Manejo da distocia de ombro
Manejo da distocia de ombro
Manejo da distocia de ombro
PONTOS-CHAVE
• A distocia de ombro é um evento predominantemente imprevisível e não prevenível.
• A incidência progressiva de obesidade e diabetes determinou o aumento contemporâneo da incidência de
distocia de ombro.
• Os principais fatores de risco para distocia de ombro são a macrossomia fetal, o diabetes mellitus, as
distocias nos períodos funcionais do parto e o parto vaginal operatório.
• Os exames de imagem e a pelvimetria clínica não são úteis para identificar mulheres com risco aumentado
para distocia de ombro.
• O diagnóstico e a gravidade da distocia de ombro são subjetivos. A falha da manobra cabeça-ombro e
o sinal da tartaruga são os principais critérios diagnósticos. A necessidade de múltiplas manobras de
delivramento e a ocorrência de lesões maternas e/ou neonatais evidenciam melhor a gravidade dos casos.
• Os profissionais envolvidos na assistência ao parto devem estar preparados para reconhecer a distocia de
ombro e imediatamente executar uma sequência de manobras que permitam a sua correção em tempo
hábil.
• O controle do peso corporal e dos níveis glicêmicos é a principal estratégia passível de reduzir o risco de
distocia de ombro.
• As complicações maternas graves mais comuns da distocia de ombro são a hemorragia pós-parto e as
lacerações perineais complicadas.
• A complicação neonatal mais frequente da distocia de ombro é a paralisia transitória do plexo braquial.
• O treinamento de habilidades e a simulação propiciam melhorias na assistência e na documentação
da distocia de ombro, promovendo o manejo baseado em evidências científicas e reduzindo as lesões
transitórias do plexo braquial.
RECOMENDAÇÕES
• Nas gestações com diabetes e peso fetal estimado acima de 4.500 gramas (g) e nas sem diabetes e
estimativa de peso fetal acima de 5.000 g, a cesárea parece prevenir distocia de ombro.
• No prolongamento do segundo estágio do trabalho de parto de parturientes diabéticas com estimativa
de peso fetal entre 4.000 e 4.500 g, assim como das não diabéticas com peso fetal estimado entre 4.500 e
5.000 g, a cesárea para prevenção de distocia de ombro também se aplica.
• No período pélvico prolongado de fetos com peso estimado acima de 4.500 g, a cesárea intraparto para
prevenção da distocia de ombro é preferível ao parto vaginal operatório baixo ou de alívio. Similarmente, o
parto vaginal operatório com a cabeça fetal na pelve média deve ser evitado em fetos com peso estimado
acima de 4.000 g, estando indicada a cesárea intraparto. Nessas situações, a instrumentação do parto deve
ser considerada apenas diante da presença de operadores experientes, mediante avaliação individualizada
da posição e tamanho fetais, da história dos partos anteriores e dos hábitos maternos.
• A indução do parto para prevenir distocia de ombro está indicada nas gestantes com diabetes gestacional,
39 semanas e peso fetal estimado entre 4.000 e 4.500 g. Nas gestantes sem diabetes, a indução também
pode ser oferecida com 39 semanas diante da estimativa de peso fetal entre 4.000 e 5.000 g, mas a conduta
expectante também é alternativa razoável.
• Para o tratamento da distocia de ombro, deve-se adotar uma sequência de manobras, que pode variar de
acordo com a posição da parturiente. Na posição de litotomia, sugere-se que a primeira manobra específica
seja a de McRoberts, podendo ser associada a pressão suprapúbica externa (manobra de Rubin I).
• Na posição de litotomia, diante da falha das manobras iniciais, as principais manobras secundárias são
as de Gaskin (quatro apoios), a liberação do braço posterior e as rotatórias internas (Rubin II, parafuso
de Woods e Woods reversa). A tração axilar para a liberação do ombro posterior também pode ser uma
alternativa viável.
