Resumo: Indicações Do Parto A Fórceps

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

REvisão

Indicações do parto a fórceps


Indications for forceps deliveries

Resumo
Alfredo de Almeida Cunha1
A solução do parto no período expulsivo é um desafio, ainda nos dias
Palavras-chave de hoje. Apesar de ser praticado em cerca de 10% dos partos no mundo ocidental, há discussões sobre as
Fórceps obstétrico indicações do parto vaginal operatório, a escolha do instrumento e sua aplicação sequenciada. Foi feita revisão
Parto obstétrico
da literatura, que se mostrou pobre em ensaios clínicos. A evidência maior do uso do fórceps repousou em
Complicações do trabalho de parto
Segunda fase do trabalho de parto estudos observacionais, muito dos quais com tamanho amostral limitado. Também, foram consultadas as
Parto diretrizes de algumas sociedades (ACOG, SOGC, RCOG e FEBRASGO) para as recomendações. Concluiu-se que
ainda há necessidade da prática do fórceps, mas que esse ato deve ser realizado por obstetra experiente e em
Keywords
ambiente que permita a prática da cesárea. As indicações fetais para parto a fórceps são a parada de progressão
Obstetrical forceps
Delivery, obstetric e o sofrimento fetal, e as indicações maternas são aquelas em que o esforço expulsivo é fator de risco para
Obstetric labor complications complicações (cardiopatias, pneumopatias, encefalopatias). A falha do fórceps ou do vácuo é indicação para
Labor stage, second cesárea, não sendo recomendado o seu uso sequenciado. Foi verificado que há necessidade de programas de
Parturition treinamento na prática do fórceps.

Abstract The solution of second stage of childbirth is still a challenge. Despite


being practiced in 10% of births in the Western world, there are discussions about the indications for operative
vaginal deliveries, choice of instrument and its application. Literature review was conducted, which proved to
be poor in clinical trials. The best evidence rested in observational studies, many of which with limited sample
size. Some guidelines were consulted (ACOG, SOGC, RCOG and FEBRASGO) for recommendations. It was
concluded that there is still need for the practice of forceps, but this surgery must be performed by experienced
obstetrician and in an environment that allow the practice of caesarean section. Fetal indications for forceps
deliveries are lack of progression in the second stage and fetal distress. Maternal indications are those in which
the expulsive effort is risk factor for complications (heart, lung or cerebral diseases). The failure of the forceps
or vacuum is indication of caesarean section, not being recommended its use in sequence. There is a need for
training programs in the practice of forceps.

1
Doutor em Medicina/Obstetrícia pela Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) – São Paulo (SP), Brasil; Membro da
Comissão de Abortamento, Parto e Puerpério da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO).
Endereço para correspondência: Alfredo de Almeida Cunha – Rua Desembargador Isidro, 160 – apto. 303 – Tijuca – CEP: 20521-160 – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil – E-mail: [email protected]
Conflito de interesse: não há
Cunha AA

