EXPLICAÇÕES NÃO-TAUTOLÓGICAS DAS
TAUTOLOGIAS
(Esta versão é preliminar.
quaisquer
Tony Marmo
correções ou sugestões que
A partir de lógicas com mais de dois valores, tratamos da
questão da perda de tautologias, além dos aspectos filosóficos
mais gerais. Revemos a noção de aceitabilidade das fórmulas,
estendendo a de tautologia lato sensu e considerando as
famílias de sistemas Pm, Un e £n, e bem assim introduzimos
algumas correlações entre implicação fraca e forte, além do
conceito de implicação conservadora.
Agradecemos
os leitores nos queiram
dar.)
INTRODUÇÃO.
Além de algumas contribuições modestas que deixamos para as três seções finais, a presente
investigação almeja, da segunda à quarta seções, divulgar, explorar e, dentro do possível,
sintetizar ou reformular as ideias consignadas abaixo, a maioria delas extraídas da literatura.
Ainda que questionáveis da perspectiva de uma tradição lógica clássica, tais ideias se revelam
ferramentas úteis para explicação e questionamentos filosóficos. Inicialmente relataremos a
defesa clássica do uso de raciocínios tautológicos, isto é, de proposições ou esquemas nãofalseáveis na lógica e nas ciências e as contrarrazões oferecidas por autores posteriores. O nosso
parecer será pelo parcial provimento da demanda dos últimos.
Um dos principais temas dentre os mais recorrentes na filosofia e particularmente na lógica é a
busca de um modo de investigação pelo qual um ou mais agentes epistêmicos possam raciocinar
sobre todo problema que se lhes coloca a partir de informações ou opiniões aceites. Encontramos
esse tema desenvolvido no Organon, especialmente em Tópicos e nos dois Analíticos. Relacionado
a isto está o estudo das ciências demonstrativas: pela mesma tradição aristotélica, um argumento
se considera uma demonstração, quando se inicia com premissas verdadeiras e primárias, ou
premissas as quais advêm de outras premissas que são primárias e verdadeiras. Segundo
Aristóteles, as premissas primárias e verdadeiras são as verdades óbvias, que contrastam com as
opiniões geralmente aceites. Ou seja, são consideradas como tais por força de si mesmas e de
nada mais, e, no caso do raciocínio científico, não fará mais sentido perguntar o porquê delas.
Entende-se, assim, que para Aristóteles a raiz do conhecimento científico começaria com o
conhecimento de tautologias. Diferentemente, as opiniões geralmente aceites são aquelas cuja
verdade ou verossimilhança a maioria dos agentes epistêmicos de uma comunidade (tais como
filósofos ou cientistas), por uma ou outra razão, supõem. Se as levarmos em consideração, o
conhecimento então obtido pela argumentação constrói-se sobre outro conhecimento
preexistente constituído de tautologias e opiniões geralmente aceites.
Até os dias de hoje, uma lógica particular pode ser entendida como um cálculo ou método de
raciocínio, e a ciência lógica em geral como o estudo dos métodos de raciocínio. Por conta da
tradição aristotélica, geralmente ainda se imagina que tais métodos sirvam à construção do
conhecimento científico. Mas, o uso de tautologias como garantia de obtenção de conhecimento
científico já encontrou objeções assim dentro da própria ciência como de sua filosofia. Para breve
ilustração, apresentamos uma síntese parcelar dessas objeções:
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
Sem mencionar o conceito de tautologia, ao dar suas orientações para bem conduzir a razão e
buscar a verdade nas ciências, mesmo supondo que a razão, o atributo melhor distribuído entre os
humanos, seja uma faculdade bivalente que distingue o verdadeiro do falso, (Descartes, 1637)
considera a lógica vinda dos mestres anteriores de pouca serventia. Serviria apenas ou para
explicar a outrem as coisas que já se sabem, ou para falar, sem julgamento, daquelas que se
ignoram ao invés de aprendê-las. Essas críticas antecipam em séculos as contemporâneas
objeções ao uso das tautologias na ciência e a base para a busca de sistemas lógicos não-clássicos,
ou, em suas palavras, de um método que contivesse as vantagens da lógica tradicional e da
matemática, mas nenhum dos seus inconvenientes.
Em mais de uma passagem (Marx, 1843) critica a filosofia do direito de Hegel por valer-se de
proposições tautológicas e não apresentar bases empíricas. Em outras tantas obras do mesmo
autor, esta crítica muitas vezes se repete, condenando o mero exercício de tautologias como
prática científica, conforme aponta (Paolucci, 2007), inter alia.
(Wittgenstein, 1921) a certa altura afirma que a tautologia e a contradição carecem de sentido. E
justificava: por exemplo, nada se sabe sobre a meteorologia quando se sabe que chove ou não
chove. Uma tautologia, segundo o mesmo autor, não tem condições de verdade, por que é
incondicionalmente verdadeira, enquanto a contradição sob nenhuma condição é verdadeira.
Para ele, a tautologia e a contradição não seriam figuras da realidade, não representariam
nenhum estado possível das coisas. A tautologia permitiria, com efeito, todos os estados possíveis
das coisas, a contradição nenhum.
Bem a propósito disso, encontramos em (Frege, 1892) o célebre comentário sobre a diferença
entre as igualdades tautológicas e as não-tautológicas. Segundo argumenta, a diferença entre
� = � e � = � está no valor cognitivo: enquanto a primeira vale a priori, a última pode
representar uma ampliação do conhecimento que não se estabelece aprioristicamente. Um
exemplo mais concreto desse tipo de igualdade não-apriorística foi a descoberta de que a Estrela
Vespertina e a Estrela Matutina são um mesmo objeto celeste, sem dúvida um avanço no
conhecimento astronômico.
Na mesma linha, (Popper, 1962) chama as tautologias de pseudo-proposições sem significado (sic).
Conter muitas tautologias seria um problema de quase toda obra-prima da matemática ou da
ciência. Anteriormente, (Popper, 1934) por algumas passagens mesmo excluiu da ciência o
pensamento tautológico: no capítulo terceiro, descreve como se testam hipóteses pelas
conclusões que elas acarretam por dedução lógica (sic). Todavia, tais conclusões se comparam
entre si e outras afirmações relevantes apenas para achar as seguintes relações lógicas:
equivalência, derivabilidade e compatibilidade ou incompatibilidade. Testar uma teoria, então,
consistiria primeiramente em ver se ela não contém contradições internas, e em segundo lugar,
determinar se a teoria tem um caráter científico, isto é, empírico mesmo, ou se se trata de uma
teoria tautológica. É curioso também notar que ao apresentar sua versão da lógica clássica,
(Popper, 1947), começa justamente a partir de regras de inferência e não de fórmulas que sirvam
como axiomas, isto é, já evitando principiar com tautologias e pela oitava seção esclarece em que
sentido seriam novos seus fundamentos para lógica: em se omitindo do sistema as definições de
tautologia e contradição, obtém-se o que Popper chama de lógica puramente dedutiva. É essa a
lógica que ele advoga:
A vantagem de uma lógica puramente derivacional é esta: é um sistema que se propõe
desde o início a ser uma teoria da inferência no sentido de que nos permite derivar
asserções informativas (não-lógicas) de outras declarações informativas.
A maioria dos sistemas da lógica moderna não são puramente derivacionais e alguns (por
exemplo no caso de Hilbert-Ackermann) não são derivacionais de modo algum. Eles
2
Tony Marmo
operam nem tanto sobre regras de inferência, mas com axiomas ou regras de prova
(axiomas-esquema). Quer dizer, tomam como primitivas asserções como “todas as
declarações designadas por ‘a>a’ [a implica a] são verdadeiras” (...)
Essas amostras da obra de Karl Popper são compatíveis com a leitura geral de seu trabalho na
filosofia da ciência, segunda a qual as teorias científicas devem ser sempre falseáveis e teorias
tautológicas não o são.
Alguns poderiam tentar limitar o escopo das reflexões acima exclusivamente ao estudo das
ciências empíricas. Porém, argumentos já houve que também manifestavam uma inquietação
com relação à possível tautologicidade das chamadas ciências demonstrativas. (Poincaré, 1894)
coloca justamente que a própria possibilidade de existir uma ciência matemática parece uma
contradição insolúvel. Essa contradição assiste em dois paradoxos que o matemático e filósofo
detecta. Ele indaga-se primeiramente de onde se deriva o rigor perfeito da matemática, do qual
ninguém duvida, se tal ciência for dedutiva em aparência? Por outro lado, se todas as proposições
que a matemática enuncia se derivam pelas regras da lógica formal, coloca-se a seguinte questão:
como é que a matemática não se reduz a uma grande tautologia? Na sequência de sua
argumentação no mesmo artigo, o autor faz o seu célebre comentário:
Um silogismo nada nos pode ensinar de essencialmente novo e, se tudo deve sair do
princípio de identidade, tudo deveria também poder reduzir-se a tal princípio. Admitiremos
por conseguinte que os enunciados de todos os teoremas que preenchem tantos volumes
sejam apenas maneiras indiretas de dizer que A é A?
O próprio autor responde negativamente à pergunta acima, inclusive negando uma identificação
imediata do raciocínio matemático com as regras do silogismo clássico, dizendo que não se
elidirá a referida contradição aparentemente insolúvel pelo uso frequente de uma regra pela qual
a mesma operação uniforme aplicada a números iguais nos proverá resultados idênticos. Nas
suas conclusões, o autor então defende que a matemática procede por um método de construção
que, partindo do particular para o mais geral, agrega novos conhecimentos. Ou seja, reforça a
ideia de que a expansão do saber não se ancora no uso de tautologias, nem mesmo no caso das
ciências formais (de outro modo ditas demonstrativas). E com isso fechamos nosso curtíssimo e
parcial relatório da insurgência filosófica contra o uso das tautologias no pensamento científico.
O uso de tautologias para o início da formulação de hipóteses nas ciências não deve ser, todavia,
totalmente desdenhado. Por razões formais ou empíricas é possível averiguar possibilidades
aventadas numa disjunção, por exemplo. Na verdade, a aplicação de uma regra como corte pode
ser entendida como um modo de testar hipóteses inicialmente tautológicas. Consideremos a
seguinte proposição:
0.0. Nos próximos 10 anos, ou [i.] o mundo enfrentará uma nova crise econômica, ou [ii.] não
enfrentará uma nova crise econômica, ou [iii.] outro evento inesperado acontecerá.