• Em posições verticais, o sequenciamento recomendado é aumentar o agachamento (manobra de McRoberts
modificada), pressão suprapúbica externa, posição de quatro apoios (Gaskin), manobras internas e
desprendimento do braço posterior. A tração axilar do ombro não impactado também pode ser uma
alternativa.
• As manobras de resgate para correção da distocia de ombro incluem a tentativa de fratura da clavícula fetal
e a extração do ombro posterior com o auxílio de uma tipoia axilar. Em caso de insucesso, as manobras de
última instância são a de Zavanelli, o resgate abdominal e a sinfisiotomia. Devido à morbidade materna
associada ao procedimento, a sinfisiotomia deve ser precedida de avaliação dos riscos e benefícios e
restrita a locais onde não é possível realizar o resgate abdominal por ausência de salas cirúrgicas.
• A documentação da distocia de ombro deve detalhar a assistência prestada, o ombro fetal impactado,
o tempo até a resolução e as complicações associadas, sendo importante para o aconselhamento
das pacientes e dos seus cuidadores, assim como para assuntos legais. É importante estabelecer uma
comunicação eficaz com a parturiente e seus acompanhantes durante toda a assistência, detalhando as
manobras realizadas, assim como as complicações ocorridas.
• Instituir protocolos e metodologias ativas de ensino propicia o manejo baseado em evidência científica e o
melhor desempenho das equipes assistenciais no tratamento da distocia de ombro.
tificar mulheres com risco aumentado, exceto nos casos DO, cursa com aumento das morbidades neonatais co-
raros de anormalidades pélvicas ou fetais graves.(6) muns (hiperbilirrubinemia, problemas respiratórios).(17)
A biometria fetal levemente anormal não é preditiva Para mulheres com diabetes pré-gestacional, a defini-
de DO. Os diversos parâmetros biométricos fetais (di- ção do momento do parto deve ser baseada nos riscos
ferença entre os diâmetros abdominal e biparietal, cir- maternos e nos demais riscos perinatais associados à
cunferência torácica, razão circunferência cefálica/cir- doença, com pouco benefício na manutenção da gesta-
cunferência abdominal, razão comprimento femoral/ ção além de 39 semanas e necessidade de interrupção
circunferência abdominal, distância úmero-espinhal, prematura diante de vasculopatia e/ou mau controle
diâmetro bochecha a bochecha, largura do ombro) ou glicêmico. Entre mulheres com diabetes gestacional e
não foram testados em grandes estudos prospectivos peso fetal estimado entre 4.000 e 4.500 g, a indução do
ou não provaram ser úteis para a predição da DO.(15) parto realizada com 39 semanas potencialmente reduz
Apesar do consenso de que a cesárea planejada a DO, com riscos maternos e demais riscos neonatais
para fetos macrossômicos é apropriada para reduzir a (dificuldade respiratória, terapia intensiva) em menor
DO, essa conduta não tem provado ser vantajosa, pois incidência. Devem ser avaliados o peso fetal, o contro-
a maioria dos casos de DO e de lesão de plexo braquial le glicêmico ao longo da gestação, o peso ao nascer e
não podem ser previstos ou evitados, acarretando ele- resultados dos partos anteriores, e as características
vação injustificada das taxas de cesariana. Entretanto, físicas da parturiente (estatura, peso, índice de massa
para fetos de mães diabéticas com peso estimado aci- corpórea, pelvimetria).(18) A indução do parto na 41ª se-
ma de 4.500 g, assim como para os com mais de 5.000 mana de gestação reduz o nascimento de recém-natos
g na ausência de diabetes, avaliados dentro de uma com mais de 4.000 g, com potencial redução da DO.(19)
semana do parto, a cesárea parece ser capaz de reduzir Nas pacientes com história de DO prévia, principal-
a DO e a morbidade associada.(1) mente com lesão neonatal grave, o risco potencial de
O princípio da cesárea para prevenir a DO também recorrência (10% ou mais) e os fatores de risco da ges-
se aplica diante do prolongamento do segundo estágio tação atual (peso fetal estimado, glicemia) devem ser
do trabalho de parto (primíparas com analgesia: quatro considerados na tomada de decisão da via de parto.(9)
horas; primíparas sem analgesia: três horas; multíparas
com analgesia: três horas; multíparas sem analgesia:
COMO DEVE SER O MANEJO INICIAL DA DO?