Introdução ou mesmo o exame ultrassonográfico, se disponível na sala de


parto. O diagnóstico de sofrimento fetal impõe-se em caso de
O fórceps obstétrico é um instrumento destinado a apreender prolapso de cordão, condição não rara em grande multípara com
a cabeça fetal e extraí-la através do canal do parto1. feto em apresentação cefálica, que evoluem com bolsa íntegra
O trabalho de parto compreende, do ponto de vista clínico, até o período expulsivo, ou em caso de apresentações anômalas.
quatro períodos: o primeiro (dilatação) estende-se do início do No primeiro caso (prolapso de cordão), havendo condições de
trabalho de parto até a dilatação total; o segundo (expulsão) vai praticabilidade e não havendo facilidade para realização de ope-
do final da dilatação até a expulsão do feto; o terceiro (delivra- ração cesariana, o fórceps pode salvar a vida do feto1,2.
mento) corresponde à expulsão da placenta e demais anexos fetais; As ações que podem ser exercidas pelo fórceps para ultimar
e o quarto, que se prolonga por uma hora após o parto, e inclui o parto compreendem preensão, rotação e tração, detalhadas nos
risco de complicações imediatas, principalmente hemorrágicas. textos especializados.
Ocorrendo qualquer dificuldade no período de dilatação, a única As condições de praticabilidade do fórceps foram resumidas,
solução é a cesárea. por Magalhãesa em permeabilidade e acessibilidade1. A perme-
O segundo período do parto envolve os seus fatores determi- abilidade deve ser mole, dura e do ovo. A permeabilidade mole
nantes: contração uterina (motor), complementada pela prensa inclui todo o trajeto, dilatação total do colo uterino, vagina
abdominal (puxos) e o objeto (feto), que vai ser conduzido através tolerante e períneo dotado de boa elasticidade. A permeabilidade
de um trajeto (duro=bacia, mole=partes moles do canal do parto). dura significa bacia adequada ao feto, caracterizando propor-
Essa passagem obedece a um conjunto de adaptações da apresen- cionalidade cefalopélvica. A permeabilidade do ovo implica na
tação, denominado mecanismo do parto, variável de acordo com rotura das membranas1. A acessibilidade significa apresentação
as apresentações cefálica ou anômalas, como pélvica, e as apre- de crânio insinuada e próxima à vulva, no ou abaixo do plano
sentações córmicas (situações transversas). As irregularidades no +2 de DeLee (fórceps de desprendimento ou baixo, segundo
parto compreendem os acidentes, as complicações e as distócias, a última classificação do Colégio Americano de Obstetras e
que ocorrendo no período de dilatação, já admitem solução por via Ginecologistas de 2000)2.
vaginal. Porém, vamos limitar a discussão ao parto a fórceps. As contra-indicações para o parto a fórceps são a falta das
O parto a fórceps tem indicações maternas e fetais. As condições de praticabilidade e a falta de experiência do obstetra
primeiras compreendem situações em que o parto deve ser com esta cirurgia1,2.
ultimado para reduzir o risco materno, como as limitações Feita esta apresentação do tema, resta a pergunta: o fór-
funcionais da paciente ou para poupá-la de maior esforço. Na ceps ainda tem indicação nos dias atuais? Para responder esta
atualidade, permanecem válidas as indicações de proteger a mãe questão fundamental nos dias de hoje, procedeu-se a extensa
nos casos de cardiopatia (risco de descompensação pelo esforço revisão bibliográfica, sem o objetivo de realização de revisão
do período expulsivo), as pneumopatias, em que a paciente tem sistematizada.
sua reserva pulmonar diminuída e dificuldade em executar o
referido esforço, e tumores cerebrais ou aneurismas, em que o Metodologia
esforço expulsivo pode ocasionar acidente vascular hemorrágico.
Outra indicação é a presença de cicatriz uterina, cuja solicitação Foi consultado o site da Biblioteca Regional de Medicina
no período expulsivo pode causar a rotura uterina, o que se pre- (BIREME - http://www.bireme.br), para identificação dos des-
tende evitar pela redução do período expulsivo e da exposição critores em saúde. Foram identificados os descritores: fórceps
da cicatriz ao esforço1,2. obstétrico; parto obstétrico; complicações do trabalho de parto;
As indicações fetais, em que o parto deve ser ultimado para segunda fase do trabalho de parto; parto e contraindicações,
redução do risco, compreendem o sofrimento fetal e a parada em língua portuguesa, e seus equivalentes em língua inglesa:
de progressão durante o período expulsivo. A persistência des- obstetrical forceps; delivery, obstetric; obstetric labor complications; labor
sas condições pode determinar o óbito fetal ou deixar sequelas stage, second; parturition e contra-indications.
irreparáveis. O sofrimento fetal pode ser diagnosticado pela Foram utilizadas as seguintes bases de dados bibliográficos:
ausculta fetal com o auxílio de qualquer recurso, desde o clássico SciELO, LILACS, Medline/PubMed e Biblioteca Cochrane. Como
estetoscópio fetal de Pinard, o sonar obstétrico, a cardiotocografia estratégia de busca, foram utilizados os descritores acima.

a
Magalhães F. Pequenas noções sobre o fórceps. Rev Gin Obst. 1926;20:115.

