o Cristo Cigano

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O CRlSTO CIGANO
Carlos Mendes de Sousa
Sophia de Mello Breyner And resen

O CRISTO CIGANO

prefacio de
Rosa Maria Mar telo

AS S I R1O & ALV1 M


O Cristo Cigai a
£opIz ia de Mello P reyner Audreseii

Maria M artelo- ..- . '- -'-' -‘ ' ’


Assirio & Alvi m Pre ñr/ p, Ro s a
-
‹Q H erdei ros de $opb ia dc Med to B reyner An dresen
23
@ P0ito Edi tora, 201.4

Na ca par xitogcav era de 11da David', 20.13


Na pdg ina d: Io togtafia de }ofio CitiWeiro (a qu cm agradceem os a amaveJ cedén i desta i rnage
in}

A 1 .* edipan dc O Crjiia Ciguy a foi p tiblicada cm 196.1 em Lfsboa, Mi no thu


ro A prescue, 5.* ed i9. o, é a primcira pela .Assirio & Alv inn

1. * edi9ao: Ms mo de 20.1.4

Porro 2di rora, Lda.

Rcservados rodos os direiios. Rsta pub tical.an tifio Code ser rcproduzida, ncm
transInitsda, no ludo ou em pa rte, por quadqver processo efeet rñnico, mecjqilp,
forocbpia, 8r«va5âo on ‹› u rros, semi prévia an toriza¿âo esccita da Edit pra.

0istr'bui§ao Porto Editors, Lda.


Rua da Restaura# âo,565
4099-023 Porto I Portugal

i. po,toediio e«
NOTA A QUI NTA ED I $AO DE
O CRIS TO CI‹SATO

Durance um certo perfodo de tempo 0 Cristo Cigano


esteve arredado da obra da Autora, por sua vontade: o
livro nao consta de Obra Complete que, a partir de 1990, e
de acordo com a minha mae, a Caminho editou em trés volu-
mes; também deixou de haver edi9oes autonomas'.
Sñ tomei consciéncia clara deste facto quando em 1999 a
minha mae pediu que me encarregasse do futuro das edi9oes
da sua obra literfiia. Naturalmente que a interpelei sobre a
reje’i@o deste magnlfico livro. Disse-me: «Retired-o porque,
com o tempo, comecei a acha-lo fraco.» Este julzo tinha a ver
com a fortlssima influéncia que nele sentia da poesia de
Joao Cabral de Melo Neto. «Comecei a senti-lo como um
objecto estranho na minha poesia.» No entanto, acabou por
ser sensI- vel aos argumentos e contrario que lhe fui
apresentando, e foi possivel tomar a decisao de o reintegrar.
Infelizmente, em Setembro de 2000 a minha mae teve
os dois acidentes cerebrais que, com altos e baixos, a foram
progressivamenie alheando. Embora tivesse deixado dc ter
concentra9âo para ler, continuou a escrever poemas, com
uma letra quase i1egIve1 — curtos e bellssimos poemas, uma