Para análise científica, não será a totalidade de (0.0) que se colocará a teste, mas sim cada um dos
seus disjuntos, até que se chegue ao disjunto verdadeiro ou mais verossimilhante. O examinador
de (0.0) pode perfeitamente extrair dela uma conclusão científica e não-tautológica. Em primeiro
lugar, se o examinador aceita formalmente o princípio do terceiro excluído, pode já descartar o
disjunto em [iii.]. Em segundo lugar, ele pode observar os eventos nos próximos 10 anos e
concluir pela verdade de [i.] ou de [ii.], descartando o outro. Não há problemas nisso. Apenas há
que se ressalvar que para ganho de conhecimento o importante não será a hipótese em (0.0), mas
as conclusões a que o examinador chegar partindo dela. Ou seja, a teoria científica resultante não
se resumirá à asserção de (0.0), mas corresponderá a uma explicação que empiricamente se
apoie em um dos seus disjuntos.
3
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
O próprio Aristóteles na sua Física procedeu assim, ou seja, mostrou como é possível argumentar
a favor de uma teoria da natureza começando com disjunções muito abrangentes e depois
cortando disjuntos. Colocações iniciais como ou existe movimento infinito ou não existe, ou o
movimento é circular ou não, acabam dando lugar a conclusões como não existe movimento
infinito, exceto o movimento circular, justamente por esse procedimento de raciocínios. Há muitos
outros exemplos desse padrão de argumentação: é por ele que o mesmo autor conclui que a
continuação de um movimento depende da ação continuada de uma força, uma asserção célebre da
física aristotélica e perfeitamente testável ou falseável experimentalmente, como puderam ver
físicos posteriores.
Não há que se falar numa inadequação insanável das tautologias, destarte, visto que elas têm
utilidade para o raciocínio científico, se seu emprego for bem entendido. Mas, talvez haja que se
buscar uma explicação para os mecanismos que as engendram. Mais precisamente, talvez se
tenha de recusar a ideia de que certas asserções se consideram tautológicas apenas por sua força
em si ou pela intuição humana, em favor de outra ideia de que, dependendo da teoria lógica
utilizada, uma asserção pode ou não ser considerada tautológica. Ou, então, o que se deva tentar
seja algo como uma extensão da noção de tautologia que permita explicar mais claramente os
referidos mecanismos.
É possível de fato redefinir o conceito de tautologia como de asserções que são sempre
verossímeis, aqui já se entendendo a verossimilhança como algo um tanto distinto de verdade
“exata” ou total. Já há outra proposta na literatura que estende a noção de tautologia lato sensu
pela de raciocínios ou asserções aceitáveis. Porém, essa noção de aceitabilidade requer que
façamos [i.] algumas opções estratégicas e [ii.] que a situemos dentro de uma ou mais famílias de
lógicas nas quais ela possa fazer sentido.
1. DAS OPÇÕES ESTRATÉGICAS
Para o tratamento próprio de quaisquer questões filosóficas, inclusive das lógicas, sempre é
preciso traçar uma estratégia clara, antes de mais nada. Há várias estratégias possíveis para o
caso dos temas que enunciamos na introdução e cada estratégia nos faz considerar diferentes
tipos ou classes de sistemas lógicos.
Uma estratégia seria a que Popper preferiu, a saber, desistindo por completo da crença na
utilidade do pensamento tautológico para as ciências e propondo uma lógica estritamente
dedutiva. Deveras, (Popper, 1947) diz que um sistema de regras primitivas de derivação é
puramente derivacional se e somente se podemos dar para cada regra primitiva exemplos de
asserções que sejam todos não-tautológicos. E isto encerraria a nossa investigação, pois não
teríamos mais como objeto as tautologias. Ou seja, por essa estratégia não poderemos formular
várias questões sobre tautologias e como nosso raciocínio as incorpora, produz ou utiliza. Bem
diferente, por outro lado, será tentar relativizar o conceito de tautologia para manter a
possibilidade de investigar o assunto. Aqui, associamos tal estratégia ao estudo dos sistemas
lógicos multivalentes que suscitam várias discussões. Aqui, dois inquéritos nos hão de interessar
de imediato:
O primeiro inquérito trata de como é possível aceitar ou excluir a existência de pelo menos mais
um valor alético além de verdadeiro e falso, conforme apontam (Rosser & Turquette, 1952):
Desde que houve uma enunciação clara do princípio de que “toda proposição é verdadeira
ou falsa”, houve quem o questionasse. Com o desenvolvimento de uma abordagem
axiomática da lógica, tornou-se possível construir sistemas lógicos em que tal princípio não
valesse.
4
Tony Marmo
O segundo inquérito, que aqui nos importa mais, averigua as muitas questões que passam a ser
formuladas dentro do contexto multivalente, tais como “ainda poderemos provar teoremas por
redução ao absurdo?” ou “quais serão então as leis básicas do pensamento?”, etc.
Especificamente, perguntamo-nos como devemos entender as tautologias, uma vez rejeitado o
princípio do terceiro excluído. Poderemos ter no lugar da noção de tautologia outra mais fraca
porém tão ou mais útil?
Assim, primeiramente impõe-se a tarefa de definir o que seja uma tautologia ou quiçá buscar
noções próximas ou mais gerais. Se a cada proposição se atribui um e apenas um dentre dois
valores aléticos, é simples definir tautologias como uma proposição que sempre toma valor
verdadeiro. Mas, se há mais de dois valores aléticos, ou mesmo se houver graus de verdade das
proposições, como então definir tautologia? Se aceitarmos associar a ideia de tautologia à
atribuição do valor alético máximo, ou seja, se a definirmos como uma proposição que sempre
toma o maior grau de verdade, então como classificaremos ou o que diremos daquelas
proposições que recebem valores não altos?
Outro tópico a investigar, menos óbvio e mais instigante, é o de saber quais proposições ou
fórmulas se consideram tautologias para todas as lógicas de uma mesma família. Nomeadamente,
trata-se de saber se uma tautologia bivalente será também uma trivalente e assim
sucessivamente, ou se o caminho será o inverso. E, por fim, o que há de dizer de sistemas em que
não há um valor máximo de verdade?
Também como opção estratégica, usaremos de lógicas multivalentes para falar dos assuntos
acima. Aqui não discutiremos o que são as noções de verdade/falsidade e graus de acuidade ou
verdade/falsidade. Tomar-se-ão tais noções como um primitivas sem lhes adscrever definição
precisa, considerando ser intuitiva a ideia de que agentes epistêmicos humanos usualmente
avaliam as proposições segundo sua acuidade ou verdade e representar tais valores
numericamente.
2. ALGUMAS FAMÍLIAS MULTIVALENTES
As leis tradicionais da lógica podem ser enunciadas usualmente ou como regras de inferência ou
como condicionais (isto é, implicações). Na sua versão condicional, essas leis são as conhecidas
fórmulas tautológicas da lógica clássica bivalente. Inicialmente enumeramos algumas delas como
implicações:
Fórmulas
(P.1) � → �
(P.2)
�∧� →�
(P.3) � → � → �
(P.4) � → ¬� → �
¬� → � → �
(P.5)
(P.6) � → � ∧ ¬� → ¬�
(P.7)
� → ¬� → ¬ ¬� →
�
(P.8)
�→� → �→� →
�→�
¬� → ¬� → � → �
(P.9)
(P.10)
�→� →� →
�→� →�
�→� → �→� →
(P.11)
�→�
5
Exemplos em linguagem natural
Beber água implica beber água.
Se o asno de Buridan bebe e come, então ele come.
Se o asno bebe, então se ele come, bebe.
Se o asno bebe, então se não bebe, come.
Se o asno não beber implica beber então (de qualquer
forma) ele bebe.
Se o asno beber implica comer e não comer, então ele
não bebe.
Se beber implica não beber, então não beber não
implica beber.
Se o asno beber implica comer, então se comer implica
respirar, então beber implica respirar.
Se não beber implica não comer então comer implica
beber.
Etc.
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
Essas fórmulas muitas vezes têm nomes conhecidos na literatura, como identidade (P.1),
consequência admirável (P.5), contraposição (P.9), etc. Acima, o símbolo → denota simplesmente
a implicação material. Mais adiante, porém, distinguiremos entre implicação fraca ⇒ e forte →
nos sistemas multivalentes. 1 Demais conectivos serão definidos no texto. Letras gregas
minúsculas como �, �, �, � utilizaremos mormente para denotar fórmulas e, em alguns casos,
para indicar um número cardinal. Notações usuais da matemática também nos auxiliarão. No
decorrer texto e especialmente das demonstrações nas seções subsequentes, modus ponens
sempre se refere à regra advinda justamente da lógica clássica, nomeadamente:
(MP) A partir de uma proposição A e do fato de que A implica/ acarreta outra proposição B
se infere B.
Outras possíveis variantes ou alternativas dessa mesma regra serão à medida do possível
designadas por expressões diferentes, quando estivermos a abordar regras de inferência dos
sistemas-objeto.
Se as leis lógicas podem figurar como regras ou axiomas, há também que se distinguir quando se
trata uma lei lógica como um teorema ou uma tautologia. Tal distinção é essencial: pelo método
axiomático escolhem-se quais declarações se tomam como estipulações iniciais e quais regras se
usam para construir novas declarações que valem também como injunções. As estipulações
iniciais e as injunções delas derivadas são os teoremas de uma lógica. Por outro lado, quando se
encara uma lei lógica como uma tautologia, está-se pensando no seu valor alético invariante que
justamente permite supor que seja mesmo uma lei. Idealmente os teoremas e as tautologias de
uma mesma lógica devem coincidir.2 Ainda assim, pouco temos a dizer das leis lógicas enquanto
teoremas, donde focaremos os sistemas que sancionam tais leis.
Como vários e diferentes sistemas lógicos multivalentes podem ser construídos, convém
organizá-los em famílias. Duas famílias aqui consideradas são tidas na literatura como
generalizações bem diferentes de uma mesma lógica inicial. No que se segue descrevemos as
famílias £n, Un e Pm.
