O número de Verão
da Ler publica duas entrevistas, uma com Eduardo Lourenço, outra com
João Miguel Fernandes Jorge, feita por Hugo Pinto Santos. Reproduzem-se em
seguida alguns fragmentos dessa entrevista:
«A poesia, a sua
forma de idealização, ou seja, o seu carácter sedutor, surgiu muito cedo com a
leitura de Nobre. Mas isso é apenas um gesto, um nada adolescente. Foi preciso
trabalhar, e muito, a confusão empírica do mundo e dos sentidos e também dos
sentimentos. Então, a exigência de um rigor, que é sempre por fim a poesia,
tomou o seu espaço e realizou o seu tempo no meu próprio tempo presente. É,
todavia, um reconhecimento obscuro; e por isso mesmo profundamente livre; em
qualquer instante pode suicidar-se — até mesmo em beleza — dentro de mim, sem
sequer se despedir.»
«Tive sempre um
certo problema em relação ao casal Vieira da Silva/Arpad Szenes. Que foi o
gostar muito da obra de Szenes e não muito da de Vieira. Até que vi esses
estudos anatómicos, que fez quase adolescente, assistindo a aulas de anatomia,
um pouco antes de deixar Portugal. Eu tinha uns anos antes estado no Instituto
de Medicina Legal do Porto, onde vi, na mesa anatómica, um homem e uma mulher
jovens, lado a lado. Disseram-me que se tratara de um suicídio de amor. Sempre quis
escrever sobre ambos. Talvez fossem esses amantes, na mesa mortuária lado a
lado, o que me moveu para aqueles poemas [Jardim das Amoreiras], e também a
persistência daquela rapariguinha a desenhar, entre estudantes de medicina, na
aula no Campo de Sant’Ana.»
«Os meus poemas
também referem muitos poetas. Mas às vezes uma obra de que muito gostamos —
gostamos dela porquê? — porque a recebemos como um campo de ruínas. Nela
pesquisamos à maneira de um arqueólogo. Vai nisso muito do nosso amor a uma
obra e a um autor. É a minha forma de homenagem, de reconhecimento.»
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