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sábado, 14 de abril de 2012

2012/13 alternativo

E se o presidente do Benfica pensasse assim:



- Jesus está esgotado. Já não vai conseguir acrescentar nada e, como tem um estilo de grande desgaste para os plantéis, o mais provável era voltar a gerir mal a equipa. Para quê, então, investir numa equipa liderada por alguém que a vai acabar por consumir, mais do que aproveitá-la, que continua a pensar que o elemento fundamental dessa equipa é ele próprio e que age de acordo com esse convencimento?

Jesus poderá ter um efeito nocivo para uma equipa potencialmente melhor, em todos os aspectos, do que a deste ano. Em vez de potenciar o rendimento dos jogadores, será um anti-corpo, pois toda a gente está em condições de evoluir menos ele – o elemento fundamental, recorde-se. Jesus pode mesmo fazer diminuir uma equipa que está numa etapa de crescimento, se não conseguir acompanhá-la – algo que, dada a sua aparente dificuldade em aprender ou em mudar de métodos, é o mais provável.

O problema do Benfica não é os jogadores, é o estilo. Com estes ou com outros jogadores, melhores, ou mesmo com estes jogadores, melhores, e outros, a equipa voltará a falhar porque o tipo de jogo (unidimensional) que o treinador criou e continua a alimentar é um tipo de jogo inapto para criar soluções, quer ofensivas quer defensivas, nos momentos das decisões. Torna-se irrelevante, neste caso, se os jogadores são melhores ou não, porque o uso que se lhes dá continuará a ser desapropriado. É como passar de uma espingarda para uma metralhadora num combate contra um tanque, quando o que é preciso é um único míssil anti-tanque – uma arma especializada, para a qual o treinador não tem maõzinhas.



- Gastar dinheiro, neste clima de desconfiança, e perante a actual conjectura, seria uma loucura. Vale mais prolongar as negociações televisivas, fazer um ano de transição económica, à espera de um mercado melhor, investir menos na equipa, guardar munições para outras batalhas, até porque é impossível que os adversários também se reforcem como gostariam, pelas mesmas razões. Se o Benfica arrisca e perde pode comprometer as suas finanças durante anos.



- O concorrente (o Porto) encontra-se numa fase de transição, de que a contratação de um novo treinador será o passo mais importante. O que faz com que esta seja a altura certa para jogar na antecipação, aproveitar a vantagem enquanto ela existe, e avançar para a contratação de um novo técnico, o melhor que esteja disponível. O mercado de treinadores com qualidade suficiente para treinar Benfica e Porto é limitado, e assegurar o melhor disponível é não só uma vantagem estratégica como um golpe nos planos do adversário. O segredo para se ser o melhor é ter os melhores, e os melhores treinadores são poucos. O Porto, neste momento, está agarrado a um pepino, mas rapidamente deixa de estar, a não ser que o benfica jogue na antecipação.



- A espinha dorsal da equipa já mostrou que chega para ficar em segundo mas não tem qualidade suficiente para ser melhor que a do Porto. Nesse caso, esta é a altura para, juntamente com a troca de treinador, deixar sair Aimar, vender Javi Garcia e Cardozo (e Gaitán, claro), manter Luisão e Maxi, remodelar o estilo de jogo – algo que não pode ser feito enquanto Aimar e Cardozo estiverem no plantel, por exemplo – e aproveitar a evolução dos outros jogadores, que terão tudo a ganhar se passarem a jogar num registo diferente, mais colectivo, mais inteligente, menos impetuoso, mais competitivo, e tentar subir de bitola, arriscando mais em vez de jogar na continuidade.
Com férias completas, com um estágio de pré-época inteiro para trabalhar, sem um inicio de época com pré-eliminatórias decisivas na Champions, que não deixam espaço para trabalhar a equipa mas quase apenas para preparar os jogos, com o adversário em reestruturação, perdendo Hulk, Álvaro Pereira, Rolando e mais que venham, esta é a altura certa para apostar na evolução, e não apenas de esperar que ela acabe por aparecer. O futebol é acção, não é expectativa, e tem de se provocar a mudança. Sem iniciativa, nada acontece.

sábado, 31 de março de 2012

Gaitán-Robben, Cardozo-Aguero, Aimar-Özil...