£n. Podemos tomar o cálculo proposicional clássico bivalente C2 como lógica inicial e consideralo parte da família de lógicas de Łukasiewicz, a designar por £n, tal que nelas os valores são um
conjunto finito ou infinito de números do intervalo [0, 1]. Vê-se para já que, na família £n, C2
corresponderá exatamente a £2, se identificarmos 1 com verdadeiro (T) e 0 com falso (F). Uma
lógica trivalente, digamos £3, pode atribuir às proposições atômicas um dentre os três valores
seguintes: verdadeiro (T), falso (F) e neutro (I), que podem também ser identificados com 0, ½ e
1 respectivamente. Enfim, os conjuntos finitos de valores de uma lógica £n serão dados por:
2.0.
!!! !!!
,
!!! !!!
,…,
!
,
!
!!! !!!
.
A primeira lógica infinito-valente dessa família £n terá um conjunto de valores com a
cardinalidade dos naturais e designa-se, portanto, £ℵ0, e a segunda será £ℵ1, cujo conjunto de
valores tem a cardinalidade dos reais. É resultado conhecido da literatura, por razões que aos
poucos esboçaremos, que £ℵ0 e £ℵ1 se equivalem, razão pela qual se fala usualmente do sistema
£ℵ. Outra família a que nos referiremos será Un, a qual explicaremos mais adiante.
1
Se quisermos aplicar essa distinção à lógica bivalente, veremos que todas as teses acima que
são tautologias da lógica bivalente na sua versão de implicação forte, também são tautologias
bivalentes na versão da implicação fraca.
2 Ver (Turquette, 1954) para uma explicação na mesma linha.
6
Tony Marmo
Em vários artigos da primeira metade do século XX 3 , Łukasiewicz generalizou sua lógica
trivalente £3 para o caso de mais valores aléticos, deveras para sistemas infinito-valentes. Sejam
tais valores representados por números reais no intervalo de 0 a 1, com 0 desempenhando o
papel de falso e 1 de verdadeiro. O sistema trivalente de Łukasiewicz pode-se desenvolver a
partir dos valores supracitados em se usando tabelas de verdade baseadas nas seguintes regras
aritméticas:
2.1. Operadores de £n.
a. Negação. ¬� = 1 − � , tal que |...| denota a diferença absoluta.
b. Conectivos binários.
Fracos
Fortes
i.
� ∨ � = max �, �
� ⊔ � = min 1, � + �
Disjunção
ii.
� ∧ � = min �, �
x&y = max 0, � + � − 1
Conjunção
iii.
� ⇒ � = max ¬�, �
� → � = ��� 1, 1 − � + �
Implicação
Podemos formular a partir disso muitas regras de inferência, aritmeticamente calculáveis, e
inclusive várias versões multivalentes para modus ponens. As mais naturais, ou seja, as que
decorrem prontamente das regras acima são as seguintes:
c.
Regras de Inferência Modus Ponens.
Fraco
Se x=1 e � ⇒ � = max 1 − �, � = 1, então
y=1.
Forte
Se x=1 e � → � = 1 , então
y=1.
Pela série de valores aléticos em (2.0) e os conectivos proposicionais e regras em (2.1), obtém-se
a série £n das lógicas multivalentes de Łukasiewicz. Exemplificamos as tabelas de verdade para o
caso de £4 mais adiante na quarta seção.
Un (e afins). Todavia, são possíveis outras lógicas infinito-valentes radicalmente diferentes de
£n, as quais também se podem qualificar como generalizações da lógica trivalente básica £3 de
Łukasiewicz. Uma dessas famílias de lógicas é a que designamos por Un.
Uma lógica finita da família Un (tal que n≥3 e ímpar) toma os valores aléticos dentre a
totalidade dos inteiros no intervalo –
!!!
!
,+
!!! 4
.
!
Por exemplo, no caso da lógica U3, o valor de
uma proposição x qualquer número real do intervalo entre –1 a +1, interpretando-se –1 como
falso, +1 como verdadeiro e 0 como neutro: −1 ≤ � ≤ +1.
Para os conectivos proposicionais introduzimos as tabelas de verdade por meio das regras
seguintes:
2.2. Operadores de Un.
a. Negação. ¬� = −�;
b. Operadores binários.
i. Conjunção, disjunção e implicação fracas como em 2.1, observada a
definição de negação anterior (ou seja � ⇒ � = max −�, � );
Ver entre outros (Łukasiewicz, 1910), (Łukasiewicz, 1920), (Łukasiewicz, 1930), (Pogorzelski,
1964) e (Rescher, 1969).
4 Na verdade, na literatura encontram-se sistemas Un par-valentes e ímpar-valentes, os
primeiros desconsideram o 0 entre os valores aléticos e os últimos sempre o consideram. Mas,
aqui somente nos interessarão os sistemas ímpar-valentes, dados os objetivos presentes.
3
7
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
+
!!!
!
ii. � → � = 0
��
−
!!!
��
�−�≤0
0 < � − � ≤ 1, implicação forte;
��
!
�−�>1
iii. � ↔ � = � → � ∧ � → � ;
iv. �
!
�, implicação forte conservadora, a definir em (5.19).
Vale notar que na família Un, inobstante as lógicas poderem ter mais de três valores aléticos, uma
implicação [forte] → deve ser sempre ou verdadeira, ou falsa ou neutra. Como no caso da família
£n, podemos formular várias versões multivalentes para modus ponens, entre as quais decorrem
imediatamente das regras acima as seguintes:
c.
Regras de Inferência Modus Ponens.
Fraco
!!!
!!!
Se � = +
e � ⇒ � = max −�, � = +
,
!
então � = +
!!!
!
!
.
Forte
!!!
!!!
Se � = +
e�→�=+
,
!
então � = +
!!!
!
!
.
Todavia, o interessante é justamente que todas as versões de modus ponens multivalente para as
famílias £n e Un podem ser apresentadas como teoremas a partir das regras, a demonstrar
aritmeticamente. Ou seja, não se trata de regras de inferência meramente estipuladas por uma
intuição ou convenção.
2.3. Proposição. As regras em (c) acima são consequências das alíneas anteriores em (2.2).
Dem. O caso de modus ponens fraco é trivial. Para modus ponens forte:
Se � → � = +
�>+
�=+
!!!
!
!!!
!
!!!
!
, então � − � ≤ 0 , donde � ≥ � . Se � = +
!!!
!
, então � ≥ +
não é possível em um sistema finito-valente Un, visto que +
!!!
!
!!!
!
. Como
é o valor máximo,
.
Não estaremos necessariamente considerando os sistemas infinito-valentes em Un neste
trabalho. Mas, há pelo menos dois deles, a saber, [i.] Uℵ0, que toma como valores os inteiros no
intervalo +∞, −∞ e [ii.] Uℵ1, que toma como valores os reais no intervalo [–1,1]. A subfamília
�!⇒ obtém-se de Un retirando-se-lhe a implicação forte e as regras aritméticas a ela atinentes.
Mas, também essa não focaremos.5
Uma das características interessantes que se constata, ao comparar ambas famílias de lógicas, é a
seguinte: para a família £n, há um mesmo valor máximo de verdade em todas as suas lógicas, a
saber, 1, e um mesmo valor máximo de falsidade, 0. Na família Un, para já é visível que cada
lógica terá seu próprio valor máximo de verdade e seu próprio valor máximo de falsidade.
É mesmo possível pensar em outras famílias assemelhadas a Un, por exemplo, digamos �!∗ , que
diferiria da primeira na definição da implicação forte:
5
+
e*. � → � =
E assim por diante.
8
!!!
��
!
0
�
��
��
�<�
� = � , implicação forte.
�>�
Tony Marmo
Pm. Por fim, apresentaremos uma família lógica proposta por (Post, 1921) 6 que é bastante
diferente das duas anteriores. Conforme explicamos na quarta seção, trata-se de um família de
lógicas que, ao contrário de Un e £n, não são normais. As lógicas finito-valentes Pm descrevemos
assim:
2.4. Valores aléticos. Cada lógica tem um conjunto de m valores aléticos, que podem ser
representados por positivos inteiros, a saber, 1 … � , sendo 1 interpretado como
verdadeiro e m como falso.
2.5. a. Negação. A negação finita de Post, indicada abaixo por η, dá-se pelas seguintes regras:
i. � � = 1
ii. � � = � + 1, para 1 ≤ � < �.
É usual denotar a negação de Post como ¬! , mas podemos usar também ¬ para
simplificar.
b. Disjunção. Diferentemente do que é usual nas lógicas multivalentes, a disjunção de
Post, denotada abaixo por ∨! , toma o menor valor dos disjuntos, ou seja,
i. � ∨! � = min �, � .
c. Demais conectivos. Os demais conectivos ∧,⇒ e ⇔ são definidos em termos da
conjunção e da negação:
i. � ∧ � = ¬! ¬! � ∨! ¬! � ;
ii. � ⇒ � = ¬! � ∨! �;
iii. � ⇔ � = � ⇒ � ∧ � ⇒ � .
Acima convencionamos representar os valores aléticos por inteiros positivos, 1,2,3,...,m, por ser
mais cômodo. Outro modo, todavia, que use de frações, permite pensarmos adicionalmente em
lógicas infinito-valentes para a família Pm.
Para a primeira lógica infinito-valente, Pℵ0 descrever-se-á assim:
2.6. Valores aléticos. Os valores aléticos são 1 (verdadeiro), 0 (falso) e os demais são
frações da forma
! !
!
.
2.7. a. Negação. A negação de Pℵ0, indicada abaixo por η, dá-se pelas seguintes regras:
i. � 0 = 1
!
ii. � � = �, para � ≠ 0.
!
b. Disjunção. Diferentemente de (2.6), a disjunção de Pℵ0, denotada abaixo por ∨, dá-se
por
i. � ∨ � = max �, � .
Os demais conectivos definem-se como em (2.5c) acima. Pℵ1, a segunda lógica infinito-valente de
Pm, será igual a Pℵ0, exceto que os valores aléticos serão os números reais no intervalo [0,1]. A
título de ilustração, apresentamos a tabela para quatro conectivos de P3, simplificando a notação:
2.8. Exemplo. Tabelas para ¬, ∨, ∧ e ⇒ em P3.
x∨y
x
¬x
x\y 1
2
3
1
2
1
1
1
1
2
3
2
1
2
2
3
1
3
1
2
3
6
9
Ver também (Rose, 1952) e (Rose, 1953), entre outros.
