Livro 10
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SOCIEDADE
Introdução
Estudar cultura popular é entender um pouco mais os símbolos que
compõem nossa própria história, é entrar em contato com nossos avós e
bisavós, a fim de saber o que fomos para descobrir o que somos. Assim,
este texto aborda primeiro o conceito de cultura popular brasileira, para,
na sequência, apresentar uma breve evolução histórica, finalizando com
a ideia de produção e consumo.
Preconceito e resistência
Algumas denominações exigem muita cautela para serem usadas, na medida
em que, sem tal cuidado, podem ser empregadas para encobrir — em vez de
desvendar — a realidade, além de se transformarem em instrumento de hierar-
quização e discriminação entre pessoas, objetos, atos, caso, por exemplo, dos
termos arte popular e arte erudita. Um leigo, ou mesmo a visão capitalista,
pode dissociar os trabalhos intelectual e manual, vinculados respectivamente
à elite e ao povo. Daí fica subentendido que a produção popular pertence ao
campo do irracional ou simplesmente do executar sem se preocupar com
qualquer elaboração.
É inegável que essa classificação é um tanto quanto discriminatória, pois
confina as criações populares em um gueto, resultando em reserva de mercado
para a produção de origem erudita, dirigida geralmente à camada social domi-
nante. Para discutir a oposição entre o erudito e o popular nas artes plásticas,
vale a pena lembrar que, em seu conceito “teoria tradicional e teoria crítica”,
os pensadores Theodor Adorno e Max Horkheimer defenderam, em 1947, que
a arte não deveria ser massificada, pois era feita e destinada à elite.
Vê-se que o caso está calcado em como a arte deve ou não ser introduzida
na sociedade.
método utilizado por eles na coleta das tradições populares tiveram grande influência
sobre os primeiros folcloristas brasileiros.
Como aponta Ortiz (1985), até meados do século XVII, a fronteira entre cultura popular
e cultura de elite não estava bem delimitada, porque a nobreza participava das crenças
religiosas, das superstições e dos jogos realizados pelas camadas subalternas. É claro
que não se pode dizer o mesmo com relação ao povo no universo das elites. No
entanto, o que nos interessa é que pouco a pouco começou a ocorrer o distanciamento
entre a cultura de elite e a cultura popular, intensificando o processo de repressão
da primeira sobre a última. Na Europa, os motivos que contribuíram para isso foram,
principalmente, de ordem política. A implementação de uma política de submissão
das almas com base na doutrina oficial definida pela teologia, feita por parte das igrejas
católica e protestante, e o processo de centralização do Estado, ou seja, instituição
de uma administração unificada dos impostos, da segurança e da língua, podem ser
identificados como os principais fatores que levaram à separação entre as duas culturas
apontadas. Ortiz (1985) destaca ainda a crescente preocupação das autoridades com
práticas que geram protestos e tumultos, como o Carnaval e outras manifestações
populares. Dessa forma, o povo entra no debate moderno e passa a interessar para
legitimar a hegemonia burguesa, mas incomoda como o lugar do inculto. Nesse
período, teve início o processo de desencantamento do mundo, baseado em valores
não apenas de universalidade e racionalidade, mas também de valorização da cultura
burguesa moderna em detrimento da cultura popular tradicional.
Fonte: Catenacci (2001, p. 28-29).
A filósofa Marilena Chauí, para quem a cultura popular constitui uma forma
de resistência, afirma que esse fenômeno equivale a um “conjunto disperso de
práticas, representações e formas de consciência que possuem lógica própria,
distinguindo-se da cultura dominante exatamente por essa lógica de práticas,
representações e formas de consciência” (CHAUI, 1986, p. 25).
Se há uma duração na permanência dos produtos da cultura popular, isso
se deve tanto ao apreço que as comunidades que os produziram possuem pela
tradição e pela oralidade — mecanismo de linguagem que lhes é pertinente
—, quanto aos agentes envolvidos na produção/recepção de tais produtos
culturais. E quem são eles?
A resposta a essa questão é razoavelmente simples, pois, longe de todo
o debate que se tem realizado a respeito do tema, há um consenso de que a
cultura popular não apenas possui distintos modos de expressão no interior
de diversificados grupos sociais, os quais se manifestam por meio da arte, do
folclore, da religião, entre tantos outros, mas também possui um acento no
fato de que é produzida pelo grupo que a consome.
Diferentemente da produção cultural feita para atender à massa, a cul-
tura popular é consumida por aqueles que a produzem. De um lado, a massa
corresponde a um aglomerado heterogêneo de pessoas, as quais os meios de
divulgação e de comércio tratam de forma homogênea como um possível
consumidor, ou seja, trata-se de um genérico universo de consumidores de
objetos em geral e de produtos culturais em escala, especificamente — a cultura
para massas está associada ao processo de industrialização, sendo típica da
era industrial. Por outro lado, a cultura popular está lastreada na produção
de itens para atender às necessidades comunitárias, seja a necessidade de
sobrevivência material ou a de utilitarismo cotidiano.
https://goo.gl/8vKzVM
Cultura popular 7
O Instituto e projeto “A Gente Transforma”, que tem Marcelo Rosembaum como um dos
criadores, usa o design para expor a alma brasileira, mergulhando na cultura dos povos
que constituem o país. De acordo com a proposta do grupo, o projeto trabalha com um
resgate de histórias do passado com o intuito de recriar o presente e construir o futuro
sob novos pilares. O projeto multidisciplinar iniciou em 2012, com o intuito de fazer
com que profissionais de diferentes áreas vivenciassem o dia a dia de um povoado no
sertão do Piauí. Visava-se, desse modo, a descobrir, por meio do artesanato, os valores
essenciais daquela comunidade a fim de que ela se apropriasse da própria memória
cultural, adquirindo liberdade para mudar a realidade. Com o intuito de usar o design
como ferramenta estética para geração de valor e transformar o artesanato produzido
pela comunidade em produto, o projeto propunha que a comunidade entregasse
objetos de valor para o mundo, que reconheceria o valor daquela peça como arte,
tal qual ocorre nos grandes centros. No entanto, no momento em que estabeleceram
contato com a comunidade, os profissionais do projeto não apenas descobriram e
começaram a trabalhar com a ideia do design essencial como metodologia de trabalho,
mas também aprenderam a trabalhar em conjunto, a entender melhor a história dos
antepassados, a compartilhar saberes e entender o valor da própria cultura ancestral
como algo sagrado.
ANDRADE, C. D. de. Poema de sete faces. In: . Alguma poesia, 1930. Disponível
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Leituras recomendadas
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