Histórias Restritas: o Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão e A Atribuição de Valor No Inventário Do Patrimônio de São Leopoldo (RS)
Histórias Restritas: o Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão e A Atribuição de Valor No Inventário Do Patrimônio de São Leopoldo (RS)
Histórias Restritas: o Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão e A Atribuição de Valor No Inventário Do Patrimônio de São Leopoldo (RS)
ABSTRACT: The research is inserted in the center of the contradiction between the recognition of the
importance of heritage and its preservation and the questioning about its representativeness. The
problematization of what to preserve, why and how is approached from the case study of the city of São
Leopoldo (RS), which in 2016 prepared its Historical, Artistic and Cultural Heritage Inventory through the
methodology of the System IPHAN Knowledge and Management System. In a city whose value attribution
processes through the heritage instrument led to the affirmation of a restricted history, that of German
immigration, it is questioned whether the inventory instrument and the methodology used were capable
of expanding the idea of heritage in the sense of other narratives.
Keywords: Cultural Heritage; Inventory; Sao Leopoldo; Social Participation.
Cidade do México, 8 de março de 2021. Dias antes da marcha mundial das mulheres ser
realizada na capital mexicana, o governo local cercou os principais patrimônios e
monumentos históricos para protegê-los de uma suposta depredação. Como resposta,
as manifestantes criaram um memorial às vítimas de feminicídio no Palácio Nacional,
registrando cerca de mil e duzentos nomes de mulheres e lembrando que, naquele
país, 11 feminicídios são registrados diariamente (Arellano 2021).
A problematização sobre o que preservar, por que e de que maneira, será abordada a
partir do estudo de caso da cidade de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. A cidade
possui cinco bens tombados em nível estadual (Casa da Feitoria ou Casa do Imigrante,
Ponte 25 de Julho, Estação Ferroviária, Castelinho e Escola de Teologia) e, no ano de
2016, a Prefeitura Municipal elaborou o Inventário do Patrimônio Histórico, Artístico e
Cultural. Buscamos apreender os nexos dos processos de atribuição de valor a certos
artefatos históricos, com base na conceituação de Gonçalves (2016, p. 11-12),
desenvolvida a partir da realidade catarinense,
No contexto brasileiro, em 1937, pelo Decreto-Lei n.º 25, foi implementado o primeiro
instrumento legal de preservação do patrimônio cultural material – o tombamento.
Desse momento até a década de 1960, foram eleitos e valorizados imóveis, sítios e
objetos por suas qualidades arquitetônicas e artísticas e pela vinculação a fatos
"memoráveis" da história. A partir de meados dos anos 1960, passaram a ser adotadas
novas concepções de patrimônio, que foram paulatinamente desenvolvidas, e
resultaram na atual concepção de patrimônio cultural brasileiro, presente na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e definida como o conjunto dos
“bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira”. (IPHAN 2014).
Há quem considere a vinda dos imigrantes alemães em 1824 como o início da história
da cidade. No entanto, existem registros históricos comprovando que a região às
margens do Rio do Sinos foi ocupada há seis mil anos por grupos indígenas de Tradição
Umbu. Atualmente, há um grupo de 120 pessoas, que formam 27 famílias, residente na
reserva indígena Aldeia Por Fi Gâ, no Bairro Feitoria. Segundo o Censo 2010 do IBGE,
São Leopoldo abrigava 292 pessoas indígenas.
A conexão da colônia com a capital, Porto Alegre, tornava a região próspera. No ano
de 1846, a colônia passa a ser Vila de São Leopoldo. Com a elevação para Vila, o local
recebe importantes construções e investimentos, como a Igreja Matriz Nossa Senhora
da Conceição nas margens do Rio dos Sinos. Devido à continuidade de seu crescimento
econômico e social, em 1864, a Vila de São Leopoldo é elevada à cidade. Com isso, a
região ganha algumas obras públicas que marcaram a expansão urbana e a ocupação
do território.
