ser muito pequeno,
apresentando crescimento no ciclo expansivo dos anos 2000, com um pico em 2006, logo
refluindo no momento da crise. Ou seja, há um rápido ―descomprometimento‖ com as
estruturas produtivas locais, que leva a esses capitais uma aparência mais próxima dos
investimentos em carteira que à de tradicionais operações de IDEs, que constituiriam
interesses duradouros nas economias em que aportassem.
65
Gráfico 10. Estoque líquido de investimentos da OCDE, no setor da Construção, no resto
do mundo (valores correntes). 1990 a 2008.
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
0
-10.000
-20.000
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OCDE.
Essa mesma característica dos IDEs da Construção pode ser observada nos afluxos
de capital da OCDE. O Gráfico 11 traz o número de países da organização que apresentam
saídas de IDEs, no setor da Construção, negativos – ou seja, quando há retorno líquido
desses capitais do ―resto do mundo‖. Observa-se ali uma trajetória crescente, mesmo em
anos com bom desempenho da construção no mundo, como nos anos 2000, o que pode ser
considerado mais uma indicação de um caráter relativamente líquido desses investimentos.
Gráfico 11. Número de países-membro da OCDE com afluxo negativo de IDEs. 1990 a
2008.
8
7
6
5
4
3
2
1
0
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da OCDE.
66
A internacionalização da Construção deve prosseguir segundo um conjunto de
hipóteses bastante factíveis:
i.
o Crescimento econômico mundial deve ser proporcionalmente maior na parcela
dos países em desenvolvimento.
O avanço da internacionalização da construção segue as tendências nesse
quadro mais geral, com destaque para o tipo de demanda diferenciado nos países
em desenvolvimento: enquanto nos países desenvolvidos grande parte da demanda
se atém às reformas, nos países em desenvolvimento haverá expansão da
infraestrutura básica e das edificações no processo de urbanização e
industrialização.
ii. há a disposição do capital ―globalizado‖ de aproveitar mais essa oportunidade de
valorização – seja na internacionalização do capital líquido, financiando a
Construção, seja na internacionalização produtiva, em que os estrangeiros se
―comprometeriam‖
com
o
encaminhamento
das
Incorporações
e/ou
participariam da produção de edificações; e,
iii. em terceiro lugar, mas não menos importante, do avanço do processo de
desregulamentação.
Infelizmente, como já apontado, não há disponibilidade de estatísticas agregadas de
financiamento por setor de atividade econômica. Infere-se, por informações qualitativas,
que o volume de recursos nesse formato é bastante significativo.
1.2.2.3. O capital promotor da internacionalização
Resta avaliar as motivações que os grandes gestores de recursos especializados em
edificações
(incluindo
a
gestão
de
empreendimentos
imobiliários)
têm
para
internacionalizar seu capital, potencializando, como já aludido, booms imobiliários ―pelo
globo‖. Conforme Chesnais (1998), acredita-se alguns agentes são capazes de direcionar os
movimentos globais de investimentos.
Para identificar as motivações à internacionalização no segmento, utilizou-se
documentos disponibilizados pela Wharton School21, escola de MBA ligada à Universidade
21
Disponível em http://www.wharton.universia.net/index.cfm. Acesso em fevereiro de 2011.
67
da Pensilvânia (EUA), sob o tema ―Real Estate‖ para destacar as vantagens locacionais que
os estrategistas do segmento têm apresentado como relevantes para eleger as regiões do
mundo como aptas, ou não, a receber recursos. São transcrições de palestras, entrevistas de
algumas personalidades do ―mercado imobiliário global‖ e artigos de professores, que
auxiliam no entendimento das motivações daquele capital – cujos títulos seguem no Anexo
1. Outros artigos, de origem semelhante – de ―formadores de opinião‖ – poderiam ser
utilizados, mas o conteúdo fundamental identificado é o mesmo.
É importante ressaltar que parte relevante desses gestores aplica recursos na esfera
produtiva, independentemente da rubrica que suas operações levarão nos Balanços de
Pagamentos – ou seja, estabelecem operações que configuram IDEs ou Investimentos em
Carteira, conforme a participação acionária nas empresas locais, ou outros tipos arranjos
com Incorporadoras/Construtoras locais.
Nos documentos analisados observou-se que desde antes da crise de 2008 empresas
imobiliárias espanholas já estavam aportando na América Latina por três razões principais:
pelo esgotamento da expansão do mercado residencial espanhol; pelo volume de recursos
líquidos acumulados pelas empresas com aqueles negócios, na Espanha; pela estabilidade
econômica e potencial demográfico dos países da região latino-americana. Ou seja, o
esgotamento do boom imobiliário espanhol deixou alguns produtores e negociantes com
liquidez suficiente para buscar novos mercados – tal como ocorreu no início e final dos
anos 1990, com a crise asiática, que acabou por acelerar o processo de internacionalização
da construção descrito em UNCTAD (2000).
A América Latina foi ―escolhida‖ como mercado a ser explorado pelas condições
de demanda amplamente favoráveis e pela estabilidade econômica.
A existência de um volume mínimo de negócios, ligado à economia e à
demografia (demanda), marca a decisão de explorar um determinado mercado – sendo que
a participação da dita economia em áreas de livre comércio (ou outros acordos do gênero)
amplia o mercado e dá maior segurança aos investidores 22. Semelhanças culturais23 e
econômicas abririam espaço à possibilidade de replicação de projetos, o que traria grande
vantagem de custos aos investidores internacionais.
22
Essa vantagem foi citada mais de uma vez em relação ao México, que ao participar do NAFTA dava uma perspectiva de
mercado mais amplo, de segurança jurídica, de controle de custos mais favorável.
23
Vantagem que favoreceu o investimento espanhol no México.
68
A estabilidade econômica a que os investidores se referem fundamenta-se em
elementos que vão além do desempenho econômico de curto prazo que normalmente está
no discurso jornalístico. Os investidores procuram, antes de tudo, espaços com
estabilidade política e que apresentem “segurança jurídica” aos contratos. O relato de
experiências traumatizantes com a nacionalização de propriedades na Venezuela, a
corrupção na Rússia e na Índia são usados para demonstrar como a ―estabilidade‖ almejada
tem, antes de tudo, profunda relação com o amparo legal aos contratos firmados.
A ―estabilidade‖ também remete ao comportamento dos preços – que se desdobra
em três elementos: i. à estabilidade do senso comum: níveis controlados de inflação, que
permitem um gerenciamento mais fácil das atividades empresariais; ii. à “livre” formação
de preços no mercado imobiliário – que garante a possibilidade da valorização imobiliária
em moeda local; e iii. à ampla liberdade de conversão dos valores auferidos em moeda
local em moedas “fortes”. O horizonte dessa ―estabilidade‖ macroeconômica e dos
marcos regulatórios deve ser de ao menos 3 a 4 anos – período mínimo que se prevê para
realizar o potencial de um mercado.
Neste sentido, pressupondo a existência de terrenos a baixos preços e acessíveis
ao capital estrangeiro, a condição ideal de exploração de um mercado é chegar no período
em que se inicia a aceleração do volume de negócios, já que se conseguirá aproveitar tanto
dos fortes ganhos imobiliários em moeda local, como, no caso de Regime de câmbio
flexível, da potencial valorização cambial que a seguirá, com a chegada de mais
investidores. Assim, os primeiros capitais a aportarem serão os que assumirão os maiores
riscos, mas também as maiores recompensas, se de fato houver o boom, na sequência.
Também é uma pré-condição à recepção de capitais a existência de um mercado de
trabalho compatível com o crescimento dos negócios – que vai da disponibilidade desde
executivos qualificados (seja na área de Edificação, Imobiliária ou mesmo na área
financeira) à mão de obra desqualificada a ―bons preços‖24 para a edificação, e de um
sistema financeiro local compatível com as operações internacionalizadas, já que se
pretende ter, além da viabilização da demanda e da oferta de Edificações, o benefício de
explorar os ativos financeiros derivados dos imóveis, o que pressuporia um mercado de
capitais local com certo grau de desenvolvimento.
24
Vantagens identificadas no México e no Brasil.
69
A existência de um mercado de capitais local organizado à semelhança dos
observados em economias desenvolvidas cumpriria, assim, duas funções: determinar as
condições de liquidez dos ativos adquiridos e estender as possibilidades de exploração dos
ativos financeiros derivados dos imóveis. Essa última observação corrobora a idéia de
que a internacionalização produtiva, neste segmento, caminha junto com a financeira
podendo ser determinada, inclusive, pelos mesmos agentes.
Cita-se como vantagem locacional, ainda, a disponibilidade de ―recursos naturais
ilimitados‖, o que se lê como uma indústria local de insumos que suporte o crescimento
da Construção, dada a ainda baixa movimentação desses bens em âmbito internacional.
Os governos locais influenciariam nas decisões de investimentos não só pela
garantia de ―estabilidade‖ macroeconômica, pela permissão de compra de terrenos e
atuação do capital estrangeiro, mas também pelas vantagens fiscais cedidas ao setor de
edificações e imobiliário (obviamente extensível ao capital estrangeiro), pela cessão de
subsídios à habitação de interesse social25, que amplia a faixa da população apta a
adquirir uma residência e pela execução de investimentos em infraestrutura 26, que
viabiliza e valoriza os imóveis – conforme Monteiro Filha (2010).
As barreiras ao investimento, como de certa forma já colocadas, seriam o risco
político27, a burocracia28 e a corrupção29 nos mercados em desenvolvimento.
A síntese de um encontro realizado em dezembro de 2008, nominado ―Real Estate
in Emerging Markets: Opportunities and Risks‖, foi:
Dar atenção aos países onde é forte o crescimento da classe média – por
exemplo, China ou Brasil. Concentrar-se principalmente no setor de
moradia e varejo, e priorizar operações de longo prazo. Não tentar coisa
alguma sem a participação de um parceiro local.
Esse era o consenso entre os incorporadores, investidores, especialistas
em finanças e executivos em palestras proferidas em recente Fórum sobre
Bens Imóveis em Mercados Emergentes da Wharton. Com a economia em
queda e a demanda minguando nos EUA e na Europa Ocidental, não é de
espantar que os investidores em bens imóveis se sintam, mais do que
nunca antes, atraídos pelos mercados emergentes (Grifo nosso).
25
caso do México e do Brasil.
Vantagem fortemente ressaltada na China, em que o governo chega a gastar volumes iguais aos dos empreendimentos
imobiliários, feitos por empresas que muitas vezes são jointventures entre o capital público chinês e o capital privado
internacional, na infraestrutura urbana para viabilizá-los.
27
Quando cita-se as nacionalizações venezuelanas.
28
Com destaque à Índia.
29
Característica destacada do mercado na Rússia, Índia e de países da América Central.
26
70
De especial interesse a esse estudo, é praticamente consensual entre os investidores
que a forma ideal de penetração em ―novos‖ mercados seria a de estabelecimento de
parcerias com produtores locais. Isso facilitaria a entrada, sobretudo por os parceiros
locais ―terem contato com as autoridades locais e que conhecerem as regras do jogo‖, e
mesmo a saída, quando é aberta a possibilidade da venda de participação. Essa venda pode
gerar bons lucros no auge cíclico ou menores perdas na reversão de mercado, quando a
opção é abandonar os ativos fixos adquiridos no mercado local. Essa preferência também
pode revelar, por outro lado, um poder de mudanças no padrão técnico e organizacional
limitado, já que o móvel desse capital é antes a valorização patrimonial que as rendas
operacionais auferidas em prazos mais longos – o que pode significar que se levará ao
limite as possibilidades técnicas locais já existentes.
É digno de nota, ainda, no mesmo material, que além de observar os mercados
emergentes como mercados aptos à valorização do capital que gerenciam, os estrategistas
dos fundos e demais empresas do segmento imobiliário também viam naqueles países, em
meio à crise, uma fonte de recursos líquidos para a sua operação. Os Fundos Soberanos de
Cingapura, da Rússia e dos Emirados Árabes, por exemplo, eram cortejados como possíveis
financiadores de operações imobiliárias. Um incorporador francês que havia estabelecido
uma joint-venture na China, há alguns anos, mostrou sua ambição de participar do projeto
de internacionalização da Construção do Governo Chinês, citando a importância dos
recursos do fundo soberano daquele país.
1.3. Considerações finais
Este capítulo se ateve à compreensão mais geral da natureza do setor da Construção,
com ênfase nas Edificações, assim como do atual padrão de negócios da parcela
globalizada do segmento.
Verificou-se que por suas características estruturais, o setor de Edificações é
tipicamente manufatureiro, de difícil imposição do ritmo do capital ao trabalho. Muito se
fala sobre a ―industrialização da construção‖, um processo que teria se desenvolvido na
Europa, no período conhecido como keynesiano (1950–1960), de crescente organização e
mecanização das atividades do setor, levando aos canteiros de obra uma organização
próxima à industrial, garantindo, inclusive, ganhos importantes de produtividade agregada.
71
Dados do período posterior apontam, pelo contrário, uma estagnação relativa dos ganhos de
produtividade do segmento em relação à indústria e à agricultura 30.
Admitindo que o progresso da indústria de materiais e do mercado de trabalho
(escassez e educação da mão de obra) teriam contribuído pela melhoria, e não para a
estagnação da produtividade do setor, creditou-se esse retrocesso a fatores ―externos‖ à
simples capacidade de oferta. Isso induz à conclusão de que a industrialização da
construção se deu sob condições competitivas muito particulares, que não estão postas no
período da globalização.
O processo de modernização da Construção teria ocorrido em um período em que o
Estado teve a possibilidade de controlar/intervir na formação de preços e no ritmo de oferta
do setor ─ atuando como um agente organizador das condições de crédito à produção e
comercialização dos imóveis; um demandante em última instância de moradias para as
famílias de baixa renda; um regulador dos ganhos imobiliários, manejando o que se
conhece por função social da propriedade e o avanço da infraestrutura urbana; promotor de
políticas industriais.
Deixada às ―regras de mercado‖ a Edificação, sobretudo a residencial, dificilmente
sofreria transformações radicais no modo de produzir em um curto espaço de tempo, já que
os capitalistas do segmento têm que se submeter aos ciclos de crédito e de valorização
imobiliária.
No período subsequente, vulgarmente nominado globalização, o papel organizador
do Estado foi fortemente diminuído e o novo modus operandi do capital de Edificações
prevê, para os capitais mais ―preparados‖, a incorporação dos ganhos imobiliários e
financeiros, deixando em segundo plano o desafio de organizar a atividade produtiva mais
estrita. A internacionalização do capital da Edificação, neste padrão, segue em busca de
mercados com boas perspectivas de ganho imobiliário, e a forma mais comum é de
associação com o capital local para superar as barreiras culturais, técnicas e sobretudo,
potencializar os ganhos com agentes que conhecem as especificidades do mercado
imobiliário local.
30
Os dados apontados na verdade se referem à Construção como um todo, mas considera-se possível a associação da
tendência observada.
72
Os dados setoriais de IDE, por sua vez, apontam para investimentos de caráter prócíclico e de comportamento relativamente volátil (altos fluxos de retorno de IDE aos seus
mercados de origem, mesmo em períodos de crescimento da atividade construtiva no
mercado que havia recebido os recursos), indicando um potencial ―descomprometimento‖
com as estruturas produtivas locais.
Neste sentido a tendência mais geral de financeirização, entendida como um
processo em que os capitais procuram alçar ganhos, independentemente da forma específica
que assumam, típica do período da globalização, encontrou nas Edificações um espaço
interessante de valorização, impulsionando um processo de internacionalização
relativamente tardio do setor. Há fortes indícios de formação de uma massa de capitais
especializada na busca de ganhos com esse segmento ─ capitais que dificilmente poderiam
ser classificados como ―produtivos‖ ou ―especulativos‖, já que buscam resultados em
ambas as esferas.
Neste estudo, infere-se que o modus operandi do capital internacionalizado que
ingressa no país acaba por reorganizar (se não reforçar) a estrutura de valorização do capital
local, com base na lógica imobiliária, com limitada capacidade de transformação
produtiva, o que procurar-se-á identificar, dadas as especificidades brasileiras, nos
próximos capítulos.
73
Capítulo 2. Industrialização da Construção e demanda habitacional no
Brasil
O segmento de Edificações brasileiro, sobretudo a parcela residencial, viveu em
semi-estagnação por cerca de 25 anos, entre o início dos anos 1980 e meados dos anos
2000. Com a retomada dos negócios, um tema bastante recorrente tem sido o “atraso”, a
baixa eficiência do setor no Brasil, que seria inclusive, um limite à própria expansão dos
negócios.
Este capítulo tem como objetivo identificar as principais características do
desenvolvimento da ―modernização‖ do segmento produtor no Brasil, desde o pós-guerra
aos anos 2000, relacionados, em grande medida, à intervenção estatal no campo da
habitação. Diferentemente do caso europeu, o Estado brasileiro não interveio nas condições
de formação de preços da terra urbana e o seu papel como ―estabilizador das condições de
demanda‖ foi limitado até mesmo pela dinâmica macroeconômica mais frágil da periferia
comparada às economias industrializadas.
Associa-se, desta forma, as mudanças na estrutura produtiva do segmento, como
descrito no capítulo precedente, não apenas aos avanços tecnológicos e organizacionais
microeconômicos, mas ao contexto maior de acumulação a que os produtores estão
submetidos. Como Farah (1996) já assinalava, para a compreensão do desenvolvimento do
setor, a análise deve estar subordinada, antes de tudo, à observação da forma mais geral
de acumulação do segmento, junto à consideração dos fatores extra-produção que a
condicionam, como as características do mercado de trabalho, do mercado de produto
e a intervenção do Estado (p.38).
De forma mais geral, ao olhar para o passado da Construção brasileira e ao saber do
atual modus operandi do capital, pretende-se qualificar os limites ―revolucionários‖ do
boom imobiliário da segunda metade dos anos 2000 sobre o segmento de Edificações local
− o que se avaliará, inclusive, no terceiro capítulo do estudo.
Traçadas as metas gerais, o capítulo compreenderá três seções. A primeira
reconstituirá o encaminhamento do alegado ―atraso” da Edificação brasileira, tendo como
referência o processo europeu. A segunda se aterá à questão habitacional no Brasil e a
última traz alguns comentários finais sobre o tema.
75
2.1. Industrialização da construção no Brasil
Encontra-se comumente referências na bibliografia sobre o ―atraso‖ da Construção
brasileira. Faz-se menção tanto à baixa utilização da organização taylorista/fordista na
produção de edificações, como à defasagem dos índices de produtividade da Construção
brasileira frente aos apresentados nos países centrais. Também é comum na bibliografia
associar esse atraso especialmente ao segmento produtor de imóveis residenciais (FIESP,
2008; MELLO E AMORIM, 2009 – entre outros), já que ele seria o mais afeito à baixa
eficiência e à informalidade. A modernização das Edificações residenciais elevaria a
produtividade média do setor como um todo, reduziria os custos da produção e tornaria a
informalidade pouco atrativa (FIESP, 2008, p.12).
A produção de Edificações (construção) compreenderia a ―produção própria e a
preço de custo‖, a ―produção privada imobiliária‖, a ―produção e gestão estatal‖ e a
―autoconstrução‖ (FIESP, 2008, p.15). No caso da Edificação residencial, a ―produção
própria e a preço de custo‖ atenderia a população de alta renda31 com produtos, em
grande proporção, diferenciados; a ―produção privada imobiliária” edificaria na forma de
condomínios e incorporação para famílias de média-alta renda32, com produtos mais
padronizados, com construção e venda a preço fechado, no mercado imobiliário; a
―produção e gestão estatal‖ e a ―autoconstrução‖ se dedicariam à edificação para as
classes de renda inferiores (média-baixa33 e baixa renda34), sendo que na primeira ―o estado
é o gestor da produção, do financiamento à produção ou da aquisição com objetivo social‖,
e a segunda desenvolveria ―edificações individuais, atendidas pelo mercado formal ou
informal‖ (FIESP, 2008, p.25).
Ainda que se identificasse, em meados da década de 2000, um alto grau de
informalidade da mão de obra, a utilização de terceirização com vistas ao rebaixamento de
custos, a falta de normalização técnica (dificultando o desenvolvimento de ganhos
conjuntos entre o setor fornecedor de insumos e serviços e o da Edificação mais estrita) e o
baixo uso de sistemas de gestão da qualidade em todos os subsegmentos, era na
―autogestão‖ que se observava o menor grau de organização da produção, a preponderância
31
Segundo Fiesp (2008), famílias com rendimento médio mensal de 20 salários mínimos, ou mais.
famílias com rendimento médio mensal entre 10 e 20 salários mínimos (idem).
33
famílias com rendimento médio mensal de 5 a 10 salários mínimos(ibidem).
34
famílias com rendimento médio mensal menor que 5 salários mínimos(ibidem).
32
76
da informalidade, e a principal fonte de compressão da produtividade média do segmento
(FIESP, 2008). Era a autoconstrução, inclusive, que além de compreender empresas/mão de
obra não legalizada, que edificava a habitação sem regularização fundiária, sem
observância das normas de edificação, etc.
Para elevar a produtividade média do segmento, além de ultrapassar as dificuldades
gerais encontradas em todos os subsegmentos da Edificação, seria importante acabar com a
informalidade fortemente centrada na autoconstrução – fosse rebaixando os custos da
produção privada imobiliária, criando condição para que ela absorvesse parte da produção
do outro segmento, fosse transformando a autoconstrução ―formal‖, enfrentando seus
problemas críticos que seriam a ―não conformidade‖ em relação às normas de Edificação, a
―baixa qualidade‖ e a ―informalidade da mão de obra‖ (FIESP, 2008, p. 30).
Esse diagnóstico não diverge muito do encontrado há muito no Brasil.
Farah (1996), fazendo uma revisão sobre a Construção no Brasil, indica que pouco
se estudou propriamente sobre o setor até a década de 1970, mas fosse qual fosse a
abordagem, o elemento que sempre se destacou foi o seu ―atraso‖. O setor era
contemplado, como tema secundário, na análise de duas outras áreas: a habitacional e a do
emprego.
A ―habitação‖ tornou-se um tema crescentemente relevante à medida que foi
ficando evidente o problema da moradia urbana no país. Nos estudos em torno da questão,
entendia-se que as carências habitacionais não seriam passíveis de atendimento ―pelo
mercado‖, já que se concentravam nas classes de renda relativamente baixas e as
construtoras não produziriam ao custo necessário para essa camada da população (FARAH,
1996, p.19). Neste contexto, a Construção, mais especificamente a Edificação residencial,
era mencionada na literatura pela baixa produtividade e altos custos, que impossibilitavam
o atendimento da demanda existente.
Na questão do emprego, a Construção era apontada, e mesmo contemplada em
Planos Econômicos, por ser uma grande absorvedora de mão de obra, sobretudo a pouco
qualificada, o que reforçava a posição do ―atraso‖. Um exemplo citado por Farah (1996,
p.25) é o do I PND (1969/1974), que justificava os incentivos à Construção e ao segmento
produtor de insumos pelo volume de emprego que geraria.
77
A absorção de mão de obra não qualificada, em meio a um sistema de produção em
que há divisão do trabalho, mas em que a habilidade (e definição de ―tempos‖) de alguns
trabalhadores qualificados ―continua sendo o ‗centro motor‘ da atividade produtiva‖, tal
como na Construção habitacional brasileira, qualificaria um sistema produtivo
manufatureiro, e não industrial, segundo Farah (1986, p.82-83) – o que, como já se notou, é
uma tendência do segmento, independentemente da economia de que se trata.
A Construção teria passado a ser objeto específico de análise no Brasil nos anos
1970, pela mudança de dinâmica do setor, dada especialmente pela construção dos
grandes conjuntos habitacionais na segunda metade da década, quando o Estado
estimulou a introdução de inovações tecnológicas na atividade de construção
(sobretudo de sistemas de pré-fabricação). Uma modernização induzida, que em
grande proporção teria se circunscrito àquele padrão de edificação (a alguns conjuntos
habitacionais, erigidos entre 1973 e 1982) já que muito deixou de ser utilizado no período
posterior35.
É interessante notar, entretanto, que um movimento em direção à racionalização das
obras já tinha se dado ao se aprovar normas para a Coordenação Modular no Brasil, em
1950 – nem mesmo apercebido, como se viu, na avaliação setorial. O Sistema de
Coordenação Modular, um dos princípios básicos de racionalização do segmento, visa a
padronização das medidas dos componentes da construção civil, facilitando o processo de
fabricação de materiais, elaboração de projetos da construção, de compras, de aplicação dos
materiais, reduzindo significativamente o desperdício de tempo e de material nas obras ao
acabar, em boa proporção, com os ―recortes‖ feitos in loco. Nas palavras de Greven e
Baldauf (2007), adotar a Coordenação Modular é seguir ―um sistema de medidas que
ordene a construção desde a fabricação dos componentes, passando pelo projeto, chegando
à execução da obra e, ainda, mais tarde, à manutenção‖ (p.12).
A primeira norma de coordenação do Brasil datou de 1950, depois de adotada em
apenas outros 6 países: França, Estados Unidos, Bélgica, Finlândia, Itália e Polônia. Nos
anos de maior dinamismo da Edificação a norma de coordenação modular voltou a chamar
atenção, mas até o início do recente ciclo de crescimento havia sido ―esquecida‖:
35
Para uma interessante apresentação dos movimentos em torno da industrialização, nesse período, pode-se ter como
referência a entrevista com o arquiteto João Filgueiras Lima, o ―Lelé‖, de dezembro de 2009, em
http://www.entre.arq.br/?p=1017 (acesso em 22/05/2011).
78
O Brasil foi um dos primeiros países, em âmbito mundial, a aprovar uma
norma de Coordenação Modular, a NB-25R, em 1950. Além disso, teve os
anos 70 e início dos 80 tomados pelos conceitos e estudos a respeito,
promovidos, principalmente, pelo Banco Nacional da Habitação (BNH),
por Universidades e pelo Centro Brasileiro da Construção Bouwcentrum
(CBC). No entanto, mesmo com tantos esforços para a promoção da
Coordenação Modular, verifica-se hoje que ela não está sendo utilizada,
tanto pela interrupção abrupta de bibliografia a partir do início da década
de 80 e pela lacuna de estudos que, a partir de então, se formou, quanto
pelo caos dimensional de grande parte dos componentes construtivos.‖
(Greven e Baldauf, 2007, p11)
Alega-se que existiam entraves objetivos à disseminação das normas pela indústria
de insumos e sua adoção pela Construção, como os sistemas de comunicação e logístico
precários, que teriam acabado por constituir indústrias regionais de insumos da
Construção, o que dificultava a disseminação do sistema ( Greven e Baldauf, 2007). Faz-se
pensar, por outro lado, que se o Estado via na Construção uma atividade funcional ao
combate do desemprego estrutural, tendo em mente sobretudo o desemprego da mão de
obra pouco qualificada, pouco se fez para estimular a modernização do segmento –
ambigüidade típica de economias periféricas.
Segundo Farah (1996), a indústria de insumos brasileira se mostrou inovadora a
partir da aceleração da atividade da Construção no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970, mas
não convergiu, até a elaboração do seu estudo, a um padrão métrico.
Na verdade, existe uma controvérsia importante sobre a introdução de inovações nas
Edificações – se ela parte da indústria de componentes ou da Edificação. Amorim (1996)
sugere que a indústria de insumos seria a principal disseminadora de inovações nas
Edificações, e em poucas situações se daria o contrário. Farah (1996), mesmo admitindo
que parte relevante da literatura aponte neste sentido, lembra que o papel da demanda é
fundamental no processo inovativo. A autora diz:
Embora o centro dinâmico do processo de mudança esteja situado, em boa
parte dos casos, na indústria de materiais e componentes, as inovações não
devem ser vistas como mera imposição dos fabricantes, como algo
estranho à lógica do processo de construção. Pelo contrário, as
‗necessidades‘ da atividade de construção é que definem, em última
instância, a viabilidade de determinada inovação.
Tais ‗necessidades‘ não são estáticas, sofrendo transformações ao longo
do desenvolvimento do setor. Por outro lado, elas dizem respeito não
apenas à fase de execução, ao canteiro de obras – envolvendo aspectos
79
como simplificação de execução, incremento de produtividade, entre
outros – mas também à fase de comercialização. (p.184)
Ou seja, ainda que a indústria de componentes seja uma ―disseminadora de
inovações‖, novos produtos e serviços apenas serão adotados se considerados interessantes
pelo segmento de Edificações, o que, por seu turno, depende das características da demanda
final do produto do setor (o imóvel).
Deste ponto de vista, nos anos 1980 e 1990, a disseminação do sistema modular não
encontrava motivação nem mesmo pelo padrão de demanda existente: concentrado em um
mercado reduzido (e altamente competitivo) de edificações industriais e comerciais, e na
construção residencial, com obras de baixa escala. Havia um mercado de edificações
residenciais formal, voltado essencialmente para a média e alta renda, mais afeito à
diferenciação que à escala, e no segmento de rendas mais baixas a autoconstrução, que não
justificava investimentos na indústria de componentes em direção à padronização de
produtos36. Do lado governamental, a gestão da crise macroeconômica suplantava a
preocupação com o segmento.
O tema do ―atraso‖, da baixa eficiência, e mesmo de soluções como o Sistema
Modular para as Edificações voltam a ter importância nos anos 2000 – inicialmente nos
estudos setoriais, e na sequência na mídia em geral. A subida de um governo popular ao
poder inspirava uma volta ao tratamento da habitação popular, e a melhora das contas
externas permitiu taxas de crescimento maiores, criando condições para a dinamização da
Construção.
O ―atraso‖ da Construção nos estudos setoriais tem sido ilustrado sobretudo através
do diferencial de produtividade entre a Construção local e a de economias desenvolvidas.
Dados como o da consultora McKinsey, explorados por Fiesp (2004), apontavam para uma
produtividade média do trabalhador norte-americano no segmento de construção residencial
cerca de 2,9 vezes superior à do trabalhador brasileiro no início da década – mesmo
considerando que grande parte da mão de obra do setor da Construção norte-americano é
mexicana, com baixo nível de escolaridade formal, tal como no Brasil (Fiesp, 2004). As
economias da Europa Ocidental teriam uma produtividade média de 2,0 a 2,8 vezes maior
que a brasileira, a da Coréia do Sul, 1,97 vezes; e, a produtividade da Construção brasileira
36
Vale lembrar que a adoção de novas medidas de produtos poderia implicar até mesmo na troca de máquinas e
equipamentos pela indústria de componentes.
80
superaria, entre os países analisados, a dos países do Leste Europeu, como Polônia (0,71 do
indicador brasileiro) e Rússia (0,57), e a da Índia (0,23).
O diferencial na produtividade da mão de obra na indústria de construção civil
(incluindo aí o setor fornecedor de insumos e serviços) entre países em desenvolvimento e
desenvolvidos se deveria à existência de ―imperfeições nos mercados‖ de produtos
(processos construtivos), capitais (financiamento) e de fornecedores (materiais e serviços)
dos países em desenvolvimento. Já as diferenças observadas entre países desenvolvidos
derivariam dos problemas de normalização dos materiais e de escala da indústria (FIESP,
2004). No caso do mercado residencial brasileiro e norte americano, os principais pontos
que distanciariam a produtividade do trabalho nos setores locais seriam:
i. Projeto: produção a baixo custo, a partir da utilização de materiais
modulados, pré-fabricados e com layout otimizado, de forma a reduzir
obstruções entre as diferentes fases da construção. Este fator explicaria
cerca de 40% do diferencial de produtividade entre Brasil e Estados
Unidos.
ii. Organização: organização dos processos construtivos, da elaboração do
projeto ao gerenciamento das tarefas, e uso de subempreiteiras
(subcontratação e terceirização). (FIESP, 2004. p.38)
A Fiesp (2008) também empreendeu um amplo estudo que visava observar as
diferenças entre a produtividade brasileira, norte-americana e europeia, observando as
condições de oferta: a indústria de insumos, o quadro regulatório e de tributação, a mão de
obra disponível. Aponta-se uma forte discrepância entre o valor adicionado médio por
trabalhador da Construção brasileira (US$ 6.177,76 por trabalhador), europeia (US$
31.247,44) e norte-americana (US$ 41.528,00). Esses dados de produtividade foram
calculados/obtidos por Fiesp (2008) em publicações que vão de 2005 a 2008, com
metodologias de apuração não explicitadas – sendo questionável a sua comparabilidade,
portanto.
Do ponto de vista microeconômico, o diferencial (a menor) de produtividade da
Construção brasileira estaria associado a fatores como: a existência de trabalhadores com
baixa qualificação; o pouco interesse das pequenas e médias empresas em melhorar o nível
de qualificação dos empregados; o baixo investimento das empresas em pesquisa e
desenvolvimento; a ausência de investimentos e conhecimento das empresas em técnicas de
pré-fabricação, modularização, gerenciamento e implantação de sistemas e ferramentas de
81
TI; a pouca utilização de sistemas de planejamento do trabalho; as altas taxas de
desperdício de materiais e retrabalho (FIESP, 2008, p.40). Em termos sistêmicos, a grande
burocracia, envolvendo prazos e custos de aprovação de projetos e dos licenciamentos; a
pouca e antiquada malha de normas; assim como o entorno das obrigações tributárias
justificariam também parte da ineficiência. Cita-se a questão fundiária urbana e da política
habitacional como ―questões anteriores ao ciclo de vida da habitação‖ (p. 72),
importantíssimas no caso da Edificação da habitação de interesse social, mas que se trataria
―de uma discussão bastante ampla‖, cuja abordagem não caberia naquele trabalho (FIESP,
2008, p.73)
Os homens de negócio do setor, por sua vez, explicam o atraso relativo brasileiro,
pela simples lógica de custos: haveria um arbítrio constante entre custo (e risco)
tecnológico e o do uso intensivo da mão de obra (OGGI, 2008). O grande contingente de
trabalhadores mal qualificados e remunerados sempre seria utilizado para substituir
os investimentos em tecnologia nos descensos econômicos, bloqueando o progresso do
setor como um todo. É a lógica do subdesenvolvimento que Chesnais (2005) afirma se
recolocar na expansão internacional recente, em que se combinam, na periferia, novas
tecnologias e métodos de gerenciamento com “as formas de exploração mais
retrogradas da força de trabalho e do meio ambiente” (p.22).
Em MDIC (2003), apontava-se alguns fatores, no início da década de 2000 que,
além da baixa produtividade, dificultariam o crescimento sustentado da Construção no
Brasil, lançando algum olhar a características da demanda:
- a ocorrência de graves problemas de qualidade de produtos intermediários e
final da cadeia produtiva e os elevados custos de correções e manutenção pós-entrega;
- o desestímulo ao uso mais intensivo de componentes industrializados devido à
alta incidência de impostos e consequente encarecimento dos mesmos;
- a falta de conhecimento do mercado consumidor, no que diz respeito às suas
necessidades em termos de produto a ser ofertado;
- a falta de capacitação técnica dos agentes da cadeia produtiva para gerenciar a
produção com base em conceitos e ferramentas que incorporassem as novas exigências de
qualidade, competitividade e custos;
82
- a incapacidade dos agentes em avaliar corretamente as tendências de mercado,
cenários econômicos futuros e identificação de novas oportunidades de crescimento.
Enfim, tratar-se-ia de um segmento que, a despeito de operar em condições
capitalistas, seria pouco profissionalizado em seus vários aspectos: baixo conhecimento
técnico, mercadológico, baixa integração da cadeia produtiva, e pouca conformidade
dos materiais.
Esse quadro, entretanto, mostrava um mercado em processo de mudança. A
mudança decorria, é claro, da demanda – daquela existente nos anos 1980/90, e do
tratamento da habitação da baixa renda que estava por vir nos anos 2000.
Sabbatini (1998) falava, no final dos anos 1990, da necessidade de o setor de
edificações residenciais se ―modernizar‖ por haver ―mudanças comportamentais
permanentes dos clientes‖ (p.4), e que à modernização ―óbvia‖, que economiza custos,
dever-se-ia acrescentar aquela que trazia qualidade aos imóveis. O autor deveria estar se
referindo aos clientes típicos das empresas da construção dos anos 1980/90 – famílias de
média alta e alta renda, que exigiam diferenciação e qualidade do produto.
Neste sentido, a aprovação do Código de Direito do Consumidor brasileiro, em
1990, ao qual a incorporação imobiliária teve que se submeter, deve ter representado não
apenas a materialização de um conjunto de reivindicações que uma parcela da sociedade se
mobilizou para garantir, mas especialmente a consolidação de uma nova percepção do
conjunto de consumidores quanto ao respeito aos prazos contratuais, à qualidade
descrita nos memoriais descritivos dos empreendimentos, tornando as incorporadoras
juridicamente vulneráveis à sua ineficiência e mesmo à redução de custos à custa de
perda de qualidade do produto37. Farah (1996) mostra que o pouco avanço na
produtividade do segmento não se deu pelo baixo apreço do produtor à economia, mas à
contenção de custos com base na diminuição da área construída, do estilo de
acabamento das obras, e, finalmente, à qualidade dos materiais.
Classificando o mercado de edificações nos anos 1990 como altamente competitivo,
Sabbatini (1998) destaca como premente a organização da produção no segmento de
37
Em FIESP (2008), ressalta-se que vários autores apontam (contestados por outros) que a aprovação do Código de
Defesa do Consumidor (1990) teria convertido as normas técnicas (ABNT) de ―referência para uso voluntário‖ em normas
de ―aplicação compulsória‖ pela Edificação. O Código do Consumidor preveria a sanção ao produtor de Edificações que
não satisfizesse às normas técnicas, e em caso de vício ou defeito na construção (p.93).
83
Edificações residenciais brasileiro, até mais que a adoção de novas tecnologias. Para ele a
modernização deveria
[…] ocorrer não só com a utilização de novos métodos e processos
construtivos, novas técnicas e novos materiais mas, principalmente, com o
incremento progressivo do nível de organização da atividade de
construção civil em todas as suas fases, do projeto ao uso do produto
fabricado pela indústria‖ (p.3, grifo nosso)
Solicitava-se a racionalização da obra por completo: detalhamento de projetos
construtivos e de produção, implantação de canteiros “racionalizados”, com um sistema
de logística adequado, o uso mais intensivo de equipamentos, etc, que para Sabbatini
(1998) traria o domínio das obras à engenharia.
Farah (1996) em seu estudo, já havia apontado o domínio da mão de obra na
Construção tradicional de habitações no Brasil. Remontando à formação do setor produtor
de edificações residenciais em termos capitalistas no Brasil (a construção ―para o
mercado‖), a autora mostra como no processo de ―cientifização‖ da atividade houve um
processo de crescente divisão do trabalho 38, sem que tivessem sido desenvolvidos
“mecanismos de coordenação das partes que se dissociavam” (p.159-160), o que
manteria o poder do trabalhador no âmbito das obras. Ainda nos anos 1980, a
formação dos novos trabalhadores se fazia na obra (on the job), sob o comando dos ―mais
experientes‖ e o engenheiro dependeria do mestre de obras para saber ―das coisas práticas‖
da obra.
Em um quadro como o descrito por Farah (1996), caberia especialmente a
observação de Sabbatini (1998):
Em outras palavras: a industrialização não é um processo associado a
saltos tecnológicos ou a mudanças operacionais radicais. Ela é
essencialmente um processo contínuo de organização da atividade
produtiva. (p. 3)
Para o autor, o paradigma produtivo de parte importante do segmento da edificação
residencial formal brasileira às portas do século XXI poderia ser ilustrado pela máxima: ―é
possível construir um edifício sem engenheiro, mas não dá sem um bom mestre‖. Farah
38
O operário perdeu parte do seu saber, ao se especializar em segmentos da atividade de edificar, foram abertas firmas
especializadas em etapas da edificação, e o engenheiro/arquiteto se concentrou nas atividades de concepção (―cientifica‖,
por suposto) e administração das obras, excessivamente distanciado da prática, da execução (p.158).
84
(1996), sobre o mesmo fenômeno, fala da convivência possível entre “o novo” e o
“velho” em uma mesma obra:
Embora haja cientifização da produção, embutida no projeto arquitetônico
e nos projetos complementares (estrutura, fundações e instalações) e em
alguns componentes industrializados, os trabalhadores intervêm com sua
experiência prática, de um lado, traduzindo e adaptando os projetos na
fase de execução e, de outro, recorrendo a conhecimentos tradicionais na
utilização e aplicação dos materiais e componentes.
A apropriação do saber fazer pelo capital e seu desdobramento sob a
forma de prescrição de modos operatórios é, na verdade, algo pouco
desenvolvido na atividade de construção (p.84)
Farah (1996) identificou na Construção Habitacional brasileira, no final dos anos
1980, um padrão de desenvolvimento heterogêneo entre as unidades produtivas,
conjugando segmentos que adotavam práticas de gestão e tecnologias mais ―modernas‖ e
outros que persistiam no mesmo ―modo de fazer‖ tradicional, em que a mão de obra
mantinha grande domínio sobre o processo produtivo o que persistiu ao longo dos anos
1990. A modernização observada nos anos 1960 e, sobretudo, 1970, se deu
especialmente pela demanda estatal e pelo avanço no uso de técnicas de préfabricação, o que em parte se perdeu com o mercado retraído dos anos 1980 e 1990.
Ainda assim, foi erigido um núcleo de empresas diferenciadas no setor de Edificações,
mais aptas à sobrevivência por seu desenvolvimento financeiro e técnico.
Em termos genéricos, era possível afirmar que ainda que se tivesse à disposição
projetos e insumos industrializados, a sua utilização não era eficiente, e o ritmo da
produção ainda se dava segundo a mão de obra operacional, e não da engenharia. Sabbatini
(1998), deste ponto de vista, salienta a necessidade de elaboração e implementação de
projetos de produção, em que se previsse etapas, tarefas e tempos de execução das
obras, o que praticamente inexistia no final dos anos 1990. Naquele contexto, já
existiam inclusive ferramentas ligadas à informática e às tecnologias de informação que
poderiam auxiliar no avanço tanto na elaboração de projetos como na sua implementação,
se não desconsideradas, subutilizadas pelo segmento.
Ao observar a experiência europeia é possível inferir que a passagem do paradigma
de industrialização da construção de estruturas pré-fabricadas para o de componentes
racionalizados traria uma possibilidade maior de ganhos generalizados de eficiência
para o segmento, respaldando a melhoria dos coeficientes de produtividade agregados. As
85
estruturas pré-fabricadas em geral se associam a grandes obras, erigidas por um conjunto
pequeno de (grandes) produtores, enquanto os componentes industrializados podem se
generalizar por todos os tipos de edificações, e mesmo permitir uma diferenciação do
produto (o edifício) que satisfaz tanto os produtores como os consumidores. Cabe
observar, entretanto, a apropriação desses materiais no conjunto das obras ─ para que a
industrialização se verifique, a ênfase nos projetos, no controle da logística e dos
tempos de produção é essencial.
Sabbatini (1998) dizia no final da década de 1990, talvez com base na crescente
terceirização observável nos países desenvolvidos, que veria nas empresas da Edificação
brasileira
―a
vocação
para
integradoras
de
sistemas
complexos‖.
A
incorporadora/construtora seria, nessa concepção, ―uma compradora de subsistemas
projetados por ela, mas construídos ou montados no seu canteiro por parceiros especialistas
na produção dos mesmos. Em um mercado em que todas as empresas concorrentes
adotassem posturas semelhantes, o que diferenciaria as empresas, definindo seu nível de
competitividade, seria então a sua capacidade de projetar, planejar e gerir a produção
do bem” (p.7). O que se verificava no Brasil de até então era um amplo sistema de
subcontratações, mas não orquestrado de forma eficiente, assim como as prestadoras de
serviços estariam longe de ser qualificadas, em um sistema que se buscava reduzir custos às
expensas da qualidade (SABBATINI, 1998).
