Dissertação de Mestrado Sofia Lobão

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

FACULDADE DE DIREITO | ESCOLA DE LISBOA

SOFIA CABRAL MONJARDINO DE ALMEIDA LOBÃO

MEDIDAS DE COMBATE À CRIMINALIDADE


ORGANIZADA E ECONÓMICO-FINANCEIRA:
A PERDA ALARGADA DE BENS NA LEI Nº 5/2002 DE 11 DE
JANEIRO

Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de


Direito de Lisboa da Universidade Católica Portuguesa para
obtenção do grau de Mestre em Direito Forense,
especialização em Direito e Processo Penal.

SOB A ORIENTAÇÃO DO PROFESSOR DOUTOR PEDRO GARCIA MARQUES

ABRIL DE 2019
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

FACULDADE DE DIREITO | ESCOLA DE LISBOA

SOFIA CABRAL MONJARDINO DE ALMEIDA LOBÃO

MEDIDAS DE COMBATE À CRIMINALIDADE


ORGANIZADA E ECONÓMICO-FINANCEIRA:
A PERDA ALARGADA DE BENS NA LEI Nº 5/2002 DE 11 DE
JANEIRO

Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de


Direito de Lisboa da Universidade Católica Portuguesa para
obtenção do grau de Mestre em Direito Forense,
especialização em Direito e Processo Penal.

SOB A ORIENTAÇÃO DO PROFESSOR DOUTOR PEDRO GARCIA MARQUES

ABRIL DE 2019
Eu prefiro o erro do entusiasmo
à indiferença do bom senso.

Anatole France

1
Agradecimentos

Dedico o presente espaço a todos aqueles que contribuíram para a realização da


presente dissertação de mestrado.
Agradeço à minha família, em especial à minha mãe pelo apoio incondicional e
confiança depositada em mim ao longo do meu percurso académico. Agradeço também
pelos valores transmitidos e por me proporcionar mais uma etapa de aprendizagem.
Um agradecimento à minha irmã e avó por todo o apoio prestado.
Um agradecimento ao meu orientador, Professor Doutor Pedro Garcia Marques, pela
presença imprescindível para a concretização deste trabalho. Agradeço todas as críticas,
sugestões e a partilha de conhecimento.
Uma palavra de agradecimento ao Professor Doutor Henrique Sousa Antunes pela
sua disponibilidade e contributo para o presente estudo.

2
Resumo

O presente estudo incide sobre as medidas de combate à criminalidade organizada


e económico-financeira, tendo como ponto de partida a análise do regime da perda
alargada de bens a favor do Estado, previsto no artigo 7º da Lei nº 5/2002, de 11 de
janeiro.
No âmbito do estudo da perda alargada de bens a favor do Estado alude-se à
discussão doutrinária envolvente e tecem-se algumas críticas à luz do presente regime.
Procura-se assumir uma posição face às normais constitucionais e processuais penais,
tendo presente o compromisso internacional e europeu assumido pelo Estado português
no combate à criminalidade organizada e económico-financeira.
Finalmente, procuram-se extrair conclusões da análise levada a cabo e sugere-se
a intervenção de diversos instrumentos pertencentes a outros ramos do direito,
nomeadamente do direito civil, e que poderão representar um contributo fundamental para
a recuperação de ativos na criminalidade organizada e económico-financeira.

Palavras-Chave: Criminalidade organizada; Criminalidade económico-financeira; Perda


alargada de bens; Recuperação de ativos; Apreciação jurídico-constitucional.

3
Glossário/Lista de siglas e abreviaturas

Al. – Alínea
Art. – Artigo
CEJ – Centro de Estudos Judiciários
Cfr. – Conforme
CP – Código Penal
CPC – Código de Processo Civil
CPP – Código de Processo Penal
CPTA – Código de Processo dos Tribunais Administrativos
ETAF – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
MP – Ministério Público
ONU – Organização das Nações Unidas
PGR – Procuradoria Geral da República
TC – Tribunal Constitucional
TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
S.S – Seguintes
STJ – Supremo Tribunal de Justiça

4
Prefácio

O presente trabalho surge no âmbito do Mestrado de Direito Forense que atualmente


frequento na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.
Durante o curso tive a oportunidade de contactar com diferentes matérias
procurando, por um lado, frequentar disciplinas que me permitissem completar a minha
licenciatura em Direito e, por outro, aprofundar os meus conhecimentos no âmbito do
direito e do processo penal.
Neste período foram abordadas diversas problemáticas associadas à criminalidade
económico-financeira acabando por originar, de forma natural, o atual trabalho.
O presente estudo reveste-se de relevância, desde logo, pelo desafio que constituiu o
levantamento doutrinário da temática, pela possibilidade de reflexão sobre o tema, do
ponto de vista jurídico e constitucional, e de aplicação de conhecimentos transversais a
outros ramos do direito que procurei colher ao longo dos últimos anos.
Trata-se de um trabalho que ilustra o término de uma caminhada e que marca o início
da etapa que se segue.

5
Índice

Agradecimentos......................................................................................................................... 2
Resumo ...................................................................................................................................... 3
Glossário/Lista de siglas e abreviaturas .................................................................................... 4
Prefácio ..................................................................................................................................... 5
1.Introdução .............................................................................................................................. 7
2.Criminalidade organizada e económico-financeira ................................................................ 9
3.Instrumentos tradicionais do ordenamento jurídico português ............................................ 12
2.1 Contextualização ............................................................................................................... 15
2.2 Pressupostos de aplicação ................................................................................................. 19
2.2.1 Incongruência do património ..................................................................................... 19
2.2.2 Decisão condenatória ................................................................................................. 21
3.1 Enquadramento normativo ................................................................................................ 32
3.1.1 Direito de Mera Ordenação Social ............................................................................. 33
3.1.2 Direito Administrativo ............................................................................................... 35
3.1.3 Direito Penal............................................................................................................... 37
3.1.4 Apreciação do Tribunal Constitucional ...................................................................... 42
3.1.5 Apreciação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ........................................ 43
3.1.6 Direito Civil................................................................................................................ 44
3.2 Resposta político-criminal: reflexões ................................................................................ 50
4. Considerações finais............................................................................................................ 54
5.1 Bibliografia ....................................................................................................................... 58
5.1.1 Obras consultadas ....................................................................................................... 58
5.1.2 Materiais em suporte eletrónico ................................................................................. 63
5.1.3 Fontes normativas e textos legislativos ...................................................................... 64
5.1.4 Jurisprudência ............................................................................................................ 66

6
Capítulo 1
1.Introdução

O mundo atual está em constante transformação, o tempo passa e as sociedades


modificam-se. O direito procura acompanhar este desenvolvimento respondendo aos
novos desafios, em especial aos novos desafios da globalização1. Também o fenómeno
criminológico não é estanque e exigem-se novas formas de encarar os problemas
criminais.
O combate à criminalidade organizada e económico-financeira representa um dos
grandes desafios do direito penal atual e alvo de particular atenção, tanto no plano
internacional e comunitário como no interno2. Tornou-se premente a necessidade de criar
instrumentos de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, não só por
se tratarem de práticas em geral altamente lucrativas, mas também pela dimensão mundial
que atingiram, sem qualquer espécie de fronteiras.
As intenções que tradicionalmente o direito penal prossegue só serão satisfeitas se
quem pratica estes crimes também sofrer sérios abalos económicos, subtraindo-se as
vantagens que obtêm através da atividade criminosa e colocando-os na situação
patrimonial em que se encontravam antes de cometer o crime3.
Deste modo, a conceção de que o combate à criminalidade económico-financeira
deve passar, não só pela responsabilização penal, mas sobretudo pela recuperação dos
bens, combatendo as grandes fortunas que se geram4. Por este motivo, a questão da
recuperação de ativos, neste âmbito, configura um dos principais pontos de enfoque.
Estes objetivos já eram prosseguidos pelos mecanismos tradicionais de perda de
produtos e vantagens do crime, de que dispõem os artigos 109.º e 111.º do Código Penal.
Contudo este tipo de criminalidade associada a técnicas cada vez mais ousadas, permite
que muitos agentes, depois de cumprirem as suas penas, conservem grandes fortunas com
a prática destes crimes, sem que os mecanismos clássicos de perda de vantagens sejam
suficientes para combater os respetivos lucros.
Se é certo que, cada vez surgem mais instrumentos em resposta ao combate deste
tipo de criminalidade, cada vez mais complexa e arrojada, é também necessário refletir
nesses mesmos mecanismos os princípios e garantias substantivas e processuais dos

1
FERRAJOLI, 2003.
2
SIMÕES, 2010; RODRIGUES, 1999;
3
CORREIA, 2012.
4
RODRIGUES & RODRIGUES, 2013.

7
cidadãos acolhidos na Constituição da República Portuguesa e que têm reflexo na
estrutura do processo penal português5.
Posto isto, a elaboração do presente trabalho representa, por um lado, uma
oportunidade de refletir sobre um tema que assume especial relevância no contexto atual,
em que são exigidos mecanismos mais eficazes e, por outro, uma contribuição para a
discussão que surge no plano jurídico-constitucional relativamente à legitimidade do
mecanismo de perda alargada de vantagens, introduzido pela Lei n.º 5/2002 de 11 de
janeiro.

5
RODRIGUES, 2018.

8
2.Criminalidade organizada e económico-financeira

O conceito de criminalidade económico-financeira é relativamente recente na


legislação portuguesa, surgindo com a Lei n.º 36/1994 de 29 de setembro. Este conceito
surgiu por referência particular aos fenómenos de corrupção, fraude, administração
danosa, e estava limitado pelos crimes cometidos de forma organizada, com recurso à
tecnologia informática e de dimensão internacional ou transnacional6.
Hoje em dia, o conceito de criminalidade económico-financeira é mais amplo -
abrange todo o crime não violento que tem como consequência uma perda económica ou
financeira7. Contudo, o catálogo de crimes abrangido por este conceito não é unânime
entre os Estados Membros da União Europeia.
O conceito de criminalidade organizada não é claro; contudo, não se confunde
dogmaticamente com o de criminalidade económico-financeira nem com o de
criminalidade altamente organizada8. O Código Penal Português, na tentativa de definir
a criminalidade altamente organizada, inclui no artigo 1.º, alínea m) alguns crimes
económico-financeiros, tais como corrupção, tráfico de influência, participação
económica em negócio ou branqueamento. Consoante o contexto e a forma como são
exercidos, o conceito de alguns crimes económico-financeiros pode coincidir, ou não,
com o de criminalidade organizada.
São múltiplas as propostas de reação à criminalidade organizada e económico-
financeira centradas na ideia basilar de que os criminosos não se podem prevalecer das
vantagens obtidas com a prática de crimes. Ainda que não se tenha identificado uma
solução que permita erradicar a prática de crimes, as maiores preocupações atuais
associadas a estes crimes surgem na vertente da prevenção e recuperação de ativos, por
se considerar que este tipo de criminalidade consiste numa “séria ameaça à estabilidade
e segurança das sociedades, pois é passível de minar instituições, o valor de ética, da
justiça, compromete o desenvolvimento sustentável, o Estado de direito; no fundo, a
democracia9.” (sic).
Num primeiro momento, as medidas preventivas surgiram no âmbito do crime de
tráfico de estupefacientes, com o objetivo de evitar a colocação de quantias obtidas de

6
CEJ, 2013.
7
Conceito adotado em CEJ, 2013.
8
GODINHO, 2001.
9
MASCARENHAS, 2018, p. 293. No mesmo sentido vide SIMÕES, 2011.

9
forma ilícita no mercado e o respetivo branqueamento de capitais. Hoje em dia as
preocupações estendem-se a outro tipo de criminalidade, nomeadamente à económico-
financeira e organizada.
Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 94/VII refere-se que “a eficácia dos
mecanismos repressivos será insuficiente se, havendo uma condenação criminal por um
destes crimes, o condenado puder, ainda assim, conservar, no todo ou em parte, os
proventos acumulados no decurso de uma carreira criminosa”10.
A Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro insere-se numa tendência político-criminal
internacional e europeia de que o “crime não pode compensar”, através da criação de
mecanismos destinados a impedir a obtenção e conservação de lucros avultados
conseguidos através da prática de certos crimes.11
As próprias Convenções Internacionais, de que Portugal é signatário, preveem a
necessidade de os Estados adotarem medidas alternativas à perda clássica tal como
consagrada, salvaguardando o respeito pelos princípios constitucionais internos e a
natureza dos procedimentos judiciais dos respetivos Estados12.
A este propósito, veja-se a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de
Estupefacientes de 1988, em que as partes signatárias acordam adotar medidas que
permitam a perda, admitindo a possibilidade de “(…) inverter o ónus da prova no que diz
respeito à origem lícita dos presumíveis produtos ou outros bens que possam ser objecto
[sic] de perda (…)”13, ressalvando-se a sua compatibilidade com as regras de direito
interno dos Estados.
Na Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada
Transnacional, de 2000, também se invoca a adoção de medidas necessárias à perda. O
art. 12.º, n.º 7 da Convenção refere que os “(…) Estados Partes poderão considerar a
possibilidade de exigir que o autor de uma infracção [sic] demonstre a proveniência lícita
do presumido produto do crime ou de outros bens que possam ser objecto [sic] de perda
(…)”14, desde que essa exigência seja conforme à natureza do processo e aos princípios
do direito interno dos Estados.

10
Proposta de Lei n.º 94/VII, p. 1.
11
Consideração esta também acolhida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 392/2015, de 12 de agosto
de 2015, p. 4.
12
Tal como resulta do artigo 5.º, n.º7 da Convenção de Viena de 1998, do artigo 12.º, n.º 7 da Convenção
das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional e o artigo 31.º, n.º8 da Convenção
das Nações Unidas contra a Corrupção.
13
Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes de 1988, artigo 5.º, n.ºs 1 e 7.
14
Artigo 12.º, n.ºs 1 e 7 da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional
de 2000.

10
No mesmo sentido e ainda no plano internacional, também o artigo 3.º da Convenção
do Conselho da Europa relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos
Produtos do Crime e Financiamento do Terrorismo, de 2005, prevê que cada Estado deve
adotar medidas legislativas “que se revelem necessárias para poder decretar a perda de
instrumentos, de bens branqueados e de produtos ou bens cujo valor corresponda a tais
produtos”15.
No âmbito comunitário também são múltiplos os instrumentos que vão neste sentido,
destacando-se o primeiro Plano de Ação de Luta contra a Criminalidade Organizada,16
segundo o qual a privação e combate aos lucros deste tipo de crimes é traçado como um
dos objetivos político-criminal para o milénio. Para o efeito, admite-se a possibilidade de
flexibilizar as disposições em matéria de ónus da prova no que diz respeito aos bens de
uma pessoa que seja condenada por um crime no âmbito da criminalidade organizada.
No plano interno, o Programa “Prevenir e Combater a Criminalidade”17 teve como
principais objetivos a prevenção deste tipo de criminalidade e a recuperação de ativos
através da prossecução da eliminação dos proveitos do crime. Este programa procurou
inverter a conceção tradicional, segundo a qual a reação penal se centrava sobretudo na
sanção penal aplicada ao arguido, avançando com meios que permitissem uma efetiva
apreensão e posterior perda.

15
Convenção do Conselho da Europa relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos Produtos
do Crime e Financiamento do Terrorismo, de 2005, artigo 3.º.
16
Aprovado pelo Conselho a 3 de maio de 2000.
17
Criado pela Decisão do Conselho da União Europeia 2007/125/JAI, de 12 de fevereiro de 2007.

