A Presença Da Antropologia No Enisno Básico

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A presença da Antropologia no Ensino Básico1

Rúbia Machado de Oliveira- UFSM/RS2


Juliana Franchi da Silva- UFSM/RS3

Resumo: Este trabalho se propõe a refletir sobre o espaço em que a Antropologia ocupa
na Educação Básica, seus desafios, bem como apresentar uma discussão sobre a
importância de seu método etnográfico em estudos dentro do ensino básico escolar. Na
Educação Básica a Sociologia representa as três áreas de conhecimento das Ciências
Sociais, a saber, Antropologia, Ciência Política e Sociologia. No entanto, há um desafio
para a prática antropológica, desde a formação acadêmica do professor e,
posteriormente quando o mesmo adentra no espaço da sala de aula na escola básica. A
Antropologia pode ser um diferencial dentro desses espaços, ou seja, através de seu
método etnográfico e da sua técnica de observação participante que contribuirá para que
o professor em formação desenvolva um olhar e uma percepção mais próxima da
realidade que fará parte do seu universo de trabalho. Esse diferencial, esse olhar
antropológico do professor permitirá que ele desenvolva uma reflexão diferenciada com
os seus alunos, proporcionando aos mesmos uma visão mais ampla, mais aberta sobre o
universo que circunda a sua vida pessoal e futuramente profissional, pois terão contato
com as discussões e reflexões antropológicas na base da sua formação. Portanto, o
ensino de antropologia auxiliará os alunos da escola básica, futuros profissionais,
membros de uma sociedade, participante de grupos sociais diversos a se relacionarem
com o outro e compreende-los a partir de seu próprio espaço social.

Palavras-chave: Antropologia. Educação Básica. Etnografia.

1. Introdução

O presente trabalho tem em vista refletir sobre as contribuições que a


Antropologia pode proporcionar para a Educação Básica, bem como apresentar uma
discussão sobre a importância de seu método etnográfico em estudos dentro do ensino
básico escolar.
Na Educação Básica a Sociologia representa as três áreas de conhecimento das
Ciências Sociais, a saber, Antropologia, Ciência Política e Sociologia. No entanto, a
prática antropológica tem um papel importante no âmbito da disciplina de Sociologia no
ensino médio, ou seja, na educação básica.
A Antropologia pode ser um diferencial dentro desse espaço de ensino. Por
meio de seu método etnográfico e da sua técnica de observação participante, contribuirá

1
“Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN.”
2
Mestranda em Ciências Sociais – PPGCS – UFSM.
3
Mestre em Ciências Sociais - PPGCS – UFSM.
para que os professores, tanto os que estão em formação, como os que já se encontram
trabalhando nas escolas, desenvolvam um olhar e uma percepção mais próxima da
realidade que faz parte do seu universo de trabalho. Esse diferencial, esse olhar
antropológico do professor permitirá que ele desenvolva uma reflexão diferenciada com
os seus alunos, proporcionando aos mesmos uma visão mais ampla, mais aberta sobre o
universo que circunda a sua vida pessoal e futuramente profissional, pois terão contato
com as discussões e reflexões antropológicas na base da sua formação.
Pode-se dizer que o ensino de antropologia auxiliará os alunos da escola
básica, futuros profissionais, membros de uma sociedade, participante de grupos sociais
diversos a se relacionarem com o outro e compreende-los a partir de seu próprio espaço
social, sem preconceito, ou com um olhar um pouco menos etnocêntrico.