A informática e as novas tecnologias de informação possibilitaram à Construção dos
países que já haviam conseguido implantar o Sistema Modular no mercado local, por
exemplo, o avanço na idéia de interconectividade, como apontado por Greven e Baldauf
(2007), que alia a racionalização da produção à diversificação do produto, em uma
aproximação entre a Construção e a indústria de insumos, explorada até mesmo na
formação universitária:
Os países industrializados – da Europa e da América do Norte –, que
adotaram efetivamente a Coordenação Modular nas décadas de 50 e 60,
atualmente seguem utilizando-a no dia-a-dia da construção civil, desde o
projeto dos componentes, passando pela formação dos profissionais nas
Universidades e chegando aos canteiros de obras.
A evolução da Coordenação Modular nesses países chegou ao que se
chama de conectividade, que utiliza os recursos de informática e
informatização conjuntamente com os equipamentos industriais
informatizados. Isso permite a produção de componentes dimensionados
86
de acordo com as necessidades de cada projeto e/ou cliente, desde que a
conectividade entre eles esteja perfeitamente resolvida. (p.65)
Para respeitar a diferenciação de produtos exigida pelo mercado brasileiro, típico dos
anos 1980/90, com dinamismo centrado na média alta e alta renda, ter-se-ia que partir já
para a flexibilidade admitida pela interconectividade, por exemplo – o que implicaria em
uma modernização radical no parque produtivo de insumos e uma ―cientifização‖ da
edificação não compatível com o mercado local, pequeno e instável. As condições que o
ciclo de crescimento que se abriu por volta de 2005, entretanto, seriam outras.
Com o assunto da ―modernização‖ de volta ao cenário, e uma configuração da
demanda em direção à baixa renda, Faria (2008) indaga a um renomado engenheiro
holandês sobre o processo de industrialização na Holanda e as perspectivas no Brasil:
Faria: Qual o caminho seguido pelos países desenvolvidos para
industrializar o setor da construção?
Wim Bakens: Na Holanda, nós temos um sistema no qual casas são
construídas por empresas públicas de construção. Elas detêm a
propriedade dos imóveis e os alugam para os interessados. No passado,
mais de 90% do mercado de construção residencial tinha a participação
dessas empresas, que eram reguladas pelo governo. O estímulo ao uso de
sistemas industrializados vinha da agência governamental, que
assegurava novas obras a essas construtoras caso passassem a utilizar
essas soluções. Surgia um mercado grande e promissor, que atraiu as
empresas de construção. Garantia-se a elas que, nos anos seguintes,
haveria obras suficientes para viabilizar o uso das novas tecnologias.
No entanto, trata-se de um mercado protegido. Duas ou três décadas
depois da Segunda Guerra Mundial, os governos estimularam a
industrialização, investiram em pesquisa e desenvolvimento. E tinham
que fazê-lo, porque as empresas não possuíam condições de assumir
essa responsabilidade.
Faria: Essa industrialização aconteceu sob certo protecionismo. Ela pode
ocorrer em um sistema de livre iniciativa?
Wim Bakens: A industrialização na Construção é quase impossível
em um mercado livre. Porque o risco fica todo por conta dos
construtores. Em alguns casos, isso pode acontecer. Veja o exemplo de
algumas grandes empresas de construção japonesas, que investiram
bilhões de dólares em tecnologias construtivas industrializadas. Elas
supõem que vão construir no Sudeste Asiático e desenvolvem sistemas
construtivos rápidos para executá-los de forma seriada. Mas é um risco
assumido pelo mercado. Investe-se em um produto se há a certeza de
que ele será usado tão repetidamente que possibilitará geração de
lucro.
Faria: Como fazer isso acontecer no Brasil?
87
Wim Bakens: É fácil dizer que existe uma responsabilidade do governo
nisso. Mas o segmento da construção também deve fazer sua parte,
forçando a criação de regulamentações, reivindicando subsídios, uma
política efetiva [de industrialização do setor]. E, se há um momento ideal
para que isso ocorra, é agora, que o mercado brasileiro da
Construção está vivenciando um boom. Daqui a dois anos ninguém
mais se interessará por isso, pois todos terão muito trabalho, estarão
lucrando muito. Agora é o momento para implementar esse tipo de
mudanças. (grifo nosso)
Ou seja, o processo de industrialização da construção estaria associado à
visibilidade das condições de demanda e ao incentivo (se não condicionamento)
Estatal. Como explorado no capítulo precedente, na Europa o processo de industrialização
adveio da forte intervenção estatal – se as normas qualificam os insumos e processos a
serem utilizados nas obras, as condições macroeconômicas mais gerais, a regulação
financeira e o poder de compra do Estado que asseguraram à Construção e ao fornecedor
de componentes o tempo necessário para a maturação dos investimentos. No Japão, o
investimento espontâneo em modernização se deu por alguns empresários afeitos ao
risco, que viam na demanda externa a possibilidade de realizar os custos dos
investimentos ─ o que pode ocorrer sem acarretar um ―salto sistêmico‖ na produção local,
que compreenderia a ideia de industrialização vista na Europa39.
Segundo Greven e Baldauf (2007) a Holanda publicou sua primeira norma sobre
Coordenação Modular em 1965, enquanto o Brasil o fez em 1950, mas ainda não avançou
na implementação. Isso reforça o argumento de que se a normatização/regulação é
considerada uma condição necessária para o avanço da industrialização do setor, não
é suficiente para mudar o padrão produtivo.
No Brasil, a preocupação com o atraso da Edificação e o desgaste que ele poderia
causar ao ciclo de crescimento que estava se colocando, fizeram o segmento ser alvo da
Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) do governo Lula, divulgada em junho
de 2008. Foi fixada como meta para o setor da Construção Civil a elevação da
produtividade e a redução das perdas em 50% até o ano de 2010 (em 2 anos!) – meta
posteriormente postergada para o ano de 2015.
39
Isso pode ser suposto inclusive pelos baixos ganhos de produtividade agregada observados no setor da Construção
japonês, observável no gráfico 3, à página 27 deste estudo.
88
A política industrial40 para o segmento visava criar condições para que o ciclo de
crescimento já observado se mantivesse. O diagnóstico conjuntural era de que havia um
mercado em forte expansão; com empresas da Construção entrando no mercado de capitais,
ou seja, com uma crescente ―solução de mercado‖ para o financiamento da produção; com
presença significativa de mão de obra informal e de baixa qualificação; e de um grande
déficit habitacional para famílias de média e baixa renda a ser ultrapassado. Os desafios que
se colocavam no tempo eram41:
- Promover a construção industrializada
Os instrumentos disponíveis para tanto seriam: i. dar acesso a máquinas e
equipamentos (BNDES: Finame), ii. incentivar a intensificação tecnológica e a inovação
(FINEP/MCT: Habitare), iii. incentivar a exportação (MCT/MDIC: PROGEX), iv. reativar
o fórum de competitividade (MDIC), v. utilizar o apoio do sistema S (SENAI, SENAC,
SEBRAE);
- Desenvolver e disseminar a TIB (Tecnologia Industrial Básica - Metrologia,
Normalização Técnica e Avaliação da Conformidade), com apoio financeiro da Caixa
Econômica Federal, do Banco do Brasil; do Fórum de Competitividade (Ministério das
Cidades, MDIC) e do INMETRO (Metrologia e Certificação)42.
- Desenvolver mecanismos de financiamento sustentáveis;
As instituições envolvidas nessa meta seriam a Caixa Econômica Federal (CEF), o
BNDES, o Banco do Brasil, o Fórum de Competitividade e a CVM (Comissão de Valores
Mobiliários.
- Capacitar a mão de obra; com auxílio do sistema S e do Ministério do Trabalho e
Emprego.
Ou seja, o segmento voltou a ser alvo de medidas do setor público 43, tal como
nos anos 1970, e a observar as metas traçadas, havia uma expectativa em torno de uma
40
Informações disponíveis em:
http://www.mdic.gov.br/pdp/index.php/politica/setores/construcaoCivil/157. Acesso em março de 2011.
41
Informações disponíveis em http://www.mdic.gov.br/pdp/index.php/politica/setores/construcaoCivil/157 (acesso em
março de 2011).
42
Duas novas normas entraram em vigor em 2010: a Norma Brasileira de Desempenho de Edifícios (NBR 15.575), e a
nova Norma de Coordenação Modular para Edificações (NBR 15.873).
43
BNDES (2010) descreve, com detalhes, o esforço do setor público, que avança à PDP, no auxílio à meta de
industrialização da construção brasileira.
89
revolução na produção que o setor privado poderia estar por desenvolver, a partir do
grande volume de demanda que estava por começar a se viabilizar (em direção a obras de
maior escala), de captação de recursos relativamente baratos no mercado de capitais
para a produção e o investimento nas empresas de edificações, da participação
estrangeira, que deveria trazer consigo um ―novo modo de produzir‖ aos canteiros de obra
local, podendo até mesmo acelerar o processo de modernização do setor produtor de
insumos.
É possível imaginar que se esperasse que os produtores estrangeiros
carregassem consigo toda a bagagem de industrialização vivida na Europa e de um
modo de produção diferenciado nos EUA – o conhecimento e as exigências quanto aos
insumos, à prestação de serviços, às técnicas de gestão e de domínio sobre a atividade
de edificar.
Esse quadro, por outro lado, pouco combina com o observado nas próprias
economias da OCDE, apontados no Capítulo 1, em que se verifica no período da
globalização a ampliação das relações de terceirização e subcontratação na Construção,
podendo significar tanto uma maior especialização das empresas, como uma busca pela
simples redução de custos e precarização das condições de trabalho. Observou-se mesmo
que há indícios de que o grande capital da Edificação europeu parece, em alguns casos, se
distanciar da produção tendo em vista os ganhos imobiliários, subcontratando segundo o
menor custo.
O agravamento da crise internacional, alguns meses mais tarde, interrompeu o
curso ―natural‖ tanto dos negócios como das estratégias governamentais ─ o que, ao invés
de ser negativo ao segmento, abriu novas possibilidades de intervenção estatal. A crise
acabou por legitimar políticas fiscais expansionistas, e o Estado brasileiro pode avançar na
demanda de Edificações residenciais, consolidar alguns benefícios fiscais ao segmento e
continuar perseguindo metas microeconômicas. A despeito dessas medidas, de foco de
curto prazo, foi reforçada a aposta na atração de capital estrangeiro para dar
continuidade ao ciclo e a questão fundiária continuou a ser “ignorada". Em um fato
inédito, a então presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Ramos Coelho,
foi a Nova York, junto com empresários brasileiros, apresentar o Programa ―Minha casa,
minha vida‖ aos investidores internacionais (D‘Ambrosio, 16 de setembro de 2009).
90
Para finalizar a apresentação da evolução do tema da industrialização da
construção no Brasil, julga-se interessante a avaliação de um executivo do segmento,
reportada a Oliveira (2008). Ela teria sido “irresponsável” nos anos 1970/80, quando os
construtores trouxeram novos materiais e métodos do exterior e os aplicaram sem critérios,
o que teria elevado a produtividade, mas resultado em “patologias” nos imóveis; entre
meados dos 1980 e 1990 não teria avançado44 e; ela teria sido uma "industrialização
sutil" entre 1996 e o início dos 2000, quando foram adotados, de forma mais generalizada
pelo setor (não se restringindo às grandes empresas, portanto), componentes modernos
como o drywall, as fachadas pré-fabricadas, itens como portas e banheiros prontos, o
fornecimento de aço cortado e dobrado, e o uso de fôrmas prontas, para fabricação de prémoldados nos canteiros apenas pelas grandes construtoras. Com a desaceleração do setor,
no início dos anos 2000, parte relevante do uso dessas tecnologias teria se dissipado.
Na opinião do executivo que presenciou essas fases, o ciclo de crescimento que estaria se
consolidando em meados dos 2000 precisaria se manter por uns 15 anos para que a
Construção Civil consolidasse o uso desses novos materiais e técnicas (só então seriam
satisfatoriamente testados, normalizados e adotados pelo conjunto do setor) ou seja, seria
necessário a ―constância de demanda‖ para sustentar esse movimento.
Na mesma reportagem, um professor da Poli/USP afirmava: "Temos que sair dessa
realidade imediatista, de procurar sistemas só quando temos empreendimentos no gatilho"
(OLIVEIRA, 2008).
2.2. A habitação no Brasil e as pré-condições da retomada de negócios nos
anos 2000
Como já explorado, a moradia, quando associada à propriedade, é um bem de alto
custo em relação à renda dos demandantes – o que limita, e muito, o acesso a ela.
Desde que entendida como necessária para a reprodução da força de trabalho, e
mais recentemente, como um direito do cidadão, a habitação tem sido alvo de políticas que
focam a moradia de interesse social (para as famílias de baixa renda), e para a classe média,
que mediante condições adequadas de financiamento pode adquirir a ―casa própria‖ sem,
44
Tal como apresentado por Farah (1996), neste período as construtoras teriam procurado racionalizar os custos com base
na redução de área útil dos imóveis e busca de materiais baratos.
91
ou com pouco auxílio governamental (leia-se ―subsídios‖). Assim, no caso da classe média,
a política habitacional e o financiamento à habitação são temas muito próximos.
Os governos têm relação com o segmento produtor de edificações, ainda, por outros
canais. O nível de atividade econômica, regulado em alguma proporção pelas políticas
macroeconômicas influencia e é influenciado pelas condições de negócios no setor de
Edificações, dado o alto efeito multiplicador associado ao segmento. Por ser relativamente
bem organizado, e por o seu produto configurar um investimento aos demais segmentos
produtivos, o setor produtor de edificações detém um poder político não desprezível, que
reforça as suas relações com o Estado. As condições de formação de preços imobiliários
por sua vez, longe de refletirem a simples escassez do fator terra, se dão conforme a
regulação estatal em torno do acesso e do uso do solo, ao conjunto de investimentos em
infraestrutura social e urbana e às estratégias de valorização imobiliárias. O capital
imobiliário, em geral associado ao poder público, ―promove‖ certas áreas, criando uma
diferenciação artificial no mercado de terras urbanas, gerando ―valor fictício‖, incorporado
ao preço dos terrenos e imóveis.
Assim, os ciclos de negócios da habitação têm seu desempenho atrelado não apenas
ao rimo ―natural‖ dos negócios privados, mas às políticas macroeconômicas; às políticas
habitacionais (no sentido estrito de determinar as condições de acesso à moradia das classes
médias e pobres); às políticas industriais, que podem alterar os custos de edificar; às
políticas fundiárias e de planejamento urbano mais geral, em que se prevê a expansão da
infraestrutura social e urbana, que influenciam na formação de preços da terra e da
propriedade.
Conforme já explorado, no período da globalização, os Estados procuraram retirarse cada vez mais da tarefa de solucionar diretamente a questão habitacional para
―organizar‖ e garantir que parcelas cada vez maiores da população tivessem acesso à
moradia por meio do financiamento habitacional, ―de mercado‖, em um contexto em que as
políticas em torno da habitação de interesse social ficariam subordinadas ao equilíbrio
fiscal do ―Estado Mínimo‖.
O déficit habitacional brasileiro em 2007, segundo a Fundação João Pinheiro
(2009), era de cerca de 6,3 milhões de moradias. Ele teria crescido mais de 35% desde 1991
e 82% dele se remeteria ao déficit habitacional urbano. Deste, 95,9% se referiria às famílias
92
de 0 a 5 salários mínimos, sendo 89,4% entre as famílias de 0 a 3 salários mínimos e 6,5%
entre as famílias de 3 a 5 salários mínimos. Uma parcela deste estoque, entretanto, se
referiria a habitações inadequadas45 – ou seja, que poderiam, com alguma adaptação,
especialmente em termos de infraestrutura, ser recuperadas.
A despeito da discussão metodológica em torno da apuração desse déficit e seu
resultado ―exato‖, a solução para contornar o problema habitacional passa apenas em
parte pelo setor formal de edificações – parcela que será tão maior quanto o desejo do
Estado de que assim o seja, materializado em políticas, e do sistema bancáriofinanceiro de financiar produtores e sobretudo consumidores, com perfis cada vez
mais arriscados (caminhando em direção ao mercado de baixa renda). O paroxismo desse
avanço do sistema financeiro foi o recente desenvolvimento do mercado sub-prime norte
americano, em que
Em vez de se orientarem pela capacidade dos mutuários de honrarem seus
compromissos e assim negarem certas solicitações de crédito, os credores
e os investidores utilizaram incentivos artificiais para ―qualificar‖
mutuários e viabilizar a tomada de empréstimos. (IPEA, 2010, p.339)
Na equação governamental devem ser tratados, então:
i.
a adequação do sistema de financiamento (à produção e à comercialização de
edificações) e do volume de subsídios à baixa renda (no caso brasileiro,
sobretudo às famílias de 0 a 3 salários mínimos);
ii.
os incentivos à produtividade do setor de edificações;
iii.
as políticas fundiária e de infraestrutura urbana, já que o acesso aos terrenos
urbanizados pode constituir um primeiro empecilho para que as obras
sejam iniciadas.
A formação daquele déficit no Brasil decorreu do trato inadequado desse conjunto
de políticas – ao menos na intensidade exigida pelo intenso movimento demográfico que
significou a urbanização brasileira, desde os anos 1940. Idealmente, se havia um projeto de
industrialização da economia local, o planejamento urbano deveria estar contido naquele.
45
Biancareli e Lodi (2009) destacam a importância da definição de ―déficit habitacional‖, que deveria ser diferenciada de
―necessidade habitacional‖, um conceito mais amplo, englobando além do déficit habitacional, as moradias inadequadas
com falhas de infra-estrutura básica e adensamento habitacional elevado, além das moradias alugadas que comprometem
uma parte muito grande da renda familiar.
93
Para os urbanistas e sociólogos a autoconstrução, antes de ser o calcanhares-deaquiles da Construção, foi funcional ao desenvolvimento capitalista das economias
periféricas. No caso Brasileiro o sociólogo Francisco de Oliveira (Oliveira, 2006, p.)
afirma:
Eu diria que a industrialização brasileira foi sustentada por duas fortes
vertentes. A primeira foi a vertente estatal, pela qual o Estado transferia
renda de certos setores e subsidiava a implantação industrial. E a segunda
eram os recursos da própria classe trabalhadora, que autoconstruía sua
habitação e com isso rebaixava o custo de reprodução.
Isso não é um argumento só teórico. É um argumento que se encontra e se
ancora na prática com a qual se fazem os inquéritos e as pesquisas sobre o
custo de vida. Nas pesquisas sobre custo de vida, hoje bastante amplas
(...), o item habitação quase desaparece. Isso vai se refletir diretamente na
avaliação do custo de sobrevivência. É assim que a lei define: salário
mínimo é a cesta de bens necessária para a reprodução de uma família
clássica, de tipo nuclear. Quando os governos, para orientar a política
econômica, calculam o salário mínimo, o custo da habitação desaparece e
influencia na fixação do valor. É isso que tem o efeito de rebaixar o
salário.
O principal arcabouço institucional em torno da habitação no Brasil, foi idealizado e
implementado em meados dos anos 1960, e focalizou, de forma limitada, a questão do
sistema de financiamento e dos subsídios à baixa renda. A modernização da produção de
edificações, como já explorado, foi deixada em segunda dimensão, dada a primazia ao
problema do emprego, e, a questão fundiária, em geral à cargo das municipalidades,
também não teve o trato adequado.
A guinada política do golpe militar de 1964 interrompeu um intenso debate em
torno das reformas urbanas do pré-golpe. Pode-se dizer que a ascensão dos militares ao
poder, significou, no campo da habitação, assumir o paradigma de propriedade imobiliária
privada das residências. Adotou-se um modelo de ―Estado de bem-estar social‖ restrito a
uma parcela da população ─ as classes médias, ampliando as diferenças sociais internas
(MARICATO, 2008).
Afora o gasto fiscal propriamente dito, o principal instrumento de política
habitacional estabelecido foi o creditício, a partir do Sistema Financeiro da Habitação
(SFH), instituído dentro da reforma do Sistema Financeiro Brasileiro de 1964. Como
assinala Bonduky (2008), a instituição de uma política habitacional naquele momento tinha
função não apenas de resolver o problema social e urbanístico real, mas também de
legitimar o regime militar, que havia então tomado o poder. Como ilustração da
94
importância da questão, Bonduky (2008) lembra da afirmação de uma dirigente do Banco
Nacional de Habitação (BNH), então instituído: ―‗a casa própria faz do trabalhador um
conservador que defende o direito de propriedade‘‖ (p.73).
Na sua origem o SFH previa fontes de financiamento e regras para a cessão de
crédito, numa estrutura conhecida por crédito direcionado – mantida até os dias atuais,
ainda que sob severas críticas do setor bancário privado46. Eram dois os instrumentos de
captação de recursos previstos no Sistema: a caderneta de poupança, no âmbito do SBPE
(Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), e o FGTS, um fundo de poupança
compulsória que direcionaria recursos para o financiamento à habitação, e numa segunda
etapa, ao saneamento e à infra-estrutura urbana.
O BNH seria o órgão responsável por toda a política habitacional, controlador e
―emprestador de última instância‖ do SBPE, gestor do FGTS (SANTOS, 1999). Santos
(1999) apresenta a divisão de tarefas dentro do SFH: o subsistema SBPE, com recursos
captados à partir das cadernetas de poupança e dos demais títulos imobiliários, dirigia-se ao
financiamento de ―investimentos habitacionais propostos por empreendedores ou
construtoras‖, dirigidos às classes de renda média e alta, que ao adquirirem os imóveis
assumiam a dívida, tornando-se mutuários do Sistema (o empreendedor, portanto, após a
venda do imóvel, repassava sua dívida com as instituições financeiras para os mutuários); o
subsistema BNH-FGTS destinava os recursos para a construção de conjunto populares
(casas de interesse social) que eram desenvolvidos por empresas de Edificações
supervisionadas pelas COHABs (Companhias de Habitação). Santos (1999) ressalta que a
atuação do BNH, não se limitava à esfera financeira já que também tinha os objetivos de
―atenuar os desníveis regionais‖, o ―ímpeto migratório para as metrópole‖, eliminar as
favelas e aumentar “o investimento nas indústrias de construção civil, de materiais de
construção e bens de consumo duráveis” (p.11-12, grifo nosso). Fix (2011), apresenta
essa formulação como um resultado, também, das reivindicações do próprio segmento de
Edificações brasileiro.
O desempenho do SFH foi satisfatório apenas até o fim da década de 1970, quando
entrou em crise. A alta inflação e o baixo crescimento econômico dos anos 1980 e início
dos 1990 dificultaram a captação de recursos no âmbito do SFH e seu repasse porque:
46
os bancos não aprovam a modalidade de crédito direcionado porque, segundo seu ponto de vista, ela ―enrigece‖ as
operações bancárias e causa ―distorção alocativa‖ no sistema de crédito. Ver Costa e Nakane (2005).
95
i.
tanto a fonte de captação voluntária (caderneta de poupança) como a
compulsória (FGTS) tinham um forte componente cíclico, sendo instrumentos
de captação ineficazes em conjunturas recessivas – como o que se colocou no
período;
ii.
para a parcela ―econômica‖ do mercado habitacional ─ aquela que teve acesso à
―casa própria‖ com o esquemas de financiamento do SFH ─ a correção
monetária, que viabilizou o sistema nos anos 1960 e 1970, levou, com o
recrudescimento inflacionário, a um forte descasamento entre o reajuste das
prestações (indexadas à variação do salário mínimo) e dos saldos devedores
(corrigidos por taxas de mercado), gerando enormes saldos residuais ao final o
período contratado (CARNEIRO E VALPASSOS, 2003), gerando problemas
aos mutuários e afugentando tanto Bancos como novos demandantes de créditos
habitacionais (com base no SFH)47.
O crescimento da atividade de edificar, mesmo naquele período, não foi linear no
tempo, nem mesmo homogênea em termos dos esforços em direção à edificação de cunho
popular ou à voltada classe média (FARAH, 1996, p. 179-79). Entre 1964 e 1967 deram-se
as mudanças institucionais e boa parte da atividade foi direcionada à baixa-renda,
capitaneada pelo Estado. Entre 1967 e 1973, período do ―milagre brasileiro‖, houve forte
crescimento da produção, com importante participação da produção imobiliária privada,
voltada à classe média. Após o 1º choque do petróleo e os primeiros sinais de esgotamento
do modelo de crescimento adotado, o investimento público em ―conjuntos habitacionais‖
ganhou novo ímpeto, o que se manteve até 1982. Com os dados da Tabela 3, Farah (1996)
ilustra os movimentos descritos com base nos financiamentos do SFH. De 1964 a 1984
foram financiadas cerca de 4,2 milhões de moradias, com apenas 53% delas sendo de
interesse social. Considerando que o valor médio de uma habitação para a classe média é
bastante superior ao despendido em uma residência para a baixa renda, não é difícil inferir
que o volume de recursos direcionados no âmbito do SFH foi muito maior para a classe
média que para a baixa renda.
47
O setor público criou instrumentos (FCVS) para sanar o estoque de saldos avolumados que se mostraram insuficientes
para gerar um clima de confiança seja do demandante, seja do ofertante de recursos.
96
grande número não significava que todas as unidades devessem ser iguais,
mas foi esse o modelo largamente adotado. Os equipamentos coletivos,
como escolas e postos de saúde, foram deixados de lado ou
implementados em número insuficiente para a demanda. […]
A partir dos anos da ditadura, ‗conjunto habitacional‘ passou a ser
sinônimo de gente empilhada – com freqüência, bem longe do centro
consolidado das cidades. Para o pesquisador, Cidade Tiradentes é
exemplo da ênfase equivocada do Sistema Financeiro de Habitação, que
concebia moradia não como desenvolvimento urbano, mas como mera
produção de unidades habitacionais.
Muitos outros conjuntos habitacionais construídos nas últimas décadas
têm relação oposta à esperada com a cidade: em lugar de representarem a
integração de novas moradias e espaços, são construídos de forma que
facilita a segregação de quem mora ali. ‗Em muitos casos não se pensou
na localização dos empregos, na identidade dos espaços, em um transporte
de massa eficiente‘, relembra Bonduki. (STAM et al, 2008, grifo nosso)
Uma das causas apontadas para essa crescente descaracterização do programa de
habitação popular no Brasil, seria a própria incapacidade de financiar as obras no ritmo e
qualidade necessária:
[…], as limitações de financiamento são responsáveis em grande medida
pela deterioração da qualidade dos projetos de conjuntos habitacionais, na
avaliação de Bonduki. Para viabilizar um custo compatível com a
capacidade de financiamento de imóveis para baixa renda, que não eram
priorizados nas décadas passadas, os custos foram reduzidos a ponto de
comprometer a qualidade mínima dessa forma de habitação. (STAM et al,
2008).
Ou seja, a degradação da qualidade construtiva foi consentida a fim de estender
o ciclo da construção. Como visto, a modernização então observada é reconhecida por
empresários da construção como ―irresponsável‖, já que os novos materiais e métodos
trazidos do exterior foram aplicados sem critérios, gerando economias na edificação
dos prédios, mas patologias nos imóveis.
Uma causa pouco perceptível, ou pouco explorada, para essa majoração de custos
foi o “não tratamento” da questão fundiária. A dinâmica imobiliária dificultou a compra
de terrenos pelas COHABs, que mesmo recorrendo à compra de terrenos em áreas rurais,
sem infraestrutura, com grande declividade e toda sorte de dificuldades que barateasse o
acesso à terra (Fix, 2011, p.102), chegou ao limite de custo viável ao sistema.
Especificamente para o interregno de 1969 a 1974, mas para uma problemática que se
recoloca a cada ciclo de crescimento da produção, a autora afirma:
98
O aumento do crédito e da escala de produção, no caso da habitação, pode
gerar a elevação do custo unitário, diferentemente de outros setores. O
encarecimento dos terrenos dificultou a aquisição de terras com condições
mínimas de aproveitamento. A estrutura de custos inviabilizava a
produção, segundo o então presidente da Cohab. Os financiamentos do
SFH passaram a privilegiar as obras urbanas e a produção de edifícios de
apartamentos para população de renda média alta. (Fix, 2011, p.101)
O crescente desemprego e a crise financeira do Estado levaram a cortes nos
programas voltados para a habitação de interesse social, que dependiam mais fortemente de
subvenção estatal, assim como o próprio SBPE também encolheu frente à crise econômica.
Havia problemas então tanto de oferta (ciclo imobiliário) como de demanda de novas
habitações (contração econômica, aperto monetário).
Como contraparte, movimentos populares foram se formando em torno da questão
da moradia. Em 1981 houve a invasão das terras na Fazenda Itupu, no Estado de São Paulo,
que é considerado o marco inicial da luta pela moradia no Brasil – seja na área urbana, seja
na rural (GOHN, 2008). Em 1984, foi organizado o ―Movimento dos Mutuários do Banco
Nacional de Habitação‖, que reunia não os sem-moradia, mas as ―vítimas‖ dos
descompassos do SFH (GOHN, 2008). Os movimentos sociais autóctones, junto às críticas
mais gerais que se avolumavam em âmbito internacional ao antigo modelo de construção
habitacional popular, de grandes conjuntos habitacionais, vão conformando novas
propostas de política habitacional no país. Ainda que em um momento político intenso,
Bonduki (2008) assinala a paralisia do SFH, em meio ao vácuo de novas políticas para o
segmento:
Na redemocratização, ao invés de uma transformação, ocorreu um
esvaziamento e pode-se dizer que deixou propriamente de existir uma
política nacional de habitação. Entre a extinção do BNH (1986) e a
criação do Ministério das Cidades (2003), o setor do governo federal
responsável pela gestão da política habitacional esteve subordinado a sete
ministérios ou estruturas administrativas diferentes, caracterizando
descontinuidade e ausência de estratégia para enfrentar o problema. (p.75)
A incorporação do BNH à Caixa Econômica Federal, em 1986, refletiu a grande
crise (inclusive institucional) por que passava a política habitacional brasileira. A Caixa
Econômica Federal (CEF), um banco sem qualquer tradição na gestão de programas
habitacionais, passou a gerir os recursos do SFH. Na segunda metade dos anos 1980 foram
99
desenvolvidos programas alternativos ao SFH48, direcionados à baixa renda, que teriam
promovido ―o desmanche da área social do SFH‖, que teve desempenho muito limitado no
período (SANTOS, 1999). As COHAB, que erigiam habitações de baixa renda com
recursos do FGTS, mediante o SFH, tiveram seus financiamentos restringidos pelo governo
central, passando de ―agentes promotores (i.e, tomadores de empréstimos do FGTS e
executores de obras) a meros órgãos assessores, diminuindo assim a capacidade de atuação
dos estados e municípios na questão habitacional‖ (SANTOS, 1999, p.20).
A paralisia do SFH teve seu auge após denúncias de utilização fraudulenta de
recursos do FGTS no governo Collor, na entrada dos anos 1990. O agravamento da situação
habitacional, por sua vez, exigiu o esforço de Estados e Municípios em soluções locais –
que encontraram amparo na Constituição de 1988, que havia tornado a habitação uma
atribuição dos três níveis federativos:
[…] no momento em que deixou de existir uma estratégia nacional para
enfrentar a questão da habitação, vazio que foi ocupado de forma
fragmentária, mas criativa, por Municípios e Estados. (BONDUKI, 2008,
p.77)
Essa saída foi insuficiente tanto para solucionar o problema da demanda
habitacional, como fragmentou, em alguma proporção, os esforços financeiros, as
concepções tecnológicas e mesmo ideológicas em torno da habitação social. Com um olhar
a posteriori, Bonduki (2008) verifica que o grande déficit habitacional aberto no Brasil não
decorreu especialmente da crise do SFH, mas também da visão estreita de planejamento
urbano e habitacional até então construída:
Não seria razoável exigir que o Sistema Financeiro da Habitação pudesse
financiar a construção de unidades prontas na dimensão necessária. Mas
uma análise crítica mostra que um dos grandes equívocos foi voltar
todos os recursos para a produção da casa própria, construída pelo
sistema formal da construção civil, sem ter estruturado qualquer ação
significativa para apoiar, do ponto de vista técnico, financeiro, urbano e
administrativo, a produção de moradia ou urbanização por processos
alternativos, que incorporasse o esforço próprio e capacidade organizativa
das comunidades. Em conseqüência, ocorreu um intenso processo de
urbanização informal e selvagem, onde a grande maioria da
população, sem qualquer apoio governamental, não teve alternativa
senão auto-empreender, em etapas, a casa própria em assentamentos
urbanos precários, como loteamentos clandestinos e irregulares, vilas,
favelas, alagados etc., em geral distantes das áreas urbanizadas e mal
48
PROFILURB, PRÓ-MORAR e João de Barro, Programa Nacional de Mutirões Comunitários.
100
servidos de infra-estrutura e equipamentos sociais. (BONDUKI, 2008,
p.73-74, grifo nosso)
De forma semelhante, Santos (1999) afirma que entre 1985 e 1992, a ―ausência de
um diagnóstico claro sobre a questão habitacional‖ e a ―dificuldade de se evitarem práticas
clientelistas em um contexto de instituições democráticas pouco amadurecidas‖ teriam
contribuído para a crise da política habitacional brasileira ao longo do período (p.17).
Desta forma, a crise dos anos 1980 e a redemocratização deixaram marcas sobre a
política habitacional brasileira. Ainda que a Constituição de 1988 tenha delegado a
responsabilidade da provisão de moradias às 3 esferas governamentais, a regulação das
condições de financiamento da habitação e gestão de fundos ainda ficou a cargo do
Governo Federal (IPEA, 2007) – o que deu um peso diferenciado a essa instância
governamental.
Em 1995, no governo FHC, ainda no período que Bonduki (2008) considera como
de ―apagão‖ da política habitacional, houve a retomada dos financiamentos da habitação e
saneamento com base nos recursos do FGTS e procurou-se desenvolver uma concepção
mais atualizada de política habitacional, incluindo ―princípios como flexibilidade,
descentralização, diversidade, reconhecimento da cidade real 49, entre outros‖, que na
acepção de Bonduki (2008) era
compatível com o ambiente e o debate nacional e internacional que, de
uma forma bastante generalizada, passou a rejeitar os programas
convencionais, baseados no financiamento direto à produção de grandes
conjuntos habitacionais e em processos centralizados de gestão (p.78).
O governo federal, ―em um reconhecimento à incapacidade de lidar sozinho com a
questão‖, segundo Santos (1999), lançou programas de parcerias com Estados e
Municípios, focado na urbanização de áreas precárias, para a população de renda
familiar de até 5 salários mínimos ─ os programas Pró-Moradia (financiado com recursos
do FGTS) e Habitar-Brasil (financiado com recursos do Orçamento Geral da União) que
não necessariamente implicavam em construção de novas habitações.
Foram criados, também, no âmbito do SFH, programas de financiamento voltados
ao beneficiário final, (Carta de Crédito, individual e associativa), que passaram a absorver
a maior parte dos recursos do FGTS. As modalidades de utilização da Carta de Crédito
49
Termo correlato ao ―Cidade ilegal‖ – a parcela das propriedades urbanas informais, sem título de propriedade.
101
individual envolviam o financiamento de material de construção e a aquisição de
imóveis usados, e a Carta de Crédito Associativa, segundo Bonduki (2008), se tornou uma
espécie de válvula de escape para o setor privado captar recursos do FGTS para a
produção de moradias prontas50 (p. 79).
O deslocamento do financiamento “ao produtor” para o “ao consumidor” viria
a incorporar a maior autonomia dos consumidores na idealização de sua habitação, assim
como diluir os riscos do agente financiador, já que o crédito deixava de estar associado a
um empreendimento/empreendedor, para ser pulverizado entre diversos consumidores. O
público-alvo do programa de ―carta de crédito‖ seria o de famílias de rendimento de até 12
salários mínimos, e houve a preocupação em permitir a participação de famílias com
rendimentos informais, e mesmo de cessão de recursos para melhorias de moradias não
legalizadas (o que faz parte do ―reconhecimento da cidade real‖). Biancareli e Lodi (2009)
citam a importância do mercado de imóveis usados para impulsionar a Construção, já que
se financiar imóveis usados não atinge diretamente o setor de Edificações, ele pode ser uma
pré-condição para a retomada dos negócios do segmento, uma vez que não raro os recursos
da venda do imóvel são utilizados como parte do desembolso na compra de um novo.
Teria sido criado, ainda sob o SFH, um programa voltado para o setor privado
(Apoio à Produção, ao setor formal de Edificações), que teria tido um desempenho pífio
(BONDUKI, 2008). Ou seja, pouco dessas reformas se reverteram em atividade do setor de
Edificações.
Em 1997, foi formalizado o Sistema de Financiamento Imobiliário (o SFI) – um
arcabouço legal alternativo que instituiu a securitização dos créditos imobiliários, que no
segmento residencial poderia ampliar o volume de financiamento à classe média brasileira,
em paralelo ao SFH. Segundo Santos (1999), este sistema poderia utilizar ―como recursos a
poupança privada livre, inclusive externa, e apresenta grande flexibilidade de aplicação
desses recursos, ao possibilitar financiamentos imobiliários com fins habitacionais ou não‖
(p.26, grifo nosso). Neste sentido, é interessante lembrar que o governo FHC promoveu
ampla liberalização financeira, acreditando, inclusive, que a participação de instituições
financeiras internacionais no mercado local poderia desenvolver produtos e práticas
50
Os recursos se destinaram, neste período, mais à aquisição de moradias usadas que à construção de novas, segundo Fix
(2011).
102
financeiras que finalmente romperiam com o ―atraso‖ do sistema de financiamento local,
sobretudo o de médio e longo prazo51.
Em 1999, no âmbito do SFH foi criado, ainda, o Programa de Arrendamento
Residencial – PAR –, programa inovador voltado à produção de unidades novas para
arrendamento que utiliza um mix de recursos formado pelo FGTS e recursos de origem
fiscal, utilizado inclusive no Programa de Aceleração Econômica (PAC), lançado em 2007,
no governo Lula.
Em julho de 2001, foi instituído o Estatuto das Cidades (Lei no 10.257),
considerado um marco para a política habitacional/urbanística, por introduzir uma visão
mais ampla ao tratar a habitação como parte integrante do desenvolvimento das cidades,
estabelecendo o conceito de função social da propriedade, reconhecendo seu uso ligado
ao interesse coletivo (IPEA, 2007; BONDUKI, 2008). Para os urbanistas, reconhecer a
função social da propriedade
criaria condições para facilitar e baratear o acesso à terra urbanizada,
fosse combatendo a especulação com imóveis ociosos, fosse criando
mecanismos para a regularização fundiária, fosse estabelecendo zonas
especiais de interesse social capazes de preservar da valorização
imobiliária, terrenos adequados à produção de moradia digna.‖
(BONDUKI, 2008, p.95)
Para que a lei tivesse plena força, entretanto, ela teria que ser prevista nos Planos
Diretores Participativos dos municípios, elaborados pelas prefeituras e aprovados pelos
legislativos locais52 (BONDUKI, 2008, p. 87-88). Se a aprovação do Estatuto das Cidades,
previsto na Constituição de 1988, levou 13 anos para ser aprovado no Congresso Nacional
Brasileiro, previu-se uma data em lei para que os Planos Diretores Participativos fossem
implementados nas municipalidades ─ outubro de 2006. A instituição local do Plano
Diretor Participativo criaria instrumentos para liberar terrenos urbanos retidos pela
especulação imobiliária, para regularizar áreas a muito ocupadas, entre outros. 53
51
Royer (2009) assinala que a despeito do desempenho pífio do SFI em termos de expansão do financiamento à habitação,
seu modelo ainda seria apontado como o ideal pelo ―mercado‖.
52
o Plano Diretor, exigência para todos os municípios com mais de 20 mil habitantes, deveria ser elaborado pelo setor
executivo municipal, com participação do setor privado e aprovado pelas respectivas câmaras municipais (IPEA, 2007).
53
Alguns instrumentos para estes fins, ainda sob aprovação dos municípios podem ser citados: ―o parcelamento,
edificação ou utilização compulsórios do solo urbano não edificado e não utilizado; o IPTU progressivo no tempo e a
subseqüente desapropriação com títulos públicos de imóveis sem uso a mais de 5 anos; o direito de preempção, que dá ao
Poder Público prioridade na compra de qualquer imóvel urbano; a confirmação da possibilidade de criação de Zonas
Especiais de Interesse Social, que se destinam à provisão, sob legislação especial, de habitações populares. Vários
instrumentos dizem respeito à regulamentação de áreas ocupadas ilegalmente, como o usucapião de imóvel urbano ou a
103
Os governos FHC (1995-2002), desta maneira, foram profícuos no que tange às
mudanças institucionais no âmbito da política habitacional. O que assinala Bonduki (2008),
entretanto, é que ainda que com proposições renovadas, a política habitacional de FHC
teria sido implementada de forma equivocada. Na parcela ―de mercado‖ atinente ao
SFH, o grande agente financeiro da habitação, a Caixa Econômica Federal (CEF), sob
gestão Federal, deu prioridade a uma estratégia financeira de baixo risco, privilegiando as
operações seguras, que no caso da habitação seria o financiamento do imóvel usado, para as
famílias de renda média superior a 5 salários mínimos mensais. Na liberação de recursos
para a compra de materiais não houve iniciativa para assessorar a autoconstrução,
agravando a questão urbanística de construções de baixa qualidade técnica. Na ―parcela
pública‖, os recursos foram cortados em meio ao ambiente de ―austeridade fiscal‖ que
retirou dos Estados e Municípios o acesso a recursos– o Pró-Moradia foi paralisado em
1998, quando se limitou o financiamento para o setor público. O SFI, que atenderia à
média-alta e alta renda não teve impacto relevante sobre o mercado imobiliário – sobretudo
o residencial.
Vale lembrar que a implantação do Real, em 1994, visava o controle de preços e
também vislumbrava e crescimento econômico, decorrente, inclusive, da estabilidade
monetária alcançada. O segundo objetivo falhou. A restrição externa se impôs e as políticas
conjunturais do tipo stop and go não criaram um ambiente favorável o suficiente para a
retomada da construção habitacional, seja pelo baixo crescimento da massa de rendimentos,
seja pelas condições creditícias totalmente adversas, seja pela forte restrição fiscal que se
impôs a todas as esferas de governo, até como condição ao acesso ao financiamento
externo. Segundo Bonduki (2008), o resultado da conjuntura, junto ao tratamento da
questão habitacional dado no período, fez com que não apenas o déficit habitacional se
ampliasse, mas que isso se desse de forma assimétrica entre as faixas de renda – ampliando
mais que proporcionalmente o déficit habitacional dos relativamente pobres. O autor
apresenta a realidade em números:
O acelerado crescimento das favelas na última década é um indicador
importante do agravamento do problema habitacional no país. Entre 1991
e 2000, a população favelada cresceu 84%, enquanto a população geral
teve uma elevação de apenas 15,7%. (p.89)
concessão de uso especial para fins de moradia. Destaque-se ainda a exigência de Estudos de Impacto Ambiental ou de
Vizinhança, que visam controlar os grandes empreendimentos imobiliários.‖ Maricato e Ferreira: ―Estatuto da Cidade:
essa lei vai pegar?‖. Disponível em: http://www.fau.usp.br/depprojeto/labhab/biblioteca/; acesso em abril de 2011.
104
Maricato (1998), assinalando que mais uma vez os recursos públicos teriam se
dirigido prioritariamente ao financiamento da habitação da classe média, sugere que os
interesses do capital financeiro e imobiliário teriam sido melhor atendidos que os do
próprio capital produtor de edificações no governo FHC. Houve pronto esforço em aprovar
a criação do SFI, quando pouco se fez para a aprovação do Estatuto da Cidade e mesmo não
foi considerada a proposta da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), para a
implementação de um plano de construção de habitações para a baixa renda, inspirada na
experiência chilena, que previa ―um mix de recursos onerosos e a fundo perdido, de modo a
subsidiar as faixas da população de baixa renda onde se concentra o déficit habitacional‖
(p.8). No mesmo sentido, a câmara setorial da Construção (assim como as demais) teria
sido extinta em 1995.