11
3.Instrumentos tradicionais do ordenamento jurídico português

Embora o presente trabalho incida sobre a perda alargada concebida para a


criminalidade económico-financeira e organizada, concretamente para os crimes
previstos no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, importa proceder a uma nota introdutória sobre
o surgimento deste mecanismo e o regime legal tradicional previsto no Código Penal.
O Capítulo VII do Título III da Parte Geral do Código Penal, que tem por epígrafe
“Perda de Instrumentos, produtos e vantagens”, regula em cinco artigos (109.º-112.º-A
do CP) a perda de coisas e direitos relacionados com o crime.
Estão previstas na lei três modalidades de perda de bens, nomeadamente a perda de
objetos, de instrumentos e das vantagens do facto ilícito típico, tendo por base na sua
distinção a relação entre os bens do agente e o facto ilícito típico.
Nas palavras de Hélio e Carlos Rodrigues18, entendem-se por objetos do crime
(objectum sceleris) quer os “que podem ser imediatamente utilizados na conduta proibida,
(a arma de alarme adaptada, o passaporte falsificado, etc), quer aqueles sobre que incide
a atividade criminosa (como as substâncias proibidas, nomeadamente estupefacientes)”.
De acordo com a Convenção do Conselho da Europa de 1990 e a Convenção do
Conselho da Europa de 2005, entende-se por instrumentos (instrumenta sceleris) neste
âmbito: “Qualquer objeto entregue ou destinado a ser empregue, qualquer que seja o
modo, no todo ou em parte, para cometer uma ou várias infracções [sic] penais”19.
O artigo 109.º, n.º1 do Código Penal português estabelece um regime segundo o qual
“são declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico (…)
considerando instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou
estivessem destinados a servir para a sua prática” (sic) ou que, pelas circunstâncias do
caso, ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública ou
oferecerem sério risco de serem utilizados para a prática de factos ilícitos típicos.
A perda de instrumentos e objetos do crime está dependente de dois requisitos:
verificação de que tenham servido ou estivessem destinados a ser utilizados na prática de
crimes e um juízo de perigosidade de cometimento de novos factos ilícitos típicos20,

18
RODRIGUES & RODRIGUES, 2013.
19
Artigos 1.º, alínea c) da Convenção do Conselho da Europa de 1990 e da Convenção do Conselho da
Europa de 2005.
20
RODRIGUES & RODRIGUES, 2013.

12
ficando a perda dependente de juízo de que venham a verificar-se “novas e graves
perturbações da ordem dos bens jurídicos penalmente protegidos”21.
A lei refere-se aos objetos, coisas corpóreas, quer sejam instrumentos do crime, quer
por ele produzidos22. Assim, “[o]s instrumentos do crime serão os objetos que tenham
sido utilizados como meios para realizar o crime; os produtos são os objetos criados ou
produzidos pela actividade [sic] criminosa, distinguindo-se das vantagens obtidas com o
crime, que cabem no âmbito do art. 111.º”.23
Neste regime, exige-se uma relação entre os bens objeto de perda e a prática do facto
ilícito, na medida em que se exige que os bens estejam “comprometidos”, ou seja, que os
instrumentos em causa tivessem sido utilizados ou que estivessem destinados a servir a
execução do facto ilícito típico.
De acordo com a lei portuguesa, os objetos e instrumentos do crime são declarados
perdidos a favor do Estado, independentemente da culpa do agente que pratica o facto
ilícito típico, ou seja, mesmo nos casos em que não seja aplicada uma pena ou não haja
uma condenação do agente, tal como resulta expressamente do n.º 2 do artigo 109.º e do
art. 112.º-A, n.º 2 do CP.
A aplicação deste mecanismo preventivo assenta num juízo de perigosidade e
segurança da própria coisa e não do agente que pratica o facto. Ou seja, aplica-se quando,
pelas circunstâncias do caso ou pela sua natureza, se verifique um sério risco de virem a
ser utilizados para o cometimento de novos ilícitos24. Alguns autores consideram que este
mecanismo se reveste de uma natureza semelhante à da medida de segurança25.
Também a lei penal portuguesa, no artigo 110.º, n.º1 alínea a) do CP define “produto”
do crime como sendo “todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática”.26
Na alínea b) deste mesmo artigo definem-se vantagens do crime (fructum sceleris) como
“todas as coisas, direitos ou vantagens, que constituam vantagem económica, direta ou
indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.”

21
DIAS, 2005, p. 629.
22
SILVA, 1999.
23
SILVA, 1999, p. 182.
24
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17 de maio de 2010, e Acórdão do Tribunal da Relação
do Porto, de 25 de março de 2005.
25
RODRIGUES, 2018. DIAS, 2005. Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,
de 28 de setembro de 2010, e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 29 de setembro de 2013.
26
De acordo com os artigos 2.º, al. e) da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e da Convenção
contra a Criminalidade Organizada Transnacional produto do crime é definido como “os bens de qualquer
tipo, resultantes ou obtidos, direta ou indirectamente [sic] da prática de uma infracção [sic]”.

13
Na Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril de 2014 sobre o
congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia, define-
se no artigo 2.º, n.º1 “produto” como sendo “qualquer vantagem económica resultante,
direta ou indiretamente, de uma infração penal; pode consistir em qualquer tipo de bem e
abrange a eventual transformação ou reinvestimento posterior do produto direto assim
como quaisquer ganhos quantificáveis.” Deste modo, conclui-se que a noção de produto
adotada no quadro europeu se aproxima do conceito de “vantagens” da atividade
criminosa a que se refere o artigo 110.º do CP.
Atualmente, com a perda alargada de bens introduzida pela Lei n.º 5/2002 no
ordenamento jurídico português, inspirado pelo artigo 73d do Código Penal Alemão,
estabelece-se um novo paradigma, capaz de alcançar o combate ao lucro ilícito.
A perda de vantagens, consagrada no artigo 7.º deste diploma legal, distingue-se das
restantes figuras de perda já consagradas (instrumenta sceleris e objectum sceleris), pois
não tem como requisito uma relação direta e provada entre a prática do facto tipificado
pela lei como ilícito e os bens suscetíveis da declaração de perda.
No regime geral do Código Penal, exige-se uma dupla vinculação para que a medida
da perda possa ser aplicada. Por um lado, uma vinculação entre o bem declarado perdido
e a prática de um determinado facto ilícito típico, cujo nexo causal tenha sido
judicialmente provado e, por outro, uma vinculação entre o titular do bem perdido e a
atividade criminosa punida27. Já o mecanismo da perda alargada de bens que resulta desta
Lei “(…) ocorre, relativamente aos benefícios activos [sic] de uma conduta criminosa
genérica, de toda uma conduta criminosa passada.”28 O propósito primordial é de
prevenção criminal e de que o agente que pratique um crime não se possa prevalecer das
vantagens que resultem dessa prática, procurando alcançar uma remoção integral dos
benefícios obtidos da conduta ilícita.
O conceito de vantagens deve ser abrangente incluindo benefícios de uso e a
poupança de despesas29. Para Figueiredo Dias, a perda “resulta automaticamente das
regras da responsabilidade civil (nomeadamente, sob a forma da restituição em
espécie)”30, sendo esta uma consequência independente da condenação do agente numa
pena.

27
RODRIGUES & RODRIGUES, 2013.
28
SIMÕES & TRINDADE, 2009, p. 3.
29
ANTUNES, 2011.
30
DIAS, 2005, p. 633.

14
Capítulo 2 - Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro

2.1 Contextualização

Com a Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, foram introduzidas novas medidas de


combate à criminalidade organizada e económico-financeira, cingindo-se a um numerus
clausus de crimes, previstos no artigo 1.º do diploma e dentro destas, as regras de
derrogação do segredo fiscal e das entidades financeiras (artigos 2.º a 5) com vista a
facilitar a investigação criminal; a admissão do registo de voz e de imagem como meios
de prova (artigo 6.º), auxiliando a prova nos crimes económicos; e um novo mecanismo
repressivo e de recuperação de ativos, designado pelo legislador como perda alargada de
bens, sobre o qual incidirá o presente estudo.
Este regime assenta, na sua génese, na insuficiência dos atuais mecanismos de
combate à criminalidade organizada e económico-financeira, visando uma repressão mais
eficaz.
Crê-se que o legislador português terá optado pela designação de perda alargada
como forma de contornar a proibição do confisco geral de bens, tratando-se de uma
denominação diferente para denominar figuras semelhantes31.
Na revolução liberal, o confisco geral de bens foi proibido por se considerar uma
medida desumana e violadora do caráter pessoal das penas, deixando as famílias dos
condenados completamente na miséria32. Em Portugal, em 1822, a proibição do confisco
foi elevada a princípio constitucional até 197633.
Jorge Godinho considera que o facto de a CRP de 1976 não incluir esta proibição
“(…) não deve ser tida como um retrocesso nas garantias oferecidas (…)” 34, aludindo ao
n.º 3 do artigo 30.º da CRP que proíbe a transmissibilidade da responsabilidade penal.
Entendem alguns autores que a designação de confisco alargado seria dotada de
maior rigor conceptual do que a adotada pelo legislador português, já que esta medida
não incide sobre bens em concreto, mas antes, sobre um certo valor determinado pelo
Ministério Público como incongruente.35

31
GODINHO, 2003.
32
Ibidem. FERREIRA, 1982.
33
GODINHO, 2003.
34
Ibidem, p. 1356 e 1357.
35
SIMÕES & TRINDADE, 2009.

15
A perda alargada de bens, tal como prevista na ordem jurídica portuguesa, surge
impulsionada por uma série de instrumentos de direito europeu e de direito internacional
da ONU: a Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e
Substâncias Psicotrópicas, de 1988, e a Convenção das Nações Unidas Contra a
Criminalidade Organizada Transacional, de 2000.
Ambas as Convenções são soft law e, apesar de exercem uma fortíssima influência
sobre os Estados para adotarem este tipo de medidas, reconhecem também que possam
surgir problemas de compatibilização destas medidas repressivas com as disposições
constitucionais de cada Estado.
As Partes podem considerar a possibilidade de inverter o ónus da prova, no que diz respeito
à origem lícita dos presumíveis produtos ou outros bens que possam ser objeto de perda, na
medida em que os princípios do respectivo (sic) direito interno e a natureza dos
procedimentos judiciais e outros o permitam.36

O legislador, a fim de ultrapassar as sérias dificuldadees probatórias que se verificam


na relação entre os bens obtidos através de rendimentos ilícitos provenientes da prática
de crimes e os respetivos crimes, cria uma presunção de origem ilícita que vem permitir
a perda desses bens37.
O reconhecimento da necessidade de se analisar a possibilidade da inversão do ónus
da prova neste âmbito surge formalmente no documento de “Prevenção e controlo da
criminalidade organizada: Estratégia da União Europeia para o início do novo milénio”.
As razões invocadas pelo legislador português, subjacentes a este diploma e que têm
sido sufragadas pela doutrina e jurisprudência, prendem-se com a dificuldade de fazer
prova da origem criminosa dos bens do condenado e com razões de eficácia do direito
penal.
Tal como se pode ler na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 94/VIII,
a eficácia dos mecanismos repressivos será insuficiente se, havendo uma
condenação criminal por um dos crimes, o condenado puder ainda assim, conservar,
no todo ou em parte, os proventos acumulados no decurso de uma carreira
criminosa. Ora, o que pode acontecer é que, tratando-se de uma actividade (sic)
continuada, não se prove no processo a conexão entre os factos criminosos e a
totalidade dos respectivos (sic) proventos, criando-se, assim, uma situação em que
as fortunas de origem ilícita continuam nas mãos dos criminosos (…).38

36
Artigo 5.º, n.º7 da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias
Psicotrópicas de 1988.
37
SIMÕES & TRINDADE, 2009.
38
Proposta de Lei n.º 94/VIII que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-
financeira – Exposição de Motivos, pp. 1 e 2.

16
Na opinião de Damião da Cunha39, o sentido político-criminal desta sanção é garantir
de forma eficaz a repressão dos lucros que são obtidos através da prática de um certo tipo
de criminalidade. Assim, esta medida visa, primeiramente, atingir o património de um
determinado agente que haja sido condenado por algum dos crimes previstos no artigo 1.º
da Lei.
A Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro prossegue múltiplos objetivos, nomeadamente “o
de acentuar os institutos de prevenção geral e especial” 40, através da demonstração à
sociedade que o crime não rende benefícios e evitar o investimento de montantes ilícitos
no cometimento de novos crimes "(…) e o de reduzir os riscos de concorrência desleal no
41
mercado” , quando empresas com investimento ilícito concorrem com outras que
cumprem a lei. Damião da Cunha frisa sobretudo a finalidade de combate ao lucro ilícito
e, por outro lado, de impedir a prática de outros crimes por perda de base económica
propícia a esse fim42.
Damião da Cunha critica a designação pouco feliz dada ao presente mecanismo:
“perda de bens a favor do Estado”. O autor frisa que se trata de um conjunto de bens que,
presumidamente, constituem vantagens da atividade criminosa e não vantagens que
possam concretamente ser imputadas a um certo tipo de crime (já que, para essa situação,
existe o regime previsto no CP). Deste modo, argumenta que “não se pode dizer que se
trate de vantagens de um crime, mas antes [que o regime assenta na perda] de vantagens
de uma provável atividade criminosa.”
Na opinião do mesmo autor, este novo instrumento constitui
uma nova forma sancionatória, que assume sobretudo relevo substantivo. (…) por
um lado, e do ponto de vista substantivo, o facto de ser uma sanção que visa reprimir
vantagens presumidas de uma actividade [sic] criminosa, baseada num juízo de
(in)congruência entre o património do arguido e o rendimento lícito do mesmo (art.
7.º); (…) por outro lado, e agora de um ponto de vista processual, o reconhecimento
de uma regra de inversão do ónus da prova (art. 9.º), impondo-se ao arguido a prova
da licitude dos seus rendimentos.43

Aludindo aos estudos de Conde Correia,


na ânsia louvável de lutar contra o crime e de salvaguardar os fundamentos do
Estado de direito, não estaremos a deitar fora algumas conquistas civilizacionais
mais importantes e, dessa forma, a comprometer decisivamente esse Estado? Não
serão os remédios mais perigosos do que a própria doença?44

39
CUNHA, 2002, p. 123
40
SIMÕES & TRINDADE, 2009, p. 2.
41
SIMÕES & TRINDADE, 2009, p. 2.
42
CUNHA, 2004, p 124.
43
CUNHA, 2002, p. 123
44
CORREIA, 2012, p. 59.

17
O surgimento deste regime assenta na ideia de que certos crimes, pela sua gravidade
e lucros avultados, justificam certas medidas e, consequentemente, a restrição de direitos.
Na exposição de motivos da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, é dito que “não é excessivo,
até tendo em conta o tipo de crimes aos quais se aplica este diploma, impor à pessoa que
é condenada, nos termos referidos, o ónus de provar a licitude dos seus rendimentos.”45

45
Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 94/VIII da Assembleia da República, de 19 de setembro de
2001, p. 8.

