IMAGENS DO SERTÃO: CAPAS E ILUSTRAÇÕES
NOS LIVROS DE PAULO DANTAS
Edil Silva Costa1
Resumo: A partir das cenas visualizadas na III Feira Literária de Canudos em 2022,
quando jovens leitores foram atraídos pelas atividades oferecidas, formulou-se a questão: como seduzir os jovens leitores, proporcionando prazer na leitura do objeto-livro,
em um mundo onde imperam o audiovisual e a interatividade? A partir desse cenário,
faz-se uma leitura das capas de obras do escritor sergipano Paulo Dantas (1922-2007),
autor de O Capitão Jagunço (1987), Menino Jagunço (1986) e Purgatório (1971), que
tematizam a Guerra de Canudos. Serão recortadas imagens do sertão, destacando a arte
gráfica das capas de diversas edições, assim como o diálogo da literatura com o cinema e
a literatura de cordel, perseguindo as imagens mais marcantes do sertão e do sertanejo,
de modo a perceber os estereótipos produzidos e reforçados ao longo do tempo e de que
modo influenciam as leituras.
Palavras-chave: Sertão. Imagens. Estereótipos. Literatura.
Abstract: From the scenes visualized at the III Feira Literária de Canudos em 2022,
when young readers were attracted by the activities offered, the question was asked:
how to seduce young readers, providing pleasure in reading the object-book, in a world
where audiovisual and interactivity prevail? From this scenario, a reading is made of the
covers of works of the sergipe writer Paulo Dantas (1922-2007), author of O Capitão
Jagunço (1987), Menino Jagunço (1986) and Purgatório (1971), which theme the Guerra
de Canudos (War of Canudos). Images of the hintercountry will be cut, highlighting the
graphic art of the covers of various editions, as well as the dialogue of literature with the
cinema and the literatura de cordel, chasing the most striking images of the hintercountry and the hinterlet, in order to perceive the stereotypes produced and reinforced over
time and how they influence the readings.
Keywords: Hinterlands. Images. Stereotypes. Literature.
Entre palavras e imagens
Não é sem motivo a expressão popular “comprar o livro pela capa”.
O apelo visual é imprescindível quando se quer seduzir o leitor, ainda mais
quando se trata de leitores jovens. Mas como capturar pelo prazer da leituProfessora Titular Plena da UNEB/Campus II, Doutora em Comunicação e Semiótica pela
PUC/São Paulo, atuando como professora permanente no Programa de Pós-Graduação em
Crítica Cultural. Endereço eletrônico:
[email protected].
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ra, em um mundo onde impera o audiovisual e a interatividade, jovens que
são digitalmente letrados antes mesmo de serem alfabetizados? Além das
capas, as ilustrações e iluminuras, o cuidado com o projeto gráfico e diagramação são aspectos valorizados. A formação de leitores passa pelos apelos
sensoriais que o objeto-livro lhes desperta desde o visual, ao táctil, olfativo
e até mesmo o palatável quando associamos um bom livro a uma saborosa
bebida, por exemplo. Acionar os sentidos, transformar a experiência leitora
em uma experiência sensorial, em que o corpo do leitor se transporta para o
universo imaginado. Na era do multiverso e hologramas, a realidade 2D vai
adequando-se como pode. As tecnologias mais tradicionais não têm como
não serem afetadas pelos novos formatos e ganham um sabor nostálgico que
tanto podem atrair como afastar.
O livro em seu formato impresso há muito vem convivendo com
as tecnologias digitais. Nesse formato tradicional, desde cedo soube ajustar as
palavras com as imagens e usar dessa estratégia para a produção de sentidos
provocada pelo diálogo entre elas. Algumas publicações exploram as imagens
no limite, outras apenas como sugestões.
Faço essa leitura também inspirada na cena da FLICAN 2022,
Feira Literária de Canudos, nas ruidosas turmas de jovens leitores que vi
caminhando pelos sertões e nas atividades que os atraíam. Esse quadro me
fez desenhar a questão que trouxe no início: como seduzir os jovens leitores,
proporcionando prazer na leitura do objeto-livro, em um mundo onde imperam o audiovisual e a interatividade?