O atendimento ao capital imobiliário mais estrito já estaria contido no
direcionamento equivocado dos recursos do SFH, mas como cita Maricato (1998), outras
benesses ainda foram concedidas:
[…] uma especial sensibilidade para as demandas do mercado
imobiliário, evidenciada pelas medidas tomadas a 5 meses das eleições,
com a flexibilização nos financiamentos (aumento dos tetos de
financiamento e faixas de renda, extinção do critério de faixas de renda
para o direcionamento dos investimentos, unificação da taxa de juros em
8%, alteração do critério de remanejamento orçamentário entre unidades
da federação, modificações nos planos de reajuste das prestações,
mudanças na garantia hipotecária entre outros).‖(p.10).
Ao capital bancário-financeiro, já bastante internacionalizado ao final do período
FHC, o crédito habitacional não era considerado uma alternativa desejável de valorização
do capital – o que se verifica, inclusive, pelo franco fracasso do SFI.
Com a situação habitacional cada vez mais caótica, a luta em torno da moradia teria
se transformado em uma das mais organizadas no panorama social da entrada dos anos
2000 (GOHN, 2008), e acabou por se traduzir em propostas políticas, que teriam permeado
as idéias do governo federal que assumiu em 2003 (BONDUKI, 2008).
A estrutura dos programas de financiamento do SFH do governo FHC foi mantida
no governo Lula, mas buscou-se reforçar os instrumentos de financiamento de mercado
para viabilizar a demanda da classe média e liberar os recursos subsidiados, com base no
FGTS, para as ações voltadas para a baixa renda (MARICATO, 2005; BONDUKI, 2008);
105
assim como houve esforço, não muito bem sucedido, na direção de liberar recursos fiscais
para encaminhar o problema da habitação para a baixa renda (caso do Fundo nacional de
Habitação de Interesse Social, o FNHIS - FAGNANI, 2011).
Maricato, em diversos textos, reafirma a posição (política) de que para ampliar as
operações habitacionais para a baixa renda, a demanda da classe média teria que ser
satisfeita54. Assim, enquanto procurava-se viabilizar aquela, os recursos fiscais voltados
para o segmento de baixa renda também foram majorados, mas sempre de forma
subordinada às restrições fiscais impostas pelas metas de superávit primário. As
amarras do modelo de inserção externa brasileira permaneceram e limitaram a ousadia das
políticas sociais, assim como o jogo político interno também restringia a transposição das
propostas “da oposição”, para o então governo.
Dois elementos foram essenciais para o crescimento da atividade do segmento
imobiliário residencial: as mudanças jurídico-institucionais promovidas pelo governo Lula,
ampliando o volume de recursos disponíveis ao segmento, e a conjuntura fortemente
favorável.
As reformas jurídico-institucionais asseguravam a demandantes, produtores e
financiadores, um ambiente mais estável.
A lei 10.931, de agosto de 2004, por exemplo, teria introduzido algumas
modificações que ampliariam a ―visibilidade‖ de riscos do setor (FGV, 2007):
i. instituiu o patrimônio de afetação, que é um instrumento que permitiu a criação
de um patrimônio próprio para cada empreendimento, que passou a ter a sua própria
contabilidade, separada das operações do incorporador-construtor – minimizando o risco de
ocorrerem fraudes do tipo ―ENCOL‖ (explorada nas páginas 154 e 155 do estudo),
protegendo os interesses tanto dos investidores como dos compradores dos imóveis;
-
estendeu a alienação fiduciária, antes disponível ao SFI, aos contratos do SFH;
-
instituiu o ―Incontroverso‖: regra que determina que o mutuário deve manter o
pagamento do principal da dívida (parcelas, exclusive juros ou correção monetária),
mesmo quando ele entra com ação na Justiça para discutir valores do financiamento;
54
Maricato (2011) afirma que se o mercado residencial privado não for funcional à classe média, dificilmente a população
pobre conseguirá reter a moradia, um ―bem escasso e valioso‖ (p.130).
106
-
aperfeiçoou a legislação que regulava a Letra de Crédito Imobiliário (principal título
do SFI) e Cédula de Crédito Bancário;
Em sequência, a lei 11.196, de novembro de 2005, chamada ―MP do bem‖,
introduziu medidas de desoneração tributária, entre as quais a isenção de imposto de renda
das aplicações de pessoas físicas em ativos do SFI e sobre ganho de capital na alienação de
imóvel residencial, seguida de aquisição de novo imóvel em até 180 dias 55; assim como
instituiu um regime especial de tributação para o patrimônio de afetação, com alíquota
única de 7% para a incorporação imobiliária (reduzida, em 2009, para 6% no âmbito do
Programa ―Minha casa, minha vida‖). A mesma lei teria consolidado índices de preços ou
financeiros para corrigir contratos de compra e venda de imóveis com prazo de 36 meses ou
mais ─ condições que se estenderiam aos contratos de financiamento (ROYER, 2009,
p.119).
Em termos exclusivos do SFH, tinha-se que 65% dos saldos captados na modalidade
―caderneta de poupança‖ deveriam ser alocados em operações de financiamento imobiliário
(80% utilizados no âmbito do SFH - com taxas fixas de TR+6% aa – e 20% poderiam ser
aplicados com taxas de mercado). Por ―financiamento imobiliário‖, entretanto, entendia-se
não apenas a construção e aquisição de imóveis novos ou usados (e mais recentemente,
aquisição de materiais), mas também a aplicação em alguns títulos representativos de
operações imobiliárias, como hipotecas, entre outros.
Em 2002, ainda na absorção dos títulos gerados pelo rombo do SFH na década de
1980, foi permitido às entidades constituintes do Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo, reter as exigibilidades da Caderneta de Poupança junto ao Banco Central na
forma de papéis do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), rendendo juros
da dívida pública federal brasileira. A partir de 2004 essa opção foi sendo limitada pelo
Conselho Monetário Nacional (CMN), de forma a liberar os recursos para o financiamento
imobiliário ―não-estéril‖.
O esforço governamental ia na direção de dar a segurança jurídica aos contratos, e
no da regulação financeiro-bancária de ―destravar‖ os recursos do SFH (SBPE),
transformando as exigibilidades de ativos estéreis em novos financiamentos.
55
Previa-se a isenção de Impostos na venda de imóveis de até R$ 35 mil.
107
Royer (2009) identifica nessa sequência de medidas, por sua vez, também um meio
de consolidar o financiamento imobiliário com base no mercado de capitais que pressupõe
contratos crescentemente homogêneos e com grande segurança jurídica. A autora mostra
que as intervenções normativas do CMN e do Banco Central vão mesmo consolidando os
papéis do SFI (especialmente os Certificados de Recebíveis Imobiliários – os CRIs) como
relevantes para o cumprimento das exigibilidades do SFH.
Desta forma, o crescimento das operações do SFH teria gerado não apenas os
recebíveis para a securitização, mas também, ao menos em parte, a liquidez para os papéis
do SFI. Isto porque ao cumprir as exigibilidades do SFH com títulos do SFI, as instituições
financeiras poderiam optar entre conceder novos financiamentos e aplicar em papéis
imobiliários, ganhando com o diferencial de remuneração do capital. Royer (2009)
naturalmente questiona o SFI como uma fonte alternativa de recursos ao SFH, justamente
por ser possível essa arbitragem (p. 125-126).
Por outro lado, o papel da conjuntura sobre as condições de financiamento não pode
ser negligenciado. Além das mudanças asseguradas aos contratos e liberação de recursos, o
crescimento do emprego e da renda, assim como a queda nas taxas reais de juros, foram
essenciais para a retomada dos negócios. As boas condições macroeconômicas foram
suficientes para:
- tornar a caderneta de poupança um produto atraente56 aos aplicadores, ampliando a
captação de recursos pelo SBPE;
- elevar a arrecadação do FGTS;
- tornar as linhas de financiamento do SFH ―relativamente lucrativas‖ aos bancos,
que também passaram a valorar a fidelização do cliente como um benefício do crédito de
longo prazo;
- permitir a adoção de taxas pré-fixadas, parcelas fixas e prazos mais longos nos
financiamentos habitacionais, potencializando a demanda.
56
A caderneta paga TR (indexador) mais 6% de juros ao ano e é isenta de Imposto de Renda, ou seja, garante ao aplicador
uma taxa real de 6% ao ano.
108
Setorial, 2007), mas certamente a solução do déficit habitacional para a população de renda
inferior a esse limite dependeria das ações governamentais.
IPEA (2007), por sua vez, criticava a política habitacional de caráter social
fortemente baseada no crédito, já que não contemplava o segmento populacional à
margem do sistema financeiro-bancário58 e levava os recursos do FGTS ao limite, sendo
de curto fôlego, portanto. Na verdade, acusava-se haver uma dependência demasiada dos
fundos do FGTS, que também tinha recursos vinculados à expansão do saneamento básico
e da infraestrutura, no âmbito do PAC (Programa de Aceleração Econômica, lançado em
2007) – ensejando um limite à expansão da política em um curto espaço de tempo 59.
É interessante notar, a esse respeito, que apesar de a Caixa Econômica Federal ser a
operadora do FGTS, os demais bancos que operavam no SFH poderiam financiar a
habitação com as linhas de crédito vinculadas àquela fonte de recursos – linhas de crédito à
baixa renda – o que não ocorreu por falta de interesse das entidades privadas
(BIANCARELI e LODI, 2009). Neste mesmo sentido, estatísticas do Banco Central do
Brasil mostram que o setor bancário privado (com origem do capital nacional ou
estrangeira) apenas toma o crédito habitacional como uma fronteira de expansão após o
segmento público ter ―asfaltado a estrada‖.
Antes que as fontes de recursos impusessem limites à expansão da demanda por
habitações, entretanto, a crise internacional interrompeu – mesmo de que forma breve – o
ciclo de crescimento. A crise de 2008 chegou ao Brasil especialmente pelo canal do crédito.
Uma pequena fuga de capitais anunciou que os bons ventos do mercado de capitais
estariam mudando. A comercialização de imóveis residenciais para a baixa e média renda
no Brasil, entretanto, não se ressentiu muito com a nova conjuntura já que contava com
funding eminentemente nacional, e o uso dos bancos públicos na concessão de crédito
habitacional compensou a aversão ao risco que se abateu sobre a banca privada.
Quem mais se ressentiu da crise foi ―o lado da oferta‖ – as empresas, que acabaram
por contar com o apoio estatal para o reforço do caixa. O fluxo de lançamentos de novos
empreendimentos foi suspenso à espera das repercussões da crise sobre a demanda. Logo
vieram as primeiras notícias de um pacote na área de habitação popular e as construtoras
58
Uma alternativa apresentada é da inserção do microcrédito no sistema.
Preocupação que se amplia ao levar em consideração a relação observada por Royer (2009) ente os fundos do SFH e o
mercado de títulos do SFI.
59
110
aproveitaram a manutenção das condições de crédito do SFH para comercializar as
unidades já lançadas. Sob um importante movimento de consolidação, a persistência de um
grau razoável de demanda junto à forte queda do número de lançamentos houve o ajuste de
estoques e a melhora dos resultados das empresas.
O anúncio do Programa ―Minha casa, minha vida‖, que tinha como meta a
construção de 1 milhão de moradias para famílias de média-baixa e baixa renda, foi feito no
final de março de 2009, e acabou sendo incorporado à própria política habitacional do
Governo. A crise abriu a possibilidade, temporária, de ampliação do gasto público com
fins de manejo macroeconômico, o que foi logo aproveitado pelo governo.
Por outro lado, mesmo com importantes subsídios, o “Minha casa, minha vida”
(com meta ampliada em maio de 2011) logo esbarrou na questão fundiária. A adaptação
de projetos já existentes foi a tônica das construtoras e incorporadoras nos primeiros meses
após o anúncio do programa, mas logo se deu nova corrida em busca de terrenos
condizentes com a nova configuração da demanda, e a elevação dos seus preços, a um custo
do produto final pré-estabelecido (imóveis para as famílias de renda de zero a 3 salários
mínimos tinham preço estabelecido em contrato), logo arrefeceu os ânimos em relação aos
projetos de baixa renda. Segundo empresários do segmento, os terrenos para edificar os
empreendimentos para o Programa ainda teriam um custo razoável, dado o uso da
terra cada vez mais distante, praticamente na área rural; mas a sua urbanização
“mínima”, exigida pela Caixa Econômica Federal, estaria tornando o risco de edificar
cada vez maior em uma conjuntura de alta de preço dos insumos e de serviços da
Construção. Reproduz-se o modelo condenado dos grandes conjuntos habitacionais
desconectados das cidades, e ainda assim com custos majorados pelo ciclo imobiliário.
O maior número de lançamentos, se concentrou, novamente, na faixa superior de
renda alcançada pelo Programa: moradias para famílias de 5 a 10 salários mínimos.
O enfrentamento dessa lógica, no caso brasileiro, como já citado, teria como
instrumento o desenvolvimento do Plano Diretor Participativo pelos municípios, o que
ainda está por se provar eficaz – menos pela aprovação dos Planos e mais pelo seu
conteúdo e pela ―vontade política‖ de aplicação.
111
Em 2008, Rolnick et al (2008) procuraram avaliar a implantação dos tais Planos,
que teriam ganho nova dimensão após o instituto do Estatuto das Cidades:
Antes utilizado majoritariamente como instrumento de definição dos
investimentos setoriais necessários ou desejáveis para os municípios, o
Plano Diretor transformou-se na peça básica da política urbana do
município, responsável pela definição de critérios para o cumprimento da
função social da propriedade. Na prática, o Plano Diretor ganhou a missão
de estabelecer os conteúdos para a definição dos direitos de propriedade
no município, e as sanções por seu não cumprimento. (p.11)
Em uma pesquisa junto ao CONFEA (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura
e Agronomia) Rolnick et al (2008) observaram que até fevereiro de 2007, 44,62% dos
municípios pesquisados já haviam aprovado seus Planos Diretores Participativos nas
Câmaras Municipais e que 86,93% dos municípios pesquisados elaboraram, estavam
elaborando ou revendo essa peça legislativa.
Em uma primeira aproximação qualitativa, investigou-se o número de estudos
prévios à elaboração dos Planos quanto à habitação, loteamentos clandestinos e irregulares,
sobre o mercado imobiliário e sobre as ocupações irregulares de baixa renda, cuja média
nacional consta na tabela 4. Dados os percentuais apresentados, verifica-se que o preparo
do Plano Diretor ficou aquém ao esperado para um diagnóstico preciso sobre a situação
habitacional e fundiária local.
Tabela 4. Proporção (%) de Planos Diretores segundo tipos de estudos específicos
realizados
Brasil
Estudo
habitacional
Estudo sobre
loteamentos
clandestinos
Estudos sobre
loteamentos
irregulares
Estudo sobre
mercado
imobiliário
Estudo sobre
ocupações irreg.
de baixa renda
46,3
36,15
41,19
26,44
38,3
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados de IPEA (2010).
Verificou-se também que um alto percentual dos Planos Diretores estabeleceu
―Zonas Especiais de Interesse Social‖ (cerca de 70%), que representam ―uma destinação de
parcela do território urbano para provisão de habitação popular (quando vazia) ou para
regularização fundiária e urbanística (quando ocupada por assentamentos irregulares)‖
(p.21), mas os autores destacam que caberiam estudos qualitativos para discriminar qual o
seu teor. O enfrentamento de interesses de proprietários, da indústria imobiliária, ou mesmo
112
da vizinhança das tais ZEIS seria de difícil manobra no âmbito municipal, e por isso pouco
seria possível falar a priori sobre o que são estes zoneamentos em termos qualitativos.
Apesar da obrigatoriedade de inclusão da ―Utilização, Edificação e Parcelamento
Compulsórios, combinados com o IPTU Progressivo no Tempo e com a Desapropriação
com Pagamentos em Títulos da Dívida Pública‖ nos Planos Diretores, apenas 53,4% dos
documentos de fato arrolavam esses instrumentos que procuram induzir o cumprimento da
função social da propriedade urbana – deixando para estabelecê-los em lei específica. Para
IPEA (2010), a combinação das ZEIS e dessas penalidades poderia gerar um barateamento
das terras urbanas, já providas de infraestrutura urbano-social, viabilizando a sua utilização
para a habitação de interesse social.
A esse respeito, Rolnik et al (2008) falam sobre o padrão de crescimento das
cidades brasileiras, ―respeitando‖ os interesses imobiliários/patrimonialistas, que têm sido o
de ―empurrar‖ a habitação de interesse social para a periferia, onde há parca infraestrutura
social/urbana, o que deverá se reproduzir sem maior amadurecimento da questão fundiária:
Parece haver um consenso, entre os estudiosos e formuladores de políticas
habitacionais no Brasil e na esfera internacional, de que o solo urbano
deva ser um dos componentes essenciais da política (habitacional) e que
sua disponibilidade em quantidade e condições adequadas para a
promoção de programas e projetos de moradia é condição fundamental
para seu êxito. No entanto, políticas de solo voltadas para dar suporte a
programas de promoção habitacional raramente escaparam do binômio
desapropriação/localização periférica, muitas vezes através de operações
de conversão de solo rural em urbano (Rolnik et al, 2008)
Em IPEA (2010), classifica-se essa situação como de uma
[…] ‗escassez artificial de áreas para oferta de novas moradias, provocada,
basicamente, pela retenção de terrenos mantidos desocupados ou subutilizados à espera
de valorização imobiliária em espaços urbanos consolidados‘. Essa escassez de áreas
bem localizadas para urbanização, elevaria o preço da terra, que faz aumentar o preço
da habitação, impedindo o acesso dos relativamente pobres a essas áreas – que são
empurrados para a periferia (p. 820).
Essa situação decorreria da ―inadequação da legislação para regular os mecanismos
econômicos de precificação do solo urbano‖ – ou seja, da dificuldade do Estado de avançar
na legislação fundiária, por interesses estabelecidos em torno do valor imobiliário (IPEA,
2010, p.821).
113
Indo além, Maricato (2006) já apontava que o problema é maior que a simples falta
de leis. Segundo a autora, no Brasil, como na maior parte dos países, haveria um excesso de
regras sobre uma parte do solo urbano e leniência com o avanço da ―cidade ilegal‖ (favelas,
assentamentos irregulares/informais), satisfazendo os interesses patrimonialistas, por um
lado, e desenvolvendo uma massa de trabalhadores a ―baixo custo‖ para a indústria e os
serviços por outro, de forma que apenas 30% da população urbana, ―quando muito‖, teriam
acesso a moradias formalmente erigidas (MARICATO, 2006. p.213).
A ciência desse conjunto de interesses, de uma cultura patrimonialista arraigada, faz
com que Maricato (2006) afirme que a solução do déficit habitacional, para a baixa renda,
será lento e que não ―poderá deixar de levar em conta os valores sociais e a mentalidade
historicamente construídos‖. Desconstruí-los seria uma ―das tarefas da Política Nacional de
Habitação e da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano‖ (MARICATO, 2006,
p.214).
O Ministério das Cidades disponibilizou ao público em geral cartilhas sobre a
questão urbana. Uma delas, intitulada ―Como produzir moradia bem localizada com os
recursos do programa Minha casa minha vida? Implementando os instrumentos do Estatuto
da Cidade!‖, procura capacitar os legisladores locais, ou mesmo os cidadãos, a exigir a
confecção e aplicação dos Planos Diretores em favor da habitação de interesse social 60.
Trata-se de um desafio à reconstrução das mentalidades.
Por enquanto, fica a preocupação com a qualidade das habitações de interesse social
que voltaram a ser erigidas em maior volume.
Em 2003, dentro do contexto político descrito em torno da moradia, um estudo
constatou que os conjuntos habitacionais erigidos pelo CDHU – ou seja, pelo poder público
do Estado de São Paulo – não perderam a característica de grandes empreendimentos sem
infraestrutura urbano-social adequadas, encontrados nos anos 1970:
O estudo realizado pela equipe de pesquisadores da Unicamp mostra que a
concepção do projeto voltado à habitação popular não foi alterada nos
últimos 10 anos. A maioria dos conjuntos é composta por residências
unifamiliares ou blocos de apartamentos de até cinco andares. A
disponibilidade de equipamentos urbanos segue estritamente o
estabelecido na legislação federal, incluindo centro comunitário, creche e
60
http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNPU/Biblioteca/PlanelamentoUrbano/CartilhaMinhaCasaMinhaVi
da.pdf
114
posto de saúde. Os conjuntos contam com áreas reservadas para as
atividades comerciais, mas sem implantação efetivas de serviços
essenciais. (REVISTA HABITARE, 2004)
Ou seja, o próprio setor público se restringe estritamente às exigências legais para a
consecução de obras dirigidas à baixa renda. De forma mais grave, notícias vão surgindo de
casas entregues à população de baixa renda com problemas estruturais que exigem, ainda
novas, reformas para a habitação.
Afora as questões qualitativas, os dados mostram o forte avanço da edificação
residencial, mesmo na vertente de interesse social. O Gráfico 13 apresenta o número de
unidades financiadas com recursos do FGTS de 1995 a 2010. Verifica-se ali que após a
crise de 2008 há um novo impulso à construção de habitações para a baixa renda – mesmo
desconsiderando os recursos fiscais, do Orçamento Geral da União.
O Gráfico 14 apresenta a proporção de imóveis novos no total de unidades
financiadas pelo FGTS, entre 1995 e 2010. Nota-se que essa proporção dá um salto já em
2004, de um percentual médio de 20% a 30% para 50%, que torna a subir, chegando a 81%
dos imóveis financiados em 2010.
Gráfico 13. Unidades financiadas pelo FGTS – 1995 a 2010.
800
Em milhares de unidades
700
600
500
400
300
200
100
0
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados do FGTS.
(Disponível em https://webp.caixa.gov.br/Portal/Relatorio_asp/contratacoes.asp, acesso em abril de 2011)
115
Gráfico 14. Proporção de imóveis novos nas unidades financiadas pelo FGTS – 1995 a
2010.
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados do FGTS.
(Disponível em https://webp.caixa.gov.br/Portal/Relatorio_asp/contratacoes.asp, acesso em abril de 2011)
Uma importante contraparte desses números são os resultados macroeconômicos. O
Brasil, inclusive pelo forte crescimento da demanda habitacional, voltou a apresentar taxas
de crescimento há muito não vistas.
Com base na explanação até aqui empreendida, por outro lado, e a despeito dos
benefícios macroeconômicos e mesmo sociais alcançados, os limites à demanda
habitacional e a persistência de um patamar elevado de atividade no segmento de
Edificações residenciais, ficam claros. No segmento de mercado, abstraindo a questão da
renda, a atividade se dará conforme os limites da expansão do crédito com base no SFH e
de formação de um padrão de financiamento alternativo, que segundo Biancareli e Lodi
(2009), é eminente:
Mesmo com estas fontes alternativas de recursos ganhando força em meio
a uma conjuntura favorável, o financiamento imobiliário continua
dependente do SFH. Os financiamentos no âmbito deste sistema de
crédito direcionado também se ampliaram no ciclo de crédito recente.
Contudo, no Brasil, a participação do crédito imobiliário no PIB continua
baixa, em torno de 5%. Quando esta relação atingir 10% será impossível
dissociar o desenvolvimento do capital habitacional de um mercado
secundário de hipotecas bem estruturado (Castelo, 2007). Com um
mercado secundário líquido e profundo, a captação de recursos será
enormemente facilitada e o SFH poderá deixar de ser tão preponderante
neste segmento. (p.11).
116
Ademais, como já visto na década de 1970, o mercado para habitações de classe
média ainda que tenha se alargado nos últimos anos será atendido mais rapidamente que o
de baixa renda, que acumula um déficit habitacional significativamente maior. Neste
segmento, o de habitações de interesse social, a possibilidade de continuidade de expansão
das atividades estará subordinada à possibilidade de manutenção/ampliação dos gastos
fiscais e do equacionamento da questão fundiária com limitações políticas importantes,
tanto no nível interno, como no externo.
Acredita-se que o déficit habitacional brasileiro dificilmente será equacionado
(pela via da edificação residencial) sem que haja uma solução mais adequada para a
questão fundiária. A menos sejam direcionados recursos fiscais cada vez maiores ao
segmento, subsidiando não apenas o custo da edificação, mas também o capital imobiliário
(pagando os preços ―de mercado‖ dos terrenos e da geração de infraestrutura ―mínima‖), o
ciclo se encerrará antes do necessário para superar o grande déficit acumulado. Cientes
disso, em alguma proporção, os empresários adiam seus investimentos, temendo
imobilizar recursos que podem não se converter em ganhos em um momento
posterior. Ou seja, não há um clima de confiança que desencadeie o movimento de
industrialização da construção.
2.3. Considerações finais
Neste capítulo recuperou-se a importante relação entre a industrialização da
construção e a questão habitacional, já abordada no primeiro capítulo do estudo, assim
como avançou-se no tratamento dado à questão no Brasil, desde o pós-guerra, com as
primeiras tentativas de instituir a Coordenação Modular no país, assim como após a
instituição do Sistema Financeiro da Habitação, na década de 1960, em que a questão do
custo da produção habitacional valeu incentivos ao setor produtor ─ o que se recoloca no
ciclo dos anos 2000.
Verificou-se que no Brasil a modernização da Construção ocorreu de forma
limitada, concentrada no tempo e num determinado estrato de produtores, que se
valeu da demanda e dos incentivos estatais nos anos 1970 e início dos 1980 ─
modernização esta que um empresário denominou ―irresponsável‖, já que se tratou da
117
aplicação de novos métodos e componentes sem o preparo devido, se materializando em
patologias nos edifícios.
Além de ter a oportunidade de uso de técnicas mão de obra intensivas ao invés de
investir, como assinalado por Oggi (2008), é possível afirmar que o empresário brasileiro
defronta-se com uma instabilidade econômica que faz do investimento modernizante
um movimento mais arriscado que aquele enfrentado em economias industrializadas.
Levando em consideração que a política habitacional dos anos 1970-80 priorizou ora
uma, ora outra faixa de renda, pode-se dizer que o ciclo de crescimento da Edificação
habitacional no Brasil, por exemplo, foi relativamente curto e descontínuo, gerando uma
variabilidade do produto final que também prejudica a sinalização para a
modernização e padronização de insumos, treinamento de mão de obra e de adoção de
novos métodos de gestão.
Os dados do Gráfico 15 (abaixo) ilustram, de forma indicativa, as condições a que
os produtores da Construção brasileira e francesa (única série de dados mais longa
disponível no Eurostat) foram submetidos entre os anos 1950 e 1990. Na França é
relativamente fácil estabelecer um patamar de crescimento médio real anual do valor
agregado próximo a 5% a.a. entre 1950 e 1973 (mais de 20 anos crescendo, a um certo
ritmo) e depois outro patamar se formou, com o limite mínimo de pouco menos de 2% a.a.,
nos 1980. No caso brasileiro, intercalam-se diversos picos de atividade com o crescimento
máximo chegando a 20,9% em 1973 e o recuo mais forte, de 14,4%, em 1983. Ainda que
com forte oscilação, de 1950 a 1960 houve crescimento médio da Construção brasileira de
8,5% ao ano e entre 1961 a 1967 houve um recuo, também com forte oscilação, para a
média de crescimento de 4,7% a.a.. De 1968 a 1976 em que se desdobraram os efeitos da
criação do SFH e dos incentivos dado à Construção (9 anos), houve um salto da taxa de
crescimento médio real para 13% ao ano; com declínio e forte oscilação desde então. O
Estado francês auxiliou na formação de um horizonte mais estável ao produtor de
edificações, o que não ocorreu no Brasil.
O encerramento prematuro do boom da Edificação brasileira dos anos 1960/70
certamente foi determinado pela instabilidade macroeconômica, mas também contou com
o agravamento trazido pelo próprio ciclo de valorização imobiliária, pelo não
enfrentamento da questão do uso da terra urbana
como se fez na Europa, ao
118
reconhecer e utilizar a função social da terra. Ou seja, se o ambiente no Brasil é adverso
ao investimento produtivo pela inconstância dos lucros operacionais, parte desse
movimento também se dá porque alguns empresários do segmento no Brasil são
capazes de somar aos lucros operacionais os ganhos patrimoniais vindos da
valorização imobiliária.
Gráfico 15. Taxa de crescimento real da Construção no Brasil e na França. 1950-1990.
25,0
20,0
15,0
% aa
10,0
5,0
0,0
-5,0
-10,0
-15,0
França
Brasil
61
Fonte: Elaboração da autora com base em dados Eurostat e séries Históricas IBGE
Disto resulta que mesmo no pós-guerra, não houve a industrialização da
construção no Brasil seja por condições do lado da oferta, como a existência de um
grande volume de mão de obra pouco educada disponível, uma indústria de insumos
pouco organizada, etc; seja pela instabilidade macroeconômica típica dos países
periféricos; seja ainda pelo padrão de inserção Estatal brasileiro. Não houve nível de
subsídios à habitação de interesse social estável, não houve condições de
financiamento estável (com a inflação obscurecendo mesmo eventuais problemas de
funding), não houve contenção do ciclo imobiliário, o que limitou o poder de compra das
famílias da classe média e mesmo do Estado, que precisa elevar o nível de subsídio para
cobrir os crescentes custos da terra urbanizada se quisesse viabilizar a construção das
habitações de interesse social.
61
http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/national_accounts/data/database. Acesso em abril de 2012.
119
No ciclo atual, é possível afirmar que os elementos fundamentais da questão se
recolocam.
Existiriam fatores que favoreceriam a modernização nos anos 2000. Do ―lado da
oferta‖: um contingente de trabalhadores não tão grande e mais bem educado que o
verificado nos anos 1970/80 (como se verá, na próxima seção); a disposição de alguns
capitais estrangeiros em produzir no mercado local, dispondo de tecnologias e de
técnicas de gestão diferenciada; a disponibilidade de materiais mais modernos,
fornecidos seja pela indústria de insumos local, seja pela via da importação; políticas
industriais favoreceriam não apenas a modernização microeconômica, mas também a
sistêmica ao rever as normas de coordenação modular, de desempenho dos edifícios, de
revisão dos programas de formação técnica para o segmento. Em termos institucionais,
além da reorganização do crédito à comercialização (SFH), o caráter progressista da
Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, que reconheceu a função
social da propriedade e descentralizou a concepção e a execução da política habitacional
também poderia contribuir para um movimento de modernização ao propiciar uma
formação mais adequada dos preços dos terrenos e imóveis, dando perspectiva mais
longeva ao ciclo da Edificação, assim como um maior envolvimento do poder público local
na organização e fiscalização do processo de edificar.
Esses elementos, porém, parecem ser insuficientes para fazer frente à
avalanche de capitais tipicamente especulativos que aceleraram o ciclo imobiliário e
ao relativo descaso do poder público local (em suas três esferas) em relação à melhor
utilização da terra urbana. Como apontam alguns urbanistas, não é a ausência de
regulamentos que impede o avanço do processo de urbanização mais organizado e justo no
país, mas o não respeito a eles.
Tal como ocorreu nos anos 1970, o relativamente pequeno déficit habitacional da
classe média será equacionado em não muito tempo, seja porque a demanda de parcela
importante daquela população estará satisfeita, seja porque o avanço dos preços dos
imóveis inviabilizará a continuidade da satisfação da demanda à medida que o ciclo
imobiliário
avança,
mesmo
que
as condições favoráveis de
financiamento
à
comercialização se renovem. Restará a demanda da baixa renda, fortemente dependente da
intervenção do setor público.
120
Deste ponto de vista, dada a natureza do capital estrangeiro que vem aportando no
Brasil − eminentemente imobiliário − para que se estabeleça um estado de confiança na
longevidade das condições de demanda que justificasse o investimento produtivo, seria
necessária a crença de que o Estado brasileiro se lançaria a um esforço financeiro colossal
para financiar tanto a demanda de habitações para a baixa renda, em grande volume, por
um longo período, quanto remunerar ―a contento‖ o capital imobiliário ─ atendendo o nível
crescente de preço dos terrenos, fornecendo infraestrutura urbana para terrenos de cada vez
pior qualidade. Este quadro é pouco crível e desejável pois combinaria uma solução ruim
para a questão social e urbanística, satisfazendo os caprichos de uma parcela do capital.
121
Capítulo 3. Edificações no Brasil - Estrutura e desempenho nos anos 2000
Este capítulo tem como objetivo apresentar a estrutura e o desempenho do segmento
de Edificações brasileiro, procurando evidenciar as possíveis transformações associadas ao
incremento da atividade e à crescente participação de estrangeiros no período recente −
movimento praticamente inexistente até então (CHAVES, 1985). Trata-se, portanto, da
observação das transformações ―do lado da oferta‖, que, segundo a hipótese do estudo,
seriam insuficientes para a ―revolução‖ que se previa ao segmento.
Havia uma grande expectativa de que essa combinação de eventos, o crescimento do
volume de negócios e a entrada de produtores/financiadores estrangeiros, redundaria em um
forte incremento da produtividade do segmento, o que não se confirmou no prazo
decorrido. Credita-se esse resultado pífio sobre a produtividade a características próprias do
Brasil, como o tratamento insuficiente da questão fundiária e das condições da demanda
(sendo o papel do Estado central para as duas questões), assim como à modalidade do
capital entrante, de tipo imobiliário/financeiro, e seu modus operandi, que reforçou o
padrão de ganhos patrimoniais que desde sempre se auferiu com pouca restrição no
mercado local.
Se existem mudanças substantivas no padrão de operação do capital de
Edificações local, é mais no segmento dos negócios imobiliários que na atividade
produtiva em si.
Esta seção trata, assim, de aspectos do lado da oferta, em termos agregados, em
cinco subseções, que retratam diferentes níveis de observação do setor. Uma primeira seção
dedica-se a apresentar os números da internacionalização do mercado brasileiro. Como a
possibilidade de desagregar os dados das Edificações da Construção Pesada é recente, e
mais recente ainda foi o isolamento dos resultados da Incorporação, a segunda subseção
qualifica algumas mudanças estruturais do setor da Construção entre os anos 1980 e 2000,
assim como os desdobramentos da evolução conjuntural recente, finalizando com a
apresentação dos ganhos de produtividade agregada do setor no atual ciclo de crescimento.
A terceira subseção foca a estrutura e o desempenho do segmento de Edificações no ciclo
recente, apresentando, quando possível, a diferenciação da dinâmica da Edificação, em
123
sentido estrito, do da Incorporação. De forma semelhante à seção anterior, finalizar-se-á a
discussão com a apresentação dos ganhos de produtividade, para as Edificações, no atual
ciclo de crescimento. A quarta subseção, se atém às empresas do núcleo dinâmico das
Edificações, dando ênfase à atividade principal das empresas (Construtora/Incorporadora),
à composição do capital (participação estrangeira) e às estratégias de crescimento ─ tendo
como foco a importância dada pelas próprias empresas aos ganhos produtivos. A quinta
seção procura sintetizar os resultados mais gerais do capítulo e tecer algumas considerações
sobre o encaminhamento do ciclo recente.
3.1. O capital que aportou no Brasil
O ingresso de capital produtivo estrangeiro no Brasil, com vistas ao mercado de
Edificações e Infraestrutura não contrariou a lógica mais geral da inserção produtiva
brasileira, em que o mercado local seria o principal atrativo aos estrangeiros (IDEs com
orientação market-seeking). A entrada de capital no segmento de Edificações foi
relativamente tardia no Brasil, tendo aportado antes no Chile e no México, por exemplo,
pelo simples fato de a demanda só ter sido ativada mais tarde. Em uma entrevista, um
―mega-investidor global‖ do ―Real Estate” dizia: é a demanda, estúpido!
Esta seção se atém à participação do capital estrangeiro na produção de edificações,
no ciclo expansivo ora visto no Brasil. São comuns as notícias de ingresso de capital
estrangeiro tanto para financiar quanto para produzir edificações, e como já salientado, o
uso de estatísticas de Comércio e IDE é considerado apenas um artifício para traçar um
quadro de nível e tendência da participação dos estrangeiros no mercado local.
Os registros oficiais de fluxo de comércio de serviços da construção e de
investimento estrangeiro direto são bastante agregados, dificultando a distinção de destino
dos recursos aos segmentos da Construção — se para as Edificações, se para o setor de
Infraestrutura/Construção Pesada. Como no Brasil o crescimento desses dois segmentos
tem sido simultâneo, fica ainda mais difícil qualificar o direcionamento dos recursos
entrantes, o que se procurará fazer, no limite dos dados disponíveis.
Apontou-se, no primeiro capítulo, que um importante elemento para explicar a
internacionalização das Edificações seria o papel cada vez mais importante do mercado de
capitais no seu financiamento. No Brasil as formas mais noticiadas de investimento
124
produtivo estrangeiro são as parcerias com brasileiros na exploração de empreendimentos
específicos (Sociedades de Propósito Específico – SPEs) e a participação acionária em
empresas locais. Essa estratégia é comum no processo de internacionalização da
Construção. Segundo Hall (2002), para ultrapassar as barreiras técnicas e culturais as
empresas da Construção usam a associação com produtores locais para viabilizar o seu
projeto internacionalização o que se confirmou na seção 1.2.2.3.
Em relação às estatísticas de Investimentos Estrangeiros, o Banco Central brasileiro
tem divulgado os dados de influxo por setor de atividade CNAE, o que auxilia na
caracterização de tais recursos. A Tabela 5 (abaixo) traz dados de influxo de Investimento
Direto Estrangeiro no segmento da Construção de Edifícios de 2001 a 2009. A
reclassificação dos dados em 2007, segundo a versão 2.0 da Classificação Nacional de
Atividades (CNAE), relativiza a exatidão da leitura dos dados, mas a dimensão da mudança
de valores observada é inequívoca, uma vez que houve forte elevação da entrada de
recursos para a Construção de Edifícios no Brasil a partir de 2005, com uma tendência,
inclusive, de maior valor médio por operação.
Em 2006 houve um salto na entrada de recursos no segmento de Incorporações,
coincidindo com o início da temporada de abertura de capital das empresas da Edificação
no Brasil. A distância entre a entrada de recursos para as Incorporadoras e para as
Construtoras voltou a refluir em 2007, não por ter ocorrido uma queda dos montantes
direcionados para a Incorporação, mas porque houve crescimento substancial dos influxos
direcionados para a atividade de Edificação mais estrita (Construtoras).
Em 2008, o recrudescimento da crise internacional acabou por interromper o fluxo
de capitais para o segmento de Edificações no Brasil, o que se recupera, em menor volume
em 2009, e segundo dados do Banco Central do Brasil, se mantém em 2010 e se amplia em
2011 (como observável na Tabela 6). Ou seja, esses investimentos são pró-cíclicos e em sua
maioria se dirigiram ao segmento de Incorporação (não sendo possível afirmá-lo para 2010
e 2011, pela abertura mais restrita dos dados). Ao somar os recursos que entraram no país
entre 2005 e 2009, verifica-se que a Incorporação recebeu três vezes mais recursos que a
Construção de Edifícios.
No total da divisão ―Construção de Edifícios‖ as operações de IDE foram da ordem
de US$ 700 milhões a US$ 1,5 bilhão por ano — não são desprezíveis para um setor cujo
125
valor total das obras, incorporações e mesmo serviços da Construção foi de R$ 50 bilhões
em 2007 a perto de R$ 80 bilhões em 2009. É importante notar que ―atrás‖ do capital
nominado IDE, especialmente nas operações das bolsas de valores, há um volume grande
de recursos de estrangeiros que caracterizam Investimentos em Carteira, com participação
acionária inferior a 10% das ações ordinárias, que ratificam a posição administrativa dos
―empreendedores globalizados‖ da Incorporação.
Tabela 5. Influxos de Investimento Direto Estrangeiro no segmento de Construção de
edifícios — 2001a 2009 (US$ milhões)
Período
Número de
Operações
US$
milhões
US$ mi/
Operação
Edificações
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2005–2009
17
25
14
27
14
25
18
37
20
111
24
100
Construção de edifícios
1,5
1,9
1,8
2,0
5,5
4,2
26
3
26
458
1
226
17,6
0,2
8,7
99
894
9,0
Número de
Operações
US$
milhões
US$ mi/
Operação
Incorporação de imóveis
(por conta própria e de terceiros)
20
118
5,9
24
128
5,3
21
74
3,5
25
100
4,0
36
198
5,5
46
1.112
24,2
Incorporação de empreendimentos
imobiliários
39
1.051
26,9
7
1
0,2
39
541
13,9
167
2.903
17,4
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do DIFIS, DESIG/BCB.
O último Censo de Capital Estrangeiro com resultados disponíveis realizado pelo
Banco Central do Brasil data de 2005. Os dados foram disponibilizados por atividade
econômica na versão 1.0 da CNAE e estão bastante agregados. Segundo aquele
levantamento haveria em 2005 um estoque de recursos estrangeiros de US$ 53,7 bilhões na
Indústria brasileira, de US$ 1,4 bilhões na Construção (agregando, portanto, os
Investimentos em Edificações e Infraestrutura) e de US$ 1,7 bilhões nas Atividades
Imobiliárias — ou seja, o montante de capital estrangeiro na indústria era 38,3 vezes maior
que na Construção e 31,6 vezes maior que nas Atividades Imobiliárias (que então
englobava a Incorporação Imobiliária).
A Tabela 6 (abaixo), traz dados de ingressos e retornos de capital estrangeiro na
forma de Investimento Estrangeiro Direto62, segundo a CNAE 2.063, para a Indústria, Obras
62
63
Desconsiderando os empréstimos e financiamentos passíveis de conversão em investimento direto.
onde a Incorporação Imobiliária está contida no setor de Edificações.
126
de Infraestrutura, Construção de Edifícios e Atividades Imobiliárias nos anos de 2006 a
2011. Trata-se de uma série de dados bastante curta, mas que qualifica o movimento de
capital estrangeiro no ―boom‖ da construção dos anos 2000. Ela traz também o montante de
lucros e dividendos que as empresas de capital estrangeiro, nesses segmentos, remeteram
―ao resto do mundo‖.
O primeiro fato a chamar atenção é a relação entre os fluxos e estoques. No período
de 2006 a 2011, a entrada líquida de recursos para a Indústria representaria 1,5 vezes o
estoque apurado em 2005, e o volume de remessas de lucros e dividendos, ―turbinados‖
durante a crise, 1,4 vezes o estoque apurado naquele ano. No que se refere à Construção
(somando os fluxos para o segmento de Infraestrutura e de Construção de Edifícios), o
fluxo líquido desses 6 anos representaria 4,9 vezes o estoque apurado em 2005; o que
indica, inclusive, que o estoque de capital estrangeiro no setor da Construção, ainda que em
um montante muito menor, cresceu em relação ao acumulado na Indústria.
Nota-se também que há uma relação bastante diferente entre os ingressos e retornos
do capital estrangeiro, na forma de IDE, nos segmentos da Construção. Em termos médios,
de 2006 a 2011, a relação entre o ―retorno‖ dos capitais e o ingresso é muito mais alta na
Construção de Edifícios que na Infraestrutura — 32% no primeiro caso e 16% no segundo.
Essa mesma relação, para a indústria é de 20%. Ou seja, a Construção de Edifícios, que
estaria em um momento de forte acumulação, deveria ter uma baixa relação
retorno/ingresso de capitais e não tem.
Com base nessa constatação é que se achou por bem observar os resultados
referentes ao segmento de Atividades Imobiliárias. Nessas atividades, típicas do setor de
serviços e que fazem parte do ―negócio imobiliário‖, o comportamento do capital
estrangeiro se diferenciou ainda mais do observado para a infraestrutura e para a indústria.
O fluxo líquido de IDE no período 2006–2011 para as Atividades Imobiliárias foi cerca de
2,4 vezes o estoque de capital verificado em 2005 e a relação retorno/ingresso de 36%.