Em nenhum momento em que tem a bola nos pés nenhum jogador do Benfica tem uma ideia de como a jogada deve acabar. Ou melhor, têm uma ideia: sabem onde está a baliza. Tudo o resto é fruto do acaso. Os jogadores do Benfica são muito melhores do que o que parecem.

O Gaitán tem muito mais futebol dentro dele do que aquilo. O Rodrigo também. O Witsel também. Não têm é treinadores para isso. Os jogadores do ataque do Benfica só têm uma dimensão: a sua. A dimensão colectiva que possam ter dentro deles, com o tempo, com Jorge Jesus, pura e simplesmente desaparece. Porque o que o Jesus pede aos seus jogadores de ataque é precisamente isso: que sejam imprevisíveis, que usem a liberdade para criar soluções. O Rodrigo, ao fim de seis meses, é um jogador muito mais individualista do que era no princípio.

O resultado disto, na prática, é que facilmente o ataque do Benfica se torna também unidimensional: jogador com bola olha para a bola, olha para a frente e começa a correr. Há escassas hipóteses do colectivo do Benfica resolver um jogo, no ataque, porque, quando o jogador procura a solução colectiva, ou ainda não está lá ou já passou. Porque o outro jogador, obviamente, está na sua própria dimensão do jogo, que raramente coincide com a dos outros.

Tudo o que não seja óbvio, simples ou sorte não está ao alcance de uma equipa assim.



Este é o estilo de ataque do Jorge Jesus. Mas é curioso que só é assim desde que chegou ao Benfica. Antes disso, mesmo no Braga, quer o ataque quer a defesa eram mecanizados ao pormenor. Não havia liberdade para ninguém. Fazia o que os americanos chamam de micro-management, controlava todos os movimentos de todos os jogadores até ao pormenor. Nunca cheguei a perceber se o Jesus mudou o chip só porque estava no Benfica, se foi por perceber que, contra as defesas muito cerradas que o Benfica tem de enfrentar, só poderia resultar assim, se foi por sentir que finalmente tinha matéria humana para jogar «à Barcelona» (ao Barcelona do tempo dele, não do actual, entenda-se). Mas a verdade é que mudou mesmo.



Este estilo de jogo não é necessariamente errado. Quando é executado por grandes jogadores, como é que se defende um ataque imprevisível, rápido e tecnicista? É praticamente impossível. Aí sim, entramos no plano teórico do «basta marcar mais um que eles», porque as probabilidades são as de ganhar quase sempre por 3-2, 4-2, 3-1…

É o que acontece com esta equipa do Benfica em 70 por cento dos jogos, com as equipas com menos categoria, de baixa rotação e com menos capacidade de aguentar a pressão. Com as outras, não, por uma razão simples: os jogadores do Benfica não são suficientemente bons e não se conhecem suficientemente bem para arranjarem soluções em conjunto.

O Barcelona de Cruyff que ganhou cinco campeonatos seguidos e a Taça dos Campeões, e onde o Jesus foi fazer estágio, tinha-os. Stoichkov e Romário, por exemplo. Mesmo assim, note-se, sempre no fio da navalha. Dois ou três desses campeonatos foram ganhos graças a falhanços dos concorrentes directos (o Real e o Corunha uma, com um penálti falhado no último minuto do último jogo do campeonato, a jogar no Riazor) e na segunda final da Taça dos Campeões, que marcou o fim da era-Cruyff, com o Milão, levou 4-0! (Repare-se, contudo, que a disciplina táctica dessa equipa do Barcelona não é comparável com a deste Benfica. Era muitíssimo superior, assim como a capacidade de passar a bola.)

Este tipo de futebol de alto risco é um futebol que rebenta com os nervos, mas que apaixona, é ousado, corajoso e é à equipa grande. O tipo de futebol do Porto, por exemplo, sempre foi ao contrário, defensivo, seguro, e por mais que ganhe não apaixona ninguém. Passa incógnito. O que é que se sabe na Europa sobre o Porto? Que ganha. Mas só os treinadores é que gostam de os ver a jogar. Para os adeptos o Porto é igual aos outros, não se distingue.



