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PSICOLOGIA & SOCIEDADE, 35, e277145

http://doi.org/10.1590/1807-0310/2023v35e277145
Dossiê
PSICOLOGIA SOCIAL E ANTIRRACISMO:
compromisso social e político por um outro Brasil

PROBLEMATIZAÇÕES ÉTICAS, ESTÉTICAS E POLÍTICAS


À BRANQUITUDE COMO CATEGORIA DE ANÁLISE PARA
PSICOLOGIA SOCIAL
PROBLEMATIZACIONES ÉTICAS, ESTÉTICAS Y POLÍTICAS DE
LA BLANQUITUD COMO CATEGORÍA DE ANÁLISIS PARA LA
PSICOLOGÍA SOCIAL
ETHICAL, AESTHETIC AND POLITICAL PROBLEMATIZATIONS
REGARDING WHITENESS AS A CATEGORY OF ANALYSIS FOR
SOCIAL PSYCHOLOGY

Carolina Nunes Ramos e Simone Mainieri Paulon


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil

RESUMO: Desafiadas a pensar como a branquitude se coloca como categoria de análise para a psicologia social,
duas pesquisadoras brancas tomam como pergunta disparadora de pesquisa: De que forma a branquitude se constitui
como modo de subjetivação? A fim deslocar quaisquer supostas neutralidade e universalidade, ainda presentes no
campo da psicologia social, o objetivo do estudo foi o de produzir efeitos de visibilidade nos processos de subjetivação
racistas contemporâneos. O percurso cartográfico foi movimentado pelo recurso à produção de narrativas poéticas, a
partir de vivências desde um lugar racializado das pesquisadoras. Esta estratégia metodológica buscou problematizar a
branquitude engendrada às tecnologias de subjetivação. Ao final, o estudo destaca a universalidade, a invisibilidade e os
pactos narcísicos entre as dimensões do racismo, que sinalizam a urgência de refletirmos acerca destas posições para a
invenção de práticas antirracistas a comporem o porvir da psicologia.
PALAVRAS-CHAVE: Racismo; Branquitude; Colonialidade; Narrativas; Achille Mbembe.

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RESUMEN: Desafiado a pensar sobre cómo la blanquitud es una categoría de análisis para la psicología social, un par
de investigadoras blancas formulan la siguiente pregunta de investigación: ¿Cómo se constituye la blanquitud como
modo de subjetivación? Para desplazar cualquier supuesta neutralidad y universalidad, aún presente en el campo de
la psicología social, el objetivo del estudio fue producir efectos de visibilidad en los procesos de subjetivación racistas
contemporáneos. El recorrido cartográfico fue impulsado por el uso de la producción de narrativas poéticas, basadas en
las experiencias de los investigadores desde un lugar racializado. Esta estrategia metodológica buscó problematizar la
blanquitud engendrada por las tecnologías de subjetivación. Al final, el estudio destaca la universalidad, la invisibilidad
y los pactos narcisistas entre las dimensiones del racismo, que señalan la urgencia de reflexionar sobre estas posiciones
para la invención de prácticas antirracistas que formen el futuro de la psicología.
PALABRAS CLAVE: Racismo; Blanquitud; Colonialidad; Narrativas; Achille Mbembe.

ABSTRACT: Challenged to think about how whiteness is a category of analysis for social psychology, two white
researchers take the following research question as the trigger: How whiteness is constituted as a mode of subjectivation?
In order to displace any supposed neutrality and universality, still present in the field of social psychology, the aim of
the study was to produce visibility effects in contemporary racist subjectivation processes. The cartographic journey
was driven by the use of the production of poetic narratives, based on the researchers’ experiences from a racialized
place. This methodological strategy sought to problematize the whiteness engendered by subjectivation technologies.
In the end, the study highlights the universality, invisibility, and narcissistic pacts between the dimensions of racism,
which signal the urgency of reflecting on these positions for the invention of anti-racist practices to form the future
of psychology.
KEYWORDS: Racism; Whiteness; Coloniality; Narratives; Achille Mbembe.

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Quem conta histórias?