Desta forma, o comportamento do capital estrangeiro no setor de Construção de
Edifícios seria intermediário ao observado na Indústria e/ou no setor de infraestrutura e nas
atividades imobiliárias, assumindo um perfil relativamente mais próximo ao dos serviços
no negócio imobiliário.
127
Outra diferença que se faz notar, refere-se à relação entre as rendas remetidas e o
ingresso de IED. Essa relação foi de 77% para a Indústria, no período observado, 37% para
as empresas do segmento de infraestrutura, 21% na Construção de Edifícios e 6% nas
Atividades Imobiliárias. Ainda que se possa alegar que haja retornos maiores em setores
com maior estoque de IDE no país (caso da Indústria), esse tipo de comportamento pode
significar que o capital entrante no segmento de Construção de Edifícios, assim como nas
Atividades Imobiliárias, é mais afeito a ganhos de capital à constituição de rendas.
O que se pretende com essa análise é tecer algumas inferências sobre a natureza do
capital que tem se dirigido ao setor de Edificações brasileiro, que tem um peso maior nas
Incorporações, como se viu até o ano de 2009, que na Construção de Edifícios. Se uma
operação de IDE é assim classificada pelo ingresso de capital constituir ao menos 10% do
capital votante de uma empresa (ou 20% do capital total), o tipo de capital que aportou no
segmento de Construção de Edifícios pode ter feições mais ―voláteis‖ que aquele que se
destinou a empresas industriais ou produtoras de obras de Infraestrutura ─ como se inferiu
no primeiro capítulo do estudo.
Tabela 6. Investimento Estrangeiro Direto 1 e Renda de investimento direto — lucros e
dividendos remetidos. 2006 a 2011, em US$ milhões.
Segmento
Operação
Ingresso
Retorno
Indústria
Líquido
Lucros e dividendos
IDE
Ingresso
Retorno
Obras de
Líquido
Infraestrutura
Lucros e dividendos
IDE
Ingresso
Retorno
Construção
Líquido
de Edifícios
Lucros e dividendos
IDE
Ingresso
Retorno
Atividades
Líquido
Imobiliárias
Lucros e dividendos
IDE
2006
8.462
1.957
6.505
5.980
213
37
176
116
613
160
453
6
890
564
326
12
2007
13.481
2.669
10.812
10.204
121
9
112
38
1.210
142
1.068
48
822
195
627
3
2008
14.013
4.245
9.768
17.179
1.721
7
1.714
262
1.386
371
1.015
137
337
109
228
9
2009
13.481
3.530
9.951
11.124
426
3
423
412
717
312
405
104
593
103
490
6
2010
21.273
5.509
15.764
14.582
209
5
203
207
664
483
181
475
1.590
803
787
71
2011
26.837
1.545
25.292
16.099
785
500
285
266
1.164
365
799
428
2.195
522
1.674
307
Período
97.546
19.455
78.092
75.169
3.474
561
2.913
1.301
5.753
1.833
3.920
1.198
6.428
2.296
4.132
408
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Nota para a imprensa ―Setor Externo‖/BCB.
1
Participação no capital, por setor, excluídos os empréstimos intercompanhias. Inclui investimentos em bens e imóveis.
No Capítulo 1, em que se busca evidências de uma lógica de internacionalização da
Construção, afirmou-se que o mercado de capitais poderia ser um indutor da
internacionalização produtiva do segmento de Construção de Edifícios, no sentido amplo
128
(tanto para a Edificação como para a Incorporação), porque o capital global tenderia a
financiar com maior confiança produtores ―conhecidos‖, os de origem dos próprios países
desenvolvidos. Observou-se também que, na tradição da própria internacionalização do
segmento de Construção, a forma mais comum de expansão internacional daquelas
empresas é a associação com produtores locais.
Ao observar as características dos influxos de investimento direto estrangeiro no
curto espaço de tempo em que vem se desenrolando o boom imobiliário brasileiro, por sua
vez, notaram-se características mais voláteis dos capitais direcionados à Construção de
Edifícios que os destinados para setores em que empresas de capital estrangeiro têm mais
tradição no Brasil (Indústria e Infraestrutura).
Com relação ao comércio, os fluxos de importação de serviços da construção são
baixos no Brasil. Por ter um setor produtivo privado bem desenvolvido, organizado no
período da industrialização e urbanização brasileiras, a produção de obras no Brasil, seja de
infraestrutura, seja de edificações, tem sido feita basicamente por empresas radicadas no
Brasil.
Na década de 1990 o volume máximo de importação de serviços da construção foi
de US$ 7,5 milhões, em 1998. Na de 2000, aquele montante foi superado apenas no ano de
2008, quando foram importados US$ 9,3 milhões de serviços da Construção. Nos anos de
2006, 2007 e 2009 o valor flutuou em torno de US$ 4 milhões e em 2010 foi a US$ 6,5
milhões.
O Gráfico 16 (abaixo), ilustra a pequena participação do Brasil no total das
importações de serviços da construção no mundo — contrastada com os resultados dos
demais países do BRIC. A participação do Brasil como consumidor desses serviços nos
anos 2000 é praticamente nula em contraposição à alta e crescente aquisição de serviços por
parte da Rússia e da China.
129
Gráfico 16. Participação (%) dos BRIC na importação mundial de serviços da Construção.
2000 a 2010.
12,0
% das importações mundiais
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
2000
2001
2002
Brasil
2003
2004
China
2005
2006
India
2007
2008
2009
2010
Federação Russa
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da UNCTAD.
O Brasil, na verdade, tem se especializado na venda internacional desses serviços,
conquanto o saldo da venda internacional de serviços da construção é estruturalmente
positivo, sendo as obras de infraestrutura as grandes responsáveis por esse resultado.
Já a importação de serviços de arquitetura e engenharia tem aumentado bastante no
Brasil desde meados da década de 1990. Não há como qualificar esses fluxos por meio de
dados agregados, mas a compra desses serviços avançou especialmente pelas obras de
infraestrutura e industriais que seguiram a abertura econômica e a privatização nos anos
1990 e, no período recente, o retorno das grandes obras públicas de infraestrutura mais
geral, e os gastos públicos e privados nos projetos que cercam o pré-sal. Vale ressaltar que,
tal como nos serviços da construção, o Brasil também tem apresentado saldos positivos em
relação à venda internacional de serviços de arquitetura e engenharia fornecidos e recebidos
do resto do mundo.
3.2. A Construção – estrutura e desempenho
O setor da Construção local desenvolveu-se especialmente a do partir projeto de
industrialização brasileira, onde o Estado produtor e promotor do desenvolvimento
propiciou a formação de um conjunto de empresas nacionais com nível tecnológico e
130
organizacional tal que parte delas chegou mesmo a se internacionalizar como a parcela
mais dinâmica das Empreiteiras, produtoras de obras infraestruturais, e alguns segmentos
da indústria de insumos (Chaves, 1985).
Passados os anos de forte crescimento, sobretudo na década de 1970, a crise que
seguiu também trouxe mudanças importantes para a estrutura produtiva. A despeito de
alguns poucos produtores dinâmicos, que conseguiram aproveitar até mesmo da demanda
de serviços da Construção de outras economias, o conjunto das empresas certamente se
abateu.
Os Gráficos 17 e 18 mostram o número de empresas e o volume de emprego formal
gerado pelas maiores e menores empresas formalmente estabelecidas no setor da
Construção, com ao menos um empregado, ao longo dos 25 anos que separam o período de
crise (1985) e de retomada da atividade (2005 a 2011). Nota-se que a baixa atividade
econômica esteve associada a uma importância relativa maior das pequenas empresas tanto
em número, como no emprego gerado, e que a aceleração reverteu, a partir de 2005, essa
tendência ─ dados que são explicados não apenas pelo nível geral de atividade econômica,
mas também pelo mix da demanda nos diferentes períodos.
Em 1985, 68,8% das empresas do setor eram pequenas unidades (firmas com 1 a 19
empregados), que geravam 7,8% do emprego formal. Em 2010 essas proporções passaram
a 82,7% e 19,9%. Ou seja, ainda que se questione a qualidade dos dados da RAIS para as
pequenas empresas nos anos iniciais do levantamento, os dados são inequívocos ao mostrar
que a alta atividade do período mais recente não foi suficiente para restabelecer a
importância relativa das grandes unidades produtoras
corroborando a ideia de uma
crescente divisão do trabalho no segmento e uso da subcontratação/terceirização. É
possível que parte do crescimento do emprego indicado, sobretudo nas pequenas empresas,
tenha decorrido da formalização do emprego no setor, o que esses dados são incapazes de
mostrar.
131
Gráfico 17. Proporção (%) das pequenas e grandes empresas no setor da Construção
formal. Brasil, 1985 a 2010.
90
1,8
1,6
1,4
1,2
80
1,0
0,8
75
0,6
% das Empresas
% das Empresas
85
0,4
70
0,2
65
0,0
1985
1990
1995
de 1 a 19 empregados
2000
2005
2010
de 500 ou mais empregados
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE.
30
40
25
35
20
30
15
25
10
20
5
% do Emprego
% do Emprego
Gráfico 18. Proporção (%) do emprego gerado pelas pequenas e grandes empresas no setor
da Construção formal. Brasil, 1985 a 2010.
15
1985
1990
1995
de 1 a 19 empregados
2000
2005
2010
de 500 ou mais empregados
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE.
Os Gráficos de 19 a 21 procuram qualificar, em termos agregados, a mudança do
perfil do trabalho nas empresas formalmente constituídas da Construção entre 1985 e 2010.
O primeiro deles (Gráfico 19) explora o grau de instrução da mão de obra
formalmente empregada, segundo as categorias de escolaridade instituída em 2005 64, em
todas as atividades econômicas e na Construção Civil. Seguindo a tendência verificada para
64
Analfabeto, até o 5ª ano incompleto, 5ª ano do Fundamental completo, do 6ª ao 9ª ano do Fundamental, Fundamental
completo, Médio incompleto, Médio completo, Superior incompleto, Superior completo.
132
todos os brasileiros, o grau de instrução médio dos empregados na Construção com carteira
assinada se elevou no período, apresentando uma distribuição bem menos acentuada em
direção à baixa escolarização no segundo período.
Em 1985 a categoria que apresentava maior relevância individual no volume de
emprego gerado na Construção era a de trabalhadores com até o 5ª ano incompleto do
Ensino Fundamental (39,6%), enquanto que para o conjunto das atividades e para a
Indústria de Transformação, os trabalhadores com o 5ª ano do ensino Fundamental
completo eram a maioria (21,1% dos empregados para o total das atividades e 30,4% para a
Indústria de Transformação). Em 2010, além de verificar uma melhor distribuição do nível
educacional dos trabalhadores da Construção, verifica-se que a categoria de grau de
instrução com maior parcela relativa de empregados no setor é a mesma que para o
conjunto das atividades e para a Indústria de Transformação, ainda que com um percentual
bem menor – a de pessoas com o Ensino Médio completo, que para a Construção
representava 27,7% dos trabalhadores, para o total de atividades 41,9%, e para a Indústria
de Transformação 42,7%.
Assim, a Construção ainda é um setor de grande importância para a absorção de
mão de obra menos instruída formalmente, mas já tem quadros com um perfil muito melhor
que o registrado antigamente, o que a tornaria mais apta a receber treinamento
específico.
133
Gráfico 19. Proporção (%) do emprego formal, na Construção, na Indústria de
Transformação e no conjunto de atividades econômicas, segundo e o Grau de Instrução.
Brasil, 1985 e 2010.
1985
Superior Comp.
Ind. de
Transform.
Superior Incomp.
Até 5ª Incomp.; 15
Médio Comp.
Médio Incomp.
Construção
Até 5ª Incomp.; 40
Fund. Comp.
6ª a 9ª Fund.
Todas
5ª Fund. Comp.
Até 5ª Incomp.; 14
-
10
20
30
%
Até 5ª Incomp.
40
50
Analfabeto
2010
Médio Comp.; 43
Ind. de
Transform.
Superior Comp.
Superior Incomp.
Médio Comp.
Médio Comp.; 28
Construção
Médio Incomp.
Fund. Comp.
Médio Comp.; 42
Todas
6ª a 9ª Fund.
5ª Fund. Comp.
0
10
20
30
%
40
50
Até 5ª Incomp.
Analfabeto
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE.
No Gráfico 20, apresenta-se o perfil etário dos empregados formais da Construção,
da Indústria de Transformação e em todas as atividades econômicas, em 1985 e 2010. Notase o envelhecimento do conjunto dos empregados no Brasil, com uma difícil discriminação
de comportamento. O processo de formalização das relações trabalhistas, mais acentuada
na Construção que em outros setores, faz dos números do Ministério do Trabalho
relativamente pobres para esta análise.
134
O ―envelhecimento‖ dos empregados da Construção é o esperado. Tal como ocorre
nos Estados Unidos e na Europa (FIESP, 2008), as informações recorrentes são de um
crescente desinteresse dos jovens em trabalhar em obras construtivas. Por outro lado, como
destacou Farah (1996), o fluxo de aprendizado, feito preponderantemente no canteiro de
obras, foi fortemente prejudicado pelo baixo nível de atividade nos anos que separam as
estatísticas, de forma que os trabalhadores experientes, necessariamente são em média mais
velhos em 2010 que em 1985.
Neste sentido verifica-se que se a Construção já empregava uma proporção maior de
pessoas de faixa etária mais avançada que a Indústria de Transformação em 1985 (25,7%
dos empregados formais na Construção tinham mais de 40 anos, contra 19% na Indústria de
Transformação), em 2010 isso se amplia ligeiramente (36,1% na Construção tinham mais
de 40 anos, contra 28,5% na Indústria de Transformação).
O emprego de pessoas mais velhas poderia indicar maior experiência se as
condições de empregabilidade tivessem se mantido no tempo, o que não ocorreu, mas sem
dúvida corroboram a dificuldade de contratação do pessoal jovem.
135
Gráfico 20. Proporção (%) de empregados (formais) na Construção, na Indústria de
Transformação e no conjunto de atividades econômicas, segundo a faixa etária. Brasil,
1985 e 2010.
1985
Ind. de
Transform.
65 ou mais
28,4
50 a 64
40 a 49
Construção
31,8
30 a 39
25 a 29
Todas
18 a 24
29,3
Até 17
0
5
10
15
20
25
30
35
%
2010
Ind. de
Transform.
29,8
65 ou mais
50 a 64
40 a 49
Construção
29,1
30 a 39
25 a 29
Todas
18 a 24
29,0
Até 17
0
5
10
15
20
25
30
35
%
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE.
Como provável decorrência dos fatores até aqui apresentados, observa-se no Gráfico
21, uma melhor distribuição dos rendimentos do trabalho na Construção no período recente.
Tomando o salário dos analfabetos como referência (medido em número de salários
mínimos), verifica-se que a cada nível de educação formal alcançado, os trabalhadores
obtinham um ganho relativo maior em 1985 que em 2010; ou seja, em 1985 havia uma
dispersão maior dos salários em relação ao grau de instrução do trabalhador que em 2010,
revelando a provável escassez de mão de obra experiente na Construção, mas não
necessariamente com grau elevado de ensino formal.
136
Gráfico 21. Salário dos trabalhadores da Construção, em relação à remuneração
analfabetos. Brasil, 1985 e 2010.
Educação Superior Completa
Educação Superior Incompleta
Ensino Médio Completo
Ensino Médio Incompleto
2010
Ensino Fundamental Completo
1985
Do 6ª ao 9ª ano Incompleto do Ensino …
5ª ano Completo do Ensino …
Até o 5ª ano Incompleto do Ensino …
0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE.
Em relação ao ciclo de crescimento recente, a trajetória ascendente da demanda de
obras pesadas e de edificações começou em 2004, conforme aponta o Gráfico 22, passando
a ser um importante vetor de crescimento da economia brasileira no período subsequente.
Observa-se no Gráfico 22 que em meados de 2006 o nível de atividade do segmento
rompeu com o máximo alcançado na segunda metade da década de 1990 e foi instaurado
um movimento de crescimento persistente até o penúltimo trimestre de 2008, quando o
recrudescimento da crise internacional explicitou a fragilidade de algumas empresas e o
ajuste necessário da oferta à demanda, diminuindo o ritmo de atividade do setor. O
crescimento acumulado em quatro trimestres retomou a trajetória ascendente apenas no
penúltimo trimestre de 2009. Tal foi a retomada dos negócios que já no primeiro trimestre
de 2010 o valor agregado pelo setor ultrapassava o pico de 2008. Há uma certa acomodação
do crescimento em 2011 frente a 2010, em que a atividade cresceu muito fortemente em
relação a 2009.
137
Gráfico 22. Valor Adicionado da Construção Civil. Média móvel (4 trimestres) da série
encadeada do índice trimestral (Base: média 1995 = 100). IV/1995 a IV/2011.
Média Móvel (4 trimestres, 1995:100)
165
IV 11
155
145
135
125
115
105
95
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados das Contas nacionais Trimestrais/IBGE.
Esse desempenho, sem dúvida, passou pelas políticas públicas no âmbito da
infraestrutura e da habitação, que ganharam destaque no ―gerenciamento‖ da crise. O
Gráfico 23 traz dados da Formação Bruta de Capital Fixo do setor público, sem e com os
dispêndios das Empresas Estatais Federais (IPEA, 2010a). Como pode ser observado, o
investimento público cresceu fortemente em 2008 e 2009, uma conseqüência da aceleração
dos desembolsos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007 e
mesmo dos gastos da União com o programa ―Minha casa, minha vida‖, de abril de 2009,
ultrapassando o pico de 1998. O avanço do investimento público, especialmente em
situações críticas, como a que se colocou a partir de setembro de 2008, foi um dos
elementos que conteve a deterioração das expectativas dos agentes, limitando o movimento
de descenso e, num segundo momento, propiciando taxas de crescimento em geral.
As expectativas quanto à expansão das atividades era das melhores no período,
como assinalava IPEA (2010b):
A progressiva melhora no ambiente econômico também tem impulsionado
a expansão da construção civil. A ação do governo, através do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC), e de programas habitacionais,
como Minha Casa Minha Vida, tem contribuído para o crescimento do
setor que, além da melhora nas condições de crédito, conta também com o
incentivo da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para
materiais de construção, com validade até 31 de dezembro deste ano.
Tendo em vista o alto déficit habitacional ainda existente no Brasil, as
grandes deficiências em termos de infraestrutura, e a futura realização de
138
eventos esportivos de grande vulto, as perspectivas
desenvolvimento do setor continuam bastante otimistas. (p. 10)
para
o
Gráfico 23. Investimento Público – Formação Bruta de Capital Fixo como proporção do
PIB. 1995 a 2009.
5,0
4,5
4,0
% do PIB
3,5
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
FBCF da Administração Pública
FBCF do Setor Público
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de IPEA (2010).
1
Administração Pública: União, Estados e Municípios
2
Setor Público: Administração Pública e Estatais Federais
O bom desempenho da Construção, por outro lado, começou a encontrar alguns
estrangulamentos no fornecimento de insumos e na disponibilidade de mão de obra.
A trajetória do índice especial de produção física de insumos típicos da construção
civil, do IBGE, observável no Gráfico 24, mostra o crescimento firme da produção de
insumos desde 2004, com uma rápida interrupção entre o final de 2008 e início de 2009.
Em agosto de 2010 o nível de produção do segmento ultrapassou o pico de setembro de
2008, assim como a média móvel 12 meses mostra que o profundo vale do imediato ―pós
crise‖ foi suficiente apenas para fazer com que o nível médio de produção retrocedesse para
o observado entre o final de 2007 e início de 2008 dados que corroboravam a preocupação
com a capacidade de oferta dos fornecedores locais da construção, no caso de
prosseguimento da conjuntura favorável ao setor.
139
Gráfico 24. Produção física de insumos típicos da construção civil. 2000 a 2011.
150
140
130
dez/11
120
110
100
90
80
Insumos típicos da construção civil
12 por Média Móvel (Insumos típicos da construção civil)
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PIM-PF/IBGE.
Quanto aos preços, é verdade que o setor vinha sofrendo uma certa pressão de
custos, seja por parte dos preços dos insumos, seja por parte da remuneração do trabalho,
mas pouco se sabia da trajetória dos preços de comercialização dos imóveis.
O IBGE faz um levantamento mensal de preços da construção – focado em
edificações habitacionais, saneamento e infraestrutura. Com base nos dados daquele
levantamento para o Estado de São Paulo, o crescimento do custo médio da mão de obra,
superou o dos materiais em 2007, 2010 e em 2011. Em 2008 e 2009, período em que a crise
afetou o emprego, o custo com material é que cresceu relativamente mais.
A pressão média dos custos de mão de obra se mostrou mais importante no biênio
2010/2011, quando, como mostra o Gráfico 24, o custo médio da mão de obra da
Construção apresentou tendência de ganhos em relação ao Salário Mínimo. Entre 2006 e
2009 os reajustes médios na Construção sequer estavam acompanhando os ganhos reais do
Salário Mínimo brasileiro, o que levaria a inferir que, desconsideradas as diferenças
regionais e de categorias de serviço, o mercado de trabalho não teria se mostrado um forte
empecilho ao prosseguimento dos negócios da Construção até então.
140
O crescimento real do custo médio da mão de obra da Construção entre maio de
200665 e 2011, deflacionado pelo IPCA do IBGE, foi de 17%, o de material 5% e o do
salário mínimo 18%.
Gráfico 25. Relação entre o custo médio (R$) do componente mão de obra (SINAPI) e o
salário mínimo nominal brasileiro (R$). Abril/2006 a Janeiro/2012.
0,71
0,69
0,67
0,65
0,63
0,61
jan/12
0,59
abr/06
abr/07
abr/08
Custo médio construção (mão de obra)/ salário mínimo
abr/09
abr/10
abr/11
12 por Média Móvel (Custo médio construção (mão de obra)/ salário mínimo)
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados de SINAPI/IBGE e BCB.
Desagregando os dados, é possível identificar pressões mais específicas tanto no
custo da mão de obra, como no de materiais. A Tabela 7 traz a variação de preços de alguns
itens de consumo e de especialidades da mão de obra da construção, no Estado de São
Paulo, que o IBGE disponibiliza. Observa-se ali variações bastante discrepantes e, se as
variações mais acentuadas de preços forem tomadas como sinal de escassez, de fato
poderiam estar ocorrendo dificuldades no andamento de algumas obras. Alguns itens como
os agregados (areia, pedra brita), tijolos e alguns materiais de acabamento mostravam uma
variação acentuada de preços.
Por outro lado, vários grandes fabricantes de insumos estariam anunciado
investimentos para a expansão da produção: produtores de cimento, de vidro plano, de
tubulação, de fios e cabos, de louças e metais vinham estabelecendo planos de expansão
levando em consideração, inclusive, a nova geografia da demanda (VALOR SETORIAL,
65
Maio foi o mês de correção do salário mínimo em 2006.
141
2010). As importações, antes praticamente nulas, estariam auxiliando a contornar alguns
pontos de estrangulamento.
No tocante à mão de obra, os profissionais com atividades de maior qualificação
seriam os que mais estariam tendo poder de barganha e ganhos de remuneração, como os
mestres de obra, eletricistas e ladrilheiros. Esse quadro condiz com a realidade de um setor
que durante os anos seguidos de estagnação deixou de formar trabalhadores especializados,
como já explorado. Fiesp (2008) ratifica a pouca disponibilidade de cursos técnicos e
profissionalizantes no segmento, o que deixaria o segmento vulnerável à formação “na
obra” e dificultaria a disseminação de novos materiais, métodos, etc – realidade
compatível com o longo período de estagnação vivido.
A falta de engenheiros civis foi uma queixa recorrente entre os empresários das
Edificações, mas como afirmava um membro do Sindicato dos Engenheiros do Rio de
Janeiro (SENGE-RJ), existiria um grande número de engenheiros formados que não
trabalhavam mais na área e que supririam a demanda se fossem realocados no setor (LIMA,
2010). O tempo e o custo para a reciclagem desses profissionais afastavam o interesse das
empresas da Construção, que começaram, no limite da regulação, a considerar a
possibilidade de ―importação de profissionais‖ − em um momento em que existiriam
muitos desocupados nas economias que tiveram piores impactos da crise (LIMA, 2010).
142
Tabela 7. Variação dos preços medianos (R$) de materiais e serviços da Construção no
Estado de São Paulo. Média do período em relação à média do mesmo período do ano
anterior. 2007 a 2011. Em %
2007 2008 2009 2010 2011
Material
Areia grossa lavada para concreto - m³
Pedra britada nº 2 - m³
Cimento Portland composto (CP II E-32) - saco de 50 kg
Barra de aço (vergalhão) CA-50 16,00 mm – kg
Tijolo cerâmico furado de 10 x 20 x 20 cm – milheiro
Tubo de PVC para água, roscável, de 3/4" - 6 m
Fio de cobre 1,5 mm2, com capeamento - rolo 100 m
Janela de madeira de correr, de 1,20 x 1,20 m – unidade
Cerâmica esmaltada para piso, cor lisa, de 20 x 20 cm-m²
Vaso sanitário de louça branca, autosifonado – unid
Vidro liso incolor, E=3 mm, colocado-m²
Tinta PVA, interior-exterior - gl 3,6 l
Mão de obra: referência salário/hora
Mestre-de-obras
Pedreiro
Servente
Armador
Carpinteiro de formas
Bombeiro hidráulico
Eletricista
Carpinteiro de esquadrias
Ladrilheiro
Pintor
14,8 21,9 14,2
14,9
2,0 29,3
-4,3 27,8
6,7
-10,1 22,9 23,5
23,2 10,2 12,7
-3,8 -0,6
1,9
5,4 -15,7 -11,3
1,8
1,9 18,2
-1,5
4,3
6,5
1,0
2,6
5,7
8,0
3,6
7,3
-3,8 -0,6
1,9
3,4
5,7
5,8
5,7
5,7
7,8
2,2
9,3
3,4
5,7
14,1
7,5
7,4
7,5
7,5
10,6
7,2
8,3
14,1
7,5
7,0
8,0
7,7
8,0
8,0
11,6
5,0
7,3
7,0
8,0
20,0
3,6
20,6 -0,3
-4,5
4,5
-5,8 -14,0
15,3 15,2
17,9
3,9
12,3
7,7
13,7 11,8
-0,7 -1,4
10,5
8,0
14,4 -3,7
17,9
3,9
11,2
7,9
7,8
7,9
7,9
9,6
14,2
7,0
11,2
7,9
12,9
9,2
9,2
9,2
9,2
6,7
9,1
7,2
12,9
9,2
No
Período
98,8
82,2
30,2
10,5
103,3
19,3
-4,8
55,8
7,2
30,8
32,2
19,3
58,5
44,5
44,2
44,5
44,5
55,7
43,4
45,6
58,5
44,6
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados do SINAPI/IBGE.
É importante ressaltar que a rotatividade da mão de obra, ou seja, a troca de
―emprego‖ entre os trabalhadores da construção é assinalada como um dos desestímulos ao
treinamento dos trabalhadores pelas empresas da Construção (FIESP, 2008). Sem
questionar a causalidade apontada, o Gráfico 26 corrobora a ideia de que a permanência
média do empregado da Construção no emprego é menor que na Indústria de
Transformação. O que chama a atenção, por outro lado, é que esse tempo de permanência
diminuiu na própria indústria, entre 1985 e 2010, assinalando essa prática como uma
tendência generalizada, o que torna ainda mais importante o debate em torno da
qualificação da mão de obra e sua exposição a novos insumos/métodos de produção e
organização do trabalho.
143
Gráfico 26. Proporção (%) de empregados (formais) na Construção e na Indústria de
Transformação, segundo o tempo no emprego. Brasil, 1985 e 2010.
1985
10 ou mais Anos
5,0 a 9,9 Anos
Construção
3,0 a 4,9 Anos
2,0 a 2,9 Anos
1,0 a 1,9 Anos
6,0 a 11,9 Meses
Indústria de
Transformação
3,0 a 5,9 Meses
0,0 a 2,9 Meses
0,0
10,0
20,0
30,0
2010
10 ou mais Anos
5,0 a 9,9 Anos
Construção
3,0 a 4,9 Anos
2,0 a 2,9 Anos
1,0 a 1,9 Anos
6,0 a 11,9 Meses
Indústria de
Transformação
3,0 a 5,9 Meses
0,0 a 2,9 Meses
0,0
10,0
20,0
30,0
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da RAIS/MTE.
É importante para a análise de desempenho do setor avaliar, diante desse quadro, a
lucratividade das empresas. Esta variável é central tanto para as decisões de produção,
como, e especialmente, para as decisões de investimento das firmas.
Para os contratos com valor da obra fixo, caso da maior parte das obras de
infraestrutura e das habitações voltadas para a baixa renda, no programa ―Minha Casa,
Minha Vida‖, seria possível que a pressão de custos estivesse comprimindo a lucratividade
das empresas, o que só poderia ser contornado com ganhos de produtividade, encurtamento
144
dos prazos de entrega da obra e redução dos desperdícios – elementos que em geral passam
pela modernização e pelos ganhos de escala das obras. Para a situação de obras cujos
preços se faziam ―no mercado‖, de outra forma, a lucratividade poderia estar sendo
garantida pela valorização imobiliária.
Deste ponto de vista, diversos agentes que acompanhavam o desempenho do
segmento de Edificações começaram a solicitar levantamentos, metodologicamente
adequados, de preços dos imóveis, já que se existiam dados de custos das edificações, não
havia estatísticas que mostrassem a evolução dos preços médios das unidades prontas, ou
seja, não havia parâmetros confiáveis para avaliar a valorização imobiliária e a
rentabilidade das Incorporadoras.
A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) passou a apurar um índice de
preços de imóveis em parceria com um sítio de classificados da Web (Índice FIPE ZAP de
Preços de Imóveis Anunciados) que, a despeito de não revelar exatamente o ocorrido com o
mercado de imóveis novos, uma vez que retrata a evolução dos preços dos imóveis
anunciados em geral (GOEKING, 2011), constituiu o melhor indicativo disponível da
valorização imobiliária. Segundo esse índice, conforme o gráfico 27 (abaixo), de fevereiro
de 2008 a março de 2012 os imóveis na cidade de São Paulo teriam tido seu preço médio
majorado em cerca de 133% ─ substancialmente mais que o Custo Médio da Construção
apurado pelo SINAPI (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção
Civil, que acompanha os preços de materiais e mão de obra) para o Estado de São Paulo,
que cresceu perto de 33% no período, indicando um crescimento importante do lucro
imobiliário (afora o preço dos terrenos).
145
Gráfico 27. Índices SINAPI (Estado de São Paulo) e Fipe Zap (cidade de São Paulo) –
custos da construção e valorização imobiliária. Fev/2008 a mar/2012 (fev/2008:100)
2,4
2,2
2,0
1,8
1,6
1,4
1,2
1,0
0,8
Fipe Zap
Custo médio m² SINAPI
Fonte: SINAPI/IBGE e Fipe Zap 66
Na Tabela 8 observa-se a participação das rendas do trabalho e do capital no Valor
Adicionado do setor da Construção − segundo o Sistema de Contas Nacionais, que inclui a
informalidade. Até o ano de 2007 verificava-se que o Excedente Operacional Bruto,
variável proxy da remuneração do capital, não perdia posição relativa no valor adicionado
no setor, o que se modifica em 2008 e 2009, quando há queda relativa da remuneração do
capital.
A elevação da participação das ―Remunerações‖, que representa a renda do
trabalho, vinha sendo a contraparte da queda do ―Rendimento Misto Bruto‖, que
corresponde à remuneração das famílias na atividade da Construção, a maior parte
constituindo mão de obra autônoma, com baixa qualificação e remuneração, sob relações
informais de trabalho. Em 2008 e 2009 a queda de participação da remuneração da mão de
obra ―informal‖ não foi integralmente compensada pela elevação da massa de remuneração
dos trabalhadores formais. Ou seja, há indícios de compressão dos lucros em relação à
remuneração do trabalho, o que merece atenção.
66
http://www.zap.com.br/imoveis/fipe-zap/?gclid=CIbq84f_pa8CFZFR7AodzwJaZg. Acesso em abril/2012.
146
Tabela 8. Proporção (%) das remunerações dos fatores de produção no Valor Agregado da
Construção. 2000 a 2009.
Valor Agregado
Remunerações
Rendimento Misto Bruto
Excedente Operacional Bruto
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
100 100 100 100 100 100 100 100 100 100
28
30
30
31
30
32
30
32
36
43
25
24
26
25
21
23
24
21
21
18
47
45
42
43
47
44
46
47
42
38
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados das TRUs - SCN/IBGE
O Gráfico 28 (abaixo) mostra a mesma tendência em termos de massa de
rendimentos. Até 2007 verificava-se uma tendência de elevação tanto das rendas do
trabalho ―formal‖ como do capital da Construção. O rendimento do capital, entretanto,
apresenta queda no ano de 2008, refletindo, provavelmente, a queda de atividade do último
trimestre daquele ano, que se materializou, no segmento imobiliário, na forma de
adiamento de lançamentos, dispensa de mão de obra e um ritmo mais lento das obras em
curso. Em 2009, ano de retomada dos negócios, a queda da massa de lucros se repete, em
contraposição à forte elevação da massa de rendimentos dos assalariados, que cresce
acentuadamente desde 2007.
Esse movimento pode refletir: i. o próprio ciclo produtivo da Construção, em que o
longo ciclo de produção retarda parte dos ganhos do capital; ii. a pressão do mercado de
trabalho e de custos em geral; ou iii. o padrão de demanda que se seguiu à crise, com peso
maior das Edificações, e nela um maior lançamentos de imóveis residenciais para a baixa e
média-baixa renda, que em geral garante margens mais apertadas ao capital. Seja como for,
a compressão da remuneração do capital, se não for momentânea, constitui um mau
sinalizador aos investimentos.
147
Gráfico 28. Massa de rendimentos brutos da Construção (R$ milhões de 2009*), de 2000 a
2009.
12,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
2000
2001
2002
Brasil
2003
2004
China
2005
2006
India
2007
2008
2009
2010
Federação Russa
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados das TRUs - SCN/IBGE
* Deflator do SCN
Os dados mais gerais de desempenho da Construção e seus sub-segmentos são
organizados pela PAIC/IBGE (Pesquisa Anual da Indústria da Construção), que a partir de
2010 passou a divulgar seus resultados segundo a versão 2.0 da CNAE (ano de referência
2008, com os dados retroagindo a 2007, na mesma nomenclatura), descontinuando as
estatísticas, não apenas de segmentos de atividade, mas também de produtos.
Observando a estrutura de custos do conjunto de empresas formalmente
estabelecidas da Construção (incluindo, portanto, as empresas da Construção Pesada),
verifica-se pelos resultados da PAIC 2007 e 2009 que os itens que apresentaram elevação
na participação no custo médio do setor foram: i.Obras e/ou serviços contratados a
terceiros, com elevação de 0,8% nos custos totais ─ ou seja, cresceu a terceirização e a
contratação de trabalhadores autônomos (incluindo os gastos com os trabalhadores sem
vínculo, não considerados como assalariados); ii. os custos e despesas com terrenos, com
peso majorado em 0,8% dos custos totais ─ sendo contabilizada apenas a parte do terreno
apropriada no ano; iii. Gastos de pessoal, com peso majorado em 1,8% ─ que engloba
além dos gastos com salários, as retiradas e outras remunerações; as contribuições para
previdência pública e privada, o FGTS, as indenizações trabalhistas e por dispensas
incentivadas e benefícios concedidos aos empregados; iv. Aluguéis e arrendamentos,
com peso majorado em 0,6% dos custos totais – incluindo despesas com imóveis,
148
máquinas, equipamentos e veículos; v. Variações monetárias passivas e despesas
financeiras, com peso majorado em 0,7% – as primeiras referem-se a perdas de câmbio,
correção monetária e outras atualizações não prefixadas de contratos, as segundas são
relativas aos juros, aos descontos de títulos de créditos, ao deságio na colocação de
debêntures ou outros títulos.
Assim, o gasto de pessoal se firma, então, como uma importante pressão de custos,
mas já incluindo a remuneração dos executivos (inclusive os bônus) e as retiradas de
sócios, avançando 1,8% no custo total. A terceirização/subcontratação, os custos com
terrenos e financeiros, juntos, avançaram 2,4% na estrutura de custos do período. O
consumo de materiais, assim como os impostos e taxas67, não oneraram as empresas além
da média ─ pelo contrário, tiveram sua participação no custo total diminuída no período.
É verdade que a evolução do emprego no setor, sem dúvida mostra mudanças
qualitativas importantes em relação ao custo do trabalho. Houve não apenas um forte
crescimento do número de ocupados, mas uma crescente formalização desses vínculos ao
longo dos anos 200068, o que certamente significou um avanço das contribuições sociais
pagas no custo total das empresas mas, conforme os dados do Gráfico 25, os ganhos reais
dos salários dos trabalhadores da Construção não constituíram uma pressão importante ─
com algum destaque apenas a partir de 2010.
A queda da rentabilidade pode estar se materializando em maior
conservadorismo em relação aos investimentos. Ao tomar como proxy do investimento
no segmento a produção de bens de capital para a Construção, medida pelo IBGE, e
desconsiderando o comércio internacional desses equipamentos (as exportações e
importações), verifica-se que se o nível médio de produção de insumos para a Construção
em 2011 estava 24% acima da média de 2006 (Gráfico 24, acima), no caso dos bens de
capital, em 2011 produziu-se em média 36% mais bens de capital para a construção que em
2006 (Gráfico 29, abaixo). Ou seja, reconhecida as limitações de interpretação desses
dados, poder-se-ia dizer que houve sim um processo de mecanização importante no período
que retrocedeu a partir de meados de 2011.
67
Na PAIC os impostos e taxas se referem aos gastos com IPTU, ITR, IPVA, etc. Não incluem os impostos constantes das
deduções da receita bruta (IPI, ISS, COFINS, etc.), nem a despesa com provisão para o Imposto de Renda (IBGE, 2011).
68
O Sistema de Conta Nacionais aponta que se no início da década (ano 2000), 18,0% dos ocupados tinham suas vagas
legalmente estabelecidas no setor da Construção, em 2009 essa proporção subiu para 30,1%. Essa melhora, entretanto,
ainda não leva o setor à situação média do país ¬ onde a proporção média de vínculos formais 2009 era de 47%, e na
Indústria de Transformação, 61,7%.
149
Os bens de capital arrolados no índice especial do IBGE são os tratores (exclusive
agrícolas e florestais), as carregadoras-transportadoras, as máquinas compactadoras
(inclusive rolos compressores), as escavadeiras, as máquinas e aparelhos. automotrizes
p/espalhar e calcar pavimentos betuminosos e os motoniveladores – o seja, compreendem
tanto os equipamentos usados nas obras de infraestrutura como nas etapas brutas das obras
de edificação, restringindo-se a bens de produção tradicionais, cujo crescimento do uso
deve estar associado sem dúvida ao crescimento do nível de atividade, e, em alguma
proporção, à melhor organização dos canteiros de obra. Os investimentos em
modernização, nas Edificações, ficam a ser comprovados qualitativamente.
Gráfico 29. Produção física de bens de capital para a Construção. jan/2000 a dez/2011.
350
300
250
200
dez/11
150
100
50
0
Bens de ca pita l pa ra construçã o
12 por Média Móvel (Bens de ca pita l pa ra construçã o)
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados da PIM-PF/IBGE.
A despeito de todas as mudanças estruturais e conjunturais apontadas, o Gráfico 30
mostra que no período recente houve uma pequena elevação da produtividade agregada do
trabalho do setor da Construção brasileiro. Segundo o quociente resultante do valor
agregado do segmento, a preços de 2009, e a ocupação, não é acentuada a tendência de
geração de mais valor por ocupado, já que a evolução positiva do nível de atividade foi
seguida pelo crescimento da ocupação, de forma que o quociente entre as variáveis pouco
mudou (especialmente frente às metas estabelecidas).
Ponta a ponta, a variação do valor agregado por ocupado entre 2006 e 2009 foi de
6,8%, (2,2% ao ano) e, na comparação da média dos cinco anos que se encerram naqueles
anos, o crescimento teria sido de 0,7% (ou 0,2% ao ano).
150
Gráfico 30. Produtividade na Construção. 2000 a 2009 (R$ de 2009*)
22.000
R$/Ocupado
21.500
21.000
20.500
20.000
19.500
19.000
2000
2001
2002
VA por Ocupado (R$)
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
5 por Média Móvel (VA por Ocupado (R$))
Fonte: Elaboração da autora, com base em dados das TRUs - SCN/IBGE
* Deflator do SCN
Uma razão cabível para o ―atraso‖ dos bons resultados em termos de produtividade
ao longo deste ciclo seria a mudança no mix de obras. Sem dúvida uma parcela crescente
das obras edificadas nos anos recentes foi de empreendimentos imobiliários residenciais,
que, se se admite o segmento menos produtivo da Construção, poderia conter o avanço
médio do indicador.
Outro argumento possível é que a formalização do emprego comprometeu o
indicador já que os ―mesmos‖ ocupados, em termos de produtividade física, passaram a
custar mais para as empresas, devido a formalização das relações trabalhistas. Para checar
este argumento é possível somar ao valor agregado da Construção as Contribuições Sociais
Efetivas pagas pela empresas, ou seja, eliminar o ―custo‖ da formalização das relações
trabalhistas do valor gerado pelo setor. Assim fazendo, há pouca melhora de desempenho
do índice: entre 2006 e 2009 a produtividade, nessa formulação, cresceria ponta a ponta
10,1% (3,3% ao ano), e segundo a média dos cinco anos encerrados naquelas datas 1% (ou
0,3% ao ano).
Um terceiro argumento, que também tem fundamento e que carece de
dimensionamento, é que a expansão dos negócios se deu em direção a regiões do país
em que a eficiência produtiva naturalmente é menor, pela distância dos centros
produtores de matéria-prima e pela indisponibilidade de mão de obra experiente,
comprometendo o resultado médio do país. De fato, como se verá no item 3.4. as grandes
151
empresas da Edificação do país, por suposto as mais eficientes e que concentram boa parte
da mão de obra mais experiente, mantinham suas operações preferencialmente na Região
Centro-Sul do país (e em especial nas Regiões Metropolitanas), padrão regional que mudou
bastante no ciclo recente. Segundo dados da RAIS/MTE de emprego formal, o Sudeste,
região que emprega o maior contingente da Construção Civil brasileira69, apresentou um
crescimento do emprego relativo à média do país negativo (-11,4%) entre 1985 e 2010.
Para o mesmo período, o crescimento observado no Nordeste foi 9,4% maior que a média
nacional, no Sul, 13%, no Centro-Oeste 19,5% e na Região Norte, 28,8%.
Esse movimento de desconcentração regional e de queda de produtividade média
por integrar essas novas áreas, entretanto, deveria ser o esperado, pela configuração do
déficit habitacional brasileiro e pelo modus operandi do capital neste setor, que faz da
parceria com produtores locais sua forma primeira de expansão ─ padrão que se
reforçou no período da globalização.
3.3. Edificações – estrutura e desempenho
O segmento produtor de Edificações brasileiro, tal como hoje conhecido, se
conformou no bojo dos projetos desenvolvimentistas, e se consolidou, em grande
proporção, com a organização e execução do SFH. Trata-se de um segmento heterogêneo,
com poucas grandes empresas, que se destacam pelos conhecimentos técnicos e capacidade
financeira, frente a uma massa de pequenas unidades, na maior parte pouco especializadas,
que muitas vezes trabalham em torno das maiores, em sistema de subcontratação (Chaves,
1985; Farah, 1996). Esse padrão heterogêneo é típico do segmento, encontrado igualmente
nos Estados Unidos, ou Europa (FIESP, 2008).
