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Os Melhores Anos

2020, Os Melhores Anos - Quando o basquetebol era a segunda modalidade dos portugueses

“Falar-se de Basquetebol em Portugal nos anos 90 e na viragem do milénio é recordar inevitavelmente as tardes em frente à televisão à espera que a dupla João Coutinho e Carlos Barroca nos dessem as boas-vindas ao jogo NBA da semana ou afirmassem que a magia daquela prova era «faaantástica». No entanto, ao rebobinar o filme de uma popularidade sem precedentes, é também registar os primeiros sucessos europeus dos emblemas nacionais, Portugal como campeão do mundo de Streetbasket, a “ameaça” dos Bosman, os atletas portugueses nas maiores ligas mundiais ou a cidade de Lisboa como “rampa de lançamento” de Pau Gasol, Navarro e companhia no célebre Mundial de Juniores 1999. É lembrar a descentralização de títulos, com os clubes mais improváveis a viverem as suas tardes e noites de glória, os directos na TV e até na rádio, ou o culminar de um sonho lindo de se viver com a selecção a colocar-se entre as nove melhores da Europa na “geração de ouro” do Europeu 2007. Esta é a história das temporadas de sucesso da primeira modalidade extra-futebol a projectar em Portugal uma Liga Profissional com relatos dos seus intervenientes. Entre perto de duas dezenas de testemunhos, são recordados momentos e episódios que demonstram que se a NBA e Michael Jordan tiveram uma Last Dance, o basquetebol nacional tem pelo menos direito a dançar um slow agarradinho”.

1 Título: Os Melhores Anos – Quando o basquetebol era a segunda modalidade dos portugueses Ideia e autoria: Edgar Macedo Capa: Tiago Rodrigues aka The Shapeshifter Composição gráfica: Sávio Azambuja Edição: Livro digital em edição de autor, 2020 Imagens: Arquivo Municipal de Lisboa / Parque Expo 98; FIBA; Old Dominion University Libraries; JC Ridley / Caneshooter; University of Nevada, Reno; Arquivo Clube PT; Arquivo pessoal Rogério Coelho; Arquivo pessoal Pedro Lourenço Contacto: [email protected] Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 2.5 Portugal. Este texto não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico. 2 Edgar Macedo OS MELHORES ANOS Quando o basquetebol era a segunda modalidade dos portugueses. Relatos, testemunhos e imagens 25 anos depois do lançamento da primeira Liga Profissional extra-futebol 3 Anos 90 tempo da minha adolescência Tempos de imprudência sem pensar em consequências Ia para o ringue sempre que havia sol Com a camisola do Malone e a bola de basquetebol Valete e Jimmy P – “Os Melhores Anos” (2012) 4 Índice Introdução 7 I. Lugar aos novos 17 II. Há Estrelas no céu 34 III. Os reis da rua e o padrinho Kobe Bryant 48 IV. O Mundial que deu certo 61 V. “Bosman”, para que vos quero? 73 VI. PT vs. Oliveirense: sangue, suor e lágrimas VII. Paulo Pinto, o Capitão 96 VIII. Queluz: Quando o telefone toca IX. O Magnífico Sr. Valentyn 80 103 113 X. O “tri” das despedidas 130 XI. Aquelas noites europeias 139 XII. Portugueses pelo mundo: a «surpresa» que virou certeza 161 Epílogo 233 Testemunhos Notas 242 264 Agradecimentos 269 5 6 Introdução «O interesse que a modalidade tem provocado» Era quarta-feira, 3 de Junho de 1998, e os amantes do basquetebol passavam de boca em boca, à falta de o poderem fazer através de uma publicação no Facebook, a boa-nova que tinha surgido na imprensa naquele dia. A RTP iria transmitir em directo as finais da NBA entre Chicago Bulls e Utah Jazz permitindo que finalmente Portugal se juntasse a mais 174 países que já acompanhavam a fase decisiva da mais espectacular competição mundial de clubes. Em 1998, num país que vibrava com a Expo 98, este acontecimento televisivo ganhava maior importância por representar a «última dança»1 da equipa que marcou uma década e que ficou para a história como «UnforgettaBulls»2. O responsável pela programação da RTP, Miguel Prates, justificou a aquisição dos direitos de transmissão dos sete jogos da final da competição com «o interesse que a modalidade tem provocado». E não era para menos. Na década de 90, o basquetebol disputava as atenções das gerações mais jovens e nas escolas, na hora de tocar a campainha para o intervalo, a correria para chegar ao campo repartia-se de igual modo entre os que queriam ocupar as balizas e os que assumiam a sua posição nas tabelas para um emocionante 3x3. A posse de bola era decidida por lance-livre e os que chegavam mais tarde anunciavam: «Há equipas de fora». Ao rebobinar o filme destes “anos de ouro” do basquete7 bol em Portugal, que acompanhou um furacão de popularidade à escala planetária, não se consegue com exactidão concretizar o momento da explosão do fenómeno. Os treinadores escutados na construção deste livro são unânimes em atribuir como aspecto fulcral para o impulso da modalidade a nível nacional o surgimento da Associação Nacional de Treinadores de Basquetebol, no pós 25 de Abril de 1974, determinante na formação de quadros técnicos e colocando a modalidade «a milhas» das restantes a este nível3. Este período acompanhou ainda o surgimento de muitos atletas vindos das ex-colónias, em particular de Moçambique, onde o basquetebol era extremamente popular. Será, contudo, justo afirmar-se que a chegada da NBA à RTP2, em 1987/1988, com a exibição de um jogo em diferido, com os comentários dos imbatíveis João Coutinho e Carlos Barroca, foi contributo decisivo para a massificação da popularidade. Foi aliás nessa temporada que o Pavilhão de Ovar encheu que nem um ovo, com muitas centenas a ficarem à porta, para assistir ao primeiro título da Ovarense, que vencia por 95-93 o Benfica, impondo-se com respeito ao tri-campeão nacional. Nessa partida um jogador destacou-se entre os demais: Mário Ellie, o norte-americano que assinou 31 pontos naquele dia em Ovar e que iria repetir o doce sabor da glória anos mais tarde mas em solo norte-americano, onde se sagrou por três vezes campeão da NBA, duas vezes com os Houston Rockets, de Hakeem Olajuwon, e uma com os San António Spurs, de Tim Duncan. O pulsar do basquetebol em Portugal batia forte e o número de praticantes nas camadas jovens ia crescendo de dia para dia – muitas vezes em número claramente superior às disponibilidades 8 de pavilhão existentes. Em Setembro de 1990 o Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, esgotava para assistir à estreia por terras lusas dos Harlem Globetrotters numa organização do Estrelas da Avenida com o apoio do jornal Correio da Manhã e o patrocínio da Coca-Cola e Câmara Municipal de Lisboa. A modalidade estava em todo o lado, desde a música à moda passando pelo cinema. Em 1992 o mundo assistia a Michael Jackson dar lições de dança à estrela dos Chicago Bulls, Michael Jordan, no videoclip de Jam, um dos singles extraídos do álbum Dangerous e que haveria de ser utilizado como banda sonora para os separadores comerciais da NBA Action, juntando-se a Can´t Touch This, de MC Hammer. Por terras lusitanas a atenção à modalidade alinhava no mesmo sentido e a imprensa ia-lhe dedicando cada vez mais linhas. Ao ponto de um conjunto de pessoas, entre elas o treinador José Curado, num arrojado exercício de risco, apostarem no lançamento de uma publicação exclusivamente dedicada ao desporto da bola ao cesto. Em Agosto de 1992 nascia a revista Basquetebol e o primeiro número foi o sinónimo de uma aposta ambiciosa: tiragem de 30 mil exemplares. «O dinamite que faltava» Nesse ano os Jogos Olímpicos viam os Estados Unidos transformarem a face do desporto e daquela competição ao apresentarem o «Dream Team» da equipa de basquetebol com um conjunto de atletas da NBA. Desde Magic Johnson a Karl Malone, passando por Larry Bird a Scottie Pippen ou Michael Jordan, o conjunto de “super estrelas” ajudou a modalidade a ser rainha das audiências e o 9 foco das atenções do Barcelona 92, conferindo uma popularidade à escala planetária em torno deste desporto. Na comitiva viajava apenas um “universitário”. O seu nome era Christian Laettner e tinha acabado de ajudar a Universidade de Duke a alcançar o título da NCAA. Em terra ficavam os jovens Shaquille O´Neal e Alonzo Mourning sem hipóteses de convocatória dado o sucesso de Laettner. Na capital da Catalunha a selecção norte-americana apresentava um espectáculo fora do espectáculo onde quer que fosse. Em declarações ao USA Today, Mike Krzyzewski, um dos membros da equipa técnica, recordou o significado daquela equipa para o sucesso da modalidade como «o dinamite que faltava numa explosão que estava iminente»4. O polémico Charles Barkley fazia as delícias da imprensa em conferências animadas, sendo memorável a declaração sobre o primeiro adversário: «Não sei nada sobre Angola, mas Angola está metida em sarilhos». A estreia da “equipa de sonho” falava português ao ter pela frente a formação de Jean Jacques e José Carlos Guimarães, num encontro onde os norte-americanos triunfaram por 116-48. Os 24 pontos de Barkley haveriam de demonstrar que ele falava a sério quando se referia a «sarilhos». Curiosamente, a equipa angolana foi notícia e uma memória a perdurar no tempo ao ter surpreendido a selecção espanhola com uma vitória por 20 pontos de diferença. Os expressivos 83-63, com 22 pontos de Jean Jacques e os 18 pontos de Guimarães, são ainda hoje comentados como a pior humilhação da história do basquetebol espanhol num episódio recordado em 2006 pelo jornal AS com o título «Angolazo: el dia triste del baloncesto español»5. A competição foi ganha pelos 10 Estados Unidos na final contra a Croácia que participava pela primeira vez como nação independente. Na selecção dos balcãs destacavam-se os nomes de Drazen Petrovic, Dino Radja ou Toni Kukoc. O «Dream Team» subia ao pódio para receber a medalha de ouro após um triunfo por 117-85. Nesse ano Wesley Snipes e Woody Harrelson eram os reis do basquetebol de rua no filme White Men Can´t Jump e em Setembro, na ressaca dos Jogos Olímpicos, várias cidades nacionais recebiam o Grande Prémio Converse/Coca-Cola que juntava em espaços ao ar livre mais de dois mil atletas em jogos e concursos. Numa audiência total estimada em 10 mil espectadores, os jovens nascidos entre 1974 e 1978 exibiam os seus talentos e lutavam pela glória efémera. Em 1993 a Boston Celtics-Burguer King Tour passava pelo nosso país numa organização de Nelson Tereso, representante das comunidades luso-americanas em Portugal, permitindo a vários jovens o contacto com a estrela Rick Fox, que veio acompanhado do ex-atleta Jerry Schiting, em clima de grande entusiasmo. Foi neste contexto de popularidade que a nível competitivo Portugal ia conquistando a sua posição e deixava progressivamente de ser olhado como o pequenino desconhecido. Os clubes nacionais enfrentavam “olhos nos olhos” os gigantes europeus. Em Outubro de 1993 o Benfica derrotava na Luz o Hapoel Telavive, campeão de Israel, por 87-67, dando a volta a uma desvantagem de oito pontos trazida do primeiro encontro. Com aquele triunfo, anunciava a imprensa que os lisboetas tinham alcançado um feito histórico e conquistado o melhor resultado de sempre de uma equipa nacional ao carimbar o passaporte para a etapa seguinte do Campeonato 11 da Europa de Clubes. Mas o feito da equipa comandada por Mário Palma não foi único nesse Outono de 1993. Em Femininos também houve motivo de festa. O União de Santarém ultrapassava o Sheffield conseguindo, 30 anos depois, que uma equipa nacional alcançasse a segunda eliminatória da Taça dos Campeões Europeus. Para a vitória contribuiu o público, que acorreu em massa ao pavilhão, levando a uma curiosa crítica do adversário que na voz da treinadora Betty Codona se insurgiu contra o «muito barulho» que fizeram. Uma jogadora encheu o campo com a sua classe: Ticha Penicheiro, autora de 25 pontos. Mais tarde iria encher de classe outros palcos, bem maiores, e gravar a letras de ouro o seu nome na história da modalidade. A “segunda modalidade” dos portugueses O início de 1994 confirmava a tendência manifestada no ano anterior. A Ovarense ia deixando a sua marca na Taça da Europa ao receber e vencer os croatas do KK Zadar por 94-82. Com este triunfo, para o qual contribuíram decisivamente Lee Stringfellow com 25 pontos e Lance Miller com 22 pontos, a formação vareira ficava com o apuramento para a fase seguinte da prova em aberto. Por esta altura já a informática ajudava a modernizar a modalidade com a introdução de dados estatísticos, em campo e nas transmissões televisivas, que tornavam obsoleta a tradicional tarefa do seccionista de caneta e papel na mão para dar lugar de destaque ao computador, coisa ainda rara na casa dos portugueses. O basquetebol tinha-se imposto como a segunda modalidade do 12 país como testemunhava o jornal A Bola numa sondagem revelada em Julho de 1995. À pergunta «que outras modalidades gostaria de ver no seu clube», 70 por cento dos inquiridos respondia: basquetebol. Desde o Padrão dos Descobrimentos para mares nunca antes navegados Na primeira metade da década de 90, e após a criação da Liga de Clubes, o profissionalismo, figura que, entretanto, tinha sido prevista na Lei de Bases do Desporto, era assunto presente e tema em cima da mesa em diversas entrevistas e artigos de imprensa. A 7 de Junho de 1992 a cidade de Lisboa recebia Jordi Bertomeu, secretário-geral da Asociación de Clubs de Baloncesto (ACB), de Espanha, e hoje presidente da Euroleague, a maior competição europeia de clubes, para o colóquio A integração das ligas de clubes nas federações: o exemplo da ACB. Mas o tema não era pacífico e foi argumento para uma novela com muitos avanços e recuos. Desde logo a integração da Liga de Clubes (LCB) na Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB) foi um “parto” complicado. Um «diálogo difícil», segundo testemunhava a revista Basquetebol em 1992 e 1993 em entrevistas ao então recém-eleito presidente da FPB, Mário Saldanha, ou aos diferentes líderes da LCB, João Barradas primeiro e Ulisses Pereira depois6. Os pontos de discórdia eram assumidos pelos próprios e o consenso tardava em chegar. Por esta altura a passagem para o profissionalismo era encarada como inevitável e uma consequência lógica dos tempos que se viviam e da aproximação à realidade que já se verificava em vários 13 campeonatos europeus. O entusiasmo existia, mas os alertas e as vozes contra também. Como quem espera sempre alcança, foi a 15 de Fevereiro de 1995, com Fernando Gomes, actual presidente da Federação Portuguesa de Futebol, nos comandos da LCB que a imprensa anunciava a “boa nova”: «Foi pacífica a adequação à Lei de Bases do Sistema Desportivo no seio do basquetebol. As divergências existentes foram objecto de ampla discussão entre Associações, Liga e Federação. Como corolário de meses de trabalho concluiu-se que o próximo Nacional será organizado pela Liga, sendo dirigido a equipas profissionais»7. Estava assim dado o passo que mudava a face da modalidade e que a tornava caso de referência no desporto em Portugal ao ser a primeira extra-futebol a adquirir o estatuto de profissional. As regras da prova apontavam para um número de equipas que não poderia ser superior a 12 nem inferior a 10. No momento do “sim” deram parecer favorável Benfica, Queluz, FC Porto, Sporting, Oliveirense, Illiabum, Esgueira, Ovarense e Sangalhos. Absteve-se o Estrelas da Avenida. Votou contra o Estoril-Praia. Para enfrentar o profissionalismo existia ainda outra exigência: um orçamento mínimo de 45 mil contos. A oficialização do profissionalismo, que o jornal A Bola, na sua edição de 8 de Junho de 1995, baptizou como «Hora de Festa» e momento de «Entrar na História», deu-se no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, e envolveu FPB, LCB e o INDESP. Na ocasião Fernando Gomes destacou o papel de vanguarda da modalidade «na modernidade jurídico-desportiva», enquanto salientava que «foram superadas barreiras difíceis, mas outras há para serem ultrapassadas como é o caso das débeis infra-estruturas existentes». Esse aspecto foi igualmente focado 14 por Mário Saldanha que o considerou como «no quadro das carências o problema mais preocupante». O verão quente de Alvalade Os meses que antecederam a primeira edição da Liga Profissional de Basquetebol foram de grande agitação e incerteza. O Sporting via-se a braços com um referendo que deixava nas mãos dos sócios o destino das suas modalidades, tendo estes de escolher entre andebol, basquetebol ou nenhuma. O clube de Alvalade, então liderado por Pedro Santana Lopes, já tinha deixado cair o voleibol e o hóquei em patins numa operação de recuperação financeira conhecida como «Projecto Roquette». A consulta aos associados decorreu entre 20 de Junho e 3 de Julho e nela participaram 20576 sócios, com direito a um voto cada. O andebol saiu vencedor ao reunir as preferências de 49,7% dos votantes, ficando o basquetebol com 26,3%, um pouco acima dos 20,8% que preferiam não manter nenhuma. Anos mais tarde, em declarações ao Correio da Manhã, o ex-director do basquetebol leonino, Edgar Vital, afirmava: «Recordo com grande tristeza esse referendo.Tínhamos mais de 200 atletas em todos os escalões. Foi uma surpresa porque toda a gente achava que o basquetebol ia vencer»8. Em simultâneo, o Estoril vivia uma grave crise financeira e o Beira-Mar encontrava-se na expectativa de uma gestão autónoma que viabilizasse a participação na prova. Na corrida contra o tempo, em busca de patrocínios, apoios e consensos, à partida para a ronda inaugural da primeira edição da Liga Profissional de Basquetebol eram estes os clubes e mar15 cas associadas: Benfica Teka; FC Porto UBP; Mimosa Oliveirense; Guialmi Estrelas da Avenida; Ovarense Gavex; Esgueira Gresso; Sangalhos Sanitana; Atlético; Queluz; Beira Mar Gresso; Teka Illiabum; Seixal Continente. Bola ao ar. 16 I. Lugar aos novos «Favorito só há um: o Benfica» Quando a 16 de Setembro de 1995 o Pavilhão Rosa Mota se vestiu de gala para receber o primeiro jogo de uma Liga Profissional de Basquetebol em Portugal, com debate sobre as competições profissionais e o papel da comunicação social na modalidade a anteceder um encontro que mereceu honras de directos na rádio e televisão, poucos arriscariam afirmar que estavam prestes a assistir ao primeiro passo de uma “mini-revolução”. Afinal o FC Porto estreava-se diante do seu público para o clássico frente ao Benfica, já contabilizando duas derrotas para o rival. Um mês antes tinham visto os encarnados erguerem a Supertaça, numa derrota por 8677, e pouco tempo depois novo dissabor, desta feita para a Taça da Liga, em jogo na Figueira da Foz: triunfo para os lisboetas por 77-73. Não surpreendia por isso que na antecipação da ronda inaugural da Liga a imprensa apontasse o Benfica como super favorito à vitória na competição. Em artigo no jornal O Jogo9 o jornalista Barbedo Magalhães escrevia ser «inegável que o campeonato nacional que hoje começa, o primeiro a consagrar o advento do profissionalismo numa modalidade que não o futebol, poderá despertar um interesse desportivo reduzido pela constatação de que o Benfica dificilmente deixará de ser o vencedor». Na mesma publicação, o jornalista João Santos alinhava por discurso idêntico: «Favorito só há um, o Benfica. É uma questão de bom senso antes de ser um facto desportivo consumado». 17 Não faltavam motivos para este pensamento. Não só os encarnados tinham vencido as últimas sete edições da prova, como o seu treinador, Mário Palma, elevava a fasquia na apresentação da equipa ao afirmar ser «em termos teóricos o melhor plantel dos últimos anos». O influente Steve Rocha tinha saído para o Beira-Mar, mas a “espinha” Carlos Lisboa, Jean Jacques e Pedro Miguel continuava e era renovada com a entrada de Mikel Nahar, Roger Fernandes ou a jovem promessa Sérgio Ramos. No lado dos dragões a aposta era nos jovens da sua formação que já tinham vindo a ganhar minutos junto da equipa sénior nas épocas anteriores. Assim, depois de em Junho terem ajudado o FC Porto a festejar mais um título no Nacional de Juniores, em prova realizada no Pavilhão da Quimigal, no Barreiro, culminando um percurso invicto na competição, os atletas Paulo Pinto, Nuno Marçal e João Rocha eram os nomes que se juntavam a Jared Miller, Kevin Nixon, Fernando Sá ou Rui Santos. E cedo demonstraram que mais do que uma promessa eram já uma certeza. Na Supertaça, realizada em Viseu, o treinador Mário Palma dividia na conferência de imprensa o seu discurso de vitória com os «parabéns» ao jovem Paulo Pinto pela exibição, que tinha sido abrilhantada pelos 20 pontos concretizados. No arranque da Liga a vitória do FC Porto frente ao ríval da Luz (80-70) contou com mais uma evidência de que uma nova geração tinha chegado para se impor: Nuno Marçal assinou 25 pontos. «Desde que chego ao FC Porto em 1979/80 até essa época de 1995/96, toda a organização da equipa técnica tinha um trabalho coor- 18 denado e complementar em todos os escalões. O trabalho que o Alberto Babo fazia nos juniores era inteiramente integrado e muitas vezes estes jovens treinavam com os seniores. Portanto há uma intenção clara de fazer um trabalho de cima a baixo que fundamentasse a possibilidade de criar uma equipa profissional e o salto acontece com esta geração», lembra Jorge Araújo. Os meses seguintes continuariam a dar sinais de que a modalidade se preparava para ter uma nova voz a reclamar para si a conquista de títulos. Na viragem de ano e no arranque de 1996 o FC Porto era líder do campeonato com apenas uma derrota em 13 encontros. O bom percurso da equipa não passava despercebido e até mesmo Carlos Gouveia, técnico do Iliabum, quando questionado sobre o fantástico 4.º lugar que a sua equipa ocupava, relativizava os elogios e mostrava-se rendido ao plantel da Invicta: «O FC Porto é a equipa sensação e a grande referência da prova»10. «Temos de ser campeões para dedicar ao Lisboa» Os primeiros meses do ano foram de grande emoção na NBA. Enquanto Michael Jordan ia espalhando magia por onde passava, tendo concretizado 46 pontos frente aos Washington Bullets depois de pouco tempo antes ter assinado 38 pontos contra os Houston Rockets, o anúncio do regresso de Magic Johnson à competição entusiasmava os fãs. O jogador dos Lakers, a quem foi diagnosticado o vírus HIV em 1991, levando à interrupção da 19 carreira, voltava aos 36 anos ao seu pavilhão de sempre. O jogo foi contra os vizinhos dos Golden State Warriors e para o triunfo final contribuiu com 19 pontos. Uma semana mais tarde o confronto com os Bulls envolveu uma grande cobertura mediática para rever o duelo Jordan/Magic mas quem roubou o espectáculo foi Scottie Pippen: 30 pontos na 41.ª vitória da época para os Bulls. Enquanto isso, por cá a fase regular chegava ao fim com Jared Miller a ocupar o ranking Top LCB. O melhor nacional era Carlos Lisboa, enquanto Nuno Marçal era considerado a “revelação” no Top Sub-24. Na Costa da Caparica realizava-se o fórum: Basquetebol Profissional 180 Dias e o presidente da LCB, Fernando Gomes, era a voz do entusiasmo com a prova: «Quem profetizou que isto seria uma desgraça enganou-se redondamente». A 2.ª Fase reunia em dois grupos os seis primeiros e os seis últimos classificados. O Grupo A concentrava FC Porto, Benfica, Estrelas da Avenida, Ovarense, Iliabum e Esgueira. Nas contas do Playoff haveriam de juntar-se a estes os dois melhores classificados do Grupo B. Com a época a caminhar para a sua fase decisiva, o base Pedro Miguel sublinhava a ambição dos encarnados, agora renovada por um incentivo extra: «Temos de ser campeões para dedicar ao Lisboa». O mítico número 7 dos encarnados tinha anunciado a despedida dos jogos europeus no encontro frente ao Panathinaikos, no fim de Janeiro, em Almada, abrindo especulação quanto ao seu futuro na modalidade. Mas a sensação da prova continuava a ter pronúncia do Norte. A 19 de Março, o jornal Record dava destaque ao FC Porto no seu «Pódio». A medalha de prata consagrava o triunfo 20 obtido na Luz na véspera: «Os dragões de Jorge Araújo, longe de se intimidarem com um infernal recinto da Luz quase à cunha – 3500 pessoas, mais do que em muitos jogos no estádio ali ao lado – concentraram-se e cimentaram em números um ascendente indiscutível». A vitória por 87-92 teve assinatura dos jovens Paulo Pinto (21 pontos) e Nuno Marçal (22 pontos) aos quais se juntou o contributo de outro português: Rui Santos fez 16 assistências. «Voto nele para treinador do ano» O estado de graça dos dragões chegava ao fim com a Taça de Portugal. Depois de a Liga ter testemunhado um dos mais electrizantes espectáculos no triunfo da Ovarense por 111-110 frente ao Illiabum, com o norte-americano Ray Thompson a assinar 43 pontos ainda assim insuficientes para ajudar na vitória da sua equipa, a “prova-rainha” viu Jared Miller a rivalizar na contabilidade pessoal: 45 pontos na vitória em Ovar por 79-70. O FC Porto seguia para as meias onde a Oliveirense exibia o sinal de stop. A equipa de Oliveira de Azemeis vencia por 79-70 e chegava pela primeira vez a uma final da Taça de Portugal, onde ia encontrar o Benfica. Os encarnados, que tinham afastado o Esgueira, tiveram de suar para erguer o troféu. A vitória por 75-74 contou com 24 pontos de Mike Nahar e 21 pontos de Carlos Lisboa. Era o terceiro título da época 1995/96 para o Benfica. E o último da carreira de Carlos Lisboa. O treinador Mário Palma conquistava a sua quinta Taça de Portugal consecutiva e a propósito desse recorde afirmava: «Será muito difícil de igualar por qualquer 21 outra equipa». O árbitro José Araújo era o primeiro português a marcar presença numa Final Four do Campeonato da Europa de Clubes, que teve lugar em Paris, entre 9 e 13 de Abril de 1996, e o jornal Record dedicava o espaço «Inquérito Público» ao basquetebol11, motivado pelo arranque dos Playoff. À pergunta sobre o favorito a vencer a competição, dos cinco entrevistados quatro deram favoritismo à equipa da Luz, enquanto um respondeu Ovarense. O FC Porto tinha sofrido um duro revés com a lesão de Kevin Nixon. Para o seu lugar chegava Shane Knight também da Universidade de Brigham Young. «Nessa equipa campeã no FC Porto todos os americanos são da mesma universidade. O Jared Miller, o Kevin Nixon e o Shane Knight. Eu, num determinado momento, face à dificuldade que existia na compatibilização entre aquilo que eles jogavam e o tipo de comportamento que tinham, investiguei qual das universidades tinha uma boa presença competitiva e potenciava e valorizava mais a questão dos valores e comportamentos. A de BrighamYoung era a universidade que formava pastores metodistas. O Jared Miller tinha intervenções da religião dele em missas aqui em Portugal nos seus tempos livres. Foi conjugar a parte técnica com a comportamental. E resultou», recorda Jorge Araújo. A lesão de Kevin Nixon acabou por ser pretexto para Jared Miller repetir novo elogio aos “putos maravilha” das Antas. «Também me interroguei no princípio da época do que seriamos capazes de fazer só com dois estrangeiros. Os meus colegas portugueses deram a resposta», afirmava12. 22 O Playoff arranca no final de Abril e o FC Porto precisa de quatro jogos para se superiorizar ao Beira-Mar. Uma vitória para cada lado nos encontros disputados no Pav. Rosa Mota e dois triunfos em Aveiro. Mais uma vez o trio Jared Miller-Paulo Pinto-Nuno Marçal a funcionar em pleno. As meias finais do Playoff colocavam em confronto FC Porto e Ovarense enquanto o Benfica media forças com o Estrelas. E foram estes últimos a causar surpresa. Vitória no Jogo 1, na Luz, por 69-72 com 21 pontos de Flávio Nascimento. E o feito esteve quase a repetir-se no segundo encontro. Apenas dois pontos separaram Benfica de Estrelas (70-68). A final por tantos antecipada chegava a 25 de Maio de 1996 no Pavilhão das Antas, casa que ia sendo dividida com o Pavilhão Rosa Mota. Tanto o FC Porto como o Benfica afastaram os respectivos adversários e na hora de antecipar o encontro inaugural Mário Palma colocava o favoritismo no lado contrário: «Nunca uma equipa conseguiu anular a desvantagem casa na eliminatória decisiva. Assim sendo, tenho necessariamente de atribuir uma quota de favoritismo superior ao FC Porto. Digamos que eles partem com 55 por cento de possibilidades»13. No outro extremo Jorge Araújo mostrava-se confiante de ter em mãos um projecto capaz de «terminar com a hegemonia do Benfica em Portugal». A rivalidade entre os, até esse momento, emblemas maiores do basquetebol nacional era um dos aspectos que dava à modalidade atenção mediática e impulsionava um “espectáculo fora do espectáculo” que já transitava de temporadas anteriores, nomeadamente uma conferência de imprensa especial e inédita. «Sublinho a 23 importância do nascimento de um determinado clima que cria a base das condições para o interesse público a impulsionar a criação da Liga, que são mais uma vez os treinadores. É preciso não esquecer que na rivalidade Porto vs Benfica a luta entre o Jorge Araújo e o Mário Palma deu uma conferência de imprensa absolutamente inédita em que os dois treinadores ao vivo estão a fazer uma conferência de antecipação para um jogo. Em vez de ser a tradicional abordagem individual, é feita em conjunto», destaca Jorge Araújo. Depois de soar o apito para a bola ao ar no primeiro encontro da final, a formação da invicta mostrou-se mais forte. Triunfo por 77-67 que ia repetir-se no dia seguinte no Jogo 2: nova vitória, agora por 82-76, com Rui Santos em evidência ao marcar 36 pontos. Nessa partida Nuno Marçal sofre uma entorse no pé esquerdo e fica de fora dos desafios da Luz. Em Lisboa, a 2 de Junho de 1996, o Benfica recebe um balão de oxigénio. Num encontro que foi precedido de uma semana rica em troca de palavras entre os responsáveis dos dois clubes, o Benfica reduz a eliminatória para 1-2 ao vencer por 82-77. Para isso muito contribuíram Carlos Lisboa, com 20 pontos e Carlos Seixas, com 19 pontos marcados. Acabou por ser contudo sol de pouca dura. No dia seguinte o FC Porto fazia a festa na Luz. A 25 segundos do final, quando os dragões venciam por 76-84, na transmissão televisiva do Canal 2 da RTP o comentador Carlos Barroca não tinha dúvidas ao afirmar: «O FC Porto confirma no Playoff toda a qualidade da juventude do seu plantel, ganha de forma espectacular este campeonato, relançando o basquetebol português para novas viagens, novas 24 conquistas e porventura para novas equipas a surgirem com esta mesma disponibilidade». O jogo terminava com o triunfo por 77-85 e nas declarações à imprensa ambos os treinadores trocavam elogios. «O sinal de respeito pelo adversário levou-me a dizer que não sabia quando iríamos vencer este campeonato. O Benfica é uma grande equipa e vai continuar a sê-lo», começou por referir Jorge Araújo, que não esqueceu o papel da nova geração de atletas que surgia com este título: «Seria mau para o basquetebol português que o lançamento de jovens não fosse premiado da maneira como foi». Já Mário Palma dedicava as suas palavras ao colega de profissão: «Quero elogiar o trabalho feito por Jorge Araújo.Voto nele para treinador do ano. Os jogadores do FC Porto fizeram um grande campeonato»14. «Tínhamos o Paulo Pinto a dar na cabeça do Miguel Miranda» O êxito da formação do FC Porto, como já foi referido, assentava no sucesso da dupla Jorge Araújo-Alberto Babo. Este último, além da colaboração na equipa técnica dos seniores, tinha a seu cargo os escalões mais baixos dos dragões e acabou por ser um dos grandes responsáveis pela renovação geracional no basquetebol da Invicta. A experiência começou quando deixou de jogar, em 1981, e ficou com o minibasquete a seu cargo. Logo nesse período surge a sua primeira descoberta: «Foi nos Minis que descubro o Rui Santos. Com 10 anos. E descubro-o fora do pavilhão.Vejo-o com uma bola a jogar com a parede e o pai dele que era meu colega no Banco Borges e 25 Irmão pergunta-me: “estás a olhar para o miúdo porquê?” E eu respondo “porque está aqui com uma bola a atirar à parede, mas com efeito, sem efeito, tem talento”. E ele diz: “se queres levar para o Porto leva-o, porque ele é meu filho”». Assim teve início um trabalho de sucesso com o atleta, que andou sempre à frente um ano em relação ao seu escalão, e cujo lançamento na equipa sénior teve também o seu dedo: «Há um ano em que o Jorge Araújo sai e eu fico com a equipa sénior. E nesse ano ele ainda é Júnior e eu lanço-o nos seniores. E nunca mais saiu». A fórmula repetiu-se e foi dando frutos. Nuno Marçal ou Quidiongo, por exemplo, foram jogadores que estiveram com Alberto Babo 14 anos. Outros chegaram mais tarde às Antas, mas o acompanhamento acabou por seguir a mesma metodologia de trabalho sintonizado entre Jorge Araújo e Alberto Babo. «O Paulo, o Marçal, o Rocha, o Quidiongo, o Ricardo treinavam de manhã, iam para as aulas, e das 17h às 19h estavam com os seniores. Depois das 22h às 24h estavam comigo nos juniores. Eu estava com eles das 17h às 19h e depois das 22h às 24h. Isto todos os dias. Então verificámos ao longo das competições que a carga de trabalho, o ritmo competitivo a trabalhar com Jared Miller e os outros, era muito grande. Quando lanças um jovem nos seniores eles podem aprender muito com os treinadores, mas também aprendem muito com os jogadores. E os mais antigos foram muito importantes no caso deles. E quando vão um escalão abaixo vão transmitir isso aos outros. Com esta dinâmica tínhamos nos juniores o Paulo Pinto a dar na cabeça do Miguel Miranda», refere Babo. 26 «Mais do que só o campeonato» O FC Porto inicia a época 1996/97 com o estatuto de campeão e faz alinhar o discurso com esse sentimento. Jorge Araújo afirma querer «mais do que só o campeonato» e que a equipa vai competir «para ganhar tudo». A nível europeu propõe-se passar à segunda fase da Taça da Europa. Da temporada transacta mantém-se todo o plantel e a fórmula de sucesso de ir recrutar os reforços à formação repete-se: Nuno Perdigão e Miguel Miranda são promovidos. O Benfica assume a entrada «num novo ciclo» e, apesar da renovação do patrocínio com a Teka, o orçamento baixa de 240 mil contos para 185 mil contos. Steve Rocha regressa e Pedro Miguel é capitão depois do abandono de Carlos Lisboa e a saída de Jean Jacques. A Liga disputa-se com 11 clubes após aprovação da entrada da Portugal Telecom. As “boas novas” sobre melhoramentos em vários pavilhões iam chegando: o Iliabum apresentava novo piso, sala de imprensa, cadeiras e balneários num investimento superior a 40 mil contos. Benfica e Ovarense também lavaram a cara às suas casas e o Queluz aumentou a capacidade do pavilhão para 1500 lugares. O campeonato disputava-se sob o signo da Lei Bosman, que revolucionou o desporto mundial ao colocar os atletas comunitários em igualdade de tratamento com os jogadores nacionais. O Benfica abria a época a vingar-se do FC Porto e por duas vezes, tal como havia acontecido em 1995/96. O clube da Luz afastou os portistas nas meias da Taça da Liga (85-83) e triunfou na Supertaça realizada em Castelo Branco: 81-76. Uma vitória para Mário Pal27 ma dedicar a Carlos Lisboa. «Todos pensavam que não tinha qualidade menos o Jorge Araújo» No campeonato os azuis impunham-se como sérios candidatos à revalidação do título, ao mesmo tempo que iam construindo uma carreira bem sucedida nas competições europeias. De novo em foco estava Jared Miller, que foi o primeiro atleta da LCB a ultrapassar a marca dos mil pontos. O feito foi atingido num triunfo sobre o Esgueira, por 87-79, onde o norte-americano assinou 32 pontos. Mais tarde, no momento de abandonar a carreira, em 2000, não esquecia o FC Porto e o seu treinador: «Quando cheguei todos pensavam que não tinha qualidade menos o Jorge Araújo»15. Efectivamente, o caso de sucesso da escolha do jogador virou exemplo para o antigo treinador nacional, também presidente da Team Work Consultores, que o utilizou enquanto orador convidado no TEDx-UTL, a 14 de Maio de 2012, como episódio de motivação para jovens no mercado de trabalho: «Num recrutamento meu tinha de escolher um de dois norte-americanos. Um deles era um “Adónis”, musculado, alto, forte. Apresenta-se em campo, debaixo da tabela, salta e agarra-se não ao aro mas à parte de cima da tabela, o que atleticamente é um feito espectacular. E toda a rapaziada que estava comigo ficou hipnotizada com aquela performance. O segundo candidato, que veio a ser o melhor ressaltador e um dos atletas mais marcantes da Liga Profissional de Basquetebol, de seu nome Jared Miller, quando entrou no pavilhão parecia um guarda republicano de camisola de alças e calção curto, (…) magro, 28 esquelético, não saltava nada e ainda por cima tinha um bigode horroroso. E toda a rapaziada que estava à minha volta disse “o gajo não salta nada”. Mas eu tinha-o visto a jogar um bocado e disse: vamos recrutar este”». Num artigo do jornal Público de 12 de Fevereiro de 2000, a propósito da boa campanha europeia da equipa da invicta, o nome de Jared Miller surgia como destaque por entrar nos rankings da FIBA. Era 7.º no capítulo dos pontos marcados, 9.º nos ressaltos defensivos e 3.º nos ressaltos ofensivos. Sobre o simultâneo bom desempenho ofensivo e defensivo, o jornalista Mário Barros escrevia em jeito de piada: «Miller é uma espécie de Vitor Baia e Jardel no basquetebol do FC Porto». Regressando à temporada 1996/97, os aplausos a Miller não eram, contudo, exclusivos na hora de receber elogios. O jovem João Tiago começava a dar nas vistas e era apontado como «a revelação»16. Com 21 anos liderava o ranking dos três pontos e tinha alinhado no cinco inicial em seis dos dez jogos até aquele momento disputados. Os meses iam passando e o FC Porto ultrapassava com sucesso a primeira prova de fogo. Os títulos de “final antecipada” foram utilizados para baptizar o encontro dos quartos de final da Taça de Portugal entre Benfica e FC Porto. Jogava-se a passagem à Final Four e o FC Porto saiu da Luz com um triunfo por 60-64. Haveria de levantar o troféu depois de ultrapassar nas meias o Queluz e derrotar na final a Ovarense. O português Rui Santos (23 pontos) foi a estrela maior da vitória por 95-73 que possibilitou a primeira conquista do ano. O Playoff arrancava sobre o entusiasmo de um novo patro29 cinador. A Expo 98 ia dar o naming à fase decisiva da prova, assim como a toda a temporada 1997/98. O país assistia espantado à eliminação do Benfica frente à Oliveirense do fantástico Joffre Leal. O feito nunca antes alcançado de a equipa da Luz ser afastada na primeira eliminatória era sinal da competitividade e qualidade que a modalidade ia registando e justificou referência de capa do jornal Record: «Oliveirense surpreende nos Playoff – Basket do Benfica afastado da Liga». O desaire representou um ponto final no trabalho do técnico Mário Palma no comando dos encarnados. Afirmando «sair de cabeça bem erguida», o treinador, que chegou à Luz na época 1990/91, sublinhou o seu contributo para 18 títulos dos encarnados. «Nestes últimos sete anos ganhámos cinco Campeonatos, cinco Taças de Portugal, quatro Taças da Liga e quatro Supertaças. Saio com o dever cumprido pois ajudei o clube a melhorar a qualidade»17. «O Joffre Leal era um campeão» «Tivemos a sorte e o mérito de ganhar um jogo na Luz e sabíamos que não ia ser fácil ao Benfica ganhar em Oliveira de Azeméis. O Jogo 4 parte de uma recuperação fantástica nossa com grandes exibições do Joffre Leal e do Gerson Monteiro», recorda Henrique Vieira, técnico que chegou à Oliveirense nessa época, já na fase de início dos treinos, vindo de Moçambique. «Já existia um plantel mais ou menos construído, com escolhas feitas pelo meu adjunto da altura,Vítor Martins, que entre outros foi buscar o Joffre Leal, e eu quando cheguei fiz apenas alguns ajustes, nomeadamente nos norte-americanos. Fui buscar o Ken Turner e o Anthony 30 Black», lembra. Para o treinador, o atleta espanhol, que foi uma das grandes revelações do campeonato nesse ano, era «um campeão» que apenas precisava de confiança. «O Joffre Leal foi uma surpresa total.Vinha de uma grande escola espanhola, o Juventut Badalona, chegou a equipar na equipa principal. Mas depois, não sei porquê, começou a cair e foi parar à terceira liga espanhola, numa equipa da Galiza, próximo da fronteira com Portugal», afirma, confessando: «Ainda hoje somos amigos. Falávamos muitas vezes, ele aconselhava-se muitas vezes comigo». O basquetebol português encontrava na Oliveirense um novo protagonista na discussão do título. Após eliminar o Benfica, garantiu a presença na final depois de um emocionante duelo com a Portugal Telecom, nas meias-finais, resolvido “na negra”. O clube que era dirigido por Herminio Loureiro encontrava-se seis meses antes no último lugar da prova e estava agora perante uma final inédita na sua história. O técnico Jorge Araújo saudava: «O basquetebol português está de parabéns por já ter atingido este nível e porque apareceu mais uma forte equipa na Liga». «O nosso plantel tinha qualidade, mas era uma qualidade curta» O FC Porto triunfou nos dois primeiros jogos, fruto de uma estratégia que passou por recorrer a Fernando Sá para “secar” Joffre Leal, e a Oliveirense evitou o 3-0 ao vencer na sua casa, por 83-66, numa partida em que o espanhol-maravilha se libertou para 31 converter 29 pontos. O entusiasmo em Oliveira de Azeméis era enorme e foi perante um pavilhão lotado que um costa a costa de Rui Santos, no último segundo, deu a vitória por 72-74 e o bi-campeonato ao FC Porto. No final do encontro houve invasão de campo protagonizada pelos adeptos portistas, que acorreram em grande número à partida decisiva. «O nosso plantel tinha qualidade, mas era uma qualidade curta. E apesar de termos equilibrado os dois jogos no Porto, poderíamos ter ganho um deles. Estivemos sempre à frente, mas na parte final fomos abaixo fisicamente. Ficou um pouco isso apesar de eu continuar a dizer que essa foi a minha primeira grande experiência», lembra Henrique Vieira, destacando o valor dos atletas: «Não era só o Joffre. Era um conjunto de jogadores que ninguém conhecia, como o GabrielValente, o Gerson, oWelly, todos eles tiveram uma grande contribuição para o sucesso da época». O clube da Invicta festejou ainda mais uma conquista antes de fechar a temporada. Foi em Junho que numa vitória frente à Portugal Telecom, por 79-62, se sagrou campeão nacional de juniores A. Em destaque na equipa estiveram Nuno Quidiongo, Bruno Santos, Miguel Miranda, João Rocha e Nuno Perdigão. Jared Miller saía para o Toullose, mas haveria de regressar mais tarde. Kevin Nixon também abandonava os dragões. O trabalho com os jovens na cidade invicta continuaria a dar frutos até à viragem do milénio. Como lembra Alberto Babo: «Houve duas fornadas: a do Paulo Pinto, Marçal, Quidiongo, Ricardo, João Rocha. E depois Perdigão, Miguel Miranda, Paulo Cunha, Élvis Évora. Aquilo era uma sequência». 32 33 II. Há Estrelas no céu «Era só gente do basquetebol» O público enchia todos os cantos e recantos do Complexo de Desportos de Almada em Junho de 1998 naquela que foi descrita na altura pelo jornal Record como «a maior enchente de sempre no basquetebol português»18. Escrevia-se que a polícia se viu em trabalhos pois o recinto «cuja capacidade é de 3500/4000 pessoas registou uma assistência de cerca de 5200 espectadores […] Valeu o comportamento extremamente cívico das duas claques». Em igualdade numérica, além do apoio aos seus clubes, os adeptos do Estrelas da Avenida e Ovarense aproveitavam o super-mediatismo daquele encontro, como nunca antes algum outro tinha merecido, para deixarem as suas palavras de ordem: «Ovar precisa de um pavilhão», reclamava uma faixa dos adeptos nortenhos. «Estrelas precisa de um pavilhão», ostentavam os aficionados do emblema lisboeta visível entre outra faixa onde o símbolo do super-homem sofria uma alteração gráfica para homenagear os «Super-Mários», em referência à dupla Mário Palma e Mário Gomes no comando técnico da equipa, com um pedido especial: «Mário Palma Fica!». Estávamos perante uma final inédita no basquetebol português naquele que tinha sido referido como «o playoff mais equilibrado de sempre»19 e mais um sinal de mudança na modalidade. «Tradicionalmente o campeonato decidia-se entre as equipas Porto, Benfica e Ovarense. Aquela final foi também especial porque os pavilhões encheram com gente que realmente gostava da modalidade, sem “clubites”. Era gente do basquetebol. Não existiam as claques que foram apoiar o clube. 34 Ali estavam pessoas que conheciam o jogo, os jogadores e que criaram uma festa muito especial», lembra Paulo Simão, jogador do Estrelas da Avenida. «O que mais retenho dessa final é a imagem, não sei quantificar ao certo, do que terá sido qualquer coisa à volta de 20 autocarros de Ovar. Lembro-me de estar a aquecer e as pessoas estarem a entrar e encher completamente. E estávamos quase a jogar em casa, pois o Estrelas não tinha muitos apoiantes, chamavam os miúdos das escolas e criavam ali uma dinâmica, mas três quartos do pavilhão era Ovarense», aponta Nuno Manarte, base dos vareiros. Recuando ao início da temporada muito poucos, já para não dizer ninguém, teria a coragem de colocar as fichas naquele culminar de época. Sobretudo no que respeita ao Estrelas da Avenida, emblema de pequena dimensão nascido em 1976 no bairro da Penha de França, em Lisboa. Era quase como se um jogo de computador que naqueles anos fazia as delícias dos jovens fãs de futebol, o Championship Manager, fosse transportado para a vida real com o jogador a conduzir a equipa do bairro até aos maiores feitos de uma época. Dois anos antes, na altura de festejar o vigésimo aniversário de existência, em 1996, o Estrelas da Avenida apontava como objectivo deixar de ser considerada como «equipa sensação». O mimo era invariavelmente atribuído no final de cada uma das quatro últimas edições do campeonato nacional por força de ter sempre conseguido classificar-se entre os quatro primeiros20. Este clube, ao qual a modalidade de basquetebol chegou 35 “por acaso” no início da década de 80, quando os atletas do extinto Oriental procuravam dar continuidade à actividade, registava uma curiosa regularidade para quem, por exemplo, não dispunha sequer de pavilhão próprio. Começou a aventura pelo escalão maior do basquetebol nacional pelo Pavilhão das Olaias, que foi reconvertido em 2015 em campo de padel, passou depois pelo Pavilhão do Colégio de São João de Brito e, em 1997/98, chamava casa ao Complexo dos Desportos de Almada, a mais de 15 km da sede do clube. Foi nesse local que haveria de levantar o troféu de campeão nacional, depois de já ter na vitrine a Taça de Portugal, numa festa que atravessou a ponte 25 de Abril para um churrasco na Escola Nuno Gonçalves, exactamente na dita Avenida General Roçadas, a culminar uma época fantástica e histórica. Mas lá iremos. «Quando chegou tinha uma barriga maior do que a minha» A edição 1997/98 da Liga Profissional, baptizada como Liga Expo 98, contou com 14 clubes. Os efeitos da Lei Bosman sentiram-se em força na altura dos reforços naquela que era cada vez mais uma “sociedade das nações”. O Estrelas da Avenida apresentava Mário Palma como treinador, saído do Benfica depois de ter ajudado a escrever algumas das mais brilhantes páginas do clube na modalidade, e juntava uma dupla de espanhóis (Juan Barros e Joaquin Arcega) aos norte-americanos Terence Radford (ex-Esgueira) e Doug Muse. 36 No “mercado de verão” a Ovarense era igualmente destaque ao apresentar a Aerosoles como patrocinador e um orçamento de 65 mil contos. Aos dois norte-americanos, Herman Alston e Antoine Jones, juntou quatro comunitários. A Oliveirense protagonizava aquela que foi descrita como a «grande transferência do ano»21 ao assegurar Rui Santos (ex-FC Porto). A ele juntava-se ainda Jordi Prado, que chegava a Portugal aos 29 anos depois de ter sido campeão em Espanha ao serviço do Joventut Badalona. A equipa de Oliveira de Azeméis tinha sido vice-campeã na época anterior e era olhada como uma das favoritas na discussão do título. A época começou logo a dar sinais de que já não havia lugar para favoritismos no basquetebol actual. A Taça da Liga foi erguida pelo Esgueira/Aveiro depois de superiorizar-se na final frente à Portugal Telecom. O jogo pleno de emoção teve Jimmy Moore como jogador em destaque. Primeiro levou o jogo para prolongamento com um triplo. Depois fez o tiro que fechou o marcador em 95-94. O FC Porto dava continuidade aos dois títulos conquistados nas temporadas anteriores e levantava a Supertaça ao derrotar a Ovarense por 77-70, com Nuno Marçal a registar 23 pontos e 17 ressaltos. O equilíbrio da prova era nota dominante e logo nas jornadas iniciais, após o triunfo do Seixal na Luz frente ao Benfica, por 94-102, a 21 de Setembro, ambos os treinadores davam nota disso. Na formação da margem sul do Tejo o técnico Mário Silva afirmava: «Não há treinador da Liga que garanta este ano que vá ganhar ou perder o próximo jogo». Por seu turno Carlos Lisboa, 37 treinador escolhido para substituir Mário Palma, sublinhava: «Já não há jogos fáceis». Ao fim de sete jornadas o Esgueira, treinado por Carlos Gouveia, era a única equipa sem derrotas. O Estrelas da Avenida registava um percurso pouco brilhante e contabilizava apenas dois triunfos, depois de perder em Almada, com a Oliveirense, por 58-71. Entretanto as trocas de jogadores iam-se sucedendo. Em Dezembro, oito equipas já tinham trocado 18 jogadores. Uma delas era o Estrelas da Avenida, que fez entrar Wayne Engelstad para sair Terrence Redford. «Foi esse momento que mudou a época.Tínhamos uma equipa forte desde início, com dois espanhóis muito experientes, o Juan Barros e o Arcega, mais um conjunto de portugueses também com alguma experiência e qualidade. Nos norte-americanos tínhamos o Doug Muse, que estava no início do seu percurso na europa e da carreira como profissional, e o Terrence Redford que estava há alguns anos em Portugal, mas faltava uma ligação entre eles. Parece que tínhamos dois jogadores para a mesma posição e que combatiam por um espaço comum», recorda Paulo Simão. A estreia de Wayne Engelstad não podia ter representado melhor cartão de visita. Jogava-se para a Taça de Portugal e o Estrelas defrontava o Esgueira. O norte-americano, chegado em Dezembro, assinava 22 pontos para afastar o clube da região de Aveiro por 86-76. «O Wayne Engelstad era um grande jogador. Tínhamos um norte-americano que criava alguns problemas no balneário e eu exigi o Engelstad contra tudo e contra todos. Quando chegou tinha uma barriga maior do que a minha. Mas era muito influente», recorda Mário Palma. Passavam as jornadas e o efeito ia repetindo-se. Com Wayne 38 Engelstad, o Estrelas estava invicto há seis jogos e subia ao 5.