Quem conta histórias? Um ser invisível que fala de algum lugar sem estar em
nenhum? E quais são suas possibilidades de enunciação? As questões que expomos estão
posicionadas tradicionalmente em relação à vida acadêmica quando aprendemos que, ao
pesquisar, não podemos usar os pronomes “eu”, menos ainda “nós”, ou qualquer outra coisa
que denote pessoalidade. Tais interrogações passam a ressoar novamente ao encontrar
algumas das críticas oriundas de diversos movimentos que contestam o paradigma
científico e eurocêntrico, principalmente nas suas pretensões de neutralidade, objetividade
e universalidade. Em nossos posicionamentos frente à produção de conhecimento no
campo da psicologia social, os quais se assentam nos estudos críticos da branquitude,
na filosofia da diferença e no pensamento crítico decolonial, assumimos a convergência
de problematizações que aludem ao ato de pesquisar e ao lugar do pesquisador. Esses
questionamentos são relativos às condições de enunciação, ao lugar que o pesquisador
ocupa no sistema-mundo patriarcal, capitalista, colonial e moderno. A crítica produzida
pelos estudos decoloniais às ciências ocidentais pousa naquilo que a academia, em suas
intenções de estabelecer um marco zero, suposto ponto de partida de todos os saberes,
remeteria a uma “objetividade” e uma “neutralidade”, produzindo a invisibilidade do lócus
de enunciação de quem e de onde se fala (Grosfoguel, 2007).
A crítica feita pelo pensamento decolonial às referidas pretensões fundantes das ciências
(inclusive no campo da psicologia), aliada às críticas ao positivismo inscritas na esteira de
modalidades de pesquisa que problematizam a relação pesquisador e ato de pesquisar,
sedimentaram o propósito desta pesquisa, que toma os estudos sobre a branquitude como
fio condutor. Nesse sentindo, cabe destacar a contribuição do institucionalista René Lourau
(1993) que, ao forjar o conceito-ferramenta da análise de implicações, alerta que o cientista
infere os seus próprios valores da sua prática científica, tornando noções de “objetividade”
e “neutralidade” insustentáveis na prática de pesquisa científica.
Alinhada às compreensões do autor institucionalista, a pesquisa que dá origem ao
artigo aqui apresentado apostou na produção de narrativas baseadas em experiências
e memórias como estratégia metodológica, buscando visibilizar e problematizar a
branquitude engendrada às tecnologias de subjetivação contemporâneas. O investimento
no método da narrativa que se dá entre memórias e experiências como estratégia ética,
estética e política convocou o encontro entre a escrita e a dimensão sensível, o qual,
consequentemente, profana resquícios de neutralidade e assepsia que outrora foram tão
caros à produção científica e acadêmica. Levamos a escrita ao mergulho com todos os afetos
que atravessavam nossos corpos, deslocando o cânone/colonizador em nós para abri-lo
ao contágio com o mundo e à criação de outros possíveis. Tratou-se de enfrentar tudo
o que embrutece a escrita. Logo, os personagens das narrativas emergem dos encontros
que marcam a problematização de posicionalidade enquanto pertencente à branquitude
em que uma ficção “fia mundos onde a confiança ultrapassa a fidedignidade sem perder a
realidade” (Costa, 2014, p. 553).
Por consequência, acreditamos na potência desestabilizadora de tal problematização,
naquilo que concerne às posições tradicionalmente auto idênticas, incorpóreas,
transcendentes, universais que permeiam a experiência subjetiva de ser branco em
uma sociedade colonial e racista. A marcação de posicionalidade articulou-se direta e
estrategicamente aos nossos objetivos: fazer-se ver para contestar o que perversamente

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quer se fazer invisível. O marcador localização nos conduziu, portanto, na problematização


dos efeitos ético-políticos da branquitude e, consequentemente, na invenção de práticas
antirracistas.
Assim, o atual questionamento desdobrou-se em função de tensionamentos feitos
por ocasião da banca de qualificação do projeto de pesquisa de mestrado que gerou este
texto, assim como na afetação acerca do que ocorre e recorre nos espaços que perpassam
nossas experiências, a saber, academia e o campo das políticas públicas. Ao observarmos
o funcionamento do racismo institucional atuando no cotidiano de instituições de saúde
e de educação, tendo como efeitos a determinação do acesso da população negra aos
equipamentos sociais (Silva, 2005), bem como a limitação de perspectivas eurocêntricas na
formação em psicologia (Veiga, 2019), testemunhamos que a problematização racial não
era visibilizada e, por consequência, tampouco discutida.
O pacto de silenciamento da branquitude, pautado pela psicóloga Maria Aparecida
Bento, em 2003, ainda é bastante atual e é a partir dele que nascem os recentes desconfortos.
Os questionamentos acerca dos privilégios da branquitude, aqui transformados em
perguntas de pesquisa, nasceram na experiência de estágio curricular em psicologia da
primeira autora1. A partir desse encontro, nos deparamos com os estudos sobre branquitude,
que vêm colocando em foco a investigação acerca do lugar que o sujeito branco ocupa
em sociedades marcadas pelo colonialismo europeu (Silva, 2017). Tal perspectiva permite
criar um marco que determina uma virada teórico-epistemológica no entendimento sobre
o histórico de desigualdades raciais ao perceber quanto o silenciamento produzia em nós o
efeito de pouco nos enfrentar com a minha/nossa branquitude, partindo de tal concepção,
formulada por Lia Vainer Schucman (2014, p. 84),

A branquitude é entendida como uma posição em que sujeitos que ocupam essa
posição foram sistematicamente privilegiados no que diz respeito ao acesso a
recursos materiais e simbólicos, gerados inicialmente pelo colonialismo e pelo
imperialismo, e que se mantêm e são preservados na contemporaneidade.

Em vista disso, o percurso cartográfico delineou-se sobre o seguinte problema: de que


forma a branquitude se constitui como modo de subjetivação em uma sociedade racista?

