Competitividade Setor Agrícola
Competitividade Setor Agrícola
Competitividade Setor Agrícola
123-146, janeiro-março/2001
RESUMO: Nas últimas três décadas, o setor agrícola dos países menos desenvolvidos perdeu
competitividade. A forte política agrícola explicaria o ganho nos países mais desenvolvidos.
Sua política agrícola não mudou, mesmo quando o governo adotou uma estratégia liberal.
Somente a União Europeia demonstrou ganhos de competitividade o tempo todo. Se con-
siderarmos que, no início, apresentava a pior situação em termos de vantagem comparativa,
podemos concluir que sua Política Agrícola Comum causou grande diversidade comercial e
contribuiu para a redução da eficiência econômica mundial.
PALAVRAS-CHAVE: Agricultura; comércio internacional; competitividade revelada.
ABSTRACT: ln the last three decades the agricultural sector of the less developed countries
has lost competitiveness. The strong agricultural policy would explain the gain in the most
developed countries. Their agricultural policy didn’t change, even when the government ad-
opted a liberal strategy. Only European Union has demonstrated gains in competitiveness
during all of the time. If we consider that at the beginning it showed the worst situation in
terms of comparative advantage, we can conclude that its Common Agricultural Policy has
caused big trade diversion and contributed to the reduction of the world economic efficiency.
KEYWORDS: Agriculture; international trade; revealed competitiveness.
JEL Classification: F14; F13.
INTRODUÇÃO
1 As idéias da escola clássica inglesa tiveram ampla divulgação fora da Inglaterra pelo economista
francês Jean Baptiste Say e influenciaram a ação de muitos governos, em particular quanto às vantagens
do livre cambismo. Ressalte-se que a aceitação dessas idéias não era irrestrita. Na Alemanha, por
exemplo, List foi um dos principais opositores, ressaltando a necessidade de proteger a indústria
nascente.
2 O setor agrícola concorria com uma das importantes imperfeições do mercado, qual seja, a instabilidade
de preços, decorrente dos riscos e incertezas da atividade, que justificariam a intervenção do governo.
Esse tema será abordado no próximo capítulo.
3 Przeworski (1998) compara a evolução das controvérsias sobre o papel do Estado na economia a uma
luta de boxe. Para ele, o “Estado vence o segundo round”. O primeiro coube ao mercado. Trata-se da
etapa em que o modelo econômico neoclássico era tido como paradigma. Nesse modelo “há mercado
para tudo, hoje e sempre, todos sabem tudo e sabem a mesma coisa, não há bens públicos, não há
externalidades, não há custo transacional nem retornos crescentes. Como, nessas condições, o mercado
produz a melhor alocação de recursos possível, não há lugar para o Estado” (Przeworski, 1998, p. 41).
4 “Quando faltam alguns mercados, como inevitavelmente acontece, e a informação é endógena, como
fatalmente é, já não se pode exigir que os mercados se mantenham em equilíbrio, os preços já não
incluem os custos de oportunidade e podem mesmo viciar a informação, a maioria das ações individuais
provoca externalidades, a informação é quase sempre assimétrica, o poder do mercado é ubíquo e
abundam rents” (Przeworski, 1998, p. 43).
5O sucesso do governo Thatcher, eleito em outubro de 1979, na implementação das privatizações serviu
de modelo para a difusão dessa prática no mundo, mas os resultados nem sempre foram tão favoráveis.
Young (1993, p. 135), ao comparar a experiência inglesa com a de outros países europeus, pondera que
“ ... os redamos em favor da privatização como um projeto político de validade universal podem ser
seriamente postos em dúvida”.
6 Bresser-Pereira (1996, p. 64) observa que, embora a Coréia e Taiwan tenham adotado estratégias
lideradas pelas exportações “em combinação com políticas industriais agressivas, em vez de abandonar
os destinos da economia aos caprichos do mercado, não impediu que os seguidores do novo credo
utilizassem esses países como exemplos das novas idéias liberais”.