1
3
3
2
x∧y
2
3
1
2
3
2
2
2
1
1
1
1
x⇒y
2
2
2
1
3
2
3
1
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
É o nosso relatório das três famílias lógicas consideradas. São todos sistemas simples e fáceis de
usar. Na seção imediatamente subsequente abordamos um tema filosófico detectável a partir do
uso dessas lógicas multivalentes.
3. PERDA DE TAUTOLOGIAS
A. CONSTATAÇÃO POR EXEMPLOS
Consideramos uma fórmula como tautologia (strictu sensu) se esta uniformemente receber o
valor alético máximo de um sistema para todas as valorações de suas variáveis. No caso da
família £n esse valor é 1. Não é difícil perceber o seguinte:
3.0. Observação. Toda tautologia de qualquer £n para n>2 é também uma tautologia do
cálculo proposicional clássico bivalente C2.
Isso é assim porque as tabelas de verdade para cada £n concordarão com as tabelas bivalentes
quando envolverem apenas 0 e 1 (i.e., F e T), de forma que uma fórmula bem formada que
sempre toma valor 1 a partir de um grupo maior de valores de entrada também tomará valor 1
quando as entradas forem apenas 0s e 1s. Por outro lado, há de modo geral tautologias de C2 que
não são tautologias de uma £n>2. Para verificar isso, basta examinar alguns exemplos.
Primeiramente, vejamos as tabelas para a negação, a disjunção fraca (que serve também para
calcular a conjunção e a implicação fracas) e bem assim a implicação forte:
3.1. Tabelas de £4.
X
¬x
x\y
1
⅔
⅓
0
0
⅓
⅔
1
1
⅔
⅓
0
1
1
1
1
1
⅔
1
⅔
⅔
⅔
x∨y
⅓
1
⅔
⅓
⅓
0
1
⅔
⅓
0
1
1
1
1
1
⅔
⅔
1
1
1
x→y
⅓
⅓
⅔
1
1
0
0
⅓
⅔
1
Agora elenquemos os exemplos:
3.2. Exemplo. A fórmula � ⇒ � não é tautologia de £4, diferentemente de π→π.
Dem. £4 tem como valores 0, ⅓, ⅔ e 1. Para a implicação forte, vê-se que quando o
antecedente e o consequente têm o mesmo valor, a implicação é verdadeira, donde π→π é
tautologia. Por outro lado, para ver que a fórmula � ⇒ � não será uma tautologia de £4, basta
encontrar um caso em que � ⇒ � ≠ 1. Assim, suponha, por exemplo, que π=1/3: então
obteremos um valor diferente de 1 para a fórmula referida. Isto se vê pelo cálculo abaixo:
� ⇒ � = max ⅔, ⅓ = ⅔ ≠ 1
3.3. Exemplo. Não é tautologia de £4 a fórmula � → � ∧ ¬�
→ ¬�.
Dem. Suponha µ=⅓, donde � ∧ ¬� = ⅓, e π=1, donde ¬π=0. Logo, na forma das regras
em (2.1),
� → � ∧ ¬� = ��� 1, 1 − 1 + ⅓ = ⅓
e, assim,
� → � ∧ ¬�
10
→ ¬� = ��� 1, 1 − ⅓ + 0 = ⅔.
Tony Marmo
3.4. Exemplo. De um modo geral, a fórmula ¬� ⟹ � ⟹ �, a versão fraca da consequência
admirável (ou lei de Clávio), não será tautológica em £n.
Dem. De acordo com (2.1), isto se calcula assim:
a.
b.
c.
¬� ⟹ � ⟹ � = ��� ¬ ¬� ⟹ � , �
¬� ⟹ � = ��� 1 − 1 − �, � = ��� �, � = �
��� ¬ ¬� ⟹ � , � = ��� 1 − �, �
Ou seja, ¬� ⟹ � ⟹ � dependerá do valor de π.
Estes casos ilustram uma tendência mais geral: a de que, dentro de uma família de lógicas Xn,
quando j>i, haverá tautologias em Xi que não são tautologias em Xj. Deveras, tal se dá com as
lógicas finito-valentes da família £n, como se afirma na literatura. Porém, £ℵ0 e £ℵ1, duas lógicas
infinito-valentes da mesma família, são casos diferentes. Como é de se esperar, as tautologias de
£ℵ1 são todas tautologias de £ℵ0. Mas, inesperadamente, também as tautologias de £ℵ0 são todas
tautologias de £ℵ1. E, nesse sentido, £ℵ0 e £ℵ1 equivalem-se.
O fato de que as tautologias de £ℵ1 são todas tautologias de £ℵ0 se deduz pelo raciocínio
seguinte: dado que as regras de verdade de ambos sistemas são exatamente as mesmas, e dado
de que os valores aléticos de £ℵ0 são um subconjunto dos de £ℵ1, toda tautologia de £ℵ1 deve ser
tautologia de £ℵ0.
O outro lado pode ser mostrado também. Na literatura está demonstrado que o conjunto de
tautologias de £ℵ0 pode ser axiomatizado pelas regras de substituição e modus ponens
juntamente com os seguintes axiomas:
(Ax.1)
(Ax.2)
(Ax.3)
(Ax.4)
�→ �→�
�→� → �→� → �→�
¬� → ¬� → � → �
�→� →� → �→� →�
(Ax.5)
�→� → �→�
→ �→�
Pode-se demonstrar que todos acima são tautologias de £ℵ1 e, portanto, todas as suas
consequências pelas regras de modus ponens e substituição também são tautologias de £ℵ1, visto
que tais regras preservam o caráter tautológico. Deste modo é que podemos tratar £ℵ0 e £ℵ1
como variantes de um mesmo sistema infinito-valente £ℵ de Łukasiewicz. Não há muito que nos
determos sobre tal fato.
Se, por um lado, a perda de tautologias é um problema aparente, por outro, conseguimos achar
meios para piorá-lo. De fato, existem lógicas infinito-valentes que não têm tautologias, ainda que
as lógicas finito-valentes da mesma família as tenham. É o caso da família Pm.
Demos um exemplo de tautologia de P3:
3.5. O princípio do quarto excluído. � ∨ ¬� ∨ ¬¬�
Dem. Na forma das regras em (2.5), quaisquer que sejam os valores atribuídos às suas
constituintes, a fórmula em comento terá sempre valor 1:
�
1
2
3
11
¬�
2
3
1
¬¬�
3
1
2
� ∨ ¬� ∨ ¬¬�
1
1
1
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
Surpreendentemente, o que poderia ser a “contradição” do princípio acima não toma valor falso
(no caso, 3), mas a negação dessa fórmula sim:
3.6. Lema. � ∧ ¬� ∧ ¬¬� = 2, donde ¬ � ∧ ¬� ∧ ¬¬� = 3.
Dem. Na forma das regras em (2.5):
�
1
2
3
¬�
2
3
1
¬¬�
3
1
2
� ∧ ¬� ∧ ¬¬�
2
2
2
¬ � ∧ ¬� ∧ ¬¬�
3
3
3
3.7. Perda Total em Pℵ 0. Em Pℵ0 não há tautologias stricto senso (ou seja, fórmulas bem
formadas uniformemente tomando valor 1).
Dem. Resumidamente, o argumento consiste no seguinte:
Lembremos que em os conectivos primitivos são a negação e a disjunção. As tautologias
em uma lógica Pm todas no fundo equivalem ao princípio do κ-ésimo excluído, que de
modo geral é escrito na forma da disjunção em (*). As tautologias stricto sensu tomam o
valor verdadeiro independentemente da atribuição de valores às suas variáveis
constituintes.
Em poucos passos vê-se que:
a.
As variáveis proposicionais podem, obviamente, assumir quaisquer valores da
lista 0, … ,
b.
c.
! !
!
, … ,1.
Seja π uma fórmula bem formada de Pℵ0: então, na forma de (2.7), ¬π=1 se, e
somente se, π=0.
Sejam π e µ fórmulas bem formadas de Pℵ0: então, na forma de (2.7), � ∨ � = 1
se, e somente se, ou π=1 ou µ=1.
Considere agora a seguinte disjunção
(*)
� ∨ ¬� ∨ ¬¬� ∨ !¬� ∨ … ∨ !¬� ,
onde “x¬” significa “x vezes a negação”.
Claramente, se � ≠ 0, não haverá nenhuma
!
¬� =
! !
!
!
¬� = 1, 0<i≤κ. Deveras, para 0<ι≤κ,
� ≠ 1. De forma que a disjunção acima receberá o valor 1 se, e somente se,
ou � = 0, donde ¬� = 1, ou � = 1. Portanto, a verdade da fórmula em (*) depende do
valor atribuído a uma de suas variáveis.
Por conseguinte, também não tem tautologias Pℵ1. E com isso temos o problema piorado.
Com isso cremos ter, em linhas gerais e essenciais, apresentado uma questão filosófica que se
detecta, sem dificuldades, a partir do ponto de vista das lógicas multivalentes.
B. TESTES DA EXISTÊNCIA DE TAUTOLOGIAS
Deve-se a (Kalicki, 1950) um teste bastante trabalhoso mas construtivo para decidir se uma
lógica finito-valente tem tautologias ou não, ou, por suas próprias palavras, se sua classe de
tautologias é vazia ou não. O mais importante resultado do referido trabalho, contudo, é um
12
Tony Marmo
teorema sobre a inexistência de tautologias para uma classe de sistemas, que ele denomina de
cíclicos.
Por outro lado, o teste usual para lógicas com poucos valores é bem mais simples e direto:
basicamente basta arrolar um exemplo de fórmula tautológica para dizer que a classe de
tautologias não é vazia. Mas, como veremos adiante, dizer se há ou não tautologias num sistema é
sempre referente a um conjunto de operadores. No caso de Jan Kalicki, o que se considera é um
tipo de negação (que ele denota por N) e um só de implicação (denotado por C). É possível fazer
outro teste com as noções de equivalência e disjunção: para uma lógica n-valente, tomam-se n+1
variáveis proposicionais e constroem-se as equivalências hipotéticas entre elas. Pense-se no caso
de £3 e da equivalência fraca (isto é, a conjunção de duas implicações fracas, denotada por ⇔) e
forme-se uma disjunção a partir das possíveis equivalências:
3.8. � ⇔ � ∨ � ⇔ � ∨ � ⇔ � ∨ � ⇔ � ∨ � ⇔ � ∨ � ⇔ �, tal que �, �, �, � são fórmulas bemformadas não-tautológicas.
