6258427

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 16

Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Senhor Presidente,


eminentes pares, ilustre representante do Ministério Público, senhoras e
senhores advogados, público em geral,
O presente caso envolve homologação de sentença condenatória
estrangeira, transitada em julgado, na qual o paciente foi condenado pela
prática do crime de estupro coletivo.
Em que pesem as razões apresentadas no agravo regimental
interposto em face da decisão de indeferimento da liminar, o caso é,
efetivamente, de denegação da ordem.
Os argumentos apresentados pelo impetrante, tanto na inicial do HC
239.162 quanto em sede de agravo regimental e no pedido formulado no
HC 239.238, não revelam a ocorrência de ilegalidade ou abuso de poder
no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, apontado como
ato coator.
Senão, vejamos.
I
Do trânsito em julgado da condenação e da transferência de execução
da pena

O paciente Robson de Souza foi condenado, definitivamente, pela


Justiça Italiana, à pena de 9 anos de reclusão, no regime inicial fechado,
pela prática do crime de estupro, em concurso com outros réus, ocorrido
no ano de 2013.
A sentença condenatória proferida na Itália transitou em julgado em
2022. Remetida ao Brasil, foi homologada pelo Superior Tribunal de
Justiça, para fins de “transferência de execução da pena” imposta ao
paciente, nos termos do art. 100, parágrafo único, da Lei 13.445/2017, que
prevê o seguinte:
Art. 100. Nas hipóteses em que couber solicitação de
extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou
autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado
o princípio do non bis in idem.
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº


2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a transferência
de execução da pena será possível quando preenchidos os
seguintes requisitos:
I - o condenado em território estrangeiro for nacional ou
tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil;
II - a sentença tiver transitado em julgado;
III - a duração da condenação a cumprir ou que restar para
cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do
pedido ao Estado da condenação;
IV - o fato que originou a condenação constituir infração
penal perante a lei de ambas as partes; e
V - houver tratado ou promessa de reciprocidade.
In casu, o impetrante alega, em primeiro lugar, que a determinação
do imediato início da execução da pena imposta ao paciente estaria em
contrariedade com a jurisprudência desta Corte, firmada no julgamento
das ADCs 43, 44 e 54, que condicionou o início da execução da pena ao
trânsito em julgado da condenação.
Nada obstante, constata-se a existência de trânsito em julgado da
sentença condenatória proferida pela Justiça Italiana contra o paciente
Robson de Souza, pela prática do crime de estupro, ocorrida no ano de
2022, de modo que não existe violação ao art. 283 do Código de Processo
Penal, cujo texto foi declarado constitucional por este Tribunal. Tampouco
foi violado o art. 100, parágrafo único, inciso II, da Lei de Migração, o
qual também exige o trânsito em julgado da sentença condenatória para
que a transferência da execução da pena seja autorizada.
Em segundo lugar, o impetrante sustenta a inconstitucionalidade do
art. 100, parágrafo único, da Lei de Migração, por considerá-lo
incompatível com a previsão constitucional segundo a qual o brasileiro
nato não será extraditado.
No acórdão apontado como coator, foram destacadas as diferenças
entre a extradição, que é expressamente vedada pela Constituição (art. 5º,
inciso LI), e o novo instrumento de cooperação internacional
2
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