Da margem ao centro: algumas palavras sobre branquitude


Assumiu-se neste trabalho que o termo branquitude é entendido como um conceito-
ferramenta que permite operar sobre a constituição de um modo de subjetivação
calcado em premissas universalistas, colocando-o no movimento de sua desestabilização.
Inevitavelmente, os cenários que encontramos dizem muito da trama histórica e política
que possibilitou a emergência de tal conceito. Retornamos o olhar à emergência das
condições de possibilidade da noção de branquitude, que não significam remontar a
qualquer ponto de origem ou cronologia. Significam, antes, pensar na restituição das
condições de “aparição de uma singularidade a partir de múltiplos determinantes, e que
não aparece como produto, mas como efeito” (Foucault, 1990, p. 17). Caracterizada pela
valorização de um conjunto de práticas com função normativa e reguladora, a constituição
da branquitude seria considerada como efeito de uma trama do próprio social. Neste
momento, tornamos problemático não o fato de sermos brancas, mas as condições de
possibilidade que instituem a branquitude como um padrão normativo de humanidade.

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Ao analisar o conceito de branquitude, entende-se que ele vem a nomear um dos efeitos
produzidos historicamente em sociedades hierarquizadas racialmente pela intervenção
colonizadora (Bento, 2003; Jesus, 2017; Nascimento, 2016). A partir da espoliação de
territórios e da imposição racial e hierárquica do colonizador europeu, Achille Mbembe
(2018) sinaliza que no pensamento europeu, a concepção de sujeito constitui-se através de
seu próprio espelho, a partir de si mesmo. Na contrapartida dessa autoficção, negro e raça
passam a operar como sinônimos no imaginário de sociedades europeias. Tal lógica, frente
ao diferente de si, estabelece uma série de perturbações que vão aparecendo nos discursos
modernos sobre o homem (inclusive nos parâmetros de “humanismo” e “humanidade”)
constituindo-se como um complexo nuclear em que o conhecimento moderno emerge. Daí
se origina não apenas um projeto moderno de conhecimento no início do século XVIII,
mas também condições para a constituição de um projeto de governo.
Pesquisadora/es brasileira/os comprometida/os com esse debate apontam que os
Estados Unidos se constituem como pioneiros nos estudos sobre branquitude na década de
1990, e designam a área como critical whiteness studies. Os estudos críticos da branquitude,
naquele contexto, davam conta de estabelecer seu foco no centro do que constituía a
noção de raça. Os olhares deslocaram-se dos “outros” racializados e passaram a visibilizar
quem, até então, ficou isento de análises críticas: os sujeitos brancos. Os estudos sobre
branquitude reúnem, hoje, os Estados Unidos, Inglaterra, África do Sul, Austrália e Brasil
como os principais países dedicados a esse debate (Cardoso, 2010; Schucman, 2014).
Segundo Luciana Alves (2010), foi recorrente o foco dos estudos das relações raciais
sobre o “outro”, assim entendidos os sujeitos negros, deixando de lado a problematização
daquele que depende, em grande medida, da diferença para constituir-se fora dela. De
acordo com Maria Aparecida Bento (2003), o apagamento dos sujeitos brancos sobre as
suas condições e lócus de enunciação é histórico:

Na verdade, o legado da escravidão para o branco é um assunto que o país não


quer discutir, pois os brancos saíram da escravidão com uma herança simbólica
e concreta extremamente positiva, fruto da apropriação do trabalho de quatro
séculos de outro grupo. Há benefícios concretos e simbólicos em se evitar
caracterizar o lugar ocupado pelo branco na história do Brasil. Este silêncio e
cegueira permitem não prestar contas, não compensar, não indenizar os negros:
no final das contas, são interesses econômicos em jogo. Por essa razão, políticas
compensatórias ou de ação afirmativa são taxadas de protecionistas, cuja meta é
premiar a incompetência negra. (Bento, 2003, p. 27)

Através da correspondência da branquitude a um encadeamento de condições


históricas, é notável que o status de superioridade racial emergiu da concepção de raça,
que então determinava a partir de onde e de quem era a humanidade, favorecendo aquele
que a cria: o europeu colonizador (Schucman, 2012). Partimos, portanto, do entendimento
de que raça “é o mais eficaz instrumento de dominação que, associado à exploração, serve
como classificador universal no atual padrão mundial de poder capitalista” (Quijano, 2005,
p. 273). O binômio raça-racismo estabelece-se, portanto, como princípio constitutivo da
modernidade e organizador “da acumulação de capital em escala mundial e das relações de
poder do sistema-mundo” (Bernardino-Costa & Grosfoguel, 2016, p. 17), o qual permitiu
ao sociólogo peruano Aníbal Quijano (2005) definir a colonialidade do poder.