18
2.2 Pressupostos de aplicação

2.2.1 Incongruência do património

A Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro46 vem consagrar um regime inovador no


ordenamento jurídico português e que merece a maior atenção, pela discussão e dúvidas
que têm surgido. Permite-se que, com base numa condenação do arguido por um dos
crimes elencados no artigo 1.º do catálogo e com base numa incongruência verificada
entre o valor do património do arguido e os seus rendimentos lícitos, o valor dessa
diferença seja perdido a favor do Estado.
Este mecanismo surge em resposta à chamada diabolica probatio que se verifica em
certos crimes, nomeadamente na criminalidade organizada e económico-financeira, pela
frequente dificuldade na obtenção de prova quanto à ilicitude dos rendimentos de certos
agentes47. Estabelece-se no n.º1 do artigo 7.º desta Lei uma presunção de que constitui
vantagem da atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e
aquele que seja incongruente com o seu rendimento lícito, cabendo ao arguido o ónus de
provar a licitude do seu património.
Face ao regime aqui em análise, cabe ao arguido demonstrar a origem lícita dos bens
que constem no seu património, sobre os quais tenha incidido a presunção de fruto da
atividade criminosa. Se o arguido nada fizer ou não fizer prova que deixe o juiz convicto
da origem lícita do seu património, o tribunal decidirá que todo o património incongruente
é perdido a favor do Estado.
A presunção em causa será ilidida quando ocorra qualquer uma das seguintes
situações: o arguido prove que os bens em causa provêm de atividade lícita48 ou os bens
estejam na titularidade do arguido há pelo menos 5 anos, desde o momento em que foi
constituído arguido ou, finalmente, o arguido prove que os bens em causa foram
adquiridos por si com rendimentos obtidos, há pelo menos cinco anos, desde o momento
em que foi constituído arguido49.

46
Lei que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira e procede à
segunda alteração à Lei n.º 36/94 de 29 de setembro, alterada pela Lei n.º 90/99 de 10 de julho, e à quarta
alteração do Decreto-Lei n.º 325/95 de 2 de dezembro, alterado pela Lei n.º 65/98 de 2 de setembro, pelo
Decreto-Lei N.º 275-A/2000 de 9 de novembro e pela Lei n.º 204/2001 de 25 de agosto.
47
CUNHA, 2004.
48
Essa prova deverá ser feita em termos de plausibilidade argumentativa capaz de formar uma convicção
no juiz e não segundo o critério tradicional da superação da dúvida razoável, segundo SIMÕES &
TRINDADE, 2009.
49
MARQUES, 2012.

19
De acordo com letra dos artigos 5.º e 7.º da Lei n.º5/2002 são requisitos para a
aplicação do regime de perda de vantagens a condenação50 por um dos crimes elencados
no artigo 1.º do diploma e a verificação de uma incongruência do valor do património do
arguido face aos seus rendimentos lícitos.

50
Não obstante o interesse em apurar se o preenchimento deste requisito depende da espécie e medida da
pena aplicada, ou até mesmo da aplicação de uma pena de prisão efetiva, esta questão não será abordada
no presente estudo.

20
2.2.2 Decisão condenatória

Este diploma consagra variados crimes que, por habitualmente estarem ligados a uma
certa organização e gerarem lucros avultados, vêm legitimar a aplicação da medida
prevista no artigo 7.º da Lei n.º 5/2002.
A criação do catálogo de crimes que consta no artigo 1.º desta Lei está intimamente
associada à vaga fortíssima de combate e prevenção da criminalidade organizada e
económico-financeira, amplamente influenciada pelo plano internacional e europeu, de
que já se fez referência, e que Portugal tem procurado acompanhar.
O catálogo de crimes previsto no artigo 1.º da Lei é parcialmente coincidente com a
definição de “criminalidade altamente organizada” prevista no artigo 1.º, al. m) do CPP.
Resulta do Código de Processo Penal que os crimes de associação criminosa, tráfico de
pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas,
corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócio ou branqueamento
integram o conceito de criminalidade altamente organizada.
Por sua vez, os crimes de peculato, participação económica em negócio, contrabando
e lenocínio podem integrar a criminalidade organizada, mas não estão abrangidos no
conceito de criminalidade altamente organizada do Código Penal.
O legislador nacional procede a uma distinção fundamental entre crimes que dão
sempre origem à aplicação da presunção e os crimes que, de acordo com o n.º 2 do artigo
1.º, só relevam para este efeito, se praticados de forma organizada. Dispõe assim o n.º 2
do artigo 1.º desta Lei que os crimes de lenocínio, contrabando e tráfico e viciação de
veículos furtados carecem de prova quanto à organização na atuação do agente para se
possa aplicar o presente regime.
Mas então, se somente os crimes previstos nas alíneas p) a r) carecem de prova
quanto à forma organizada na atuação do agente, tal significará que os restantes crimes
do catálogo se presumem praticados de forma organizada? Aceitar que assim o seja
implica que um regime unanimemente reconhecido como gravoso e legitimado pelo seu
caráter excecional se possa aplicar a crimes que não sejam praticados em contexto
organizado.
O catálogo contém uma diversidade de crimes com gravidade distinta, o que deixa
dúvidas relativamente à integração de certos crimes na presente Lei. Veja-se, por
exemplo, o crime de corrupção para a prática de ato ilícito (374.º, n.º 2 do CP) e o tráfico

21
de influência para obtenção de decisão lícita (art. 335.º, n.º1, al.b) do CP) puníveis com
uma pena de prisão máxima de 3 anos51.
Parece evidente que o legislador fundou a presunção deste regime na aptidão de
certos crimes gerarem elevados lucros. Contudo, nem todos os crimes elencados no artigo
1.º da Lei são aptos a gerar lucros ilícitos elevados. Referimo-nos, nomeadamente, aos
crimes de terrorismo52, pornografia infantil, cujo objetivo não será, em princípio, a
prossecução do lucro.
Afastamos a ideia de que dos crimes de peculato e recebimento indevido de
vantagem resultem sempre elevados proveitos económicos que legitime a aplicação do
presente regime sem mais53. Somente através de uma análise in casu, admitimos que
possam gerar elevados benefícios económicos.
O presente quadro normativo não deixa de causar insegurança jurídica, dúvidas
interpretativas e grandes incongruências, incluindo a que se verifica entre os catálogos de
crimes do artigo 1.º da Lei e o da al. m) do artigo 1.º do CPP e que, como tal, sugerem a
necessidade de intervenção legislativa.

51
DIAS, 2010.
52
MARQUES, 2012.
53
Contrariando assim aquele que parecer ser o sentido da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º
94/VIII da Assembleia da República, de 19 de setembro de 2001.

22
2.2.3 A atividade criminosa

Alguns autores apontam que estes requisitos não são, todavia, suficientes para que
se possa aplicar a presunção do artigo 7.º da Lei, afirmando que é necessário que o crime
cometido integre uma “atividade criminosa”54. Nos termos em que a lei se encontra,
poder-se-á cair no erro lógico de concluir que, desde que o agente haja sido condenado
por um dos crimes elencados, presume-se que exista atividade criminosa.
Apelando aos escritos de Damião da Cunha, “em lado nenhum se diz na lei que, pelo
facto de o agente ter sido condenado por um crime, se deva presumir que existe uma
anterior actividade [sic] criminosa”55.
Surge então a dúvida, sobre a qual a lei não parece esclarecer, de saber se a aplicação
desta Lei tem como pressuposto que o agente tenha praticado uma atividade criminosa e,
em caso afirmativo, sobre quem recai o dever de fazer prova dessa atividade e dos
respetivos pressupostos.
Esta questão alcança uma grande importância, desde logo, porque as vantagens a que
se refere o diploma recaem sobre a existência de uma plausível atividade criminosa e que
poderá não dizer respeito, diretamente, ao crime pelo qual o agente é condenado.
Subjacente a este regime encontra-se “a suspeita, não explicitada pelo legislador, de
que terão sido praticados outros crimes, que terão gerado vantagens.56”. O facto de
alguém ser condenado por um dos crimes do catálogo e ter na sua posse uma série de
bens, incongruentes com os seus rendimentos lícitos, sugere, à luz do regime, uma prática
de uma atividade criminosa continuada e geradora de lucros.
Sufragando a opinião de Damião da Cunha, o facto de este diploma não prever
qualquer dever, por parte do Ministério Público, de fazer prova quanto à “atividade
criminosa”, faz recair “sobre o arguido condenado um ónus muito excessivo e tem ainda
por consequência, (…) “que o património a ser retirado possa nada ter a ver com os crimes
do catálogo” 57.
O mesmo autor é da opinião que cabe ao Ministério Público provar a existência de
uma atividade criminosa, quando esteja em causa uma condenação por um dos crimes

54
CUNHA, 2002.
55
CUNHA, 2002, p. 125.
56
GODINHO, 2003; CUNHA, 2004; MARQUES, 2012.
57
CUNHA, 2002, p. 126.

23
elencados nas alíneas a) a o), do artigo 1.º, para que possa vigorar a presunção elencada
no diploma.58 59
não pode existir qualquer dúvida (até porque, como veremos, não será uma
exigência particularmente absurda) que é ao MP que compete demonstrar a
probabilidade de uma actividade [sic] criminosa, de uma actividade [sic] criminosa
da mesma espécie dos crimes previstos no catálogo, por tal forma que se possa dizer
que o património incongruente tem uma fonte substancialmente análoga. Só depois
disso é que deveria verificar-se a inversão do ónus da prova (sublinhado nosso)
60
.

Se o tribunal não tiver ficado convencido da presumível atividade criminosa, anterior


à prática do crime pelo qual é condenado, ou da incongruência do seu património, nada
poderá ser exigido ao condenado em termos de ónus da prova. Defende, assim, que o
tribunal terá que decidir se estão preenchidos os requisitos que constituem a base da
presunção, com base na demonstração de indícios, para que esta possa se possa aplicar.61
62

Ficando provada a prática de uma atividade criminosa, em momento anterior à


condenação do arguido, posteriormente será feita prova da incongruência do património
do arguido com os seus rendimentos lícitos, aplicando-se a presunção de que esses bens,
por não serem congruentes, constituem “vantagem de atividade criminosa”.
Damião da Cunha vai mais longe nos seus estudos, considerando que esta medida se
deve aplicar somente quando o MP demonstre que a atividade criminosa tem uma ligação
a algum dos crimes do catálogo e, ainda, uma ligação ao crime pelo qual o agente foi
condenado. “Sob pena de subversão do sistema – [exige-se] que exista um qualquer elo
de ligação entre o crime por que o arguido é condenado e a eventual actividade [sic]
criminosa”63.
O pensamento do autor assenta, sobretudo, no facto de o legislador ter previsto que
esta sanção esteja restrita aos crimes do catálogo previstos no artigo 1.º que, pela sua

58
Ainda que não parece ser este o espírito da lei tal e qual como consagrada. CUNHA, 2002; MARQUES,
2012.
59
CUNHA, 2002; SIMÕES, 2004; MARQUES, 2012.
60
CUNHA, 2002, p. 128.
61
Ao contrário da prova que se exige para apreciar a questão principal, por respeito às regras processuais
penais, Damião da Cunha considera que na demonstração da atividade criminosa a prova é muito menos
exigente, bastando a demonstração de indícios credíveis ou elementos que demonstrem a plausibilidade de
serem provenientes de uma “atividade criminosa” anterior à condenação pelo crime. CUNHA, 2002, pp.
127 e 128.
62
CUNHA, 2004, pp. 125 e 126.
63
CUNHA, 2002, p. 131.

24
gravidade e lucros avultados, legitimam a aplicação desta medida e não que a sanção se
possa aplicar, independentemente da fonte criminosa dos rendimentos64.
“Do que estamos seguros é que, seja qual for a via [de interpretação] por que se opte,
deve existir pelo menos uma possibilidade de a fonte das vantagens estar em associação
com um crime do catálogo”65.
Contudo, o presente diploma aparentemente não assenta nessa formulação, já que
parece prescindir de uma ligação entre a “atividade criminosa” prosseguida pelo
condenado e os crimes do catálogo.66
Jorge Godinho, muito contestador deste regime, aponta para o facto de que, por via
deste regime, o arguido possa perder os seus bens, pela circunstância de ter sido
condenado por um dos crimes do catálogo, sem que esse património tenha que ver com a
prática de crimes elencados no catálogo67.
Para efeito da apreciação do património do condenado consideram-se, não só os bens
pertencentes ao seu património, como aqueles de que este seja titular, mas também outras
formas jurídicas que se distinguem do direito de propriedade. Nestas incluem-se os bens
sobre os quais o agente tenha domínio e o benefício à data da constituição como arguido
ou posteriormente.
Caberá à acusação fazer prova de que, nestas circunstâncias, apesar de a titularidade
dos bens pertencer a outrem, o arguido tem o respetivo domínio e benefício68. De acordo
com a lei, incluem-se ainda os bens que hajam sido “transferidos para terceiros a título
gratuito”, ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição
como arguido (art. 7.º, n.º2, al. b)).

64
CUNHA, 2002.
65
CUNHA, 2002, p. 136.
66
CUNHA, 2002; GODINHO, 2003.
67
GODINHO, 2003.
68
GODINHO, 2003.

25
2.3 O arresto

As medidas de investigação patrimonial e o arresto destacam-se, sobretudo, no


âmbito específico da perda alargada de bens, por assegurarem a eficácia da aplicação da
medida de perda e, consequentemente, para a recuperação de ativos. As primeiras visam
sobretudo localizar os ativos do agente e, dada a sua especial importância e complexidade,
não serão objeto do presente estudo. Optou-se por fazer algumas considerações sobre o
arresto, sobretudo por esta medida, prevista no diploma em análise, visar diretamente a
eficácia da decisão de perda.
Ao longo do processo penal é muito frequente que os arguidos ou meros suspeitos
escondam os seus bens, a fim de usufruírem dos mesmos após o cumprimento da pena
que lhes possa vir a ser aplicada ou de outros poderem tirar partido destes. Nestas
situações, a decisão de perda de bens sai gravemente afetada ou poderá até mesmo nem
ser executada se, no momento em que for proferida, não se identificarem bens.
O arresto afigura-se, em muitos casos, condição prévia inerente à sua execução,
capaz de assegurar a efetividade de uma eventual decisão de perda alargada de bens
subsequente, por meio de uma decisão de “congelamento”.
Como tal, diversos instrumentos internacionais consagram a necessidade de garantir
uma proteção cautelar às decisões de perda, visando a efetiva recuperação de ativos. Neste
sentido, alude-se ao artigo 31.º da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção69,
para o artigo 7.º da Diretiva 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho70.
Tendo em conta a finalidade prosseguida com a futura declaração de perda a favor
do Estado, poder-se-á verificar a necessidade de aplicação de uma medida cautelar
preventiva que seja capaz de assegurar a manutenção dos bens num certo local e a própria
conservação do valor dos bens e que, além disso, permitam a efetivação da subsequente
decisão jurisdicional de perda.71 Trata-se, pois, de uma decisão processual separada, de
caráter provisório e que pode, ou não, ser seguida de uma decisão de perda72.
No plano jurídico nacional, o arresto preventivo dos bens encontra-se previsto no
artigo 228.º do Código de Processo Penal, pensado para as situações em que haja fundado
receio de que faltem ou diminuam as garantias da pena pecuniária, das custas do processo

69
De 31 de outubro de 2003, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 47/2007, de 21 de
setembro.
70
Diretiva 2014/42/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014.
71
RODRIGUES & RODRIGUES, 2013.
72
Considerando 27 da Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril de 2014.