consubstanciado na “transferência de execução da pena”, o qual não


encontra semelhante vedação no texto constitucional.
Além disso, registrou-se que o instrumento processual da
transferência de execução da pena encontra-se prevista tanto na Lei
13.445/2017 quanto nos tratados internacionais dos quais o Brasil é parte.
Ao mesmo tempo, diversamente da extradição, o instituto da
transferência de execução da pena não prevê a entrega de brasileiro nato
para outro país (o que a Constituição veda), mas autoriza a homologação,
pelo Superior Tribunal de Justiça, da execução, no Brasil, da pena imposta
a brasileiro nato por crime praticado no território do Estado requerente,
desde que respeitados o devido processo legal, a ampla defesa e o
contraditório no processo de conhecimento.
A transferência de execução da pena, da Itália para o Brasil, encontra
apoio no princípio do reconhecimento mútuo em matéria penal. Com
base neste princípio, é possível até mesmo a prática de atos processuais
em países estrangeiros, mediante cooperação internacional, por exemplo,
para a oitiva de testemunhas por carta rogatória.
Como bem destacado no voto condutor do acórdão impugnado,
“esse modelo de solução alternativa está posto em diversos Tratados
Internacionais (como as Convenções de Viena, Palermo e Mérida), nos quais há
previsão expressa de transferência da execução sempre que a extradição for
recusada pelo critério da nacionalidade, exatamente o caso presente.”
Por fim, o instrumento da transferência da execução da pena guarda
harmonia com o princípio da vedação da dupla persecução penal (double
jeopardy), previsto no Artigo 14, n. 7, do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, da ONU, e segundo o qual ninguém pode ser
processado pelo mesmo fato duas vezes.
Com efeito, ao permitir que a condenação proferida pela Justiça de
outro país, transitada em julgado, seja executada no Brasil, evita-se a
necessidade de novo processo e julgamento pelos mesmos fatos.
Deveras, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Extradição
1.223, proferiu decisão no sentido de julgar incabível a extradição de
brasileiro naturalizado e, concomitantemente, de indeferir o pedido
alternativo de instauração de processo criminal no Brasil. Naquele
3
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

mesmo julgamento, que é anterior à edição da Lei 13.445/2017, a Corte


admitiu a concessão de efeitos executórios à sentença estrangeira, ainda
que limitados. Confira-se a ementa:
[...]A QUESTÃO DO “DOUBLE JEOPARDY” COMO
INSUPERÁVEL OBSTÁCULO À INSTAURAÇÃO DA
“PERSECUTIO CRIMINIS”, NO BRASIL, CONTRA
SENTENCIADO (CONDENADO OU ABSOLVIDO) NO
EXTERIOR PELO MESMO FATO - PACTO
INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS -
OBSERVÂNCIA DO POSTULADO QUE VEDA O “BIS IN
IDEM”.
- Ninguém pode expor-se, em tema de liberdade
individual, a situação de duplo risco. Essa é a razão pela
qual a existência de hipótese configuradora de “double
jeopardy” atua como insuperável obstáculo à instauração,
em nosso País, de procedimento penal contra o agente que
tenha sido condenado ou absolvido, no Brasil ou no exterior,
pelo mesmo fato delituoso.
- A cláusula do Artigo 14, n. 7, inscrita no Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, qualquer que seja a natureza
jurídica que se lhe atribua (a de instrumento normativo
impregnado de caráter supralegal ou a de ato revestido de índole
constitucional), inibe, em decorrência de sua própria superioridade
hierárquico-normativa, a possibilidade de o Brasil instaurar, contra
quem já foi absolvido ou condenado no exterior, com trânsito em
julgado, nova persecução penal motivada pelos mesmos fatos
subjacentes à sentença penal estrangeira.
REGISTRO HISTÓRICO A PROPÓSITO DA EFICÁCIA
EXTRATERRITORIAL DAS SENTENÇAS PENAIS
ESTRANGEIRAS NO DIREITO PÁTRIO - ADOÇÃO, PELO
BRASIL, DO PRINCÍPIO CONSAGRADO NO CÓDIGO
BUSTAMANTE (ART. 436) - HOMOLOGABILIDADE
RESTRITA - POSSIBILIDADE, CONTUDO, DE
EXECUÇÃO, NO BRASIL, DE CONDENAÇÃO PENAL
4
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