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Em sua construção ideológica e política, diante das “descobertas” no século XV, a


noção de raça sofre modificações e, posteriormente, ganha legitimidade pela ciência. Ao
final do século XIX, com a sistematização de concepções e valores de correntes político-
epistemológicas europeias, o racismo ganha consistência em bases de teorias científicas em
torno do conceito de raça (Schucman, 2012; Schwarcz, 2010). Logo no início do século XX,
cientistas concluíram que raça não era um conceito suficientemente eficaz para explicar a
diversidade humana. No entanto, a ideia de raça baseada no pressuposto biológico já era
maciçamente difundida no mundo todo, fazendo com que a categoria operasse no imaginário
da população e produzisse discursos racistas (Schucman, 2014). Por conseguinte, a
categoria racial no Brasil permanece repercutindo nos modos de subjetivação atuais e,
conforme Carlos Moore (2007), a partir dos anos 2000, “existe uma tendência crescente
para trivializar o racismo, seja relegando-o à esfera puramente das relações interpessoais,
seja reduzindo-o ao plano de meros preconceitos que todo mundo tem” (p. 28).
Por outro lado, tal marcador racial parece não alcançar os brancos, constituindo-os
sobre uma suposta neutralidade de cor, como se fossem desracializados. Ruth Frankemberg
(1993 como citada em Piza, 2003, p. 71) descreve a branquitude num universo racializado,
da seguinte forma:

Um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê aos outros e a si mesmo; uma


posição de poder não nomeada, vivenciada em uma geografia social de raça como
um lugar confortável e do qual se pode atribuir ao outro aquilo que não atribui a
si mesmo.

Segundo Schucman (2012), o intuito dos trabalhos sobre branquitude é o de fazer com
que ela se confronte com a própria ausência nos estudos sobre relações raciais. Ausência
esta que fortaleceu, durante muito tempo, a noção de que só quem tem raça é o negro. Bento
(2003) traz o aspecto sobre essa ausência de análise sobre o branco, aparecendo apenas
como modelo universal de humanidade, que causaria desejo e inveja em não-brancos, esses
últimos encarados como não humanos.
Lourenço Cardoso (2008) explica que, muito antes desse conceito emergir, já existiam
intelectuais ocupados em pensar a problemática da responsabilização de sujeitos brancos
no quadro de desigualdades raciais, tanto no Brasil quanto em outros contextos com
histórico de feridas decorrentes da colonização europeia. Priscila da Silva (2017) e Cardoso
(2010) trazem W. E. B. Du Bois, Frantz Fanon, Albert Memmi, Steve Biko e, já em 1957,
o brasileiro Alberto Guerreiro Ramos como precursores dos estudos sobre branquitude.
Assim, ressaltam que, ainda que situados em diferentes países, tais intelectuais investiam
um olhar sobre os efeitos da colonização e do racismo incidentes não somente sobre corpos
negros, mas, sobretudo, sobre corpos brancos.
O conceito de branquitude, portanto, vem produzindo problematizações acerca
da ficção de sujeito universal estabelecida pela modernidade como uma noção tão bem
conhecida e naturalizada. Como consequência, o debate garante a visibilidade sobre os
jogos de forças presentes nos modos de constituição de si e do mundo, entrando em
evidência não apenas a desnaturalização de verdades, mas, sobretudo, as possibilidades de
criação e de ruptura a partir de tais lógicas.

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Por onde pisam os pés

O fio condutor que nos leva às memórias, personagens e lugares, certamente é: onde
pisam os pés? Ao pensarmos no ponto de partida para a escrita, Conceição Evaristo
também muito inspira a contar memórias ficcionando-as. Para Evaristo, todas as histórias
são inventadas, “mesmo as reais quando são contadas.” (Evaristo, 2016, p. 7). Inspirando
uma escrita a partir de corpo e memórias, encontramos na autora um modo de fiar
mundos, assumindo o que circunda uma posição corpo-política e seus efeitos sociais, de
modo que as memórias acabam por traçar narrativas de uma vivência em função de tais
posições. Na artesania deste estudo, o encontro com Evaristo produziu questões que nos
ajudaram a pensar na marcação de nossos corpos brancos em uma estratégia metodológica,
epistêmica e política. É justamente a experiência vivida e coletiva que alimenta os modos
de “escreviver”, termo cunhado por Conceição para designar uma escrita implicada.

Escreviver significa, nesse sentido, contar histórias absolutamente particulares,


mas que remetem a outras experiências coletivizadas, uma vez que se compreende
existir um comum constituinte entre autor/a e protagonista, quer seja por
características compartilhadas através de marcadores sociais, quer seja pela
experiência vivenciada, ainda que de posições distintas. (Soares & Machado, 2018,
p. 206)