550 FEMINA | Dezembro 2011 | vol 39 | nº 12


Indicações do parto a fórceps

Resultados cresceu em diversas áreas, mas é frequente na atenção ao parto por


desobediência às diretrizes, tanto nos Estados Unidos, quanto no
A busca identificou 4 estudos na LILACS, 1 na SciELO, 17 Reino Unido3. A diminuição do uso do fórceps foi reforçada pela
revisões na Biblioteca Cochrane e 60 artigos no PubMed. Os recomendação de não usá-lo na necessidade de rotação de mais de
estudos da LILACS e da SciELO foram examinados. Das 17 45°3 (C). O risco do processo jurídico e a existência de diretrizes
revisões da Biblioteca Cochrane, apenas 2 se referiam à utiliza- mais rigorosas diminuíram o treinamento dos obstetras, o que
ção do fórceps. Dos 60 artigos do PubMed apenas 17 estavam gera um paradoxo, porque o fórceps é instrumento potencialmente
relacionados à prática do fórceps e, quando limitados aos últimos perigoso em mãos de obstetras inexperientes3 (C).
10 anos, restaram 4 revisões. Apesar das críticas, aproximadamente um em cada dez partos
Utilizamos, como critérios de inclusão, os trabalhos brasi- no mundo ocidental é um parto vaginal operatório. Estatísticas
leiros, independente da época, pela pequena quantidade e por inglesas mostram que a proporção de partos instrumentais foi
representar a experiência nacional. Em relação ao PubMed e à de 11% em 2005. Um inquérito em 37 maternidades france-
Biblioteca Cochrane, consultamos os artigos publicados nos sas mostrou que a taxa de partos instrumentais foi 11,2% de
últimos dez anos e o tipo de trabalho, priorizando as revisões todos os nascimentos, em 2002. Na Austrália e Nova Zelândia,
sistemáticas. Utilizamos, ainda, as diretrizes do Colégio o fórceps e o vácuo extrator responderam por 7,4–16,4% de
Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG 2000), da todos os partos, em 1999 e 2000. Números semelhantes foram
Sociedade de Obstetras e Ginecologistas do Canadá (SOGC observados nos Estados Unidos e Canadá4 (B).
2004), do Real Colégio de Obstetras e Ginecologistas (RCOG Nos Estados Unidos, em 2006, houve 193.523 partos a
2011), da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia fórceps ou vácuo extrator, correspondendo a 4,5% do total de
(FEBRASGO 2011) e os seus graus de recomendação, de acordo partos (4.265.555). A incidência dos métodos foi de 9,0% em
com a classificação proposta pela Associação Médica Brasileira 1990 (5,1% para fórceps e 3,9% para vácuo), com redução mais
(AMB - http://www.amb.org.br). Excluímos os demais tra- acentuada da utilização do fórceps, que chegou a 0,8% em 2006
balhos, pela menor evidência científica e pela limitação de e 3,7% para o vácuo5 (B).
espaço, considerando-se que os trabalhos acima já atendiam O Colégio Nacional dos Obstetras e Ginecologistas da França
ao objetivo do estudo. publicou sua diretriz para o parto vaginal operatório, em dezembro
de 2008. Com o objetivo de uma análise de dados de base, foi
Discussão feito um inquérito em 49 Hospitais Universitários franceses,
referente ao ano de 2007. A taxa de extração instrumental foi
Epidemiologia muito variável (5,3 a 34,1%) e houve diferença de preferência
O parto evoluiu de um ato social, desde a antiguidade, para do instrumento (vácuo, fórceps e espátulas) entre as instituições
um ato médico, a partir da introdução do fórceps há 400 anos, e as regiões. A taxa de cesárea variou de 9 a 29,5%, com taxa
para solucionar os partos difíceis. Há 100 anos a cesárea tornou- média nacional de 20,7%. A escolha do instrumento dependeu
se cirurgia segura e passou a ser outra opção para os casos de da formação do obstetra e de sua filiação à conduta obstétrica.
parto não espontâneo. A medicalização do parto atingiu o ápice Observou-se, à semelhança dos Estados Unidos, uma diminuição
quando DeLee** advogou que todos os partos vaginais deveriam do uso do fórceps em favor do vácuo. Entretanto, a taxa média
ser assistidos com a utilização do fórceps, criando o conceito de de extração instrumental permaneceu alta (16,9%) comparável
fórceps de alívio1. à do Reino Unido, entre 12 e 15%6 (B).
Até 1950, ainda era baixa a incidência de cesárea (5%) e alta O Brasil não apresenta dados nacionais sobre a taxa de partos
a do fórceps (15%). A partir da década de 1960, quando o feto vaginais operatórios, porque a Declaração de Nascidos Vivos não
ganhou condição de paciente, o risco de ser lesado no parto vaginal possui campo destinado à especificação de parto a fórceps ou vácuo
operatório passou a ser valorizado. Então, houve inversão das taxas, extração. Considerando somente os três milhões de parto do Sistema
a cesárea atingiu 25% nos Estados Unidos na década de 1980 e, Único de Saúde por ano e a taxa universal de 10%4, poderíamos
paralelamente, houve declínio na utilização do fórceps para 5%. estimar em 300.000 o número de partos vaginais operatórios.
O declínio do uso do fórceps é multifatorial, embora muitos Reduzindo essa taxa para apenas 1% (taxa de fórceps nos Estados
dos fatores estejam relacionados. A ocorrência do processo legal Unidos5), poderíamos ter 30.000 partos a fórceps por ano. Na falta