duas horas) em parturientes diabéticas com estimativa
O manejo da DO tem o objetivo de completar o des-
de peso fetal entre 4.000 e 4.500 g, assim como em
prendimento fetal com segurança, antes da asfixia e
parturientes não diabéticas com peso fetal estimado
lesão cortical decorrentes da compressão do cordão
entre 4.500 e 5.000 g. Cesárea intraparto em vez de par-
umbilical e do impedimento da inspiração, evitando
to vaginal operatório baixo ou de alívio é sugerida para
lesões neurológicas periféricas ou outros traumas fe-
fetos com peso estimado acima de 4.500 g e período
tais e/ou maternos. O tempo-limite que antecede o
pélvico prolongado. Cesárea intraparto em vez de parto
aumento do risco de lesão por asfixia é de cinco minu-
vaginal operatório na pelve média também é sugerida
tos, o que impõe a necessidade instantânea de organi-
diante de fetos com peso estimado acima de 4.000 g,
zação e atuação efetiva da equipe.(20)
na vigência de período pélvico prolongado. Entretanto,
Imediatamente após a suspeita de DO, a parturien-
o parto vaginal operatório nessas situações pode ser
te e seu acompanhante devem ser comunicados e as
considerado diante da presença de operadores expe-
seguintes ações devem ser implementadas: solicita-
rientes, da avaliação individualizada da posição e ta-
ção de ajuda aos demais profissionais (enfermagem
manho fetais, da história dos partos anteriores e dos
assistencial e obstétrica, obstetras, pediatras e anes-
hábitos maternos.(16)
tesistas); documentação do momento do diagnóstico
A indução do parto dos fetos macrossômicos como
e cronometragem da assistência; orientação contrá-
medida de prevenção da DO também é conduta limita-
ria aos puxos voluntários. As seguintes condutas são
da, pela baixa acurácia dos métodos de estimativa do
imprescindíveis:
peso fetal, pela relação desfavorável entre o número
de induções necessárias para prevenir os resultados 1. Não exercer tração excessiva para liberação dos
adversos, pelas consequências maternas e neonatais ombros e não pressionar o fundo uterino, uma
relacionadas ao processo de indução e pela falta de vez que essas ações se associam ao estiramento
evidências científicas da eficácia dessa conduta. A in- do plexo braquial, agravamento da impactação e
dução do parto pode ser oferecida para as gestantes rotura uterina.
sem diabetes, com 39 semanas e peso fetal estimado 2. Não seccionar o cordão umbilical antes da
entre 4.000 e 5.000 g, mas a conduta expectante é al- liberação dos ombros, pois essa ação não contribui
ternativa razoável. Já a indução com 37 ou 38 sema- para a resolução da DO e reduz ainda mais a
nas nessa situação está desaconselhada, uma vez que, oxigenação do feto. Se presentes, as circulares de
apesar de potencialmente promover maior redução na cordão devem ser liberadas sem secção.
NA POSIÇÃO DE LITOTOMIA?