º posto da classificação. «OWayne era um jogador completamente diferente do Redford e veio servir como cola para toda uma equipa que ainda não estava colada. Transformou aquela equipa e o balneário, dando-lhe mesmo um carácter familiar. Começámos a ter momentos juntos fora do campo e dos pavilhões, o que é normal entre dois ou três jogadores, mas quando nesses momentos está a grande maioria da equipa a ligação torna-se muito forte e reflecte-se no campo e no rendimento», afirma Paulo Simão. «Era equipa com pernas para andar, mas ninguém pensava no título» A atenção começava a virar-se para a equipa presidida por Rogério Coelho, mas o técnico Mário Palma afastava a pressão quando lhe perguntavam pelo título: «Com mais dois jogadores seríamos com toda a certeza uma equipa a ter em conta. Com mais um já poderíamos ter alguma ambição. Mas sei que isso não é possível. Ser campeão é praticamente impossível»22. Curiosamente mais tarde também a Ovarense, pela voz de Luís Magalhães, colocava de lado essa hipótese: «Com um orçamento de 60 mil contos não podemos partir em pé de igualdade com os principais candidatos ao título»23. «Quando começava a época os favoritos eram sempre Benfica, Porto, Oliveirense, Ovarense. Nós eramos um bocadinho os outsiders. Sabíamos que tínhamos uma equipa com pernas para andar, mas ninguém pensava no título, nem se falava disso», explica Artur Cruz. Em Março o norte-americano Doug Muse fazia 28 pontos para ajudar o Estrelas a derrotar a Ovarense e registar assim a 10.ª vitória em 11 encontros. 39 No confronto entre as duas equipas a formação lisboeta saía por cima. Passado cinco dias novo frente a frente, desta vez nos quartos de final da Taça de Portugal. Em Almada nova vitória, agora por apenas dois pontos (78-76), e passaporte para as meias carimbado. «O Wayne criou muito espaço para o Doug que fez com que este melhorasse muito o rendimento, tudo corria bem e o balneário estava muito “saudável”», lembra Paulo Simão, destacando o mérito da equipa técnica: «Isto não era possível sem uma liderança muito forte e nós tínhamos uma equipa técnica de luxo. Esta questão da troca de um jogador foi um pormenor, o mérito de tudo é sempre da equipa técnica». A poucas semanas do início da Final Four da Taça de Portugal, e depois do Estrelas já ter subido ao 3.º posto da Liga, surgiam na imprensa notícias que davam conta de uma alegada deslocação de Mário Palma a Israel tendo em vista o ingresso no Hapoel Telavive24. Enquanto isso, e apesar da boa temporada, o presidente mostrava-se desgastado e chegava inclusive a equacionar o abandono da Liga: «Não temos pavilhão nem público. Começamos sempre os projectos a zero. Assim é difícil prepararmos o futuro. A Câmara Municipal de Almada distribui os apoios por nós e pela PT. Quanto a Lisboa, solicitámos uma audiência ao vereador da autarquia e só nos responderam seis meses depois». A Final Four da Taça de Portugal teve lugar no Seixal e o Estrelas venceu nas meias a PT por 87-84, ao passo que no outro encontro o Benfica viu Sérgio Ramos fazer 33 pontos no triunfo sobre a Oliveirense (94-83). O Pavilhão do Seixal rebentava pelas costuras para assistir à final inédita entre Estrelas e Benfica. E foi 40 um público entusiasta que assistiu a três segundos do fim Joaquin Arcega na linha de lance live, após uma falta muito contestada atribuída a Pedro Miguel, colocar o Estrelas na frente para um triunfo 87-86. Desde 1990/91 que nenhum outro clube além de Benfica e FC Porto conquistava a Taça de Portugal. A dupla de treinadores Mário Palma e Mário Gomes colocava os seus nomes, e o do clube, na história da modalidade. Olhando para trás no tempo não há grandes truques para explicar o segredo do sucesso que conduziu à dobradinha. «Trabalhámos muito para ganhar o campeonato e a Taça», sublinha o técnico da equipa da Avenida General Roçadas. «A fase dos campeões perpétuos já terminou» A fase regular era passado e para o arranque dos Playoff estava guardada a apresentação mais mediática de sempre. Num hotel em Lisboa estiveram 30 jornalistas, além dos treinadores dos oito clubes. Na ocasião foi anunciado que a TMN iria dar o seu nome à edição 1998/1999. O jornal Record dedicou um suplemento à fase final da Liga e fez capa com Sérgio Ramos e Nuno Marçal25. O Playoff foi referido como «o mais equilibrado de sempre». Não se enganaram no título. Os quartos de final da competição estavam suspensos com os olhos presos em duas “negras”. Por um lado, o duelo Estrelas-Portugal Telecom estava empatado em 2-2. Por outro, o Ovarense-Benfica registava igual cenário. Os encontros decisivos caíram para o lado do Estrelas, com um triun- 41 fo por 72-88 e um “duplo-duplo” de Doug Muse (22 pontos e 15 ressaltos), e para o da Ovarense, com uma vitória por 81-85 e novo duplo-duplo: Lee Stringfellow assinou 20 pontos e 10 ressaltos. Nas meias a Ovarense ia encontrar o Aveiro Basket, que tinha começado a época com a designação Aveiro/Esgueira, depois de estes terem afastado a Oliveirense também em “negra”. O FC Porto, que não tinha encontrado dificuldades para superiorizar-se ao Seixal (3-0), jogava contra o Estrelas da Avenida. O feito histórico de marcar presença numa final foi festejado pelo Estrelas da Avenida em Almada no Jogo 4. O espanhol Joaquin Arcega assinou 26 pontos na vitória por 77-70 que deixou o FC Porto fora da final. A Ovarense precisou da “negra” para triunfar sobe o Aveiro Basket com um contributo decisivo de Herman Alston (22 pontos). Na altura de fazer um balanço ao campeonato Carlos Barroca apontava: «A fase dos campeões perpétuos já terminou. As oito equipas que entraram no Playoff podiam ganhar o título»26. «Nesse Playoff fomos sempre à negra. Nos quartos de final, meia final e final. E nos quartos e nas meias o 5.º jogo foi sempre em Ovar. Uma das imagens que tenho é a de chegarmos uma hora e meia antes ao pavilhão e já estava cheio. Pessoas cá fora à espera porque não tinham bilhetes e não conseguiam entrar», lembra Nuno Manarte. «No quinto jogo tudo podia acontecer» A Expo 98 tinha aberto as suas portas a 21 de Maio quando o mundo do basquetebol ia-se movimentando para uma final que 42 ninguém queria perder. Jornais, televisões e rádios asseguraram presença com mais de 30 acreditações e o ministro adjunto José Sócrates e o Secretário de Estado do Desporto Miranda Calha também confirmaram a presença. Os dois clubes acordavam um preço único de bilheteira para todos os jogos: mil escudos. O primeiro jogo teve lugar a 23 de Maio, em Almada, e o Estrelas da Avenida foi mais forte: um triunfo por 80-57, com decisivo contributo de Wayne Engelstad (19 pontos). No segundo encontro novo triunfo (83-63), com a luta das tabelas a merecer nota de destaque: 45 ressaltos conquistados pelo Estrelas ao passo que a Ovarense não foi além de 28. Na estatística, Artur Cruz era o português em evidência: no conjunto dos dois jogos foi o mais utilizado entre os nacionais. Nas vésperas do terceiro jogo surgia o caso como uma bomba: Wayne Engelstad era apanhado nas malhas do doping, acusando vestígios de efedrina, e estava suspenso até à conclusão do processo. «Ele estava a tomar comprimidos para perder peso. E foi isso que acusou depois no controle anti-doping», explica Mário Palma. No terceiro encontro Artur Cruz foi o escolhido para fazer esquecer a ausência do norte-americano e não desiludiu. Com 13 pontos convertidos não foi, contudo, suficiente para evitar o êxito da Ovarense. Um triplo de Kenny Turner no último segundo assegurou a vitória: 74-73. Apesar da boa resposta do colectivo à ausência de Engelstad, haveria mesmo de ser a Ovarense a voltar a sorrir e a fazer os adeptos saltar das bancadas. No que respeita a emoção a final 43 não desiludiu e o Jogo 4 teve até direito a cesto do meio campo a acabar a primeira parte. Foi Oscar Cervantes o responsável pelo tiro num jogo em que o colectivo de Ovar foi mais forte: 87-84. «Ganhámos os dois primeiros em Almada. Depois chegámos a Ovar e perdemos no terceiro jogo porque há uma jogada de reposição de bola fora, faltavam dois segundos ou coisa parecida, a bola entra num jogador da Ovarense, o Turner, que se atira para trás e faz um lançamento daqueles que não se fazem e marcou. Depois no outro jogo a mesma história.Tínhamos a posse de bola, perdemos a posse de bola e fomos derrotados por uma margem mínima», lembra Mário Palma. «Perdemos os dois primeiros encontros e perdemos bem, o Estrelas foi mais forte, e depois quando vêm a Ovar fomos nós mais fortes. A seguir a isso no quinto jogo tudo podia acontecer», afirma Nuno Manarte. «As oito equipas do Playoff tinham lugar na ACB» Reza a crónica do jornal Record que a chave para resolver a “negra” esteve nos bases27. A exclusão de Nuno Manarte da Ovarense, com cinco faltas, numa altura em que os vareiros venciam por sete pontos, colocou o peso do transporte de bola nas costas de Herman Alston. Pela frente estava um «Arcega dos sete fôlegos», assim baptizado para ilustrar a exibição do base espanhol da equipa lisboeta que acabou considerado o MVP do jogo, incansável no registo de 21 pontos marcados. O triunfo do Estrelas por 71-63 contou ainda com o poder interior do norte-americano Doug Muse, que fez 22 pontos e 44 contabilizou 40 minutos de jogo. No final Javier Arcega distribuia os louros pela equipa e sublinhava que entre os seus colegas estavam «quatro ou cinco MVP». «Foi uma época extraordinariamente difícil. Nunca tinha treinado tão intensa e seriamente em toda a minha carreira», afirmava, rematando: «Não esperava que o nível fosse tão elevado. Quando cheguei apenas conhecia o Benfica, FC Porto e Telecom. Aliás, as oito equipas que disputaram o Playoff tinham lugar na ACB». «O jogo esteve quase a virar para o nosso lado. Depois na parte final o Estrelas ganhou. E julgo que foram um justo vencedor pois eram a melhor equipa nessa altura», analisa Nuno Manarte. O livro Alma Vareira dedica umas linhas ao jogo de Almada referindo-se ao encontro como «uma das mais amargas derrotas da história do basquetebol da Ovarense»28. O técnico Mário Palma explicava no fim da partida a receita para ultrapassar a ausência de Wayne Engelstad, que tinha contribuído para vencer 28 dos 32 encontros em que esteve presente. «Sabendo que em termos ofensivos dificilmente iriamos resolver o problema, optámos por defender com todas as ganas». Para o treinador, que registou a oitava presença numa final de Playoff em dez anos, estiveram em campo «as duas melhores equipas portuguesas da época». «Ultrapassámos formações que investiram muito mais dinheiro, que possuem plantéis incomparavelmente superiores aos nossos e têm estruturas organizativas teoricamente melhores. O Estrelas e a Ovarense atingiram a final porque têm um corpo directivo excepcional e excelentes condições de trabalho», sublinhou ao Record29. A equipa do bairro da Penha de França iria realizar mais 45 uma temporada na alta roda do basquetebol, já sem o técnico Mário Palma, participando mesmo na Taça da Europa. Defrontou os franceses do Cholet, tendo perdido por 84-55 em França e 59-75 em Almada. No fim da época 1998/99 assumia a descida ao Campeonato Nacional da I Divisão, onde permaneceu algumas temporadas. Em Abril de 2003 era Pereira Lima, técnico com uma ligação de 15 anos ao clube, a orientar a formação que ocupava o penúltimo lugar da classificação e com o rumor a correr de que alguns jogos se realizavam à porta fechada por não existir dinheiro para pagar o policiamento. O fim era anunciado pelo presidente Rogério Coelho: «Fiz coisas positivas pelo basquetebol profissional embora sinta que fui traído pela minha megalomania»30. Uma “parte” da história do Estrelas ainda vive hoje na freguesia da Penha de França. Ao descer a Avenida Mousinho de Albuquerque conseguem ver-se as fundações do que seria o suposto futuro pavilhão do clube, numas obras nas quais terão sido investidos na década de 90 cerca de 60 mil contos31, mas cuja conclusão nunca chegou a ver a luz do dia. 46 A “negra” entre Estrelas da Avenida e Ovarense, disputada em Almada, em 1998, terá juntado mais de 3500 espectadores nas bancadas e foi um fenómeno mediático (Créditos: Arquivo pessoal Rogério Coelho) Os técnicos Mário Palma e Mário Gomes e a “dobradinha” com o Estrelas da Avenida, únicos troféus conquistados pela colectividade do bairro lisboeta da Penha de França no escalão maior do basquetebol nacional (Créditos: Arquivo pessoal Rogério Coelho) 47 III. Os reis da rua e o padrinho Kobe Bryant «Éramos quatro jogadores do Guifões» Na história do desporto nacional, no que a modalidades colectivas diz respeito, não existem, exceptuando as lendárias equipas de hóquei em Patins, muitas oportunidades de puxarmos dos galões enquanto povo para dizer que fomos campeões do mundo. O que provavelmente poucos sabem é que o basquetebol entra nessa excepção. Corria o mês de Setembro de 1997 e Portugal sagrava-se campeão do mundo de streetbasket. Talvez seja melhor ser mais preciso para fazer justiça à dimensão do feito: Portugal sagrava-se campeão do mundo de streetbasket em Itália, na cidade de Milão, derrotando na final a selecção da casa. Entre as muitas provas 3x3 que se realizavam em Portugal na segunda metade da década de 90, com vários patrocinadores e diferentes dimensões, o Adidas Streetball Challenge seria uma das mais consagradas pela dimensão internacional que permitia. E entre as centenas de participantes, divididos entre fases locais e fases nacionais, apenas um conjunto de atletas podia ambicionar a glória máxima de representar Portugal no estrangeiro. Não foram necessárias muitas tentativas para mostrar como se faz. «Em 1996 jogava com o Rui Parada, o Eduardo Lopes e o José Gomes. Eramos quatro jogadores do Guifões. E fomos três vezes campeões nacionais. Fomos a Budapeste ao campeonato do mundo, mas foi complicado competir. Os padrinhos nesse ano foram o Kareem Abdul Jabar e o John 48 Starks. Depois mudou a estrutura. Havia o 3x3 normal nacional onde uma equipa se sagrava campeã, mas depois havia uma selecção em que escolhiam os melhores jogadores para representar a Adidas Portugal nesse campeonato do mundo», recorda Pedro Lourenço. Na temporada seguinte a final nacional do Adidas Streetball Challenge teve lugar no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, no mês de Junho, e contou com 192 jogadores de ambos os sexos. Os padrinhos do evento eram Joffre Leal e Carlos Lisboa e foram eles, juntamente com o responsável da Adidas Portugal, que definiram a “equipa ideal”. Feita a selecção, repetiam a experiência para a edição 1997 os atletas José Gomes e Pedro Lourenço e a eles juntavam-se Paulo Cunha e João Santos. «Eu não cheguei a jogar nas etapas nacionais do 3x3. Penso que a minha escolha de ir lá fora terá estado relacionada com o facto de ser patrocinado pela Adidas», lembra João Santos. «O João Santos foi o único que foi convidado. Nós fizemos o torneio todo. Eu não jogava na equipa do Pedro Lourenço. Ele jogava com o José Gomes numa equipa e eu jogava em outra. Depois na final nacional é que nos juntámos», afirma Paulo Cunha. «Ofereceram os prémios aos italianos antes dos jogos» Foi em Setembro que os “quatro magníficos” partiram rumo a Milão para disputar o campeonato do mundo. E não foram sozinhos. Em Femininos também houve representação com as jogadoras Mónica Rosa, Teresa Cassamá, Patrícia Carvalho e Joana Bar- 49 ros. Tiveram, contudo, sortes distintas. Enquanto em Masculinos as vitórias contra República Checa, Malásia e Eslovénia mantinham Portugal em prova, no que respeita às mulheres as derrotas frente a França, Hungria e Suíça deitaram as aspirações por terra, não obstante no saldo final ainda serem contabilizados triunfos contra Hong Kong e Estónia. A fase final teve lugar na Praça Piazza Castello e marcaram presença cerca de mil jogadores. A estrela dos Lakers, Kobe Bryant, com 19 anos, foi o padrinho do evento e, de acordo com Paulo Cunha, o talento nacional não lhe passou despercebido: «No evento o Kobe disse que se tivesse de jogar 1x1 com alguém era com o José Gomes que era fortíssimo no basquetebol de rua». A selecção nacional chegava ao encontro decisivo com um total de seis triunfos em outras tantas partidas. Vitórias sobre a França nos oitavos de final, Áustria nos quartos e Argentina nas meias juntavam-se aos êxitos já obtidos na fase inicial. «Fomos ganhando e ganhando, até que nas meias finais derrotamos a Argentina, considerada por muitos como a melhor selecção do mundo, e na final contra a Itália sagrámo-nos campeões», refere Pedro Lourenço, sublinhando o valor dos adversários: «Eram todos jogadores federados. Foi um orgulho ter recebido o prémio e ter tido a oportunidade de conhecer em Itália, e posteriormente em Los Angeles, o grande Kobe Bryant». «Fomos passando até que chegou a final com os italianos, e aquilo era em Itália, em Milão, e coincidências das coincidências todos acreditavam que os italianos é que iam ganhar, ofereceram os prémios aos italianos antes dos jogos, que era um blusão de cabedal e outras coisas, e depois ga- 50 nhámos nós», recorda João Santos. Outro prémio ficou ainda como memória para a vida: «Recebemos uma viagem aos Estados Unidos. Fomos à Universal Studios e assistir a um jogo em Los Angeles. Os Lakers contra os Sixers, era o Kobe contra o Iverson», diz. «Não dava jeito ganhar dois anos seguidos» Passado um ano, em Julho de 1998, a fase final do Adidas Streetball Challenge juntava 400 jogadores na área circundante ao Arrábida Shopping. Muito entusiasmo, galvanizado pelo facto de uma equipa formada por atletas da Liga Profissional ter sido afastada por um trio de “ilustres desconhecidos”. Os jogadores Jorge Sing (Ovarense), João Coelho e Miguel Miranda (FC Porto) foram eliminados por Paulo Marques, Hugo Macedo, Herculano Silva e Miguel Silva32. O júri que decidiu a equipa que iria depois representar Portugal na final em Paris era composto por Joffre Leal, Carlos Barroca e António Carlos, da empresa ACB. Venceu a prova a equipa Piratas composta por Pedro Lourenço, José Gomes e Eduardo Lopes. Era Setembro e Portugal apresentava-se em Paris com o estatuto de campeões do mundo conquistado na época transacta. A equipa era formada desta vez por Paulo Cunha, Pedro Lourenço, Samba Camará e Jorge Afonso. «O primeiro lugar seria ouro sobre azul, mas se ficarmos nos cinco primeiros entre 30 equipas seria óptimo», afirmava Pedro Lourenço na antecipação do torneio33. O objectivo foi atingido. Portugal só caiu nas meias finais 51 depois de ter ultrapassado a Espanha. Uma derrota com a Sérvia deitou as esperanças lusitanas por terra, indo competir pelos 3.º e 4.º lugares frente a Itália. A vitória permitiu um lugar no pódio. «Chegámos à meia final em Paris e perdemos por um ponto. Ficou a sensação que não dava jeito sermos dois anos consecutivos campeões do mundo», diz Pedro Lourenço. «Perdemos com a Jugoslávia. E depois ganhámos à Itália no 3.º e 4.º lugar, que foi a quem já tínhamos ganho no ano anterior», completa Paulo Cunha, jogador que se destacou nesse evento ao ter ficado em 2.º lugar no concurso de afundanços. «Marquei 26 pontos contra o Tony Parker» No verão de 1998 o basquetebol nacional vivia um clima positivo e o futuro parecia promissor. Não só a recente conquista do título de campeão nacional pelo Estrelas da Avenida abria expectativa de um novo horizonte competitivo, como a publicação em Diário da República do diploma que regulamentava os contratos de trabalho dos praticantes desportivos profissionais prometia maior ambição aos atletas. O base José Costa era um dos porta-vozes desse entusiasmo: «Pela primeira vez na vida vai ser possível ser eu a definir o meu futuro», afirmava34. Foi com este pano de fundo que a Adidas organizou na Póvoa de Varzim o Adidas ABC All Star, um evento destinado aos 64 atletas portugueses, Masculinos e Femininos, mais promissores entre os 17 e os 20 anos de idade. O head coach era Carlos Bar- 52 roca e no final da concentração os dois melhores jogadores eram selecionados para um evento semelhante que reunia o best of a nível internacional a ter lugar em Inglaterra. Apesar de Carlos Andrade ser apontado como o grande favorito, a verdade é que foi a dupla Pedro Lourenço e Paulo Cunha a destacar-se uma vez mais e a ter a oportunidade de mostrar valor internacional. «Lembro-me de ir a esse torneio em Inglaterra da Adidas com o Paulo Cunha. Ele fez parte da equipa do Tony Parker e eu estava na outra. Marquei 26 pontos contra o Tony Parker. O meu treinador era um norte-americano chamadoWilly Simms que foi um dos que jogou aquela final do Jugoplastika Split contra o Maccabi TelAviv», lembra Pedro Lourenço em alusão a uma das mais marcantes finais europeias quando em 6 de Abril de 1989, em Munique, a equipa de Split venceu os israelitas, dando início a um domínio de três temporadas a nível europeu e colocando os olhos do mundo em jogadores como Tony Kukoc ou Dino Radja. A particular apetência de Paulo Cunha para os afundanços iria estar novamente em evidência. Depois de ter sido segundo classificado no Streetball Challenge de Paris, desta vez em Inglaterra o português não deu hipótese à concorrência e foi distinguido pelo júri, Jermaine O´Neill, na altura jogador dos Portland Trail Blazers, e Tim Thomas, atleta dos Philadelphia 76ers, como grande vencedor. 53 «Eu consigo fazer aquilo» «Fui à final contra um francês. Eu já fazia facilmente afundanços com bola por baixo das pernas, de costas, punha-os todos sentados e afundava por cima deles. Para mim estarem lá eles sentados ou não era igual. O que foi à final comigo tentou fazer uma jogada que era o Tony Parker sentado numa cadeira a passar-lhe a bola, ele agarrava e afundava.Tentou e não conseguiu. Perguntou se podia ter mais uma oportunidade e eu disse que sim, com certeza que pode ter. Falhou novamente. E eu disse “eu consigo fazer aquilo”. Sentei o Pedro Lourenço na cadeira e pedi para ele me atirar a bola. Cheguei lá e afundei. E acabou. Ele já nem quis ter mais nenhuma oportunidade», recorda Paulo Cunha. O jogador, que na altura representava o Salesianos, não sabe explicar essa particular habilidade. «Sempre tive uma grande apetência para os afundanços, nem sei explicar muito bem. Comecei a afundar aos 16 anos e nem treinava particularmente. Eu via fazer e fazia igual», diz, recordando um episódio caricato nesse concurso de afundanços: «O Jermaine O´Neill tentou saltar por cima do Pedro Lourenço e acertou-lhe, quase caíam os dois», lembra. Entre outros, Paulo Cunha voltou novamente a ser distinguido pela qualidade dos afundanços no All Star Game 2004/05, onde conquistou o prémio no concurso realizado em Almada. Mais tarde, na ressaca do Mundial de Juniores 1999 realizado em Portugal, voltou a ter lugar entre os grandes da Europa em nova oportunidade de mostrar o seu valor. «Fui a dois campos a nível europeu. Fui a esse com o Pedro Lourenço e fui ao Campus da Nike, em Treviso, com o Fernando Neves. A seguir a nós só foi o Betinho. Nunca 54 mais foi ninguém. Nesse estiveram, entre outros, o Pau Gasol, o Navarro e o Kirilenko. O Gasol e o Navarro estavam na minha equipa. O Fernando Neves estava na outra». «Movimentámos mais de 600 mil jovens» As iniciativas em torno do basquetebol extra-clubes, fosse nas ruas em torneios e playogrounds, fosse em actividades nas escolas, eram cada vez mais comuns nos anos 90, com um crescimento evidente sobretudo na segunda metade da década. Em Abril de 1996, o 3x3 Buckler, que era organizado pela Nave Central e apoiado pela Federação Portuguesa de Basquetebol, anunciava orgulhoso que a sua terceira edição tinha atingido a meta de sete mil participantes. Os prémios para os vencedores eram aliciantes: os primeiros classificados recebiam uma moto Gilera Storm, da Piaggio, enquanto para os segundos e terceiros colocados estavam reservadas bicicletas BTT. Em Maio desse ano, teve lugar uma prova extra do Sumol Street Basket 3x3 nas Caldas da Rainha, após um inesperado êxito na primeira edição onde se concentraram mais de dois mil participantes. A iniciativa, que era organizada pela Nave Central e contava ainda com apoio da Converse, decorreu também em Faro, com 1600 praticantes, e em Lisboa, junto à Estação Fluvial de Belém, com mais de um milhar de atletas. No mesmo ano o Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, vivia um dia diferente com a presença de Jean Jacques, do Benfica, e David 55 Dias e Aníbal Moreira, ambos do Queluz. O projecto dava pelo nome de Clube de Fãs do Basquetebol e o seu mentor era Nelson Tereso, que afirmava: «Na época passada arrastámos 18 mil jovens neste tipo de iniciativas. Agora a ambição cifra-se nos 36 mil»35. A associação tinha nascido em 1994 a partir de uma bem-sucedida experiência que trouxe a Portugal uma vedeta da NBA. «Em 1992 era representante das comunidades luso-americanas em Portugal e promovia muito o intercâmbio desportivo, cultural e social entre os EUA e Portugal. Em 1993 organizei uma digressão da equipa de juniores de futebol do Sporting e no âmbito dessa digressão travei conhecimento com uma pessoa de um núcleo sportinguista norte-americano a quem em conversa banal confessei que gostava era de levar uns jogadores da NBA a Portugal, de preferência do meu clube do coração, que eram os Boston Celtics. E ele disse-me: “não seja por isso, o meu patrão é patrocinador dos Celtics e tem uma relação privilegiada com a administração do clube”», recorda Nelson Tereso. A conversa deu lugar a uma reunião e tudo se conjugou favoravelmente. Em Setembro de 1993 Portugal recebia Rick Fox. «Estivemos em Lisboa, no Pavilhão Carlos Lopes, em Cascais, no Cascais Shopping, em Vila Franca de Xira, Alverca, ao todo tivemos umas seis ou sete mil pessoas. Havia um grande entusiasmo em torno da NBA, passava na RTP2 numa altura em que só existiam dois canais, toda a gente via. Depois dessa digressão vi o entusiasmo que os miúdos tinham pela NBA e pelo basquetebol e lembrei-me de criar uma estrutura que funcionasse de forma permanente para ir ao encontro do entusiasmo dessa juventude. Nasceu o Clube de Fãs do Basquetebol em Julho de 1994», lembra Tereso. 56 As iniciativas percorriam todo o país. Em Novembro de 1996 a Escola Primária da Sé, no Porto, recebia Jared Miller, Nuno Marçal e Rui Santos. «Ao longo destes anos de existência movimentámos mais de 600 mil jovens. O conceito era ser uma escola de basquetebol móvel. Percorrermos o país. Ser sócio do Clube de Fãs do Basquetebol permitia receber, além do diploma e cartão de sócio, também na caixa do correio a revista Topbasket, que foi durante muito tempo a única publicação exclusivamente dedicada ao basquetebol», explica Nelson Tereso. «Recebíamos mais de 100 cartas por dia» Os eventos relacionados com a modalidade iam-se repetindo e com vários organizadores. Um dos maiores empreendedores desse período era Carlos Barroca. Além do envolvimento com diversas provas 3x3, colaborou na concretização de iniciativas como o regresso a Portugal dos Harlem Globetrotters, em Maio de 2000, numa digressão que passou por Almada, Oliveira de Azeméis, Vagos, Matosinhos e Pavilhão Atlântico. «Sentir-me-ei realizado se observar pais com filhos ao colo. Será sinal de que a herança destes espectáculos é transmitida de geração em geração», afirmava ao diário A Bola36. Uns meses mais tarde, em Agosto, estava envolvido na organização do NBA Jam, evento que decorreu na FIL, em Lisboa, sendo descrito como «o maior festival interactivo de basquetebol a nível mundial»37. Cinco anos antes, em Setembro de 1995, foi um dos responsáveis pela vinda a Portugal de Magic Johnson, que levou cinco 57 mil pessoas ao Campo Pequeno, em Lisboa, numa noite onde houve lugar a diversas iniciativas, sendo a principal o jogo entre a Pepsi Magic Team e a All Star Portugal, com honras de transmissão televisiva na SIC. Venceu a primeira, que era abrilhantada por Mark Aguirre, ex-estrela dos Detroit Pistons. O “rei das assistências” não era presença estranha no nosso território. Antes já tinha estado no Porto, em evento no Pavilhão Rosa Mota. Em Fevereiro de 1997 as salas de cinema enchiam-se de entusiastas da modalidade para a estreia do filme Space Jam. O Clube de Fãs do Basquetebol tornou a experiência ainda mais especial. «Houve uma grande sessão de autógrafos em parceria com a Lusomundo e a Coca-Cola quando foi lançado o Space Jam», diz Nelson Tereso, explicando a importância da associação das marcas às iniciativas do clube: «Tivemos durante anos grandes marcas associadas, nomeadamente a McDonalds, a Nestlé, o BNU, a Adidas, entre outros». O papel da organização ia muito além da divulgação do basquetebol. «Cerca de 80 por cento das escolas onde íamos não tinham pavilhão, as acções eram no exterior. E fornecemos às escolas muitas bolas, pois naquela altura também escasseava o material desportivo», lembra. «Eram idas às escolas, sessões de autógrafos, idas aos hospitais, oferecemos duas televisões ao Hospital de Vila Franca de Xira para a ala pediátrica», sublinha. A ligação com os atletas era constante e voltou a ganhar dimensão internacional quando, em 1999, trouxe a Portugal o jogador dos Golden State Warriors, Donyell Marshall. «Chegámos a ter iniciativas com três jogadores em simultâneo. E compensávamos 58 financeiramente os jogadores», afirma Nelson Tereso, não escondendo o agradecimento a um atleta em particular: «O único jogador profissional que fez sempre questão de cobrar zero ao clube, que sempre disse “o valor que estiver previsto para mim deem às escolas, façam o que entenderem, eu para mim não quero nada”, foi o Jean Jacques. E vinha no carro dele, não queria sequer que lhe pagássemos a deslocação, seja portagem ou gasolina». O Clube de Fãs do Basquetebol acaba por exemplificar muito do que foi o sucesso de popularidade do basquetebol naquele período. O mentor do projecto recorda o que terá sido um dos maiores êxitos da vida da organização, que só consegue ser entendido à luz de quem viveu tempos bem diferentes dos actuais e onde a interactividade não estava ao alcance de um clique: «Foram feitas 750 mil embalagens de Golden Grahams onde na caixa estava o cupão para ser sócio do Clube de Fãs do Basquetebol. Aquilo foi um sucesso. O nosso apartado todos os dias era inundado de pedidos. Recebíamos mais de 100 cartas por dia.Tínhamos também uma parceria com a revista Super Jovem, onde uma página era dedicada a nós». 59 A equipa que representou Portugal no Adidas Streetball Challenge de 1998, em Paris: Samba Camará, Paulo Cunha, Jorge Afonso e Pedro Lourenço com os padrinhos Kobe Bryant e Tracy McGrady Os Harlem Globetrotters garantiram noites de muita diversão em diversas vindas ao nosso país. Aqui no Pavilhão Atlântico com um jovem entusiasta da modalidade (Créditos: Arquivo Municipal de Lisboa / Parque Expo 98) 60 IV. O Mundial que deu certo «Organizar cá o Mundial para modernizar o basquetebol» A primeira vez que alguém falou na hipótese de o Pavilhão Atlântico, na altura destinado a Pavilhão da Utopia para a Expo 98, receber a final do Campeonato do Mundo de Juniores 1999 faltava ainda mais de um ano para inaugurar o certame e a referida infra-estrutura estar sequer completa. Foi em Março de 1997, numa altura em que a Liga e a Expo 98 assinaram um acordo de patrocínio, que essa hipótese foi levantada38. Na mesma altura, mas nos Estados Unidos, chegava à final da NCAA, competição de basquetebol universitário, a equipa de Old Dominion onde alinhavam Ticha Penicheiro e Mery Andrade. Mal se sabia por esses dias que o referido Mundial e o que futuramente ia designar-se Pavilhão Atlântico haveriam de ser porta de entrada no país do Tio Sam de uma geração de jogadores de diferentes proveniências. Ou que a portuguesa haveria de ganhar a alcunha de «Lady Magic» e ser a mais bem-sucedida basquetebolista nacional. Ou que a referida prova iria permitir em Lisboa o recorde de jogo com maior assistência de sempre na modalidade no nosso país. Em termos logísticos a organização de um Campeonato do Mundo de Basquetebol em Portugal foi um teste de fogo. Entre outros aspectos, por o final do milénio representar um mundo e uma sociedade em acelerada evolução a vários níveis, nomeadamente no que diz respeito à tecnologia. «A ideia era organizar cá o Mundial como forma de modernizar o basquetebol. A informática passou a 61 ter um grande peso e recordo-me das dificuldades que a Federação teve, porque a nível informático em 1999 a nossa experiência era muito reduzida. Essa coisa de veres um jogo de basquetebol e toda a gente em todo o mundo saber o que se está a passar era algo que estava a dar os primeiros passos em Portugal. O primeiro teste com algum peso foi o Mundial», afirma San Payo Araújo, que esteve na linha da frente na organização da fase final da competição, em Lisboa, devido ao cargo de director técnico da Associação de Basquetebol de Lisboa que na altura exercia e que lhe caiu no colo por acaso. «Fui convidado para director técnico da ABL porque o José Olímpio estava a acumular essas funções com as de treinador de Sub-19 Masculinos, selecção que ia participar no Mundial. Esse facto deixava-lhe pouco tempo para exercer a tarefa de director técnico», explica San Payo Araújo. Foi um «mero acaso» o que o levou a ficar com a terefa em mãos um ano antes da realização do evento. «Em 1997/98 existia uma “guerra” entre Federação e a Liga a propósito do Campeonato Nacional da I Divisão. A Liga pretendia que a prova pudesse albergar uma espécie de “equipas de reservas” dos seus clubes. Estando eu a treinar os seniores do Atlético nessa altura fiz umas intervenções e alguém deve ter reparado e dito:“ali está um gajo que pensa”. Fruto dessas intervenções fizeram-me o convite e aceitei», lembra. A candidatura à organização deste Mundial foi feita a 30 de Setembro de 1994 e a atribuição a Portugal aconteceu a 17 de Maio de 1995. As fases preliminares da prova tiveram lugar no Pavilhão do Galitos, em Aveiro, no Complexo de Desportos de Almada, no Rosa Mota, no Porto e no Pavilhão do Farense, em Faro, enquanto 62 Lisboa recebeu a fase final, entre 23 e 25 de Julho de 1999, no Pavilhão Atlântico. O evento funcionou com uma “bilheteira sem receita”. Ou seja, existiam bilhetes, mas estes eram obtidos através de troca a partir de 200 mil convites produzidos, o que na prática significava que as entradas eram gratuitas. «No Mundial era sempre quase que ganhávamos» A preparação para o Mundial envolveu a criação de Centros de Alto Rendimento, em Setembro de 1997, que funcionavam na Figueira da Foz, para a Zona Norte, e no Jamor, para a Zona Sul. De um conjunto de pré-selecionados haveria de resultar numa primeira fase um lote de 18 jogadores, que iriam depois resumir-se no final a 12 escolhidos. O responsável técnico foi inicialmente Jorge Araújo, que acabaria por abandonar a função para assumir o cargo José Olímpio, responsável pela orientação da Zona Sul. «Quando estive no CAR não jogava nos Salesianos. Eu era atleta dos Salesianos, inscrito pelos Salesianos, mas não jogava. Estive na equipa do Norte que sedeava na Figueira da Foz. Participávamos no Campeonato da II Divisão Zona Norte. Depois no último lote ficámos no Jamor e jogámos o Campeonato Nacional da I Divisão», explica Paulo Cunha. Em Julho, em vésperas do arranque do Mundial, era notícia pela positiva o trabalho efectuado com os jogadores39. Contabilizavam-se 210 treinos e 85 jogos, incluindo a participação em oito torneios internacionais. A verdade é que nas contas do Mundial a selecção não conseguiu qualquer triunfo, mas os números podem 63 ser cruelmente enganadores. «Já sabíamos da qualidade das outras selecções, pois tínhamos realizado amigáveis contra eles. Contra a Espanha do Gasol, a Rússia do famoso Kirilenko. Pouco tempo antes do Mundial fizemos um torneio na Holanda contra equipas muito fortes, como por exemplo a Eslováquia, e ganhámos esse torneio. Só que naquela altura não existiam redes sociais e não foi muito falado. O que ficou para a história foram as zero vitórias no Mundial», lamenta Pedro Lourenço. «No Mundial era sempre “quase que ganhávamos”. E não só na competição. Mesmo na preparação jogámos contra selecções fortíssimas, como a Espanha, por exemplo, e também aí quase que ganhávamos. Depois da nossa exibição com a Argentina todos achavam que Portugal ia fazer um brilharete», afirma Paulo Cunha. «Em Aveiro existiram filas intermináveis» O arranque de Portugal no Mundial não poderia ter sido mais promissor. O jogo inaugural foi no Pavilhão do Galitos, em Aveiro, e para a história fica não só a afluência de público, a rivalizar com os grandes concertos que arrastam multidões, como também uma exibição fantástica que quase virou surpresa com a derrota por apenas cinco pontos (82-87) contra a Argentina. «Perdemos com a Argentina, que ficou em quarto lugar, e esse quarto podia muito bem ter sido primeiro ou segundo, pois na meia-final contra a Espanha a Argentina teve algumas decisões de arbitragem contra si que a prejudicaram um pouco. E perdemos por cinco pontos», recorda Pedro Lourenço. 64 No dia seguinte, em Almada, nova enchente para assistir ao encontro entre os Estados Unidos e a Grécia. Os norte-americanos venceram por 92-87 e a imprensa destacava o base Steve Logan, que iria jogar em Portugal em 2006, no Benfica, depois de uma modesta carreira que registou passagens pela Turquia, Grécia e Polónia. «A adesão do público ao Mundial não foi uma surpresa. O basquetebol tinha naquela altura uma popularidade muito grande», sublinha Pedro Lourenço, enquanto San Payo Araújo destaca: «Em Aveiro existiram filas intermináveis para assistir aos jogos». Em coluna de opinião no jornal Record, Nuno Marçal testemunhava igual cenário: «É gratificante ver os pavilhões cheios e ainda por cima com jogos a realizarem-se durante a semana»40. A selecção nacional voltou a ficar perto do triunfo frente ao Qatar (73-77) e sofreu derrota mais desnivelada contra a Croácia (67-82). Em Faro perdeu com o Egipto por 57-58, contra a Venezuela por 75-67 e contra a Nigéria por 72-61. «Nós competimos contra a Argentina. Nós competimos contra a Croácia que ficou em terceiro. Estavam as duas no nosso grupo. Perdemos por quatro pontos contra o Qatar. Fizemos bons jogos, mas a nível estrutural estávamos ainda longe dessas equipas», explica Pedro Lourenço. Antes da fase final já os olhos da imprensa mundial estavam colocados na Rússia e em Andrei Kirilenko, que haveria de destacar-se como MVP da competição. Ao fim de quatro jogos liderava o ranking de ressaltos com uma média de 12,7 por jogo e desarmes de lançamento com uma média de 4,7 por jogo. 65 «Por esse dinheiro encho o Multiusos» A fase final no Pavilhão Multiusos foi uma roda viva de jogos que eram completados com uma forte animação na área exterior envolvente, com tabelas e jogos 3x3. Mais uma vez colocava-se perante os responsáveis uma tarefa logística desafiante. «Antes do Mundial as Forças Armadas organizaram, nos 25 anos do 25 de Abril, um evento no Pavilhão Atlântico em que estive profundamento envolvido. Portanto fiquei a conhecer a lógica, as pessoas e o modo de funcionamento daquele magnífico e recente espaço. Eu sabia que o Pavilhão era cedido gratuitamente, mas depois havia os custos com a utilização dos seus equipamentos, que não eram assim tão pequenos, aos quais se associavam os custos de preparar e equipar o pavilhão para a competição, conta San Payo Araújo, detalhado a dimensão da empreitada. «É como se te cedessem um palacete vazio para organizares uma feste de pompa e circunstância. Tudo tinha que ser lá colocado, desde o piso, as tabelas, os marcadores. Até nos espaços menos visíveis, como por exemplo equipar o espaço destinado ao posto médico com secretárias, cadeiras, mesas», afirma. «A tarefa que me deu mais trabalho e mais gozo também foi a de recrutar e preparar 200 voluntários, que foram fantásticos e tiveram um papel decisivo no êxito do evento», sublinha. O então director técnico da ABL juntava à sua experiência pessoal os conhecimentos adquiridos meses antes num período de preparação exclusivo para o árduo desafio que se avizinhava. «As minhas funções profissionais eram na Marinha e, para dedicar-me só à organização do Mundial, a FPB pagou à Marinha o meu vencimento du66 rante três meses, os últimos três meses antes do Mundial. Era um trabalho full-time», refere, adiantando que na preparação para o evento esteve em França, no Palais Omnisports Paris-Bercy, a observar a organização e funcionamento da fase final do Europeu de Seniores. O Mundial era alvo de forte cobertura mediática, não apenas com os directos da RTP e da Ondavisión de Espanha, mas igualmente com a imprensa escrita a dedicar-lhe muitas linhas. Foi o combinar de todas estes factores que iria fazer com que aqueles dois dias entrassem para a história. «O Pavilhão Atlântico recebeu as 16 selecções envolvidas no campeonato. Eram oito jogos por dia. Os jogos decorriam entre as 09:00 até chegar a meio da tarde», explica San Payo Araújo, acrescentando: «Há que contextualizar a época, estávamos em 1999, um ano depois da Expo. Aquele era um local de atracção de pessoas e de muita curiosidade. Foram montados uma série de campos no exterior para jogos 3x3 e as portas do Atlântico estavam sempre abertas. A curiosidade de ir visitar o espaço da Expo ainda era grande e, para além de outras formas de divulgação, penso que o passa-palavra teve também uma enorme influência no que veio a acontecer. Senti que a assistência foi crescendo rapidamente de tal modo que não estando prevista na preparação do evento a abertura da galeria superior, logo no Sábado essa situação teve de ser reequacionada. No Domingo, pelo ritmo alucinante de pessoas que iam chegando, ficou claro que as galerias superiores teriam de ser abertas». Foi um êxito de assistência que surpreendeu muita gente a começar pelos próprios dirigentes da FIBA, como conta San Payo Araújo: «Eu assisti à vinda do responsável pela FIBA para aferir se estava 67 tudo a correr bem na preparação e ao entrar no Pavilhão Multiusos dizer: “este pavilhão é grande demais para uma final do Mundial”. Questionou se não existia outro pavilhão. Perante a nossa vontade em organizar ali perguntou se não existia uma cortina que se pudesse colocar, dividindo o pavilhão e transformando a assistência para algo na ordem das 5 mil pessoas. Em diálogo com os responsáveis do espaço, estes responderam afirmativamente a essa opção mas colocaram um orçamento para essa operação nunca inferior a 500 contos. Então o presidente Mário Saldanha, num impulso intuitivo, disse:“eu por esse dinheiro encho o Pavilhão Multiusos”». A despedida da selecção nacional da prova esteve envolta em polémica. Na véspera do penúltimo encontro, frente ao Japão, na luta de Portugal para fugir ao último lugar da classificação, surgiam na imprensa notícias que davam conta do «mal-estar na relação entre o treinador José Olimpo e alguns atletas»41. A confirmação acabaria por chegar no próprio dia do jogo, a poucas horas do início do mesmo, com o técnico a bater a porta. Foi com o adjunto Júlio Silva aos comandos da equipa que Portugal perdeu por 85-87 com o Japão e no dia seguinte por 7675 contra a China fechando a participação no último posto. O presidente da FPB dispara contra José Olimpo e afirma: «só um cobarde procede desta forma». O treinador responde: «Pensei em sair em diversas ocasiões. O processo esteve sempre inquinado»42. “Los Juniors de Oro” A 26 de Julho de 2019 o diário El País não esquecia a 68 efeméride e publicava em artigo os «20 Anõs de Los Juniors de Oro». Recordava que Calderón falhou por lesão a presença naquele Mundial, que foi a amostra do que haveria de ser uma fantástica colecção de êxitos com o Mundial 2006 e os Europeus de 2009, 2011 e 2015. Somam-se as medalhas de prata nos Jogos Olímpicos 2008 e 2012. E recordava ainda o artigo, em jeito de elogiosa comparação, o êxito da equipa espanhola que participou nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, e que ultrapassou a Jugoslávia de Petrovic para só cair na final frente aos Estados Unidos… dos universitários Michael Jordan e Pat Ewing. Na mesma data, assinalada um pouco por toda a imprensa espanhola, o blog Cope.es baptizava o feito como «o ouro que mudou o basquetebol espanhol» e recordava aquela tarde em Lisboa como «mágica, inesquecível e eterna». Nesse dia, em Julho de 1999, o jornal Marca escrevia que «o mundo rende-se aos pés da Espanha». A selecção de Pau Gasol, Navarro, Reyes e companhia chegou à final do Pavilhão Multiusos com sete vitórias e apenas uma derrota. Foi contra a Grécia, no Grupo I dos Quartos de Final, e depois da selecção helénica ter sido derrotada pela Croácia por 73-59. Nas meias enfrentou a Argentina num emocionante duelo (81-80). Foi com figuras na bancada como João Soares, na época presidente da Câmara Municipal de Lisboa e José Sócrates, ministro adjunto, que 12 mil pessoas assistiram aos «tiros de Navarro que afundaram os americanos» como escreveu o Record na sua edição de 26 de Julho de 1999. O jogador catalão assinou uma exibição de 69 luxo com 27 pontos marcados e seis assistências, tendo sido distinguido como o MVP do encontro. Foi ainda incluído no “cinco ideal” do Mundial, ao lado de Andrei Kirilenko, distinguido como MVP da prova, Yaseen Mahmood, do Qatar, Raitis Grafs, da Letónia e Keyon Dooling, dos Estados Unidos. O treinador dos espanhóis era Carlos Cabezas e no final afirmava que a receita passou por «travar o jogo exterior» dos norte americanos, sublinhando que «a vitória incidiu fundamentalmente na forma como defendemos». No que respeita a Portugal, não foram muitos os jogadores que repetiram o sabor do sucesso colectivo na selecção: apenas Paulo Cunha marcou presença anos mais tarde no Europeu 2007. Para memória futura fica mesmo o brilho nos olhos de quem testemunhou aquele momento em Lisboa como tendo feito parte de algo especial e irrepetível. «Aquela final foi algo de fabuloso.Tivemos o pavilhão completamente esgotado. Houve inclusive a necessidade de chamar a polícia de intervenção para impedir que entrassem quase duas mil pessoas que tinham ficado do lado de fora, foi um acontecimento inolvidável. Mais de 12 mil pessoas para ver um jogo de basquete em que Portugal nem sequer estava envolvido. Esse ambiente foi decisivo para que a final se tornasse ainda mais fantástica», aponta San Payo Araújo, sublinhando ainda: «A modernização era não só organizativa, como também administrativa. Após o Mundial esse caminho tem vindo a ser percorrido». 