' O dr/iro Cigano on A heed No Url rp Cachorro, 1.* ed., 1961, I.isboa, Mi no-
ta uro, il tstra9ñes de JO lio 1'omar; 2. ed., 1976, Lisboa, Livraria Moraes, il us tra9?ao de
josé Lscad a.
espécie de preces ou lamentos, de sintaxe irregular —, a ffHO’ nao acontece a
Assim, a reedi9ao de 0 CE)JtO
conhecer a familia prñxima e alguns amigos mais chegados,
argem da vontade da minha mae› mas na sequéncia das
a dizer poemas de cor, mas desinteressou-se absolutamente que acima referi.
de tomar decisñes, nomeadamente sobre a sua obra. Vale a converses que mantive com eta e
pena entao acrescentar um breve esclarecimento. M tA IN D RES EN S O USA TAVARES
Ao longo de 2001, com a ajuda de Gastao Cruz, fiz um
levantamento dos poemas que haviam sido retirados dos seus
diversos livros. Foi ainda possivel, lendo-lhos, perguntar-lhe
quais queria manter de fora. Relativamente a alguns muito
poucos, manteve uma reciisa inabalavel. Ainda sabia muitos
poemas de cor e, por vezes, lembrava as circunstancias em
que os tinha escrito. Mas agora um outro problema se colo-
cava. En precisava de alguém com experiéncia em edi9ao de
texto. A minha mae, até a sua doen9a, mo era pessoa para
deixar que outros tomassem decisfies por ela. Tentei assim
que viesse dela prspria a sugestao de um nome que piidesse
comigo trabalhar na revisao da sua obra. Perante a sua Sbvia
incapacidade (c, até, indiferen9a) em se interessar pelo assun-
to, convidei Gastao Cruz, com quem a minha mae se dava
muito bem. O Gastao disse-me nao ter condi9ñes de tempo
para uma tal empresa, mas, dado que as decisfies editoriais
eram da minha responsabilidade, sugeriu que tfabalhasse
com Ltiis Manuel Gaspar, na altiira revisor na Colâquial
benar. E assim come9âmos a trabalhar juntos. Dado o gran-
de empenho e profissionalismo de Luis Manuel Gaspar,
encarreguei-o de fazer as edi9fies de 2003, pondo-o a par dos
altera9oes que haviam sido assentes.

IO II
P RE FAC I O
Rosa Maria M artelo
Publicado em 1961, O Cristo Cigano c um livro absolu-
tamente singular no conjunto da poesia de Sophia de Mello
Breyner Andresen, ao que nao sera alheio o facto de ter sido
escrito sob o signo do encontro da autora com um poeta que
também tinha a paixao da geometria e do concreto e a
mesma solidariedade com o sofrimento humano. Sophia
escreveu esta sequéncia de poemas em 1959, a partir de uma
histñria qtie Joao Cabral de Melo Neto lhe contou quando
se conheceram pessoalmente, em Sevilha. Logo depois da
publica9ao do livro, ela mesma disse numa entrevista:

[.. .) o pretexto deste poema foi a lenda do Cristo Cachorro


que me contou em Sevilha, numa igreja de Triana, o poeta
Joao Cabral de Melo, a quem um cigano a tinha contado.
Segtindo esta lenda, a imagem chamava-se Cristo Cachorro,
porque o modelo do escultor tinha sido um cigano de nome
Cachorro que o proprio escultor havia apunhalado.'

' Reporto-rue a en rrevista concedicla por Sophia ‹ie Melo Breyner Andrese n ao
/or / d‹ Lest e Artes, n.° 17, de 24 ‹ie Janeiro de 1962, parcialmente re produzida por
Luis Man ue1 G aspar na «Nora» .a 3." ed, ‹le O micro Pzge o (Caminho, 2003), Agra-
demo a l,u is Manuel Gaspar por rue ter facultado o rapido acesso ao texro in tegral desta
en irevisva, hem como ao artigo que a poeta dedicou a jo'ao Cabral de Melo Neto em
Lncontro, n.° 28, Abril de 1960, do qctal adiante transcreverei excertos.