Em litotomia, a parturiente deve ser posicionada com impactado, flexão da coluna fetal e queda do ombro
as nádegas rente à borda da cama ou maca de par- posterior na concavidade do sacro. Além disso, ocor-
to. A tração para liberação dos ombros deve ser axial rem aumento e redirecionamento da força expulsiva,
e alinhada com a coluna cervicotorácica fetal, em um que se torna perpendicular ao plano de saída. A mano-
componente descendente ao longo de um vetor que bra de Rubin I, executada simultaneamente com a de
não ultrapasse 45o abaixo do plano horizontal da par- McRoberts, otimiza a liberação do ombro por meio da
turiente. A falha da manobra cabeça-ombro, efetuada sua adução. Nas pacientes com obesidade importante,
com força habitual, é indicativa de DO. Portanto, a per- esse é um passo que pode ser omitido. A manobra é
cepção de força excessiva para liberação dos ombros é realizada por um auxiliar que, posicionado do lado do
indicativa da necessidade de manobras específicas.(1) dorso fetal, realiza uma compressão suprapúbica em
Sugere-se que a primeira manobra específica a ser direção inferomedial. A compressão deve ser realiza-
aplicada seja a de McRoberts, que pode ser associa- da com as mãos espalmadas, posicionadas de forma
da à manobra de Rubin I (Figuras 2 e 3). Essas mano- semelhante à massagem cardíaca. Sob o comando do
bras são eficientes e menos invasivas. Na manobra obstetra que efetua a tração inferior na cabeça fetal, a
de McRoberts, os membros inferiores são flexionados manobra de Rubin I deve ser iniciada imediatamente
contra o abdome (hiperflexão das pernas e das coxas), antes da manobra cabeça-ombro. Assim que se inicia
devendo ser previamente removidos quando acomo- a compressão suprapúbica, a cabeça é tracionada infe-
dados em perneiras. Essa posição promove o alinha- riormente, promovendo a liberação do ombro.(1,22)
mento vertical da pelve materna, com rotação cefá- Diante da falha das manobras de McRoberts e de
lica da pube, redução da lordose lombar, retificação Rubin I, o sequenciamento das manobras deve progre-
do promontório, giro da sínfise púbica sobre o ombro dir para o desprendimento completo do braço posterior
ou para a liberação do ombro posterior. Embora mais A axila é deslocada em direção à cabeça fetal, posicio-
invasiva, a manobra para o desprendimento completo nando o ombro posterior em um nível inferior ao da
do braço posterior (manobra de Jacquemier) apresenta sínfise púbica. Simultaneamente, a outra mão segura a
alta taxa de sucesso na resolução da DO.(1,22) O obstetra cabeça do feto. A cabeça e o ombro são girados jun-
deve apreender o braço posterior adiante do tórax fetal. tos em 180°, em direção à face fetal, liberando o ombro
Portanto, se o dorso fetal estiver voltado para o lado posterior, anteriormente na pelve. Alocado posterior-
materno direito, a mão direita do operador deverá exe- mente após a rotação do tronco fetal, o ombro anterior
cutar a manobra pelo lado esquerdo da pelve materna, é o último a se desprender (Figura 5).(23)
e vice-versa. A manobra é executada em três tempos e Diante da falha em remover o braço posterior, im-
uma episiotomia pode ser necessária para facilitar o posta pela dificuldade em alcançar o cotovelo ou o an-
procedimento. Primeiramente, a mão é introduzida na tebraço, outra estratégia é executar tração axilar para
vagina, progride através do vazio sacral e apreende o descida ou liberação do ombro posterior (manobra de
braço posterior, com os dedos posicionados parale- Menticoglou).(24) A manobra é realizada por meio do en-
lamente ao úmero. Em um segundo tempo, o braço é trelaçamento dos dedos médios de cada mão do ope-
deslocado adiante do tórax fetal. Se o braço fetal es- rador na axila posterior do feto. Enquanto um auxiliar
tiver estendido, é necessário executar uma pressão na flexiona a cabeça fetal em direção ao ombro anterior
fossa antecubital para otimizar o deslocamento. Em um impactado, o operador introduz o dedo médio da sua
terceiro passo, o antebraço e a mão são apreendidos mão esquerda no lado direito da pelve materna e o