Por meio de narrativas advindas de corpo e memória apostamos que elas pudessem
exprimir elementos da constituição desse lugar racial branco contemporâneo, produzindo
subjetividades e insuflando, com elas, diferentes expressões de racismo. A estratégia de
texto utilizada na pesquisa foi a construção de personagens inventados, mas construídos a
partir de recortes realísticos. Inspiradas na proposição de Jessé Souza (2018) em seu estudo
acerca da “Classe Média no Espelho”, foram construídas quatro personagens que partem
de uma ideia concreta – experiências vividas pela primeira autora, pessoas encontradas,
relatos vivos de sujeitos escutados ou retirados da literatura – apesar do fato de que tudo
o que consta nestas narrativas “tenha sido efetivamente relatado por alguém, nenhum
desses tipos existiu de fato enquanto indivíduo singular” (Souza, 2018, p. 21).
Na construção de narrativas advindas de experiências, portanto, como é o caso desta
pesquisa, o real não triunfa sobre o falso. Segundo Luís Artur Costa (2014, p. 553): “O
sentido é a alforria da narrativa perante as ancoragens do juízo. No entanto, tal leveza
diante do falso e do verdadeiro não faz dessas narrativas algo menos verdadeiro: há a
realidade dos sentidos afirmados”. Por conseguinte, a narrativa é uma realidade em si,
produzindo mundos. A invenção das personagens coloca em jogo uma série de operações
de visibilidade e enunciação acerca do que se quis problematizar nesta narrativa: a
branquitude.
Quem está a contar histórias? É a pergunta que segue ressoando. A fim de desdobrá-
la, seguimos com um recorte da pesquisa que este artigo sintetiza, composto por uma das
personagens criadas a partir das experimentações localizadas no contexto acadêmico de
formação em psicologia no sul do Brasil.

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Narrativa: Laura, a professora psicanalista que não viu a falta

Laura é uma professora branca, veterana em uma universidade. Psicanalista, de classe


média, beirando os cinquenta anos. Casou-se aos 30, engravidou logo após. Único filho.
Esteve ligada às melhores universidades, fez mestrado, participou de eventos e cursos
acadêmicos nacionais e internacionais. Divide-se hoje entre o trabalho na clínica, na
universidade e palestrando pelo estado afora. Nada foi por acaso. A família tem a tradição
de valorizar a formação intelectual.
Laura se encontra com literaturas feministas a partir do tema da violência de gênero.
Suspende o Freud, procura autores mais contemporâneos. Inicia-se no feminismo ao
tentar acompanhar seu tempo. Conhecida por um jeito livre e despojado, fica a pensar
em uma previsão de como seria a aula que daria aquela noite, com a qual encerraria o
período letivo. Seria uma noite com menos estresse? Talvez, pois a turma organizava
apresentações que ocorreriam no decorrer da aula. Cada grupo escolheria a forma de sua
apresentação. Ultimamente, chegava às aulas mais cansada, indisposta. Havia um mal-
estar que a rondava, mas não sabia o que era. Uma crise se agravava no país e, enquanto
dirigia para universidade, foi comunicada pelo rádio sobre a tensão da ameaça da deposição
de um governo democraticamente eleito. Uma noite que talvez se estenda, pensa.
O sol caiu no horizonte. Tocou o sinal. Corredores cheios, trânsito inescapável até que
Laura chegue à sala de aula. As alunas vão chegando, tempo da turma se organizar. Um
grupo se lança primeiro na rodada de apresentações. Demora-se até que o próximo grupo
se anime à tarefa. Surge, ao fundo da sala, uma dupla: duas alunas brancas, apresentam um
documentário em curta metragem para movimentar a reflexão sobre o racismo, pautando a
pouca atenção que o curso deu a este debate na formação em psicologia. O curta metragem
apresenta a história de uma menina negra que desejava ser paquita da Xuxa. Apesar do
esforço da dupla de alunas para provocar o debate sobre como o racismo atravessa a vida
das pessoas e causa sofrimento, a discussão não ecoou.
O emudecimento se prolonga. Uma brisa sopra pela janela, fazendo-se ouvir por
toda/os no vácuo assombroso do silêncio. O desconforto já tinha se instalado. Os olhares
dirigiram-se ao chão. Pelas cadeiras, talvez conseguíssemos visualizar espinhos crescendo
subitamente, expondo corpos aflitos e desassossegados. Laura sente-se responsável pelo
momento e tenta salvar a turma do mal-estar que inunda a sala. Retoma sua condição de
psicanalista e professora, e interpreta: “Vejo que esse silêncio parece nos dizer algo, não é
mesmo? Vamos começar a falar da família dessa menina. O filme nos mostrou que é rica,
mora em uma boa casa, em um bom bairro. Percebemos o quanto a situação do racismo no
Brasil já melhorou”.
O comentário de Laura encorajou o pensamento das/dos, até então, emudecidas/os.
Logo após, a turma fica dividida em muitas vozes que falam ao mesmo tempo. A dupla
retoma suas considerações, questiona sobre a impossibilidade que a personagem enfrenta
em seu desejo de ser assistente de palco da Xuxa.

– Mas por que ela tem que ser paquita?

– Por que ela não pode?

As vozes se enfurecem.

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– Ela não pode ser feliz fazendo outra coisa?

– Não se pode ter tudo o que se quer. A vida é assim, ela frustra a gente.

– É assim que a gente se forma, enfrentando frustrações.