Mais tarde, em «Arte Poética IV› Dual, 1972), ao exem-
plificar tres maneiras diferentes de escrever, a poeta ira num percurso heurlstico no qual vida e morte se interligam
referir- indissociavelmente — e através delas, a arte e o sofrimento
-se ao processo de cria$ao deste livro assinalando a sua humano. Ha, no inlcio do poema, um aparente equilibrio,
especi-
ficidade. Uma vez mms, é destacado o papel estriiturante depois decomposto em movimentos que passam pelas gran-
da
pequena narrativa ouvida em Triana: ‹havia uma historia, des dimensoes da vida humana, movimentos nos quais o
um tema, anterior ao poema. Sobre esse tema escrevi vârios escultor, protagonista do livro, se vat aproximando mais e
poemas soltos que depois organizei num so poema longo›. mais de saber que a arte nao pode ignorar o sofrimento.
Talvez por ter partido de uma historia de transmissao Quando Sophia escreve, no texto final, «Assim termina a
oral, entre a ocorréncia e a lenda, O Cristo Cigano lenda / Daquele escultor: / Nem pedra nem planta / Nem
evoca de
maneira muiro subtil a tradi9âo ibérica dos romances em jardim nem flor / Foram seu modelo», exprime precisamente
e das narrativas de casos, bem como a essa vincula@o da arte a vida em todas as suas faces.
revisita9ao que
fez a poesia de Federico Garcia Lorca. No entanto, o Sem querer antecipar numa proposta hermenéutica os
mOtlvO mais imediato de um poema nao muitos sentidos posslveis deste livro-poema, creio valer a
crever inteiramenre s géuese. Na basta para the des-
mesma entrevista, Sophia pena reunir alguns elementos que talvez contribuam para
come9a por afirmar: ‹N po£•sia e uma slntese. Num poem leituras mais amplas, mais completas. E come9o por recor-
a
esrao expresses inumeraveis experiéncias, mais on menos dar que, tendo sido este o sexto livro de poesia publicado
transpostas.» E acrescenta que a lenda revelada por Joao por Sophia de Mello Breyner Andresen, ao dar o tltulo de
Cabral apenas «forneceu o Suporte narrativo do poema»: Livro Sexta a recolha de poemas que publicou no ano
«o cema interior deste estava ja antes comigo. [. ..] Este seguinte, a poeta parece ter pretendido alercar-nos para a
tema é o encontro com CrlStO. encontro com a pobreza, condi9âo descentrada de O Cristo Cigano no contexto da
a miséria, a solidao, o abandono, o sofrimento, a agonia». sua obra poética. Aponta neste sentido a leitura de Luis
Para refor9ar a ideia, a poeta recorda que o mesmo tema Manuel Gaspar na «Nota» que acompanhava a terceira edi-
atravessa tudo quanto escrevera naquela época. Rao (2003), quando sugere que, decorrendo da origem
Nos onze poemas que compoem a sequéncia O Cristo extrinseca do tema, a invulgar organicidade desta sequéncia
Ct8DTf0, movimentos de busca de poemas teria levado a autora a deixar O Cristo Cigano
que culminattl numa revela@o. Nlo gostaria que as minhas fora da seria9âo dos seus livros de poesia. Talvez tenha sido
palavras pesassem aqui sobre o trajecto de descoberta que o esse o motivo que levou a que o livro nao fosse incluldo em
leitor vat agora fazer. Mas rlao posso deixar de adiantar Obra Poética II (1991), sendo mais tarde retomado, mas
0 hia desestabiliza o tempo «completo e denso» do poema que
autonomamente, nas edi9oes da obra poética em 2003 e
inicial, intitulado ‹0 eScultor e tarde», conduzindo-nos 2005. Como é referido na mesma «Nota», nestas edi9oes o