e tracionados para fora da vagina, passando adiante dedo médio direito no lado contralateral. Os dedos são
do tórax fetal, promovendo a rotação anterior do tron- entrelaçados no cavo axilar fetal e uma tração inferior é
co fetal e, subsequentemente, a liberação do antebra- executada ao longo da curvatura sacral (Figura 6). Essa
ço, braço e ombro posteriores pelo espaço anterior da manobra também facilita uma nova tentativa de remo-
pelve materna (Figura 4). A remoção do braço posterior ção completa do braço posterior ou a execução sub-
promove redução de 2 a 3 cm no diâmetro biacromial, sequente de uma manobra rotatória interna para des-
transformando-o em um diâmetro axiloacromial, de 10 prendimento do ombro anterior impactado. Também,
a 11 cm, e possibilitando a resolução da DO.(3) Diante da frequentemente, essa manobra promove a liberação
dificuldade para apreensão e deslocamento anterior do espontânea do ombro anterior.(24)
braço posterior (braço estendido ou posicionado atrás Uma abordagem alternativa para o desprendimen-
do dorso fetal), a manobra de Shrug é uma alternativa to do ombro posterior é realizar a apreensão da axila
eficiente à manobra de Jacquemier. Nessa manobra, a e tração inferior do ombro com mão única. Nessa si-
mão do operador apreende a axila posterior do feto, en- tuação, o dedo indicador envolverá a axila pelo dorso
trelaçando os dedos polegar e indicador no cavo axilar. fetal e o polegar deslizará anteriormente ao ombro. As
O mnemônico ALEERTA é proposto para o treina- de Gaskin ou de “largada de corrida”). Caso não ocor-
mento profissional no manejo da DO na posição litotô- ra a resolução, a parturiente será mantida em quatro
mica (Quadro 1). Após avisar a parturiente e providen- apoios para tentativa subsequente das manobras in-
ciar ajuda e anestesista, o sequenciamento proposto ternas. A sequência sugerida é a mesma da posição de
inclui as manobras de McRoberts e Rubin I, a avaliação litotomia: manobras de Rubin II, parafuso de Woods e
da necessidade de episiotomia, a remoção do braço Woods reversa. A técnica adotada para execução das
posterior, as manobras internas e, por último, a altera- manobras também será praticamente a mesma. O que
ção da posição para quatro apoios.(28) muda é que os ombros fetais estão invertidos pela al-
teração da posição materna, ou seja, o ombro anterior
Quadro 1. Mnemônico ALLERTA para o sequenciamento de impactado na pube materna está situado inferiormen-
manobras no tratamento da distocia de ombro te e o ombro posterior se encontra superiormente.
A Chamar Ajuda; Avisar a parturiente; Anestesista a postos
Assim, comparando com a posição de litotomia, as
manobras são efetuadas nos ombros contrários. Então,
L Levantar os membros inferiores em hiperflexão a manobra de Rubin II é realizada atrás no ombro pos-
(manobra de McRoberts) terior, agora posicionado superiormente; o parafuso
de Woods é efetuado adicionando uma pressão com
E Pressão suprapúbica externa (manobra de Rubin I)
a outra mão adiante do ombro anterior, posicionado
E Considerar episiotomia inferiormente; e a manobra de Woods reversa é rea-
lizada inferiormente, atrás do ombro anterior, após o
R Remover o braço posterior operador deslocar a mão inferiormente. Diante da fa-
lha do sequenciamento das manobras internas, a pró-
T Toque para manobras internas (Rubin II, parafuso de xima tentativa é o desprendimento do braço posterior
Woods, Woods reversa)
(manobra de Jacquemier), aqui situado superiormente.
A Alterar a posição para quatro apoios (manobra de A mão do operador penetra superiormente pelo vazio
Gaskin) sacral e apreende e desloca o braço posterior anterior-
mente no tórax fetal. Em seguida, o operador desloca
sua mão para apreensão da mão fetal, efetuando nela
Caso a DO não seja resolvida após as tentativas das uma tração inferior e promovendo o giro do corpo fe-
manobras iniciais e secundárias descritas acima, a assis- tal e o delivramento ordenado da mão, braço e ombro
tência deve progredir para as manobras de última instân- posteriores.(29) As figuras 10, 11 e 12 ilustram o sequen-
cia (resgate).(1,22) ciamento das manobras de acordo com o mnemônico
A SAÍDA.