ESTRANGEIRA IMPOSTA A BRASILEIRO, DESDE QUE


PREVISTA EM ACORDOS INTERNACIONAIS.
- O ordenamento positivo brasileiro, tratando-se de sentença
penal condenatória estrangeira, admite, em caráter excepcional e de
modo restrito, a possibilidade de sua homologação (SE 5.705/EUA,
Rel. Min. CELSO DE MELLO), desde que esse ato sentencial
tenha por estrita finalidade (a) obrigar o condenado à reparação
civil “ex delicto” (RTJ 82/57) ou (b) sujeitá-lo, quando inimputável
ou semi-imputável, à execução de medida de segurança (CP, art.
9º). Doutrina. Precedentes. Possibilidade, contudo, de executar-se,
no Brasil, condenação penal estrangeira imposta a brasileiro, desde
que a requerimento deste e contanto que tal medida esteja prevista
em atos, tratados ou convenções internacionais de caráter bilateral
ou de índole multilateral celebrados pelo Estado brasileiro. Rol de
alguns desses acordos internacionais firmados pelo Brasil.
(Ext 1223, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda
Turma, julgado em 22-11-2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-042 DIVULG 27-02-2014 PUBLIC 28-02-2014 RTJ VOL-
00230-01 PP-00188)

Por estas razões, diante da existência de trânsito em julgado da


condenação e da possibilidade, prevista no ordenamento jurídico
brasileiro, de transferência da execução da pena para o nosso país, não se
vislumbra, sob este ângulo, coação ilegal ou violência contra a liberdade
de locomoção do paciente.

II
Da irretroatividade da lei penal prejudicial ao acusado e da
aplicabilidade do princípio da extraterritorialidade da lei penal
brasileira

O impetrante alega que a aplicação da Lei 13.445/2017 a fatos


criminosos ocorridos antes da sua vigência violaria a cláusula
5
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

constitucional da irretroatividade da lei penal em prejuízo do acusado.


O argumento está em dissonância com a jurisprudência pacífica
desta Corte, acerca da aplicação imediata de normas que regem o local de
execução da pena.
Em primeiro lugar, o instrumento de cooperação internacional da
transferência de execução da pena não revela natureza penal material, a
incidir, por exemplo, sobre a prescrição ou extinção da punibilidade; o
tempo de pena a ser cumprida; o regime de cumprimento; os requisitos
para obtenção dos benefícios da execução penal, ou outras matérias
diretamente relacionadas à liberdade de locomoção do paciente.
Ao contrário, trata-se de norma que prevê a possibilidade de
cumprimento de pena em local distinto daquele em que foi proferida a
condenação, o que não viola a Constituição e encontra similitude em
normas internas.
Cite-se, por exemplo, a Lei 11.671/2008, que dispõe sobre a
transferência e inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de
segurança máxima. Os apenados que tenham sido condenados por fato
criminoso anterior à edição daquela lei ou das suas alterações encontram-
se sujeitos à possibilidade de transferência para os presídios federais,
bastando que estejam presentes os requisitos autorizadores.
Diante da absoluta ausência de conteúdo penal material na norma
em questão, não se aplica o princípio da irretroatividade previsto no art.
5º, inciso XL, da Constituição, mas sim o princípio da imediatidade,
aplicando-se a todos os apenados que se enquadrem nas suas disposições,
seja ela considerada benéfica ou prejudicial ao apenado.
Neste sentido, no julgamento da Ext. 864, esta Corte afirmou que as
“normas extradicionais, legais ou convencionais não constituem lei penal, não
incidindo, em consequência, a vedação constitucional de aplicação a fato
anterior”.
Além disso, a possibilidade de transferência da execução da pena
prevista no art. 100, §2º, da Lei 13.445/2017 não apenas não se revela
incompatível com a previsão do art. 7º, inciso II, letra “b”, do Código
Penal, que disciplina o princípio da extraterritorialidade, como se trata de
norma de idêntica estatura legal, que lhe é posterior e especial, o que atrai
6
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

a aplicabilidade da Lei de Migração no caso concreto.


Ao mesmo tempo, a aplicabilidade da lei brasileira a crimes
cometidos por brasileiros no exterior não exclui a jurisdição do Estado no
qual tenha sido, em tese, praticado o delito, devendo observar-se, em tais
casos, os princípios do ne bis in idem e da vedação à dupla persecução
penal.
Por estas razões, não se verifica violação das referidas normas
constitucionais e legais.