26
ou de qualquer valor a pagar relacionado com a prática do crime. Neste caso, o arresto
pode ser decretado, independentemente de existirem indícios da prática do crime.
Existe ainda um regime especial de arresto no âmbito do processo penal, introduzido
pela Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro, para as situações em que haja indícios da prática de
um facto tipificado no artigo 1.º desta Lei (fumus bonis iuris) e, cumulativamente, haja
um fundado receio de dissipação do património do arguido, ou seja, quando se verifique
um risco na demora da decisão final (periculum in mora)
Alguns autores consideram que não basta a possibilidade de ter ocorrido o facto
ilícito típico, exigindo-se para o preenchimento do requisito do fumus bonis iuris, um
juízo de prognose desta ocorrência, baseado na verificação de fortes indícios da prática
do crime.73
Relativamente ao preenchimento do segundo requisito (periculum in mora),
a perda de bens pode ver-se frustrada pela duração prolongada do processo penal,
durante o qual o suspeito pode praticar actos (sic), ou podem produzir-se eventos
que tornem muito difícil o cumprimento da decisão judicial, ao colocar os bens em
mãos de terceiros inacessíveis ao órgão judicial.74

Quanto a este requisito, cumpre fazer um juízo de antecipação sobre o perigo de


dissipação do património do arguido, nomeadamente do que constitui objeto, produto,
lucro, preço ou recompensa do crime, incluindo os objetos que tiverem sido deixados no
local do crime, como decorre do n.º 2 do artigo 10.º da Lei75.
Esta medida pode ser decretada “pelo juiz, a requerimento do MP e
independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do
CPP, se existirem fortes indícios da prática do crime”76, sendo-lhe aplicável o regime do
arresto preventivo previsto no CPP (cfr. artigo 10.º, n.º4 do CPP).
O arresto preventivo de bens pode ocorrer nas fases preliminares do processo,
durante o inquérito e instrução, diversamente do que acontece na perda alargada de bens
que tem como pressuposto uma decisão condenatória.
Silva Dias77 rejeita que o arresto possa ser decretado antes da acusação, uma vez que
só neste momento é que será apurado o valor da vantagem da atividade criminosa. O autor
adianta que para fazer face à possível dissipação do património e garantir a eficácia da

73
CORREIA, 2012; RODRIGUES & RODRIGUES, 2013.
74
RESTREPO, s.d., citado e traduzido por RODRIGUES & RODGRIGUES, 2013, p. 86.
75
CORREIA, 2012.
76
Tal como previsto no n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro.
77
DIAS, 2010.

27
medida que decrete a perda definitiva dos bens, possa convocar-se o arresto preventivo
previsto no artigo 228.º do CPP.
Nos termos do artigo 8.º, n.º4 da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, impõe-se que,
recebida a liquidação no tribunal, seja “imediatamente notificada ao arguido e ao seu
defensor”, mas “nada impede que essa notificação seja precedida do arresto de bens.”78
Havendo decisão absolutória em relação à perda de bens a favor do Estado, extingue-
se o arresto ou a caução económica. Por outro lado, havendo decisão final condenatória,
o tribunal declara o valor a ser perdido a favor do Estado. Perante este cenário, o arguido
pode pagar voluntariamente ou fazer valer a caução económica que haja prestado79; caso
contrário, são perdidos os bens arrestados.
Aos arguidos que sejam afetados por uma decisão de congelamento deve ser
assegurada a respetiva impugnação judicial, o que implica que esta decisão tenha sido
anteriormente comunicada à pessoa em causa no mais curto espaço temporal possível,
contendo, pelo menos sucintamente, os fundamentos da decisão. Pode, contudo,
acontecer que, por motivos de eficácia da investigação, as autoridades competentes
tenham que adiar a respetiva comunicação à pessoa afetada80.
Sendo o arresto uma decisão, ainda que de natureza provisória, que afeta
consideravelmente os direitos fundamentais das pessoas deve manter-se em vigor
somente pelo tempo estritamente necessário, por respeito ao princípio da
proporcionalidade81.
É ainda exigido que os bens que sejam alvo de uma decisão de arresto sejam geridos
de modo adequado, evitando a sua desvalorização, desde logo porque não há certezas de
que a decisão final definitiva subsequente seja de perda desses mesmos bens a favor do
Estado82.
Na opinião de Hélio Rodrigues e Carlos Rodrigues83, a aplicação desta medida ou de
outra qualquer medida cautelar não conflitua, em abstrato, com os direitos
constitucionalmente consagrados. O princípio da presunção da inocência não é afetado,

78
DIAS, 2010.p. 46.
79
No caso de ter sido prestada caução económica o montante a ser perdido a favor do Estado tem como
limite do valor objeto de condenação.
80
Tal como decorre dos considerandos 33 e 34 e do artigo 8.º da Diretiva 2014/42/EU do Parlamento
Europeu e do Conselho de 3 de abril de 2014.
81
Considerandos 31 e 33 da Diretiva 2014/42/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril de
2014.
82
Considerando 32 e artigo 10.º da Diretiva 2014/42/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de
abril de 2014.
83
RODRIGUES & RODRIGUES, 2013.

28
uma vez que não é feita em sede de aplicação desta medida um juízo de antecipação de
culpa e de aplicação da pena. Consideram assim estes autores que também não são
violadas as garantias do Processo Penal.

29
2.4 Ónus da prova

O artigo 7.º desta Lei estabelece que “em caso de condenação pela prática de um
crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-
se constituir vantagem da atividade criminosa a diferença entre o valor do património do
arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito”.
Face à presunção que se estabelece cabe ao arguido provar a origem lícita desses
bens, sob pena de, não conseguindo, ou abstendo-se de o fazer, perdê-los a favor do
Estado, tal como decorre do artigo 9.º, n.º1 do diploma.
Trata-se de uma verdadeira presunção iuris tantum, pela qual, desconhecida a origem
de certo património, se infere a sua origem ilícita. Em regra, “(…) [a] que[m] inova um
direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” 84, regra que se
inverte na presença de uma presunção iuris tantum que institui que “quem tem a seu favor
a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”85. Neste caso, e não sendo
produzida prova em contrário, tem-se como assente o facto presumido.
São múltiplas as razões que subjazem à inversão do ónus da prova. Aponta-se, em
primeiro lugar, para a dificuldade que recai sobre o sistema de provar que determinado
bem provém de uma certa atividade criminosa. Em segundo lugar, para a natureza destes
crimes que têm como propósito primordial a prossecução de grandes lucros.
O passar dos anos acompanha-se de uma maior perícia dos criminosos em se
desfazerem de provas da origem ilícita do dinheiro. Como tal, na ausência desta
presunção, recairia sobre o Ministério Público (MP) provar a origem ilícita desses bens,
tratando-se de probatio diabica, pela enorme onerosidade e complexidade associadas.
O exercício de reflexão da compatibilidade deste mecanismo com os direitos
fundamentais dos cidadãos, tanto substantivos como processuais, consagrados nos
diferentes instrumentos de direito internacional, poderão comportar respostas que nem
sempre são definitivas, dada a sua complexidade86.
Na opinião de Vitalino Canas, não existe uma “extremada inversão do ónus da
prova” uma vez que “a carga da prova não incide exclusivamente sobre o arguido: pode

84
Artigo 342.º, n.º 1 do CC.
85
Artigo 350.º, n.º 1 do CC.
86
RODRIGUES & RODRIGUES, 2013.

30
ele não conseguir fazer prova de qualquer das circunstâncias acima enunciadas e mesmo
assim a presunção ser ilidida87.”
De acordo com o regime descrito, opera que, à falta de prova contrária por parte do
arguido capaz de ilidir a presunção que recai sobre o seu património, presumem-se as
vantagens como fruto da atividade criminosa, suscitando sérias dúvidas acerca da sua
compatibilidade com o princípio do in dubio pro reo,
A formulação da Lei parece assentar no sentido de que é ao condenado por um dos
crimes listados no artigo 1.º que cabe fazer prova da licitude do seu património porque o
legislador parece presumir que aqueles têm sempre uma origem criminosa, prescindindo
com aquele que era um dos requisitos da aplicação deste mecanismo: a ligação aos crimes
do catálogo. A presunção subjacente assenta no raciocínio de que se alguém cometeu um
crime, do qual resultam geralmente ganhos avultados, possui um património cuja origem
é inexplicada e, como tal, é possível que aquele património tenha origem ilícita88.

87
CANAS, 2004, p. 172.
88
GODINHO, 2003.

31
Capítulo 3

3.1 Enquadramento normativo

Chegados aqui, cumpre fazer referência à natureza indefinida do instituto da perda


alargada, previsto na Lei 5/2002, de 11 de janeiro. A qualificação da natureza da medida
de perda alargada está longe de ser unânime na doutrina, motivo pelo qual tem gerado um
amplo debate doutrinário e constitucional.
O presente estudo busca expor parâmetros que auxiliem na definição dos contornos
deste instituto, especialmente no que diz respeito ao enquadramento dogmático da perda
do lucro presumidamente ilícito, por referência às áreas de direito que surgem como
candidatos e à doutrina.
Damião da Cunha entende que a medida objeto do presente estudo consiste num
novo instrumento repressivo, que não assume natureza penal, mas antes uma natureza
semelhante à da medida de segurança. Acaba por qualificá-la como uma sanção
administrativa prejudicada por uma condenação penal anterior89.
Figueiredo Dias,90 por sua vez, revê a perda de vantagens numa “providência
sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança”, por ter como finalidade a
prevenção de novos crimes, cuja aplicação é independente de culpa.91
Hélio Rodrigues e Carlos Rodrigues92 qualificam o instituto de perda alargada a
favor do Estado, como uma medida de natureza eminentemente civilista.
De acordo com a opinião de Godinho93, a perda alargada consiste num instrumento
de reação de natureza penal.
A necessidade de aferir a natureza deste instituto afigura-se essencial na análise
posterior, quanto à sua compatibilidade com as regras próprias de cada ramo, consoante
se assuma a natureza penal, civilista ou administrativa.

89
CUNHA, 2004.
90
DIAS, 2005.
91
DIAS, 2005, p. 638. RODRIGUES, 2018.
92
RODRIGUES & RODRIGUES, 2013; RODRIGUES, 2018.
93
GODINHO, 2003.

32
3.1.1 Direito de Mera Ordenação Social

O direito contraordenacional surgiu recentemente no ordenamento jurídico


português com a introdução do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, integrando o
Direito Público sancionatório94.
A dificuldade em enquadrar os ilícitos contraordenacionais tem gerado uma ampla
discussão na doutrina. Alguns autores admitem que o direito contraordenacional se deve
incluir numa subespécie do direito penal, enquanto outros consideram tratar-se de um
direito sancionatório autónomo. Embora esta seja uma discussão muito interessante, não
ocupará o presente trabalho95.
No direito contraordenacional, à semelhança do direito penal, vigora um princípio
basilar muito importante – o princípio da legalidade96. Como corolário deste princípio,
afigura-se que somente se aplicarão coimas àqueles factos ilícitos tipificados na lei para
os quais esteja prevista uma coima (lex stricta e scripta). Num Estado de Direito, tem que
ser possível a decomposição analítica do conteúdo de uma norma incriminatória por
razões de previsibilidade e segurança.
No direito contraordenacional, as coimas têm que ser determináveis com base em
critérios legais tipificados que estabeleçam uma moldura penal. Não há dúvida de que a
coima indexada ao lucro constitui uma pena absolutamente indeterminada, porque o seu
mínimo e máximo não se encontram previstos na lei e, como tal, não pode ser admitida,
sob pena de violar o princípio da legalidade.
De outro modo, a reação punitiva tornar-se-ia imprevisível para os seus destinatários
e, como tal, inadmissível num Estado de Direito Democrático. Logo aqui a perda
alargada, tal como disposta no regime que ora se analisa, não pode ser admitida no seio
do direito das contraordenações. Além do mais, a admissibilidade deste instituto no
direito de mera ordenação social implicaria que a sanção fosse aplicada por uma entidade
administrativa prima facie e não por um tribunal judicial, como decorre do artigo 33.º do
DL n.º 433/82. Tal como previsto na Lei n.º 5/2002, somente os órgãos judiciais têm
legitimidade para decidir pela condenação da perda alargada, tal como decorre do artigo
12.º n.º 1 desta Lei.

94
DIAS, 2018.
95
Sobre esta discussão doutrinária e no sentido de considerar o direito de mera ordenação social enquanto
minus do direito penal veja-se FERREIRA, 1992, pp. 92 e ss., pp. 107 e ss.
No sentido de o direito de mera ordenação social enquanto aliud do direito penal vide CORRREIA, 1973;
DIAS, 1998; SILVA 2015; MOUTINHO, 2008; BRANDÃO, 2016.
96
Art. 2.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.

33
Perspetivar que um mecanismo excecional dotado de especial gravidade, como a
perda alargada, possa ser aplicado por uma entidade administrativa, em detrimento de
uma entidade judicial que goza de todas as garantias de independência e imparcialidade,
pode ter repercussões a nível das garantias de defesa do arguido ao longo de todo o
processo.

34
3.1.2 Direito Administrativo

A organização dos tribunais portugueses está prevista na Constituição da República


Portuguesa, nomeadamente nos artigos 209.º e s.s..
A própria CRP procede a uma distinção fundamental entre a jurisdição civil e a
jurisdição administrativa. Para além disto, determina que existe o Tribunal
Constitucional, o Tribunal de Contas, os Tribunais Arbitrais e os Julgados de Paz. De
acordo com o critério da matéria, os tribunais judiciais são os competentes para julgar as
causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Os juízos de competência especializada são desdobrados em tribunais de cível ou
criminal. Os juízos de competência especializada cível têm competência para julgar as
ações que não caibam noutros tribunais. Os juízos de competência criminal têm
competência para julgar os processos crime.
A jurisdição dos tribunais administrativos regula as relações entre todos os cidadãos
com a Administração Pública e a atividade dos seus integrantes. O Direito Administrativo
pode atingir todos os cidadãos, mas somente os que tenham uma relação com a
Administração Pública, quer como titulares de deveres administrativos, quer como
titulares de direitos subjetivos perante a Administração”97.
A competência dos tribunais administrativos é delimitada pelos artigos 4.º do ETAF
conjugado com o artigo 2.º do CPTA, atribuindo competência a estes tribunais na
apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas às alíneas aí previstas. No
n.º 1 e n.º 2 do artigo 4.º do ETAF procede-se a uma delimitação positiva, enquanto nos
n.ºs 3 e 4 deste artigo a competência é delimitada negativamente.
De uma análise destes artigos, compreende-se que a medida da perda alargada poder-
se-ia, ainda que somente em abstrato, enquadrar-se nas alíneas f), g) e h) do artigo 4.º,
n.º1 do ETAF ou ainda na al. m) do artigo 2.º do CPTA.
A al. f) do artigo 4.º do ETAF reporta-se a danos que provenham do exercício de
funções “política, legislativa e jurisdicional”, não se enquadrando no presente âmbito.
A alínea g) do mesmo artigo alude ao regime específico da responsabilidade do
Estado e demais pessoas coletivas de direito público, nomeadamente à Lei n.º 67/2007 de
31 de dezembro. A Lei a que se faz referência regula a responsabilidade civil
extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas de direito público por danos

97
AMARAL, 2015.

35
resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa, cingindo-se
aos casos em que o Estado poderá, mediante ações ou omissões das suas instituições, estar
obrigado a reparar danos provocados aos particulares. A presente alínea não cumpre uma
finalidade semelhante à prosseguida pela perda alargada porque nesta última se prevê que
os particulares possam ter que reparar danos que hajam provado ao Estado e não o
contrário.
A al. m) do artigo 2.º do CPTA refere-se, por sua vez, à “restituição do
enriquecimento sem causa, incluindo a repetição do indevido” que não cumpre o mesmo
propósito da perda alargada, nem os seus pressupostos permitem a aplicação deste
instituto com os efeitos que se procuram atingir.
Face à presente exposição é possível rejeitar a possibilidade de enquadrar a perda
alargada na jurisdição administrativa98. A jurisdição dos tribunais administrativos regula
as relações entre particulares e a Administração Pública, bem como a atividade dos seus
integrantes. Trata-se de um ramo de direito autónomo, face aos demais, com
competências próprias. Assim, na ausência de uma relação entre particulares e a
Administração, não tem cabimento serem convocados tribunais administrativos, pois
tratar-se-á de uma relação alheia ao Direito Administrativo.