DeLee JB. The prophylatic forceps operation. Am J Obst Gynec. 1920;1:34.


**

FEMINA | Dezembro 2011 | vol 39 | nº 12 551


Cunha AA

de dados nacionais, ficamos limitados a estudos institucionais, como anestesia regional, ou duas horas, sem anestesia regional; para
o de Ribeirão Preto (Faculdade de Medicina da Universidade de multíparas, os períodos foram, respectivamente, de duas e uma
São Paulo), entre 1991 e 2000, com 33.360 partos, que relatou horas. A conduta ideal no segundo período é aquela com maior
taxa média de 9,3% de partos a fórceps, variando de 5,9% (1992) probabilidade de parto vaginal e menor risco materno e fetal,
a 14,6% (1998). A incidência foi de 60% de partos espontâneos, tarefa nem sempre fácil8 (B).
30% de cesáreas e 10% de fórceps. É interessante esclarecer que Foi feito um estudo retrospectivo, na Universidade da
a instituição é maternidade de referência para alto risco, o que Califórnia, abrangendo o período de 1976 a 2001, para ava-
acarreta aumento da taxa de cesárea e que não houve relação entre liar a duração do período expulsivo sobre a morbimortalidade
a taxa de cesárea e dos partos vaginais operatórios e a da mortali- materna e perinatal com 15.759 nulíparas de termo, gravidez
dade perinatal7 (B). única e apresentação cefálica. O segundo período foi dividido
A classificação do parto vaginal operatório, segundo a altura da em períodos de uma hora (0–1 hora, 1–2 horas, 2–3 horas, 3–4
apresentação em relação ao canal do parto, foi definida pelo ACOG horas e mais de 4 horas). As pacientes ficaram assim distribuídas:
em 20008 e tem sido utilizada pelas diretrizes subsequentes (SOGC 46% no intervalo de 0–1 hora, 23% entre 1–2 horas, 14% entre
20049, RCOG 201110, FEBRASCO 201111). Essa classificação 2–3 horas, 10% entre 3–4 horas e 7% acima de 4 horas. Foram
relaciona o feto com a bacia e define o grau de dificuldade do ato avaliados o tipo de parto e os desfechos maternos e fetais. A
operatório, fórceps ou vácuo extrator (Tabela 1). distribuição do tipo de parto foi, no início, maior percentagem
de parto vaginal espontâneo, declinando na medida em que o
Indicações tempo passava (80% em até 2 horas, 56,6% entre 2–3 horas e
As indicações são classificadas em: 18,8% após 4 horas). Inversamente, o parto operatório vaginal
• Relativas (em que o vácuo ou a cesárea podem ser opção): e a cesárea tiveram sua frequência aumentada na medida do
parada de progressão no segundo período, estafa materna prolongamento do período expulsivo, com máximo de 32,8% de
no segundo período, bloqueio epidural com diminuição da cesárea, após 4 horas. Observou-se razão de chances para cesárea