2. Contribuições do saber antropológico à educação básica

“O saber antropológico tem um papel importante tanto no campo das ciências


da educação quanto no domínio da pedagogia prática” e cada professor e/ou
pesquisador, possui o seu saber antropológico implícito, (WULF, 2005). Embora a
disciplina na educação básica tenha recebido o nome de Sociologia, a maioria dos
cursos que formam o professor de Sociologia são cursos de Ciências Sociais e
obrigatoriamente este profissional recebeu, igualmente, conhecimentos provenientes da
Ciência Política e da Antropologia.
Portanto a Antropologia, assim como a Sociologia tem o seu campo de ação e
participa da formação dos alunos da educação básica. Com isso o saber antropológico
proporcionará a formação de um conhecimento além de reflexivo e critico um pouco
menos carregado de juízos de valor, pois o olhar da antropologia ajudará o aluno a
desprender-se de preceitos pré-concebidos sobre a evolução, o processo de formação de
um povo, de uma comunidade, auxiliando-o na compreensão dos estágios culturais de
uma população em detrimento de outra.
Elias (1994) em O processo Civilizador, trás reflexões desta ordem e aponta
para o fato de que compreender que as diferenças existentes entre um povo e outra são
frutos de diferentes “estágios de evolução cultura” pode evitar que se cometa o erro de
colocar uma cultura como superior ou inferior a outra, ou seja, não há cultura melhor ou
pior, existem diferentes culturas. Boas (2006), em Raça e Progresso, chamava a atenção
para o fato de que não há razão para acreditar que uma raça seja naturalmente mais
inteligente, dotada de grande força de vontade, ou emocionalmente mais estável do que
outra, e que essa diferença influencia significativamente na sua cultura.
São inúmeras as questões em que a Antropologia pode colaborar,
proporcionando entendimentos diferenciados daqueles os quais fomos habituados a
aceitar. Margareth Mead (1999), em sua obra Sexo e Temperamento, faz uma leitura
antropológica da educação sexual de três tribos da Nova Guiné, ela mostra que as
chamadas qualidades masculinas e femininas não são baseadas em diferenças sexuais
fundamentais e determinantes, porém, reflete condicionamentos culturais de diferentes
sociedades.
Esses três autores citados acima, e suas reflexões por si só já nos apresentam
uma prévia do quanto a Antropologia tem a oferecer a e a contribuir para a formação
intelectual dos jovens alunos da educação básica. Temas de grande relevância, como
estes, podem ser discutidos e desmistificados já entre os jovens alunos, ajudando-os a se
tornarem sujeitos mais tolerantes e com isso contribuir para a formação de uma
sociedade, também, mais tolerante, mais justa e mais igualitária.

A Antropologia, dentro da disciplina de Sociologia, pode ajudar alunos e


professores da Educação Básica a conhecer, relativizar e pensar criticamente
a diversidade e a desigualdade que conforma a realidade brasileira,
desmistificando noções já naturalizadas e/ou essencializadas acerca do que se
entende por raça, cor, etnia, identidade, entre outros. (MEIRELLES;
SCHWEIG, 2008, p.4)

Olhando por esta ótica, percebe-se que, embora a Antropologia não configure o
nome da disciplina na educação básica, ela tem muito a contribuir com o ensino e pode
vir a realizar grande mudança social, tendo em vista que é um conhecimento que
procura revelar o sentido das ações dos grupos sociais e isso torna o entendimento do
outro possível, gerindo novas formas de agir e instigando a busca por explicações e
entendimentos sobre realidades e noções já naturalizadas.
É preciso auxiliar os alunos, os jovens a compreenderem as diversidades
sociais e a Antropologia no ensino básico é a ferramenta que dará suporte para que se
compreenda que cada sociedade cria a sua cultura e que para compreender o sujeito que
vive dentro de tal grupo, antes é preciso desvendar a sociedade a qual ele faz parte.
Arbitrariamente fomos educados em uma sociedade onde o “outro” é o diferente e por
mais heterogênea que tenha se tornado a sociedade em que vivemos sempre haverá um
olhar excêntrico de uma classe social sobre a outra, como se o negro, o índio, o
“favelado” sejam os fora da normalidade social, os diferentes (GUSMÃO, 2008). Boas
(2006) foi um dos primeiro pesquisadores a alertar para o fato de que “não existe
cultura” e sim, que são culturas, sendo que cada costume ou valor só poderá ser
explicado se relacionada no seu contexto social e cultural.
Diante de todas essas colocações fica clara a importância dos estudos
antropológicos na formação básica, pois assim, desde cedo os sujeitos terão a
oportunidade de aprender que o diferente nada mais é que outro modo de ser, de ver, de
agir, de sentir e que não existe homogeneidade de pensamentos e ações mesmo entre
grupos aparentemente muitíssimos integrados.

3. A Antropologia na escola

Como disse Guimarães Rosa “Mestre não é quem de repente ensina, mas quem
de repente aprende” 4. Essa frase pode parecer sem sentido dentro da discussão, mas no
momento que estamos apontando para o fato de que dentro das sociedades existe uma
pluralidade enorme de saberes, temos que estar atento para o tipo de educação que será
apresentado aos alunos da escola básica, logo essa outra questão nos remete a formação
do professor, pois este, antes de ir pra sala de aula precisa ter compreendido que o agir
de cada individuo se relaciona com o universo a qual o mesmo pertence.
Procurar desenvolver o entendimento da alteridade dos sujeitos não é tarefa
fácil, pois para que o educando consiga dialogar, ou seja, “trocar algo”, conhecimento,
informação com o seu aluno, ele precisa reconhecer as qualidade particulares de cada
interlocutor. “O perigo é o educador pensar seu trabalho unicamente em termos de
preencher lacunas ou corrigir deficiências no seu público alvo”, (FONSECA 1993,
p.29).
Claudia Fonseca em sua experiência de 10 anos pesquisando os grupos
populares de Porto Alegre mostra que aquilo que aos nossos olhos, num primeiro
momento transparece ser uma desorganização familiar, nada mais é do que outra forma
de organização social, entretanto nossa recusa em enxergar este outro universo como
outro modo de organização, só pode ser entendido como uma “defesa nossa”, (Id).