Como já explorado, trata-se de um segmento produtor com características
manufatureiras que, a despeito de ter incorporado materiais e mesmo algumas
práticas de gestão relativamente modernas, não tem apresentado ganhos de eficiência
relevantes. Farah (1996), que descarta a possibilidade de o segmento produtivo ser
indiferente à lucratividade operacional, afirma que a compressão de custos na Edificação
residencial brasileira vinha sendo garantida pela ―via mais fácil‖ até os anos 1980 − pela
diminuição da área útil dos empreendimentos, pela queda da qualidade dos insumos e
69
55,2% do emprego formal total do setor em 1985, segundo a RAIS/MTE.
152
pela elevação da subcontratação, com crescente precarização das condições de trabalho.
Sabbatini (1998) sugere um quadro semelhante para a década seguinte, mas alerta para a
crescente exigência dos consumidores − que à época se restringiam especialmente às
famílias de média-alta e alta renda.
Farah (1996) apontou, ainda, que a construção habitacional para a baixa renda
teria sido a parcela das Edificações no Brasil que mais teria incorporado novos
insumos nos anos 1970 e mesmo nos 1980, mas que sem assumir mudanças
organizacionais, a modernização tornou-se praticamente episódica, não definitiva. A
modernização teria se dado sobretudo no uso de pré-fabricados para obras específicas, dos
grandes conjuntos habitacionais, cuja fabricação findou com o fim dos grandes projetos e
pouco afetou o modo de produzir tradicional do setor. Como apresentado na seção 2.1.,
classificou-se o fenômeno ali contido de industrialização da construção irresponsável, já
que resultou em prédios residenciais com patologias que foram se mostrando com o tempo.
Por outro lado, o quadro geral dos anos 1980 e 1990 ─ a alta inflação, a inexistência
de esquemas de financiamento adequados (seja à produção, seja à comercialização de
imóveis), o perfil da demanda ─ levou a uma importância cada vez maior dos
departamentos administrativo-financeiros nas empresas de Edificações. Através de
inovações financeiras, as incorporadoras iam contornando as restrições da demanda,
como, por exemplo, o ―Plano 100‖, da Rossi, em que a incorporadora financiava o imóvel
em 100 parcelas ao cliente que não dispunha de alternativas de crédito. Esse modus
operandi certamente afetou o perfil das empresas e dos profissionais envolvidos no negócio
da Edificação e chegou mesmo a afetar a formação nas escolas de Engenharia Civil, que
acabava por reservar na grade curricular um espaço maior para o ensino de técnicas
administrativo-financeiras.
Vasconcelos e Cândido (1996) falam sobre o período:
Uma das resultantes do encolhimento do sistema formal de financiamento
de imóveis foi uma enorme desintermediação financeira do setor. As
construtoras e incorporadoras não tiveram outra escolha se não o
oferecimento de financiamentos diretos aos seus compradores, por meio
de parcelamento do preço de venda dos imóveis ou modelos de
autofinanciamento baseados em consórcios. Tais soluções nasceram
tímidas e desacreditadas pelo mercado, mas com o passar do tempo e com
a criatividade dos empresários da construção civil, passaram efetivamente
a ocupar o espaço deixado pelo sistema financeiro. (p.18, grifo nosso)
153
Assim tanto o esforço financeiro para atender a demanda, quanto o controle
monetário dos custos, em que a administração das compras de insumos na alta inflação
poderia representar ganhos ou perdas significativos para quem edificava, desviavam o foco
da eficiência produtiva na obra, de forma mais estrita. Atividades como a compra de
materiais, a gestão dos pagamentos dos clientes, etc., em uma situação de alta inflação,
teriam impacto mais relevante na rentabilidade das empresas que o controle do desperdício
nos canteiros, por exemplo. De outro modo, também é bastante razoável afirmar que a
mobilização do caixa para financiar os clientes para além do prazo da construção, já
bastante longo, tornaria ainda mais distante a possibilidade do investimento modernizante
no próprio segmento.
A estabilização monetária, com o Plano Real, deste ponto de vista, representou uma
mudança de padrão de operação importantíssima ao segmento. Um dos eventos mais
marcantes do período no setor foi o desgaste e a falência da Encol, a maior
incorporadora brasileira à época (em 1999). Seu ex-dono credita parte importante das
causas dessa falência à transição que o Plano impôs às empresas do setor, que aliou a queda
abrupta da inflação e a manutenção de altíssimas taxas de juros reais (ROCHA, 2010). Seja
como for, nesse período as empresas procuraram se atualizar tecnologicamente o que se
classificou por "industrialização sutil" (1996-2000), em que se generalizou o uso de alguns
componentes modernos na Edificação.
A quebra da Encol foi um marco para o setor, já que paralisou os negócios, que
se não contava com um sistema de crédito oficial funcional, deixou de contar com o
esquema de financiamento das grandes incorporadoras, já que foi aberto um período de
grande desconfiança entre os demandantes e as construtoras, entre os fornecedores de
insumos e serviços e as construtoras, entre o sistema bancário e o segmento da Edificação.
Parte das reformas institucionais da primeira metade dos anos 2000 também teve esse
evento como ponto de partida (entre elas a instituição do Patrimônio de Afetação).
Acredita-se que hipertrofia financeira das empresas da Edificação brasileira,
por sua vez, longe de ser mal vista pelo capital internacional, com as características
exploradas no primeiro capítulo do estudo, pode ter sido um dos atrativos ao mercado local.
As incorporadoras brasileiras já teriam uma tradição como gestoras financeiras do
negócio imobiliário, o que se repõe no ciclo de crescimento recente não pela lógica da
154
inflação e da ausência do crédito à comercialização dos imóveis, mas pelo novo modus
operandi do capital.
Para explorar a diferença de operação das Construtoras e Incorporadoras no período
recente, é possível se valer da estrutura ocupacional média de uma e outra empresa,
apresentada pela RAIS. Segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas
(versão 2.0), utilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego naquele levantamento, as
empresas que têm como atividade principal a ―Construção de Edifícios‖ constroem prédios
residenciais, comerciais e industriais de qualquer tipo e a construção de edifícios destinados
a outros usos específicos, fazem as reformas e manutenções correntes de edifícios já
existentes e a montagem de edifícios e casas pré-moldadas ou pré-fabricadas de qualquer
material, quando não realizadas pelo próprio fabricante. Já as Incorporadoras promovem a
realização de empreendimentos imobiliários, residenciais ou não, provendo recursos
financeiros, técnicos e materiais para a sua execução e posterior venda, não compreendendo
a construção de edifícios, a compra e venda de imóveis por conta própria e os serviços de
arquitetura e de engenharia.
É importante salientar que a classificação das unidades produtoras nos
levantamentos aqui explorados remete à atividade principal das empresas, mas não raro as
incorporadoras têm suas próprias construtoras e/ou escritórios de engenharia, como
empresas independentes ou ―subordinadas‖, como atividades secundárias algo que se
confirmará na próxima seção.
A Tabela 9 traz as 15 principais categorias profissionais registradas pelas
Incorporadoras e Construtoras em dezembro de 2009, segundo a Classificação Brasileira de
Ocupações (2002) – período em que a retomada de negócios, ao menos no segmento
residencial, já era firme.
Tanto as incorporadoras como as construtoras tinham como categorias de ocupação
com maior contingente os ―trabalhadores da construção civil e obras públicas‖ e os
―ajudantes de obras‖70 – sendo que nas construtoras os primeiros apresentavam um peso
3,4% maior que nas incorporadoras no emprego gerado e os segundos 7,1%. Ou seja, a mão
de obra típica da etapa de edificação era menos importante para as Incorporadoras que para
as Construtoras, como esperado.
70
Vale lembrar que a RAIS contabiliza apenas o emprego formal.
155
Somando às categorias de ocupação acima arroladas os ―trabalhadores de
acabamento de obras‖ e os ―supervisores da extração mineral e da construção civil‖ e
tomando esse conjunto como o de trabalhadores que melhor representam a atividade de
edificação mais estrita (de consecução da obra), esses trabalhadores representavam 60,1%
do emprego nas Incorporadoras (38,5% da massa salarial) e 71,9% nas Construtoras (59,1%
da massa salarial).
As ―atividades de engenharia e arquitetura‖, por outro lado, representam 2,1% do
emprego nas Incorporadoras (8,3% da massa salarial) e 1,6% nas Construtoras (6,6% da
massa salarial).
Tomando as categorias ―escriturários em geral, agentes, assistentes e auxiliares
administrativos‖, ―Trabalhadores nos serviços de administração, conservação e manutenção
de edifícios e logradouros‖, ―Profissionais de organização e administração de empresas e
afins‖ e ―Trabalhadores de informações ao público‖ como representantes da estrutura
―burocrática‖ da empresa, esse conjunto de empregados representava 15,9% dos ocupados
nas Incorporadoras (19,6% da massa salarial) e 7,8% nas Construtoras (7,5% da massa
salarial).
Ou seja, nas Incorporadoras, tal como a sua função primeira exige, há um peso
maior de pessoal voltado à estrutura burocrática, e mesmo técnica, de nível superior, que
nas Construtoras, que têm como atividade principal erigir prédios.
Quanto aos salários médios, nota-se que as Incorporadoras apresentam um nível de
remuneração superior à paga pelas Construtoras. Para o pessoal ocupado diretamente na
construção, o nível médio de remuneração 71 é 9,1% maior nas incorporadoras, no corpo
burocrático de menor especialização, 7,6%. Em relação aos engenheiros e arquitetos esse
desnível vai a 36,3% e na alta gerência cresce ainda mais.
Compondo a diretoria pelos profissionais classificados como ―Diretores de
produção e operações‖, ―Diretores gerais‖, ―Diretores de áreas de apoio‖ e ―Diretores e
gerentes em empresa de serviços de saúde, de educação, ou de serviços culturais, sociais ou
pessoais‖, nas Incorporadoras esse conjunto de profissionais representava 0,35% do
emprego, 3,59% da massa salarial e a remuneração média paga em dezembro de 2009 foi
71
Dado pela divisão da massa salarial pelo número de empregados.
156
de R$ 14.146,39. Nas Construtoras esses valores eram de 0,10% do emprego, 0,72% da
massa salarial e a remuneração média foi de R$ 7.437,7 – ou seja, o corpo diretor das
Incorporadoras apresentou uma remuneração média 90% maior que o outro grupo.
Vale ainda, e com o mesmo objetivo de diferenciar o negócio da Incorporação do da
Construção, destacar a relevância dos advogados72 para um e outro grupo de empresas: nas
Incorporadoras aqueles profissionais representavam 0,38% do emprego, 1,43% da massa de
remunerações e auferiam uma renda média de R$ 5.237,54; nas Construtoras eles eram
0,07% do emprego, 0,23% da massa salarial e o salário médio era de R$ 3.360,57. Assim,
os advogados das Incorporadoras tiveram uma remuneração média 55% maior que os das
Construtoras.
Esses dados revelam uma estrutura diferenciada de atividade e de remuneração,
corroborando uma estrutura mais técnica e possivelmente mais agressiva nos negócios nas
Incorporadoras que nas Construtoras.
72
Advogados, procuradores, tabeliães e afins.
157
Tabela 9. Estrutura de emprego formal e rendimento médio (R$) em empresas
incorporadoras e construtoras no ano de 2009.
Subgrupo Ocupacional
Emprego em
31/12
% do Total
Rendimento
médio (R$)
GRUPO 411 - Incorporação de empreendimentos imobiliários
Trabalhadores da construção civil e obras públicas
Ajudantes de obras
Escriturários em geral, agentes, assistentes e auxiliares
administrativos
Supervisores da extração mineral e da construção civil
Trabalhadores nos serviços de proteção e segurança
Trab nos serviços de administração, conservação e
manutenção de edifícios e logradouros
Engenheiros, arquitetos e afins
Profissionais de organização e administração de empresas e
afins
Condutores de veículos e operadores de equipamentos de
elevação e de movimentação de cargas
Gerentes de áreas de apoio
Trabalhadores de acabamento de obras
Escriturários de controle de materiais e de apoio à produção
Trabalhadores de informações ao público
Trab de montagem de tubulações, estruturas metálicas e de
compósitos
Supervisores de serviços administrativos (exceto de
atendimento ao público
Demais Empregos
Total
26.143
23.307
9.247
29,4
26,2
10,4
969,93
635,19
1.658,33
2.643
2.113
1.861
3
2,4
2,1
2.205,43
865,13
678,05
1.840
1.805
2,1
2
5.508,92
3.567,50
1.660
1,9
1.235,96
1.563
1.341
1.264
1.244
1.173
1,8
1,5
1,4
1,4
1,3
5.261,12
922
1.161
794
1.029
920
1
3.448
10.842
88.966
12,2
100
GRUPO 412 - Construção de edifícios
Ajudantes de obras
Trabalhadores da construção civil e obras públicas
Escriturários em geral, agentes, assistentes e auxiliares
administrativos
Supervisores da extração mineral e da construção civil
Trab nos serviços de administração, conservação e
manutenção de edifícios e logradouros
Condutores de veículos e operadores de equipamentos de
elevação e de movimentação de cargas
Trab de montagem de tubulações, estruturas metálicas e de
compósitos
Trabalhadores de acabamento de obras
Trabalhadores nos serviços de proteção e segurança
Engenheiros, arquitetos e afins
Escriturários de controle de materiais e de apoio À produção
Técnicos em construção civil, de edificações e obras de
infraestrutura
Trabalhadores elementares da manutenção
Técnicos das ciências administrativas
Gerentes de áreas de apoio
Demais Empregos
Total
289.360
284.822
33,3
32,8
622,79
883,79
37.621
4,3
1.103,02
32.214
3,7
1.792,07
22.026
2,5
624,56
20.188
2,3
1.059,55
18.962
2,2
1.107,00
18.072
14.711
14.028
12.855
2,1
1,7
1,6
1,5
903,87
817,18
4.042,71
1.021
7.555
0,9
1.787
6.500
6.409
5.060
77.708
868.091
0,7
0,7
0,6
9
100
764
2.390
3.190
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da RAIS/MTE.
Os dados de número de empresas e de emprego ao longo do tempo apontam para
um maior dinamismo no segmento das Incorporadoras neste ciclo de crescimento.
158
Na Tabela 10 consta o número de empresas, por número de empregados
formalmente contratados, nos anos de 2006 e 2010, segundo a RAIS. Ainda que o período
seja curto, o recorte temporal se deve à disponibilidade de dados na mesma versão CNAE 73,
que acabou por coincidir com o período de maior dinamismo do segmento e, por suposto,
de maiores transformações no setor – não havendo perdas significativas à análise, portanto.
De dezembro de 2006 a dezembro de 2010 houve um crescimento de 55% no
número de empresas e de 90% no número de empregados da divisão ―Construção de
Edifícios‖, reflexo do bom nível de atividade do segmento. Como pode ser observado nos
dados da Tabela 10, ainda que o número de Incorporadoras em 2010 representasse 14,8%
do total de Construtoras, o maior crescimento se concentrou entre aquelas empresas – sendo
que o volume de emprego nas Incorporadoras quase triplicou entre 2006 e 2010.
Outra relação que chama atenção é a de crescimento do número de empresas por
faixa de número de empregados. A forte presença de empresas de até 49 empregados em
ambos os segmentos, não condiz com a ideia de um setor concentrado, mas é inegável que
as empresas de maior porte foram as que mais estão cresceram.
Em 2006 não existiam Incorporadoras com 1000 empregados ou mais, e em 2010
havia uma empresa com esse número de empregados. Da mesma forma, era uma empresa
de 500 a 999 empregados em 2006 e, em 2010, elas passaram a ser quinze. Entre as
Construtoras, de 2006 e 2010 registrou-se mais vinte e nove empresas com 1000
empregados ou mais (crescimento de 240%), e quarenta e quatro com de 500 a 999
empregados (crescimento de 80%).
Esses dados condizem tanto com o processo de consolidação que se observou no
mercado (explorado em termos microeconômicos na próxima seção), como com as
necessidades geradas pela viabilização da demanda habitacional que, ao caminhar no
sentido de suprir a demanda da população de baixa renda, dispersa geograficamente
pelo Brasil, exige escala na produção.
Segundo o Cadastro Central de Empresas, do IBGE, as 12 maiores Incorporadoras
empregavam 5,8% da mão de obra ocupada no segmento em 2006 e em 2009 passaram a
representar 18,2% ─ triplicando o percentual do emprego gerado, em apenas três anos. No
73
Na versão 1.0 da CNAE não seria possível distinguir o desempenho das incorporadoras.
159
mesmo período a importância das maiores Construtoras para a geração de ocupações
cresceu de forma mais modesta de 4,8% para 6,03%. Dado o maior peso das Construtoras,
a concentração da ocupação nas 12 maiores empresas em ambos os segmentos se elevou em
1,17%, o que não é desprezível, já que na Indústria de Transformação o peso das 12
maiores empresas na geração de ocupações aumentou apenas 0,38% no período.
Tabela 10. Número de empresas formalmente estabelecidas no setor de Construção de
Edifícios, por tamanho, com ao menos um empregado. 2006 e 2010.
Período
2006
2010
Variação
(%) no
período
Tamanho
do Estabelecimento
Até 49
de 50 A 99
de 100 A 249
de 250 A 499
de 500 A 999
1000 ou mais
Total
Até 49
de 50 A 99
de 100 A 249
de 250 A 499
de 500 A 999
1000 ou mais
Total
Até 49
de 50 A 99
de 100 A 249
de 250 A 499
de 500 A 999
1000 ou mais
Total
Grupo 411 - Incorporação de
Grupo 412 - Construção de Edifícios
Empreendimentos Imobiliários
EstabeleEmpreTamanho
EstabeleEmpreTamanho
cimentos
gados
Médio
cimentos
gados
Médio
5.400
29.153
5
38.129 283.633
7
99
6.777
68
1.329
91.470
69
28
4.101
146
665
99.375
149
13
4.578
352
173
57.295
331
1
658
658
55
36.280
660
12
17.090
1.424
5.541
45.267
8,2
40.363 585.143
14,5
8.640
56.702
7
57.535 446.888
8
279
19.534
70
2.351 162.036
69
171
25.312
148
1410 211.260
150
35
11.283
322
345 117.525
341
15
10.056
670
99
67.042
677
1
1865
1.865
41
67.646
1.650
9.141
124.752
14
61.781 1.072.39
17
60,0
94,5
31,3
50,9
57,6
11,0
181,8
188,2
3,0
76,9
77,1
-0,1
510,7
517,2
1,4
112,0
112,6
0,6
169,2
146,5
-8,4
99,4
105,1
2,9
1.400,0
1.428,3
1,9
80,0
84,8
2,6
241,7
295,8
15,9
65,0
175,6
66,4
53,1
83,3
19,7
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da RAIS/MTE.
O Gráfico 31 traz a evolução da contribuição ao valor agregado das empresas do
grupo ―Construção de edifícios e obras de engenharia civil‖, por número de ocupados, que
na versão 1.0 da CNAE agregava aos resultados das Construtoras o de empresas que
produziam algumas obras de engenharia (obras viárias, de montagem, etc). Aqueles dados
mostram uma crescente contribuição das grandes empresas para a geração de valor no
segmento.
As empresas de 500 ou mais ocupados contribuíram com 23% do valor agregado
pela ―Construção de edifícios e obras de engenharia civil‖ em 2000 e 41% em 2007, o que
contrasta com a queda de contribuição de praticamente todos os outros grupos de empresas.
160
Gráfico 32. Contribuição (%) das empresas (com 5 ou mais ocupados), por número de
ocupados, ao crescimento do valor adicionado do grupo ―Construção de Edifícios‖,
segundo o tamanho. 2008 e 2009.
100%
90%
80%
17,8
12,1
70%
60%
24,9
10,7
250 a 499
18,6
17,2
50%
40%
30%
15,0
10,8
15,2
100 a 249
50 a 99
30 a 49
10,6
5 a 29
20%
10%
500 e mais
25,7
21,3
2008
2009
0%
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PAIC/IBGE.
Informações como a queda de importância do Rendimento Misto Bruto nas rendas
geradas pelo setor (Tabela 8), de elevação da formalização dos empregos e de crescimento
de importância das grandes empresas no valor agregado do segmento de edificações levam
a inferir que haja um movimento de crescente formalização e profissionalização do
setor. Ou seja, parte das obras antes empreendidas na forma de “autoconstrução”,
informal, deve estar sendo erigida por empresas formalmente estabelecidas –
movimento não livre, ainda, de regressão.
As Tabelas 11 e 12 trazem os diversos tipos de obras e/ou serviços executados pelas
empresas de Construção (os produtos das edificações), de 30 ou mais ocupados, que podem
ser utilizados como uma proxy da demanda de edificações. A Tabela 11 traz dados na
CNAE versão 1.0 e a Tabela 12 na versão 2.0.
Segundo IBGE (2010), na estrutura 1.0 da CNAE, para a Construção como um todo,
54 produtos da construção eram explorados em seis grupos de atividades74; e na da CNAE
2.0 passou-se a relacionar 84 produtos da construção, agregados em três divisões que
compreendem nove grupos de atividade (p.35).
74
Segundo a classificação PRODILIST, em
(http://www.ibge.gov.br/concla/prodlistconstrucao/PRODLIST_CONSTRUCAO_Rev2.xls).
162
Na Tabela 11 consta o valor real das obras de 7 produtos das edificações e na
Tabela 12, além dos resultados das Incorporadoras, 9 produtos do grupo ―Construção de
Edifícios‖ (Construtoras).
O valor real do serviço de Incorporação de Empreendimentos Imobiliários,
executado exclusivamente por terceiros, acumulou uma queda entre 2007 e 2009,
indicando, possivelmente, que o crescimento da atividade de Incorporar está se dando
por empresas Construtoras (verticalizadas), que possuem a atividade de Incorporar
como secundária75. A Construção de Edifícios, por sua vez, apresentou um crescimento
contínuo e substancial desde 2006.
Entre os produtos, nota-se que as edificações residenciais compreendem a maior
parte do valor da produção do segmento. Tanto na versão antiga, como na nova
classificação de produtos (PRODLIST Construção), as edificações residenciais constituem
cerca de 45% do valor das obras, com participação crescente no resultado geral das
Edificações dos últimos anos.
De acordo com as Tabelas 11 e 12 observa-se que o valor real das obras residenciais
em 2007 voltou ao nível de 2004 e que, em 2009, aquele valor cresceu mais de 50% em
relação a 2007, de forma que a edificação residencial representou 23,9% do crescimento da
―Construção de edifícios‖ no período 2007-2009.
O valor das obras de cunho comercial, por sua vez, tem crescido de forma tão
acentuada que embora envolva um montante muito menor que o das edificações
residenciais, tem contribuído de forma relevante para o desempenho do grupo. A sua
contribuição ao crescimento, seja ao segmento de Edificações (CNAE 1.0), seja ao de
Construção de Edifícios (CNAE 2.0), superou o da própria construção residencial até 2007
e o valor total das obras comerciais tem batido, nos últimos anos, o valor das obras para
fins industriais, ampliando a sua importância relativa ano a ano.
Passando aos serviços prestados por empresas do segmento, o desdobramento dos
produtos da construção civil, adotado junto à CNAE 2.0, irá permitir o acompanhamento da
evolução tanto do valor dos serviços de montagem de edificações residenciais e não75
Faz-se notar o menor número de empresas classificadas como Incorporadoras pela PAIC que pela RAIS. Em 2009 eram
contabilizadas 330 incorporadoras com 50 ou mais empregados na RAIS contra 132 na PAIC (com 30 ocupados ou mais),
que considera não apenas a auto-classificação da atividade principal da empresa, mas também a proporção do valor
agregado na atividade específica de incorporar, em relação ao total, para fins de classificação.
163
residenciais como do das reformas e manutenção daqueles dois tipos de edificações. O
acompanhamento do valor desses serviços auxiliará na avaliação tanto da utilização de préfabricados nas edificações brasileiras como da profissionalização do segmento de reformas
e manutenção predial, que em geral aceita-se como fortemente informal.
Como é observável nos dados, o valor real das obras de todos esses serviços cresceu
substancialmente entre 2007 e 2009 – 100% nos ―Serviços de Montagem de Edifícios Nãoresidenciais Pré-fabricados‖, 189,5% nos de ―Montagem de Edifícios Residenciais Préfabricados‖, 18,2% nos serviços de ―Reforma ou Manutenção de Edifícios Nãoresidenciais‖ e 109,8% nos de ―Reforma ou Manutenção de Edifícios Residenciais‖. A
contribuição mais relevante ao crescimento do grupo ―Construção de Edifícios‖, se deu,
entretanto, apenas pelos ―Serviços de Reforma e Manutenção de Edifícios Nãoresidenciais‖, que por envolver um volume maior de recursos, contribui mais aos resultados
do segmento.
Vale observar, finalmente, que ainda que a CNAE versão 2.0 tenha desdobrado
tanto o número de sub-setores de atividade da Construção, como o número de produtos a
serem objeto de observação, a soma dos resultados parciais na versão 2.0 não leva aos
resultados da classificação anterior. Na correspondência entre a CNAE 2.0 e a 1.0, IBGE
(2010) indica como principal diferenciação a exclusão dos resultados da ―Construção de
Instalações Esportivas e Recreativas‖ ao ar livre e a administração de obras na versão mais
nova – o que não deve corresponder integralmente à diferença de montante observado.
164
Tabela 11. Valor total das obras e/ou serviços do setor de edificações, das empresas com 30
ou mais ocupados, por tipo de obra ou serviço (R$ milhões de 2009*). 2003 a 2007.
2005
2006
2007
Edificações
44.913
49.211
48.490
Edificações residenciais
22.897
25.905
22.744
Edificações industriais
7.019
7.750
7.765
Edificações comerciais
4.831
4.439
7.041
Outras edificações não-residenciais
7.690
9.823
9.598
Partes de edificações
864
471
578
Instalações desportivas
321
400
370
Montagem de edificações pré-fabricadas
1.291
423
393
Participação no valor total das obras e/ou serviços
Edificações
100,0
100,0
100,0
Edificações residenciais
51,0
52,6
46,9
Edificações industriais
15,6
15,7
16,0
Edificações comerciais
10,8
9,0
14,5
Outras edificações não-residenciais
17,1
20,0
19,8
Partes de edificações
1,9
1,0
1,2
Instalações desportivas
0,7
0,8
0,8
Montagem de edificações pré-fabricadas
2,9
0,9
0,8
Composição do crescimento (em %) das Edificações
Edificações
-5,1
9,6
-1,5
Edificações residenciais
-4,9
6,7
-6,4
Edificações industriais
-0,3
1,6
0,0
Edificações comerciais
2,3
-0,9
5,3
Outras edificações não-residenciais
-2,9
4,7
-0,5
Partes de edificações
1,1
-0,9
0,2
Instalações desportivas
-0,4
0,2
-0,1
Montagem de edificações pré-fabricadas
-0,1
-1,9
-0,1
2003
2004
48.917
22.628
8.603
4.268
11.922
617
525
354
55.881
25.702
7.685
8.954
12.860
96
228
356
100,0
46,3
17,6
8,7
24,4
1,3
1,1
0,7
100,0
46,0
13,8
16,0
23,0
0,2
0,4
0,6
0,9
-0,2
1,7
-5,7
4,8
0,1
0,3
-0,1
14,2
6,3
-1,9
9,6
1,9
-1,1
-0,6
0,0
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PAIC/IBGE.
*Deflator: SINAPI/IBGE
165
Tabela 12. Valor total das obras e/ou serviços de Incorporação e de produtos do setor de
Construção de Edifícios, das empresas com 30 ou mais ocupados (R$ milhões de 2009*).
2007 a 2009.
Incorporação de empreendimentos imobiliários executados por terceiros
Construção de edifícios
Edifícios comerciais (shoppings, supermercados, lojas, etc)
Edifícios industriais (fábricas, oficinas, galpões industriais, etc)
Edifícios não-residenciais não especificados anteriormente (hospitais, escolas,
hotéis, garagens, estádios, etc.)
Edifícios residenciais
Estações de embarque e desembarque (rodoviárias,aeroportos, portos, estações de
metrô e trens, etc.)
Serviços de montagem de edifícios não-residenciais pré-fabricados
Serviços de montagem de edifícios residenciais pré-fabricados
Serviços de reforma ou manutenção de edifícios não-residenciais
Serviços de reforma ou manutenção de edifícios residenciais
2007
2008
2009
3.363
39.328
6.067
6.579
4.329
2.041
46.068
8.043
7.691
4.474
2.954
59.280
10.409
8.959
6.724
18.247
260
20.351
1.187
27.630
419
182
81
3.251
332
271
109
3.579
364
364
235
3.842
697
Participação no valor total das obras e/ou serviços
Incorporação de empreendimentos imobiliários executados por terceiros
Construção de edifícios
100,0
100,0
100,0
Edifícios comerciais
15,4
17,5
17,6
Edifícios industriais
16,7
16,7
15,1
Edifícios não-residenciais não especificados
11,0
9,7
11,3
Edifícios residenciais
46,4
44,2
46,6
Estações de embarque e desembarque
0,7
2,6
0,7
Serviços de montagem de edifícios não-residenciais pré-fabricados
0,5
0,6
0,6
Serviços de montagem de edifícios residenciais pré-fabricados
0,2
0,2
0,4
Serviços de reforma ou manutenção de edifícios não-residenciais
8,3
7,8
6,5
Serviços de reforma ou manutenção de edifícios residenciais
0,8
0,8
1,2
Crescimento das Incorporações e Composição do crescimento (em %) da Construção de Edifícios
Incorporação de empreendimentos imobiliários executados por terceiros
-39,3
44,7
Construção de edifícios
17,1
28,7
Edifícios comerciais
5,0
5,1
Edifícios industriais
2,8
2,8
Edifícios não-residenciais não especificados anteriormente
0,4
4,9
Edifícios residenciais
5,3
15,8
Estações de embarque e desembarque
2,4
-1,7
Serviços de montagem de edifícios não-residenciais pré-fabricados
0,2
0,2
Serviços de montagem de edifícios residenciais pré-fabricados
0,1
0,3
Serviços de reforma ou manutenção de edifícios não-residenciais
0,8
0,6
Serviços de reforma ou manutenção de edifícios residenciais
0,1
0,7
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PAIC/IBGE.
*Deflator: SINAPI/IBGE
Na busca de dados de lucratividade, a Tabela 13 traz informações sobre o valor
adicionado, os Gastos com pessoal e, por diferença entre os primeiros 76, o Excedente
Operacional Bruto da divisão ―Construção de Edifícios‖ e seus grupos, por tamanho de
empresa, segundo a PAIC. Trata-se de uma aproximação grosseira, já que os Gastos com
76
O Excedente Operacional Bruto foi calculado pela diferença entre o valor adicionado e o gasto com pessoal, conforme a
ótica da renda, em que se avalia o produto segundo a remuneração do trabalho e do capital.
166
pessoal da PAIC, como já explorado, também incluem parte da remuneração do capital
(―retiradas e outras remunerações‖).
Observa-se que o ano de 2008, marcado pela intensificação da crise, foi muito
duro para as empresas que se dedicaram exclusivamente à Incorporação. A
recuperação em 2009 não foi suficiente para o EOB retornar ao nível de 2007, porque
o próprio valor adicionado refluiu.
As Construtoras, por sua vez, apresentaram uma ampliação da remuneração
do capital (após as “retiradas e outras remunerações”) em ambos os tamanhos de
empresas e, mais uma vez, o conjunto de maiores empresas teve resultado superior ao
das menores. Para as empresas de 5 a 29 ocupados, o avanço do valor adicionado em
21,5% e dos Gastos com pessoal em 16,6%, resultou numa elevação, real, de 24,7% do
Excedente Operacional Bruto. Para as empresas de 30 ou mais ocupados, esses percentuais
vão para 52%, 55,9% e 48,3%
ou seja, ainda que tenha ocorrido um avanço
proporcionalmente maior dos Gastos com pessoal, a massa de lucros das maiores empresas
se elevou praticamente duas vezes ao verificado para as pequenas empresas. O desempenho
relativo mostra, então, como também apontado em outras estatísticas, que as maiores
empresas apresentaram melhores resultados para o capital entre 2007 e 2009.
Tabela 13. Valor Adicionado, Gastos com Pessoal e Excedente Operacional Bruto da
divisão Construção de Edifícios e seus grupos (R$ milhões de 2009*). 2007 a 2009.
Valor adicionado
Gastos com Pessoal
Excedente
Operacional Bruto
2007
2.008
2009
2007
2008
2009
2007
2008
2009
29.024
29.636
37.631
11.589
13.243
16.442
17.435
16.393
21.189
2.609
2.138
2.846
444
461
450
2.166
1.677
2.395
8.089
2.002
6.087
7.802
741
7.061
8.027
631
7.396
2.621
244
2.376
2.495
117
2.378
2.922
152
2.770
5.469
1.758
3.711
5.307
624
4.683
5.104
478
4.626
18.325 19.696 26.758
1.445
734
1.101
16.881 18.962 25.657
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PAIC/IBGE.
*Deflator: SINAPI/IBGE
8.525
353
8.172
10.287
245
10.042
13.069
326
12.743
9.800
1.091
8.709
9.409
489
8.920
13.689
775
12.914
Todas as empresas
Construção de edifícios – total
1 a 4 Pessoas Ocupadas
Construção de edifícios – total
5 a 29 Pessoas Ocupadas
Construção de edifícios – total
Incorporação e empr. Imob.
Construção de edifícios
30 ou mais Pessoas Ocupadas
Construção de edifícios – total
Incorporação e empr. Imob.
Construção de edifícios
167
A estrutura de custos do conjunto de Construtoras e Incorporadoras pode elucidar
mais sobre a organização da produção. Na Tabela 14 (abaixo), verifica-se que no período
de 2007 a 2009 as parcelas dos custos operacionais das empresas de 30 ou mais ocupados
que mais ganharam peso foram as referentes às despesas com terrenos e à utilização de
serviços de terceiros e de autônomos. A elevação dos gastos com terrenos deve derivar
tanto do mix de obras, uma vez que a localização é fundamental os empreendimentos
residenciais e comerciais que ganharam espaço no período, como do próprio ciclo
imobiliário, em que os preços da terra urbana também se elevam. As empresas menores,
com 5 a 29 ocupados, também tiveram ganho de peso da terceirização nos custos, mas não
dos gastos com terrenos, já que em grande proporção elas próprias devem ser ―terceiras‖.
No período, os materiais de construção e combustíveis e lubrificantes
contribuíram para a contenção do crescimento dos custos, e não o contrário. Faz-se notar,
entretanto, o peso dos materiais na composição de custos da Edificação ─ cerca de um terço
do total. Esta alta participação mostra que inovações nos insumos e nas relações construtorfornecedor de materiais podem render ganhos relevantes de eficiência ao setor.
As incorporadoras exclusivas (que tem terceiros edificando seus empreendimentos)
com 30 ou mais ocupados tiveram variação negativa dos custos reais, e as menores
positivas. As empresas de 5 a 29 ocupados apresentarem custos crescentes com as
terceirizações, o uso de empresas de serviços de engenharia e arquitetura e com os terrenos
─ o que combina com as informações prévias de pior aproveitamento do ciclo pelas
pequenas Incorporadoras. Mais uma vez o custo de materiais perde importância frente
aos demais, para ambos os tamanhos de empresas.
Os gastos com pessoal, a despeito de terem pressionado os custos de ambos os tipos
de empresas, pesam mais em média e tiveram um crescimento mais acentuado na
estrutura de custos das pequenas empresas, o que pode estar associado ao processo de
formalização.
Entre as ―outras despesas‖, destacou-se os gastos financeiros (somado às despesas
monetárias passivas), mostrando que embora as notícias sejam de maior endividamento das
firmas, ao menos até 2009, as condições particularmente favoráveis ao setor e as novas
formas de financiamento permitiram que aquelas despesas não crescessem na
estrutura mais geral de custos das empresas ─ maiores, ou menores.
168
Nota-se que uma proporção muito grande da massa salarial concentra-se nos baixos
salários
mais de 75% da massa salarial do segmento referir-se-ia a pagamentos de
trabalhadores que receberiam até 5 salários mínimos. Os altos salários – acima de 10
salários mínimos ─ representariam apenas 12% da massa salarial em 2010, mas o que
ocorre é que enquanto os trabalhadores pior remunerados apresentaram um ganho de
participação na massa salarial do segmento de 0,18%, os de altos salários tiveram sua
participação majorada em 1,21%. Essa elevação da participação ―dos extremos‖ se deu em
contrapartida à queda de participação dos salários intermediários (de 5,01 a 10 salários
mínimos).
É importante lembrar que os maiores rendimentos aqui apresentados não
contemplam os bônus anuais, as retiradas e a remuneração dos membros do Conselho
Administrativo o que é captado parcialmente nos ―Gastos com pessoal‖ da PAIC, assim
como ambos os dados não captam a informalidade.
Tabela 15. Proporção (%) das faixas salariais (medidas em Salários Mínimos) na massa
salarial do segmento formal de Construção de Edifícios. 2006 e 2010.
Faixas salariais, segundo
o Salário Mínimo
Até 1
de 1,01 a 1,50
de 1,51 a 2,00
de 2,01 a 3,00
de 3,01 a 4,00
de 4,01 a 5,00
de 5,01 a 7,00
de 7,01 a 10,00
de 10,01 a 15,00
de 15,01 a 20,00
Mais de 20,00
2006
1,69
16,93
21,23
23,28
8,45
4,71
6,39
6,60
4,52
2,16
4,05
2010 Variação no
período
1,90
0,21
19,74
2,81
23,84
2,61
19,08
-4,20
7,55
-0,89
4,36
-0,35
5,79
-0,60
5,80
-0,80
4,77
0,25
2,40
0,24
4,77
0,72
Fonte: Elaboração da autora, com base em RAIS/MTE.
Ainda com dados da PAIC, dos anos de 2007 a 2009, as aquisições de ativos
imobilizados pelo segmento de Construção de Edifícios (Incorporadoras e Construtoras) 77,
um indicativo de investimento bruto apresentado na Tabela 16 (abaixo), ficaram em torno
de 5,5% do Valor Agregado para as empresas relativamente maiores, e perto de 7% para as
empresas de 5 a 29 ocupados. A aquisição de terrenos e edificações recuou no total de
aquisições das empresas de maior porte, mas não no caso das menores. O nível
77
Contabilizados pela aquisição líquida de ativos (aquisições diminuídas das baixas) registrados na PAIC.
170
proporcional de gastos com estes ativos pelas menores empresas, aliás, é
proporcionalmente muito maior que para as maiores, corroborando a ideia de que os
terrenos comprometem fortemente a capacidade de investimento dessas empresas. A
contraparte do comportamento dos gastos com terrenos é a aquisição de máquinas e
equipamentos, meios de transporte e outros. As grandes empresas voltaram parcelas
crescentes dos recursos à aquisição daqueles ativos, possivelmente refletindo o próprio
ciclo de produção, o que não se verifica com as menores empresas.
Entre as grandes empresas, como se verá, deu-se uma intensa corrida para a
aquisição de terrenos entre 2006 e 2007 para gerar ―Valor Geral de Vendas‖ (VGV), um
indicador de ―metros quadrados a serem construídos‖, a partir de um banco de terrenos,
muito valorizado pelo mercado financeiro, por dimensionar a possibilidade de crescimento
dos negócios. Nos anos seguintes, embora a compra de terrenos tenha se mantido como um
importante gasto das empresas (o que se reflete na crescente participação nos custos da
produção, observados na Tabela 14, acima), o andamento das obras também comprometeu
capital para a sua execução, na forma de aquisição de máquinas, equipamentos e meios de
transporte.
Os dados de investimento líquido, em contraposição ao investimento bruto, mudam
a intensidade dos gastos, sem mudar substancialmente o seu perfil. Por haver um gasto
substancial em ―melhorias‖ dos ativos, especialmente entre as maiores empresas, nos
terrenos e sobretudo nas máquinas e equipamentos, o investimento líquido se eleva como
proporção do valor adicionado em 0,8% entre as empresas relativamente maiores e
em 0,7% entre as empresas de 5 a 29 ocupados.
171
Tabela 16. Estrutura dos investimentos brutos e líquidos das empresas da divisão
Construção de Edifícios segundo a variação do ativo imobilizado. 2007 a 2009.
Empresas com 30 ou mais
ocupados
2007
2008
2009
2007
2008
2009
Investimento bruto: aquisição de ativos imobilizados
% do Valor Adicionado
6,5
7,0
7,0
5,4
5,9
5,2
% do total de aquisições
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Terrenos e edificações
72,5
71,8
76,4
57,5
49,7
47,3
Máquinas e equipamentos
10,0
8,6
8,4
15,4
22,4
25,1
Meios de transporte
12,3
13,9
11,8
15,4
16,9
16,5
Outras aquisições
5,2
5,7
3,4
11,7
11,0
11,1
Investimento líquido: aquisição + melhorias - baixas do ativo imobilizado
% do Valor Adicionado
5,2
6,4
5,9
3,8
4,4
4,6
% do total de aquisições
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Terrenos e edificações
72,3
71,0
74,8
50,9
43,4
43,3
Máquinas e equipamentos
11,0
8,7
8,9
19,3
27,4
33,0
Meios de transporte
10,5
14,3
12,5
15,8
17,8
14,0
Outras aquisições
6,2
6,0
3,8
14,0
11,4
9,7
Empresas de 5 a 29 ocupados
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PAIC/IBGE.
A produtividade nas obras, medida a partir do pessoal ocupado assalariado
ligado à construção nas Construtoras (não levando em consideração a atividade das
incorporadoras de atuação exclusiva), por sua vez, pouco evoluiu entre 2007 e 2009.
Houve o crescimento de 1% no valor adicionado por ocupado no caso das empresas de
5 a 29 ocupados (ou 0,52% ao ano), e 1,9% no caso das empresas com mais de 30
ocupados (0,94% ao ano).
Em 2007, engenheiros do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de
São Paulo) em entrevista a Mendes et al (2007) diagnosticavam, mais uma vez, que o mal
da Edificação local não era o difícil acesso à tecnologia, mas a sua aplicação inadequada:
Mitidieri – Querer reduzir prazo e custo é salutar, desde que se mantenha
o foco na qualidade. A questão tecnológica está bem resolvida, temos
muitas opções. Falta, sim, qualificação para aplicar bem esse produto na
obra. Há uma dissociação entre a tecnologia disponível e a capacitação de
quem aplica, usa esses materiais. Não é só instalador, mestre e oficiais. Os
engenheiros também precisam ser capacitados para usar as alternativas
tecnológicas dentro dos parâmetros desse tripé.
Thomaz – O domínio da tecnologia está com o fornecedor. O
construtor perdeu esse domínio. As obras não estão mais no controle
das construtoras, foi tudo terceirizado. Há 200, 300 pessoas no
canteiro e só quatro ou cinco são da construtora. Até o empreiteiro
tem os seus terceirizados. As construtoras não se deram conta de que
estão perdendo know-how. As construtoras estão se tornando meras
atravessadoras na arte de construir. (grifo nosso)
172
Além de fazer utilização da terceirização espúria, que já se viu pertinente ao atual
padrão de acumulação mesmo nos países desenvolvidos, acredita-se que há uma
sinalização negativa em relação à remuneração dos profissionais aptos a industrializar
a construção, transformando os canteiros de obra em algo mais próximo a uma linha de
montagem. O diferencial de salários dos engenheiros que trabalhavam em
Construtoras e Incorporadoras, já apresentado, com base nos dados da RAIS 2009
(mais de 35% em favor dos últimos, segundo a Tabela 9), mostra que “os sinais de
mercado” vão em direção à atuação na consecução do negócio imobiliário e não na
área técnica, nas obras.
Assim, ter uma indústria de insumos que traz inovações ao segmento de
Edificações é necessário, mas não suficiente, para promover a industrialização da
Construção. Se materiais modernos forem incorporados nas obras sem o planejamento, a
racionalização da logística interna e externa à obra, como assinalavam Farah (1996) e
Sabbatini (1998), ou mesmo para o empresário que assinalou que a industrialização dos
anos 1970 teria sido ―irresponsável‖, ela não ocorrerá.