Como só há 3 valores a atribuir a cada constituinte, inevitavelmente haverá duas fórmulas com o
mesmo valor alético, e, em tal caso, a questão é saber se o valor da equivalência fraca sempre
assume o valor verdadeiro quando suas duas componentes têm o mesmo valor. Se a resposta
fosse positiva, (3.8) acima seria um exemplo de tautologia de £3. Desafortunadamente, a
equivalência fraca nem sempre assume valor verdadeiro quando suas componentes têm o
mesmo valor. Por exemplo:
3.9. Se � = ½ , � ⇔ � = max
1 − �, � ∧ max
1 − �, � = ½.
Para a equivalência forte, o leitor pode verificar por si, o teste acima funciona.
4. BREVE DIGRESSÃO
O problema da perda das tautologias de uma lógica finito-valente a outra, ou dessas para uma
lógica infinito-valente, junto com a equivalência entre as lógicas infinito-valentes, parece ter
desconsertado no século XX alguns lógicos de tal forma que se sentiram impelidos a prover
modos de “remediar” o quadro. Uma dessas propostas foi a ideia redefinir os conceitos de
tautologia e contradição em termos de valores designados e anti-designados. Outra reação
consistiu em resgatar as tautologias perdidas redefinindo os operadores lógicos.
A noção de verossimilhança estende a de verdade, assim como o conceito de valor alético
designado estende o de valor verdadeiro. Dado um conjunto de valores aléticos de uma lógica,
podemos interpretar um deles como o valor verdadeiro e alguns outros como verossímeis. Da
mesma forma, um dos valores aléticos pode ser interpretado como falso e alguns outros
inverossímeis. O conceito de tautologia stricto sensu é a de uma asserção ou fórmula que
uniformemente recebe o valor verdadeiro. O conceito de tautologia lato sensu nas lógicas
multivalentes é de uma asserção ou fórmula que sempre recebe um valor designado. Os conceitos
de contradição stricto e lato sensu funcionam analogamente com os valores falso e demais antidesignados respectivamente.78
Todavia, é possível ainda falar do conjunto de valores não-designados, que não coincide com o
de valores anti-designados e, portanto, não estendem a noção de falsidade, ou seja, um conjunto
de valores que não designados, nem anti-designados.
7
8
Uma crítica que prontamente se levanta nesse contexto é a seguinte: dividir os valores aléticos
em designados e anti-designados não diferirá muito de adotar apenas dois valores aléticos, a
saber, verdadeiro e falso. Essa crítica é rebatível, pois, na verdade, ancora-se na ideia de que o
13
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
Outrossim, os lógicos buscaram um modo de classificar os sistemas multivalentes que lhes
permitisse guardar alguma relação entre estes e a lógica bivalente clássica. Uma classificação
possível das lógicas multivalentes conforme sua relação com a lógica clássica é aquela que as
separa em normais e não-normais. As definições abaixo valem independentemente de como os
valores designados e anti-designados se representam num dado sistema:
4.1. Definição. A tabela de verdade para um conectivo proposicional, que seja o análogo de
um dos conectivos bivalentes, será normal se
a. incluir ao menos um valor alético análogo ao de verdadeiro T, ou seja, um valor
designado,
b. e se concordar inteiramente com a tabela padrão bivalente para o conectivo em
C2 quando envolverem somente os dois valores aléticos T e F.
4.2. Definição. Uma lógica multivalente é normal (no todo) se as tabelas de verdade de seus
conectivos básicos são normais.
As lógicas Un e £n anteriormente vistas são exemplos de lógicas normais. Já as Lógicas Pm não o
são. Basta conferir as respectivas tabelas de verdade para constatar tais fatos. Isto quer dizer que
as tautologias de Pm não são necessariamente um subconjunto das de C2.
Decidir quais valores de um sistema são designados e quais são anti-designados não é totalmente
arbitrário, pois na verdade trata-se de uma escolha teleológica: essa escolha deverá permitir que
consigamos de algum modo mostrar que um sistema examinado é normal ou não no sentido da
definição acima. Ademais, a escolha não poderá ser tal que tenhamos valores que sejam ao
mesmo tempo designados e anti-designados (donde uma fórmula poderia ao mesmo tempo ser
tautológica e contraditória).
As considerações acima deixam muitas outras questões em aberto, a primeira delas é justamente:
de que noções mais básicas ou primitivas vem a distinção entre valores designados/verossímeis
e anti-designados/inverossímeis? Por outras palavras: Qual é a justificativa filosófica ou o
contexto conceitual para essa distinção? Outras questões pertinentes: Por que temos de olhar as
famílias de lógicas multivalentes sempre a partir da lógica bivalente? Como podemos, enfim,
explicar de modo mais geral o que torna uma fórmula tautológica numa lógica e não-tautológica
mas não-contraditória em outra?
5. REENCAMINHANDO A DISCUSSÃO
A. AS VÁRIAS TAUTOLOGIAS
Neste trabalho vamos seguindo as estratégias abaixo:
•
•
Estratégias mais gerais:
o Comparar sistemas,
o Comparar famílias de sistemas
Estratégias mais pontuais:
o Relacionar fórmulas;
o Relacionar interpretações de uma mesma fórmula.
E, em síntese, até aqui pautamos o seguinte:
5.0. Asserções e raciocínios tautológicos não são estranhos ao pensamento científico e
podem ser-lhe úteis. Porém, as tautologias têm de ser empregadas criticamente.
conjunto dos valores anti-designados coincidiriam com o complemento do dos designados, o que
não é o caso, conforme dissemos acima.
14
Tony Marmo
5.1. É discutível ou questionável a ideia de que as tautologias sejam verdades auto-evidentes:
as fórmulas dependem das características dos sistemas lógicos para tomarem ou não
sempre o valor verdadeiro.
5.2. O uso crítico de tautologias requer o seu estudo lógico, com foco nas questões que
podemos formular a partir assim da sua origem histórica bivalente como da sua
relativização multivalente.
5.3. Um problema interessante que surge em meio à relativização supramencionada, do
ponto de vista das lógicas multivalentes, é o da perda de tautologias com o aumento do
número de valores aléticos.
5.4. A perda de tautologias, que, pelo menos no caso das lógicas normais e na família Pm, não
impedirá que busquemos outros conceitos igualmente ou mais interessantes, capazes de
estancar as possíveis perdas de tautologias.
Eis que uma tautologia stricto sensu é uma asserção ou fórmula que sempre toma o valor
verdadeiro, ou seja, o valor mais alto numa dada lógica. Uma tautologia latu sensu sempre toma
um valor designado. Seja qual for a opção, porém, toda tautologia é uma asserção ou fórmula
aceitável, mas nem toda asserção ou fórmula aceitável será uma tautologia numa dada lógica.
B. O CRITÉRIO DE ACEITABILIDADE
A noção de aceitabilidade/ inaceitabilidade dos raciocínios ou asserções consideramos mais
básica que as noções de verdade, verossimilhança, falsidade e inverossimilhança, e, portanto,
também mais básica. Mais adiante daremos aplicações deste conceito, porém primeiro
ponderaremos sobre seus aspectos filosóficos: uma asserção verdadeira ou verossímil será
sempre aceitável. Mas, asserções aceitáveis nem por isso precisam ser (sempre) verdadeiras ou
verossímeis. Uma asserção falsa ou inverossímil sempre será inaceitável e, segundo o ponto de
vista que ora adotamos, toda asserção inaceitável será sempre falsa ou inverossímil. Digamos que
exista ao menos um valor alético médio entre todos os valores aléticos de um sistema: a noção de
aceitabilidade de uma asserção equivalerá a atribuir a ela um valor alético maior ou igual ao
valor médio. Assim damos uma definição de aceitabilidade que servirá para diferentes sistemas:
5.5. Definição. Dir-se-á que uma fórmula π é aceitável em uma lógica se, nessa mesma
lógica, sempre � ≥ �, tal que I é o valor neutro médio.
Isso será possível até para famílias de lógicas que tenham para todos os sistemas o mesmo valor
médio. Em Un, por exemplo, o valor médio é sempre 0 (embora cada sistema de Un tem seu
próprio valor verdadeiro: para U3 esse valor é 1, para U5 é 2, etc.).
Qual é a utilidade estratégica desse conceito de aceitabilidade das asserções e raciocínios? É que
nos servirá para mostrar que não há que se falar exatamente em perda de tautologias dentro de
uma mesma família, mas mais apropriadamente de diluição da força argumentativa das
tautologias à medida que aumentam o número de valores aléticos de um sistema para outro. A
saber, uma asserção que de acordo com uma interpretação é estritamente tautológica, não o
será de acordo com outra, mas ainda assim poderá ter alguma força argumentativa. Do mesmo
modo, vemos que uma fórmula que num sistema S toma uniformemente um certo valor alético a,
pode receber valores diferentes de a, mas nem por isso deixará de ser aceitável.
Se aceitamos que a força argumentativa das asserções ou fórmulas muda de um sistema para
outro, ou mesmo de uma família de lógicas para outra, o que temos a fazer para entender os
mecanismos por detrás das tautologias e contradições é procurar ver como se relacionam essas
diferenças de força de argumentativa. Podemos então pensar em diferentes soluções
estratégicas, que envolvam meios para comparação das interpretações das asserções ou
fórmulas.
15
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
C. A ORGANIZAÇÃO GERAL DAS TAUTOLOGIAS E CONTRADIÇÕES
Destarte, se é possível formular conceitos que cada vez mais generalizam a ideia de tautologia,
podemos outrossim ampliar ainda mais essa visão em se lhes opondo outros conceitos.
Generalizamos ou relativizamos assim as ideias de contradição, contingência e quantos mais
conceitos afins por meio de oposições como as que tabelamos a seguir:
5.6.
Campo
Declarações
verazes.
5.7. Generalizações dos Conceitos de Tautologia e Contradição.
1
2
3
Declarações
falazes.