Antigamente acreditávamos na onipotência dos nossos modelos científicos.


Todos os fenômenos significativos podiam ser encaixados dentro destes

4
Disponível em:< http://kdfrases.com/autor/guimar%C3%A3es-rosa> acesso 20 mai. 2014
modelos. Qualquer coisa que não se encaixava era, por definição, “caótica”.
O grande avanço da Teoria do Caos não foi como pensam muitas pessoas, a
declaração da vitória do caos. Era, pelo contrário, insistir em mostrar que
tudo aquilo que nós considerávamos caos, tem uma ordem – só que é uma
ordem que foge de nossos modelos convencionais. A descoberta de novas
lógicas, inesperadas, imprevisíveis, é a grande viagem da ciência
contemporânea. É uma viagem que se nega a tomar refúgio em modelos
abstratos, e que insiste em enfrentar o desafio da rica e variada realidade em
que vivemos. (FONSECA, 1993, p.34)

O que podemos esperar da Antropologia na educação básica é que a partir das


reflexões antropológicas os alunos e também o professor, procurem entender a lógica do
outro, dos outros grupos sociais que não os seus e passe a olhar para o diferente, não
como alguém inferior ou atrasado, menos capazes, como se nós fossemos mais
inteligentes, mais adiantados, superiores. A Antropologia pode provocar uma mudança
intensa em nossos pensamentos e consequentemente, se ensinada nas escolas, pode vir a
provocar uma mudança profunda na sociedade como um todo.

4. Etnografia como ferramenta de apoio à educação

Outra possibilidade e uma grande oportunidade para aumentar as formas de se


apresentar um tema, refletir sobre a realidade social, em sala de aula, é incluir o método
etnográfico como ferramenta de apoio no ensino básico. A etnografia pode se tornar um
diferencial dentro dos espaços educativos e contribuir para o desenvolvimento de
pesquisas no âmbito educacional. Para o professor pode ser um meio de compreender
melhor o seu universo de trabalho, mas também pode ser um suporte para as pesquisas
dos alunos.
O professor pode orientar os alunos na realização de pesquisas de campo no
próprio espaço escolar, dentro da comunidade que reside, na rua em que mora etc. Essa
técnica desenvolverá nos alunos o gosto pela pesquisa, além de desenvolver o habito
investigativo, de análise e crítica de um fato, pois o professor pode sugerir
questionamentos e propor aos alunos que investiguem na sua comunidade ou bairro o
impacto de um assunto, a opinião da população sobre um determinado fenômeno, etc.
São inúmeras as contribuições que a Antropologia e o seu método podem trazer
para educação. Como apresentado anteriormente no texto, a Antropologia é um
conhecimento que tem a capacidade transformar o olhar dos sujeitos, fazendo com que
estes, antes de julgarem ou criticarem um grupo ou alguém, procurem entender a lógica
desse outro, dos outros grupos sociais que não o seu e com isso aprendam a olhar para o
diferente não mais com superioridade.
A Antropologia pode provocar uma mudança radical no modo de pensar dos
alunos e estes ao aprenderem que “a abordagem etnográfica se constrói tomando como
base a ideia que os comportamentos humanos só podem ser devidamente
compreendidos e explicados se tomarmos como referencia o contexto social onde eles
atuam (Victoria 2000, p.53)”, estarão mais abertos e receptíveis ao entendimento do
outro e consequentemente de si próprio, da sua família, do vizinho, do colega de classe.
Entretanto é uma tarefa que exige um grande esforço do professor, que nem
sempre tem condição estrutural pra desenvolver um trabalho de campo, ou tempo
suficiente para o preparo necessário dos alunos para um trabalho etnográfico. Porém, é
necessário que os alunos aprendam articular a teoria com a pratica e para isso é válido
pensar atividades que ultrapassem os limites da sala de aula.
Amurabi Oliveira (2014) em relato de sua experiência, publicado na Revista
Café com Sociologia conta uma experiência pedagógica realizada quando então
professor de Sociologia no Ensino Médio. Ele queria materializar aquilo que vinha
discutindo em sala de aula e depois de caminhar pela cidade onde lecionava, viu no
cemitério da cidade um local “no qual se poderiam perceber múltiplas questões, como o
patrimônio cultural, as transformações no tempo, além, é claro,” do foco principal que
estava sendo discutido em sala de aula: “a estratificação social”.
Somente neste relato o professor Amurabi apresenta uma série de questões que
devem ser trabalhadas com o aluno em função de um trabalho fora da sala de aula.
Antes de tudo os alunos precisam compreender os objetivos do professor com a
pesquisa extraclasse e em seguida o que é uma “pesquisa de campo”. No caso
apresentado pelo professor Amurabi, a avaliação seria um relatório sobre a ida a campo,
logo, outra questão muitíssimo importante a ser trabalhada com os alunos é como se faz
um relatório.
Explicar o que era uma pesquisa de campo, assim como seus procedimentos,
implicou em um efeito positivo não esperado por mim, pois, com o
levantamento dessas questões ficou mais claro para os alunos algo que os
inquietava: afinal, qual a prática da Sociologia? Essa dúvida eles ainda não
haviam externalizado, e eu, com todas as minhas limitações, havia
naturalizado a questão, portanto, essa prática pedagógica implicou também
na aprendizagem de outras questões que não estavam explicitamente postas
nos seus objetivos. (OLIVEIRA 2014, P.10)
Tarefas que requerem o esforço do professor, pois demanda uma
desnaturalização das técnicas metodológicas já naturalizadas pelo mesmo.