A partir desse cenário, proponho um breve passeio pelas obras de
Paulo Dantas, escritor sergipano que nasceu em Simão Dias em 1922 e faleceu em São Paulo em 2007. Viveu na Bahia, no Rio de Janeiro e São Paulo. Trabalhou na Livraria Civilização Brasileira e no Jornal D. Casmurro;
ganhou prêmios literários e foi fundador e diretor da União Brasileira de
Escritores. Suas principais obras são: O Capitão Jagunço (1987, texto definitivo), Menino Jagunço (1986), Euclides da Cunha e Guimarães Rosa através
de Os Sertões (1996). Embora seja autor de uma considerável obra literária
e ter atuado como crítico, inclusive fazendo crítica literária em jornais, sua
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criação ainda não foi contemplada com uma fortuna crítica que a avaliasse
de modo a situá-lo devidamente.
Nos contornos desse artigo, recorto as imagens do sertão nas obras
de Paulo Dantas, destacando a arte gráfica das capas de diversas edições, assim
como o diálogo da literatura com o cinema e a literatura de cordel, perseguindo as imagens mais marcantes do sertão e do sertanejo. Assim proponho uma
reflexão sobre as capas e ilustrações de modo a perceber os estereótipos produzidos e reforçados ao longo do tempo e de que modo influenciam as leituras.
Por outro lado, considero que as leituras prévias de obras com a temática do
sertão também reforçam a produção imagética usada para chamar a atenção
ou provocar leituras paralelas nem sempre alinhadas às abordagens apresentadas no texto literário.
Imagens que reforçam palavras (certas palavras, não as palavras certas)
Dos romances de Paulo Dantas o que teve maior repercussão foi
O Capitão Jagunço. O livro conta a história de Jerônimo, um jagunço que se
aliou ao exército brasileiro na Guerra de Canudos. De caráter regionalista, a
obra narra a história da Guerra, mas focaliza também as relações sociais do
pós-guerra, e o sentimento de revolta que permaneceu na memória dos sobreviventes, inconformados com a destruição de um sonho de liberdade e com o
tratamento que foi dado ao caso pelo governo. O Capitão Jagunço teria sido
um sobrevivente que conviveu com Antônio Conselheiro e depois serviu de
guia durante a guerra, auxiliando a vitória do governo. Narrado a partir da
história individual de Jerônimo, o romance tem como verdadeiro foco a história coletiva, pois o entrelugar ocupado pelo protagonista, entre herói e traidor,
é a inadequação do sertanejo no mundo que não o compreende. A fama de
traidor torna o Capitão Jagunço um excluído do meio social.
Ao observar as diversas edições, percebemos que a figura do sertanejo ilustrada nas capas é de um homem maltratado, com rosto trigueiro, modelado pelo sol, com rugas profundas. Para uma análise mais completa seria
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necessário ter todas as edições e identificar os capistas e ilustradores. Infelizmente isso não foi possível pela dificuldade de localizar as diversas edições em
livro físico. De todo modo, tentarei fazer uma leitura ainda que parcial das capas em comparação com outros textos que tematizam o sertão e os sertanejos.
Vejamos inicialmente a capa das duas primeiras edições:
Edição da Editora Brasiliense (1959)
Edição do Clube do Livro (1961)
Na primeira edição da Editora Brasiliense (1959), a figura central é
emoldurada por cores quentes, telúricas, e ao fundo os elementos que vão se
repetir em outros tantos textos relacionados ao sertão e a Canudos: o mandacaru, o Conselheiro, o canhão. Note-se que a imagem do Conselheiro é apenas
um detalhe, incompleto, sugerido no canto superior. O tom da pele do personagem é o mesmo tom avermelhado da cor do fundo, sugerindo uma fusão do
homem com a terra.
Leitura semelhante podemos fazer da capa da edição do Clube do
Livro de 1961. Nela, a figura do beato ganha mais destaque, mas ainda o que
vem em primeiro plano é o personagem protagonista da história.
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Editora IBRASA (s. d.)