70 Paulo Cunha foi o único jogador da selecção do Mundial a voltar a vestir a camisola das quinas num grande evento, com a convocatória para o Europeu 2007 (Créditos: Arquivo Municipal de Lisboa / Parque Expo 98) Apesar de ter terminado a competição sem qualquer vitória, Portugal realizou boas exibições no Mundial, ficando na memória o encontro inaugural, frente à Argentina (Créditos: Arquivo Municipal de Lisboa / Parque Expo 98) 71 O Mundial foi um sucesso de organização e a final entre Espanha e EUA viu o Pavilhão Atlântico, na altura designado Multiusos, ser pequeno para tanta gente (Créditos: Arquivo Municipal de Lisboa / Parque Expo 98) O pódio com Espanha em lugar de destaque, no que foi o início de uma carreira ao mais alto nível para os que ficaram conhecidos como «Los Juniors de Oro» (Créditos: Arquivo Municipal de Lisboa / Parque Expo 98) 72 V. “Bosman”, para que vos quero? «Equipas vão apresentar cinco jogadores não nacionais» Foi no final do ano de 1995 que um jogador de futebol belga colocou o desporto na mesma rota das leis do trabalho da União Europeia. O médio Jean Marc Bosman jogava no Liége quando em 1990 não chegou a acordo para a renovação do seu contrato e na altura de libertar-se para outro emblema viu o clube barrar-lhe a intenção fixando um valor para a transferência. Cinco anos de batalhas jurídicas mais tarde decidiam os tribunais que o princípio de livre circulação de trabalhadores na União Europeia também devia aplicar-se aos desportistas e que estes poderiam negociar os seus próprios contratos na altura do seu término. O apelido Bosman ficou para a história como tendo mudado a face do desporto. Já o jogador teve um percurso pouco recomendável, afundando-se em problemas de álcool e depressão. Pelo meio há o reconhecimento de que provavelmente a mudança que ele implementou no mundo do desporto talvez não tenha sido para melhor: «O futebol aburguesou-se», afirmou, atirando: «Cristiano Ronaldo e Messi ganham o que ganham, em títulos e dinheiro, graças a mim»43. Mas os problemas de Jean Marc Bosman são tema para outras histórias e outro livro. Em Portugal, em particular no basquetebol, o campeonato sob o signo da Lei Bosman arrancou na 73 temporada 1996/97 e foi logo alvo de alertas. Corria a pré-época, no início de Agosto, e o treinador do Estrelas da Avenida, Jorge Coelho, lançava o aviso: «Há equipas que vão apresentar cinco jogadores não nacionais». Efectivamente na altura dos reforços começavam a chegar os primeiros contingentes de comunitários a mudar a linguagem nos balneários. Em Outubro, no momento do primeiro balanço da época, feito pelo jornalista Norberto Santos no Record, o problema era apontado como factor negativo: «A Lei Bosman já teve reflexos. Há um elevado número de comunitários sem ter nível que justifique a sua contratação, afectando o lançamento de jovens portugueses»44. Como em muitas outras coisas na vida também aqui a questão é um “pau de dois bicos”. Nas primeiras temporadas houve comunitários que contribuíram e muito para a espectacularidade da competição em Portugal. Joffre Leal, na Oliveirense, e depois Juan Arcega, no Estrelas da Avenida são apenas dois exemplos. Por outro, “os Bosman”, como eram designados, também andavam em sentido inverso e terá sido graças a essa inovação que surgiram os primeiros basquetebolistas nacionais a experimentar a internacionalização. No arranque para a época 1997/98 o Seixal era baptizado pelo Record como a «sociedade das nações» contabilizando dois espanhóis, dois norte-americanos, um brasileiro, um alemão e um holandês45. O treinador Mário Silva afirmava: «Queria ter 10 portugueses mas não posso ser poeta». Na mesma temporada o selecionador nacional era Alfredo 74 Almeida e também ele veio a público revelar indignação e criticar a política de contratações dos clubes. «É um crime de lesa pátria preterir jogadores nacionais», atirava, sublinhando: «Há equipas com sete e oito jogadores estrangeiros num total de 10. Isso é inadmissível. A muito curto prazo, se não invertermos essa tendência, corremos o risco de provocar um retrocesso nos níveis do basquetebol português». Por outro lado o técnico da Ovarense, Luís Magalhães, apontava nessa altura para outras causas: «A culpa é do regulamento de transferências. A lei actual é prejudicial à utilização dos jogadores portugueses», revelava. «Foi mais uma forma de encher plantéis» Em Janeiro de 1999 a questão dos “Bosman” ainda estava quente e Mário Barros escrevia no jornal Público a propósito do tema, em artigo com o título «A importância dos estrangeiros», alinhando no sentido oposto do que parecia ser a opinião generalizada. «Quando as portas do mercado europeu se abriram aos clubes portugueses, foram muitas as reacções de desagrado em relação à vinda de mais estrangeiros para o campeonato nacional. Que não iria haver lugar para os portugueses e, com isso, a selecção nacional iria perder qualidades eram alguns dos argumentos. Mas o certo é que, desde a entrada em vigor da “lei Bosman” na Liga de Basquetebol, há três anos, a qualidade do campeonato e a competitividade com a Europa aumentaram», escrevia46. Na crónica, Mário Barros deitava mãos às contas e apresentava em números a realidade do problema, abrindo ainda a cortina 75 sobre os métodos de recrutamento. «Até este momento, já foram inscritos na Liga 97 estrangeiros, entre comunitários e americanos, dos quais 70 continuam a jogar - os 27 restantes foram dispensados. Dessas sete dezenas, 31 são oriundos de Espanha, claramente o mercado preferido dentro da União Europeia. Quanto aos jogadores vindos dos Estados Unidos, e com a limitação de dois por equipa, há 27.Vistos como mais-valias e de custo acessível, a maioria dos estrangeiros chega a Portugal pela mão de empresários. E o processo de contratação não é complicado: algumas sessões de vídeo com os treinadores ou, por vezes, a amostra de estatísticas e os jogadores são integrados nas novas equipas». Um dos jogadores que nessas épocas revelou descontentamento com os efeitos dos comunitários tem hoje, à distância de duas décadas, uma opinião diferente. Para Paulo Simão no que respeita a resultados dentro de campo a Lei Bosman não teve influência. «Em muitas equipas era mais uma forma de completar plantéis, do que tirar um benefício desportivo desse facto», afirma. «Provavelmente houve um ou outro jogador tapado por essa circunstância, mas não podemos dizer que isso foi muito mau no panorama geral. Havia cinco, seis, sete equipas com qualidade graças a essa lei. A competição beneficiou. Ou não estávamos dezenas de anos depois a falar desses tempos», sustenta. Na preparação para a época 2000/01, o empresário António Pereira organizava no Seixal o Campo Basket Pro 2000, uma mostra de jogadores com passaporte europeu. Nessa temporada o All Star Game realizou-se no Barreiro e no jogo Sul vs. Norte, com o resultado final de 108-102, foi MVP o atleta do Belenenses Justin Bailey. Na história fica, contudo, outra curiosidade: em 24 76 jogadores apenas cinco eram portugueses. No Sul o base António Tavares e Carlos Seixas, ao passo que no Norte a representação lusa resumia-se a José Costa, Nuno Marçal e Pedro Nuno. «O nível da liga portuguesa era bastante alto. Não só pela qualidade do jogador português, mas também pelos Bosman e pelos norte-americanos», afirma Sérgio Ramos, que por esta altura já vivia a sua experiência fora do país, sustentando porém que essa realidade do basquetebol nacional trazia consigo um revés: «O número de estrangeiros condicionou o aparecimento de jogadores portugueses. Quando esta geração apareceu toda, eu, o Marçal, o Paulo Pinto, o Luís Silva, o Luís Machado, etc só podiam jogar dois estrangeiros e um naturalizado», diz. «Estrangeiro não ficava no banco» Se exemplos não faltavam de utilização excessiva, e aparentemente muitas vezes injustificada, de jogadores estrangeiros, certo é que há também a registar os exemplos de triunfo da aposta nacional. Na época 2001/02 os regulamentos passaram a contemplar a obrigatoriedade de inscrição de no mínimo três portugueses no boletim de jogo. O Iliabum apresentou para essa temporada um plantel com apenas quatro atletas não nacionais e causava surpresa ao liderar a prova à 11.ª jornada com nove triunfos e duas derrotas. No ano seguinte o Ginásio Figueirense apresentava o lema «defesa intransigente do jogador português» e incluía igualmente apenas quatro estrangeiros e vários jogadores da região no plantel. Em crónica no jornal A Bola, o jornalista Vitor Hugo saudava a 77 mudança de mentalidade que parecia surgir. «Até ao dia de ontem inscreveram-se 165 jogadores sendo 106 portugueses, incluindo os naturalizados Matt Nover, KevinVanVeldhuizen, Jean Jacques, Flávio Nascimento e Frederic Miguel. 25 estrangeiros e 34 comunitários. Cumpre-nos registar com satisfação o elevado número de portugueses, a maior parte oriunda dos escalões de formação», referia47. Em 2003/04 o Belenenses era um dos casos mais sérios de sucesso na aposta nacional. Na 7.ª jornada derrotava no Restelo a Oliveirense (99-89) e encostava-se aos lugares de topo num plantel com apenas três estrangeiros. Entre os vários nacionais dava nas vistas Jorge Coelho, que depois de quatro temporadas na Portugal Telecom encontrava finalmente espaço para brilhar. «O estrangeiro nunca ficava no banco, só encontrei uma excepção a isso. No Belenenses os estrangeiros sentaram-se no banco, mas também porque havia jogadores nacionais igualmente bem pagos a jogarem. O Prof. José Couto apostou nos portugueses e tínhamos uma química muito grande. Fomos às competições europeias. Com Jorge Coelho, Nuno Perdigão, Mário Jorge, Luís Costa, entre outros», recorda André Pedroso, um dos jovens do plantel. A boa época dos homens do Restelo, que nessa temporada alcançaram as meias da Taça de Portugal e do Playoff, apurando-se para a FIBA Cup, era ainda mais reforçada no ano seguinte. Chegavam Paulo Simão, ex-Benfica e Miguel Minhava, ex-Barreirense. A eles juntava-se Reggie Moore, com 23 anos, vindo de Westchester. «A equipa teve sucesso porque realmente os portugueses tinham qualidade. Aqueles portugueses que lá estavam tiveram várias propostas para ir jogar para a LEB, para a segunda divisão espanhola, e não foram 78 porque o nível salarial entre cá e lá era semelhante. O nível do jogador português acima da média e os Bosman que vinham era semelhante», lembra Paulo Simão. A temporada 2006/07 decorria já com o fantasma da crise económica e a competição, reduzida a 10 clubes, tomava medidas para procurar dar a volta à situação. Os encargos para a inscrição baixavam em 100 mil euros. Por outro lado, um “acordo de cavalheiros” limitava a utilização de estrangeiros a cinco por equipa. «Conheci estrangeiros que ganhavam naquela altura qualquer coisa como 2500 euros por mês e a sua qualidade não justificava minimamente. E não eram apenas os norte-americanos.Tinhas imensos espanhóis, bósnios», recorda André Pedroso, que naquela altura jogava na Proliga. A competição, criada em 2003/04, viu o Sampaense ser rei e senhor das primeiras edições conquistando o tri-campeonato de uma assentada. A prova começava a ganhar visibilidade e apesar de contemplar a utilização de estrangeiros era vista como um “reduto de salvação” do jogador nacional. «O campeonato era muito competitivo. Se agora existisse uma equipa daquela altura a jogar na Liga actual provavelmente não seria campeã, mas estaria seguramente a discutir até ao final», sustenta André Pedroso que destaca a equipa do Física de Torres Vedras que disputou a meia-final contra o Sampaense. «Perdemos com o Sampaense nas meias finais. Eles eram uma equipa muito boa. Nós tínhamos Jorge Afonso, Miguel Lisboa, Marrica, Eky,Tica, Romero. E não tínhamos americanos», recorda. 79 VI. PT vs. Oliveirense: sangue, suor e lágrimas «Havia um conhecimento mútuo e uma rivalidade muito interessante» No directo da RTP2 a partir de Oliveira de Azemeis via-se Flávio Nascimento sentado no banco de suplentes a sangrar do nariz. O comentador Carlos Portugal lamentava o jogo muito duro. A repetição não deixava margem para dúvidas: uma cotovelada de Francisco Marcolino sobre o luso-brasileiro. Estávamos no 4.º período e o resultado em 49-63 para a Portugal Telecom. Minutos depois novo sururu. Desta vez envolvendo Jean Jacques e Nate Johnson. Tal como no caso anterior também aqui a repetição deixa evidente a agressão do angolano. «A equipa de arbitragem não está a ter o controlo do jogo», comentava-se na RTP. Poucos segundos depois Jean Jacques arranca uma falta ofensiva a Nate Johnston e o norte-americano de cabeça perdida é parado a tempo pelos colegas que o seguram quando se preparava para agredir o poste da Portugal Telecom. O staff entra em campo. Na RTP dizia-se «já se previa isto» enquanto se repetia «é lamentável». Jean Jacques sorria na direcção de Nate Johnston. Era a quinta falta do norte-americano. Por breves instantes chovem objectos no terreno de jogo que rapidamente dão lugar a um público entusiasta que de pé grita «União, União». Este é um relato do encontro decisivo da primeira final de Playoff entre Portugal Telecom e Oliveirense, na época 2000/01, 80 e que é revelador do que foram três temporadas de rivalidade entre duas equipas que se assumiram como protagonistas maiores da Liga Profissional no arranque do novo milénio. «Havia um conhecimento mútuo e uma rivalidade muito interessante. Eles eram também uma belíssima equipa. Ao longo dos três anos os poucos jogadores que foram trocando, assim como nós, eram jogadores de muita qualidade. O nível era muito alto», recorda Paulo Simão, jogador da Portugal Telecom. «Tive a felicidade de, jogando muito ou pouco, ter estado nas melhores equipas que existiram em Portugal. Exceptuando aquelas duas épocas do FC Porto, que dominou com o Miller, Paulo Pinto, Marçal, etc, estive na melhor equipa do Benfica de sempre, o Estrelas daquele ano em que ninguém lhe ganhava, e a PT quando dominou tudo e ganhou tudo», lembra Artur Cruz, poste da equipa das telecomunicações. «O melhor estrangeiro a seguir ao Mario Ellie foi o Rasul Sallahuddin» É verdade que o projecto da Portugal Telecom dominou o basquetebol português, mas o sucesso não foi instantâneo. O chamado “clube empresa” chegou à Liga Profissional em 1996/97, com Carlos Barroca no comando técnico da equipa, e começou por dar nas vistas como sinónimo de espectáculo. A equipa que realizava os seus encontros na Tapadinha, além de registar resultados emocionantes, apresentava um nome que fica na memória de muitos como um dos melhores de sempre a passar pela modalida- 81 de no nosso país: Rasul Sallahuddin. Logo nas jornadas inaugurais o norte-americano de 22 anos, chegado da Universidade de Long Beach, era figura nas páginas dos jornais depois de ter assinado 37 pontos na partida em que a Portugal Telecom venceu a Ovarense por 120-115 após dois prolongamentos. Antes disso, já havia rubricado 35 pontos frente ao FC Porto. Um mês depois, em Outubro, novamente a imprensa rendida ao atleta. Escrevia o Record no seu balanço de época que o jogador era «o melhor estrangeiro», destacando o facto de em dez jornadas ter sido distinguido no cinco ideal por seis ocasiões48. «A Portugal Telecom tinha o melhor jogador estrangeiro que jogou em Portugal a seguir ao Mario Ellie que foi o Rasul Sallahuddin. Era um jogador fantástico e que penso que se não foi mais longe talvez tenha a ver com o facto de ter uma atitude um pouco irreverente e, por vezes, complicada para o que é exigível a um atleta de alta competição. Por outro lado, desconheço se terá sido infeliz com lesões no decurso da sua carreira», afirma Jorge Faustino, que integrava a equipa técnica da equipa no seu ano de estreia na competição profissional. O norte-americano encantou os pavilhões nessa época. Venceu o concurso de afundanços no All Star Game, recebendo um prémio de 150 contos, e assinou 41 pontos em Março num duelo frente ao Esgueira que a Portugal Telecom venceu por 117-112, após prolongamento. Mais tarde, no que haveria de ser o primeiro grande confronto de Playoff entre a Portugal Telecom e a Oliveirense, assinou 40 pontos na derrota por 85-97 nas meias-finais. «Jogou com um dedo partido nas meias-finais a fazer dezenas de pontos por 82 jogo», sublinha Jorge Faustino. «Quando chega junto de nós era uma sombra do que era o Jean Jacques» Nesse verão deixa Portugal para tentar a sua sorte no training camp dos Portland Trail Blazers, depois de ter causado boa impressão no Campus de Treviso, sendo substituído por Greg Simpson. As saudades que ficaram iriam ser curtas pois acabaria por regressar mais tarde, em Janeiro de 1998, à Portugal Telecom, após uma passagem pelo basquetebol francês. Na época de 1997/98 a Portugal Telecom fica perto dos primeiros êxitos. Com Nélson Serra no comando técnico a equipa alcança a final da Taça da Liga onde perde frente ao Esgueira, no Seixal, por 94-95, após prolongamento. Depois, vê o Estrelas da Avenida ser a sua “besta negra”. Primeiro, derrota a equipa na meia final da Taça de Portugal, mais tarde volta a colocar a Portugal Telecom de fora de uma competição, desta feita no Playoff. Essa temporada iria, contudo, fechar com um “prémio de consolação”. O “clube empresa” sagrava-se campeão de juniores frente ao Benfica, com um triunfo por 66-63, após prolongamento, numa equipa onde brilhavam Diogo Carreira, Carlos Andrade e João Santos. É preciso avançar até 2000/01 para ver a Portugal Telecom arregaçar as mangas para conquistar o basquetebol nacional. Com Luís Magalhães a orientar a equipa o objectivo assumido passa por 83 «ganhar todas as competições» e na hora dos reforços a ambição não deixa margem para dúvidas: chega Jean Jacques com 35 anos e vindo do Unicaja Málaga, finalista vencido da Taça Korac, onde se assumiu como o melhor ressaltador da equipa. «O Jean Jacques tinha andado pelo estrangeiro e quando chega junto de nós era uma sombra do que era o Jean Jacques. Mas quando começou a trabalhar, a treinar, a melhorar voltou a ser o Jean Jacques que todos conhecemos», afirma Artur Cruz. Além do angolano surgia também Marcus Norris, um norte-americano que contava com passagens pela Finlândia e Croácia, e que depois da experiência em Portugal acabaria por chegar à ACB, na temporada 2005/06, onde alinhou no Gran Canária. «Daqui para a frente tudo o que vier é ganho» Essa época haveria ainda de ser marcada por uma estratégia de descentralização pensada pela Portugal Telecom. Além de Almada, “casa-mãe” da equipa, o clube recebeu os seus adversários em Rio Maior, Constância e Évora. Já a Oliveirense, no arranque da Liga 2000/01, afirmava pela voz do treinador Henrique Vieira que «seria bom fazer melhor do que o 6.º lugar do ano passado». E a jornada inaugural dava indicação disso. Um triunfo frente ao Queluz, por 74-67, e os reforços a deixarem bons pormenores: «Scott Stewart, Kevin Vanveldhuizen e Nate Johnston mal se conhecem e já formam um triângulo temível», escrevia A Bola. Contudo, seis jornadas passadas e este continuaria a ser o 84 único motivo de festa pelas bandas de Oliveira de Azemeis. Cinco derrotas consecutivas e o último lugar da classificação. O resto da temporada continuaria cinzento e a prova disso é a eliminação nos oitavos da Taça de Portugal às mãos do Barreirense. Já a Portugal Telecom tinha nessa prova o seu primeiro sucesso. Depois de Flávio Nascimento ter sido decisivo ao anotar 22 pontos na vitória sobre o Benfica, por 91-75, a Final Four da competição teve lugar em Mafra e a PT voltou a estar no centro de um jogo cheio de emoção. Triunfo por 116-111 frente ao Aveiro Basket depois de 99-99 no tempo regulamentar. Na final encontra a Ovarense, que tinha derrotado o CAB, e ergue pela primeira vez na história um troféu: 102-88 com 24 pontos de Jason Forrestal. No campeonato a Oliveirense enfrentava a derradeira jornada da fase regular com o Playoff a ser ainda uma incógnita. A equipa jogava o tudo ou nada frente ao Seixal, em casa, numa partida onde só a vitória interessava. Acabou por conseguir um triunfo por 76-56. Alcançado o acesso ao Playoff os quartos de final da prova viram uma história repetida: a Oliveirense voltava a ser responsável pelo afastamento do Benfica como tinha acontecido em 1996/97. A negra jogou-se num Pavilhão da Luz cheio que viu Nate Johnston regressar ao activo depois de ter ficado fora do quarto encontro por ter agredido Juan Barros no Jogo 3. Foi decisivo com 25 pontos na vitória por 82-83. Henrique Vieira dizia no fim da partida: «Já cumprimos os nossos objectivos. Daqui para a frente tudo o que vier é ganho». 85 A Portugal Telecom chega às meias do Playoff depois de vencer o CAB por 3-0 e atinge a final ao triunfar sobre o FC Porto por 3-1. Já a Oliveirense dá a volta às meias com a Ovarense depois de ter estado em desvantagem por 0-2. Valeu o triunfo na negra, em Ovar, por 79-84, numa partida que ficou célebre pelo gesto do técnico Jorge Araújo no final: a oferta da sua gravata a Nate Johnston rendido que ficou pela sua exibição. «Equipa que tem o Jean Jacques vence sempre o campeonato» Foi em Almada, com casa cheia, estimando-se cerca de 500 espectadores vindos de Oliveira de Azeméis, que se inauguraram as emocionantes finais entre Portugal Telecom e Oliveirense. O primeiro encontro (78-75) foi da PT e de Jean Jacques, autor de 18 pontos e 8 ressaltos. Já na segunda partida foram mais fortes os visitantes. A vitória por 75-83 da Oliveirense teve como destaque Nate Johnston (25 pontos e oito ressaltos). A equipa das telecomunicações volta a ficar em vantagem no terceiro encontro e de novo Jean Jacques a fazer a diferença. Na vitória por 59-81 assinou um duplo-duplo (15 pontos e 11 ressaltos). A festa do primeiro título do clube-empresa aconteceu no escaldante jogo que abriu este capítulo. Na festa final o técnico Luís Magalhães afirmava «dar um gozo especial ser convidado para projectos que nunca ganharam nada e conseguir vencer». Citado pelo Record sublinhava ainda um nome decisivo: «Não gosto de evidenciar nenhum jogador, mas hoje não posso deixar de referir que equipa que tem o Jean 86 Jacques vence sempre o campeonato»49. «A PT tinha a vantagem de ser clube empresa. Nem tinha orçamento. Os jogadores mais importantes deles também nos interessavam, como o caso do Marcus Norris ou do Jean Jacques. Nós também estávamos interessados neles e perdemos sempre esses jogadores para a PT. E esses dois em particular, e em alguns momentos o Flávio Nascimento também, conseguiam ter sempre um ascendente. Nós tivemos grandes planteis, grandes jogadores, chegámos a ganhar fases regulares, mas nos momentos decisivos faziam a diferença», afirma Henrique Vieira. O sucesso da “dobradinha” virou a atenção mediática para o clube-empresa. O responsável pelo projecto era Pires Antunes que, ao jornal A Bola, sublinhava a aposta da marca na modalidade: «Embora a empresa apoie uma série de actividades desportivas, tudo inserido no plano de marketing, o seu principal relacionamento é com o basquetebol. Não é por acaso que patrocina todas as selecções nacionais, masculinas e femininas, e o comité nacional de minibasquete».50 Assim, no arranque da temporada 2001/02 a Portugal Telecom mantém o mesmo plantel e reforça-se cirurgicamente com Jovan Manovic (ex-Ovarense), James Havrilla e Michael Richmond.Também a Oliveirense não faz grandes mexidas e acrescenta o trio Carlos Seixas (ex-Benfica), Joe Modeerman e Vato, que já tinha representado o clube anteriormente. Perdia Nate Johnston. «Existiam projectos fortíssimos que gastavam tanto dinheiro como nós» 87 A época não começa bem para o clube-empresa que arranca a perder a Supertaça para a Ovarense (84-83) num encontro onde chegou a estar a vencer por 21 pontos de vantagem. O técnico dos vareiros, Jorge Araújo, escreveu a propósito desse encontro no livro Diário de um Treinador: «Os jornais de hoje não abordaram a vitória na Supertaça de modo positivo. Uns deram a entender que quem perdeu foi a Telecom. Outros, que foi uma injustiça. Não admira. Somos culturalmente avessos a estas reviravoltas. Para além de termos estragado a festa. Numa prova apoiada financeiramente pelo nosso adversário é óbvio que foi incómodo termos vencido. Lamento. Mas vão ter de nos aturar»51. No campeonato dos orçamentos, escrevia A Bola que a Ovarense registava o mais elevado, com 200 mil contos, ao passo que o Queluz apresentava o mais baixo, com 62 mil contos. Já a Portugal Telecom apostava 150 mil, ao passo que a Oliveirense se ficava pelos 95 mil52. No entanto, existia quem não se deixasse convencer por estes números: «Estou convencido que na generalidade os orçamentos apresentados não correspondem à realidade. Embora seja difícil provar a sua veracidade bastaria fazer contas para se concluir que alguma coisa não bate certo», afirmava Jorge Araújo53. Ainda a Portugal Telecom não estava refeita do desaire da Supertaça e novo golpe surgia no caminho. O sonho da Euroliga caía por terra após duas derrotas frente ao Charleroi na pré-eliminatória. Contudo, quer a equipa das telecomunicações quer a Oliveirense começaram a Liga Profissional com triunfos. O clube-empresa venceu na Nazaré o Leiria Basket, enquanto a formação de Oliveira de Azemeis triunfou sobre o Aveiro Basket, numa par88 tida em que o adversário cometeu 26 turnovers. Na virada do ano, no arranque de Janeiro 2002, à passagem da jornada 13, a Portugal Telecom era líder em igualdade com Ovarense (10 vitórias e 3 derrotas) e a Oliveirense ocupava o terceiro posto, com nove vitórias e quatro derrotas, depois de ter conseguido um dos resultados mais desnivelados da época ao vencer o Gaia por 106-52. Em Fevereiro, a PT junta a presença em mais uma final ao seu portfólio. Foi na Taça da Liga, realizada em Portimão. Acabou, contudo, por ser mais forte o FC Porto ao vencer por 7370, com bom jogo de Reggie Geary, que tinha a NBA no currículo com passagens por Vancouver Grizzlies e Supersonics. Nova final estava no horizonte do clube-empresa. Em Maio, na Final 8 da Taça de Portugal, competição realizada no Pavilhão Atlântico e patrocinada pela própria Portugal Telecom, os fãs do basquetebol não tiveram de esperar pelo Playoff para testar a desforra do ano anterior entre a equipa das telecomunicações e a Oliveirense. No mesmo dia em que Timor celebrava o facto de ser uma nação independente, a Portugal Telecom voltava a erguer um troféu e a derrotar a equipa de Oliveira de Azemeis (91-85). E não foi preciso esperar muito para novo motivo de festa. Numa época longa e desgastante, em resultado do alargamento da prova a 16 equipas, a Portugal Telecom volta a celebrar no final de Junho, ao triunfar em Oliveira de Azemeis por 94-95 no quarto jogo da final de Playoff, conquistando assim o seu segundo campeonato. «Sentíamo-nos completamente profissionais. A estrutura era 89 profissional em toda a linha. E sentes-te muito valorizado e muito confortável a trabalhar assim. E os resultados não se devem a uma diferença de orçamento entre a PT e as outras equipas, porque existiam projectos fortíssimos que gastavam tanto dinheiro como nós. Devia-se à qualidade do professor Luis Magalhães, dos jogadores e desse conforto que era ter uma estrutura profissional. Não nos faltava nada», explica Paulo Simão. «Já enjoava haver sempre o mesmo resultado» «Neste momento a emoção do basquetebol a prevalecer», afirmava Carlos Barroca no comentário à Final da Taça da Liga, na SportTv, a 1 de Fevereiro de 2003. O jogo entre Oliveirense e Portugal Telecom ia para prolongamento e em espera estava já o directo futebolístico de Alvalade para o desafio entre Sporting e Paços de Ferreira. O ecrã acabaria mais tarde dividido em dois, mas o som era o de Albergaria a Velha e das emoções do encontro de basquetebol. Dizia Carlos Barroca: «Uma partida extraordinária em que ninguém merece perder». Uma nova edição do frente-a-frente que dominou a modalidade em Portugal no arranque do novo milénio acontecia pela segunda vez na temporada 2002/03. Para trás já havia ficado a Supertaça com a equipa das telecomunicações, para não variar, a erguer o troféu. Mas os festejos iriam ter um fim. A Final da Taça da Liga foi um hino à emoção. Uma partida equilibrada ou não tivesse acabado a primeira parte em 40-40 e o tempo regulamentar em 80-80. No final do primeiro prolonga- 90 mento o marcador exibia 90-90. O resultado final era favorável à Oliveirense, numa vitória por 104-99, após dois prolongamentos, feito inédito na Taça da Liga. Com perto de três mil pessoas nas bancadas, no meio dos festejos Carlos Seixas desabafava: «Já enjoava haver sempre o mesmo resultado nas finais entre as duas equipas». Já Luís Magalhães aplaudia o público: «Um grande espectáculo com o pavilhão esgotado e sem os ditos clubes que dizem ser os únicos que chamam público». A Oliveirense não perdeu o balanço e voltou a sorrir no novo confronto com a PT, mas desta vez nas meias finais da Final 8 da Taça de Portugal, em Tondela. A equipa de Oliveira de Azeméis venceu por 70-68 depois de um triplo de Paulo Simão no último segundo ter rodado o cesto e caído fora. Estava aberto o caminho para o segundo troféu da história da Oliveirense que ia ser uma realidade na vitória por 75-65 frente ao CAB. Isabel Silvestre cantou o hino nacional, Doug Muse que tinha trocado a Portugal Telecom pela Oliveirense nesse defeso fez 20 pontos, e a Taça seguiu na bagagem de Henrique Vieira. «Chegámos lá e o adversário tinha o cabelo pintado» Estávamos em vésperas das meias do Playoff, a 28 de Maio de 2003, a Oliveirense tinha acabado de ultrapassar o Benfica (31) enquanto a PT tinha sido feliz na negra frente ao Casino Ginásio (3-2). A decisão cai que nem uma bomba: a Telecom fecha as portas. «Contenção de custos» e «redefinição de apoios na área 91 desportiva» foram os motivos para colocar ponto final numa história de sete épocas e um investimento total de cerca de sete milhões de euros54. A Oliveirense chegou à final vencendo por 3-0 o Seixal enquanto a PT fazia 3-1 à Ovarense. Antes do encontro decisivo já Luís Magalhães estava oficializado no FC Porto para a temporada 2003/04. Na derradeira final da história do clube o primeiro encontro realizou-se em Oliveira de Azeméis e a PT ganhou vantagem: 59-83. Na partida seguinte novo triunfo, desta feita por 81-86. No Jogo 3, em Almada, a claque da Telecom exibia em silêncio cartazes com fotos dos jogadores e treinadores. Ao centro a frase: «Até sempre campeões». A coreografia fazia antecipar que aquele seria o último jogo. Não foi. A Oliveirense venceu por 7579 e continuou na luta. No encontro seguinte o filme repetiu-se e a Oliveirense voltou a ser mais forte. Vitória por 73-82 que atirava a decisão para a negra em Oliveira de Azeméis. Esse encontro, que fica para a história do basquetebol português, tem uma versão disponível no You Tube. Num upload feito pelo ex-jogador da Portugal Telecom, Flávio Nascimento, pode ler-se: «Primeiro ganha-se o campeonato, depois pinta-se o cabelo. Provébio chinês»55. «Julgo que tínhamos ganho os dois jogos fora na final e depois perdemos os dois em casa e vamos jogar a negra a Oliveira de Azeméis. E o peso de o projecto terminar estava presente. Sentia-se. Mas depois há uma coisa que aconteceu: chegámos lá e o adversário tinha o cabelo pintado. Eles estavam a “festejar” antes de jogar. E aquilo não nos caiu bem. E o nosso 92 treinador muito bem, pois é exímio nisso, também aproveita um pouco essa situação para nos picar. E saiu um jogo com muita qualidade. Foi pena ter terminado ali na casa do adversário. Gostávamos de ter feito a festa em nossa casa», conta Paulo Simão. «Eles apareceram no último treino antes da final com aquele cabelo e eu quando vi pedi logo para eles tentarem corrigir aquilo, porque tinha muita experiência naquele género de situações, mas já não havia tempo. Eles entendiam que era um acto de maior união, mas eu sabia que ia dar motivação extra ao adversário. E também não ia naquele momento contrariar a vontade dos jogadores e custou-nos caro. Mas não foi por isso que perdemos. Nós perdemos esse jogo pela ausência do Vato», explica Henrique Vieira. Em campo a Portugal Telecom venceu por 76-79 num encontro que o Correio da Manhã descreveu como «impróprio para os corações mais sensíveis»56. O base José Barbosa era naquela altura «um palmo e meio de gente» entre a multidão que enchia o Pavilhão Dr. Salvador Machado. Em 15 de Julho de 2018, num artigo publicado no site Borracha Laranja, explicou que aquele histórico encontro foi «um pesadelo que nenhuma criança, como eu, jamais se esquecerá». «E para quem estiver a ler isto e não compreender este sentimento, lembre-se da final do Euro 2004, onde Portugal perdeu contra a Grécia, e que até o mais desinteressado adepto de futebol se sentiu triste. Pois bem, eu e a maioria dos Oliveirenses sentiram isso tudo, em anos seguidos», acrescentou57. «Na última final tivemos um grande handi-cap que foi a lesão do Vato, que o prejudicou durante toda a época. E ele era o jogador que 93 conseguia jogar contra o Jean Jacques. Mais ninguém. O Jean Jacques intimidava muito, conhecia-o muito bem. E tinham o Leroy, que eu também cheguei a tentar trazer para a Oliveirense, mas não consegui, que teve um grande ascendente durante o Playoff final. Nós conseguíamos jogar bem, mas quando chegávamos às finais nunca fomos capazes de dar a volta», lembra Henrique Vieira. Na televisão os comentários ao jogo estiveram a cargo de Carlos Barroca, que dividiu a tarefa com Carlos Portugal, tendo a emblemática voz do basquetebol nacional descrito a Portugal Telecom como «um projecto que começou por ser simpático e acabou como vencedor». Para Carlos Barroca era «caricata esta situação de ganhar campeonatos, ser popular, ser uma referência na modalidade, e desaparecer». No resumo do encontro no Primeiro Jornal, da SIC, Luís Magalhães afirmava: «Fizemos um jogo como se a nossa vida dependesse disso». O poste Jean Jacques dizia sobre o seu presente e futuro: «Deus é quem sabe, valeu por tudo pessoas». Em declarações no mesmo noticiário Pires Antunes sustentava que o fim «tratou-se de um acto de gestão», argumentando com a «reformulação da política de patrocínios». 94 O primeiro confronto entre Portugal Telecom e Oliveirense foi na época 1996/97, onde ainda não se adivinhava a rivalidade entre os emblemas protagonistas de algumas das finais mais emocionantes da Liga Profissional (Créditos: Arquivo Clube PT) 95 VII. Paulo Pinto, o Capitão «O jogador que mais evoluiu nos últimos três anos» Quando em Julho de 1996 o selecionador Vlademir Heger dizia adeus à selecção nacional, depois de três temporadas como timoneiro da equipa das quinas, era desafiado pelo diário Record a elaborar o seu “cinco” ideal português. O técnico, nascido na República Checa e naturalizado Holandês, não hesitava em dar lugar aos jovens no escalonamento da equipa: Steve Rocha; Paulo Pinto; Carlos Lisboa; Sérgio Ramos; Rui Santos58. Para Heger, o atleta do FC Porto, incluído naquela equipa ideal, era mesmo um caso particular de sucesso: «O Paulo Pinto é o jogador que mais evoluiu nos últimos três anos em Portugal», afirmava, destacando ainda a jovem promessa como «um dos raros e extraordinários exemplos de conciliação dos estudos com a prática desportiva». O FC Porto do início da Liga Profissional foi uma referência de êxito desportivo e lançamento de novos valores para o basquetebol nacional, a maioria proveniente da formação dos azuis e brancos. Não foi, contudo, o caso de Paulo Pinto, que em Novembro de 1996, aos 22 anos de idade, conquistava o título de Atleta do Ano pela Associação de Basquetebol do Porto. «Tive um período em que saio do FC Porto para ir treinar a Sanjoanense a ver se a equipa não descia de divisão e vi o Paulo Pinto a treinar nos Cadetes. E gostei dele. E meti-o a treinar nos seniores. Como no ano seguinte eu já sabia que ia regressar ao FC Porto, e como o Paulo Pinto 96 era um excelente aluno e já estava no 12.º ano, eu falei com o pai dele sobre a possibilidade de transferência. O pai diz que ele vai para a faculdade estudar medicina e junta-se o útil ao agradável. Fiquei meio tutor dele. A minha responsabilidade era que ele fosse bom jogador, mas também fosse bom aluno», conta Alberto Babo. O sucesso de Paulo Pinto valeu-lhe uma página do Record a 25 de Fevereiro de 1997. O jogador era descrito como «a nova imagem do basquetebolista lusitano», ao conciliar as características de «alto, bem dotado tecnicamente e muito inteligente», mas o extremo dos dragões era humilde na auto-avaliação: «Não sou nem mais nem menos inteligente que os outros, mas admito que tento pensar muito bem naquilo que vou fazer», afirmava. O atleta tinha os olhos postos no futuro e não escondia a ambição de “dar o salto”: «Nunca pensei chegar a este nível. Sempre acreditei que, depois de júnior, abandonava o basquetebol. No entanto, já que cheguei aqui, agora quero tentar ir o mais longe possível. É claro que não penso na NBA, isso é outra conversa, mas uma aventura em Espanha, Itália ou França estão no meu horizonte», dizia. «Não consegue vingar na Europa porque não é um lançador exterior» Em Novembro de 1999 o FC Porto fazia uma boa campanha europeia e o nome de Paulo Pinto não passa despercebido. É incluído na lista dos 50 melhores jogadores europeus sujeitos a votação do público para integrarem o jogo Eurostars, a realizar em Moscovo, um All Star Game de Este vs. Oeste. «Fico muito contente pela nomeação, mas agora não sou eu quem decide. Não estou muito con97 fiante, mas ter sido selecionado já é uma vitória para mim e para o basquetebol português», afirmou59. Os elogios ao atleta multiplicavam-se. Em Maio de 2000, o base Pedro Miguel colocava um ponto final na carreira e quando questionado sobre os jogadores com quem mais gostou de jogar o nome de Paulo Pinto surgia entre os melhores: «Jean Jacques, Carlos Lisboa e Paulo Pinto. Pena tive eu de não ter jogado com ele no Benfica. É acima de tudo uma pessoa impecável e muito bem formada», disse60. O verão de 2000 foi particularmente feliz para Paulo Pinto. Após uma primeira “ameaça” de entrada na ACB ao serviço do Caja San Fernando, que acabou por fracassar depois de o clube ter optado por Martin Cattalini, um australiano com passaporte italiano, o jogador formado na Sanjoanense viu mesmo concretizado o sonho de jogar no principal campeonato espanhol. O destino era o Gran Canária. Filho de mãe espanhola, natural de Salamanca, a adaptação ao país vizinho foi fácil e em declarações ao Record dava conta do entusiasmo e confessava a surpresa com as primeiras diferenças: «Na primeira semana, depois de chegar a Las Palmas, estranhei tanto envolvimento e interesse em torno da equipa. Jornais, rádios e televisões faziam entrevistas todos os dias, os adeptos enchiam o pavilhão para assistir aos treinos e falar com os jogadores, enfim, era uma verdadeira confusão. Mas a cultura espanhola é diferente. Este entusiasmo todo e pressão constante é perfeitamente normal e temos de saber viver com isto»61. Na entrevista o atleta mostrava-se satisfeito com a pré98 -época, onde tinha feito minutos assinaláveis, mas revelava apreensão quanto ao futuro: «Aqui em Espanha, quem não defende não pode ter sucesso. O estilo de jogo é mais intenso, rápido e agressivo, pelo que, neste aspecto, o meu actual técnico não facilita, já que adoptou uma filosofia de jogo assente numa defesa muito agressiva e em rápidas saídas para o contra-ataque. De resto, não será fácil jogar sempre no “cinco”, até porque de início beneficiei do facto de o extremo Pedro Capdevilla estar lesionado». Em simultâneo integra a convocatória da selecção nacional, que estreava Valentyn Melnychuk no comando, com a presença no Torneio dos 500 Anos da Descoberta do Brasil. O extremo brilhou na histórica vitória contra a Argentina (62-59) ao assinar 17 pontos e voltou a estar em evidência na derrota contra a Rússia, ao concretizar 14 pontos. A passagem de Paulo Pinto por Espanha contabilizou um registo positivo de minutos, mas números modestos no que respeita à concretização. O internacional português assinou uma média de 19 minutos por jogo, com 5.4 pontos e 2.7 ressaltos de média, e na temporada seguinte o ex-dragão estava de regresso a Portugal para assinar pelo Aveiro Basket. «A imagem das dificuldades que estes jogadores tiveram de se impor internacionalmente é a imagem das limitações do basquetebol português», explica Jorge Araújo que aponta o calcanhar de Aquiles do internacional luso: «O Paulo Pinto nunca foi um lançador exterior. Aliás o Paulo Pinto não consegue vingar na Europa porque não é um lançador exterior». A época de regresso ao Aveiro Basket, com Carlos Lisboa 99 no comando da equipa, foi recheada de momentos positivos. Enquanto ia liderando com a braçadeira de capitão a selecção nacional a importantes triunfos, que começavam a colocar a equipa das quinas em outros patamares de competitividade, a nível interno Paulo Pinto ia destacando-se, como por exemplo no emocionante Aveiro Basket – Ovarense (125-127) que só foi decidido após dois prolongamentos e onde o extremo português assinou 29 pontos. «Morreu o nosso capitão» A 4 de Março de 2002 o país acordava para uma realidade desportiva descrita pelo diário A Bola na sua capa como «Glória e Drama». Lado a lado as fotos de Carla Sacramento, que tinha conquistado a medalha de prata nos 3000 metros dos Europeus de Pista Coberta, em Viena, e por outro a imagem de Paulo Pinto, que perdeu a vida em pleno campo a um mês de completar 28 anos. Nas páginas interiores o mesmo diário anunciava: «Morreu o nosso capitão». Estavam decorridos 8 minutos e 10 segundos no jogo entre Aveiro Basket e Benfica, no Pavilhão do Galitos, quando Carlos Lisboa pede um desconto de tempo. O capitão da selecção nacional cai inanimado e apesar das tentativas de reanimação cardíaca pelos paramédicos do INEM este acaba por chegar ao Hospital Infante D. Henrique, em Aveiro, já sem vida. Inicialmente foi apontado um aneurisma cerebral como causa da morte, mas mais tarde o jornal Record revelava que a causa teria sido um colapso cardíaco. Oficialmente os resultados da autópsia nunca foram revelados62. 100 Passado uma semana, e apesar da vontade generalizada de jogadores e treinadores que a 20.ª Jornada não se disputasse, a Liga fez questão de manter os jogos e só o Aveiro Basket foi dispensado. Numa iniciativa que visava homenagear o atleta os primeiros espectadores a chegarem aos pavilhões tinham direito a uma t-shirt alusiva a Paulo Pinto. Nem por isso o clima deixou de ser de consternação e no final do Benfica – Belenenses o técnico dos encarnados, Mário Gomes, expressava o seu pesar ao recusar-se a comentar o encontro: «Estou aqui por imposição da Liga», afirmou, sem acrescentar muito mais. Na partida entre Oliveirense e FC Porto o público homenageou o jogador com cartazes: «Os Oliveirenses nunca te esquecerão» ou «Gostaríamos de seguir o teu exemplo», eram alguns dos que se destacavam. Em Novembro de 2002 a Medalha de Mérito Desportivo foi entregue à família de Paulo Pinto e o Complexo Desportivo das Corgas foi baptizado com o nome do jogador. Em Espanha, o Gran Canária guardou um minuto de silêncio na partida frente ao Fuenlabrada e em declarações à agência noticiosa EFE o director geral do clube, Berdi Pérez, classificava o português como «um atleta extraordinário que na maioria das provas físicas era o melhor da equipa». No percurso enquanto atleta a bem sucedida compatibilização do desporto com os estudos foi sempre um dos maiores exemplos a transmitir às gerações mais novas e o aspecto mais elogiado. Licenciado em Medicina, especializando-se como cirurgião, o eterno número 8 foi lembrado por Alberto Babo em declara101 ções ao jornal Público num artigo com o título «O último cesto de Paulo Pinto»: «De cada vez que tinha um exame de manhã, passava a noite sem dormir; mas nem por isso baixava o seu nível no jogo que disputava nesse mesmo dia. De resto, era a sua inteligência que fazia a diferença dentro do campo. A sua capacidade de assimilar o que lhe dizia e de ler e pensar o jogo era superior à maioria dos seus colegas»63. O sucesso académico foi também lembrado no mesmo artigo por Augusto Araújo, seu último treinador na Sanjoanense, emblema que começou a representar aos nove anos de idade: «Para ele, só existiam duas paixões: o basquetebol e os estudos. Na adolescência, lembro-me que os seus colegas tinham as suas saídas à noite, mas o Paulo não tinha tempo para isso». Para Jorge Araújo, o treinador que o lançou nos seniores do FC Porto e com quem quebrou a hegemonia de títulos do Benfica, o jogador era «mentalmente muito forte», apontando ainda a «resiliência e foco» como traços de um carácter extraordinário. «Ele faz uma carreira de jogador de alto rendimento, tira a licenciatura e especializa-se como cirurgião. Faz as duas coisas em paralelo com toda a facilidade», recorda. 