98
RODRIGUES, 2018.

36
3.1.3 Direito Penal

As medidas de natureza penal têm, inevitavelmente, que estar sujeitas aos princípios
constitucionais, na medida em que as consequências jurídicas dos crimes podem acarretar
restrições gravíssimas aos direitos fundamentais e que, por isso, têm que ser justificadas
pela necessidade, adequação e proporcionalidade, tal como resulta do n.º 2 do artigo 18.º
da CRP.
Como já foi analisado, a perda alargada assenta numa presunção de ilicitude quanto
aos rendimentos do arguido, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 5/2002. A
admissibilidade de presunções é incompatível com a natureza do processo penal orientado
pela busca da verdade material. Assim, qualquer medida de caráter penal que se afaste
dos moldes normais do processo penal é, por isso, muito questionável à luz das garantias
processuais penais do arguido.
Jorge Godinho considera que este mecanismo se reveste de natureza penal. De
acordo com o autor, a aplicação deste regime encontra-se intrinsecamente ligado à prática
de um crime, tendo como pressuposto a condenação por um dos crimes do catálogo e do
qual resultem, ainda que indiretamente, proveitos económicos, acentuando a natureza
eminentemente punitiva do instituto99.
Para além deste argumento aponta que, subsidiariamente a este regime, vigoram as
regras gerais sobre o confisco de vantagens do crime consagradas no CPP e que a prova,
de acordo com o artigo 10.º, n.º 2 da Lei, se faz nos termos do processo penal100.
É nosso entendimento que o mecanismo em causa é de natureza eminentemente
penal. Por um lado, este instrumento assenta, na sua génese, em objetivos de prevenção
criminal posto que, com a declaração de perda alargada, se pretende evitar que tais
vantagens sejam meio de retomar essa atividade económica, evidenciando que esta
medida está vinculada a finalidades que são as do direito penal101.
Finalmente, o artigo 7.º n.º 3 da Lei n.º 5/2002 apela ao estatuído no artigo 111.º do
Código Penal, o que densifica a inserção sistemática do instituto em causa com os
institutos da perda clássica do CP. Acresce a estes argumentos o facto de a perda alargada
de bens assentar em factos relacionados com o crime, designadamente, vantagens da

99
GODINHO, 2003.
100
Ibidem.
101
Ibidem; DIAS, 2010.

37
atividade criminosa. Ergue-se, assim, a necessidade de considerar o presente regime à luz
dos princípios constitucionais e das regras do processo penal português.

3.1.3.1 O princípio da separação de poderes

O processo penal rege-se pelo princípio da investigação, o qual se traduz no poder-


dever que recai sobre o tribunal de proceder, a requerimento ou oficiosamente, à produção
de todos os meios de prova cujo conhecimento seja necessário à descoberta da verdade
material e à boa decisão da causa (artigos 340.º, n.º1 e 323.º, als. a) e b) do CPP).
No que se refere à aquisição da prova, o processo penal norteia-se pelo dever de
investigação judicial, o que significa que a convicção do tribunal não está limitada aos
meios de prova apresentados, vigorando a verdade material102. No processo penal “está
em causa não a “verdade formal”, mas a “verdade material” (…) e que há-de ser antes de
tudo uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço,
mas processualmente válida” (sic)103. Na audiência de julgamento este princípio está,
contudo, limitado ao princípio da vinculação temática que impede o juiz de conhecer
factos que extravasem do objeto do processo.
Por referência ao princípio da investigação judicial não impende sobre quem alega,
contradiz e impugna o ónus da prova que lhe aproveite104. Por força do artigo 127.º do
CPP, a apreciação da prova levada a cabo pelo julgador está sujeita ao princípio da livre
apreciação da prova. Ora, a oponibilidade da presunção, na qual assenta o artigo 7.º da
Lei, não se dirige exclusivamente ao arguido, uma vez que também terá implicações para
o aplicador do direito. Parece suceder que o julgador se vê, através deste instituto,
confrontado com uma vinculação probatória, limitadora do seu poder de aquisição e,
consequentemente, da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do Código de
Processo Penal.
A consideração anterior permite-nos concluir por uma violação do princípio
constitucional da separação de poderes, postulado no artigo 2.º e 111.º da CRP. Os
Tribunais são “os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em
nome do povo”105, não podendo o poder legislativo intrometer-se nessa matéria.

102
DIAS, 1974.
103
Ibidem. pp. 193-194.
104
DIAS, 1974.
105
Artigo 202.º da CRP

38
3.1.3.2 O princípio da presunção da inocência e seus corolários

Nos termos do artigo 32.º, n.º2, 1ª parte da CRP106, todo o arguido se presume
inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, salvo prova em contrário.
Tal como apontado por Figueiredo Dias, o princípio da presunção da inocência só vale
“em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da
questão de direito:”107
Silva Dias aponta ainda para o facto de a medida de perda alargada de bens ser
aplicada num momento em que a sentença condenatória ainda não transitou em julgado e
que, como tal, o princípio da presunção de inocência deve ser plenamente conservado108.
Na exposição de motivos da Lei, que ora se analisa, pode ler-se que:
O regime ora previsto não viola, assim, o princípio da presunção constitucional da
inocência. Pelo contrário, a condenação do arguido, transitada em julgado, é o
próprio pressuposto da aplicação destas normas. Não é excessivo, até tendo em
conta o tipo de crimes aos quais se aplica este diploma, impor à pessoa condenada,
nos termos referidos, o ónus de provar a licitude dos seus rendimentos.109

Embora esta medida só seja executada após o trânsito em julgado da sentença, o MP


deve, aquando da acusação, liquidar o montante apurado e que deve ser perdido a favor
do Estado110, momento em que o arguido ainda se presume inocente. Ocorre que a Lei
dispõe que promoção dos bens ocorre antes do trânsito em julgado da decisão
condenatória por um dos crimes do art. 1.º, n.º 1 da Lei, momento em que se presume a
inocência, comportando uma violação do princípio constitucional da presunção da
inocência. Será esta uma restrição proporcional e adequada à luz do art. 18º da CRP?
Marques considera que o núcleo essencial da presunção da inocência se encontra
salvaguardado, argumentando que a perda alargada comporta efeitos patrimoniais e o
crime organizado justifica esta restrição111.
O princípio do in dubio pro reo é um corolário do princípio constitucional da
presunção da inocência e vigora quando, depois de toda a prova produzida em tribunal,
permanecer uma dúvida razoável relativamente a algum facto a favor do arguido. Nesta

106
Princípio plasmado também no artigo 6.º, n.º 2 da CEDH.
107
DIAS, 1974, p. 215.
108
DIAS, 2010.
109
Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 94/VIII, de 18 de julho de 2001.
110
Art. 8.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro.
111
MARQUES 2012.

39
situação de dúvida, o tribunal deve decidir a favor do arguido e este não pode ser
condenado.
Consequentemente, a não prova de um facto não acarreta que o tribunal decida pelo
facto contrário, sem mais112. No processo penal, a prova da acusação que deixe dúvida
razoável no espírito do julgador é equiparável à falta de prova.
Embora a possibilidade de inversão do ónus da prova, por forma a que o encargo
de provar a origem lícita dos bens ou produtos caiba ao arguido, suspeito ou
condenado, esteja prevista na Convenção de Viena de 1988 (artigo 5.º, n.º7), os
princípios da presunção da inocência e a estrutura acusatória do processo penal
podem condicionar a adopção deste mecanismo113 (sic).

Silva Pereira distingue o âmbito de aplicação e natureza dos princípios in dubio pro
reo e do princípio da presunção de inocência, ainda que admita uma correlação entre
ambos. O princípio “in dubio pro reo opera em casos de incerteza do julgador ante a prova
produzida, já a presunção de inocência opera quando a incerteza resulta, sobretudo, da
falta de provas incriminatórias cuja obtenção e produção tenham observado as garantias
constitucionais.” (sic)114.
No processo penal, é necessário fazer prova, para além da dúvida razoável, quanto
aos pressupostos da responsabilidade criminal dos agentes. Impõe-se a necessidade de
provar a aparente incongruência do seu património com a sua situação económica e social,
sob pena de, in dubio, a decisão ser favorável ao arguido.
Contudo, com o artigo 7.º da Lei n.º 5/2002, opera que, à falta de prova contrária por
parte do arguido capaz de ilidir a presunção que recai sobre o seu património, afasta-se
este princípio, presumindo-se que as vantagens são fruto da atividade criminosa115. O
presente diploma faz recair sobre o arguido a prova negativa quanto à licitude do seu
património, colidindo frontalmente com o princípio in dubio pro reo.
Silva Dias considera que a presente medida “colide frontalmente com a presunção
de inocência e os seus corolários”116.
Godinho frisa que o “confisco alargado (…) incorre numa série de violações (…),
presume a existência dos pressupostos de que depende a sua aplicação; distribui o ónus

112
GODINHO, 2001.
113
GODINHO, 2001, pp. 164-165.
114
PEREIRA, p. 85, citada em CARVALHO, 2018, pp. 26 e 27.
115
GODINHO, 2003.
116
DIAS, 2010, p. 33.

40
da prova ao arguido; suprime o direito ao silêncio117; e resolve o non liquet contra o
arguido.”118
Resulta ainda do artigo 32.º, n.º1 da CRP e concretizado na al. d) do n.º 1 do artigo
61.º do CPP que “o arguido não tem qualquer ónus de carrear provas para o processo, e o
seu silêncio não o pode prejudicar”119 - direito à não autoincriminação ou nemo tenetur
se detegere. De acordo com este princípio, é conferido ao arguido o direito de não falar e
não prestar provas em qualquer fase do processo, sem que isso possa ser valorado
negativamente – direito ao silêncio.
O artigo 7.º da Lei n.º 5/2002 colide com este princípio, pelo facto de a única forma
de o arguido não perder o seu património perante a presunção de ilicitude presente neste
regime, será não exercendo o direito ao silêncio que lhe é conferido pela lei120. O silêncio
tem, neste caso, um efeito cominatório pleno. Esta restrição pode não ter somente
implicações a nível patrimonial, podendo influenciar o juízo sobre a prática do ilícito,
uma vez que o arguido poderá ter que revelar factos incriminatórios.
O direito ao silêncio é drasticamente restringido por este instituto, não devendo esta
restrição ser admitida nos termos do artigo 18.º, n.º 2 da Constituição.
Silva Dias admite que esta medida pudesse vigorar enquanto incidente processual
autónomo, de natureza civil ou administrativa a ser aplicado depois do trânsito em julgado
da sentença condenatória. Em tal caso, perder-se-ia a ligação ao crime e ao contexto
organizado em que o agente agiu e, como tal, excluir-se-ia a natureza penal121.
Cremos que esta Lei vai mais além daquela que seria uma restrição admissível do
princípio da presunção da inocência, nos termos do art. 18º da CRP, invertendo os
princípios garantísticos próprios da estrutura do direito penal e, como tal, inadmissível.

117
MARQUES, 2012.
118
GODINHO, 2003, p. 1359.
119
GODINHO, 2003, p. 1358.
120
DIAS, 2010. GODINHO, 2003.
121
DIAS, 2010.

41
3.1.4 Apreciação do Tribunal Constitucional

Em 2015, o Tribunal Constitucional pronunciou-se por diversas vezes quanto ao


instrumento da perda alargada previsto na Lei n.º 5/2002, em análise no presente
estudo122. Apoiado por grande parte da doutrina nacional, o TC considerou que os artigos
7.º e 9.º não violam as garantias constitucionais do arguido no processo penal, como a
presunção da inocência e o direito ao silêncio, nem mesmo a estrutura acusatória do
processo penal.
Tal entendimento foi acolhido, entre outras razões, sob a argumentação de que a
presunção em que assenta o instituto opera em momento posterior à condenação. Em
consonância com a jurisprudência dominante, distingue-se a natureza do ónus da prova
do crime imputado no processo penal, a cargo da acusação, por respeito às regras do
processo penal, e a presunção legal quanto à incongruência do património do arguido123.
O Tribunal Constitucional reconhece que a aplicação desta medida prossegue uma
finalidade penal, de prevenção, através da privação do condenado dos lucros que obtém
com a prática de certos crimes e visa ainda restaurar a ordem patrimonial. Por outro lado,
o Tribunal rejeita a natureza penal deste mecanismo, argumentando que, com a aplicação
desta medida, não se apura qualquer responsabilidade penal do arguido. O entendimento
do Tribunal é o de que a presunção de proveniência ilícita não opera enquanto reação,
pelo facto de o arguido ter cometido um facto ilícito tipificado como crime124.
O mesmo Tribunal entende que a imputação ao arguido de um dos crimes previstos
no catálogo do artigo 1.º, n.º1 da Lei funciona somente como pressuposto para
desencadear uma medida de averiguação do seu património e como forma de proceder à
respetiva perda em caso de eventual incongruência entre o valor do património do
condenado e os seus rendimentos lícitos125.
Deste modo, o Tribunal conclui que, embora enxertado no processo penal, o
procedimento em análise não constitui uma reação penal, mas antes uma medida
associada à verificação de uma situação patrimonial incongruente, sujeita a um

122
Veja-se os Acórdãos n.º 101/2015, de 11 de fevereiro, Ac. nº 392/2015, de 12 de agosto e Ac. nº
476/2015, de 30 de setembro, todos do Tribunal Constitucional.
123
Neste sentido veja-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 101/2015, de 11 de fevereiro, n.º
392/2015, de 12 de agosto e n.º 476/2015, de 30 de setembro. No mesmo sentido quanto à natureza não
penal do regime, o Acórdão do STJ de 25/02/2015, pp. 18-19.
124
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 392/2015 de 12 de agosto, pp. 9 e 10.
125
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 392/2015 de 12 de agosto.

42
procedimento próprio, desencadeado pela prática de um dos crimes previsto no artigo 1.º
da Lei126.
O Tribunal considera que o arguido beneficia, no processo penal, de todas as
garantias de defesa constitucionalmente consagradas e que tal medida só poderá ser
aplicada se a decisão que condena o arguido por um daqueles crimes definidos no
catálogo tiver transitado em julgado, sob pena de faltar um dos pressupostos para operar
a perda alargada, negando, pelos motivos suprarreferidos, provimento ao recurso
interposto pelo recorrente127.
Apesar do exposto, o entendimento do TC nesta matéria, ainda que não seja
vinculativo para o futuro, frui de um valor persuasivo e argumentativo que vem reforçar
o presente regime legal.

3.1.5 Apreciação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

O princípio da presunção de Inocência encontra expressão também no artigo 6.º


n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O TEDH pronunciou-se, por
diversas vezes, sobre a compatibilidade desta medida com o princípio da presunção de
inocência e do direito à propriedade, tendo sucessivamente mantido o mesmo
entendimento.
No Acórdão Phipils vs. United Kingdom128, o ónus de provar que os bens foram
adquiridos por outra via que não pelo crime, que naquele caso seria o tráfico de
estupefacientes, foi transferido para o arguido. O cálculo do valor da perda teve por
referência os bens que o agente possuía e o juízo de ausência de rendimentos suficientes
para os adquirir, durante o período de seis anos que antecederam a prática do crime.
O Tribunal começou por determinar que a perda alargada não possuía natureza penal
e, com base nesse entendimento, afastou as garantias previstas para aplicação de sanções
penais, rejeitando a alegada violação do artigo 6.º, n.º2 da CEDH.