COMO DEVE SER O MANEJO DA DO
NAS POSIÇÕES VERTICAIS?
Quadro 2. Mnemônico A SAÍDA para o sequenciamento de
O benefício evidente da liberdade de posição e das
manobras no tratamento da distocia de ombro nas posições
posições verticais tem contribuído para maior adoção
das posições de cócoras, Gaskin e dos bancos de apoio verticais
na assistência ao segundo período do trabalho de par- A Chamar Ajuda; Avisar a parturiente; Anestesista
to. Nessas situações, a DO pode ser solucionada por a postos; Aumentar o agachamento (manobra de
meio de outro sequenciamento de manobras, visando McRoberts modificada)
evitar perda adicional de tempo.(29)
S Pressão suprapúbica externa
O mnemônico A SAÍDA (Quadro 2) é proposto para
o treinamento profissional no manejo da DO em par- A Alterar a posição para quatro apoios (manobra de
turientes na posição vertical, livres de uma maca ou Gaskin)
mesa cirúrgica. O sequenciamento se inicia com o
aumento do agachamento materno, o que promove- Í Manobras internas (Rubin II, parafuso de Woods,
Woods reversa)
rá a hiperflexão dos membros inferiores, ampliando o
diâmetro funcional da pelve, similarmente à manobra D Desprender o braço posterior
de McRoberts (manobra de McRoberts modificada). Se
a hiperflexão isolada não for suficiente para resolver A Avaliar manobras de resgate
a DO, o próximo passo é exercer pressão suprapúbi-
ca externa, mantendo a parturiente em agachamento
ampliado. A pressão é efetuada posicionando as mãos
no abdome inferior materno, como na manobra de Caso não ocorra a resolução com esse sequencia-
Rubin I. Diante da falha, o passo subsequente é alterar mento, a assistência deve progredir para as manobras
a posição da parturiente para quatro apoios (posições de última instância (resgate).(29)
Figura 10. Sequenciamento inicial das manobras no mnemônico A SAÍDA. Aumentar o agachamento
(manobra de McRoberts modificada); pressão suprapúbica e alterar a posição da parturiente (quatro apoios)
Fonte: Adaptada de Amorim et al. (2013).(29)
Figura 11. Sequenciamento intermediário das manobras no mnemônico A SAÍDA. Manobras de Rubin II,
parafuso de Woods e Woods reversa
Fonte: Adaptada de Amorim et al. (2013).(29)
trajeto) e as lacerações perineais complicadas. Outras delivramento. As manobras devem ser descritas con-
complicações incluem a diástase da sínfise púbica, as forme o sequenciamento ocorrido. Deve-se detalhar o
lesões do trato urinário (uretra e bexiga) e a neuro- tempo gasto em cada manobra, assim como o intervalo
patia cutânea femoral lateral transitória, secundária à de tempo até a resolução.(39)
manobra de McRoberts. As manobras de última instân- Também devem ser relatados a perda sanguínea es-
cia podem se associar mais a rotura uterina, diástase timada, os detalhes da revisão do canal de parto, o
da sínfise púbica e lesões do trato urinário.(36) índice de Apgar, o pH do cordão umbilical e a avaliação
As lesões neonatais incidem em 5% das DOs. Podem neonatal.(39)
ocorrer mesmo quando o tratamento é adequadamen-
te instituído. A continuidade da descida da cabeça fe- QUAL O IMPACTO DO TREINAMENTO
tal simultânea à impactação do ombro promove o es-
DE HABILIDADES E DA SIMULAÇÃO
tiramento dos nervos do plexo braquial, com potencial
NO TRATAMENTO DA DO?