7 Há algum tempo vem surgindo propostas no sentido de conter os excessos dos movimentos
internacionais de capitais. Destaque-se o professor James Tobin, que propõe a criação de imposto sobre
transações financeiras de curto prazo. Mais recentemente, após a crise asiática, iniciada em julho de
1997, a moratória da Rússia, em agosto de 1998, seguida pelo ataque especulativo sobre a moeda
brasileira, até mesmo especuladores defendem a contenção da volatilidade dos capitais. É o caso do
financista George Soros, que propõe a criação de uma agência internacional de seguros que estabeleça
limites de crédito protegido aos países interessados.
8Um exemplo expressivo dessa atitude contrária à retração do apoio público é a manifestação dos
agricultores com seus tratores nas ruas de Paris. Destaque-se que os Estados Unidos, desde o final dos
anos 1970, em razão do acúmulo de estoques, vinham tentando reduzir o apoio ao setor, mas sem muito
sucesso. Na União Européia, a primeira tentativa de reforma da Política Agrícola Comum aconteceu
em 1969, mas fracassou. Na década de 1980 introduziu alterações visando reduzir o protecionismo,
mas, adespeito desses esforços, os gastos públicos continuaram a crescer (Carvalho e Silva, 1994).
9 Abreu e Loyo (1994, p. 76), ao tentar explicar a lógica da sustentação de políticas agrícolas, com custos
elevados para os consumidores e contribuintes, ponderam que “... talvez o melhor que se possa alegar
seja mesmo o tamanho do setor agrícola, e, em especial, seu tamanho eleitoral, magnificado em relação
à sua participação no emprego pela estrutura distrital do voto nas principais economias desenvolvidas...
a proteção agrícola é mais palatável ao eleitorado em geral por não ter a impopular conotação de defesa
dos grandes interesses econômicos”.
10 Que serão discutidos no próximo tópico.
11 Na realidade, foi a agricultura que possibilitou à União Européia sustentar sua participação nas
receitas de exportação em torno de 50%, uma vez que perdeu mercado no comércio de outros produtos.
Esse tema é discutido no tópico Metodologia.
12
O conceito de crise fiscal do Estado foi introduzido por O’Connor (1973) para caracterizar a situação
de dificuldade do Estado em lidar com as crescentes demandas dos diferentes setores econômicos e
grupos sociais.
13 A prática é chamada populismo econômico para distinguir da idéia de populismo disseminada na
América Latina, conceito vinculado aos líderes políticos que estabelecem relação direta com o povo sem
a intermediação de partidos políticos. O conceito também está relacionado aos pactos políticos entre
industriais, trabalhadores e classe média burocrática para promover a substituição de importações
(BresserPereira, 1998, p. 169).
14
No Brasil, por algum tempo, a política de preços mínimos representou importante instrumento de
apoio ao setor, em substituição à política de crédito subsidiado. A partir do final dos anos 80 ela também
perdeu expressão (Carvalho, 1994).
15 Sonka e Patrick (1984) identificaram cinco fontes de risco para os agricultores: (a) risco de produção
ou técnico, associado a problemas climáticos, pragas e doenças; (b) risco de preço; (c) risco tecnológico,
existente quando da realização de investimentos; (d) risco legal ou social, como as mudanças nas regras
estabelecidas pelo governo para estabilizar preços, compras, ou condições de crédito etc.; e (e) fontes
humanas de risco, como greves de trabalhadores no período da colheita.
16 Ressalte-se que o protecionismo agrícola está arraigado na tradição européia há muito tempo. As
obras dos clássicos são repletas de menções a essa prática no período mercantilista. Posteriormente, no
final do século XIX, época reconhecida como de ampla aceitação do ideário liberal, a agricultura
européia viveu um período de recrudescimento protecionista.