III
Da alegada violação do devido processo legal e do Tratado Bilateral
entre Brasil e Itália
Finalmente, o impetrante alega a existência de violação do devido
processo legal na Itália e inobservância do Tratado Bilateral de Extradição
firmado entre os dois países.
No caso dos autos, o Superior Tribunal de Justiça esclareceu que o
paciente Robson de Souza não foi julgado à revelia na Itália, o que seria
incompatível com normas processuais penais brasileiras de ordem
pública.
Ao contrário, o paciente constituiu seu advogado de confiança para
representá-lo nos autos do processo criminal que tramitou na Itália e teve
direito de exercer a ampla defesa e o contraditório, com todos os meios e
recursos defesa disponíveis, até o trânsito em julgado da condenação.
Relativamente à alegação de que o paciente, por ser brasileiro, não
teria sido submetido a um processo justo, não há fundamentos mínimos a
amparar o argumento, sendo certo que o Estado brasileiro mantém
relações diplomáticas com a Itália e deve cumprir os compromissos
internacionais assumidos, com o devido respeito recíproco entre as
instituições dos dois países.
O impetrante sustenta, por fim, a existência de norma, no Tratado
Bilateral entre Brasil e Itália, que vedaria a medida de execução de
condenações.

7
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

Referida norma se insere no Tratado que trata exclusivamente da


Extradição, definindo o objeto da referida cooperação.
O voto condutor do acórdão impugnado destacou os diversos
instrumentos bilaterais e multilaterais com os quais Brasil e Itália
construíram suas relações de cooperação internacional em matéria penal,
valendo transcrever o seguinte trecho:
“Vários são os tratados bilaterais e multilaterais que
formam o regime jurídico entre o Brasil e a Itália em matéria
penal, como é o caso do citado MLAT ítalo-brasileiro de 1989 e
o Tratado de Extradição do mesmo ano, cujo art. 6.1 foi
invocado pelo governo italiano para pedir ao Brasil a execução
da sentença condenatória aqui tratada.
Diz o art. 6, 1 do Tratado de Extradição (Decreto
863/1993), citado no pedido de homologação:
ARTIGO 6
Recusa Facultativa da Extradição
1. Quando a pessoa reclamada, no momento do
recebimento do pedido, for nacional do Estado requerido,
este não será obrigado a entregá-la. Neste caso, não
sendo concedida a extradição, a Parte requerida, a
pedido da Parte requerente, submeterão caso às suas
autoridades competentes para eventual instauração de
procedimento penal. Para tal finalidade, a Parte
requerente deverá fornecer os elementos úteis. A Parte
requerida comunicará sem demora o andamento dado à
causa e, posteriormente, a decisão final.
A título exemplificativo, destaco ainda três tratados
multilaterais entre Brasil e Itália que cuidam expressamente da
transferência de execução penal:
Convenção de Viena sobre Tráfico de Entorpecentes
(Decreto 154/1991), ratificada pela Itália em 31/12/1990:
Art. 6º.10 - Se a extradição solicitada com o
propósito de fazer cumprir uma condenação, for
denegada, porque o indivíduo objeto da solicitação é
nacional da Parte requerida, esta, se sua legislação assim
o permitir, e de acordo com as determinações da
legislação em questão, e a pedido da parte requerente,
considerará a possibilidade de fazer cumprir a pena
imposta, ou o que resta da pena ainda a cumprir, de
acordo com a legislação da Parte requerente.
8
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

Convenção de Palermo sobre o Crime Organizado


Transnacional (Decreto 5015/2004), ratificada pela Itália
em 2/8/2006:
Art. 16.12 - Se a extradição, pedida para efeitos de
execução de uma pena, for recusada porque a pessoa que
é objeto deste pedido é um cidadão do Estado Parte
requerido, este, se o seu direito interno o permitir, em
conformidade com as prescrições deste direito e a pedido
do Estado Parte requerente, considerará a possibilidade
de dar execução à pena que foi aplicada em
conformidade com o direito do Estado Parte requerente
ou ao que dessa pena faltar cumprir.