Editora Melhoramentos (1964)
Já a edição da IBRASA acima (s.d.), aposta nos traços rústicos e no
desenho monocromático com uma clara referência à xilogravura. Não muito
diferente é a capa da Melhoramentos (1964). Aqui temos elementos novos: na
primeira, o cavalo; na segunda, o outro personagem que aparece na capa é o
interlocutor e narrador do romance, o mascate que viaja com o jagunço Jerônimo. Em ambas, há a opção por pouco colorido e o mandacaru insistente. Claro
está que o tema do romance não é alegre e as imagens denotam isso. O chapéu
está em todas as imagens, porém na capa da IBRASA, o chapéu e a indumentária do vaqueiro ganham forma e por isso mesmo a montaria é necessária para
compor o personagem.
A capa da editora Símbolo (abaixo), além de mostrar mais cor no
fundo, contrastando com tons monocromáticos da figura humana aí ilustrada, traz o personagem de corpo inteiro, porém com o rosto escondido,
coberto por uma espécie de bandagem ou trapos. Esse jagunço lembra um
guerrilheiro. Os membros desproporcionais ajudam a construir uma figura
troncha e mal-acabada.
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Editora Símbolo (s. d.)
Editora Global (1982)
Também traz a bandagem a figura da capa da Editora Global (1982),
cujo figurino é o que mais se assemelha ao de um soldado. Ali também encontramos o beato, indicando lado a lado, a guerra e a religião. Em ambas o personagem
está armado como que pronto para a ação e não aposentado como é o Jerônimo
que narra sua história no romance. Com a cabeça machucada e enrolada em um
pano sujo de sangue, a figura não deixa dúvida das marcas do combate. E o fundo
árido em ambas as capas reforçam a imagem do sertão castigado pela seca.
Editora Clube do Livro (1971)
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Editora Brasiliense, 1987
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Comparando as imagens dessas capas com as capas de dois outros romances de Dantas, O menino jagunço e Purgatório2, cujo tema da Guerra de Canudos serve como pano de fundo para a narrativa, encontramos o mesmo traço torturado. A capa e as ilustrações dessa edição de Purgatório são de Vicente Di Grado
(1922-2014)3. O corpo magro, o rosto esquálido, a posição de quem está pregando.
Nota-se a diferença no traço e nas cores na capa do livro Euclides,
opus 66, biografia de Euclides da Cunha:
Editora Arquimedes (1965)
A finura e delicadeza dessa capa de Cyro del Nero4 contrasta com
as demais. Não cabe na leitura feita do homem culto as mesmas cores nem o
mesmo traço. Euclides é um erudito, sua biografia associa o homem à arte mais
abstrata, a música.
2
Em Purgatório o velho Resmungo perde o filho mais velho que vai lutar em Canudos pelo
profeta Conselheiro.
Importante artista plástico e ilustrador, foi também professor da Escola de Belas Artes de São
Paulo e designer gráfico. Ganhador do Prêmio Jabuti em 1963.
3
4
Cyro Del Nero (São Paulo, 1931-2010) foi um cenógrafo brasileiro, professor titular dos cursos
de cenografia e indumentária teatral na USP.
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Outras imagens e leituras possíveis do sertão
Perseguindo essas imagens do sertão e do sertanejo, não pude deixar de trazer as ilustrações de Aldemir Martins5 para a 9ª. Edição do livro
Vidas secas, de Graciliano Ramos em 1963:
O traço seco, a ausência de cores, a dramaticidade das cenas, tudo
casado com a narrativa do romance, inspira as interpretações e ajudam ao leitor a compreender o universo dos personagens. Acima, Baleia, Fabiano e Sinhá
Vitória. Nas três cenas, o sol implacável ganha destaque. O traço fino, elegante
e inconfundível não contradiz, mas antes reforça a mensagem que as capas
vistas anteriormente apresentam. O sertanejo como um sujeito sofrido, oprimido pelo meio em que vive, um meio representado como hostil, que o obriga
a migrar e, ao mesmo tempo, os produz como seres resistentes.
Martins é um artista consagrado, premiado e reconhecido dentro e
fora do Brasil. Sabe-se que visitou o sertão baiano, incluindo Canudos, onde
certamente colheu frutos para sua criação e é bem possível que essa experiência tenha contribuído para a formação das imagens cuja marca na obra de
Graciliano Ramos nos é tão cara. Certamente que o texto verbal e imagético
de Graciliano, atravessado pelo texto pictórico de Martins, está muito próximo
5
Aldemir Martins (1922-2006) foi um artista plástico brasileiro, pintor ilustrador e escultor, produziu importantes obras que carregam a marca da paisagem e do homem do Nordeste do país.