102 VIII. Queluz: Quando o telefone toca «Foram os meus melhores anos como treinador» Era Julho de 2002 e já passava da meia noite quando o telefone de Carlos Pinto, presidente do Queluz, tocava. O clube tinha anunciado dois dias antes a sua desistência da Liga Profissional por motivos financeiros. Do outro lado chegava a boa nova. A Câmara Municipal de Sintra, liderada por Fernando Seara, ia avançar com o dinheiro necessário para o Queluz continuar em prova64. «O apoio dado ao Queluz tem diversas envolventes e parcerias estratégicas, não olividando que o clube é uma referência do concelho», afirmou Fernando Seara que adiantou ainda: «o orçamento será de 325 mil euros, podendo ser refeito, mas nunca ultrapassando os 400 mil euros, com tudo pago»65. Para o comando da equipa Alberto Babo era anunciado como treinador e Carlos Pinto não escondia a missão ingrata e admitia um cenário difícil: «A situação está algo complicada para a equipa pois começamos já tarde a resolver os problemas». Mal sabia que estava apenas no início do que haveria de ser uma bela, embora curta, história de sucesso. «O Queluz foram os meus melhores anos como treinador por um motivo: no FC Porto tinha uma estrutura, quem manda é o vice-presidente, depois director, etc. Orçamentos e outras questões não passam pelo treinador. No Queluz foi diferente.Tinha carta branca. O senhor tem aqui esta verba, contrate, e dentro desta verba escolha o que quiser. E com o núcleo duro mais a verba que tinha consegui contratar jogadores a um preço bom, não 103 exagerado, fazendo um bom grupo», recorda Alberto Babo. O arranque da saga do Queluz dá-se num verão particularmente agitado. A nível internacional fazia notícia o triunfo da Argentina sobre os Estados Unidos no Campeonato do Mundo (87-80) colocando um ponto final numa sequência de 58 triunfos consecutivos. O novo Dream Team, que incluía nomes como Paul Pierce ou Baron Davis, somaria ainda derrotas conta a Jugoslávia e Espanha para registar a sua pior classificação de sempre. O Queluz fazia uma época tranquila com Alberto Babo e começava a trabalhar com os olhos no futuro. A equipa de juniores dava nas vistas e haveria de sagrar-se campeã nacional. «No primeiro ano do Queluz tínhamos uma equipa de juniores que pode dizer-se que era apenas engraçada. Mas descobrimos o Armando Costa. Essa foi a diferença. Veio de uma equipa da Amadora. Fomos buscá-lo para os seniores com idade de júnior. O Armando Costa jogava nos seniores e nos juniores e ajudou-os a ganhar o campeonato», afirma Alberto Babo. Assim, na temporada seguinte, o gesto de Fernando Seara para com o clube da linha de Sintra um ano antes não foi esquecido e na apresentação do plantel para 2003/2004 marcaram presença os campeões de juniores que entregaram a faixa ao presidente da autarquia. Na hora dos reforços destacavam-se Leroy Watkins, vindo da Portugal Telecom e Luís Machado, do Aveiro Basket. Mais tarde chegava Charles Mandic, que tinha jogado na Ovarense. O clube estreava um novo piso no pavilhão com toda a pompa organizando o Torneio Internacional de Sintra, no qual marcaram presença Benfica, Barreirense e Caja S. Fernando, da ACB. 104 A equipa da casa ultrapassava a formação da margem sul do Tejo ao passo que os espanhóis venciam as águias. Na final deu luta o Queluz acabando derrotado por quatro pontos de diferença frente à poderosa equipa do Caja S. Fernando (86-82). «Fomos a quase todas as finais em Portugal» A Liga decorria essa temporada com um formato apelidado “à americana” e que dividia os 12 clubes por conferências Norte e Sul com a premissa de que o modelo permitia mais jogos e mais derbies. O Queluz começou cedo a dar nas vistas e logo nas jornadas iniciais derrotava a Oliveirense (100-93) num emocionante encontro com dois prolongamentos. Tinha o rótulo de equipa sensação quando no último jogo do ano recebeu o FC Porto, líder da Conferência Norte, na condição de vice-líder da Conferência Sul. Num jogo de elevada qualidade triunfou por 86-72 com 24 pontos de Charles Mandic. A formação da linha de Sintra era agora líder da Liga Profissional com 10 vitórias em 13 jogos. A par disso ia construindo um brilhante percurso na Taça da Europa. Em Fevereiro, o Queluz volta a ser notícia pelo espectáculo. O jornal A Bola baptizou de «jogo à americana» o Queluz – Seixal (111-105), com um total de 216 pontos marcados sem prolongamento. Leroy Watkins brilhou com 30 pontos. Na equipa da margem sul do Tejo, Diogo Carreira concretizou 16 pontos.66 Em época onde a não comparticipação das deslocações dos 105 clubes às ilhas fez desencadear muita polémica, a edição XV da Taça da Liga realizou-se em Angra do Heroísmo com organização do Lusitânia. O Queluz estava nas meias, depois de vencer o Belenenses, indo medir forças com a equipa da casa. Ganhou por 7971 e carimbou a presença na final para defrontar o FC Porto, que tinha afastado a Ovarense. O troféu haveria, no entanto, de seguir viagem para a Invicta fruto da vitória por 68-59 e do duplo-duplo de Élvis Évora (11 pontos e 11 ressaltos). «Fomos a quase todas as finais em Portugal. Perdemos com o FC Porto na final do campeonato por 3-1, fomos à final da Taça da Liga e na Taça de Portugal ficámos pelas meias finais. Foi uma experiência muito enriquecedora sobretudo por uma vertente que muita gente fala, mas pouca gente conhece que é o espírito de equipa. O verdadeiro espírito de equipa. Tínhamos isso em Queluz», lembra João Santos, que tinha chegado ao clube a meio da época anterior depois da experiência na Grécia. Na Jornada 21 o Queluz era líder do campeonato que contava ainda outra surpresa: o Belenenses ocupava a terceira posição. Na NBA, o All Star Game realizado em Los Angeles foi considerado um dos melhores de sempre por David Stern e distinguiu Shaquille O`Neal como MVP. Abrilhantaram a noite Beyoncé, Outkast, Nelly Furtado e Christina Aguillera. A fase regular chegava ao fim com o FC Porto na liderança e o Queluz em segundo. O Benfica ficava fora do Playoff ocupando a penúltima posição. Na Taça de Portugal, a Final 8 jogava-se no Pavilhão Atlântico e contava com os sete clubes da Liga Profissional mais o Sangalhos, que eliminou o Lusitânia. O Queluz atinge as 106 meias finais, onde é afastado pela Ovarense após prolongamento (92-90). «Aquilo que eu chamo o roubo do século» Era 5 de Maio de 2004 e no Pavilhão Henrique Miranda não cabia nem mais uma agulha para assistir aos quartos de final do Playoff entre Queluz e Barreirense. A cinco segundos do fim o conjunto da margem sul do tejo vencia por 78-80. No derradeiro ataque da equipa da casa, Francisco Rodrigues recebe a bola e faz um triplo certeiro que garante a passagem às meias. «Um dos melhores bases que tivemos em Portugal foi o Francisco Rodrigues. Era um líder. Mandava nos americanos. Mandava em todos. Foi dos melhores bases que encontrei até hoje», sublinha Alberto Babo. Nas meias foi necessário recorrer à negra para o Queluz vencer a Ovarense depois de ter estado em desvantagem na eliminatória por 2-0. Um jogo em que o português João Santos puxou dos galões: com 24 pontos e nove ressaltos foi a estrela maior do triunfo por 81-75 que garantiu a final à equipa da linha de Sintra. O adversário na luta pelo título era o FC Porto, que tinha derrotado o surpreendente Belenenses – que com a presença nas meias do Playoff garantia participação na FIBA Cup – e o Queluz até começou melhor: vitória no Jogo 1 realizado em Santo Tirso. A formação da Invicta acabaria, contudo, por superiorizar-se nos encontros seguintes e festejar o título em Queluz onde fez 3-1 na eliminatória. O MVP Heshimu Evans oferecia o troféu a Ian 107 Stanback que tinha perdido o pai dois dias antes. «Perdemos o campeonato, mas podíamos ter feito o 2-2. Em Queluz o FC Porto fez o 3-1 com aquilo que eu chamo o roubo do século. Estava na bancada o Pinto da Costa e o Fernando Gomes que era o vice para o basquetebol. A vinte e tal segundos do fim estamos a ganhar por um, o FC Porto está a atacar e há um lançamento em que a bola bate na quina da tabela, acaba o tempo de ataque e eles ganham o ressalto.Toca a corneta. A mesa diz que a bola é do Queluz, mas os árbitros disseram que a bola tinha batido no aro», refere Alberto Babo. Na transmissão televisiva foi visível o erro. O FC Porto garante a posse de bola e acaba a ganhar o jogo. Fica a sensação de injustiça. «No dia seguinte o RuiValente veio pedir-me desculpa pelo grande erro, mas já está feito eles é que foram campeões. O Pinto da Costa veio ao balneário dar-me um abraço e os parabéns pelo grande jogo, que o Queluz tinha uma equipa extraordinária, mas o que isso me valeu? Eu podia não ser campeão, mas ao menos ia à negra. Que nos deixassem ir à negra», diz Alberto Babo. «Vai ser um 3 do caraças» A temporada 2004/05 apresentava o Santarém Basket como novidade na Liga Profissional e o Benfica a querer recuperar o seu estatuto. A equipa da Luz marcava presença europeia na ULEB Cup através de um wild card e anunciava orçamento de 900 mil euros com reforços em sintonia com a ambição: Rui Santos mudava-se do FC Porto para a Luz e a ele juntava-se António Tavares, vindo da 108 Oliveirense. O primeiro teste ao Benfica acontecia no Torneio Internacional de Queluz. Na final contra a equipa da casa esta haveria de mostrar-se mais forte e contar com o reforço Carlos Andrade (ex-FC Porto) em grande: 23 pontos e sete ressaltos. Triunfo por 77-73. «Juntámos ao grande grupo que já tínhamos também o Carlos Andrade que tinha sido dispensado do FC Porto. Era outro líder igual ao Francisco Rodrigues. Era uma equipa que treinava a sério. Eu quando o vi treinar disse logo que este ia ser um 3 do caraças para esta época. O Tomás Rodrigues que bastava a bola entrar lá. Depois um 4 que era o Miguel Miranda. E o LeroyWatkins que era um grande defensor. E excelente a jogar de costas», explica Alberto Babo. Curiosamente o Queluz começou a época a perder em casa. Uma derrota por 67-69 frente ao Aveiro Basket depois de ter estado em vantagem por 16 pontos. Iria, contudo, ser um fenómeno raro. Na passagem da 12.ª jornada era líder quando visitou o Restelo para vencer o Belenenses, por 77-82, num jogo que foi um autêntico “duelo de bases”: 20 pontos para Nuno Perdigão nos azuis e 22 pontos para Armando Costa nos sintrenses. Em Janeiro de 2005 o Queluz batia o recorde de vitórias consecutivas na Liga ao atingir o 13.º triunfo. Alberto Babo desvalorizava o feito: «Não ligo aos recordes, temos 13 vitórias consecutivas, mas ainda nada ganhámos», disse67. E já que o assunto era recordes a Oliveirense não quis ficar atrás. Alacançou o feito do maior número de pontos marcados em 40 minutos na vitória por 113-72 frente ao Ginásio, para a qual muito contribuiu Francisco 109 Jordão, com 30 pontos convertidos. A formação da linha de Sintra era destaque natural na imprensa e o presidente Carlos Pinto manifestava o desejo de construção de uma piscina e urbanização com a finalidade de «libertar as direcções vindouras de problemas financeiros»68. «Em relação à época anterior o Queluz tinha perdido alguns jogadores importantes. Dos estrangeiros julgo que só tinha ficado o Leroy. Depois foram buscar-me a mim, ao Vik, ao Tomás Rodrigues. Gerou-se uma química boa. Eu tinha muito a provar. Ao FC Porto, ao Benfica, à Ovarense. Porque ninguém pareceu ter dado muita importância ao que eu tinha feito a época anterior.Tinha essa motivação de provar que o meu lugar era entre as equipas vencedoras. E coincidiu com outros jogadores que também não tinham tido muitas oportunidades, como o Miguel Miranda, o Filipe Gomes, o Armando Costa. E depois os jornais que não colocavam o Queluz entre os candidatos. E logo o primeiro jogo da época perdemos, com o Aveiro Basket, um triplo do Pedro Nuno mesmo a acabar. Mas depois fomos ganhando. Um, dois, quatro, dez, quinze, vinte, por aí fora», recorda Carlos Andrade. A 25.ª vitória consecutiva foi alcançada em Matosinhos. Estávamos em Março de 2005 quando o Queluz vencia o FC Porto por 96-99. E o embalo continuou mais um pouco. A euforia chegava ao fim na Jornada 29. Depois de 27 partidas invicto o Queluz caía em Oliveira de Azemeis frente à Oliveirense numa derrota por 74-52. «Fomos cimentando vitória atrás de vitória. E a dada altura tens 10 queres a 11, tens a 11 queres a 12. E chegámos a 27», recorda Alberto Babo. 110 «Alguns jogadores tratavam-me por paizinho» A Final 8 da Taça de Portugal disputou-se em Tondela e a equipa voltou a exibir a sua força. Vitória nas meias sobre a Oliveirense e um Carlos Andrade (16 pontos e 14 ressaltos) a contribuir para o triunfo na final sobre a Ovarense (71-62). Taça para Queluz que começou a ser festejada junto das duas centenas de adeptos que viajaram desde Sintra para marcar presença em Tondela. A 8 de Maio de 2005 escrevia o jornal A Bola: «Sensacional! Com a segunda vitória em Queluz, por 69-70, o CAB ficou a um triunfo de afastar a melhor equipa da fase regular e o novo detentor da Taça de Portugal». Estávamos nos quartos de final do Playoff e o sensacional Queluz via-se em maus lençois. Mas tal como aconteceu antes da chegada de Alberto Babo a Sintra, depois do tal telefonema que salvou o clube, também aqui as notícias da morte deste colectivo eram manifestamente exageradas. Na Madeira, vitória no terceiro e quarto jogo atiravam a eliminatória para a negra. No encontro decisivo a terceira vitória consecutiva (96-87) colocava o Queluz mais perto da ambicionada final. Nas meias o Queluz despacha a Oliveirense por 3-0 e em Ovar um grande ambiente na negra entre Ovarense e FC Porto com a equipa treinada por Henrique Vieira a levar a melhor e vencer os portistas por 73-62. Era a primeira vez no Século XXI que Luís Magalhães não marcava presença numa final. O Queluz começava as finais a vencer no primeiro encontro 111 pela diferença mínima (75-74) e na segunda partida, em tempo de eleições autárquicas, o candidato socialista à autarquia de Sintra, João Soares, era um dos espectadores a lotar o Pavilhão Henrique Miranda para assistir a uma vitória mais confortável: 93-86. O golpe final foi aplicado em Ovar, onde o Queluz venceu por 58-63 e festejou o título de campeão nacional. Tal como em 2002/03, ao serviço da Portugal Telecom, Leroy Watkins é outra vez distinguido como MVP das finais. «O Queluz dominou quase sempre e respondeu bem à reacção da Ovarense no último período. Mais uma vez o colectivo foi a arma do novo campeão, que contou com um jogo interior muito forte suportado pelo DavidVik, que entrou muito bem no segundo período, e pelo LeroyWatkins», escrevia Carlos Lisboa na crónica ao jogo no diário A Bola69. Na temporada seguinte a Ovarense teve a sua desforra. Numa época onde os problemas financeiros eram ordem do dia em Queluz a equipa da linha de Sintra volta a marcar presença numa final, mas desta vez sorriram os vareiros. «No último ano fomos à final com a Ovarense e perdemos 4-3 na negra. Com seis meses de salários em atraso. Antes das finais conseguiram pagar dois meses. Mas até hoje ficámos todos com seis meses de salários em atraso. E chegámos à final», lembra Alberto Babo para quem a união do grupo foi sempre a chave do sucesso: «Alguns jogadores tratavam-me por paizinho», recorda entre risos. 112 IX. O Magnífico Sr. Valentyn «Receber esta derrota não é brincadeira» Podia ser cenário para um filme de David Lynch: um treinador a percorrer sozinho 4 mil quilómetros ao volante de um automóvel. O papel principal era o de Valentyn Melnychuk e o argumento «a observação de atletas nacionais a jogar no estrangeiro e a consolidação de conhecimentos e aprendizagem no contacto com outros treinadores»70. Corria o ano de 2002 e Portugal tinha arrumado as hipóteses de apuramento para o Europeu 2003. O treinador ucraniano chegou à selecção no verão de 2000 substituindo Alfredo Almeida e trazia na bagagem uma considerável experiência no basquetebol português. Há sete anos no país já tinha orientado o Queluz, Sporting, Eléctrico e Seixal. E pode dizer-se que Valentyn Melnychuk assim que assumiu o comando técnico da selecção nacional começou logo a fazer história. Tendo como primeiro teste a participação num torneio no Brasil, englobado nas comemorações dos 500 anos da descoberta das terras de Vera Cruz, foi a 18 de Agosto de 2000 que na segunda jornada dessa prova Portugal conseguiu pela primeira vez uma vitória sobre a Argentina. Brilhou Paulo Pinto (17 pontos) no triunfo por 62-59 frente a uma selecção que deixou de fora alguns dos seus melhores atletas, como Manu Ginobili, Fabricio Oberto, Lucas Victoriano ou Marcelo Nicola, mas que nem por isso diminuiu a importância do feito. 113 «É sempre uma honra bater uma selecção que nunca tínhamos vencido, que defende duríssimo e anda sempre no ’top’ da modalidade», referia Valentyn Melnychuk, assumindo ainda o risco do lançamento para o jogo dos jovens Diogo Carreira e Miguel Miranda. «Sinto-me um pouco culpado pelo facto de a Argentina ter recuperado no marcador. Quis fazer alterações e dar tempo de jogo a outros atletas, mas isso não resultou e quase comprometeu a nossa vitória», disse71. Acabou por ser o único motivo de festejo na competição, mas Portugal saiu com boa imagem depois de ter equilibrado os jogos frente à Rússia (69-77) e Brasil (75-97). Um ano mais tarde, Portugal falha o apuramento para o Euro 2001 e o nível de rigor e exigência de Valentyn Melnychuk sobressai após uma derrota frente à Islândia, por 81-84, única equipa do Grupo D que ainda não tinha registado qualquer triunfo. «Vou assumir a responsabilidade. Se o treinador não consegue que os jogadores ouçam e cumpram a táctica ofensiva e defensiva preparada nos treinos a culpa é dele», afirmou, rematando: «Vou ouvir a direcção da FPB e outros treinadores. Receber esta derrota não é brincadeira. É mau para a minha imagem, a minha família e a minha carreira»72. «O mais importante foi o regresso do espírito de grupo perdido» Depois de falhado o apuramento para o Europeu 2001 a preparação para o Europeu 2003 contava com Luís Magalhães e Orlando Simões como adjuntos de Melnychuk. A selecção con- 114 seguiu atingir as meias-finais da fase de apuramento após vitória sobre a Eslováquia, em Tondela, por 77-64, num encontro onde Sérgio Ramos assinou 17 pontos. O sorteio ditava em sorte que na nova fase da competição era altura de medir forças com Rússia, Itália, República Checa e Inglaterra. As hipóteses de êxito ficaram na gaveta com uma derrota em Angra do Heroísmo, frente à República Checa, por 65-88. Mas havia oportunidade ainda para Valentyn Melnychuk voltar a fazer história. Desta vez com o primeiro triunfo sobre a Rússia. Foi em Santo Tirso que, num encontro só para “cumprir calendário”, a selecção surpreendeu e triunfou por 91-83. Sérgio Ramos fez 26 pontos e Francisco Jordão assinou 25 pontos tendo pegado no técnico ucraniano ao colo para no apito final festejar com o muito público que encheu as bancadas. Portugal ia voltar a deixar boa imagem dois meses depois, na República Checa, onde só caiu no prolongamento, no renhido desaire por 124-116. Outra vez Sérgio Ramos a inscrever o seu nome entre os melhores: 37 pontos e 10 ressaltos. No verão de 2003 Portugal vence a Taça Kirim, competição de carácter amigável, e José Costa é eleito MVP do torneio não dispensando elogios à equipa técnica: «Penso que o grupo técnico que actualmente dirige a selecção tem grande quota nos últimos resultados do basquetebol nacional. O trabalho feito é de certa forma diferente, mas mais importante foi o regresso do espírito de grupo que andou um pouco perdido»73. 115 «Temos vindo a encurtar distâncias» Para o Euro 2005 Portugal encontra-se no grupo de Bulgária, Letónia e Israel. Na preparação para essa prova triunfo no Torneio Spuerkeess, no Luxemburgo. Três vitórias, a última das quais frente à Suíça, na final, por 78-71, valeram a conquista do troféu. Nota para Élvis Évora que deu nas vistas com 22 pontos marcados. O arranque do apuramento tendo em vista o Europeu 2005 até não se pode dizer que tenha começado mal. Uma derrota por apenas dois pontos (89-87) num equilibrado jogo frente à Bulgária, em Varna, onde Portugal contava com Matt Nover como naturalizado entrando no cinco inicial ao lado de Paulo Simão, Francisco Jordão, José Costa e João Santos. Na segunda jornada novo desaire, em São João da Madeira, frente à Letónia, por 76-81. A primeira vitória chegava na terceira ronda, fora de casa, com a selecção a superiorizar-se a Israel, por 96-101, após prolongamento. A selecção fez 15 triplos em 27 tentativas e Paulo Simão liderou nos marcadores com 25 pontos. «O Valentyn foi muito importante. E a nível pessoal, não sei se por ter outra cultura desportiva, gostava das minhas características. Senti desde o primeiro momento a confiança dele. Criou-se uma ligação e eu devolhe também muito a ele esta bela carreira, proporcionando-me ser, durante alguns anos, o jogador mais internacional», recorda Paulo Simão. A desilusão chegava depois. Com a moral em alta depois daquele triunfo contra Israel seguiram-se três derrotas consecutivas. Em Santiago do Cacém frente à Bulgária (72-87), fora de portas frente à Letónia (92-64) e em Tondela contra Israel (73-90). Ainda não 116 era desta que Portugal marcava presença num Europeu. Estávamos em Julho de 2006 quando foram anunciados os nomes dos pré-convocados tendo em vista o apuramento para o Europeu de 2007. Uma lista de 23 jogadores que acabaria mais tarde por ser reduzida a uma versão definitiva de 15 elementos. A grande novidade era Sérgio Ramos, regressado à competição após lesão, mas que não haveria de fazer esse apuramento. «Não fiz nenhum jogo da qualificação, estava lesionado e a recuperar, aliás estive no Europeu porque no verão trabalhei para conseguir estar, pois era algo importante, histórico, e tenho a sensação que o selecionador também quis, pelo meu passado na selecção, dar esse prémio», refere Sérgio Ramos. O trabalho de Valentyn Melnychuk era feito com uma permanente “dor de cabeça” que estava na inclusão de três atletas com estatuto de naturalizados – Carlos Andrade, João Gomes e Ian Stanback – sendo certo que apenas um podia alinhar. No caminho de Portugal estavam as selecções de Israel, Bósnia e Macedónia e Valentyn Melnychuk, na hora de fazer a antevisão, não hesita em apontar a meta: «Qualificar é o objectivo. É difícil porque as selecções adversárias são muito complicadas. Israel no último campeonato da europa ficou em terceiro. A Bósnia tem atletas que estão nas melhores ligas europeias. A Macedónia é uma selecção a quem Portugal nunca ganhou. Mas temos vindo a encurtar distâncias»74. «Eu e o Minhava nos dois primeiros jogos rebentámos com aquilo tudo» 117 A batalha começou bem. Em Trancoso, frente à Macedónia, depois de ter estado a perder por 10 pontos, Portugal dá a volta ao jogo e vence por 108-90. Na estatística Miguel Minhava esteve em evidência com 23 pontos marcados, seguindo-se Carlos Andrade, com 21 pontos. «Correu-nos muito bem aquele primeiro jogo com a Macedónia e passámos a acreditar que se jogarmos assim, com esta intensidade, com esta disponibilidade e entre-ajuda seguramente que vamos estar mais perto de ganhar. E conseguindo essa vitória com a Macedónia pensámos: então dá para fazer isto outra vez. Depois ganha-se na Bósnia no segundo jogo e pensas: já ganhámos dois jogos, um deles fora e com uma equipa teoricamente mais forte. Portanto a dinâmica foi esta e ganhar traz sempre confiança. E a partir do momento em que acreditas vais ganhando mais exigência e mais vontade de trabalhar», explica João Santos. Efectivamente, como recordou João Santos, o triunfo no segundo encontro, em Sarajevo, foi significativo até por representar um feito inédito. Nunca antes Portugal tinha liderado um grupo fruto de duas vitórias consecutivas nas duas jornadas iniciais. Na Bósnia dois pontos (78-80) deram vantagem à equipa das quinas. O sucesso da selecção vivia em contraciclo com os problemas da Liga Profissional e isso ocupava a mente dos jogadores, que não o escondiam em declarações à imprensa. «Aquela selecção foi a conjugação de uma série de factores felizes. E conseguiu juntar-se numa mesma geração quatro ou cinco jogadores de nível internacional e esse facto catapultou para essa situação. Quatro ou cinco jogadores mudam tudo dentro de campo a favor de uma equipa, mas 118 por outro lado não chegam para mudar a tua realidade basquetebolística a nível nacional», afirma Jorge Faustino, treinador que formou Carlos Andrade e João Santos. O enviado especial de A Bola, o jornalista Hugo Costa, afirmava faltar adjectivos para qualificar uma equipa que baptizou de «ratinhos diabólicos» e que acabava de registar a terceira vitória consecutiva, desta feita sobre Israel, por 61-67. No relato do jogo destacou o minuto 39:19. Faltavam 41 segundos para jogar quando João Santos aproveita um bloqueio de Miguel Miranda para acertar um triplo que passou Portugal para a frente por 61-6375. «Eu e o Minhava nos dois primeiros jogos rebentámos com aquilo tudo. Ganhámos o primeiro jogo por 18 e com supremacia. Correu bem, os pontos fortes deles foram eliminados, depois vamos à Bósnia e a mesma coisa. E depois ganhamos a Israel. Lembro-me de chegar ao Hotel com o João Santos, que era o meu companheiro de quarto, eu e ele super nervosos a dizer “epá, só falta uma vitória, queres ver que a gente vai conseguir?”», recorda Carlos Andrade. «De fora do perímetro marcávamos. Essa geração lançava bem ao cesto.Tinha muita gente que conseguia contribuir nas áreas mais afastadas do cesto», sublinha Paulo Simão. O travão na euforia chegou na Macedónia. Derrota por 83-63 que anulava a vantagem de 18 pontos conseguida na partida de Trancoso. Era necessário agora vencer os dois últimos jogos. Nova desilusão no regresso a casa: em Paços de Ferreira a Bósnia venceu por 75-86 numa partida em que Portugal falhou por 14 vezes na linha de lance livre. O jogador mais inconformado foi 119 Paulo Cunha, que assinou 21 pontos. A entrada na última jornada era feita de máquina de calcular em punho com a equipa das quinas a contabilizar oito pontos, os mesmos da Macedónia. Era necessário vencer Israel, em encontro a realizar em Paredes, e aguardar que a Bósnia vencesse a Macedónia em Sarajevo. «Fomos à Macedónia com vantagem de 16 pontos e convencidos que era muito difícil perder por 17. Olhamos para o pavilhão, para os árbitros, vemos o início do jogo e pensamos que temos de lutar contra isto tudo. Perto do final estávamos a perder por 10 ou 12 e começam a acontecer coisas muito esquisitas. Lembro-me de ter feito um passe para o Filipe da Silva para ele aguentar a bola e o treinador deles toca na bola, marcaram o fora ao contrário», lembra Carlos Andrade. «Era impensável ganhar, quanto mais por 20 pontos de diferença» A 17 de Setembro de 2006 uma foto de Élvis Évora ocupava um dos cantos da capa do jornal A Bola. O texto anunciava: «Portugal faz história no basquetebol». Em encontro que apenas mereceu honras televisivas da SportTV, a selecção viveu uma noite mágica e de coração nas mãos no Pavilhão Rota dos Móveis. Venceu Israel por 69-49 e viu a Bósnia vencer a Macedónia por 75-72. Olhando para a estatística percebe-se que foi feita justiça na foto de Élvis Évora a imortalizar o êxito nacional. Afinal foi ele a dominar com 27 pontos e nove ressaltos. «Recebemos a Bósnia e perdemos com a Bósnia. Depois com Israel o 120 Élvis saca um jogo perfeito. E o resto é história, fomos qualificados», afirma Carlos Andrade. «O Élvis foi uma grande diferença com a presença no jogo interior», lembra Paulo Cunha, que sublinha a dimensão do feito daquele dia em Paços de Ferreira: «Era impensável ganhar a Israel quanto mais ganhar por 20 pontos de diferença. No Europeu em 2007 só apuravam 16 equipas. E a prova de que o nosso grupo era forte era que apuravam a primeira equipa de cada grupo, os que vinham do Mundial que estavam automaticamente apurados, depois todos os segundos, terceiros e quartos jogavam entre eles para apurar mais uma. E a equipa que acabou a ir ao Europeu foi Israel que era do nosso grupo». No dia seguinte ao encontro não faltavam elogios. Um dos quais de Jorge Araújo: «É a vitória de um grande homem e trabalhador incansável chamado Valentyn Melnychuk e de um coeso grupo de jogadores que encontrou nesta oportunidade o momento certo para demonstrar que valem bem mais do que o que o basquetebol português lhes tem reconhecido»76. A selecção era agora conhecida como a “geração de ouro”, mas João Santos não esquece os que abriram caminho para o sucesso. «A geração de ouro era a do Sérgio, Marçal, do Paulo Pinto, do Luís Silva, Luís Machado, José Costa…essa é que foi a verdadeira geração de ouro, a que entrou na Liga e que jogou de caras em muitas equipas da Liga. É um bocado o que aconteceu no futebol. A geração de ouro no futebol é a do João Pinto, Figo, Rui Costa,Vitor Baia, mas na realidade quem ganhou foi uma selecção que não é considerada a geração de ouro. Foi uma selecção que teoricamente seria mais fraca, mas que por vicissitudes da vida ou 121 razões que desconhecemos foi a que realmente conseguiu levar a água ao moinho», sustenta. Os meses que antecederam a participação no Europeu foram desastrosos para a modalidade. Aos problemas da Liga Profissional somava-se mais um e de peso: o Benfica anunciava o abandono da competição e o Queluz considerava igual cenário, colocando em risco de ruir todo o projecto por falta do número mínimo de oito emblemas para disputar a prova. Entretanto, o basquetebol ganhava um “rival” de peso do ponto de vista mediático e candidato a “roubar as atenções” da histórica participação num Europeu: a selecção nacional de rugby conseguia pela primeira vez a qualificação para o Mundial. «Bons 3, 2, 1… mas não havia 5. E o Élvis vem dar isso» A preparação para Sevilha decorreu em Vagos. O estágio integrou Nuno Marçal, regressado à selecção após três anos e meio de ausência, e Sérgio Ramos, recuperado de uma grave lesão no joelho, a quem coube na véspera fazer a antevisão tendo em conta o grupo que caiu em sorte a Portugal: «A Espanha é a selecção mais forte, mas penso que nos podemos bater com a Croácia e a Letónia.Vamos tentar ganhar pelo menos um jogo». Em preparação para o Europeu 2007 Portugal disputou o Torneio Internacional de Elvas. No encontro inaugural João «Betinho» Gomes foi o destaque com 16 pontos e seis ressaltos no triunfo por 74-69 frente à Tunísia. Seguiu-se nova vitória, frente à 122 Geórgia, por 70-56, e a conquista do Torneio com o êxito frente à Roménia (90-52) onde mais uma vez «Betinho» esteve em evidência: 17 pontos. Nuno Marçal apenas actuou no primeiro encontro onde se lesionou. Seguiram-se jogos particulares fora de portas. Em Logrono quatro mil bilhetes voaram para o particular contra a Espanha, campeã do mundo. A selecção bateu-se bem e só caiu no último período. Derrota por 82-65. «Estávamos todos no topo da nossa carreira do ponto de vista de experiência e físico», lembra João Santos. Em Paris, amigável contra a França inserido no Torneio Internacional daquela cidade e de novo o cansaço da fase derradeira do encontro na base da derrota. Com 21 pontos de Tony Parker a selecção perdeu por 86-64. «O Valentyn fazia grandes preparações, fazíamos jogos treino contra equipas muito fortes», destaca Carlos Andrade, apontando o dedo do técnico ucraniano no ambiente positivo da equipa das quinas: «O grande mérito foi do Valentyn ter acreditado que era possível. E fazermo-nos acreditar que era possível». A pior prestação chegou frente à Rússia. Os 18 pontos de Andrei Kirilenko foram uma amostra da derrota por 80-58. O último encontro haveria de salvar a honra do convento. Vitória de Portugal frente à República Checa por 71-62 com 23 pontos de Filipe da Silva e Élvis Évora poderoso no jogo interior (16 pontos e sete ressaltos). «Portugal tinha bons 3, bons 2, 1… mas não tinha 5. E o Élvis veio dar isso. E defendia.Veio acrescentar isso. Defendia muito bem», afirma Alberto Babo, que enquanto treinador foi responsável por lapidar 123 o diamante que veio da beira interior. «Nunca fui atrás de um atleta. O único em que fui atrás foi o Élvis Évora. Ele estava na Covilhã. Disseram-me que havia lá um jogador grande, que jogou no 3x3, mas que só tinha altura e que de técnica era muito fraco. Então fomos lá ver. Acabámos por convencer a mãe para ele vir para o Porto. Ela não queria porque dizia que o filho tinha de tirar o curso de Economia. E nós prometemos que íamos dar todas as condições para ele se licenciar», explica antes de referir o rigoroso trabalho com o atleta. «O Élvis vinha à sexta feira de camioneta e treinávamos os dois sozinhos. O básico do basket. O drible, a bandeja pela direita, pela esquerda. Trabalho de pés. Costas para o cesto. Ele tinha 17 anos, mas era estrangeiro, não podia jogar nos seniores. Por vezes treinávamos também ao sábado de manhã, nem que fosse nas tabelas de minibasquete. Jogava nos juniores e eu metia-o muitas vezes no cinco inicial. Em cinco minutos fazia cinco faltas. E eu fui insistindo. Até que alcançou outros níveis e já começava a fazer 15 ou 20 minutos», lembra. Portugal disputou ainda a Supercup Bamberg, na Alemanha, onde perdeu com a selecção anfitriã, com a Rússia e com Itália. A dúvida sobre a opção entre Carlos Andrade e «Betinho», dois naturalizados para apenas um lugar, haveria de ficar esclarecida com a lesão sofrida pelo primeiro no encontro frente aos italianos. Estava fora do Europeu. «Fizemos um torneio na Alemanha muito giro com a Alemanha, Rússia e Itália, todos contra todos. Fiz uma lesão no gémeo contra Itália. Ainda faltavam três semanas ou um mês para o Europeu. O médico não deu certezas. Eu por mim recuperei», revela Carlos Andrade, entre risos, 124 sublinhando não existirem ressentimentos: «O Betinho é como se fosse o meu irmão mais novo, fiquei triste por não ter ido, mas para ele foi muito bom». «Os astros estavam todos alinhados» «Tanto podemos equilibrar como sermos esmagados»: Valentyn Melnychuk antecipava assim a partida inaugural do Europeu, em Sevilha, frente à Espanha. Na estatística Portugal era destaque por um factor não tão positivo: era a segunda selecção mais baixa, logo a seguir à Polónia, e o base Mário Fernandes, com 1,74 m, era mesmo o mais baixo de toda a prova. Com o príncipe Filipe de Bourbon na bancada a Espanha venceu por 82-56, enquanto no outro encontro do grupo a Letónia surpreende ao derrotar a Croácia, por 85-77. A segunda jornada trouxe novo desaire. A derrota frente à Croácia, por 90-68, atirava por terra as esperanças de Portugal ambicionar seguir para a fase final. O enviado especial de A Bola, o jornalista Luís Silva, escrevia que «nem D. Quixote consegue alimentar o sonho de Portugal continuar em prova». Na teoria o apuramento era ainda possível, mas segundo o mesmo «dependia de contas mirabolantes». O próprio seleccionador não revelava grandes esperanças: «Se ainda sonho ir a Madrid? Basta fazer as contas. Este era um jogo decisivo para as duas equipas em confronto e a Croácia foi mais forte»77. «Eu costumo dizer que os grandes sucessos do nosso basquete nunca resultam de uma consistência. Resultam de muitos factores em que os astros 125 estão todos alinhados e bate tudo certo. O nosso sucesso de 2007 aconteceu porque os astros estavam todos alinhados. Nós podíamos nem ter estado no Europeu. E mesmo depois no Europeu também avançámos para a fase seguinte porque a Espanha perdeu. Quando é que os astros todos se alinham desta maneira?», questiona, em jeito de brincadeira, San Payo Araújo que torcia na altura a partir de Portugal pelo sucesso da equipa das quinas. Não sabemos se as palavras de San Payo Araújo sobre a «conjugação de astros» estão certas, mas que o jogo da última jornada teve qualquer coisa de mágico isso é inquestionável. Não só Portugal venceu a Letónia (77-67), numa exibição que havia quem dissesse pelos corredores que terá sido a melhor de sempre realizada por Portugal, como a mesma foi abrilhantada pela emoção que faz os grandes jogos. Para o apuramento ser directo era necessário vencer por uma margem superior a 15 pontos e o que é certo é que a nove minutos do final Portugal vencia por 17 pontos de diferença. Os letões reduziram para 10 pontos. Altura de fazer as malas. Ou talvez não. No jogo seguinte um tiro de Marko Tomas a três segundos do fim dá a vitória à Croácia frente à Espanha, que vinha de 28 vitórias consecutivas, e coloca Portugal em Madrid, como terceiro classificado do grupo, à frente da Letónia. O prémio pela vitória foi de 1500 euros por cada jogador num grupo que era mais do que uma equipa78. «Dávamo-nos todos muito bem e o Valentyn sabia fazer por isso. Além dos seus conhecimentos como treinador sabia também criar e manter um grupo coeso. E acho que foi um dos motivos por a campanha ter sido bem sucedida. E nem sempre é 126 fácil conseguir essa coesão de grupo em selecções. Porque são todos de clubes diferentes, têm um curto espaço de tempo para estarem juntos, mas ali havia um grupo unido», destaca Sérgio Ramos. «O grupo era muito forte e o Valentyn conseguiu unir tudo à volta dele. Era um bom treinador, mas era sobretudo um bom líder», explica Paulo Cunha, completado por Paulo Simão: «Era um grupo de atletas realmente amigos. Grande parte do núcleo cresceu e fez carreira sempre próximos e os feitios ligavam-se. Não é essencial, existem equipas em que os jogadores não se dão bem fora do campo, mas todas as experiências que tenho de equipas vencedoras têm uma boa relação fora do campo». «Israel não conseguia jogar contra nós» A partida para Madrid foi feita de comboio e a segunda fase tinha como adversário a Rússia. No Arena Telefonica ficou no banco Sérgio Ramos por opção técnica e a selecção perdeu por 65-78. O sonho mantinha-se vivo quando pela frente surgiu Israel. Vitória por 94-85. «Betinho» fez 23 pontos e 11 ressaltos. Francisco Jordão fez 20 pontos. «Israel não conseguia jogar contra nós», refere Paulo Cunha, sublinhando que o Mundial não ficou assim tão longe: «Nós chegámos a discutir com a Grécia o apuramento para o Mundial que era uma coisa impensável. Faltou-nos essa vitória para ficarmos nos seis primeiros e irmos ao Mundial». No derradeiro encontro do grupo Portugal caiu frente à Grécia, por 85-67, depois de ter terminado o 1.º período na frente, por 17-16, e despediu-se sob aplausos dos adeptos presen- 127 tes em Madrid garantindo um lugar entre o “Top 9” das melhores selecções europeias. O êxito foi tão significativo que um ano depois, quando Moncho Lopez era anunciado como seleccionador nacional, após a saída de Valentyn Melnychuk, o mesmo confessava: «Tenho de ser sincero e honesto, para a maioria dos espanhóis o basquetebol português só se tornou conhecido depois da magnífica campanha realizada no Europeu»79. A Rússia conquistava o Europeu ao vencer na final a Espanha por 60-59. Lembrando o que tinha acontecido no Mundial de Juniores 1999, o russo Andrei Kirilenko foi considerado MVP da prova. Portugal voltou a marcar presença no Europeu em 2011, com Mário Palma no comando técnico, depois de a competição ter sido alargada a 24 equipas em vez de 16 e de ter ultrapassado a Hungria numa ronda adicional de apuramento. Uma vez na prova, que teve lugar na Lituânia, Portugal não venceu qualquer encontro, registando o último lugar. Na memória de todos aquela prestação em Espanha continua como o melhor registo já alcançado pela equipa das quinas. «Dizer a geração de ouro talvez seja demasiado porque recordo-me de jogadores que não estiveram naquele europeu e que ainda assim tiveram grandes carreiras: o José Costa, o Luís Silva, o Carlos Seixas, o Pedro Nuno, o Marçal, o Paulo Pinto, entre outros. A equipa que fez o apuramento fez um grande trabalho, um feito histórico, depois no Europeu também tivemos muita sorte com os resultados», conclui Sérgio Ramos. 128 A selecção nacional que tem o seu lugar na História ao terminar o Eurobasket 2007 entre o Top 9 (Créditos: FIBA) O treinadorValentyn Melnychuk e o espírito de grupo foram as armas para o sucesso da primeira presença de Portugal num Europeu via apuramento (Créditos: FIBA) 129 X. O “tri” das despedidas «Nesse dia o Carnaval saiu à rua» «Entre 1984 e 1995 todo o basquetebol português era dominado pelo Benfica. Todo? Não! Uma vila povoada por irredutíveis homens resistia». Podia ser a adaptação do início de um dos famosos livros de Asterix e Obelix, mas é apenas a história de como na distante época 1987/88 a Ovarense ousou quebrar a hegemonia dos encarnados na modalidade e inscreveu o seu nome pela primeira vez na lista de campeões nacionais, permanecendo como um marco de resistência no meio de 10 títulos da equipa lisboeta conquistados nesse período. Se os edifícios falassem o Pavilhão Raimundo Rodrigues poderia testemunhar bem o que foi o boom do basquetebol em Portugal e confirmar os relatos de como naquela tarde de Maio de 1988 Ovar viveu um carnaval fora de época, com o povo a sair à rua para festejar o êxito do clube local, que triunfou sobre o Benfica, por 95-93. No momento em que na NBA os Los Angeles Lakers faziam história com o seu «Back to Back», que representava o primeiro clube a conquistar dois campeonatos seguidos desde os Boston Celtics de 1968/69, escrevia por essa altura o jornal A Bola que «Aveiro é a capital do basquetebol português»80. Nessa distante temporada o treinador era Luís Magalhães, que tinha chegado ao clube a meio da época 1985/86 com a missão de salvar o emblema vareiro da despromoção, e as estrelas da equipa eram o brasileiro “Borracha” e os norte-americanos Dway- 130 ne Johnson, conhecido como DJ, e Mario Ellie. Este último haveria de saltar de Ovar para a NBA onde acabou a sagrar-se campeão pelos Houston Rockets e San Antonio Spurs. Mais tarde, em visita a Portugal a propósito do evento NBA Jam, não esquecia a cidade e as suas gentes: «Jamais esquecerei o carinho dos adeptos que, por exemplo, não me deixavam pagar a comida a seguir aos jogos que ganhávamos»81. O jogador Mário Leite, que assinou nove pontos na ficha de jogo, recordou em 2003 ao jornal Público como aquele jogo com o Benfica faz parte do álbum de recordações de uma geração. «Nesse dia o Carnaval saiu à rua», afirmou, descrevendo o clima de festa: «As escolas de samba juntaram-se, havia tambores, gente mascarada e houve um desfile improvisado pelas ruas de Ovar»82. «Não era fácil a alguém ganhar naquele pavilhão» Puxando a fita do tempo à frente o Pavilhão Raimundo Rodrigues só voltou a experienciar semelhante festa em 1999/2000, depois de ter estado muito perto em 1997/98, numa final que acabou a cair para os Estrelas da Avenida. A Ovarense sagrava-se campeã derrotando na final o FC Porto com três vitórias sem resposta. No banco a orientar a equipa estava Jorge Araújo, mas o segredo do sucesso tinha mais ingredientes a juntar ao talento dos jogadores ou aos conhecimentos do experiente técnico. «Por detrás de uma equipa campeã há, normalmente, um grande treinador, mas também um bom patrocinador», escrevia o Público a propósito da bem sucedida ligação entre a Ovarense e o grupo Aero- 131 soles, apontada como decisiva para o sucesso da equipa da região de Aveiro nesse período83. Na ressaca da conquista da Supertaça, na época 2001/02, escrevia Jorge Araújo no Diário de um Treinador: «Em Ovar é fácil perceber uma dedicação e uma paixão acima da média em redor da sua equipa de basquetebol. E tal apoio tem representado um dos suportes fundamentais dos resultados que vamos obtendo. Sente-se um orgulho colectivo e um verdadeiro caldo de cultura desportiva»84. A reforma do velhinho templo do basquetebol de Ovar, apesar de muito acarinhado pelas suas gentes, foi sempre uma reivindicação presente entre os entusiastas da modalidade. Logo em 1987/88, a propósito da festa do primeiro título do clube, escrevia Vitor Hugo em A Bola na crónica do encontro: «O clube de Ovar necessita, entretanto, de um recinto de jogo bem maior do que aquele que possui, dado que o actual não chega para as encomendas, nem para os treinos das suas diversas equipas nem para os jogos decisivos como os últimos que se realizaram naquele pavilhão. No encontro com o Benfica ficou mais público de fora do que aquele que o presenciou»85. A mesma bandeira estava presente em 1997/98, na final frente ao Estrelas da Avenida, com os adeptos a exibirem a faixa «Ovar precisa de um pavilhão». O sonho de uma nova casa concretizou-se oficialmente com a inauguração, em Abril de 2007, da Arena Dolce Vita, baptizada posteriormente de Pavilhão João Gonçalves, um empreendimento que resultou de uma parceria publico-privada entre Câmara Municipal de Ovar, Associação Desportiva Ovarense Basquetebol e a Amorim Imobiliária juntando as valências de centro comercial e arena multiusos86. 132 O Pavilhão Raimundo Rodrigues já via nascer o novo espaço quando em 2005/06 a Ovarense estava novamente com a oportunidade de festejar um título nas mãos, depois de na temporada anterior ter ficado outra vez às portas do êxito, desta feita com o Queluz a levar a melhor. O técnico era Henrique Vieira que recorda como a importância do mítico pavilhão do basquetebol de Ovar estava presente nesse final de época. «Ovar é uma terra de basquetebol, não há dúvida nenhuma. No Pavilhão Raimundo Rodrigues era muito difícil nós perdermos. Houve jogos que fizemos péssimos e acabamos por ganhar por causa do apoio do público. Não era fácil a alguém ganhar naquele pavilhão. Nós quando ganhámos esse campeonato na final do Playoff podíamos ter jogado já no pavilhão novo. Mas decidimos fechar ganhando ali o campeonato. Ninguém sabe isto. Mas lá dentro sabia-se que com um pouco de esforço podíamos ter jogado no novo, mas o Dr. Arala Chaves disse que íamos fechar em grande esse pavilhão e deixar de jogar lá sendo campeões». «Fiz questão que o base fosse sempre o Nuno Manarte» Escreve o livro Alma Vareira que a Ovarense preparou a época 2005/06 com um «Dream Team»87. Igual apelido foi dedicado pelo jornal A Bola na altura de analisar os reforços. Mas aquela que haveria de ser a temporada a dar início ao primeiro tri-campeonato da história da Ovarense, e o último “tri” da história da Liga Profissional de Basquetebol, era apenas uma amostra do melhor que estava para vir. 133 «No primeiro ano a equipa era boa e forte, mas sobretudo no segundo campeonato, em 2006/07, era mesmo o Dream Team, uma equipa com muita gente para todas as posições, chegámos a ter no 11.º e 12.º jogador atletas que podiam perfeitamente jogar de início em qualquer equipa da liga.Treinar era duríssimo nesse ano. Era um plantel profundo e com muita qualidade», recorda Nuno Manarte. O base que nunca conheceu outra camisola que não a da Ovarense, e com a qual se sagrou Campeão Nacional de Cadetes, em 1991/92, destacando-se como o melhor marcador e rei das assistências da equipa, foi um dos elementos decisivos na caminhada de êxitos que se iniciou em 2005/06 e que acabaria por representar o fim de vários ciclos. O do Pavilhão Raimundo Rodrigues e o da própria Liga Profissional. «Tive a sorte de numa viagem que fiz aos Estados Unidos ir buscar o Ben Reed. Depois reforçámos com grandes valores, como o Jarrett Stephens, o Ike Nwankwo, o Heshimu Evans. Mas fiz questão que o base fosse sempre o Nuno Manarte, um homem da casa e um dos bases mais vencedores da escola do basquetebol português», lembra Henrique Vieira. No campeonato dos orçamentos, escrevia o Público que a Ovarense apostava 525 mil euros, sendo o sexto mais elevado da competição88. «Entrei na Ovarense no ano anterior, no decorrer da época, e foi mais uma final perdida. Eram muito rigorosos nos orçamentos. O Dr. Arala Chaves não facilitava em relação a isso. E quando se falhava num americano dificilmente se trocava. Portanto, eu apanhei uma equipa já constituída. O orçamento da época seguinte era precisamente o mesmo. Não mudava nem uma vírgula», afirma Henrique Vieira. Foi o suficiente para uma 134 temporada em que na fase regular apenas se contabilizaram quatro derrotas. «E alguns jogos perdemos quase por opção, porque precisávamos de descansar jogadores», lembra. «O Ginásio faz aquela surpresa e tivemos de preparar tudo de novo» Quando no fim da fase regular o Casino Ginásio ocupava o sétimo posto da classificação, o penúltimo de acesso ao Playoff, poucos diriam que aquela equipa iria discutir o título de campeã nacional. Quando no Playoff o sorteio aponta no caminho da turma da Figueira da Foz as equipas do FC Porto e Benfica menos ainda se arriscaria a hipótese de êxito. Quando em ambos os encontros o Ginásio começa com uma desvantagem de 2-0 então o assunto estaria para muitos arrumado. Mas a verdade é que os figueirenses ultrapassaram tudo isto. E como escrevia o Público na sua edição de 14 de Maio 2006, na temporada 2005/06 a «Liga jogou-se ao Centro». «Estávamos a preparar o jogo com o Benfica, porque pensávamos que eles iam ganhar a negra em casa, mas o Ginásio faz aquela surpresa e tivemos de preparar tudo de novo. Eles tinham uma equipa com outro orçamento, mas com um 5, 6, 7 muito equilibrado, com bons jogadores», conta Henrique Vieira. E não surpreendia que a equipa técnica da Ovarense fizesse contas a outro adversário na final quando até os próprios responsáveis do emblema da Figueira da Foz não escondiam algum espanto. 