126
Ibidem. Neste sentido veja-se ainda a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso
“Philips c. Reino Unido, de 5 de julho de 2001, cit. em SIMÕES & TRINDADE, 2009.
127
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 392/2015 de 12 de agosto.
128
Processo n.º 41087/98 de 5 de julho de 2001 – final 12/12/2001.

43
3.1.6 Direito Civil
3.1.6.1 Gestão de negócios

A gestão de negócios caracteriza-se pela assunção da direção de um negócio, alheio


no interesse e por conta do respetivo dono, quando não exista autorização para tal (art.
464.º do CC). Destaca-se, nestes casos, o elemento subjetivo ou psicológico, o animus
aliena negotia gerendi do gestor, isto é, a sua espontaneidade no desempenho da tarefa.
Os requisitos da gestão de negócios são: i) a direção de negócio alheio, ii) a atuação
no interesse e por conta do dono de negócio e iii) a falta de autorização.
Em determinadas situações, o gestor poderá estar obrigado a indemnizar pelos danos
causados ao dono de negócio e ter direito a ser reembolsado das despesas e serviços
empenhados na utilidade do dono de negócio sendo, para tal, necessário definir a gestão
como regular ou irregular.
A gestão regular tem lugar quando o “gestor procede em conformidade com o
interesse e vontade do negócio (ou sem culpa)”129. A gestão tem-se por irregular quando
o gestor só tem a haver o que lhe couber, de acordo com as regras do enriquecimento sem
causa (art. 468.º, n.º 2). Tudo se passa como se houvesse mandato sem representação (arts.
471.º e 1180.º e s.s).
Se o gestor não proceder com as obrigações que sobre si recaem, com culpa, será
responsável pelos danos que haja causado ao dono do negócio, no exercício da gestão ou
em consequência da sua interrupção130. No entanto, caso o dono do negócio aprove a
gestão, manifestando a sua concordância com os atos praticados, não chega a haver direito
a indemnização.
Em sede do presente estudo, o instituto da gestão de negócios, tal como previsto no
CC, não satisfaz as finalidades que se propõe alcançar com o regime de perda alargada
no combate à criminalidade organizada e económico-financeira, nomeadamente de
supressão do lucro. Esta conclusão é extraída pelo requisito da direção de negócio alheio
e pela exigência de uma aprovação da conduta do lesante que possibilite a aplicação da
gestão regular de negócios131.

129
TELLES, 2010, p. 190.
130
TELLES, 2010.
131
AA.VV., 2018.

44
3.1.6.2 Enriquecimento sem causa

No direito, a restituição das vantagens patrimoniais obtidas através da intervenção


na esfera jurídica alheia dá-se, sobretudo, através da aplicação das regras do
enriquecimento sem causa, de acordo com o art. 473.º, n.º 1 do CC.
Para se aplicar o instituto do enriquecimento sem causa, exige-se a verificação de
três requisitos cumulativos: i) um enriquecimento, ii) que tenha sido obtido à custa de
outrem e iii) e que esse enriquecimento não tenha causa justificativa. O enriquecimento
sem causa é fonte de obrigação, uma vez que o enriquecido fica obrigado a entregar o
valor do benefício obtido à custa do empobrecido.
Esta figura não é suficiente para recuperar os lucros obtidos através da prática de
uma conduta criminosa pelas limitações que resultam dos seus pressupostos. Só existe
enriquecimento à custa de outrem quando o direito violado reserva um aproveitamento
económico a um dos sujeitos e ao outro corresponda um empobrecimento. Exige-se,
assim, uma correlação entre o enriquecimento e o empobrecimento para que o objeto da
obrigação, derivado do enriquecimento sem causa, seja restituído (art. 473.º a 475.º e
479.º a 482.º, todos do CC)132.
A restituição, por sua vez, pressupõe a “deslocação de um valor entre patrimónios,
havendo um património beneficiado e outro desfalcado. É necessário sofrer uma privação
para se proceder à restituição de que a lei alude.”133
“A natureza pessoal dos bens utilizados e a limitação da restituição ao valor objetivo
e autónomo da vantagem adquirida são razões da inabilidade do enriquecimento sem
causa”134.
Deste modo, é necessário procurar uma forma de suprimir este benefício patrimonial
da esfera do lesante nas situações em que o lesante não tenha sofrido qualquer abalo na
sua esfera patrimonial e, mesmo assim, a necessidade de subtrair os lucros ilicitamente
obtidos pelo lesante persista.

132
TELLES, 2010.
133
Ibidem. p. 199.
134
AA.VV., 2018, p. 552.

45
3.1.6.3 Responsabilidade civil extracontratual

De acordo com princípio geral da responsabilidade por factos ilícitos, previsto no


artigo 483.º do CC, a obrigação de indemnizar germina da prática de um ato ilícito e,
desde que verificados os demais pressupostos previstos no n.º1 do preceito, determina a
obrigação de reparar um dano sofrido por uma certa pessoa, restituindo-se o gozo dos
seus interesses ofendidos ou interesses equivalentes135.
O princípio geral da obrigação de indemnizar, previsto no artigo 562.º do CC,
determina a obrigação de reconstituir a situação que existiria, caso não se tivesse
verificado o evento causador de danos e é aplicável a todos os tipos de responsabilidade.
O legislador português deu primazia à restituição em espécie sobre a indemnização por
equivalente por força do artigo 566.º, n.º 1.
A responsabilidade civil por factos ilícitos não se confunde com a responsabilidade
criminal ou disciplinar, ainda que possam coexistir. O que significa que, quem pratica um
facto ilícito tipificado na lei como crime, incluindo os previstos no catálogo do artigo 1.º
da Lei n.º 5/2002, pode ser responsável do ponto de vista civil independentemente da sua
responsabilidade criminal.
A teoria da diferença assume um papel crucial na dogmática reparadora do direito
civil extracontratual. Quando não pode haver lugar à reconstituição natural da situação
em que o lesado se encontrava antes do evento, o cálculo da indemnização pecuniária
“deve manifestamente medir-se por uma diferença (…) – pela diferença entre a situação
(real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria
sem o dano sofrido.”136
O artigo 483.º do CC dispõe o princípio geral da responsabilidade por factos ilícitos
que, a propósito do presente estudo, cumpre aludir. A principal função da
responsabilidade por facto ilícito é, naturalmente, ressarcitória, visando a reparação dos
danos sofridos pelo lesado, através da reconstituição da situação hipotética.
Paralelamente, a responsabilidade por factos ilícitos pode desempenhar funções
preventivas, evitando a ocorrência de novos eventos lesivos, e repressivas, sancionando
o agente.137

135
TELLES, 2010.
136
VARELA, 2000, pág. 907.
137
ANTUES, 2011.

46
O n.º1 do artigo 496.º do CC legitima o ressarcimento pelos danos não patrimoniais
que resultem da conduta ilícita geradora do dever extracontratual de indemnizar quando,
pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Sousa Antunes defende que estamos perante um dano não patrimonial quando
alguém intervém ilicitamente em esfera jurídica alheia e consegue produzir lucros com a
sua conduta; não está em causa uma diminuição ou desvantagem patrimonial para o
lesado. Antes, este é confrontado com uma ofensa do sentimento de justiça138.
O mesmo autor conclui que, em sede de aplicação do mecanismo tradicional de perda
de instrumentos e vantagens do CPP português, o dever de entregar as vantagens obtidas
com a prática do crime não possui qualquer desígnio punitivo, mas antes civilístico139.
Este autor relembra que o princípio de que um comportamento ilícito não deve gerar
benefícios é transversal a todos os ramos do direito e não tão só ao direito penal.
A única forma de o lesado recuperar a sua confiança na justiça e no ordenamento
jurídico é através da restituição daquele lucro, pois só esta permite recuperar a ordem das
coisas140. Só haveria exata reconstituição se o titular desse direito recebesse, na sua esfera,
o proveito resgatado141. Se assim não fosse, viveria para sempre acreditando que o ilícito
compensa142.
A garantia de uma adequada compensação do sentimento de justiça ofendido passa
pela restituição do lucro obtido de forma ilícita e potenciado pelo ofendido. Só desta
forma poderá o arguido acreditar que a ilicitude não compensa143.
De acordo com a responsabilidade civil extracontratual, o lucro pertence à esfera do
lesado, pelo que, através da fixação de uma indemnização, este valor terá que ser
deslocado para a sua esfera jurídica144. O lucro foi potenciado pela existência de uma
vítima e é necessário reconstituir a situação hipotética que se verificaria, caso o lesante
não tivesse levado a cabo uma conduta ilícita causadora de danos145.
Sousa Antunes146 legitima o ressarcimento da lesão à ofensa ao sentimento de justiça,
no conceito de justiça corretiva, aludindo ao entendimento aristotélico. Acrescenta que a
justiça corretiva foi adquirindo a conceção de que o dever de indemnizar deveria abranger

138
ANTUNES, 2011.
139
Ibidem; RODRIGUES, 2018.
140
ANTUNES, 2011.
141
Ibidem.
142
Ibidem.
143
Ibidem.
144
RODRIGUES, 2018.
145
ANTUES, 2011.
146
Ibidem.

47
a perda económica do lesado, excluindo a restituição do lucro. No entanto, “o ganho pode
significar, tão-só a satisfação do lesante, e, na recepção (sic) do seu pensamento, à
indemnização do lesado é estranha a necessidade de um benefício económico do agente,
a perda, excluída qualquer equivalência patrimonial com o ganho, pode revestir um
conteúdo não patrimonial, justificando, também pelo fim da justiça corretiva, a restituição
do proveito económico do lesante”147.
A conceção de que a responsabilidade civil é exclusivamente ressarcitória está
largamente ultrapassada na doutrina atual148. A maioria dos autores mostra-se favorável
a uma função preventiva ou repressiva da responsabilidade civil, fundada na culpa do
agente, ainda que admitam tal função mais ou menos secundária.
A este propósito, Júlio Gomes nos seus estudos refere que
Se, com isto (a restituição do lucro), se “desfigura” ou “descaracteriza” a
responsabilidade civil depende, evidentemente, da forma como esta é concebida;
quem lhe atribua uma finalidade exclusivamente reparadora ou reintegrativa, ou
considere que essa é, ao menos, a sua finalidade primordial (…) tenderá a
responder afirmativamente ainda que, sublinhe-se, tal resposta afirmativa se fique
também a dever a uma visão muito limitada (…) (sic)149.

Efectivamente [sic], poderia conceber-se a própria reparação como a


reconstituição da situação que existiria caso o evento ilícito não se tivesse
produzido (assim como compreende o autor, Kisch (…) tenha ido ao ponto de
afirmar que o “dano” não é apenas a diminuição patrimonial do lesado, mas
também o incremento patrimonial do lesante resultante da conduta deste (…)150.

O entendimento de Sousa Antunes cumpre plenamente a finalidade da justiça


corretiva e o princípio geral da obrigação de indemnizar, previsto no artigo 562.º do
CC151. Seguindo este autor, a justiça corretiva incluirá não só a indemnização pelo
prejuízo patrimonial, mas também resgate do lucro obtido de forma ilegítima152.
A legislação portuguesa prevê já situações em que a responsabilidade civil possa
servir como meio de repressão e prevenção de futuras condutas ilícitas153.
No direito europeu, já existe legislação que inclui o lucro como critério de fixação
do cálculo da indemnização para ressarcir o lesado, nomeadamente em matéria de tutela
de direitos da propriedade intelectual, em particular, nos direitos de autor, propriedade
industrial e segredos comerciais, como se verifica no caso da Diretiva 2004/48/CE, de 29

147
ANTUNES, 2011, pp. 311
148
ANTUNES, 2011; GOMES, 1998.
149
GOMES, 1998, p. 794.
150
Ibidem.
151
AA.VV., 2018.
152
ANTUNES, 2011.
153
Art. 211.º, nº.2 do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.

48
de abril, cujo objetivo é o aumento do nível de proteção europeu no âmbito da propriedade
intelectual. O artigo 13.º, n.º 1, al. a) da Diretiva dispõe que a indemnização possa
transcender o montante dos danos, tradicionalmente concebidos, permitindo que o
tribunal tenha em conta os lucros ilícitos no cálculo da indemnização154.
O entendimento deste autor transportado para a matéria que nos ocupa a analisar não
deixa de levantar algumas dificuldades porque o resgate do lucro ilícito, nesta conceção,
depende da verificação de danos não patrimoniais na esfera do lesado.
A adoção do entendimento sufragado por este autor implica a quantificação do lucro
resultante da prática do ilícito para que, na sua conceção155, este montante possa ser
retirado da esfera patrimonial do lesante e atribuído ao lesado a título de danos não
patrimoniais.
O apuramento do lucro obtido através dos atos ilícitos na criminalidade organizada
e económico-financeira consiste numa matéria muito complexa e de difícil caráter
probatório. Aliás, a complexidade de prova neste âmbito levou a que os mecanismos
tradicionais de perda dessas vantagens se revelassem insuficientes no combate deste tipo
de criminalidade.

154
Também no direito da concorrência, direito ambiental ou proteção dos direitos de personalidade, o lucro
do agente é um critério preponderante na determinação da indemnização, segundo ANTUNES, 2018.
155
ANTUNES, 2018.

49
3.2 Resposta político-criminal: reflexões

Atualmente verifica-se uma forte exigência a nível da criação de respostas eficazes


a este tipo de crimes que permitam a supressão das vantagens, geralmente avultadas, que
resultam do crime organizado ou económico-financeiro.
A maioria dos crimes previstos na Lei de combate à criminalidade organizada e
económico-financeira tutelam bens jurídicos coletivos ou supra individuais. Com a
tipificação destas condutas pretende-se, sobretudo, salvaguardar condutas que atentam
contra o Estado de Direito Democrático156, como a confiança das instituições e no
mercado, a transparência, a idoneidade sobre a proveniência das fontes de rendimento e
património, a equidade, a livre concorrência e igualdade de oportunidades, protegendo o
interesse público e coletivo dos cidadãos no seu todo.
Alguns dos crimes previstos no catálogo referem-se a crimes que são praticados no
exercício de funções públicas, nomeadamente o recebimento indevido de vantagens, a
corrupção157, o peculato e a participação económica em negócio previstos nas alíneas e),
f), g) e h) do Diploma158. Estes tipos legais tutelam o prodígio da função pública, o
princípio da igualdade no acesso aos serviços públicos, a isenção no exercício de funções
sem que haja uma distorção da função pública159. Este tipo de criminalidade, apesar de,
só recentemente, ter sido alvo de particular atenção, considera-se altamente atentatória
contra o Estado de Direito Democrático, por representar uma ameaça aos seus princípios
basilares160.
Os crimes de tráfico de estupefacientes, tráfico de armas, branqueamento de capitais,
contrabando e tráfico e viciação de veículos furtados, contrafação de moeda e títulos
equiparados, previstos nas alíneas a), c) i), q), r) e o) são crimes que tutelam sobretudo a
concorrência161, lealdade e confiança e o investimento no mercado, assim como tutelam

156
RODRIGUES, 1999.
157
Ainda que no âmbito do presente diploma se inclua expressamente a corrupção praticada no setor
privado, no âmbito do comércio internacional e na atividade desportiva, tal como resulta da alínea f) do art.
1.º da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro.
158
Previstos no capítulo IV, secção I do Código Penal.
159
Acórdão do STJ de 17 de abril de 2015, relator Raul Borges. SIMÕES, 2011.
160
SIMÕES, 2011.
161
No sentido do reconhecimento do poder da responsabilidade civil em sede de concorrência desleal veja-
se a opinião de Adelaide Menezes Leitão “porque por esta não visa sancionar comportamentos pelo desvalor
que estes encerram, mas antes resolver os efeitos despoletados por determinadas condutas.” LEITÃO, 2002,
p. 165.