Para conseguir fazer nos outros 30 por cento de jogos o que faz nos mais fáceis, e com o Jesus, só há uma hipótese: ter melhores jogadores. E já não vou para Ronaldos, Messis ou Iniestas. Ter um Aguero em vez do Cardozo. Ter um Robben em vez de um Gaitán. Ter um Mata em vez de um Bruno César. Ter um Özil em vez de um Aimar. Ter um Yaya Touré em vez de um Javi García. Ter um Coentrão em vez de um Emerson. Por este último exemplo, apenas, se pode ver a que distância real se encontra (na minha opinião, claro) o Benfica de Jesus da equipa que ele (o Jesus) pensa que tem.



Mais um ano de entente Vieira/Jesus, na melhor das hipóteses, vai dar nisto: o Benfica perde dois titulares, compra três ou quatro, melhora o onze inicial, os jogadores conhecem-se um pouco melhor, alguns deles amadurecem (Rodrigo, a Charrua, o Witsel…), o Benfica começa a época na data normal, chega a Fevereiro mais fresco, passa da tal fasquia dos 70 por cento para a dos 75 ou 80, se tiver sorte alguns deles são os decisivos, o Porto perde o Hulk e fica com o TOC mais um ano, e dá um campeonato. Mais nada. E isto é na melhor das hipóteses, porque ninguém garante que o Porto sem Hulk será mais fraco, como equipa, que o Porto com o abono de família Hulk.



Quanto ao jogo, qual foi a novidade? Uma equipa com 60 minutos de jogo no pulmão, a desperdiçar posse de bola como se tivesse 120 e como se do outro lado estivesse uma equipa a treinar. Jogo relativamente seguro a defender e totalmente errático a atacar, incapacidade de segurar uma vantagem caída do céu aos trambolhões numa jogada idiota do defesa do Braga, uma equipa do Braga a jogar como o Feirense e inferior em todos os sentidos menos nos pormenores da organização e do colectivismo, jogada individual genial de Gaitán no minuto 92, já fora de tudo, com Bruno César a marcar o golo da sua carreira num momento de classe, fazendo o que tinha de ser feito de maneira precisa. O Benfica ganha da única forma que consegue ganhar um jogo com este grau de pressão: com uma coincidência de momentos individuais brilhantes. Que, por extrema felicidade (estrelinha de campeão?) chega no último suspiro. É Gaitán quem ganha este jogo, não nos iludamos. Os outros empataram-no – ele, em cinco segundos, ganhou-o. No limite. À messias. Como o povo gosta. Mas para termos uma equipa de nível europeu temos de o trocar por um Robben.

Fácil, não?

sexta-feira, 23 de março de 2012

É outro jogo

Estar preparado para ser campeão significa ter recursos e engenho para ganhar o tipo de jogo que o Benfica empatou hoje em Olhão.

Há um paradoxo que fica claro na escolha dos jogadores por Jesus: por um lado, se a prioridade é o campeonato, os titulares que ficaram de fora teriam de jogar hoje e ficar de fora contra o Chelsea ou contra o Porto; por outro, é evidente que não só o Benfica não pode jogar com as segundas escolhas nos quartos-de-final da Champions, porque vai contra toda a lógica, como que para ganhar ao Olhanense o Benfica não deveria precisar de jogar com o melhor onze, e o que jogou devia chegar.



A questão de fundo não é a escolha de jogadores. A questão de fundo é que este tipo de jogos – que acontecem sempre no campeonato porque os candidatos ao título têm sempre jogos-alçapão entre jogos mais mediáticos ao longo da época – requer um kit de sobrevivência específico.



Para ganhar jogos destes, em que a concentração e as pernas estão a 70 por cento, é preciso, antes de mais, saber ao que se vai. Pensar que os Olhanenses também fazem parte do nosso mundo e que vão encarar o jogo como o Benfica, para cumprir calendário, é o primeiro erro. O interesse dos Benficas e o interesse dos Olhanenses nestes jogos não é o mesmo. Uns estão a jogar a 70, os outros estão a jogar a 95/100.