4
5
6
[A] Definição
Sempre toma valor
verdadeiro
Sempre toma valor
designado
Sempre toma valor
maior ou igual ao
médio.
Sempre toma valor
menor que o médio.
[I] Subalterna
Às vezes toma valor
verdadeiro
Às vezes toma valor
designado
Às vezes toma valor
maior ou igual ao
médio
Às vezes toma valor
menor que o médio.
[E] Contrária
Nunca toma valor
verdadeiro
Nunca toma valor
designado.
Nunca toma valor
maior ou igual ao
médio.
Nunca toma valor
menor que o médio.
Sempre toma valor
antidesignado.
Sempre toma valor
falso.
Às vezes toma valor
antidesignado.
Às vezes toma valor
falso.
Nunca toma valor
antidesignado.
Nunca toma valor
falso.
[O] Contraditória
Nem sempre toma
valor verdadeiro.
Nem sempre toma
valor designado.
Nem sempre toma
maior ou igual ao
médio.
Nem sempre toma
valor menor que o
médio.
Nem sempre toma
valor antidesignado.
Nem sempre toma
valor falso.
Aqui usamos as expressões tautologia stricto sensu e latu sensu e declaração aceitável para as
definições [A1, 2, 3] acima, mas qualquer outra da eleição do leitor pode servir para quaisquer
das definições acima.
A questão da estruturação desses conceitos assim se responde de modo claro, permitindo a
interdefinição dos mesmos, ao menos parcialmente.
6. RECUPERANDO AS RELAÇÕES
A. AS OPERAÇÕES FRACAS E AS FORTES
Outra maneira de encarar a perda das tautologias é considerar uma relação de inclusão (também
dita continência) entre as noções ou entre os operadores. Explicamos: para o caso bivalente, uma
implicação com um ou muitos antecedentes é tautológica se ou um dos antecedentes é a mesma
variável que o consequente, ou se dois dos antecedentes são opostos (e.g.: p e ¬p). Nos casos em
que há três ou mais valores aléticos envolvidos, tais observações devem aplicar-se à implicação
forte. Para a implicação fraca, poder-se-á dizer, quando muito, que nessas hipóteses a implicação
é aceitável.
Assim, vemos que noção de tautologia está contida na de declaração aceitável e o stricto sensu
está contido no latu senso. Outrossim, pelas definições na Seção 2, que os resultados possíveis da
implicação forte estão contidos nos da fraca (� → � ⊆ � ⇒ �). Através dessas continências
podemos mudar nossa perspectiva: ao invés de pensarmos que as tautologias se perdem à
medida que os sistemas têm mais e mais valores aléticos, observamos que, na verdade, em se
redefinindo e se correlacionando as operações, vão-se redescobrindo as leis da lógica e suas
possíveis interpretações. Definimos agora o conceito de aceitabilidade para a família Un:
6.0. Definição. Dir-se-á que uma fórmula π é aceitável em uma lógica Un se, nessa mesma
lógica, sempre � ≥ 0.
Podemos dizer que π é estritamente aceitável se sempre � > 0.
16
Tony Marmo
Agora vamos apresentar alguns resultados que favorecem nossa argumentação. Exporemos que
algumas fórmulas continuam sendo aceitáveis ainda que de um sistema para outro percam o seu
status de tautologia e que a aceitabilidade de umas acarreta a de outras. Um desígnio geral é
mostrar que, pelo menos em alguns casos, se uma implicação fraca é aceitável, então a sua versão
forte também o é. Esse resultado pode ser provado para um dos sistemas de Un e é simples de
entender, conforme vemos em (6.1).
Conjuntamente, podemos provar que certas tautologias de C2 são fórmulas aceitáveis na família
Un. Outra utilidade do conceito de aceitabilidade é que podemos elaborar regras de inferência
com ele, como em (6.7). Depois podemos fazer comparações entre as famílias £n e Un, por meio
da reconsideração de exemplos dados na seção 3.
6.1. Lema. Se
π ⇒ µ é aceitável em U3 então π → µ também o é.
Dem. Suponha que ��� −�, � ≥ 0, isto é, ou –π≥0 ou µ≥0. Usando-se os valores de U3, a
tabela para � − � dá os seguintes resultados:
�−�
µ\–π –1 0
1
–1
–2 –1 0
0
–1 0
1
1
0
1
2
Em todos os casos acima em que ou –π≥0 ou µ≥0, � − � ≥ −1, donde � − � ≤ 1. Mas, então,
pelas regras em (2.2), � → � ≥ 0.
Em decorrência disso, há que se comentar também que se
geral, será aceitável em U3 juntamente com
π ⇒ µ é aceitável em Un de modo
π →µ .
6.2. Corolário. Se � ⟹ ¬� ⟹ � é aceitável em U3, então � → ¬� → � também o é.
Agora vejamos outras proposições:
6.3. Lema. � ⟹ ¬� ⟹ � é aceitável em Un.
Dem. Suponha que � ⇒ ¬� ⇒ � < 0 : logo, na forma das regras em (2.2),
��� −�, ��� �, � < 0, donde [i.] −� < 0 e [ii.] ��� �, � < 0. Desta última conclusão em
[ii.], obtemos que � < 0 e π<0. Mas, então −� < 0 e � < 0, absurdo.
6.4. Teorema. � → ¬� → � é aceitável em U3.
Dem. Corolário (6.2), Lema (6.3), modus ponens.
6.5. Lema. A fórmula ¬� ⟹ � ⟹ � (a chamada versão fraca da consequência admirável) é
aceitável em Un.
Dem. Pelas regras em (2.2) calcula-se o seguinte:
a.
b.
c.
¬� ⟹ � ⟹ � = ��� ¬ ¬� ⟹ � , � ,
¬� ⟹ � = ��� − − �, � = �,
��� ¬ ¬� ⟹ � , � = ��� −�, � , a partir de a e b.
Ora, sempre ��� −�, � ≥ 0, pois se –π≤0 então π≥0 e vice-versa. Logo ¬� ⟹ � ⟹ � ≥ 0.
6.6. Teorema. A fórmula ¬� → � → � (a chamada versão forte da consequência admirável),
é aceitável em U3.
17
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
Dem. Em poucos passos:
(a) Se a versão fraca da consequência admirável é aceitável em U3 então a versão forte
da consequência admirável também o é. (Corolário do Lema 6.1)
(b) A versão fraca da consequência admirável, é aceitável em U3. (Lema (6.5))
(c) A versão forte da consequência admirável é aceitável em U3. (De (a) e (b), modus
ponens)
Agora propomos uma regra de inferência baseada nos conceitos desenvolvidos até aqui:
6.7. Teorema do modo aceitável. (a) Se π é estritamente aceitável e � ⇒ � aceitável em Un,
então µ também é aceitável em Un.
(b) Se π é aceitável e � → � verdadeiro em Un, então µ também é aceitável em Un.
Dem. (a) Se � > 0, então −� < 0. Se ��� −�, � ≥ 0, ao menos um dos dois valores tem de
ser maior ou igual a 0, a saber ou π ou µ, e se −� < 0, então, � ≥ 0.
(b) Outra vez, pelas regras em (2.2), � → � é verdadeiro sse � − � ≤ 0. Se � − � ≤ 0 então
� ≥ �. Ora, se π≥0, então � ≥ � ≥ 0, portanto µ≥0.
Reexaminemos exemplos da terceira seção de fórmulas que não são tautológicas em determinada
£n: mudando-se a perspectiva, descobrimos que elas são aceitáveis.
6.8. Exemplo. Já a vimos acima no Lema (6.5) que a fórmula ¬� ⟹ � ⟹ �, a versão fraca
da consequência admirável, que não é tautológica em todos os sistemas £n, é aceitável
em Un.
Vejamos os outros casos mencionados:
6.9. Exemplo. A fórmula � ⇒ �, que não é tautologia de £4, é entretanto aceitável em Un.
Dem. Conforme já vimos, se π≤0, –π≥0, e se –π≤0, π≥0. Portanto, ��� −�, � ≥ 0 o que quer
dizer que � ⇒ � ≥ 0.
6.10.
Exemplo. A fórmula � → � ∧ ¬�
aceitável em U3.
→ ¬� , que não é tautologia de £4, é
Dem. Primeiramente, sabe-se que � ⇒ � ∧ ¬�
⇒ ¬� = ��� − � ⇒ � ∧ ¬� , −� . Se
� ⇒ � ∧ ¬�
= ��� −�, ��� �, −�
≤ 0 então − � ⇒ � ∧ ¬�
≥ 0 . Disto se conclui
que ��� − � ⇒ � ∧ ¬� , −� ≥ 0. Suponha que ��� −�, ��� �, −�
> 0: ora, � ∧ ¬� =
��� �, −� ≤ 0, portanto, –π>0. Neste último caso, ��� − � ⇒ � ∧ ¬� , −� ≥ 0 também.
Disto se conclui que � ⇒ � ∧ ¬�
� → � ∧ ¬�
⇒ ¬� ≥ 0. Pelo Lema (6.1), chega-se à conclusão que
→ ¬� ≥ 0.
Agora cabe uma observação importante acerca de fatos que podem ser visualizado pelas tabelas
de U3, U5 e U7 para a diferença entre π e µ, que determina o valor da implicação forte na forma
de (2.2):
18
Tony Marmo
!
!
!
!
U9!
U7!
U5!
U3!
!
!
π/–µ!
–4!
–3!
–2!
–1!
0!
1!
U5! 2!
U7! 3!
U9! 4!
!
!
!
U9!
–4!
–8!
–7!
–6!
–5!
–4!
–3!
–2!
–1!
0!
U7!
–3!
–7!
–6!
–5!
–4!
–3!
–2!
–1!
0!
1!
U5!
–2!
–6!
–5!
–4!
–3!
–2!
–1!
0!
1!
2!
! − !!
U3!
–1! 0! 1!
–5! –4! –3!
–4! –3! –2!
–3! –2! –1!
–2! –1! 0!
–1! 0! 1!
0! 1! 2!
1! 2! 3!
2! 3! 4!
3! 4! 5!
!
U5! U7! U9!
2! 3! 4!
–2! –1! 0!
–1! 0! 1!
0! 1! 2!
1! 2! 3!
2! 3! 4!
3! 4! 5!
4! 5! 6!
5! 6! 7!
6! 7! 8!