prensa abdominal, rotação instrumental para correção do de 2,01 (intervalo de confiança – IC95% 1,83–2,20) e para o
mecanismo de parto, suspeita de sofrimento fetal; fórceps de 1,74 (IC95% 1,65–1,83), a cada hora de duração do
• Específicas (o fórceps é habitualmente superior ao vácuo ou período expulsivo, tendo como referência a 1ª hora. Quanto à
cesárea, nessas circunstâncias): parto da cabeça derradeira na mãe, foram observados aumento da taxa de hemorragia pós-parto,
apresentação pélvica (único ou gemelar), prematuridade (<34 rotura perineal de terceiro e quarto grau, corioamnionite e parto
semanas), parto auxiliado na cesárea, condições maternas que operatório com o prolongamento do período expulsivo, não tendo
contraindiquem o esforço expulsivo, prolapso de cordão no havido comprometimento do resultado perinatal12 (B).
período expulsivo4,8-11: A segunda indicação fetal para o fórceps é o sofrimento fetal,
que pode ser diagnosticado por métodos clínicos (ausculta fetal)
O segundo período prolongado foi definido em 2000, pelo ou exames complementares (cardiotocografia com padrão não
Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, para nulíparas, reativo). Se disponível o estudo bioquímico, pode-se caracterizar
como a falta de progressão da apresentação por três horas, com a acidose fetal com pH<7,208 (B).
As indicações maternas para o parto a fórceps são aquelas em que
a mãe é poupada do esforço expulsivo por estafa, alívio, ou risco ao
Tabela 1 - Classificação do tipo de parto vaginal operatório
(ACOG 20008)
realizar o esforço na presença de cardiopatias, pneumopatias e tumores
Tipo Definição
e aneurismas cerebrais, que podem romper com o esforço8 (B).
Alívio O escalpe fetal encontra-se visível sem a necessidade de afastar os
grandes lábios Complicações
A cabeça fetal atingiu o assoalho pélvico
A sutura sagital está no diâmetro anteroposterior ou nos diâmetros
oblíquos anterior/posterior Morbidade materna
A rotação não deve exceder 45° Um estudo de 1.040 casos, nos quais se utilizou o fórceps, com-
Baixo O vértice da apresentação está abaixo do plano +2 de DeLee e não
atingiu o assoalho pélvico
parados a igual número de partos espontâneos, assistidos em hospital
Rotação ≤45° ou rotação >45° universitário no período 1968–1991, observou maior número de
Médio Apresentação insinuada, porém acima do plano +2 de DeLee lesões maternas nos casos de fórceps (19,04% contra 5,77%). No
Alto Não incluído na classificação entanto, essas lesões foram de pequena monta e de fácil reparo, não