Depois, é preciso saber que não se vai poder ir lá a pensar fazer apenas o jogo normal, porque o jogo normal não vai aparecer. Ou seja, é preciso ter consciência que, para ganhar, se vai ter de jogar de outra maneira. Basicamente, vai ser preciso jogar menos e jogar melhor. Tem de se tentar fazer menos coisas e conseguir fazer coisas mais bem feitas. Nos livres, por exemplo, não se deve contar com oito ou nove livres, porque só se vai ter três ou quatro. Nas trocas de bola, não se deve contar que os passes entrem bem tantas vezes, pelo que se deve passar a bola para determinados sítios e sem tentar inventar linhas de passe. O tipo de jogo tem de ser mais mecânico, mais automático, pedindo pouco à criatividade (que só funciona com a cabeça e as pernas frescas) e muito às rotinas.



Sabendo que o gás não vai durar o jogo todo, deve focar-se a agressividade num pico, durante um período mais curto, e usar-se de cinismo, sem vergonhas, durante o resto do tempo.



Para fazer tudo isto – que é muito, mas que é a chave das equipas-campeãs, porque este tipo de jogos vale entre 10 e 12 pontos por época, quando a diferença entre o primeiro e o segundo fica, em condições normais, entre os 6 e os 7 pontos – é preciso ter uma equipa construída, de facto, para ser campeã, e não apenas para ser uma equipa que saiba jogar futebol. Neste tipo de jogos, não é importante saber jogar futebol – é preciso saber ganhar. Quando se fala em saber jogar feio, é disto que se fala.



Evidências: a equipa do Benfica não mostrou agressividade, ambição, capacidade de concentração, preparação mental, técnica e táctica para conseguir ganhar este jogo. Não os mostrou antes da expulsão do Aimar nem os mostrou depois da expulsão do Aimar – que é uma má decisão, evidentemente, tomada por um árbitro com boa capacidade técnica mas que sofre do mesmo mal de muitos outros árbitros, que é o de apitar preocupado com o que se diz depois do jogo pelos advogados de acusação em vez de apitar preocupado em fazer justiça.



Para o Jesus, reduzir a perda do campeonato a um fora-de-jogo não assinalado ou a uma expulsão mal tirada serve. É igual ao litro. O problema, para ele, é menor. Hoje está no Benfica, amanhã está no Valência, depois de amanhã está no Porto, vai tendo as suas oportunidades e daqui a um ou dois anos tanto se lhe dá como se lhe deu se o Benfica aprendeu a ser campeão ou não, o que lhe interessa é salvar o couro.

Para os adeptos do Benfica, que vão ficar no Benfica até morrerem, durante mais 20, 30 ou 60 anos, reduzir a perda do campeonato aos supostos erros dos árbitros (ainda por cima esquecendo selectivamente os erros dos árbitros a favor do Benfica) é o pecado original. Já aqui disse que é o cancro do Benfica. Reafirmo-o.



Um Benfica campeão pode perder um jogo como o de hoje, em Olhão – mas só o perde por manifesta infelicidade, e não por azelhice, como perdeu hoje.



Quando se constrói um plantel, quando se constrói um estilo de jogo, quando se faz uma equipa, em todas as suas vertentes, e se se faz isso para se ser campeão, este tipo de jogos tem de ser pensado de raiz. E não apenas os jogos com o Chelsea, com o Porto ou com o Braga.



O Benfica pode ser campeão (na verdade, não pode, mas pronto…) mas continua a não ter uma equipa campeã. E o mais dramático é que, daqui a dois meses, quando toda a gente andar a sonhar com a nova época, ninguém, provavelmente, dos dirigentes aos adeptos, se vai lembrar que os Olhanenses debaixo dos alçapões também existem, e que é nesses alçapões que se ganham ou perdem campeonatos. Porque uma coisa é andar na luta, a outra é estar preparado para ganhar a luta.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O deus das pequenas coisas

Pablo Aimar é apenas humano. É limitado – e começa por ser limitado pelo próprio corpo.



O corpo de Aimar trai-o de duas maneiras.