Ié I/
texto teve em conta «as emendas da autora» na segunda edi- qy€• livro combina a historia da imagem do CflSto
@o (1978), voltando a incluir o poema «A palavra faca», CachOrrO com ;j]gumas das li9fies de poética que Sophia
que inicialmente detivera uma fun9ao preambular. E esta empatia na escrita do
identifica e subscreve com grande
li9âo que é retomada por Carlos Mendes de Sousa na Obra a seguir os
tutor de
A ERROR f•ry. Vale a pena continuat ‹A poesia de
Poética (2010), e também agora. ¿omentarios da poeta, ainda no mesmo artigo:
Em 1960, ou se)z, entre a escriia de 0 Cristo Cigano que
Joao labral é lucida e rigorosa. E é uma ascese. Creio ‹due
ñ concreto
(1959) e a sua publica9ao, em 1961, Sophia dedicara um o seu gOstO dñ ascese e a sua necessidade do
mais
artigo muitissimo elogioso a poesia de Joao Cabral, provavel- tanto o aproximam da Espanha», observa. Num registo
menre na sequencia da publica9ao de Qnndernn (Lisboa, lato, diz ainda: «A poesia Com o seu rigor, a poesia com a sua
Guimaraes Editores, 1960): «uma das poesias mais limpas exigéncia, a poesia com a sua aguda e terrivel fome de reali-
que conhc9o», «voluntaria e consciente, medida e calculada dade.› Ascese e ‹fome de realidade» serao temas estruturan-
como uma arquitectura», escrevia. Através desse artigo, tes de Cristo Cigano, o que mostra que Sophia reconheceu
podemos confirmar que a poeta conhecia e apreciava o texto na historia que iria «recontar» a possibilidade de ver mais de
sua poesia.
de «Uma faca so lamina: serventia dos ideias fixas» (1955): perto uma poética na qual havia afinidades com a
«um poema longo quc tern a densidade e a perfei9ao de um Poucos anos depois do enconrro COm SO hia ed S ilh ,
poema curto», diz, passando a transcrever os versos em que o Joao Cabra de Meio Neto integrou no livro A Educd(âo PDF
Breiner
poeta brasileiro define a poesia — «O que em todas as facas / Pedra (l $Nb) Inf ‹Elo O da usina e de Sofia de Melo
é a melhor qualidade / a agudeza feroz / certa electricidade // Andresen». Nesse poema, trabalhava as semelhan9as entre os
mais a violencia limpa / que elas tern, tao exactas / o gosto modos e tempos de e os de moer a cana na usina do
do deserto, / o estilo das facas». Em «A palavra faca», o escrevef apucar, uma poesia apenas «de ida», ou
distanciando-se de
poema preambular de O Cristo Cigano, e bem vislvel a admi- de expressaoe, por—
seja, afastando-se de uma escrita apenas
ra9ao pela poética de Joao labral, magnificamente celebrada tanto, ainda demasiado perto do informe, COfnO erto 8o
na imagem que transfere para a palavra rim as caracteristicas pñS-
informe permanece tambéin a massa de cana depois dC
materials do objecto assim designado, fazendo-os convergir saw uma primeira ver nas moendas do engenho de a9ucar.
numa presen9a Finica, ao mesmo tempo concreta e abstracta, O poeta desmerecia do cristal dO mascavo ‹(cego de luz e de
«Azul e afiada» mas «No gume do poema›. corte)», ao qual preferia um cristal obtido «mais acima»: esse
Jorge de Sena viu em O Cristo Cigano uma «experimen- iiando quem
que se consegue quando a moenda repassa, ou q
ta9ao profunda», conduzida «em favor de ritmos mais abrup- lfiCO
escreve re-faz o que sentiu e vai além do expressivismo
tos, e de uma concisao que mais nomeia e define do que
mais imediato. E entao que surge o louvor do engenho pOé-
evoca» (Estudos de Literature Portuguesa III, 1988), E é tico (da usina) de Sophia:
certo
Sofia vai de ida e de volta (e a us
rna);
eta desfaz-faz e faz-5*8az mais
acima, linha vizinha a prosa) / que raro tern oito silabas, / pois
e usando apenas (Sem turbinas, vacuos)
algarves de sol e mar por serpentinas. metrifica a sua volta». Por outro lado, Sophia sublinha, ainda
SOfia faz-refaz, e subindo ao cristal, no mesmo poema, a justeza e a disciplina, bem como o
em cristais (os dela, de luz dominio do poeta brasileiro sobre o verso: «Nao diz senao o
marinha). que quer / Nao se enebria em fiuéncia». Sao qualidades de
rigor, de clareza e conten@o, que reconhecemos em Sophia,
A poeta retribuiria este «Elogio» anos mais tarde, no pelo que nao surpreende que O Cristo reflicta essas
poema ‹Dedicatoria da segunda edi9âo afinidades. De resto, a poeta usa, em grande parte dos poe-
dO "CtiSto Cigano”
a Joao Cabral de Meio Neto» {Ilhas, mas do livro, um verso curto, de redondilha menot, que evi-
1989), que camera
com esta estrofe: dencia esse gosto da disciplina e da parcimonia, comum aos
dois poetas.
Joao Cabral de Meio Neto O Cristo Cigano nasce do encontro cñimplice entre dois
Essa historia me contou poetas do concreto, da disciplina e da «rente e justa agudeza›.
Yenho agora reconta-la Mas nenhtim deles caberia inteiro neste tipo de descri9ao, e
Tentando representar Sophia sera a primeira a reconhecer que a arte, como a vida,
Nao apenas o contado mo pode exclriir o inesperado, o informe. Em «Dedicatoria
E Sua grande estranheza da segunda edi9ao. ..» a nota mais interessante talvez seja a
Mas tentando ver melhor que surge no finn do poema, quando a autora acrescenta, a
A peculiar disciplina exactidao da oficina de Joao Cabral, um outro tra9o, menos
De rente e justa agudeza evidente, e lembra que «Algo âs vezes se alucina / Pois ha
Que a arte deste poeta nessa tao exacta / Fidelidade a imanéncia / Secretas luas fero-
Verdadeira mestra ensina zes / Quebrando sñis de evidencia». E disso, do rasto desse
resto que a forma luta para integrar, e que é condi9ao de
Um dos registos da homenagem esta, autenticidade na arte, fala-nos O Cristo Cigano.
'i Como se ve, inscri-
to desde logo na forma Ct po A redondilha maior
•ma.
records, por proximidade, o ritmo de
que ele mesmo descreveria mais tarde,Joao Cabral, a medida
no poema-dedicatoria
de Agneltes (1985)› como «o n
ao-verso de oito sllabas / (em
O C RI STO C I GAN O
A PALAVRA FACA