Convenção de Mérida sobre o Crime de Corrupção


(Decreto 5687/2006), ratificada pela Itália em 5/10/2009:
Art. 44.13 - Se a extradição solicitada com o
propósito de que se cumpra uma pena é negada pelo fato
de que a pessoa procurada é cidadã do Estado Parte
requerido, este, se sua legislação interna autoriza e em
conformidade com os requisitos da mencionada
legislação, considerará, ante solicitação do Estado Parte
requerente, a possibilidade de fazer cumprir a pena
imposta ou o resto pendente de tal pena de acordo com a
legislação interna do Estado Parte requerente.
[...]
Além da questão da existência de tratado, destaca-se
também que está presente a reciprocidade internacional
de fato, na medida em que a Autoridade Central
brasileira diante da impossibilidade da extradição
sugeriu que fosse requerida a transferência de execução
da pena, conforme nota verbal da embaixada da Itália (e-
STJ fl. 757).
O Governo do Brasil recebeu o pedido de cooperação
internacional em matéria penal do governo italiano e
processou regularmente o pedido. Se não houvesse
cooperação internacional de fato entre os dois países, não
haveria encaminhamento da Nota Técnica nº
29/2323/EXT/CETPC/DRCI/SENAJUS/MJ ao Superior
Tribunal de Justiça.
As tratativas internacionais competem

9
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

exclusivamente ao Poder Executivo, nos termos do art.


21, I, da Constituição Federal e, em matéria de
homologação de sentença penal estrangeira, o próprio
Ministério da Justiça fez o juízo de admissibilidade acerca
da presença dos pressupostos formais, nos termos do art.
101, § 1º, da Lei nº 13.445/2017 e art. 283 do Decreto nº
9.199/2017. Ou seja, o Poder Executivo já havia
assentado a existência da reciprocidade internacional de
fato ao encaminhar o presente feito ao Superior Tribunal
de Justiça (e-STJ fls. 4/5).

Por conseguinte, não se constata a alegada violação ao devido


processo legal, à ordem pública ou aos instrumentos internacionais que
disciplinam a cooperação jurídica em matéria penal.

IV
DO AGRAVO REGIMENTAL E DO HC 239.238
Em sede de agravo regimental, o agravante, a par de reiterar os
fundamentos lançados na petição inicial, sustentou que a decisão que
indeferiu o pedido de liminar teria desbordado os fundamentos da
petição inicial e tratado de temas que não teriam sido objeto de
questionamento. Afirma que “O writ deduzido limitou-se à questão da prisão
para o cumprimento da pena sem o trânsito em julgado, em face dos acórdãos
desse colendo Supremo Tribunal Federal relativos às ADC’s 43, 44 e 54, que
proclamaram ser o trânsito em julgado condição sine qua non para a efetivação
da prisão.”
Com o devido respeito à insurgência defensiva, o recurso não
merece provimento.
Com efeito, na petição inicial, o Impetrante sustentou que “o tema
envolve debate de relevantes temas constitucionais, como o tema da não
possibilidade de extradição do cidadão brasileiro nato, fora dos casos de tráfico de
entorpecentes (art. 5º, LI), não retroação da lei penal mais gravosa (art. 5º, XL) e
falta de observância do devido processo legal”.
Prosseguiu, ainda, a inicial do HC 239.162, nos seguintes termos:
Sustentou-se na defesa do paciente que (doc. 2):
10
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

A pretensão apresentada pelo Estado italiano, de que seja


homologada decisão condenatória penal para que seja
executada no Brasil pena estabelecida no estrangeiro, coloca-se
em chapada contrariedade à Constituição Federal.

Figura dentre os direitos e garantias individuais, cláusula


pétrea portanto, a expressa vedação de que o nacional
brasileiro seja extraditado para responder a ação penal por
acusação de crime praticado no exterior, ressalvada a hipótese
de tráfico de drogas, verbis:

Art. 5º (...) LI - nenhum brasileiro será extraditado,


salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado
antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento
em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma
da lei.