Por volta de 1900, a cidade já tinha edificações imponentes e relevantes para a região,
como a Intendência Municipal, a Igreja Católica, e o Ginásio Nossa Senhora da
Conceição, situados próximos à ponte e ao rio, criando o núcleo central da cidade.
Essas edificações constam no Inventário do Patrimônio Cultural elaborado pela
Prefeitura, entretanto, não são tombadas.
De acordo com o IPHAN (2016, p. 7), inventariar é “um modo de pesquisar, coletar e
organizar informações sobre algo que se quer conhecer melhor. Nessa atividade, é
necessário um olhar voltado aos espaços da vida, buscando identificar as referências
culturais que formam o patrimônio do local” (IPHAN 2016, p. 7). Já Motta e Rezende
(2016) reforçam que inventariar os bens significa produzir um conhecimento que
necessariamente parte do estabelecimento de critérios, pontos de vistas e recortes
sobre determinados universos sociais e territoriais, permeando por juízos de valor, já
que se destina à construção de narrativas de grupos sociais ou histórias especificas.
No decorrer dos anos foram elaborados outros Inventários pelo IPHAN. Podemos
destacar o Inventário Nacional de Bens Imóveis em Sítios Urbanos Tombados (INBI-
SU), Inventário de Bens Arquitetônicos (IBA); Inventário de Configuração de Espaços
Urbanos (INCEU); Inventário Nacional de Material de Artilharia (INMA); Cadastro de
Bens Procurados (BCP); Sistema de Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico
(SGPA); Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA); Inventário Nacional de
Coleções Arqueológicas (INCA); e o Inventário Nacional de Referências Culturais
(INRC). (Morais, Ramassote e Arantes Neto 2015).
Hoje o sistema está estruturado com base nas fichas (em Word e Excel) que são
encaminhadas ao IPHAN, para serem disponibilizadas na base cartográfica. Nesse
Silva (2014, p. 107) afiança que o Plano Nacional de Cultura previa a disponibilização
dos dados de todos os Inventários realizados até 2020. No entanto, pouco percebemos
a divulgação e a integração dessa metodologia em pleno ano de 2023. O SICG, quando
consultado, ainda não oferece dados concretos ao usuário, mas incompletos e
abrangendo poucas áreas nacionais.
Desde os anos 2000, o poder público de São Leopoldo demonstra preocupação com a
descaracterização e destruição de edificações localizadas na região central da cidade,
considerada como "a região histórica" municipal. Estando apenas cinco edificações do
município tombadas, iniciam-se movimentos para a preservação de um conjunto
histórico mais amplo.
Em 2014, um dos imóveis listados, localizado na Rua Independência, n.º 314, no centro
da cidade, no decorrer de processos internos da Prefeitura Municipal de São Leopoldo
foi retirado da Lista da Lei Municipal n.º 7778/2012, recebendo a aprovação municipal
para demolição, sem parâmetros jurídicos, análise do COMPAC ou justificativa
relevante. A sociedade civil, indignada pela ação, procurou os órgãos de proteção
(IPHAN e IPHAE) em parceria com o Ministério Público, conseguindo embargar a
demolição. Como forma de compensação pelas infrações de liberação da demolição
por parte da Prefeitura, foi determinada a construção de um Inventário do patrimônio
histórico, artístico e cultural da cidade.
Figura 2. Mapas dos imóveis elaborado pela Diretoria do Patrimônio de São Leopoldo
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destacamos que esse enfoque se insere nas discussões sobre grupos minorizados,
cidade e patrimônio e vai ao encontro dos debates sobre participação e
representatividade nos processos políticos, tal qual define Sacchet (2012). Em escala
internacional, percebe-se que os sistemas de atribuição de valor patrimonial também
se transformam ao longo do tempo, e, na contemporaneidade, esse campo vem sendo
constantemente confrontado pelo movimento conhecido como "giro decolonial",
pelo movimento e o pensamento feminista e pela crítica ao racismo epistêmico.
FINANCIAMENTO
DISPONIBILIDADE DE DADOS
REFERÊNCIAS
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Livraria do Arquiteto.