17 No final do século XIX houve grande expansão da cultura cafeeira que levou à crise de superprodução
nos anos iniciais do século seguinte. Como o Brasil detinha 3/4 da produção mundial, ficou em situação
favorável para controlar a oferta e evitar a queda do preço do produto. Pelo convênio celebrado em
Taubaté, em fevereiro de 1906, foram definidas as bases da chamada política de valorização do produto,
que consistia no seguinte: os excedentes de produção seriam adquiridos pelo governo com recursos
obtidos no exterior; esses empréstimos seriam pagos por um imposto sobre o café exportado; e os
governos dos estados produtores deveriam desencorajar a expansão da produção. Como esse último
objetivo não foi atingido de imediato, porque a política de valorização sustentava a rentabilidade da
cafeicultura, acabou provocando acúmulo de excedentes invendáveis até que o governo decidiu pela
sua destruição. A queima dos estoques levou ao deslocamento dos recursos da cultura do café para a
atividade industrial (Furtado, 1969).
18 Édesse ano o Agricultura/ Adjustment Act norte-americano, política cujo objetivo era reduzir a área
de certas culturas e garantir preços mínimos e que, com algumas adaptações, existe até hoje.
19Thorstensen (1993) aponta a PAC como um dos pilares básicos da União Européia e ressalta que a
Política Comercial Comum do bloco está subordinada ao seu desempenho.
20 Para o Brasil, esse enfoque foi desenvolvido por Veiga (1974), que constatou o ônus para o setor
como decorrente do baixo custo da moeda estrangeira, política adotada com o fito de facilitar a
importação de matérias-primas e de bens de capital para viabilizar a indústria. A Índia viveu problema
semelhante. “Acreditando que o potencial da agricultura e das exportaçôes era limitado, os governos
da Índia decidiram tributá-la, distorcendo contra ela as relações de troca e enfatizando a substituição
de importações” (Banco Mundial, 1997, p. 24).
21 Castro (1979) observou que nessa etapa o crédito rural era absorvido predominantemente pelos
médios e grandes estabelecimentos rurais e que teve papel fundamental na viabilização do setor
industrial, garantindo demanda por seus produtos.
22Também na Ásia a política foi sujeita a críticas. Johnson (1975, p. 273) observou que “... após seis
ou sete anos, uma colheita desastrosa no sul da Ásia causou desilusões na maioria dos técnicos que antes
mostravam-se tão otimistas”.
23 Nos países pobres, freqüentemente as transferências são oriundas da agricultura para o restante da
economia.
24 Ver, por exemplo, Sanderson (1990), Stoeckel et ai. (1989) e Tyers e Anderson (1988).
25 A disputa entre esses dois gigantes provocou perdas consideráveis para os países em desenvolvimento, que
perderam fatias de mercado, continuando o declínio iniciado desde meados dos anos 60 (Coutinho, 1994).
26 Apoiados pelo grupo de Cairns, composto de Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia,
Fiji, Hungria, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Filipinas, Tailândia e Uruguai.
METODOLOGIA
27 Histórico sobre as negociações agrícolas no GATT, em particular sobre a Rodada Uruguai, podem
ser encontrados em Fagundes (1994) e Carvalho e Silva (1994).
28 Fajnzylber (1988) dá uma interpretação mais abrangente ao conceito. Define competitividade, sob
uma perspectiva de médio e longo prazo, como a capacidade de um país sustentar e expandir sua
participação no mercado internacional enquanto eleva, simultaneamente, o nível de vida da população.
A partir dessa definição, a maneira de atingir melhoria de competitividade é o progresso técnico.
29 O que, aliás, é desejável se se considera que o comércio externo pode gerar recursos e desenvolvimento
tecnológico capazes de reduzir as desigualdades entre as nações.