A este respeito, a situação da virada dos anos 2010 guarda alguma semelhança à
modernização descrita como irresponsável, dos anos 1970. Os brasileiros vêm
registrando inúmeras reclamações a respeito da qualidade dos imóveis que vêm
recebendo ─ que são entregues com diversos tipos de patologias, que vão desde o
revestimento das fachadas caindo, a rachaduras e infiltrações que podem comprometer a
estrutura dos prédios (ROCHA, 2012). Alguns profissionais apontam regressão na
qualidade das edificações erigidas: a demanda crescente de serviços de assistência técnica
das incorporadoras contrastaria com os ―bons‖ índices obtidos na década anterior (1990),
decorrentes da implantação de programas de gestão da qualidade à época (ROCHA, 2012).
É importante ressaltar, ainda, que tal como já observado em outros segmentos, um
sócio de um escritório de arquitetura português que estaria se instalando no Brasil, no final
da década de 2000, dizia que estava se adaptando às condições de produção local,
utilizando as tecnologias já difundidas, para poder compatibilizar os seus custos ao da
concorrência. Ou seja, a modernização esperada pela participação de estrangeiros no
173
mercado local é enganosa, pois em certa proporção, os estrangeiros se adaptam à
forma de acumulação local, e não o contrário.
3.4. As Incorporadoras com ações negociadas em Bolsa
O texto que segue trata das grandes empresas do setor de Edificações brasileiro que
têm ações negociadas na BM&FBovespa, e que na verdade em geral são grupos
verticalizados, que exploram tanto a Incorporação quanto a Construção. O objetivo da
seção é captar a natureza do capital que tem reorganizado o setor e o seu potencial
transformador em termos produtivos, segundo as suas estratégias de crescimento. O
propósito da análise é menos discutir a trajetória individual das empresas e mais de
verificar o potencial transformador que essas estruturas teriam sobre o setor.
Para tanto, são apresentadas três subseções. A primeira trata da conjuntura
enfrentada por essas empresas, entre 2005 e 2011, marcando três momentos importantes: a
definição dos grandes players pelo mercado de capitais; a crise de 2008 e seus
desdobramentos, que envolve um primeiro movimento de consolidação do setor e o
lançamento do Programa ―Minha casa, minha vida‖; e, a entrega do primeiro conjunto de
―produtos‖ do ciclo – momento que reflete a pouca organicidade do crescimento dos
negócios, materializada em produtos de baixa qualidade e na queda de rentabilidade das
empresas devido o pouco controle sobre o processo de expansão dos negócios; cabendo
algumas notas, inclusive, a respeito do papel das pequenas e médias empresas na evolução
dos negócios. Na segunda subseção, observa-se as empresas de Edificações listadas na
BM&FBovespa ao final de 2011, sua importância relativa na economia brasileira e a
composição do capital naquele momento, recuperando alguns movimentos passados, de
forma a captar, sobretudo, o movimento de alguns estrategistas de fundos internacionais
que favoreceram o desenvolvimento dessa nova fonte de financiamento para as empresas
locais e seus desdobramentos. A terceira subseção dedica-se a observar, de forma breve, o
histórico de cinco daquelas empresas, as vantagens competitivas e as estratégias declaradas
para o enfrentamento da concorrência, de forma a identificar a importância atribuída, por
elas próprias, à modernização gerencial/produtiva no seu processo de crescimento.
174
Mais uma vez, a referência a casos particulares é apresentada como uma proxy do
movimento mais geral que vem reorganizando o setor.
3.4.1. Conjuntura, consolidação e produtos do ciclo de expansão
A conjuntura do setor de Edificações no período aqui tratado foi marcada em grande
parte pelo ânimo do ―Sistema Financeiro Internacional‖, pela política monetária local, e,
com a crise de 2008, pela política fiscal adotada pelo governo brasileiro, que contemplou
especificamente o setor, com incentivos que incluíram o programa ―Minha casa, minha
vida‖, que ampliou fortemente os gastos já programados com a habitação em relação ao
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de 2007.
O ―clima‖ entre 2006 e 2007 foi de euforia. Ainda que o financiamento à produção
empresarial de edificações pelo SFH tivesse crescido desde 2005, o mercado de capitais,
cujo acesso é limitado às grandes empresas, passou a ser uma importante fonte de
liquidez ao setor. Os OPAs (Oferta Pública de Aquisição, ou IPOs, na sigla em inglês –
Initial Public Offering) das empresas do setor, a emissão de debêntures, e mesmo as
operações de private equity, foram novas formas de capitalização que alavancaram as
possibilidades de oferta de edificações no Brasil, mas que também trouxeram às empresas
uma nova preocupação: “dar respostas ao investidor”. De fato, mesmo antes da
abertura de capital, as empresas do setor já se preocupavam em adquirir terrenos e gerar
―Valor Geral de Vendas‖ com vistas a uma operação de abertura, na maioria das vezes
endividando-se para isso (D'AMBROSIO e TORRES, 2011).
O Quadro 3 (abaixo) ilustra, ainda que parcialmente, esse estado de ânimo dos
mercados, em relação à Construção, com dados das Ofertas Públicas de Ações realizadas na
BMF&Bovespa, desde 2007, disponíveis no sítio da instituição. Mesmo que com números
parciais, verifica-se que as empresas arrecadaram em 2007 mais de 6 bilhões e meio de
Reais em emissões primárias e secundárias de ações – não chegando à mesma cifra nos
anos posteriores78. Vale notar, por outro lado, que o valor médio por operação se elevou
78
Segundo reportagem no jornal Valor Econômico, a captação de recursos nas aberturas de capital do setor imobiliário
entre 2006 e 2007 teria chegado a R$ 11 bilhões. Até maio de 2011, essa cifra, acumulada, chegaria aos R$ 20 bilhões
(Valor Econômico, 18/05/2011).
175
construção é relativamente longo e a necessidade de crédito para o giro das operações se
tornou premente para algumas empresas quando houve a retração do mercado de capitais e
o setor bancário também passou a dificultar o acesso ao crédito. O aperto da liquidez
seguido ao estouro da bolha do subprime foi praticamente fatal para as empresas mais
alavancadas no último trimestre do ano.
A este respeito é interessante apresentar a leitura da crise das Incorporadoras de
Luiz Paulo Pompéia, diretor da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp).
Para ele, mesmo antes da crise, os lançamentos de luxo superaram a demanda. Lembrando
dos OPAs e dos inúmeros lançamentos que os seguiram, afirmou: ―A euforia deixou os
empreendedores meio cegos. Agora têm problemas de liquidez, não pela crise, mas por erro
de produto‖ (O Estadão de São Paulo, 09/08/2009). O ritmo acelerado de negócios exigido
pelo mercado de capitais, sem dúvida, propicia enganos do lado da oferta.
Lima Júnior (2007) já havia alertado para o ―consenso equivocado‖ em torno do
VGV como parâmetro de crescimento dos negócios, formador de preços das ações, no
mercado financeiro. A constituição de grandes bancos de terrenos por trás do VGV
imobilizava recursos que poderiam ser importantes para o desenvolvimento das obras, para
a melhoria técnica e organizacional da produção e poderia se revelar equivocada, inclusive,
em relação ao perfil da demanda futura, gerando descasamentos como o sugerido pelo
diretor da Embraesp. O professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
tentava levar a lógica produtiva a indicadores que seguiam a lógica financeira. Os
formadores desse ―consenso‖, investidores ―globalizados‖, com provável observação do
desempenho em outros booms imobiliários, apostavam que atrás da sua sanção ao mercado
brasileiro e com o ―ressurgimento‖ do SFH, os ciclos de crédito à produção e imobiliário se
instaurariam, e eles se valeriam da variação de preços dos ativos que se abriria ─ o que de
fato ocorreu na sequencia, com o impulso da política fiscal que se seguiu à crise.
A primeira empresa a não conseguir esconder os problemas em 2008 foi a Tenda
que, ao ter seu caixa considerado insuficiente para suportar a expansão de negócios
projetada, presenciou uma queda abrupta do valor das suas ações e sofreu com a negativa
de financiamento dos bancos. Seu fim foi a incorporação pela Gafisa, no início de setembro
de 2008, que com a aquisição acabou por reforçar as suas atividades no segmento de
177
média/baixa renda – fortalecendo a Fit Residencial, seu ―braço econômico‖79. Em situação
semelhante, a Brascan, que já havia incorporado a goiana MB Construtora, adquiriu
também a Company – ambas as operações envolvendo complexos esquemas de troca de
ações entre as empresas.
Foi um período em que as Incorporadoras e Construtoras preocupavam-se em
divulgar estratégias de reequacionamento do caixa até mesmo para ter acesso a mais
liquidez. Neste movimento alguns estrangeiros se posicionaram. O grupo Paladin fez um
aporte de R$180 milhões no capital da Inpar, reforçando sua posição no mercado
brasileiro, e o Fundo IV, da empresa Equity International Properties de um renomado
expert nas finanças imobiliárias internacionais (Samuel Zell) reforçou o caixa da Gafisa em
R$ 50 milhões, de quem já era associado desde 2005, aumentando a participação na
Incorporadora.
A consolidação do setor era um movimento esperado. Segundo Fabiana
Fakhoury, diretora da consultoria Alvarez & Marsal, por época da incorporação da
Company S.A. pela Brascan, haveria mais de 20 empresas do segmento imobiliário
listadas na Bovespa, enquanto nos países desenvolvidos o número não passaria de 6 a 8, o
que ensejaria um processo de consolidação forte e rápido (BERTASSO, 2008). O que
ocorria, entretanto, é que a própria profundidade da crise dificultava o processo de
consolidação – o valor dos terrenos, o valor geral de vendas dos lançamentos e a dimensão
dos gastos necessários para executá-los seriam incógnitas num momento de forte oscilação
de preços (FRANK, 2008). A Cyrela, então maior empresa do segmento, estava
negociando a aquisição da Agra desde junho de 2008, suspendeu o negócio com as fortes
oscilações de mercado em outubro daquele ano (VALOR ECONÔMICO, 07/10/2008).
Mesmo o negócio entre a Brascan e a Company, anunciado no início de setembro, foi
assinado apenas no final de outubro de 2008, gerando alguma expectativa no mercado.
A relativa rapidez com que o governo anunciou medidas para solucionar o problema
de liquidez entre as grandes Incorporadoras, criando linhas especiais de capital de giro,
com novas condições de financiamento na Caixa Econômica Federal e no BNDES
(com recursos do Tesouro), permitiu que as empresas mais problemáticas
conseguissem uma sobrevida até que se firmassem novos negócios. O anúncio do
79
como o mercado chama os segmentos de média-baixa renda.
178
―Minha casa, minha vida‖ em abril de 2009 reforçou o ânimo dos agentes financeiros a
apostar no setor de Edificação residencial e nova rodada de fusões e aquisições se abriu –
em um contexto de mudança do perfil da demanda, em direção a um mercado pouco
conhecido pelas Incorporadoras mais tradicionais, que haviam sobrevivido, até então, da
construção para a média e alta renda. Segundo os grandes veículos de informação, as
apostas sobre o melhor aproveitamento daquele mercado iriam em direção à MRV, à
Gafisa (que havia absorvido a estratégica Tenda) e à PDG Realty (através de seu braço
―econômico‖ – a Goldfarb). A Cyrela e a Rossi estariam se reposicionando para se
apropriarem da nova configuração da demanda – a última com a vantagem de já ter
desenvolvido, anteriormente, produtos a famílias de média e média-baixa renda.
O BNDES anunciou um programa de fortalecimento do setor da Construção,
apoiando o processo de consolidação do setor. A primeira operação (e não há notícia
clara de outras) foi com a PDG, em que o BNDESPAR iria comprar R$ 155 milhões de
debêntures, conversíveis em ações, a serem emitidas pela Incorporadora. Com os recursos
captados a PDG anunciou que poderia adquirir empreendimentos imobiliários ou a
participação em outras empresas do setor (VALOR ONLINE, 26/03/2009).
Seguindo no movimento de consolidação entre ―as grandes‖, ainda em dezembro de
2008 começam a surgir notícias de negociações do investidor espanhol Enrique Bañuelos
de Castro, que fez fortuna no segmento imobiliário espanhol, com a Agra e a Abyara
(empresa com forte problema de caixa), pretendendo unir várias empresas do setor em uma
holding. Bañuelos respondia processo na Espanha por manipulação de preço das ações da
Astroc, empresa que lá fundou, e no Brasil havia perdido credibilidade depois de desistir da
compra do Complexo da Costa do Sauípe, na Bahia, no dia da assinatura do contrato
(BERTASSO, 2011).
Através da sua empresa ―Veremonte Participações‖, em fevereiro de 2009,
Bañuelos ficou com 70% da Abyara e os 30% restantes ficaram com a Agra (BERTASSO,
2011) – sendo o negócio condicionado à solução das dívidas de curto prazo da empresa (o
que Bañuelos parecia saber tratar com destreza). A Abyara tinha um banco de terrenos
apropriado para empreendimentos residenciais de baixa renda, mas por seus problemas
financeiros não tinha acesso aos financiamentos da Caixa Econômica Federal – um recurso
importante naquele momento.
179
Em abril de 2009, Bañuelos e a Agra comunicaram negociações para assumir o
controle acionário da Klabin Segall, que também estaria em situação financeira difícil, e
numa complicada operação financeira acabou surgindo, em junho de 2009 a Agre (Amazon
Group Real Estate) – marca escolhida para batizar o grupo de empresas que reúnia Agra,
Abyara e Klabin Segall, sob o comando de Bañuelos. A Abyara representava 20,2% do
capital da Agre; a Agra, 49,2% e a Klabin Segall, 30,5%. Pelo resultado da composição
acionária, a Veremonte (de Bañuelos) ficaria com cerca de 22%, a Agra com 11% e a
Cyrela – que detinha participação de 21% na Agra - com 11% (D‘AMBROSIO, 2009).
Pouco depois da formação da holding, entretanto, a Cyrela vendeu sua participação ao
grupo (D‘AMBROSIO, 2009c).
Em 2010 a Agre foi absorvida pela Incorporadora PDG, de quem então Banüelos
passou a ser o maior acionista individual (ONAGA, 2010). Assim a PDG passou a ser a
maior Incorporadora brasileira, ultrapassando a tradicional Cyrela.
Certamente os recursos obtidos junto ao BNDESpar, e mesmo a credibilidade
que aquela operação conferiu à PDG junto ao mercado de capitais e bancário,
auxiliou na absorção da Agre. Do ponto de vista governamental, o apoio ao segmento
privado se justificava porque a “quebra” de empresas do tamanho da Abyara ou da
Klabin Segall questionaria o ciclo imobiliário que estava se desenvolvendo como a
quebra da Encol, na virada do século já havia ensinado.
É interessante notar que o setor público buscou uma solução de outra natureza para
manter as condições do ciclo que se desenhava. Em outubro de 2008, no calor da crise, foi
editada uma Medida Provisória (MP 443), que além de favorecer linhas especiais de capital
de giro ao setor, já mencionadas, permitia a compra (de ações) de empresas da Construção
Civil, que tivessem em situação de risco por problemas de liquidez, pela Caixa Econômica
Federal (RODRIGUES, 2008). A repercussão entre os empresários foi muito ruim e logo
surgiram pressões no Congresso para modificações no teor da MP. Assim, não houve
estatização de empresas do setor, como os empresários sugeriram que iria ocorrer, mas
―privatização‖ de recursos públicos para que os ―ativos ruins‖ mudassem de mãos no setor
privado, antes que um processo de quebra interrompesse o ímpeto de crescimento do
mercado imobiliário.
180
É possível afirmar que o que houve no período foi um forte crescimento do setor,
mas pouco orgânico. Previa-se que haveria consolidação, absorção das empresas mais
frágeis pelas mais fortes, mas mesmo as “maiores” vêm se mostravam fragilizadas no
início da década de 2010 (VALOR ECONÔMICO, 18/05/2011), com caixas apertados e
quedas importantes de margens de lucro, tendo como reflexo a queda nas cotações em
bolsa mais forte que nos demais mercados. Os dados de perda de ímpeto do Excedente
Operacional Bruto das Incorporadoras, explorados na seção 3.3., já seriam um indício de
condições de mercado mais difíceis; e a baixa qualidade do produto da Edificação,
explorado na mesma seção, a materialização da desorganização produtiva.
A Tabela 18 mostra o desempenho frustrante dessas empresas em 2011, retratados
nas cotações médias das ações. A Tabela traz a variação anual nominal do Ibovespa e do
Imob, índice especial criado para as empresas do setor imobiliário, em dólares (!),
divulgada pela própria BM&FBovespa. Verifica-se que em 2008 e em 2011 o desempenho
das empresas de Edificações foi pior que das empresas em geral, representadas pelo
Ibovespa. O melhor ano para o segmento foi o de 2009, quando a intervenção estatal dava
boas perspectivas ao segmento, se encaminhava o processo de consolidação e a paralisia do
mercado em outras economias reafirmava o segmento no Brasil como um espaço
importante de valorização, havendo entrada importante de estrangeiros no mercado
brasileiro; o que prossegue em 2010, mas arrefece em 2011.
Sendo a Edificação muito sensível às condições de financiamento, não se deve
descartar os impactos, não apenas dos resultados pretéritos do próprio setor, mas da política
monetária restritiva do primeiro semestre de 2011; das sinalizações de controles de capital
no Brasil; da piora constante do ânimo do investidor externo como elementos que
influenciaram no movimento mais geral de queda de cotações; e que podem penalizar de
forma ainda mais intensa a Construção já bastante internacionalizada. Valem as ―regras‖
apresentadas pelos ―investidores‖, apresentadas na seção 1.2.2.3. do estudo.
Da mesma forma, a má performance no mercado de capitais tem impactos nas
estratégias das empresas, o que se avaliará nas próximas subseções.
183
Tabela 18. Variação anual nominal do Ibovespa e do Imob em dólares (final de período).
2001 a 2011.
Período
2007
2008
2009
2010
2011 (*)
Ibovespa
43,65
-41,22
82,66
1,04
-17,94
Imob
n.d.
-69,23
205,03
10,46
-27,71
Fonte: BMF&Bovespa. Acesso em janeiro de 2012.
*Dados até dezembro.
Na área operacional, segundo reportagem sobre o setor, em meados de 2011
colocava-se para as empresas o dilema entre continuar crescendo e sacrificar a
lucratividade, ou “acelerar menos” e melhorar os resultados (VALOR ECONÔMICO,
18/05/2011) – dilema amplificado para as empresas com ações em bolsas, já que a
administração das empresas se vê dia a dia pressionada pelo conjunto ―mais qualificado‖ de
investidores, que se manifesta na oferta e demanda das ações a crença, ou não, na condução
do negócio.
A
Cyrela,
por
exemplo,
ainda
que
uma
das
mais
tradicionais
Incorporadoras/Construtoras brasileiras, e segunda maior em vendas em 2010, apresentou
margem líquida de lucro no quarto trimestre de 2010 comparável à das empresas que foram
absorvidas entre 2008 e 2009, como a Klabin Segall, Inpar ou Agra (VALOR
ECONÔMICO, 30/3/2011). A MRV, mesmo tendo tradição no mercado de baixa-renda,
também se mostrou surpresa diante dos estouros de orçamento das obras e decorrente
compressão de margens (VALOR ECONÔMICO, 18/05/2011).
As justificativas para a queda na rentabilidade estariam na pressão de custos.
Ocorre, entretanto, que o mau desempenho não se deu de forma uniforme entre as empresas
de Edificações − as grandes empresas foram tomadas de assalto especialmente pelo rombo
dos orçamentos das obras “terceirizadas” (MOURA, 2011 b). No caso da Cyrela chegouse a avaliar que o crescimento do déficit orçamentário das obras empreendidas por
parceiros foi mais que o dobro do verificado para as tocadas pela própria empresa −
evidenciando, no olhar da Cyrela, a baixa eficiência dos parceiros (D‘ABROSIO e
CARVALHO, 2011). Não por acaso, tal como a Cyrela, foi crescente a comunicação ao
mercado de que as empresas estariam verticalizando suas operações, recuando na
estratégia de terceirização.
184
Segundo Reis (2011), por outro lado, a verticalização em muitos casos, poderia ser
uma ―realidade de mercado‖ porque na verdade estaria ocorrendo uma relativa escassez de
empreiteiros.
O dilema das empresas de edificações estaria entre o custo, ainda menor da
terceirização, e o treinamento interno, que compensaria o custo mais elevado do emprego
direto com ganhos de produtividade física. Haveria reivindicações do setor, inclusive,
para desenvolver meios legais de instituir a remuneração variável, por produtividade,
aos empregados da Construção, o que reduziria o diferencial de custos que os empreiteiros
em geral obtém pela não observação das leis trabalhistas (que as contratantes ignoram) e
estimularia os ganhos de produtividade física (REIS, 2011). A experiência Europeia e
Norte-americana, explorada no capítulo 1, contesta a ligação direta entre flexibilidade de
regras trabalhistas e ganhos de produtividade.
Ressalta-se, por sua vez, que a opção pela contratação de pessoal próprio e
treinamento exige tanto fôlego financeiro, até que os resultados se consumem, como a
perspectiva de uma demanda duradoura, que garanta o aproveitamento deste
investimento com o prosseguimento dos negócios.
Além das parcerias/subcontratações com empresas menores, outro problema
enfrentado pelas grandes Construtoras/Incorporadoras no período foi a integração de
operações no caso das fusões e aquisições entre “pares”. O caso mais explícito foi o da
incorporação da Tenda pela Gafisa, em 2008 e seus desdobramentos. A primeira era uma
empresa especializada na produção de edificações para a baixa renda, considerada um ativo
importante para a nova configuração da demanda, como se viu, gerando, à época, altas nas
cotações da Gafisa mais expressivas que para outras Construtoras/Incorporadoras. Segundo
analistas, passado certo tempo percebeu-se que além de a Tenda não representar o
―conhecimento de atuação na baixa renda‖ que se previa, carregou para a Gafisa toda sorte
de problemas como um modelo de vendas desconhecido, terrenos e projetos com entraves
ambientais e/ou legais, etc. (RAGAZZI, 2011 e RAGAZZI, 2011 b). Ou seja, a
consolidação, em ritmo acelerado, deixou marcas.
O contexto monetário de 2011, já citado, também deve ter dificultado e encarecido
as captações de recursos, ampliando o custo financeiro das empresas. O crescimento
acelerado dos negócios em geral se associou ao endividamento das empresas − seja para
185
dar andamento a empreendimentos específicos, seja para a aquisição de empresas (como no
caso da Gafisa − RAGAZZI, 2011 e MONTEIRO e CAMBA, 2011), e o impacto das
condições monetárias desfavoráveis pode ter sido mais um elemento de deterioração dos
resultados individuais. Como em 2008, no primeiro semestre de 2011 o padrão de
acumulação que recompensa a alavancagem no ciclo ascendente, pune fortemente o
agente endividado do descenso. O que gerou algum conforto às empresas e aos
―investidores‖ foi a reversão da política monetária local no segundo semestre de 2011.
Deve ser objeto de maior investigação, inclusive, essa característica da empresa da
Edificação internacionalizada. O pesquisador Fernando Ferreira de Araújo Souza mostra
em artigo o forte avanço do endividamento das empresas de “Real State” brasileiras
no ciclo de 2007 a 2011, em relação ao padrão de outros setores (ARAÚJO SOUZA,
2012), retratando possivelmente, um padrão não específico ao caso brasileiro, mas do
capital mais geral que está organizando este setor.
Um custo que tem se elevado bastante, como já citado exaustivamente neste estudo,
mas que raramente executivos do setor citam, a menos que para solicitar a parceria do setor
público, é o dos terrenos urbanizados. Como explorado, os bancos de terrenos significam
para ―o mercado‖ a base para o ―Valor Geral de Vendas‖ potencial da empresa, ou seja, um
horizonte/limite ao seu crescimento e, estando os terrenos mais caros devido a valorização
imobiliária, as empresas podem estar comprometendo cada vez mais recursos para mantêlos ―a gosto dos investidores‖.
Essa tese é difícil de ser captada em dados, mas evidências levam a que se acredite
na sua veracidade. Uma das Incorporadoras de capital aberto no Brasil, a EZTEC, divulgou
em seu sítio planilhas com resultados dos empreendimentos e da empresa como um todo −
numa delas apresentando o percentual que o custo do terreno representa no conjunto do
empreendimento. A empresa declara 80 (como diversas outras) que o terreno é um dos
principais custos da incorporação imobiliária, já que, independentemente da forma que é
desembolsado, contabilmente o seu custo é considerado como incorrido desde o início do
empreendimento. Os dados apresentados pela empresa, por empreendimento, são pouco
conclusivos em relação à elevação do seu preço no tempo, seja porque os terrenos tiveram
80
http://www.mzweb.com.br/EZTec2009/web/conteudo_pt.asp?tipo=26870&idioma=0&conta=28. Acesso em março de
2012.
186
sua compra concentrada no tempo, seja pelas diferentes localizações, seja porque a forma
de pagamento foi diferenciada (compra em dinheiro, permuta, etc.), seja porque as
características dos empreendimentos foram se adaptando às condições de custo desse
insumo, refletindo em alteração na sua proporção dos custos totais. Observa-se nos dados
da empresa, por exemplo, clara tendência de queda da área-útil dos empreendimentos
ao longo do tempo para a média e média-alta renda.
Dos dados divulgados pela empresa (EZTEC) vale assinalar a participação média do
custo do terreno por segmento de mercado, tomando os empreendimentos lançados de 2005
a 2011: para o segmento de alta renda, 29,3% dos custos se refeririam ao preço do terreno;
para a média-alta renda, 17,8%; para a média, 12,2%; para o segmento econômico, 11,4%;
para o super econômico, 3,1%. Ou seja, este custo é decrescente em relação ao padrão do
público a que serve, porque a localização, a área-útil das unidades, o padrão do material
muda conforme o público a que o empreendimento serve.
O baixíssimo custo relativo dos terrenos dos empreendimentos voltados ao
segmento ―super econômico‖ também se deve à sua baixa qualidade. Um pequeno
empresário do setor diz que “o caro” nos empreendimentos do “Minha casa, minha
vida”81 não seria o terreno, mas a “urbanização mínima” exigida pelo Programa, já
que as áreas em que os conjuntos residenciais têm sido empreendidos estão no entorno
das cidades. A forte elevação dos gastos em ―melhoria nos ativos imobilizados‖ (no caso
os terrenos) identificados a partir dos dados da PAIC (na discussão da Tabela 16, acima),
coincide com essa informação em termos agregados. Segundo o mesmo empresário, a alta
dos serviços da Construção tem levado a custos crescentes dessa ―urbanização mínima‖ dos
empreendimentos, o que estaria inviabilizado vários dos negócios do ―Minha casa, minha
vida‖ em que não se estabelece parcerias com o setor público.
A este respeito, é importante destacar o papel dos critérios de qualidade das
habitações embutidos nos Programas públicos de subsídio como o ―Minha casa, minha
vida‖ e mesmo de financiamentos com base no FGTS. Virgilio (2010) fez um estudo
comparativo da política de financiamento habitacional mexicana e brasileira recente e
mesmo que de certa forma enalteça, como FGV (2007), o programa mexicano, admite o
descaso com a qualidade dos empreendimentos. A política habitacional local, que teria
81
foram 5 empreendimentos lançados para esse segmento no interior de São Paulo, o primeiro em outubro de 2008.
187
contemplado explicitamente a ―organização da ocupação do solo e da infraestrutura
necessária‖ como forma de rebaixar os custos da habitação de interesse social, levou a um
resultado questionável:
Nas comunidades mexicanas, muitos são os problemas que a população
enfrenta em relação ao modelo de empreendimento escolhido, qual seja, a
implantação de grandes núcleos habitacionais de até 2.000 unidades,
distantes dos centros urbanos. No que se refere à infraestrutura, nem
sempre se observa a existência de abastecimento adequado de água e
coleta de esgoto, e na maioria dos casos há grandes dificuldades de
acesso, devido à inexistência de transporte público ou às enormes
distâncias que a população necessita percorrer, seja no deslocamento de
casa ao local de trabalho, seja dentro do próprio empreendimento, o que é
bastante oneroso.
Apesar de mostrar-se correto sob o ponto de vista da produção,
gerando ganhos nos processos em termos de escala, de fato, esse
modelo de empreendimento causou impacto negativo no que se refere
à mobilidade urbana. A opção ocorreu devido à necessidade de
grandes áreas para implantação, disponíveis a valores acessíveis
justamente por estarem nas periferias das cidades. Por meio de
legislação específica para resolver problemas fundiários, o governo
mexicano conseguiu disponibilizar grande número de glebas nessas
regiões periféricas para aplicação de sua política habitacional e
expansão das áreas urbanas. (VIRGILIO, p. 66, grifo nosso)
No caso brasileiro, os Programas mantém exigências mínimas de infraestrutura e
mesmo de qualidade das unidades residenciais, mas para serem mantidas (se é que estão!),
o grande capital está recorrendo às benesses do Estado. A Direcional Engenharia é uma
das poucas incorporadoras que têm persistido nas obras da faixa 1 do Programa ―Minha
casa, minha vida‖, que se destina à habitação de famílias de renda mensal de zero a três
salários mínimos, firmando acordos com os poderes públicos municipal e estadual que
minimizam o custo da terra urbanizada em conjuntos habitacionais cada vez maiores.
Em uma reportagem do jornal Valor Econômico explicita-se essa relação, e a concessão do
setor público em direção aos grandes conjuntos habitacionais, já tão criticados pelos
urbanistas:
Quando o programa foi concebido, a idéia do governo e dos empresários
que participaram de sua formatação era fazer apartamentos para as
famílias com até três salários dispersos pela malha urbana. Cem unidades
numa quadra; 200 em outra e assim por diante. Mas as dimensões
mudaram. ‗A Direcional, de alguma forma, provocou isso com o nosso
projeto em Manaus com 9 mil unidades. No início, eles [no governo] se
assustaram e aprovaram 3.500; há quatro meses aprovaram mais 5.500‘,
188
conta. Além do imenso "Meu Orgulho", de Manaus - empreendimento de
mais de
R$ 500 milhões e que se transformou na maior vitrine da
habitação popular da Direcional -, outros grandes projetos tocados pela
empresa estão no Rio (2.260 unidades), Neves, em Minas, (1.600), Amapá
(2.200) e outro que será iniciado em Brasília, com 6.400 unidades.
‗Os Estados estão ajudando, às vezes doam terrenos, doam a
infraestrutura para as unidades para fechar a conta. A conta da Caixa
é praticamente para habitação e foi feita para lotes urbanos. Mas quando
você faz uma cidade nova, o preço que a Caixa define é insuficiente‘, diz.
Construir rede de água e esgoto, meio fio, asfalto, estação de tratamento
de água e de esgoto, além de escola, postos de saúde, toda essa
infraestrutura, não sai por menos do que R$ 10 mil a R$ 12 mil por
unidade.
No grande projeto de Manaus, o governo do Amazonas doou o terreno
para as obras e ainda entrou com R$ 9 mil por unidade para a
infraestrutura; em Macapá, diz Gontijo, o projeto da Direcional, o governo
deu parte da infraestrutura além do terreno; no Rio, o terreno já foi
entregue urbanizado pelo governo; em Belo Horizonte, a prefeitura vai
ajudar com R$ 10 mil; em Porto Velho, haverá recursos públicos
adicionais para a infraestrutura.
‗Os governos dos Estados estão participando junto com o governo
federal, praticamente todos eles estão vendo que acabar com favela,
resolver saúde, educação, é o melhor investimento que eles podem
fazer e isso também tem um ganho político muito grande’, diz.
(MOURA E SOUZA, 2012)
Ou seja, retoma-se o padrão de expansão das cidades já tão criticado nos anos
1970, aliando interesses do capital imobiliário e do setor público, em suas diversas
esferas.
A este respeito, é importante notar que também é grande o movimento privado
em torno da expansão das cidades. Há intensa movimentação em torno do segmento que
desenvolve loteamentos, igualmente capitaneado pelo setor financeiro, para ―suprir‖ o
mercado deste ―recurso escasso‖. Essa seria uma estratégia (a ser observada) privada de
ampliação da longevidade do ciclo imobiliário. Uma publicação especializada no setor
explicita o olhar ―do mercado‖:
O problema crônico de infraestrutura nas grandes cidades, aliado à
escassez de terrenos e à baixa qualidade de vida, criou o cenário ideal para
o setor de loteamentos: são poucos os habitantes das metrópoles que não
sonham em morar em um condomínio longe do caos urbano. As empresas
de loteamentos, responsáveis pela etapa de urbanização destas áreas,
vivem hoje um processo de profissionalização para acompanhar o avanço
do mercado, e não devem ser as únicas personagens desta história. Outros
atores pretendem explorar este nicho, como fundos de private equity e
189
incorporadoras, que veem este mercado como a próxima fronteira a ser
desbravada no setor de construção brasileiro. (GÓMEZ, 2005, grifo
nosso)
São solicitadas mudanças legais para que o setor privado avance na
organização, se não “criação de cidade inteiras”, como propõe um empresário:
A gente entende que o poder público hoje não tem capacidade de
planejamento da expansão urbana e nem da gestão do espaço público,
então a gente acha que as comunidades planejadas, os bairros planejados,
as cidades planejadas, podem ser uma solução em termos urbanísticos e
de qualidade de vida para as pessoas. As comunidades planejadas são
pensadas para os próximos 50 anos, então o empresário deve garantir
a qualidade do espaço urbano porque é ele que vai lucrar com a
valorização dessas terras. 82
É importante citar, também, como outro fator apresentado como fonte de desajuste
dos caixas das empresas (sobretudo das menores), e que não teria ocorrido em 2008 por o
ciclo ainda estar nas etapas iniciais de desenvolvimento, a dificuldade de repasse dos
financiamentos das empresas para a Caixa Econômica Federal. Muitas vezes as
construtoras financiam a obra e ao entregá-la, a Caixa Econômica Federal assume o
financiamento diretamente com os adquirentes, e a Incorporadora recebe o que adiantou ao
cliente − e é este repasse que tem sido mais demorado que o previsto pelas Incorporadoras.
Embora reconheça-se o empenho, e relativo sucesso do banco no processo de
desburocratização e a importância da criação da figura do "correspondente bancário", por
época do lançamento do Programa ―Minha casa, minha vida‖, em que o banco credenciou
algumas empresas do setor (as maiores, entre elas, MRV, Cyrela, Goldfarb, Rossi e
Gafisa) para organizar grande parte dos processos de solicitação de financiamento, a
centralização da análise de crédito na Caixa Econômica Federal estaria retardando, ou
mesmo inviabilizando alguns repasses, especialmente às menores empresas (VALOR
ECONÔMICO, 23/11/2011).
As estratégias apresentadas para contornar o problema da baixa rentabilidade
foram várias.
82
Entrevista disponível na PINIWEB : http://www.piniweb.com.br/construcao/mercado-imobiliario/especialista-acreditano-crescimento-de-supercondominios-e-propriedades-fracionadas-no-254430-1.asp, sob o título ―Especialista acredita no
crescimento de supercondomínios e propriedades fracionadas no Brasil‖, realizada em 23 de Março de 2012, pela
jornalista Ana Paula Rocha. Acesso em abril de 2012.
190
Em alguns casos de forma explícita, em outros, de forma velada, deu-se o recuo no
avanço em direção à baixa renda, em busca de maior rentabilidade − Gafisa, Cyrela e
PDG são exemplos de empresas que declararam essa mudança estratégica. A mudança de
foco das incorporadoras parecia ser geral. A PDG já havia assumido que o foco de 2011
seria a classe média (imóveis acima de R$ 250 mil), que garantia maior rentabilidade que o
segmento de renda mais baixa em um ambiente de inflação de custos (VALOR
ECONÔMICO, 31/05/2011).
Outra medida divulgada por várias empresas foi a busca de técnicas poupadoras de
mão de obra (VALOR ECONÔMICO, 23/11/2011). No pacote de estratégias adotado
pelas construtoras para controlar custos, aumentar a produtividade e evitar gargalos
que voltassem a atropelar o crescimento dos negócios estava a compra de equipamentos,
inclusive importados (QUENTÃO, 2011). MRV, Cyrela, Gafisa e Direcional estariam
investindo na compra de gruas, escoras, andaimes e elevadores para não depender da
disponibilidade e do preço cobrado pelas empresas de aluguel de material pesado. Também
teria acentuado o uso de técnicas de pré-fabricação, como o uso de formas de alumínio.
Esse tipo de declaração inspira a confiança de que uma aceleração do processo de
mecanização/modernização estaria por vir (ainda que por pressões típicas de mercado), que
talvez marcasse o ―salto‖ da Edificação brasileira, depois de transcorridos cinco anos de
crescimento – o que pode ser relativizado.
Em relação às técnicas de pré-fabricação, que têm sido anunciadas e
implementadas com alguma freqüência, elas são comumente aplicáveis em grandes
obras, ou em projetos replicáveis, comuns nas edificações residenciais para a baixa
renda, que como se viu, está sendo questionada como negócio pela pressão de custos.
Além disso, e a exemplo do que se viu na década de 1970, essas técnicas podem ser mal
empregadas e marcar um processo de modernização que se exaure no tempo se não
desencadearem movimentos organizacionais mais consistentes.
O uso de formas de alumínio, por exemplo, não é simples. São artefatos de alto
custo; variando o seu preço conforme as suas características, que refletem em maior ou
menor qualidade do produto final; que só se aplicam em obras padronizadas, com escala
mínima e; a mão de obra tem que ser treinada a fim de que o concreto (que tem que ter
qualidade padronizada) preencha toda a forma, sem deixar bolhas, através do uso adequado
191
de vibradores, assim como para a limpeza das formas, que deve ser cuidadosa para que não
reduza tanto a qualidade das operações seguintes, como a vida útil do equipamento. Não
são poucas as notícias do mau uso do equipamento, que resulta em paredes com bolhas, que
têm que ser regularizadas com massa depois de desenformadas, ou de fôrmas que são
inutilizadas ao receber marteladas para a remoção de restos de concreto, ou outro tipo de
tratamento inadequado. Além disso, o alto custo exige o uso intensivo do artefato, em mais
de um empreendimento, para que o investimento seja amortizado, o que requer confiança
no prosseguimento das obras – a depender da continuidade do subsídio à demanda e da
viabilidade dos custos da obra ao preço pré-estabelecido das residências. Alguns
empresários têm optado por locar tais formas, mas o estado de conservação pode não ser o
ideal e exigir retrabalhos que minimizam os ganhos projetados pelo uso do equipamento.
Uma parede cheia de bolhas, por exemplo, além de exigir o preenchimento das
falhas, acaba exigindo uma camada de reboque ou de massa fina para regularizar a sua
aparência, gerando perda de tempo, majorando o custo da obra.
O aprofundamento do processo de mecanização, como anunciado, pode estar
ocorrendo, inclusive, apenas entre as grandes empresas, como sugerem os dados da PAIC
(Tabela 16). A informação de queda da produção física de máquinas para a Construção do
IBGE (Gráfico 29) indica, a menos esteja sendo mais que compensada pela elevação da
importação de equipamentos, uma desaceleração da demanda deste tipo de bem, e não o
contrário.
A visão financista de algumas Incorporadoras acaba por reforçar a idéia de que parte
da modernização que está sendo promovida pode ser momentânea e mesmo que os
―anúncios‖ na grande imprensa de medidas pró-modernização podem ter um caráter
propagandístico. A declaração de um diretor da Gafisa, que também declarou a compra de
equipamentos em outra entrevista, enseja essa idéia:
O diretor de construção da Gafisa, Mário Rocha, afirma que a
empresa prefere investir no próprio negócio do que aumentar o
patrimônio com equipamentos, mas estuda pontualmente a compra de
determinados materiais. A Gafisa comprou 12 mil escoras metálicas da
China, que tem vida útil de 15 obras e cujo custo se amortiza em uma obra
e meia. A companhia também está com uma fábrica de blocos dentro do
canteiro e usinas de concretos em regiões mais distantes, como Maranhão.
(D‘AMBROSIO, 2010; grifo nosso)
192
Um movimento de industrialização, conforme Sabbatini (1998), somente ocorreria
se espraiasse por todo o setor, alterando, inclusive, o padrão de relação entre as empresas, o
que não parece ser o caso. Farah (1996) também já havia apontado para um setor nos anos
1980 em que a existência de grandes e modernas empresas não era suficiente para superar a
―ineficiência‖ média do segmento.
Como as pequenas e médias empresas se apropriaram, então, deste ciclo de
crescimento? Ainda que várias possam ter mantido estratégias de crescimento isolado,
aparentemente, a parceria com as grandes foi uma forma importante de participação do
ciclo ascendente ─ o que mostram os dados da própria PAIC, explorados na Tabela 14.
Em uma reportagem sobre o setor afirma-se:
Desde que as grandes empresas abriram capital, nos últimos cinco
anos, e precisaram apresentar resultados, investimentos e maior volume de
vendas ao mercado, as pequenas e médias construtoras buscaram mais
negócios para oferecer parcerias. ‗As pequenas empresas viram ali uma
oportunidade de ampliação de mercado. Como as grandes precisavam
maior volume de investimentos para cumprir metas e mostrar eficiência
ao mercado financeiro, construtoras menores, mas com experiência no
mercado, enxergaram oportunidades de ampliar seus horizontes‘, explica
Antonio Carlos Moraes Rego, diretor comercial da Comasa, uma empresa
com 84 anos no mercado carioca. (MOURA, 2011)
Na mesma reportagem, afirma-se ainda que embora a demanda por parcerias fosse
crescente por parte das grandes empresas, as pequenas e médias abriam disputa por
contratos, comprimindo os preços acordados – o que pode explicar os recentes ―rombos‖
nos orçamentos. Ou seja, as grandes privilegiavam, em geral, o baixo custo na
subcontratação/parceria, o que não tem relação com um ambiente de parceria, que
incentiva o ganho de produtividade para o conjunto do setor, como Sabbatini (1998)
solicitava na virada dos anos 2000. O trunfo das grandes empresas, segundo um
empresário do ramo, era o acesso ao financiamento, que dava margem de negociação
inclusive para a aquisição do principal insumo:
Quando as grandes se capitalizaram, não dava mais para competir com
elas. Se você fosse disputar um terreno com uma grande, perderia porque
eles tinham mais poder de negociação […] (VALOR ECONÔMICO,
25/02/2011).
Outro pequeno empresário do segmento aponta a dificuldade na disputa :
193
Para Luis Vairo, um dos principais desafios das pequenas
incorporadoras é comprar bons terrenos. "Em condições normais, os
corretores levam os terrenos primeiro para as grandes empresas. Quando
chega até nós, é porque todo mundo já recusou, por isso temos que achar
caminhos alternativos pra encontrar boas áreas", afirma o executivo. Ele
conta que a empresa compra um terreno a cada 100 avaliados, e muitas
vezes há ainda um processo difícil de negociação depois que a área é
encontrada. "Temos que convencer o dono do terreno do por que ele tem
que fazer a permuta com a Sabiá, e não com uma das grandes empresas",
diz. (REIS, 2012, grifo nosso)
É possível inferir que as parcerias estabelecidas em mercados menos explorados
(fora da região Sudeste) possam ter se dado em condições mais favoráveis ao empresário
local, já que este detinha vantagens importantes a oferecer à grande incorporadora como
conhecer os melhores terrenos, saber como aprovar projetos na prefeitura e conhecer as
exigências do plano diretor da cidade (MENDES, 2011).
