«O maior
escritor da América Latina.» [Susan Sontag]
Memórias
Póstumas de Brás Cubas e o Quincas Borba são dois dos principais romances de Machado de Assis unidos
por uma personagem comum. Nesta fase, a prosa de Machado de Assis (1839-1908)
distingue-se pela ironia, o modo como interpela os leitores e por evitar o
realismo «implacável e lógico» que ele criticou em O Crime do Padre Amaro,
de Eça de Queirós.
Ao cepticismo
distanciado de Memórias Póstumas de Brás Cubas segue-se, seis anos depois, em Quincas
Borba, a credulidade romântica de Rubião, humilde professor tornado rico
por herança de filósofo e perdido no Rio de Janeiro e na Corte em busca de
emoções. Rubião é fascinado por Sofia e enganado pelo marido desta, Cristiano
Palha, que transforma a mulher em instrumento da sua ascensão burguesa. Mas
Sofia não tem a audácia de uma Bovary, nem sequer a desenvoltura da Luísa de O
Primo Basílio e Rubião naufraga nas esperanças perdidas.
Se Memórias
Póstumas de Brás Cubas deixa um rasto de lúcida diversão que evita a
tragédia, Quincas Borba mergulha na irreversível loucura do seu personagem.
Rubião parece destinado a ilustrar a teoria do filósofo Quincas Borba,
resumida na frase ao vencedor, as batatas. Neste romance cuja acção decorre
entre 1867 e 1870 são visíveis os reflexos dos acontecimentos da época, desde a
guerra do Brasil com o Paraguai ao esplendor e queda de Napoleão III, com quem
Rubião se identificaria.
Dom
Casmurro foi
publicado em 1899. A subtileza dos seus protagonistas e o seu carácter
contraditório é tal que ainda hoje os críticos brasileiros discutem se Capitu
«traiu» ou não o marido.
A este livro
aplica-se o que escreveu Afredo Bosi, que considerava que Machado de Assis
dissolvia «paixões e entusiasmos no ácido de uma ironia e um humor que nada
poupam: indivíduos e sociedade são aí “delicadamente” desmascarados em seu
egoísmo e alienação».
Esaú e
Jacó, publicado em
1904, é o penúltimo livro de Machado de Assis e distingue-se por uma maior
organicidade narrativa, sem abandono das intenções modernistas do autor que o
levaram a subverter a forma tradicional do romance. Um dos seus principais
personagens é o conselheiro Aires que irá ressurgir em Memorial de Aires.
Também em Esaú e Jacó a narrativa é subvertida, o fundo histórico está
presente e os homens e as mulheres não são feitos de uma matéria única embora
abundem as referências míticas. Como escreve Júlio Castanõn Guimarães: «o humor
irónico quase constantemente se vincula a uma reflexão sobre a narrativa,
quando esta, voltando-se sobre si, desmonta sua própria estruturação. Surge aí
a oportunidade do discurso de aparência reticente, que avança por retrocesso,
faz-se, desfaz-se e refaz-se. Enquanto isso, aqui e ali, o romance se pontua
com referências a factos históricos. Assinalados astuciosamente como que em
pano de fundo, surgem a lei Rio Branco, a abolição, a questão militar, o baile
da ilha Fiscal, a proclamação da República, o encilhamento, numa verdadeira
marcação temporal externa. Internamente ao romance, no entanto, esses factos em
nada ou quase nada alteram a vida dos personagens, ao nível das acções pelo
menos, assim se ressaltando, estrategicamente, sua alienação, dentro da mesma
perspectiva irónica que desvenda o percurso da narrativa.»