– Eu acho que vocês não entenderam. Se ela fosse branca, ela poderia ser. Acho
que foi isso o que as colegas queriam dizer. Mas isso não quer dizer que ela nunca
mais será feliz na vida.

– Eu não vejo cor nas pessoas, então acho que é só uma questão de que as colegas
da menina fossem melhores que ela e por isso foram escolhidas nessa brincadeira.
E eu falo isso porque realmente não vejo cor nas pessoas, somos todos iguais.
Prova disso é que minha irmã namora um homem negro há cinco anos e ele
sempre é bem recebido lá em casa.

– Acho que não podemos ser radicais. Na verdade, ela entende que não pode ser
paquita e vai fazer outra coisa. Esqueceram que ela começa a tirar fotos depois de
entender que não pode ser paquita?

– Acho que a personagem é muito mais bem resolvida do que a gente aqui fazendo
essa discussão.

– Há muito tempo, os gays não podiam sair na rua e demonstrar afeto. Hoje as
coisas estão muito melhores. Assim como as mulheres, existe uma grande luta
contra a violência doméstica, contra o machismo. Hoje, os homens estão mais
sensíveis porque estamos conseguindo desconstruir o machismo que também os
prejudica. E as coisas mudaram tanto que até a empregada da família negra, no
curta-metragem, era branca.

– A menina talvez possa estar com delírio de perseguição.

– Eu acho que nos anos oitenta tinha uma valorização das pessoas brancas, loiras
e de olhos azuis. E era bem excludente esse negócio de ser paquita. Eu, por
exemplo, também não poderia ser, ainda que seja branca, tenho o cabelo preto.

– É engraçado a gente estar falando disso, quando não temos nenhuma colega
negra para fazer essa discussão.

– Pois é, não temos nenhuma colega negra.

– Parece que temos, sim.

Laura não acredita no que ouve. Pergunta:

– Quem?

Responde uma aluna:

– A Cíntia, só que ela não veio hoje.

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A dramaticidade das lentes da branquitude

A partir da narrativa de Laura foi possível dispararmos algumas reflexões inscritas


no interior do campo da psicologia social. Primeiramente, jogando luz ao que Mbembe
(2018) afirmava, não saímos definitivamente do regime que teve o comércio negreiro e, em
seguida, a colônia de monocultura, como cenas originárias. Entre os séculos XIV e XIX, o
horizonte de ambições europeias alargou-se e o Atlântico figurava uma nova organização,
“o lugar de onde emergiu uma nova consciência planetária” (Mbembe, 2018, p. 33).
Ao observarmos os efeitos coloniais-capitalísticos sobre a branquitude dos
personagens narrados, ressoa aquele ditado: “Em casa de enforcado não se fala de
corda”, o qual Kabengele Munanga (2017, p. 39) recorda quando argumenta sobre as
ambiguidades do racismo à brasileira. Explicamos melhor, junto com Munanga (2017):
tal particularidade do racismo brasileiro coloca-se como um dos princípios da educação
brasileira. O não-dito, o silêncio, as deturpações, o não falar sobre racismo e seus efeitos
recaem naquilo que proporcionou a criação de condições para um não saber de si, bem
como a possibilidade de perpetuação da manutenção de privilégios, isentando os brancos
de análise e responsabilização pela reprodução da lógica racista. É como um crime perfeito
em que o racismo à brasileira, ancorado nas crenças da democracia racial e da mestiçagem,
faz persistir nos modos de subjetivação brasileiros, mascarando a brutalidade e a sordidez
que resultam em tantos outros efeitos aqui problematizados: cegueiras ao não ver a si nem
o outro, silêncios cultivados em mais de cinco séculos de cultura colonial e os pactos daí
decorrentes, ancorados na invenção do outro e sua desumanização. A síntese desta receita
macabra é a desracialização da branquitude.
Somente na década de 1990 o governo brasileiro assumiu a existência de preconceito e
discriminação racial no Brasil. No entanto, ainda que, atualmente, brasileiros reconheçam
a existência do racismo, coexiste uma grande dificuldade em identificar práticas racistas
(Figueiredo & Grosfoguel, 2009). Tal coexistência ganhou contornos especialmente
demarcados com aprofundamento do ódio às diferenças gerado pela onda racista que o
presidente de ultradireita eleito em 2018 trouxe ao país. Como afirmado por Florestan
Fernandes (1965), o brasileiro tem preconceito de ter preconceito, por isso o modo de pensar
o racismo no Brasil ganhou a alcunha de um “racismo sem racistas”. Lilia Schwarcz (2001)
ilustra este cenário em pesquisa realizada em 1988, na qual a maioria dos entrevistados se
consideravam atentos a reconhecer pessoas de convívio íntimo como racistas, porém nunca
atribuindo tal lógica a si mesmos. Na ausência de uma cena abertamente segregacionista,
como ocorreu nos Estados Unidos e na África do Sul, a comparação com a cena brasileira
propõe aos brasileiros o (auto)equívoco do enredo de cordialidade da miscigenação,
afirmando o quão incapazes somos de nutrir lógicas desiguais e discriminatórias. Resulta
disso a fantasia de que a discriminação racial só acontece quando se traduz em interdições
ou na impossibilidade concreta de entrar em algum espaço (Figueiredo & Grosfoguel,
2009).
Moore (2007) explicita que o racismo, na esteira do pensamento do mito da democracia
racial, potencializa-se em sua condição de insensibilidade da branquitude frente às
condições de vida da população negra no Brasil. Funda-se, com esse mito-ideologia, todo
um movimento que demarca o autoengano, constituindo-se como um grave obstáculo ao
avanço de questões raciais para a sociedade brasileira. Na ausência do autoquestionamento
por parte da elite branca, ou pela exclusão da perspectiva de intelectuais negros que

