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Justiça Federal da 1ª Região

PJe - Processo Judicial Eletrônico

05/12/2024

Número: 1016403-41.2024.4.01.4100
Classe: AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Órgão julgador: 5ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJRO
Última distribuição : 14/10/2024
Valor da causa: R$ 90.000.000,00
Assuntos: Águas Públicas, Recursos Hídricos, Mudanças Climáticas
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (AUTOR)
Ministério Público Federal (Procuradoria) (AUTOR)
PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO 14 REGIAO
(AUTOR)
UNIÃO FEDERAL (REU)
ESTADO DE RONDONIA (REU)
MUNICIPIO DE PORTO VELHO (REU)
Ministério Público Federal (Procuradoria) (FISCAL DA LEI)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo Polo
Assinatura
216168387 04/12/2024 21:46 Decisão Decisão Interno
9
Documento id 2161683879 - Decisão

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária de Rondônia
5ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJRO

PROCESSO: 1016403-41.2024.4.01.4100
CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65)
POLO ATIVO: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO e outros
POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL e outros

DECISÃO

Os autores, Defensoria Pública da União, Ministério Público Federal e


Ministério Público do Trabalho, ajuizaram a presente Ação Civil Pública com pedido de
tutela de urgência em desfavor da União, do Estado de Rondônia e do Município de Porto
Velho/RO, com vistas a garantir a distribuição emergencial de água potável, alimentos e
insumos básicos às comunidades ribeirinhas do Baixo Madeira, severamente afetadas
pela estiagem histórica que assola a região em 2024.

Foram apontados como principais causas de pedir:

a) Impactos da Seca: As comunidades, severamente afetadas pela redução


do nível do Rio Madeira, enfrentam desabastecimento crítico de água potável e alimentos;

b) Omissão Estatal: A ausência de medidas efetivas e coordenadas por


parte dos réus (União, Estado de Rondônia e Município de Porto Velho) contribui para a
intensificação da crise;

c) Direito à Água como Fundamental: Fundamenta-se que o direito à água,


como desdobramento do direito à vida e à dignidade, é de competência comum dos réus,
necessitando ações conjuntas para enfrentamento da situação emergencial.

Pedidos:

a) Determinação para o fornecimento imediato de água potável às


comunidades afetadas;

b) Distribuição de alimentos e itens de primeira necessidade, como materiais


de higiene e medicamentos;

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Número do documento: null
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c) Apresentação e execução de plano estratégico e coordenado entre os réus


para enfrentamento das próximas crises hídricas, com enfoque na sustentabilidade e
prevenção.

Manifestação dos Réus

A União relatou ações pontuais, incluindo aquisição de cestas básicas e


desenvolvimento do Programa Cisternas e apontou limitações administrativas para
execução de ações na região devido à ausência de solicitação formal de apoio pelo
Município.

Já o Estado de Rondônia reforçou a declaração de emergência estadual e


atuação pontual por meio de decretos e alegou limitações financeiras e técnicas,
defendendo a necessidade de suporte federal para ações mais amplas.

O Município de Porto Velho, por sua vez, relatou medidas isoladas, como
entrega de 7.000 fardos de água, com dificuldade logística em áreas de difícil acesso e
informou a criação do Comitê de Gestão de Crise, mas reconheceu a ausência de um
plano efetivo para atendimento integral. Por fim, destacou entraves administrativos devido
à legislação que atribui à microrregião responsabilidades sobre saneamento básico.

Juntaram documentos.

É o relatório. Decido.

Nos últimos anos, as vulnerabilidades socioambientais, especialmente aquelas decorrentes


das mudanças climáticas, têm ganhado destaque no cenário global. Os impactos ambientais
afetam diretamente comunidades vulneráveis, que são as primeiras a sentir os efeitos
devastadores de enchentes, secas e desastres naturais. O Poder Judiciário tem sido
chamado a desempenhar um papel crucial na mitigação dessas vulnerabilidades ao aplicar
uma ética climática que reconheça as desigualdades e proteja os direitos fundamentais ao
meio ambiente. (...)

As ações judiciais relacionadas às mudanças climáticas têm ganhado espaço no cenário


jurídico global. No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconheceu a importância
desse tipo de litígio ao incluir, em 2021, o tema “Mudanças Climáticas” nas Tabelas
Processuais Unificadas. Esse movimento é fundamental para que o Judiciário possa
acompanhar e catalogar os casos relacionados ao clima, permitindo uma resposta mais
eficaz às demandas ambientais.