A palavra faca
De uso universal
A tornou Rao aguda
O poeta Joao labral
Que agora ela aparece
Azu1 e afiada
No gume do poema
Atravessando a historia
Por Joao Cabral contada.
II

* O D EST I N O
’ OES CU LTO R E A TARD E

' No meio da tarde Um O desrino eram


homem caminha: Tudo On h m us escuros
em suas mbos Que assim the disseram:
’ Se multiplica e brilha.
— Tu esculQiraS SCSI £OStO
O tempo onde ele mora de morte e tte agonia.
E complcto e denso
Semelhante ao fruto
Interiormente aceso.

No meio da tarde
O escultor caminha:
Por tras de uma porta
Que se abre sozinha
O destino espera.

E depois a porta Se fecha gemendo Sobre a Primavera.



II Onde a tua imagem
I Onde o ten retrato
Nas tardes serenas
BUS CA Nos frutos redondos
Nas crian9as puras
Nas mulheres criando
Com seus gestos
Pelos campos fora vida?
Caminhava sempre
Como se buscasse Onde a tua imagem
Uma presen9a ausente. Ou o teu retrato
Nas coisas que eu amo?
‹Onde estas tu morte?
Nao te posso ver: Onde a tua voz
Neste dia de Maio Ou a tua presen9a
rosas e Na voz deste dia?
E
trigo como se
tu mo Vivesses
Aqui onde habito
comigo.
Ha o sol a pique
O mar descoberto
A ri me enviaram A noite redonda
Es tu meu destino O instante infinito.
Mas diante da vida
Eu nao te imagino
E verdade que passas Pela cidade as vezes
A ti me enviaram Nos caixoes de chumbo:
E sei que me esperas Mas so oi9o a verde Voz das Primaveras

Mas viro o meu rosto Pois nao te compreendo Es um pe


Uma coisa inventada
Onde a tua imagem Onde o teu retrato Na manha tlo limpa? Que o ven to desmente

2h
Com suas mbos frescos IV
E a luz logo apaga.
O ENCONTRO
Onde a tua imagem
Ou o ten retrato
Nas coisas que en vejo?
Redonda era a tarde
E verdade que passas Sossegada e lisa
Pela cidade as vezes Na margem do rio
Com ten vestido roxo Alguém se despia.
Entre velas e incenso:
Mas eu te renego e o vento te nega Sozinho o cigano
Com suas mbos frescas Sozinho na tarde
E eu nao te perten9o. Na margem do rio
Meu corpo e do sob
Minh'alma é da terra. Seu corpo surgia
Brilhante da agua
Onde esta teu rosto Semelhante â dna
Ou a raiz de ti Que se ve de dia
Onde procurar-te?
Semelhante â lua
E como te amarei E semelhante ao brilho
Tanto que em mens dedos De uma faca niia.
Tua imagem flores9a
E entre as minhas mbos Redonda era a tarde.
O teu rosto apare9a?»
V VI
O AMO R
A SOLl DDO