Nasceu em Ingazeiras, sertão do Cariri, Ceará. Fonte: www.ebiografia.com/aldemir_martins.
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dos traços que visualizamos na obra de Paulo Dantas. Mas e os poetas populares, como interpretam em suas produções essas narrativas?
Considerando a xilografia como uma arte popular representativa
desse discurso consagrado ao Nordeste, busquei aí pistas que nos ajudassem a
compreender essa construção mais genérica do sertão. A imagem do sol implacável e reinante vamos encontrar também nas xilogravuras de José Francisco
Borges6, mais conhecido como J. Borges, e na obra de seu filho Pablo Borges:
Na primeira imagem, intitulada “Símbolos do sertão”, o sol aparece
como uma estrela centralizada, iluminado os outros “símbolos”: o mandacaru,
a asa branca e os retirantes. A cena construída não poderia ser mais adequada
às imagens que venho mostrando como uma narrativa já aceita e repetida do
universo sertanejo. Na segunda cena, de J. Borges, a presença da cor vermelha
do “sol quente no sertão” personificado com uma expressão alegre enquanto
olha o desalento do vaqueiro que perde o animal para a seca.
A imagem até aqui desenhada, tanto nas obras escritas dos escritores regionalistas Graciliano Ramos e Paulo Dantas, como na obra de artistas
populares, nos mostra que as representações do sertão e do sertanejo se as6
Cordelista e xilogravurista pernambucano, nascido em Bezerros em 1935.
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semelham. Percebemos quais elementos são selecionados para compor uma
imagem dessa terra, um discurso que “inventou” o sertão e o sertanejo, muitas
vezes repetido e reforçado por ele próprio.
A literatura de cordel nos permite vislumbrar essa construção em
vários textos, a exemplo de “Suspiros de um sertanejo”, de Leandro Gomes de
Barros7. (Na capa do folheto aparece o nome de João Martins de Atayde, o que
é explicado pelo problema de autoria causada pela compra dos direitos pelo
editor-proprietário).
Na edição de 75 acima, a capa traz um desenho que representa um
sertanejo triste, sentado em uma pedra, em frente de uma casa velha e observando o gado magro a pastar em sua frente. Essa imagem que denota desolação não é condizente com a imagem do sertão construída no texto. Pode-se
inferir que o suspiro do sertanejo representado na capa não é de saudade, mas
de tristeza pela imagem da seca e da pobreza em sua volta. No entanto, o sertão
apresentado no folheto de Leandro Gomes de Barros é uma terra de fartura, de
água e de festas, um paraíso que ele deixou cheio de saudades.
Embora a capa do folheto traga uma imagem desoladora, o poeta
popular canta o sertão fértil e verdejante. As imagens do sertão verde nos
Folheto de 16 páginas, datado de junho de 1975 e o local de publicação indicado é Juazeiro.
Em outro exemplar, datado de 1954, aparece como editor o nome de José Bernardo da Silva e
o autor é indicado como João Martins de Athayde.
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oferecem outras leituras a exemplo do filme “Baile Perfumado” em que a
caatinga está plena, sempre verde, e os cangaceiros do bando de Lampião
acampam perto da água, em deslumbrante paisagem de Piranhas, cidade de
Alagoas próxima a Angicos, local do seu massacre, em 28 de julho de 1938.
Abaixo cenas do filme:
Mircea Eliade, em O sagrado e o profano, faz considerações sobre
como a sacralização do espaço é um modo de se encontrar e se aceitar no
mundo, um autorreconhecimento. Para o homem religioso todo espaço é um
espaço sagrado. Por isso ritualiza-se, recriando-se sua sacralidade. Torna sagrado também o sujeito envolvido nesse ritual. A terra natal é espaço sagrado,
pois foi nesse lugar que o sujeito ganhou vida. Narrar sua terra é um modo
de aplacar a saudade porque é também presentificá-la. Recriá-la pela palavra
e do modo que o sujeito deseja fixar, pois é essa imagem que ficará registrada
e que ele passará aos outros. Portanto, a imagem do sertão que fica impressa
no texto é contrária a uma imagem hegemônica de seca, fome e miséria. A
imagem construída do sertão pelo poeta sertanejo desconstrói esse discurso
hegemônico, rasura o texto negativo, ainda que deixe uma brecha (a capa) para
pensar na situação social do povo da região. A imagem recalcada de sofrimento é apresentada como sofrimento não pelo que falta, pois a terra é de fartura,
mas pela distância e pela saudade.