Países em Países
Mundo
Desenvolvimento Desenvolvidos
Isso fez com que os países pobres passassem a importar mais e exportar menos
produtos agrícolas. Sua participação nas importações agropecuárias cresceu à taxa
de 1,2% a.a., enquanto as exportações se retraíram em 1,1 % a.a. Nos países de-
senvolvidos a taxa de crescimento da participação nas exportações foi de 0,6 %
a.a. contra decréscimo de 0,3% a.a. nas importações agropecuárias.
O indicador vantagem relativa na exportação (VRE) agropecuária evidencia
o fraco desempenho das nações mais pobres de maneira bem nítida. Em 1961 os
países em desenvolvimento apresentavam coeficiente igual a 1,4, contra –1,4 dos
desenvolvidos30. Essa significativa vantagem dos menos desenvolvidos foi se redu-
zindo ao longo do tempo, chegando ao ponto mínimo em 1980-81. Entre 1982 e
1986 mostrou ligeira recuperação mas voltou a perder espaço até 1992, ano em
que o coeficiente VRE = 0,1, e se manteve nesse nível até 1995 (Figura 1).
30 Observar que a fórmula de VRE relaciona a razão entre exportações agropecuárias no país i e nos
demais países com a razão entre exportações de outros produtos no país i e nos demais países. Assim,
como o mundo foi dividido entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, o resultado para os
desenvolvidos equivale ao inverso do dos em desenvolvimento. Como se calcula o logaritmo neperiano
dos resultados os indicadores apresentm o mesmo número com sinal trocado. O mesmo vale para o
indicador competitividade revelada (CR).
35 A média do período 1993-95 resultou nas seguintes colocações: Estados Unidos (14,1 %), França
(9,5%), Holanda (8,8%), Alemanha (6,0%) Bélgica-Luxemburgo (4,3%), Reino Unido (3,6%), China
(3,6%) e Itália (3,5%).
36 Se observamos apenas a participação nas exportações constatamos que o Brasil passou de 6º lugar
para 10º. Aparentemente ficamos em melhor situação que Austrália e Argentina, que passaram de 2º e
7° lugares para 9º e 14º, respectivamente. O problema é que a perda de posição nas vendas foi muito
agravada por expansão nas compras de produtos agropecuários. Enquanto a Argentina reduziu suas
importações em 1,5% a.a., em média, período 1961-95, e a Austrália cresceu em 0,2°/., a.a., o acréscimo
de importações agropecuárias do Brasil foi de 0,9% a.a.
37NAFTA e MERCOSUL são blocos econômicos que se formaram no final do período estudado e,
naturalmente, não tiveram tempo, e talvez nem interesse, de consolidar alguma política agrícola comum.
38O auge da exportação de produtos não-agrícolas se deu entre 1984 e 1985 quando o MERCOSUL
contribuiu com 1,1 % das vendas mundiais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
41 Pela comparação das médias dos triénios 1961-63 e 1993-95, observamos que a participação dos
países desenvolvidos nas receitas de exportação mundial de café em grão cresceu de 0,16’¼, para 1,29%,
enquanto reduziu de 13,5% para 7,9%, nos países em desenvolvimento. O conjunto café, cacau e chá
passou de 1,7% para 4,0% nos países mais ricos contra redução de 23,10% para 14,38% nos mais
pobres. O curioso é que o Brasil perdeu espaço, mesmo em produtos em que o aumento de produtividade
da terra mostrou-se significativamente superior ao do resto do mundo. Carvalho (1996) mostra que
isso aconteceu, particularmente no período 1978-93, para as culturas de algodão, arroz, cana-de-açúcar,
cereais em geral, milho e soja.
42
Lembrando que o sucesso está sendo avaliado em termos da evolução da participação no mercado.
Naturalmente esta não é urna medida de bem-estar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Marcelo P. e LOYO, Eduardo. “A estrutura do comércio agrícola mundial: fundamentos dos
interesses liberais e protecionistas”. ln: FAGUNDES, Maria H. Políticas agrícolas e o comércio
mundial. Brasília, IPEA, 1994.