135 Quando confrontado pelo Público sobre se esperava estar a jogar o encontro decisivo da temporada o presidente José Tomé admitia: «Sinceramente, ia mentir se dissesse que sim. Os nossos objectivos eram estar nos play-off, na Taça de Portugal e Taça da Liga. Mas, a partir de certa altura, a perder jogos por poucos pontos e com uma equipa bem arquitectada e sólida, passámos a discutir as partidas jogo a jogo e vamos continuar a fazê-lo»89. O Ginásio havia iniciado a época com um orçamento de 350 mil euros e com o destaque nos reforços a cair sobre Nick Neumann, Ian Boylan, Josimar Cardoso ou João Reveles, que se juntavam a Fred Gentry ou Jorge Sing. O mote era o de «suplantar tudo o que foi feito até ao momento». E quase que conseguiram. Só faltou mesmo fazer melhor do que em 1976/77 quando o título ficou em casa90. A Ovarense, que chegou à final do playoff depois de ultrapassar CAB e Queluz, começou a todo o gás a luta pelo título fazendo o 2-0 no Pavilhão Raimundo Rodrigues. Para o terceiro encontro o Pavilhão Galamba Marques «foi casa que o público vareiro ocupou em clima de festa durante mais de três horas», como descreveu o AlmaVareira. O triunfo por 75-79 representou o primeiro título da carreira de Henrique Vieira e uma festa que se transferiu para Ovar até altas horas, na sua casa de sempre. «Como é possível o basquetebol não estar bem com todo este ambiente?» 136 Na temporada seguinte a ambição da Ovarense mantinha-se, mas mudava o comando técnico. Saía Henrique Vieira e entrava Luís Magalhães. Os títulos começaram logo a abrir a época com a conquista da Supertaça frente ao FC Porto. No plantel surgiam agora nomes como o de Gregory Stempin ou Shawn Jackson, a juntar a Élvis Évora ou Miguel Miranda. Mas a estrela maior era um repetente. Ben Reed «o Mágico». O norte-americano acabou por justificar a alcunha. Foi um triplo seu que em Maio de 2007 no sétimo jogo da final frente ao FC Porto, modelo «à NBA» experimentado pela primeira vez, deu o segundo título consecutivo à equipa de Ovar e colocou o seu nome como o do primeiro norte-americano a ganhar mais de um campeonato consecutivo com a turma vareira. «Fiz os triplos. Estava afinado. Penso que a minha exibição foi positiva, mas devo destacar todos os meus colegas. Simplesmente brilhante», contou Ben Reed ao Diário de Notícias, autor de 29 pontos naquele jogo decisivo que foi apelidado por Luís Magalhães como «um hino ao basquetebol»91. A temporada de 2007/08 decorreu debaixo de desânimo e polémica. O fracasso do projecto da Liga Profissional ia sendo evidente e antes mesmo de arrancarem os Playoff já o fim do modelo competitivo era assumido. A presença do Benfica na Proliga dava notoriedade aquela prova, organizada pela Federação Portuguesa de Basquetebol, e o triunfo do Vitória de Guimarães na Taça de Portugal frente ao FC Porto, por 65-64, tornou a questão incontornável. Foi por isso num clima de despedida, e com uma guerra de 137 bastidores que chegou a envolver o FC Porto ameaçar jogar no campeonato espanhol, que a decisão do último jogo da Liga Profissional envolveu dois velhos conhecidos. Ovarense e FC Porto estavam novamente frente a frente e discutiam o título no Jogo 7 na Arena Dolce Vita, com 5 mil pessoas nas bancadas. No banco da Ovarense outra vez uma cara nova. Era Manuel Povea quem tinha agora a missão de conquistar o tri campeonato para os vareiros. No Playoff a Ovarense tinha deixado pelo caminho Barreirense e Ginásio, enquanto os azuis tinham afastado Belenenses e Vagos. A discussão do título decidiu-se outra vez ao sétimo jogo e a Ovarense venceu de forma esclarecedora: 70-49. No final da partida, entre os festejos com o público e os colegas, Nuno Manarte questionava, citado por A Bola: «Como é possível o basquetebol não estar bem com todo este ambiente?» «O último tri na nova arena, completamente cheia, são sensações arrepiantes. Indescritíveis. Recordo-me de mesmo num pavilhão com condições excepcionais como era aquele existirem pessoas sentadas em todo o lado, um entusiasmo brutal à volta da equipa. Muito calor. E foi um tri. São momentos que às vezes penso que não viverei outra vez», diz Nuno Manarte. 138 XI. Aquelas noites europeias A tour do “Palma´s Gang” Benfica 112-95 Partizan 5 de Outubro de 1996 Para qualquer pessoa que tenha seguido com o mínimo de atenção o basquetebol nacional das décadas de 80 e 90, o nome de Carlos Lisboa surge de forma consensual como o melhor jogador daquele período. E provavelmente para quase todos, na altura de perguntar um desafio que venha à memória, a resposta andará à volta «daquele jogo europeu dos 45 pontos». O “rei dos triplos”, cuja carreira não se pode dizer que justificava por si só um livro porque na verdade ele já existe, com o lançamento da biografia «Cheira Bem, Cheira a Lisboa», da autoria de João Tomaz, teve naquela noite no Pavilhão da Luz um dos seus momentos mais altos. A história começa a ser contada em Belgrado, com um detalhe pouco comum no basquetebol: um jogo terminar empatado. Mas foi isso que aconteceu na primeira mão da segunda eliminatória do Campeonato da Europa, quando o Benfica se deslocou aos Balcãs para defrontar o Partizan. Em causa estava a passagem à fase de grupos, que reunia a elite dos 16 melhores da Europa, e os encarnados saíam da difícil deslocação, presenciada ao vivo por sete mil espectadores, com uma igualdade no marcador a 64 pontos. Com Carlos Lisboa apagado, com apenas 5 pontos convertidos, valeu o jogo interior: Jean Jaques fez 20 pontos e Mikel Nahar 21 139 pontos. Na Luz a história foi outra. O Benfica começou a todo o gás e aos 5 minutos já vencia por 20-9. Mais ou menos por essa altura Jean Jacques comete a terceira falta e Mário Palma decide fazer o poste descansar o que mudou o rumo dos acontecimentos. O Partizan recupera e chega ao intervalo a vencer por 47-50. No regresso dos balneários os encarnados arregaçam as mangas e contam com um «Super Lisboa sem chumbo nos pés», como baptizou o jornal A Bola na sua crónica do jogo, para um triunfo por 112-95 com um registo de 10/15 em triplos pelo número sete dos encarnados. O último, em cima da buzina para o final do encontro, levou ao delírio o pavilhão, que cantava em uníssono «Cheira Bem, Cheira a Lisboa», e foi adjectivado por Carlos Barroca, nos comentários ao jogo na RTP2, como «o final perfeito para a partida». Essa marca representou um recorde na competição superando o anterior registo que pertencia a Drazen Petrovic, que em 1986 assinou 10/16. Com o triunfo os encarnados conseguiam, pelo terceiro ano consecutivo, marcar presença entre os 16 melhores da Europa. Feito que só tinha sido igualado por seis outros emblemas nessa prova. «Havia a classificação e depois dois grupos de oito. E chegámos lá três vezes seguidas. Se a equipa fosse mais jovem era possível termos estado mais tempo no topo. Era uma equipa muito experiente. Não era fácil classificar para a fase final da Liga dos Campeões daquela altura», lembra Mário Palma, treinador dos encarnados. «O feito dessa equipa é muito difícil de igualar. E o mérito tem de ser dado a essa geração de jogadores, 140 mais antiga, e aos treinadores Mário Palma e Mário Gomes que têm um dedo muito importante na perspectiva de por um lado acreditarem, por outro trabalharem para isso pois não é fácil meter uma equipa portuguesa a jogar contra os melhores e a ganhar», sublinha Sérgio Ramos, na altura um jovem que concretizou dois pontos nessa noite de feriado que encheu o Pavilhão da Luz e teve muitos milhares a assistir em casa pela transmissão da RTP2. 31 de Janeiro de 1996 Benfica 96-87 Panathinaikos Ao rever o Top 5 das melhores jogadas do Campeonato da Europa de Clubes da jornada de arranque de 1996 a classificada em número quatro salta à vista. Um contra ataque de Jean Jacques que termina com um afundanço na cara de Dominique Wilkins, estrela da NBA que conquistou por duas vezes o concurso de afundanços do All Star Game e que se notabilizou em particular pelas onze temporadas ao serviço dos Atlanta Hawks, numa carreira que lhe valeu um lugar no Naismith Memorial Hall of Fame. «Se o Jean Jacques jogasse hoje no nosso campeonato ou na ACB ou em Itália continuaria a dominar.Vi o Jean Jacques fazer coisas incríveis. Não apenas a marcar muitos pontos. Mas sim a dominar um jogo», sublinha Sérgio Ramos. O Benfica recebia em Almada o Panathinaikos e vencia por 96-87 num jogo especial por representar a despedida de jogos europeus de Carlos Lisboa, que foi referido por Mário Palma como 141 «um dos símbolos do Benfica». O número sete não desiludiu e assinou 32 pontos. O encontro teve a particularidade de representar um triunfo frente à equipa que iria acabar por sagrar-se campeã europeia. Algo que não era estranho aos encarnados. «Aconteceu com Panathinaikos, Juventut Badalona e Real Madrid. À equipa que ganhávamos ela era campeã a seguir», afirma Artur Cruz. «Até nos ríamos e era conversa de balneário que quando ganhámos ao Badalona eles foram campeões europeus, ganhámos ao Panathinaikos e eles foram campeões europeus, e lembro-me que houve um jogo que ganhámos e já dizíamos uns para os outros “olha, estes vão ser campeões europeus”, conta Sérgio Ramos. O desafio teve lugar em Almada, longe do “inferno da Luz”, um cenário que já se tinha verificado antes. Nessas temporadas, a nível europeu, por exigências da organização, o Benfica tinha de andar com a casa às costas. «As equipas começaram a perder na Luz e então começaram a fazer uma pressão muito grande para que nós não jogássemos ali. Por causa das condições da casa de banho ou balneários, ou coisa assim. E íamos fora jogar em pavilhões piores. Começámos a jogar em Almada e chegámos a jogar com o Real Madrid em Vagos. Perdemos por 4 ou 5 pontos», sublinha Mário Palma. O desafio com o Panathinaikos marcou uma vez mais a força dos encarnados que eram uma autêntica bandeira do país além-fronteiras nessa altura. Sensivelmente um mês antes, a 10 de Janeiro de 1996, já tinham derrotado o Pau Orthez, campeão francês, igualmente em Almada, por 99-90. Não eram por isso estranhas as palavras do técnico dos gregos a propósito do desafio com a equipa da Luz: «Tenho pena que uma equipa do valor do Benfica 142 esteja num campeonato tão pouco competitivo. Com os jogadores que tem precisa de estar integrado numa prova mais forte, com adversários de outro nível. Dessa forma teria todas as condições de se colocar num patamar superior no basquetebol europeu»92. 8 de Outubro de 1996 Real Madrid 59-60 Benfica Faltavam 44 segundos para o fim do encontro e o marcador apontava 59-58 favorável ao Real Madrid com posse de bola para os espanhóis. Uma falta atacante arrancada pelos encarnados resulta em posse de bola para o Benfica. Pedro Miguel conduz o ataque, o público assobia, uma penetração bem sucedida e dois pontos do base nacional. Faltavam cinco segundos. O Real Madrid repõe a bola, arrisca o triplo, e falha. O banco do Benfica entra em campo a festejar. É este o relato dos instantes finais da vitória dos encarnados em Madrid e que pode ser visualizado no You Tube num vídeo cuja legenda do autor do upload afirma ser «o maior feito por equipas do basquetebol nacional»93. O Benfica entrava na temporada 1996/97 a enfrentar novos desafios. Não só a hegemonia de títulos a nível nacional tinha sido quebrada com a conquista do campeonato pelo FC Porto como as saídas de Carlos Lisboa e Jean Jacques faziam o clube entrar num novo ciclo. Ainda assim Mário Palma começou a nova época com vitórias. Desde logo na Supertaça, que conquistou face ao rival da Invicta por 81-76, e depois na Taça da Europa, onde, após triunfar 143 sobre os israelitas do Hapoel Galil, por 78-64, o clube da Luz foi a Madrid mostrar que ainda estava para as curvas. «Em Madrid já não havia Lisboa nem Jean Jacques. O Flávio Nascimento lesionou-se nesse jogo e foi uma pena. Podíamos ter ido muito mais longe nessa temporada», explica Mário Palma. «O Mário Palma foi extraordinário do ponto de vista tático. Sabia preparar as equipas muito bem para a competição», recorda Sérgio Ramos. Na altura de colocar um ponto final na carreira, no verão de 1998, o base Pedro Miguel aponta o desafio de Madrid quando lhe foi perguntado qual a vitória europeia mais significativa do seu percurso. «Foi a vitória contra o Real, treinado pelo Obradovic, o melhor treinador europeu. Sem Carlos Lisboa, ninguém pensava que pudéssemos ganhar»94. O Benfica ultrapassa a fase de grupos com um bom registo, mas a aventura termina nos 16 avos de final. Um encontro controverso frente aos franceses do PSG Racing que começou com uma derrota na Luz, a 15 de Janeiro de 1997, por 63-81, e que quase virou sensação uma semana mais tarde, em França. A três minutos do final do encontro os encarnados venciam por 14 pontos e tinham as chances de seguir em frente em aberto, mas uma decisão do árbitro, a assinalar falta técnica a Gary Trost, ditou a sorte do jogo. O Benfica venceu, mas o resultado de 80-86 foi insuficiente. «Nós andávamos a ganhar na Europa com um orçamento de 1 milhão contra equipas que já tinham orçamentos de 20 milhões. O que nós fizemos foi extraordinário. A equipa era especial», diz Mário Palma. O novo ciclo da Luz, que na temporada 1996/97 foi acentuado com a saída de Mário Palma após a eliminação do Playoff 144 frente à Oliveirense, acabou não só por ditar um prolongado jejum na conquista de campeonatos como também o percurso europeu não voltou a conhecer noites como aquelas da década de 90. «O problema é que nós não tínhamos muito dinheiro.Tínhamos um orçamento baixíssimo. E depois a idade. O Lisboa deixou de jogar com 37 anos. Foram sete anos de domínio, mas chegou a uma altura em que era necessário renovar a equipa, mas naquela altura havia uma crise brutal. Começámos a ficar sem soluções. Era preciso ir buscar americanos com qualidade, mas não havia dinheiro. E os jogadores que chegaram eram jovens, como o Sérgio Ramos, que precisavam ainda de fazer as suas etapas», analisa Mário Palma. Do sonho de Araújo a Babo,“o electricista” FC Porto 95-65 Nobiles Wlcolawek 19 de Fevereiro de 1997 É referida no blogue Bibó Porto Carago como «a noite mais memorável do Rosa Mota»95. O triunfo frente à equipa polaca que encheu o mítico pavilhão da invicta até ao tecto representava a passagem dos dragões aos quartos de final da Taça da Europa e sublinhava um percurso absolutamente esmagador dos azuis e brancos na prova. Para trás tinha ficado uma passagem imaculada pelo Grupo D da competição onde a equipa treinada por Jorge Araújo registou 10 triunfos em 10 encontros. Entre tantas outras, contabilizaram-se vitórias em França, frente ao PSG, por 81-84 com Jared Miller a fazer 44 pontos, ou em Israel, a ultrapassar o Hapoel Jerusalém, por 87-91. 145 A tal «noite memorável» foi a segunda mão de um desafio que começou na Polónia com vantagem para o adversário. O FC Porto chegava ao Rosa Mota a necessitar de dar a volta à derrota por 91-81 registada no primeiro encontro. Fez isso e muito mais. Na contabilidade pessoal destacou-se uma vez mais Jared Miller, com 24 pontos, e o inevitável Paulo Pinto, que anotou 26 pontos. Nos quartos de final os dragões tinham pela frente os italianos do Verona. Uma derrota em Itália (96-78) dava o mote para a dificuldade da eliminatória que acabou confirmada no segundo encontro no Pavilhão Rosa Mota. Com seis mil adeptos presentes, e uma receita que a imprensa anunciou ter rendido 2 mil contos, o FC Porto foi derrotado por 60-72, a 11 de Março de 1997, ficando contudo com a presença na Euroliga em aberto para a época seguinte. O treinador Jorge Araújo apontava no final do encontro os horizontes mais além: «Mais importante do que falar em reforços para o ano, e eles terão de existir se entrarmos na Euroliga, é ponderar os apoios que vamos receber no futuro. Já se mostrou que aqui há trabalho sério. Conseguiu-se voltar a arrastar seis mil pessoas para ver basquetebol no Porto. Conseguiu-se novamente tornar o basquetebol algo de importante nesta cidade. Por isso é preciso pensar o que queremos». Benetton Treviso 76-67 FC Porto 25 de Setembro de 1997 O primeiro encontro do FC Porto na mais importante pro- 146 va de clubes daquele período, e que o levou à casa de uma das mais fortes formações do velho continente, começou a fazer correr tinta alguns meses antes das equipas entrarem em campo. Em Julho, o vice responsável pelo basquetebol dos dragões, Fernando Gomes, vinha a público lamentar a falta de apoios à aventura europeia do clube, num rol de críticas que começou na Câmara Municipal do Porto: «Não houve da parte da Câmara qualquer apoio, depois daquilo que fizemos pela cidade e pela forma como dignificámos o nome do FC Porto»96. Continuando na mesma linha, o alvo seguinte foi a Expo 98, evento que multiplicava estratégias de marketing em várias vertentes, sendo uma delas o apoio às equipas de futebol espanholas do Salamanca e Extremadura, tendo em conta o certame a inaugurar em Maio do ano seguinte: «Quando empresas portuguesas, ainda por cima públicas, patrocinam equipas de futebol espanholas tiram-nos alguns recursos». No jogo em Itália, no arranque da competição para os dragões, a derrota ficou em muito a dever-se à exibição decisiva de um “peso pesado” do basquetebol europeu: Zeljko Rebraca, que chegou a atingir a NBA, ao serviço de Detroit Pistons e Los Angeles Clippers. «Há dez anos tive um sonho. Estar um dia na Euroliga com uma equipa portuguesa que defrontasse os melhores clubes europeus e que tivesse condições para ser competitiva a esse nível. Com a presença do FC Porto nesta edição da Euroliga e com este resultado começo a concretizar esse sonho. Ficámos todos conscientes que se tivéssemos um jogador interior que pudesse competir em igualdade com o Rebraca poderíamos ter ganho», 147 afirmava Jorge Araújo no fim da partida97. O FC Porto não iria conseguir alcançar qualquer triunfo na competição e despedia-se com uma derrota na Turquia, frente ao Efes Pilsen, por 80-71, culminando a 16.ª derrota entre outros tantos encontros. «No meu caso pessoal, o sonho e a visão era colocar o FC Porto a um nível médio europeu. Só que há ali um determinado momento em que se assume claramente que não há condições. Não há dinheiro para se partir para isso. E começa aí a minha desmobilização porque esse era o passo seguinte. Do projecto todo do FC Porto faltou-me que houvesse resultados a um nível médio europeu», afirma Jorge Araújo. FC Porto 81-78 Darussafaka Istambul 8 de Fevereiro de 2000 Será uma das maiores recuperações da história do basquetebol nacional a nível de provas europeias. No Pavilhão Rosa Mota, ao intervalo, o FC Porto perdia por 34-56. Com a desvantagem de 22 pontos estava em risco a passagem aos quartos de final da Taça Saporta e a ideia de os dragões “ficarem por terra” começava a instalar-se entre os portistas. No entanto, uma segunda parte de altíssimo nível haveria de deixar outra história para contar. O FC Porto fez um parcial de 47-22, vencendo por 81-78, com Jose Pedrera a registar um total de 27 pontos marcados, sendo eleito MVP. O treinador Alberto Babo confessava no final do encontro que aquela era uma vitória «para ficar na memória do clube» ao mesmo tempo que destacava o público como «sexto jogador». Na 148 segunda mão, na Turquia, os azuis e brancos voltaram a apresentar-se em bom nível e ao vencerem por 49-54 garantiam a passagem aos quartos de final. Nessa fase da prova o FC Porto ficava pelo caminho às mãos dos lituanos do Lietuvos Vilnius, após uma derrota por 93-73 no primeiro encontro e uma vitória insuficiente por 87-77 na segunda partida. «Eu fiz uma pergunta a uma agente russa sobre se eu conseguia contratar algum daqueles jogadores do adversário. E ela disse-me tens 5 mil contos? Então se os nossos eram 300 ou 500 contos…», lembra Alberto Babo. Aris Salónica 66-81 FC Porto 8 de Novembro de 2000 Era a primeira vez que uma equipa portuguesa vencia na Grécia. Com o resultado os comandados por Alberto Babo mantinham a liderança do Grupo B da Taça Saporta depois de já terem conseguido outro feito digno de nota ao triunfarem na Turquia, sobre o Besiktas, por 57-74. Na Grécia defrontaram uma poderosa equipa que contava, entre outros, com o norte-americano Anthony Bowie, que representou os Orlando Magic durante cinco temporadas, e o extremo Nikos Papanikolopoulos. O FC Porto terminou o seu grupo na segunda posição, atrás do líder Uniks Kazan, tendo caído nos oitavos de final, frente ao Elan Chalon. Para a história dessas campanhas europeias dos dragões fica o segredo dos métodos de observação do treinador Alberto Babo. «Jogávamos com essas equipas muito na base do desconhecimento. Se fossemos jogar primeiro lá não sabíamos nada. Não havia You Tube. E para arranjar um vídeo da 149 equipa tinha de se pagar. Mas cá eu tinha a felicidade de arranjar uma forma de me esconder e vê-los a treinar. No Porto estava na luz, no topo do Pavilhão, disfarçado de electricista», conta. A PT e a «proeza para a história» Portugal Telecom 82-75 Gran Canária 25 de Outubro de 2000 Quando a comitiva da Portugal Telecom aterrou em Espanha para defrontar o Gran Canária, em encontro a contar para a segunda ronda da Taça Korac, depois de antes terem deixado pelo caminho os suíços do Vevey Riviera, o extremo Flávio Nascimento era porta-voz da ambição: «Viemos para ganhar»98. O jogo em terras de “nuestros hermanos” acabou por não correr como desejado, com uma derrota por 72-66, com o português Paulo Pinto no cinco inicial dos espanhóis, mas uma semana mais tarde, em Almada, o mundo do Basquetebol podia testemunhar que Flávio não estava enganado no que tinha afirmado. A vitória por 82-75 confirmava o afastamento do Gran Canária numa «proeza para a história», como lhe chamou A Bola99. «Estando no campo a diferença era muito mais da estrutura, do ambiente e da cultura desportiva do que realmente do basquetebol. Não vou dizer que aquela equipa da PT jogava de igual para igual com o topo da Liga ACB. Mas o Gran Canária também não era o topo da ACB. E aquele nível era o nosso nível. Podíamos ganhar ou perder. Estávamos ao mesmo nível», recorda Paulo Simão. 150 O treinador Luís Magalhães deu a volta à eliminatória contando com um factor extra de dificuldade: o poste Jean Jacques atingiu as quatro faltas logo no primeiro período. Acabou por ser Marcus Norris a puxar dos galões. Assinou 29 pontos. «Fomos bem sucedidos tendo escrito uma página para a história do basquetebol português», afirmava o técnico no fim do encontro, havendo ainda lugar para um elogio em particular: «Devo destacar o Artur Cruz que não se intimidou perante o Paulo Pinto». A Portugal Telecom calhou em sorte no Grupo G onde a esperavam os franceses do Dijon, os belgas do Bree e os espanhóis do Cáceres. Acabaram a ser estes a impedir o sonho da equipa das telecomunicações. Após ter brilhado com vitórias frente ao Dijon por 81-76, em Almada, ou frente ao Bree, por 92-82, os comandados por Luís Magalhães acabaram derrotados em Espanha, por 9669, depois de já terem perdido em território nacional, por 70-73. Os dois desaires, somando a uma derrota em França, deixaram a equipa portuguesa na terceira posição, a um ponto do apuramento para a elite de 16. Ovarense entre a elite Real Madrid 116-94 Ovarense 20 de Dezembro de 2000 Chegava ao fim o primeiro período e a Ovarense vencia em Madrid por 23-30. Os minutos avançavam e ao intervalo os portugueses continuavam em vantagem: 46-55. O que parecia um jogo 151 que tinha tudo para ser histórico acaba por o ser, mas por motivos diferentes dos da ambição nacional. Vindo do balneário surge um Real Madrid mudado e um jogador que não voltou a ter mão tão quente como naqueles dois últimos períodos do encontro. «Não guardo na memória como um dos jogos para mais tarde recordar, ou como uma das minhas exibições mais importantes… porém é certo que não voltei a marcar sete triplos num jogo oficial como naquela noite». As palavras são de Raúl Lopez, base conhecido como «El Mago de Vic», ao site Solobasket100. O jogador que tinha chegado a Madrid esse verão, depois de já ter brilhado no Mundial de Juniores de 1999, iniciava uma carreira que o iria levar mais tarde à NBA, ao vestir a camisola dos Utah Jazz. Naquele jogo fez 23 pontos, quatro ressaltos e três roubos de bola. Era a oitava jornada da primeira edição da Euroliga. A mais revolucionária e importante competição europeia a nível de clubes falava português na sua fundação. A Ovarense saiu derrotada do Pavilhão Raimundo Saporta, por 116-94, mas vendeu cara a derrota. Entre os mais inconformados estiveram Joffre Leal, com 17 pontos marcados, e Kris Hill, com 23 pontos e 14 ressaltos. Pelo meio o base português Nuno Manarte, que esteve em campo 26 minutos, contabilizou cinco pontos, quatro ressaltos e três roubos de bola. Tem na memória o jogo de Madrid, mas há outras recordações a interferir numa prova onde os vareiros chegaram ao fim sem qualquer triunfo. «Lembro-me de chegarmos ao intervalo e estarmos a ganhar em Madrid, mas também me lembro de levarmos 50 pontos contra o Olimpiakos, fomos completamente atropelados, eles não abrandavam nem por nada», afirma. 152 Baptizada por Eduardo Portela, fundador da ACB e na altura presidente da ULEB (União das Ligas Europeias de Basquetebol), como «a Liga da Liberdade», por dar aos clubes controlo na gestão dos valores publicitários e televisivos angariados, a prova tinha sido assumida nesse ano, quando 17 emblemas decidiram abandonar a FIBA e criar uma competição independente. Como apesar de a denominação Euroliga ter vindo a ser usada por aquele organismo desde 1996 o seu registo nunca ter sido efectuado, a recém-criada Euroleague, organizada pela ULEB, apropriou-se do nome sem que do ponto de vista legal nada pudesse ser feito para o impedir. A campeã nacional Ovarense esteve entre os 24 clubes fundadores da prova permanecendo até hoje como o único clube português a participar na mais importante competição europeia de clubes. Para fazer face às exigências financeiras, desde logo a garantia bancária de 50 mil contos para a inscrição, foi determinante o papel da Aerosoles. A empresa integrou no seu organismo a equipa profissional de basquetebol da Ovarense, sendo esta um departamento da mesma. O livro AlmaVareira refere esse papel da empresa, classificando-o como «um investimento tremendo», numa época onde o exigente número de jogos acabou por ter consequências internas. «Numa das mais desgastantes temporadas de sempre, bateu-se o recorde de jogadores inscritos numa época: 21»101. Para a história dessa inédita participação ficam os bons registos, como o conseguido na última jornada, no Pavilhão das Travessas, em São João da Madeira, casa que a Ovarense utilizou nesta campanha europeia, frente ao Benetton Treviso. Os vareiros ven153 ceram o primeiro período (20-17) e foram para o intervalo com o encontro em aberto (42-46). Os dois últimos períodos acabaram, no entanto, por ser determinantes para o triunfo final dos italianos, por 76-86, destacando-se Jorge Garbajosa, autor de 15 pontos nessa partida, que iria atingir mais tarde a NBA, onde representou os Toronto Raptors. «Na realidade do basquetebol actual se eu contar que andei por esses palcos e joguei a esse nível pouca gente acredita. Hoje olha-se para a Euroliga como algo impossível de alcançar. Foi uma experiência brutal a vários níveis. Quer a nível de jogo, intensidade, experiência no contacto com uma realidade superior», explica Nuno Manarte. A Ovarense voltou a empolgar o seu público quando recebeu o Olimpija Ljubljana, com 2100 espectadores nas bancadas, segundos números da competição, vencendo o primeiro período por 21-19. Ao intervalo a diferença de 43-48 deixava esperanças em aberto. Mas uma vez mais a diferença de valores pesou na recta final do encontro que acabou com o triunfo dos campeões eslovenos por 70-92. O treinador Jorge Araújo via um filme já repetido no que respeita à sua ambição europeia, depois da falta de apoios na aventura do FC Porto. «Eu paro um ano e depois vou para a Ovarense. Entro para recuperar para serem campeões, mas entro também dizendo – inclusive com o compromisso da Aerosoles – que aspirava a ter um projecto europeu médio. E a construção da primeira equipa da Ovarense vem nesse sentido. O problema é que somos campeões e como tal tratava-se agora de ir para a Europa com uma equipa que pudesse competir a um nível médio e mais uma 154 vez não foi possível», lamenta. A um triplo de conquistar o Oeste Dijon 126-115 Queluz 3 de Março de 2004 A FIBA Cup 2003/04 foi provavelmente a edição mais portuguesa de todas as competições europeias. E a final da Conferência Oeste, disputada em Toulon e onde o Queluz só caiu no prolongamento, deixa para trás uma história com forte representação lusa. A prova estava dividida em quatro conferências e o Oeste juntava, entre Grupo A e B, as equipas do Queluz, Oliveirense, Ovarense e CAB. O emblema da linha de Sintra liderou o Grupo A, que juntava além da equipa de Oliveira de Azeméis também os franceses do Dijon e do Vichy, com um saldo de quatro vitórias em seis encontros, ao passo que os vareiros foram reis do Grupo B com igual registo. A Ovarense, além da formação madeirense, contava igualmente com os islandeses do Keflavik e os gauleses do Toulon. Com Oliveirense e CAB a ocuparem as últimas posições dos respectivos grupos ditou o Playoff que o acesso à meia final de conferência fosse entre equipas nacionais. Assim, o Queluz ultrapassou os madeirenses com dois triunfos, ao passo que a Ovarense triunfou sobre a Oliveirense igualmente por duas vezes. Nas meias vareiros e sintrenses disputaram uma partida repleta de emoção. A vitória por 77-76, com 27 pontos de Charles Mandic, atirou o Queluz para a final de conferência e com portas abertas para a Final Four da competição. 155 No outro lado, o Dijon tinha ultrapassado o Toulon nas meias e o frente a frente com os sintrenses até parecia prometedor. Na fase de grupos, na 4.ª jornada, a 2 de Dezembro de 2003, o Queluz tinha vencido de forma esclarecedora em terras francesas. Um triunfo por 60-79 com João Santos a assinar 16 pontos. A 4 de Março de 2004 a partida que fica para a história do Queluz teve emoção a rodos para contar. No fim do 1.º período o resultado apontava uma desvantagem de 21 pontos. A equipa reorganizou-se e a nove segundos do fim do tempo regulamentar vencia por 98-99. O Dijon empata. O jogo cai para prolongamento onde com Leroy Watkins, Charles Mandic e Armando Costa desclassificados com cinco faltas os franceses levaram a melhor. Mas o prolongamento até podia nem ter sido necessário, como explica o treinador Alberto Babo: «Em França só perdemos no prolongamento por culpa de um jogador. Nós tínhamos um ucraniano que era o Radchenko que estava com o rabo virado para a lua. Metia tudo. Já levava 30 e tal pontos. O jogo estava empatado, nós pedimos um minuto, e explicámos a jogada. Que era bola no Radchenko e das duas uma: ou ele marca ou vai sofrer falta. Ele estava imparável. A oito segundos do fim. Nesse ano não podíamos jogar com o Francisco porque era guineense. O base era o Armando Costa e o Filipe Gomes era o terceiro base, mas pela ausência do Francisco e como o Armando tinha saído com cinco faltas estava ele a jogar. A bola entra nele e ele começa a driblar na zona central e eu a gritar passa a bola ao Radchenko. Ele decide lançar um triplo a não sei quantos metros de distância e a bola nem chega ao cesto. Quis ser herói, mas os herois morrem todos na praia. Fiquei furioso». 156 No jogo de terceiro e quarto lugares a Ovarense defrontou o Toulon que levou a melhor por 80-74. Queluz 81-80 Pamesa Valência 18 de Janeiro de 2005 Foi o último jogo do Queluz na ULEB Cup e logo contra a poderosa formação espanhola que tinha conquistado a competição duas temporadas antes. Nada que intimidasse os sintrenses que no Pavilhão Henrique Miranda, numa fria noite de Janeiro, viram Carlos Andrade dar espectáculo e assinar um duplo-duplo, com 26 pontos e 10 ressaltos. «Sabíamos que com o nosso orçamento comparado com as outras equipas era difícil. Mas pensámos “vamos, vai ser giro, vamos ter oportunidade de mostrar o nosso nome”. Lá em Valência perdemos por 26. Cá ganhámos por dois. Eles tinham o Rakocevic, o Oberto, tudo jogadores acima de um milhão e meio. Aquilo era o dobro ou o triplo do nosso orçamento. Nós, na altura, se calhar nem demos tanto valor ao feito. Ficámos contentes por termos ganho a uma equipa da ACB. Eles já tinham sido apurados na altura do jogo, então talvez tenham menosprezado um pouco, viajaram no próprio dia. O feedback que eles nos deram no fim a cumprimentarem foi brutal», recorda Carlos Andrade. Foi o quarto triunfo em 10 encontros. Atrás havia ficado o registo de duas vitórias frente à Ovarense, que partilhava o Grupo E da prova, e sobre o Hapoel Jerusalém, equipa com quem perderam na segunda jornada, em Israel, por 78-51. A “vingança” ia 157 surgir na ronda sete da prova, a 22 de Dezembro de 2004, com 1200 espectadores nas bancadas do Henrique Miranda. A vitória por 100-81 teve o contributo, entre outros, da dupla Francisco Rodrigues e Armando Costa, ambos com 16 pontos, e do poderoso David Vik, autor de 26 pontos. O saldo final ditou o 5.º lugar da classificação que foi liderada pelo Valência, seguido dos italianos do Varese. A estratégia de observação do adversário, que Alberto Babo já tinha experimentado no Porto, voltou a ser posta em prática em Queluz. «No Porto estava na luz. No Queluz estava no balneário da ginástica que dava para o pavilhão. Apagava a luz e ninguém me via ali. Não era com os pormenores de agora, mas naquela altura era esse o scouting individual», conta. A “Armada Lusitana” na Europa Os Belenenses 100-64 BC Boncourt 30 de Novembro de 2004 Quando o Belenenses recebeu no Restelo os suíços do BC Boncourt fazia contas ao confronto directo com esse adversário somando uma derrota por seis pontos de diferença ocorrida no primeiro encontro, que teve lugar três semanas antes. Uma vitória mantinha as esperanças de passagem aos Playoffs de conferência em aberto, enquanto uma derrota atirava as aspirações por terra. O jogo do Restelo representou uma fantástica resposta com um 158 inquestionável triunfo por 100-64 a uma jornada do fim. Estiveram com “mão quente” Paulo Simão, autor de 20 pontos, e Reggie Moore, que contabilizou 34 pontos. Os azuis somavam a sua segunda vitória na FIBA Cup, depois de se terem estreado com um triunfo, logo na jornada inaugural, frente aos checos do ZS Brno, por 80-78. A participação do Belenenses nas competições europeias em 2004/05 foi particularmente marcante pelo número de atletas nacionais a constituir o plantel, numa altura em que existia forte contingente de jogadores estrangeiros em Portugal. Os norte-americanos Richard Anderson e Reggie Moore eram os únicos estrangeiros entre os 11 inscritos para competir na prova. O “sonho” dos Playoff caiu por terra na última jornada, na deslocação à Hungria, para defrontar o Albacomp. A equipa lisboeta perdeu por 86-77, apesar dos 22 pontos do inconformado Paulo Simão, e ficou a um ponto da segunda posição, que lhe permitiria seguir em frente. Deixem passar o bailinho da Madeira CAB 105-90 KeflaviK SC 15 de Dezembro de 2005 Escrevia o Record a 16 de Dezembro 2005 que o CAB «entrou para a história do basquetebol português» depois do triunfo sobre os islandeses do Keflavik, por 105-90, que significava o apuramento para os quartos de final da EuroCup Challenge. A competição, anteriormente conhecida por FIBA Cup, tinha iniciado com a equi- 159 pa madeirense inserida no Grupo D, com os holandeses do Tulip Den Bosch e os dinamarqueses do Skovbakken. O CAB alcançou os oitavos de final como vencedor do grupo, contabilizando três vitórias e uma derrota, e começou da melhor maneira ao triunfar na Islândia por esclarecedores 108-87. Depois de somar novo êxito, desta feita na Madeira, o sorteio ditava uma viagem à Grécia para os quartos de final. Frente ao Olympia Larissa, que contava nas suas fileiras com Larry Stewart, norte-americano que já tinha alinhado na NBA, pelos Washington Bullets e Seattle Supersonics, o CAB perdeu por 90-64 e precisava no segundo encontro de um triunfo por uma diferença superior a 26 pontos. A passagem às meias-finais esteve perto de ser sentida pelos madeirenses, mas o triunfo por 95-77, na segunda partida em território insular, não foi suficiente. «Só o Larry Stewart custa tanto, em salários líquidos, como todo o plantel do CAB. Contaram-nos que aufere cerca de 300.000 dólares (248.250 euros) anuais», contava ao Record o dirigente Ricardo Alexandre.102 160 XII. Portugueses pelo mundo: a «surpresa» que virou certeza A chegada da Lei Bosman ao basquetebol marcou uma viragem no percurso dos atletas nacionais abrindo horizontes que até então eram apenas uma miragem. Não é por acaso que Carlos Lisboa, no momento de colocar um ponto final na carreira, em declarações na reportagem da RTP 2 Na Primeira Pessoa, lançou um «a lei chegou no ano em que eu deixei, se tivesse chegado antes com certeza que aspirava jogar em Espanha ou em França», quando abordou o novo estatuto de comunitários conquistado pelos atletas nacionais em 1996/97, precisamente o ano do fim da linha para o “rei dos triplos”. Na verdade, os primeiros relatos da presença de atletas nacionais além fronteiras chega dos Estados Unidos. Hélder Seabra, Seco Camará, Ticha Penicheiro, Mery Andrade ou João Paulo Coelho foram os primeiros a conquistar minutos no basquetebol universitário norte-americano. Mas no que respeita a contratos profissionais, reza a história de que o primeiro a merecer essa distinção foi Pedro Nuno, em 1997, ao assinar pelos belgas do Okapi, facto que justificou o título «O craque que abriu as portas da Europa» ao artigo que lhe dedicou o jornalista Norberto Vasconcelos Sousa, no Jornal de Notícias103. Não estava, contudo, sozinho quando ingressou no basquetebol belga. Na mesma temporada o poste José Silvestre, que ali161 nhava na Oliveirense depois de ter integrado o plantel do Benfica da primeira metade da década de 90, assinava pelo Union Huy. Mas o mais bem sucedido emigrante dessa altura foi Carlos Seixas que ingressou na primeira divisão alemã ao serviço do Rhondorf, equipa que disputava ainda a Taça da Europa. Em Janeiro de 1998 o português era notícia por brilhar na Bundesliga com 29 pontos marcados no triunfo sobre o Alba de Berlin, por 97-95, e acabaria por concluir a temporada com uma média de 15 pontos por jogo e presenças constantes no cinco inicial. No balanço feito ao Record mostrava-se orgulhoso da época realizada: «Na Alemanha se recrutarem um português já não vão olhar desconfiados. Comigo apanharam uma grande surpresa», disse104. E com o virar do milénio aquilo que começou por ser uma surpresa transformou-se num olhar cada vez mais curioso em relação ao que Portugal produzia no que ao basquetebol diz respeito. Sobretudo em Espanha. Apesar das boas prestações de Sérgio Ramos na liga italiana, foi o país de “nuestros hermanos” a ser o destino cada vez mais recorrente para os jogadores nacionais. Como recorda Paulo Simão, o valor do atleta português acabou por ser alvo de cobiça e olhado como solução para as equipas aqui do lado «Lembro-me perfeitamente de jogar um torneio pela selecção contra umas equipas da LEB e nós demos-lhes uma tareia. À noite no hotel tínhamos os directores dessas equipas a oferecerem-nos propostas para jogarmos lá». No mesmo sentido alinha Artur Cruz. O poste recorda o assédio de Espanha, mas confessa que no seu caso, feitas as contas, 162 não valia a pena a mudança. «Cheguei a ter um convite de Espanha, de uma equipa das divisões secundárias, mas era curioso que em termos financeiros ofereciam-me praticamente o mesmo que ganhava cá na PT da Liga», diz. Um dos que pode gabar-se de ter marcado presença na Liga ACB foi Nuno Marçal, que chegou ao Fuenlabrada em 1999/00. A experiência acabou por durar apenas seis meses mas a consciência do atleta «está tranquila» por não ter sido por factores directamente relacionados consigo ou o seu valor, como explicou ao Porto Canal, no programa Entrevista de Carreira: «Foi um jogo de boxe, chamemos-lhe assim, entre o treinador e o general manager. Porque a contratação foi feita só pelo general manager, não tinha passado pelo treinador, e nesse jogo de boxe eu era o saco», disse. Contudo fica para a memória o trabalho na melhor liga europeia daquela altura, destacando-se um colega em particular. «Trabalhei com um dos melhores jogadores de sempre, que foi o Perasovic, que tinha sido nas duas épocas anteriores o melhor marcador da ACB»105. O portista acabaria por regressar anos mais tarde a Espanha. Em 2004/05 jogou no Murcia e na temporada seguinte no Huelva, ambos da LEB Oro. Aqui a história foi outra. Nuno Marçal destacou-se ao ponto de conquistar o coração dos adeptos e ter até uma claque dedicada a si: «Super Nuno» era o nome e a ligação de proximidade com os membros fez com que ainda hoje mantenham contacto, como explicou ao blogue Ágora Digital, do ISMAI106. Mas se a honra de pisar os palcos da Liga ACB pertenceu apenas a Nuno Marçal (Fuenlabrada), Paulo Pinto (Gran Canária), 163 João Santos (Valladoid), José Almeida (Valladoid), Sérgio Ramos (Lleida) Carlos Andrade (Bruesa) e João «Betinho» Gomes (Morabanc Andorra) o certo é que foram às dezenas os atletas nacionais que passaram pelo basquetebol espanhol a partir do virar do milénio. O contingente lusitano acabou por ser uma presença cada vez mais assídua sobretudo nas divisões inferiores. Entre outros, estes foram alguns dos jogadores que passaram pelos campeonatos de Espanha fora da órbita ACB naquele período: Lui Pitra (Redcom Porrino), Pedro Lourenço (Doncel La Serena, CB Valls, Palencia), Élvis Évora (Tenerife), Miguel Salvador (CAB Cartagena), Miguel Minhava (Cornella), Jaime Silva (Cornella e Gestibérica Vigo), Nuno Marçal (Murcia e Huelva), Mário Fernandes (Plasencia e Balneario Archena), Filipe da Silva (Los Barrios), Jorge Coelho (Palencia), Hugo Pedrosa (Badajoz), Luís Machado (Ourense), Carlos Dias (Qalat Sevilla e Mérida), Cláudio Fonseca (Pamesa B), Fábio Cruz (Pamesa B). João Paulo Coelho: March Madness? Been there, done that «Eu falo seja com quem for e ninguém conhece o João Paulo Coelho» «Há um jogador que pouca gente fala e pouca gente se lembra que foi um dos mais bem sucedidos universitários nos Estados Unidos. Jogou no TeamWorld contra o All America, juntamente com o Dirk Nowitzki, que é o 164 João Paulo Coelho. Por exemplo aqui se vê as diferenças do passar dos anos, as redes sociais, toda essa evolução. Aquela nomeação que o Neemias Queta agora teve o João Paulo Coelho ia sempre. Era sempre presença na March Madness. Eu falo seja com quem for e nunca ninguém conhece o João Paulo Coelho». A frase foi dita por Paulo Cunha de forma informal na conversa onde foi recolhido o seu testemunho para este livro. E a escuta ficou mais atenta. Seguiu-se a pesquisa no Google. Um vídeo no You Tube de uma transmissão da ESPN chama a atenção: Nike Hoop Summit 1998, Alamo Stadium Arena, San Antonio, Texas107. O cinco inicial da Team World merece um olhar ainda mais aberto. No cinco escolhido pelo técnico italiano Sandro Gamba estão Dirk Nowitkzi, Souleymane Camara, Daniel Gadzuric, Mathew Neilsen e…João Paulo Coelho. Mais tarde no decorrer do encontro salta do banco o argentino Luís Scola. Não havia dúvidas: ali estava uma história que merecia ser contada. «O meu pai foi presidente do Ginásio Figueirense durante algum tempo, sempre muito envolvido na história do clube e no basquetebol. Mesmo quando não foi presidente estava envolvido de alguma forma. Resultado: eu estava sempre no pavilhão e comecei a jogar logo no minibasquete», começa por contar João Paulo Coelho, natural da Marinha Grande, mas desde jovem idade a viver na Figueira da Foz, actualmente radicado nos Estados Unidos, em Pittsburg. O jogador foi evoluindo no histórico emblema da zona centro e as presenças nas selecções, distritais e nacionais, acabaram por ser cada vez mais regulares. «Tive um treinador que foi o Samuel 165 de Carvalho que quando eu era mais novo começou a puxar-me para equipas do escalão acima. E depois comecei a jogar nas selecções distritais, por Coimbra, e mais tarde pela selecção nacional. O treinador era o Artur Lima», explica. O contacto com outros atletas nacionais, num tempo onde o acesso a informação era escasso, ajudou a perceber que estaria entre os melhores. «Foi aí que comecei a ter mais a noção do meu nível. Porque morando na Figueira não era fácil. Hoje em dia com a internet é tudo fácil, saber quem joga, quem não joga, se é bom, se é mau, mas naquela altura não havia maneira de se saber em que patamar estávamos», lembra. João Paulo Coelho viveu uma experiência repleta de emoções nos Estados Unidos, marcando presença, entre outros, no Hoop Summit 1998 e na March Madness, ao serviço dos Miami Hurricanes (Créditos: JC Ridley/Caneshooter) 166 «Se não estou em erro fui o terceiro melhor marcador do Europeu» A organização do Europeu de Cadetes 1995 é ganha por Portugal, numa iniciativa que decorreu em várias cidades da margem sul do Tejo, e essa geração de jogadores tem a oportunidade de disputar algo até aí inédito. Entre os escolhidos estava João Paulo Coelho. «Essa selecção teve a oportunidade, que era uma coisa que ninguém antes tinha tido, de jogar uma fase final. E os jogos nesse Europeu correramme bastante bem. Se não estou em erro acho que até fui o terceiro melhor marcador da prova. E a partir daí comecei a ir para os Campus da Nike», conta. Não está em erro, não senhor. No Europeu a selecção nacional teve um percurso assinalável, classificando-se entre as nove melhores equipas. No balanço, escreve o jornal A Bola que Portugal «contou com um grande capitão, João Paulo Coelho, terceiro melhor marcador com 134 pontos, média de 19.1 pontos por encontro»108. Mereceu ainda destaque Ricardo Nobre, distinguido como o MVP português. A confirmar está a ficha do triunfo sobre a República Checa que permitiu assegurar o nono posto da classificação. Na vitória por 88-74 João Paulo Coelho assinou 32 pontos. O colega Ricardo Nobre ficou logo a seguir, com 20 pontos concretizados. A presença nos Campus da Nike permitiu-lhe cruzar-se com alguns jovens que iriam mais tarde conquistar o seu espaço no basquetebol mundial. O espanhol Juan Carlos Navarro e o chinês Yao Ming, por exemplo, estiveram consigo em Paris. O “radar” dos 167 scouts estava a trabalhar de forma atenta. «Convidaram-me para dois Campus nos Estados Unidos, porque naquele campo na Europa estavam treinadores universitários envolvidos com a Nike para facilitar nos treinos e outros aspectos. Então fui ao Nike All American Camp, em Indianapolis, joguei outro torneio que é o Pitch Jam, em Atlanta, e depois a partir daí é que fizeram a selecção para aquele do Hoop Summit», recorda. Regressando ao vídeo do You Tube do encontro do Texas, nota-se um João Paulo Coelho algo nervoso nos instantes iniciais a assegurar a condução do jogo da sua equipa. A timidez haveria, contudo, de desaparecer e ainda no primeiro tempo há um “costa-a-costa” que arrancou aplausos. A explicação acaba por ser simples: «Com a minha altura nos Estados Unidos, cerca de 1,86m, tive de jogar a base e eu nunca tinha tido essa experiência», refere, apontando a difícil tarefa que teve em travar o lado contrário: «Se não me engano, o base que jogou contra mim na equipa dos Estados Unidos acabou por fazer carreira não só em basquetebol como também em futebol americano». E não foi o único a construir carreira. A “estrela” da equipa norte-americana era All Harrington, que assinou nesse dia um recorde da prova com 26 pontos, algo até aí inédito na equipa norte-americana. O feito acabou, contudo, por ficar na sombra do alemão Dirk Nowitzki, que registou 33 pontos e 14 ressaltos. O percurso de All Harrington passou por 16 temporadas na NBA onde representou, entre outros, Indiana Pacers, Golden State Warriors ou New York Knicks. Outro dos nomes que João Paulo Coelho encontrou pela frente naquele dia foi o de Rashard 168 Lewis, campeão pelos Miami Heat em 2013 e duas vezes All-Star. Já Dirk Nowitzki dispensa apresentações. Foi o primeiro europeu distinguido como MVP da mais importante liga de clubes norte-americana nas suas épocas de estrondoso sucesso com a camisola dos Dallas Mavericks. «A March Madness é incrível» A seguir a esta experiência surgiu o dilema sobre o regresso a Portugal ou a aventura de prosseguir os estudos nos Estados Unidos conciliando com o basquetebol. As abordagens de Universidades foram surgindo. Como explica João Paulo Coelho «por vezes nem eram convites propriamente ditos, era mais para uma pessoa ter ideia de quais eram as universidades, as condições». O facto de a família ter relações de amizade com familiares de Ticha Penicheiro, que nesta altura já estava a gozar de pleno sucesso nos Estados Unidos, ajudou na decisão. A antena parabólica que havia lá por casa e que permitia gravar os jogos da NCAA também foi importante para alimentar o sonho. A vida ia prosseguir na Universidade de Miami, algo que naquele tempo não era tão fácil como parece aos olhos da actualidade. «Na altura em que tomei a decisão de vir para cá não havia computador com internet em casa. Nem havia Google. Não se podia escrever Universidade de Miami e aparecem fotografias. Tinha de ser feita uma decisão às escuras. E mesmo para os pais basicamente era dizer “olha vai, mas nós não sabemos bem para onde tu vais”. Não era uma decisão fácil pois 169 não sabíamos bem ao que vínhamos. O que sabia era dos treinadores que tinha conhecido nos Campus da Nike», lembra. A escolha por Miami foi consequência de um compromisso «mais ou menos verbal» que tinha sido estabelecido na altura do Hoop Summit. Foram quatro temporadas e três presenças na fase mais importante do basquetebol universitário. «Jogámos três edições da Divisão 1 da March Madness. A equipa só jogou a Divisão 2 no ano em que estive lesionado. A March Madness é incrível. O primeiro jogo foi em Boston e jogámos no Pavilhão dos Boston Celtics. Eles fazem a série de quatro jogos à tarde e quatro jogos à noite e vendem o bilhete completo. Ou seja, aquilo está sempre tudo cheio», explica. O terceiro ano, na temporada 2000/01, foi de má memória com a rutura dos ligamentos cruzados que o deixou fora de competição, mas a época anterior ainda permanece viva no pensamento. «Foi um ano em que fomos avançando e só perdemos nos últimos 16, chamada a fase do sweet sixteen. Estávamos na mesma zona de North Carolina», diz. «Cada vez que corria ficava com o joelho inchado» O “timing” da lesão acabou ainda por ter implicações nos minutos de jogo. «O pior da lesão foi a mudança de treinador. Isto foi na altura em que o Michael Jordan comprou os Washington Wizzards. E o nosso treinador, Leonard Hamilton, foi convidado para ir integrar a equipa técnica deles. E quando me preparava para mostrar as minhas qualidades ao treinador, dei cabo do joelho», lamenta. 