Antes de mais, a razão para Aimar falhar tanto tecnicamente (aqui, tanto é em relação ao que ele tenta, e não ao que os outros fazem, pois ele consegue fazer mais que os outros) é porque o seu corpo não consegue acompanhar o seu pensamento. Aimar pensa muito bem, vê as jogadas que têm de ser feitas, consegue algumas, e as que falha são ou porque os colegas não atingem (e daí a diferença de ter tido Saviola, com quem se entende perfeitamente, no primeiro ano), ou porque, tecnicamente, o resto do corpo não está à altura do que ele tenta fazer. Acredito que isso é estrutural. A Aimar falta-lhe força, potência, e com isso perde tecnicamente.

Por outro lado, o corpo de Aimar traiu-o porque o impediu de jogar tanto como devia, de forma consecutiva, para atingir o seu melhor. O que Aimar perdeu no Valência, devido às lesões, na fase em que a sua carreira deveria estar a caminho do auge, não pôde voltar a ser recuperado. No seu melhor, em Valência, Aimar foi um dos melhores jogadores na Europa. E depois vieram as lesões. O Aimar de hoje, que é o melhor que o Benfica já teve, é apenas uma parte do Aimar de Valência. E mais do que isto, por razões óbvias, não vai dar.

Para que conste, o próprio Aimar de Valência, no seu melhor, só durou uns meses.

Aimar foi, desde cedo, um projecto traído pelo próprio corpo – um handicap natural que nunca lhe foi possível superar.



Aprendi a aceitar Aimar como um barómetro do Benfica, porque Aimar, como Luisão, é o melhor que o Benfica consegue ter como espinha dorsal de um projecto.

Não é, potencialmente, na minha opinião, o melhor jogador do Benfica. Witsel e Rodrigo, por exemplo, podem atingir níveis que Aimar não conseguiu atingir. Estruturalmente são mais sólidos, têm armas que Aimar nunca pôde ter. Mas Witsel e Rodrigo, sobre os quais se poderia construir uma grande equipa europeia, já cá não estarão quando estiverem na idade de conduzir a equipa em que jogarem aos grandes títulos. Entre os 27 e os 32 anos, Witsel e Rodrigo estarão a ganhar o triplo do que Aimar ganha hoje, numa das melhores equipas inglesas, italiana ou espanhola. Pelo contrário, entre os 28 e os 32 anos Aimar jogou no Benfica.

A espinha dorsal real do Benfica dos últimos 4 anos é composta por Luisão – suplente da selecção brasileira, mais pela rotina e pela presença colectiva que pela qualidade indiscutível, uma vez que é difícil distinguir Luisão de pelo menos 8 ou 9 outros defesas-centrais brasileiros – Javi Garcia – não-convocado na selecção espanhola – Pablo Aimar – contratado ao Saragoça, não-convocado para a selecção argentina e ausente em cerca de metade do tempo de jogo da equipa por questões físicas – e Cardozo – não-convocado para a selecção paraguaia no Campeonato do Mundo de 2010 aos 26 anos.

Se daqui tirarmos Javi Garcia – talvez… – e juntarmos Maxi Pereira, defesa-médio da selecção do Uruguai, temos o núcleo duro do Benfica, um grupo de jogadores cuja permanência de cinco ou mais anos de casa coincidirá com o seu apogeu de carreira, e que é, em última análise, o veículo da cultura da equipa para elementos que por ela transitam – Coentrão, Gaitán, Witsel, etc. – sem ficarem mais de dois ou três anos, saindo antes dos 25 a caminho de equipas maiores.

Se tomarmos a dimensão de uma equipa pelo melhor jogador que uma equipa tem a possibilidade de ter, Aimar está para o Benfica como Messi para o Barcelona, Ronaldo para o Real Madrid ou Rooney para o Manchester United. De alguma forma, as equipas acabam por se identificar com o seu melhor jogador, pois esse é um jogador-tipo. O Barça é Messi (e Xavi, e Iniesta, pois são todos iguais), o Real é Ronaldo, o United é Rooney, o Bayern é Ribéry, o Arsenal era Fabrégas (agora não se percebe bem o que é), o Liverpool era Gerard, o Benfica vai-se tornando Aimar. Não há grandes equipas sem um jogador-tipo materializado em campo.

Pablo Aimar é o 10 a que o Benfica tem direito.

