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Modelos conceituais de saúde e
determinação social do processo
saúde e doença
Prof. Rita Bergo
SCIC II UNIFACCAMP MEDICINA 2024 Como surgem as doenças
A maioria das doenças é resultado da soma de fatores extrínsecos
e intrínsecos sobre o sujeito afetado Os modelos conceituais de saúde propõem explicar o surgimento e a transmissão das doenças nas populações humanas Ao longo da história, o homem tem buscado compreender os processos e fatores determinantes do adoecimento e da morte A tentativa é retardá-los ou evitá-los pelo máximo possível de tempo À medida em que o conhecimento científico evoluiu foram criadas novas formas de explicação para tais fenômenos Cinco principais modelos explicativos modelo biomédico modelo processual; modelo sistêmico; modelo mágico-religioso; modelo de determinação social da doença.
Cada qual agrega saberes científicos distintos em diferentes fases da história
Não existem limites temporais precisos que os caracterizem Há superposição de ideias
(ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 2006)
Modelo mágico-religioso Asclépio, ou Esculápio, era tido como o deus da Saúde e tinha como filhas Panaceia e Higeia. Panaceia era a deusa da cura - o modo individual da medicina clínica. Higeia era a deusa da harmonia dos homens com o ambiente e do seu nome deriva-se o conceito de higiene. À deusa Higeia é atribuído o caráter de prevenção das doenças e a ideia de saúde coletiva. Entre os mais famosos higeus, ou seguidores de Higeia, destaca-se Hipócrates com seu tratado sobre os ares, as águas e os lugares Modelo mágico-religioso
Cabia aos deuses definir o estado de adoecimento e cura dos homens
instaurou o chamado modelo mágico-religioso Marcado também pela noção de pecado-doença e redenção-cura Permanece presente na ideação de saúde atual Segmentos religiosos de diferentes culturas mantêm práticas de proteção ou de cura de doenças. No Brasil, são muito comuns as benzedeiras, as cerimônias de cura, as cirurgias espirituais, o fluxo de energias, o uso de patuás ou amuletos, o “pagamento” de promessas e vários outros ritos relacionados à saúde. O olhar da filosofia antiga Hipócrates postulou a existência Alcmeon: Contemporâneo de Pitágoras, dos humores (bile amarela, bile trouxe contribuições ao que se entende por negra, fleuma e sangue) para medicina holística (holos=pleno, integral). explicar o desequilíbrio a que o homem estava sujeito Para ele, equilíbrio é a interação de duas ou mais forças ou fatores na etiologia das doenças. Propunha uma vida saudável Platão, Aristóteles e Demócrito: o homem pela meditação, dieta adequada, formado por corpo e alma, na sua moderação em tudo. relação com o meio é afetado em seu estado de saúde. A escola hipocrática aprofunda estratégias de recuperação da saúde e principalmente a prevenção das doenças, com valorização do ambiente de trabalho, da habitação e da dieta, na determinação do bom estado de saúde. Os médicos antigos Paracelso (1493-1541) foi a passagem Galeno, um dos mais influentes médicos da para o modelo biomédico. Influenciado história da medicina ocidental, dizia que as pela alquimia visualizava uma causas das doenças podiam ser internas composição mineral na matéria, inclusive (ligadas à constituição e predisposição na orgânica. Via semelhanças entre os individual), externas (excessos alimentares, processos químicos e os processos vitais. sexuais ou de exercícios físicos) ou conjuntas. Reunia alquimia, medicina popular, astrologia. Era fundamental cuidadoso exame do doente, conhecer seu estado quando sadio, seu Introduziu laudanum (tintura de ópio); temperamento, regime de vida, alimentação, mercúrio no tratamento da sífilis; além das condições ambientais e a época do reconheceu o bócio e o cretinismo como ano. decorrência de deficiências minerais; identificou problemas, hoje Dava ênfase aos medicamentos fitoterápicos, diagnosticados como silicose e por serem os de origem mineral mais tóxicos e os tuberculose, que representariam riscos de origem animal, mais débeis. ocupacionais para os que trabalhavam em minas. O modelo biomédico O modelo biomédico ou mecanicista, hoje predominante, tem suas raízes históricas vinculadas ao contexto do Renascimento O filósofo e matemático René Descartes (1596-1650) é o responsável por um método e uma escola filosófica que discute o conhecimento da realidade, estabelecendo fundamentos que persistem no pensamento científico, com grande influência da física, química e matemática O saber clínico, racionalizado e experimental, trouxe nova forma de compreender a saúde. Descartes propôs que corpo e mente deveriam ser estudados de forma separada, o corpo analisado pela medicina e a mente pela religião e filosofia. Esse modelo separatista de pensar o fenômeno do adoecimento foi fortalecido pelas descobertas de Pasteur e Virchow em seus trabalhos com micro- organismos O alvo passou de biográfico para nosográfico Descobertas Estudos anatômicos de Vesalius (publicados em 1543) Descoberta da circulação sanguínea por William Harvey, em 1628 e da primeira vacina por Edward Jenner (1790-1823). Na década de 1860 Louis Pasteur, com o processo de fermentação e a descoberta da vacina anti-rábica; Robert Koch, descobriu o agente etiológico da tuberculose e os postulados que tipificam o rigor do raciocínio mecanicista para correlação causa-efeito O microorganismo está presente e pode ser detectado em todo caso da doença; pode ser cultivado em meio de cultura apropriado; a inoculação desta cultura reproduz a doença em animal susceptível e o microorganismo pode ser recuperado, de novo, do animal infectado. A teoria microbiana ao final do século XIX obscurece concepções de multicausalidade das doenças ou que proclamavam a participação na eclosão das mesmas dos fatores de ordem socioeconómica. O mundo como uma máquina
O paradigma mecanicista só veio a sofrer algum questionamento quando
outras teorias se fizeram necessárias para dar conta da explicação Em especial nos campos da física e da química, de determinados fenômenos. São exemplos, o eletromagnetismo, para o que foram importantes as contribuições de Faraday e Maxwell, ou das teorias quântica (Max Plank), da relatividade (Einstein) ou da Evolução (Jean B.Lamarck e Charles Darwin) O modelo biomédico O modelo biomédico tem como abordagem a patogenia e a terapêutica, classificando as doenças segundo forma e agente patogênico. Não se debruça sobre a prevenção da doença e não aceita práticas não tradicionais de cura. Prioriza o diagnóstico e a cura. Por conta disso, alimenta a indústria de clínicas e laboratórios e as empresas farmacêuticas.