Nao ha para mim outro amor nem tardts limpas


A noite abre os seus angulos de lua
A minha propria vida a dtsertci
E em todas as paredts te procuro
Sé existc o teu rosto geometria
Clara que sem descanso tsculpirci.
A noite ergue as suas esquinas azuis
E em todas as esquinas te
E noite onde sem finn me afundarei.
procuro

A noite abre as snas pra as solitarias


E em todas as solidocs eu te procuro

Ao longo do rio a noite acende as suas luzes


Roxas verdes azuis.

Eu te procuro.
VII
VI I I
TREVAS
CAN PAO DE MATAR

O que for antigamente manha limpa


Do dia nada sei
Screno amor das coisu e da vida
L hoje busca dtsesperada busca
De um corpo cuja face me é oculta. O ten amor em
mim Estâ como o
gume De uma faca
nua Ele me
atravessa
E atravessa os dias
Ele me divide

Tudo o que cm mim vive


Traz dentro uma faca
O ten amor em mim
Que por dentro me corta

Com uma faca timpa


Me libertarei
Do ten sangue que pñe
Na minha alma nñdoas

O teu amor em mim


De tudo me separa
No gume de uma faca
O meu viver se corta

34
Do dia nada sei
E a propria noite azul 1X
Me fecha a sua porta
MO RTE DO CIGAN
Do dia nada sei O
Com uma faca limpa
Me libertarei.
Brancas as paredes viram como sc mata
Viram o brilho fantdstico da faca
A sua luz de relâmpago c a sua rapidcz.

J7
O rosto desde sempre pressentido
Por aquele que ao viver o mata
A PAR I $AO
Seus tra9os seu perfil mostra
A rnorte como um escultot
Os tra9os e o perfil
Devagar devagar um homem morre Da semelhan9a interior.
Escura no jardim a noite se abre
A noite com mirlades de estrelas
Cintilantes llmpidas sem macula

Veloz veloz o sangue foge


Ja mo ouve cantar o moribundo
Sua interior exalta9âo antiga
Uma ferida no seu flanco o mata

Somente em sua frente vé paredes


Paredes onde o branco se retrata
Seus olhos devagar ficam de vidro
Uma ferida no seu fianco o mata

JR nao tern esplendor nem tern beleza


Ja nao é semelhante ao sol e a lua
Seu corpo ja nao lembra uma coluna
E feito de suor o seu vestido
A sua face é dor e morte crua

E devagai devagar o rosto surge


O rosto onde outro rosto se retrata
XI

FINAL

Assim termina a
lenda Daquclc INDICE
cscultor:
Nem pedra nem planta
Nem jardim nem flor
Foram scu modelo.
A palavra faca......................................................................... 25
I O esctiltor e a tarde...................................................... 26
II O destino....................................................................27
II B USCa........................................................................................................................ 28

IV Oencontro..................................................................... 31
V O amor.......................................................................... 32
VI A solidao.....................................................................33
VALVES ............................................... ...............

VIII Can9ao de matar........................................................ 35


IX Morte do cigano ......................................... 37
X Apari9ao ...................... 38
XI Final................................................................................ 40
Obras de Sophia de Mello B rcyner And resen
PO ES IA
POESIA, 1. ed., 19'i4, Coimbra, Edi5ao da Autora; 2." e4., 19§9, Lisboa, Edi90es
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’ 4." ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho. 1.• edi@o na Assirio H Alvim One l•oficn I, 1.* ed., 1990, Lisboa, Editorial Caminho; 2.•ed., 1991, Lisboa, Editorial Cami-
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