Em harmonia com o preceito constitucional, o Código


Penal estabelece a extraterritorialidade do direito penal
brasileiro:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora


cometidos no estrangeiro: I - os crimes: a) que, por tratado
ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados
por brasileiro;

Nesse diapasão, sendo vedada a extradição do brasileiro


nato para se submeter à jurisdição estrangeira, por identidade
de razões não se há de admitir que pena lá estabelecida seja
simplesmente homologada e executada no Brasil.

Resguarda-se ao cidadão brasileiro o direito e a garantia


de se submeter à jurisdição brasileira, ainda que o fato tido
como criminoso tenha ocorrido fora do Estado nacional, com a
finalidade de assegurar plenamente um julgamento justo e
isento.

Não passa despercebido a ninguém que cidadãos


brasileiros, quando no exterior, muitas vezes são alvo de

11
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

discriminação e de sentimentos de desprezo, que tolhem a


necessária imparcialidade para haver julgamentos isentos.

Manifestações recentes em eventos públicos,


especialmente esportivos, escancaram a falta de respeito com
que nacionais brasileiros são tratados, especialmente na Europa.

Por outro lado, não se pode esgrimir com a impunidade,


como açodadamente sustentam certos analistas. Impõe-se,
acima de tudo, a garantia constitucional de um julgamento
justo, com as garantias e direitos que o ordenamento jurídico
brasileiro assegura aos seus cidadãos.

Nesse compasso, não se há de admitir que a decisão


lavrada contra cidadão brasileiro fora do território nacional,
em casos em que a extradição é constitucionalmente vedada,
seja aqui homologada para atender opiniões apaixonadas pelo
cumprimento da pena no Brasil.

A situação reclama a prudência que os Tribunais


Superiores têm demonstrado nos julgados acima transcritos.
Ademais, seria um verdadeiro contrassenso, data venia, negar a
possibilidade de extradição, mas permitir que a decisão
estrangeira pudesse ser executada entre nós. Seria um rematado
contrassenso: o mesmo que dar com uma mão e tirar com a
outra.

Dessa forma, pretende-se que seja negada a homologação


requerida, por manifesta contrariedade à Constituição.

Alegou-se, ainda, violação ao devido processo legal, por


haver disposição expressa do Tratado de Cooperação
Judiciária em Matéria Penal entre Brasil e Itália, promulgado
pelo Decreto 862/93, que prevê:

ARTIGO 1

Objeto da Cooperação

3. A cooperação não compreenderá a execução de

12
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

medidas restritivas da liberdade pessoal e nem a execução


de condenações”.

E, ainda, a inconstitucionalidade de se pretender a


incidência na espécie da Lei de Migração, estabelecida pela
Lei nº 13.445/2017, considerando que o fato tido como
delituoso teria ocorrido em 22 de janeiro de 2013, razão pela
qual com tal solução haveria a vedada retroação da lei penal
para prejudicar (art. 5º, LX, da CF).

Nada obstante, embora com relevantes votos vencidos, a


defesa foi rechaçada e o pedido deferido, com a determinação
de imediata execução da decisão homologada, para pronto
recolhimento do paciente à prisão. Daí o presente habeas
corpus.”

Resta evidente, por conseguinte, que a decisão de indeferimento do


pedido de liminar englobou o exame das razões expendidas no pedido de
habeas corpus, sem desbordar para temas nele não veiculados.
Por fim, melhor sorte não assiste ao pedido deduzido no HC 239.238,
veiculado igualmente nos autos do HC 239.162, em aditamento à inicial
(e-doc. 6), e que consiste na alegação de incompetência do Superior
Tribunal de Justiça para determinar o imediato início de cumprimento da
pena, sem pedido da parte interessada, o que eivaria de ilegalidade a
prisão do paciente que se sucedeu à prolação do acórdão apontado como
coator. Teriam sido violados os artigos 105, inciso I, alínea “i”, da
Constituição Federal, bem como o art. 965, caput, do Código de Processo
Civil.
Referidos dispositivos estabelecem o seguinte:
Constituição Federal

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão


de exequatur às cartas rogatórias;

13
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

Código de Processo Civil

Art. 965. O cumprimento de decisão estrangeira far-se-á


perante o juízo federal competente, a requerimento da parte,
conforme as normas estabelecidas para o cumprimento de
decisão nacional.