50
a igualdade no acesso aos mercados, o sentimento de justiça, a realização da justiça162, o
estrito equilíbrio e a ordem natural das coisas.
Com a incriminação da associação criminosa, do terrorismo, das organizações
terroristas, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo tutela-se sobretudo a
segurança dos Estados e a paz pública.
Nos crimes de pornografia infantil, lenocínio de menores, tráfico de pessoas,
lenocínio, também estes previstos no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, protegem-se bens
jurídicos supra individuais, a coletividade em geral, nomeadamente o interesse geral da
sociedade na preservação de valores ético-sociais da sexualidade e do ganho honesto163.
O nosso entendimento é que certo tipo de criminalidade, nomeadamente a
criminalidade económico-financeira, altamente atentatória dos valores democráticos do
Estado português, pode justificar que, para além da obrigação de indemnizar que resulta
das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente, do artigo 483.º
do CC, o legislador determine a aplicação de uma sanção pecuniária acessória e que incida
sobre os rendimentos e o património do agente condenado por um destes crimes.
A necessidade de que os lucros provenientes da conduta ilícita sejam subtraídos da
esfera do lesante nos crimes presentes no catálogo da Lei e da criação de mecanismos
eficazes no combate e prevenção deste tipo de criminalidade é premente e resulta de
imposições, não só do direito comunitário, como do direito internacional, desde logo
pelos elevados lucros que provêm destes crimes.
Cremos, assim, que a aplicação de uma sanção acessória, independente da obrigação
de indemnizar por danos patrimoniais e não patrimoniais, a recair sobre o agente que
pratique certos ilícitos criminais cumpre finalidades muito idênticas às que são impostas
pelo direito internacional e comunitário em matéria de perda alargada, nomeadamente de
prevenção geral e especial. A aplicação desta medida permitirá dissuadir a sociedade da
prática de crimes e restabelecer a consciência jurídica e segurança comunitárias. Permite
ainda dissuadir o agente da prática de futuros crimes, prosseguindo assim uma importante
finalidade de prevenção especial negativa.
A criação de uma medida deste cariz facilita a recuperação de ativos da criminalidade
organizada e económico-financeira assegurando o respeito pelas garantias constitucionais
em matéria penal que vigoram no direito português. Sublinhe-se que, nas situações em

162
GODINHO, 2011.
163
Acórdão do STJ de 29 de outubro de 2003.

51
que se faça prova do nexo entre os lucros e a atividade criminosa, aplicar-se-ão as regras
dos artigos 109.º-112.º-A do CP.
Poderá ainda ponderar-se a alocação deste montante, a título de sanção acessória, a
um fundo específico, constituído com o propósito de ressarcir vítimas lesadas por crimes
desta natureza. Cumprir-se-iam propósitos de interesse público e ter-se-ia como vantagem
a vinculação à promoção de utilidades de prevenção e repressão deste tipo de
criminalidade.
Com vista a assegurar a eficácia da sanção pecuniária proposta e as finalidades que
se visam prosseguir, pode ser ponderada a aplicação do arresto preventivo dos bens do
arguido, nos termos previstos nos artigos 391.º e s.s. do CPC.
No ordenamento jurídico português, alude-se à figura da sanção compulsória que
acresce à indemnização. Um exemplo desta medida é o artigo 829.ºA do CC, introduzido
pelo Decreto-Lei n.º 262/83 de 16 de junho. A sansão compulsória vigora plenamente no
direito civil português, cumprindo uma função coerciva, uma vez que a sua aplicação não
prejudica o direito do credor de ver a sua prestação cumprida, nem mesmo obsta à sua
cumulação com uma indemnização pelos danos sofridos. É, antes, um valor que acresce
à indemnização devida e que visa o cumprimento da obrigação por parte do infrator, ainda
que tardiamente164.
Num Estado de Direito, são admissíveis restrições de certos direitos fundamentais,
legitimamente, quando tal seja necessário, para “salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos”165. O direito penal, por representar a mais severa reação
de que o Estado pode lançar mão sobre os cidadãos, tem que “circunscrever-se às ofensas
mais significativas dos mais importantes interesses individuais e colectivos [sic]
constitucionalmente reconhecidos”166. Quer com isto dizer-se que o direito penal deve
circunscrever-se a uma intervenção em ultima ratio.
Não se nos afigura que a perda alargada, tal como prevista na Lei n.º 5/2002, possa
assumir outra natureza que não a penal, pelo caminho supra percorrido.
Salvo o devido respeito, o nosso entendimento é de que a perda alargada, tal como
prevista no ordenamento jurídico português, é inconstitucional, apesar das exigências
internacionais e comunitárias e de, naqueles instrumentos, inclusivamente, se “abrir mão”
da possibilidade de inversão do ónus da prova. Este instituto é incompatível com os

164
TELLES, 2010.
165
Artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
166
BRANDÃO, 2010, p. 241.

52
princípios constitucionais penais, designadamente, o princípio da presunção de inocência
e seus corolários e com o princípio da separação de poderes. A perda alargada, assim
como outra qualquer medida que prescinda da relação direta entre proveitos e atividade
criminosa, não pode, contudo, deixar de respeitar as regras do direito.
A tese que ora defendemos permite salvaguardar o princípio da subsidiariedade do
direito penal ou da intervenção mínima do direito penal e prossegue finalidades que se
assemelham às previstas com a perda alargada.
De resto, uma intervenção legislativa nesta matéria afigura-se de caráter urgente,
desde logo pelas inconstitucionalidades que resultam da Lei n.º 5/2002.
A necessidade atual e premente de criação de mecanismos eficazes ao combate e
prevenção deste tipo de criminalidade exige uma considerável intervenção legislativa. No
direito civil, as garantias processuais são significativamente menos exigentes do que no
direito processual penal, motivo pelo qual acreditamos que este ramo do direito não está
a ser oportunamente desenvolvido para responder aos propósitos de combate desta
criminalidade. Para tal, requer-se um aprofundamento dos estudos doutrinários e das
respostas civilistas. A solução poderá passar por preencher o campo de vazio nesta
matéria, acionando os mecanismos de que dispõe o direito civil e adaptá-los à evolução
dos tempos e da criminalidade atual.

53
Capítulo 4

4. Considerações finais

A criação de mecanismos mais eficazes na apreensão de produtos gerados pela


atividade criminosa económico-financeira e que ultrapassam a ideia tradicional de infligir
penas privativas da liberdade, têm sido alvo de uma grande atenção a nível internacional
e por parte de cada Estado-Membro167.
A Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, surge no âmbito da insuficiência do atual regime
do CP em certas matérias, procurando maior eficácia dos mecanismos internos de
prevenção, recuperação de ativos e combate do lucro ilícito e, ainda, integrar as novas
políticas de combate à criminalidade económico-financeira que têm surgido nos planos
internacional e europeu.
A criminalidade atual organizada recorre às potencialidades da globalização,
nomeadamente da criação de comércio livre em certas partes do mundo e dos sofisticados
meios tecnológicos, gerando, consequentemente, lucros incalculáveis168.
Posto isto e atenta aos desafios da atualidade, no que concerne à tarefa de repressão
dos crimes económico-financeiros, a resposta penal tem sido no sentido de reforçar os
seus mecanismos preventivos e repressivos. No plano interno, verificam-se, contudo,
abalos gravíssimos em matéria de direitos fundamentais, ainda que, para alguns,
plenamente necessários e justificados.
As diferentes Convenções das Nações Unidas, assim como a legislação comunitária
sobre esta matéria são ilustrativas do peso que estas questões têm assumido. É do
entendimento geral que a recuperação de ativos, no âmbito da criminalidade económico-
financeira, cada vez mais complexa e transfronteiriça, gozará de maior eficácia se os
Estados uniformizarem e partilharem um conjunto de medidas, neste âmbito.
A doutrina e a jurisprudência nacionais reconhecem, unanimemente, que o artigo 7.º
da Lei n.º 5/2002 assenta na dificuldade probatória a nível do sistema de justiça por,
relativamente a certos bens, ser árduo estabelecer um nexo, para além da dúvida razoável,
entre os bens e a sua fonte criminosa. Aliado a este propósito, surge a finalidade de
prevenção da criminalidade económico-financeira, demarcando-se da ideia tradicional de

167
SIMÕES & TRINDADE, 2009.
168
RODRIGUES, 2003; SILVA, 2015; Plano de Ação de Luta contra a Criminalidade Organizada de 2000.

54
desincentivo destes crimes através da agravação das molduras legais e que parece também
legitimar a aplicação desta medida169.
De forma unânime, reconhece-se a necessidade de fazer face à criminalidade
geradora de elevados lucros e, como tal, muitos autores reconhecem que a perda alargada
consiste num mal necessário.
O legislador nacional, acompanhando a tendência internacional e europeia no
combate à criminalidade económico-financeira e recuperação de ativos, listou uma série
de crimes no artigo 1.º do diploma que, por usualmente gerarem elevados proventos para
quem os pratica, em caso de condenação, possibilitam a aplicação da medida de perda
alargada. Esta medida assenta numa presunção de que o valor do património do arguido,
e o que seja congruente com os seus rendimentos lícitos, se presumem vantagens da
atividade criminosa e que, como tal, serão perdidos a favor do Estado, exceto se o arguido
provar a origem lícita dos bens, nos termos do artigo 9.º, n.º1 da Lei n.º 5/2002.
O regime da perda alargada aplica-se a todos os agentes que pratiquem um dos
crimes previstos no art. 1.º da Lei n.º 5/2002, quando nem todos estes crimes, per si, são
aptos a gerar lucros semelhantes nem tão só ganhos elevados170. Além do mais, é
duvidoso que, a priori, se ajuíze uma gravidade semelhante transversal a todos os crimes
listados que legitime a aplicação deste regime excecional e extremamente gravoso para o
arguido171.
Através de uma análise do regime da Lei n.º 5/2002, em particular dos artigos 1.º e
7.º, não é possível conhecer o real alcance do conceito de criminalidade organizada,
apesar de a exposição de motivos remeter para uma série de pistas, nomeadamente para
uma atividade de caráter continuado, complexa e levada a cabo com uma certa
estabilidade no tempo.
Tanto na Lei n.º 5/2002 como na exposição dos motivos da Proposta de Lei n.º
94/VIII, o conceito de atividade criminosa carece de definição. Nem mesmo é dito sobre
quem recai o ónus de fazer prova desta atividade, o que, desde logo, leva a grandes
dúvidas práticas para os aplicadores de direito172.

169
RODRIGUES & RODRIGUES, 2013.
170
Veja-se por exemplo o crime de terrorismo o qual tipicamente não será, regra geral, apto a gerar lucros,
quanto mais elevados lucros. Aliás, o agente que pratica este crime, geralmente, não tem como finalidade
primária o lucro, procurando antes causar um sentimento geral de terror na sociedade.
171
DIAS, 2010; GODINHO, 2003.
172
GODINHO, 2003.

55
Através do presente estudo foi possível reconhecer as dúvidas suscitadas pela
natureza indefinida pela perda alargada. Aceitar a natureza penal da perda alargada
comporta uma série de problemas de índole constitucional e que, num Estado de Direito,
são inadmissíveis. Acolher este entendimento colide frontalmente com o princípio da
presunção de inocência e com os seus corolários, nomeadamente o princípio in dubio pro
reo e o direito ao silêncio173.
“[M]esmo levando em conta o enorme potencial de ameaça que ele representa para
os valores sociais merecedores de tutela penal, nunca os modos da sua intervenção
poderão significar abrir brechas nos princípios que constituem o seu suporte e que tornam
legítima essa intervenção.”174
Por outro lado, através do caminho que se procurou percorrer, não foi possível
reconhecer outra natureza à perda alargada que legitimasse a sua prevalência nos moldes
descritos na lei portuguesa. Por este motivo reiteramos a inconstitucionalidade da perda
alargada e, consequentemente, a inadmissibilidade dos artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 5/2002
no ordenamento jurídico.
Em alternativa, propomos a intervenção dos mecanismos do direito civil, através de
uma evolução do alcance clássico de atuação, na lógica de que este ramo de direito pode
prosseguir também uma função sancionatória preventiva, assumindo um papel
fundamental no que se refere à prossecução de finalidades preventivas da criminalidade
organizada e económico-financeira. Ergue-se, assim, a necessidade de o direito civil
acompanhar a evolução dos tempos e os novos desafios que se impõem.
O quadro legal internacional e europeu tem antecedido, nesta matéria, a evolução do
direito interno português, impondo a necessidade de os Estados acolherem novas políticas
da recuperação de ativos no âmbito da criminalidade organizada e financeira e, por
último, assegurando a sua compatibilização com os princípios constitucionais dos Estados
Membros.
A resposta a um eficaz combate desta criminalidade poderá passar por uma
intervenção do direito civil175. Aludimos à doutrina que reconhece que o direito civil deve
evoluir, prosseguindo outros escopos além do meramente reparador176. Em sede de
responsabilidade civil extracontratual, abordámos o resgate do lucro ilícito, segundo o

173
GODINHO, 2003.
174
ASSUNÇÃO, 2003, p. 98.
175
ANTUNES, 2011; ANTUES, 2018
176
Ibidem; FRADA, 2003. GOMES, 1998;

56
entendimento de Sousa Antunes177, e o papel que poderá alcançar nesta matéria. Neste
âmbito, aludimos ainda ao direito comunitário em matéria de propriedade intelectual,
segundo o qual a obrigação de indemnizar em sede de responsabilidade civil
extracontratual tem como critério o montante dos lucros obtidos na determinação da
indemnização devida.
Pelos obstáculos que não foi possível ultrapassar, a nossa proposta é de que os bens
jurídicos subjacentes a certo tipo de criminalidade organizada e económico-financeira
podem legitimar uma outra reação do direito: a criação de uma sanção acessória
pecuniária, independente do dever de indemnizar por factos ilícitos, previsto no art. 483.º
do CC.
Entendemos que o arresto previsto nos termos do CPC pode desempenhar uma
função fundamental no sentido de conservar o património do arguido178 e de garantir a
eficácia desta medida enquanto mecanismo repressivo.
Na complexa tarefa político-criminal de combate a este tipo de criminalidade, é
essencial encontrar o equilíbrio entre o combate do crime e o sacrifício de valores ou bens
jurídicos admissíveis em matéria penal. É fundamental ter presente que os mecanismos
preventivos e de repressão não se podem afastar daqueles que são as regras e limites
impostos por um Estado de Direito Democrático, pautado pelas regras processuais,
direitos e garantias dos cidadãos com acolhimento constitucional.
Espera-se, com este estudo, ter contribuído para a discussão subjacente ao regime da
medida da perda alargada instituída pela Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, aludindo, para
este efeito, a interrogações que emergem da análise deste diploma, nomeadamente de
caráter constitucional. Visou-se também solucionar os problemas abordados, partindo do
reconhecimento da inconstitucionalidade desta medida no diploma legal em análise e, em
contrapartida, propor o desenvolvimento de soluções em sede de direito civil e que, a
nosso ver, podem coincidir com os objetivos visados pelo artigo 7.º da Lei nº 5/2002 e
pelos que se impõem no quadro normativo europeu e internacional.
A importância destes objetivos é ampliada no seio do atual paradigma da sociedade,
por serem cada vez mais os instrumentos internacionais e europeus que exigem a criação
de mecanismos mais eficazes no combate e prevenção destes crimes – aquele que se tem
afigurado um dos grandes objetivos do direito penal atual179.