552 FEMINA | Dezembro 2011 | vol 39 | nº 12


Indicações do parto a fórceps

tendo havido diferença no resultado puerperal imediato, duração Contraindicações


da internação e hemorragia no parto em aplicações médio-baixas O parto vaginal operatório está contraindicado na ausência
e baixas13 (B). Hoje, essas aplicações seriam baixas e de alívio, pela das condições de praticabilidade, na falta de experiência do
nova classificação do ACOG 2000 e FEBRASGO 2011. obstetra ou na falta do instrumento adequado8,10,11.
A lesão do esfíncter anal pode causar incontinência fecal em
até 50% das mulheres, principalmente devido à persistência da Resumo da evidência
lesão após o reparo inicial. O risco de lesão do esfíncter anal du- O uso do fórceps médio tem sido abandonado pela maior
rante o parto vaginal operatório foi estudado a partir de 321.726 incidência de lesões maternas e fetais. Seu uso, atualmente
partos da base de dados obstétricos nacionais da Holanda, no recomendado, é a aplicação em partos vaginais operatórios de
período1994–1995. O vácuo extrator foi utilizado em 24.863 alívio e baixo8 (B).
partos e o fórceps em 8730. Os casos de uso combinado dos O parto vaginal só deve ser realizado em local adequado
instrumentos foram excluídos. Observou-se lesão esfincteriana para a prática da cesárea. O risco de falha está associado ao ín-
(rotura perineal de terceiro grau) em 646 de 21.254 partos a dice de massa corporal (IMC) acima de 30 (sobrepeso), ao peso
vácuo (3%) e em 348 de 7.478 (4,7%) parto a fórceps. Os fatores fetal estimado acima de 4.000 g ou avaliação clínica de feto
de risco para lesão esfincteriana, nos casos de fórceps, foram pri- grande, à posição occipício posterior e à apresentação acima
miparidade (odds ratio – OR=1,43; IC95% 1,05–1,06), posição das espinhas ciáticas10 (C).
occipício posterior (OR=3,06; IC95% 2,08–4,50) e peso fetal O parto vaginal operatório deve ser evitado em determina-
(OR=1,26; IC95% 1,11–1,40, para cada aumento de 500 g). das circunstâncias. A maioria dos autores considera perigoso
A episiotomia médio-lateral agiu como fator de proteção contra o uso do vácuo extrator em gestação abaixo de 34 semanas
a lesão esfincteriana, nos casos em que foi utilizado o fórceps e pelo risco de hemorragia intracraniana, quando o fórceps seria
vácuo extrator (OR=0,11; IC95% 0,09–0,13)14 (B). mais indicado8 (D). Outras contraindicações são distúrbios de
coagulação do feto ou doenças desmineralizantes, pelo risco
Morbidade fetal e neonatal de hemorragia ou fratura8 (D).
Outro estudo de Souza et al. comparou 979 partos a fórceps Outro problema a ser considerado é a prova de parto vaginal
com 937 partos espontâneos em hospital universitário, no pe- operatório. O vácuo pode ser utilizado em casos em que se afigura
ríodo 1968-1991. A mortalidade neonatal precoce, o número a extração como fácil. Caso contrário, o fórceps tem a preferência,
de tocotraumatismos, o tempo de internação e a frequência de pelo menor número de falhas9,10 (A); além disso, o parto, após
intercorrências durante a internação não diferiram em ambos os uma falha, tem sua morbidade aumentada8,9 (B, C).
grupos. Concluiu-se que as repercussões neonatais imediatas do O parto vaginal operatório deve ser abandonado quando não
parto a fórceps não constituem impedimento para a criteriosa houver evidência de progressão com tração moderada após cada
utilização do instrumento15 (B). contração, ou não houver iminência de parto após três contrações
Outro estudo brasileiro avaliou o resultado neonatal no parto com aplicação correta por um obstetra experiente10 (B). Da mesma
vaginal espontâneo comparado ao do parto vaginal com fórceps forma, o parto vaginal sequenciado (vácuo seguido de fórceps)
de Simpson-Braun em primíparas, concluindo que o uso do está associado a aumento da morbidade neonatal e materna e
fórceps não aumentou o risco neonatal16 (B). deve ser evitado em favor da cesárea10 (B).

Mortalidade perinatal Conclusões


Duarte et al. estudaram 33.360 partos assistidos em hospital
universitário, no período 1991–2000. Observaram que a incidência As indicações do parto a fórceps são atuais, devido a circuns-
de partos espontâneos, cesáreos e fórceps foram relativamente tâncias especificas em que se mostra superior à cesárea (parada de
estáveis, com médias de 60%, 30% e 10%, respectivamente. progressão e sofrimento fetal no período expulsivo), justificando
Também observaram redução na mortalidade fetal (33,3/mil para a grande frequência com que ainda é praticado.
13/mil), mortalidade neonatal precoce (30,6/mil para 9,0/mil) O parto a fórceps implica em conjunto de condições adequadas:
e mortalidade perinatal (56,4/mil para 19,3/mil). Concluiu-se o ambiente deve proporcionar a possibilidade da realização da
que a redução das taxas de mortalidade perinatal não dependeu cesárea, o obstetra deve ter experiência com o tipo de cirurgia e
do aumento da taxa de cesárea e ocorreu com manutenção da o tipo de instrumento, e a falha do fórceps deve ser considerada
taxa de fórceps7 (B). após três trações sem progresso, quando está indicada a cesárea.