Os casos em que � → � ≥ 0, são aqueles tais que � − � ≤ 1. Os casos em que as fórmulas
recebem valorações aceitáveis apenas em U9 são marcados em amarelo e os em U7 e U9 em cinza
mais claro na tabela. Em cinza intermediário, estão os casos aceitáveis em U9, U7 e U5. No tom
mais escuro, os casos de fórmulas aceitáveis nas quatro lógicas. Donde se vê que todas as
fórmulas aceitáveis em U3 são aceitáveis nos demais sistemas, mas nem todas as fórmulas
aceitáveis em U5 e U7 são aceitáveis em U3. Ademais, todas as fórmulas aceitáveis em U5
também o são em U7, mas nem todas as fórmulas aceitáveis em U7 o são em U5. Isto tudo motiva
a seguinte conjectura:
6.11.
Conjectura. Nas lógicas finito-valentes de Un, com o aumento do número de
valores aléticos deve ocorrer o aumento de implicações fortes aceitáveis.
Ou seja, podemos supor que não ocorra uma perda de aceitabilidade em Un como ocorre a perda
de tautologias com o aumento do número de valores aléticos em £n. Será verdadeira tal
proposição? Na sequência, investigamos alguns fatos que possam apontar ou não para essa
direção. Podemos , todavia, observar um pequeno problema para já: o fato de que na tabela
acima, a proporção de casos não-aceitáveis também aumenta. Por exemplo, em U3 tal proporção
é de 1/9 dos casos possíveis, em U5 é de 6/25.
Provamos mais resultados. Primeiro, um resultado geral simples mas fundamental, que muito
nos é útil, tendo já sido de uma forma ou de outra usado:
6.12.
Lema. A fórmula
a.
b.
π →µ é
aceitável em Un, se, e somente se, sempre � ≤ � + 1 e
tautológica em Un, se, e somente se, sempre � ≤ �.
Dem. Óbvio pelas regras em (2.2).
Demonstramos agora outros resultados que nos parecem relevantes, nomeadamente algumas
tautologias de Un:
6.13.
Teorema. Em Un de um modo geral � ∧ � → � ∨ � é (tautológica e, portanto,)
aceitável.
Dem. Há três casos a considerar primeiro: � = �, � < � e � < �. Nesses três casos, todavia,
sempre ��� �, � ≤ ��� �, � , donde, na forma de (6.12), � ∧ � → � ∨ � =
é aceitável.
19
!!!
!
, e, portanto,
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
6.14.
Teorema. Em Un de um modo geral, ¬� → ¬� → � → � , a contraposição é
(tautológica e, portanto,) aceitável.
Dem. Repare que −� + � = � − � algebricamente. Logo, na forma de (2.2), obtemos que
¬� → ¬� − � → � = 0, e, assim, ¬� → ¬� → � → � =
6.15.
Teorema. Em Un de um modo geral,
(tautológica e, portanto,) aceitável.
!!!
!
≥ 0.
�→� →
�→� → �→�
é
Dem. Na forma de (6.12), � → � sse � ≤ � e � → � sse � ≤ �. Porém, se � ≤ � e � ≤ �, então
� ≤ �, o que implica que � → �.
Sabe-se que se � ≤ � implicar � ≤ � , então � = � . Assim, o mesmo tipo de raciocínio da
demonstração anterior serve para demonstrar que:
6.16.
Corolário.
�→� → �→�
→ �→�
Por raciocínios análogos outrossim obteremos a aceitabilidade das duas implicações, que na
verdade são muito parecidas com as duas versões fraca e forte da consequência admirável já
vistas:
6.17.
a.
Corolário.
�⟹� ⟹� ⟹
b.
�→� →� →
�⟹� ⟹� e
�→� →� .
E com isso mostramos que há tautologias que são as mesmas para todos os sistemas de Un.
D. CONSERVANDO A ACEITABILIDADE
Introduziremos agora uma modificação da regra para a implicação forte em (2.2), que a
generaliza:
+
!!!
6.18.
�
��
!
!
�= 0
−
No caso de U3, como +
��
!!!
!!!
!
!
�−�≤0
0<�−�≤+
��
�−�>+
!!!
!
!!!
, implicação forte conservadora.
!
= 1, na forma de (2.2) e (6.18), as implicações forte e forte
conservadora confundem-se, mas não nas outras lógicas de mais valores da mesma família.
Para visualizarmos o que o lema acima significa em termos práticos, revemos a tabela feita na
subseção anterior para a implicação forte de U3 a U9, dessa vez considerando a implicação forte
conservadora. Os casos em que � − � ≤ 1 aparecem em cinza mais claro e os casos em que
�−� ≤+
20
!!!
!
, para +
!!!
!
> 1 em cinza mais escuro:
Tony Marmo
abelas'das'Admiráveis'Consequências'
'
'
'
U9'
U7'
U5'
U3'
'
'
π/–µ'
–4'
–3'
–2'
–1'
0'
1'
U5' 2'
U7' 3'
U9' 4'
!
U9'
–4'
–8'
–7'
–6'
–5'
–4'
–3'
–2'
–1'
0'
U7'
–3'
–7'
–6'
–5'
–4'
–3'
–2'
–1'
0'
1'
U5'
–2'
–6'
–5'
–4'
–3'
–2'
–1'
0'
1'
2'
! − !'
U3'
–1' 0' 1'
–5' –4' –3'
–4' –3' –2'
–3' –2' –1'
–2' –1' 0'
–1' 0' 1'
0' 1' 2'
1' 2' 3'
2' 3' 4'
3' 4' 5'
U5'
2'
–2'
–1'
0'
1'
2'
3'
4'
5'
6'
U7'
3'
–1'
0'
1'
2'
3'
4'
5'
6'
7'
!
U9'
4'
0'
1'
2'
3'
4'
5'
6'
7'
8'
!
6.19.
Exemplo. A fórmula � ∧ ¬� → � não é aceitável em U9, mas � ∧ ¬�
�o
será.
Dem. Primeiro lembremos que sempre � ∧ ¬� ≤ 0. Na tabela abaixo desconsideramos
os valores dos antecedentes que sejam diferentes disso.
Em tom cinza marcamos os casos em que � ∧ ¬� − � ≤ 1, ou seja, tanto, na forma de
!
� ≥ 0.
(2.2), � ∧ ¬� → � ≥ 0 quanto, na de (6.18), � ∧ ¬�
Em tom amarelo, marcamos os casos os casos em que 1 < � ∧ ¬� − � ≤ 4, sendo 4 o
valor alético máximo de U9, ou seja, claramente são casos em que � ∧ ¬� → � < 0 mas
!
� ∧ ¬�
� ≥ 0.
� ∧ ¬� − �
U9
� ∧ ¬� /–µ
U9
–4
–3
–2
–1
0
1
2
3
4
–4
–8
–7
–6
–5
–4
–3
–2
–1
0
–3
–7
–6
–5
–4
–3
–2
–1
0
1
–2
–6
–5
–4
–3
–2
–1
0
1
2
–1
–5
–4
–3
–2
–1
0
1
2
3
0
–4
–3
–2
–1
0
1
2
3
4
1
–3
–2
–1
0
1
2
3
4
5
2
–2
–1
0
1
2
3
4
5
6
3
–1
0
1
2
3
4
5
6
7
4
0
1
2
3
4
5
6
7
8
Assim, com o auxílio da tabela, chegamos ao enunciado acima.
A proposição a seguir relaciona a implicação forte à implicação forte conservadora:
6.20.
Lema. Se � → � é aceitável em uma lógica Un, então �
lógica.
21
!
� é aceitável na mesma
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
Dem. Ora, � → � ≥ 0 em Un se, e somente se, � ≤ � + 1 (ver (6.12)). Por outro lado,
suponha que o valor alético máximo de Un seja 1 + � , tal que � ≥ 0 : então,
algebricamente, � ≤ � + 1 implica � ≤ � + 1 + �, donde, na forma de (6.18), também
!
�
� ≥ 0 em Un.
Outro resultado importante:
6.21.
Lema. Dadas duas lógica finito-valentes Ui e Uj, tal que j>i≥3 (ou seja, j tem mais x
valores aléticos que i):
!
•
Se �
� é aceitável em Ui, então é aceitável em Uj.
Dem. Denotemos por a o valor alético máximo de Ui e b o de Uj, tal que � > �: claramente, se
!
� − � ≤ �, o que, na forma de (6.18) implica que em Ui �
implica que em Uj �
� ≥ 0, então � − � ≤ �, o que
!
� ≥ 0.
A partir de (6.20) e (5.21) obtemos o seguinte:
6.22.
geral.
Corolário. Se � → � é aceitável em U3, então �
!
� é aceitável em Un de um modo
Disto se seguem vários resultados importantes. Enunciamos, entre outros, o seguinte teorema:
6.23.
Teorema. Todas as implicações fortes conservadoras inframencionadas são
aceitáveis em Un de um modo geral:
a.
b.
c.
!
!
�
¬�
¬�
� ;
!
!
�
�;
!
!
�
� ∧ ¬�
¬�.
Dem. A partir de (6.22) e das próprias proposições em (6.4), (6.6) e (6.10) por modus ponens.
Por fim, obtemos um meio para eficientemente mostrarmos a aceitabilidade geral das
implicações, relacionando agora as ditas fracas às fortes conservadoras. Tal meio reveste-se na
forma do seguinte teorema:
6.24.
Teorema. Se
π ⇒ µ é aceitável em Un, de um modo geral, então �
!
� também
o é.
Dem. De (6.1) e (6.22).
E com isso encerramos o exame das fórmulas que tínhamos arrolado.
7. ENFIM UMA TEORIA NÃO-TAUTOLÓGICA DAS TAUTOLOGIAS?
Se, por um lado, uma teoria das contradições obviamente não pode ser contraditória, por outro,
quiçá seja mais interessante fazer uma teoria das tautologias que não seja ela mesma puramente
tautológica; nomeadamente, uma teoria, que não somente provesse as leis segundo as quais se
classificam as verdades como tautológicas ou contingentes, mas que explicasse a gênese dessas
leis. Uma teoria nestes moldes ficaria mais próxima do pensamento científico contemporâneo. Já
se têm com as lógicas multivalentes explicações assim, de forma que tal teoria ou está em
construção ou já foi feita. Todavia, anteriormente a maior dificuldade em obter tais explicações
22
Tony Marmo
era a ideia de que as tautologias não seriam mesmo explicáveis face à impossibilidade de
demonstrar tudo.