177
ANTUNES, 2011; ANTUNES 2018.
178
SIMÕES, 2004.
179
FERRAJOLI, 2003.

57
Capítulo 5

5.1 Bibliografia

5.1.1 Obras consultadas

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em geral, coord: José Carlos Brandão Proença, Lisboa: Universidade Católica
Editora, pp. 272-281, 348-358 e 550-553.
AMARAL, Diogo Freitas do (2015). Curso de Direito Administrativo. Volume I, 4ª
Edição, Almedina.
ANDRADE, Manuel da Costa & ANTUNES, Maria João (2017). “Da apreensão
enquanto garantia processual da perda de vantagens do crime”, in Revista de
Legislação e de Jurisprudência, Coimbra, A. 146, nº 4005, julho-agosto de 2017,
pp. 360-370.
ANTUNES, Henrique Sousa (2011). Da inclusão do lucro ilícito e de efeitos punitivos
entre as consequências da responsabilidade civil extracontratual: a sua
legitimação pelo dano. Coimbra: Coimbra editora.
ASSUNÇÃO, Maria Leonor (2003). Do lugar onde o sol se levanta, um olhar sobre a
criminalidade organizada, in AA. VV., Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo
Dias, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 85-128.
BRANDÃO, Nuno (2010). “Bem Jurídico e Direitos Fundamentais: Entre a Obrigação
Estadual de Proteção e a Proibição do Excesso in AA. VV., Estudos em
Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade, pp. 239-266.
BRANDÃO, Nuno (2016). Crimes e Contra-Ordenações: da Cisão à Convergência
Material, Coimbra: Coimbra Editora.
CAEIRO, Pedro (2018). “O Confisco numa perspetiva de política criminal europeia, in
AA. VV., O Novo Regime de Recuperação de Ativos à luz da Diretiva 2014/42/EU
e da Lei que a transpôs, Lisboa: Imprensa Nacional, p. 21-38.
CAEIRO, Pedro (2011), “Sentido e função do instituto da perda de vantagens
relacionadas com o crime no confronto com outros meios de prevenção da
criminalidade reditícia (em especial, os procedimentos de confisco in rem e a
criminalização do enriquecimento ilícito”), in RPCC, 2, pp. 267-321.

58
CANAS, Vitalino (2004). O Crime de Branqueamento: Regime de Prevenção e de
Repressão, Lisboa: Almedina, 2004, p. 172.
CARVALHO, Paula Marques (2018). Manual Prático de Processo Penal, Lisboa:
Almedina, 11ª edição.
CORREIA, Eduardo (1973). “Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social”, in
Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, p. 49.
CORREIA, João Conde (2012). Da proibição do Confisco à Perda Algarada. Lisboa:
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, S.A..
CORREIA, João Conde (2018). “Que futuro para a recuperação de ativos na União
Europeia?”, in AA. VV., O Novo Regime de Recuperação de Ativos à luz da
Diretiva 2014/42/EU e da Lei que a transpôs, Lisboa: Imprensa Nacional, pp.
333-357.
CUNHA, José M. Damião da (2002). “Perda de bens a favor do Estado: arts. 7º-12º da
Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro”, in AA. VV., Medidas de combate à criminalidade
organizada e económico-financeira. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, pp.
121-164.
DÂMASO, Euclides (2004). Perda de bens a favor do Estado. Lisboa: Centro de Estudos
Judiciários. Coimbra Editora, pp. 173-175.
DIAS, Augusto Silva (2018). Direito das Contra-Ordenações. Coleção Manuais
Universitários. Almedina.
DIAS, Augusto Silva (2010). “Criminalidade organizada e combate ao lucro ilícito”, in
AA. VV., 2º Congresso de Investigação Criminal, coord: Maria Fernanda Palma,
Augusto Silva Dias e Paulo de Sousa Mendes, Coimbra: Almedina, 2010, pp. 23-
47.
DIAS, Jorge Figueiredo (1974). Direito Processual Penal, Vol. I, Coimbra Editora.
DIAS, Jorge Figueiredo (1989). “Para uma dogmática do direito penal secundário – Um
contributo para a reforma do direito penal económico e social português”, in AA.
VV., Direito penal económico e europeu, textos doutrinários, I, Coimbra,
Coimbra Editora, pp. 263 ss..
DIAS, Jorge Figueiredo (2005). Direito Penal Português, Parte Geral II – As
consequências jurídicas do crime, 1993 reimpressão de 2005, pp. 628-638.
DIAS, Maria do Carmo Silva. “Enriquecimento ilícito/injustficado”, in Julgar, nº28, 2016
pp. 281-313.

59
FERRAJOLI, Luigi (2003). “Criminalidade e globalização”, traduzido por Eduardo Maia
Costa, in RMP, 96, 2003, pp. 7-20.
FERREIRA, Manuel Cavaleiro de (1982). Direito Penal Português Parte Geral, II,
Lisboa: Editorial Verbo, pp. 335 e ss..
FERREIRA, Manuel Cavaleiro de (1992). Lições de Direito Penal, Lisboa/S. Paulo,
Verbo, I, 4ª ed., pp. 92 e ss. e pp. 107 e ss..
FERREIRA, Maria R. Desterro (coord.); CARDOSO, Elina Lopes (coord.); CORREIA,
João Conde (coord.) (2018). O novo regime de recuperação de ativos à luz da
diretiva 2014/42/UE da lei que a transpôs. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da
Moeda.
FRADA, Carneiro da (2003). Direito Civil – Responsabilidade civil. O método do caso,
Coimbra: Almedina.
GODINHO, Jorge A. F (2003). “Brandos costumes? O confisco penal com base na
inversão do ónus da prova (Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, artigos 1º e 7º a 12º”,
in AA. VV., Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra, Coimbra
Editora, 2003, pp. 1315-1363.
GOMES, Júlio Manuel Vieira (1998). O Conceito de o Enriquecimento Forçado e os
Vários Paradigmas do Enriquecimento Sem Causa, Porto: Porto Editora.
LANES, Júlio Cesar Goulart (2013). “O Superior Tribunal de Justiça e o dano moral
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349-377.
LETIÃO, Adelaide Menezes (2000). Estudo de Direito Privado sobre a Cláusula Geral
de Concorrência Desleal, 2000, Coimbra, pp. 165 e ss..
MASCARENHAS, Orlando (2018). “Recuperação de ativos – novas tendências e
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2014/42/EU e da Lei que a transpôs, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 293- 304.
MOTA, José Carmona da (1986). “O confisco penal (medida preventiva ou pena?) e a
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MOUTINHO, José Lobo (2008). “Direito das Contra-Ordenações – Ensinar e Investigar”,
Universidade Católica.

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2014/42/EU em matéria de confisco “alargado” de vantagens provenientes da
prática de crimes”, in AA. VV., O Novo Regime de Recuperação de Ativos à luz
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RODRIGUES, Hélio Rigor & RODRIGUES, Carlos A. R. (2013). Recuperação de
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um regime de perda de bens em expansão. Lisboa: Sindicato dos Magistrados do
Ministério Público.
RODRIGUES, Hélio Rigor (2018). “O confisco das vantagens do crime: entre os direitos
dos Homens e os deveres dos Estados – a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem em matéria de confisco”, in AA. VV., O Novo Regime de
Recuperação de Ativos à luz da Diretiva 2014/42/EU e da Lei que a transpôs,
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RODRIGUES, José N. da Cunha. “Os senhores do crime”, Rev. Port. Ciência Criminal,
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Processo Penal de 1987”, in AA. VV., Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo
Dias, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 1521-1554.
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(distintos) entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador], in AA.
VV., Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra, Coimbra Editora,
pp.963-991.
SILVA, Daniel Tavares da (2015). Criminalidade Organizada e Económico-Financeira
– Conceitos e Regimes Fundamentais: ONU, Conselho da Europa, União
Europeia e Portugal. Lisboa: Universidade Lusíada Editora.
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Procedimento (Marcha do Processo). Lisboa: Universidade Católica, pp. 19-20 e
pp. 407-413.

61
SILVA, Germano Marques da (2010). O Crime de Branqueamento de Capitais e a
Fraude Fiscal como Crime Pressuposto, in “Branqueamento de Capitais e Injusto
Penal – Análise Dogmativa e Doutrina Luso-Brasileira”. Coord: Luciano
Nascimento Silva e Gonçalo Sopas de Melo Bandeira. Porto: Juruá Editorial, pp.
239-253.
SILVA, Germano Marques da (1999). Direito Penal Português – Parte Geral III – Teoria
das Penas e das Medidas de Segurança. Lisboa: Editorial Verbo, pp. 181-189.
SIMÕES, Euclides Dâmaso (2010). “A proposta de lei sobre o Gabinete de Recuperação
de Activos (um passo no caminho certo)”, in RCEJ, XIV, pp. 183-192.
SIMÕES, Euclides Dâmaso (2011). “Contra a corrupção - As leis de 2010”, in As
Alterações de 2010 ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, coord. Rui
do Carmo e Helena Leitão, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 43-63.
SIMÕES, Euclides Dâmaso/TRINDADE, José Luís F, (2009). “Recuperação de activos:
Da perda ampliada à actio in rem (virtudes e defeitos de remédios fortes para
patologias graves)”, in Julgar online.
SIMÕES, Euclides Dâmaso (2004). “Conclusões do Encontro de Trabalho Organizado”,
in AA. VV., Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-
Financeira, Coimbra, Coimbra Editora, Centro de Estudos Judiciários, 28 e 29 de
julho de 2004, pp. 173-175.
TELLES, Inocêncio Galvão (2010). Direito das Obrigações. 7ª Edição. Coimbra Editora
VARELA, João de Matos Antunes (2000). Das Obrigações em Geral, Volume 1, 10ª
Edição, 2ª Reimpressão da Edição de 2000, Lisboa: Almedina, pág. 907.
VARELA, Antunes, BEZESSA, J. Miguel, BEZZERA e NORA, Sampaio e (1984).
Manual de Processo Civil. Coimbra: Coimbra Editora.

62
5.1.2 Materiais em suporte eletrónico

Centro de Estudos Judiciários, “Criminalidade Económico-Financeira: A obtenção e


valoração da prova na criminalidade económico-financeira”, in Caderno Especial, 2013,
tomo III, consultado a 3 de março de 2019.
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/tomo_III_criminalidade_economico_fin
anceira_a_obtencao_e_a_valoracao_da_prova_na_criminalidade_economico_financeira
.pdf
GUERRA, Amadeu s.d.. A evolução da criminalidade económico e financeira e o seu
combate, s.d. Disponível em http://www.smmp.pt/wp-content/INTERVENCAO-Dr-
Amadeu-Guerra.pdf .
PEREIRA, Júlio (2003) "O crime de riqueza injustificada e as garantias do Processo
Penal", in Boletim do CCA nº7, de setembro de 2003, disponível em:
http://www.ccac.org.mo/pt/publication/download/article/a1009.pdf , consultado a 11-12-
2018.
Plano de Ação de Luta contra a Criminalidade Organizada de 2000.
Programa “Prevenir e Combater a Criminalidade”, criado pela Decisão do Conselho da
União Europeia 2007/125/JAI, de 12 de fevereiro de 2007. Disponível em
www.ministeriopublico.pt.
Commentary on the United Nations Convention against Illicit Traffic in Narcotic Drugs
and Psychotropic Substances. United Nations (doc. E/CN.7/590) United States of
America: New York, 1988, pp. 136-143 (5.53 e 5.71,). Disponível em:
https://digitallibrary.un.org

63
5.1.3 Fontes normativas e textos legislativos

Convenção Europeia dos Direitos do Homem, adotada pelo Conselho da Europa, de 4 de


novembro de 1950 e que entrou em vigor em 1953.
Constituição da República Portuguesa de 1976.
Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro, que estabelece o regime geral dos ilícitos de
mera ordenação social.
Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos - Decreto-Lei nº 63/85, de 14 de
março.
Código de Processo Penal Português de 1987, aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17
de fevereiro.
Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias
Psicotrópicas, também designada por Convenção de Viena de 1988, concluída em Viena,
em 20 de dezembro de 1988, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da
República nº 29/91 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 45/91, cfr.
Diário da República I-A, nº 205, de 06/09/1991.
Convenção Relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos Produtos do
Crime, do Conselho da Europa, concluída em Estrasburgo, em 8 de novembro de 1990,
aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 70/97 e
ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 73/97, cfr. Diário da República I-
A, nº 287, de 13/12/1997.
Código Penal Português de 1995, aprovado pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março.
Plano de Ação de Luta contra a Criminalidade Organizada, aprovado pelo Conselho a
03/05/2000 (cfr., JO C 124, de 03/05/2000).
Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade Organizada Transacional,
concluída em Nova Iorque, em 15 de novembro de 2000, aprovada para ratificação pela
Resolução da Assembleia da República nº 32/2004 e ratificada pelo Decreto do Presidente
da República nº 19/2004, cfr. Diário da República I-A, nº 79, de 02/04/2004.
Decisão-Quadro 2001/500/JAI do Conselho, de 26 de junho de 2001, relativa ao
branqueamento de capitais, à identificação, deteção, congelamento, apreensão e perda dos
instrumentos do crime.
Proposta de Lei nº 94/VIII que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada
e económico-financeira. DAR, II-A, nº 76 (Supl.), de 18 de julho de 2001.

64
Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro que estabelece medidas de combate à criminalidade
organizada e económico-financeira.
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 31 de outubro de 2003, aprovada
pela Resolução da Assembleia da República nº 47/2007, de 21 de setembro.
Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho, de 24 de fevereiro de 2005, relativa à perda
de produtos, instrumentos e bens relacionados com o crime (cfr., JO L 68, de 15/03/2005).
Convenção do Conselho da Europa Relativa ao Branqueamento, Deteção Apreensão e
Perda dos Produtos do Crime e ao Financiamento do Terrorismo, concluída em Varsóvia,
em 16 de maio de 2005.
Decisão-Quadro 2006/783/JAI do Conselho, de 6 de outubro de 2006, relativa à aplicação
do princípio do reconhecimento mútuo às decisões de perda.
Projeto de Lei nº 798/XII sobre o enriquecimento ilícito, de 28 de fevereiro de 2015.
Diretiva 2014/42/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014 sobre
o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime. JO L 127, de 29/04/2014.

65
5.1.4 Jurisprudência

Tribunal Europeu dos Direito do Homem:


Acórdão do TEDH Philips vs. United Kingdom, de 5 de julho de 2001, acessível em
http://echr.coe.int/echr/ .

Tribunal Constitucional:
Acórdão do Tribunal Constitucional nº 101/2015, de 11 de fevereiro, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150101.html.
Acórdão do Tribunal Constitucional nº 392/2015, de 12 de agosto, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150392.html.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 377/2015, Diário da República n.º 156/2015,
Série I de 2015-08-12, disponível em www.dre.pt.
Acórdão do Tribunal Constitucional nº 476/2015, de 30 de setembro, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150476.html.

Supremo Tribunal de Justiça:


Acórdão do STJ de 29 de outubro de 2003, disponível em www.dgsi.pt.
Acórdão do STJ de 17 de abril de 2015, disponível em www.dgsi.pt.

Tribunal da Relação:
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29 de setembro de 2013, disponível em
www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17 de maio de 2010, disponível em
www.dgsi.pt.
Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de setembro de 2010, disponível em
www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de março de 2005, disponível em
www.dgsi.pt.

66

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