170 A mesma lesão haveria de regressar na última época e voltou a ter implicações no rendimento normal da temporada. Findo o tempo de recuperação e com o término dos anos de universitário no horizonte houve oportunidade de “dar um salto” a Portugal para ajudar o clube do coração. «Já tinha nessa altura planos de ficar nos Estados Unidos, já conhecia aquela que viria a ser a minha esposa, mas como nesse último ano já tinha acabado os estudos e passei a época lesionado, o treinador do Ginásio, que era o Orlando Simões, fala comigo pois iam começar os playoff e pergunta se tinha interesse. Então fui jogar. Completamente de borla, nem me pagaram nada. Mas depois das lesões que tive cada vez que corria ficava com o joelho inchado. E comecei a perceber que se calhar não ia continuar a jogar», recorda. O regresso a Portugal de João Paulo Coelho foi notícia no jornal Record que dava conta que Orlando Simões depositava «muitas esperanças no jovem valor nacional de 23 anos»109. O Playoff estava próximo do arranque depois da equipa da Figueira da Foz ter alcançado esse objectivo a duas jornadas do fim da época regular. Na fase derradeira da prova o Ginásio surpreendeu ao derrotar a Portugal Telecom na sua casa logo no primeiro encontro, mas a equipa das telecomunicações, que haveria de sagrar-se campeã nacional, deu a volta à eliminatória. Para João Paulo Coelho a experiência não foi suficiente para esquecer as lesões e deixar-se ficar pelo velho continente. «Depois de jogar ao nível da NCAA, em pavilhões como o Madison Square Garden, ir jogar para a Europa, andar sempre de país para país, ou em Portugal 171 onde não se recebe o suficiente para fazer carreira, decidi ficar nos Estados Unidos». Ticha Penicheiro e Mery Andrade: «Portuguese Connection» «Quando acabar o estágio vamos ser as melhores amigas» Era uma vez um treino da selecção nacional de Cadetes femininos, em Rio Maior, e uma jovem tímida que é abordada por uma colega que lhe diz: «Tu agora não estás a falar comigo, mas quando acabar o estágio vamos ser as melhores amigas». Era Ticha Penicheiro, nascida em 1974, que abordava Mery Andrade, um ano mais nova, nascida em 1975. Se há momentos que mudam uma vida, ou pessoas que nela se cruzam como que por capricho do destino, qual argumento de filme de domingo à tarde, esse estágio em Rio Maior foi um episódio digno de Oscar. «Aos 16 anos estava a jogar pela selecção nacional e joguei contra uma equipa da Amadora que tinha uma norte-americana chamada Alisson Green. No final do jogo ela veio ter comigo e disse-me que eu jogava muito bem e perguntou se não queria ir para os Estados Unidos. Eu respondi que ia já. Como tinha 16 anos, estávamos em 1991, ela disse para eu esperar mais uns anos. Não havia telemóveis ou internet.Tudo o que eu tinha para lhe dar era o número de casa dos meus pais. Passado uns anos ela tornouse membro da equipa técnica de Old Dominion e um dia o telefone toca», contou Ticha Penicheiro, em 26 de Abril de 2014, no seu discur- 172 so de agradecimento ao ser distinguida como membro do Virginia Sports Hall of Fame110. Se a história da portuguesa que acabou a conquistar a WNBA e a ganhar a alcunha de «Lady Magic» teve sempre o basquetebol por perto, ou não fosse filha de um jogador e irmã de outro, com o Playground a chamar nas traseiras de casa, já Mery Andrade chegou mais tarde à modalidade. O primeiro contacto foi através do Desporto Escolar, aos 14 anos, na Escola Secundária de Massamá. Passou por Atletismo,Voleibol e mais uns quantos até que o professor de Educação Física lhe incentivou a escolher um em particular. «Na equipa de basquetebol da Escola tinha uma colega, chamada Sandra Lucas, que me desafiou a jogar na equipa. E além da Escola ela jogava ainda no ESA e convidou-me igualmente a ir lá treinar. Eu fui fazer um treino e no final o treinadorVasco diz-me que tem de falar com a minha equipa para eu ir para lá. Eu respondi que não jogava em nenhuma equipa. Ficou muito surpreendido e disse logo que eu tinha de jogar com eles. E fiquei, no escalão de Iniciadas», recorda Mery Andrade. Como o tal argumento de filme ainda não está rico o suficiente, eis que passados apenas três meses do primeiro treino com a nova equipa, Mery Andrade volta a cruzar-se com uma personagem com dedo de destino. «Houve um jogo que não tinha árbitros e foram buscar alguém da bancada para apitar. Eu durante o jogo não sabia, mas a pessoa que foi apitar era o selecionador nacional de Cadetes. No final o meu treinador veio falar comigo e disse-me que ele estava interessado em que eu fizesse o estágio com a selecção». 173 «Quando disse a Universidade ela respondeu “não assines nada”» O estágio de Rio Maior era uma experiência pioneira que consistia em as atletas viverem juntas durante uma temporada, longe de casa, frequentando a escola e competindo no Campeonato da I Divisão. «Só jogávamos a fase regular, porque de qualquer forma ninguém estava à espera de que nos qualificássemos para o Playoff pois tínhamos 16 anos e jogávamos contra mulheres», explica Mery Andrade. Já se sabe que foi num desses jogos que Ticha Penicheiro é abordada. Mas acrescenta-se agora ao guião que Mery Andrade tinha também ficado debaixo de olho. Na temporada seguinte Ticha Penicheiro joga no União de Santarém enquanto Mery Andrade veste a camisola do ESA. A primeira chegou à equipa ribatejana com 17 anos e começou logo a ganhar o gosto aos troféus. Sagrou-se campeã nacional e venceu a Taça de Portugal e a Supertaça, além de ter realizado jogos nas competições europeias. Aos 19 anos faz as malas rumo aos Estados Unidos, recrutada com bolsa de estudo completa, e acrescenta-se à história uma nova protagonista: Clarisse Machanguana, que tinha chegado a Portugal vinda de Moçambique para representar a União de Santarém, segue igualmente viagem para terras do “Tio Sam”. Enquanto isso Mery Andrade continuava em Portugal e apesar de ter ficado debaixo de olho por Old Dominion o destino esteve quase a pregar uma partida. «O Carlos Barroca realizava campus de basket e organizava 3x3. Num desses torneios ele convida o Rick Fox e 174 outros norte-americanos numa prova que era só para rapazes. Mas eu como estava sempre metida fui assistir e estava na bancada a mandar bocas. E o Carlos Barroca vira-se e diz: “estás armada em esperta então vem cá para baixo”», conta Mery Andrade. A jogadora aceita o desafio e a exibição dá nas vistas. «Um dos norte-americanos perguntou se eu já tinha pensado em jogar nos Estados Unidos. Disse-me que ia falar com uma amiga que era treinadora. A escola era Purdue, uma das de elite. Passados dois dias disse-me que ela confiava nele e que por isso ia enviar os documentos para eu assinar». Segue-se conversa com Ticha Penicheiro a informar da boa nova. «Quando disse o nome da Universidade ela respondeu: “não assines nada”. A treinadora dela ligou logo nesse dia a dizer que queria que eu fosse para lá. Fui para Old Dominion onde tinha gente que já conhecia, as minhas amigas Ticha e Clarisse». «Éramos apelidadas de a Cinderella do campeonato» Começava o mês de Fevereiro de 1997 e na imprensa portuguesa chegavam relatos dos elogios à prestação das três jogadoras no basquetebol universitário norte-americano. Em particular Ticha Penicheiro, que foi apelidada pelo USA Today como «uma das melhores bases dos Estados Unidos». Na Sports Ilustrated um artigo assinado por Alexander Wolff refere a portuguesa como «a alma da equipa»111. O caso não era para menos. Em jejum de títulos desde 1985 a equipa de Old Dominion escrevia uma época fantástica que culminaria na final do campeonato frente a Tennessee, depois de uma emocionante vitória após prolongamento sobre Stanford. 175 «No ano em que eu cheguei Old Dominion atingiu a fase da “Sweet 16”. Depois no meu segundo ano, que foi 1997, fomos à final nacional. Contra Standford ganhámos a semi-final e depois perdemos com Tenessee na final. No terceiro ano fomos novamente à “Sweet 16”. Eramos apelidadas de a Cinderella do campeonato porque ninguém estava à espera daqueles resultados. Ainda hoje quando vou a conferências de treinadoras e as pessoas reconhecem-me dizem sempre “Old Dominion The Cinderella Team”», recorda Mery Andrade. O êxito dessa temporada e o impacto das jogadoras vindas de Portugal foi tão grande que os ecos do sucesso chegaram a vários cantos do mundo. No Folha de São Paulo um artigo com o título «EUA aprendem o Vira dentro do garrafão» contava como «um país sem qualquer história no exporte está ajudando a turbinar o principal torneio amador feminino de basquete do mundo». Para o editor de desporto daquela publicação, Melchiades Filho, «as portuguesas Ticha Penicheiro, Clarisse Machanguana (nascida em Moçambique) e Mery Andrade são a sensação da NCAA». O Folha de São Paulo referia como as atletas estavam elevadas ao estatuto de ídolos e contava como «o bacalhau, a dança do vira, e palavras em português passaram a frequentar a fase final da March Madness»112. O efeito mediático era reconhecido por Ticha Penicheiro que em vésperas da final frente a Stanford falava ao Record. «Vivo aquilo que nunca sonhei. Dou mais entrevistas num dia nos Estados Unidos do que em toda a vida no nosso país»113. A final acabou a cair para Tennessee, que venceu por 68-59, mas já ninguém ficaria indiferente à «Portuguese Connection». «Estávamos as três no cinco 176 inicial e falávamos em português a combinar as jogadas. As americanas não percebiam e ficavam à toa. Começou por isso a falar-se da Portuguese Connection», refere Mery Andrade. Na temporada seguinte Ticha Penicheiro volta a exibir-se ao melhor nível e bate o recorde da NCAA ao registar um triplo-duplo inédito na competição. Na vitória frente a St. Francis assinou 22 pontos, 15 assistências e 14 roubos de bola em 33 minutos em campo. A sua capacidade de surpreender os adversários colocou-a mesmo como a recordista de Old Dominion no capítulo de roubos de bola, com 591, feito até hoje inigualável na instituição. «Das 20 atletas das universidades sobrevivemos só quatro» Tendo em conta o registo de Ticha Penicheiro no seu percurso universitário, não se pode dizer que tenha sido com surpresa que no final de Abril fosse anunciada a sua entrada na WNBA, competição que tinha sido criada um ano antes, como segunda escolha do draft, pelas Sacramento Monarchs. «Foi um grande timing. Porque quando eu cheguei, em 1994, não haviaWNBA», afirmou no seu discurso em Virginia. «AWNBA foi criada no ano em que fomos à final. Antes não existia. Fizeram duas ligas: a ABL durante o Inverno e aWNBA, que estava debaixo do chapéu da NBA, e que era jogada no verão. A Ticha chega à WNBA e joga lá no verão e no inverno na Europa. A Clarisse escolhe a ABL porque joga durante o Inverno, mas depois no Verão tem férias. Quando eu acabo 177 a universidade acaba também a ABL», conta Mery Andrade. O fim dessa competição tornou o draft no qual a ex-atleta do ESA estava envolvida no mais competitivo de sempre. «Nesse ano o draft foi muito difícil por só existir uma via. Eu tive de competir para entrar com atletas que já eram profissionais. Algumas há 10 ou 15 anos. Eram 40 profissionais da outra liga, mais 20 das universidades, a fazerem campus onde as equipas da WNBA iam escolher as que queriam. Das 20 atletas das universidades sobrevivemos só quatro. Eu fui escolhida no segundo round. Fui a número 23 do draft e ia para Cleveland». A chegada à WNBA representa «um choque grande», mas o contacto com essa realidade faz Mery Andrade abraçar a carreira de profissional com todas as forças. «Ser profissional nos Estados Unidos é mesmo a sério. E foi aí que eu pensei que podia ganhar a minha vida a fazer aquilo», conta. Assim, arrisca igualmente jogar em território europeu. «Logo no meu primeiro ano, em 1999, fui para Itália. Estava nos Estados Unidos de Maio a Setembro e em Itália estava de Outubro a Maio. Não tinha férias. Joguei em La Spezia. Ninguém dava muito por essa equipa, mas eu gostei do projecto. Logo no primeiro ano vamos às meias finais do campeonato. No segundo ano chegamos novamente às meias finais e jogámos nas competições europeias, na FIBA Cup». Na WNBA esteve quatro temporadas com as Cleveland Rockers, destacando-se a época onde atingiram as finais de conferência, contra New York, e um ano com as Charlotte Sting, depois do fim da equipa de Cleveland. Na Europa a carreira foi feita em Itália. «Surgiu a oportunidade de ir para Como, que tinha objectivos mais ambiciosos, e no primeiro ano ganhei o campeonato e depois no segundo 178 ano fomos às finais e perdemos. Fui depois três anos para Nápoles onde ganhámos a FIBA Cup e chegámos à final do campeonato. EmVeneza joguei na Euroliga e venci uma Taça de Itália», resume. Alinhou ainda uma temporada em Portugal, na Quinta dos Lombos, onde venceu o campeonato, Taça e Supertaça, regressando a Itália aos 40 anos para terminar a carreira no Nápoles, atingindo as meias finais do campeonato. «A história mais bonita do basquetebol português» A carreira de Ticha Penicheiro na WNBA justificava por si só um livro à parte. Nos doze anos que passou em Sacramento destacou-se logo na primeira temporada, acabando na terceira posição na votação para Rookie do Ano. Entre 1999 e 2002 foi quatro vezes selecionada para o WNBA All Star Game. Em simultâneo com a carreira nos Estados Unidos foi colecionando troféus na Europa. O primeiro êxito foi na Polónia, onde sagrou-se campeã nacional por duas vezes (1999/00 e 2000/01) pelo Polpharma. Seguiu-se a Taça de Itália, conquistada ao serviço do Parma (2001/02) onde alinhou igualmente na Euroliga. Nos Estados Unidos, em Agosto de 2002 o diário Record apelidava de «magistral» o feito de Ticha Penicheiro ao assinar 16 assistências no encontro frente as LA Sparks, igualando um recorde que era já seu. A sua particular apetência a assistir as colegas valeu-lhe ser baptizada de «Lady Magic». A alcunha teve a assinatura da antiga estrela dos Lakers. «Tive a oportunidade de o conhecer e é incrível quando uma pessoa chega ao pé de um ídolo, com a grandiosidade 179 dele, e ele sabe quem tu és. Sabia o meu nome, sabia como eu jogava e claro, fiquei um bocadinho de boca aberta», confessou ao Expresso114. O ano de 2005 acabou por ser particularmente emocionante para Ticha. Depois de se ter sagrado campeã nacional em França, ao serviço do Vallenciennes, a portuguesa iria levantar pela primeira vez o troféu da WNBA. Foi um lançamento livre da sua autoria, a nove segundos do final, que selou o triunfo das Sacramento Monarchs sobre as Connecticut Sun, por 62-59, no quarto encontro da final. «É inédito e se aconteceu comigo pode acontecer com qualquer pessoa, ter um bocadinho de sorte, trabalhar bastante e acreditar», afirmava ao Público, a propósito do feito de ser a primeira portuguesa a sagrar-se campeã numa competição profissional nos Estados Unidos115. O ponto final na carreira chegou em 2012 num jogo entre as Chicago Sky e as Washington Mystics naquilo que foi apelidado pelo jornal Público como «o fim da história mais bonita do basquetebol português»116. A atleta tinha 38 anos e concluía uma época marcada por lesões. Para trás, e depois daquele título de campeã da WNBA em 2005, ficavam ainda as conquistas na Rússia, em 2006/07, com a camisola do Spartak Moscovo, onde se sagrou vencedora da Eurocup. Ou a experiência em 2011/12 onde voltou a sentir o gosto do sucesso ao sagrar-se campeã nacional na República Checa, ao serviço do ZVVZ USK Prague. «Muitas vezes perguntam-me “como fazias aqueles passes, como é que vias as tuas colegas” e eu respondo que não sei, foi um dom de Deus. Há quem saiba cantar, há quem saiba pintar, eu sei jogar basquetebol, acho que 180 é um dom», afirmou no discurso em Virginia. A moçambicana Clarisse Machanguana alinhou na WNBA pelas Los Angeles Sparks, Charlotte Sting e Orlando Miracle. Em 2002 mudou-se para o basquetebol europeu, onde vestiu a camisola do Barcelona. Notabilizou-se ainda pela selecção de Moçambique, onde integrou a equipa que conquistou o Ouro nos Jogos da Lusofonia, em 2006. Mery Andrade a conduzir o jogo de Old Dominion onde formou, juntamente com Ticha Penicheiro e Clarisse Machanguana, a Portuguese Connection (Créditos: Old Dominion University Libraries) 181 Ticha Penicheiro foi uma das atletas mais acarinhadas em Old Dominion conquistando honras de integrar o Hall of Fame da instituição (Créditos: Old Dominion University Libraries) Ticha Penicheiro foi a primeira portuguesa a alinhar naWNBA onde se estreou com a camisola das Sacramento Monarchs (Créditos: Old Dominion University Libraries) 182 Sérgio Ramos. O “El Portu” que conquistou a ACB «Só uma hora depois do jogo acabar percebi o que tinha feito» Estava Sérgio Ramos, com os seus 19 anos de idade, em casa a estudar quando é chamado para integrar o estágio da selecção nacional na Costa da Caparica. O jogador, que em Maio de 1995 ainda pertencia ao Estrelas da Avenida mas estava já em trânsito para o Benfica, tinha sido dispensado dos trabalhos da equipa das quinas por opção do técnico Vladimir Heger, mas este reflectiu sobre o assunto e mais tarde reconsiderou decidindo-se pela chamada. O jogador pediu o adiamento às frequências e lá seguiu viagem rumo a Lugano onde Portugal ia defrontar a Roménia. Em campo fez 19 pontos, decisivos para o triunfo por 74-61, sagrou-se o melhor marcador do encontro e colocou a atenção mediática sobre si. Ao ponto de no dia seguinte, em entrevista ao Record, ser confrontado com a pergunta: «Já se pensa que virá a ser o substituto de Carlos lisboa». A resposta surgiu pronta: «Agradecia que não dissessem isso»117. «Nessa época tinha sido o melhor marcador nacional do campeonato. Eu entrei nos treinos, mas tive um percalço que foi um acidente quando ia entrar em estágio, espatifei o carro todo, tinha ido visitar a minha namorada, agora esposa, na Figueira e vinha para Lisboa e tive um acidente. Então houve ali uns três ou quatro dias em que não pude entrar em estágio e isso terá condicionado a escolha do seleccionador», começa por explicar Sérgio Ramos. 183 «Ficámos em primeiro lugar nesse apuramento. Recordo-me que o último jogo foi um Suíça-Portugal, estava o pavilhão cheio de emigrantes, e foi um jogo muito giro. Fizemos uma boa campanha. Lembro-me que neste jogo as coisas correram-me bem. Comecei no banco, mas correu bem. Eu já tinha ido a um estágio da selecção com 18 anos. Não era dos regulares, mas já tinha um ano e uns meses de selecção», recorda. O jogador, que começou a treinar com os seniores do Estrelas da Avenida aos 16 anos de idade, tinha concluído essa época pela equipa lisboeta com uma média superior a 30 minutos por jogo. Ainda assim os estudos eram nessa altura o seu principal foco. «Tinha uma grande carga de treinos, mas não treinava de manhã», diz. A transferência para o Benfica, que envolvia os treinos bi-diários e a exigência das competições europeias, alargou os horizontes e o profissionalismo foi ganhando espaço. No Benfica, Sérgio Ramos conquistou os primeiros troféus com a Supertaça, Taça de Portugal e Taça da Liga. Realizou os primeiros jogos nas competições europeias. E passou de promessa a certeza. Em Janeiro de 1997 é destaque no All Star Game Sub24 realizado em Braga, sendo considerado MVP. Com 27 pontos marcados ajudou a equipa do Sul a triunfar sobre a do Norte por 105-95. Na temporada 1997/98, em Outubro, bate o recorde da “mão quente” num só jogo ao assinar 55 pontos no desafio frente ao CAB. No fim do encontro confessa: «Só passado uma hora do jogo ter terminado percebi na perfeição o que tinha feito». «O potencial do Sérgio Ramos quando chegou era muito, muito grande. E com o passar dos anos e com a experiência adquirida ficou com 184 uma qualidade elevadíssima», afirma Mário Palma, treinador que o levou para o Benfica. «Os meus colegas pediam para ir mais devagar» Os olhares sobre Sérgio Ramos ganhavam dimensão internacional e no Verão de 1999 chegam à Luz as primeiras propostas. Algumas, como a que foi feita pelos italianos do Fila Biella, tiravam os dirigentes encarnados do sério: «Se calhar querem o Sérgio de borla», afirmava José Manuel Antunes118. Itália acabou mesmo por ser o destino do jogador. O Benfica chegou a acordo com o Adecco Milano e a temporada de estreia internacional do extremo português era na principal liga do país das pizzas. Um ano particularmente complicado para Sérgio Ramos. «Não conheciam nada do basquetebol português. Os meus dois primeiros anos em Itália, sobretudo o primeiro, foi olhado com muita desconfiança. Também tive um início azarado porque parti o pulso, estive quase três meses sem competir, houve um período de adaptação que foi difícil», explica. A temporada acabou, contudo, por ser fundamental para ganhar experiência. Uma das maiores diferenças no contacto com a realidade internacional estava na existência de trabalho individual com os atletas. «Eu tinha treino individual e por vezes cansava-me mais nesse treino de manhã do que depois no treino da equipa», diz entre risos, apontando que por causa disso, e apesar dos poucos minutos de jogo, estava a evoluir como jogador. E os colegas da selecção que o digam. 185 «Lembro-me de um estágio da selecção nessa altura, eu estava a jogar muito pouco no Milão, e recordo-me de ter chegado lá e ter marcado trinta e tal pontos. Dava para perceber que apesar de não jogar estava melhor e a minha intensidade de jogo era completamente diferente. Por vezes parecia que os outros iam em slow motion. Os meus colegas pediamme para ir mais devagar», afirma. Na temporada seguinte Sérgio Ramos manteve-se na principal liga italiana, mas mudou de equipa. Pelo De Vizia Avellino deixou os adeptos rendidos quando no jogo de estreia marcou 23 pontos em 22 minutos no triunfo da sua equipa por 107-83. Em Janeiro volta a ser notícia pela “mão quente”. Na vitória sobre o Montecatini regista 21 pontos. Três semanas depois estabelece novo recorde pessoal em Itália: 31 pontos, incluindo oito triplos concretizados em 10 tentados, contudo insuficientes para ajudar a sua equipa a vencer o Reggio Calabria. Na preparação para a temporada 2001/02 o Avellino contrata um norte-americano para a posição do português e esse factor acaba a motivar o desejo de saída. O destino era agora a ACB e a equipa do Caprabo Lleida onde acabaria por permanecer quatro épocas. Mas à chegada volta a experimentar a exigência de ter de mostrar valor. «Então assinámos um português?» «No início senti outra vez muita desconfiança. A minha alcunha nesses anos de Espanha até era “El Portu”. Porque era um português, um, ar- 186 tigo definido», lembra. O jogador acabou, no entanto, por impor-se e aos êxitos na liga espanhola ia somando bons desempenhos pela selecção. No All Star Game realizado em Janeiro de 2002, em Rio Maior, e que colocou a selecção portuguesa em confronto com um misto dos estrangeiros a jogar no campeonato nacional, Sérgio Ramos foi o melhor em campo assinando 21 pontos. A exibição motivou um elogio em A Bola: «Depois de ter jogado na véspera em Espanha num campeonato duríssimo, entrou em campo com uma frescura física invejável»119. Em Março do mesmo ano, e depois de Portugal ter perdido a hipótese de qualificar-se para o Europeu 2003, uma viagem do selecionador Valentyn Melnychuk levou-o a observar os atletas nacionais em actividade no estrangeiro. O destaque foi para Sérgio Ramos: «Está um jogador maravilhoso. Já é o terceiro melhor marcador da Liga ACB, não sendo por acaso que acaba de renovar o contrato com o Lleida. Os espanhóis não brincam em serviço»120. Em Maio dessa temporada justificava a renovação do contrato ao ser eleito Melhor Jogador da Semana da ACB pela primeira vez. No triunfo frente ao Gijon fez 36 pontos, registando 23 pontos em 10 minutos. A 9 de Janeiro de 2003 era notícia na NBA os recordes numa só noite batidos por Kobe Bryant. Na vitória frente aos Sonics, por 119-98, marcou 12 triplos, dois quais nove consecutivos, e assinou 45 pontos. Mas uma semana depois o destaque era de Sérgio Ramos. Voltava a ser distinguido como o Melhor Jogador da Semana da ACB. Na vitória sobre o Caja San Fernando marcou 29 pontos, nove ressaltos e quatro roubos de bola. 187 «Em Espanha quando cheguei as conversas que mais escutava era “então assinámos um português”? “Mas em Portugal há Basket”? Era um português, não era o Sérgio Ramos. E tive de provar que afinal o português sabia jogar, jogava bem, conseguia competir contra os melhores, ser melhor jogador da semana e jogador do mês da Liga ACB», afirma. Nem tudo foram rosas no percurso internacional de Sérgio Ramos. Em 2004 o jogador iniciava um calvário de lesões que o levaram a ficar fora de competição durante quase dois anos. «Rompi o cruzado anterior duas vezes. E numa delas antes de me lesionar eu tinha um pré-acordo para ir para um dos colossos do basquetebol espanhol num contrato de três anos a ganhar muito, muito dinheiro», recorda. «Nunca se aperceberam bem do patamar que eu consegui alcançar» Aos 30 anos e depois de ter sido tratado com a equipa médica do Benfica o jogador anunciava ao Diário de Notícias o regresso à Liga ACB e ao Fuenlabrada. «Em princípio será um contrato até final da época», disse121. Finda a temporada Sérgio Ramos mantinha-se em Espanha, mas para jogar na LEB. O Palma Aqua Mágica apostou no atleta e as ilhas espanholas eram o passo seguinte. Mas as marcas da paragem faziam-se sentir. «A recuperação foi complicada, obrigou a um tempo grande de paragem, e quando voltei já não era bem o mesmo. Foi uma lesão importante, estive quase a deixar de jogar. E só não deixei por carolice da equipa de Maiorca, que estava na LEB e queria subir. Até nestas épocas últimas no 188 Benfica, as pessoas lembram-se desse Sérgio Ramos, mas entre esse e o da Liga ACB eram jogadores completamente diferentes», confessa. Em Junho de 2007 Sérgio Ramos apresenta-se motivado no estágio da selecção, em Vagos, tendo em vista o Europeu. O basquetebol em Portugal vivia tempos conturbados e o jogador abordava o tema revelando: «Com tantos problemas a afectar a modalidade a selecção nacional é uma ilha». A participação no Europeu acabou por ser modesta a nível individual. Ainda assim o jogador contabilizou 19 minutos no encontro frente a Espanha, onde marcou 5 pontos, e 10 minutos contra a Croácia, assinando 4 pontos. Jogou ainda 5 minutos na última partida frente à Grécia, marcando 3 pontos. Nesse verão muitos garantiam que o Benfica era o destino do jogador, mas a desistência dos encarnados da Liga acabou por representar a permanência em Espanha, onde assinava por uma temporada com o Drac Inca. O regresso aos encarnados aconteceu apenas em 2008/09, aos 33 anos, onde sagrou-se campeão nacional por três vezes. «Acho que nunca ninguém me viu jogar mesmo a sério ao meu melhor nível, porque não havia Internet, estive quase nove anos a jogar fora de Portugal. As pessoas lembram-se de mim quando vinha jogar pela selecção. Acho que nunca se aperceberam bem do patamar que eu consegui alcançar. Não é fácil hoje em dia ser jogador do mês da ACB, ser duas vezes jogador da semana da ACB», afirma. 189 João Santos e Carlos Andrade: It began in Graça «Viu-me a jogar no recreio e no Inter-Escolas» Para ser contada a história da carreira de dois dos internacionais de maior sucesso do basquetebol nacional é preciso falar primeiro do Professor Ramos, da disciplina de Trabalhos Manuais, da Escola Eugénio dos Santos, em Alvalade. Foi o seu olhar atento que detectou no recreio, em momentos distintos, dois miúdos que revelavam particular apetência para a bola ao cesto. «Sempre fui alto e em todas as aulas ele dizia-me “tenho de ir falar com os teus pais para ires jogar Basket”. Isto foi assim todo o 5.º ano e só no 6.º ano é que a meio do ano ele disse “desta semana não passa, vou falar com os teus pais”. Tinha eu 11 anos e ia fazer 12 em Junho. Comecei a treinar e gostei logo desde início», conta João Santos. A história não muda muito no caso de Carlos Andrade, mantendo-se o mesmo personagem central. «Viu-me a jogar no recreio e no inter-escolas e perguntou-me onde é que eu jogava. Porque ele tinha um filho, o Nuno, que estava no Maria Pia. Eu disse que não jogava em lado nenhum e ele perguntou se eu queria experimentar», lembra. Os dois vestiram a camisola da equipa do bairro da Graça e juntos se mantiveram durante quatro épocas. E depois ambos rumaram à Liga Profissional para representar a estreante Portugal Telecom. E mais tarde ambos voaram para os Estados Unidos onde experimentaram o basquetebol universitário. Mas já lá vamos. Recuando ao Maria Pia há outro nome que é comum aos dois. O treinador Jorge Faustino que liderou e formou aquela geração de 190 jovens. «Comecei no Basket em 1983. Morava na Rua do Maria Pia, joguei lá e depois aos 18 anos perguntaram-me se queria ser treinador. E o curioso é que nesse meu primeiro ano como treinador a equipa de miúdos que eu treinava tinha o Sérgio Ramos, que era o seu primeiro ano como jogador. Ele tinha 8 anos. Ele começou a carreira de jogador precisamente no mesmo ano e na mesma equipa em que eu comecei a de treinador. Depois fiz os escalões todos», explica Jorge Faustino. Ambos encontraram Jorge Faustino no escalão de Iniciados, embora em momentos distintos de evolução. Se João Santos iniciou-se pelos Infantis, tendo chegado às mãos do técnico já com dois anos de basquetebol, no caso de Carlos Andrade logo no seu ano de estreia, após poucos treinos com outro treinador, chegou ao que haveria de ser o seu treinador até à idade adulta. «O Carlos Andrade começou a jogar já relativamente tarde, aos 13 anos. Fui treinador dele quatro anos. Começou nos Iniciados, na altura era assim que se chamava, e lembro-me perfeitamente que o Carlos não corria, galopava.Tinha uma corrida estranha, faltava-lhe técnica a esse nível. Mas tinha algo que sobressaía em relação a todos os outros, que era a capacidade de luta e a vontade de ganhar. Nunca vi ninguém assim», recorda. «O João Santos começou no Maria Pia nos Infantis. Ele chegou a mim dois anos depois de ter começado a jogar, nos Iniciados, e integrou aquela equipa onde já estava o Carlos e fez também os quatro anos comigo. O João Santos era um jogador muito alto, não tinha a mesma capacidade física do Carlos, mas era um extremo puro.Tacticamente muito inteligente», afirma. 191 «A equipa começou a dar nas vistas e a ganhar a toda a gente» O processo de crescimentos dos jogadores acompanhou o da equipa. Um processo evolutivo que acabaria por resultar num título de campeão distrital e na disputa do acesso à final four nacional, quatro anos mais tarde. «Fizemos equipas muito giras no Maria Pia e todo o processo foi evolutivo. Na altura não percebíamos, mas agora à distância percebe-se perfeitamente que estávamos todos os anos a aprender conceitos básicos do basquetebol. Na altura em Lisboa existiam muitos clubes com equipas A, B, C e D. Se no início levávamos grandes abadas de todas elas, depois no ano seguinte já só levávamos abadas das A e B pois já ganhávamos às C e D. E no seguinte já ganhávamos às B, C e D e competíamos com as A. Isto numa evolução até chegarmos a campeões», conta João Santos. O treinador reforça a ideia e sublinha a importância da progressão desde Iniciados até Juniores. «Ao fim daquele tempo de trabalho, a equipa começou a dar nas vistas e a ganhar a toda a gente. Era uma equipa de facto muito forte», afirma, apontando outros nomes no colectivo: «Não era só o João Santos e o Carlos Andrade. Havia também o Francisco Rodrigues que era o Poste, o verdadeiro Poste. E tinha um Base, que era o Ricardo Gascão, que era um Base fabuloso. Estes quatro eram a força da equipa, qualquer um deles era um jogador de topo para aquela idade». O Maria Pia sagrou-se Campeão Distrital e acabou a discu- 192 tir o acesso à final four nacional com o Barreirense num encontro especial de desempate disputado na Costa da Caparica. No adversário brilhava Diogo Carreira que acabaria por contribuir decisivamente para o triunfo da formação da margem sul do tejo. «O Diogo era outro excelente jogador. Na formação era mesmo um jogador de outro mundo. Foi muito à conta dele que o Barreirense atingiu finais», recorda Jorge Faustino. A III Gala do Basquetebol a 7 de Julho de 1996 iria imortalizar a grandeza do feito da colectividade do bairro da Graça. Jorge Faustino é nomeado para Treinador do Ano e João Santos para Jogador do Ano. «Aquela equipa deu muito nas vistas até por ser um clube que não tinha as armas que os outros têm», afirma Jorge Faustino. Foram acompanhados nas nomeações por Nuno Perdigão (FC Porto) e Diogo Carreira (Barreirense), enquanto atletas, e Jorge Adelino (Benfica) e Fernando Tavares (FC Porto) nos treinadores. A história que liga estes atletas ao técnico não termina aqui. O primeiro passo para o profissionalismo também foi dado em conjunto. Arranca o projecto da Portugal Telecom e o trio é opção para a temporada de estreia. «A PT lança a equipa profissional e baseia muito da equipa em miúdos. E claro que foram buscar o Carlos Andrade e o João Santos. E eu integro a equipa técnica, muito por as pessoas reverem em mim valor e capacidade para treinar jovens. Acharam que eu podia ser útil para ajudar naquela transição de miúdos para homens», explica. 193 João Santos alinhou no basquetebol universitário norte-americano com a camisola de Nevada, Reno (Créditos: Universidade de Nevada, Reno) 194 JOÃO SANTOS «Olhavam para Portugal como olhamos para San Marino ou Lichenstein» O ano de estreia de João Santos na Portugal Telecom pode não ter sido rico em minutos jogados junto da equipa sénior, mas teve um momento que acabou por definir uma carreira. O recém-criado “clube empresa” realizou uma digressão nos Estados Unidos. Tinha o extremo 16 anos e ainda frequentava o 12.º ano de escolaridade. «Foi importante para mim nesse primeiro ano a Tour que a equipa fez nos Estados Unidos no sentido do contacto com a realidade internacional. Fizemos dezenas de jogos no espaço de 15/20 dias. Aproveitou-se aquele período em que as equipas universitárias fazem jogos de apresentação», afirma. Na altura da apresentação da equipa da Portugal Telecom à imprensa o técnico Carlos Barroca é convidado pelo Record a fazer uma análise individual sobre os reforços. Ao chegar a João Santos classifica-o como «tecnicamente talvez o melhor jogador» e conclui com «o futuro pertence-lhe»122. O “bichinho” norte-americano ficou dentro de João Santos e não demorou muito a ser concretizada uma ambição. «No ano seguinte tive a oportunidade de ir para os Estados Unidos e aproveito.Vou para uma equipa universitária, através de uma bolsa, e estive lá três anos. Queria experimentar a realidade dos Estados Unidos porque tinha gostado daquela experiência com a PT», diz. 195 O treinador de João Santos tinha o contacto de um agente norte-americano, que já tinha inclusive trabalhado com alguns nomes da NBA, e o passo seguinte foi o Campus de Treviso onde o português apresentou as suas qualidades. «Tive logo algumas propostas, ele sugeriu esperar um pouco mais e não aceitar logo as primeiras, entretanto ele tinha outros jogadores para colocar e chegou Agosto e ainda não tinha clube. Estava a ficar um pouco aflito. E foi quando surgiu a oportunidade de ir à Grécia fazer um try-out ao Panionios. Acabei por ficar lá», explica João Santos. O clube grego era treinado por Panagiotis Giannakis, uma lenda do basquetebol dos helénicos, e o atleta vivia a sua primeira aventura europeia depois da experiência universitária norte-americana em Nevada-Reno. «Não conheciam nada do basquetebol português. E durante a minha carreira, quer a nível de clubes quer a nível de selecção, sempre tive a sensação que olhavam para Portugal no basquetebol da mesma maneira que nós olhamos a nível futebolístico para San Marino ou Lichenstein. E seria estranho teres um jogador destes países a jogar num Braga, Guimarães ou Marítimo. Era o que éramos nós desta primeira vaga de emigrantes a jogar em Itália, Grécia, Espanha ou Alemanha», conta. Para João Santos, além «do clima, as pessoas, a cidade», a passagem pela Grécia marcou também um passo em frente a nível competitivo. «Participei na Taça Saporta, que era a segunda competição internacional mais importante, fomos aos quartos de final, vencemos o Valência e o Happoel Telavive, foi uma experiência enriquecedora, a primeira vez a jogar contra equipas espanholas. E depois na Grécia a experiência de jogar naqueles pavilhões é espectacular, defrontar o Bodiroga e as fortes 196 equipas do AEK, Olympiacos, Panathinaikos», recorda. «O que custa é habituares-te a jogar naquele limite constantemente» O contrato de João Santos na Grécia era de um ano com outro de opção e o Panionios decide renovar. Contudo a existência de salários em atraso referentes à primeira temporada e ao início da segunda, levam o jogador a sair e a regressar a Portugal. O destino era o Queluz onde integrou o plantel que realizou o mais brilhante percurso europeu da história do emblema. Na temporada seguinte João Santos volta aos mais importantes palcos da Europa. Assina pelo Valladolid da ACB. «No verão em que fui para oValladolid estava em trabalhos com a selecção e iria começar por isso com duas semanas de atraso a pré-época. Então eles disseram que quando tivesse uma folga de três dias para ir lá fazer treinos com a equipa para conhecer os colegas. E eu pensei que fazer um treino não era nada por aí além. Estava há um mês a treinar com a selecção e eles estavam a fazer a pré-época. O que posso dizer é que naqueles dias de treinos eu acordava, tomava o pequeno-almoço, ia para o treino, treinava, almoçava, dormia, treinava, jantava, dormia e era assim, não fazia mais nada.Via os meus colegas a jogar Playstation no quarto, todos tranquilos da vida e eu completamente rebentado», afirma. O “choque” inicial com a realidade espanhola passou pelo nível de exigência. «A grande diferença, além da componente táctica, do profissionalismo e a organização, é a intensidade com que treinas e a 197 exigência com que te levam ao limite. E o que custa é habituares-te a jogar naquele limite constantemente», explica. O português é referido no site Endesa Basket Lover com o sugestivo título «El português que más há jugado en la élite española» numa referência ao tempo de jogo ao longo das quatro épocas realizadas ao mais alto nível no país vizinho. Segundo a página contabilizam-se 46 encontros como titular num total de 128 partidas apontando o jogador como o primeiro recurso a sair do banco123. «Fui com contrato de 2+2 e eles acionaram a cláusula para os últimos dois anos», afirma o extremo que de acordo com o Endesa Basket Lover teve na sua segunda época a melhor prestação com particular destaque para o tiro exterior. Regressando ao passado, lá atrás no Maria Pia, o técnico Jorge Faustino já tinha percebido essa apetência. «Nós treinadores percebemos imediatamente que o João Santos era um jogador especial. Apesar de ser um jogador alto nunca utilizámos na posição de poste. Ele tinha um bom tiro exterior e foi nisso que investimos. E acho que esse trabalho foi bem feito», disse. CARLOS ANDRADE «No primeiro ano fomos logo apurados para a Final 8» Quando Carlos Andrade vivia na Portugal Telecom uma experiência que obrigava a agilidade nos horários, dividindo-se entre a equipa de juniores e os seniores, já os Estados Unidos estavam no seu horizonte. Era lá que ia construindo carreira a irmã, Mery 198 Andrade, que lhe ia transmitindo a sua experiência nos contactos telefónicos. «Nesse primeiro ano da PT fazia três treinos por dia. Estava a fazer o 11.º ano e quando não tinha aulas de manhã treinava com os seniores. Sabia que queria ir para os Estados Unidos porque a minha irmã já estava lá. Ela estava feliz, a fazer sucesso, falava muito bem da sua universidade, e ela dizia que ir para lá era uma excelente oportunidade», conta. Não foi por isso surpresa que passado dois anos, também incentivado pelos colegas norte-americanos da Portugal Telecom, o extremo formado no Maria Pia decidisse mesmo “dar o salto” e ingressar na Queens University of Charlotte, que a nível basquetebolístico competia na segunda divisão da NCAA. Acabou como melhor ressaltador da sua divisão. «Era jogador de cinco inicial até porque o colega da minha posição teve um problema de saúde e retirou-se logo em Dezembro e eu fiquei destacado. Portanto tive essa alavanca no primeiro ano de fazer logo muitos minutos e isso ajudou-me nos anos seguintes a ter sucesso», conta. O ano de estreia foi um êxito com a equipa a apurar-se para o ponto alto da época. «Na Divisão 2 há também um March Madness, com jogos de conferência e depois estaduais onde apuram-se para a Final 8. E no meu primeiro ano fomos logo apurados para a Final 8», explica. A experiência não se repetiu no ano seguinte, onde Carlos Andrade esteve lesionado com um pé partido, mas iria voltar a concretizar-se na terceira temporada com o português a voltar a estar em bom plano. Aliás, o sucesso da equipa, ao atingir a Elite Eight duas vezes em três anos, motivou um artigo na publicação Creative Loafing Charlotte a baptizar o plantel de «a 199 melhor equipa de basquetebol que ainda não conheces»124. No ano de sénior, depois de concluída a Universidade, na qual ainda permanece na estatística como terceiro classificado no ranking do 1000 Point Club, com o registo de 1603 em 114 jogos, surgiram os contactos e propostas de vários agentes. Uma vez escolhido, o passo seguinte passou pelo try out com várias equipas da NBA, onde chegou mesmo a pisar alguns “palcos de sonho”. «Assinei por um agente que arranjou um calendário para eu treinar com várias equipas. Levou-me para Philadelphia, Boston, New Jersey e depois Atlanta. Os Philadelphia e os Atlanta foram os mais profissionais. Foi mesmo no pavilhão deles», lembra. «Era muito grande para ser 2 e era muito pequeno para ser 3» Nos try outs Carlos Andrade defrontou vários candidatos ao estrelato. O mais destacado foi Troy Murphy, da Universidade de Notre Dame, que chegou à NBA em 2001 para alinhar pelos Golden State Warriors. Mais tarde acabaria por vestir ainda a camisola dos Indiana Pacers, New Jersey Nets, Boston Celtics e Los Angeles Lakers. «O report que me deram foi que eu atleticamente era bom, mas não tinha uma posição definida. Nem era 3 nem era 2. Era muito grande para ser 2 e era muito pequeno para ser 3. O elogio mais simpático que tive foi do DominiqueWilkins, em Atlanta, no final de um dos treinos. Estava mais confortável porque já tinha tido a experiência dos outros anteriores e então 200 fiz tempos muito bons, na musculação igualmente, nos lançamentos destaquei-me dos meus colegas», conta. O sonho de entrar na NBA não se concretizou e seguiu-se um período onde a nacionalidade cabo-verdiana foi barreira a adiar a entrada nas ligas mais competitivas da Europa. «Esse agente arranjou-me um contrato com o Cantú, de Itália. Mas quando dou o meu passaporte é Cabo-verdiano. E eles pensavam que eu era europeu. Então não se fez o contrato», explica. Carlos Andrade ficou nos Estados Unidos onde treinava com a irmã, Mery Andrade, em Charlotte, aguardando boas novas sobre o seu futuro. Foi um novo agente, indicado pelo antigo técnico da Universidade, que o levou a uma nova experiência. A Escócia era o próximo destino, mas também aqui a nacionalidade voltou a pesar. «O problema foi o mesmo. O passaporte. Estive lá a treinar três ou quatro meses a ver se o processo de naturalização avançava, mas como não avançava tomei a iniciativa de dizer ao clube que não iria continuar». Deu-se o regresso a Portugal e surgiu a oportunidade na Invicta. «Estávamos em Outubro ou Novembro e eu sem equipa. Foi aí que o Pedro Nuno saiu do Porto e estavam à procura de um jogador para aquela posição. O Luís Magalhães era o treinador e ligou-me a dizer para ir lá fazer um try out. Depois de dois ou três treinos fez-me uma proposta, eu vim a casa buscar as minhas coisas e joguei esse ano no FC Porto. Com altos e baixos no início, mas depois fiz uma boa recta final de época, fomos campeões contra o Queluz», recorda. Na temporada seguinte Carlos Andrade ingressa no Queluz, após o FC Porto ter demorado tempo a analisar a contra-proposta 201 de renovação apresentada pelo jogador, e a boa época, que iria culminar com a conquista do campeonato, leva-o à desejada aventura europeia com a transferência para o Skyliners Frankfurt, da Bundesliga, em 2005/06. «Joguei com 11 mil pessoas nas bancadas» «A liga alemã é uma liga dura. Fui para uma equipa que tinha jogado no ano anterior a Euroliga. Joguei a EuroCup de agora que antigamente era a ULEB Cup. Lá infelizmente tive a lesão mais grave da minha carreira. Parti um dedo do pé e estive três meses de fora», explica. O português não foi a única vítima de uma equipa azarada. O departamento médico não teve mãos a medir nas lesões que afectaram a época do emblema alemão. «O base da selecção nacional alemã, Pascal Roller, no mesmo jogo em que eu me lesionei ele também se lesionou. O Nino Garris, que era o 2 da selecção, também se lesionou no joelho. Depois também o nosso atirador, um finlandês, partiu o escafoide. Isso tornou as coisas complicadas. Sequências de derrotas, mudança de treinador, foi um ano difícil», recorda. Apesar de ter regressado para uma recta final de época positiva, o facto de o treinador ser diferente do que tinha inicialmente apostado em Carlos Andrade levou à dispensa do atleta pese embora o contrato de dois anos. Deu-se o regresso à liga portuguesa e ao Benfica. Acabou, contudo, por ser uma experiência curta. Em Julho de 2007 cumpria o desejo de jogar em Espanha ao ingressar no Bruesca da LEB Oro, o segundo escalão do basquetebol vizinho. 