agravamento das lesões determinado pelas manobras de
O treinamento de habilidades e a simulação propiciam
delivramento executadas. Adicionalmente, a compressão
melhorias no uso das manobras, na comunicação entre
dos vasos do cordão umbilical e do pescoço fetal e a es-
os membros das equipes e na documentação do evento.
timulação vagal excessiva são eventos que resultam em
O uso de protocolos e de metodologias ativas de ensino
asfixia neonatal. A complicação neonatal mais frequente
promove o manejo baseado em evidências científicas e
é a lesão do plexo braquial. O estiramento do plexo bra-
a redução das lesões transitórias do plexo braquial.(40)
quial é significativamente mais incidente quando três ou
mais manobras são realizadas. As lesões nas raízes C5 e
C6 ou em C5, C6 e C7 (paralisia de Duchenne-Erb) são de CONSIDERAÇÕES FINAIS
melhor prognóstico e se recuperam dentro de seis meses A imprevisibilidade e a potencial gravidade da DO, as-
em mais da metade dos infantes. Já as lesões envolvendo sim como a limitação do tempo para sua resolução
todas as raízes de C5 a T1 se restabelecem em cerca de sem sequelas, fazem desse evento um dos mais desa-
14% dos casos.(37) fiadores da urgência em obstetrícia, exigindo dos cui-
Apesar de a DO e a força excessiva do operador se- dadores atuação conjunta e organizada, com institui-
rem fatores de risco importantes para o estiramento ção rápida e hábil de manobras tocúrgicas específicas.
do plexo braquial, essas lesões frequentemente ocor- Contemporaneamente, o cenário epidemiológico da DO
rem na ausência de impactação do ombro, em cesá- é marcado pelo aumento da sua incidência, determi-
reas ou associadas a injúrias ocorridas no período nado pela alta prevalência de obesidade e diabetes na
pré-natal. Portanto, parece que as forças propulsoras, gestação. Diante desses aspectos, podemos afirmar que
a posição fetal e os puxos maternos podem ser sufi- todos os profissionais que assistem partos devem estar
cientes para ocasionar tração lesiva do plexo braquial. capacitados para o rápido reconhecimento e resolução
(38)
Outras complicações neonatais graves são as fratu- desse evento, objetivando prevenir a asfixia e morte
ras da clavícula e do úmero, pneumotórax, encefalopa- neonatal, a paralisia braquial permanente e as compli-
tia hipóxico-isquêmica e óbito neonatal. Complicações cações maternas associadas. Uma vez que o treinamen-
neonatais mais raras incluem a paralisia diafragmáti- to de habilidades e a simulação otimizam a resolução
ca, a síndrome de Horner (paralisia óculo-simpática), clínica e a documentação da DO, instituir protocolos e
a lesão do nervo facial, a fratura espiral do rádio e a metodologias ativas de ensino é imprescindível para
paralisia do nervo laríngeo.(36) propiciar o manejo baseado em evidência científica e o
melhor desempenho das equipes assistenciais no en-
frentamento desse “pesadelo obstétrico”.
QUAIS OS PRINCIPAIS ASPECTOS
NA DOCUMENTAÇÃO DA DO?
O registro dos eventos relacionados à DO, com detalha- REFERÊNCIAS
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estritamente recomendado. A documentação adequada
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do evento é importante para o aconselhamento das pa- DE. Management of shoulder dystocia: trends in incidence
cientes e dos seus cuidadores quanto aos riscos futuros, and maternal and neonatal morbidity. Obstet Gynecol.
assim como para assuntos legais. O uso de formulários 2007;110(5):1059-68. doi: 10.1097/01.AOG.0000287615.35425.5c
padronizados propicia melhoria documental.(39) 3. Hoffman MK, Bailit JL, Branch DW, Burkman RT, Veldhusien
A documentação deve citar os membros da equipe PV, Lu L, et al. A comparison of obstetric maneuvers for the
acute management of shoulder dystocia. Obstet Gynecol.
que participaram da assistência, assim como o tempo 2011;117(6):1272-8. doi: 10.1097/AOG.0b013e31821a12c9
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