Em notícias mais recentes há informações que o mercado de capitais através de
fundos de investimentos, empresas de private equity, e outros estariam abrindo alternativa
de financiamento a empresas de menor porte da Edificação residencial, mas muitas delas se
viam desestimuladas a estabelecer essas parcerias pela ingerência dos agentes financeiros
nos seus negócios e mesmo pelos altos custos que incorreriam (face o tamanho das
empresas) para manter o controle financeiro das operações que esses agentes exigiriam.
Há, assim, um processo de competição encarniçada em que as empresas menores
teriam certa dificuldade de subsistência independente das grandes ─ estratégias de nicho,
atuação regional, são saídas para a sobrevivência.
Um movimento relacionado ao setor, que também poderá afetar o andamento dos
negócios é a consolidação das “imobiliárias”, empresas especializadas na venda e locação
de imóveis, que têm ampliado sua operação inclusive em termos regionais. No mercado
diz-se que a centralização dos negócios em grandes imobiliárias (com destaque para a LPS
Brasil − a ―Lopes‖ − e a Brasil Brokers, empresas com ações negociadas na
BM&FBovesopa) permitirá uma avaliação mais adequada da demanda, pois as
informações estarão concentradas nas mãos de poucos − o que favoreceria as pequenas
e médias incorporadoras (FERREIRA, 2011). Resta saber qual o ―custo‖ destas informações
e se as grandes incorporadoras, mesmo com equipes próprias de vendas, não terão acesso
privilegiado a essas informações.
194
3.4.2. A composição do capital
Esta seção apresenta a composição do capital das empresas do setor que tinham
ações negociadas em bolsa, no final de 2011, recuperando, quando conveniente, o histórico
de alguns dos ―sócios‖. A idéia central é apontar o caráter financeiro deste capital, menos
afeito aos ganhos operacionais que ao ganho patrimonial mais geral − que muitas vezes
nem mesmo mira o lucro imobiliário, na acepção de Monteiro Filha (2010), mas a variação
dos preços das ações para satisfazer sua necessidade de valorização rápida.
A Tabela 19 traz as 17 empresas com ações negociadas em bolsa em dezembro de
2011, listadas pela BM&FBovespa no setor ―Construção e Transporte‖, sub-setor
―Construção e Engenharia‖, segmento ―Construção Civil‖, com a chancela ―Novo
Mercado‖83 e dedicadas, inclusive (mas não necessariamente de forma exclusiva), à
Construção/Incorporação de empreendimentos residenciais. Na Tabela as empresas estão
ordenadas segundo a receita líquida de vendas dos três primeiros trimestres de 2011 e têm,
além de sua atividade principal declarada à BM&Bovespa, o Ativo total em setembro de
2011, a data de constituição da empresa, de registro na CVM e de início das operações com
cotação unitária. A maior parte dessas empresas já foi citada na subseção anterior.
Nota-se que a grande maioria das empresas, 11 delas, passou a ter registro na
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e cotação unitária no ano de 2007, ou seja, que
tiveram sua primeira oferta pública de ações (OPA) naquele ano. Seis (6) empresas com
ações negociadas em 2011 não haviam realizado sua primeira OPA em 2007: Cyrela e
Rossi passaram a ter ações negociadas na década de 1990 (a primeira em 1996 e a segunda
em 1997); Gafisa, Brookfield Incorporações (então denominada ―Brascan‖) e Company
(atualmente no grupo Brookfield) passaram a ter cotação unitária em 2006 e a Direcional
passou a ter cotação individual em 2009. A abertura da Cyrela e da Rossi na década de
1990 é sintomática, já que ocorrem em um ambiente abertura financeira do país.
83
com exceção da empresa Company, que na verdade foi incorporada pela Brookfield,e passou a ser denominada
Brookfield São Paulo Empreendimentos Imobiliários S.A. em julho de 2009, mantendo cotação independente, mas não no
Novo Mercado.
195
Quanto à origem do capital, nos documentos apresentados na BM&FBovespa 84
todas as empresas apresentadas na Tabela 19 teriam capital de origem nacional. Na Valor
1000, como visto na Tabela 17, a Viver, que até abril de 2011 chamava-se ―Inpar”, é a
única Incorporadora que a origem do capital é registrada como estrangeira – mais
especificamente, norte-americana. Investigando nos documentos da BM&FBovespa, onde a
Viver tem como país de origem o Brasil, verifica-se que o Paladin Prime Residential
Investors (Brazil) aparece como principal acionista – com 39,96% das ações ordinárias da
empresa. A Paladin Realty Partners85, 86 é uma gestora norte-americana de private equity
do segmento imobiliário, constituída em 1995, com investimentos no próprio país e na
America Latina, que movimentaria cerca de US$ 5 bilhões nesses mercados, e comprou o
controle da Inpar no começo de 2009, quando a empresa enfrentava sérios problemas de
liquidez, além de, na época, ampliar sua participação na Even.
Segundo a Revista Istoé Dinheiro (MATTOS, 2009) a Paladin tinha ativos na
ordem de US$ 88 bilhões em 2008 e pretendia destinar entre US$ 500 milhões e US$ 800
milhões (menos de 1% dos ativos, portanto) para os mercados do México e do Brasil – com
preferência ao último. A crise nas economias desenvolvidas, os baixos preços dos ativos
nos países em desenvolvimento, incentivavam os investimentos na periferia. Segundo a
reportagem, o Brasil seria então o principal alvo de ―investimentos‖ nas américas:
É uma questão de escolhas. O braço direito de Worms, Philip
Fitzgerald, tem dito que o México já se tornou um mercado maduro
demais e a Argentina está com uma oferta de negócios limitada. No
Chile as margens de lucro são tão estreitas que poucos ativos
despertam interesse. Na falta de adversários de peso, e pelas condições
locais, o Brasil saiu na frente. Essa clara inclinação cresceu depois da
crise de liquidez que congelou investimentos. Há um movimento de ajuste
das tabelas, com construtoras declinando da opção de compra de terrenos
por causa da falta de recursos no mercado. A Paladin quer aproveitar essa
fase para ir às compras. Já adquiriu ações da InPar e Even Construtora.
Com a InPar, deu uma tacada de mestre. Em dezembro, os americanos
colocaram R$ 180 milhões na construtora, com vendas paradas e
lançamentos adiados. Como parte do trato, o fundo se tornará controlador
do grupo caso a família não exerça a opção de compra de um conjunto de
84
acesso em dezembro de 2011.
http://www.paladinrp.com/about_us.php, acesso em janeiro de 2012.
86
http://www.mzweb.com.br/viver/web/mobile/conteudo_mobile.asp?idioma=0&conta=28&tipo=38487,
janeiro de 2012.
85
acesso
em
197
ações emitidas em 2008. Sem recursos, a família não exercerá o direito e
deve perder o comando. (MATTOS, 2009; grifo nosso)
Afora o Paladin, verifica-se que outros grupos tiveram o inicio das suas
operações na América Latina no México, cujo boom imobiliário começou antes ao
ocorrido no Brasil. Passaram a vir para o Brasil em busca de novos ativos que confeririam
altos rendimentos aos investidores dos fundos que administram (abertos ou fechados). Os
dados de origem do capital seja da Valor 1000, seja da própria BM&FBovespa (disponíveis
no sítio da Bolsa em dezembro de 2011) instigam, assim, maior investigação, já que a
imprensa divulga constantemente a participação de estrangeiros no setor, não coadunando
com a realidade de apenas uma grande empresa do segmento ter origem do capital
estrangeira, no caso do Valor 1000, ou nenhuma, no caso da BM&FBovespa.
Reforçando a curiosidade a respeito da origem do capital dessas empresas, o Gráfico
33 apresenta a participação de recursos de estrangeiros nos OPAs apresentados na Tabela
19 (para aqueles em que havia anúncio de encerramento da oferta de capital no sítio da
BM&FBovespa). A proporção média de recursos estrangeiros captados nessas ofertas foi de
63% do total ─ com uma notável queda no ano de 2010 e recuperação em 2011.
Gráfico 33. Proporção de recursos estrangeiros nas Ofertas Públicas de Ações –
BMF&Bovespa.
120
100
%
80
60
40
20
0
Fonte: BMF&Bovespa. Acesso em dezembro de 2011.
*Dados dos anúncios de encerramento
Vale, assim, investigar a composição acionária dessas empresas, o que é possível
fazer a partir dos dados da Tabela 20, que traz os acionistas que detém 5%, ou mais, das
198
ações ordinárias das empresas em setembro de 2011, conforme divulgado pela
BM&FBovespa. Em geral, além dos sócios pessoa-física, ou das empresas de tipo ―Ltda‖
que os representa, observa-se a importante presença de gestoras de recursos com
participações minoritárias, o que não significa que tenham pouca influência nas estratégias
das empresas de que detém capital, e mesmo nas demais empresas do setor, que desejam ter
acesso aos seus recursos líquidos. Na Tabela 20 estão destacadas as gestoras de recursos
que aparecem como acionistas em mais de uma Construtora/Incorporadora. São seis
empresas – quatro de capital estrangeiro (duas norte-americanas, uma francesa e uma
associada a um banco suíço) e duas brasileiras.
A Blackrock Inc é conhecida como uma das maiores gestoras independentes de
recursos do mundo, de origem norte-americana (com início de atividades em 1988), que
gerenciava ativos que remontavam cerca de US$ 3,65 trilhões87 em março de 2011, nas
mais diversas praças financeiras – entre eles, ativos imobiliários. Ela mantinha
participações nas tradicionais Cyrela (5,3% das ações ordinárias) e Rossi (6,3%), assim
como na PDG (7,2%).
O valor total de ativos movimentado por essa gestora é tão impressionante que
supera o PIB, estimado pelo FMI 88, da Alemanha, quarta maior economia do mundo em
2011, que chegaria a US$ 3,63 trilhões (superado apenas o PIB estimado para os EUA, de
US$ 15,06 trilhões; China, de US$ 6,99 trilhões; e para o Japão, de US$ 5,86 trilhões).
A Janus Capital Management LLC 89 é uma das gestoras de capital que fazem
parte do Janus Capital Group Inc, constituído em 1969 nos EUA, e movimentava cerca
de US$ 141 bilhões em setembro de 2011. A gestora possuía participação na Cyrela (5,2%
das ações ON) e na MRV (5,3%) em setembro de 2011.
A Carmignac Gestion é uma gestora de ativos francesa, fundada em 198990, com
mais de € 45 bilhões em ativos transacionados, que detinha 7,8% do capital da Cyrela e
7,1% da Rossi.
87
http://www.blackrockinternational.com/AboutUs/Overview/index.htm?. Acesso em janeiro de 2012.
http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2011/02/weodata/index.aspx; acesso em janeiro de 2012.
89
https://ww3.janus.com/institutional/jiam?command=whoWeAre&wt.svl=our_firm_top_nav.
http://ir.janus.com/overview.cfm . Acesso em janeiro de 2012.
90
http://www.carmignac.co.uk/. Acesso em janeiro de 2012.
88
199
A Credit Suisse Hedging-griffo91 Corretora de Valores S.A. é uma gestora de
recursos ―brasileira‖ que se formou em dezembro de 2006 da associação entre a Corretora
Hedging-Griffo, formada nos anos 1980, e o banco Credit Suisse, de origem suíça − que
atua em 54 praças financeiras, passou a operar no Brasil em 1990 e adquiriu um dos bancos
de investimentos mais agressivos do Brasil em 1998 (o Banco Garantia). O Credit Suisse
Hedging-griffo detinha 9,1% das ações ON da Tecnisa, 7,5% da Helbor, 5,3% da Viver e
10,9% da Rodobens.
A Tarpon detinha 5% do capital da Cyrela e 15% da Direcional. Trata-se de uma
gestora brasileira de recursos, criada em 2002, que adquire participações em empresas com
ações negociadas em bolsa (abordagem de public equity) ou de capital fechado (abordagem
de private equity), que teria movimentado R$ 5,5 bilhões em ativos em 2010 92. A Tarpon
e a GP investimentos são as únicas gestoras ―brasileiras‖ a terem seu próprio capital
negociado em bolsa (BM&FBovespa).
A Polo Capital tinha participação na Trisul e na Viver – com uma proporção
importante em ambos os casos, 14,4% na primeira e 10,9% na segunda. Tal como a
Tarpon, é uma gestora brasileira, criada em 2002, e possuía um patrimônio sob sua gestão
de cerca de R$ 2,5 bilhões93.
Estas gestoras são as que detinham 5% ou mais das ações de mais de uma
Construtora/Incorporadora ―brasileira‖ em setembro de 2011 – o que não exclui a
possibilidade de terem participações menores em outras empresas do setor, ou que outras
administradoras de recursos também participem do capital das empresas citadas, em
proporção igualmente menor que 5%.
Observa-se, por exemplo, que nos documentos da BM&FBovespa ao final de 2011
o grupo Paladin destacava-se como acionista apenas da Viver, e não da Even, conforme
existiam informações em 2009 − ou por a participação já ter se reduzido de 2009 a 2011,
ou por ter sido desde sempre inferior a 5% das ações ordinárias, parcela mínima
determinada pela BM&FBovespa para que se divulgue a participação nominal.
91
https://br.credit-suisse.com/ e https://www.credit-suisse.com/global/en/. Acesso em janeiro de 2012.
http://www.tarponinvest.com.br/, acesso em janeiro de 2012.
93
http://www.polocapital.com/swf/site.php, acesso em janeiro de 2012.
92
200
A justificativa mais óbvia para essas gestoras participarem em mais de uma das
empresas do mesmo setor seria a diversificação de riscos em um setor que, no geral, deve
apresentar resultados favoráveis. De forma mais sutil, um dos sócios da Polo
Investimentos afirma que quando se espera a consolidação do setor, se posicionar em
mais de uma empresa pode significar ganhos extra em função das fusões e aquisições
que ocorrerão no futuro. (VALENTI, 2011).
A participação das gestoras com um percentual importante de ações na
administração direta, ou no conselho das empresas, influencia as suas diretrizes − são
chamadas pelo mercado de ―fundos ativistas‖, que influenciam na gestão das empresas em
que apostaram. Sendo esses fundos gestores de capital financeiro, é razoável supor que
exijam das empresas produtivas desempenho semelhante ao de ativos financeiros de forma
genérica − ou seja, mesmo no caso brasileiro, em que se pratica uma altíssima taxa de
juros, a remuneração do capital em operações imobiliárias, de maior risco, requer uma
rentabilidade ainda maior que aquela taxa.
A importância dos fundos nas empresas produtivas brasileiras é crescente, como
reporta um artigo do periódico ―ISTOÉ Dinheiro‖:
O novo cenário do mercado de capitais brasileiro deve permitir
uma maior participação e tornar mais atuantes os fundos ativistas nos
próximos anos. Segundo dados da Bovespa, 47 empresas, entre as 125
listadas no Novo Mercado, não têm controladores definidos, o que amplia
a possibilidade de ativistas assumirem um papel mais relevante, sem
precisar enfrentar as resistências de acionistas majoritários (BAUTZER,
2011).
Os interesses financeiros, deste ponto de vista, podem superar os propostos
pela administração operacional das empresas, mesmo que esta seja, em alguns casos,
majoritária. Um caso citado seria o da Rodobens, empresa da Construção, listada na
BM&FBovespa:
Um bom exemplo da influência dos ativistas brasileiros está na
construtora paulista Rodobens Negócios Imobiliários, controlada pelo
grupo Verdi, de São José do Rio Preto. No fim de 2010, a empresa
enfrentava problemas graves de geração de caixa e alto endividamento.
Construía empreendimentos sem antes garantir o financiamento por
bancos e ficava com os imóveis na mão. Em suma: a Rodobens era o
patinho feio entre as incorporadoras na bolsa.
201
O conselheiro Mauricio Levi, representante da Fama
Investimentos, que detém uma participação de 11,3% na companhia,
insistia com Waldemar Verdi, controlador e presidente do Conselho, para
mudar as coisas. Desde dezembro, a empresa passou por uma verdadeira
revolução. Praticamente toda a diretoria mudou. […] Um agressivo plano
de reestruturação, que começou pela área financeira e se estendeu a todos
os processos, começa a dar resultados. ‗Reavaliamos tudo o que
estávamos fazendo‘, diz Borges. ‗Paralisamos algumas obras e
desaceleramos os lançamentos até colocar a casa em ordem.‘ A empresa
também vendeu ativos para reduzir seu endividamento, que caiu de 100%
para 58% do patrimônio. O lucro triplicou no primeiro semestre, atingindo
R$ 58,7 milhões (BAUTZER, 2011).
Na mesma reportagem, cita-se casos em que diferentes fundos com participação no
capital de determinadas empresas podem unir seus votos e exigir reestruturações
importantes nos negócios, de forma que o capital financeiro, mesmo que pulverizado,
pode se impor à administração da empresa. Uma referência do setor imobiliário para
este tipo de ação seria a Gafisa. Um membro de uma importante gestora brasileira, com
participação na Gafisa, estaria tentando convencer outros gestores de fundos a aumentarem
suas participações e formarem um novo grupo controlador para a empresa de capital
pulverizado (BAUTZER, 2011), com vistas a alterar o time administrativo.
202
Dos fundos já citados, a Cyrela tinha como acionistas as americanas Black Rock
(5,3%) e Janus Capital Management (5,18%), a francesa Carmignac Gestion (7,81% das
ações) e o brasileiro Tarpon Investimentos (5%), perfazendo 23,3% do capital na mão de
administradores de fundos com participação igual ou maior que 5% das ações ordinárias em
setembro de 2011. Elie Horn era então o principal acionista pessoa física, com 23,2% das
ações ordinárias, que com a Eirenor S/A95 (5,18%) e alguns outros sócios, com parcela
menor de ações, conformavam o ―Grupo Controlador‖, que em novembro de 2011
(conforme o sitio da empresa) perfazia 32,58% do capital da Cyrela Brazil Realty.
A Gafisa tinha como maior acionista individual, em setembro de 2011, a americana
Black Rock, com 5,1% do capital, além de outros investidores financeiros com menor
participação, estrangeiros e nacionais, como Itaú Unibanco, BB Gestão de Recursos,
Bradesco Asset, HSBC Gestão de Recursos, Schroder, JP Morgan, Polo Capital e BNP
Paribas (BM&FBovespa e RAGAZZI, 2011).
Como já citado, a gestora de fundos Equity International Properties, norteamericana, já teve a maior parte do capital da Gafisa nas mãos. A empresa, criada em
199996 pelo lendário Samuel Zell (“Midas” do segmento imobiliário) desfez de sua
posição na Incorporadora em 2010, que foi um ano em que as empresas do setor da
Construção viram o valor das suas ações “decolarem”. A Equity International chegou
a ter 50% dos seus negócios no Brasil e o restante dividido entre China, Egito, Inglaterra,
Austrália e Nova Zelândia, atuando predominantemente (mas não de forma exclusiva) no
segmento imobiliário (VALOR ECONÔMICO, 26/05/2010). No seu sitio da internet, a
gestora descreve sua entrada nos mercados do México, Brasil, China, Colômbia e Oriente
Médio (onde relata, brevemente, um investimento no Egito), sempre de forma muito
semelhante. O caso brasileiro é assim descrito:
As an example of replicating our strategy and success in new
markets, we identified Brazil as a similar early-stage opportunity given
its limited competition, attractive fundamentals and inefficient capital
markets. Our investment in leading homebuilder Gafisa in 2005 led to a
successful initial public offering on the Brazilian stock exchange in 2006
(Bovespa:GFSA3) and its listing on the New York Stock Exchange in
2007 (NYSE:GFA), the first U.S. listing by a Brazilian homebuilding
company. Following our investment in Gafisa, we co-founded BRACOR
95
Segundo o Prospecto de distribuição pública de ações ordinárias da empresa de 2006, trata-se de uma companhia,
constituída no Uruguai e controlada pelo acionista controlador.
96
http://www.equityinternational.com/category/nav/company/history/. Acesso em janeiro de 2012.
205
in 2006, which has become one of Brazil‘s leading corporate real estate
companies. In 2006, we also invested in BR Malls, now the largest owner
and operator of retail properties in Brazil for which we led successful
initial and secondary public offerings on the Bovespa in 2007
(Bovespa:BRML3). 97 (grifo nosso)
Ou seja, o ganho esperado por estas incursões se dá especialmente na órbita
financeira, sendo a operacional, das empresas produtivas, secundária.
A Equity International passou a ter participação na Gafisa em junho de 2005,
quando a GP Investimentos, um agressivo fundo de private equity que opera na América
Latina desde 199398, era o acionista majoritário (VALOR ECONÔMICO, 27/12/2005). Em
2006, quando foi feita a primeira OPA da empresa, o grupo norte-americano tinha 32,4%
das ações da empresa, parcela que foi reduzida a 24,5% com a diluição do capital. Ou seja,
tecnicamente a entrada de recursos da Equity International Properties no Brasil
configurou um IDE.
Quando uma parcela relevante das ações da Gafisa foi vendida pelo Equity
International, em 2010, o Imob (Índice que mostra o movimento de preços das ações do
setor) caiu, já que ―o mercado‖ supôs que Samuel Zell estaria antevendo algum problema
na Edificação local. Seu sócio explicou: "A operação de hoje reflete simplesmente a
filosofia do grupo de ter disciplina e embolsar o retorno dos investimentos." (O Estado,
2010). Este é o caráter volátil do “IDE” no período da globalização, apresentado por
Chesnais (1996 e 1998). A Equity International, assim como a GP Investimentos,
“gerou valor” aos seus quotistas abrindo o capital da Gafisa, incorporando a Tenda,
fazendo a empresa crescer em grande parte alavancada por financiamentos
“lastreados”, sobretudo, pela credibilidade que as gestoras de investimentos tinham
junto ao mercado de capitais e bancário. Em 2011, como se verificou, quando a empresa
mostra resultados decepcionantes, tanto a GP Investimentos, como a Equity
International haviam ―embolsado o retorno dos investimentos‖.
Um dos membros do Conselho Administrativo da Gafisa fala em uma reportagem
da dificuldade de reunir um grupo de acionistas interessados em auxiliar estrategicamente a
gestão da companhia, sem controlador definido, por os acionistas serem majoritariamente
97
98
http://www.equityinternational.com/category/nav/company/history/. Acesso em janeiro de 2012.
http://www.gp-investments.com/#/the_company/history_of_success. Acesso em janeiro de 2012.
206
estrangeiros ─ a quem chama de “órfãos de Sam Zell”, já que vários nem mesmo
sabiam que “aquele” quem os atraiu a aportar capital na empresa já teria deixado “o
investimento” (RAGAZZI, 2012). A Gafisa é uma das empresas que estaria no rol de
empresas alvo de consolidação na virada de 2011 para 2012.
O montante de recursos em ativos geridos pelos grandes fundos apontados ao longo
do texto (bilhões/trilhões de dólares) mostra como os poucos milhões de dólares que cada
um desses sócios tem na empresa podem significar muito pouco para dispensar uma
atenção especial para o seu desempenho, o que deixa a gestão da empresa bastante
problematizada.
A MRV Engenharia e Participações S.A. tem participação da gestora norteamericana Janus, mas é o sócio Rubens Menin Teixeira de Souza que concentra a maior
parte das ações com direito a voto. Fix (2011, p.156) aponta a participação de um também
―famoso‖ gestor de fundos britânico na empresa à época do preparo da sua abertura de
capital − Charles Gibbins, através do fundo ―Autonomy Capital Research LLP‖ que, como
apontam os números da BM&Fovespa, já não tem mais participação relevante na
incorporadora, numa operação típica de private equity.
A Brookfield Incorporações tem como principal acionista a Brookfield Brasil
(40,62%, em setembro de 2011), que é uma administradora de recursos, subsidiária integral
da Brookfield Asset Management Inc., uma gestora global de investimentos, original do
Canadá, com cerca de US$ 150 bilhões de ativos sob gestão, com foco nos setores
imobiliário, de infraestrutura, energia e private equity99. Brascan até junho de 2009, a
Brookfield tem como segundo maior acionista individual a Alliance Bernstein, uma
gestora de ativos de origem Francesa que detinha 5,27% das ações da Incorporadora em
setembro de 2011.
Tanto a francesa Alliance Bernstein como a norte-americana Black Rock eram
acionistas da Rossi Residencial em setembro de 2011, a primeira com 5,18% das ações
ordinárias, e o segundo com 6,33%. A maior parte das ações da Rossi, entretanto, estaria
nas mãos da ―Oficinalis Administração e Participações Ltda‖ (17,97%) e da ―Jopar
Administração Ltda.‖ (17,82%) pertencentes a Edmundo Rossi Cuppoloni e João Rossi
99
http://www.brookfieldbr.com/. Acesso em janeiro de 2012.
207
Cuppoloni, estando a administração, assim, submetida a brasileiros, fazendo sentido a
declaração de capital nacional, ainda que com participação estrangeira.
A100 Even, por sua vez, é uma empresa de capital pulverizado, tendo como maior
acionista o ―FIP101 Genoa‖ (16,83% das ações), veículo de investimento do Spinnaker
Capital Group – administradora de ativos organizada em 1999, de origem britânica, com
fundos hedge que atuam em mercados emergentes102, que teria adquirido participação na
Even em 2006. Destacam-se também a Bny Mellon Arx Investimentos Ltda, empresa do
The Bank of New York Mellon Corporation, voltada exclusivamente para a gestão de
recursos de terceiros no Brasil (que detém 5,1% das ações ordinárias da Even) e o sócio
pessoa física brasileiro (Carlos Eduardo Terepins, com 5,81% das ações). O FIP Genoa,
antes da oferta pública de Ações da Even, realizada em 2010 (que teve parcela primária e
secundária) chegou a deter 38% das ações da Incorporadora.
Em 2009 e 2010 foram vários os rumores sobre a fusão ou aquisição da Even – ora
pela Brookfield, ora pela Rossi. O Spinnaker Capital Group teria interesse em vender
sua participação (D'AMBROSIO e BAUTZER, 2010 e D'AMBROSIO, 2011). Esses
negócios não representariam a absorção de uma empresa com problemas, como ocorreu no
período mais grave da crise (2008/2009), mas uma associação estratégica tanto em termos
geográfico, como de liquidez (acesso ao financiamento bancário) e de escala, já que tanto a
Rossi como a Brookfield, no caso de fusão ou aquisição, se aproximariam da primeira
posição do setor, disputada entre Cyrela e PDG. O acionista financeiro foca, assim, os
ganhos de consolidação.
A Cyrela, a MRV e a Rossi, são consideradas no setor como ―empresas de dono‖,
nome dado pelo ―mercado‖ a companhias que embora tenham capital aberto, a presença do
fundador ainda é forte (VALOR ECONÔMICO, 18/03/2011).
100
Grande parte das informações arroladas tem origem na grande imprensa, sobretudo do Jornal Valor Econômico.
Fundo de Investimento em Participação – segundo o portal do Investidor, estes fundos também são conhecidos como
Private Equity, são destinados exclusivamente a investidores qualificados e devem ser constituídos sob a forma de
condomínio fechado. Seus recursos seriam destinados à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição e outros
títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias abertas ou fechadas; que
garantiriam ao fundo a participação no processo decisório da companhia investida, com efetiva influência na definição de
sua política estratégica e na sua gestão.
(http://www.portaldoinvestidor.gov.br/Investidor/Ondeinvestir/Tiposdeinvestimentos/tabid/86/Default.aspx?controleCont
eudo=viewRespConteudo&ItemID=150. Acesso em janeiro de 2012).
Fundos de Participação no segmento imobiliário também podem significar a participação em projetos específicos, em
SPEs.
102
http://investing.businessweek.com/research/stocks/private/snapshot.asp?privcapId=27511266. Acesso em janeiro de
2012.
101
208
A Tecnisa Construtora tem três acionistas com participação igual ou maior de 5 %
– a Jar Participações Ltda.(43,0%, provavelmente associada ao sócio fundador e sua
família, de sobrenome Nigri); a Credit Suisse Hedging-griffo (9,1%) e a gestora de
recursos brasileira Geração Futuro (8,7% das ações – gestora de recursos brasileira).
A HELBOR, a despeito de ter duas gestoras de ativos na composição do seu capital
(a Credit Suisse Hedging-griffo, com 7,5%, e a brasileira Dynamo Administração de
Recursos Ltda103, com 8,9%), tem controle acionário da família Borenstein.
A Direcional também tem um controlador: a Holding Filadélphia Participações
S.A., controlada por Ricardo Valadares Gontijo 104, que detém participação equivalente a
46,8% do capital social da Companhia. Na parcela ―financeira‖ identificável na composição
do capital da empresa está a gestora de ativos brasileira Tarpon, com 15%, o banco de
investimento norte-americana Ridgecrest Capital105, com 6,9% e o fundo soberano de
Singapura106, com 7,2% das ações ordinárias da empresa.
A CDDI (Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário) é o ―braço Imobiliário‖
do grupo Camargo Corrêa, que detém 66,1% do seu capital. O Crédit Agricole Asset
Management107 é a gestora de ativos do banco francês Crédit Agricole, que detém 5,2%
das ações ordinárias da CDDI. As grandes empreiteiras brasileiras chegaram a se posicionar
no começo do ciclo para avançar com seus braços imobiliários, mas o processo não
avançou muito. Em relação à CDDI as notícias são de acertos em torno do fechamento de
capital ainda em 2012.
A Trisul é o resultado da fusão de duas empresas tradicionais de São Paulo, em
2007 – a Incosul e a Tricury – que fez sua Oferta Pública de Ações inicial naquele mesmo
ano. Ela é controlada pela Trisul Participações S.A., com 52,9% das ações ON, que reúne
sócios pessoa-física da empresa, mas a Polo Capital detém 14,4% das suas ações.
A Viver, além da importante participação acionária da norte-americana Paladin
(40%), conta com posições das brasileiras Polo Capital (10,9%) e Constellation
Investimentos e Participações Ltda. (7,3%), da família Parizotto, através da Isa
103
http://www.dynamo.com.br/narempr.asp. Acesso em janeiro de 1012.
http://www.mzweb.com.br/direcional/web/conteudo_pt.asp?tipo=15151&idioma=0&conta=28, acesso em janeiro de
2012.
105
http://www.ridgecrestcap.com/, acesso em janeiro de 2012.
106
http://www.gic.com.sg, acesso em janeiro de 2012.
107
http://www.credit-agricole.com/en/The-Group/Our-business-lines-and-brands, acesso em janeiro de 2012.
104
209
Incorporação e Construção S.A. (6,9%) e da Credit Suisse Hedging-griffo Corretora
de Valores S.A (5,3%).
Assim é visível a importante participação do capital financeiro nas grandes
empresas do setor tanto gerido por ―estrangeiros‖ como por operadoras ―locais‖. Fix
(2011) assim define a internacionalização do setor:
Os resultados da pesquisa indicam que o capital internacional
ingressou por meio de fundos de investimento geridos por empresas de
asset management e private equity, na terminologia empregada pelo
mercado para designar as diversas modalidades de gerenciamento de
recursos de terceiros. A composição desses fundos não é informação
pública, o que dificulta a análise do perfil dos donos do dinheiro na ponta
final. Sabemos que são compostos por investidores brasileiros e
estrangeiros, institucionais e pessoas físicas, mas não é possível obter a
proporção exata. Algumas das gestoras de fundos são empresas
brasileiras, mas captam também recursos no exterior, como a Fama.
Outras são gestoras estrangeiras, mas com escritórios no Brasil e clientes
locais, caso da Legg Mason.
Os resultados indicam a presença do capital internacional na
propriedade das ações. A internacionalização não ocorre pela compra de
empresas inteiras – como aconteceu noutros setores da economia
brasileira, a partir da década de 1990 – mas em certa medida pela entrada
do capital internacional na forma financeira, com maior mobilidade.
(p.163)
Como se inferiu ao final do primeiro capítulo do estudo, o modus operandi do
capital imobiliário internacionalizado que ingressou no país acabou por reorganizar a
estrutura de valorização do capital local, constituindo uma massa de capital indistinta,
seguindo a lógica financeirizada, a que a dinâmica do setor está subordinada.
3.4.3. Estratégias declaradas e a “modernização”
O texto que segue busca reconstituir, brevemente, o histórico, as vantagens
competitivas e as estratégias apresentadas por algumas das empresas de Edificações
arroladas nas seções precedentes. A maior parte das informações advém dos Prospectos de
Oferta Pública Primária e Secundária de Ações das empresas assim como de seus sítios,
que sempre contém um espaço para as ―relações com Investidores‖ – parte das obrigações a
cumprir das empresas com os sócios financeiros.
210
São exploradas as informações de 5 empresas, que se diferenciariam pelo momento
das suas Ofertas Públicas de Ações iniciais. Cyrela e Rossi, que representariam empresas
brasileiras ―tradicionais‖, empresas cujo ―modelo de negócios‖ já havia se consolidado e
já tinham ações negociadas em bolsa desde a década de 1990; as empresas que fizeram seus
primeiros lançamentos em 2006, as ―pioneiras‖ do ciclo recente, representadas por Gafisa
e Brookfield; e a PDG, que é a atual primeira colocada em vendas e que representaria a
estratégia ―vencedora‖ do ―novo grupo‖ de empresas que abriu seu capital a parir de 2007.
A pequena amostra cumpre seu objetivo até pelas características dos documentos
analisados. Rocha Júnior (2007) os nomina “prospectos pasteurizados” pelos
estruturadores das operações de oferta das ações, sendo, como se verá, de fato bastante
próximos. O objetivo de exploração desses documentos neste estudo, além de identificar
uma ou outra especificidade, é de observar esse modus operandi geral que vem se
estabelecendo, e, junto com as informações qualitativas já apresentadas, questionar o seu
potencial transformador em termos produtivos.
3.4.3.1. Histórico e vantagens competitivas
As
Incorporadoras/Construtoras
aqui
analisadas
têm
algumas
vantagens
competitivas comuns, por ser uma amostra selecionada – trata-se de grandes empresas, já
vencedoras no processo de concorrência e pelo modus operandi que o setor assumiu no
País. A vantagem da ―marca‖, por exemplo, é citada por todas as empresas analisadas,
menos a PDG, que na verdade não tem a tradição que as demais, e como será visto, não
quer se apresentar como concorrente dos seus ―pares‖.
Todas as empresas avaliadas apresentam-se como estruturas verticalizadas,
abarcando a Incorporação, a Construção e a venda dos seus imóveis. A despeito disso,
todas estabelecem parcerias para expandir os negócios, algumas estratégicas, na forma de
fusões ou aquisições, outras temporárias, na forma de coparticipação em Sociedades de
Propósito Específicos (SPEs) ou simples subcontratações.
Acredita-se que a verticalização aqui explorada como vantagem competitiva tem
natureza diversa daquela apresentada como uma solução ao problema conjuntural de perda
de controle dos custos, apresentada na seção anterior. Trata-se de empresas que querem se
211
mostrar capazes de organizar o negócio imobiliário explorando todas as etapas de produção
e comercialização do imóvel, capturando o máximo das rendas e ganhos patrimoniais que
esse negócio prevê. Neste sentido, até mesmo as relações com o fisco, o uso de incentivos
fiscais, deve ser objeto de observação no jogo entre as diferentes pessoas jurídicas do grupo
merecendo investigação futura.
Verifica-se que há grande importância das contratações ―menores‖, que estruturas
de fato verticalizadas não pressupõem, inclusive por as empresas destacarem a ―boa
reputação‖ com clientes, fornecedores e subempreiteiras como vantagem competitiva
em seus Prospectos de Oferta.
Menciona-se também a “boa reputação” com proprietários de terrenos como
estratégica, já que a terra urbana é um dos principais insumos do setor. A forma
preferencial de aquisição de terrenos é a permuta, em que se troca terrenos por unidades
edificadas ou rendas oriundas delas, depois de prontas. Como afirma um empresário do
setor, “ser grande”, ter diversos negócios, garante um poder de negociação com
proprietários de terrenos que as menores não têm, já que há diversos ativos a serem
negociados, e, no limite, há a possibilidade de comprar ―em dinheiro‖ o terreno, com
recursos de bancos e/ou do mercado de capitais, a taxas que os pequenos não têm.
Isso leva a outra, e talvez à mais importante vantagem competitiva que essas
empresas desfrutam em comum – o acesso a condições favoráveis de financiamento, o
que lhes traz condições especiais de operação não apenas para a aquisição dos terrenos, mas
para obter capital de giro, para investir e, ainda, para encaminhar melhor a questão do
financiamento à comercialização do empreendimento. Ter a possibilidade de repasse do
financiamento ao proprietário final, o mais rápido possível, libera recursos, como já se
notou, para novos negócios, potencializando o crescimento da firma diante dos
concorrentes menos favorecidos neste quesito.
Neste sentido, todas as empresas citam como parte da sua gestão financeira
“sólida”, o bom relacionamento com as entidades que gerenciam os recursos do SFH.
Acredita-se que com isso as empresas estejam sinalizando justamente que conseguem
promover os repasses de financiamento de forma relativamente rápida, procurando ter,
além do bom relacionamento com os agentes financeiros, um sistema de lançamentos já nos
padrões exigidos no âmbito do Sistema (o que aparentemente teria sido descuidado pela
212
Rodobens, que, como apresentado acima, foi alvo de ―punição‖ do mercado). Quanto
menos tempo a incorporadora tiver que financiar diretamente o cliente, menor a sua
necessidade de capital de giro, menores os seus custos financeiros, maior a margem e a
liberação de recursos para novos empreendimentos. O uso do recurso da securitização se
tornou mais citado nos Prospectos mais recentes.
O fato das grandes empresas de Incorporação/Construção em geral atuarem como
correspondentes bancários da Caixa Econômica Federal já mostra o relacionamento mais
próximo que elas têm com a maior instituição do SFH ─ diferentemente das empresas
menores.
As empresas que apresentam os ganhos de escala como vantagem competitiva, em
geral os associam ao poder de barganha junto a fornecedores, e à possibilidade de
replicação de projetos, à diluição de custos fixos, como os de marketing e
administrativos.
O estoque de terrenos é citado como vantagem competitiva central, até porque dá
uma dimensão do potencial de crescimento das empresas, como citado várias vezes ao
longo do estudo. Notou-se, inclusive, que em praticamente todas as ofertas declarou-se
como destino de parte relevante dos recursos a aquisição de novos terrenos − mais nas
ofertas mais recentes (2009/2010) que nas primeiras (2006/2007), quando o processo
de expansão das firmas estava centrado sobretudo no estabelecimento das parcerias
estratégicas, que previam fusões com “pares” e aquisições de empresas “menores” do
setor, que sem dúvida também carregavam consigo interessantes bancos de terrenos.
A este respeito, notou-se que a destinação dos recursos obtidos através das ofertas
primárias de ações também se repete para as diversas empresas: os valores destinam-se à
aquisição de terrenos, à formalização de novas parcerias, à quitação de dívidas, ao
fortalecimento do capital de giro. Em 2006/2007 preponderaram as quitações de dívidas,
inclusive referentes às parcerias já estabelecidas, e em 2009/2010, cresceram os demais
itens. Ou seja, os “Investimentos” no setor parecem sempre levar à “expansão
horizontal” dos negócios, ao ganho de mercado de forma extensiva, e não à
transformação produtiva, como seria o caso de declarações de gastos com P&D, ou
mesmo aquisição de maquinário/equipamentos e treinamento de mão de obra.
213
De forma semelhante, a organização administrativa aparece mais vezes como
vantagem competitiva que a capacitação técnica do pessoal operacional; verificando-se
que são duas as formas de compreender essa ―capacidade administrativa‖: ora se referindo
à administração da empresa e dos empreendimentos como um todo, fazendo referência à
relação com fornecedores, trabalhadores, etc. (caso único da Cyrela); ora se referindo
especificamente à administração financeira dessas instâncias.
Analisando os Prospectos de Oferta Pública Primária e Secundária de Ações dos
períodos 2006/2007 e 2009/2010 observa-se uma mudança praticamente generalizada de
foco de produto e regional. Devido à revitalização do SFH, entre 2006/2007 as empresas
estavam evidenciando seus esforços para atender a demanda de edificação residencial das
famílias de renda média (―segmento econômico‖ – famílias com rendimento médio de 5 a
10 salários mínimos), em uma extensão geográfica maior. Em 2009/2010, os programas de
subvenção à habitação popular levaram a um novo esforço das Incorporadoras em se
orientar em direção à classe ―super econômica‖ (famílias com rendimento médio de 0 a 3
salários mínimos), à classe média baixa (3 a 5 salários mínimos). Assim as empresas
apresentam a diversificação geográfica e a flexibilidade de produto como vantagens
competitivas já alcançadas, reafirmando o compromisso de expandi-las ainda mais
(alcançar novas regiões e ser capaz de servir ao mercado com o produto que a demanda
sugerir).
Como já se notou, as empresas estão tendo forte dificuldade em manter a
rentabilidade nesse redirecionamento da produção.
Afora esse conjunto de características semelhantes, as empresas diferenciam-se
segundo o seu histórico e direcionamento de alguns esforços para o embate concorrencial.
Como já mencionado, reconhece-se a Cyrela e a Rossi como empresas tradicionais
da Edificação brasileira, e ambas apresentam a ―marca‖ como um de seus pontos fortes.
A Cyrela Brazil Realty S.A. Empreendimentos e Participações é resultante da
fusão, em 2005, da Cyrela, antiga controladora das sociedades do Grupo Cyrela, constituída
em 1962 e da Brazil Realty, pioneira no desenvolvimento de fundos de investimento
imobiliário no Brasil, formada na década de 1990.
214
Até 1981 a Cyrela apenas incorporava edifícios, e então resolveu verticalizar,
passando a construir e vender as unidades edificadas. Sua tradição era a incorporação de
edifícios residenciais voltados a clientes de alta e média-alta renda nas regiões
metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. A Brazil Realty veio a fortalecer o
caráter financeiro da empresa.
No prospecto definitivo da OPA de 2006 a empresa descreve, além das associações
menores, as parcerias que estabeleceu com a Agra Incorporadora (empresa voltada ao
médio e médio-alto padrão em São Paulo; operação cancelada em 2008), a Mac
Investimentos (voltada ao mercado de médio-alto padrão, igualmente em São Paulo), a
Plano & Plano Empreendimentos (com experiência no mercado de empreendimentos
econômicos) a RJZ Participações (Incorporações no Rio de Janeiro), e a Goldsztein
(médio-alto padrão no Rio Grande do Sul). Todas essas parcerias vinham em duas direções
– diversificar a produção em termos regionais e incorporar expertise na produção de
residências para a classe média.
A Rossi Residencial foi fundada em 1980, por um Grupo que já exercia atividades
na área desde 1961. Assim como a Cyrela é uma empresa verticalizada, tendo a sua
unidade de vendas criada apenas em 2006. Diferentemente da Cyrela, entretanto, deixou de
produzir imóveis somente para a alta renda a partir de 1992 e passou a fazê-lo também para
a classe média. Face à escassez do crédito imobiliário, criou o ―Plano 100‖, com imóveis
residenciais voltados à classe média-baixa, em que concedia o financiamento de longo
prazo aos clientes (crédito de comercialização). Em 1999, lançou a linha de produtos ―Villa
Flora‖, em que criava ―comunidades‖ planejadas de condomínios de residências, com infraestrutura de ruas, estação de tratamento de esgoto, praças e parques, centro comercial,
capela, creche, escola, clube e posto policial, constituindo uma expertise diferenciada. Em
2002 adquiriru a América Properties, especializada na construção de imóveis residenciais
e comerciais de alto padrão.
A empresa diverge da Cyrela também por ter buscado ampliar sua base de atuação
em termos geográficos. Desde 1993, teria montado escritórios regionais em Campinas-SP,
Rio de Janeiro-RJ e Porto Alegre-SC, acelerando o movimento de expansão geográfica das
atividades, com base em escritórios regionais, depois de 2006. Em 2011 estabeleceu uma
215
joint venture com a Norcon, uma empresa tradicional da região Nordeste (D'AMBROSIO e
VALENTI, 2011).