Deveras, Parmênides no seu célebre Poema antecipou os pilares assim da lógica como da
metafísica aristotélicas, a saber, os princípios do terceiro excluído, da não-contradição e da
veracidade do saber (“não é possível saber o que não é/existe”). Na sequência, acrescentava que o
ser e o pensamento são uma mesma coisa, a base do “penso logo existo” do Discurso do Método de
Descartes. Parmênides ainda declara não aceitar argumentos do tipo que o que é teria vindo do
que não é, donde ou algo é totalmente verdade, ou não o é. Trata-se de um esforço para sustentar
a impossibilidade do conhecimento pela contradição e a necessidade do terceiro excluído para
ordenar a argumentação filosófica. Mas, não encontramos ali uma tentativa de demonstração ou
explicação de tais princípios nos moldes que seriam esperados pelos lógicos.
Dificilmente podemos supor que a influência de Parmênides criou um consenso. Diz-se, por
exemplo, que Heráclito rejeitava o princípio da não-contradição. Outrossim, Protágoras teria
produzido argumentos para a possibilidade de duas proposições contraditórias serem ambas
verdadeiras. Mas, como pouco sobreviveu desse período e como a maior parte do que sabemos
das obras de tais pensadores nos chegou por outros, principalmente seus antagonistas, não
temos certeza de quais exatamente seriam tais argumentos. Por outro lado, Platão parece ter
oscilado acerca do terceiro excluído e da não-contradição serem mesmo leis para toda forma de
pensamento filosófico e isto cabe expandir:
No Simpósio sua exposição da maiêutica (pela personagem de uma sacerdotisa) contesta várias
asserções na forma do princípio do terceiro excluído, como “o amor é mortal ou é imortal”. No
livro V da República, sustenta que uma cidade é mais organizada quando a maioria dos cidadãos
dizem “meu” e “não meu” das mesmas coisas e do mesmo modo, donde há uma conjunção de
contraditórios simultaneamente verdadeiros (462b-c). Entretanto, em passagem anterior da
mesma obra (436b), declara que o princípio da não-contradição é óbvio e que ajuda a determinar
quando se fala da mesma coisa ou de coisas diferentes. Já o princípio da identidade aparece no
Teeteto e no Sofista, na forma de enunciados como “cada um é outro com relação aos demais, mas
o mesmo que ele próprio”, apesar de que no segundo diálogo depois conclui que há exceções,
como na passagem 255a quando afirma que nem o movimento nem o repouso serão “o mesmo”
ou “o outro”. Acompanhando o parecer de (Santoro, 2013), entre outros, diremos que os diálogos
platônicos trazem uma multiplicidade de dialéticas distintas e aduzimos que esta bem nos
lembra a atual profusão de lógicas. Porém, outra vez há que se notar que, nas obras supracitadas,
não há muito mais do que profissões de crença/descrença no que poderiam ser as leis do
pensamento, tratadas ou como hipóteses de trabalho ou quiçá até mesmo dogmas. Eis uma
limitação que persistiu na filosofia posterior.
De fato, no livro IV de sua Metafísica, ao mesmo tempo que busca defender o seu princípio da
não-contradição por refutações, Aristóteles também argumenta contra necessidade de o
demonstrar diretamente, já que, ao fim das contas, é o princípio mais indiscutível de todos. Para
ele é impossível haver uma demonstração de tudo, pois a demonstração de tudo implicaria um
regresso infinito e um regresso infinito acabaria por deixar-nos sem demonstração de tudo.
Alegava que quem pede a demonstração da lei da não-contradição não pode dizer então que
princípio considera mais evidente que o mesmo. Acrescenta ainda [i.] que é o princípio mais
acertado de todos, pois é impossível que o mesmo esteja errado ou que seja uma simples
hipótese, [ii.] que é impossível o mesmo atributo ao mesmo tempo pertencer (ou concernir) e
não pertencer (ou concernir) ao mesmo sujeito, e [iii.] que é impossível para alguém
simultaneamente crer que a mesma coisa é e não é. Em toda essa argumentação tem forte papel a
intuição do autor referido.
23
Explicações Não-Tautológicas das Tautologias
Não pretendemos dizer que as intuições de Aristóteles pareçam equivocar-se, ainda que lhes
coloquemos algumas balizas. É inclusive plausível que, de fato, todo conhecimento comece com a
intuição humana. Mas, uma vez adquirido certo conhecimento, não há razões para limitarmos sua
sustentação apenas ou principalmente na intuição que o originou. Tampouco há vantagens em
não tentar enunciar o mais explicitamente possível tal intuição. Ademais, um princípio que por
muito tempo se sustenta sem uma explicação mais profunda pode revelar-se muito frágil. Assim,
o chamado perigo do eterno regresso, representado pela repetição da pergunta “por que?”, não
necessariamente se coloca como preocupação, se considerarmos que a tentativa de mais
demonstrações ou busca de novas explicações precisamente pode acarretar o ganho de
conhecimento além do que é ou parece evidente.
Neste trabalho procedemos com um certo tipo de ceticismo, a saber, preferimos explorar as
vantagens de certas posições filosóficas ao invés de as defender cegamente. Tentamos relativizar
alguns argumentos e assim os explicar melhor. No caso, a opção por uma abordagem lógica
multivalente revelou-se capaz de produzir não somente respostas interessantes, mas perguntas
ainda mais importantes.
Uma vez quebrada a equivalência bivalente inicial entre fórmulas tautológicas pela diluição em
contextos multivalentes, há que se tentar recuperar nas diferentes lógicas alguma relação entre
as fórmulas que em C2 eram tautologias. Na seção anterior obtivemos, entre outros resultados
importantes, uma relação entre as implicações fracas e fortes, nomeadamente a de que a
aceitabilidade das implicações fracas acarreta a das fortes. Isto nos parece razoável e nãotautológico, donde pode contribuir para uma boa explicação segundo os parâmetros que
descrevemos acima. Particularmente, os resultados em (6.1), (6.12), (6.18) e (6.24) mostram-se
úteis para atestar a aceitabilidade de fórmulas. Também pudemos observar a não-perda da
aceitabilidade das fórmulas com o aumento dos valores aléticos na família Un. Ademais,
conseguimos ver que, juntamente com modus ponens, os seguintes axiomas de C2 são todos
aceitáveis em Un:
(Ax.1)
(Ax.2)
(Ax.3)
(Ax.4)
(Ax.5)
� → � → � , cf. (6.4).
� → � → � → � → � → � , cf. (6.15).
¬� → ¬� → � → � , cf. (6.18).
� → � → � → � → � → � , cf. (6.21).
�→� → �→�
→ � → � , cf. (6.20).
De forma que as lógicas da família Un guardam alguma semelhança com C2, apesar de que, deste
ponto de vista multivalente, talvez possamos, em querendo, dizer mais coisas acerca de suas
fórmulas para além de simplesmente as chamar de contingências, contradições ou tautologias.
8. OBSERVAÇÕES FINAIS
Do legado deixado por pensadores gregos como Parmênides e Aristóteles, através dos discípulos
do último na Idade Média, entendemos, os lógicos e muitos filósofos retiraram sua orientação
para tratar as verdades da ciência e da filosofia como tautologias do caso bivalente, supondo ser
esse o método correto para a investigação das ideias. Porém, conforme vimos, essa orientação foi
mesmo questionada por pensadores em séculos posteriores. Por outro lado, vimos também que
há modos de estender as noções de tautologia e contradição, para obter resultados quiçá mais
interessantes, contributos para uma teoria das tautologias palatável à investigação científica, ou
seja, explicativa e não-especulativa. Acrescentamos ao que se disse anteriormente algumas
breves ponderações:
24
Tony Marmo
Em lógica contemporânea, os argumentos filosóficos cada vez mais recorrentemente se apoiam
[i.] na evolução recente do pensamento científico, ou seja, nas mudanças de paradigma ocorridas
na atualidade, [ii.] no estudo da (aparente) eficiência dos raciocínios ordinários dos agentes
epistêmicos humanos, [iii.] no funcionamento de máquinas cada vez mais complexas (e.g.:
computadores e aparelhos inteligentes) e [iv.] na necessidade humana de tornar mais claras ou
precisas observações empíricas que inicialmente pareçam obscuras ou imprecisas, ou seja, na
busca dos fatos através da boa organização das ideias. Por exemplo, a defesa do pluralismo lógico
claramente explora possíveis justificativas extraídas dos campos acima.
Os quatro campos acima proveem argumentos tanto para abordagens que partem de
considerações mais gerais para particulares, como Aristóteles fez na sua Física, quando outras
que vão do particular ao mais geral, como sugere (Poincaré, 1894) que seja o caso para a
matemática. Essa última abordagem, entretanto, pode interessar-nos pelo seguinte:
Proceder por construções dos elementos particulares para conclusões mais gerais, no entender
de Henri Poincaré, é necessário, mas não suficiente. Para a construção ser útil, isto é, para que
não deixe o construtor no mesmo nível de conhecimento, mas aceda a uma descoberta mais
geral, é preciso que a construção tenha uma espécie de unidade além da justaposição dos seus
componentes elementares. É como no caso de um polígono que se constitui de diversos
triângulos: a razão para estudar os polígonos ao invés de simplesmente seus triângulos é que os
primeiros exibem propriedades para além dos últimos individualmente. Além disso, uma
construção somente será de interesse se a pudermos cotejar com outras e assim formar espécies
de um mesmo gênero. É assim que Poincaré entende que o conhecimento na matemática e
provavelmente em ciências afins se amplia, não sendo tautológico.
Na lógica atual, grande parte dos trabalhos se fazem assim, ou seja, pela construção de sistemas e
sua comparação, para fins de os agrupar conforme critérios definidos. Assim, se a argumentação
de Poincaré procede, talvez cada vez mais nos estejamos afastando de um modo tautológico de
examinar as verdades lógicas. Porém, em se prosseguindo no exame dessa tendência, aqui se
instaurariam inquéritos muito além do escopo do presente trabalho. De forma que convém
apenas deixar essas observações como partes de um prospecto para futuras pesquisas.
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