202 A temporada é bem sucedida e o clube alcança a subida de divisão. Ao Endesa Basket Lover o jogador recorda a Final 4 dessa época, realizada em Cáceres, como «um dos pontos mais altos da carreira». A publicação recorda a importância do português no jogo da subida, frente ao Tenerife, onde para o triunfo final por 8176 Carlos Andrade contribuiu com 10 pontos e sete ressaltos em 19 minutos. «Foi brilhante», escreveu Javier Ortiz Perez125. No ano seguinte o desafio era a ACB e o Bruesa conta com Carlos Andrade. «A ACB era um dos objectivos que eu tinha. É a melhor liga europeia. Desde o primeiro até ao último jogo da época aquilo é sempre a contar. Costumo dizer que há duas ligas dentro da liga principal. Há o grupo do 1.º ao 8.º e depois do 9.º para baixo. Se o 1.º joga contra o último não quer perder pois se perde contra o último perde espaço para o 2.º lugar. E o factor casa nos playoff conta imenso», refere. O entusiasmo com que o basquetebol é vivido no país vizinho é uma das recordações que Carlos Andrade guarda da sua passagem. «Joguei com 11 mil pessoas nas bancadas. O pavilhão onde eu jogava na ACB tinha essa lotação e contra Málaga, Barcelona, Real Madrid, encheu sempre. Era uma praça de touros que convertiam em campo de basket. O mínimo normalmente eram 6 mil pessoas». Para o seu treinador do Maria Pia, Jorge Faustino, o sucesso da carreira de Carlos Andrade não foi surpresa. Aliás, o técnico não se espantava se o jogador tivesse chegado ainda a vôos mais altos. «Tenho a sensação que se o Carlos Andrade tivesse começado a jogar com 8 ou 10 anos podia ter ido ainda mais longe do que foi. Eram anos essenciais para aliar à excelente capacidade física a técnica no tiro exterior. Porque de 203 resto estava lá tudo», afirma. «Eu lembro-me perfeitamente que houve um jogo, para se perceber a estirpe do Carlos Andrade, em que tínhamos a partida perfeitamente ganha, o apuramento completamente garantido, e há uma situação de contraataque no final do jogo em que o jogador do adversário isola-se. E qualquer jogador pensaria “está bem marca lá os dois pontos”. Mas com o Carlos não era assim. E eu lembro-me que ele correu para impedir e tropeçou no pé do adversário e lesionou-se com alguma gravidade. Ele era assim. Não havia pontos no cesto dele», conclui Jorge Faustino. Pedro Lourenço: A Playground Star que esteve (quase) em todas «Queria muito ser profissional» O título de “Estrela do Playground” podia caber que nem uma luva a Pedro Lourenço pelo seu desempenho nas várias representações que fez por Portugal nos Campeonatos do Mundo de StreetBasket e que estão documentadas neste livro. Mas é mais do que isso. É também a marca de roupa que criou em 2008 quando jogava em Espanha. Como o próprio afirma, «a Playground Stars não é apenas comercial, tem uma forte componente sentimental». É um dos jogadores que mais épocas passou no basquetebol do país vizinho. É também um dos jogadores cujo percurso confunde-se com a história deste livro. Desde o título de campeão nacional em juniores pelo FC Porto, passando pela conquista do Campeonato do Mundo de StreetBasket, à presença no Mundial de 204 Juniores de 1999 ou à internacionalização com o “salto” para Espanha onde sagrou-se campeão nas divisões inferiores, o base Pedro Lourenço é nome incontornável para serem contados e entendidos aqueles “anos de ouro” da modalidade. Formado no Guifões deu nas vistas enquanto jovem não apenas por via dos êxitos no basquetebol de rua, mas também pela presença em Campus internacionais. Chegou ao FC Porto em 1998/99 onde teve a oportunidade de festejar a conquista do título de campeão em Juniores A. A “super equipa” dos dragões alcançou uma vitória frente ao Benfica, em Manique, por 118-58, num colectivo onde destacavam-se, entre outros, os nomes de Nuno Perdigão, Miguel Miranda, Élvis Évora, José Gomes e claro, Pedro Lourenço. «Julgo que nessa época apenas perdemos um jogo. Ganhámos por 60 pontos ao Benfica na Final Four que foi nos Salesianos. Os treinadores eram Júlio Matos eVitor Ferreira», recorda Pedro Lourenço. As boas exibições dessa temporada acabaram por ser decisivas para ser chamado a vestir a camisola das quinas no Mundial desse ano: «Eu não fui ao CAR e só fui chamado posteriormente porque tinha assinado pelo FC Porto. Tenho a impressão de que se não fosse isso, nem tinha ido ao Mundial», afirma. Depois desse ano de afirmação Pedro Lourenço passou a encarar o profissionalismo mesmo que não abdicasse da vida de estudante. Ao serviço do FC Porto ia “driblando” o quotidiano para responder às exigências. «Quando cheguei ao FC Porto tinha um contrato, todo o contexto profissional, estudava na Faculdade de Belas Artes, 205 mas tinha vida de profissional.Treinava de manhã, ia à faculdade à tarde, depois voltava para treino no Rosa Mota e de noite ainda treinava com os juniores. Ou seja, treinava três vezes por dia. Mas o basquetebol era muito diferente e eu queria muito ser profissional». «Em Espanha aprendi a competir» A lesão de Rui Santos num jogo da Taça da Liga abriu espaço a Pedro Lourenço para ir conquistando minutos. Mas a recuperação do jogador voltou a atirar o base para fora das opções e isso terá motivado a vontade de procurar novas opções de carreira do outro lado da ponte D. Luís. «Eu era conhecido por ser um jogador irreverente. Decidi por isso sair do FC Porto. Por irreverência, mas também por sentir que o meu trabalho não tinha sido recompensado», explica, acrescentando: «A falta de oportunidade magoou-me. Quis por isso procurar a minha carreira em outro lado. Fui para o Gaia onde joguei um ano e meio a titular». No Gaia o base encontrou espaço para jogar, mas o baixo orçamento do clube numa Liga competitiva acabou por resultar na despromoção do emblema nortenho. «Descemos na última jornada, mas ganhámos à Ovarense, ao FC Porto, a muitas equipas de cima. A Liga era muito equilibrada. Uma equipa de baixo podia facilmente ganhar ao número 1. Havia equipas muito boas. O orçamento do Gaia era um dos mais baixos na altura, mas era certamente maior do que a maior parte das equipas de agora», sublinha. Os problemas financeiros levaram a salários em atraso e Pe- 206 dro Lourenço, por via de agentes, encontra oportunidade de continuar a carreira em Espanha. A temporada 2002/03 prosseguia em Badajoz numa equipa famosa pela sua formação. «Fui para a Liga EBA, que era na altura a 4.ª divisão, para o Doncel La Serena uma equipa que é famosa por ter formado o José Calderon», afirma. A boa época do base atirou-o logo na temporada seguinte para voos maiores. «Uma equipa de agentes profissionais colocou-me numa equipa da Catalunha, o CB Valls», recorda. As exibições positivas de Pedro Lourenço iam sendo notícia na imprensa nacional. Ora pelos 19 minutos de jogo e 10 pontos concretizados no triunfo da sua equipa sobre o Calpe, a 14 de Outubro de 2003, ora pelos 20 pontos assinados no triunfo sobre o Pozvelo, uma semana mais tarde. Foi na Catalunha que Pedro Lourenço saboreou o seu primeiro grande êxito na carreira internacional. «Fomos campeões da 3.ª divisão, que se chamava assim, mas na verdade não era pois a ACB era um mundo à parte. Havia por isso fora desse mundo a LEB 1 e LEB 2. Essa era a LEB 2». A exigência em Espanha fez-se sentir na sua evolução enquanto atleta. Com colegas que já contavam no seu percurso com passagens pela ACB e outros internacionais por vários países, Pedro Lourenço teve de trabalhar para manter o estatuto de base titular. «Em Espanha aprendi a competir. Em Portugal sabia jogar», afirma, sublinhando a importância de um treinador em particular: «Com todo o respeito pelos treinadores que tive, todos foram importantes, mas o actual 207 presidente da associação de treinadores de Espanha foi meu treinador e disse-me que eu tinha excelentes fundamentos, não sabia era competir. Foi um treinador que soube retirar de mim as melhores qualidades para bem da equipa». «Acima de nós só está o Real Madrid e o Barcelona» As boas indicações deixadas pela equipa no ano anterior iriam manter-se na época seguinte e o CB Valls “entrou a matar” na LEB 1. «Estivemos até à 12.ª jornada em primeiro lugar e o nosso treinador dizia ironicamente que “acima de nós só está o Real Madrid e o Barcelona”. Fizemos jogos de preparação contra equipas da ACB, por exemplo contra o Barcelona, em que perdemos por 1 ponto. Eu joguei esse jogo e tenho orgulho de dizer isto. Fiz jogos contra o Marc Gasol, contra o Sérgio Ramos, aliás ganhámos à equipa do Sérgio Ramos, que era uma equipa com muita qualidade», lembra. A questão da nacionalidade foi problema que o base não sentiu na sua experiência no país vizinho. Na sua opinião, esse era um obstáculo mais presente em Portugal do que propriamente em Espanha. «Fui sete anos patrocinado pela Adidas. E um pouco por via desse patrocínio surgiu a dada altura a oportunidade de assinar pela Oliveirense, treinada pelo HenriqueVieira. Mas era um pouco como ponto de partida a ideia que ia ser base suplente do Scott Stewart. E aquilo chocou-me. Porque entendia que até podia ser base suplente, mas eu seria um dos bases da equipa», afirma. O jogador não se arrepende da carreira em Espanha, onde 208 representou ainda o Palencia, em 2005, mas aponta a ausência de aposta no jogador nacional que se fazia sentir na Liga portuguesa naquele período. «Em Espanha joguei 10 anos. Ganhava o triplo do que ganhava em Portugal. Percebi que eles não queriam saber da nacionalidade. Estou de acordo com os estrangeiros que vinham para Portugal, mas os de qualidade. Penso que em relação a outros podia ter existido uma maior aposta no jogador português e eu insiro-me nesse lote. Por exemplo diziam que eu era pequeno e recordo-me até numa transmissão televisiva terem dito que provavelmente só não poderia ambicionar voos mais altos pela minha estatura. Mas o que é certo é que cheguei a Espanha e fui campeão com jogadores que via-me e desejava-me para competir com eles». Dos atletas que marcaram presença no Mundial 1999 apenas Paulo Cunha vestiu a camisola da selecção no Europeu 2007. Vontade não faltava a Pedro Lourenço de lhe ter feito companhia nesse registo. «Gostava de ter feito parte da selecção de 2007. Fui campeão em Espanha e nunca fui convocado para a selecção. E acho que ser o base titular em Espanha, ser campeão e não ter sido convocado para a selecção deixa-me um sabor amargo», diz. Em 2008, já na fase final da carreira, o base experimentou mais uma jogada arriscada. Criava a marca Playground Stars. «Tinha acabado de nascer o primeiro filho. Ainda jogava, mas já não 100% profissional», aponta. Além da ideia de fazer nascer a empresa com forte ligação ao basquetebol a carreira de Pedro Lourenço continuou ainda em Espanha a partir do banco. «Fui treinador e cheguei a ganhar títulos com infantis e cadetes», afirma. 209 João «Betinho» Gomes: E a NBA aqui tão perto «Só via a NBA e o Michael Jordan e queria ser como ele» O verão de 2006 foi cheio de acontecimentos inesperados. Os Miami Heat sagravam-se pela primeira vez campeões da NBA, ao derrotarem os Mavericks no sexto jogo com Dwane Wade em evidência, o italiano Andrea Bargnani foi primeira escolha do draft pelos Toronto Raptors, distinção até então inédita para um europeu, e Portugal assegurava o apuramento para o Europeu 2007. Ah, e em Treviso estava João «Betinho» Gomes a estrear-se entre os melhores do velho continente, começando a escrever uma história que acabaria por chegar precisamente aos Estados Unidos e à NBA. Para ser contado o início é preciso ir até Cabo Verde, mais concretamente a São Vicente, onde aos 12 anos de idade começou a jogar basquetebol. Para trás tinha ficado a Ilha da Praia e o gosto pelo futebol. «Fui para São Vicente aos 11 anos onde fiz novos amigos que jogavam Basket. E foi aí que começou o meu interesse. Comecei a ver jogos da NBA, a ver o Michael Jordan, e apaixonei-me. O que ele fazia era espectacular e eu queria ser como ele.Tinha noção nula sobre o basquetebol em Portugal ou no resto da Europa. Só via a NBA e o Michael Jordan e queria ser como ele», explica «Betinho». O sonho de ser igual ao número 23 dos Chicago Bulls tornou-se a prioridade e o basquetebol passou a ocupar o seu quotidiano, nem que para isso tivesse de recorrer à imaginação: «Fartava-me 210 de treinar. Todos os tempos livres eram para ficar no campo a treinar e a jogar. No orçamento familiar ir ao ginásio, por exemplo, ou fazer treino mais específico, não eram prioridades então eu improvisava e na mochila da escola tirava os cadernos e os livros e metia pedras lá dentro para fazer agachamentos», conta. Aos 16 anos surge a oportunidade de disputar um torneio da CPLP. A qualidade de «Betinho» não passa despercebida e a vida dá uma volta. «Estava lá um senhor chamado Carlos Pires, que trabalhava com o Barreirense, que falou comigo para ir lá ao Barreiro fazer uns testes. Então fizemos um visto de duas semanas, treinei, eles gostaram e fiquei no Barreirense». «Nas duas vezes que fui a Treviso fiquei no cinco ideal» Não demorou muito para que «Betinho» conquistasse o seu espaço no basquetebol português. Na estreia, em 2003/04, alcançou por oito vezes a marca dos dois dígitos em pontos marcados, tendo estado em particular evidência na partida frente ao Casino Ginásio, onde registou 27 pontos. Entretanto era distinguido com o seu primeiro troféu. Foi no All Star Game de 2004, realizado em Queluz, que Betinho sagra-se vencedor do concurso de afundanços. Olhando para trás no tempo o jogador recorda que não houve na verdade nenhuma habilidade em particular e lembra em jeito de piada e entre risos: «O Chris Porter da Oliveirense falhou os afundanços todos e eu ganhei». Na temporada seguinte a promessa foi sendo cada vez mais 211 uma certeza. Em Abril de 2005 era destaque na imprensa. Os jornais faziam eco do atleta de 19 anos que no triunfo do Barreirense sobre o Belenenses, por 92-87, deixou um “duplo-duplo” na ficha de jogo: 31 pontos e 16 ressaltos. O registo repetia-se novamente, desta feita frente ao Santarém: 21 pontos e 13 ressaltos. As boas exibições atiravam-no nesse verão para o Reebok Eurocamp, em Treviso, um dos mais prestigiados campos de observação de jovens promessas. A estreia internacional foi positiva ao ponto de Chad Ford, jornalista da ESPN, ter incluído o atleta entre os 50 possíveis candidatos à NBA. A temporada seguinte no Barreirense voltou a deixar boa impressão e em Janeiro de 2007 o jogo entre o Barreirense e o CAB tinha espectadores especiais na bancada. O olheiro dos Minnesota Timberwolves, Pete Philo, e um observador dos Atlanta Hawks, Mark Crow, tiravam notas sobre o jogador que tinha nessa altura 21 anos. «Eu sabia que os olheiros estavam lá nesse jogo. Antes até tivemos um almoço juntos e falámos. Estava um bocadinho nervoso por causa disso. O meu sonho era chegar à NBA e estar onde esteve o Michael Jordan», afirma. No verão desse ano «Betinho» volta a Treviso para ocupar outra vez o seu espaço entre os mais promissores. «Joguei com o Bellinelli. Já nessa altura era uma estrela. Lembro-me até que em Treviso só podias usar sapatilhas da Reebook, mas ele vinha com as da Nike e jogava à vontade. Parava tudo para o ver jogar. Era impressionante, um grande jogador. As duas vezes que lá fui correram-me muito bem. Em ambas fiquei no cinco ideal». 212 O day after do jogo do Barreiro, onde Betinho registou 15 pontos e sete ressaltos, foi seguido com atenção na imprensa. O Correio da Manhã escrevia «Betinho perto da NBA» e citava o director da secção de basquetebol do Barreirense, António Libório, para a radiografia do atleta: «Tem tudo. É humilde, educado e um lutador. Ambiciono-lhe um grande futuro»126. A temporada 2006/07, a última ao serviço do Barreirense, foi verdadeiramente impressionante. Superando a marca de 20 pontos concretizados em mais de 11 jogos atingiu o seu recorde pessoal frente ao Casino Ginásio, onde assinou 33 pontos. O verão foi dividido entre a segunda presença em Treviso… e a porta de entrada na NBA. «Existiam baldes ao lado do campo para os jogadores vomitarem» O buzz em torno de «Betinho» cresceu em grande medida pelo facto de ter sido incluído entre os eleitos ao draft da NBA 2007. Um dos sites que assumiu essa aposta foi o Draft Express. Ao Público o colaborador Luís Fernandez, responsável pela recomendação do jogador do Barreirense, sublinhava a sua convicção: «Eu penso mesmo que ele é um sério candidato para o draft»127. O cheiro da NBA foi sentido ao vivo e a cores com a presença em workouts junto de várias equipas. «Fiz workouts com Boston, Detroit Pistons, Portland, Milwaukee, Minesotta. Foi tudo isto em seis dias. Com muita intensidade. Chegava lá, treinava com a equipa, acabava o trei- 213 no, depois saía, apanhava o avião para outro estado, dormir, acordar e voltar a treinar outra vez», explica. Uma experiência que colocou «Betinho» à prova numa dimensão bem diferente da que estava habituado no Barreiro e na liga nacional. «Foi muito duro. E os treinos eram fisicamente muito exigentes. Em todos os campos onde íamos existiam baldes ao lado do campo para os jogadores vomitarem. Porque aquilo leva os jogadores ao limite», conta. Apesar de ter quase conseguido tocar o sonho, «Betinho» acabou por não entrar na melhor liga do mundo. Uma experiência que o jogador aceita com realismo. «Tinha esperanças de que podia conseguir entrar na NBA, mas é muito complicado. Apesar de ser um dos melhores jovens em Portugal naquela altura, a verdade é que jogadores como eu há muitos nos Estados Unidos». Afastado o sonho da NBA era agora tempo para integrar a preparação de Portugal tendo em vista o Europeu de 2007. O jogador não tinha realizado qualquer encontro na fase de apuramento e no caminho da convocatória tinha a concorrência de Carlos Andrade. Em causa o estatuto de naturalizado que apenas deixava espaço para um. No Torneio Internacional de Elvas, em Agosto de 2007, «Betinho» foi MVP do triunfo sobre a Tunísia com 16 pontos marcados. Voltava a mostrar-se em bom nível na partida frente à Roménia a assinar 17 pontos. A lesão de Carlos Andrade contraída num torneio na Alemanha acaba por deixar o caminho aberto para o atleta do Barreirense e «Betinho» veste a camisola de Portugal no Europeu 2007. Na prova destacou-se nos encontros frente à Croá214 cia (17 pontos) e Israel (23 pontos e 11 ressaltos). «A LEB Oro estava provavelmente no Top 5 das ligas da Europa» O destino seguinte na carreira foi Espanha e apesar do interesse de emblemas da ACB o atleta acabou na LEB Oro para representar o Cantabria Lobos. «A decisão de ir para a LEB Oro foi conselho do meu agente, o Quique Villalobos, que foi um grande jogador. Ele tinha um conhecimento muito forte dos campeonatos espanhóis e achou que era melhor para mim ir à LEB Oro para ganhar experiência antes de chegar à ACB». O conselho do agente haveria de verificar-se acertado assim que «Betinho» começou a trabalhar na nova realidade. «O início foi duro porque é um basquetebol completamente diferente daquele de Portugal. E a LEB Oro da altura não é como agora, que está num nível mais baixo. Naquela altura a LEB Oro estava provavelmente no Top 5 das ligas da Europa. Era uma liga muito exigente e financeiramente muito atractiva, portanto tinhas grandes jogadores ali». A experiência no Cantabria foi curta. A equipa tinha na temporada anterior ficado às portas da ACB sem conseguir a desejada subida e esse objectivo tinha sido renovado. «Construíram a equipa para subir e havia muita pressão. O treinador não tinha muita paciência com jovens e para trabalhar com jovens», recorda. Acabou por ser emprestado ao Breogan de Lugo, da mesma divisão, como solução para colmatar a lesão de um dos jogadores mais influentes do 215 plantel. Ficou quatro temporadas. Em 2011 regressa a Portugal para representar o Benfica com quem se sagra por três vezes campeão nacional. A ACB chega aos 29 anos ao assinar pelo Morabanc Andorra para a temporada 2014/15. «Um sonho e um objectivo», como explicou ao Record128. O contrato de um ano acabou prolongado. Em artigo no site Endesa Basket Lover, da autoria de Antonio Rodriguez, «Betinho» é destacado na equipa de Andorra como integrante de um «cuarteto de la muerte» formado, além do português, por Schreiner, Navarro e Green129. O passo seguinte na carreira foi Itália em busca de mais um sonho: o de jogar nas competições europeias. «Estava bem em Andorra e eles até convidaram a renovar, mas apareceu Trento que era uma equipa que ia participar na EuroCup, que era uma segunda divisão da Euroliga, e um dos meus sonhos era jogar na EuroCup ou na Euroliga». Com o Aquila Basket Trento chega ao Top 16 da EuroCup acabando eliminado pelos russos do Lokomotiv Kuban Krosnodar. Mas o sucesso foi sobretudo a nível da competição doméstica. «Não podias andar na rua sem alguém te pedir um autógrafo» «Fui a duas finais da Liga Italiana. Foi uma surpresa. Ninguém estava à espera pois o Trento é uma equipa que luta para chegar ao Playoff. E depois de lá chegar logo se vê. E mesmo a cidade não estava particularmente convertida ao Basket pois Trento é uma cidade de Voleibol. O Trento em Vo- 216 leibol ganhava muita coisa. Por isso o Basket estava em segundo plano», recorda. O êxito da equipa, que na primeira temporada perdeu a final para o Umana Reyer Venezia e na época seguinte acabou derrotada pelo Olimpia Milano, teve o mérito de converter a cidade para a modalidade. «Depois desse ano mudou completamente. Não podias andar na rua sem alguém te pedir um autógrafo ou uma foto. O pavilhão sempre cheio. A média era 4 mil pessoas. E não só no nosso. Em todos os outros pavilhões era sempre assim». Numa carreira cheia cujos pontos altos, além de espreitar a NBA, foram a ACB e a Lega Basket, «Betinho» destaca a componente táctica como principal factor de diferenciação. «A nível físico não encontrei grande diferença entre ACB e Itália. Se calhar Itália até era mais duro. Lá jogava-se com sete estrangeiros. Havia equipas com cinco americanos. A nível táctico é que a ACB era muito melhor». Em Junho de 2019 despede-se da selecção nacional e regressa a Portugal para voltar a representar o Benfica. «No Benfica estive três anos e fui campeão três vezes. Lá fora não ganhei nada. E vim para ganhar outra vez, tenho saudades de festejar», disse. 217 Showtime and Turnovers 26 de Janeiro de 1996: «Atlético acaba com o basquetebol». A notícia fazia capa do jornal Record e era a conclusão de uma novela que envolveu o primeiro projecto de “equipa empresa” da era do profissionalismo e o primeiro “passo em falso” do novo modelo competitivo. A Infordesporto II apostou no Atlético para um «projecto inovador que altera profundamente a postura no basquetebol português» apresentado em Junho de 1995, mas o certo é que, cinco meses passados, os problemas multiplicavam-se no histórico emblema da Tapadinha. Fosse pelos ordenados em atraso dos atletas, fosse pelo diferendo entre a direcção do clube e a empresa gestora da modalidade pelas obras que decorriam no pavilhão. Depois de a época ter sido iniciada com Henrique Vieira no comando da equipa, a última partida realizada pelo Atlético foi orientada por Nuno Ferreira, o capitão da equipa de 22 anos de idade. Uma vitória frente ao Esgueira, por 74-61. A Liga ficava reduzida a onze clubes logo no seu ano de estreia e a decisão do órgão dirigente passou pela anulação de todos os jogos até aí efectuados pelo clube. Em entrevista ao Record o presidente da Associação Nacional de Treinadores de Basquetebol, José Curado, não enquadrava o fracasso da experiência do Atlético como uma falha no projecto da Liga Profissional. Antes pelo contrário. «Se fosse na situação anterior o Atlético provavelmente continuaria na competição, com tudo escondido, com as dívidas por liquidar. É bom que as pessoas se comecem a capacitar que os tempos mudaram»130. 23 de Maio de 1996: O presidente da Liga, Fernando Go218 mes, demite-se do cargo invocando «razões de vária ordem, tanto a nível pessoal como familiar». Apesar de ainda ter mais um ano de mandato a cumprir, abdicou considerando «estar cumprido o desejo de ter contribuído para o basquetebol ter sido a primeira modalidade a abraçar o profissionalismo». «As expectativas iniciais até foram excedidas e os objectivos delineados foram amplamente conseguidos», acrescentou. O nome de Manuel Aurélio, ex-presidente do Vitória de Setúbal, era avançado como o sucessor. 16 de Junho de 1996: Chegava ao fim a 4.ª edição do Torneio Internacional da Amadora que movimentou cerca de 400 atletas de ambos os sexos. Distribuídos por 31 equipas, sendo 29 de clubes e duas selecções, marcaram presença emblemas em representação de seis países, designadamente Portugal, Suécia, Finlândia, Estónia, Holanda e Brasil. O Barreirense venceu em Juniores Masculinos, enquanto o Estoril foi mais forte em Cadetes e o Belenenses em Iniciados. No que respeita a Femininos a equipa finlandesa do Panntterit venceu em Juniores, enquanto a selecção portuguesa triunfou em Cadetes. 4 de Janeiro de 1997: Benfica e FC Porto com tendências contrárias no que respeita à Liga Profissional permanecer aberta ou fechada, polémica que colocava em causa as descidas e subidas de divisão por mérito desportivo. Para Mário Palma, técnico dos encarnados, não fazia sentido «fechar a Liga quando há lugares em aberto», sublinhando ser «conveniente esperar que apareçam equipas como a Portugal Telecom com empresas que queiram apostar no basquetebol profissional». Já Jorge Araújo, treinador dos dragões, defendia que 219 «depois da experiência inicial é de toda a conveniência fechar a Liga». Entendia o técnico que «para os patrocinadores era um factor de segurança, uma vez que poderiam investir por um período mais alargado e não apenas um ano»131. 19 de Março de 1997: A Liga e a Expo 98 assinam acordo de patrocínio para o Playoff dessa época e para toda a temporada 1997/98. O negócio contemplava um valor de 35 mil contos além de deixar em aberto a utilização do Pavilhão Multiusos para a realização do Mundial de Juniores em 1999. Antes já a competição havia rubricado acordo de sponsorização com o Banco Nacional Ultramarino visando os dados estatísticos e a empresa DMS para a publicidade nos pavilhões. 14 de Agosto de 1997: O CAB estreia-se na Liga com novo pavilhão e a designação CAB/Levi´s Store. Logo no jogo inaugural, para a Taça da Liga, faz um brilharete ao derrotar o Benfica. 12 de Julho de 1998: A Liga garante um pacote de 100 transmissões televisivas. A SportTV, canal lançado no mês anterior na Feira Popular, fica com 70 transmissões, às sextas-feiras e Domingos, enquanto a RTP assegura 30 transmissões, sempre aos Sábados. Na temporada 1998/99 a competição tem a designação Liga TMN. 26 de Abril de 1999: Arrancava a final do Playoff a colocar frente a frente FC Porto e Illiabum. No Pavilhão Rosa Mota a RTP anunciava que pela primeira vez numa transmissão televisiva de basquetebol, além das nove câmaras dispersas pelo recinto, ia exis220 tir uma grua a permitir novos ângulos de visionamento. O treinador da formação de Ilhavo era Carlos Gouveia que na ficha de jogo aparecia inscrito como técnico de estatística pela sua recusa em utilizar gravata, regra imposta pelos regulamentos da competição e que já lhe havia valido uma multa no passado, sendo o papel de técnico assumido por Francisco Gradeço. O lançamento da bola ao ar foi feito pela atleta Rosa Mota perante uma assistência de três mil espectadores onde se destacava o forte apoio à equipa visitante que trouxe 10 autocarros com adeptos. Na série de jogos Nuno Marçal atingiu os 2500 pontos em Playoff, tendo o FC Porto festejado o título em casa do adversário, no Jogo 4, a 2 de Maio de 1999. No Illiabum o destaque pertencia ao norte-americano Ray Thompson. 19 de Junho de 2000: A Liga bate o recorde de candidaturas com a participação de 14 equipas para a temporada 2000/01. Belenenses e Barreirense eram as novidades numa prova que apresentava como orçamento mínimo 80 mil contos. 1 de Agosto de 2000: Os árbitros portugueses António Coelho, António Pimentel e Fernando Rocha aceitam o convite da ULEB para apitarem encontros da Euroliga, a nova competição criada para juntar as melhores equipas europeias e que abriu um diferendo entre essa organização e a FIBA. O árbitro José Araújo foi igualmente convidado, mas rejeitou o convite. 23 de Fevereiro de 2001: Momento conturbado entre FPB e Liga motivado pelos árbitros que apitaram os encontros da Euroliga estarem impedidos pela FIBA de apitarem jogos das competições domésticas. O presidente da FPB, Mário Saldanha, 221 demonstrou o desagrado com a entidade organizadora da principal competição nacional. «A Liga tira partido da formação de árbitros e jogadores e faz ouvidos de mercador quando propomos a limitação de comunitários. Não temos qualquer retorno desportivo. A FPB não ganha nada com a Liga Profissional»132. 3 de Abril de 2001: O lançamento do Playoff voltou a ser alvo de pompa e circunstância e decorreu com a novidade da vídeo-conferência, depois de no ano anterior ter tido como palco o restaurante «Café Café», de Herman José. 13 de Maio de 2001: No momento em que a Portugal Telecom festeja o seu primeiro título de campeã, o presidente da Liga de Clubes, Manuel Aurélio, dá voz ao optimismo: «Foi o melhor campeonato de sempre. Batemos o recorde de candidaturas e despertámos muito interesse pela Liga». 28 de Setembro de 2001: A Liga supera o anterior registo de candidaturas e apresenta uma temporada marcada por muitas novidades. Competem dezasseis emblemas, com a entrada do Lusitânia e do Leiria Basket, e o número de árbitros passa de dois para três, os marcadores electrónicos exigidos de um para dois e cada equipa passa a ter de inscrever no mínimo três portugueses no boletim de jogo. Logo na jornada inaugural surge o primeiro caso: o jogo entre Gaia e Benfica não se realiza por o clube nortenho ainda não ter apresentado na Liga até aquela data a garantia bancária exigida para a inscrição. 10 de Outubro de 2001: Em entrevista ao jornal A Bola o treinador Mário Palma afirma: «a Liga cresceu em número de clubes 222 mas quanto a profissionalismo deixa muito a desejar». 26 de Dezembro de 2001: Em entrevista ao jornal A Bola o ex-selecionador, Adriano Baganha, alinha no tom crítico em relação ao estado da modalidade: «Sem pretender ser saudosista penso que as competições nacionais perderam interesse, sejam elas da Federação ou da Liga. Deixou de haver uma identificação com os atletas, perderam-se as referências que canalizavam as pessoas para o basquetebol». 12 de Março de 2002: As dificuldades do Leiria Basket eram assunto do dia. O clube vivia o ano de estreia na Liga Profissional, mas arriscava-se a nem sequer concluir a competição. Em causa estavam três meses de salários em atraso, a saída de dois estrangeiros do clube e a proibição de novas inscrições. Passado uma semana a equipa contava apenas com oito jogadores que se reuniram para assegurar que a época seria levada até ao fim. O capitão Raúl Santos foi porta voz do grupo que afirmava pretender «poupar uma vergonha à cidade de Leiria e à Liga Profissional». Assim permaneceram até Julho de 2002, quando o fim foi anunciado com oito meses de salários em atraso. O treinador João Moutinho era a voz da indignação: «Fecha-se a porta através de um telefonema. E a Liga continua impávida e serena. Não é que tenha de nos pagar, mas se gere o que se passa nos clubes, tem de receber os seguros, folhas de segurança social…e eu pergunto se o Leiria pagou isso?»133. 16 de Maio de 2002: A Final 8 da Taça de Portugal realiza-se no Pavilhão Atlântico sob o patrocínio da PT Comunicações. O Presidente da República, Jorge Sampaio, assim como a selecção nacional de futebol, em partida para o campeonato 223 do mundo, asseguravam presença no primeiro dia do evento. O jogo das meias finais entre Oliveirense e Benfica juntou cinco mil pessoas nas bancadas. 4 de Julho de 2002: O Illiabum desiste da Liga. «Não temos dinheiro. Para esta decisão não há qualquer razão além dessa», afirmava Adriano Nordeste, presidente da mesa da assembleia geral do clube. Para a época 2002/03 a prova realizava-se com 13 emblemas. Os primeiros classificados do Campeonato Nacional da I Divisão, Sangalhos e Basket Guimarães, rejeitavam ambos a subida ao Profissional. 31 de Outubro de 2002: O jogador do Benfica, Francisco Jordão, manifesta intenção em rescindir contrato alegando salários em atraso, depois de já o treinador Mário Gomes, uma semana antes, ter apresentado a demissão pelo mesmo motivo, além do que designou de «atropelos» ao seu cargo e «indiferença» no tratamento. Antes deles, também o director desportivo Pedro Miguel havia sido afastado. A demissão do vice das modalidades, em Novembro, pacificou as hostes e abriu caminho aos regressos de Mário Gomes e Pedro Miguel. Este foi apenas um dos casos conturbados que os encarnados viveram na entrada do milénio, tendo a própria existência da modalidade sido posta em causa. A nível desportivo, depois de ter falhado o Playoff em 2001/02, os encarnados voltavam a ficar de fora da fase decisiva do campeonato em 2003/04, onde se posicionaram no penúltimo lugar da fase regular. 4 de Fevereiro de 2003: A Ovarense anuncia a rescisão 224 de contrato com Jorge Araújo numa notícia que o Record noticiou como «ruptura inevitável». Foi a primeira vez na longa carreira do técnico que a saída de um clube não aconteceu pelo seu próprio pé, pese embora Jorge Araújo já ter comunicado aos responsáveis pelo emblema vareiro a vontade em abandonar o projecto no final da temporada. Em causa terá estado um mau estar entre o treinador e «pessoas exteriores à SAD nomeadamente o responsável da empresa Aerosoles». Nessa temporada, o técnico tinha feito fortes críticas à organização da fase final da Taça da Liga, disputada em Portimão, factor que motivou celeuma no mundo do basquetebol. Ao cabo de um percurso com quase 40 anos, um dos maiores defensores do profissionalismo decidia colocar um ponto final na carreira de treinador. 28 de Fevereiro de 2003: O Aveiro Basket coloca os atletas no mercado. A grave crise financeira caracterizava-se por salários em atraso e a ameaça de despejo do Pavilhão dos Galitos por falta de pagamento. O clube que foi criado em 1997 com o mote de unir os emblemas da região – Esgueira, Galitos e Beira-Mar – em uma equipa para a Liga Profissional tinha uma significativa participação da Câmara Municipal na sua estrutura acionista e fez correr muita tinta sobre a sua gestão. O fim só chegou em 2005/06, mas até lá a equipa foi vivendo sucessivas crises que agudizavam uma situação de emergência. Apesar de ter iniciado a temporada 2003/04 a vencer a 2.ª edição do Torneio dos Campeões, o Aveiro Basket registava em Janeiro, com o técnico Emanuel Seco a render Carlos Lisboa, a marca das 12 derrotas consecutivas e ocupava o último posto 225 com 15 derrotas em 19 jogos. Na temporada seguinte, 2004/05, depois de em Outubro os jogadores terem levado a cabo uma greve aos treinos por salários em atraso, a equipa voltava a não atingir o Playoff e o técnico desabafava: «Sou adepto de ter sempre 12 jogadores para treinar e quase nunca os tive, cheguei mesmo a ter sete. Mas pior que isso é a equipa não ter tido condições para treinar. Relembro que na semana da Taça da Liga não fizemos um único treino por não termos pavilhão»134. 27 de Abril de 2003: O FC Porto fica pela primeira vez fora do Playoff. Os dragões concluíram a fase regular no 9.º posto da tabela classificativa depois de uma derrota na Madeira, frente ao CAB, por 100-88. 20 de Junho de 2003: O Seixal abandona a Liga Profissional depois de ter sido um dos emblemas fundadores e ter marcado presença em todas as edições da prova. O clube, que conquistou a Taça da Liga em 1998/99, justificou a decisão com a falta de apoios financeiros. 16 de Março de 2004: José Castel-Branco é eleito presidente da Liga reunindo a preferência de oito votos dos doze possíveis. 14 de Julho de 2004: Era anunciada a criação do Basket de Alta Competição de Santarém que iria participar na Liga Profissional de Basquetebol de 2004/05. Escrevia O Mirante que o novo clube, formado de raiz, estava ligado ao Santarém Basket, mas abrangia apenas a equipa sénior masculina. A equipa sénior feminina e os escalões de formação mantinham a designação Santarém 226 Basket Clube. 3 de Novembro de 2004: Decorridas seis jornadas apenas dois encontros tinham merecido transmissão televisiva e ambos envolvendo o Benfica, em partidas frente ao Santarém e Aveiro Basket. Em causa estaria um desencontro de verbas entre a empresa DMS, que adquiriu o pacote de jogos à Liga, e a sua negociação com a RTP. 19 de Dezembro de 2004: Morre o base do Ginásio Figueirense, Rui Roxo, quando seguia em viagem rumo a Almada para participar no All Star Game. Na origem do trágico acontecimento terá estado o rebentamento de um pneu na viatura onde seguia, juntamente com os colegas de equipa Michael Lasme e Samba Camará. Com 23 anos, Rui Roxo era o capitão de equipa do conjunto da Figueira da Foz depois da saída de José Costa para o FC Porto. O encontro All Star Game foi cancelado tendo sido realizado no início de Janeiro. 7 de Fevereiro de 2005: O CAB vencia a Taça da Liga, em Albergaria-a-Velha, ao derrotar o FC Porto, por 94-87. Os insulares, treinados pelo espanhol Pep Clarós, contaram com um endiabrado Jarret Stephens, autor de 30 pontos e considerado MVP do encontro. 13 de Junho de 2005: O Sampaense sagrava-se bi-campeão da Proliga ao vencer em Almada o BAC por 80-88. Ainda assim, e pelo segundo ano consecutivo, o clube voltava a não equacionar a subida à Liga Profissional. 227 13 de Julho de 2006: Apesar de Portugal ter asseguradas cinco vagas nas provas europeias, através de um wild card na Eurocup e quatro vagas na Eurocup Challenge, todos os clubes recusaram a participação, alegando falta de interesse e condições económicas. Era a primeira vez desde 1992 que Portugal não tinha nenhum clube nas competições europeias de basquetebol. 29 de Setembro de 2006: A Oliveirense desistia da Liga Profissional e a edição 2006/07 realizava-se com apenas nove clubes, depois de já se ter verificado o fim dos projectos Santarém Basket e Aveiro Basket. Apesar de os encargos obrigatórios para a inscrição terem baixado nessa temporada de 300 mil euros para 200 mil euros, o emblema de Oliveira de Azeméis, pela voz do presidente Eduardo Costa, afirmava que «os investidores recuaram quando souberam que as transmissões televisivas iam sair do sinal aberto para o cabo». 16 de Dezembro de 2006: O Expresso dedicava um artigo ao All Star Game, que se realizava nessa temporada em Matosinhos, anunciando que pela primeira vez foi um português o mais votado para o cinco inicial através do site oficial do organismo. Naquela que foi a votação mais concorrida de sempre o jogador Paulo Cunha foi o preferido do público. Era ainda anunciando que o site da Liga registava um aumento de 40% no número de visitantes. 5 de Junho de 2007: O Benfica abandonava a Liga Profissional. A decisão terá sido em grande parte influenciada pelo processo em torno da suspensão do jogador António Tavares que acusou substância dopante. O vice das modalidades, Fernando Ta228 vares, afirmava que o caso «afectou irremediavelmente a confiança nos órgãos dirigentes da Liga». A prova realizava-se agora com oito clubes. As águias iriam jogar na Proliga, competição organizada pela Federação Portuguesa de Basquetebol. 7 de Junho de 2007: O Queluz anunciava a sua desistência da Liga Profissional e deixava o projecto em risco por falta de clubes que viabilizassem a realização da prova. A salvação veio de Vagos, com o emblema finalista da Zona Norte da CNB1 da temporada anterior a garantir o número mínimo de oito emblemas para a realização do campeonato. 22 de Setembro de 2007: A guerra entre Liga e Federação atingia o ponto de ruptura. O presidente do primeiro organismo, Paulo Mamede, afirmava que a Proliga era «uma prova ilegal» e denunciava que «a aceitação de clubes está a ser feita mediante critérios que não estão escritos em lado nenhum nem submetidos a parecer de ninguém». O dirigente questionava se era legítima a existência de «uma competição profissional com obrigações e uma outra dita não profissional com tiques de profissionalismo». O presidente da FPB refutava as declarações, considerando-as «um conjunto de asneiras»135. 28 de Setembro de 2007: O secretário de Estado da Juventude e Desporto, Laurentino Dias, anuncia que vai pedir ao Conselho Nacional do Desporto um «debate sério» sobre as condições das Ligas Profissionais em Portugal. A propósito da reunião com FPB e Liga afirmou ao Diário de Notícias: «Estivemos a tomar consciência das divergências, que não podem impedir o início normal dos campeonatos. Vamos pegar nestas divergências e transportá-las para uma 229 discussão séria no CND para encontrar soluções para em 08/09, iniciar os campeonatos com modelos ajustados à nossa realidade». 26 de Outubro de 2007: A Associação de Jogadores de Basquetebol denuncia em conferência de imprensa as irregularidades da Liga e Proliga. Em causa estava a inscrição de jogadores pelo Lusitânia e respectiva participação na Liga Profissional quando existiam cartas a dar conta de incumprimentos salariais, assim como do Queluz, na Proliga, pelo mesmo motivo. 3 de Março de 2008: O Benfica na Proliga assumia a sua força e na 22.ª Jornada contabilizava 21 vitórias. Em posição inversa estava o Vila Pouca de Aguiar que não registava qualquer triunfo ao cabo de 22 encontros. 19 de Março de 2008: Em entrevista ao jornal A Bola o novo selecionador nacional, Moncho Lopez, afirmava que o basquetebol nacional vivia «uma situação dramática com uma Liga curta e sem referências, cheia de estrangeiros sem qualidade e que roubam protagonismo aos jovens portugueses». 5 de Abril de 2008: O diário A Bola dá conta que quatro clubes da Liga reuniram-se com Mário Saldanha, presidente da FPB, na tentativa de encontrar uma solução para a próxima época, que podia passar pelo fim do profissionalismo e da competição organizada sob a alçada da Liga. 6 de Abril de 2008: O Vitória de Guimarães, da Proliga, vence a Taça de Portugal frente ao FC Porto, numa Final 8 que contou pela primeira vez com três equipas da competição organi- 230 zada pela FPB a atingirem essa fase da prova. Num triunfo por 6564 brilhou o norte-americano Tommie Eddie, autor de 27 pontos para os vimaranenses, que nas meias tinham afastado a Ovarense. O treinador Fernando Sá afirmava no fim do encontro: «A nossa vitória deve ser um incómodo para a Liga. Acho que os responsáveis da modalidade deviam sentar-se e pensar bem no que devem fazer no futuro». 9 de Abril de 2008: O presidente da Ovarense, Arala Chaves, afirmava em A Bola: «Temos de ser pragmáticos e reconhecer que no actual contexto a Liga não tem condições para continuar. Provavelmente os clubes terão de dar um passo atrás e pensar num novo modelo competitivo». Na mesma data, mas no Público, o FC Porto, pela voz de Fernando Assunção, anunciava que o clube iria extinguir a equipa caso a Liga Profissional acabasse. 9 de Abril de 2008: O líder da Associação de Jogadores, Alexandre Pires, afirma ao Record que «a Liga está morta» e manifesta tristeza por um cenário onde «há problemas nos dois lados», referindo-se a Liga e Proliga. «Os jogadores continuam a ser os mais penalizados. Não é possível trabalhar dez meses e receber apenas dois, como sucede em alguns casos», disse. O dirigente apontava a urgência de uma solução que passasse pelo entendimento entre os dois organismos. «Era importante que Federação e Liga se entendessem e concertassem uma prova com regras que se cumpram. Andámos a carregar calhamaços com normas que não eram respeitadas. Agora mais vale uma folha A4, frente e verso, com regras básicas que se cumpram», sublinhou. Para Alexandre Pires «o basquetebol saiu na frente de várias modalidades e agora está no fundo do pelotão e quase a ser apanhado 231 pelo carro vassoura». 15 de Abril de 2008: Em reunião em Coimbra os 14 clubes da Proliga rejeitaram a proposta da Liga que passava pela obrigatoriedade de subida à competição profissional dos dois primeiros classificados da prova organizada pela FPB. 17 de Abril de 2008: É anunciado o fim da Liga Profissional ao cabo de 13 épocas, com o presidente do organismo, Paulo Mamede, a afirmar não ter condições para cumprir o seu mandato, que se prolongava até Junho 2009. Uma reunião na Figueira da Foz estabelecia a constituição de uma comissão de clubes que iniciaria negociações para a integração nas provas federativas. 