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já questionavam sua condição diferenciada por questões raciais, o debate resumiu-se à


culpabilização e responsabilização de quem era vítima de tal processo, deixando intacto o
outro grupo em seus privilégios. Afirmava-se, com isso, a normatividade pela supressão do
questionamento do lugar da branquitude.
Schucman (2012) explicita que a posicionalidade de sujeitos brancos garante privilégios
materiais e simbólicos, que não estão disponíveis aos não-brancos. Quanto aos privilégios
materiais, estão entre eles: facilidade de acesso “à habitação, à hipoteca, à educação, à
oportunidade de emprego, e à transferência de riqueza herdada entre gerações” (p. 25).
As facilidades e vantagens encontradas pelo grupo dos brancos são dadas devido ao fato
de o racismo estruturar as desigualdades na sociedade brasileira. Outros privilégios se
apresentam nos índices de mortalidade, no acesso ao sistema de ensino, no mercado de
trabalho, nas condições materiais de vida, no acesso ao poder institucional e às políticas
públicas. Dessa forma, tais índices contrariam a leitura errônea de que as desigualdades
decorreriam apenas dos atravessamentos de classe, socioeconômicos. Quando se trata
dos privilégios simbólicos, Schucman (2012) afirma que a concepção estética e subjetiva
da branquitude adquiriu sentidos de supervalorização em detrimento dos atributos que
recaem sobre sujeitos não-brancos.
Diferentemente do colonialismo, que abarca um tempo limitado na história da
constituição de sociedades ocidentais, a colonialidade é a lógica que sobrevive e atualiza
heranças coloniais, em que se agencia o padrão de poder da experiência moderna
colonial. Entende-se, assim, que a colonialidade esquadrinha os modos como produzimos
conhecimento, a organização do trabalho, e, sobretudo, os modos de produção subjetiva.
Laura sequer reparou na ausência da aluna negra, tampouco a pensou como uma mulher
negra. Avisada daquela falta, fica perplexa. Em uma leitura sobre raça e racismo, Achille
Mbembe (2018) nos ajuda na compreensão de uma cegueira recorrente às personagens aqui
narradas. Esses olhos que não enxergam Cíntia, a aluna negra, respondem a uma operação
do imaginário, a lugares pouco conhecidos dentro de nós. Estaria em jogo, nesse caso, o
modo como o racismo fabrica nossas lentes, pousando no contato com as regiões mais
remotas de nós mesmos. Opera-se um funcionamento inconsciente. Conforme Mbembe
(2018) nos diz,

Para o racista, ver um negro e não ver que ele não está lá; que ele não existe;
que ele não é outra coisa senão o ponto de fixação patológica de uma ausência de
relação. É necessário, portanto, considerar a raça como algo que se situa tanto
aquém quanto além do ser. (p. 69)

Essa cegueira encontra eco na situação colonial, sendo um desdobramento dela sobre
os modos de subjetivação contemporâneos. Cardoso (2014) debate que a cegueira da
branquitude depende do lugar que o branco colonizador designa para si na cena colonial.
Ressalta que tal lugar é atravessado por um forte investimento narcísico. O branco
colonizador estaria em um lugar “naturalmente” superior em relação ao colonizado. Essa
noção é criada com o intuito de ser assimilada pelo colonizado como um dado natural,
cabendo a ele conformar-se (Cardoso, 2014; Memmi, 2007). Desse modo, a perspectiva
colonizadora esvazia a construção histórico-cultural-econômica do antagonismo
colonizador-colonizado. O retrato do colonizador, portanto, seria o de “um ser narcísico,
enamorado pela sua própria imagem” (Cardoso, 2014, p. 35).