FEMINA | Dezembro 2011 | vol 39 | nº 12 553


Cunha AA

O uso sequenciado do parto vaginal operatório (vácuo seguido Agradecimentos


de fórceps) é contraindicado.
O parto a fórceps deve ser objeto de educação das pacientes Às bibliotecárias da Maternidade Escola da Universidade
e dos profissionais, as primeiras através de campanhas edu- Federal do Rio de Janeiro, Mara Regina Guimarães Sampaio,
cativas, mostrando que existem indicações atuais com real Olímpia Vale de Rezende, Janaína da Mota, e às auxiliares de
benefício para mãe e filho, e os segundos com programas de biblioteca Dalva Freitas e Deuzenir Abreu pela presteza e efi-
treinamento nos cursos de especialização, capacitando-os à ciência com que atenderam às solicitações de cópias de artigos
prática do mesmo com êxito. utilizados nesta revisão.

Leituras suplementares
1. Benzecry R. Fórcipe. In: Montenegro CAB, Rezende Filho J (Eds). Rezende 9. Society of Obstetricians and Gynaecologists of Canada. SOGC Clinical practice
Obstetrícia. 11a ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara; 2010. p. 905-21 guideline No. 148. Guidelines for operative vaginal birth. J Obstet Gynaecol
2. Cunningham FG, Leveno KJ, Bloom SL, Haut JC, Rouse DJ, Spong CY. Forceps Can. 2004;26:747-53.
Delivery. In: Williams Obstetrics. 23rd ed. New York: Mc Graw Hill; 2010. p. 10. Royal College of Obstetricians and Gynaecologists. Operative vaginal delivery.
511-26. Guideline No. 26. London: RCOG; 2011.
3. Patel RR, Murphy DJ. Forceps delivery in modern obstetric practice. BMJ. 11. FEBRASGO. Parto vaginal operatório. In: FEBRASGO. Manual de orientação.
2004;328(7451):1302-5. Assistência ao abortamento, parto e puerpério [cited 2011 Oct 01]. Available
4. Edozien LC. Towards safe practice in instrumental vaginal delivery. Best Pract from: http://www.febrasgo.org.br
Res Clin Obstet Gynaecol. 2007;21(4):639-55. 12. Cheng YW, Hopkins LM, Caughey AB. How long is too long: Does a prolonged
5. Martin JA, Hamilton BE, Sutton PD, Ventura SJ, Menacker F, Kirmeyer S, et al. second stage of labor in nulliparous women affect maternal and neonatal outcomes?
Births: final data for 2006. Natl Vital Stat Rep. 2009;57(1):1-102. Am J Obstet Gynecol. 2004;191(3):933-8.
6. Mangin M, Ramanah R, Aouar Z, Courtois L, Collin A, Cossa S, et al. Données 13. Souza FM, Silva LGP, Barbosa JLJ, Trajano AJB, Menezes AA. Operação a fórceps:
2007 de l’extraction instrumental en France: resultats d’une enquête nationale repercussões maternas imediatas. J Bras Ginecol. 1993;103(3):75-83.
auprès de l’ensemble des centres hospitalo-universitaires. J Gyn Obstet Biol Rep. 14. de Leeuw J, de Wit C, Bruise H, Kuijken J. Mediolateral episiotomy reduces the risk for
2010;39(2):121-32. anal sphicter injury during operative vaginal delivery. BJOG. 2008;115(7):104-8.
7. Duarte G, Coltro PS, Bedone RV, Nogueira AA, Gelonezzi GM, Franco LJ. Trends 15. Souza FM, Silva LGP, Trajano AJB, Barbosa JL, Menezes AA. Operação a fórceps:
in the modes of delivery and their impact on perinatal mortality rates. Rev Saúde repercussão neonatal precoce em recém-nascidos de baixo peso. J Bras Ginecol.
Pública. 2004;38(3):379-384. 1993;103(4):103-7.
8. American College of Obstetricians and Gynecologists. Operative vaginal 16. Pereira BG, Camargo MG, Couto EG, Amaral E, Passini Jr R, Parpinelli MA. Resultados
delivery. ACOG Practice Bulletin number 17. Washington, DC: AGOG; neonatais no parto vaginal espontâneo comparados aos dos partos com fórcipe de
2000. Simpson-Braun em primíparas. Rev Bras Ginecol Obstet. 2004;26(1):9-13.

554 FEMINA | Dezembro 2011 | vol 39 | nº 12

Você também pode gostar