PAUMARI H oje em dia, essa nova geração não dá mais ouvidos, nem obedece os conselhos da mãe. Dizem que o que as mães aconselham não é verdadeiro. No meu tempo, crianças, moças e rapazes ouviam e seguiam os conselhos das mães, mas agora...
morePAUMARI H oje em dia, essa nova geração não dá mais ouvidos, nem obedece os conselhos da mãe. Dizem que o que as mães aconselham não é verdadeiro. No meu tempo, crianças, moças e rapazes ouviam e seguiam os conselhos das mães, mas agora não dão mais ouvido para nada. Antigamente, casávamos com nossos primos de verdade, esse era o jeito dos nossos antepassados. Agora há uma grande mistura, os jovens casam com não indígenas, ou com Apurinã. Ainda não casam com Jamamadi, nem com Deni. Os não indígenas já têm espaço demais entre nós, em nossas aldeias. Aconteceu comigo também. Minha filha não quis ouvir meus conselhos, casou com não-indígena e não gosto de chamá-lo de genro. Ficaria muito alegre se ele fosse nosso parente. Se fosse assim, ele saberia falar na nossa língua, entenderia o jeito do meu povo e como a gente entende as coisas. Mas sou obrigada a falar com ele em português e isso eu não aceito. Há muitos anos atrás, um homem não indígena se interessou por uma mulher paumari e se casou com ela quando ela saiu da reclusão. Ele a carregou nas costas (no ritual de puberdade amamajo), e só então ela se tornou sua esposa. Até hoje são casados, e ele fala na nossa língua. Agora vivemos na mistura. Não queremos mais saber do jeito dos antigos. Gostaria muito que nossos filhos e netos ainda quisessem saber da nossa língua, dos nossos can-tos. Eu ainda continuo fazendo viver a nossa língua, os nossos cantos, para a nova geração. Gostaria que, no futuro, meus netos, por sua vez, ensinassem nossa língua aos netos deles, e assim manteríamos a nossa língua viva. Por isso, fico muito feliz com este trabalho da língua que está acontecendo agora [o Cam-peonato da Língua Paumari]. Acho muito lindo ouvir somente a nossa língua sendo falada. Quero que meu povo viva como nossos outros parentes, os que vivem do outro lado: os Jamamadi, os Jarawara, os Deni. Eles falam somente em sua língua. Queria ser do mesmo jeito: falando na minha língua, ouvindo as crianças falando entre elas em Paumari. Agora aqui não querem mais que eu fale na língua, mesmo se insisto em conversar em Paumari com meus filhos e netos. Isso me deixa muito triste. Penso, falando comigo mesma: " Gostaria tanto que eles se esforçassem para falar a nossa língua, para que eles soubessem usá-la também aqui neste grande encontro que está acontecendo na nossa aldeia ". É assim a situação da nossa língua, Já faz três anos que acontece esse encontro! Não quero que devalorizemos mais a nossa língua, como se a jogássemos fora. Vamos nos esforçar para conhecer a nossa língua. Nossos cantos já não são cantados como antigamente, mas eles ainda são lindos. Também gosto dos cantos de louvor ao nosso pai [cânticos evangélicos], eles são belos como os cantos antigos do ihinika [rituais alimentares]; também os cantamos na nossa língua. Gostaria que todas as pessoas do meu povo fossem capazes de cumprimentar e responder na nossa língua. Essa foi a minha conversa. Termino aqui a minha fala sobre como era o jeito de nossos antigos e como é nosso jeito hoje.