Segundo o impetrante, “Salvo entendimento em sentido diverso,


aparenta ser induvidoso que compete ao juízo federal de piso – e somente a ele –
dar cumprimento ao título judicial homologado, estabelecendo, conforme normas
internas (Lei nº 7.210/1984 – entre outras), os parâmetros a serem observados no
cumprimento da reprimenda.”
Ocorre que, in casu, trata-se de homologação de sentença estrangeira,
cumulada com pedido de transferência de execução de pena.
Nestes termos, a homologação da sentença estrangeira dá lugar à
aplicação do quanto estabelecido no art. 105 da Lei de Execução Penal,
segundo o qual, “transitando em julgado a sentença que aplicar pena
privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará
a expedição de guia de recolhimento para a execução”.
Nos termos do bem lançado parecer da Procuradoria-Geral da
República (HC 239.238, e-doc. 7), “[...] o início do cumprimento da pena
privativa de liberdade não está condicionado ao requerimento do Ministério
Público ou de outro interessado. A medida é adotada de ofício pelo Poder
Judiciário. [...] Não há disponibilidade quanto ao cumprimento de pena privativa
de liberdade.”
In casu, o Governo da Itália requereu, devidamente, a transferência
da execução da pena para o Brasil, o que foi atendido pelo Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento da HDE 7.986. Inexiste, portanto,
violação ao art. 965 do CPC.
Ademais, a Lei de Migração, no ponto em que disciplina a
transferência de execução da pena, remete à competência
constitucionalmente estabelecida do Superior Tribunal de Justiça para a
homologação da respectiva sentença:
Lei 13.445/2017

14
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

Art. 101. O pedido de transferência de execução da pena


de Estado estrangeiro será requerido por via diplomática ou
por via de autoridades centrais.

§ 1º O pedido será recebido pelo órgão competente do


Poder Executivo e, após exame da presença dos pressupostos
formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado,
encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça para decisão
quanto à homologação.

A consequência da decisão homologatória de sentença condenatória


estrangeira transitada em julgado é, precisamente, a determinação do
imediato início do cumprimento da pena, no regime legal estabelecido
nas leis brasileiras. A competência do juízo federal de primeiro grau para
a execução da pena não lhe transfere, automaticamente, a competência
para expedir o mandado de prisão e o início da execução da pena, salvo
se assim o determinar o Superior Tribunal de Justiça.
Por conseguinte, não se verificam as ilegalidades apontadas pelo
impetrante.
V
CONCLUSÃO
Considerados os fundamentos expostos ao longo deste voto, não se
vislumbra violação, pelo Superior Tribunal de Justiça, de normas
constitucionais, legais ou de tratados internacionais, a caracterizar coação
ilegal ou violência contra a liberdade de locomoção do paciente,
tampouco violação das regras de competência jurisdicional.
Ao contrário, ao homologar a sentença estrangeira e, autorizando a
transferência da execução da pena, determinar o início de sua execução
perante o juízo federal competente, o Superior Tribunal de Justiça, no
exercício de sua competência constitucional (art. 105, I, “i”) e legal (art.
101 e art. 102 da Lei 13.445/2017), deu cumprimento à Constituição e às
leis brasileiras, aos acordos firmados pelo Brasil em matéria de
cooperação internacional e às normas que regem a matéria, com especial
atenção ao fato de o paciente ter respondido ao processo devidamente
assistido por advogado de sua confiança e ter sido condenado

15
Plenário Virtual - minuta de voto - 13/09/2024 00:00

definitivamente à pena de 9 anos de reclusão por crime de estupro – o


qual, no Brasil, consta da lista de crimes hediondos (Lei 8.072/1990),
preenchendo todos os requisitos do art. 100, parágrafo único, da Lei
13.445/2017.
Por todo o exposto, denego a ordem. Prejudicado o Agravo
Regimental interposto contra a decisão de indeferimento da liminar.
É como voto.

16

Você também pode gostar