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Ainda de acordo com o autor (2014), o branco é um Drácula. A imagem do vampiro


se assemelha ao branco na medida em que o último, assim como o personagem, não se
enxerga diante do espelho, ali não há o reflexo de si. Enamorado de si, o corpo branco não
se vê, sabe-se apenas desejado por todos. É o ideal cultural, físico e moral e só reconhece o
que é igual a si. A humanidade se faz, assim, exclusiva. De modo consequente, o olhar do
branco distorce a um só tempo a imagem de si e do outro. Edith Piza (2003, p. 86) ilustra
essa faceta da branquitude quando afirma: “A não-percepção de si é condição para a não-
percepção do outro”. Dessa maneira, Laura não lembra de Cíntia pois não vê cor em si,
não se entende racializada. Laura está no lugar de uma figura fantasiosa de desejo de todos
os não-Dráculas ou, ainda, ela é o modelo cultural, físico e moral que leva o colonizado a
desejar ser como ela. Ele não suporta a luz, bem como ser focalizado. Assim, constituem-se
alguns movimentos que perpassam a experiência de ser branco nesse contexto, conforme
explicita uma das entrevistadas à pesquisadora Edith Piza (2003 como citado em Bento,
2003, p. 42): “ser branco ... é não ter de pensar sobre isso ... o significado de ser branco é a
possibilidade de escolher entre revelar ou ignorar a própria branquitude ... não se nomear
branca”.
José Moura Gonçalves (2017) oferta-nos uma leitura possível sobre os processos de
subjetivação que atravessam Laura ao não enxergar Cíntia que, a uma só vez, fabricam o
olhar da professora psicanalista, bem como do restante da turma. Ao falar da dominação
racista, Gonçalves (2017) reflete sobre o encontro entre passado e presente. O que este autor
nos conta é de uma herança racista reiterada e cristalizada na dinâmica das instituições, em
que tais instituições racistas apoiam-se em nossas práticas racistas, estejamos conscientes
disso ou não. Sem perceber, as práticas racistas são perpetuadas e trazidas até nossos dias
através de um congelamento, como heranças. Quando voltamos na história de Laura e
observamos a turma questionar a possibilidade de uma menina negra ser paquita, Mbembe
(2018) nos dá pistas do porquê a branquitude inconforma-se diante do desejo da menina:
“O sujeito racista reconhece em si mesmo a humanidade, não naquilo que o torna igual aos
outros, mas naquilo que o distingue deles” (p. 76).

Notas finais

A análise dos processos de subjetivação fez-se relevante para nossas reflexões acerca
da branquitude, na medida em que tais processos “são como uma linha de montagem
subjetiva disseminada por todo o corpo social” (Guattari & Rolnik, 2017, p. 54) que
articulam dispositivos de saber-poder servindo como mecanismos de manutenção de
modos de subjetivação coloniais.
Mergulhadas em um silêncio estranho, as palavras do pesquisador Lourenço Cardoso,
em sua tese, desassossegam-nos: “O que leva o acadêmico branco a pesquisar o negro e
esquecer-se de si?” (Cardoso, 2014, p. 17). Como aprendemos com Maria Aparecida Bento,
o branco não quer discutir o legado da escravidão. Nega-se o efeito que o colonialismo
tem sobre nosso tempo e nossos corpos. Nesse sentido, o percurso de pesquisa procurou
responder à demanda urgente em contemplar a lacuna presente na produção de
conhecimento no campo da Psicologia Social, posicionando-nos contra a perpetuação de
silêncios produzidos historicamente pela branquitude, reafirmando o compromisso com a
luta antirracista.

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Importante sinalizar que o contexto problematizado em nossa pesquisa é acadêmico


e que, dadas as desigualdades abissais determinadas pelo regime colonial-capitalístico,
tem seu acesso ainda restrito a um determinado grupo de pessoas em nosso país. Uma
vez que a academia possui tal especificidade no que concerne ao seu acesso, entendemos
que o debate sobre branquitude ainda está distante da realidade de grande parte do povo
brasileiro.
Concluímos esse artigo apostando no exercício da reflexão de si para o enfrentamento
às lógicas racistas que nos constituem. Através desta problematização, apostamos na
potência da invenção de novas formas de resistência micropolítica, na medida em que uma
branquitude crítica possa produzir efeitos no deslocamento na política de produção de
subjetividade que resultem em contribuições efetivas da psicologia à luta antirracista.

Nota

1 Em 2015, em um NEABI (Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas da


Universidade do Vale do Rio dos Sinos).

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CAROLINA NUNES RAMOS


https://orcid.org/0009-0007-2701-417X
Mestra pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Psicóloga na rede pública de educação básica
no município de São Leopoldo/RS.
E-MAIL: [email protected]

SIMONE MAINIERI PAULON


https://orcid.org/0000-0002-0387-1595
Doutora em Psicologia Clínica (PUC/SP) , com Pós doutorado (UFRN/Universidade de
Bologna). Docente, Pesquisadora do PPG de Psicologia Social da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS.
E-MAIL: [email protected]

Submissão: 30/07/2023
Histórico Revisão: 02/10/2023
Aceite: 02/10/2023

Concepção: CNR; SMP


Curadoria de dados: CNR
Contribuição dos autores Análise de dados: CNR; SMP
Redação do manuscrito original: CNR; SMP
Redação - revisão e edição: CNR; SMP

Primeira autora obteve Bolsa de pós-graduação. Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), através
Financiamento do Programa de Demanda Social, na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, durante o período de realização da pesquisa.
Segunda autora é bolsista PQ nível 2 do CNPq.

Aprovação, ética e consentimento Não se aplica.

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