232 Epílogo O realizador Orson Welles, autor, entre outros, do famoso filme Citizen Kane, terá dito certo dia que «se queres um final feliz, isso vai depender do momento em que decides parar a história». Este é um livro que se propõe contar o fenómeno de popularidade do basquetebol em Portugal que se materializou na organização de uma Liga Profissional. Não é, ao contrário do que se possa pensar, um livro sobre a Liga Profissional de Basquetebol. Acontece que não será possível contar o boom da modalidade no nosso país sem referir as 13 temporadas daquela competição ou os acontecimentos históricos e inéditos que tiveram lugar no período em que durou essa prova. Se as páginas iniciais do livro apresentam o contexto para o crescimento do basquetebol em Portugal, as histórias que se seguem documentam o quão alto se conseguiu voar. E podia-se ficar por aqui. Concluindo com aqueles aplausos à selecção nacional entre as nove melhores da Europa em 2007. Na nova arena desportiva cheia a festejar o tri-campeonato de um dos clubes referência da modalidade. Ou a contar as histórias que fizeram a carreira internacional de alguns dos nomes maiores do basquetebol português. Mas por outro lado ficava a questão a ocupar a mente de alguns leitores: «Como é que não deu certo»? O desfecho poderá ficar em aberto para as conclusões de cada um, qual filme de Hollywood, mas alguns factos e opiniões podem ajudar na elaboração da narrativa. É por isso incontornável analisar a Liga Profissional como referência da subida e da queda da modalidade no nosso país. Ou 233 utilizar a mesma como paradoxo máximo do insólito que parece ser a história do século XXI do basquetebol em Portugal. Enquanto a selecção nacional era consagrada, em Espanha, entre as nove melhores da Europa, em simultâneo se chegava à conclusão de que neste rectângulo à beira-mar plantado não havia condições para uma prova do género. Para a realização deste livro registaram-se horas de pesquisa em imprensa de época, transmissões de jogos, flash interviews ou recolha de testemunhos entre 19 personalidades que pela sua relevância ajudam a perceber a singularidade de cada um dos feitos. Limitações diversas deixaram muitos outros nomes de fora do discurso directo, mas presentes nas declarações passadas. Nos primeiros meses desta tarefa surgiu desde logo uma questão: Terá sido esse período o mais bem sucedido ou popular da modalidade no nosso país? Mais do que uma análise opinativa os factos demonstram que sim. Em Março de 1996 o Record dava conta de um aumento de 19.8% nos atletas federados de basquetebol em 1995, referindo que esse número era o mais elevado até aquele momento verificado. O mesmo jornal iria noticiar, quase um ano depois, outro aspecto a comprovar que estávamos perante um momento áureo na segunda modalidade do país. Em 12 de Janeiro de 1997 sublinhava através do provedor do leitor, Francisco Sobral, que o basquetebol era «o rei noticioso das modalidades» no que respeita à análise do número de páginas equivalentes à área de noticiário. «Além do futebol, que por si só justifica uma análise especial, três outras modalidades são claramente dominantes. O basquetebol com uma área total publicada equivalente a 43 páginas, o andebol com 33 234 páginas e o atletismo com 24 páginas e meia». Para Artur Cruz a atenção mediática estava presente com grande força naqueles anos da segunda metade da década de 90 e essa visibilidade seria determinante na popularidade do basquetebol. Terá sido mesmo o principal factor diferenciador da nova realidade competitiva. «A grande mudança, entre o antes e o depois do profissionalismo, passou muito pelos media e toda essa envolvência. Existiam mais patrocínios, as equipas cresceram, notava-se e sentia-se que era a segunda modalidade do país. Os jornais dedicavam diariamente pelo menos uma página inteira ao basquetebol», lembra. Falar sobre o basquetebol naquele período é também lembrar uma geração que não tinha grandes alternativas a ir para os playgrounds desafiar os amigos ou para os pavilhões assistir a jogos. Não existia Netflix, Fox ou HBO. O computador ia aparecendo na casa dos portugueses, mas não existia Internet e os jogos de vídeo custavam dinheiro. Sem telemóveis ou redes sociais, as novidades da NBA chegavam através de revistas espanholas ou naquele dia e hora ao fim de semana que a modalidade vivida do outro lado do Atlântico entrava casa adentro via Canal 2 da RTP. O sucesso que os nossos jogadores iam tendo lá fora, que nos tempos que correm são notícia de telejornal ou de um vídeo no You Tube, eram quase um boato que ia espalhando-se de boca em boca. Em testemunho desse entusiasmo, o base Rui Santos recordou ao Porto Canal, no programa Entrevista de Carreira, o que era o ambiente dos jogos europeus de 1996/97 no Pavilhão Rosa Mota: «Havia filas de carros, dificuldade para estacionar, estamos habituados a ver isso nos jogos 235 de futebol, em noites de Champions. A um dia de semana, à hora de jantar, como era possível tanta gente deslocar-se para ver basquetebol? Era uma loucura. O pavilhão completamente cheio e centenas de pessoas ainda cá fora porque queriam entrar, mas já não havia como. Nessa altura o basquetebol atingiu um expoente fantástico»136. Já foi referida a importância que a NBA teve no moldar do basquetebol a nível mundial, mas não se ficou pela modalidade a sua influência. Música, moda e cinema alimentaram-se e foram alimentando a competição. E a mudança de mentalidades também. Quase como a teoria do efeito borboleta aplicada a David Stern. O homem forte da organização arriscou determinado tipo de decisões nos Estados Unidos e o efeito espalhou-se no resto do mundo. A esse propósito lembrava a Time, no momento da morte do ex-comissário, em artigo com o título «Como David Stern salvou a NBA e tornou o basquetebol numa força global», o episódio de quando Magic Johnson interrompeu a carreira por ser portador do vírus HIV, em 1991, e David Stern ficou a seu lado na conferência de imprensa137. Numa altura em que a falta de informação fazia muitos acreditarem que o vírus era transmissível com um aperto de mão, o comissário terá sido decisivo na convocatória de Magic para o All Star Game de 1992, em Orlando, e mais tarde para os Jogos Olímpicos de Barcelona. As referências vindas dos Estados Unidos não estavam apenas em campo. No banco, os treinadores quase que rivalizavam com os atletas no estatuto de estrelas. Além das vedetas dos triplos e afundanços, na nossa memória há também espaço para Pat Riley, 236 Phil Jackson ou Chuck Daly. O efeito contágio também aqui não era excepção e em Portugal os treinadores sabiam igualmente alimentar o mediatismo em torno da modalidade. Se era facto que o basquetebol gozava da credibilidade de ter sido a primeira a dar o passo rumo a uma nova dimensão competitiva, com um inquestionável crescimento qualitativo, não deixa de ser também verdade que aliado a isso os seus protagonistas sabiam mexer-se no sentido de captar a atenção mediática. «Há uma geração de treinadores e uma rivalidade entre eles que produziu e deu oportunidade a que existisse popularidade. Entre o Luís, o Curado, o Mário Palma, eu e o Henrique Vieira. Portanto este peso público não pode ser desligado do impacto que determinados treinadores tiveram, pela imagem que transmitiam, pelas coisas que diziam, na criação do clima», defende Jorge Araújo. A importância dos técnicos, que já foi referida na introdução deste livro, foi um dos aspectos marcantes daquele período.Tal como na NBA, por cá também os homens do banco tinham o seu carisma. «Treinar com o Jorge Araújo era quase como conhecer o Presidente da República», afirmou Nuno Marçal, na sua Entrevista de Carreira, ao Porto Canal, a propósito dos primeiros treinos com a equipa sénior dos dragões138. «Eu diria que o começo e o fim têm estes polos. Têm este caminho. Houve sempre uma marcada influência dos treinadores. Vários. Primeiro com a formação dos técnicos, depois com a criação de polos de interesse nas atitudes e comportamentos. Eu tinha uma visão profissional da coisa e lutava contra coisas terrivelmente amadoras», acrescenta Jorge Araújo. 237 Na viragem do milénio, a “democratização” competitiva da Liga Profissional era um dos seus maiores atractivos. Na final do Playoff de 1999, com o Illiabum a discutir o título com o FC Porto, assistia-se ao sexto diferente emblema em quatro temporadas a alcançar aquela fase da prova e a lutar pela conquista do troféu maior, depois de Benfica, FC Porto, Oliveirense, Estrelas da Avenida e Ovarense. Essa descentralização na luta por títulos, fenómeno pouco comum no desporto em Portugal, terá sido decisiva para o aparecimento de novos projectos. Primeiro com a Portugal Telecom, depois com o Aveiro Basket ou CAB. Mais à frente com Leiria ou Santarém Basket. Contudo, e paradoxalmente, o aumento do número de clubes a participar na competição maior ia surgindo em simultâneo com os alertas para problemas vários. Uma das preocupações mais generalizadas, e que foi motivando, aqui e ali, em entrevistas ou artigos de opinião na imprensa, diferentes reflexões, dizia respeito aos escalões mais jovens. Faltavam novos valores nacionais a despontar e a formação parecia estar em crise. «No início dos anos 2000 tive uma intervenção no fórum “Basquetebol Que Medidas”, organizado pela FPB, onde defendi que a profissionalização do basquetebol teve um efeito perverso na formação. A modalidade conseguia captar mais financiamento, mas depois a distribuição dessa receita entre formação e profissionalismo permitia que este último, quer a nível financeiro quer a nível de recursos humanos, sugasse tudo. Passou a ser muito desequilibrada essa relação», sustenta San Payo Araújo. Também financeiramente a sustentabilidade da prova come238 çava a levantar suspeitas e várias vozes vieram a público colocar em causa os orçamentos. O optimismo que o início do novo milénio parecia trazer, cedo transformou-se em miragem. Vários projectos foram desaparecendo e outros iam sendo notícia por ordenados em atraso. «O arranque da Liga tinha equipas muito fortes, um nível muito alto. E se calhar o problema foi esse. A malta entusiasmou-se e meteuse em aventuras para as quais não tinha dinheiro. E quando começaram os problemas era evidente que aquilo não podia acabar bem. Pois não havia uma estrutura de suporte que aguentasse», defende Jorge Faustino. A Lei de Murphy diz que «se algo pode dar errado, dará» e a entrada da Liga Profissional no século XXI pode atestar esse princípio. Além dos clubes que abandonavam, com particular destaque para os históricos Illiabum e Seixal, ou o fenómeno Portugal Telecom, outros entravam em rota de colisão com os responsáveis da prova. As páginas de jornais foram sendo cada vez menos alimentadas por treinadores e jogadores, e passaram a ter como protagonistas os dirigentes, entre ataques e declarações infelizes que deixavam antever um futuro pouco risonho. A juntar a isto, reduziam as transmissões televisivas e abrandavam os patrocinadores. O público foi-se afastando dos pavilhões e outras modalidades conquistaram espaço mediático, com particular evidência para o Futsal. Os últimos anos foram o anúncio de uma morte lenta. Apesar de a selecção nacional nunca se ter apresentado num nível tão elevado, ou Portugal estar no mapa mundo da modalidade com a “embaixadora” Ticha Penicheiro a deliciar os fãs da WNBA, o certo 239 é que internamente o basquetebol parecia “ligado à máquina”. Pela primeira vez, nenhum clube manifesta interesse em participar nas competições europeias e mais tarde os abandonos de Aveiro Basket e Oliveirense, em 2005 e 2006, e depois de Benfica e Queluz, precipitam o “desligar da ficha”. Chegava ao fim em 2008 um projecto que durou 13 anos e que arrastou também consigo para o fundo o próprio basquetebol nacional, numa lenta agonia que parece demorar a observar melhoras. «Há 20 anos o basquetebol era sem dúvida a segunda melhor modalidade do país. Hoje em dia duvido que seja a quinta», afirmou Nuno Marçal, na Entrevista de Carreira, ao Porto Canal. No arriscar a olhar o futuro surge a questão, como cantam os Xutos & Pontapés, se «o que foi não volta a ser». Em teoria parece existir tudo para funcionar. Nunca houve tanto basquetebol disponível, entre NBA e Euroliga nos canais pagos e campeonato nacional na televisão pública, reforçado com o acesso via Internet. Na formação os horizontes parecem prometedores. O sucesso da selecção Sub-20 em 2019, ao sagrar-se campeã europeia na Divisão B, é indicador disso. O êxito de Neemias Queta no basquetebol universitário norte-americano parece fazer regressar tempos passados em que o país torcia por ver um português a entrar na NBA. O olhar experiente de quem já trabalhou com tenra idade, formando atletas que chegaram às melhores ligas europeias, e voltou a abraçar o desafio no presente, aponta que há matéria prima para trabalhar. «Não alinho na ideia de que antigamente é que se faziam jogadores e que agora são inferiores. Não acredito em nada disso. Antes pelo contrário, 240 acho que os jogadores agora até são melhores do que a maioria dos jogadores que eu treinei. E há um aspecto que me pode dar alguma credibilidade neste tema: é que eu estive sete anos fora disto. Mesmo desligado.Via a NBA de vez em quando porque aquilo é giro de ver. Agora o basquetebol nacional deixei de ver. Desligo em 2007 depois de ter estado como adjunto com a selecção nacional Sub-20 no Europeu na Luz. E só regresso ao CNN em 2014. E, portanto, eu lembro-me do que era e agora defronto-me com esta realidade. Não tenho o problema do pai que vê o filho todos os dias e não se apercebe se ele cresceu muito ou pouco. E vou dizer uma coisa, acho que, em geral, os jogadores hoje são melhores, tecnicamente mais dotados, tacticamente mais evoluídos. No entanto é notória alguma falta de capacidade/ atitude competitiva nos nossos jovens», defende Jorge Faustino. Recorrendo outra vez à música, e como cantou José Mário Branco, «é um sonho lindo para viver, quando toda a gente assim quiser». 241 Testemunhos Alberto Babo (01/09/1947) Começou a carreira de treinador em 1981, no FC Porto, clube que representou enquanto jogador, exercendo a função em simultâneo na estrutura técnica da equipa sénior e no minibasquete. Notabilizou-se pelo trabalho nos escalões de formação dos dragões, com os quais foi acumulando títulos nacionais e distritais, e assegurou o comando técnico da equipa sénior na temporada 1998/99, onde venceu o campeonato e a Taça de Portugal. Repetiu o feito em 2004/05, desta feita no Queluz, com quem realizou a mais brilhante campanha europeia do emblema de Sintra. Esteve em Angola entre 2010 e 2018, tendo sido Campeão Nacional pelo Petro de Luanda e conquistado uma Supertaça ao serviço do Interclube. Regressou a Portugal em 2018 para integrar a estrutura técnica do Maia Basket. Foi um dos responsáveis por formar a geração de jovens atletas do FC Porto que colocaram um ponto final na hegemonia do Benfica e “abriram” a Liga Profissional ao talento nacional. «Com os valores que tínhamos na formação chegámos a criar uma equipa na CNB1. Com um nome diferente. Era Núcleo de Basquetebol do Porto ou algo parecido. E eles jogavam pelos juniores à sexta-feira, no sábado estavam convocados pela Liga Profissional, e no Domingo eu ia com eles jogar a Braga,Vila Real, etc. Ganhámos a CNB1. Fomos para a 1.ª Divisão e ganhámos a Zona Norte. Só que a Federação não nos deixou ir jogar a final com a Zona Sul porque não podíamos disputar o profissional. Recordo-me que com a equipa do Paulo Pinto, Marçal etc, ganhámos a uma 242 equipa da Ucrânia que veio cá ao XiraBasket. E no Torneio da Amadora a uma equipa da Rússia.Tipos com 2 metros. Ganhámos o Torneio.Tínhamos jogo e qualidade técnica. Além de treinar eles faziam muitos jogos. Num dia estavam na Liga Profissional, mesmo que fosse no banco, e no outro estavam nos juniores», conta. A recolha do testemunho de Alberto Babo teve lugar em Junho de 2019, no Porto. André Pedroso (15/08/1975) Fez a formação no Algés e de lá saiu para o Estrelas da Avenida, no Campeonato Nacional da I Divisão. Ingressou na Liga Profissional no Belenenses, onde passou quatro temporadas, tendo disputado a FIBA Cup e alcançado as meias finais do Playoff. Passou ainda pela Proliga, competição criada em 2003/04, onde vestiu a camisola do Física de Torres Vedras e Queluz. Considera que independentemente da divisão o seu percurso foi sempre de atleta profissional. «Mesmo na segunda divisão, embora com mais dificuldade, conseguia-se viver só do Basket. A questão é: o que é que tu defines como profissional? É ter um contrato de trabalho? Mas eu posso ter um contrato a ganhar 200 euros ou não ter contrato nenhum e ganhar mil euros. Eu defino como profissional a minha fonte de rendimento vir daí. Por isso eu digo que fui profissional porque aquela era a minha fonte de rendimento. Apesar de na maioria dos clubes por onde passei não ter tido contrato de trabalho. Naquela altura não ganhávamos mal. Mesmo na Proliga. Não 243 precisava de ter um trabalho. Estudava e jogava e fazia assim a minha vida. E tive sorte de quase todos os clubes por onde passei serem certinhos nos pagamentos», recorda. A recolha do testemunho de André Pedroso teve lugar em Maio de 2018, em Lisboa. Artur Cruz (19/01/1971) Estará seguramente entre os atletas nacionais com mais títulos conquistados. Chegou à modalidade já tarde, com 17 anos, e depois de ter estado quase a aderir ao andebol. Foi no Benfica que ganhou paixão pelo basquetebol e beneficiou do facto de ser um jovem português com 1,98m em 1988 para, três meses depois de ter começado a jogar, chegar à selecção nacional. Com o Benfica sagrou-se Campeão Nacional por quatro vezes, com o Estrelas da Avenida uma e com a Portugal Telecom três. Com estes emblemas somou ao registo pessoal um total de sete Taças de Portugal. Vestiu por 60 vezes a camisola da selecção nacional e representou ainda no seu percurso emblemas como o Belenenses, Seixal e Barreirense. Enquanto treinador foi responsável pelas equipas seniores do Estoril Basket e Eléctrico e trabalhou com os escalões mais jovens do Basket Almada Clube. Na carreira houve ainda espaço para destacar-se como um dos impulsionadores de actividades que respondessem aos “tempos mortos” das épocas. «Fazia muito trabalho no Verão. Nunca parávamos. Organizava jogos no Estádio Universitário em 244 que juntava quase a selecção nacional. Durante cinco ou seis anos existia lá um torneio dos PALOP, com equipas de Angola – com muitos dos atletas que jogavam cá – Guiné e Moçambique. A equipa de Portugal era sempre o Artur Cruz que arranjava. Em seis anos perdemos três finais e ganhámos três finais. Sempre fui muito profissional, dedicado, com muito amor à modalidade. Assim como realizo há 13 épocas consecutivas um Torneio. Não é pelo dinheiro, é por paixão mesmo. E pela preocupação de manter o ritmo naquela fase sem competição. Actualmente já se fazem algumas coisas, mas aqui há 10 ou 15 anos atrás não havia nada, parava-se o campeonato em Maio e voltava-se em Setembro», lembra. A recolha do testemunho de Artur Cruz teve lugar em Julho de 2018, em Almada. Carlos Andrade (27/04/1978) Começou a jogar aos 13 anos no Maria Pia, depois de ter ido fazer um treino à experiência no Queluz e não ter sido escolhido. Com a equipa do bairro da Graça sagrou-se Campeão Distrital e entrou na Liga Profissional com a Portugal Telecom, conquistando o título nacional de Juniores em 1997/98. Foi para os Estados Unidos onde representou a Queens University of Charlotte e alcançou a Final 8 da Divisão 2 da March Madness. Depois de ter falhado a entrada nas ligas italiana e escocesa por não ter passaporte europeu, joga em Portugal, sagrando-se Campeão Nacional pelo FC Porto e Queluz. Segue-se a experiência na Alemanha, onde 245 alinha pelo Skyliners Frankfurt, e depois de um breve regresso a Portugal, onde veste a camisola do Benfica na época 2006/07, assina pelo Bruesca, da LEB Oro, clube com o qual festeja a subida de divisão e representa na ACB.Volta ao basquetebol português em 2009/10, sagrando-se Campeão Nacional com o FC Porto, e volta a festejar essa conquista com o Benfica por três vezes, entre 2012 e 2015. Desde 2018 que utiliza a sua experiência para prestar aconselhamento a Neemias Queta na sua passagem pela NCAA. «No meu ano de sénior, já depois de ter terminado a universidade, porque as regras não permitem contacto quando ainda és universitário, fui procurado por vários agentes. Agora muitos anos depois cruzei-me com um dos General Manager dos Denver Nuggets que me disse “tu agora não te lembras de mim, mas eu estive em tua casa com a tua namorada a tentar recrutar-te, mas tu assinaste por outro agente. Fizeste bem porque eu não tinha muito jeito para aquilo”», recorda, entre risos. A recolha do testemunho de Carlos Andrade teve lugar em Outubro de 2019, em Lisboa. HenriqueVieira (03/05/1957) Natural de Moçambique, estreou-se no basquetebol nacional enquanto jogador no Académico de Coimbra, em 1976/77. Seguiram-se passagens por Ginásio Figueirense e Atlético, até que, em 1981/82, chega ao Benfica, emblema com o qual constrói uma carreira plena de êxitos. Em 11 temporadas com os encarnados 246 soma sete títulos de Campeão Nacional, além de erguer Taças de Portugal, Supertaças e Taças da Liga. Como treinador, leva o Estoril Praia à conquista do Campeonato A2, em 1993/94, e notabiliza-se na Oliveirense, com quem alcança quatro finais de Playoff, feito até então inédito na história do clube. Em Oliveira de Azeméis conquista ainda uma Taça de Portugal, uma Taça da Liga e uma Supertaça. Sagrou-se Campeão Nacional no comando técnico da Ovarense, em 2005/06, e ingressou depois no Benfica, onde conquistou o campeonato nacional por duas ocasiões, em 2008/09 e 2009/10, juntando a estes títulos quatro Taças de Portugal. É um dos nomes de referência no crescimento da modalidade em Portugal a seguir à revolução de 1974. «O período pós-25 de Abril, com a vinda dos “retornados do Ultramar”, veio aumentar muito a qualidade do jogo. Representou um grande salto. Os treinadores puderam começar a trabalhar a tempo inteiro e os jogadores também, com treinos bi-diários, e isso permitiu construir qualquer coisa com qualidade», afirma. A recolha do testemunho de Henrique Vieira teve lugar em Junho e Dezembro de 2019, em Lisboa. João «Betinho» Gomes (05/02/1985) Natural de Cabo Verde, João Gomes, conhecido no mundo do basquetebol por «Betinho», chegou a Portugal para jogar no Barreirense, onde esteve três temporadas. Deu nas vistas no emblema da margem sul do Tejo e participou por duas vezes no 247 Campus de Treviso, onde foi destacado pela imprensa norte-americana. Chegou a cheirar a NBA, com a participação em diversos workouts, mas foi em Espanha que acabou por construir a carreira. Chegou em 2007/08, após participar no Europeu 2007, ao Cantabria Lobos, da LEB Oro, tendo na mesma temporada sido transferido para o CD Breogán, da mesma divisão, onde alinhou por três temporadas. Regressou a Portugal para representar o Benfica, com quem ganhou dois campeonatos, e em 2014/15 chegava à ACB para vestir a camisola do BC Andorra, onde esteve duas épocas. Passou depois três anos em Itália, ao serviço do Trento, e em 2019/20 ingressou novamente no Benfica. Será, a par da experiência de Neemias Queta, o jogador nacional que mais perto terá estado da NBA. «Fiz workouts com atletas muito bons.Tenho memória de os mais destacados terem sido o NickYoung, que jogou nos Lakers e foi campeão pelos Warriors, e o Boban Marjanovic», lembrou, referindo-se ao sérvio que acabou mais tarde por jogar pelos San Antonio Spurs, Detroit Pistons, Los Angeles Clippers e Dallas Mavericks. A recolha do testemunho de João Gomes teve lugar em Novembro de 2019, em Lisboa. João Paulo Coelho (14/03/1979) Faz parte do lote restrito de portugueses que pode orgulhar-se de ter jogado a March Madness. Formado no Ginásio Figueirense atingiu cedo a selecção nacional e foi um dos nomes em 248 destaque no Europeu de Cadetes realizado em Portugal, em 1995. Integrou o plantel do FC Porto em 1997/98, aproveitando o ingresso na Universidade de Medicina Dentária na cidade invicta, numa experiência que considerou «incrível». Alinhou em diversos Campus europeus e de lá saltou para as provas norte-americanas de onde resultaram abordagens para diferentes universidades. Escolheu Miami com a qual realizou quatro temporadas na alta roda do basquetebol universitário e cruzou-se com nomes como John Salmons, que fez carreira na NBA em clubes como Philadelphia 76ers, Sacramento Kings ou Chicago Bulls, e James Jones, que venceu três campeonatos – dois com Miami Heat e um com Cleveland Cavaliers –, assumindo mais tarde a pasta de general manager dos Phoenix Suns. Uma lesão no joelho interrompeu a carreira, mas a vida académica e profissional seguiu nos Estados Unidos, onde tirou um MBA na Universidade de Pittsburgh e trabalha como Finance and Business Strategy Contributor. «Nós conhecíamos bem a Ticha. O meu pai e o pai dela eram amigos. E ela estava a começar a fazer sucesso nos Estados Unidos e eu já tinha na cabeça a ideia de ir para lá. O meu pai comprou uma antena parabólica e eu costumava gravar alguns dos jogos universitários. E quando comecei a viajar para os Estados Unidos foi um sonho que começou a desenvolver-se. E à medida que participava nos Campus comecei a receber mais abordagens. Por vezes nem eram convites, era mais para uma pessoa ter ideia de quais eram as universidades e as condições», lembra. A recolha do testemunho de João Paulo Coelho teve lugar em Novembro de 2019, por chamada telefónica. 249 João Santos (15/06/1979) Formado no Maria Pia, ingressou na Liga Profissional em 1996/97 na Portugal Telecom, emblema com o qual sagrou-se Campeão Nacional de Juniores, em 1997/98. Seguiu-se o basquetebol universitário norte-americano, competindo por Nevada-Reno, e depois a experiência na Grécia, onde esteve uma temporada, ao serviço do Panionios. Regressou a Portugal para representar o Queluz e passou depois quatro épocas em Espanha, na ACB, ao serviço do Valladoid. Em nova experiência em território nacional, João Santos vestiu a camisola do Benfica e FC Porto, conquistando o título nacional em ambos. Marcou presença com a selecção nacional nos Europeus 2007 e 2011. «No primeiro ano da Liga Profissional existiam muitos jovens jogadores portugueses com qualidade e a conquistar espaço nas equipas. O Sérgio Ramos, o Luís Silva, o Luís Machado, o Nuno Marçal, o Paulo Pinto, o José Costa, muitos também na Ovarense, BeiraMar, jovens com minutos de jogo. Isto não pode ser dissociado do trabalho que foi feito nas selecções, tanto nos Sub-22, como a seguir nos juniores comigo, o Nuno Perdigão, Miguel Miranda, Carlos Andrade, Diogo Carreira. O trabalho nas selecções permitiu que o contacto internacional abrisse outras portas, visões e nível competitivo». A recolha do testemunho de João Santos teve lugar em Junho de 2018, em Lisboa. 250 Jorge Araújo (11/11/1942) Esteve entre os impulsionadores da Associação Nacional de Treinadores de Basquetebol, no pós 25 de Abril de 1974, organismo que se revelou fundamental no âmbito da formação dos técnicos. É um dos nomes referência da modalidade e num percurso com quase 40 anos esteve entre os primeiros profissionais no País. «Quando eu venho em 1979/80 para o FC Porto, pela primeira vez em Portugal há um treinador que está em tempo pleno no seu trabalho. E partir daí outros se seguiram. Nessa altura acontece algo também inédito: Fazemos uma digressão nos Estados Unidos a preparar a época em Portugal. Foi a primeira ida a nível de clubes. Antes tinha sido a selecção, em 1977, também comigo enquanto adjunto do Teotónio que era o selecionador», lembra. No seu curriculum contam-se experiências como selecionador nacional em todos os escalões masculinos e passagens por clubes como Belenenses, Imortal, CNN, Académica, CAB, Ovarense e FC Porto. Notabilizou-se em particular nos azuis e brancos, que treinou entre 1978 e 1998, conquistando tudo o que havia para ganhar a nível interno. Em Ovar levou o emblema vareiro à conquista da Liga Profissional, em 1999/00, e a vencer a Taça da Liga e Supertaça, em 2000/01. Ocupou ainda o cargo de Presidente da Assembleia-Geral da Federação Portuguesa de Basquetebol, a convite de Mário Saldanha. Em Setembro de 2016 iniciou uma investigação filosófica na área comportamental sob o título Motricidade e Corpo Expressivo, de que irá resultar uma tese de doutoramento a ser avaliada na Faculdade de Letras da Universidade 251 de Coimbra. Empresário na área da consultoria comportamental, é autor de diversos livros e é presidente da Team Work Consultores desde 1997. A recolha do testemunho de Jorge Araújo aconteceu em Fevereiro de 2018, no Porto. Jorge Faustino (20/05/1966) Treinou todos os escalões da selecção distrital de Lisboa e integrou a equipa técnica da selecção nacional Sub-20, em 2006, enquanto adjunto de Valentyn Melnychuk. Levou o Maria Pia à conquista do campeonato distrital de Juniores em 1996 e fez parte da equipa técnica da Portugal Telecom no seu ano de estreia na Liga Profissional. Uma experiência, conta, que lhe permitiu olhar com outros olhos o profissionalismo. «Passei a admirar os atletas profissionais mais do que já admirava porque confirmei in loco que não é nada fácil ser atleta profissional. Para além de terem de ter um regime de vida espartano, ainda têm de suportar pressões, por vezes desmedidas, de toda a gente – em muitos casos a começar pelos treinadores. Depois há o dinheiro. Uns ganham mais do que outros, o que é normal, mas começas a perceber que o não-sei-quantos que joga menos minutos e trabalha menos ganha mais do que tu. As lesões e o tempo de recuperação eram verdadeiros dramas para os jogadores. Pessoalmente não gostei da experiência, não senti que a maioria dos intervenientes fosse feliz, pelo menos eu não fui e sei que outros também não o eram, simplesmente necessitavam de dinheiro. Perdi 252 um pouco o encanto, apenas recordo com emoção os momentos dos jogos. Recuperei a alegria quando regressei ao basquetebol amador». Decidiu fazer uma pausa no percurso em 2007, após a selecção Sub-20 ter falhado o apuramento para a Divisão A num Europeu realizado em Lisboa, e voltou à actividade em 2014, tendo orientado CNN e Belenenses em Sub-18, e o Atlético e Paço de Arcos, em Seniores. Teve ainda a primeira experiência no basquetebol feminino orientando o Paço de Arcos no escalão Sub-19. A recolha do testemunho de Jorge Faustino teve lugar em Junho de 2018, em Lisboa. Mário Palma (27/06/1950) É o treinador português com maior currículo no basquetebol que de tão rico se torna difícil fazer um resumo exacto. Campeão por três países e três continentes diferentes, Mário Palma começou a ganhar troféus na orientação de escalões jovens em Angola, tendo chegado a Portugal para assumir o comando técnico do Imortal, na década de 80, passando ainda por FC Porto e Sangalhos. Mas foi no Benfica que se destacou: em sete anos na Luz conquistou cinco campeonatos, quatro Taças de Portugal e mais umas quantas Taças da Liga e Supertaças. Foi com os encarnados que assinou algumas das mais bem sucedidas páginas europeias a nível de clubes, com três apuramentos consecutivos para a elite do Top 16 europeu, e de lá saiu para o Estrelas da Avenida, onde continuou a 253 fazer história. Com o modesto emblema lisboeta conseguiu o feito inédito de conquistar o campeonato e a Taça de Portugal, tendo depois feito as malas para iniciar a aventura além-fronteiras. Começou por Angola, onde orientou a selecção daquele país entre 1999 e 2005, vencendo quatro Afrobasket consecutivos. «Foram quatro porque, entretanto, fui embora, porque senão tínhamos ganho sete ou oito. Cheguei a um ponto em que não tinha motivação para continuar a treinar porque ia continuar a ganhar e decidi sair», afirma. Enquanto isso ia também construindo em Angola sucesso a nível de clubes. Com o 1.º de Agosto venceu cinco campeonatos, entre 2000 e 2005, somando a isso a conquista da Taça dos Campeões Africanos por duas vezes, em 2002 e 2004. Com a selecção da Jordânia alcançou a medalha de bronze no Campeonato Asiático de Basquetebol, em 2009, tendo conseguido o apuramento para o Mundial 2011. Voltou a vencer o Afrobasket, desta feita pela Tunísia, tornandose o treinador mais bem sucedido do continente africano, sendo baptizado no site da FIBA como «Afrobasket Legend». Em 2016, ao vencer o campeonato da Tunísia pelo Club Africain de Tunis, afirmou ter somado, pelas suas contas, o 75.º título da carreira. Com a selecção portuguesa alcançou o apuramento para o Europeu 2011, realizado na Lituânia. A recolha do testemunho de Mário Palma teve lugar em Dezembro de 2019, através de chamada telefónica. Mery Andrade (31/12/1975) 254 Começou a jogar aos 14 anos na ESA e dos primeiros dribles até ao estágio com a selecção nacional de Cadetes, onde conhece Ticha Penicheiro, foi um curto salto. Estreia-se na equipa sénior da ESA e por lá fica quatro épocas, até que voa para os Estados Unidos para representar Old Dominion. Com a universidade atinge em 1997 as finais da NCAA e em 1999 entra no draft para a WNBA, onde é escolhida pelas Cleveland Rockers. Fica por lá quatro temporadas e acaba ainda por vestir a camisola das Charlotte Sting, por uma época. Em simultâneo vai construindo o seu percurso também no basquetebol europeu, em Itália. Joga duas temporadas no La Spezia, onde atinge as meias finais do Playoff e estreia-se nas competições europeias, e transfere-se depois para o Como, com quem se sagra campeã nacional. Passou três anos em Nápoles, conquistando uma FIBA Cup, e depois transfere-se para Veneza, onda junta ao currículo a conquista da Taça de Itália. Veste a camisola do Luca, atinge novamente as finais de Playoff, e em 2013/14 vem para Portugal representar a Quinta dos Lombos, onde conquista o Campeonato, a Taça de Portugal e a Supertaça. Para o final da carreira, regressa a Itália, ao Nápoles. Seguiu-se a carreira de treinadora, onde integrou a equipa técnica de San Diego, estando na temporada 2019/20 ao serviço de New Orleans, da G-League. «Eu penso que posso acabar a minha vida a dizer que nunca tive de trabalhar. Quando era pequenina jogava com uma bola e agora faço a mesma coisa, mas dão-me dinheiro para isso.Ver as condições de trabalho, a disponibilidade das pessoas para trabalhar, staff, pavilhões, treinadores que corrigem só lançamento, para mim era tudo novo e tirei partido de tudo», afirma. 255 A recolha do testemunho de Mery Andrade teve lugar em Dezembro de 2019, por chamada telefónica. Nelson Tereso (27/12/1967) O advogado luso-americano, nascido em Springfield, Massachussetts, terra onde James Naismith inventou o basquetebol, foi durante vários anos representante das comunidades portuguesas nos Estados Unidos e criou o Clube de Fãs do Basquetebol em 1994, enquanto apaixonado pela modalidade, utilizando a estrutura para a divulgação e promoção do desporto. Pelo Clube passaram dezenas de jogadores, destacando, entre outros, a generosidade de Jean Jacques, que nunca quis receber cachet, ou Mike Plowden, recordado como um dos jogadores que mais tempo esteve ligado à associação como atleta residente e que tinha «uma habilidade para lidar com os miúdos como poucos». Lamenta a falta de apoios da Federação Portuguesa de Basquetebol, de quem só conseguiu «palmadinhas nas costas», e emociona-se ao recordar o dia em que concretizou um sonho. «Levei dois miúdos à NBA através de um sorteio que foi feito em várias escolas. Cada um podia levar um encarregado de educação. Foram a Nova Iorque, à loja oficial da NBA, e depois ver um jogo dos Boston Celtics. Nunca tinham andado de avião», diz. A recolha do testemunho de Nelson Tereso teve lugar em Julho de 2018, em Alhandra. 256 Nuno Manarte (08/12/1975) Um verdadeiro “homem da casa”, jogou toda a vida na Ovarense. Aliás, o seu apelido não é estranho ao clube, ou não existisse ainda registo do irmão Rui Manarte e dos primos José Manarte e Pedro Manarte. São o exemplo perfeito do que é a ligação de um clube à sua terra e às suas gentes. «Cresci a 300 metros do Pavilhão Raimundo Rodrigues. As tardes eram todas passadas ali. Ovar sempre foi uma terra de basquetebol. O futebol nunca teve muita dimensão. Há coisas que são estranhas de explicar. Casos parecidos lembro-me do ABC no andebol ou o Espinho no voleibol. Há uma dinâmica especial em torno de uma modalidade», refere. Começou a festejar títulos nos escalões mais jovens, com particular destaque para o campeonato nacional de Cadetes, em 1991/92, e chegou à equipa sénior na primeira época da Liga Profissional. Com a Ovarense, foi capitão de equipa durante várias temporadas e ganhou quatro campeonatos, uma Taça de Portugal e quatro Supertaças. Participou em diversas provas europeias, ostentando um feito que não está ao alcance de todos: ter sido um base português a contabilizar minutos de jogo na Euroleague. Em 2012 deu início à carreira de treinador na estrutura técnica da Ovarense, tendo assumido o cargo de treinador principal em 2016/17. Nessa temporada acabou igualmente por integrar a estrutura técnica da selecção nacional, como adjunto de Mário Gomes. A recolha do testemunho de Nuno Manarte teve lugar em Dezembro de 2019, em Lisboa. 257 Paulo Cunha (01/08/1980) Começou a jogar basquetebol no Coimbrões e de lá saltou para o Salesianos onde fez toda a formação até chegar ao FC Porto. Nos azuis e brancos passou 11 temporadas conquistando tudo o que havia para ganhar a nível nacional. Em 2010 ingressou no Vitória SC, emblema com o qual conquistou uma Taça de Portugal. Entre as 150 internacionalizações pela selecção nacional, destaca-se como tendo sido o único atleta a marcar presença no Mundial de Juniores 1999 e no Europeu 2007. Foi um dos Campeões do Mundo de Streetbasket e um dos poucos jogadores nacionais a pisar o Campus de Treviso, onde prestou provas entre os melhores a nível europeu. Esteve perto de fazer carreira internacional, mas a vida pregou uma partida. «Quando fui para o FC Porto assinei logo um contrato de seis anos. Portanto era difícil sair porque estava preso ao clube. Quando finalmente me libertei desse contrato e tinha apalavrado a ida para uma equipa de Israel, foi quando aconteceu a operação por causa do cancro nos testículos», recorda. Em 2018/19, depois de abandonar a carreira, manteve a ligação com a modalidade enquanto director desportivo do Vitória SC. A recolha do testemunho de Paulo Cunha teve lugar em Junho de 2019, em Vila Nova de Gaia. 258 Paulo Simão (27/04/1976) Natural do Barreiro, iniciou-se no basquetebol aos 13 anos no Luso Futebol Clube. Com 15 anos muda-se para o Sporting, emblema com o qual se estreou, aos 17 anos, na equipa sénior. Conta no seu registo pessoal com quatro títulos de campeão nacional, conquistados no Estrelas da Avenida e Portugal Telecom, tendo representado ainda Atlético, Benfica, CAB e Belenenses. Um percurso que refere, em jeito de piada, ter tido a particularidade de extinguir várias equipas. «Eu tenho um percurso engraçado porque eu “acabei com muitas equipas”, entre aspas. Estava no Sporting e terminou. Depois vou para um projecto muito ambicioso que era o do Atlético, mas aguentaram só meia época e em Janeiro acabou.Vou logo nessa altura para o Estrelas da Avenida. Estou lá mais tempo, nas épocas áureas, com o Mário Palma e o Mário Gomes, e depois mais uma que acabou. Depois vou para o CAB com o Prof. Nélson Serra e o CAB não acabou. A PT foi buscar-me com o Luís Magalhães. Depois a PT acaba. E vou para o Benfica num ano negro em que não tínhamos pavilhão, a casa estava desorganizada, andámos pelo país a jogar onde era possível. Estive lá um ano e depois entro no Belenenses. E mais uma que acabou», resume, entre risos. Pela selecção contabilizou mais de 150 internacionalizações e esteve no Europeu 2007. Segue ligado à modalidade como treinador, tendo, entre outros, orientado o escalão Sub-16 da selecção distrital de Lisboa. A recolha do testemunho de Paulo Simão teve lugar em Junho de 2019, em Oeiras. 259 Pedro Lourenço (05/01/1980) Brilhou no Streetbasket, tendo conquistado provas a nível nacional e representado Portugal internacionalmente, com destaque para a conquista do Campeonato do Mundo, em 1997. Enquanto jogador, representou o Guifões, emblema onde fez a sua formação, o FC Porto e o FC Gaia. Vestiu a camisola da selecção nacional no Campeonato da Europa de Cadetes 1995 e no Campeonato do Mundo de Juniores 1999 e saltou a fronteira para uma experiência internacional, em Espanha, que durou entre 2002 e 2008. Alinhou pelo Doncel La Serena, Palencia e CB Valls, clube com o qual conquistou a LEB 2, em 2004, a Copa Catalunya, em 2006 e a Liga EBA, em 2007. No país vizinho acrescentou ao percurso a experiência de treinador de formação e seniores, e criou a marca de roupa Playground Stars, da qual é CEO e que veste as equipas de basquetebol do FC Porto. «Todos os jogadores portugueses que estiveram fora têm um percurso. Eu tive experiências que fizeram-me crescer como jogador, mas não só. Tenho vivências no basquetebol que provavelmente outros jogadores daqui não tiveram. Eu, assim como o Sérgio Ramos ou o Carlos Andrade, por exemplo, tivemos experiências diferentes. Nem melhores nem piores. Diferentes. Nunca ninguém me perguntou nada. Coisas como o que é que eu treinava ou de que forma é que eu treinava. Tenho um projecto e uma marca que, apesar de ter uma vertente comercial, tem uma forte componente sentimental. Nunca ninguém perguntou porque é que nasceu ou quis saber mais. Eu não quero ficar com as minhas expe260 riências. Quero partilhá-las», diz. A recolha de testemunho de Pedro Lourenço teve lugar em Fevereiro de 2018, no Porto. San Payo Araújo (19/12/1953) Foi director técnico do Minibasquete da Federação Portuguesa de Basquetebol entre 2000 e 2016, tendo participado na organização de diversos Jamborees e acções de formação dirigidas aos escalões mais jovens. Frequentemente convidado enquanto orador para diversas palestras nacionais e internacionais, San Payo Araújo desempenhou ainda funções como director técnico da Associação de Basquetebol de Lisboa e integrou equipas técnicas em clubes de Lisboa, nomeadamente no Clube Internacional de Futebol, Carnide Clube, Cube Atlético de Queluz, Atlético e Belenenses. Em 2018/19 continuava a partilhar o gosto pela modalidade com os mais jovens, assumindo a direcção técnica do Minibasquete da Associação de Basquetebol da Madeira. O seu contributo para a formação de novos valores torna-o um dos nomes incontornáveis da história do basquetebol nacional. «Para se fazer um jogador são precisos 12 anos. Se eles começarem com 10 aninhos só aos 22 é que são jogadores.Tem sempre de ser visto o que foi feito a montante para perceber o que se passa a jusante», afirma. A recolha do testemunho de San Payo Araújo teve lugar em Fevereiro de 2018, em Lisboa. 261 Sérgio Ramos (11/12/1975) É um dos atletas nacionais com maior experiência alémfronteiras. Dividiu a formação entre o Maria Pia e o Estrelas da Avenida, onde começou a treinar com a equipa sénior aos 16 anos de idade, e estreou-se na Liga Profissional no Benfica, onde permaneceu quatro temporadas. Seguiu-se um notável percurso internacional que começou em Itália, onde representou o Adecco Milano e o Avellino, ambos da Lega I, e prosseguiu depois em Espanha, onde esteve sete anos. Na ACB alinhou pelo Lleida, onde esteve quatro temporadas, e na LEB Oro vestiu as camisolas do Palma Maiorca e Drac Inca. Em 2008/09 regressa a Portugal para vestir novamente a camisola do Benfica, sagrando-se Campeão Nacional por três vezes. Pela selecção nacional somou mais de 100 internacionalizações e integrou a equipa que alcançou o 9.º lugar no Europeu 2007. É o recordista de pontos marcados num só jogo na Liga Profissional, ao assinar 55 pontos num encontro frente ao CAB, na época 1997/98. Em 2012 iniciou a carreira de treinador nos escalões de formação do Benfica e em 2016 assumiu o desafio de orientar a equipa sénior do Belenenses, na Proliga, cargo que passou a acumular, em 2017, com a estrutura técnica da selecção nacional. É professor na Universidade Lusófona no curso de Ciências do Desporto. «Apesar de a minha assiduidade e presença nas aulas ser reduzida, por causa dos jogos e treinos, eu sempre tive boas notas, era um bom estudante. Se não tivesse sido jogador gostava de ter sido 262 médico», confessa. A recolha do testemunho de Sérgio Ramos teve lugar em Maio de 2018, em Lisboa. 263 Notas 1 https://en.wikipedia.org/wiki/The_Last_Dance_ (2020_TV_series) 2 https://www.youtube.com/watch?v=3x7HcoMqDqc 3 José Neves e Nuno Domingos (coord.) (2011), Uma História do Desporto em Portugal, 3 vols., Vila do Conde, Quidnovi 4 USA Today, 15 de Setembro de 2014 5 AS, 22 de Agosto de 2006 6 Basquetebol, ano I, n.º1, 1992 e ano II, n.º 12, 13 e 14, 1993 7 A Bola, 15 de Fevereiro de 1995 8 Correio da Manhã, 14 de Março de 2006 9 O Jogo, 16 de Setembro 1996 10 Record, 15 de Janeiro de 1996 11 Record, 27 de Abril de 1996 12 Record, 20 de Abril de 1996 13 Record, 25 de Maio de 1996 14 A Bola, 3 de Junho de 1996 15 A Bola, 3 de Junho de 2000 16 Record, 29 de Outubro de 1996 17 Record, 31 de Março de 1997 18 Record, 7 de Junho de 1998 19 Record, 25 de Abril de 1998 20 Record, 7 de Agosto de 1996 21 Record, 20 de Agosto de 1997 22 Record, 4 de Fevereiro de 1998 23 Record, 9 de Abril de 1998 24 Record, 24 de Março de 1998 25 Record, 25 de Abril de 1998 264 26 Record, 19 de Maio de 1998 27 Record, 7 de Junho de 1998 28 Dinis Amaral (2007), Alma Vareira: história do basquetebol em Ovar, Caderno Digital 29 Record, 7 de Junho de 1998 30 A Bola, 12 de Abril de 2003 31 A Bola, 12 de Abril de 2003 32 Record, 5 de Julho de 1998 33 Record, 11 de Setembro de 1998 34 Record, 30 de Junho de 1998 35 Record, 6 de Fevereiro de 1996 36 A Bola, 3 de Maio de 2000 37 A Bola, 10 de Agosto de 2000 38 Record, 21 de Março de 1997 39 Record, 14 de Julho de 1999 40 Record, 19 de Julho de 1999 41 Record, 23 de Julho de 1999 42 Record, 25 de Julho de 1999 43 O Jogo, 15 de Dezembro de 2015 44 Record, 29 de Outubro de 1996 45 Record, 5 de Agosto de 1997 46 Público, 23 de Janeiro de 1999 47 A Bola, 28 de Setembro de 2002 48 Record, 29 de Outubro de 1997 49 Record, 13 de Maio de 2001 50 A Bola, 27 de Junho de 2001. 51 Jorge Araújo (2003), Diário de um Treinador, Editorial Caminho 52 A Bola, 28 de Setembro de 2001 53 A Bola, 10 de Outubro de 2001 54 A Bola, 29 de Maio de 2003 55 www.youtube.com/watch?v=8ofV6FYc6nk&t=1229s 265 56 Correio da Manhã, 18 de Junho de 2003 57 Borracha Laranja, 15 de Julho de 2018 58 Record, 9 de Julho de 1996 59 A Bola, 2 de Novembro de 1999 60 A Bola, 2 de Maio de 2000 61 Record, 22 de Outubro de 2000 62 Record, 20 de Novembro de 2002 63 Público, 5 de Março de 2002 64 A Bola, 26 de Julho de 2002 65 A Bola, 7 de Agosto de 2002 66 A Bola, 2 de Fevereiro de 2004 67 A Bola, 24 de Janeiro de 2005 68 A Bola, 25 de Fevereiro de 2005 69 A Bola, 10 de Junho de 2005 70 A Bola, 27 de Março de 2002 71 Record, 18 de Agosto de 2000 72 A Bola, 28 de Janeiro de 2001 73 A Bola, 13 de Agosto de 2003 74 A Bola, 26 de Julho de 2006 75 A Bola, 7 de Setembro de 2006 76 A Bola, 19 de Setembro de 2006 77 A Bola, 5 de Setembro de 2007 78 A Bola, 6 de Setembro de 2007 79 A Bola, 19 de Março de 2008 80 A Bola, 30 de Maio de 1988 81 Record, 9 de Agosto de 2000 82 Público, 2 de Fevereiro de 2003 83 Público, 31 de Maio de 2000 84 Jorge Araújo (2003), Diário de um Treinador, Editorial Caminho 85 A Bola, 30 de Maio de 1988 86 Jornal de Notícias, 22 de Abril de 2007 87 Dinis Amaral (2007), Alma Vareira: história do 266 basquetebol em Ovar, Caderno Digital 88 Público, 15 de Outubro de 2005 89 Público, 12 de Maio de 2006 90 A Bola, 15 de Setembro de 2005 91 Diário de Notícias, 27 de Maio de 2007 92 Record, 31 de Janeiro de 1996 93 https://www.youtube.com/watch?v=XKjyGiy8j-w 94 A Bola, 30 de Setembro de 1998 95 Bibo-porto-carago.blogspot.com, 31 de Março de 2010 96 Record, 29 de Julho de 1997 97 Record, 26 de Setembro de 1997 98 A Bola, 18 de Outubro de 2000 99 A Bola, 26 de Outubro de 2000 100 Solobasket, 24 de Janeiro de 2013 101 Dinis Amaral (2007), Alma Vareira: história do basquetebol em Ovar, Caderno Digital 102 Record, 19 de Janeiro de 2006 103 Jornal de Notícias, 11 de Junho de 2018 104 Record, 7 de Maio de 1998 105 http://portocanal.sapo.pt/um_video/Z5HULpRebnlMv0qZDAqT 106 Ágora Digital, 15 de Janeiro de 2019 107 https://www.youtube.com/watch?v=9XSBn_3Pqqo 108 A Bola, 2 de Agosto de 1995 109 A Bola, 25 de Abril de 2003 110 https://www.youtube.com/watch?v=TcBsY7KPyuA 111 Record, 1 de Fevereiro de 1997 112 Folha de São Paulo, 30 de Março de 1997 113 Record, 31 de Março de 1997 114 Expresso, 10 Fevereiro de 2019 267 115 Público, 22 de Setembro de 2005 116 Público, 21 de Setembro de 2012 117 Record, 24 de Maio de 1995 118 Record, 1 de Julho de 1999 119 A Bola, 21 de Janeiro de 2002 120 A Bola, 27 de Março de 2002 121 Diário de Notícias, 21 de Fevereiro de 2006 122 Record, 14 de Agosto de 1996 123 Endesa Basket Lover, 15 de Novembro de 2007 124 Creative Loafing Charlotte, 2 de Abril de 2003 125 Endesa Basket Lover, 19 de Setembro de 2016 126 Correio da Manhã, 5 de Janeiro de 2007 127 Público, 22 de Abril de 2007 128 Record, 24 de Dezembro de 2015 129 Endesa Basket Lover, 8 de Abril de 2015 130 Record, 7 de Fevereiro de 1996 131 Record, 4 de Janeiro de 1997 132 A Bola, 23 de Fevereiro de 2001 133 A Bola, 17 de Julho de 2002 134 A Bola, 28 de Abril de 2005 135 Agência Lusa, 22 de Setembro de 2007 136 http://portocanal.sapo.pt/um_video/uTViLrWNyDkT9sLhg7p9 137 Time, 2 de Janeiro de 2020 138 http://portocanal.sapo.pt/noticia/161334 268 Agradecimentos À Cecília, que faz de todos os dias os meus melhores anos. Ao meu pai e irmão. Ao Sávio Azambuja, pela amizade e por ter tornado este e-book possível. Ao Tiago Rodrigues, pelo design da capa. A todos os que aceitaram colaborar com o seu testemunho, designadamente o Alberto Babo, André Pedroso, Artur Cruz, Carlos Andrade, Henrique Vieira, João Gomes, João Paulo Coelho, João Santos, Jorge Araújo, Jorge Faustino, Mário Palma, Mery Andrade, Nelson Tereso, Nuno Manarte, Paulo Cunha, Paulo Simão, Pedro Lourenço, San Payo Araújo e Sérgio Ramos. Ao João Candeias. A todos os funcionários da Biblioteca Nacional. À Liz Fulton, da FIBA. À Old Dominion University. À University of Nevada, Reno. Ao JC Ridley. Ao Rogério Coelho. Aos funcionários do Arquivo Municipal de Lisboa. Ao Clube PT, nomeadamente ao Luís Pereira e António do Carmo Barata. A todos os jornalistas que assinaram os artigos que serviram de base para estes relatos. A todos com quem me cruzei tendo o basquetebol como elo comum e que mesmo sem saberem contribuíram para fazer crescer a ideia de um dia arriscar uma coisa destas. Ao meu Acer Extensa 5630 que foi dando os últimos suspiros de vida durante os quase três anos deste projecto. 269