Escritor
e Amigo Toni Figueiredo
continua
suas histórias dos anos 60na Sala de Protheus!
Românticos Virginais...!
"...Desculpa se eu prezo o romantismo e o cavalheirismo, mas para mim isso é fundamental...!"
Alef Roberto
Tem baile do “Pick-up e seus
Negritos” no domingo. Onde? Na casa do Eliseo. Era o programa obrigatório
da “Vesperal Domingueira” e já no sábado
começávamos a “gozar” o Nicão, pois
sabíamos que a Lindaura, uma mulata farta de quadris e seios desenhada em
violão por uma “cinturinha de pilão”,
o estaria esperando na porta para dançar muito provocadoramente “colada de corpo inteiro” e afagando o
cangote dele. Isso bastava para ele sair esgueirar-se pela porta e ir correndo
para casa para trocar calça e cueca. Dois boleros eram mais que o suficiente.
Naquelas tardes de Miguel Calmon, Elvis
Presley, Bienvenido Granda, Trio los Panchos, Roberto Yanez e é claro de Românticos
de Cuba e Ray Conniff também, assim compartilhávamos o romantismo da época, bem
como as namoradas com os “amigos pagãos” e
os excessivamente tímidos na dança, pois era absolutamente proibido ficar “colado na parede” e para as moças “dar taboa” nas “tiradas para dançar”, mesmo para aqueles que dançavam “em cima dos pés alheios”.
As “princesas” com seus “coques” com muito laquê e algum “bom bril” trajavam vestidos rodados e
suas muitas anáguas, (um símbolo de
status inspirado em Doris Day), as unhas delicadamente pintadas com Peggy
Sage, os lábios fartos de Max Factor e o rosto empalidecido com pó Angel Face. Perfume
feminino eram Horas Intimas. Já os “príncipes
encantados” exibiam seus jaquetões Caravelle e camisas “Volta ao Mundo” da Valisére, calças de tropical e sapatos
Vulcabrás. No cabelo muita Glostora ou Gumex.
O baile
familiar sempre foi a forma mais popular de diversão da periferia, a exemplo do
que são hoje em dia os “bailes funk”,
porém com a diferença de que anteriormente sua organização era coletiva pelos
participantes. Cada um levava sua coleção de
“78 rotações”, (eu era especializado
em Neil Sedaka) e alguns com melhores condições levavam seus “LP’ s”, principalmente Elvis Presley, Ray
Conniff, Românticos de Cuba e outros mais dançantes.
Tempos de um romantismo de versos,
(eu me inspirava em Humberto de Campos)
e rosas roubadas dos jardins das casas pelo caminho, que mandávamos às
namoradas na esperança de um beijo consentido. Era o máximo a que nos
atrevíamos, pois nos advertiam que fazer “mal”
a uma menina, condenaria nossas irmãs ao mesmo castigo. Além do mais, como
diziam os mais velhos, carregávamos ainda o “cheiro
de cueiros” e isso nos inibia de falar de “coisas do amor” como homens.
Essa geração da “liberação masculina” encontrava do lado
das meninas a resistência ensinada nos valores aprendidos em casa. Como
recomendava uma tia às minhas irmãs e primas: Não deixe colocar a mão dentro do
soutien e principalmente dentro da calcinha... Tudo estará perdido. Isso nos
deixava mudos de lábios e principalmente de mãos, onde se concentravam todos os
nossos hormônios e deste modo tudo para nós ficava “além da imaginação” e da “solidão
do chuveiro”.
Ainda que fosse uma “geração audaciosa” em termos sexuais,
assim era mais no aspecto do pensar e do falar do que no agir e por isso a
quantidade de casais que chegaram virgens ao casamento era muito grande. Apesar
do açodamento de tios, padrinhos e amigos do pai que queriam “fazer a primeira noite” do adolescente,
a opção das Ruas Aurora e Timbiras e da Praça Julio Mesquita não era atraente,
principalmente pelos casos de DST, que se viam entre os amigos mais afoitos.
Não seria o
primeiro a comparar a vida às estradas, mas ao fazê-lo invocando as Estradas de
Santos, a Graciosa e a de Petrópolis, com certeza estarei tocando as lembranças
de uma grande maioria. A primeira está para os paulistas, a segunda para os
paranaenses e a última está para cariocas e mineiros. Em comum, todas, estão na
mesma serra e tem a mesma Mata Atlântica, (a
Serra dos Órgãos no Rio é o prolongamento da Serra do Mar).
Foi pilotando nosso destino, que fomos por essas curtas retas, ora em aclive e ora descendo na expectativa da próxima curva, que podia ser suave ou as vezes inesperadamente abrupta sem qualquer sinalização. Era a nossa capacidade, ou melhor, atrevimento, em assumir riscos, que fez essa pilotagem mais emocionante, o que nos fez nos concentrarmos na emoção de correr a pista, ou então, caso tenhamos sido mais prudentes, dirigir mais pacientemente e nos deliciarmos com a paisagem.
De qualquer maneira a
curva contornada sempre ficou para trás e tornou-se incontornável novamente e o
nosso retrovisor guardou apenas uma imagem esfumaçada, como se uma densa
neblina tão comum desses caminhos encobrisse memórias e imagens. Todavia, na
maioria das vezes, foi o novo amor que encontramos na curva seguinte, que tornaram
pálidos e inexpressivos os amores de poucos metros antes.
Mas minha memória se insurge, pois como olvidar tantas meninas, que
foram minhas bicas de repouso nessas
serras, marcando momentos de mãos geladas e trêmulas e de lábios sedentos e
saciados. A visão do passado está perdida, não consigo me lembrar de seus
rostos, seios e pernas, mas elas ainda estão lá teimosamente em minha história.
São vultos congelados benfazejos em seu espaço e tempo, que ainda transmitem um
pouco do seu calor à minha energia vital.
Como esquecer os Bailes de Formatura no Palácio Mauá, Clube Homs e
Aeroporto, quando a periferia lotava de trajes de gala os ônibus suburbanos
rumando para o Centro e a Zona Sul, disputando com igualdade de beleza e charme
e matando de inveja às “filhinhas de
papai”. Não posso esquecer a Valquíria uma linda flor de 15 anos de idade,
meu par na formatura e irmã de um colega que esqueci o nome, formando como eu
no Comercial Básico no SENAC de 1961.
Eu a encontrava todos os sábados à noite em um bailinho na casa de uma
amiga. Lembro-me que era baixinha e sempre usava um vestido tubinho e cabelos “rabo de cavalo”. Não lembro seu rosto e
nem tampouco do seu nome, mas um pouco do aroma de Miss France dela, que era o ar que eu respirava durante todo o
baile, até hoje um pouco dele reside no fundo dos meus pulmões.
Não me interesso em reencontrá-las e saber o que o tempo, essa “máquina de entortar pessoas”, como
dizia Saint Exupéry em “Terra dos
Homens”, as transformou. Fico com as que guardo em minha memória e apenas
sei, que ainda amo muito a todas, pois trago um pouco delas comigo até hoje, 50
anos depois.
Lembro-me delas, para não me esquecer de
mim...
Das
percepções e pesquisas de
Antônio
Figueiredo – Entre Algum Lugar entre a Bahia e São Paulo
Economista, Escritor, Empresário, Militante Apartidário Parlamentarismo
e Voto Distrital Puro. Ex - Ativista Movimentos Sociais Católicos/ Metalúrgico/
Estudantil (1961/73). Operário da Cidadania