a maior dificuldade era desnaturalizar os procedimentos metodológicos já


internalizados, e reconhecer que afirmações como “teremos uma aula de
campo”, ou, “será pedido um relatório ao final” não soam óbvias para os
alunos do Ensino Médio. Era preciso, além de trabalhar os conteúdos,
desenvolver uma reflexão sobre o fazer sociológico. (OLIVEIRA 2014, p.10-
11)

Como se pode ver, a Antropologia juntamente com a Sociologia e com a


Ciência Política podem ser apresentadas de diferentes formas para os alunos. Até
mesmo uma pequena comunidade oferece alternativas para se refletir sobre a realidade
social a partir de outro ponto de vista. Além disso, como mostra Oliveira (2014),
apresentar outras formas de pensar um conteúdo, um tema debatido ajuda a despertar a
curiosidade dos alunos em relação ao “que a Sociologia faz”.

5. Considerações Finais

Ente breve trabalho teve o intuito de refletir sobre as contribuições da


Antropologia para o ensino médio escolar. Embora a disciplina tenha o nome de
Sociologia ela representa as Ciências Sociais e a Antropologia pode contribuir
significativamente na forma de como os conteúdos são apreendidos pelos alunos.
O trabalho de campo é uma das técnicas que pode ajudar os alunos a
perceberem a importância do trabalho de um cientista social, pois ao mostrar ao aluno o
que significa um trabalho de campo, como se realiza e o quanto se pode ver e saber de
um grupo, de uma localidade, num simples passeio no cemitério, por exemplo,
apresenta outras possibilidades de interpretação do mundo, das coisas e por conseguinte
transforma o olhar daquele aluno sobre todas as outras coisas, pois faz com que ele
perceba que existe muito mais coisas por trás das semelhanças, por trás da regularidade.
Que coisas aparentemente insignificantes, como um túmulo, podem dizer muito sobre
alguém, sobre si mesmo, sobre sua cultura.
Portanto, refletir sobre o espaço em que a Antropologia ocupa na Educação
Básica, seus desafios, bem como apresentar uma discussão sobre o método etnográfico
em estudos dentro do ensino básico escolar é hoje de grande relevância para a educação
brasileira.
6. Referências

BOAS, Franz. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

FONSECA, C. Da pedagogia da rua a uma filosofia sobre o aprender. In: Revista do


GEEMPA: Porto Alegre, 1993, 28-35p.

GUSMÃO, N. M. M. de. Antropologia, Estudos Culturais e Educação: Desafios da


Modernidade. In: Revista Pro- posições, Campinas, São Paulo, v.19, nº3, 2008. 47-82p.

WULF, C. Antropologia da Educação. Campinas, SP: Alínea, 2005.

OLIVEIRA, A. Quando a aula de Sociologia não e na escola. Algumas reflexões apartir


de uma ida a campo. Revista café com Sociologia. Vol.3, Nº2. Maio de 2014. 6-13p.
Disponível em:
<http://revistacafecomsociologia.com/revista/index.php/revista/article/view/261/pdf_1>
acesso 30 mai. 2014

MEIRELLES, M.; SCHWEIG, G. R. Para além dos muros da Universidade:


contribuições da Antropologia para a Lei 10.639/03 e o Parecer 38/06 do
CNE/CEB. Trabalho apresentado na 26ª. Reunião Brasileira de Antropologia, realizada
entre os dias 01 e 04 de junho, Porto Seguro, Bahia, Brasil, 2008.

VÍCTORA et al. Pesquisa Qualitativa em Saúde. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2000.
Caps. 4. A construção do objeto de pesquisa.

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