Suas características: Consequências
Medicalização da sociedade, consumo abusivo de tecnologias médicas (exames,
intervenções, medicamentos), em todos os níveis de complexidade do sistema de saúde e nas diferentes classes sociais, inclusive (às vezes?) substituindo a escuta qualificada e a avaliação clínica Por outro lado... O saber clínico e a sistematização do conhecimento médico trouxeram a necessidade de aperfeiçoar o método científico. As tábuas de mortalidade de John Graunt e as estatísticas vitais de William Farr são exemplos de como a estatística passou a ser utilizada na medicina, contribuindo para a geração de hipóteses e à noção de risco em saúde e de prevenção de agravos Modelo Processual
Baseia-se no modelo de História Natural da Doença proposto por Leavell e
Clark em 1976. Prevê que os estímulos patológicos do meio ambiente desencadeiam uma resposta do corpo cujo desenlace é a cura, defeito ou invalidez ou morte. Constituiu um avanço quando comparado ao modelo biomédico, por reconhecer que as características sociais ou relacionais do indivíduo interferem na chance de adoecer, na forma como adoece e na repercussão da doença. Modelo Sistêmico Com a Revolução Industrial e crescimento dos centros urbanos europeus, a desigualdade entre as classes sociais se tornou notória, com forte impacto na vida social, política e espiritual. Surgiram várias correntes de pensamento que buscavam explicar a origem das diferenças sociais. Uma dessas teorias foi o materialismo histórico. Para René Villermé e Friedrich Engels, o homem não apenas se relaciona com o meio e seus agentes patogênicos, mas faz parte deste meio, formando um sistema de interação sinérgica. Em 1826, Louis René Villermé, médico, ao analisar a mortalidade nos diferentes bairros de Paris concluiu que era condicionada sobretudo pelo nível de renda. Na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, estudos mostravam os efeitos sobre a saúde, da urbanização e da proletarização. Fatores políticos e socioeconômicos, culturais, ambientais e Fonte: Ceballos, Albanita Gomes da Costa, 2015 agentes patogênicos se relacionam sinergicamente. Se modificado um dos níveis, os demais também serão afetados Modelo de determinação social da saúde e da doença
As sucessivas mudanças na forma de pensar a doença, a preocupação com o bem-
estar e conceito ampliado de saúde geraram uma nova concepção: a determinação social da saúde e da doença. Determinam a saúde ou a perda da mesma. O modelo holístico de Laframbroise, desenvolvido no Canadá em 1976, estipulava que estilo de vida e condutas de saúde, biologia humana, meio ambiente e assistência sanitária seriam fatores determinantes da saúde (LAFRAMBROISE, 1976). No final da década de 1990, Tarlov propôs um modelo que contemplava 5 níveis de determinação social da doença, do nível individual ao coletivo (TARLOV, 1999). Modelo de determinação social da saúde e da doença Tarlov - 5 níveis de determinação social da doença:
1. biológico, físico e psíquico;
2. estilo de vida; 3. determinantes ambientais e comunitários (família, escola, emprego e outros); 4. determinantes ambientais físicos, climáticos e de contaminação ambiental; 5. estrutura macrossocial, política e percepção populacional.
Para o autor, a assistência à saúde não é entendida como determinante da
saúde, mas sim como estratégia reparadora(TARLOV, 1999). Modelo de determinação social da saúde e da doença
Atualmente, o modelo de Dahlgren e Whitehead é
o mais estudado no Brasil, o qual estabelece níveis de determinantes que vão do individual ao macro social. Referências
Ceballos, A.G.C. Modelos conceituais de saúde, determinação social do
processo saúde e doença, promoção da saúde / Albanita Gomes da Costa Ceballos. – Recife: [s.n.], 2015. Barros, J.A.C. Pensando o processo saúde-doença: a que responde o modelo biomédico? Saúde e Sociedade, 11(1)67-84,2002.