(MADEIRA, Daniela. O Judiciário frente às vulnerabilidades ligadas aos desastres


climáticos. Disponível em https://www.cnj.jus.br/o-judiciario-frente-as-vulnerabilidades-
ligadas-aos-desastres-climaticos/ . Acesso em 04 dez 2024. (Daniela Madeira é Conselheira
do CNJ e Juíza Federal).

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mudanças


climáticas podem ser definidas, em uma análise simples, como alterações de longo prazo
nas temperaturas e nos padrões do clima. Produzem, em consequência, eventos
climáticos, extremos ou não, desencadeados por causas naturais ou pela intervenção
humana no ambiente da atmosfera e da própria crosta terrestre, gerando também
alterações ambientais que, em período recente, têm sido mais recorrentes, como as
secas dos rios da Amazônia, relacionadas ao objeto desta ação.

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Nesse contexto, a tutela provisória de urgência será concedida quando


houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco
ao resultado útil do processo, consoante a inteligência do artigo 300, do Código de
Processo Civil de 2015.

No caso sub judice, verifico a presença dos requisitos autorizadores da


liminar requerida.

Valho-me de outro trecho do artigo acima citado para contextualizar os fatos e


fundamentos a presente ação:

Nos últimos anos, as vulnerabilidades socioambientais, especialmente aquelas decorrentes


das mudanças climáticas, têm ganhado destaque no cenário global. Os impactos ambientais
afetam diretamente comunidades vulneráveis, que são as primeiras a sentir os efeitos
devastadores de enchentes, secas e desastres naturais. O Poder Judiciário tem sido
chamado a desempenhar um papel crucial na mitigação dessas vulnerabilidades ao aplicar
uma ética climática que reconheça as desigualdades e proteja os direitos fundamentais ao
meio ambiente (MADEIRA, Daniela, obra acima citada).

Com efeito, como no artigo, os fatos narrados e as provas apresentadas


pelos autores evidenciam situação de calamidade pública e desassistência às
comunidades ribeirinhas do Baixo Madeira. Os níveis históricos de seca, o colapso no
abastecimento de água potável e a omissão estatal configuram grave violação de direitos
fundamentais, notadamente à vida e à dignidade da pessoa humana.

Tenho mencionado, em palestras e textos recentes, inclusive decisões, o


quão ausente é o Estado e suas políticas públicas para reduzir as desigualdades e
promover o desenvolvimento socioeconômico nesta região abandonada da Amazônia.

No caso do Município de Porto Velho, cuja zona ribeirinha se estende desde


a foz do Rio Abunã, onde este recebe o Madeira e seu nome (Alto Madeira), passando
pelas diversas comunidades que abrigaram estações da Estrada de Ferro Madeira
Mamoré e pela zona urbana da capital (Médio Madeira), seguindo rumo à divisa com o
Estado do Amazonas, se tem a área denominada Baixo Madeira, que passa por São
Carlos e várias pequenas comunidades, como Cavalcante (na margem direita, surgiu da
extinção do Distrito de Terras Caídas, na margem oposta, devastado pela cheia de 2014),
Santa Catarina, Ilha de Curicaca, Boa Hora, Nazaré, Tira Fogo, Papagaios, Nova
Esperança, Assunção, Calama e subindo o Rio Ji-Paraná, já após a sua foz no Madeira,
Demarcação.

Toda a realidade socioeconômica dessa zona, excluída e abandonada pelo


Estado, se constitui na prova mais emblemática da desigualdade reinante no país: não se
pode imaginar que um município pobre em um Estado pobre ser capaz de prover as
necessidades de comunidades carentes ao longo de mais de 400 quilômetros de
extensão da sede até a região de Extrema (Alto Madeira), na parte provida por estradas
federais (sem computar as comunidades ao longo de rodovias e ramais estaduais), e
mais cerca de 200 quilômetros na direção do Baixo Madeira, onde o acesso se dá apenas
por via fluvial.

Ou seja, sequer houve a adequada criação de municípios na região para


melhor distribuir os serviços públicos, e isso mostra que o país e o estado não detém um

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projeto para o desenvolvimento regional nesse confim da Amazônia; Porto Velho, em sua
zona urbana, é uma das poucas capitais do Brasil que não provê água potável em
qualidade e quantidade suficiente para as populações urbanas, que se dirá quanto às
populações da zona ribeirinha.