Por outro lado, podemos pensar também na recepção desses textos.
O poeta popular produz para os seus pares. Por isso mesmo, nas capas dos
folhetos da Editora Luzeiro, outras imagens mais positivas são recuperadas:
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Observemos esses homens na capa do folheto “Antônio Conselheiro
e a Guerra de Canudos”, de Minelvino Francisco Silva8 e “A chegada de Lampião no céu” de Rodolfo Coelho Cavalcante.
Nesses folhetos, os jagunços são bem afeiçoados, morenos, musculosos, bem próximos do padrão de beleza predominante. Conselheiro está longe de ser a figura esquálida que comumente aparece nas ilustrações de certos
livros de história. Suas vestes, de um azul reluzente, limpas e vistosas, nem de
longe lembra os andrajos de ilustrações históricas. As capas de um colorido
vistoso como são as impressões da Editora Luzeiro, também com um tamanho maior do livreto, valorizam outros aspectos dos personagens, embora no
fundo do primeiro folheto também vemos a cidade destruída e pegando fogo e
o jagunço caído no chão está ferido e envolto em bandagens sangrentas. Conselheiro permanece firme, com postura de comando, apontando para além.
Podemos considerar essas produções como autoimagens, pois não é o olhar de
fora, do forasteiro, mas do próprio sertanejo que se desenha. Imagens sem as
Minelvino Francisco Silva (Mundo Novo, 1926; Itabuna, 1998). Criado em Jacobina (BA), trabalhou como garimpeiro, foi cordelista, xilógrafo, fotógrafo e tipógrafo. Incansável batalhador
pelos direitos dos poetas populares. Lutou para conseguir o direito de aposentadoria para os
trovadores. Profundamente religioso, denominava-se “O Trovador Apóstolo”. Sua obra chega
próxima a meio milhar de folhetos. Fonte: wikipedia.
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marcas torturadas predominantes nas capas que vimos na primeira parte desse texto. Essa leitura flagra visões interessadas em ambas as abordagens, qual
leitura se faz do homem retratado e que se pretende evidenciar, deixar fixada.
Costurando palavras, imagens e narrativas
Finalizo esses breves comentários sublinhando que as imagens do
sertanejo por si mesmo diferem bem claramente das capas dos livros de Paulo
Dantas vistas no início deste artigo: a representação de um homem sofrido,
com rosto queimado pelo sol, com rugas bem marcadas. Pode-se concluir que
as imagens das capas dos livros de Paulo Dantas, reforçam as imagens do sertão e do sertanejo já conhecidas nas obras regionalistas. Assim, as imagens do
jagunço sertanejo nas diversas edições da obra de Dantas não imprimem a ele
um valor positivo, mas antes dramático, de certa forma porque é dramática a
história contada nos romances.
No caso do Capitão Jagunço, um homem torturado pela sua condição de pária, buscando reconhecimento para a justificativa de suas ações e justiça para sua condenação. O Capitão Jagunço não compartilha a alegria, ainda
que momentânea pela vitória do exército. Sente-se derrotado, toma consciência da sua condição de sertanejo entregue à própria sorte. E é essa imagem forte, incômoda, dolorida, que ganha espaço nas capas da literatura regionalista.
Ao traçar esse panorama e tentar refletir sobre o tema: como seduzir
os jovens leitores em um mundo onde imperam o audiovisual e a interatividade? A pergunta permanece: poderá a imagem ser atraente para o jovem
leitor? E novas questões se desenham: essa imagem previamente construída
contribuirá para uma leitura crítica ou adequada por parte dos jovens ou antes
reproduz e reforça as imagens preconceituosas sobre o sertão e o sertanejo? A
resposta certamente passa pela formação de um leitor crítico, capaz de perceber os contrastes, nuances, contradições e adequações dos textos verbais, visuais e audiovisuais. Um leitor que tenha condições e oportunidade de acesso à
diversidade de produções culturais sobre o tema. As feiras literárias são, sem
dúvida, um bom caminho para isso.
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