A Rossi e a Gafisa eram as únicas empresas neste pequeno grupo que de fato
tinham experiência no segmento econômico, assim como já tinham operação fora das
regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Apresenta-se como origem da Gafisa a ―Gomes de Almeida Fernandes do Rio de
Janeiro Ltda‖, empresa que atuava no mercado imobiliário do Rio de Janeiro e São Paulo
desde 1954. O controlador da Gomes de Almeida, a CIMOB, e a GP Investimentos, uma
das principais empresas de investimento em private equity na América Latinal, criaram em
1997 a Gafisa S.A., com a transferência das reservas de terreno, marca e empregados da
velha Gomes de Almeida. Ainda que pouco tenha ficado da administração da antiga Gomes
de Almeida, a Gafisa confia na marca como uma vantagem competitiva.
Em 2004, entidades relacionadas à GP Investimentos teriam adquirido uma
participação significativa da empresa e em 2005, a gestora de recursos norte-americana
Equity International, ao injetar recursos na empresa, passou a deter cerca de 32% do seu
capital. Como assinalado, em 2011 a Equity International já não possuía mais
participação relevante na empresa – assim como a GP Investimentos. A GP
Investimentos chegou a deter 65% do capital da Gafisa, através de seus fundos (no caso,
em Fundos de Investimento em Participação), e começou a reduzir a participação a partir da
OPA de 2006. Na época passou a deter cerca de 30% das ações da empresa (VALOR
ECONÔMICO, 05/01/2006 e MANDL, 2006) e em 2007, quando houve a abertura de
capital da empresa na Bolsa de Nova York, a GP Investimentos se retirou do negócio –
―realizando o seu lucro‖, como a Equity International fez posteriormente.
As associações estratégicas feitas no período pela Gafisa, foram com a Tenda, já
mencionada, e com a Alphaville, uma empresa de desenvolvimento urbano focada na
venda de lotes residenciais.
A Brookfield Incorporações também tem tradição no Brasil, se distinguindo das
demais empresas até aqui citadas por ter capital estrangeiro desde o início das operações
como Incorporadora no país, em 1978. Ela é um dos investimentos da Brookfield Asset
Management, de capital canadense, no Brasil, que operou até 2008 com o nome Brascan
que se restringia à Construção/Incorporação nas áreas metropolitanas do Estado do Rio de
216
Janeiro, com foco na classe média alta e classe alta. Naquele ano, congregando também os
ativos das antigas BTHP (região metropolitana de São Paulo), MB Engenharia S.A. (áreas
metropolitanas da região Centro-Oeste; com foco na classe média) e Company S.A. (áreas
metropolitanas do Estado de São Paulo), passou a carregar o nome do grupo, reconhecido
internacionalmente. Essas fusões/aquisições se deram no mesmo sentido que as parcerias
estratégicas firmadas pela Cyrela e pela Gafisa: diversificação geográfica e de produtos –
indo em direção à produção de imóveis residenciais para a classe média.
Dois elementos chamam a atenção nos prospectos da Brascan/Brookfield. O
primeiro, com especial ênfase no Prospecto de 2006, a incorporadora assinala, com
veemência, a sua capacidade de lidar com os meandros legais em torno da propriedade
imobiliária no país. Observou-se no item 1.2.2.3. deste estudo, a importância que os
estrangeiros dão a esse tipo de ―ativo‖.
O segundo elemento, apresentado no Prospecto de 2009, é o encaminhamento de
uma joint venture com o IFC (International Finance Corporation), braço privado do
Banco Mundial, para construção de casas populares dentro das linhas de financiamento do
Programa ―Minha casa, minha vida‖ acordo que foi firmado em junho de 2010108.
É interessante notar a escolha de parceria do IFC com um produtor estrangeiro,
tradicional nas finanças globais. Como se notou, os organismos internacionais comumente
assinalam tanto a qualificação técnica quanto o acesso ao financiamento como as principais
fragilidades das empresas dos países em desenvolvimento e, se se prezasse a superação
destes entraves, a escolha deveria ter sido de uma empresa de capital nacional ―de fato‖, ou
ao menos uma joint venture que unisse o capital nacional e o estrangeiro, que se previsse a
transferência tecnológica para o desenvolvimento da Edificação de baixa renda. O interesse
do Banco Mundial na formação de um mercado de securities imobiliárias (apontado no
primeiro capítulo do estudo) deve responder pela escolha de inserção ―produtiva‖ da
instituição.
É importante ressaltar que tanto a Gafisa, como a Bookfield destacavam a sua
operação em escala internacional como uma importante vantagem competitiva nos
seus Prospectos, pois teriam possibilidade de trazer ao Brasil inovações adotadas em
108
Informação disponível em:
http://ri.br.brookfield.com/brookfield/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=36956. Acesso em janeiro de
2012.
217
outras partes do mundo – tanto financeiras, quanto técnicas, o que lhes garantiria
potenciais de ganhos acima da média. Dada a tradição da Brascan/Brookfield no mercado
local, imagina-se que a empresa já teria explorado as técnicas mais modernas que lhe
conviesse no Brasil, assim como não há notícias de uma produtividade diferenciada da
Gafisa, que poderia lhe ter rendido, inclusive, melhores resultados que os observados ao
longo de 2011 e nos meses iniciais de 2012.
A PDG, caso emblemático da “massa de capital indistinta” formada nesse ciclo
de crescimento imobiliário, foi criada em 2003 como uma área focada no ramo
imobiliário do banco de investimentos Pactual. Tornou-se uma unidade autônoma de
negócios em 2006 e abriu capital em 2007. No prospecto da OPA de 2007, a empresa se
auto-denomina uma ―companhia de investimentos com foco no mercado imobiliário‖,
coadunando com a atividade principal registrada na BM&FBovespa (acesso em dezembro
de 2011): ―participações em sociedades atuantes no setor imobiliário‖.
A empresa explica que essas participações seguiriam dois regimes – (i) um em que a
PDG estabelece atividades de ―Co-Incorporação‖, que consistiria na incorporação de
empreendimentos imobiliários específicos em conjunto com diversas incorporadoras do
mercado imobiliário mediante a constituição de SPEs, e outro (ii) em que se estabeleceria
―Investimentos de Portfólio‖ que seguiriam o modelo de Private Equity, onde a PDG
adquiriria participações societárias relevantes em empresas dedicadas ao setor imobiliário,
participando do planejamento estratégico da gestão da empresa parceira. Ou seja, a PDG
―gerenciaria‖ empresas da Edificação – declarando como vantagem competitiva a “não
concorrência” direta com as demais Incorporadoras, que na verdade sempre seriam
potenciais parceiras, garantindo uma ampla flexibilidade com esse modelo de negócios.
Esse modus operandi está fortemente alinhado com as características de operação
das empresas de Edificações no período da globalização, identificadas no primeiro
capítulo do estudo, em que a capacidade de financiamento aparece como uma vantagem
competitiva determinante, e o avanço das parcerias e terceirizações uma decorrência.
Corrobora, igualmente a pouca importância à operacionalidade da Edificação. Os
parceiros locais é que determinariam, em grande proporção, a tecnologia e o ritmo
das obras.
218
uma postura ativa no desenvolvimento dos empreendimentos, focando as ―atividades de
maior valor agregado‖: aquisição de terrenos, concepção do projeto, comercialização
das unidades, obtenção do financiamento imobiliário e monitoramento da
performance financeira do plano de negócios aprovado.
No prospecto de 2009, a empresa afirma que uma de suas vantagens competitivas
seria o ―desenvolvimento de forma industrial dos projetos” voltados para as classes
média baixa e baixa, apresentando características e especificações técnicas padronizadas.
Sendo seu foco, entretanto, puramente financeiro, acredita-se que tal como a Gafisa e a
Brookfield, a PDG deve querer seguir padrões técnicos internacionalizados, que rebaixam
custos circunstancialmente, já que não alteram as relações entre o capital e o trabalho,
entre a edificação e os fornecedores, entre empresas de edificações no sentido de
promoção de um produto mais qualificado e um meio de produção conjunta mais
eficiente. Como sugerem Sabbatini (1998) e Farah (1996), é possível aplicar materiais e
métodos modernos na Edificação, sem necessariamente revolucioná-la.
A PDG, a Gafisa e a Brookfield, assinalam em seus Prospectos de 2009/2010 a
disposição à consolidação, destacando, inclusive, recursos oriundos da oferta de ações
para este fim – 20% no caso da Gafisa, 30% na Brookfield e 40% no caso da PDG (que
até então não teria incorporado a Agre). As concorrentes locais, mais tradicionais, Cyrela e
Rossi certamente não quereriam perder posições – como a primeira já perdeu, quando da
incorporação da Agre pela PDG.
Tudo indica que, o “dilema entre continuar crescendo e sacrificar a
lucratividade, ou acelerar menos e melhorar os resultados”, citado na primeira
subseção deste item levará a um acirramento da concorrência que dificilmente terá a
opção pela melhoria técnica, do lucro a médio e longo prazo, como primeira escolha,
mesmo para as empresas “mais tradicionais” brasileiras – especialmente por se notar
que ao menos 23,3% do capital da Cyrela e 18,6% do da Rossi estão concentrados nas
mãos de poucos grandes acionistas estrangeiros, de perfil financeiro, que em geral
querem uma oportunidade de realizar lucros de forma relativamente rápida.
220
3.4.3.2. Estratégias de crescimento
O Quadro 4 apresenta as estratégias de crescimento apresentadas pelas empresas da
Construção/Edificação acima arroladas nos Prospectos de Oferta Pública de Ações
Primárias e Secundárias definitivos, nos anos citados. Trata-se das respostas aos principais
desafios que as empresas observavam na sua trajetória de crescimento e enfrentamento da
concorrência.
Como seria de se esperar, a percepção de entraves a serem superados coaduna com a
de Vantagens Competitivas – e se não se percebe a “produção mais eficiente” como uma
vantagem, ela também não constitui um entrave para a continuidade dos negócios.
Manter a liderança no mercado original, ampliar o leque de produtos, atingindo todas as
classes de renda, assim como aproveitar a demanda em regiões não exploradas continua
sendo o móvel principal da concorrência: de forma reduzida, para crescer (e
rapidamente) é necessário ir à demanda, esteja onde ela estiver. Um limite a essa
expansão é a manutenção da rentabilidade, exigida pelos investidores.
Procurou-se
destacar
as
estratégias
que
perceberiam
na
estrutura
organizacional/produtiva um entrave importante para o crescimento da firma. A Cyrela
manteve a redução de custos como uma estratégia de crescimento em 2006 e em 2009,
assim como registrou a elevação da verticalização como uma necessidade para a melhoria
do desempenho da empresa ─ o que dois anos depois continuou sendo um desafio, como
visto na subseção 3.4.1.. A Rossi, que tinha como estratégia ―Manter a atuação integrada,
com foco na redução de custos e no aprimoramento contínuo do processo de
construção‖ em 2006, deixou de elencá-la como prioridade em 2009. A Brookfield
manteve a ―eficiência operacional‖, junto à financeira como estratégica para a
competitividade da empresa.
A PDG, que citou a utilização de técnicas de construção industrializada como
vantagem comparativa, não fez menção à busca de melhorias técnicas ou organizacionais
em suas estratégias. O crescimento ―orgânico‖ que se propõe como estratégico para
―intensificar as atividades no segmento de baixa renda‖ tem a seguinte descrição:
Acreditamos que com a recente recuperação do mercado
imobiliário, observada pelo expressivo volume de Vendas Contratadas
no setor no segundo trimestre de 2009 e o anúncio em abril de 2009,
pelo Governo Federal, do Programa Minha Casa, Minha Vida
221
proporcionará aumentos de nossas vendas e expansão de nossas
operações. Dentro desta lógica buscaremos ampliar o nosso estoque de
terrenos e volume de lançamentos em nossas cidades de atuação, além
de expandir a nossa atividade para cidades que ainda não estamos
presentes. Adicionalmente, contamos com um estoque de terrenos que
nos permite realizar lançamentos de 56 mil unidades elegíveis ao
Programa Minha Casa, Minha Vida. (PROSPECTO DEFINITIVO DE
OPA, 2009, p. 34)
Ou seja, há sim planos de expansão horizontal – de lançar mais empreendimentos, expandir
as parcerias, fusões e aquisições, terceirização, o que não necessariamente passa pelo
aperfeiçoamento técnico da produção e da gestão, o estabelecimento de parcerias com fornecedores
de serviços e insumos, etc..
222
Quadro 4. Estratégias para o crescimento das empresas da Construção, segundo os Prospectos de Oferta Pública de Ações Primárias e
Secundárias definitivos. Empresas selecionadas.
Cyrela
2006
Consolidar o potencial de crescimento dos mercados em que já são líderes
Crescimento com expansão geográfica e em novos segmentos
Manter situação financeira conservadora e aumentar o volume de
financiamento aos clientes
Aumentar a aquisição de terrenos e o lançamento de novos empreendimentos
Continuar a reduzir custos e maximizar eficiência de construção
2009
Expandir nossa atuação e manter nossa posição de liderança.
Aumentar nossa atuação nos segmentos econômico e super-econômico.
Aumentar a aquisição de terrenos e o lançamento de novos Empreendimentos
Manter a gestão financeira conservadora
Continuar a reduzir custos e maximizar eficiência de construção
Intensificar a verticalização das operações
Rossi
2006
2009
Explorar oportunidades de crescimento no segmento de imóveis residenciais Acelerar nosso crescimento no segmento econômico e continuar crescendo
voltados à classe média.
no segmento de classe média, com manutenção ou melhora das margens.
Expandir nossas regiões de atuação.
Continuar a expandir geograficamente nossa atuação
Manter a flexibilidade de atuação, de forma a aproveitar oportunidades de
Expandir o percentual de vendas realizado por nossa equipe própria
negócio em qualquer segmento.
Manter a disciplina e solidez financeira e buscar fontes eficientes de
financiamento
Manter nossa atuação integrada, com foco na redução de custos e no
aprimoramento contínuo do processo de construção
Gafisa
2006
2010
Capitalizar no potencial de crescimento.
Capitalizar o potencial de crescimento
Continuar focando em oportunidades de alto retorno
Manter forte reserva de terrenos
Aumentar a aquisição de terrenos e novos desenvolvimentos
Manter estrutura eficiente de capital
Manter uma posição financeira conservadora.
Capitalizar o potencial de crescimento do setor através de Fusões, Aquisições
e Parcerias
Fonte: Elaborado pela autora, com base nos Prospectos de Oferta Pública de Ações Primárias e Secundárias definitivos das empresas citadas, disponíveis nos sítios da BM&FBovespa e
CVM (acesso em janeiro de 2012).
223
Quadro 4. Continuação.
Brascan/Brookfield
2006
2009
Contínuo desenvolvimento de projetos residenciais destinados à classe média Capitalizar o potencial de crescimento em nossos segmentos de mercado
alta e classe alta
Expansão no mercado imobiliário para a classe média
Avaliação de novas oportunidades de crescimento.
Foco em aquisição de terrenos em áreas estratégicas
Desenvolvimento de um banco de terrenos equilibrado
Desenvolvimento de oportunidades de parcerias estratégicas
Aproveitamento de nossa eficiência operacional e financeira.
Aproveitamento de nossa eficiência operacional e financeira
PDG
2007
2009
Intensificar as atividades nos segmentos do setor imobiliário e expandir
Intensificar as atividades no segmento de baixa renda de forma orgânica.
geograficamente
Realizar ganhos de capital nos nossos investimentos de portfólio
Capitalizar o potencial de crescimento do setor através de Fusões, Aquisições
e Parcerias.
Capitalizar o potencial de crescimento do setor através de Fusões, Aquisições Atuar na estruturação de operações financeiras relacionadas ao mercado
e Parcerias
imobiliário
Manter estrutura eficiente de Capital
Manter estrutura eficiente de capital
Fonte: Elaborado pela autora, com base nos Prospectos de Oferta Pública de Ações Primárias e Secundárias definitivos das empr esas citadas, disponíveis nos sítios da BM&FBovespa e CVM (acesso em janeiro
de 2012).
224
3.5. Considerações finais
A Edificação brasileira passou por um intenso processo de transformações no ciclo
dos anos 2000. O mercado mudou em relação ao volume, ao mix de obras e ao seu recorte
geográfico. Ganhou espaço a produção de edificações residenciais, com crescente
participação dos segmentos econômico e super-econômico; e ela se desconcentrou
regionalmente, segundo os ganhos de participação no emprego formal gerado de 1985 a
2010, indo em direção ao Nordeste, ao Sul, ao Norte e ao Centro-Oeste. Houve também a
entrada de valores nunca vistos de recursos estrangeiros para o segmento.
Verificou-se valores muito maiores desses recursos direcionados para as operações
de Oferta Pública de Ações na bolsa local (Quadro 3, que de forma incompleta somariam
R$ 13,5 bilhões entre 2007 e 2011) que para as operações de IDE registradas pelo Banco
Central do Brasil (Tabela 6 − que somaria o influxo para o grupo Construção de Edifícios
de US$ 5.140 bilhões de 2007 a 2011, com a cotação mínima do dólar a R$1,53, máxima
de R$ 2,50 e média de R$ 1,84 no período), o que levaria a afirmar que o investimento em
carteira, de caráter mais especulativo, foi o que preponderou. Verificou-se, por outro
lado, e também de forma empírica, que a natureza dos IDE para as Edificações, embora
devesse seguir uma lógica de investimento produtivo, de longo prazo, assume uma feição
curto prazista, mais próxima ao direcionado aos serviços imobiliários que à produção
de obras infraestruturais, por exemplo ─ seja com base na observação dos dados de IDE
transacionados pela OCDE (seção 1.2.2.2.), seja pela natureza dos recursos recebidos pelo
setor brasileiro (seção 3.1.). Ou seja, mesmo o capital invertido internacionalmente na
forma ―produtiva‖, assumiu um caráter, em termos agregados, especulativo ─ de busca de
ganhos patrimoniais, e não somente de rendas. Essa observação coaduna com a
interpretação de Chesnais (1995 e 1998) de que a internacionalização no período histórico
vigente, em que prepondera a finança direta e os mercados desregulados, o IDE, ao menos
como é mensurado, pode perder o caráter que teoricamente lhe é dado (seção 1.1.1.).
Inferiu-se neste estudo que a internacionalização do segmento de Edificações
seria tardia por ele ser especialmente propício à valorização do capital aos atuais
moldes de acumulação. Por sua natureza, a Edificação, que hoje compreende, ou
ainda melhor, é compreendida pelo setor imobiliário, consegue congregar ganhos de
225
renda (lucros operacionais) e patrimoniais (lucro imobiliário, ganho de capital em
negociação de títulos de co-propriedade e de dívida); o que é muito valorizado nos
mercados de capitais. O perfil de grande parte do capital que aportou na Edificação
brasileira é financeiro, independentemente de ter assumindo o status de ―investimento
em carteira‖ ou de IDE. Para o setor produtivo isso importa porque dá novo ritmo aos
negócios.
Este capital não questiona o crescimento extensivo ou intensivo da produção ─
ele “somente” exige que a produção caminhe na direção que permita alto e rápido
retorno. Alguns capitais têm horizonte bastante curto, pensando na valorização das ações
ou títulos de dívidas, outros assumem um horizonte um pouco mais longo, pensando no
dividendo, na renda do imóvel, ou na consolidação do setor.
O impacto dessa lógica nas empresas, por outro lado, não é pequeno. Elas devem
constantemente gerar expectativa de maiores ganhos, nem que para isso alavanquem seu
crescimento se endividando, o que às expõe sobremaneira aos ciclos de crédito. A
lógica de curto prazo se transpõe às atividades operacionais, dificultando, inclusive, as
decisões de investimento em modernização que comprometam os resultados de curto
prazo.
No caso brasileiro, privilegiou-se a compra de terrenos, a constituição de parcerias,
que prenunciam o crescimento dos negócios, a investimentos modernizantes, por exemplo.
O controle de custos seguiu a lógica “fácil”: diminuição da área útil das unidades
residenciais,
utilização
da
terceirização,
controle
de
custos
com
material
(provavelmente justificando parte da queda de qualidade das Edificações).
As
vantagens
competitivas
e
estratégias
declaradas
pelas
Construtoras/Incorporadoras observadas na seção 3.4.3. corroboram a idéia de um
crescimento horizontal da produção. Comprar terrenos, ter acesso ao financiamento
(inclusive à comercialização/repasses), estabelecer parcerias, abrindo novos mercados,
são movimentos que não exigem a modernização da produção, que só se dará na
medida do inevitável, já que o investimento, nessa lógica, pode subtrair recursos da
expansão mais fácil.
Se no Brasil as empresas do setor já apresentavam uma hipertrofia das operações
financeiras por sobreviverem em um ambiente de mercado reduzido, de falta de
226
financiamento (tanto à produção, quanto à comercialização de imóveis) e alta inflação nos
anos 1980 e início dos 1990, onde a gestão dos custos operacionais ficava ofuscada pela
administração financeira dos empreendimentos, a chegada de um modelo de financiamento
em que elas passam a responder aos seus financiadores diariamente por expansão dos
negócios apenas reforça aquela característica. A modernização produtiva continua
secundária enquanto for possível o crescimento sem ela. Este é um modelo de
acirramento da concorrência que prevê a exploração de fornecedores e parceiros de
forma temporária, sem estabelecer vínculos mais duradouros que acarretem sinergias,
apresentando ganhos de eficiência setorial.
Com relação à possível queda do ímpeto dos negócios no Brasil, em que o ritmo de
crescimento do segmento passaria a apresentar taxas de crescimento mais modestas, todas
as reportagens reforçam o diagnóstico de que os problemas da Edificação estariam
especialmente do lado da oferta, e não da demanda – o que deve refletir as estatísticas de
déficit habitacional, é claro, e não consideram a exaustão do SFH e do próprio ciclo de
crescimento da economia, como um todo.
Poder-se-ia dizer, assim, que o mercado imobiliário residencial brasileiro estaria em
um momento particularmente interessante. Extinguiram-se, aparentemente, os ganhos mais
fáceis para a Edificação. Ganhos de produtividade das Edificações teriam que se somar
ao equacionamento do problema do funding à comercialização, que está por se impor,
e dos preços dos terrenos urbanizados, para que se viabilizasse a continuidade do
ciclo, em condições urbanísticas razoáveis.
Virgilio (2010) aponta para a percepção de risco político ―pelo mercado‖ da
continuidade do ciclo ao não existir uma estrutura de funding definida, inclusive dos
Programas de habitação de interesse social, já que as metas do ―Minha casa, minha vida‖
vão sendo determinadas ad hoc ─ o que no caso aqui avaliado, reforça o adiamento das
decisões de investir.
Com relação à participação dos estrangeiros nesse processo, vale explorar a
declaração do ―segundo‖ executivo do fundo International Equity, que foi um dos
principais acionistas da Gafisa entre 2005 e 2010:
A liquidação dos ativos da Bracor indica que, para o experiente
Zell, os preços dos imóveis no Brasil estão no pico. "Decidimos vender
227
porque achamos os preços pagos excepcionais", disse McDonald.
"Poderíamos esperar mais se quiséssemos porque o fundo tem tempo e
flexibilidade", diz.
Na opinião do executivo, o Brasil chegou a um momento parecido
com o que México viveu há cerca de quatro anos. "Os preços subiram
muito e começou a entrar outro tipo de capital, menos oportunista e
com retornos mais modestos", diz. (VALOR ECONÔMICO,
09/02/2011; grifo nosso)
A principal referência do Equity International no México foi a participação que teve
na Homex, uma incorporadora que se firmou pela atuação no mercado de baixa renda, no
boom daquele mercado (e que está operando, de forma independente, no Brasil). O fundo
teria adquirido participação na empresa enquanto tinha capital fechado, em 2002, promoveu
sua abertura de capital, e manteve participação até 2008. Foram 6 anos na Homex, e agora
5 na Gafisa.
Assim, o experiente executivo (de quem também se apropriou de opiniões para
compor o item 1.2.2.3. do estudo) expôs o caráter do capital estrangeiro que teria aportado
no país até 2010/2011. Existirá esse capital menos oportunista? Ele traria consigo
mudanças organizacionais que desenvolveriam o setor? Não. Pode existir o capital que
aceite retornos relativamente menores, mas, como já salientado, a modernização
dependerá de um salto do setor como um todo, já que os estrangeiros em geral se
adéquam às condições de concorrência local, o que inclui os padrões técnicos em uso.
Cabem ainda alguns comentários a respeito das “soluções” para contornar a
queda nas margens de lucro propostas pelas empresas. A primeira seria a redução da
participação dos lançamentos para a baixa-renda, que em geral trazem maior risco à
rentabilidade, já que os preços finais são limitados e os custos não. Essa solução é o inverso
do desejado quando se promove políticas que buscam, simultaneamente, o desenvolvimento
da eficiência do setor e o encaminhamento da questão habitacional, o que parece ser o
objetivo atual. Essa ―solução‖ é temporária, inclusive, porque a demanda reprimida da
classe média poderá ser suprida em relativamente pouco tempo, não garantindo muitos anos
de crescimento acelerado da atividade, como desejaria o capital, nem encaminharia o
problema habitacional, segundo o desejo do Estado.
228
A via da edificação de conjuntos habitacionais com milhares de unidades
habitacionais, em terrenos distantes dos centros urbanos, embutindo volumes crescentes de
subsídios para satisfazer as ―necessidades‖ do capital imobiliário, como tem sido observado
em alguns casos, não deveria se constituir uma resposta do setor público aos entraves ora
colocados, inclusive porque não trarão o efeito de modernização da construção, como já
observado nos anos 1970. Será mantida a estrutura setorial já conhecida: um núcleo de
empresas modernizadas, com uma imensa quantidade de pequenas empresas ineficientes ao
seu entorno, com pouca integração entre elas e delas com o setor fornecedor de insumos e
serviços.
É interessante notar, ainda, que as mudanças de padrão do produto final da
Edificação podem, como assinalado no capítulo anterior, dar sinais confusos para a
indústria de insumos, já que parte dela é sujeita à diferenciação segundo o tipo de obra (um
exemplo óbvio é a linha de acabamentos), o que pode dificultar as decisões de investimento
dos produtores de materiais.
Nota-se também como o financiamento à Edificação com base no mercado de
capitais acaba por influenciar no direcionamento da oferta do setor. Na década de 1970,
essas mudanças de composição da ―demanda a ser atendida‖ vieram estritamente do foco
da política habitacional, segundo o direcionamento dos recursos SFH; nos anos 2000, ainda
que seja óbvio que a demanda seja determinante, e portanto que os critérios do crédito à
comercialização (SFH) sejam o fundamental para definir o mix de obras passíveis de
produção, é inegável que o mercado de capitais também esteja exercendo influência neste
sentido.
As empresas também sugerem o aprofundamento da verticalização para recompor
as margens comprimidas. Este processo, como descrito pelos dirigentes das empresas,
não deve ocorrer, e se ocorrer, será em caráter temporário, para satisfazer a demanda
concentrada no tempo. É verdade que a consolidação entre as “grandes” empresas
deve continuar ocorrendo, já que a expansão da demanda não deve continuar acelerada
como se viu até o momento e as fusões/aquisições serão uma saída para a continuidade do
processo de crescimento das firmas; mas, como visto no primeiro capítulo deste estudo, a
própria natureza da concorrência no período da globalização prevê o uso das parcerias e
terceirizações, sendo a verticalização radical um contra-senso. Além disso, a expansão da
229
oferta continuará se dando pelo aproveitamento dos novos mercados que estão se abrindo
em regiões menos exploradas do Brasil pelas ―grandes‖, de forma que, pela própria
característica do segmento de Edificações, em que a questão imobiliária local é crucial, as
associações/terceirizações, mesmo que temporárias, deverão ser condição para a entrada
rápida nesses mercados. Sendo assim, a verticalização tem limites claros. O que deveria
ocorrer
é
uma
aproximação
técnica
maior
entre
as
grandes
Construtoras/Incorporadoras, seus parceiros e fornecedores, de forma que a eficiência
média dos parceiros se aproximasse à das grandes – o que se refletiria em índices de
produtividade agregada crescentes, como desejado.
Quanto à centralização da análise de crédito das operações do SFH na Caixa
Econômica Federal, se essa prática fragiliza algumas Incorporadoras, busca garantir o
crescimento equilibrado do crédito habitacional direcionado no país e a qualidade mínima
da habitação – o que é fortemente defensável! Seria importante, por outro lado haver uma
certa isonomia no tratamento da CEF entre os contratantes, independendo do tamanho das
Construtoras/Incorporadoras, ou, mais ainda, um cuidado especial no controle das obras das
―grandes‖ − exigindo contratos em condições razoáveis com terceiros, incluindo
treinamento de pessoal.
Seja como for, a revolução que se esperava em termos produtivos não ocorreu –
pelo contrário, há referências a perda de qualidade dos produtos e ampliação dos prazos
das obras, o que naturalmente está associado a rebaixamento do nível de eficiência do
segmento – quadro muito semelhante ao descrito como de “modernização
irresponsável” dos anos 1970. Independentemente desse quadro, alguns gerentes de
grandes fundos nacionais e internacionais, por sua vez, já realizaram grandes
“lucros” na venda de ações, na entrega de empreendimentos em condições fortemente
favoráveis de preços, que não “decorreram da”, nem se “reverteram para” a melhora
das condições de oferta de moradias ou de qualquer outro tipo de Edificação no
Brasil.
Quanto ao consumidor, já há várias notícias em torno do seu descontentamento com
o produto que vem recebendo – e que em alguns casos até mesmo se nega a receber. As
empresas estão se mobilizando para contornar a situação temendo, inclusive, pelo ativo que
mantém como vantagem competitiva: a marca. Um novo instrumento de pressão do
230
consumidor tem sido as redes sociais na internet, o que aparentemente gera maior temor às
empresas da Edificação que os tradicionais canais de reclamação, como o órgão público de
proteção ao consumidor (o Procon). A mudança do perfil do consumidor certamente exigirá
maior cuidado por parte das Incorporadoras (como já assinalava Sabbatini, 1998).
231
Capítulo 4. Considerações Finais
A Edificação brasileira, sobretudo o seu segmento mais frágil − o da Edificação
residencial −, passou por um intenso processo de transformações no ciclo dos anos 2000,
mas não avançou, como esperado, no processo que se compreende genericamente por
industrialização da construção, que prevê a crescente organização da produção da
Construção, tipicamente manufatureira, aproximando-a da organização industrial, gerando
ganhos importantes de produtividade ao segmento. A despeito de existirem diversas
iniciativas particulares em direção ao uso de técnicas/componentes/padrões
organizacionais diferenciados, isso não resultou em uma eficiência agregada
substancialmente melhor em termos de produtividade e nem mesmo de produto final
– já que os relatos de patologias nas edificações cresceu mais que proporcionalmente
ao crescimento do volume de obras entregues – e é possível que nem chegue a se
materializar.
As atuais condições ―do lado da oferta‖ seriam aparentemente propícias àquele
movimento, mas o que se verificou depois de seis anos de crescimento das atividades foi
um baixíssimo crescimento da produtividade do trabalho no segmento e queda de
rentabilidade das grandes empresas, em pleno ciclo de expansão, o que reforça a suspeita
de que há problemas para que um processo mais amplo de transformação produtiva ocorra.
Com base na bibliografia, constatou-se que além de precondições tradicionais como
o crescimento dos negócios, o financiamento e a disponibilidade de insumos e técnicas
adequadas, a industrialização da construção pressuporia uma certa regularização dos
ciclos de negócios e imobiliário para que se gerasse um ambiente pró-modernização
na Edificação, e que apenas uma inserção estatal diferenciada à do atual padrão
poderia garanti-lo. Isso significa que além de realizar políticas industriais, prómodernização, o Estado deveria assegurar condições de demanda que permitissem um
processo
de
concorrência
intercapitalista
que
favorecesse
o
investimento
modernizador.
Isto ocorre porque neste segmento o ímpeto modernizador dos empresários seria
ainda menor que na indústria ordinária, pela forte imprevisibilidade de custos a que eles
estão submetidos, por ter seu principal insumo suscetível a ciclos de valorização (o terreno
urbanizado); e pela sua especial vulnerabilidade aos ciclos econômicos, de forma mais
233
geral, e de crédito, de forma mais específica. São essas variáveis que o Estado deveria
procurar controlar para favorecer a industrialização da construção − agenda pouco factível
no período da globalização.
Supondo um ciclo imobiliário ascendente, em um ambiente econômico que
favorecesse grandes variações de preços dos imóveis residenciais ou comerciais, afetando
inclusive os preços dos terrenos na área urbana, no segmento de Edificações haveria um
duplo movimento: i. alguns empresários (os incorporadores) poderiam se apropriar não
apenas dos ganhos operacionais
mas
também da
valorização
imobiliária
do
empreendimento, minimizando a importância dos ganhos produtivos mais estritos, já
que a ineficiência produtiva pode ser mais que compensada pelo ganho imobiliário; ii.
o esforço financeiro para dar continuidade aos negócios é relativamente grande, pois o
terreno urbanizado tem custo unitário relativamente alto, e crescente, já que está submetido
ao ciclo imobiliário – o que torna arriscada a imobilização de capital com iniciativas
modernizantes, já que a prioridade para o prosseguimento dos negócios seria ter recursos
para a aquisição de um novo terreno, e não a modernização. Assim, em condições de alta
variabilidade do preço dos imóveis, a compra de um terreno adequado às condições
da demanda se torna mais importante à empresa da Edificação que imobilizar capital
em materiais/técnicas/treinamento de funcionários e fornecedores que minimizem os
custos das obras dali por diante até porque, se os preços da terra urbanizada estiverem
em ascensão, o investimento modernizante realizado pode inviabilizar a aquisição de um
novo terreno e a continuidade dos negócios em bases propícias. Nesta lógica, há
prevalência do lucro imobiliário, do ganho patrimonial ao lucro operacional.
É importante assinalar que a incorporadora tanto pode atuar apenas organizando o
empreendimento imobiliário, estabelecendo parcerias, contratando empresas menores para
erigi-lo, como pode ter seu braço construtor. Por ser um segmento com baixas barreiras
técnicas, no início do ciclo tende a existir um grande número de empresas disputando
contratos de terceirização, e em geral vence o melhor preço – que tanto pode ser obtido pela
alta produtividade, como pela informalidade e exploração da mão de obra pouco
qualificada. À medida que o ciclo avança, algumas dessas empresas terceirizadas podem
querer ampliar a produtividade, até pela crescente escassez da mão de obra barata, o que
234
pode ser “catalisado” através de parcerias mais estáveis com as grandes
Incorporadoras.
Em relação à forte vulnerabilidade aos ciclos de crédito/de negócios, ela se justifica
pelo largo prazo de produção da Edificação associado ao alto custo unitário do seu produto.
As empresas da Edificação residencial, por exemplo, podem perder muito dinheiro se
as condições de demanda se reverterem em meio à produção de um empreendimento,
que leva, em média, 3 anos para ser erigido – havendo perda ainda maior se
imobilizarem capital na aquisição de equipamentos, desenvolvendo produtos junto a
fornecedores e/ou com treinamento da mão de obra ao longo do período. Neste
segmento é possível um empresário encontrar um ambiente de demanda ao final de um
empreendimento totalmente diverso ao existente de quando da decisão de produzir, o que
torna o negócio muito arriscado, e a imobilização do capital que os investimentos
modernizantes preveem, ainda mais. Os ciclos econômicos mais curtos, observados no
período da globalização, deixam o capital das edificações especialmente avesso ao
investimento.
A industrialização da construção foi um movimento que ocorreu na Europa sob
condições específicas de concorrência da “Era keynesiana” que não se colocam no
ciclo brasileiro: um longo período de crescimento econômico, com forte regulamentação
creditícia e com restrições à mobilidade internacional de capitais; com contenção do
processo de valorização da terra urbana, pelo reconhecimento da função social da terra
urbana e o fornecimento de infraestrutura; além de políticas de estímulo à eficiência
setorial. Esse conjunto de ações favoreceu a industrialização da construção.
Assim, para incentivar a industrialização da construção, o ambiente de negócios
imobiliários teria de ser ―controlado‖, garantindo de forma mais longeva as boas condições
de renda e emprego; de crédito à comercialização de habitações para as famílias de
média e média-baixa renda; de financiamento público à habitação de interesse social,
com a constituição de um fundo crível, duradouro, para satisfazer essa demanda; de
financiamento à produção e ao investimento na Edificação (com caráter contracíclico); de contenção da valorização imobiliária excessiva, em especial dos terrenos
urbanos, de forma que os investimentos modernizantes possam maturar e
recompensar o risco do produtor individual. Um mercado em condições de demanda
235
mais estável poderia desencadear decisões de investimento quase que simultâneas por toda
a cadeia, de forma que o investimento modernizante individual teria seu risco minimizado,
por ―todos‖ os concorrentes estarem imobilizando capital para este fim praticamente ao
mesmo
tempo.
O
elemento
desencadeador
desse
movimento
poderia
ser
o
condicionamento da demanda estatal a ações modernizadoras.
No caso brasileiro dos anos 2000, o padrão de negócios assumido foi de
concorrência acirrada em termos de crescimento das vendas, e de consecução das
obras em grande parte com base na exploração de fornecedores e parceiros de forma
temporária, sem estabelecer vínculos mais duradouros que acarretassem sinergias,
enquanto o que deveria ocorrer, com vistas aos ganhos de produtividade sistêmica, é uma
aproximação técnica maior entre as grandes Construtoras/Incorporadoras, seus parceiros e
fornecedores, de forma que a modernização da grande empresa capacitasse os demais
agentes do setor, levando ao salto esperado. Credita-se grande parte desse quadro ao
alinhamento de interesses do capital imobiliário brasileiro ao do internacional, que
através do financiamento relativamente barato do mercado de capitais, lançou uma
corrida por participação nas vendas, patrocinando um ciclo imobiliário com
crescimento da produção fortemente desorganizado. O Estado brasileiro favoreceu
esse processo, não apenas permitindo a entrada do capital estrangeiro no setor, como
mesmo promovendo, junto ao capital imobiliário brasileiro, o Programa ―Minha casa,
minha vida‖ a investidores estrangeiros, assim como assumiu o Programa, lançado sob uma
perspectiva fiscal mais restrita, como o principal elemento da política habitacional do
governo federal.
O ciclo na verdade havia sido inaugurado pela combinação do crescimento mais
geral da economia às condições renovadas do crédito à comercialização de imóveis
residenciais (pelo SFH), viabilizando a demanda da classe média, o que despertou o
interesse do capital imobiliário internacional, que passou a financiar a expansão da
produção e do investimento no setor, via mercado de capitais.
A concentração do déficit habitacional nas menores faixas de renda ensejava a
produção em larga escala, o que seria propício à industrialização da construção. A crise
de 2008 reforçou essa característica com o Programa ―Minha casa, minha vida‖, que
renovou o interesse dos estrangeiros, que viam pouco espaço de valorização nas economias
236
estagnadas do Centro. O crescimento das empresas e a consolidação que se seguiu ao
crescimento dos negócios também favoreceriam as economias de escala, assim como
ampliariam o poder de barganha da Edificação junto aos fornecedores, capacitando-a,
inclusive a influenciar no desenvolvimento da indústria de insumos e dos prestadores de
serviços, desenvolvendo sinergias de vital importância para a produtividade na Construção
como um todo. O que ocorreu, entretanto, foi uma guerra por participação no mercado a
custas de endividamento, de parcerias e subcontratações mal desenvolvidas, com alta
rotatividade da mão de obra pouco experiente e raramente treinada, baixo
entrosamento com fornecedores, levando a atrasos de entrega, baixa qualidade do
produto final e queda de rentabilidade das principais empresas do segmento.
A disponibilidade de financiamento farto e “barato” à produção e ao
investimento, constantemente citada como um importante entrave ao desenvolvimento das
empresas locais até então, menos que uma vantagem, sancionou o crescimento
acelerado da atividade, resultando na perda de controle dos custos e alguma
degradação do padrão de qualidade das construções.
No primeiro semestre de 2012, o quadro não é dos mais animadores. Do lado da
demanda, não há garantia de recursos à comercialização dos imóveis, cada vez mais
caros, para manter as vendas em ritmo crescente. Ainda que seja prolongado o
“Minha casa, minha vida”, ou que programas similares surjam, suas condições terão
que ser revistas para que as incorporadoras voltem a se sentir atraídas: ou o poder
público (nas suas três esferas) reafirma o instituto da função social da terra urbana, o
que parece politicamente muito difícil, ou terá que ampliar a remuneração ao capital
imobiliário para que ele veja lucratividade nessa operação – onerando o Erário,
podendo reproduzir, inclusive as moradias de baixa qualidade, longe dos centros urbanos,
dos projetos tão criticados dos anos 1970.
Neste quadro, já pouco confortável, a piora do cenário internacional entre o
segundo semestre de 2011 e o primeiro de 2012 inspira temor em torno da continuidade
do crescimento econômico mais geral, assim como a aversão ao risco se soma às
condições já ruins das grandes empresas da edificação que, endividadas, precisam de
refinanciamento e de recursos para o giro das suas operações. A captação de recursos
nos mercados de capitais tende a ficar problematizada, o que deve se expandir para a rede
237
bancária, podendo ocorrer uma situação semelhante à vivenciada em 2008, em que a
consolidação “às pressas”, com auxílio governamental, evitou a quebra das empresas
mais frágeis, estendendo o ciclo que havia acabado de se abrir. O financiamento à
produção e ao investimento, tal como foi estabelecido, é fortemente pró-cíclico.
Os constrangimentos vistos em 2008 estão se recolocando, com parte da demanda
da classe média já satisfeita. Acredita-se que esses constrangimentos todos, por outro
lado, antes de se darem a esmo, são característicos: i. do período da globalização; ii.
da lógica de acumulação mais geral do capital imobiliário, a parcela determinante “do
lado da oferta” neste ciclo de negócios, iii. do mercado imobiliário brasileiro.
Nessas condições, o ciclo imobiliário apenas se manteria, possibilitando (mas
não garantindo) a industrialização da construção, com o Estado “pagando” pela sua
continuidade – sancionando o preço crescente da habitação de interesse social e
dispondo de recursos públicos para favorecer a consolidação do setor, evitando que
quebras importantes interrompam o ciclo.
Acredita-se que a ênfase do financiamento à produção e ao investimento das
empresas da Edificação no mercado de capitais, com forte participação do capital
estrangeiro, fortemente suscetível aos humores dos seus mercados de origem e ávidos por
resultados instantâneos, do ponto de vista da industrialização da construção, foi um
equívoco.
238
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Anexo
Títulos especialmente explorados da Wharton School110:
Investidores árabes juntam-se à festa do mercado de imóveis latino-americano;
Publicado em: 08/09/2010
Gary Garrabrant, da Equity International: mercado em baixa nos EUA e em alta nos
mercados emergentes Publicado em: 01/03/2010
Colin Dyer, da Jones Lang LaSalle: ativos de qualidade a preços "que talvez não
ocorram mais na atual geração" - Publicado em: 01/03/2010
Gilles Assouline, da Wuxi Iparks: "A diferença entre a China e o resto do mundo é a
demanda." 01/março/2010
Onde fazer negócios - Publicado em: 11/02/2009
De grandes projetos a elefantes brancos: gestão das cidades tem regras novas
Publicado em: 20/05/2009
Imobiliárias espanholas constroem seu futuro na América Latina; Publicado em:
11/07/2007
Meganegócios voltam ao setor imobiliário, Publicado em: 23/02/2005
Grandes negócios, grandes riscos; sem data de publicação
O que os investidores querem; sem data de publicação
Boom imobiliário toma conta da Argentina; sem data de publicação
Imobiliárias enfrentam o desafio da diversificação; Publicado em: 04/10/2006
América Latina vive boom no setor de construção; Publicado em: 22/09/2004
110
Disponível em http://www.wharton.universia.net/index.cfm. Acesso em fevereiro de 2011.
251