Nazaré, um Distrito histórico de Porto Velho no Baixo Madeira, rico em


manifestações culturais no passado, ligadas aos seus recursos naturais e contextos
histórico-religiosos, tem perdido população, pois depois da cheia de 2014, com a fuga de
grande parte dos habitantes para a zona urbana da capital e outras regiões, não recebeu
ações adequadas para a recuperação de seus meios de vida e políticas públicas
estruturais, perdendo muitos de seus munícipes, que não retornaram; outros retornaram e
não se readaptaram.

Quanto ao direito à água, é inerente à garantia de existência digna e encontra


amparo nos art.s 5º e 225 da Constituição Federal, bem como em instrumentos
internacionais, como a Observação Geral n. 15 do Comitê de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais das Nações Unidas. Sua violação é patente diante das provas
anexadas aos autos, não confrontadas pelos requeridos; a situação dos ribeirinhos ainda
afetados pela seca histórica persiste, e precisa ser urgentemente solucionada pelos
órgãos do Poder Executivo (União, Estado e Município).

Todo o contexto denota um estado de coisas inconstitucionais em matéria de


acesso a direitos fundamentais, apreciável pelo Poder Judiciário, tal como já reconheceu
o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADPF 746, no que toca à normalidade das
políticas públicas de proteção ao meio ambiente:

O reconhecimento do estado de coisas inconstitucional é uma técnica que deve ser vista
cum grano salis e com a devida preocupação de ser manuseada como um “soldado de
reserva”, a ser convocado quando resta manifesta situação patológica de falência estrutural
da política pública de proteção e efetivação de direitos fundamentais. (ADPF 746, relator
Min. André Mendonça, redator do acórdão Min. Flávio Dino.)

É o que se verifica no caso concreto. Por se tratar de competência comum


(CF, art. 23, II e VI), impõe-se a atuação coordenada da União, do Estado e do Município.

As manifestações preliminares dos réus indicam ausência de coordenação


efetiva entre os entes federativos, de maneira que isso acarreta lacunas graves no
enfrentamento da crise hídrica e humanitária, fruto das inegáveis mudanças climáticas
que produzem eventos ambientais extremos.

Ademais, extrai-se da análise detalhada da situação de calamidade descrita


nos autos a necessidade urgente de atuação articulada entre União, Estado e Município
para implementação das medidas solicitadas na inicial.

O risco ao resultado útil do processo é patente diante da ameaça iminente à


subsistência das comunidades atingidas, agravada pela incapacidade de
autossuprimento. Além disso, há bastante plausibilidade das alegações,
consubstanciadas em fato notório de calamidade das populações diretamente
atingidas, ante a ausência de um plano estratégico efetivo adotado pelos réus, os quais,
até o momento, não demonstraram condições de suprir as necessidades básicas dessas

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populações.

Por outro lado, o deferimento da tutela de urgência não implica gravame


desarrazoado à Administração Pública, devendo ser fixado prazo razoável para a
implementação das medidas.

Por todos esses aspectos, DEFIRO o pedido de tutela de urgência, razão


pela qual DETERMINO aos réus, para cumprimento no prazo de 30 (trinta) dias:

a) Fornecimento de água potável: Que os réus adotem todas as


providências necessárias para garantir o fornecimento contínuo e adequado de água
potável às comunidades ribeirinhas do Baixo Madeira, por meio terrestre, fluvial ou aéreo,
conforme a necessidade e a viabilidade técnica.

b) Distribuição de alimentos e insumos básicos: Que os réus


providenciem a distribuição emergencial de alimentos, materiais de higiene e
medicamentos, em quantidade suficiente para suprir as necessidades básicas das
comunidades afetadas.

c) Plano estratégico conjunto: Que os réus apresentem e iniciem a


execução de um plano coordenado e integrado para enfrentamento das crises hídricas e
humanitárias futuras, contemplando medidas preventivas e de resposta, como construção
de poços artesianos, instalação de cisternas, ampliação de sistemas de captação e
distribuição de água e implementação de sistemas de filtragem; assim, devem os
réus comprovar mediante reuniões entre os órgãos estratégicos dos entes requeridos,
para o que fixo o prazo de 10 (dez) dias, para serem iniciadas, visando a implementação
desse plano.

Cominações:

Fixo multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), devida pelo réu União, R$
5.000,00 (cinco mil reais), devida pelo réu Estado de Rondônia e R$ 1.000,00 (mil reais)
pelo réu Município de Porto Velho, em caso de descumprimento injustificado das medidas
acima determinadas, limitada à totalidade de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), a ser
revertidos em favor das comunidades afetadas.

Intimem-se os réus para ciência e cumprimento.

Cumpra-se com urgência.

Porto Velho/RO, data da assinatura eletrônica.

(assinado digitalmente)

Juiz Federal

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