Com Aimar, o Benfica nunca chegará ao patamar que o próprio Aimar não conseguiu atingir. Se conseguir gerir o seu handicap, se tiver sorte com os momentos de forma, com as lesões, com a sorte, se as coisas derem certo em vez de faltar uma passada, se a finta sair bem em vez da bola sair ligeiramente adiantada, como tantas vezes acontece, se a execução conseguir acompanhar minimamente a intenção, se o timing for bom, o Benfica pode ser melhor que o Porto, em Portugal, ocasionalmente, e fazer uma graça na Europa – mas ficando sempre numa segunda linha.



E se Aimar é a estrela a que o Benfica tem direito, o Benfica também é o gigante a que Aimar tem direito. Aimar tem classe para jogar numa equipa do top-8 europeu, por exemplo, mas nunca com o protagonismo que tem no Benfica, e raramente como titular. Podia jogar no campeonato inglês, mas jamais aguentaria a carga física ao ponto de jogar quatro ou cinco jogos seguidos como titular, como no campeonato português. Poderia ser tão ou mais importante do que é no Benfica em muitos outros clubes, mas em nenhum maior que o Benfica.

Para Aimar, o Benfica é o verdadeiro topo da sua carreira, porque aqui tudo se conjuga.

Sobretudo, uma parte que é menosprezada quando se considera a importância real do jogador na equipa.



Aimar é invulgarmente ciente da realidade para um jogador de futebol.

Lembro-me como se fosse hoje de ver o autocarro com os jogadores do Benfica a navegar lentamente sobre o mar de gente no Marquês de Pombal e de reparar em Pablo Aimar, na parte de trás, de braços cruzados no parapeito, a observar, serenamente, aquela alienação colectiva, com um sorriso, sem sentir sequer a necessidade de fazer palhaçadas, de exteriorizar sentimentos ou de corresponder à euforia que se vivia. Naquela situação-limite, Aimar tirava prazer em observar. E quase que se percebia que preferia estar em casa, sossegado, à espera do próximo treino, do que a fazer a festa pelo título.

Nssa altura percebi que Aimar é imune à estupidez natural do futebol. O Aimar que ouço hoje, o Aimar que reage hoje, em campo, é o mesmo Aimar do primeiro ano e do segundo ano.

Para Aimar, o futebol é o futebol, a equipa é a equipa, como ele próprio referiu na entrevista à Champions Magazine, e o folclore que rodeia o jogo é outra coisa.

O próprio visual, a forma de se apresentar, a ausência de preocupações estéticas, são típicos de quem se concentra absolutamente no jogo em si, prescindindo dos fenómenos paralelos, e de quem está na idade do prazer pelo jogo e não da perseguição do dinheiro.

Às vezes tenho a impressão de que Aimar só podia ser argentino. Parece que dentro de cada  argentino há sempre um ícone, um eremita ou um génio.

Numa equipa destinada a ser constituída por jovens jogadores em ascensão, que vêm de clubes menores para a um gigante mediático em que a pressão é constante, como o Benfica, um elemento plenamente consciente do que é importante e do que é secundário no futebol e na carreira de futebolista tem um valor inestimável.



Devo dizer que admiro muito mais Pablo Aimar pela personalidade que pela capacidade futebolística, e estou convencidíssimo de que, se hoje Aimar é o líder do Benfica em campo, é-o mais pelo que é fora dele do que pelo que joga. Nem sequer acho que Aimar seja, tecnicamente, e pelo que já disse, um jogador excepcional. Melhor que muitos, sim, mas não um sobredotado. Um verdadeiro bom jogador, sem artifícios, um jogador que vale pelo que é.

Tal como acontece com Luisão, o valor que Aimar tem para o Benfica, culturalmente, é muito superior ao seu valor de mercado enquanto futebolista fora do Benfica. Só no Benfica Aimar justificaria um salário de 130 mil euros por mês, como parece que recebe. E justifica-o.

Justifica-o a jogar quatro, dois ou um jogo por mês, com 32 ou com 35 anos. Não há dinheiro mais bem gasto. Num clube completamente vulnerável aos excessos, disposto a abdicar de tudo por paixões súbitas, irracional até ao limite, como não conheço outro, alguém que compreenda e ensine o lado real do jogo – como Aimar ensina, não só a colegas como a adeptos – tem sempre lugar. Mesmo depois de deixar de jogar.